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O renascimento da Execução Fiscal a partir do Recurso Especial Representativo de Controvérsia 1.141.990/PR
O mundo da fraude à execução tributária ganhou capítulo novo a partir do julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia 1.141/990. A atitude simples e pura de desfazer-se de bens, antes que os perca para o executivo fiscal, restou bastante dificultada. Com o novo entendimento, ganha a sociedade e, em maior medida, a ética processual, tão incipiente no ordenamento jurídico brasileiro.
Direito Tributário
1. Introdução A arte de fraudar a execução sofreu um duro golpe. Doutro modo, a sofrível execução fiscal, com alcance abrangente, mas com eficácia diminuta, recebeu um alento. O afago veio do Recurso Especial Representativo de Controvérsia nº 1.141.990/PR da relatoria do Eminente Ministro Luiz Fux. Tal julgado traz, a nosso sentir, o verdadeiro espírito que o legislador quis imprimir ao art. 185, caput, do CTN, seja na redação primeira, seja na redação atual: extirpar ou dificultar a fraude à execução dentro do executivo fiscal.  Constava da redação primitiva do artigo 185 do Código Tributário Nacional, verbis “Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução”. Já a redação atual do normativo, alterada pela Lei Complementar n.º 118, de 09 de fevereiro de 2005 (com entrada em vigor a partir de 09 de junho de 2005), passou a considerar que ”Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa. A única alteração foi a supressão da expressão “em fase de execução”. Ao passo que na legislação pretérita exigia-se, para caracterizar fraude à execução fiscal, a judicialização da matéria, cumulada com a citação do executado/alienante, a atual requisita apenas o débito esteja inscrito em dívida ativa. Contudo, tanto frente à norma anterior quanto à atual, o Superior Tribunal de Justiça impunha outro requisito, qual seja, a necessidade de averbação da penhora no registro ou na matrícula do bem, nos termos da sua Súmula 375, expressada na seguinte redação “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Faticamente, tais normativos pouco ou nada se diferenciavam, pois ainda que as alienações não ocorressem antes do ato citatório ou da própria inscrição em dívida ativa, eram, de regra, feitas antes do registro da penhora. Esbarrava-se em requisito objetivo poderoso que transformava a execução fiscal, no mais das vezes, em mera penalidade processual contra o executado/alienante. Demais disso, é notório que o “calote fiscal” começa a ser engendrado quando a empresa principia a apresentar problemas de solvibilidade. Daí, até a constituição do crédito, notificação, inscrição em dívida ativa, ajuizamento, citação e registro de penhora, pouco ou nada restava para ser expropriado. Assim, a necessidade de registro da constrição no bem alienado acabava por esvaziar a execução, fator este maximizado pela morosidade judiciária. Melhor sorte não assistia à Fazenda Pública quando praticava o redirecionamento da demanda por responsabilidade tributária (sócios-gerentes). Nesse caso, o lapso temporal era ainda mais dilatado, praticamente inviabilizando a eficácia executiva. Contudo, a “via sacra” do processo fiscal, a partir do julgado que compõe o título do presente estudo[1], ganhou contornos menos dramáticos, que, salvo melhor juízo, dará um novo norte às execuções fiscais. 2. Do voto do ministro Luiz Fux Antecipando-nos novamente à conclusão, o mérito do julgado consta, unicamente, em corrigir um equívoco perpetrado de longa data pelo próprio STJ, qual seja, incidir o conteúdo da Súmula 375 nos executivos fiscais. A título ilustrativo seguem os arestos com o entendimento até então firmado: “PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 185, DO CTN. BEM ALIENADO APÓS A CITAÇÃO VÁLIDA E ANTES DO REGISTRO DA PENHORA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA N. 375, DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. 1. “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Enunciado n. 375 da Súmula do STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 18/3/2009).” (REsp 726.323/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/08/2009, DJe 17/08/2009)  AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REGISTRO DA PENHORA DO BEM IMÓVEL ALIENADO. INEXISTÊNCIA. FRAUDE À EXECUÇÃO. INCARACTERIZAÇÃO. SÚMULA Nº 375/STJ. INCIDÊNCIA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS. AGRAVO IMPROVIDO. 1. “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.” (Súmula do STJ, Enunciado nº 375). 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1137103/RN, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 16/04/2010) Noutro sentido, o julgado sob análise enfoca o ponto central da demanda, qual seja, há a incidência da Súmula 375 nos executivos fiscais? A negativa se impôs. Como bem aponta o ministro Luiz Fux “os precedentes que levaram à edição da Súmula n.º 375/STJ não foram exarados em processos tributários nos quais se controverteu em torno da redação do artigo 185 do CTN, de forma que o Enunciado não representa óbice algum ao novo exame da questão”, acrescentando que “a diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas”. A Súmula n.º 375, segundo o relator, tem respaldo em acórdãos de viés atrelado às demandas cíveis, que se travam entre particulares e encontram a sua disciplina normativa no Código Civil e no Código de Processo Civil. De fato, compulsando os precedentes que deram origem à súmula percebe-se facilmente que a abordagem deu-se, de regra, no plano da norma adjetiva, em especial sobre o art. 593, II e 659 § 4º, sendo que em nenhum momento houve a abordagem da fraude à execução fiscal, disciplinada no Código Tributário Nacional (art. 185). Nesse particular colacionamos ilustrativos arestos: “AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MONOCRATICA CONFIRMADA. SOMENTE APOS O REGISTRO A PENHORA FAZ  PROVA QUANTO A FRAUDE DE QUALQUER TRANSAÇÃO POSTERIOR (LEI N. 6.015, ARTIGO 240).(AgRg no Ag 4602/PR, Rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 04/03/1991, DJ 01/04/1991, p. 3423) FRAUDE A EXECUÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. – PREPONDERA A BOA-FE DO ADQUIRENTE, QUE DEVE SER RESGUARDADA, NO CASO EM QUE O BEM OBJETO DA PENHORA E ALIENADO POR TERCEIRO. – AGRAVO IMPROVIDO. (AgRg no Ag 54829/MG, Rel. MIN. ANTÔNIO TORREÃO BRAZ, QUARTA TURMA, julgado em 16/12/1994, DJ 20/02/1995, p. 3193) PROCESSO CIVIL. FRAUDE À EXECUÇÃO. TERCEIRO DE BOA-FÉ. A ineficácia, proclamada pelo art. 593, II, do Código de Processo Civil, da alienação de imóvel com fraude à execução não pode ser oposta ao terceiro de boa-fé. Embargos de divergência conhecidos, mas não providos.” (EREsp 144190/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/09/2005, DJ 01/02/2006, p. 427) Segundo Fux, citando vasta doutrina[2] “a fraude de execução, diversamente da fraude contra credores, opera-se in re ipsa, vale dizer, tem caráter absoluto, objetivo, dispensando o concilium fraudis. Aduzindo que: “a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato translativo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar n.º 118/2005[3], basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude; (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das “garantias do crédito tributário” (sem nota de rodapé no original). Desse modo, é de se desconsiderar a vontade das partes, pois, nas palavras do relator “pouco importa o elemento volitivo-subjetivo no sentido de que a venda que causa o malogro da execução tenha sido praticada com esse fim especifico. A fraude, ao revés, constata-se, objetivamente, sem indagar da intenção dos partícipes do negócio jurídico. Basta que na prática tenha havido frustração da execução em razão da alienação quando pendia qualquer processo, para que se considere fraudulenta a alienação ou onerarão dos bens. Esta é a expressiva diferença entre a “fraude de execução”, instituto de “índole marcadamente processual” e a “fraude contra credores” de “natureza material”, prevista no Código Civil, como vício social que acarreta a anulação do ato jurídico. Este vício civil exige vontade de fraudar (concilium fraudis) para caracterizá-lo, ao passo que a fraude de execução configura-se pela simples alienação nas condições previstas em lei (in re ipsa).” Assim, para compreendermos a mudança de entendimento inegável reconhecermos a prevalência de um interesse público em detrimento do interesse privado. Como o próprio relator assentou “o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas”. Nesse sentir, a frustração da execução a todos prejudica, não obstante fomentar a cultura da fraude contumaz. No que toca a eficácia do julgado, prescreve o Art. 543-C do CPC e seus parágrafos que “Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo”, sendo que “Caberá ao presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, ficando suspensos os demais recursos especiais até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça”. Outrossim, “Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça” . Demais disso, “Na hipótese prevista no inciso II do § 7º deste artigo, mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o exame de admissibilidade do recurso especial. Assim, considerando que o próprio tribunal[4], bem como outros a este submetido deverão acatar o entendimento, sob pena de, admitido Recurso Especial, fatalmente ser revertida a decisão ou acórdão[5], é de se analisar as hipóteses em que a fraude à execução pode ser requerida. Na prática existirão 4 (quatro) situações a ser considerada. Alienação de bem de insolvente (pessoa jurídica ou jurídica) ocorreu antes da citação e anterior à vigência da LC/118[6]. Nesse caso, o ente público não poderá postular a declaração de ineficácia do negócio jurídico. Alienação de bem de insolvente (pessoa jurídica e sócio-gerente) com citação e anterior a entrada em vigor da LC/118[7]. Nesse caso nada obsta a requisição de nulidade do negócio jurídico. Alienação de bem de insolvente (sócio-gerente) sem citação após a entrada em vigor da LC/118[8]. Neste caso, há fundamento legal para requerer a ineficácia do negócio jurídico, pois o ato de redirecionamento é fato constitutivo do crédito frente a este, devendo ser aplicada a mesma regra como se pessoa jurídica fosse. Por fim, caso o redirecionamento é anterior a entrada em vigor da LC/118, com alienação posterior a vigência do normativo mas sem citação, não é possível a requisição de ineficácia do negócio jurídico pois ao tempo do redirecionamento havida a necessidade de o executado/alienante ser citado. Conclui-se, assim, que a não incidência da Súmula 375 certamente levará a uma execução fiscal mais eficiente e justa, frustrando, na medida do possível eventuais tentativas de fraude à execução.
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A imunidade tributária como instrumento de alcance às finalidades do Estado: análise teleológica do instituto à luz da doutrina e jurisprudência
A não cobrança de tributos por meio imunidade tributária, embora seja iniciativa indubitavelmente negativa: “non facere”, quando observada em face de suas finalidades e conseqüências, revela-se dotada de plena positividade, oriunda de propósitos prestigiados pela Constituição Federal. Nesse trabalho será explorado o conceito de imunidades tributárias, sua expressividade constitucional e de que forma podem ser vistas como ações comissivas em prol dos objetivos e fundamentos do Estado Brasileiro.
Direito Tributário
Resumo: A não cobrança de tributos por meio imunidade tributária, embora seja iniciativa indubitavelmente negativa: “non facere”, quando observada em face de suas finalidades e conseqüências, revela-se dotada de plena positividade, oriunda de propósitos prestigiados pela Constituição Federal. Nesse trabalho será explorado o conceito de imunidades tributárias, sua expressividade constitucional e de que forma podem ser vistas como ações comissivas em prol dos objetivos e fundamentos do Estado Brasileiro. Palavras-chave: Imunidades Tributárias. Interpretação. Objetivos do Estado. Abstract: The non-charging of taxes through tax immunity, although initiative is undoubtedly negative, “non facere,” when observed in the face of its purposes and consequences, it is provided with full positivity, coming from prestigious purposes the Federal Constitution. In this work will be explored the concept of tax immunity, their constitutional expressiveness and how they can be seen as commissive actions in furthering the aims and principles of the Brazilian State. Keywords: Tax immunity. Interpretation. Objectives of the State. Sumário: I. Apresentação do trabalho. II. Breve apanhado histórico das Imunidades. II.1 Brasil. III. Concepções acerca da matéria. III.1 – Conceito. III.2 Aspectos de validade da norma imunizante. III.3 Classificação Doutrinária. III.3.a. Quanto à amplitude: Imunidades genéricas e específicas. III.3.b. Quanto ao modo de incidência: subjetivas, objetivas e mistas. III.3.c. Quanto à explicitude: implícitas e explícitas. IV. Finalidades do Estado – objetivos e fundamentos trazidos pela Constituição. Inciso I – Soberania. Inciso II – Cidadania. Inciso III – Dignidade da pessoa humana. Inciso III – Dignidade da pessoa humana. V – As imunidades tributárias em face das finalidades do Estado Brasileiro. V.1 Imunidades Genéricas. a)Imunidade recíproca as pessoas políticas; b) Templos de qualquer culto; c) Imunidade dos Partidos Políticos; d) Entidades Sindicais de Trabalhadores; e) Instituições de Educação e Assistência Social; e.1 – Instituições de Educação; f) Entidades de Assistência Social; g) Imunidade dos jornais, livros, periódicos e o papel destinado a sua impressão; V.2 Imunidades Específicas – breves considerações; a) ITR e a dignidade da pessoa humana; b) ITBI e livre Iniciativa; c) Imunidade de taxas e cidadania; d) As exportações e o desenvolvimento nacional; e) Demais imunidades; VI. Conclusões. Referências bibliográficas. I. Apresentação do trabalho A acepção do termo “imunidade” sugere uma posição de isenção a um determinado fator, de modo que opera sempre em face de algo, ao qual não se submete ou não se confronta. Logo, não se concebe a imunidade por si só, sem expressa menção a quê se é imune. O presente trabalho pauta sobre a imunidade na mesma concepção, sendo esta em face da atividade estatal de cobrar tributos. Com o intuito de explicá-la e situá-la no arcabouço da disciplina tributária, foram criadas pela doutrina definições como “desoneração”, “hipótese de não incidência de tributos”, “exclusão da competência tributária”, enfim, terminologias distintas, contendo cada uma delas vasta carga semântica e axiológica embasada no direito. Sem adentrar no mérito da discussão, que não é o mister desse trabalho, é possível falar, de uma forma geral, que a imunidade se revela uma limitação ao poder de tributar[1], usando-se os próprios termos da Constituição. Tal limitação obsta não somente a incidência de tributo ou a constituição da obrigação tributária, mas o próprio exercício da competência tributária, de modo que inadmissível a própria ocorrência do fato gerador, já que o tributo nem chega a existir no mundo jurídico. Por isso, à primeira face, fica bastante claro que a imunidade opera sempre negativamente frente à tributação, sendo uma forma de coagir o Estado a se omitir de cobrar o tributo, não em uma omissão opcional, mas constitucionalmente obrigatória. O presente trabalho, resgatando o sentido teleológico do instituto, buscará demonstrar que a imunidade opera não só negativamente, mas em ato comissivo no seio social, econômico e político, superando o teor abstencionista sugerido pela terminologia e se revelando uma verdadeira atitude em prol dos valores consagrados na Carta Magna. II. Breve apanhado histórico das Imunidades Ao longo da história a imunidade tributária surgiu como um privilégio. Primeiro aos nobres, depois aos clérigos, as castas ditas superiores foram se eximindo do pagamento de tributos restando para os pobres tal sofrível incumbência. Assim foi com os escravos, os derrotados em guerras, os vassalos feudais, até que, pouco a pouco, com o surgimento e consolidação do liberalismo, houve uma verdadeira democratização das imunidades[2]. Nota-se, desta feita, mais que exceção: a imunidade a tributos consistia em verdadeiro privilégio odioso, que desrespeitava princípios hoje consagrados pelos estudiosos, como a isonomia, capacidade contributiva, dentre outros. Por outro lado, um caráter distinto, que a vislumbraria como socialmente aceita, já existia em outros estados, em menor escala, como na Índia, oferecida aos anciãos, paralíticos ou cegos[3], ou na própria Roma, a “imunittas” incidente sobre os bens públicos. A força dessa modalidade de imunidade, todavia, somente ganhou força após o advento do iluminismo, que antes mesmo de discutir sobre a carga tributária, solidificou a base de direitos fundamentais e liberdades individuais, estes, intangíveis pelo Estado. Foi a partir de então que em face de garantias constitucionalmente estabelecidas a favor dos cidadãos, o Estado cedeu à quase expropriação outrora empreendida para então vislumbrar um possível caráter social do tributo, admitindo que este deveria respeitar alguns valores vitais e intransponíveis ao confisco estatal. II.1 Brasil O Direito positivo brasileiro passou a prever tal forma de desoneração constitucionalmente definida a partir da Constituição do Império de 1824. Com a Constituição de 1891, no entanto, passou a haver expressa previsão da imunidade recíproca entre o Governo Central e os Estados. Posteriormente, nos textos constitucionais de 1934, 1937 e 1945, 1946 e 1967, o referido fenômeno de não incidência foi sendo alterado, ora abrangendo diferentes situações, ora sendo restringido. E os diversos Textos Constitucionais, como era de se esperar, foram tratando a imunidade de acordo com as convicções políticas e econômicas de suas épocas. Com o desenvolvimento histórico do constitucionalismo brasileiro, viu-se a necessidade de garantir o afastamento tributário de algumas atividades e de alguns bens e serviços. Passaram estes, pois, a ter uma proteção constitucional contra a tributação. Hoje, a dita constituição cidadã prevê dezenas de casos de imunidades, sendo o ápice do instituto em comparação às cartas anteriores. III. Concepções acerca da matéria III.1 – Conceito A forma de vislumbrar o conceito de imunidades tributárias deve partir da sua natureza jurídica, de como foram estabelecidas pelo ordenamento jurídico e sua importância dentro do arcabouço normativo em que se inserem. Ricardo Lobo Torres, com a clareza que lhe é peculiar, leciona que a imunidade tributária: “é uma relação jurídica que instrumentaliza os direitos fundamentais, ou uma qualidade da pessoa que lhe embasa o direito público à não incidência tributária ou uma exteriorização dos direitos da liberdade que provoca a incompetência tributária do ente público.”[4] Em outro aspecto, atestando a natureza negatória e abstencionista do instituto, Souto Maior disciplina: “É a imunidade uma limitação constitucional ao poder de tributar. Mais precisamente ainda: a eficácia específica do preceito imunitório consiste em delimitar a competência tributária aos entes públicos. Porquanto consiste numa limitação constitucional, a imunidade é uma vedação, uma negativa, uma inibição para o exercício da competência tributária. A imunidade é um princípio constitucional de exclusão da competência tributária.”[5](grifos acrescidos) Conforme já dito supra, a imunidade em sua própria etimologia sugere tal negação, que, embora acertada, não pode ultimar a hermenêutica do instituto, pois quando levada ao sentido teleológico – como se demonstrará adiante – supera esta característica, invertendo-a. Perceba ainda, do conceito de Souto Maior, a sugestão de que seria a imunidade um princípio constitucional, posição hoje minoritária da doutrina, e contraposta por Regina Helena Costa, ao afirmar ser a imunidade tributária: “exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva da atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais, que confere direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela delimitados, de não se sujeitarem à tributação[6]. Como já salientado, entendemos que as imunidades tributárias não constituem princípios, mas sim aplicações de um princípio, o qual denominamos princípio da não-obstância do exercício de direitos fundamentais por via da tributação[7]”. Parece acertada tal posição, admitindo ainda que tal “aplicação de princípio” possa alcançar, algumas vezes, a própria substância do princípio, conforme já demonstrado Humberto Ávila, que a distinção entre princípio e regra não é radical, pois se deve optar pelo caráter pluridimensional dos enunciados normativos, que podem “experimentar uma dimensão imediatamente comportamental(regra), finalística (princípio) e/ou metódica(postulado)[8]. Resta, portanto, a conclusão de que a norma jurídica imunizante abrange tanto o caráter principiológico, como nos casos das imunidades recíproca, dos templos e ao tráfego de bens, por exemplo, ou mesmo de regra, quando exige o cumprimento de requisitos peremptórios para seu exercício, em verdadeiras hipóteses do ‘tudo ou nada’. Em arremate, sugere-se como um primeiro conceito de imunidade a hipótese de não incidência tributária[9], constitucionalmente definida, cujo conteúdo enseja caráter ora de princípio, ora de regra, a vedar o exercício da competência tributária. III.2 Aspectos de validade da norma imunizante Miguel Reale, ao tratar dos aspectos de validade das normas jurídicas, sugere a seguinte classificação: em validade formal ou técnico-jurídica(vigência); validade social(eficácia ou efetividade); e validade ética (fundamento)[10]. Nesse sentido, aduz-se que as imunidades, quanto à vigência, são irrevogáveis, porquanto direito fundamental; em relação à eficácia, são normas declaratórias, já que, pelo mesmo motivo, preexistem a qualquer dispositivo que as autorizem[11] (o caráter constitutivo também é admitido pela doutrina, em sua corrente positivista[12]); operam erga omnes, e possuem fundamento na liberdade do indivíduo frente ao império estatal. III.3 Classificação Doutrinária A doutrina, com interesse didático, estabelece alguns critérios de diferenciação dos diferentes tipos de imunidade tributária. As diferentes classificações serão rapidamente explanadas para que, nas subseqüentes menções, seja oferecida a respectiva remissão aos seus conteúdos. III.3.a. Quanto à amplitude: Imunidades genéricas e específicas Expressas nas alíneas do Art. 150, VI, da Constituição Federal, as imunidades genéricas vedam todas as pessoas políticas a cobrarem os impostos sobre patrimônio, renda ou serviços das entidades ali mencionadas. As específicas ou tópicas, são restritas a um único e singular tributo e dirigidas a uma única pessoa política. III.3.b. Quanto ao modo de incidência: subjetivas, objetivas e mistas As imunidades subjetivas são outorgadas a determinadas pessoas: recaem sobre sujeitos; as objetivas, pelo próprio nome, recaem sobre fatos, bens ou situações: coisas, e as mistas, compõem ambos os elementos: indicam o ente beneficiado pela exoneração constitucional atrelando um parâmetro específico próprio, v.g. Art. 153, §4º, CF. III.3.c. Quanto à explicitude: implícitas e explícitas As imunidades explícitas são aquelas hospedadas em normas expressas e, de modo analítico, existem unicamente por causa desta previsão, como a imunidade dos templos e dos livros. Já as imunidades implícitas são extraíveis de princípios constitucionais e existiriam mesmo se não houvesse menção destas na Carta, como a imunidade recíproca, dada a ausência de capacidade contributiva das pessoas políticas, a força do princípio federativo e da autonomia dos municípios, por exemplo. IV. Finalidades do Estado – objetivos e fundamentos trazidos pela Constituição A Carta de 1988, em seu Art. 1º, preleciona: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.” O preceptivo indica, de forma clara, o perfil do Estado Brasileiro e a importância que este oferece à sua Constituição. Nesse simples artigo, pode-se vislumbrar, por exemplo, aspectos desde a forma de Estado, de Governo até o sistema econômico adotado. No intuito de embasar a construção deste tópico, serão traçadas linhas sobre cada um dos incisos, em análise conjunta – quando cabível – com os fundamentos do da República, insculpidos no Art. 3º da Letra Máxima[13]. Inciso I – Soberania Exauriente a conceituação trazida por Marcelo Caetano: “um poder político supremo e independente, entendendo-se por supremo aquele que não está limitado por nenhum outro na ordem interna e por poder independente aquele que, na sociedade internacional, não tem de acatar regras que não sejam voluntariamente aceites e está em pé de igualdade com os poderes supremos dos outros povos”[14] Ora, a soberania é o poder mais elevado dentro do Estado e garante, fora dele, condições iguais de diálogo com outros pares. Demonstra a solidez e independência do país, seja perante seus súditos, seja na sua autodeterminação entre os povos. Inciso II – Cidadania Trata-se do reconhecimento estatal do cidadão como indivíduo de direitos frente ao Estado, integrante e indissociável da sociedade. É aos cidadãos que se dirigem os objetivos do Estado, já que, se este existe, na teoria do Contrato Social, é por deliberação daqueles, no exercício da respectiva cidadania. A construção da sociedade justa, livre e solidária, assim como a não-discriminação, são objetivos visando à cidadania em seu sentido social, muito além da simples cidadania política, de nacional no gozo de direitos políticos. Inciso III – Dignidade da pessoa humana Ensina com maestria Dirley da Cunha Júnior: “A dignidade da pessoa humana assume relevo como valor supremo de toda sociedade para o qual se reconduzem todos os direitos fundamentais da pessoa humana.[15]” A dignidade revela-se valor moral, ético e espiritual inerente à pessoa, impondo o respeito dentre outros indivíduos e perante o Estado, que não pode transpor este mínimo invulnerável[16] que todo estatuto jurídico deve assegurar. A pessoa é, nesta perspectiva, o valor último[17], o valor supremo da democracia, que a dimensiona e humaniza[18]. Os objetivos do Estado têm como pressuposto fundamental a dignidade de seus cidadãos, já que esse é o básico, o elementar que deve ser garantido, sendo, assim, o parâmetro mor para toda e qualquer implantação de políticas públicas. Inciso IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa O crescimento de todo e qualquer país advém da força motriz do seu proletariado. O trabalho é fator de crescimento, condição de sustento e veículo para alcance da dignidade, sendo, por isso, valorado pela Constituição Federal em diversas passagens, como os Arts. 6º, 7º, 8º e seus diversos incisos. Quanto à livre iniciativa, esta consta dentre os fundamentos da ordem econômica(Art. 170, caput), esclarecendo que cabe aos particulares a exploração de atividades econômicas, nos moldes do sistema capitalista, qual seja o adotado pelo Brasil. Esclarece José Afonso da Silva, por fim, a amplitude que o termo designa, pois “liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou liberdade de empresa e a liberdade de contrato”[19]. Inciso V – o pluralismo político. Quanto a tal fundamento, ensina a Doutrina: “É fundamento que assegura a realização dos postulados democráticos, garantindo a multiplicidade de opiniões, de crenças, de convicções e de ideias, que se manifestam normalmente por instituições como as associações, as entidades sindicais e, em especial, os partidos políticos”[20]. Tal inciso revela a preocupação do legislador em garantir a liberdade de convicção filosófica e política, essenciais ao exercício da democracia[21], aos seus cidadãos, autorizando a livre organização e participação em partidos políticos. V – As imunidades tributárias em face das finalidades do Estado Brasileiro No Brasil, listam-se 7 hipóteses de imunidades genéricas e 26 de imunidades específicas. Aqui serão analisadas com mais profundidade as primeiras, dado seu quilate de afastamento dos impostos em geral, e, em breve exposição, as segundas, priorizando aquelas que consubstanciem a tese defendida. V.1 Imunidades Genéricas a)Imunidade recíproca as pessoas políticas:  As pessoas políticas não podem se tributar reciprocamente por meio de impostos, assim prevê a Carta:  “Sem prejuízo de outras garantias ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir imposto sobre patrimônio renda e serviços uns dos outros” (art. 150, VI, “a” da CF). Tal espécie decorre do Princípio Federativo, que fundamenta a forma de Estado assumida pelo Brasil, sendo cláusula pétrea insculpida no Art. 60, § 4º, I, da Carta Magna. Nas classificações doutrinárias, prevê-se como genérica, subjetiva e implícita. O primeiro aspecto que se vislumbra é a falta de capacidade contributiva dos entes federativos. Tais pessoas não a possuem porque seus recursos destinam-se à prestação dos serviços públicos que lhes incumbem[22], por isso, não podem ser tributadas. Denote-se que é vedada a exploração de atividades econômicas pelo Estado, sendo circunstância excepcionalmente autorizada e, caso o seja, resta enquadrada sob o regime de Direito Privado. Em segundo lugar, demonstrando o aspecto ativo/positivo do instituto, buscou o constituinte esclarecer a ausência de supremacia ou superioridade de um ente federativo sobre outro. Os Estados-membros, a União e os Municípios convivem em pé de igualdade, tanto o é que somente tributos contraprestacionais têm a cobrança autorizada, como a taxa e contribuição de melhoria. Desta feita, constatado o nivelamento entre os entes, buscou-se impedir relações de ‘superioridade’ injustas entre os entes, em casos de perseguição política entre chefes do Executivo ou, no mesmo sentido, favorecimentos e apadrinhamentos[23], os denominados privilégios odiosos. Então, partindo com o intuito de proteger a solidez da federação e evitar iniqüidades, o constituinte criou uma forma impositiva de respeito mútuo entre os entes, impossibilitando que um tribute o outro, na medida de suas esferas. Em terceiro lugar, demonstrando que a iniciativa é de proteção à substância da federação, não abrangeu as pessoas políticas exploradoras de atividade econômica regidas pelo direito privado[24] (art. 150, VI, §3º da CF) mas tão somente autarquias e fundações, dentro da esfera de suas finalidades. b) Templos de qualquer culto Trazida desde a Carta de 1891, esta modalidade de imunidade tributária(genérica, subjetiva e explícita) remete-se a longas datas, quando da relação institucional entre Estado e igreja. Os conflitos religiosos permeiam a história da humanidade em trágicos e longos episódios. Guerra dos Trinta Anos, Cruzadas, as famigeradas Jihad e Inquisição, enfim, são fartos os exemplos de litígios motivados pela divergência nas convicções religiosas. O Brasil, que assumiu a laicidade na Constituição de 1988, ofereceu aos seus cidadãos a opção de escolher a que ou a quem cultuar, sem discriminações nem obrigatoriedades, tanto o é que estabelece: “Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;” Logo, com o intuito de proteger o direito à liberdade religiosa, trazido no rol de direitos fundamentais[25], foi estabelecida norma imunizante de impostos não somente aos templos em si, na sua acepção espacial, mas às atividades inerentes às finalidades daqueles(inclusive sobre a renda auferida por meio de oferendas ou sobre a propriedade do imóvel locado[26]). Dessa maneira, o constituinte buscou empreender a isenção do Estado em face da liberdade religiosa, impondo-lhe respeito e abstinência a qualquer sorte de interferência – incluindo-se a tributária – no âmbito de atividades religiosas. c) Imunidade dos Partidos Políticos Os partidos políticos, no mister de veículos do exercício da democracia[27], simbolizam a liberdade de escolha oferecida aos cidadãos para elegerem seus dirigentes e representantes, apresentando nítido caráter público. É sabido e comprovado que toda sorte de empecilho ou obstáculo impingido à liberdade de pensamento, cidadania ou consciência política gera trincas hábeis a ruir qualquer forma de democracia. Nesse sentido, há várias disposições constitucionais, envolvendo mais que a liberdade de votar, mas a própria liberdade de opinião(Art. 14, caput, Art. 5º, IV,IX)[28]. A Constituição Federal, que fora elaborada e outorgada justamente por estes representantes do povo, filiados a seus respectivos partidos políticos, recebeu a preocupação de dizimar a hipótese de interferência estatal por meio de eventual política tributária, mais precisamente do Chefe do Executivo sobre os partidos rivais ao seu. Perceba-se que, novamente, a Constituição retoma a iniciativa de impedir a incidência de sanções políticas por via da tributação, sendo esta iniciativa igualmente rechaçada pelos tribunais superiores, como se aduz do teor das ADIn’s 173 e 394 julgadas há pouco pelo STF, editor das súmulas 323, 547 e 70, todas no mesmo teor. Restou vedada, portanto, a incidência de impostos sobre os Partidos Políticos e suas fundações, sendo caso de imunidade genérica, explícita e, logicamente, subjetiva. d) Entidades Sindicais de Trabalhadores Sob a mesma classificação da anterior, a imunidade das entidades sindicais dos trabalhadores encontra guarida no Art. 150, VI, “c” da Carta Magna. Conforme já mencionado alhures, os valores do trabalho e emprego são mencionados sucessivas vezes na Constituição Federal, mostrando a preocupação desta com a disciplina laboral e seus desdobramentos. O caput do Art. 8º expressa ser livre a associação profissional ou sindical, vedando, em seu inciso I, eventual necessidade de autorização por parte do Poder Público para tal agremiação. Ora, novamente lembrando a máxima de que o direito de tributar envolve o direito de destruir, qualquer presidente, imbuído da idéia de governar sem opositores, poderia facilmente vetar a criação de novos sindicatos ou buscar, por vias oblíquas, a extinção dos já existentes. Assim fez Vargas em seu segundo governo, quando interveio nos sindicatos dirigidos por comunistas, sob a afirmação: “Os trabalhadores terão o direito de escolher seus dirigentes sindicais contanto que não sejam comunistas” [29]. Logo, conhecendo a história, o constituinte buscou evitar que tais manobras voltassem a ocorrer, principalmente pela via da tributação, que é dotada de presunção de legalidade e dificilmente conseguiria ser abolida pela simples iniciativa popular. Portanto, a imunidade tributária nesse caso se promove como o sinal verde aos trabalhadores para se organizarem na luta por melhores condições de trabalho, direito que lhes é assegurado como fundamental, sem que sejam oprimidos por impostos, por exemplo, sobre a suada renda auferida pouco a pouco pela contribuição individual de cada um. e) Instituições de Educação e Assistência Social  Desde a crise do Wellfare State(Estado do bem estar social), os Estados reconheceram sua incapacidade de subsidiar com exclusividade os serviços essenciais à sua população, mudando a postura centralizadora e transferindo encargos a terceiros. Note-se que a atual Constituição, apelidada de Cidadã, trouxe a previsão de vários direitos sociais e garantias aos cidadãos sem, entretanto, estipular dotações orçamentárias plausíveis a financiar tais instrumentos, o que foi objeto de críticas por vários estudiosos. Frente a esse inconveniente, foi aberta uma possibilidade de cooperação por parte da iniciativa privada(filantrópica), que, embora não tivesse que pagar impostos, dada sua imunidade tributária, desincumbiria o Estado do ônus de promover financeiramente os mesmos serviços. e.1 – Instituições de Educação Nos dizeres do Art. 205 da CF, a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Suficiente tal assertiva para demonstrar que a parceria entre o Estado e os particulares na promoção da instrução e desenvolvimento intelectual dos cidadãos é mais que importante, é orgânica. Perceba-se, ainda, que a educação é contemplada em todos os objetivos do estado, pois pressuposto para uma existência digna e para promoção do desenvolvimento. Assim, veda-se a cobrança de tributos sobre as entidades educacionais sem fins lucrativos, como uma forma de fomento a tão importante iniciativa, que diminui o ônus estatal de promover o progresso sócio-cultural de seu povo. Quanto à classificação de subjetiva e genérica, não pairam dúvidas, mas suscitam alguns doutrinadores[30] a natureza de imunidade implícita desta modalidade, pelo fato de não possuírem tais instituições capacidade contributiva, pois seriam seus recursos consumidos integralmente na realização de suas atividades institucionais. Permissa venia, ousamos discordar de tal opinião. É que caso não fosse prevista na Constituição, seria improvável, talvez impossível, aduzir tal premissa, já que há incontáveis formas de atividades econômicas no âmbito educacional, sendo muito complicado delimitar onde começa e onde termina a capacidade contributiva de cada entidade que, possui, vale salientar, incontestável capacidade econômica[31]. Impõe-se, a essa altura, o alerta de Ricardo Lobo Torres: “O fundamento da imunidade das instituições de educação e de assistência social é a proteção da liberdade. Pouco tem que ver com a capacidade contributiva, que é princípio de justiça. De feito, a imunidade visa a proteger os direitos da liberdade compreendidos no mínimo existencial, nas condições iniciais para a garantia da igualdade de chance”[32]. Perceba-se que hoje, mesmo com a presença de requisitos legais para aduzir as condições passíveis a autorizar a imunidade (art. 146, II “a” da CF e 14 do CTN) surgem incontáveis polêmicas, quiçá nem se previsse a previsão de exoneração tributária! A própria existência de receita positiva, remuneração dos dirigentes, o gasto com atividades afins, representam fatores que evidenciam a exploração de atividade econômica dessas instituições, o que por si só demonstraria capacidade contributiva das mesmas. O fato é que o constituinte, agindo positivamente, buscou fomentar tais atividades, desonerando-as tributariamente no exercício um mister que, a princípio, seria do Estado. Não foi o reconhecimento de incapacidade contributiva que inspirou tal preceptivo, mas o incentivo às entidades filantrópicas de promover a educação. Assim, concordamos com a lição de Pitanga Seixas, que esclarece: “as atividades das entidades educacionais e assistenciais não são, por definição e por sua própria natureza, desprovidas de interesse econômico e capacidade contributiva, necessitando, consequentemente, de uma determinação legal mais precisa ou restrita de quais são aquelas que não devem ser tributadas[33].” Dessa maneira, aduz-se que foi a ação do constituinte em incentivo à educação que deliberou tal imunidade que, hoje, por exemplo, agracia centenas de instituições de ensino superior, facilitando o seu acesso aos cidadãos que não foram contemplados pelas universidades públicas. f) Entidades de Assistência Social Aplica-se a esta imunidade as mesmas premissas da anterior, já que, como a educação, é dever do estado a promoção da assistência social, nos dizeres da Constituição: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.” Ora, se determinado ente privado se oferece a ajudar filantropicamente o cumprimento deste dever estatal, o mínimo que o Estado poderia fazer seria não cobrar impostos sobre aquele, pois se são os impostos a receita a ser aplicada nessa mesma incumbência, não faria sentido sua incidência. Assim, novamente aduz-se o interesse proativo do Estado na consecução dos fins sociais e alcance dos seus objetivos, instituindo a desoneração de encargos tributários aos interessados em ajudar, desde que sem interesse lucrativo e cumpridos os requisitos do Art. 14 do CTN[34]. g) Imunidade dos jornais, livros, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Em simples palavras, determina a Constituição ser vedado às pessoas políticas instituírem impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel[35] destinado a sua impressão (art. 150, VI “d” da CF). Qualquer forma de desestímulo, seja pela tributação em si ou pelo encarecimento dos produtos ao consumidor final, à liberdade de comunicação, de pensamento, à expressão artística, cultural e científica, ao acesso à informação e a difusão da cultura e educação, seria reprovável.  Foi assim que, para estimular os agentes econômicos na difusão de informação e conhecimento, o constituinte os privilegiou da desoneração tributária incidente sobre os próprios bens(por isso objetiva) ou o papel destinado à sua impressão, diminuindo o preço final e abrindo às mais diversas classes o acesso a seus conteúdos. Observe-se que, além de genérica, é explícita tal imunidade, pois estabelece situação excepcional frente a outras atividades similares que são tributadas, sendo, portanto, imprescindível sua expressa menção na Carta para que tenha validade. V.2 Imunidades Específicas – breves considerações a) ITR e a dignidade da pessoa humana Importante imunidade sobre o Imposto Territorial Rural – ITR exime sua incidência sobre glebas rurais que se configurem como único imóvel dos seus proprietários. Ora, trata-se de iniciativa estatal a garantir a dignidade do homem do campo, que, ao pagar tal tributo, diminuiria ainda mais os parcos recursos auferidos para sua subsistência e de sua família. Aqui denota-se ainda o respeito ao mínimo existencial, intangível pelo tributo, sob pena de confisco. b) ITBI e livre Iniciativa A constituição garante, nos princípios da ordem econômica e nos fundamentos da República, a livre iniciativa aos seus cidadãos. Tal alusão vinculou institutos como o Código Civil ou o estatuto da Microempresa, por exemplo, que se preocuparam em facilitar a inserção no mercado, assim como a manutenção neste. No Art. 156, §2º, I da CF, prevê-se que não incidirá ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. A finalidade desta imunidade é facilitar a entrada de pessoas físicas ou jurídicas no mercado de trabalho, já que a integralização do capital pode ser realizada mediante transmissão de bens imóveis, ou a continuidade neste, pois o dinamismo das relações societárias não deve encontrar obstáculos pelo Estado, que depende desse mesmo mercado para arrecadar outras sortes de tributos. c) Imunidade de taxas e cidadania Prevista fora do título VI – Da tributação e Orçamento, tal imunidade vem insculpida nas linhas do Art. 5º, rol dos direitos fundamentais, aduzindo: “XXXIV – são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;” O direito de petição representa garantia destinada a reivindicar dos poderes públicos a proteção do patrimônio jurídico de cada cidadão, impedindo não somente a exigência tributária, mas até mesmo de depósito prévio ou preparos, nos dizeres da Súmula Vinculante nº 21, editada pelo STF: “É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”. No mesmo sentido, é inconstitucional qualquer exação imposta ao contribuinte para poder ter acesso a certidões que lhe apetecem[36], já que tal ato administrativo possui natureza meramente declaratória, e não pode ser negado sequer obstado por exigência tributária. Assim, a referida imunidade promove a garantia constitucional do cidadão contra eventual arbitrariedade ou abuso de poder por parte do Estado, em impor exigência tributária contra o exercício de direito fundamental do cidadão, numa forma de embaraçar ou impedir seu exercício. d) As exportações e o desenvolvimento nacional É antiga a máxima de que “o país não deve exportar tributos”, mas sim produtos e estes devem chegar ao mercado internacional com condições de competitividade. Nesse sentido, a Constituição instituiu estímulo às exportações, concedendo imunidade sobre impostos incidentes na circulação de bens e mercadorias como o IPI(Art. 153, §3º), ICMS(Art. 155, §2º, X, a) e ISS (Art. 156, §3º), assim como CIDE nas exportações(Art. 149, § 2º, I). e) Demais imunidades Há, além das expostas, muitas outras imunidades específicas, localizadas em diferentes locais da Carta Magna. Aplicando-se o caráter teleológico utilizado na presente tese, fácil perceber que todas elas, sem exceção, visam a prestigiar determinado direito fundamental e/ou alcançar os objetivos do Estado. Assim ocorre com a não incidência de Impostos municipais, estaduais e federais nas operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária (Art. 184, §5º) – Objetivo constitucional de erradicação da pobreza e da marginalização, e redução das desigualdades sociais e regionais; imunidade de contribuições para a seguridade social às entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei (Art. 195, §7 º) – Prestação da assistência social a quem dela necessitar(Art. 203), dentre outras. VI. Conclusões Pelo exposto, é possível concluir o presente estudo através das seguintes ponderações: 1.As imunidades surgiram como um privilégio às camadas estratificadas mais abastadas, só apresentando conteúdo socialmente aceito após o advento do iluminismo, com a solidificação dos direitos fundamentais do homem; 2.No Brasil, as Cartas ampliaram pouco a pouco as normas imunizantes, chegando ao ápice na Constituição de 1988, com 33 hipóteses de não incidência tributária; 3.Quanto à natureza do instituto, enseja caráter ora de princípio, ora de regra e, quanto à validade, são irrevogáveis, normas declaratórias, operam erga omnes e possuem fundamento na liberdade do indivíduo frente ao império estatal; 4. Com interesse didático, costumam ser classificadas pela doutrina quanto à amplitude: genéricas e específicas, quanto ao modo de incidência: subjetivas, objetivas e mistas e quanto à explicitude: implícitas e explícitas; 5. O Estado, de acordo com as previsões constitucionais, possui objetivos e fundamentos pré-estabelecidos, aduzindo, dentre eles, a promoção do bem de todos, garantia à cidadania e dignidade dos seus cidadãos e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. 6.  Dentre os fundamentos, expõem-se a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, assim como o pluralismo político, sendo tais valores pressupostos à própria substância do Estado e subsistência da democracia; 7. Adentrando no mérito das imunidades, tem-se na hipóteses do art. 150, VI, “a” da CF, a determinação de que as pessoas políticas não podem se tributar reciprocamente por meio de impostos, atuando como forma impositiva de respeito mútuo entre os entes e de garantia à solidez da federação; 8. A imunidade dos Templos, por sua vez, empreende a isenção do Estado em face da liberdade religiosa, inclusive na esfera tributária, evitando discriminações de qualquer sorte; 9.  A desoneração tributária dos Partidos Políticos garante o livre exercício da democracia, na pessoa dos representantes do povo, afinal de contas, é dele que todo o poder deve emanar (Art. 1º, parágrafo único); 10.  Nos aportes do Art. 150, VI, “c”, da Carta, a tributação não alcançará o direito de organização na luta por melhores condições de trabalho, reconhecendo os valores do trabalho e emprego como fundamento do Estado Brasileiro; 11.  As instituições de educação sem fins lucrativos encontram na imunidade tributária um incentivo do Estado, para que contribuam na promoção da instrução e desenvolvimento intelectual dos cidadãos. No mesmo sentido, as Entidades de Assistência Social, na busca de alcançar os objetivos afiançados no Art. 203 da Constituição. 12.  Com a finalidade de estimular os veículos de informação e conhecimento, desoneraram-se de impostos os livros, jornais e periódicos, assim como os papéis destinados a sua produção. 13.  Dentre as imunidades específicas destacam-se aquelas de garantia à dignidade da pessoa humana(Art. 153, §4 º, II); promoção à livre iniciativa(156, §2º, I); ao exercício da cidadania(Art. 5º XXXIV); ao desenvolvimento nacional pela via das exportações(Art. 153, §3º; Art. 155, §2º, X, “a” Art. 156, §3º e Art. 149, § 2º, I), dentre outras; 14.  Assim, frente a todo o exposto, pode-se concluir que a imunidade tributária consubstancia-se em hipótese de não incidência tributária, constitucionalmente definida, cujo conteúdo enseja caráter ora de princípio, ora de regra, a vedar o exercício da competência tributária, com a finalidade de promover o alcance às finalidades do Estado e garantir o livre exercício de direitos fundamentais.   Referências bibliográficas: AFONSO DA SILVA, José. 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Rio de Janeiro: Renovar, 2005. UCKMAR, Victor. Princípios comuns de direito constitucional tributário. 2. ed. Tradução de Marco Aurélio Greco. São Paulo: Malheiros, 2002.   Notas: [1] “A imunidade tributária tem sido definida como uma limitação constitucional ao poder de tributar. (…) Embora corrente, a definição não diz muito. O tema da imunidade tem dado margem a muitos debates, embasados em duas vertentes, cada uma delas fundada num pressuposto específico (…).Cf. Alcides Jorge Costa. ICMS – Imunidade – Direito ao Crédito – Insumos. In: Revista de Estudos Tributários n. 13. Maio/Junho de 2000, p. 20. [2] Ricardo Lobo Torres, “Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia, p. 27. [3] J. M. Othon Sidou, A natureza social do tributo, 2ª Edição, pp. 18-19. [4] Tratado de direito constitucional financeiro e tributário – os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. 3. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p 44/45. [5] Cf. BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. São Paulo: Sugestões Literárias, 1969, p. 207. [6] Imunidades Tributárias.  Teoria e Análise da Jurisprudência do STF. 1ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 52 [7] Op. Cit. p. 82. [8] Teoria dos Princípios. Da Definição à Aplicação dos Princípios Jurídicos. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 60. [9] José Souto Maior Borges. Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 217-218. [10] Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 105. [11] DURIG, Gunter. In: MAUNZ, _., HERZOG & SCHOLZ. Grundgesets. Kommentar. Munique: C.H. Beck, 1993, art. 1. [12] Cf. Claude-Albert Colliard, Libertes Publiques. Paris: Dalloz, 1982, p. 23. [13] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: II – garantir o desenvolvimento nacional;  III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. [14] Marcelo Caetano. Direito Constitucional. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 169 [15] Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podium, 2008, p. 507. [16] Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. 21. Ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 16. [17] Hoje, infelizmente, o que se percebe é a banalização deste conceito. Em face de situações irrisórias, surgem discursos retóricos aclamando gravíssimas violações à dignidade, em fenômenos grotescos como a famosa ‘indústria milionária dos danos morais’. Ainda bem que a postura dos tribunais, vituperando vil iniciativa(Vide RESP 200600946957,Min Luis Felipe Salomão, STJ, 4ª Turma, 02/09/2010) reconhece o instituto em sua real vitalidade, não o desmerecendo nem sublevando. [18] Anais da XV Conferência Nacional da OAB, ética, democracia e justiça, Foz do Iguaçu, 4 a 8 de setembro de 1994, p. 549. [19] José Afonso da Silva. 17ª Edição, São Paulo, Melhoramentos, p. 767. [20] Dirley da Cunha Junior. Op . Cit. p. 508. [21] “Só haverá democracia real onde houver liberdade de expressão, pluralismo político, acesso à informação, à educação, inviolabilidade da intimidade, o respeito às minorias e às idéias minoritárias etc. Tais valores não podem ser malferidos, ainda que seja a vontade da maioria. Caso contrário, se estará usando da “democracia” para extinguir a Democracia”. (RESP 201000486284, Min. Humberto Martins, STJ – 2ª Turma, 29/04/2010) [22] Regina Helena Costa. Princípio da Capacidade Contributiva, 3. Ed. São Paulo; Malheiros Editores, 2003 p. 75 [23] Note-se que tal circunstância se demonstra na leitura da máxima norte-americana de que “o poder de tributar envolve o poder de destruir” (“the power to tax involves the power to destroy – Chief Justice JOHN MARSHALL, julgamento em 1819 do célebre caso “McCulloch v. Maryland” (RF 145/164 – RDA 34/132), de modo que a tributação de um ente sobre outro poderia causar-lhe a ruína. [24] “A extensão das imunidades recíprocas estaria a merecer uma revisão, uma vez que a presença do Poder Público, sobretudo a União, no domínio econômico tem crescido muito e apenas a exclusão das empresas públicas que exercem atividades não monopolizadas parece insuficiente para evitar certos efeitos perversos da imunidade recíproca” In. Algumas Idéias sobre uma Reforma no Sistema Tributário Brasileiro, Direito Tributário Atual 7/8:1733-1770, 1987/88p. 1744. No mesmo sentido: Flávio Bauer Novelli, Norma Constitucional Inconstitucional?, A propósito do Art. 2º, § 2º, da Emenda Constitucional  nº 3/93. Revista da Faculdade de Direito da UERJ 2: 11-53, 1994. p. 32. [25] Art. 5º, VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. [26] Súmula 724/STF: “ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, vi, “c”, da constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades”. [27] “A essencialidade dos partidos políticos, no Estado de Direito, tanto mais se acentua quando se tem em consideração que representam eles um instrumento decisivo na concretização do princípio democrático e exprimem, na perspectiva do contexto histórico que conduziu à sua formação e institucionalização, um dos meios fundamentais no processo de legitimação do poder estatal, na exata medida em que o Povo – fonte de que emana a soberania nacional – tem, nessas agremiações, o veículo necessário ao desempenho das funções de regência política do Estado”. (MS 26603, DJE 19/12/2008, Min. Celso de Melo, STF) [28] Seriam tais previsões, talvez, uma rocha de precaução sobre a nuvem negra que, durante muitos anos, encobriu os céus da pátria: a horrenda ditadura militar, realidade conhecida e evitada pelo Constituinte. [29] Maria Celina S. D’Araújo. O Segundo Governo Vargas (1951-1954), São Paulo: Ática, 1992, p. 198. [30] Vide Roque Carraza, Regina Helena Costa e Mizabel Derzi. [31] “De regra, pode-se entender que inexiste capacidade contributiva enquanto a entidade imune e sem fins lucrativos exerce atividades fora do Domínio Econômico, já que, atuando no campo destinado aos “serviços públicos” em sentido estrito, não revelam as entidades qualquer disponibilidade para contribuir com os gastos comuns da coletividade (seus recursos não estão disponíveis); ingressando no Domínio Econômico, nasce a suspeita de que as entidades já passam a revelar capacidade contributiva e, portanto, podem ser contribuintes. Fecha-se, desse modo, o círculo entre imunidade, capacidade contributiva e Domínio Econômico”. SCHOUERI, Luís Eduardo. Notas acerca da Imunidade Tributária: Limites a uma Limitação ao Poder de Tributar. In: Tributação, Justiça e Liberdade – Estudos em Homenagem a Ives Gandra da Silva Martins. Vários autores. Coordenadores: Marcelo Magalhães Peixoto e Cristiano Carvalho. Curitiba: Juruá/APET, 2004. p. 191. [32] Op. Cit. P. 267. [33] A imunidade tributária e a não-sujeição constitucional ao dever tributário, in Silva Martins (coord.), Imunidades Tributárias, p. 725. [34] Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;  II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. [35] O STF promoveu ampliação à referida imunidade, no enunciado da Súmula 657: “A imunidade prevista no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos”. [36] Por vislumbrar violação ao art. 5º, XXXIV, b, da CF, que assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal, o Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Procurador-Geral da República para declarar a inconstitucionalidade do art. 178 da Lei Complementar 19/97, do Estado do Amazonas, que prevê a cobrança da taxa de segurança pública para fornecimento de certidões. Asseverou-se que o dispositivo impugnado, apesar do nomen iuris, não estaria a tratar de serviços de segurança pública, os quais só poderiam ser custeados por meio de impostos. ADI 2969/AM, rel. Min. Carlos Britto, 29.3.2007. (INFORMATIVO 461, de abril de 2007) Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Advogado.
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Das contribuições para o custeio da seguridade social previstas na Constituição Federal: Uma análise dos seus principais aspectos
As contribuições para custeio da seguridade social previstas na Constituição Federal de 1988. Uma análise de suas principais características, natureza jurídica e pessoas e bases econômicas tributadas.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 incluiu os Direitos Sociais no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais. Neste contexto, a seguridade social, que na definição da própria Constituição, compreende um conjunto integrado de ações destinadas a assegurar direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, representa a realização de uma parcela dos Direitos Sociais. As fontes de custeio da seguridade social estão previstas no art. 195 da Constituição Federal, que serão provenientes de recursos dos orçamentos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e das chamadas contribuições sociais. Assim, o financiamento da seguridade social será imputado a toda sociedade de forma solidária. As pessoas que possuem capacidade contributiva irão contribuir diretamente através das contribuições sociais e as que não têm capacidade contributiva participarão indiretamente do custeio através dos orçamentos fiscais das unidades da federação. O presente artigo tem por objetivo abordar as contribuições para o custeio da seguridade social sob a égide da Constituição Federal de 1988, no que diz respeitos às suas principais características, natureza jurídica e pessoas e bases econômicas tributadas por estas exações. 2 NATUREZA JURÍDICA Apesar de muitas discussões sobre a natureza jurídica das contribuições para o custeio da seguridade social, a matéria tem recebido um tratamento seguro após o advento da Constituição Federal de 1988. No Sistema Tributário Nacional estatuído pela atual Constituição estão previstas cinco espécies tributárias: os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e a contribuições especiais, dentre as quais as sociais, em que se incluem as da seguridade social, as de interesse das categorias profissionais ou econômicas e de intervenção no domínio econômico. Com efeito, dispõe o art. 149 da Constituição que compete à União instituir contribuições sociais, a elas aplicando-se as normas gerais em matéria de legislação tributária, estabelecidas em lei complementar, e os princípios da legalidade, irretroatividade e anterioridade. Na sua parte final, entretanto, o art. 149 ressalva que, para as contribuições de financiamento da seguridade social, não se aplica a anterioridade dos tributos em geral, mas a vacatio legis de noventa dias prevista no art. 195, parágrafo 6º. Defendendo a natureza tributária das contribuições para o custeio da seguridade social Leandro Paulsen[1] assevera: “(…) para evitar quaisquer riscos de entendimento diverso, o Constituinte tornou expressa e inequívoca a submissão das contribuições ao regime jurídico tributário, ao dizer da necessidade de observância, relativa às contribuições, da legalidade estrita (art. 151, I), da irretroatividade e da anterioridade (art. 150, III), da anterioridade nonagesimal em se tratando de contribuições de seguridade (art. 195, §6º), bem como das normas gerais de direito tributário (art. 146,III)”. O plenário do Supremo Tribunal Federal[2], ao apreciar essa matéria, decidiu que as contribuições sociais têm natureza tributária por dois motivos. Primeiro porque o art. 149 prevê que a elas sejam aplicados os princípios constitucionais próprios dos demais tributos. Segundo porque o parágrafo 6º do art. 195, ao regular o exercício da competência residual da União para instituir novas contribuições sociais, faz referência ao art. 154, inciso I, que é um dispositivo tipicamente regulatório de exação de natureza tributária. Fixada a natureza tributária das contribuições para o custeio da seguridade social, resta definir sua exata localização dentro da classificação das diversas espécies de tributos. Adotando-se a conhecida classificação pentapartida, as contribuições de seguridade social integram a categoria das contribuições sociais, dentro da larga espécie das contribuições especiais. A Constituição Federal em seu art. 149 faz referência genérica às contribuições sociais, trazendo no art. 195 normas específicas para as contribuições de seguridade social, impondo-lhes um regime jurídico com certas peculiaridades. Mais uma vez, esclarecedoras as lições de Leandro Paulsen[3]: “Ou seja, o art. 149 da Constituição outorga competência para a instituição de contribuições, inclusive sociais, e o art. 195 especifica quais serão as pessoas e as bases econômicas a serem tributadas para fins de seguridade social, bem como o regime para a instituição de novas fontes”.  Observa-se que os referidos artigos dispõem que as contribuições serão instituídas em função de finalidade específica. Ou seja, o produto de sua arrecadação será afetado a áreas de elevado interesse público ou social. Por este motivo Marco Aurélio Greco[4] se refere à finalidade como o critério de validação constitucional das contribuições. 3 Principais Características Por terem natureza jurídica de tributo, estão as contribuições de seguridade social sujeitas às normas gerais de direito tributário previstas em lei complementar (art. 146, III, da Constituição Federal) e às limitações constitucionais ao poder de tributar. É o que dispõe o art. 149 da Constituição Federal que trata das contribuições: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”. A remissão que o art. 149 da Constituição faz aos artigos 146 e 150, apesar de desnecessária, pois se tratando de tributo necessariamente incidiriam tais dispositivos, reafirma a natureza tributária das contribuições. 3.1. Das Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar No que diz respeito às limitações constitucionais ao poder de tributar, apesar do art. 149 fazer referência apenas ao art. 150, incisos I e III, não se dispensa a observância dos incisos II, IV e V (isonomia, vedação do confisco e proibição a limitação ao tráfego de pessoas ou bens, respectivamente) e do art. 151, inciso I (uniformidade geográfica). Por expressa referência no art. 149 da Constituição, estão as contribuições sociais submetidas ao princípio da legalidade. Isso quer dizer que o art. 97 do CTN aplica-se por inteiro às contribuições de seguridade social. Esse dispositivo reserva à lei, e somente à lei, a possibilidade de instituição do tributo; a fixação e a majoração da sua alíquota; a definição do seu fato gerador; o estabelecimento da sua base de cálculo; e a cominação de penalidades pela prática de infrações. Registre-se que a jurisprudência[5] de nossos Tribunais desde há muito já se pacificou no sentido de ser possível à medida provisória dispor sobre matéria tributária, sem desrespeito ao princípio da legalidade. Ressalta-se que em função das medidas provisórias terem força de lei ordinária, não podem ser utilizadas para regular matéria tributária nos casos em que se exige lei complementar. Ainda em relação ao princípio da legalidade, ressalta-se que regra geral, a instituição das contribuições da seguridade social se faz por meio de lei ordinária, sendo necessária lei complementar apenas para o exercício da competência residual da União, conforme leciona Leandro Paulsen[6]: “(…) para a instituição de contribuições ordinárias (nominadas) de seguridade social, quais sejam, as já previstas nos incisos I a IV do art. 195 da Constituição, basta a via legislativa da lei ordinária (ou medida provisória). Só se fará necessária lei complementar para instituição de outras contribuições de seguridade não previstas, ou seja, para o exercício da competência residual, forte na exigência constante do art. 195, § 4º, da CF”. No que concerne ao princípio da isonomia tributária, o tratamento diferenciado dado aos contribuintes das contribuições de custeio da seguridade social se justifica em razão da diferente capacidade contributiva. São manifestações da isonomia tributária em decorrência da capacidade contributiva aplicáveis às contribuições de seguridade social o art. 146, inciso III, alínea “d”, e art. 195, § 9º, ambos da Constituição Federal. O primeiro institui tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte em relação às contribuições para o custeio da seguridade social do empregador e da empresa, fazendo referência expressa ao PIS (art. 239 da Constituição Federal). Já o segundo dispõe que as contribuições devidas pelos empregadores poderão ter alíquotas ou base de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva e mão-de-obra. Em relação ao princípio anterioridade, verifica-se a existência de regra específica aplicável às contribuições de seguridade social. Dispõe expressamente o § 6º do art. 195 da Constituição Federal que ditas contribuições submetem-se apenas à anterioridade nonagesimal, afastando-se a aplicação da anterioridade do exercício, senão vejamos: “Art. 195 (…). § 6º – As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, “b””. Assim, para as contribuições de seguridade social a anterioridade nonagesimal prevista no art. 195, § 6º, é a única regra aplicável a título de anterioridade. Por fim, por serem limitações aplicáveis a todas espécies tributárias, os princípios da irretroatividade, da vedação ao confisco, da proibição de limitação ao tráfego de pessoas ou bens e uniformidade geográfica são de observância obrigatória pelas contribuições de seguridade social. 3.2. Das Normas Gerais de Direito Tributário Conforme já salientado acima, por terem natureza jurídica de tributo, estão as contribuições de seguridade social sujeitas às normas gerais de direito tributário previstas em lei complementar, conforme disposto no art. 146, inciso III, da Constituição. Isso não quer dizer, entretanto, que a instituição de uma contribuição de seguridade social dependa de lei complementar para poder ser exigida. A instituição não depende de lei complementar porque a materialidade objeto da incidência da contribuição já está definida em suas linhas estruturais pelo texto constitucional, não havendo necessidade de lei complementar – ressalvada a hipótese do exercício da competência residual da União – de delimitar algo que já está delimitado pela própria Constituição. Mas as demais normas gerais de direito tributário, que regem a obrigação, o lançamento, o crédito, a prescrição e a decadência, e que estão consolidadas no Código Tributário Nacional, aplicam-se integralmente às contribuições de seguridade social. É por esse motivo, que o prazo de decadência do direito de constituir o crédito tributário relativo às contribuições de seguridade social é de cinco anos, conforme estabelece o art. 150, parágrafo 4º, combinado com o art. 173, ambos do CTN.  Também é de cinco anos o prazo prescricional para a cobrança das contribuições, conforme preceitua o art. 174 do CTN. Não se aplica, portanto, o prazo de dez anos previsto nos artigos 45 e 46 da Lei Ordinária nº 8.212/91, nos termos da Súmula Vinculante nº 8 do Supremo Tribunal Federal[7]: “São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário”. Trata-se, portanto, de matéria exclusiva de lei complementar, não podendo a lei ordinária estabelecer prazo maior do que aquele previsto no CTN. 4 Das Pessoas e Bases Econômicas Previstas no Art. 195 da Constituição FederaL O artigo 195, incisos I a IV, da Constituição Federal elenca as pessoas e as bases econômicas a serem tributadas em caráter ordinário para fins de custeio da seguridade social. Significa, então, que nos casos ali previstos as contribuições poderão ser instituídas por leis ordinárias. Já o art. 195, §4º, da Carta Magna, autoriza a instituição de outras contribuições de seguridade social através de lei complementar, obedecido ao disposto no art. 154, inciso I, a chamada competência residual. Dessa forma, cumpre fazer um breve relato das principais pessoas e bases econômicas previstas no art. 195 da Carta Maior. Dispõe o artigo 195, incisos I a IV e § 4º, da Constituição Federal: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) c) o lucro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) III – sobre a receita de concursos de prognósticos. IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) (…) § 4º – A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I”. O inciso I do art. 195 da Constituição Federal aponta o empregador, a empresa e a entidade a ela equiparada como possíveis sujeitos passivos das contribuições de seguridade social. Posteriormente, nas alíneas “a”, “b” e “c” são elencadas as bases econômicas passíveis de serem tributadas a cargo destes sujeitos passivos. A primeira delas é um grupo formado pela folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos à pessoa física. Com efeito, salário deve ser entendido como sendo a remuneração paga pelo empregador à pessoa física que com ele mantém vínculo de emprego, conforme disposto no art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho. Não pode ser considerado salário a remuneração paga a pessoa física em decorrência da prestação de serviço autônomo. Essa é a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal[8]. Foi por isso que o dispositivo constitucional foi alterado pela Emenda Constitucional nº 20/98, para que nele fosse incluída a expressão “demais rendimentos do trabalho”. Com a nova redação, a alínea “a” do inciso I do art. 195 da Constituição passou a permitir que qualquer tipo de remuneração paga às pessoas físicas pudesse integrar a base de cálculo da contribuição. O segundo grupo de bases econômicas do inciso I do art. 195 da Constituição Federal constitui o faturamento ou receita. Em sua redação original, o inciso I do art. 195 referia, tão-somente, ao “faturamento”, não prevendo a “receita” como base econômica. No exercício dessa competência, o legislador editou a Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, que instituiu a COFINS (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social). Em seu art. 2º, a referida lei definiu faturamento como “a receita bruta das vendas de mercadorias e serviços e de serviço de qualquer natureza”[9], definição que não suscitou qualquer polêmica, pois correspondia ao que nosso ordenamento conceituava como faturamento na época da promulgação da Constituição de 1988. Posteriormente foi publicada a Lei nº 9.718, de 27 de novembro de 1998, que em seu art. 3º, que se pretendeu aplicável à COFINS e à contribuição para o PIS/PASEP, modificou significativamente o conceito de faturamento até então adotado pelo legislador, ampliando-o sobremaneira. Nos termos desse dispositivo o faturamento também corresponderia à receita bruta, mas desta vez, como “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevante o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”[10]. Ocorre que em 16 de dezembro de 1998, portanto, depois da publicação da Lei nº 9.718/1998, foi publicada a Emenda Constitucional nº 20, que alterou o inciso I do art. 195 da Constituição Federal para ampliar a base econômica “faturamento” para “a receita ou o faturamento”. Por esse motivo, salientam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[11]: “(…) o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do conceito “faturamento” adotado pela Lei nº 9.718/1998, porque esta pretendeu ampliá-lo para além dos limites da competência fixada pelo constituinte originário, antes que a EC nº 20/1998 tivesse estendido essa competência para alcançar, não só o faturamento, mas também, genericamente, a receita das pessoas jurídicas”. Todavia, não há dúvida que lei posterior à edição da Emenda Constitucional nº 20 poderá definir como base de cálculo das contribuições para o custeio da seguridade social “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”. A terceira base econômica prevista no inciso I do art. 195 da Constituição é o lucro. Esta contribuição social devida pelo empregador pessoa jurídica toma como base de cálculo o lucro líquido contábil, apurado ao término do ano calendário, de acordo com os princípios de contabilidade aceitos em geral e com os ditames da Lei nº 6.406, de 15/12/1976, com os ajustes previstos na Lei nº 7.689, de 15/12/1988, e alterações posteriores. A contribuição social sobre o lucro não se confunde com o imposto de renda, pois as bases de cálculo utilizadas por cada uma dessas exações são completamente diversas. O imposto de renda incide sobre o lucro real, ou seja, sobre o lucro líquido ajustado pelas adições e exclusões previstas na legislação. Já a contribuição sobre o lucro incide sobre o lucro líquido ajustado por outras adições e exclusões, previstas em leis próprias, que muitas vezes são as mesmas da legislação do imposto de renda, mas que às vezes não são. O art. 195, inciso II, da Constituição, prevê a contribuição do trabalhador e demais segurados da previdência social. Esta contribuição é devida pelas pessoas físicas que exerçam qualquer tipo de atividade remunerada, nos termos previstos na Lei nº 8.212, de 24/07/1991. No texto constitucional não está identificada expressamente a materialidade passível de ser atingida pela exação. O art. 195, inciso II, prevê tão somente a possibilidade de os trabalhadores e demais segurados contribuírem para a seguridade. Mas pode-se perfeitamente depreender desse mesmo dispositivo que a base de cálculo da contribuição é a remuneração percebida pelo contribuinte. Vale destacar o parágrafo 8º do art. 195 da Constituição Federal, que determina que quando o trabalhador for produtor, parceiro, meeiro e arrendatário rurais ou pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar e sem empregados permanentes, contribuirão para seguridade social sobre o resultado da comercialização de sua produção. Já o inciso III do art. 195 da Constituição prevê o custeio da seguridade social mediante contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos. A definição de concursos de prognósticos foi exemplarmente feita por Melo[12]: “Considera-se concurso de prognóstico todo e qualquer concurso de sorteio de números ou quaisquer outros símbolos, loterias e apostas de qualquer natureza, no âmbito federal, estadual, distrital ou municipal, promovidos por órgãos do Poder Público ou por sociedades comerciais ou civis.” Por fim, o inciso IV do art. 195 da Constituição dispõe sobre a contribuição do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. Ressalta-se que tal inciso foi incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003. Pode-se definir importador como qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize ou em nome de quem seja realizado o ingresso de bem ou serviço no território nacional para sua incorporação à economia interna, ou seja, que promova a importação. O texto constitucional ainda deixa a possibilidade do legislador ordinário, ao definir os aspectos da norma tributária, colocar no pólo passivo não apenas o importador, mas outras pessoas que a ele equiparar, como por exemplo, o adquirente de mercadoria entreposta. A Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, também alterou o inciso II do §2º do art. 149 da Constituição, estabelecendo como base de cálculo, para contribuição social no caso de importação, o valor aduaneiro. 5 CONCLUSÃO O texto constitucional dispõe que a seguridade social será financiada por toda a sociedade. A diversidade das pessoas e bases econômicas das contribuições para o custeio da seguridade social atinge, não de forma exemplar, mas satisfatoriamente, a finalidade da norma constitucional de multiplicidade de fontes de financiamento. Lado outro, a natureza jurídica tributária outorgada pela Constituição Federal às contribuições, imprime segurança jurídica aos contribuintes das exações, uma vez que amparados pelas limitações constitucionais ao poder de tributar e normas gerais de Direito Tributário. Conclui-se, portanto que o modelo adotado para as contribuições para o custeio da seguridade social, embora sujeito a críticas, é viável e representa o mínimo de garantia para implementação de alguns dos Direitos Sociais.
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Imunidade do artigo 150, VI, b da Constituição Federal – extensão do termo templo
O presente estudo tem como tema principal a imunidade tributária dos templos religiosos. A imunidade tributária é um instituto consagrado constitucionalmente visando limitar a competência do ente tributante. No direito tributário existem outras formas de exoneração tributária, porém a imunidade merece uma maior atenção por tratar-se de uma vedação total ao poder de tributar.  A pesquisa discorre sobre a objetividade jurídica do legislador constituinte quando da retirada da competência tributária de todos os entes federados sobre cobrança de impostos inerentes a templos de qualquer culto, ou seja, qual seria o espírito da norma quando da sua criação.  O trabalho, ainda, aborda as críticas dentro da posição doutrinária nacional e jurisprudencial, pertinente à intenção etimológica do termo “templo”, pois, ao se estudar a imunidade tributária percebe-se que os templos religiosos estão imunes aos impostos, porém faz-se necessário a real definição do que é considerado templo para efeito de negativa de competência, bem como do porque da exclusão das demais espécies de tributo. No presente estudo analisa-se, também, vários entendimentos sobre quais templos seriam abrangidos por essa imunidade. Alguns autores entendem imunes aos impostos todos os templos no qual, de alguma forma, pratica-se uma determinada religião, porém outros divergem dessa opinião afirmando que algumas ditas “religiões” na verdade praticam uma ideologia de vida, como é o caso da Maçonaria e Rosa Cruz, e não a religião propriamente dita. Nesse caso, para essa corrente, nenhuma dessas entidades estariam imunes a cobrança dos impostos. Diante de tantas divergências, viu-se necessário e de extrema relevância um estudo sobre o assunto.[1]
Direito Tributário
3 INTRODUÇÃO Para um melhor entendimento sobre a matéria, é necessária uma explanação sobre a forma de governo adotada pelo Brasil, para então se chegar ao tema da imunidade tributária. O modelo de República Federativa, que consiste na reunião de dois ou mais Estados num só, nasceu no ano de 1787, na América do Norte, com a união das colônias inglesas que se declararam independentes da Inglaterra. O Estado federal ou Federação de Estados consiste na divisão de poderes entre as organizações governamentais, diferindo-se da forma de Estado unitário que possui apenas um centro de poder controlador de todas as coletividades regionais e locais (SILVA, 2010). Esta forma de Estado (Federal) foi a adotada pelo Brasil, conforme dispõe o artigo 1º da Magna Carta: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…)” A República Federativa do Brasil é composta por quatro entes que possuem competências ou prerrogativas garantidas pela Constituição Federal. Esses entes federados são dotados de autonomia interna, entretanto somente o Estado Federal detém a soberania, inclusive para fins de direito internacional. “…o Estado federal, o todo, como pessoa reconhecida pelo Direito internacional, é o único titular de soberania, considerada poder supremo consistente na capacidade de autodeterminação. Os Estados federados são titulares tão-só de autonomia, compreendida como governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal” (SILVA, 2010, p. 100). A forma federativa de estado é imodificável, pois foi estabelecido pelo legislador constituinte como condição de cláusula pétrea (art. 60, § 4º). Nas palavras de Moraes (2010, p. 275): “Dessa forma, inadmissível qualquer pretensão de separação de um Estado-membro, do Distrito Federal ou de qualquer Município da Federação, inexistindo em nosso ordenamento jurídico o denominado direito de secessão. A mera tentativa de secessão do Estado-membro permitirá a decretação de intervenção federal (CF, art. 34, I)”. Essa forma de Estado visa uma melhor gerência da coisa pública através da distribuição de competência estabelecida pela lei maior. A competência constitucional, via de regra, é classificada em competência administrativa, que especificam o campo de atuação político administrativa do ente federado, competência legislativa, que estabelece o poder para criação das normas, e competência tributária, que, como próprio nome já diz, é o poder que cada ente possui para a criação e instituição de tributos.  4 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA Preliminarmente, antes de abordarmos o tema da imunidade tributária, necessário se faz à diferenciação da competência para legislar sobre direito tributário e competência tributária. “Competência para legislar sobre direito tributário é o poder constitucionalmente atribuído para editar leis que versem sobre tributo e relações jurídicas a eles pertinentes. Trata-se de uma competência genérica para traçar regras sobre o exercício do poder de tributar. Em contrapartida, competência tributária é o poder constitucionalmente atribuído de editar leis que instituam tributos” (ALEXANDRE, 2007, p. 185). Em artigo publicado no sitio do jus navigand, Ramos (2002) afirma: “A expressão competência tributária pode ser definida como sendo o poder, atribuído pela Constituição Federal, observadas as normas gerais de Direito Tributário, de instituir, cobrar e fiscalizar o tributo, compreendendo a competência legislativa, administrativa e judicante”. Portanto, tem-se que competência para legislar sobre direito tributário é a competência para editar normas gerais sobre tributo, já a competência tributária é o poder de criação e instituição de tributo que o texto constitucional atribui aos entes federados, para então, através de lei, a exercerem. Para Carraza (2007, p. 485) “competência tributária é habilitação ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas pessoas para que, por meio de lei, tributem”. Assim, a competência tributária é o poder estabelecido pela Carta Magna aos entes federados, com o fim de buscar recursos financeiros para a gerência da coisa pública, haja vista o tributo ser a fonte basilar de custeio do estado de direito. No entendimento de Moraes (2010, p. 150): “Ao definir a competência tributária da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a Constituição confere a cada uma dessas pessoas o poder de instituir tributos, que serão exigíveis, à vista da ocorrência concreta de determinadas situações, das pessoas que se vincularem a essas mesmas situações”. Essa competência vem estabelecida nos artigos 145, 148, 149, 149-A e 195 da Constituição Federal (CF/88): “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b. Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderá instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (…)”. Como já é sabido, a Constituição Federal não cria tributos, ela apenas autoriza os entes federados a criá-los, através de lei ordinária, ressalvadas as hipóteses reservada a lei complementar, não admitindo a invasão de um ente tributante em outro, com o fim de se evitar uma guerra fiscal. V.G. a União não pode editar uma lei criando o imposto de propriedade predial e territorial urbana (IPTU), haja vista ser um imposto de competência municipal (art. 156, I). Nos dizeres de Moraes (2010, p. 864) “a Constituição Federal, em regra, não institui tributos, mas sim estabelece a repartição de competência entre os diversos entes federativos e permite que os instituam com observância ao princípio da reserva legal”. Note-se que o artigo supracitado dispõe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer tributos. Sem muito esforço hermeneutico, conclui-se que a constituição não impõe aos entes federados a instituição dos tributos, e sim lhes faculta essa possibilidade, de acordo com a conveniência econômica de cada ente. Entretanto, apesar do texto constitucional trazer como faculdade a instituição do tributo, o artigo 11, parágrafo único, da Lei Complementar nº 101/2000 estabelece uma sanção caso o ente tributante não institua os impostos de sua competência, que é a vedação de transferência voluntária de recursos. Alexandre (2007, p. 192) discorrendo sobre esse dispositivo afirma: “Se um ente possui competência para criar um imposto e não o faz, a presunção é de que não precisa da respectiva receita. Se, posteriormente, procura os entes maiores em busca de repasse de recursos, a negativa é razoável”. Assim, essa faculdade constitucional de instituição de impostos passa a ser obrigatória, sob pena de reflexo na transferência voluntária de verbas de um ente federado para outro. Porém, somente a transferência voluntária é que fica vedada, o repasse obrigatório previsto constitucionalmente não. O professor Horvath (2001, p. 39) nos ensina: “Não há como confundir a transferência voluntária com a obrigatória, decorrente de previsão constitucional. A voluntária decorre de repasse de recursos entre níveis de governo, sem que haja imposição constitucional ou legal. Ocorre quando o governo do Estado remete recursos a determinado Município para que este realize evento cultural, por exemplo. Neste caso, há vedação da remessa. Logo, as transferências que realiza por determinação constitucional ou legal não são passíveis de retenção ou de não envio”. Portanto, para que o ente federado possa receber uma verba de transferência voluntária, é necessário a criação e instituição de todos os tributos de sua competência, sob pena de ser vedado referido repasse. Vale ressaltar que, para a criação de novos tributos deve se observar a norma constitucional disposta no artigo 165, § 2º, que reza sobre a obrigatoriedade de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Há de se ressaltar, ainda, que de acordo com os artigos 6º e 7º, do Código Tributário Nacional (CTN), a competência legislativa tributária é plena e indelegável, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, e a atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra. 4.1. Privativa Competência privativa é àquela competência exclusiva que um ente federado possui para instituir determinado imposto. Como exemplo, podemos citar a instituição do imposto sobre propriedade de veículo automotor (IPVA) que é de competência privativa dos Estados e do Distrito Federal, ou seja, o Município e a União não poderão instituir referido tributo. A Constituição Federal, em seu título VI – Da Tributação e Do Orçamento – dispõe quais os impostos que cada ente federado pode instituir. Assim, somente o ente federado dotado de uma dada competência poderá instituir o respectivo tributo. Inobstante a maior parte dos doutrinadores relacionar a competência privativa aos impostos, no caso do empréstimo compulsório (art. 148 CF/88), contribuições de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias econômicas (art. 149 CF/88) também há de se considerar como competência privativa da União. 4.2 Residual A competência residual, prevista no artigo 154 da CF/88, corresponde àquela atribuída a União de instituir outros impostos que ainda não foram previstos pelo legislador constituinte, desde que não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos já discriminados. No dizer de Moraes (2010, p. 873): “A Constituição Federal concedeu à União, em matéria de competência tributária, a denominada competência residual, consistente na possibilidade de criação, mediante lei complementar, de impostos não previstos no texto constitucional (art. 153), desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados na Constituição. Dessa forma, após prever todas as espécies tributárias e dividi-las entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a Constituição – residualmente – autoriza à União a criação de novo imposto”. Em regra, os tributos são instituídos através de lei ordinária de cada ente tributante, porém no caso do imposto residual somente poderá ser instituído através de lei complementar. 4.3 Comum Diz-se comum a competência atribuída a todos os entes federados – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – de instituírem taxas e contribuições de melhoria. Assim, havendo uma prestação de serviço publico ou exercício regular do poder de polícia, no caso das taxas, ou a realização de obras com a valorização do imóvel, no caso da contribuição de melhoria, qualquer um dos entes tributantes que tenha realizado o serviço, ou posto a disposição do contribuinte, poderão instituir as referidas exações. 5 NEGATIVA DE COMPETÊNCIA 5.1. Conceito Sabemos que a Constituição Federal não cria tributos, ela se limita a distribuir aos entes federados competência para sua instituição. Sabemos, também, que o tributo é a fonte basilar de custeio, pois não há Estado de direito que custeie seu fim sem a arrecadação tributária. Entretanto, o exercício da tributação deve encontrar limites. No dizer de Carraza (2007, p. 481) “No Brasil, por força de uma série de disposições constitucionais, não há falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas, tão-somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo Direito)”. A mesma constituição que outorga aos entes federados a competência para instituição de tributos, limita esse poder através da imunidade tributária, vedando o ente federado incidir exação em determinados casos. Conforme a definição de Alexandre (2007, p. 147) “as imunidade são limitações constitucionais ao poder de tributar consistentes na delimitação da competência tributária constitucionalmente conferida aos entes políticos.” Segundo o entendimento de Moraes (2010, p. 881): “A limitação constitucional ao exercício estatal do poder de tributar é essencial para a garantia da segurança jurídica e dos direitos individuais, em especial o de propriedade, evitando abusos e arbitrariedades e permitindo uma relação respeitosa entre o Fisco e o cidadão”. Assim, a não incidência tributária é o benefício que decorre de uma norma constitucional proibitiva de tributação. Ela se refere a situação em que o fato não é alcançado pela regra da tributação, pois apesar de ocorrer o fato gerador do tributo, não há a subsunção à hipótese de incidência. Como exemplo, cita-se o caso do IPTU sobre o templo religioso. Apesar de ter ocorrido o fato gerador, ou seja, ser proprietário de imóvel no dia 01/01, o tributo não incidirá sobre o templo por vedação expressa do texto constitucional, em seu artigo 150, VI, “b”. Importante ressaltar que o templo religioso só fará jus ao instituto da imunidade se seu proprietário for o contribuinte direto da relação tributária, ou seja, quando ele diretamente suportar o ônus da exação. No caso de locação, em que a igreja assume contratualmente a obrigação do pagamento do IPTU, essa imunidade não se aplica, visto que o sujeito passivo da obrigação tributária é o locador e não o locatário, conforme disposto no artigo 34 do Código Tributário Nacional (CTN), sendo ela somente contribuinte de fato e não de direito.  Em recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o relator desembargador Francisco Olavo bem explanou sobre o assunto:  “A par de não ter ocupado o imóvel durante a totalidade do período em que os débitos exeqüendos foram gerados, mas somente em parte do exercício de 2003, não prospera a alegação da Igreja agravante de que a invocada imunidade lhe beneficia, na situação sob análise. Isso porque, conforme consignou o i. Magistrado a quo na r. decisão agravada, o mero locatário não é contribuinte do imposto. Dispõe o art. 34 do CTN que o contribuinte do IPTU é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título. Da análise do referido dispositivo, apoiada no entendimento da doutrina e da jurisprudência, pode-se concluir que a posse passível de revelar capacidade contributiva é aquela derivada do direito real, ou seja, a que é exercida com ânimo de proprietário. O locatário não pode figurar como contribuinte do IPTU, porque possui apenas a posse direta do imóvel, a qual é fundada em direito pessoal, ostentando apenas a condição de mero detentor sem animus domini, circunstância que o exclui da sujeição passiva do referido tributo”. A respeito do tema, vale a pena destacar o comentário de LEANDRO PAULSEN, inserido na obra “Direito Tributário Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência”, ed. Livraria do Advogado, 11ª ed., 2009, p. 725, o qual segue transcrito: “c) o locatário, o arrendatário e o comodatário de bens imóveis não são contribuintes, porque somente possuem a posse direta do imóvel, não podendo transferir, locar ou ceder a terceiros. A circunstância de terem se obrigado a suportar os ônus do imposto não os qualificam como contribuintes, especialmente porque as convenções particulares não podem ser opostas à Fazenda Pública (art. 123, CTN). A posse é que exterioriza o domínio, não aquela exercida pelo locatário ou pelo comodatário, meros titulares de direitos pessoais limitados em relação à coisa”. Nesse sentido, já se posicionou o STJ, quando do julgamento do REsp 325.489/SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma do STJ, v.u., DJ. 24.2.2003: “A jurisprudência desta Corte em torno do art. 34 do CTN, dispositivo que estabelece o sujeito passivo do IPTU, entende ser da responsabilidade exclusiva do proprietário o pagamento do referido imposto. (…) Examinando-se o art. 34 do CTN, pode-se ter uma errônea idéia, por apontar o artigo como contribuinte o possuidor a qualquer título. Doutrinariamente, distingue-se a posse oriunda de direito real, situação em que assume o possuidor o ônus do proprietário, da oriunda de direito pessoal, quando detém esse título pela só existência de um contrato, tal como a locação, o comodato, etc. O certo é que somente contribui para o IPTU o possuidor que tenha animus domini, como ensina o professor Odmir Fernandes (Código Tributário Nacional, Editora Revista dos Tribunais, pág. 97). Assim, jamais poderá ser chamado como contribuinte do IPTU o locatário ou o comodatário”. Contudo, para afastar definitivamente a alegação de omissão, passo à análise da questão. Inicialmente, observe-se que a execução fiscal visa à cobrança do IPTU dos exercícios de 2002 e 2003, nos termos da CDA de fl. 17. Conforme o contrato de locação de fls. 44/56, a instituição religiosa somente passou a ocupar o imóvel, na condição de locatária, em 10.03.2003. Dessa forma, ainda que lhe fosse possível o reconhecimento da imunidade, esta somente ensejaria a anulação de parte do tributo exequendo. Os embargantes requerem a manifestação quanto ao disposto nos artigos 291 e 292 do Código Tributário do Município de Bauru, que estabelecem ser devido o IPTU por, entre outros, os ocupantes a qualquer título ou os que exerçam a posse direta do imóvel. Segundo os recorrentes, referidos dispositivos ensejam a imputação ao locatário da responsabilidade pelo pagamento do IPTU, ainda que de forma subsidiária. Tal é a premissa para o pleito do reconhecimento da imunidade à instituição religiosa locatária do imóvel. Entretanto, conforme constou do v. acórdão, a impossibilidade de cobrança do imposto do locatário, possuidor direto sem animus domini, impede a aplicação do benefício da imunidade. Com efeito, por não ser sujeito passivo do IPTU, conforme a interpretação conferida pelos Tribunais ao art. 34 do CTN norma geral de direito tributário que estabelece os possíveis contribuintes do imposto, o locatário sequer tem legitimidade ativa para discutir o lançamento do imposto. Nesse sentido, transcreve-se o esclarecedor trecho do voto proferido pelo E. STJ no AgRg no Agravo de Instrumento nº 900.568 RJ, Primeira Turma, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 05.08.2008: “Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sedimentou-se no sentido de que o locatário não detém legitimidade para litigar em demanda visando à impugnação de lançamento referente ao IPTU, porquanto não se reveste ele da condição de contribuinte ou de responsável tributário. Confira-se: AgRg no AG 508796 / RJ ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2003/0042331-2 Relator(a) Ministro FRANCIULLI NETTO (1117) Orgão Julgador T2 SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 16/03/2004 Data da Publicação/Fonte DJ 30.06.2004 p. 307 Ementa: AGRAVO INTERNO – TRIBUTÁRIO – LOCATÁRIO – IPTU – AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM PARA FIGURAR NA RELAÇÃO JURÍDICA-TRIBUTÁRIA. Convém consignar, desde logo, que o presente recurso não merece prosperar, porquanto a sedimentada jurisprudência desta Corte Superior aponta no sentido de que o locatário é alheio à relação jurídico tributária, de modo que não cabe a ele nela figurar, seja como sujeito ativo, seja como passivo. Mesmo diante de comprovação de que efetivamente a locatária suportava as exações em comento, descabe qualquer oposição nesse sentido contra a Fazenda Estadual, uma vez que a defesa fundada em contrato particular não tem o condão de legitimar aquele que nem sequer figura na relação jurídica tributária. Agravo interno a que se nega provimento. RESP 299563 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2001/0003469-1 – Relator(a) Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS (1094) Orgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 14/10/2003 Data da Publicação/Fonte DJ 24.11.2003 p. 243 Ementa: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IPTU. ANULAÇÃO DO LANÇAMENTO. LOCATÁRIO. ILEGITIMIDADE ATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO. CPC, ART. 267, VI. PRECEDENTES. 1. O locatário não se reveste da condição de contribuinte nem de responsável tributário, por isso, não possui legitimidade ativa para impugnar o lançamento do IPTU. 2. Recurso especial conhecido e provido. RESP 172522 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1998/0030625-0 – Relator(a) Ministro ARI PARGENDLER (1104) Orgão Julgador T2 – SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 08/09/1998 Data da Publicação/Fonte DJ 28.06.1999 p. 80 JSTJ vol. 8 p. 229 LEXJTACSP vol. 180 p. 631 RSTJ vol. 121 p. 207 – Ementa: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO. CONTRIBUINTE. LOCATÁRIO. Há um só contribuinte do imposto predial e territorial urbano, que pode ser o proprietário do imóvel, o titular do domínio útil ou o possuidor, nesta ordem; embora possuidor, o locatário é estranho à relação jurídico-tributária, se o Município identificou o proprietário como contribuinte do imposto, e não tem, por isso, legitimidade para litigar a respeito. Recurso especial não conhecido. RESP 124300 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1997/0019247-4 – Relator(a) Ministro MILTON LUIZ PEREIRA (1097) Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 05/12/2000 – Data da Publicação/Fonte DJ 25.06.2001 p. 104 – Ementa: Processual Civil. Tributário. IPTU. Locatário. Legitimidade. 1. O locatário não é parte legítima para figurar no pólo passivo em demandas acerca da cobrança do IPTU. 2. Multiplicidade de precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso sem provimento. RESP 160996 / MG ; RECURSO ESPECIAL 1997/0093369-5 – Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105) Orgão Julgador T1 PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 12/03/1998 Data da Publicação/Fonte DJ 27.04.1998 p. 117 – Ementa: TRIBUTARIO E PROCESSUAL CIVIL. IPTU. LANÇAMENTO. LOCATARIO. ILEGITIMIDADE “AD CAUSAM”. 1 – O LOCATARIO E PARTE ILEGITIMA PARA IMPUGNAR O LANÇAMENTO DO IPTU, POIS NÃO SE ENQUADRA NA SUJEIÇÃO PASSIVA COMO CONTRIBUINTE E NEM COMO RESPONSAVEL TRIBUTARIO (ART. 121 DO CTN). 2 – RECURSO IMPROVIDO”. Assim, a eventual cobrança do IPTU da instituição religiosa locatária seria contrária aos limites estabelecidos pelo CTN aos municípios, consistindo em extrapolação da competência tributária. Entretanto, apesar da dicção dos mencionados artigos 291 e 292 do Código Tributário do Município de Bauru, não há indícios de que a cobrança do imposto venha a ser efetivada contra a Igreja embargante. A uma, porque, em atenção ao entendimento vigente nos Tribunais, o próprio Código Tributário Municipal de Bauru passou a dispor a partir de 2005, no parágrafo único do art. 290, que “por possuidor a qualquer título entende-se aquele que possua a coisa com animus domini”, conforme informa a embargante na peça recursal, a fls. 8/9. Ou seja, o próprio Município de Bauru reconhece a ilegitimidade do locatário para se sujeitar ao IPTU do imóvel locado, não obstante a norma ter vigência em período posterior ao da execução fiscal impugnada. A duas, porque a execução foi proposta contra o Clube dos Bancários de Bauru (fl. 16), não havendo notícia de que tenha sido a embargante incluída no polo passivo, o que seria vedado nos termos da Súmula nº 392 do STJ, que desautoriza a alteração do polo passivo de execução fiscal, por implicar na modificação do próprio lançamento. Assim, os embargantes não podem valer-se da imunidade deferida à instituição religiosa, pelo fato de não ser esta a responsável legal pelo pagamento do tributo. Fica afastada, dessa forma, a argumentação quanto à tributação indireta da entidade religiosa, em ofensa ao art. 150, VI, § 4º da Constituição Federal. Ante o exposto, acolho parcialmente os presentes embargos declaratórios para aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, sem, contudo, alterar a conclusão do julgado” (Embargos de Declaração nº 0060829-98.2010.8.26.0000/50000, 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator: Desembargador FRANCISCO OLAVO, Julgado em 15/09/2011, grifo nosso). Assim, verifica-se que a imunidade tributária somente é aplicada aos impostos quando o contribuinte direto for à entidade religiosa. O art. 150, VI, “b”, da CF/88 traz um rol exemplificativo das imunidades, uma vez que há outras imunidades previstas ao longo da constituição, v.g. o direito de petição aos Poderes Públicos e a obtenção de certidões em repartições públicas (art. 5º, XXXIV), entre outras. No entender do professor Amaro (2009, p. 151) “o fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes”. 5.2. Evolução da imunidade tributária no Brasil Em breve análise sobre a imunidade tributária no Brasil, temos que a primeira constituição, do ano de 1824, não tratou sobre o tema de forma expressa. No entanto, já vinha nos contornos da imunidade estabelecendo que o socorro público e o ensino primário eram gratuitos (art. 179, XXXI e XXXII). Já a Constituição de 1891 procurou estabelecer de forma expressa questões sobre imunidade. V.g. o art. 9º, § 2º que dispõe: “é isenta de impostos, no Estado por onde se exportar, a produção dos outros Estados”. Apesar de o texto constitucional usar a expressão isenção, trata-se de imunidade, haja vista estar retirando do Estado à competência de instituição do tributo. Nesse sentido é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal que adiante veremos.  O art. 10 já previa sobre a imunidade tributária recíproca entre os Estados-Membros e a União. E ainda, o art. 11 da CF/1891 dispõe que é vedado aos Estados e a União “criar impostos de trânsito pelo território de um Estado, ou na passagem de um para outro, sobre produtos de outros Estados da República ou estrangeiros, e, bem assim, sobre os veículos de terra e água que os transportarem”. A Constituição de 1934 em seu art. 17, VIII, veda à União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tributar sobre “combustíveis produzidos no país para motores de explosão”. E o inciso IX, do mesmo dispositivo, veda a instituição de impostos interestaduais, intermunicipais, de viação ou de transporte, que gravem ou perpetuem a livre circulação de bens ou pessoas, bem como de veículos que os transportarem. O inciso X reitera a imunidade tributária recíproca outorgada pela Constituição de 1891, fazendo ressalva em seu parágrafo único sobre as taxas remuneratórias devidas pelos concessionários de serviços públicos. O art. 113, nº 36, veda a cobrança de imposto sobre a profissão de escritor, jornalista e professor. Por fim, o art. 154 traz mais um caso de imunidade quando dispõe que “os estabelecimentos particulares de educação, gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos, serão isentos de qualquer tributo”. A Constituição de 1937 veio na mesma linha da constituição anterior, acrescentando apenas a “isenção” de imposto na primeira venda ou consignação efetuada pelo pequeno produtor, este definido em lei estadual (art. 23, I, “d”). Já a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1946, trouxe a previsão de imunidade no § 1º, do art. 15, nos seguintes termos: “são isentos do imposto de consumo os artigos que a lei classificar como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica”. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil No § 1º, do art. 19, vedou a cobrança do imposto territorial sobre sítios de área não excedente a vinte hectares, quando o proprietário não possuir outro imóvel. Manteve a imunidade referente a imposto na primeira operação realizada pelo pequeno produtor (art. 19, IV), a imunidade recíproca (art. 31, V, “a”), e estabeleceu a imunidade dos templos de qualquer culto, dos bens e serviços de partidos políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que suas rendas fossem aplicadas integralmente no país para os respectivos fins (art. 31, V, “b”). Estabeleceu, também, a imunidade do papel destinado exclusivamente a impressão de jornais, periódicos e livros (art. 31, V, “c”). A Constituição de 1967 praticamente manteve as imunidades da Constituição de 1946, referente a imunidade dos templos, dos partidos políticos, instituições de educação e de assistência social, imunidade dos livros, jornais e periódicos, bem como ao papel destinado a sua impressão. E em relação a imunidade recíproca, as estendeu às autarquias no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados às suas finalidades essenciais (art. 20). No art. 22, § 1º, manteve, também, a imunidade sobre glebas rurais, aumentando somente à extensão da área de vinte para vinte e cinco hectares, quando o proprietário as cultive só ou com sua família, e não possua outro imóvel. O art. 24 estabeleceu a imunidade dos impostos sobre a transmissão de bens imóveis quando incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, sobre a fusão, incorporação, extinção ou redução do capital de pessoas jurídicas, salvo se estas tiverem por atividade preponderante o comércio desses bens ou direitos, ou a locação de imóveis. Referido artigo estabeleceu, também, a “isenção sobre circulação de mercadorias a venda a varejo, diretamente ao consumidor, dos gêneres de primeira necessidade. Por fim, o § 6º, do art. 157, veda a instituição de qualquer imposto sobre propriedade territorial rural no caso de desapropriação, em decorrência da transferência da propriedade. E, finalmente, a Constituição de 1988 manteve as imunidades das constituições anteriores, somente trazendo novos sujeitos imunes, como por exemplo as fundações mantidas pelos partidos políticos e entidades sindicais trabalhistas (art. 150, VI, “c”). 5.3. Diferenciação dos institutos da imunidade tributária e da isenção Define-se isenção tributária como uma forma de dispensa do pagamento do tributo instituído por determinado ente. O professor Carraza (2007, p. 826) em seu livro curso de direito constitucional tributário afirma: “De fato, a aptidão para tributar alberga também a faculdade de isentar, conseqüência lógica daquela. Quem cria tributos pode, por igual modo, aumentar a carga tributária (agravando a alíquota ou a base de cálculo da exação), diminuí-la (adotando o procedimento inverso) ou, até, suprimi-la, por intermédio da não-tributação pura e simples. Pode, ainda, isentar tributos. Tudo vai depender de uma decisão política, a ser tomada, de regra (há exceções), pela própria entidade tributante”. Para não haver confusão entre a imunidade tributária e a isenção, é necessário diferenciar os dois institutos. A primeira diferença é que a imunidade tributária é estabelecida em sede constitucional, já a isenção advém de norma infraconstitucional. Há de se ressaltar que, inobstante o texto constitucional trazer em alguns artigos a expressão isenção, trata-se de imunidade. Independentemente da terminologia utilizada, quando a impossibilidade de cobrança do tributo for estabelecida pela Constituição Federal será sempre o caso de imunidade. Nesse sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal (STF): “EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – QUOTA PATRONAL – ENTIDADE DE FINS ASSISTENCIAIS, FILANTRÓPICOS E EDUCACIONAIS – IMUNIDADE (CF, ART. 195, § 7º) – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. – A Associação Paulista de Igreja Adventista do Sétimo Dia, por qualificar-se como entidade beneficente de assistência social – e por também atender, de modo integral, às exigências estabelecidas em lei – tem direito irrecusável ao benefício extraordinário da imunidade subjetiva relativa às contribuições pertinentes à seguridade social. – A cláusula inscrita no art. 195, § 7º, da Carta Política – não obstante referir-se impropriamente à isenção de contribuição para a seguridade social -, contemplou as entidades beneficentes de assistência social com o favor constitucional da imunidade tributária, desde que por elas preenchidos os requisitos fixados em lei. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal já identificou, na cláusula inscrita no art. 195, § 7.º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida em favor das entidades beneficentes de assistência social. Precedente: RTJ 137/965. – Tratando-se de imunidade – que decorre, em função de sua natureza mesma, do próprio texto constitucional -, revela-se evidente a absoluta impossibilidade jurídica de a autoridade executiva, mediante deliberação de índole administrativa, restringir a eficácia do preceito inscrito no art. 195, § 7.º, da Carta Política, para, em função de exegese que claramente distorce a teleologia da prerrogativa fundamental em referência, negar, à entidade beneficente de assistência social que satisfaz os requisitos da lei, o benefício que lhe é assegurado no mais elevado plano normativo” (RMS 22.192 – Rel. Min. Celso de Mello – 28/11/1995, grifo nosso). A segunda diferença é que, enquanto na imunidade tributária não há a subsunção ao fato gerador, e, por conseqüência não há o nascimento da obrigação tributária, na isenção, ao contrário, há a subsunção do fato gerador à norma, nascendo, assim, à obrigação tributária, no entanto, essa obrigação é dispensada, através de lei do próprio ente tributante. Para uma melhor compreensão, vamos usar o exemplo que o professor Alexandre (2007, p. 147) citou em seu livro Direito Tributário Esquematizado. Um município do Estado do Rio de Janeiro é proprietário de veículos automotores. De acordo com o artigo 155, III, da CF/88, o Estado do Rio de Janeiro tem competência para instituir IPVA sobre referidos veículos. Porém, no artigo 150, IV, “a”, o texto constitucional retira essa competência do Estado de instituir imposto em relação a patrimônio, renda ou serviços de outro ente federado. Já no caso da isenção, usando o mesmo exemplo do IPVA, porém agora o proprietário do veículo automotor é uma pessoa portadora de deficiência física que necessita de veículo adaptado. O Estado do Rio de Janeiro edita uma lei isentando os veículos automotores adaptados para deficientes físicos do pagamento do IPVA. Nesse caso, o Estado do Rio de Janeiro continua possuindo competência para instituir referido imposto, porém resolveu não exercê-la, dispensando o pagamento do imposto incidente sobre o veículo.   Nas palavras do professor Alexandre (2007) “a isenção opera no exercício da competência, já a imunidade opera na delimitação da competência.” Assim, por toda a explanação acima, não há que se confundir o instituto da imunidade com o da isenção. 5.4. Imunidade tributária recíproca Estatui o artigo 150, VI, “a”, da CF/88: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;” Conforme dispositivo acima, a imunidade tributária recíproca se refere ao impedimento dos entes tributantes em instituir impostos sobre a renda, o patrimônio ou serviços uns dos outros. Significa dizer que, se a União possuir um imóvel em determinado município, a este fica vedado a instituição do IPTU sobre referido imóvel, por determinação expressa do dispositivo supracitado. No dizer de Carraza (2007, p. 708): “Esta é a chamada imunidade recíproca e decorre naturalmente seja do princípio federativo, seja do princípio da isonomia (igualdade formal) das pessoas políticas. Decorre do princípio federativo porque, se uma pessoa política pudesse exigir impostos de outra, fatalmente acabaria por interferir em sua autonomia. Sim, porque, cobrando-lhe impostos, poderia leva-la a situação de grande dificuldade econômica, a ponto de impedi-la de realizar seus objetivos institucionais. Ora, isto a Constituição absolutamente não tolera, tanto que inscreveu nas cláusulas pétreas que não será sequer objeto de deliberação a proposta de emenda constitucional tendente a abolir “a forma federativa de Estado” (art. 60, § 4°, I). Se nem a emenda constitucional pode tender a abolir a forma federativa de Estado, muito menos poderá fazê-lo a lei tributária, exigindo imposto de uma pessoa política”. Já o § 3º do mesmo dispositivo estabelece que: “§ 3° As vedações do inciso VI, “a”, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.” Assim, o princípio da imunidade recíproca só alcança o ente político quando ele exerce suas funções típicas de Estado. No caso de desenvolver atividade econômica ele não será beneficiado com tal instituto. O professor Carraza (2007) explica que se o ente político que explora atividade econômica pudesse desfrutar desse privilégio fiscal, ou seja, a imunidade tributária, estariam fazendo concorrência desleal com as empresas privadas, haja vista que, por estarem livres da tributação, seus produtos e serviços consequentemente ficariam  mais baratos do que de uma empresa privada. 5.5. Imunidade tributária dos partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores e instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos A Magna Carta, em seu art. 150, VI, “c”, veda os entes federados cobrarem impostos dos partidos políticos e fundações por eles mantida, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social que não tenham finalidades lucrativas. Porém, seu § 4º estabelece que para não haver tributação sobre as entidades referidas, o patrimônio, a renda e os serviços tem que estar relacionados com suas finalidades essenciais.  Para o professor Alexandre (2007, p. 158) o motivo que levou o legislador constituinte imunizar os partidos políticos e suas fundações da cobrança de impostos, foi de “evitar que o Estado use do poder de tributar como pretexto para subjugar partidos políticos cujas concepções contrariem aquelas adotadas por quem esteja no exercício do poder.” Entretanto, o instituto da imunidade tributária só é alcançado pelos partidos políticos regularmente constituídos, não abrangendo os partidos políticos clandestinos. O dispositivo acima citado veda, também, a instituição de tributos sobre as entidades sindicais dos trabalhadores, excluindo do benefício as entidades patronais. Na opinião de Carraza (2007, p. 741) “o que a Carta Magna pretendeu, sem dúvida, foi favorecer a sindicalização dos trabalhadores, máxime daqueles que exercem misteres economicamente mais humildes…”. Importante ressaltar que a imunidade dispensada as entidades sindicais alcança, também, as federações, confederações e as centrais sindicais. Ainda, segundo ensinamento de Carraza (2007, p. 742): “Ora, se as partes (as entidades sindicais de trabalhadores) são imunes a impostos, o todo (a central sindical) necessariamente também o é. Chega-se a essa conclusão utilizando o postulado lógico pelo qual o todo segue a sorte das partes que o formam”. Assim, verifica-se que a imunidade tributária engloba tanto as entidades sindicais de trabalhadores, quanto as centrais sindicais. As instituições de educação e de assistência social, desde que não tenham finalidade lucrativa, também são abrangidas pela imunidade. Porém, é necessário o atendimento dos requisitos estipulados em lei complementar, haja vista tratar-se de limitação ao poder de tributar. Nesse sentido é o posicionamento do STF: “EMENTA: I. Ação direta de inconstitucionalidade: Confederação Nacional de Saúde: qualificação reconhecida, uma vez adaptados os seus estatutos ao molde legal das confederações sindicais; pertinência temática concorrente no caso, uma vez que a categoria econômica representada pela autora abrange entidades de fins não lucrativos, pois sua característica não é a ausência de atividade econômica, mas o fato de não destinarem os seus resultados positivos à distribuição de lucros. II. Imunidade Tributária (CF, art. 150, VI, c, e 146, II): “instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”: delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida. 1. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar. 2. A luz desse critério distintivo, parece ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal argüida os arts. 12 e §§ 2º (salvo a alínea f) e 3º, assim como o parág. único do art. 13; ao contrário, é densa a plausibilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, § 2º, f; 13, caput, e 14 e, finalmente, se afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal mas também material do § 1º do art. 12, da lei questionada. 3. Reserva à decisão definitiva de controvérsias acerca do conceito da entidade de assistência social, para o fim da declaração da imunidade discutida – como as relativas à exigência ou não da gratuidade dos serviços prestados ou à compreensão ou não das instituições beneficentes de clientelas restritas e das organizações de previdência privada: matérias que, embora não suscitadas pela requerente, dizem com a validade do art. 12, caput, da L. 9.532/97 e, por isso, devem ser consideradas na decisão definitiva, mas cuja deliberação não é necessária à decisão cautelar da ação direta.” (ADI Nº 1.802-3/DF – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – 27/08/1998, grifo nosso). No entender de Carraza (2007, p. 745), o que o legislador constituinte busca é a colaboração destas entidades particulares para com o Estado: “Quer a Constituição não só incentivar pessoas privadas a que criem instituições de educação e assistência suprindo as deficiências da ação estatal, aperfeiçoando-a ou melhorando-a, como ainda visa a assegurar que essas entidades existam desembaraçadamente, inclusive quanto a encargos tributário”. essas entidades existam desembaraçadamente, inclusive quanto a encargos tribut Em face de todo o exposto, conclui-se, portanto, que a objetividade da norma é buscar junto aos particulares um apoio para que o Estado possa atender toda a demanda da educação e assistência. Porém, a finalidade não lucrativa não significa dizer que a prestação do serviço será gratuita, mas sua arrecadação terá que ser revertida para o mesmo fim. No dizer de Alexandre (2009, p. 156) “a entidade foi criada não para dar lucro ao seu criador, mas para atingir uma finalidade altruísta”. 5.6. Imunidade tributária dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão Dispõe o artigo 150, VI, “d”, da CF/88, que é vedado aos entes federados instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. Com base em diversos precedentes o STF editou a súmula 657 ampliando a abrangência dessa imunidade. A citada súmula assim dispõe: “A imunidade prevista no art. 150, V, d, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos.” Verifica-se que o intuito da norma e também da súmula, é garantir a liberdade de comunicação e de pensamento, bem como facilitar a difusão da cultura e da própria educação do povo. Para a professora Regina Helena Costa (2009, p. 99): “Prestigia esta imunidade diversos valores: a liberdade de comunicação, a liberdade de manifestação do pensamento, a expressão da atividade intelectual, artística, científica, visando ao acesso à informação e à difusão da cultura e da educação, bem como o direito exclusivo dos autores de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar (arts. 5º, IV, IX, XIV e XXVII, 205, 215 e 220)”. Assim, para que se cumpra os princípios estabelecidos constitucionalmente é que o legislador constituinte imunizou os livros, os jornais, os periódicos e o papel destinado a sua impressão. 5.7. Outras espécies de imunidade tributária Além das imunidades já tratadas até aqui, existem outras que são encontradas ao longo do texto constitucional. O artigo 5º traz diversas delas, como por exemplo, o direito de petição aos Poderes Públicos e a obtenção de certidões em repartições públicas, independentemente do pagamento de taxas (XXXIV). Nos incisos LXXIV, LXXVI, “a” e “b”, do mesmo dispositivo, a Magna Carta garante aos que comprovarem insuficiência de recursos, assistência jurídica gratuita, o registro civil de nascimento e a certidão de óbito. Há, também, no inciso LXXVII a proibição de cobrança de taxa as ações de hábeas corpus, hábeas data e os atos necessários ao exercício da cidadania. A Magna Carta garante, ainda, assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até cinco anos de idade em creches e pré-escolas (inciso XXV). No artigo 149, § 2º, o legislador constituinte garantiu a imunidade das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as receitas decorrentes de exportação e também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços. O artigo 155 dispõe sobre a imunidade do imposto de circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) nas operações que destinem mercadoria para o exterior, serviços prestados a destinatários no exterior, petróleo, inclusive lubrificante, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica para outros Estados, sobre o ouro quando definido como ativo financeiro ou instrumento cambial e nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodifusão e de sons e imagens de recepção livre e gratuita. Já o § 3º do referido dispositivo estabelece a imunidade dos impostos sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do país, com exceção dos impostos previstos no inciso II do referidos dispositivo (ICMS) e art. 153, I e I (II e IE). No artigo 156, § 2º, que dispõe sobre impostos de competência do município, a norma constitucional nos traz mais uma imunidade no imposto de transmissão de bens imóveis: “Art. 156. (…) § 2º – O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;” O artigo 184, embora use a expressão isenta, traz novo caso de imunidade de impostos, de qualquer ente federativo, nas operações de transferência de imóveis desapropriados para fins de reforma agrária. O artigo 195, § 7º, que também usa a expressão isenta, mas já se sabe que é caso de imunidade, por advir da Constituição, estabelece a não incidência da contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei. Já o artigo 206, II, dispõe sobre a gratuidade do ensino público em estabelecimento oficiais, o que não deixa de ser mais uma norma imunizatória. E o artigo 208, I e II, garante a todos o ensino fundamental obrigatório e gratuito e também progressiva universalização do ensino médio gratuito. E, por fim, o capítulo VII que dispõe sobre a família estabelece gratuidade a celebração do casamento. 5.8. Imunidade tributária dos templos de qualquer culto A imunidade tributária dos templos de qualquer culto, estabelecida pelo texto constitucional em seu artigo 150, VI, “b”, compreende somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com suas finalidades essenciais, ou seja, aquelas inerentes à própria natureza da entidade, abrangendo tanto os bens imóveis quanto os bens móveis. O objetivo dessa imunidade é garantir a aplicabilidade do art. 5º, VI, da Magna Carta, onde é garantido a todos a inviolabilidade de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Nenhum óbice, portanto, há de ser criado para impedir ou dificultar esse direito. Para a professora Regina Helena Costa (2009, p. 85) “a origem dessa norma imunizante remonta à separação entre a Igreja e o Estado, consumada com a proclamação da República.” É do conhecimento de todos que, durante o Império a religião oficial era a católica apostólica romana, e somente esta é que recebia a proteção do Estado. Com a proclamação da República o Estado tornou-se laico, passando a dispensar proteção a todas as religiões, ainda que o catolicismo seja a religião predominante até os dias de hoje. Portanto, essa imunidade, como afirma Carraza (2007, p. 729) “em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja.” Nas palavras do ilustre professor acima referido (2007, p. 731): “Graças a esta inteligência, tem-se aceito que também são templos a loja maçônica, o templo positivista e o centro espírita. Mesmo cultos com poucos adeptos têm direito à imunidade, até porque o benefício em tela é mais necessário às religiões incipientes que àquelas que, tendo grande número de fiéis, bem ou mal, sempre encontrariam meios de sobrevivência, ainda que compelidas a suportar pesada carga tributária”. Entretanto, ainda no entender de Carraza (2007, p. 731), o culto tem que atender os requisitos mínimos de espiritualidade e transcendentalidade, para ser considerado uma religião, e assim ser abrangido pela imunidade prevista. Ao buscarmos o significado da palavra religião no dicionário da língua portuguesa aurélio, encontramos: “s.f. Culto rendido à divindade. / Fé; convicções religiosas, crença: a religião transforma o indivíduo. / Doutrina religiosa: religião cristã. / Tendência para crer em um ente supremo. / Acatamento às coisas santas. / Fig. Coisa a que se vota respeito: o trabalho era para ele uma religião”. Pela etimologia da palavra, religião deriva do termo latino re-ligare, que significa religação com o divino. Para Moraes (2010) a religião são os princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem a Deus, compreendendo a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto. Portanto, religião é a crença em um ente supremo e a ligação entre a criatura e o criador, seja ele Deus, Alá, Javé ou qualquer outro nome que se de a ele. Após as considerações feitas acerca do conceito de religião, passa-se agora a análise sobre o que seria considerado templo para os efeitos da não incidência tributária, que é o ponto crucial para a conclusão da presente pesquisa. 6. DEFINIÇÃO DE TEMPLO PARA A HIPÓTESE DO ARTIGO 150, INCISO VI, ALÍNEA B, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Estabelecidas as premissas quanto ao conceito das imunidades tributárias, há que se verificar qual a abrangência dessa norma imunizante, ou seja, quais templos estariam efetivamente abarcados por essa não incidência. Sabemos que a intenção do legislador constituinte era a de garantir a efetividade da norma contida no artigo 5º, VI, – liberdade de crença -. Porém, é necessário que se esclareça que se o termo templo abrangeria somente o prédio em que se realiza a cerimônia, ou se abrangeria a entidade religiosa com um todo, ou seja, com todas as atividades que lhe são inerentes. O termo templo vem do latim templum que é o lugar destinado ao culto. A idéia de templo é especificamente a de um lugar destinado às cerimônias consideradas sagradas, ou seja, os templos são prédios construídos para a realização de cerimônias sagradas e são utilizadas exclusivamente para esse fim. Dado a origem da palavra e também ao seu uso comum, esse conceito é alvo de divergências, sendo duas as principais correntes. A primeira admite como templo somente o local dedicado ao culto religioso. Já a segunda corrente abrange também os conventos, as casas paroquiais, as residências dos religiosos etc. O ilustre professor Sacha Calmon Navarro Coelho (2005, p. 331/332) é adepto da corrente mais restritiva, onde somente é considerado templo o local de realização do culto, independentemente se ele é realizado sobre barcos, caminhões e vagonetes: “O templo, dada a isonomia de todas as religiões, não é só a catedral católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o terreiro de candomblé ou de umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista e a mesquita maometana. Pouco importa tenha a seita poucos adeptos. Desde que uns na sociedade possuam fé comum e se reúnam em lugar dedicado exclusivamente ao culto da sua predileção, este lugar há de ser um templo e gozará de imunidade tributária. Os terreiros da religião afro-brasileira funcionam, muitas vezes, agregados à casa do “pai-de-santo”. Comumente é um barracão. E a casa do padre? Esta também não goza de imunidade. Não é templo, é moradia (embora de um sacerdote, que nem por isso deixa de ser um cidadão, com os direitos e deveres comuns à cidadania). O escopo é imunizar o templo e não o babalorixá, o padre, o rabino, o ministro protestante em seus haveres. Não seria o caso, por exemplo, de o Município de Diamantina, em Minas Gerais, reconhecer a imunidade às fazendas e casas do bispo D. Sigaud, homem sabidamente rico. Imune é o templo, não a ordem religiosa”. Já no entendimento de Carraza (2007, p. 732), essa interpretação transcende aos limites físicos da edificação. Para ele, templo é o local onde se celebra o culto e também os seus anexos: “São considerados templos não apenas os edifícios destinados à celebração pública dos ritos religiosos, isto é, os locais onde o culto se professa, mas, também, os seus anexos. Consideram-se “anexos dos templos” todos os locais que tornam possível, isto é, viabilizam, o culto ou dele decorrem. Assim, são “anexos dos templos”, em termos de religião católica, a casa paroquial, o seminário, o convento, a abadia, o cemitério etc., desde que, é claro, não sejam empregados, como observa Aliomar Baleeiro, em fins econômicos. Também eles não podem sofrer a incidência, por exemplo, do IPTU. Se a religião for protestante, são anexos a casa do pastor, o centro de formação de pastores etc. Se a religião for israelita, a casa do rabino, o centro de formação de rabinos etc”. E continua: “Observamos que de pouco valeria considerar imune ao IPTU o templo propriamente dito e fazer incidir este imposto sobre a casa onde o oficiante do culto reside. Seria o mesmo que dar com a mão direita e tirar com a esquerda, o que, obviamente, a Constituição não faz”. Na mesma esteira é o posicionamento de Paulsen (2002, p. 203): “A expressão “templos de qualquer culto” deve ser interpretada de forma ampla, abrangendo todas as formas de expressão da religiosidade, ainda que não corresponda às religiões predominantes no seio da sociedade brasileira”. Essa norma exonerativa não alcança somente o templo, ou seja, a edificação propriamente dita. De acordo com a dicção do § 4º, do artigo 150, da Magna Carta, a imunidade referente aos impostos dos templos de qualquer culto também compreendem o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades religiosas. É nesse sentido que a jurisprudência pátria tem decidido, visando ampliar o alcance da imunidade a todo o patrimônio, renda e serviços, desde que essenciais à sobrevivência das entidades religiosas. O STF em análise do Recurso Extraordinário nº 578.562, estendeu essa interpretação inclusive aos cemitérios que estivessem ligados a uma entidade de cunho religioso. “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CF/88, CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade de incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido” (STF – RE nº 578.562, Relator: Ministro Eros Grau, Julgado em 21/05/2008). É possível, também, notar a tendência dessa interpretação ampliativa nos recentes acórdãos proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo: “APELAÇÃO CÍVEL – Mandado de Segurança – Entidade religiosa – Pretendido reconhecimento da imunidade tributária sobre terreno – Templo de qualquer culto – Segurança concedida, sob o fundamento de que o terreno está vinculado às finalidades essenciais da entidade, vez que ocorrem cultos ao ar livre, enquanto o imóvel ainda não foi construído – imunidade prevista no art. 150, inciso VI, da CF, que deve ser interpretada em conjunto com o § 4º, compreendendo o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades – Terreno recém adquirido para a construção de templo, no qual foi demonstrada a ocorrência de diversos cultos ao ar livre, relacionados, portanto, às finalidades da igreja – Sentença mantida – Recurso improvido” (Apelação nº 0004022-55.2010.8.26.0292, 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator: Desembargador Eutálio Porto, Julgado em 22/09/2011, grifo nosso). “IMUNIDADE TRIBUTÁRIA GENÉRICA Entidades religiosas Benefício que se estende a todo o patrimônio voltado aos seus fins essenciais Inteligência do art. 150, § 4º, da CF: A imunidade tributária genérica conferida às entidades religiosas se estende a todo o patrimônio relacionado com as suas finalidades essenciais, e não apenas ao local em que celebrados os cultos, a teor do art. 150, § 4º, da CF. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA GENÉRICA Entidades religiosas Reconhecimento do benefício Vinculação a decisão do ente tributante Impossibilidade: O reconhecimento da imunidade tributária genérica conferida às entidades religiosas depende apenas do preenchimento dos requisitos constitucionais, não estando condicionado a deferimento do ente tributante. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA GENÉRICA Entidades religiosas Revogação do benefício Inexistência de elementos que indiquem que o bem não está voltado aos fins essenciais da instituição Impossibilidade: A imunidade tributária genérica conferida às entidades religiosas não pode ser desconsiderada sem que haja elementos que indiquem que o bem não está voltado aos fins essenciais da instituição. RECURSOS OFICIAL E PRINCIPAL NÃO PROVIDOS” (Apelação nº 9113978-94.2003.8.26.0000, 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Relator: Osvaldo Palotti Junior, Julgado em 01/09/2011, grifo nosso). Na mesma esteira são as decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IPTU E TAXA DE COLETA DE LIXO. AÇÃO DECLARATÓRIA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. BENEFÍCIO QUE SE ESTENDE A TODO PATRIMÓNIO MÓVEL OU IMÓVEL, RESPEITADAS AS EXCEÇÕES. Salvo exceções, o que não é o caso em exame, todo o patrimônio móvel ou imóvel de qualquer religião está afetado, ainda que lucrativamente, ao culto, sua finalidade essencial. Por isso não há porque distinguir prédio ou terreno onde se exerce o culto (templo propriamente dito), e terreno ou prédio dado em locação ou utilizados para outra finalidade. Contudo, a imunidade do IPTU não alcança a Taxa de Coleta de Lixo, cuja execução pode prosseguir. Agravo parcialmente provido. Unânime”. (Agravo de Instrumento Nº 70039486675, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 23/02/2011, grifo nosso). “DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. IMÓVEL LOCADO. ENTIDADE QUE DEDICA AO CULTO RELIGIOSO: IMUNIDADE. As entidades descritas no art. 150 VI “b” da Constituição Federal são imunes ao pagamento de impostos. A destinação dada aos imóveis pelas entidades religiosas não autoriza o Município a cobrar o IPTU. O fato de estarem alugados não afasta a presunção de que o produto arrecadado deste contrato esteja sendo aplicado nas atividades essenciais da entidade. À unanimidade, negaram provimento ao 1° apelo. Por maioria negaram provimento ao 2° e confirmaram a sentença em reexame necessário, vencido o Presidente que o proveu” (Apelação e Reexame Necessário nº 70003042694, 1ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Desembargador Roque Joaquim Volkweiss, Julgado em 13/11/2002, grifo nosso). Raciocínio contrário se tem quando uma entidade religiosa loca um imóvel particular para a realização das suas atividades. Nesse caso o contribuinte direto da relação tributária não é o ente imune da exação. O sujeito que realiza o fato gerador é o particular (contribuinte de direito), porém quem irá suportar o imposto de modo indireto é a entidade religiosa (contribuinte de fato). E nem se cogite a idéia de que sendo a entidade religiosa responsável indireta pelo pagamento do tributo, por força de contrato, seria possível a aplicação da imunidade, haja vista o artigo 123, do Código Tributário Nacional dispor que as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública. É nessa linha de raciocínio a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª região, no agravo de instrumento nº 2008.04.00.004257-1/RS: “Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos de tutela consistente no reconhecimento de não-incidência do IPI sobre operações de veículos que pretende adquirir (fls. 40-41). Sustenta a agravante que o valor do imposto está incluído no preço pago pelo produto ou serviço, em virtude da própria natureza da operação mercantil que caracteriza o fato gerador da obrigação tributária. Defende, pois, que não há como considerar o consumidor final da mercadoria fora da relação jurídico-tributária. Aduz que a sua legitimidade para busca da devolução do imposto indireto é evidente; assim como assevera ser evidente o seu direito à restituição dos valores pagos indevidamente a título de IPI, mesmo sendo consumidora final do veículo adquirido, sob pena de se considerar o art. 166 do CTN letra morta no ordenamento jurídico vigente. Brada que, por se configurar templo de qualquer culto, é constitucionalmente imune a impostos (art. 150, inciso VI, alínea “b”). Requer seja atribuído efeito suspensivo ativo ao agravo de instrumento para que seja reconhecido o direito a não recolher IPI na aquisição de veículos. Decido. Não merece prosperar a insurgência. Com efeito, a questão consiste em saber se a agravante possui imunidade tributária quanto ao IPI consignado na nota fiscal de venda de veículo automotor, de procedência nacional. A Constituição Federal, em seu art. 150, VI, ‘b’, regula a matéria: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: (…) b) templos de qualquer culto; (…) § 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas ‘b’ e ‘c’, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” O destaque dado ao termo “contribuinte” visa evidenciar, talvez repisando o óbvio, que a Constituição impede que os templos de qualquer culto sejam nomeados como sujeitos passivos de impostos incidentes sobre o seu patrimônio, renda ou serviços. Não se pode examinar a pretensa imunidade da recorrente focalizando apenas a repercussão financeira do tributo, sem considerar todos os elementos estruturais do imposto. Na espécie, busca-se reconhecimento da imunidade do IPI incluído na nota fiscal de venda de veículo automotor, fabricado pela indústria nacional e faturado diretamente ao consumidor final. A União exige o tributo da montadora de automóveis, que, por sua vez, transfere-o ao adquirente do produto industrializado. Percebe-se facilmente a existência de duas relações jurídicas: a primeira, de natureza tributária, entre a União (sujeito ativo do IPI) e a montadora/fabricante (sujeito passivo do IPI); a segunda, de natureza comercial, entre a agravante (compradora do veículo) e a própria empresa fabricante (que realizou a venda direta ao consumidor). Inexiste, no quadrante enfocado, fato gerador do IPI, mas mera relação de compra e venda, fora do campo de incidência da norma tributária. A agravante limita-se a suportar os efeitos da relação jurídico-tributária, ou seja, o ônus financeiro dos valores devidos a título de imposto, sem que recaia, sobre essa operação, qualquer pretensão fiscal relativa ao IPI. Na relação jurídico-tributária que ensejou a cobrança do IPI, a imunidade não pode ser erigida como óbice, visto que os contribuintes, de acordo com o art. 51 do CTN, são o industrial, o importador ou quem a lei a eles equiparar, bem como o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça a esses contribuintes, e o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. O destaque do IPI na fatura não tem o condão de investir o consumidor na condição de sujeito passivo do tributo ou responsável tributário, visando, principalmente, instrumentalizar o princípio da não-cumulatividade. O montante pago nas operações anteriores ao fato gerador, conforme os valores destacados nas notas fiscais, pode ser descontado do que é devido na saída do produto industrializado; o crédito do contribuinte resulta do encontro entre os valores dos quais se credita e daqueles dos quais ele se debita. O consumidor fica alheio à relação jurídico-tributária nascida entre o sujeito passivo do tributo ou o responsável tributário e o sujeito ativo ou ente tributante. A qualificação da pessoa que sofre a repercussão financeira da exação como contribuinte de fato, embora difundida, induz ao equívoco de se atribuir a terceiro na relação tributária a titularidade da obrigação de recolher o IPI. O dito contribuinte de fato suporta o tributo, como qualquer outro consumidor de produto ou serviço em cujo preço está embutido o custo dos insumos e tributos, mas não é obrigado a pagá-lo, do ponto de vista exclusivamente jurídico. O fenômeno da transferência do encargo econômico não interessa ao direito tributário, tanto no caso dos tributos diretos, quanto no dos indiretos. É relevante apenas a pessoa designada pela lei como obrigada ao pagamento do tributo, sendo oportuno salientar que, no caso dos tributos indiretos, a regra jurídica de tributação visa atingir diretamente a renda da comunidade. A própria lei autoriza que o encargo financeiro seja transferido ao consumidor final; contudo, para fins de tributação, importa apenas o sujeito passivo, dito contribuinte de direito. Cabe, aqui, a aplicação do princípio que preconiza ser o Fisco terceiro em relação às convenções particulares sujeitas à tributação. Assim, não pode o consumidor avocar a si a condição de contribuinte, com base em mera relação comercial de compra e venda. A regra do art. 166 do CTN não torna o contribuinte de fato sujeito passivo da relação jurídico-tributária. Os titulares do direito de pleitear a repetição do pagamento indevido do IPI, desde que provem ter assumido o encargo financeiro ou estejam autorizados pelo terceiro a quem foi transferido o referido ônus, são unicamente o contribuinte ou o responsável tributário. Nos papéis mencionados no art. 166, a agravante enquadra-se como terceiro, na hipótese de o fabricante ou a pessoa a ele equiparada, repassando o tributo ao preço da mercadoria, pretender reaver o pagamento porventura indevido. A jurisprudência desta Corte inclina-se nesse sentido: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. IPI. ENTIDADE DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. CONTRIBUINTE. CONSUMIDOR FINAL. REPERCUSSÃO FINANCEIRA DO TRIBUTO. CONTRIBUINTE DE FATO. DIREITO DE PLEITEAR A RESTITUIÇÃO. 1 – De acordo com a concepção do CPC, a titularidade da ação deve ser aferida em vista do conflito de interesses, qualificado pela pretensão da autora e resistência do réu. A autora afirma ter direito a não pagar o IPI cobrado na nota fiscal de venda de veículo, alegando ter imunidade tributária, ao passo que a União nega o preenchimento dos requisitos para a fruição do benefício. 2 – O sujeito ativo do IPI exige o tributo do industrial, que, por sua vez, transfere ao consumidor o montante do tributo, discriminado na nota fiscal. Distinguem-se duas relações jurídicas entre: a) a União e o fabricante, de natureza tributária; b) o consumidor e o vendedor, de natureza comercial. 3 – Não se pode examinar a pretensa imunidade da autora focalizando apenas a repercussão financeira do tributo, sem considerar todos os elementos estruturais do imposto. Na relação jurídico-tributária, a imunidade não pode ser erigida como óbice, visto que a autora não se enquadra como contribuinte do IPI, tampouco realiza o fato gerador do tributo. 4 – O destaque do IPI na fatura não tem o condão de investir o consumidor na condição de sujeito passivo do tributo ou responsável tributário, mas o de instrumentalizar o princípio da não-cumulatividade, concedendo direito de crédito apenas ao industrial ou equiparado. Embora sofra a repercussão financeira da exação, o adquirente do produto fica alheio à relação jurídico-tributária nascida entre o contribuinte e o sujeito ativo. 5 – O fenômeno da transferência do encargo econômico não interessa ao direito tributário. É relevante apenas a pessoa designada pela lei como obrigada ao pagamento do tributo. No caso dos tributos indiretos, a regra jurídica de tributação visa atingir diretamente a renda da comunidade, razão pela qual o encargo financeiro é transferido ao consumidor final; contudo, para fins de tributação, importa apenas o sujeito passivo, dito contribuinte de direito. 6 – A regra do art. 166 do CTN não torna o contribuinte de fato sujeito passivo da relação jurídico-tributária. Os titulares do direito de pleitear a repetição do pagamento indevido, desde que provem ter assumido o encargo financeiro ou estejam autorizados pelo terceiro a quem foi transferido o referido ônus, são unicamente o contribuinte ou o responsável tributário. (TRF4, AC 2004.71.00.022234-1, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, DJ 31/05/2006) TRIBUTÁRIO. IPI. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADES FILANTRÓPICAS. SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. REQUISITO ESSENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE DESONERAÇAO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. CONCESSÃO. 1. A imunidade tributária das entidades filantrópicas apenas impede que lhes seja atribuída por lei a condição de sujeitos passivos da obrigação tributária e, assim, sejam legalmente obrigadas ao pagamento dos impostos sobre o seu patrimônio, renda e serviços. Não permite, porém, que haja desoneração de IPI quando a instituição suporta somente os reflexos econômicos da tributação antecedente na cadeia produtiva, figurando na qualidade de mera contribuinte de fato do imposto. 2. Possível a concessão do benefício de assistência judiciária gratuita à parte autora, entidade beneficente de assistência social. (TRF4, AC 2004.71.00.040205-7, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 05/12/2007) Em arremate, consigno que não vislumbro, e sequer restou devidamente explicitado, em que consistiria o perigo na demora a justificar a antecipação da tutela recursal, mormente porque o mandado de segurança tem rito célere, não havendo risco de ineficácia da medida acaso angariada apenas ao final. Do exposto, nego seguimento ao agravo de instrumento, ex vi do art. 557, caput, do CPC. Intimem-se. Publique-se.” (TRF4, AG 2008.04.00.004257-1, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 12/03/2008, grifo nosso). Convém ressaltar que o instituto da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, em regra, considerando alguma divergência, não se estendem as entidades filosóficas, como maçonaria e rosa cruz, haja vista não serem consideradas religião, mesmo porque admite-se pessoas de religiões diversas, como católicos, protestantes, espíritas, entre outras, e nem mesmo são obrigados a pertencer a qualquer uma delas. Há alguns entendimentos nesse sentido, onde se afirma que essas entidades filosóficas não tem cunho religioso, por essa razão não seriam abarcadas pela imunidade prevista no artigo 150, VI, “b”, da CF/88. “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO -IPTU. MAÇONARIA. CARÁTER RELIGIOSO. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO NO CASO CONCRETO. SÚMULA 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRECEDENTES. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.Relatório1. Recurso Extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, alínea a, da Constituição da República contra o seguinte acórdão do Tribunal de Justiça do Amazonas:”Apelação cível. Ação declaratória de inexistência de obrigação tributária. IPTU. Maçonaria. Associação filosófica. Entidade religiosa. Não enquadramento. Imunidade tributária. Não concessão. Apelação conhecida e provida. Sentença reformada.I. A imunidade é forma qualificada de não incidência, que decorre da supressão da competência impositiva sobre certos pressupostos previstos na Constituição. A maçonaria não é uma sociedade de cunho religioso e suas lojas não guardam a conotação de templo contida no texto constitucional, não fazendo jus, portanto, à imunidade prevista no art. 150, inc. VI, b, da Constituição Federal.II. Apelação conhecida e provida. Sentença reformada” (fl. 292).2. A Recorrente alega que o acórdão recorrido teria contrariado o art. 105, inc. VI, alínea b e § 4º, da Constituição da República.Sustenta que “fora juntado (fls. 82/84) cópia do balanço patrimonial, onde está devidamente demonstrado as despesas operacionais e receitas operacionais brutas, ou seja, os valores outrora auferidos a título de alugueres são e foram aplicados nas finalidades fins da GLOMAM” (fl. 309).Argumenta que “os imóveis estão ligados ao exercício da atividade de culto” (fl. 309).Examinados os elementos havidos nos autos, DECIDO.3. Razão jurídica não assiste ao Recorrente.4. O Tribunal de origem assentou:”Não se pode admitir que a maçonaria possa estar enquadrada na alínea b do dispositivo legal acima referido (templo de qualquer culto), pois no concernente a religiosidade de seus membros impõe o mais absoluto respeito às opiniões e crenças de cada um,proibindo qualquer discussão a respeito de religião ou política em suas lojas.(…) Considera-se a prática maçom uma ideologia de vida e não uma religião, haja vista inexistir dogmas ou credo a ser seguido por seus membros” (fl. 296).O acórdão contra o qual foi interposto recurso extraordinário fundou-se, portanto, nas provas arroladas aos autos. Para se concluir de forma diversa, seria necessário o revolvimento do conjunto probatório, procedimento que esbarra no óbice da Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal.Nesse sentido:”AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA – IPTU. LOCAÇÃO DE IMÓVEL. DESTINAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DO REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (AI 488.564-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 26.6.2009).”AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU. IMUNIDADE DE TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. DESTINAÇÃO DO IMÓVEL. REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. 1. Caso em que entendimento diverso do adotado pelo Tribunal de origem demandaria o reexame do acervo fático-probatório dos autos a fim de verificar a imunidade do imóvel em decorrência da sua destinação. Providência vedada na instância extraordinária. 2. Aplicação da Súmula 279 do STF. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido” (AI 595.479-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, Primeira Turma, DJe 6.8.2010).”AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU. IMUNIDADE. TEMPLOS DE QUALQUER CULTO. DESTINAÇÃO DO IMÓVEL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. A imunidade prevista no art. 150, VI, ‘b’, da Constituição do Brasil, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. Precedente. 2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula n. 279 do STF. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI 51.138-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 17.8.2007).5. Não há, pois, o que prover quanto às alegações da Recorrente. 6. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).” (Recurso Extraordinário nº 632800 AM , Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 25/11/2010, Data de Publicação: DJe-235 DIVULG 03/12/2010 PUBLIC 06/12/2010, grifo nosso). Porém, há posicionamentos em sentido contrário, considerando tanto a maçonaria quanto a rosa cruz, e outras entidades filosóficas, como uma sociedade de cunho religioso, onde admite-se homens livres e de bons costumes, apenas exigindo que possua um espírito filantrópico, para o aperfeiçoamento da sociedade humana. “E M E N T A  – APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITOS FISCAIS – IPTU – MAÇONARIA – IMUNIDADE TRIBUTÁRIA -ART. 150, VI, ALÍNEAS “B” E “C”, DA CF – ENTIDADE VOLTADA PARA A FILANTROPIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL SEM FINS LUCRATIVOS -IMUNIDADE CARACTERIZADA – RECURSOS IMPROVIDOS. A imunidade é o obstáculo decorrente de regra da CF (art. 150, VI) à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado, pois a imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária aquilo que é imune. O Brasil é um país laico, não possuindo religião oficial. A imunidade prevista no artigo 150, VI, “b”, da CF e repetida no artigo 9º, IV, “b”, do CTN abrange qualquer uma delas, não importando qual. Assim, tendo em vista a própria essência da maçonaria, classificada como sociedade secreta, que visa à propagação de idéias religiosas e o aperfeiçoamento da humanidade, pode ser considerada como de cunho religioso e, portanto, enquadra-se na imunidade disposta no artigo 150, VI, “b”, da CF. Também, faz jus a maçonaria à imunidade prevista na alínea c do citado dispositivo constitucional, pois seu objetivo e finalidade constitui-se na benemerência, ou seja, na realização de um objetivo de natureza ideal, estranho ao interesse pessoal dos associados, enquadrando-se, assim, no conceito de entidade assistencial” (TJMS – Apelação Cível nº AC 26025 MS 2007.026025-0, Relator: Desembargador Oswaldo Rodrigues de Melo, Julgado em 03/03/2008, grifo nosso). Tramita no STF o Recurso Extraordinário nº 562.351, onde a Loja Maçônica o Grande Oriente do Rio Grande do Sul pretende ver reformada a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que entendeu que a entidade não teria direito a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, “b” e “c”, da CF/88. O relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, conheceu parcialmente do recurso, no que se refere a alínea “b”, porém lhe negou provimento com o fundamento de que “a maçonaria é uma ideologia de vida e não uma religião, assim, a entidade não poderia ser isenta de pagar o IPTU”.    Acompanharam seu voto os ministros Dias Toffoli, Ayres Britto e Cármen Lúcia Antunes Rocha. Entretanto o recurso ainda não foi julgado, pois o ministro Marco Aurélio pediu vistas dos autos. Dessa forma, em decorrência das divergentes interpretações, verifica-se a crucial importância da Corte Máxima do Judiciário Brasileiro dar a sua interpretação quanto a extensão do termo templo expresso no texto constitucional, porém, como dito acima, o recurso ainda encontra-se em análise. Inobstante os entendimentos de que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto não alcançam as entidades filosóficas por não terem características de templos religiosos, o ente tributante, através de lei, poderá lhes conceder a isenção dos impostos, conforme dispõe o § 6º, do artigo 150, da CF/88. Convém ressaltar, ainda, que o instituto da imunidade tributária abrange tão somente os tributos não vinculados a uma atuação estatal, quais sejam, os impostos. Portanto, não há que se falar em imunidade tributária dos templos de qualquer culto no caso das outras espécies tributárias. Nesses tributos, a exação decorre de uma prestação efetiva da administração pública, trazendo certo benefício ao contribuinte, não havendo manifestação de poder de império do Estado. Caso se admitisse que a imunidade também alcançasse os demais tributos, implicaria locupletamento do ente religioso sobre o Estado, haja vista ter este efetivamente prestado o serviço ou colocado a disposição do ente. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS Baseado na análise de todo o trabalho acima apresentado, conclui-se que a imunidade tributária é um instituto previsto constitucionalmente, que visa a exoneração de impostos. Essa imunidade é concedida as entidades definidas no artigo 150, VI da Constituição Federal. No que tange a imunidade tributária dos templos de qualquer culto, verifica-se que ela se estende ao patrimônio, renda e serviços relacionados com a finalidade essencial da entidade, é o que se extrai da leitura do art. 150, § 4º, da CF/88. Essa interpretação mais abrangente visa garantir a todos o livre exercício da atividade religiosa. Verifica-se, também, que referida norma decorre do caráter deísta do Estado Brasileiro, haja vista o a Carta Constitucional evocar em seu preâmbulo a proteção de Deus, inobstante ser um Estado laico, ou seja, acredita-se em um criador, porém sem professar qualquer religião. Quanto a extensão do termo templo, a doutrina e a jurisprudência não chegaram a um consenso, uma vez existirem entendimentos de que essa norma exonerativa deve abranger somente os templos propriamente dito (edificação), como, também, há entendimentos abrangendo os seus anexos, ou seja, a casa paroquial, casa do rabino, e outras, pois, para eles, o que seria imune é a entidade religiosa. Tão pouco há entendimento pacífico se o instituto da imunidade tributária alcançaria as entidades filosóficas, como maçonaria e rosa cruz, pois alguns entendem serem essas entidades de cunho religioso, e outros como entidades tipicamente filantrópicas e filosóficas, sem qualquer relação com a religião. Assim, o entendimento jurisprudencial que tem prevalecido é que a imunidade tributária alcança tanto o templo, como também os outros locais necessários para a realização do culto. Tem prevalecido também, o entendimento de que as entidades filantrópicas não estariam abarcadas por essa norma, haja vista não terem cunho religioso. Inobstante todos os argumentos aqui expostos, nota-se que em razão dessa imunidade religiosa o Estado deixa de arrecadar um montante significante que poderia ser aplicada em vários setores, como saúde, educação entre outros, com o argumento de que essa tributação sobre os bens e valores pertencentes a entidade religiosa atrapalharia a liberdade de culto prevista constitucionalmente. Com base nessa proteção constitucional dispensada aos templos é que algumas igrejas “de fachada” são abertas, com o único propósito de regularizar ativos financeiros ilícitos, além de não recolher aos cofres públicos os impostos, o que gera um enriquecimento a margem do ordenamento, eis que, no mínimo, desprestigia-se o princípio da moralidade (art. 37, CF/88). Conclui-se, portanto, que a intenção do legislador constituinte, ao garantir a não incidência de impostos sobre os templos de qualquer culto, era de promover a liberdade religiosa, porém o que se vê em alguns casos é um desvirtuamento desse instituto jurídico com seu uso inadequado.
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Aspectos materiais do Direito Tributário
Breve exame de alguns aspectos materiais relevantes de direito tributário.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo o exame de questões atinentes a aspectos materiais de direito tributário, notadamente a correta aplicação das expressões fato gerador e hipótese de incidência, bem como o exame da possibilidade de tributação de atos ilícitos. 2. DESENVOLVIMENTO Impende tratar da questão da equivalência das expressões fato gerador e hipótese de incidência, sendo importante referir, de início, que boa parte da doutrina e, especialmente, o Código Tributário Nacional, utilizam-nas, de fato, como sinônimas. O Código Tributário Nacional acaba por não fazer qualquer diferenciação entre os mencionados termos. Citem-se, neste contexto, os artigos 104, inc. II, 113, §1º, 114, todos do CTN.   Pelo texto legal, se observa que o legislador, indistintamente, utiliza as expressões fato gerador ou hipótese de incidência para designar, seja a previsão legal geradora da obrigação de pagar tributo (art. 104, inc. II, e art. 113, §1º, do CTN) como o efetivo acontecimento da circunstância anteriormente prevista em lei (art. 114 do CTN). Ocorre que é necessário realizar-se distinção entre os dois institutos, não se podendo utilizá-los indistintamente para designar tanto a hipótese hipoteticamente prevista na norma tributária (art. 114 do CTN) e o fato efetivamente ocorrido (art. 113, §1º, do CTN). Não se pode utilizar a mesma expressão para designar circunstância abstrata e circunstância concreta. No ponto, é importante colacionar: “É importante notar que a expressão hipótese de incidência, embora às vezes utilizada como sinônimo de fato gerador na verdade tem significado diverso. Basta ver-se que uma coisa é a descrição legal de um fato, e outra coisa é o acontecimento desse fato. Uma coisa é a descrição hipótese em que o tributo é devido. […] Outra coisa é o fato de alguém auferir renda. […] A expressão hipótese de incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei. A hipótese é simples descrição, simples previsão, enquanto o fato é a concretização da hipótese, é o acontecimento do que fora previsto (MACHADO, 2004, páginas 135/136)”. Na linha do ensinamento do Professor Hugo de Brito Machado (2004), entende-se pela necessidade de diferenciação dos institutos, empregando-se a expressão hipótese de incidência para a circunstância abstratamente prevista em lei, como capaz de gerar a obrigação de pagar tributo, e fato gerador como designadora da circunstância efetivamente verificada no mundo dos fatos. O Prof. Geraldo Ataliba (2006) vai além. Nessa linha, entende por designar a expressão hipótese de incidência ou fato gerador in abstracto para a circunstância abstratamente prevista no texto legal, como possível de gerar a cobrança de tributo, desde que verificada a sua ocorrência no mundo dos fatos. Ainda, denomina fato imponível ou fato gerador in concreto o fato realmente ocorrido, a prática pelo sujeito passivo do tributo daquela circunstância abstratamente prevista na norma tributária.  A propósito: “Tal é a razão pela qual sempre distinguimos estas duas coisas, denominando ‘hipótese de incidência’ ao conceito legal (descrição legal, hipotética, de um fato, estado de fato ou conjunto de circunstâncias de fato) e ‘fato imponível’ ao fato efetivamente acontecido, num determinado tempo e lugar, configurando rigorosamente a hipótese de incidência”. (ATALIBA, 2006. Página 54.)”. Portanto, em que pese a efetiva aplicação indistinta das duas expressões, para diferenciação científica, é imprescindível a distinção. Por outro lado, no que diz sobre a possibilidade de tributação de eventos ou atos jurídicos com objeto ou efeitos ilícitos, é importante referir que conceito legal de tributo, insculpido no art. 3º do CTN, é expresso ao designar o âmbito de cobrança dos tributos. Com efeito, o texto legal aduz que o tributo tem como fato gerador a ocorrência de ato lícito, circunstância que, inclusive, diferenciará a cobrança do tributo da exigência de multas, cuja aplicação decorre de violação da norma legal. Diante disso, à luz do princípio da legalidade tributária, pode-se afirmar que, de fato, não pode a norma tributária fixar como geradora do tributo atividade ilícita. A hipótese de incidência não pode ser um ato ilícito. Isso, contudo, não afasta a possibilidade de cobrança de exação tributária sobre as consequências ou efeitos da atividade ilícita. Por mais que não se possa prever como geradora da cobrança de imposto de renda o tráfico de entorpecentes, não se pode negar a tributação da renda dela decorrente. No ponto, a lição do Prof. Hugo de Brito Machado é providencial: “Quando se diz que o tributo não constitui sanção de ato ilícito, isto quer dizer que a lei não pode incluir na hipótese de incidência tributária o elemento ilicitude. Não pode estabelecer como necessária e suficiente à ocorrência da obrigação de pagar tributo uma situação que não seja lícita. Se o faz, não está instituindo um tributo, mas uma penalidade. Todavia, um fato gerador de tributo pode ocorrer em circunstâncias ilícitas, mas essas circunstâncias são estranhas à hipótese de incidência do tributo, e por isso mesmo irrelevantes do ponto de vista tributário. (MACHADO, 2004, página 71)”.      O próprio Supremo Tribunal Federal examinou a questão, quando do julgamento do Habeas Corpus n.º 77.530-4/RS, oportunidade em que a Corte Constitucional aduziu que a necessidade de tributação dos efeitos das atividades ilícitas decorre do próprio princípio da isonomia. Outrossim, no ponto, é importante que se chame a atenção para o conhecido princípio pecunia non olet – dinheiro não cheira. Por mais que a atividade originadora dos recursos seja ilícita, os rendimentos dele decorrentes não se diferem daqueles auferidos por sujeitos passivos atuantes em atividades lícitas. Dessa forma, apesar do Código Tributário Nacional prever que a hipótese de incidência tributária não pode estipular um ato ilícito como gerador do dever de pagar tributo, não se verifica óbice a cobrança de tributo sobre os efeitos e consequências de um ato ilícito. 3. CONCLUSÃO Diante do estudo realizado, observa-se que é imprescindível a aplicação diferenciada das expressões hipótese de incidência e fato gerador, utilizando-se a primeira para designar a previsão abstrata da norma tributária e a segunda como a ocorrência efetiva do fato previsto como originador do direito de pagar tributo. Na mesma linha, entende-se que há impossibilidade legal de tributação de fatos ilícitos, por força do art. 3° do CTN, o que não impede, entretanto, a cobrança de tributos sobre os efeitos de fatos designados como ilícitos.
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Progressividade do ITCMD, uma solução para o fim da sociedade baseada na herança de fortunas
O objetivo deste artigo e demonstrar a importância de uma modificação constitucional que permita a aplicação da progressividade para o Imposto sobre Transmissão Causa e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD, serão analisados os aspectos relacionados a juridicidade do ITCMD progressivo no contexto legal e jurisprudencial, a iniciativa parlamentar atual no Brasil sobre este assunto (projeto de lei), sua relação indireta com o Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF e, ainda, como é aplicada esta espécie de imposto em alguns países desenvolvidos. Tal abordagem irá permitir observar os benefícios sociais e econômicos que a progressividade das alíquotas do citado tributo poderá trazer à sociedade, bem como refletir sobre a forma injusta como é cobrado este imposto no Brasil em comparação com outros países.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO As dificuldades enfrentadas por uma nação constituem a matéria-prima que entra na produção do caráter de seus cidadãos. Um país somente pode prosperar em clima de meritocracia, não é difícil imaginar pessoas que herdam fortunas e tendem a não fazer nada em benefício do crescimento nacional, elas acabam sendo privadas da auto-estima proporcionada pelo esforço e trabalho, mantém sua riqueza e, posteriormente, repassam a seu sucessor, criando uma forma quase automática de privilégio de berço.  Com o objetivo de demonstrar que a divisão igualitária dos bens é a melhor forma de divisão entre as riquezas e a diminuição da desigualdade social existente entre as mais varias classes sociais, vem-se, por meio do presente estudo, tentar demonstrar que a utilização do ITCMD – Imposto Sobre Transmissão Causa Mortins e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos é uma ferramenta muito importante para se conseguir essa melhor divisão das riquezas de uma nação. Para conseguir tal ato, o poder constituinte de 1988 reconheceu a importância de se tributar grandes fortunas ao prever, no art. 153, VII, da CF, o  IGF – Imposto sobre Grandes Fortunas. Infelizmente, a inércia parlamentar priva o país deste imposto extremamente importante. Contudo, uma opção para suprir tal inércia seria a majoração das alíquotas do ITCMD, uma forma prática e muito mais viável de suprir essa lacuna arrecadatória. O Direito Tributário, como ramo do Direito Público, deve ser utilizado como uma ferramenta do Estado em busca de uma forma de representar o interesse  coletivo, devendo o interesse social prevalecer sobre o interesse particular, impedindo que riquezas enormes beneficiem um número restrito de pessoas e possibilitando que retornem, através do uso de impostos, para a própria sociedade que as gerou. Neste artigo será possível verificar, por meio da análise de vários dados e informações, a importância da progressividade do ITCMD para o desenvolvimento do país. Como forma de demonstrar tal afirmação, foram utilizadas, intensamente, as ferramentas de pesquisa disponíveis na internet, a fim de trazer não somente conteúdos atualizados, mas, também, como forma de enriquecer o presente estudo, com informações que estão disponíveis em outros países, servindo de base para a criação deste artigo. O capítulo 1 traz um breve histórico sobre o ITCMD, seu aspecto material e sua base de cálculo. No capítulo 2 é abordado o contexto legal e jurisprudencial e o Capitulo 3 menciona a existência do Projeto de Emenda Constitucional (reforma tributária), onde a  progressividade do ITCMD está sendo debatida. No capítulo 4 é apresentado o resultado da pesquisa, realizada em diversos sites de outros países, com a finalidade de descobrir como é aplicado o imposto sobre a herança em outras partes do mundo. Finalmente, no capítulo 5, é apresentado um exemplo fictício onde são tributadas as 18 grandes fortunas do Brasil, no qual os resultados foram apresentados numa planilha e um gráfico, a fim de possibilitar ao leitor deste artigo o despertar da importância da reforma tributária para o país. 1  CONCEITUAÇÃO DO ITCMD, ASPECTO MATERIAL, BASE DE CÁLCULO E ALÍQUOTA 1.1 Conceituação O presente tributo tem como objetivo fundamental e primordial fazer com que as heranças de grande volume monetário, dentro da esfera estadual e do Distrito Federal, sejam analisadas e vigiadas pelos entes federativos, a fim de que não venham a ser mal utilizadas e também com o objetivo de diminuir a desigualdade de receitas entre as classes sociais brasileiras. Miguel, corroborando a assertiva, expoe: “É sabido que a instituição do tributo em exame compete somente aos Estados e ao Distrito Federal. É, desta forma, um imposto estadual, conforme disposição expressa do art. 155, I da Carta Constitucional. O sujeito passivo do ITCMD vem a ser o(s) herdeiro(s) ou legatário(s) ou qualquer das partes envolvidas na doação, conforme previsão encontrável em cada lei estadual. A Constituição é omissa sobre o tema.”[1] Ainda falando sobre o presente imposto, cabe ressaltar que Sabbag faz a seguinte ponderação sobre  seu surgimento: “[…] é um dos impostos mais antigos na história da tributação, havendo relatos de sua vigência em Roma, sob a forma de vigésima sobre heranças e doações.”[2] Ainda sobre a sua qualificação conceitual, a Constituição Federal, em seu artigo 155, traz o seguinte texto: “Art. 155. Compete aos Estados e ao distrito Federal instituir impostos sobre: I- transmissão ‘causa mortis’ e doação, de quaisquer bens ou direitos. […] § 1º. O imposto previsto no inciso I: I- relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal; II- relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal; III- terá competência para sua instituição regulada por lei complementar: a)se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;” b)se o ‘de cujus’ possuía bens, era residente ou domicliado ou teve seu inventário processado no exterior.[3] Assim, à luz das constituições mencionadas, aos Estados era outorgada competência para instituição de imposto sobre a transmissão, a qualquer titulo, de bens imóveis e direitos reais sobre imóveis.  No entanto, a Constituição de 1988 inova ao autorizar a imposição tributária sobre a transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos, ensejando a tributação, inclusive, dos bens intangíveis. 1.2 Aspecto material Com relação ao aspecto material, Andrei Pitten Velloso explicita o seguinte: “O aspecto material possível, de conseguinte, consiste na transmissão, por sucessão ou doação, de bens móveis ou imóveis. Para especificá-lo, são plenamente aplicáveis as categorias civilistas de sucessão e de doação (pressupostas pela Constituição). Para a pormenorização do aspecto temporal possível (momento em que ocorre a transmissão), também são aplicáveis regras específicas de Direito Civil, tais como as de que a herança se transmite logo que se verificar a abertura da sucessão (art. 1.784 do CC/2002) e de que a doação somente se perfectibiliza com a aceitação do donatário (arts. 538 e 539 do CC/2002).”[4] Como pode ser visto nas palavras de Velloso, o aspecto material do presente imposto, ou seja a transmissão dos bens, é completamente regido pelo sistema do direito civil, sendo que em alguns casos é necessária a aceitação do agraciado pela doação, assim sendo, somente ter-se-á a concretização do ato para incidência do imposto, quando este realmente for aceito pelo recebedor da herança. 1.3 Base de cálculo A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos (art. 38, CTN – recepcionado). Ademais, a base de cálculo somente poderá compreender os bens existentes no momento da transmissão causa mortis (que se verifica com a abertura da sucessão) ou da doação. 1.4 Alíquotas As alíquotas do ITCMD são fixadas livremente pelos Estados, respeitando o máximo fixado pelo Senado Federal por meio da Resolução nº 9/92 em 8%.  Cabe aqui a citação de algumas súmulas do STF, tendo em vista a importância dos seus conceitos: – Súmula nº 112 do STF: “O imposto de transmissão causa mortis é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão” – Súmula nº 113 do STF: “O imposto de transmissão causa mortis é calculado sobre o valor dos bens na data da avaliação” – Súmula nº 114 do STF: “O imposto de transmissão causa mortis não é exigível antes da homologação do cálculo”[5] Por fim, a Súmula nº 435 do STF dispõe que compete ao Estado da sede da companhia o ITCMD relativo à transferência de ações. 2  PROGRESSIVIDADE DO ITCMD, CONTEXTO LEGAL E JURISPRUDENCIAL 2.1 Capacidade contributiva O princípio da capacidade contributiva foi estabelecido pela Constituição apenas para os impostos, visto que o texto constitucional, na parte inicial do art. 145, § 1.º, assim estabelece: “Art. 155. […] Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.[…]” [6] Assim, verificam-se duas determinações nesta parte inicial: 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal. Tal afirmação acabou gerando uma classificação doutrinária dos impostos em pessoais e reais. Na classificação em comento, afirma Luciano Amaro que, “depende de se verificar se predominam características objetivas ou subjetivas na configuração do fato gerador. e o tributo leva em consideração aspectos pessoais do contribuinte (nível de renda, estado civil, família etc.) ele se diz pessoal. Real será o tributo que ignore esses aspectos”.[7] Sendo assim, pode-se verificar que um imposto pessoal leva em conta condições pessoais do contribuinte, ou seja, não é somente a renda que é levada em conta, mas situações específicas relacionadas ao contribuinte, que variarão de um para outro, mesmo que tenham renda nominalmente igual. Assim sendo, o imposto real incide sobre algum elemento econômico de maneira objetiva, sendo o fato gerador a propriedade de um bem, a realização de uma operação financeira etc. 2º – Os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Nos dizeres de Roque Antônio Carrazza: “O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza.”[8] Dessa forma, deve pagar mais quem pode pagar mais, ou seja, aquele que possui maior riqueza disponível pode – e deve – pagar mais. 2.2 Progressividade A técnica da progressividade, destinada a atender à capacidade contributiva, significa incidência de maiores alíquotas quanto maior for a base de cálculo. Conforme preceitua o artigo 155, inciso I, da CF/88, é de competência dos Estados e do Distrito Federal instituir impostos sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos. Tal instituição são fixadas livremente pelos Estados, respeitando, contudo, o limite máximo fixado pelo Senado Federal por meio da Resolução nº 9/92 em 8%. Infelizmente, a limitação fixada pelo Senado acabou indo de encontro aos padrões internacionais de cobrança deste importante tributo, perdendo o legislador uma importante oportunidade de colocar em prática alíquotas capazes de realmente superar as desigualdades sociais. Sendo mais oportuno sobre o que realmente se fala sobre a progressividade do imposto, o nobre doutrinador Leandro Paulsen assim se posiciona: “a progressividade, nos impostos reais, é vedada, salvo autorização constitucional expressa, conforme a jurisprudência do STF, da qual se extrai que não se prestam a revelar capacidade contributiva e que, por isso não podem ser graduados com base nela.”[9] Em face desse entendimento, a Suprema Corte editou a Súmula 656, que diz: “656 – É inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI com base no valor venal do imóvel.”[10] O referido entendimento do STF levou os municípios a fazerem pressão no Congresso, a fim de obter a aprovação da progressividade do IPTU (que é um imposto real) com base no valor venal.  A progressividade se tornou possível com a aprovação da EC 29/2000, que alterou do art. 156, § 1.º, da CF/88. Analisando o caso acima mencionado, é possível concluir que, segundo o STF, para atender ao princípio da capacidade contributiva, os impostos reais devem ser proporcionais e não progressivos, sendo que a progressividade dos impostos reais só é admitida se estiver expressamente prevista na própria Constituição Federal, como acontece atualmente com o IPTU. Tal entendimento acabou servindo de base para argumentos contrários à aplicação de alíquotas progressivas do ITCMD, com o fundamento da não existência de menção expressa à aplicação do princípio da progressividade ao referido imposto na Constituição e, também, por se tratar de um imposto real. É oportuno, ainda, registrar o julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul em que se discute a constitucionalidade do art. 18 da Lei 8.821/89, daquele Estado-membro, que prevê sistema progressivo de alíquotas para o ITCMD. O Ministro Ricardo Lewandowski desproveu o recurso por entender que, apesar de consubstanciar instrumento para a obtenção de efeitos extra fiscais, a progressividade, no caso de impostos reais, só pode ser adotada se houver expressa previsão constitucional, e desde que não se baseie, direta ou exclusivamente, na capacidade econômica do contribuinte.[11] 3.  PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL SOBRE A PROGRESSIVIDADE DO ITCMD : Reforma Tributária – PEC 233/2008 Em face do entendimento do STF, no caso de impostos reais, sobre a necessidade de expressa previsão constitucional para a cobrança progressiva do ITCMD, iniciativas parlamentares estão surgindo como forma de atender à exigência da suprema corte.  O relator da reforma tributária (PEC nº 233/2008), deputado federal por Goiás, Sandro Mabel, negocia com o governo a cobrança progressiva dos impostos ITBI e ITCMD, visando a medida substituir a emenda do PT que cria o Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF, pois o mencionado parlamentar considera que este imposto será considerado inconstitucional pelo STF. Conforme pode ser visto nas palavras de Izaguirre, utilizando a declaração do Deputado Sandro Mabel (PR – GO), o IGF, não é fácil de ser implantado, pois sua utilização causa a fuga de divisas do país, como pode ser visto na citação a seguir: “A experiência de outros países mostra que, além de afugentar investimentos, o imposto sobre grandes fortunas custa caro para ser implementado e fiscalizado. É um tributo difícil de arrecadar.”[12] De fato, o parlamentar não é o primeiro e muito menos o único a criticar a criação do IGF, conforme se extrai da análise de Olavo Nery Corsato: “O IGF  se somaria aos demais impostos sobre o patrimônio já existentes, quais sejam: a) sobre o patrimônio no seu aspecto estático, o ITR, o IPVA e o IPTU; b) sobre o patrimônio no seu aspecto dinâmico, o IR, ITCM, ITBI, tendo caráter, constituindo superposição legal da tributação já existente, da qual seria parcela adicional, complementar, relativamente ao patrimônio que tenha escapado da tributação via evasão fiscal, e de imposto novo, relativamente às parcelas de patrimônio não alcançadas por nenhum dos impostos existentes.”[13] Interessante salientar as informações sobre a experiência estrangeira, onde Maria Clara de Mello Motta noticia o pouco sucesso com a aplicação do imposto sobre grandes fortunas: “Há décadas vários países na Europa, bem como na Ásia, instituíram o imposto sintético sobre o patrimônio. Alguns o extinguiram em razão da redução da poupança interna, ou da arrecadação pouco significativa. Outros, como a Inglaterra, os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, diante da evidência das experiências mal sucedidas, nem chegaram a introduzi-lo no sistema tributário. O Japão o adotou em 1950, abolindo-o três anos depois. Na Itália, introduzido em 1946, foi suprimido no ano seguinte. Na Alemanha vigorou até 1995 e, como na França, a alíquota foi sensivelmente reduzida.”[14] Apesar de não ser um imposto bem visto pelos entes internacionais, pois vários países onde o mesmo foi criado tiveram sua extinção da sua grade tributária, o Brasil ainda tenta fazer com que o mesmo continue vigente, correndo o risco de ter uma grande perda de divisas. Essa atitude, pode ser visto na aplicabilidade, quando a constituição outorgou competência à União para instituir o IGF, mas apesar da lei maior não obrigar a sua instituição, a Lei Complementar nº 101, de 4/5/2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal, no seu art. 11, determinou a sua criação: “Art. 11 – Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. (grifo do autor)”.[15] De fato, embora ainda não tenha sido instituído o imposto sobre grandes fortunas no Brasil, já foram apresentados projetos de lei em tal sentido, entre os quais o Projeto de Lei Complementar do Senado nº 162, de 1989, de autoria do Senador Fernando Henrique Cardoso. Como se pode ver, apesar das grandes  divergências e problemas de evasão de divisas que esse imposto pode trazer para o Brasil, ele é amplamente debatido e ainda existem projetos em discussão no Congresso, como o acima citado, para  sua implantação. 4 APLICAÇÃO DO IMPOSTO SOBRE A HERANÇA EM OUTROS PAÍSES A partir desse momento, o que se pretende é demonstrar a eficácia da aplicabilidade do imposto, com lastro em informações de países que o adotaram ou deixaram-no no esquecimento. Inicialmente serão feitas algumas citações demonstrando onde o referido imposto foi utilizado e descartado logo em seguida baseado na evasão de divisas. Para corroborar essas palavras, têm-se as palavras de Ives Gandra, que assim leciona: “Desestimularia a poupança, com efeitos negativos sobre o desenvolvimento econômico; geraria baixa arrecadação, criando mais problemas que soluções (nos países que o adotaram, a média da arrecadação correspondeu de 1% a 2% do total dos tributos arrecadados); o controle seria extremamente complexo, com a necessidade de um considerável número de medidas para regulá-lo e fiscalizar a sua aplicação; por fim, poderia gerar fuga de capitais para países em que tal imposição inexiste.”[16] A comparação com outros países desenvolvidos serve como parâmetro para a análise da necessidade da aplicação da progressividade do imposto sobre a herança. Segundo as palavras de Costa, tem-se uma noção de como o presente imposto não é visto com bons olhos por muitos países, como exemplo tem-se: “A experiência italiana foi parecida: o imposto foi criado em 1946 (tratava-se de uma tributação ocasional, proveniente do final da Segunda Guerra Mundial), deixando de ser cobrado em 1978 em virtude das dificuldades na sua administração. Tentou-se instituir esse tipo de imposto de forma definitiva na Itália, mas, por conta de inúmeras manifestações contrárias, tal acabou não acontecendo. Na Alemanha, inicialmente foi instituído no estado da Prússia. Era um imposto suplementar ao de Renda, que a partir de 1922 passa da competência dos entes federados à da União. Interessante é a conotação que o imposto tomou nesse País, pois o tributo que incidia sobre o patrimônio, além de atingir o poder econômico do contribuinte, atingia também o poder político desse. […] Na França, teve tão péssimos resultados tendo sido abolido em 1983. Foi restabelecido de forma atenuada pelo Governo de Mitterrand somente para marcar um posicionamento ideológico e atender a exigência do Partido Socialista. O cado [sic] do Japão é didático e a menção de sua experiência é oportuna. Depois de longamente estudar a possibilidade de introduzir o imposto, a idéia foi descartada, ante as dificuldades administrativas, no campo dos controles administrativos e sobretudo [sic] no da avaliação dos bens. Se a eficiência japonesa não se mostrou suficiente para administrar o imposto, provavelmente a brasileira também não. A Irlanda, que teve o imposto por muitos anos, atraída pela facilidade da tributação da riqueza visível, melhor avaliou suas vantagens e concluiu pela necessidade de eliminá-lo: a facilidade de administrar um imposto sobre bens tangíveis mostrou ser apenas miragem, diante da dificuldade de administrar um imposto em que os intangíveis são mais relevantes. Na Austrália, em um quadro não menos didático e mais oportuno, é clássico o estudo da Comissão Asprey: tendo-se debruçado seriamente sobre o tema, durante quatro anos, concluiu pela inviabilidade da adoção do imposto, por causa de dificuldades de toda ordem. Igualmente, no Canadá, o alvitre de criar o imposto sobre a riqueza foi logo posto de lado, diante dos sérios estudos levados a cabo pela Comissão Carter (Relatório da Comissão Real sobre Questões Fiscais).[…] Há décadas vários países na Europa, bem como na Ásia, instituíram o imposto sintético sobre o patrimônio. Alguns o extinguiram em razão da redução da poupança interna, ou da arrecadação pouco significativa. Outros, como a Inglaterra, os Estados Unidos, o Canadá e a Austrália, diante da evidência das experiências mal sucedidas, nem chegaram a introduzi-lo no sistema tributário. O Japão o adotou em 1950, abolindo-o três anos depois. Na Itália, introduzido em 1946, foi suprimido no ano seguinte. Na Alemanha vigiu [sic] até 1995 e, como na França, a alíquota foi sensivelmente reduzida.”[17] Não obstante a dificuldade encontrada, foi possível coletar dados sobre a forma de tributação do mencionado país, utilizando-se as informações fornecidas no artigo publicado por Odilon Guedes, no site Comunidades Mineiras, com o seguinte título: A reforma tributária de que o Brasil precisa, publicado em 2008. Segue abaixo uma parte desse brilhante artigo, do qual constam informações extremamente pertinentes sobre o assunto em tela: “Estabelecendo uma comparação com outros países, constata-se que, na Inglaterra esse imposto é cobrado há mais de 300 anos. Após a morte da princesa Diana, os jornais ingleses noticiaram que o fisco cobrou U$ 15 milhões dos U$ 30 milhões deixados para seus filhos.  Segundo matéria da revista VEJA (21/11/2007) Churchill, o conservador primeiro ministro inglês que conduziu a Inglaterra na Segunda Guerra mundial, dizia que o imposto sobre a herança era infalível para evitar a proliferação de “ricos indolentes”. Nos EUA o imposto sobre a herança tem uma alíquota de 47% para fortunas acima de US$ 1,5 milhão e no Japão a alíquota é de 70%. (Fonte: www.legiscenter.com.br). Os dados acima demonstram como esse imposto é extremamente baixo no Brasil. Há, portanto, uma ampla margem para aumentar sua cobrança tendo em vista ainda o alto índice de concentração de riqueza no país.”[18] Analisando a forma como são tributadas as grandes fortunas nos países desenvolvidos, resta clara a gritante diferença de tratamento dado aos detentores de grandes riquezas em detrimento dos menos favorecidos.  Seria justo o herdeiro de parente que levou a vida inteira para comprar uma casa de pequeno valor pagar a mesma alíquota de quem vai herdar diversas mansões? Nesse caso, pessoas em situações econômicas diferentes estariam recebendo tratamento tributário igual?  E, ainda, tratar igualmente os desiguais não fere o princípio da isonomia?  Como mencionado no capítulo anterior, já existe alguma iniciativa no sentido de mudar essa realidade. No entanto, comparando a possível mudança constitucional (reforma tributária) com a realidade de outros países, verifica-se que ainda existe um buraco negro até chegar a uma solução realmente verdadeira. 5 UMA ANÁLISE SOBRE OS 18 BRASILEIROS COM MAIS DE US$ 1 BI Recentemente a mídia brasileira divulgou a lista da revista norte-americana Forbes, onde mostra que o Brasil tem o maior número de bilionários da América Latina. De acordo com a publicação, 18 brasileiros têm patrimônio superior a R$ 1 bilhão, o dobro do segundo país latino-americano com maior número de bilionários, o México. Na lista de 2009, eram 13 os brasileiros entre os mais ricos.[19] Como forma de enriquecer este artigo e, ainda, demonstrar a importância da alíquota progressiva para o ITCMD, foi elaborado um exemplo fictício onde a alíquota utilizada é de 27,5%, ou seja, foi criada uma alíquota imaginária para a tributação do mencionado imposto, sendo que esta irá incidir sobre as grandes fortunas mencionadas na revista Forbes.  Interessante observar que a porcentagem imaginária criada é a mesma utilizada na tributação de pessoas físicas que recebem renda mensal a partir de R$ 3.743,19, sendo dispensáveis maiores comentários sobre a gritante diferença deste valor em relação às grandes fortunas do Brasil. Com a finalidade de facilitar os cálculos, não foram realizados quaisquer tipos de deduções.  No entanto, é importante enfatizar que essa alíquota imaginária está abaixo dos valores praticados atualmente por diversos países desenvolvidos, como já foi apontado no capítulo 4. Por fim, é oportuno deixar claro que a planilha criada com a tributação fictícia leva em consideração a passagem da riqueza para os herdeiros de forma integral. Assim, não foi considerada a permanência dos ativos como forma de continuidade da empresa herdada.   Analisando os dados acima, pode-se verificar que uma tributação sobre as 18 maiores fortunas do país poderia gerar (quando da sua transmissão para os herdeiros) uma arrecadação de aproximadamente R$ 42,14 bilhões. Tal importância pode não significar nada de forma isolada, mas, quando comparada com outras arrecadações tributárias no país, demonstra alguns absurdos na sua sistemática. Em 21/01/2011, foram divulgados no site da FOLHA dados sobre a arrecadação dos tributos federais em 2010[20]. Entre as informações citadas constava que a arrecadação do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) foi de R$ 17,254 bilhões, do IOF R$ 27,266 bilhões e do IPI R$ 29,372 bilhões.  Utilizando esses dados e, ainda, o valor imaginário (elaborado na planilha) de arrecadação do ITCMD sobre as 18 grandes fortunas, é possível montar o seguinte gráfico:   Espantoso notar que os principais impostos federais do país (IRPF, IOF e IPI), arrecadados em 2010, estão abaixo da arrecadação criada no exemplo fictício (analisados isoladamente). Várias falhas poderiam ser apontadas na comparação criada neste gráfico, como falta de dedução dos ativos que ficam imobilizados na empresa dos detentores de grandes fortunas e vários outros aspectos ignorados na apresentação e criação do exemplo. Contudo, uma variável do exemplo não pode ser esquecida, apenas 18 pessoas/fortunas participaram da formação da arrecadação fictícia do ITCMD, contra os dados reais de milhões de pessoas tributadas durante o ano de 2010, principalmente no que se refere ao Imposto de renda pessoa física, onde o cidadão que ganha mensalmente a “fortuna” acima de R$ 3.743,19 está sujeito à alíquota de 27,5%. Aliás, por meio de uma pesquisa rápida na internet, foi possível encontrar outro dado concreto sobre uma arrecadação real capaz de fornecer uma estimativa e comparação interessantes. A Secretaria da Fazenda do Estado de Santa Catarina informa que a arrecadação do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) no primeiro mês de 2011 foi de R$ 8,8 milhões, o que representa um incremento de 95,52% em comparação ao mesmo mês do ano de 2010.[21] O Estado de SC é conhecido por possuir uma boa distribuição de renda em relação às demais unidades da federação, além de um considerável número de pessoas com boa capacidade econômica. Não obstante, comemora uma arrecadação com o ITCMD de 8,8 milhões.   Comparando-se essa arrecadação, realizada em SC, com a  arrecadação fictícia de R$ 42,14 bilhões (ITCMD sobre as 18 maiores fortunas com alíquota de 27,5%), pode-se chegar à seguinte conclusão: o  Estado de SC levaria aproximadamente 4.788 meses para arrecadar a importância fictícia ou, ainda, 400 anos. Assim, verifica-se que a comemoração com o aumento de arrecadação de determinado imposto deve ser vista com cautela, principalmente quando se observa a sua insignificância em relação ao que se poderia de fato arrecadar, mais ainda, quando se sabe que a origem destes 8,8 milhões não diferenciou na sua arrecadação as alíquotas cobradas de grandes fortunas daquelas cobradas de quem herdou apenas uma casa humilde. CONCLUSÃO A Constituição da República Federativa do Brasil, vigente desde 05 de outubro de 1988, prevê, em seu art. 153 – inciso VII,  a competência da União para instituir Impostos Sobre Grandes Fortunas.  No entanto, até o presente momento, e mesmo após várias tentativas, nenhum projeto de lei obteve êxito na criação do mencionado imposto.  A Lei Complementar que deveria abordar essa matéria aguarda o fim da inércia parlamentar sobre o assunto. De fato, tributar grandes fortunas no Brasil está longe de ser algo simples de ser abordado, mas, ao invés de concentrar esforços na aprovação de um tributo extremamente complexo (diversas forças políticas e econômicas não possuem o menor interesse na sua criação por motivos óbvios), a solução para diminuir a absurda concentração de renda deste país talvez esteja na aplicação da progressividade do ITCMD, com alíquotas realmente proporcionais ao valor dos bens transmitidos, evitando, assim, uma classe que detém riquezas apenas baseada na herança de fortunas. A planilha e o gráfico apresentados no capítulo 5, bem como a comparação do ITCMD com outros impostos federais, demonstram a pequena importância relativa dessa receita no contexto tributário atual do País, principalmente quando comparado com a forma de tributação de outros países. Apesar de não ter sido realizada a coleta a respeito da arrecadação do ITCMD de todos os Estados do Brasil (não era o escopo deste artigo), a análise de um único Estado (Santa Catarina) demonstra que a arrecadação está longe de ser satisfatória. Contudo, é importante frisar que a conclusão sobre a intensidade da tributação a partir de mera comparação de arrecadação requer cautela, pois, de fato, faltou na comparação entre as tributações internacionais  uma avaliação no tamanho das alíquotas marginais, graus de progressividade e faixas de isenção, por país. Adicionalmente, faltou, também, uma análise mais detida sobre o exemplo fictício criado neste artigo. Em todo caso, restou claro que as  transmissões de bens envolvendo grandes fortunas devem sujeitar-se a alíquotas mais altas, permitindo, destarte, a criação de  grandes faixas de isenção para aqueles que possuem baixa renda neste país, algo que não acontece atualmente, tendo em vista que a alíquota é cobrada igualmente de todos, ou seja, o herdeiro do homem mais rico de São Paulo vai arcar com ITCMD de 4%, sendo a mesma alíquota a ser paga por qualquer outra pessoa daquele Estado. Por fim, é importante frisar, ainda, que não foi objeto deste artigo sugerir uma forma de tributação no estilo Robin Hood (tirar dos ricos para dar aos pobres). A criação do exemplo fictício, que utilizou as dezoito maiores fortunas do país, serviu apenas para demonstrar quão irrisória é a arrecadação nacional do ITCMD em relação ao que poderia ser e, principalmente, em relação às demais receitas tributárias, pois o tamanho da economia brasileira (que possui o maior número de bilionários da America Latina), aliado à forma como outros países tributam grandes fortunas,  indica que há um potencial nessa área pouco explorado pelo Brasil. Com essa forma distorcida de tributação, há um grande número de pessoas que recebem heranças com pouco esforço pessoal (quando chegam a realizar algum esforço), nos mais diversos setores da sociedade. A falta de um imposto progressivo sobre as heranças representa um pesado fardo para a sociedade, que, mediante a escorchante carga tributária a que é submetida, é compelida a contribuir em condições de igualdade com aqueles que, desde o seu nascimento, possuem uma vantagem patrimonial hereditária.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/progressividade-do-itcmd-uma-solucao-para-o-fim-da-sociedade-baseada-na-heranca-de-fortunas/
Evolução histórica do ICMS face necessidade de imposto não-cumulativo
O presente artigo aborda de forma objetiva a criação e o desenvolvimento histórico-jurídico do ICMS, substituindo o antigo IVC, este imposto cumulativo. Estuda-se, outrossim, o principal fator que gerou na instituição do ICMS era a antiga necessidade de um imposto não-cumulativo, (art. 155, § 2º, II, CF/88). Ante esta inerência da não-cumulatividade, faz-se estudo minucioso.
Direito Tributário
1. Introdução Cumpre, preliminarmente, salientar que, far-se-á estudo aprofundado no tocante a origem, bem como evolução histórica do ICM, que posteriormente passou a se chamar ICMS, uma vez que obteve novas hipóteses de incidência sobre os serviços de transporte e comunicação. Além disso, será analisado o motivo fundante deste imposto que é conhecidamente não-cumulativo, incidindo apenas nos regimes plurifásicos. Salienta-se que durante todo o artigo faz menções ao confronto de vontades, sendo que de um lado o contribuinte almejando redução de encargos tributários, ao passo que o Fisco, por seu turno, logrando obter mais arrecadação. Finalmente, investigar-se-á o princípio da não-cumulatividade, esmiuçadamente, rezando sobre seu conceito, exceção de aplicação cumulativa e a compensação de créditos, além dos princípios pertinentes. Acerca da metodologia de pesquisa empregada na execução deste mister,  objetivou-se pesquisa observatória, bibliográfica, consulta de acórdãos, decisões judiciais, e doutrinas. No presente trabalho, procurou-se explicitar informações concernentes ao tema, observando-se, sempre, a verossimilhança com sua respectiva presteza para o alcance do objetivo deste artigo acadêmico, contribuindo assim com o acervo jurídico. 2. História do ICMS O ICMS está previsto no artigo 155, II da Carta Magna, estabelecendo competência aos Estados Membros e ao DF a instituição do ICMS, desta forma, o presente artigo pretende abordar a origem e evolução histórica quanto ao citado imposto, devido a necessidade mundial de instituição tributo não-cumulativo, conforme se verifica avante. Inicialmente, Gilberto de Ulhôa Canto e Fábio de Sousa Coutinho (1991, p. 289), expõem sobre a primeira presença do princípio da legalidade no direito tributário, voltando até 1215 época dos barões feudais ingleses, que paulatinamente, desenvolveu-se no cenário jurídico mundial, anote-se: “[…] princípio da legalidade remonta ao ano de 1215, quando, no conhecido episódio da confrontação com os barões feudais ingleses que o sustentavam, João Sem Terra aceitou, na Magna Charta, a regra política ‘no tation without representation’, regra esta que passou a prevalecer, em todos os países civilizados do mundo, quanto à instituição e à cobrança de tributos.” Após esta primeira presença tributária, por meio do princípio da legalidade tributária, passaremos a aduzir sobre a evolução do ICMS tempestivamente até os dias hodiernos, procurando sempre observar os marcos históricos relevantes de nosso ordenamento em sintonia com a tributação mundial. Aliomar Baleeiro (2010, p. 367), explicita sobre o antigo imposto sobre vendas mercantis (IVC) criado com a CF/1934, bem como o impacto econômico nas  receitas dos Estados-Membros, devido sua cumulatividade, consoante se examina: “A receita fundamental dos Estados-Membros, a partir de 1936, quando entrou em execução, no particular, a discriminação de rendas da CF de 1934, foi o imposto de vendas e consignações. A União criara em 1923 (Lei nº 4.625, de 31.12.1922), com o nome ‘imposto sobre vendas mercantis, um papel líquido e certo, com força cambial semelhante a das letras de câmbio  e promissórias (Lei nº 2.044, de 1908), para facilidade de descontar nos bancos as faturas de vendas dos comerciantes e industriais, quando reconhecidos e assinados pelos compradores (art. 219 do Código Comercial). O Congresso as atendeu e foi instituída a emissão da duplicata da fatura para ser aceita pelos devedores, em troca do imposto de 0,3% (Rs 3$ por conto de réis), não só nas vendas a prazo, mas também nas vendas a vista, registradas em livros próprios. Na epóca, ficaram conhecidas como ‘contas assinadas’.[…] Do ponto de vista econômico, o ICM é o mesmo IVC, que concorria com cerca de ¾ partes da receita tributária dos Estados-Membros. Arguia-se que só diferia do imposto de consumo e do imposto de indústrias e profissões sobre comerciantes e industriais, pelo nomem juris, pois os três sangravam a mesma realidade econômica: a introdução da mercadoria no circulo comercial.” Salienta-se que, em 1922 o citado IVC foi aplicado como reprodução ao modelo Francês e Alemão no período de 1914-1918 Constituição Brasileira de 1934 estendeu a aplicação do IVC para os produtores em geral. A CF/1946, em seu art. 202, estabeleceu “[…] que o legislador deveria isentar do imposto de consumo os artigos classificáveis como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restritos recursos.” (BALEEIRO, 2010, p. 406) Alcides Jorge Costa (1978, p. 6), explana acerca da primeira manifestação da regra não-cumulativa no Brasil, analise-se: “[…] a primeira manifestação da regra da não cumulatividade se deu em 30 de dezembro de 1958, quando a Lei 3.520, que tratava do antigo imposto de consumo, incidente sobre o ciclo da produção industrial, dispôs que, do imposto devido em cada quinzena, fosse deduzido o valor do imposto que, no mesmo período, houvesse incidido sobre matérias-primas e outros produtos empregados na fabricação e acondicionamento dos produtos tributados.” Eduardo Sabbag (2009, p. 939-940), faz breve síntese acerca do advento do ICMS, bem como a legislação reguladora, in litteris: “O ICMS, imposto estadual, sucessor do antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC), foi instituído pela reforma tributária da Emenda Constitucional n. 18/65 e representa cerca de 80% da arrecadação dos Estados. […] Ademais, é imposto que recebeu um significativo tratamento constitucional – art. 155, § 2º, I ao XII, CF. O tratamento constitucional dado à exação em tela é robustecido pela Lei Complementar n. 87/96, que substituiu o Decreto-lei n. 406/68 e o Convênio ICMS n. 66/88, esmiuçando-lhe a compreensão, devendo tal norma ser observada relativamente aos preceitos que não contrariem a Constituição Federal.” Aliomar Baleeiro (2010, p. 367), discorda do parecer acima sobre a criação do IVC, visto que a EC n. 18/65, na reforma tributária, apenas modificou o fato gerador do tributo, abaixo transcrito: “A EC 18, pretendendo remediar essa contingência daquela realidade, inventou novas normas e formulou o fato gerador de modo diverso, confundindo quase o imposto de consumo e o IVC. Pela Constituição de 1946, o fato gerador do IVC era o contrato de compra e venda, o negócio jurídico no qual figuravam, como vendedores, os comerciantes e produtores, inclusive industriais, só eles.” É arquissabido que todo o mundo almejava instituir um imposto não-cumulativo, posto que um imposto cumulativo numa operação plurifásica era prejudicial à evolução econômica e tributacional do país, desequilibrando assim a ordem econômica, bem como o desenvolvimento nacional, então o primeiro país a tomar esta medida de criar um imposto não-cumulativo foi a França. Ademais, o “[…] princípio da não-cumulatividade, com as peculiaridades próprias de seus sistemas, batiza o tributo com a denominação de ‘valor agregado’, em clara alusão à oneração da parte adicionada e não daquela antecedente.” (MARTINS, 2001, p. 151) Frisasse que, desde 1936 o país francês tentou por diversas vezes instituí-lo, logrando êxito, tão-somente, em 1954 “[…] se criou a taxe sur la valeur ajoutée, tributo retocado posteriormente, mas ainda vigente […]” (BALEEIRO, 2010, p. 368). Este tributo não-cumulativo francês é denominado como TVA. Muito embora a França tenha instituído o TVA em 1954, a Comunidade Européia adotou o IVA em referência ao TVA francês em 1967, (apud, PAULSEN, 2011, p. 353), in litteris: “A Comunidade Europeia adotou em sua primeira diretiva (1967) para harmonização geral do imposto de consumo o modelo IVA tal como resultou da longa experiência francesa, de pagamentos fracionados e dedução financeira dos investimentos (posteriormente desenvolvido sem sua sexta diretiva) […] Em todos esses países, a neutralidade é alcançada por meio da transferência do ônus financeiro do tributo para o adquirente pelo mecanismo dos preços, e acaba sendo suportado, em definitivo, pelo consumidor final. […] Enfim, todos os sistemas jurídicos procuram preservar e assimilar certos efeitos econômicos comuns tanto ao IVA da América Latina, como ao TVA europeu ou ao ICMS brasileiro […]” Kiyoshi Harada (2006, p. 428), comenta sobre Rubens Gomes de Souza, (relator da comissão do projeto de reforma tributária) que brilhantemente, em 1967, expunha o conceito do fato gerador do ICM, bem como a diferença entre coisa e mercadoria, em versos: “Rubens Gomes de Souza, que foi o Relator da Comissão elaboradora do Projeto de Reforma Tributária, sustenta que o fato gerador do imposto é a ‘saída física de mercadoria de estabelecimento mercantil, industrial ou produtor, sendo irrelevante o título jurídico de que tal saída decorra e bem assim o fato desse título envolver ou não uma transmissão de propriedade’. Acrescenta, ainda, que a saída física tributada é aquela que configura ‘uma etapa no processo de circulação da mercadoria, assim entendido o complexo das sucessivas transferências desta, desde o seu produtor, expressão que inclui o fabricante, e o importador, até o seu consumidor final’. O importante é salientar que do ponto de vista material não há diferença entre coisa e mercadoria. A diferença que existe não é de substância, mas apenas de destinação. Uma coisa é denominada de mercadoria quando destinada à comercialização, segundo a doutrina tradicional.” Esclarece que as Emendas Constitucionais. n. 18/65 e 01/69, criaram confusão jurídica, posto que concederam o mesmo fato gerador do IVC para o ICM, e com a previsão constante no art. 52, II, do CTN[1], onde o ICM incidiria no estabelecimento do importador nos casos de mercadoria estrangeira. Isto devido ao restabelecimento do citado artigo pelo Decreto-Lei n. 406/68, uma vez que houvera sido revogado pelo art 8º do Ac. Nº 36/67. Sacha Calmon Navarro Coelho, (1994, p. 220-221), leciona sobre o momento histórico em que houve a alteração do IVC para o ICM em nosso ordenamento jurídico, bem como versa o motivo que se deveu ao fato da instituição de imposto não-cumulativo, consoante analisa-se abaixo: “Desde a Emenda nº 18/65 à Constituição de 46, após o movimento militar de 1964, quando se intentou, simultaneamente, a racionalização do sistema tributário (Emenda nº 18) e a codificação do Direito Tributário (CTN), que o ICM, agora ICMS, vem se apresentando como imposto problemático, tomado de enfermidades descaracterizantes. À época do movimento militar de 1964, receptivo às críticas dos juristas e economistas que viam no imposto sobre vendas e consignações dos Estados (IVC) um tributo avelhantado, ‘em cascata’, propiciador de inflação, verticalizador da atividade econômica, impeditivo do desenvolvimento da federação e tecnicamente incorreto, resolveu-se substituí-lo por imposto ‘não-cumulativo’, que tivesse como fatos jurígenos não mais ‘negócios jurídicos’, mas a realidade econômica das operações promotoras da circulação de mercadorias e serviços, no país, como um todo. Destarte, surge o ICM, não-cumulativo, em lugar do IVC cumulativo. A ideia era tomar como modelo os impostos europeus sobre valores agregados ou acrescidos, incidentes sobre bens e serviços de expressão econômica, os chamados IVAS.” Urge expor lição de Aliomar Baleeiro, (2010, p. 368), quanto a introdução do ICM em nosso ordenamento jurídico, por meio da EC n. 18/65, (reforma tributária), após houve uma aceitação do tributo francês mundial, in versis: “[…] o Brasil introduziu na Constituição o princípio da não-cumulatividade, com a Reforma Constitucional nº 18, de 1965, embora já o tivesse adotado, em legislação ordinária, no imposto de consumo; a Comunidade Econômica Européia adota o imposto sobre o valor adicionado como projeto de sua primeira diretriz, finalmente aprovada pelo Conselho em 1967, sendo paulatinamente implementada por seus membros; […] A partir do final dos anos 60, também esse tipo de tributo sobre vendas líquidas se difunde por toda a América Latina […]” O ICM era transferido ao adquirente pelos preços, sendo o encargo tributacional transferido em sua totalidade ao destinatário final, como haviam ingressos em todas as etapas de circulação da mercadoria[2] foi então que surgiu a expressão valor adicionado.  Ademais, com o “[…] Projeto de Reforma Tributária (Emenda 18/65), a expressão circulação de mercadorias deve ser tomada em sua acepção econômica.” (HARADA, 2006, p. 427) Vittorio Cassone (2007, p. 325), didaticamente explicita como ocorre a não-cumulatividade do ICMS, o que ora se transcreve: “[…] o ICMS será não-cumulativo. Distingue-se da cumulatividade, tendo em vista que nesse sistema o imposto incide, em cada etapa, sobre a totalidade do valor das mercadorias, sem nenhum abatimento. Em seguida, o inciso explica como se dará a não-cumulatividade. Pela redação posta, o ICMS incidirá sobre o valor total das mercadorias, dando a diretriz de como deverá ser emitido o documento fiscal. E a não cumulatividade se efetivará no momento do pagamento do imposto por D, em que, do devido na operação de saída de seu estabelecimento, se abaterá o montante do ICMS cobrado nas operações anteriores (de A para B, de B para C, de C para D). Na prática, esse montante cobrado consta do documento relativo à operação de venda, emitido por C contra D, considerando que no documento fiscal de C já vem embutido o valor das anteriores.” “Observe-se que tanto o IPI quanto o ICMS são impostos não-cumulativos, razão pela qual deveriam ser excluídos da base de cálculo daquelas contribuições, que são plurifásicas e cumulativas.” (BALEEIRO, 2010, p. 414), contudo isto inocorre. Ives Gandra Martins (apud, PAULSEN, 2011, p. 352), adverte que o regime monofásico é incompatível com a não-cumulatividade do ICMS, verifique-se: “Tenho o entendimento de que o ICMS não pode deixar de ser ‘não cumulativo’ em hipótese alguma, por ser essa uma imposição constitucional. Assim, ressalvadas as exceções expressamente previstas na Constituição, não pode ser transformado em tributo monofásico, a não ser que a circulação se exaura numa única hipótese. Qualquer legislação que elimine o princípio da ‘não-cumulatividade’ no ICMS, apenas poderia ser considerada constitucional, se corresponder a uma opção do contribuinte, no exercício de seu direito de dispor de ‘direitos disponíveis’. Jamais por opção do Estado.” Heinrich Rauser (1983, p. 32), àquela época expunha o conceito de valor adicionado: “dedução do imposto pago na operação anterior, alcançar apenas a circulação mercantil líquida de cada empresa, ou seja, tributar apenas o valor adicionado realizado por ela.” Era isto que almejavam a América Latina no IVA, a Europa no TVA, e o Brasil com o IPI e o ICM. Fato relevante que merece alusão é que há três décadas o Poder Constituinte tenta unir o ICM, IPI e o ISS, em tributo único, objetivando extirpar de nosso ordenamento o efeito em cascata dos tributos, todavia nunca logrou êxito em virtude da necessidade do Estado Federativo na repartição destas receitas, mantendo-se a divisão tríplice, (BALEEIRO, 2010, p. 368-369) Kiyoshi Harada (2006, p. 427), elucida sobre a ampliação do ICM com o advento da Carta Política de 1988, para ICMS, abarcando os serviços de transporte e comunicação, conforme se denota: “O antigo ICM sofreu profundas modificações na Constituição de 1988, que o convolou em ICMS, incorporando os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, antes de competência impositiva federal. Dessa forma, o seu fato gerador ficou bastante ampliado, não se limitando às hipóteses definidas no art. 1º do Decreto-Lei nº 406, de 31-12-1968, que não mais vigora. Agora abrange operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que essas operações e prestações se iniciem no exterior, atingindo, inclusive, importação de produtos destinados a consumo ou para integrar o ativo fixo. Sacha Calmon Navarro Coelho (1994, 223-224), vai além, complementando que a Secretaria da Fazenda procura, sempre, obter mais arrecadação por meio da tributação, motivo pelo qual não houve a citada união dos tributos, analisa-se: “[…] Sobre a nossa Constituinte – compromissória aqui e radical acolá – convergiram pressões altíssimas de todas as partes. Dentre os grupos de pressão há que destacar o dos Estados-Membros em matéria tributária, capitaneada pela tecnicoburocracia das Secretarias de Fazenda dos Estados, que atuavam com uma única e exclusiva preocupação: abocanhar o maior naco de recursos que fosse possível, custasse o que custasse.” Desta feita se nos atesemos, unicamente, a evolução histórica do ICMS este estudo perderia sentido, uma vez que durante todo o interregno histórico houveram princípios, dentre eles o princípio da não-cumulatividade que deve objetivar a materialização dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, (arts. 1º, IV; 170, IV c.c. 173, § 4º, da Carta Política); tentativas de unificação de tributos; entre outros fatos que demonstravam a vontade do legislador em desonerar a tributação imposta ao contribuinte, uma vez que há forte ligação entre a economia consumeirista, em todas as suas fases. Isto ocorreu em todo o mundo. No entanto, muito embora houvesse este movimento de desoneração tributária o Fisco agia em sentido oposto, tendo em vista que almejava obter a maior arrecadação possível, o que, por certo, inviabilizou qualquer redução de encargo tributacional. Seguindo nosso estudo, Ives Gandra Martins (1990 p. 396), preleciona sobre como eliminar o efeito cascata no ICMS em nosso ordenamento jurídico pátrio, bem como sobre o direito de crédito, in litteris: “[…] a não–cumulatividade do ICMS corresponde à teoria do valor agregado com adaptação ao direito pátrio. Como já se viu, no concernente ao IPI, a eliminação do efeito ‘cascata’ dá–se por força da adoção de uma das três formas de compensação das incidências anteriores, a saber: a do sistema do imposto sobre imposto, a de base e aquele de apuração periódica. O Brasil optou peça apuração periódica, pela qual o imposto é compensado, com crédito na entrada, daquele imposto devido no momento da saída da mercadoria […] A compensação não se dá por força do imposto cobrado na operação anterior, mas do imposto incidente. O imposto poderá nunca ser cobrado, mas gerará direito a crédito, posto que a incidência é aquela determinadora do crédito, como bem já decidiu o Supremo Tribunal Federal nas questões que lhe foram levadas ou como já demonstrei em parecer sobre a matéria. O aspecto novo do princípio da não–cumulatividade é o alargamento do espectro positivo do ICMS […]” Avançando no tempo, observa-se que a LC nº 87/96 (Lei Kandir) foi criada com o fito de atender as disposições constitucionais previstas nos arts. 146 e 155, § 2º, XII, da Carta Magna, ao passo que o Convênio n. 66/88 foi editado em observância ao artigo 34, § 8º, do ADCT, possibilitando assim a instituição do ICMS. Ademais, os artigos previstos no Decreto-Lei nº 406/68 “[…] eram insuficientes para abranger as novas hipóteses, incluídas no âmbito do imposto estadual pelo Texto Magno.” (BALEEIRO, 2010, p. 378) Regina Helena Costa (2009, p. 373), elucida que o ICMS constitui uma exceção à competência tributária, haja vista que art. 155, § 2º, XII, da Carta Magna, dispõe que sua instituição é compulsória face o caráter nacional que lhe foi atribuído, em versos: “[…] embora de competência estadual / distrital, o ICMS reveste feição nacional, dada a uniformidade normativa que lhe impõe  a Constituição, secundada pela extensão temática conferida à disciplina veiculada por meio de lei complementar. Observe–se, ainda, que, o disposto na alínea g, do § 2º, XII, do art. 155, consubstancia exceção à característica da competência tributária consistente na facultatividade de seu exercício, uma vez que os Estados–Membros e o Distrito Federal não poderão decidir a respeito senão mediante deliberação conjunta. Com efeito, a única exceção à facultatividade do exercício da competência tributária é o ICMS, pois não poderia um Estado–Membro deixar de instituí–lo por constituir imposto de caráter nacional, pondo a perder sua consistência e ensejando a chamada ‘guerra fiscal‘” Kiyoshi Harada (2006, p. 435), aponta inconstitucionalidade na LC nº 87/96, senão vejamos: “A Lei Complementar nº 87, de 13-09-1996, editada com fundamento no inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF, é lacunosa e contém inconstitucionalidades gritantes, algumas delas eliminadas ou agravadas por leis complementares posteriores, outras, ainda, superadas por Emendas Constitucionais supervenientes.[…] Essa Lei Complementar nº 87/96 omitiu-se, também, na disciplinação da cobrança do ICMS sobre os serviços de transportes intermunicipais e interestaduais de passageiros, impossibilitando a aplicação de normas constitucionais concernentes aos princípios da não-cumulatividade e de repartição do produto de arrecadação entre os Estados-membros.” Cumpre rezar, brevemente, que Eduardo Sabbag (2009, p. 946), traça comparação entre a seletividade antes e após a CF/88, ciente de que a seletividade não é alvo do presente artigo, deve-se versar sucintamente, in versis: “Antes da Constituição Federal, o então ‘ICM’ (hoje, ICMS) tinha a mesma alíquota distinta para os produtos, admitindo-se, facultativamente ao ICMS, a própria seletividade, em razão da essencialidade das mercadorias e dos serviços (art. 155, § 2º, III, da CF). Quanto às alíquotas, consoante a Resolução do Senado Federal n. 22/89, há as internas – livremente estipuladas pelos Estados (usualmente 17% ou 18%) – e as interestaduais, para as quais há o seguinte critério: alíquota para todas as mercadorias.” Kiyoshi Harada (2006, p. 439), leciona sobre a LC nº 102/2000, que alterou a LC nº 87/96, o que, por consequência, violou o princípio da não-cumulatividade, em letras: “A Lei Complementar nº 102, de 11-7-2000, introduziu várias alterações na LC nº 87/96, entre as quais as que violam o princípio da não-cumulatividade do ICMS. A nova redação conferida ao § 5º do art. 20 parcelou em 48 meses o crédito do imposto a ser aproveitado, decorrente de aquisição de bens integrantes do ativo fixo. Para efeito de aproveitamento de um quarenta e oito avos por mês, adotou-se um complicado critério de apuração, que poderá implicar cancelamento do saldo remanescente do crédito, no final do quadragésimo oitavo mês. Outrossim, introduziram-se drásticas restrições ao direito de crédito do ICMS relativamente à aquisição de energia elétrica e recebimento do serviço de comunicação, por meio de nova redação conferida ao inciso II do art. 33 e introdução do inciso IV.” Inerente se faz aduzir sobre a modificação do art. 7º, da LC nº 102/2000, especificamente quanto a inserção do § 5º, do art. 20, da Lei Kandir, bem como as inovações introduzidas no art. 33, II e IV, desta lei complementar, uma vez que o STF concedeu interpretação conforme à CF/88 sem redução de texto com o fito de afastar o efeito do art. 7º acima, após brilhante analise do princípio da anterioridade, conforme se denota na Ata nº 27/2003, DJ 04.10.2004. Kiyoshi Harada (2006, p. 439), elucida sobre as LCs nº 114/2002 e 115/2002, que modificaram a LC nº 87/96, in versis: “a Lei Complementar nº 114, de 16-12-2002, veio eliminar algumas das inconstitucionalidades apontadas, ao mesmo tempo em que buscou harmonizar aqueles textos daquela Lei Complementar nº 87/96 com os textos constitucionais supervenientes, decorrentes da EC nº 33/01. Outra Lei Complementar, a de nº 115, de 26-12-2002, introduziu na LC nº 87/96 normas de natureza financeira para compensar os Estados e os Municípios, que perderam suas receitas em decorrência de exonerações tributárias das operações e prestações destinadas ao exterior.” A Carta Magna de 1988 “[…] garante o princípio da não-cumulatividade, não cabendo ao legislador colocar empecilhos a tal transferência, caso contrário, nitidamente, estaria o legislador infraconstitucional a transformar o tributo de não-cumulativo em cumulativo”, segundo leciona Ives Gandra Martins (2001, p. 162). Nesta esteira, aponta-se jurisprudência do plenário do STF, leia-se: “ICMS. PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. MERCADORIA USADA. BASE DE INCIDÊNCIA MENOR. PROIBIÇÃO DE CRÉDITO. INCONSTITUCIONALIDADE. Conflita com o princípio da não-cumulatividade norma vedadora da compensação do valor recolhido na operação anterior. O fato de ter-se a diminuição valorativa da base de incidência não autoriza, sob o ângulo constitucional, tal proibição. Os preceitos das alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso II do § 2º do artigo 155 da Constituição Federal somente têm pertinência em caso de isenção ou não-incidência, no que voltadas à totalidade do tributo, institutos inconfundíveis com o benefício fiscal em questão.” (STF, Plenário, maioria, RE 161.031-0/MG, Min. Marco Aurélio, mar/97) Portanto, o motivo essencial da criação do ICMS foi a necessidade premente de um imposto não-cumulativo sobre regime plurifásico, uma vez que a cumulatividade do IVC onerava demasiadamente o contribuinte, bem como o destinatário final, logo a não-cumulatividade sempre acompanhou a tributação sobre o consumo. Ante a importância da não-cumulatividade do ICMS se faz inerente estuda-la minuciosamente, com o fito do leitor compreender a razão da evolução jurídica do tributo acima em nosso ordenamento. 3. Não-cumulatividade Este tópico aborda o princípio constitucional da não-cumulatividade que consiste o cerne do presente artigo, vez que a citada evolução tributária inocorreria sem este princípio que durante anos foi estudado. Assim sendo, a seguir abordar-se-á o seu conceito, questões controversas, eliminação do efeito em cascata, os princípios reflexos, a compensação de créditos, e a exceção do ICMS cumulativo. A priori, Eduardo Sabbag, (2009, p. 950), delineia o conceito a não-cumulatividade do ICMS, de acordo com o trecho abaixo exortado: “[…] O ICMS será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e o de comunicação com o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Podemos, ainda, entender a regra constitucional da não-cumulatividade como o postulado em que o imposto só recai sobre o valor acrescentado em cada fase de circulação do produto, evitando assim a ocorrência do chamado efeito ‘cascata’, decorrente da incidência do imposto sobre imposto, ou sobreposição de incidências. poderá recair também sobre as comunicações intramunicipais, tendo em vista que a Constituição, no art. 156, III, assevera que compete aos Municípios instituir o ISS de qualquer natureza ‘não compreenderá no art. 155, II’”. Na lição de Carlos Rocha Guimarães (1991 p. 136), o citado doutrinador afirma que a Carta Política ao versar sobre a não-cumulatividade foi além, uma vez que esmiuçou todas as informações possíveis, afastando, assim, dúvidas quanto a sua interpretação, conforme se analisa: “[…] a Constituição, ao invés de delimitar o fato gerador do ICM, com uma  simples inclusão da não-cumulatividade, em sua conceituação, foi além, esclarecendo como deveria ser entendida essa não-cumulatividade, escolhendo, como sua característica, a diferença entre os débitos e créditos tributários, afastando, em consequência, o critério do cálculo pelo valor acrescido. Assim, aquela espécie de não-cumulatividade é que compõe o fato gerador do ICM.” “É de se lembrar que tal princípio não é programático, não dependendo, pois, de regulamentação. Tampouco é possível prorrogar sua implementação para melhor oportunidade […] visto que tal compensação é inerente à não-cumulatividade[3] […]” (MARTINS, 2001, p. 150) A não-cumulatividade tem por escopo minorar o impacto tributário sobre a operação de circulação de bens e serviços, neste sentido lecionam Misabel de Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho (1996, p. 154), em trechos: “[…] por meio da dedução do imposto pago na operação anterior, alcançar apenas a circulação mercantil líquida de cada empresa, ou seja, tributar apenas o valor adicionado realizado por ela. Daí os conceitos de imposto sobre vendas líquidas ou imposto sobre o valor adicionado (Merhrwersteur)” Nessa toada Kiyoshi Harada (2006, p. 429), explana sobre a discussão doutrinaria sobre a não cumulatividade, se este é técnica de tributação[4] ou clausula pétrea, in litteris: “A Constituição prescreve a instituição de um imposto de incidência plurifásica. Nunca é demais lembrar que a expressão montante cobrado nas anteriores não significa imposto efetivamente exigido pelo fisco, mas aquele incidente em determinada operação em virtude da ocorrência do fato gerador. Porém, resta saber se esse inciso expressa um princípio tributário, e como protegido pelas cláusulas pétreas, ou expressa apenas uma técnica de tributação. As opiniões divergem. Para alguns, a não-cumulatividade não chega a ser um princípio tributário, quando muito seria um subprincípio. Para outros, seria uma mera técnica de tributação para evitar o efeito cascata do imposto de todo o inconveniente. A Corte Suprema não se manifestou expressamente sobre essa questão, mas ao admitir a incidência monofásica, indiretamente, está a considerar a não-cumulatividade como uma técnica tributária própria do ICMS.” Ives Gandra Martins (1990 p. 396), preleciona sobre como eliminar o efeito cascata no ICMS em nosso ordenamento jurídico pátrio, bem como sobre o direito de crédito, in litteris: “[…] a não–cumulatividade do ICMS corresponde à teoria do valor agregado com adaptação ao direito pátrio. Como já se viu, no concernente ao IPI, a eliminação do efeito ‘cascata’ dá–se por força da adoção de uma das três formas de compensação das incidências anteriores, a saber: a do sistema do imposto sobre imposto, a de base e aquele de apuração periódica. O Brasil optou peça apuração periódica, pela qual o imposto é compensado, com crédito na entrada, daquele imposto devido no momento da saída da mercadoria […] A compensação não se dá por força do imposto cobrado na operação anterior, mas do imposto incidente. O imposto poderá nunca ser cobrado, mas gerará direito a crédito, posto que a incidência é aquela determinadora do crédito, como bem já decidiu o Supremo Tribunal Federal nas questões que lhe foram levadas ou como já demonstrei em parecer sobre a matéria. O aspecto novo do princípio da não–cumulatividade é o alargamento do espectro positivo do ICMS […]” Regina Helena Costa pontua (2009 p. 369), que a não-cumulatividade é reflexo do principio da capacidade contributiva, in litteris: “A nosso ver, a não-cumulatividade é expressão do  princípio da capacidade contributiva, cuja eficácia alcança, também, o contribuinte de fato, impedindo que o imposto se torne um gravame cada vez mais oneroso nas várias operações de circulação do produto ou mercadoria, ou de prestação de serviços, que chegariam ao consumidor final a preços proibitivos.” O sistema não-cumulativo ele enseja numa compensação financeira, em que há compensação de créditos e débitos, seguindo o sistema Tax on Tax onde o débito gerado é abatido na saída com o crédito cobrado na entrada. “O cálculo dos impostos não-cumulativos pode ocorrer por meio de operações de adição ou subtração. Quando se compensam as incidências anteriores e atuais, utiliza-se o método da subtração” (SABBAG, 2009, p. 950) Muito embora o ICMS seja não-cumulativo (art. 155, § 2º, I, da Carta Magna; art. 19, da LC n. 87/96), Regina Helena Costa, (2009, p. 369), aponta uma impropriedade sobre esta não-cumulatividade presente no citado imposto, conforme se verifica: “Anote-se a impropriedade da dicção constitucional no que diz a expressão ‘montante cobrado’, uma vez que a cobrança é atividade administrativa, que não interfere no sistema de créditos pertinente a não-cumulatividade. O Correto é ‘montante devido’, este, sim, gerador de crédito na (s) operação (ões) subsequente (s).” Já a previsão do art. 155, § 2º, II, da Carta Magna, traz uma exceção, tornando o ICMS um imposto cumulativo, uma vez que inexiste crédito a ser compensado; tal previsão adveio para o nosso ordenamento pátrio por meio da EC n. 03/93, ensejando, desta feita, discussão quanto à constitucionalidade formal, face ofensa a direito individual (art. 60, § 4º, IV, da CF/88). Corroborando o esposado, Kiyoshi Harada (2006, p. 429), comenta o citado inciso acima, em letras: “[…] esse inciso deverá ser interpretado com restrição. A legislação ordinária, ao implementar esse dispositivo constitucional, não poderá ferir o princípio da não-cumulatividade, ou da técnica de tributação não cumulativa. Havendo isenção ou não-incidência legalmente qualificada, de per meio, na quarta etapa de circulação da mercadoria, por exemplo, poderá a lei exigir o estorno de créditos correspondentes à terceira etapa, bem como coibir o crédito na etapa imediatamente posterior, ou seja, na quinta etapa. Não poderá o estorno abranger todas as etapas anteriores à isenção, nem a vedação de crédito abarcar todas as etapas subsequentes à isenção ou não-incidência, sob pena de se provocar a cumulatividade do imposto por comportas e barragens, aumentando a arrecadação do imposto, pelo emprego do instituto da isenção, invertendo e pervertendo o efeito que lhe é próprio.” Sacha Calmon Navarro Coelho, (1999, p. 333-334), detalha o efeito cumulativo nos casos de isenção concedidos na fase intermediária, senão vejamos: “[…] em impostos como o ICMS, em razão da técnica não-cumulativa ou, por outro lado, em razão da conta-corrente fiscal, existe uma radical incompatibilidade entre a natureza da exação e as exonerações fiscais. Dar isenção numa fase intermediária do ciclo ou mesmo conceder imunidade significa ‘transferir’ para o elo seguinte o ônus do imposto… A imunidade ou a isenção só funcionam nos impostos não-cumulativos plurifásicos se foram integrais (envolvendo o processo inteiro de circulação) e assim mesmo num mesmo corredor de fases… Afora tais hipóteses, não há como fazer funcionar, sem gerar disfunções, as exonerações fiscais nos impostos plurifásicos não-cumulativos.” Ives Gandra Martins (2001 p. 149), veda que a legislação infraconstitucional conceda cumulatividade ao imposto em exame, in litteris: “[…] o ICMS. Este tributo também contém princípios próprios, destacando–se, por sua relevância, aquele da não–cumulatividade. Todas as imposições circulatórias, reais ou indiretas podem ser não–cumulativas, não havendo impedimento constitucional para que legislação inferior adote tal técnica de tributação. Duas delas, todavia, ao necessariamente não–cumulativas (Imposto sobre Produto Industrializado – IPI e ICMS), em relação a estas sendo inadmissível que legislação infraconstitucional as torne cumulativas.” Ademais, a citada exceção fere ainda ao principio da isonomia[5], isto porque onera indevidamente aquele que teria crédito a ser compensado, além disso a isenção é outorgada por razões de interesse público. Analisando o princípio da equivalência tributária, amplamente, nota-se que os desiguais devem ser tratados de forma igual, visto que esta igualdade existe de forma equiparada e nunca de forma absoluta. Ives Gandra Martins em obra constitucional, (1990, p. 400-402), distingue a não-incidência com a isenção, observe-se: “Causa-me espécie a manutenção do constituinte da equiparação entre isenção e não-incidência que, como já tive oportunidade de referir neste livro, não se assemelham em nada. A ‘não-incidência’, por ser uma não-utilização do poder de tributar, constitucionalmente outorgado ao ente com poderes para tanto, não permite o nascimento nem da obrigação tributária nem, por decorrência lógica, do crédito tributário, conforme é definido no Artigo 139 do Código Tributário Nacional. O crédito tributário exterioriza ingresso no universo administrativo da obrigação tributária por força do lançamento, este explicitado nos Artigos 142, 147, 149 e 150, do CTN. Como na ‘não-incidência’ não há qualquer incidência, dar tratamento constitucional ao que não existe é algo pelo menos curioso, posto que não existe não pode gerar qualquer direito, a não ser por ‘ficção’ jurídica, proibida no direito tributário para impor tributos, cujos fatos geradores não estejam previstos em lei, saldo se a Constituição determinar em contrário. O que não é o caso.” Ante o exposto, com base no esposado, percebeu-se que a não-cumulatividade em cotejo merece muita acuidade, posto que qualquer ato tendente a modificar o dispositivo constitucional será tido por inconstitucional por ferir ainda que, reflexamente, a Carta Magna. Ademais, os créditos gerados devem ser compensados, sob pena de configurar enriquecimento ilícito (art. 884, do CC). 4. Conclusão Este mister tem por fito demonstrar ao leitor que o ICMS ao longo dos tempos sofreu inúmeras modificações, bem como foi alvo de discussões doutrinárias quanto sua aplicação e interpretação. Isto porque foi criado, em 1922 por meio da Lei nº 4.625, sendo reproduzido na CF/1934, o IVC (Imposto sobre Vendas e Consginações) a fim de incidir sobre as mercadorias que circulassem comercialmente, todavia este imposto era cumulativo, logo onerava absurdamente o contribuinte, bem como o destinatário final. A CF/1946, já expressava em seu texto a vontade de criar um imposto não-cumulativo que fosse incidente em todas as fases de circulação, onde ocorria o fato gerador do tributo, até que a reforma tributária, mediante edição de EC nº 18/65, introduziu no cenário jurídico pátrio o ICM em substituição do IVC, aquele distinguia-se por ser não-cumulativo, representando fiel modelo ao TVA francês criado em 1936. Muito embora houvesse evolução jurídico-tributária ao substituir imposto cumulativo por não-cumulativo, ainda assim o direito tributário era marcado com aspectos político-econômicos que impossibilitavam a ampliação desta evolução, uma vez que o Fisco se contrapunha a vontade do contribuinte, pois objetivava apenas obter lucro proveniente de sua arrecadação. Com o advento da Carta Magna, de 1988, o constituinte prezou e versou que a não-cumulatividade deveria ser aplicada conjuntamente com os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, a fim de equilibrar e regular a ordem econômica, garantindo assim o desenvolvimento nacional. Em 1996, criou-se a LC nº 87 (Lei Kandir) que regulamentava o ICMS, em inteligência ao disposto nos arts. 146, II, e 155, § 2º, X da CF, contudo alguns artigos foram declarados flagrantemente inconstitucionais, uma vez que inovavam o ICMS e outros casos se opunham ao disposto constitucional, o que alvo de inúmeras críticas doutrinárias. Após esta e outras Leis Complementares, os doutrinadores passaram a verificar uma exceção a não-cumulatividade, bem como notaram que este princípio constitucional merecia obediência de certos princípios, dentre eles: da legalidade tributária, da isonomia, da capacidade contributiva, dentre outros. Dessarte, foi o incessante interesse / necessidade em instituir imposto não-cumulativo que atendesse ao regime plurifásico, em referência ao TVA europeu e o IVA da América Latina, que desencadeou no atual ICMS pátrio, passando a ser alvo do presente estudo, uma vez que sua história é lastreada de fatos de suma importância, tais como: a substituição do IVC pelo ICMS como forma de reduzir a carga tributária do contribuinte.
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A problemática da bitributação internacional
Os tratados internacionais em matéria tributária têm hierarquia superior às leis. Isso significa que esses acordos entre países não podem ser revogados por leis tributárias internas, publicadas posteriormente. Todavia, o assunto ainda é controverso.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO. O presente trabalho propõe o estudo sobre  a aplicação de tratados internacionais sobre matéria tributária no Brasil. Segundo o ministro Gilmar Mendes, avaliando o caso da Empresa Volvo ainda pendente de julgamento, os tratados internacionais em matéria tributária têm hierarquia superior às leis. Isso significa que esses acordos entre países não podem ser revogados por leis tributárias internas, publicadas posteriormente. Todavia, o assunto ainda é controverso. Modernamente a questão da bitributação internacional assume maior relevância, na medida em que se estabelecem blocos econômicos de integração regional. E o Brasil, com pretensões de assumir uma posição determinante no comércio internacional, precisa encarar a problemática de frente. 2. A QUESTÃO DA BITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL. A bitributação consiste em um fenômeno de Direito Tributário que ocorre quando dois entes tributantes cobram dois tributos sobre o mesmo fato gerador. Não há vedação expressa da bitributação na Constituição Federal brasileira. No tocante a bitributação internacional, a doutrina exige a regra das quatro identidades. Segundo tal regra é necessária a identidade do objeto, do sujeito (contribuinte), a identidade do período tributário e a identidade de imposto. Conforme o professor Heleno Torres, a problemática apresentada na questão da bitributação internacional está localizada na relação entre dois ou mais sistemas tributantes de estados soberanos, instigada por inevitáveis concursos de pretensões impositivas sobre um mesmo ato de produção de rendimentos, em base transnacional.[1] De fato, o problema exsurge quando os países adotam estruturas diversas no que concerne à tributação de rendimentos. E isso ocorre sobre duas formas de estruturas: a baseada no princípio da universalidade (pelo critério da nacionalidade ou da residência) e a baseada no princípio da territorialidade (pelo critério da fonte). Pelo princípio da universalidade da tributação, o Estado pode tributar rendimentos de residentes em seu território, independentemente do local onde o fato gerador ocorra. A utilização de tal princípio somente é possível em razão da adoção de critérios de conexão pessoal (como defendida pelo Professor Sacha Calmon) entre o fato imponível ou o sujeito e o território do Estado do qual emana a referida lei tributária. Ao passo que o princípio da territorialidade tributária está unido ao critério espacial da hipótese de incidência tributária, sendo tributáveis os rendimentos auferidos dentro dos limites territoriais do país, por residentes ou não residentes. Consoante Alberto Xavier, o aspecto puro do princípio da territorialidade está designado pelo aspecto territorial, uma vez que a doutrina procurou delimitar o alcance do princípio da territorialidade aos critérios objetivos/territoriais, de forma que somente seria vislumbrada a possibilidade de tributação de rendas efetivamente produzidas no interior do território do Estado do qual emanou a norma tributária.[2] Cumpre salientar que a adoção do critério da universalidade não exclui o da territorialidade, uma vez que este pressupõe a possibilidade de tributação de residentes ou não residentes, além de permitir a tributação dos residentes por rendas produzidas fora dos limites territoriais do Estado tributante. Exatamente por isso, ou seja, pela possibilidade de adoção conjunta de ambos os critérios, isto é, da territorialidade e da universalidade, surge o problema da dupla tributação da renda no plano internacional. Para as rendas de pessoas jurídicas residentes, o Brasil passou a adotar o regime de universalidade a partir da entrada em vigor da Lei 9.249/95, cujo artigo 25 permitiu o alcance dos rendimentos por conexão pessoal, independentemente do local da sua produção, e, desse modo, afastou o princípio da territorialidade pura para os sujeitos qualificados como residentes, ficando esse último mantido apenas para os sujeitos definidos em lei como não residentes.[3] Assim o Brasil adota o princípio da universalidade (renda mundial). A tributação da renda mundial tem como elemento de conexão o domicílio. Por esse critério, a pessoa submete-se à tributação em relação à renda global, renda mundial, o total da renda produzida, independentemente do local (território interno ou externo) em que ela foi produzida. Destarte, a partir de 1995, a incidência do Imposto de Renda passou a alcançar sujeitos passivos localizados no exterior (coligadas, controladas, filiais etc), desde que domiciliados no Brasil (estabelecidos). Segundo os princípios da justiça fiscal e da capacidade contributiva, a bitributação internacional é muito criticada, além de apresentar um obstáculo às relações internacionais do comércio e da cultura, interferindo no movimento de capitais e pessoas, prejudicando as transferências de tecnologia e intercâmbios de bens e serviços. Tão importante quanto às consequências já apontadas, destaca-se a consequência natural da bitributação internacional, a elisão e sonegação fiscal internacional. É inegável que diante de elevada carga tributária, muitos se valerão da condição de empresas transnacionais para a práticas de elisão e sonegação fiscal. 3. SOLUÇÃO BILATERAL À BITRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL. Com vistas a solucionar ou minorar os efeitos da dupla ou múltipla tributação internacional, à disposição dos Estados encontram-se medidas unilaterais ou soluções bilaterais – assinatura de tratados e convenções internacionais. No primeiro caso, as medidas são ordinariamente tomadas por aqueles Estados que adotam o princípio da universalidade, mediante leis nacionais com elementos capazes de atenuar os efeitos da bitributação internacional, tal qual medidas de concessão de isenção, a aplicação do método da imputação, da redução da alíquota ou o da dedução na base de cálculo dos valores pagos no exterior a título de tributos. Na verdade, estas medidas adotadas unilateralmente não constituem, a rigor, medidas para solução do problema ora apresentado. Assim, em razão da insuficiência unilateral, os tratado e as convenções bilaterais constituem hodiernamente a solução mais aplicada. Nesta perspectiva, por meio de tratados e convenções internacionais podem os Estados contratantes delimitam suas respectivas competências tributárias, enquanto estados da fonte produtora dos rendimentos ou estados da residência (da matriz). Assim, poderão limitar sua soberania tributária. Ademais, os tratados e convenções internacionais, podem estabelecer como objetivo a eliminação da bitributação internacional econômica (e não apenas a jurídica). Assim, o Estado da residência poderá conceder a dedução dos valores pagos por outro sujeito passivo com tributos no estrangeiro. Entretanto, os Estados se deparam com outra controvérsia: conferir ou não primazia ao direito internacional convencional sobre o direito interno. A Suprema Corte do Brasil ainda não pacificou seu entendimento, tendo em vista os preceitos permissivos para tanto, sejam eles constitucionais (art. 4º, inc. IX e parágrafo único e art. 5º, parágrafo 2º), legais (art. 98 CTN) ou doutrinários. A tendência da jurisprudência pátria é priorizar o direito convencional internacional sobre o direito interno, mormente num contexto político e histórico que tem por objetivo maior a interação entre os povos para o progresso da humanidade. A adoção destes princípios pelos tribunais brasileiros só leva a entender que a República Federativa do Brasil, passa assim, a gozar de prestígio na ordem jurídica internacional, tendo em vista a ética e respeito dedicados ao direito das gentes, seja quando este se expressa na ordem exclusivamente internacional, ou quando se integra ao ordenamento jurídico pátrio.  4. A RECEPÇÃO DOS TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS COMO SOLUÇÃO À BITRIBUTAÇÃO. Quando o assunto é a aplicação de tratados internacionais pelo ordenamento jurídico brasileiro, a legislação interna apresenta inúmeras lacunas, criando a possibilidade de diversas formas de interpretação, ocasionando dissensos doutrinários e jurisprudenciais. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE n.º 349.703, afirmou a supralegalidade dos tratados internacionais. Além disso, o Congresso Nacional aprovou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados por meio do Decreto Legislativo n.º 469/2009, segundo o qual “uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Por outro lado, cumpre destacar julgado dissonante: “114788 – IMPOSTO DE RENDA – PESSOA JURÍDICA DOMICILIADA NO EXTERIOR – DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS – RETENÇÃO NA FONTE – PRETENSÃO DE TRATAMENTO IDÊNTICO AOS CONTRIBUINTES NACIONAIS – INVIABILIDADE – 1. Considerando que, no ordenamento jurídico brasileiro, inexiste superioridade hierárquica dos tratados e convenções internacionais em relação à Lei ordinária, válida a exigência do imposto de renda na fonte, relativamente ao sócio residente no exterior, tendo em vista a expressa previsão na legislação posterior à “convenção internacional entre Brasil e Suécia para evitar dupla tributação sobre a renda” (Decreto nº 77.053/76). 2. Não vislumbrada a violação ao princípio constitucional da isonomia tributária, pois inexiste relação de similitude entre o sócio, residente e domiciliado em território estrangeiro, súdito do Reino da Suécia e o sócio residente e domiciliado no Brasil. 3. Apelação improvida”. (TRF 4ª R. – AC 97.04.26084-9 – PR – 2ª T. – Rel. Juiz Fernando Quadros da Silva – DJU 11.04.2001 – p. 200) Como pudemos observar, o fundamento jurídico adotado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para não dar aplicação interna à convenção internacional firmada pelo Brasil e pela Suécia com vistas a evitar a bitributação sobre a renda, foi a de que os tratados e convenções internacionais não possuem superioridade hierárquica em relação à lei ordinária, podendo, portanto, ser revogados por lei posterior. A par do entendimento do respeitado Tribunal, resta aguardar ma posicionamento definitivo do Supremo com fim de apasiguar e trazer solução aos conflitos apresentados, de modo a não comprometer ainda mais o comércio internacional em que o Brasil figura como parte determinante. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. A dupla ou múltipla tributação internacional se manifesta como empecilho ao desenvolvimento econômico e sociocultural das nações, prejudicando o intercâmbio de tecnologias, pessoas, bens, capitais e serviços, promovendo, por outro lado, a prática de condutas de elisão e sonegação fiscal internacional. Diante desta realidade, o sistema jurídico brasileiro precisa dotar a eficácia ponderada dos tratados e convenções internacionais firmados com o objetivo de evitar a bitributação internacional, sem comprometer a fiscalização dos órgãos competentes.  Assim, honrando os seus compromissos internacionais, gozará o Estado brasileiro de confiança no cenário internacional, garantindo um ambiente de segurança jurídica necessário ao aporte de capitais estrangeiros.
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Os tributos e a política tributária em uma sociedade democrática
A democracia não se caracteriza apenas pela escolha periódica dos governantes, mas pela adoção de certos valores que lhe são fundamentais. A igualdade e a liberdade são valores fundamentais na democracia. Os modelos de democracia oscilam entre os que, para assegurar o máximo de liberdade do indivíduo, preservam as desigualdades existentes entre os homens, e os que, pretendendo igualar os homens, suprimem-lhe a liberdade. É impossível separar-se o tributo da política. O Estado democrático de Direito tem seus princípios fundamentais. A formulação das políticas tributárias e a instituição e cobrança de tributos exigem o pleno acatamento desses princípios. As regras e os princípios constitucionais tributários admitem a adoção de políticas tributárias diversas das que costumeiramente vem sendo adotadas pelos governos brasileiros. No Brasil, a rejeição social do modelo de tributação adotado pelos governantes escolhidos pelos cidadãos é um paradoxo que pode ser explicado quando se percebe a frágil representatividade dos partidos políticos. Palavras-chave: tributação, cidadania, democracia, política tributária, sociedade democrática, direito dos contribuintes. Abstract: Democracy is not only characterized by periodic choice of rulers, but by the adoption of certain values which are fundamental.  Equality and freedom are fundamental values of democracy. The democracy models oscillate between that, to assure the maximum of freedom of the individual, they preserve the existing inaqualities between the men, and the ones that, intending to equal the men, supress theirs freedom. It is impossible to separate the tribute of the politics. The democratic state of law has its fundamental principles.  The formulation of tax policies, and the imposition and collection of tributes, require the full observance of these principles.  The rules and principles of the Brazilian Constitution admit the adoption of fiscal policies different from that usually has being adopted by the Brazilian governments. In Brazil, the social rejection of taxation model adopted by the rulers chosen by the citizens is a paradox that can be explained when one realizes the weak representation of political parties. Keywords: taxation, citizenship, democracy, fiscal policy, democratic society, taxpayer rights. Sumário: 1.  Tributo e política. 2.  Os fins do Estado. 3.   O custeio das despesas estatais. 4.  A Política Tributária e a Política Fiscal. 5. Conceito de tributo. 6.  A finalidade do tributo. 7.  A escolha dos devedores. 8.  O Direito Tributário como a instrumentalização jurídica das opções políticas do legislador. 9. Governo e Democracia. 9.1.  A democracia representativa. 9.2.   O mandato político. 9.3.   A democracia pelos partidos. 9.4.  Os valores básicos da democracia. 10.   Tributo e Democracia na Constituição brasileira de 1988. 10.1.   O Sistema Tributário Nacional. 10.2.   O princípio da estrita legalidade da tributação. 10.3.   As matérias sob reserva de lei. 10.4.   O princípio da igualdade. 10.5.   A irretroatividade da lei. 10.6.   As imunidades tributárias. 11.   Propostas em defesa da ampliação do conteúdo democrático das políticas tributárias e fiscal. Referências bibliográficas. 1.  Tributo e política É impossível dissociar o tributo da política.  A imposição tributária decorre de opções políticas, sendo que o dinheiro arrecadado pelo governo necessariamente será usado em conformidade com  opções políticas. A arrecadação tributária onera setores sociais, sempre de forma desigual; a política fiscal encaminha os gastos públicos em conformidade com opções políticas, dando tratamento desigual a seus destinatários. A íntima relação entre o tributo e a política fica evidenciada, em uma perspectiva histórica, quando se analisa a evolução das instituições político-jurídicas da Humanidade. O tributo sempre esteve na raiz das grandes transformações políticas e jurídicas da sociedade.  Para citar apenas os exemplos mais conhecidos, a denominada Magna Carta de 1215, o Bill of Rights, o Constitucionalismo do século XVIII, a Revolução das Colônias Britânicas da América do Norte, a Revolução Francesa, a Inconfidência Mineira: todas tiveram no tributo o seu motor. A questão tributária é apenas um aspecto de uma outra questão política mais abrangente, relativamente aos fins do Estado.  Isto porque as despesas públicas são função das atividades exercidas pelo Estado, no fornecimento de bens e serviços aos jurisdicionados.   As pressões políticas para que o Estado amplie sua participação na vida econômica e social de seus súditos acarretam o aumento dos gastos públicos e, por via de conseqüência, exigem que os recursos correspondentes sejam auferidos pelo Governo. A legislação tributária é o instrumento pelo qual as opções políticas, referentes ao financiamento dos gastos públicos,  são aplicadas.  Isto evidencia que a tão decantada reforma tributária, que o reformismo crônico do discurso político em voga nos meios de comunicação não se cansa de pregar, somente poderá ser eficazmente equacionada com a correta apreensão dos fenômenos envolvidos. O governo equilibra-se entre as reivindicações de maior presença dos poderes públicos no fornecimento de bens e serviços e a oposição feita por aqueles que terão que pagar por isso. Há uma contínua tensão na sociedade e esses conflitos devem ser resolvidos no interior da própria sociedade, com observância dos princípios ditos democráticos. 2.  Os fins do Estado O debate sobre as atribuições que devem ser dadas ao  Estado é perfeitamente conhecido.  A resposta a essa indagação vincula-se à ideologia. O movimento constitucionalista do século XVIII, na ânsia de proteger o indivíduo, elaborou um modelo político onde ao Estado eram atribuídas reduzidas funções, relacionadas com a manutenção da ordem pública, ao contato com outros Estados e à distribuição de justiça entre os particulares. Na concepção de seus formuladores, o Estado era entendido como um mal necessário, que deveria ser mantido com estrutura mínima. No entanto, as reivindicações políticas dos membros da sociedade, decorrentes da adoção do sufrágio universal e da expansão da organização política dos setores mais pobres da população, foram gradativamente ampliando as funções do Estado.  É fato amplamente conhecido que as revoluções mexicanas e soviéticas, no começo do século XX, impulsionaram a concepção de que o Estado não poderia ficar alheio aos problemas sociais e econômicos.  O modelo liberal, oitocentista, ficou superado.  A duas grandes guerras mundiais e as contradições internas do próprio sistema capitalista permitiram a consolidação do Estado intervencionista.  As discussões passaram a girar em torno do grau de intervenção estatal que se deveria admitir como adequado. O Estado moderno agigantou-se, e o poder público transformou-se em uma complexa organização, separando-se a Administração Direta da  Administração Indireta, surgindo as autarquias, as empresas públicas, as fundações públicas e as sociedades de economia mista. A poderosa máquina estatal exige gerenciamento técnico e profissional, havendo fluxo permanente de receitas e despesas. 3.   O custeio das despesas estatais Os recursos financeiros para o atendimento das necessidades do poder público são obtidos a partir das denominadas receitas originárias (decorrentes do próprio patrimônio do Estado, como os dividendos pagos pelas empresas estatais) e das receitas derivadas (como os tributos), da emissão de títulos públicos (para a obtenção de empréstimos), e da emissão de moeda. As denominadas receitas originárias atingem pequeno montante.  A emissão de moeda, sem os rígidos controle de uma política monetária eficaz, ocasiona inflação, e as experiências vividas pelos diversos países, inclusive o Brasil, demonstraram não ser esse um caminho economicamente adequado. Restam as duas alternativas mais importantes: a captação de recursos mediante a emissão de títulos públicos (o que aumenta a divida pública) e a arrecadação tributária. A arrecadação tributária representa o ingresso mais significativo.  Aliás o financiamento da administração pública mediante empréstimos torna o Estado devedor, e essa dívida terá que ser paga com recursos que, normalmente, serão obtidos pela arrecadação tributária. 4.  A Política Tributária e a Política Fiscal A ampla gama de atribuições assumidas pelo Estado acarreta a eleição de prioridades do poder público, tendo em vista que os recursos econômicos disponíveis são finitos.  Há uma contínua tensão entre a busca de recursos e a efetividade das políticas públicas. Em decorrência, passam a serem relevantes a Política Tributária e a Política Fiscal.  A Política Tributária direciona a captação dos recursos de origem tributária.   O governo deve definir onde irá buscar os recursos necessários para o custeio das despesas públicas.  A Política Fiscal define as aplicações desses recursos. Em cada um desses polos opostos decisões políticas são tomadas.  Essas decisões são adotadas pelos governantes.  Essa constatação evidencia a importância de serem conhecidos os mecanismos pelos quais surgem os governantes, e de como eles se mantêm no poder. Constata-se que na sociedade há uma minoria que governa e a imensa maioria é governada.  É da própria natureza das coisas que o governo seja exercido por uma minoria As formas pelas quais os governos se instalam e se mantêm  nas sociedade têm sido alvo da indagação dos filósofos, que há séculos refletem sobre o tema.  A moderna Ciência Política ajuda a lançar alguma luz sobre essa realidade. Os governantes, nas democracias, são escolhidos pelos governados.  Esses governantes cercam-se de assessores e auxiliares, havendo a formação de uma poderosa cúpula de técnicos e burocratas,  sem mandato político, ávidos por dinheiro. Os mecanismos de implantação das políticas tributária e fiscal passam a ser considerados de natureza técnica, sob gerenciamento dos técnicos governamentais. Surge, assim, paralelamente ao poder dos governantes escolhidos pelos cidadãos, o poder da tecnocracia. 5. Conceito de tributo O tributo, no sentido de entrega compulsória de bens ou serviços aos governantes, revela sua presença desde os albores da História.  “Tributo e governo” é uma constante nas sociedades humanas. A noção de tributo depende da estrutura econômica e jurídica da sociedade e do próprio Estado. O tributo é uma realidade complexa, podendo ser analisado a partir de diversas perspectivas.  A pluralidade dos conceitos de tributo apresentada pelos estudiosos revela os múltiplos enfoques a partir dos quais  esse fenômeno pode ser apreendido.  Esses diversos conceitos podem ser integrados em uma visão multidisciplinar, que permite uma compreensão mais adequada do mundo real.  Assim, esses conceitos não se repelem, mas se integram; todavia, é preciso especial cuidado para não se mesclar os domínios das diversas ciências que podem ser desenvolvidas a partir do núcleo essencial do tributo. O núcleo essencial do tributo é a existência da entrega compulsória de prestação ao Governo, decorrente de uma relação de força, sem que tenha havido prévia concordância pessoal do devedor, com a finalidade de custear as despesas públicas. A evolução das relações sociais e o aprimoramento das instituições jurídicas lentamente transformaram a “relação de fato”, que inicialmente caracterizava a relação tributária, em “relação jurídica” e introduziram no conceito de tributo a concordância do devedor, que lhe foi imputada,  em razão de  a exigência tributária ter sido aceita pelo seu representante (“não há tributação sem representação”). As prestações compulsórias que os governantes têm exigido de seus súditos no decorrer dos tempos amoldaram-se às peculiaridades das épocas e dos locais. Em épocas pretéritas, o objeto dessas prestações era mais diversificado  que o atual,  admitindo-se a entrega de produtos rurais ou industriais, além de pedras e metais preciosos e, obviamente, de dinheiro.  Essas prestações incluíam também a entrega de serviços aos governantes (como, exemplificativamente, do serviço militar). Há muito o conceito de tributo foi circunscrito à entrega compulsória de recursos financeiros ao Estado, com a finalidade preponderante de custeio dos serviços públicos.  O controvertido art. 3º do Código Tributário Nacional apresenta o conceito jurídico de tributo, adotado pelo direito positivo:  “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Por outro lado, o Estado contemporâneo obriga o particular a entregar tais recursos não somente ao próprio Estado, mas também a terceiros (as denominadas contribuições parafiscais), o que revela uma ampliação da abrangência da noção de tributo. 6.  A finalidade do tributo O tributo implica transferência de recursos privados para o Governo.  Ínsita nesta constatação está a concepção da existência de tais recursos privados, razão pela qual não se poderia falar em tributo em uma economia totalmente socializada. Embora se possa admitir que a finalidade da cobrança de tributos é a de financiar os gastos do Governo, a evolução das instituições políticas e jurídicas da sociedade implicaram a adoção de tributos com finalidades outras. É que os aspectos relacionados com a análise econômica da tributação mostram que a tributação não é economicamente neutra, e afeta as decisões dos agentes econômicos.  Com efeito, a interferência da carga tributária sobre os diversos aspectos da economia acarreta modificação no comportamento desses agentes econômicos. Assim, exemplificativamente, a tributação afeta a renda disponível do contribuinte, alterando suas opções de compra; a tributação aumenta  o custo de produção e, por conseqüência, o preço do produto. Por tais razões, o Governo pode exigir tributo com a finalidade de intervenção no domínio econômico, tendo importância secundária a própria arrecadação financeira que essa intervenção venha a produzir.  Em uma situação extrema, é possível a instituição de tributo com a finalidade de não arrecadar mais recursos, mas a de inibir uma atividade econômica entendida como prejudicial. Essa tributação punitiva[1] pode ocorrer em circunstâncias tais como a da elevação dos direitos aduaneiros (inibindo a ocorrência de importações) ou a de elevada alíquota sobre produtos alcoólicos ou sobre o fumo (que acabam arrecadando menos dinheiro do que ocorreria se a alíquota fosse menor, em virtude da inibição do consumo). Os estudiosos referem-se a esses aspectos do tributo com o nome de “efeitos extrafiscais” da tributação. 7.  A escolha dos devedores Os governantes devem previamente escolher os devedores dos tributos, isto é, definir quais pessoas deverão pagar os tributos ao poder público.  A escolha dos devedores é política.  Assim, mediante a edição de leis, são definidos os fatos geradores da relação jurídica tributária, as bases de cálculo e alíquotas e os devedores da prestação tributária.   Os formuladores da política tributária do governo (geralmente, os tecnocratas sem mandato político) fazem as opções de tributação e os cálculos. No entanto, cabe ressaltar que, no Brasil,  os tributos já se encontram previstos na Constituição, que estabelece as competências tributárias dos legisladores,  e as leis que os criam permanecem produzindo efeitos, independentemente da mudança de governantes.  Por esse motivo, a substituição dos governantes, e até mesmo a alteração de partidos no governo,  somente produzirá efeitos na política tributária e na legislação tributária se houver fortes razões para isso. Ao contrário do que ocorria no passado, a aprovação do Orçamento  não é mais condição para a cobrança dos tributos. As leis tributárias permanecem em vigor até serem revogadas ou alteradas.  A vigência das leis tributárias garantem um fluxo constante de recursos para o governo. Em uma sociedade democrática é crucial que a escolha dos que irão pagar os tributos, e o montante de tributos que serão exigidos,  seja feita com estrita obediência às diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição, preservando-se os valores básicos da democracia.  A instituição de tributos exige um procedimento formal, com a edição de lei.  No entanto, é também fundamental que a lei tenha rigorosamente atendido aos princípios constitucionais. A escolha daqueles que irão pagar é feita a partir de critérios políticos, respeitando-se as diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição. Assim, ao lado dos valores essenciais à democracia, como a liberdade, a igualdade e a propriedade, os tributos podem estar sujeitos a princípios próprios, exigidos pelo ordenamento constitucional.  Por exemplo, o imposto de renda deve adotar a progressividade; e o imposto sobre produtos industrializados deve ser seletivo em função da essencialidade do produto. 8.  O Direito Tributário como a instrumentalização jurídica das opções políticas do legislador A formação do Direito Tributário, que evoluiu a partir do Direito Administrativo e do Direito Financeiro, foi impulsionada pela publicação do Código Tributário Alemão, no começo do século XX. O desenvolvimento do Direito Tributário foi contemporâneo do desenvolvimento das próprias concepções de democracia, que convulsionaram o ambiente político e jurídico do século XX.  Por essa razão, os progressos no campo do Direito Constitucional refletiram-se no Direito Tributário, que absorveu os valores democráticos e busca dar-lhes expressão ao moldar os institutos jurídicos da tributação. No caso brasileiro, o sistema tributário é estruturado pela própria Constituição Federal, de forma bastante analítica, com ampla interseção entre o Direito Constitucional, direito essencialmente político, e o Direito Tributário (onde o tecnicismo encontra-se presente de forma acentuada). Os institutos de Direito Tributário proclamam os princípios fundamentais em uma democracia,  tais como o da legalidade da tributação, o da igualdade, o da vedação do confisco (reconhecendo a legitimidade da propriedade, direito assegurado pela Constituição Federal). O lançamento de tributos, conforme expressa o parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional, é obrigatório e vinculante para as autoridades fiscais, sob pena de responsabilidade funcional.  Portanto, retira-se da autoridade fiscal a possibilidade de deixar de cobrar o tributo devido (favorecendo alguns contribuintes, com desrespeito ao princípio democrático da igualdade) ou cobrá-lo maior do que o devido (com desrespeito ao princípio democrático da estrita legalidade da tributação). As leis tributárias asseguram ao contribuinte o direito de apresentar impugnações e recursos administrativos contra as exigências tributárias que lhe sejam feitas, tendo essas impugnações e recursos efeitos suspensivos da exigência.  Além disso, é assegurado ao contribuinte, em qualquer tempo, dirigir-se ao Poder Judiciário contra a Administração Tributária, alternativamente à defesa administrativa, ou em seqüência desta, caso discorde da decisão administrativa.  Dessa forma, há observância do comando da Constituição que veda à lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (Constituição Federal, art. 5º, XXXV). A cobrança de tributos, administrativa ou judicial,  somente pode ser feita com obediência ao devido processo legal, assegurado o contraditório e a ampla defesa (Constituição, art. 5º, LV). O sigilo fiscal, que impede a divulgação por parte da Administração Pública ou de seus servidores de informação “obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”, é assegurado pelo art. 198 do Código Tributário Nacional. O Direito Tributário não se limita às normas expedidas pelo legislador, mas admite pluralidade de fontes, o que garante a  flexibilidade da ação administrativa.  Todavia, os atos normativos expedidos pela Administração Tributária devem observar rigorosamente, sob pena de invalidade, os princípios democráticos e os comandos constantes das normas hierarquicamente superiores.  Em conformidade com o  art. 96 do Código Tributário Nacional a legislação tributária “compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. Em um Estado de Direito as decisões governamentais devem ser formalizadas em atos jurídicos apropriados, e as competências normativas das autoridades fazendárias, quer na  implementação da Política Tributária do governo, quer na execução da legislação tributária, somente serão legítimas e juridicamente válidas se derem perfeito acatamento às normas e princípios explícitos ou implícitos da Constituição. 9. Governo e Democracia A crença de que o poder do governante tem origem divina predominou na maior parte da História da Humanidade. Com efeito, é do apóstolo Paulo a afirmação de que “não há poder que não venha de Deus” (Romanos, XIII,1).  As conseqüências dessa frase nas lutas políticas na Europa e na América são bastante conhecidas. A relação entre os súditos e os governantes estava, assim, na dependência de concepções religiosas.  Nessa perspectiva, a soberania era atributo do monarca. No entanto, já na Antigüidade houve a afirmação de pertencer ao povo a soberania, e de o poder do governante ter sua origem na vontade dos súditos. É clássica, nos manuais de Direito Constitucional, a referência a três formas de governo: a monarquia, a aristocracia e a democracia. A propósito das formas de governo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho recorda a Política de Aristóteles, onde se diferencia as formas legítimas (“que buscam o interesse geral”) e as formas ilegítimas (“que visam ao interesse de alguns, mormente dos governantes”). E acrescenta: “Três são as formas legítimas: a monarquia (governo de um só em proveito de todos), a aristocracia (governo de uma minoria – dos melhores ou mais capazes – em proveito geral) e a república (ou a democracia, para alguns tradutores, o governo da maioria mas em benefício de todos).  As ilegítimas são: tirania (governo de um só mas em benefício de uma minoria, ou do próprio tirano), oligarquia (governo da  minoria dos mais ricos em benefício próprio) e demagogia (ou democracia, conforme o tradutor, o governo da maioria explorada pelos demagogos em vista do interesse de alguns, em prejuízo da maioria”.[2] A lição de Aristóteles permite que se distingam governos legítimos e governos ilegítimos, tendo-se em vista o objetivo do governante: será legítimo o governo que visa o benefício de toda a sociedade.  Assim, até mesmo o governo da maioria será ilegítimo se visar ao interesse de alguma minoria.  Nessa perspectiva, um governo aristocrático pode ser legítimo ser visar ao benefício de toda a sociedade. Não obstante seja sedutora a idéia de democracia, e  as pessoas, em geral,  gostarem de dizer-se democratas, a verdade é que o conceito de democracia não é claro, e sempre esteve sujeito a acaloradas polêmicas, do que resultam democracias adjetivadas: “democracia direta”, “democracia representativa”,   “democracia liberal”, “democracia popular”, “democracia marxista”, “democracia cristã”, “democracia social”.  No Brasil, durante o período militar posterior a 1964, houve quem reconhecesse a existência da “democracia relativa”.  PINTO FERREIRA assinala que “Trata-se de uma idéia que a princípio parece muito simples, apresenta-se claramente ao entendimento do estudioso, porém sobre ela dissentem os doutores no tocante à sua exata compreensão.”[3] A definição mais singela é a literal: democracia é o governo do povo, distinguindo-se da aristocracia,  da monarquia e da teocracia. É, também, corrente a definição de que a democracia é “o governo do povo, pelo povo e para o povo”.  No entanto, é problemático dizer-se que o povo se autogoverna.  É nítida a existência de governantes e de governados. Uma tradicional classificação da democracia a distingue em dois tipos: a democracia direta e a indireta. Constata Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a democracia direta, (“aquela em que as decisões fundamentais são tomadas pelos cidadãos em assembléia”) é apenas uma reminiscência histórica.[4] O modelo clássico de democracia direta foi a ateniense, na Antigüidade.  Conforme salienta o autor citado, o supremo poder na democracia ateniense era atribuído a todos os cidadãos, todo cidadão ateniense tinha o direito de participar da assembléia onde as decisões eram tomadas, com direito de palavra e voto.  Todavia, nem todos os homens eram cidadãos.  A qualidade de cidadão era hereditária e, de forma geral, somente concedida aos filhos de atenienses, ficando excluídos os estrangeiros e os descendentes de estrangeiros, além das mulheres.[5] Constata-se, pois, que nem no “modelo clássico” de democracia direta o povo, entendido como as pessoas residentes em determinado território e sujeitas a determinado governo, se autogovernava. A democracia direta não é adotada modernamente sob a alegação de que não seria possível reunir milhões de cidadãos em assembléias freqüentes; além disso, o povo não teria capacidade para “compreender os problemas técnicos e complexos do Estado-providência”.[6] 9.1.  A democracia representativa Na democracia indireta o povo é governado por meio de pessoas escolhidas para a função de governar.[7] Há, assim, na democracia indireta, o problema da escolha das pessoas que irão governar. Os escolhidos exercerão o governo em nome do povo.  Portanto, na democracia indireta (isto é, em todas as democracias modernas) o povo não se governa, mas é governado pelos escolhidos para isso. As idéias vitoriosas na Revolução Francesa tornaram-se o fundamento teórico da chamada democracia representativa.  A burguesia ascendeu ao poder, sobrepondo-se à nobreza e ao clero, e carregando a bandeira dos ideais de igualdade e liberdade. Na ideologia desses revolucionários o indivíduo era percebido  como a grande realidade, os indivíduos deviam ser livres, sendo a sociedade apenas a decorrência do contrato social celebrado pelos  indivíduos. A propriedade privada e a liberdade de contrato eram vistas como direito natural. Os enciclopedistas propagaram esses ideais do Iluminismo, proclamando que a Natureza e a Razão orientariam os Indivíduos a encontrar a  Felicidade. Nessa cosmovisão, seria imprescindível a participação de todos os membros da sociedade, reunidos  em assembléia, para debater  e aprovar a Constituição e as leis. No entanto, percebendo-se que essa proposta não pode ser concretizada, tornou-se necessária a elaboração de uma teoria que justificasse a realização de assembléia sem a participação da maioria, mas que ao mesmo tempo adotasse decisões obrigatórias para todos os indivíduos. O impasse foi habilmente contornado com a elaboração da doutrina que veio a se tornar conhecida como democracia representativa, modalidade de democracia indireta, que uniu as idéias de Montesquieu com as noções então geralmente aceitas  relativas ao Direito Natural. A doutrina da democracia representativa distingue os membros da  sociedade, separando-os  em governados e governantes. Os governantes são considerados representantes dos governados, e nessa condição adotam as decisões políticas e legislam em nome dos representados. A impossibilidade de serem realizadas assembléias com a presença de todos os cidadãos, e a certeza de que a maioria dos cidadãos não estaria apta a decidir as questões que seriam submetidas à apreciação da assembléia, serviram de pretexto para a adoção desse modelo de democracia. De acordo com o pensamento dominante à época, embora o cidadão comum não esteja apto para gerir os negócios públicos,  sabe escolher aqueles que estão habilitados para governar. Destarte,  o eleitor saberia discernir o melhor candidato. Constata-se que, apesar de aclamar como valores supremos a igualdade, a liberdade e a fraternidade, os revolucionários do final do século XVIII acabaram afastando do poder a maior parte da população. No entanto, para esses revolucionários esse fato era irrelevante,  tendo em vista que no seu ideário a função de legislar consistia apenas na  positivação do Direito Natural. Prevalecia naquele tempo a convicção da racionalidade da lei que, em conformidade com a expressão tomista, é “a ordenação da razão“, visando ao bem comum, feita e promulgada pelo legislador. Em conformidade com esse modo de pensar,  o direito não seria criado pelo legislador, pois o direito precederia ao próprio legislador, cuja missão seria a de encontrá-lo,  explicitá-lo e positivá-lo, o que se faz por meio da edição de um texto escrito, para que os demais participantes da sociedade dele tomem conhecimento e o acatem. Decorre do exposto que, na concepção predominante à época da adoção da democracia representativa, a  positivação do direito resumir-se-ia  à descoberta da solução mais justa para cada um dos possíveis conflitos humanos e à sua divulgação  para conhecimento das demais pessoas. Assim, haveria sempre a lei justa para solver cada conflito, e qualquer pessoa que tivesse inteligência e conhecimentos necessários descobriria essa lei. Diante disso, irrelevante a quantidade de deputados que representasse o povo, bastava apenas que os mais capacitados fossem escolhidos. Se o conjunto dos representantes fosse substituído por outro, a lei a ser aprovada continuaria sendo a mesma. Esse ponto de vista parecia suficiente para conciliar a idéia de igualdade, com o fato de que poucos cidadãos efetivamente participavam do governo. A própria noção de cidadania não tinha, na época, a abrangência contemporânea, eis que somente pequena parte da população tinha direitos políticos. O direito de votar, precavidamente, ficou reservado aos que possuíam renda acima de determinado valor. O voto censitário garantia o caráter aristocrático da “democracia representativa”.  Segundo FERREIRA FILHO, para a doutrina política helênica, a eleição era um método aristocrático de seleção dos governantes, enquanto o sorteio é que era considerado o modo democrático.[8] 9.2.   O mandato político O mandato político se diferencia do mandato de direito privado em diversos aspectos.  No direito privado, o mandante, em geral, pode revogar o mandato, além de estabelecer as regras que o mandatário deve observar no exercício do mandato, sendo que o mandatário está sujeito a prestação de contas.  No mandato político, o mandatário (o eleito) não está juridicamente subordinado ao eleitor, não tendo que lhe prestar contas. O eleito é considerado “representante” de toda a população e não somente dos eleitores que nele votaram.  Aliás, o eleito não sabe sequer quem nele votou, eis que adota-se o voto secreto. No Brasil, o voto secreto foi estabelecido como “cláusula pétrea”, não podendo ser abolido (Constituição Federal, art. 60,§ 4º, II). No mandato político, imputa-se ao representado a vontade do representante.  Isto é, o eleito toma as decisões que julga adequadas, e entende-se que o eleitor quis essas decisões. 9.3.   A democracia pelos partidos A idéia original defendida por Montesquieu sustentava que, embora nem todos os homens tivessem a capacidade para governar, todos os homens teriam a  capacidade para escolher os representantes.  Isto se daria porque cada eleitor escolheria alguém que conhecesse e em quem reconhecesse a capacidade para “administrar os negócios” públicos. No entanto, as  “democracias” evoluíram para as denominadas “democracias pelos partidos”, onde o eleitor já não mais indica alguém que conheça, mas deve escolher alguém em uma lista de estranhos que lhe é apresentada pelos partidos políticos.  Os partidos políticos têm o monopólio das candidaturas e, de uma forma geral, os partidos políticos não têm, internamente, estrutura “democrática” (vale dizer, nem sempre os filiados ao partido conseguem escolher o nome daqueles que serão apresentados como os candidatos do partido). Deve ser acrescentado que, em decorrência de a “democracia pelos partidos” aceitar o sistema eleitoral proporcional,  o eleitor vota em um candidato de uma lista, sendo que o voto será atribuído ao partido, podendo eleger outro candidato, não votado pelo eleitor. Essa situação trouxe o descrédito no mandato político.  O eleitor, embora tendo votado, não se sente representado, e  procura fazer valer sua opinião política pelos meios os mais diversos.  O eleitor e os grupos sociais passaram a pressionar os políticos das mais diversificadas formas. Surgiram, assim, os grupos de pressão, cuja existência demonstra a discutível legitimidade do sistema eleitoral. Além disso, a maioria dos eleitores não vê significativas diferenças nos programas dos partidos políticos. 9.4.  Os valores básicos da democracia Apesar das distorções políticas na escolha dos governantes, a noção de democracia tem-se imposto pela aceitação de que essa modalidade de organização política agasalharia alguns valores básicos, resultantes da longa evolução da sociedade humana. Ao examinar os valores e fatores condicionantes da democracia, acentua Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Fundamentalmente são dois valores que inspiram a democracia: liberdade e igualdade, cada um destes valores, é certo, com sua constelação de valores secundários.  Não há concepção de democracia que não lhes renda vassalagem, ainda que em grau variabilíssimo.  E pode-se, até, conforme predomine este ou aquele valor, distinguir as concepções liberais das concepções igualitárias de democracia”.[9] José Afonso da Silva critica os autores que concebem apenas um “conceito estático” de democracia, eis que segundo esse autor a democracia é um processo dialético que “vai rompendo os contrários, as antíteses, para, a cada etapa da evolução, incorporar conteúdo novo, enriquecido de novos valores”.[10] Esse autor reconhece que a doutrina afirma que a democracia repousa sobre três princípios fundamentais: o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade.  E, a seguir, acrescenta: “Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número, isto é, a maioria, mas também disse que a alma da democracia consiste na liberdade, sendo todos iguais”.[11] 10.   Tributo e Democracia na Constituição brasileira de 1988 A Constituição é, ao mesmo tempo,  a decisão política fundamental da sociedade e o documento jurídico básico. Portanto, é na Constituição que se encontram os primeiros alicerces relativos ao equacionamento das políticas tributária e fiscal. A Constituição brasileira de 1988, já no preâmbulo proclama sua vocação democrática ao afirmar que os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, tinham por objetivo “instituir um Estado democrático”. O art. 1º da Constituição assegura que a República Federativa do Brasil constitui-se em “Estado democrático de direito”[12], e o parágrafo único arremata: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Por outro lado, o art. 3º enumera os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre os quais incluem-se “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos…”. Resulta cristalinamente do texto constitucional a adoção do regime democrático, para a obtenção dos objetivos enumerados.  A Constituição constrói um Estado intervencionista na ordem econômica e social, mas exige que essa intervenção seja feita democraticamente. As ações estatais em busca da efetivação de seus objetivos exigem aportes financeiros de grande magnitude.  Os princípios democráticos devem ser observados na formulação concreta das ações estatais e nas definições das fontes de financiamento dessas ações. A questão financeira vem amplamente tratada no Título VI da Constituição, sob o nome de “Da Tributação e do Orçamento”.  Nesse título, o Estatuto Supremo estabelece a estrutura jurídica do “Sistema Tributário Nacional” (Capítulo I) e das “Finanças Públicas” (Capítulo II). Ao disciplinar a questão tributária e orçamentária, a Constituição define e preserva os valores que são essenciais para a  construção e manutenção de uma sociedade democrática. 10.1.   O Sistema Tributário Nacional O texto constitucional traz minuciosa descrição da estrutura jurídica do denominado sistema tributário nacional, dispondo sobre os “princípios gerais” (art. 145 a 149-A), “as limitações do poder de tributar” (art. 150 a 152), os “impostos da União” (art. 153 a 154), os “impostos dos Estados e do Distrito Federal” (art. 155), os “impostos dos Municípios” (art. 156) e a “repartição das receitas tributárias” (art. 157 a 161). As regras do denominado Sistema Tributário Nacional, estruturado no texto da própria Constituição, e desenvolvido no Código Tributário Nacional,  deve ter aplicação uniforme em todas as esferas autônomas de governo, dentro da Federação brasileira. Ao dispor sobre as limitações ao poder de tributar, a Constituição assegura certos direitos clássicos dos contribuintes, conquistados em árdua luta no decorrer da História, e associados ao desenvolvimento da noção de democracia. Entre esses direitos podem ser ressaltados os relativos ao denominado “princípio da legalidade”,  ao “princípio da isonomia”, “princípio da anterioridade em relação ao exercício de cobrança”; “princípio da capacidade contributiva”, “princípio do não-confisco”. Esses princípios abrigam certos valores caros na construção e conservação da “democracia”. 10.2.   O princípio da estrita legalidade da tributação O princípio da estrita legalidade da tributação, contemplado pelo inciso I do art. 150 da Constituição, veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça.  Tal princípio exige, portanto, a participação do órgão legislativo na instituição ou majoração de tributos. É a tradução moderna de outro importante princípio, segundo o qual “não há tributação sem representação”.  O princípio visa a assegurar que o governante não poderá cobrar tributo que não tenha sido autorizado pelos representantes dos contribuintes.  A História registra que esse princípio foi uma das exigências dos barões revoltados contra o rei João sem Terra, em 1215, na Inglaterra.  O rei teve que fazer a concessão, e o princípio foi insculpido na denominada Magna Carta.  Posteriormente, o princípio foi desrespeitado e os contribuintes conseguiram novamente impô-lo (“Bill of Rights”, em 1689). O próprio movimento que culminou com a revolta dos colonos britânicos na América do Norte, e a formação dos Estados Unidos da América, resultou do desrespeito ao princípio de que “não há tributação sem representação”. Em sua formulação contemporânea, esse princípio exterioriza a concepção democrática da representação.  Ressalte-se que o contribuinte deverá aprovar a instituição ou majoração dos tributos por meio de seus representantes, não se exige a aprovação direta por parte de cada um dos contribuintes.  Conforme anteriormente assinalado, a democracia representativa é modalidade de “democracia indireta” onde imputa-se ao eleitor a vontade do eleito.  Isto significa que quem quis o tributo foi o eleito e não o eleitor. Essa característica do mandato político permite o paradoxo dos “representantes eleitos” e a rejeição dos tributos aprovados por esses “representantes”.  Tem sido entendido que o termo “lei” inclui a lei ordinária (ou a lei complementar, conforme o caso) e as medidas provisórias.  Na vigência da Constituição anterior os tribunais entenderam como constitucional a instituição ou majoração de tributos por meio de decreto-lei. O desenvolvimento histórico da aplicação do princípio “não há tributação sem representação” exigiu a lei, aprovada pelos representantes, como condição para a tributação.  É que o tributo seria cobrado pelo monarca, cujo poder não derivava de escolha popular.  Hodiernamente, o tributo é cobrado pelo Poder Executivo, cujo titular é eleito pelo povo, à semelhança do que ocorre com os parlamentares.  Assim, a instituição de tributo por decreto do Poder Executivo, à primeira vista,  poderia ser entendida como tendo satisfeito o mencionado princípio, eis que o chefe do Poder Executivo pode reivindicar o título de “representante do povo”, tanto quanto o fazem os parlamentares. Há, porém, nova razão para a exigência de lei na instituição ou majoração de tributo. O princípio visa a coibir abusos do Poder Executivo, que premido por necessidades financeiras, poderia ser compelido a instituir tributo em excesso.  O princípio da legalidade exige a submissão da tributação ao Poder Legislativo e, dessa forma, o debate público a respeito da matéria, e a sua submissão a espectro político mais vasto que o Governo. A tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional atende a valores importantes em uma democracia, como seja o da publicidade e do debate público da matéria  a ser votada, permitindo que setores sociais que se oponham ao projeto possam manifestar-se e trazer seus argumentos. Esses valores ficam parcialmente prejudicados quando é utilizada a medida provisória, pois a edição da norma é gestada, muitas vezes sem a publicidade devida, no seio do Poder Executivo, vindo os contribuintes a tomarem conhecimento dela com sua publicação e encaminhamento ao Congresso Nacional.  As denominadas “medidas provisórias” representam retrocesso no procedimento de elaboração legislativa, e têm permitido abuso por parte do Poder Executivo, com violação de direitos fundamentais em uma democracia; o confisco da poupança, de infeliz memória, é um dos mais salientes exemplos. Na elaboração das medidas provisórias, ou no encaminhamento de projetos de lei ao Congresso Nacional, abordando matéria tributária, nota-se a poderosa influência da tecnocracia.  A tentativa de transformar em questão técnica as opções nas formulação da Política Tributária é um dos problemas delicados na evolução e aprimoramento da democracia.  Montesquieu entendia que o eleitor não está capacitado para governar, devendo limitar-se à escolha dos governantes, a tecnocracia moderna entende que os escolhidos pelo povo não estão capacitados para adotarem as opções políticas corretas, devendo submeter-se aos “critérios técnicos”  estabelecidos nos fechados ambientes dos tecnocratas. 10.3.   As matérias sob reserva de lei Por determinação do art. 146-II da Constituição, cabe à lei complementar “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”. Ainda na vigência da Constituição anterior, o Código Tributário Nacional disciplinou, no art. 97,  o princípio da estrita legalidade da tributação, enumerando analiticamente as matérias que estão sob reserva de lei: “a instituição de tributo ou sua ou a sua extinção”, “a majoração de tributos, ou sua redução”, “a definição do fato gerador da obrigação tributária principal e do seu sujeito passivo”, “a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo”, “a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas” e “as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades”. A preocupação em garantir a exata observância do princípio da estrita legalidade da tributação induziu o Código Tributário Nacional à enumeração, com redundância, das matérias insertas na reserva de lei.  Relativamente à majoração de tributos, sua redução e à fixação de alíquotas, são excetuados aqueles tributos aos quais  a Constituição atribuiu ao Poder Executivo competência para alterar as alíquotas, “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei” (§ 1º do art. 153 da Constituição). Ao facultar ao Poder Executivo, atendidas as condições e  limites fixados em lei,  alterar as alíquotas do “Imposto de Importação”, do “Imposto de Exportação”, do “Imposto sobre Produtos Industrializados”, e do “Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários”, a Constituição equilibrou os valores protegidos pelo princípio da estrita legalidade com os valores econômicos decorrentes das funções extrafiscais dos tributos mencionados. É que a Política Tributária não desconhece as conseqüências extrafiscais dos tributos, e expressamente permite sua utilização com tais finalidades.  Os tributos mencionados constituem mecanismos que permitem rápida atuação do Governo sobre a economia, e a Constituição entendeu que não seria adequado privar o Governo desses instrumentos. As matérias sob reserva de lei estão relacionadas aos elementos essenciais da tributação, e afetam valores resguardados pelo ordenamento jurídico democrático. A definição do fato gerador da obrigação tributária, e do seu sujeito passivo,  implica a escolha de um fato de conteúdo econômico, manifestador de capacidade contributiva, imputável ao sujeito passivo ou com ele relacionado.  A definição da base de cálculo e da alíquota exige  a avaliação da capacidade contributiva do sujeito passivo. A fixação dos elementos quantitativos da obrigação tributária decorre de avaliação discricionária do legislador, e constitui outro momento delicado no funcionamento da democracia.  É que a tributação colide com o princípio constitucional que garante a propriedade. A mesma Constituição que garante a propriedade dá ao legislador e ao Governo o poder de retirar do proprietário a parcela de seu patrimônio correspondente ao tributo a ser pago.  A busca do equilíbrio entre o direito de propriedade e a exação tributária deve ser um dos objetivos da Política Tributária. 10.4.   O princípio da igualdade Conforme já salientado, a igualdade é um dos pilares da democracia. Afirma  Américo Lourenço Masset Lacombe que “a isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional.  É o princípio básico do regime democrático”.[13]   A igualdade nas denominadas “democracias liberais” pretende a igualdade jurídica de todas as pessoas.  Essa igualdade formal não mais atende aos anseios da maioria, que pretende que as desigualdades injustas sejam removidas. O art. 3º, inciso III, da Constituição elege como objetivo fundamental da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.  O dispositivo não prevê a extinção das desigualdades, mas a sua redução. Em matéria de tributação, o inciso II do art. 150 veda aos entes federados “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. A igualdade deve ser observada não apenas no campo da definição da obrigação tributária principal, mas também no que concerne às exigências administrativas relativas à tributação e na fiscalização dos sujeitos passivos. O princípio da igualdade, que tem permitido grandes controvérsias nos diversos setores do direito, adquire peculiaridades no campo tributário. É notório que a igualdade entre os homens, essencial na democracia,  não significa que todos devam pagar o mesmo montante de tributos.  A desigualdade no mundo real faz com que haja desigualdade nas exigências tributárias.  O dever tributário corresponde à justiça distributiva e não à justiça comutativa. Por isso, a lei tributária leva em consideração essas diferenças econômicas, avaliando-as em diversos aspectos. No caso, o inciso II do art. 150 da Constituição veda tratamento desigual “entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”.  Assim, a equivalência da situação deve ser apreciada pelo legislador.  Na prática, essa apreciação não é fácil. Em uma sociedade heterogênea, cheia de interesses conflitantes, o legislador poderá distinguir duas situações equivalentes, introduzindo um critério para diferenciá-las e, assim, justificar a tributação diferenciada de cada uma delas.  A rigor, essa diferenciação deveria ser considerada inconstitucional, mas a doutrina e a jurisprudência tem admitido que se a diferenciação for razoável, ela pode ser aceita.  A própria noção de equivalência é equívoca. Exemplos não faltam.  A legislação do imposto de renda diferencia os rendimentos salariais dos rendimentos de aplicação financeira, e tributa-os diferenciadamente, podendo resultar menos gravosa a incidência sobre as aplicações financeiras.  Essa decisão da política tributária visa a estimular as aplicações financeiras (inclusive as provenientes do exterior) consideradas importantes pelas autoridades monetárias.  Assim, a política monetária (certa ou errada) influencia a política tributária, e passa a existir uma razão para tratamento diferenciado a situações equivalentes (o mesmo montante de rendimento será diferentemente tributado, conforme refira-se a salário ou a juros). A legislação tributária vigente tem permitido que o interesse administrativo possa ser responsável pela quebra da isonomia.  Veja-se o exemplo da tributação diferenciado do imposto de renda sobre aluguéis.  Se um proprietário alugar seu imóvel para uma pessoa jurídica, o imposto de renda deverá ser retido pelo locatário; caso a locação seja feita a uma pessoa física, o imposto de renda deverá ser pago, mensalmente, pelo locador (“carnê-leão”).  Essa diferença de tratamento poderá levar, dependendo do valor do aluguel pago, a incidência mais gravosa no caso de o inquilino ser pessoa física, além de ser instituída uma obrigação a mais para o contribuinte (o de ser responsável pelas antecipações, sujeitando-se a penalidades no inadimplemento dessas antecipações). A concessão de estímulos fiscais, como estratégia de política tributária, é muito freqüente, mas implica admissão de um critério que diferencia os contribuintes. O legislador resolve estimular um setor da economia, ou um segmento desse setor, concedendo-lhe um tratamento tributário distinto do tratamento geral às situações que poderiam ser consideradas equivalentes.  Observam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo  que “questão complexa é a relativa à compatibilidade entre isenções não gerais e o princípio da isonomia, especialmente nos casos em que a isenção é concedida a pessoas com grande poder econômico, em óbvia contradição com o princípio da capacidade contributiva”.[14] 10.5.   A irretroatividade da lei Entre os princípios constitucionais tributário inclui-se o relativo à irretroatividade da lei, que no campo tributário adquire feição própria. Assim, a alínea “a” do inciso III do art. 150 veda a cobrança de tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.  Na sistemática tributária, cabe à lei eleger os fatos reveladores de capacidade contributiva e instituir os tributos mediante a definição das hipóteses de incidência.  A Constituição assegura que os fatos ocorridos antes do início da vigência da lei não podem ser incluídos no fato gerador definido pela lei. É também vedada a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.  Trata-se do clássico princípio da “anterioridade em relação ao exercício de cobrança”, sucessor do antigo princípio da anualidade, que preserva o contribuinte da surpresa pela edição de leis instituindo ou majorando tributos. Houve um aperfeiçoamento do princípio da anterioridade, com a introdução, pela alínea c do inciso III do art. 150 da vedação de se cobrar tributo “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. 10.6.   As imunidades tributárias A Constituição preservou os valores fundamentais da democracia impedindo que o legislador possa prejudicá-los mediante o uso da tributação.  Com esse desiderato, foram estabelecidas vedações constitucionais que impedem o uso da competência tributária.  Nos casos de imunidade tributária, o legislador não detém competência para instituir o tributo. A relação de imunidades previstas no art. 150, VI, da Constituição contempla diversos objetivos. A  denominada “imunidade recíproca”, assegurada na alínea “a”  mira a preservação da Federação, evitando que a instituição de impostos possa onerar as finanças dos entes federados.  A noção de federação, como organização estatal, é um dos valores políticos mais relevantes na sociedade brasileira, sendo “cláusula pétrea” a sua manutenção. A alínea “b” consagra a imunidade dos “templos de qualquer culto”.  O objetivo é assegurar a liberdade religiosa, evitando que por meio da instituição de impostos possa haver perseguição a alguma entidade religiosa.  A amplitude que deve ser reconhecida a essa imunidade tem sido alvo de polêmicas. Além disso, há acusações de que entidades religiosas têm sido instituídas apenas com a finalidade de encobrirem negócios lucrativos e tributáveis. A alínea “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição veda a instituição de impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”. Os partidos políticos são considerados essenciais para a democracia, e a Constituição houve por bem preservá-los da incidência de impostos.  Destarte, impede-se a eventual perseguição política a partidos rivais daquele que esteja no exercício do poder.  Além disso, essa imunidade tem o condão de não criar dificuldades financeiras para a instituição de novos partidos, principalmente aqueles ligados às camadas mais pobres da população.  A imunidade dos partidos políticos liga-se à liberdade política dos cidadãos. A imunidade das entidades sindicais dos trabalhadores garante a liberdade sindical, impedindo que essa liberdade seja cerceada em razão de incidência de impostos. Na mesma trilha, a Constituição preserva da incidência de impostos o patrimônio, a renda ou serviços das instituições de educação e de assistência social, desde que não tenham fins lucrativos e atendam os requisitos da lei.  A liberdade de educação é uma das expressões da liberdade política dos cidadãos.  O dispositivo garante que o poder público não inibirá o florescimento de instituições de educação (sem fins lucrativos) mediante a instituição de impostos.  Portanto, ao lado das escolas públicas, podem ser instituídas escolas particulares que, se não tiverem fins lucrativos (isto é, se não distribuírem  lucros para seus instituidores), e desde que atendam os requisitos da lei, não terão seu patrimônio, renda ou serviços onerados por impostos.  Essas entidades ajudam cooperam com o desenvolvimento do país, sendo que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família (art. 205 da Constituição). Razões similares explicam a imunidade das instituições de assistência social sem fins lucrativos e que atendam os requisitos de lei.  Essas instituições cooperam com o próprio Estado, prestando a assistência social.  Não tendo fins lucrativos, a totalidade de sua receita é aplicada na assistência social.  O dispositivo garante que a liberdade de existência de assistência social privada, importante para que haja  o pluralismo na assistência social, não será inibido em razão de incidência de impostos. A alínea “d” do dispositivo constitucional em análise veda a instituição de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. Conforme é curial, há aqui a garantia de que o poder público não tentará inibir a liberdade de informação e de transmissão de pensamento, mediante a instituição de impostos.  É ínsita à democracia a liberdade de palavra, de comunicação e de transmissão de pensamento.  A História revela que nas sociedades não democráticas essa liberdade sempre foi cerceada, em benefício dos governantes. 11.   Propostas em defesa da ampliação do conteúdo democrático das políticas tributárias e fiscal Conforme salientou JOSÉ AFONSO DA SILVA, a democracia não é estática, e se desenvolveu ao longo da História, com a ampliação de seu conteúdo e a imposição de novos valores. A “democracia burguesa” instalada na maioria dos países, inspirada nos ideais  da Revolução Francesa, preocupou-se em garantir o direito dos indivíduos contra o Estado.  A Constituição Federal brasileira, ao definir o sistema tributário nacional, preocupou-se em proteger os direitos fundamentais do contribuinte, entre esses a liberdade, a igualdade e a propriedade.  Indiscutivelmente, esses valores são essenciais e devem ser protegidos. O contribuinte possui esses direitos constitucionalmente assegurados, para se defender contra alguma ofensiva do legislador, relativamente a seus direitos fundamentais.  Entende-se por contribuinte a pessoa física ou jurídica que é devedora de tributos, em razão da incidência da lei tributária. No entanto, os novos tempos estão a exigir a ampliação da presença do cidadão-eleitor na formulação de políticas tributárias e  fiscais; o cidadão deve buscar maior envolvimento com as decisões sobre o custeio da Administração Pública e a aplicação dos recursos orçamentários. As campanhas políticas dos candidatos não dão a devida ênfase sobre a questão tributária, limitando-se a vagas promessas de “diminuir a carga tributária”, enquanto contraditoriamente prometem ampliar os serviços públicos. Esse comportamento dos candidatos aos cargos eletivos decorre da circunstância de que a quantidade de eleitores é muito maior do que a quantidade de contribuintes (entendido aqui o contribuinte em seu sentido técnico, isto é, a pessoa que, tendo praticado fato gerador da obrigação tributária, deve apresentar declaração e realizar pagamentos).   A maior parte da população brasileira tem baixa renda e é isenta de impostos[15] (ou deve pagar, a título de imposto, um pequeno valor).  Para esses eleitores (portanto, para a maioria do eleitorado), a discussão sobre política tributária, além de ser tecnicamente incompreensível, é desinteressante.  Esses eleitores são mais sensíveis às promessas de maior presença da Administração Pública, com a melhoria dos serviços públicos e o aumento do assistencialismo. Para angariar maior quantidade de votos, os candidatos fazem promessas de campanha que implicariam, se fossem cumpridas, aumento das despesas públicas e, por conseqüência, aumento dos tributos. O eleitor, que escolhe os candidatos em quem quer votar, na maioria dos casos não é o contribuinte, que tem consciência de que vai custear as despesas públicas mediante o pagamento de tributos.  Essa “perversão democrática”  acarreta a adoção de políticas tributárias onde predominam os tributos aos quais os economistas denominam de “indiretos”, cuja carga tributária onera o consumo e são cobrados “invisivelmente” (embutidos nos preços dos produtos e dos serviços). Aristóteles já havia afirmado que a democracia pode corromper-se em demagogia. A evolução da democracia, em um estado democrático de direito, deve exigir maiores compromissos dos partidos políticos e dos candidatos na definição das políticas tributárias que adotarão, caso assumam o poder.  Essa definição deve vincular os candidatos eleitos. As leis devem assegurar maior transparência da Administração Pública, com acesso facilitado ao cidadão-eleitor, ao qual devem ser conferidos direitos de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários. Portanto, aos cidadãos devem ser conferidos poderes jurídicos para atuar na fiscalização da aplicação dos recursos públicos, de forma que o envolvimento da cidadania com as políticas tributárias e fiscais seja dinamizado. Em síntese: 1. O Estado necessita de recursos financeiros para atender às suas finalidades. 2. A definição das finalidades do Estado é opção política,  de forte cunho ideológico. 3. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado acarretou o surgimento de complexa organização, envolvendo autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista. 4. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado implica aumento das necessidades financeiras do Estado. 5. A principal fonte de recurso estatal é o tributo. 6. A estrutura dos serviços públicos contemporânea torna complexa a definição de tributo e a própria noção de tributo é controvertida. 7. A estrutura dos serviços públicos é decorrente de opções políticas. 8. A distribuição da carga tributária entre os segmentos sociais é opção política. 9. A Política Tributária é o conjunto de opções políticas adotadas pelo governo, visando a instituição e calibragem dos tributos a serem pagos pela sociedade. 10. A Política Tributária leva em consideração os efeitos extra-fiscais da tributação. 11. Em uma democracia, a Política Tributária respeita os direitos fundamentais do contribuinte. 12. O sistema tributário adotado pela Constituição admite amplo espaço para a escolha política dos segmentos sociais que deverão financiar a Administração Pública.  Assim, há diversas alternativas tributárias  possíveis. 13. Em um Estado de Direito somente mediante lei podem ser estabelecidas exigências tributárias. 14. A lei tributária deve respeitar os princípios e os valores democráticos, conforme insculpidos na Constituição. 15. O conjunto de regras relativamente à instituição, fiscalização e cobrança de tributos é disciplinado pelo  Direito Tributário, e o Direito Tributário é o instrumento da política tributária. 16. Em uma democracia, os gastos públicos são feitos no interesse da população. 17. A disciplina dos gastos públicos é regida pelo Direito Financeiro e deve atender às regras e princípios orçamentários estabelecidos pela Constituição. 18. A destinação do produto da arrecadação tributária é, também, opção política. 19. As regras jurídicas constitucionais exigem a elaboração de Orçamento, e os gastos públicos devem ser feitos em conformidade com as leis. 20. Os recursos públicos são fornecidos pela sociedade ao governo, e devolvidos pelo governo à sociedade. 21. O segmento social que paga o tributo não é necessariamente o que irá receber a ação estatal custeada por esse pagamento. 22. Em uma democracia a tributação pode implicar em realocação da renda nacional. 23. É da natureza do governo ser exercido por uma minoria. 24. A democracia caracteriza-se pela escolha dos governantes pelo povo e pela adoção de princípios que consagram valores fundamentais, como a liberdade e a igualdade de todos os homens. 25. O governo democrático é exercido “em nome do povo”. 26. A relação entre tributo e democracia é de grande complexidade, tanto no que concerne à definição de tributo, como à definição de democracia. 27. A Constituição estabelece limitações ao poder de tributar, preservando os valores democráticos. 28. Os “direitos individuais”, embora de inspiração burguesa, são de aplicação universal. 29. Os “direitos individuais” limitam a formulação das políticas tributárias. 30. O direito de propriedade é afetado pela imposição tributária. 31. A escolha dos contribuintes que irão custear as despesas públicas resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais. 32. A escolha dos setores e segmentos da sociedade que serão beneficiados pela ação estatal  resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais. 33. Nas sociedades a maioria  dos eleitores é formada pelas pessoas com menos recursos econômicos. 34. Para obter votos, os políticos adotam critérios de gastos públicos que atendam a seus eleitores. 35. Governar é administrar recursos limitados para atender uma ânsia ilimitada por parte da população. 36. A democracia pode-se corromper na  demagogia “irresponsável”. 37. Na democracia indireta, a maioria escolhe quem vai governar, mas a maioria não governa. 38. O aprimoramento da democracia está a exigir a ampliação dos direitos do cidadão, de forma a permitir uma maior participação na política tributária, e na elaboração e execução da lei orçamentária.  Entre os novos direitos da cidadania, deve ser incluído o direito de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários.   Notas: [1] Punitiva, não no sentido jurídico do termo, mas no econômico. [2] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves – “Curso de Direito Constitucional”, Saraiva, São Paulo, 34ª ed., 2008, p. 79 [3] PINTO FERREIRA – “Curso de Direito Constitucional”, Editora Saraiva -6ª ed.ampliada e atualizada, São Paulo, 1993, p. 87 [4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves – obra citada, p.83 [5] “Desse modo, o ateniense tinha de descender de quem o era ao tempo de Sólon” (Ferreira Filho, obra citada, p. 84). [6] idem, ibidem, p.83. [7] “A democracia indireta é aquela onde o povo se governa por meio de “representante” ou “representantes” que, escolhidos por ele, tomam em seu nome e presumidamente no seu interesse as decisões de governo.  O modelo clássico de democracia indireta é a chamada democracia representativa, que apresenta dois subsistemas: o puro ou tradicional, e a democracia pelos partidos”.  (FERREIRA FILHO, obra citada,  p.85) [8] Idem, ibidem, p. 85 [9] Idem, ibidem, p. 101 [10] SILVA, José Afonso da – “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 28ª ed. revista e atualizada, São Paulo, Malheiros Editores, 2007,  p.129. [11] SILVA, José Afonso da – p.129 [12] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet – “Curso de Direito Constitucional”, Editora Saraiva e IDP-Instituto Brasiliense de Direito Público, São Paulo, 2007, p.139. Segundo esses autores “Mais ainda, já agora no plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos”. p.139. [13] LACOMBE, Américo Lourenço Masset – “Princípios constitucionais tributários”, Malheiros Editores, São Paulo, 1996. [14] ALESSANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente – “Direito Tributário na Constituição e no STF- Teoria e Jurisprudência”, editora Impetus, Niterói, RJ, 13ª ed. revista e atualizada, 2007 [15] Obviamente, isenta dos impostos impropriamente chamados de “diretos”. Juridicamente, todos os impostos são “diretos”, no sentido de que sempre há um sujeito passivo em toda a relação juridico-tributária, do qual é exigível a entrega da prestação tributária.  Os economistas utilizam a expressão “tributos indiretos” para se referirem àqueles tributos cujo encargo financeiro pode ser transferido a terceiros, dentro das relações econômicas.
Direito Tributário
1.  Tributo e política É impossível dissociar o tributo da política.  A imposição tributária decorre de opções políticas, sendo que o dinheiro arrecadado pelo governo necessariamente será usado em conformidade com  opções políticas. A arrecadação tributária onera setores sociais, sempre de forma desigual; a política fiscal encaminha os gastos públicos em conformidade com opções políticas, dando tratamento desigual a seus destinatários. A íntima relação entre o tributo e a política fica evidenciada, em uma perspectiva histórica, quando se analisa a evolução das instituições político-jurídicas da Humanidade. O tributo sempre esteve na raiz das grandes transformações políticas e jurídicas da sociedade.  Para citar apenas os exemplos mais conhecidos, a denominada Magna Carta de 1215, o Bill of Rights, o Constitucionalismo do século XVIII, a Revolução das Colônias Britânicas da América do Norte, a Revolução Francesa, a Inconfidência Mineira: todas tiveram no tributo o seu motor. A questão tributária é apenas um aspecto de uma outra questão política mais abrangente, relativamente aos fins do Estado.  Isto porque as despesas públicas são função das atividades exercidas pelo Estado, no fornecimento de bens e serviços aos jurisdicionados.   As pressões políticas para que o Estado amplie sua participação na vida econômica e social de seus súditos acarretam o aumento dos gastos públicos e, por via de conseqüência, exigem que os recursos correspondentes sejam auferidos pelo Governo. A legislação tributária é o instrumento pelo qual as opções políticas, referentes ao financiamento dos gastos públicos,  são aplicadas.  Isto evidencia que a tão decantada reforma tributária, que o reformismo crônico do discurso político em voga nos meios de comunicação não se cansa de pregar, somente poderá ser eficazmente equacionada com a correta apreensão dos fenômenos envolvidos. O governo equilibra-se entre as reivindicações de maior presença dos poderes públicos no fornecimento de bens e serviços e a oposição feita por aqueles que terão que pagar por isso. Há uma contínua tensão na sociedade e esses conflitos devem ser resolvidos no interior da própria sociedade, com observância dos princípios ditos democráticos. 2.  Os fins do Estado O debate sobre as atribuições que devem ser dadas ao  Estado é perfeitamente conhecido.  A resposta a essa indagação vincula-se à ideologia. O movimento constitucionalista do século XVIII, na ânsia de proteger o indivíduo, elaborou um modelo político onde ao Estado eram atribuídas reduzidas funções, relacionadas com a manutenção da ordem pública, ao contato com outros Estados e à distribuição de justiça entre os particulares. Na concepção de seus formuladores, o Estado era entendido como um mal necessário, que deveria ser mantido com estrutura mínima. No entanto, as reivindicações políticas dos membros da sociedade, decorrentes da adoção do sufrágio universal e da expansão da organização política dos setores mais pobres da população, foram gradativamente ampliando as funções do Estado.  É fato amplamente conhecido que as revoluções mexicanas e soviéticas, no começo do século XX, impulsionaram a concepção de que o Estado não poderia ficar alheio aos problemas sociais e econômicos.  O modelo liberal, oitocentista, ficou superado.  A duas grandes guerras mundiais e as contradições internas do próprio sistema capitalista permitiram a consolidação do Estado intervencionista.  As discussões passaram a girar em torno do grau de intervenção estatal que se deveria admitir como adequado. O Estado moderno agigantou-se, e o poder público transformou-se em uma complexa organização, separando-se a Administração Direta da  Administração Indireta, surgindo as autarquias, as empresas públicas, as fundações públicas e as sociedades de economia mista. A poderosa máquina estatal exige gerenciamento técnico e profissional, havendo fluxo permanente de receitas e despesas. 3.   O custeio das despesas estatais Os recursos financeiros para o atendimento das necessidades do poder público são obtidos a partir das denominadas receitas originárias (decorrentes do próprio patrimônio do Estado, como os dividendos pagos pelas empresas estatais) e das receitas derivadas (como os tributos), da emissão de títulos públicos (para a obtenção de empréstimos), e da emissão de moeda. As denominadas receitas originárias atingem pequeno montante.  A emissão de moeda, sem os rígidos controle de uma política monetária eficaz, ocasiona inflação, e as experiências vividas pelos diversos países, inclusive o Brasil, demonstraram não ser esse um caminho economicamente adequado. Restam as duas alternativas mais importantes: a captação de recursos mediante a emissão de títulos públicos (o que aumenta a divida pública) e a arrecadação tributária. A arrecadação tributária representa o ingresso mais significativo.  Aliás o financiamento da administração pública mediante empréstimos torna o Estado devedor, e essa dívida terá que ser paga com recursos que, normalmente, serão obtidos pela arrecadação tributária. 4.  A Política Tributária e a Política Fiscal A ampla gama de atribuições assumidas pelo Estado acarreta a eleição de prioridades do poder público, tendo em vista que os recursos econômicos disponíveis são finitos.  Há uma contínua tensão entre a busca de recursos e a efetividade das políticas públicas. Em decorrência, passam a serem relevantes a Política Tributária e a Política Fiscal.  A Política Tributária direciona a captação dos recursos de origem tributária.   O governo deve definir onde irá buscar os recursos necessários para o custeio das despesas públicas.  A Política Fiscal define as aplicações desses recursos. Em cada um desses polos opostos decisões políticas são tomadas.  Essas decisões são adotadas pelos governantes.  Essa constatação evidencia a importância de serem conhecidos os mecanismos pelos quais surgem os governantes, e de como eles se mantêm no poder. Constata-se que na sociedade há uma minoria que governa e a imensa maioria é governada.  É da própria natureza das coisas que o governo seja exercido por uma minoria As formas pelas quais os governos se instalam e se mantêm  nas sociedade têm sido alvo da indagação dos filósofos, que há séculos refletem sobre o tema.  A moderna Ciência Política ajuda a lançar alguma luz sobre essa realidade. Os governantes, nas democracias, são escolhidos pelos governados.  Esses governantes cercam-se de assessores e auxiliares, havendo a formação de uma poderosa cúpula de técnicos e burocratas,  sem mandato político, ávidos por dinheiro. Os mecanismos de implantação das políticas tributária e fiscal passam a ser considerados de natureza técnica, sob gerenciamento dos técnicos governamentais. Surge, assim, paralelamente ao poder dos governantes escolhidos pelos cidadãos, o poder da tecnocracia. 5. Conceito de tributo O tributo, no sentido de entrega compulsória de bens ou serviços aos governantes, revela sua presença desde os albores da História.  “Tributo e governo” é uma constante nas sociedades humanas. A noção de tributo depende da estrutura econômica e jurídica da sociedade e do próprio Estado. O tributo é uma realidade complexa, podendo ser analisado a partir de diversas perspectivas.  A pluralidade dos conceitos de tributo apresentada pelos estudiosos revela os múltiplos enfoques a partir dos quais  esse fenômeno pode ser apreendido.  Esses diversos conceitos podem ser integrados em uma visão multidisciplinar, que permite uma compreensão mais adequada do mundo real.  Assim, esses conceitos não se repelem, mas se integram; todavia, é preciso especial cuidado para não se mesclar os domínios das diversas ciências que podem ser desenvolvidas a partir do núcleo essencial do tributo. O núcleo essencial do tributo é a existência da entrega compulsória de prestação ao Governo, decorrente de uma relação de força, sem que tenha havido prévia concordância pessoal do devedor, com a finalidade de custear as despesas públicas. A evolução das relações sociais e o aprimoramento das instituições jurídicas lentamente transformaram a “relação de fato”, que inicialmente caracterizava a relação tributária, em “relação jurídica” e introduziram no conceito de tributo a concordância do devedor, que lhe foi imputada,  em razão de  a exigência tributária ter sido aceita pelo seu representante (“não há tributação sem representação”). As prestações compulsórias que os governantes têm exigido de seus súditos no decorrer dos tempos amoldaram-se às peculiaridades das épocas e dos locais. Em épocas pretéritas, o objeto dessas prestações era mais diversificado  que o atual,  admitindo-se a entrega de produtos rurais ou industriais, além de pedras e metais preciosos e, obviamente, de dinheiro.  Essas prestações incluíam também a entrega de serviços aos governantes (como, exemplificativamente, do serviço militar). Há muito o conceito de tributo foi circunscrito à entrega compulsória de recursos financeiros ao Estado, com a finalidade preponderante de custeio dos serviços públicos.  O controvertido art. 3º do Código Tributário Nacional apresenta o conceito jurídico de tributo, adotado pelo direito positivo:  “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Por outro lado, o Estado contemporâneo obriga o particular a entregar tais recursos não somente ao próprio Estado, mas também a terceiros (as denominadas contribuições parafiscais), o que revela uma ampliação da abrangência da noção de tributo. 6.  A finalidade do tributo O tributo implica transferência de recursos privados para o Governo.  Ínsita nesta constatação está a concepção da existência de tais recursos privados, razão pela qual não se poderia falar em tributo em uma economia totalmente socializada. Embora se possa admitir que a finalidade da cobrança de tributos é a de financiar os gastos do Governo, a evolução das instituições políticas e jurídicas da sociedade implicaram a adoção de tributos com finalidades outras. É que os aspectos relacionados com a análise econômica da tributação mostram que a tributação não é economicamente neutra, e afeta as decisões dos agentes econômicos.  Com efeito, a interferência da carga tributária sobre os diversos aspectos da economia acarreta modificação no comportamento desses agentes econômicos. Assim, exemplificativamente, a tributação afeta a renda disponível do contribuinte, alterando suas opções de compra; a tributação aumenta  o custo de produção e, por conseqüência, o preço do produto. Por tais razões, o Governo pode exigir tributo com a finalidade de intervenção no domínio econômico, tendo importância secundária a própria arrecadação financeira que essa intervenção venha a produzir.  Em uma situação extrema, é possível a instituição de tributo com a finalidade de não arrecadar mais recursos, mas a de inibir uma atividade econômica entendida como prejudicial. Essa tributação punitiva[1] pode ocorrer em circunstâncias tais como a da elevação dos direitos aduaneiros (inibindo a ocorrência de importações) ou a de elevada alíquota sobre produtos alcoólicos ou sobre o fumo (que acabam arrecadando menos dinheiro do que ocorreria se a alíquota fosse menor, em virtude da inibição do consumo). Os estudiosos referem-se a esses aspectos do tributo com o nome de “efeitos extrafiscais” da tributação. 7.  A escolha dos devedores Os governantes devem previamente escolher os devedores dos tributos, isto é, definir quais pessoas deverão pagar os tributos ao poder público.  A escolha dos devedores é política.  Assim, mediante a edição de leis, são definidos os fatos geradores da relação jurídica tributária, as bases de cálculo e alíquotas e os devedores da prestação tributária.   Os formuladores da política tributária do governo (geralmente, os tecnocratas sem mandato político) fazem as opções de tributação e os cálculos. No entanto, cabe ressaltar que, no Brasil,  os tributos já se encontram previstos na Constituição, que estabelece as competências tributárias dos legisladores,  e as leis que os criam permanecem produzindo efeitos, independentemente da mudança de governantes.  Por esse motivo, a substituição dos governantes, e até mesmo a alteração de partidos no governo,  somente produzirá efeitos na política tributária e na legislação tributária se houver fortes razões para isso. Ao contrário do que ocorria no passado, a aprovação do Orçamento  não é mais condição para a cobrança dos tributos. As leis tributárias permanecem em vigor até serem revogadas ou alteradas.  A vigência das leis tributárias garantem um fluxo constante de recursos para o governo. Em uma sociedade democrática é crucial que a escolha dos que irão pagar os tributos, e o montante de tributos que serão exigidos,  seja feita com estrita obediência às diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição, preservando-se os valores básicos da democracia.  A instituição de tributos exige um procedimento formal, com a edição de lei.  No entanto, é também fundamental que a lei tenha rigorosamente atendido aos princípios constitucionais. A escolha daqueles que irão pagar é feita a partir de critérios políticos, respeitando-se as diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição. Assim, ao lado dos valores essenciais à democracia, como a liberdade, a igualdade e a propriedade, os tributos podem estar sujeitos a princípios próprios, exigidos pelo ordenamento constitucional.  Por exemplo, o imposto de renda deve adotar a progressividade; e o imposto sobre produtos industrializados deve ser seletivo em função da essencialidade do produto. 8.  O Direito Tributário como a instrumentalização jurídica das opções políticas do legislador A formação do Direito Tributário, que evoluiu a partir do Direito Administrativo e do Direito Financeiro, foi impulsionada pela publicação do Código Tributário Alemão, no começo do século XX. O desenvolvimento do Direito Tributário foi contemporâneo do desenvolvimento das próprias concepções de democracia, que convulsionaram o ambiente político e jurídico do século XX.  Por essa razão, os progressos no campo do Direito Constitucional refletiram-se no Direito Tributário, que absorveu os valores democráticos e busca dar-lhes expressão ao moldar os institutos jurídicos da tributação. No caso brasileiro, o sistema tributário é estruturado pela própria Constituição Federal, de forma bastante analítica, com ampla interseção entre o Direito Constitucional, direito essencialmente político, e o Direito Tributário (onde o tecnicismo encontra-se presente de forma acentuada). Os institutos de Direito Tributário proclamam os princípios fundamentais em uma democracia,  tais como o da legalidade da tributação, o da igualdade, o da vedação do confisco (reconhecendo a legitimidade da propriedade, direito assegurado pela Constituição Federal). O lançamento de tributos, conforme expressa o parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional, é obrigatório e vinculante para as autoridades fiscais, sob pena de responsabilidade funcional.  Portanto, retira-se da autoridade fiscal a possibilidade de deixar de cobrar o tributo devido (favorecendo alguns contribuintes, com desrespeito ao princípio democrático da igualdade) ou cobrá-lo maior do que o devido (com desrespeito ao princípio democrático da estrita legalidade da tributação). As leis tributárias asseguram ao contribuinte o direito de apresentar impugnações e recursos administrativos contra as exigências tributárias que lhe sejam feitas, tendo essas impugnações e recursos efeitos suspensivos da exigência.  Além disso, é assegurado ao contribuinte, em qualquer tempo, dirigir-se ao Poder Judiciário contra a Administração Tributária, alternativamente à defesa administrativa, ou em seqüência desta, caso discorde da decisão administrativa.  Dessa forma, há observância do comando da Constituição que veda à lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (Constituição Federal, art. 5º, XXXV). A cobrança de tributos, administrativa ou judicial,  somente pode ser feita com obediência ao devido processo legal, assegurado o contraditório e a ampla defesa (Constituição, art. 5º, LV). O sigilo fiscal, que impede a divulgação por parte da Administração Pública ou de seus servidores de informação “obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”, é assegurado pelo art. 198 do Código Tributário Nacional. O Direito Tributário não se limita às normas expedidas pelo legislador, mas admite pluralidade de fontes, o que garante a  flexibilidade da ação administrativa.  Todavia, os atos normativos expedidos pela Administração Tributária devem observar rigorosamente, sob pena de invalidade, os princípios democráticos e os comandos constantes das normas hierarquicamente superiores.  Em conformidade com o  art. 96 do Código Tributário Nacional a legislação tributária “compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. Em um Estado de Direito as decisões governamentais devem ser formalizadas em atos jurídicos apropriados, e as competências normativas das autoridades fazendárias, quer na  implementação da Política Tributária do governo, quer na execução da legislação tributária, somente serão legítimas e juridicamente válidas se derem perfeito acatamento às normas e princípios explícitos ou implícitos da Constituição. 9. Governo e Democracia A crença de que o poder do governante tem origem divina predominou na maior parte da História da Humanidade. Com efeito, é do apóstolo Paulo a afirmação de que “não há poder que não venha de Deus” (Romanos, XIII,1).  As conseqüências dessa frase nas lutas políticas na Europa e na América são bastante conhecidas. A relação entre os súditos e os governantes estava, assim, na dependência de concepções religiosas.  Nessa perspectiva, a soberania era atributo do monarca. No entanto, já na Antigüidade houve a afirmação de pertencer ao povo a soberania, e de o poder do governante ter sua origem na vontade dos súditos. É clássica, nos manuais de Direito Constitucional, a referência a três formas de governo: a monarquia, a aristocracia e a democracia. A propósito das formas de governo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho recorda a Política de Aristóteles, onde se diferencia as formas legítimas (“que buscam o interesse geral”) e as formas ilegítimas (“que visam ao interesse de alguns, mormente dos governantes”). E acrescenta: “Três são as formas legítimas: a monarquia (governo de um só em proveito de todos), a aristocracia (governo de uma minoria – dos melhores ou mais capazes – em proveito geral) e a república (ou a democracia, para alguns tradutores, o governo da maioria mas em benefício de todos).  As ilegítimas são: tirania (governo de um só mas em benefício de uma minoria, ou do próprio tirano), oligarquia (governo da  minoria dos mais ricos em benefício próprio) e demagogia (ou democracia, conforme o tradutor, o governo da maioria explorada pelos demagogos em vista do interesse de alguns, em prejuízo da maioria”.[2] A lição de Aristóteles permite que se distingam governos legítimos e governos ilegítimos, tendo-se em vista o objetivo do governante: será legítimo o governo que visa o benefício de toda a sociedade.  Assim, até mesmo o governo da maioria será ilegítimo se visar ao interesse de alguma minoria.  Nessa perspectiva, um governo aristocrático pode ser legítimo ser visar ao benefício de toda a sociedade. Não obstante seja sedutora a idéia de democracia, e  as pessoas, em geral,  gostarem de dizer-se democratas, a verdade é que o conceito de democracia não é claro, e sempre esteve sujeito a acaloradas polêmicas, do que resultam democracias adjetivadas: “democracia direta”, “democracia representativa”,   “democracia liberal”, “democracia popular”, “democracia marxista”, “democracia cristã”, “democracia social”.  No Brasil, durante o período militar posterior a 1964, houve quem reconhecesse a existência da “democracia relativa”.  PINTO FERREIRA assinala que “Trata-se de uma idéia que a princípio parece muito simples, apresenta-se claramente ao entendimento do estudioso, porém sobre ela dissentem os doutores no tocante à sua exata compreensão.”[3] A definição mais singela é a literal: democracia é o governo do povo, distinguindo-se da aristocracia,  da monarquia e da teocracia. É, também, corrente a definição de que a democracia é “o governo do povo, pelo povo e para o povo”.  No entanto, é problemático dizer-se que o povo se autogoverna.  É nítida a existência de governantes e de governados. Uma tradicional classificação da democracia a distingue em dois tipos: a democracia direta e a indireta. Constata Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a democracia direta, (“aquela em que as decisões fundamentais são tomadas pelos cidadãos em assembléia”) é apenas uma reminiscência histórica.[4] O modelo clássico de democracia direta foi a ateniense, na Antigüidade.  Conforme salienta o autor citado, o supremo poder na democracia ateniense era atribuído a todos os cidadãos, todo cidadão ateniense tinha o direito de participar da assembléia onde as decisões eram tomadas, com direito de palavra e voto.  Todavia, nem todos os homens eram cidadãos.  A qualidade de cidadão era hereditária e, de forma geral, somente concedida aos filhos de atenienses, ficando excluídos os estrangeiros e os descendentes de estrangeiros, além das mulheres.[5] Constata-se, pois, que nem no “modelo clássico” de democracia direta o povo, entendido como as pessoas residentes em determinado território e sujeitas a determinado governo, se autogovernava. A democracia direta não é adotada modernamente sob a alegação de que não seria possível reunir milhões de cidadãos em assembléias freqüentes; além disso, o povo não teria capacidade para “compreender os problemas técnicos e complexos do Estado-providência”.[6] 9.1.  A democracia representativa Na democracia indireta o povo é governado por meio de pessoas escolhidas para a função de governar.[7] Há, assim, na democracia indireta, o problema da escolha das pessoas que irão governar. Os escolhidos exercerão o governo em nome do povo.  Portanto, na democracia indireta (isto é, em todas as democracias modernas) o povo não se governa, mas é governado pelos escolhidos para isso. As idéias vitoriosas na Revolução Francesa tornaram-se o fundamento teórico da chamada democracia representativa.  A burguesia ascendeu ao poder, sobrepondo-se à nobreza e ao clero, e carregando a bandeira dos ideais de igualdade e liberdade. Na ideologia desses revolucionários o indivíduo era percebido  como a grande realidade, os indivíduos deviam ser livres, sendo a sociedade apenas a decorrência do contrato social celebrado pelos  indivíduos. A propriedade privada e a liberdade de contrato eram vistas como direito natural. Os enciclopedistas propagaram esses ideais do Iluminismo, proclamando que a Natureza e a Razão orientariam os Indivíduos a encontrar a  Felicidade. Nessa cosmovisão, seria imprescindível a participação de todos os membros da sociedade, reunidos  em assembléia, para debater  e aprovar a Constituição e as leis. No entanto, percebendo-se que essa proposta não pode ser concretizada, tornou-se necessária a elaboração de uma teoria que justificasse a realização de assembléia sem a participação da maioria, mas que ao mesmo tempo adotasse decisões obrigatórias para todos os indivíduos. O impasse foi habilmente contornado com a elaboração da doutrina que veio a se tornar conhecida como democracia representativa, modalidade de democracia indireta, que uniu as idéias de Montesquieu com as noções então geralmente aceitas  relativas ao Direito Natural. A doutrina da democracia representativa distingue os membros da  sociedade, separando-os  em governados e governantes. Os governantes são considerados representantes dos governados, e nessa condição adotam as decisões políticas e legislam em nome dos representados. A impossibilidade de serem realizadas assembléias com a presença de todos os cidadãos, e a certeza de que a maioria dos cidadãos não estaria apta a decidir as questões que seriam submetidas à apreciação da assembléia, serviram de pretexto para a adoção desse modelo de democracia. De acordo com o pensamento dominante à época, embora o cidadão comum não esteja apto para gerir os negócios públicos,  sabe escolher aqueles que estão habilitados para governar. Destarte,  o eleitor saberia discernir o melhor candidato. Constata-se que, apesar de aclamar como valores supremos a igualdade, a liberdade e a fraternidade, os revolucionários do final do século XVIII acabaram afastando do poder a maior parte da população. No entanto, para esses revolucionários esse fato era irrelevante,  tendo em vista que no seu ideário a função de legislar consistia apenas na  positivação do Direito Natural. Prevalecia naquele tempo a convicção da racionalidade da lei que, em conformidade com a expressão tomista, é “a ordenação da razão“, visando ao bem comum, feita e promulgada pelo legislador. Em conformidade com esse modo de pensar,  o direito não seria criado pelo legislador, pois o direito precederia ao próprio legislador, cuja missão seria a de encontrá-lo,  explicitá-lo e positivá-lo, o que se faz por meio da edição de um texto escrito, para que os demais participantes da sociedade dele tomem conhecimento e o acatem. Decorre do exposto que, na concepção predominante à época da adoção da democracia representativa, a  positivação do direito resumir-se-ia  à descoberta da solução mais justa para cada um dos possíveis conflitos humanos e à sua divulgação  para conhecimento das demais pessoas. Assim, haveria sempre a lei justa para solver cada conflito, e qualquer pessoa que tivesse inteligência e conhecimentos necessários descobriria essa lei. Diante disso, irrelevante a quantidade de deputados que representasse o povo, bastava apenas que os mais capacitados fossem escolhidos. Se o conjunto dos representantes fosse substituído por outro, a lei a ser aprovada continuaria sendo a mesma. Esse ponto de vista parecia suficiente para conciliar a idéia de igualdade, com o fato de que poucos cidadãos efetivamente participavam do governo. A própria noção de cidadania não tinha, na época, a abrangência contemporânea, eis que somente pequena parte da população tinha direitos políticos. O direito de votar, precavidamente, ficou reservado aos que possuíam renda acima de determinado valor. O voto censitário garantia o caráter aristocrático da “democracia representativa”.  Segundo FERREIRA FILHO, para a doutrina política helênica, a eleição era um método aristocrático de seleção dos governantes, enquanto o sorteio é que era considerado o modo democrático.[8] 9.2.   O mandato político O mandato político se diferencia do mandato de direito privado em diversos aspectos.  No direito privado, o mandante, em geral, pode revogar o mandato, além de estabelecer as regras que o mandatário deve observar no exercício do mandato, sendo que o mandatário está sujeito a prestação de contas.  No mandato político, o mandatário (o eleito) não está juridicamente subordinado ao eleitor, não tendo que lhe prestar contas. O eleito é considerado “representante” de toda a população e não somente dos eleitores que nele votaram.  Aliás, o eleito não sabe sequer quem nele votou, eis que adota-se o voto secreto. No Brasil, o voto secreto foi estabelecido como “cláusula pétrea”, não podendo ser abolido (Constituição Federal, art. 60,§ 4º, II). No mandato político, imputa-se ao representado a vontade do representante.  Isto é, o eleito toma as decisões que julga adequadas, e entende-se que o eleitor quis essas decisões. 9.3.   A democracia pelos partidos A idéia original defendida por Montesquieu sustentava que, embora nem todos os homens tivessem a capacidade para governar, todos os homens teriam a  capacidade para escolher os representantes.  Isto se daria porque cada eleitor escolheria alguém que conhecesse e em quem reconhecesse a capacidade para “administrar os negócios” públicos. No entanto, as  “democracias” evoluíram para as denominadas “democracias pelos partidos”, onde o eleitor já não mais indica alguém que conheça, mas deve escolher alguém em uma lista de estranhos que lhe é apresentada pelos partidos políticos.  Os partidos políticos têm o monopólio das candidaturas e, de uma forma geral, os partidos políticos não têm, internamente, estrutura “democrática” (vale dizer, nem sempre os filiados ao partido conseguem escolher o nome daqueles que serão apresentados como os candidatos do partido). Deve ser acrescentado que, em decorrência de a “democracia pelos partidos” aceitar o sistema eleitoral proporcional,  o eleitor vota em um candidato de uma lista, sendo que o voto será atribuído ao partido, podendo eleger outro candidato, não votado pelo eleitor. Essa situação trouxe o descrédito no mandato político.  O eleitor, embora tendo votado, não se sente representado, e  procura fazer valer sua opinião política pelos meios os mais diversos.  O eleitor e os grupos sociais passaram a pressionar os políticos das mais diversificadas formas. Surgiram, assim, os grupos de pressão, cuja existência demonstra a discutível legitimidade do sistema eleitoral. Além disso, a maioria dos eleitores não vê significativas diferenças nos programas dos partidos políticos. 9.4.  Os valores básicos da democracia Apesar das distorções políticas na escolha dos governantes, a noção de democracia tem-se imposto pela aceitação de que essa modalidade de organização política agasalharia alguns valores básicos, resultantes da longa evolução da sociedade humana. Ao examinar os valores e fatores condicionantes da democracia, acentua Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Fundamentalmente são dois valores que inspiram a democracia: liberdade e igualdade, cada um destes valores, é certo, com sua constelação de valores secundários.  Não há concepção de democracia que não lhes renda vassalagem, ainda que em grau variabilíssimo.  E pode-se, até, conforme predomine este ou aquele valor, distinguir as concepções liberais das concepções igualitárias de democracia”.[9] José Afonso da Silva critica os autores que concebem apenas um “conceito estático” de democracia, eis que segundo esse autor a democracia é um processo dialético que “vai rompendo os contrários, as antíteses, para, a cada etapa da evolução, incorporar conteúdo novo, enriquecido de novos valores”.[10] Esse autor reconhece que a doutrina afirma que a democracia repousa sobre três princípios fundamentais: o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade.  E, a seguir, acrescenta: “Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número, isto é, a maioria, mas também disse que a alma da democracia consiste na liberdade, sendo todos iguais”.[11] 10.   Tributo e Democracia na Constituição brasileira de 1988 A Constituição é, ao mesmo tempo,  a decisão política fundamental da sociedade e o documento jurídico básico. Portanto, é na Constituição que se encontram os primeiros alicerces relativos ao equacionamento das políticas tributária e fiscal. A Constituição brasileira de 1988, já no preâmbulo proclama sua vocação democrática ao afirmar que os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, tinham por objetivo “instituir um Estado democrático”. O art. 1º da Constituição assegura que a República Federativa do Brasil constitui-se em “Estado democrático de direito”[12], e o parágrafo único arremata: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Por outro lado, o art. 3º enumera os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre os quais incluem-se “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos…”. Resulta cristalinamente do texto constitucional a adoção do regime democrático, para a obtenção dos objetivos enumerados.  A Constituição constrói um Estado intervencionista na ordem econômica e social, mas exige que essa intervenção seja feita democraticamente. As ações estatais em busca da efetivação de seus objetivos exigem aportes financeiros de grande magnitude.  Os princípios democráticos devem ser observados na formulação concreta das ações estatais e nas definições das fontes de financiamento dessas ações. A questão financeira vem amplamente tratada no Título VI da Constituição, sob o nome de “Da Tributação e do Orçamento”.  Nesse título, o Estatuto Supremo estabelece a estrutura jurídica do “Sistema Tributário Nacional” (Capítulo I) e das “Finanças Públicas” (Capítulo II). Ao disciplinar a questão tributária e orçamentária, a Constituição define e preserva os valores que são essenciais para a  construção e manutenção de uma sociedade democrática. 10.1.   O Sistema Tributário Nacional O texto constitucional traz minuciosa descrição da estrutura jurídica do denominado sistema tributário nacional, dispondo sobre os “princípios gerais” (art. 145 a 149-A), “as limitações do poder de tributar” (art. 150 a 152), os “impostos da União” (art. 153 a 154), os “impostos dos Estados e do Distrito Federal” (art. 155), os “impostos dos Municípios” (art. 156) e a “repartição das receitas tributárias” (art. 157 a 161). As regras do denominado Sistema Tributário Nacional, estruturado no texto da própria Constituição, e desenvolvido no Código Tributário Nacional,  deve ter aplicação uniforme em todas as esferas autônomas de governo, dentro da Federação brasileira. Ao dispor sobre as limitações ao poder de tributar, a Constituição assegura certos direitos clássicos dos contribuintes, conquistados em árdua luta no decorrer da História, e associados ao desenvolvimento da noção de democracia. Entre esses direitos podem ser ressaltados os relativos ao denominado “princípio da legalidade”,  ao “princípio da isonomia”, “princípio da anterioridade em relação ao exercício de cobrança”; “princípio da capacidade contributiva”, “princípio do não-confisco”. Esses princípios abrigam certos valores caros na construção e conservação da “democracia”. 10.2.   O princípio da estrita legalidade da tributação O princípio da estrita legalidade da tributação, contemplado pelo inciso I do art. 150 da Constituição, veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça.  Tal princípio exige, portanto, a participação do órgão legislativo na instituição ou majoração de tributos. É a tradução moderna de outro importante princípio, segundo o qual “não há tributação sem representação”.  O princípio visa a assegurar que o governante não poderá cobrar tributo que não tenha sido autorizado pelos representantes dos contribuintes.  A História registra que esse princípio foi uma das exigências dos barões revoltados contra o rei João sem Terra, em 1215, na Inglaterra.  O rei teve que fazer a concessão, e o princípio foi insculpido na denominada Magna Carta.  Posteriormente, o princípio foi desrespeitado e os contribuintes conseguiram novamente impô-lo (“Bill of Rights”, em 1689). O próprio movimento que culminou com a revolta dos colonos britânicos na América do Norte, e a formação dos Estados Unidos da América, resultou do desrespeito ao princípio de que “não há tributação sem representação”. Em sua formulação contemporânea, esse princípio exterioriza a concepção democrática da representação.  Ressalte-se que o contribuinte deverá aprovar a instituição ou majoração dos tributos por meio de seus representantes, não se exige a aprovação direta por parte de cada um dos contribuintes.  Conforme anteriormente assinalado, a democracia representativa é modalidade de “democracia indireta” onde imputa-se ao eleitor a vontade do eleito.  Isto significa que quem quis o tributo foi o eleito e não o eleitor. Essa característica do mandato político permite o paradoxo dos “representantes eleitos” e a rejeição dos tributos aprovados por esses “representantes”.  Tem sido entendido que o termo “lei” inclui a lei ordinária (ou a lei complementar, conforme o caso) e as medidas provisórias.  Na vigência da Constituição anterior os tribunais entenderam como constitucional a instituição ou majoração de tributos por meio de decreto-lei. O desenvolvimento histórico da aplicação do princípio “não há tributação sem representação” exigiu a lei, aprovada pelos representantes, como condição para a tributação.  É que o tributo seria cobrado pelo monarca, cujo poder não derivava de escolha popular.  Hodiernamente, o tributo é cobrado pelo Poder Executivo, cujo titular é eleito pelo povo, à semelhança do que ocorre com os parlamentares.  Assim, a instituição de tributo por decreto do Poder Executivo, à primeira vista,  poderia ser entendida como tendo satisfeito o mencionado princípio, eis que o chefe do Poder Executivo pode reivindicar o título de “representante do povo”, tanto quanto o fazem os parlamentares. Há, porém, nova razão para a exigência de lei na instituição ou majoração de tributo. O princípio visa a coibir abusos do Poder Executivo, que premido por necessidades financeiras, poderia ser compelido a instituir tributo em excesso.  O princípio da legalidade exige a submissão da tributação ao Poder Legislativo e, dessa forma, o debate público a respeito da matéria, e a sua submissão a espectro político mais vasto que o Governo. A tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional atende a valores importantes em uma democracia, como seja o da publicidade e do debate público da matéria  a ser votada, permitindo que setores sociais que se oponham ao projeto possam manifestar-se e trazer seus argumentos. Esses valores ficam parcialmente prejudicados quando é utilizada a medida provisória, pois a edição da norma é gestada, muitas vezes sem a publicidade devida, no seio do Poder Executivo, vindo os contribuintes a tomarem conhecimento dela com sua publicação e encaminhamento ao Congresso Nacional.  As denominadas “medidas provisórias” representam retrocesso no procedimento de elaboração legislativa, e têm permitido abuso por parte do Poder Executivo, com violação de direitos fundamentais em uma democracia; o confisco da poupança, de infeliz memória, é um dos mais salientes exemplos. Na elaboração das medidas provisórias, ou no encaminhamento de projetos de lei ao Congresso Nacional, abordando matéria tributária, nota-se a poderosa influência da tecnocracia.  A tentativa de transformar em questão técnica as opções nas formulação da Política Tributária é um dos problemas delicados na evolução e aprimoramento da democracia.  Montesquieu entendia que o eleitor não está capacitado para governar, devendo limitar-se à escolha dos governantes, a tecnocracia moderna entende que os escolhidos pelo povo não estão capacitados para adotarem as opções políticas corretas, devendo submeter-se aos “critérios técnicos”  estabelecidos nos fechados ambientes dos tecnocratas. 10.3.   As matérias sob reserva de lei Por determinação do art. 146-II da Constituição, cabe à lei complementar “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”. Ainda na vigência da Constituição anterior, o Código Tributário Nacional disciplinou, no art. 97,  o princípio da estrita legalidade da tributação, enumerando analiticamente as matérias que estão sob reserva de lei: “a instituição de tributo ou sua ou a sua extinção”, “a majoração de tributos, ou sua redução”, “a definição do fato gerador da obrigação tributária principal e do seu sujeito passivo”, “a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo”, “a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas” e “as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades”. A preocupação em garantir a exata observância do princípio da estrita legalidade da tributação induziu o Código Tributário Nacional à enumeração, com redundância, das matérias insertas na reserva de lei.  Relativamente à majoração de tributos, sua redução e à fixação de alíquotas, são excetuados aqueles tributos aos quais  a Constituição atribuiu ao Poder Executivo competência para alterar as alíquotas, “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei” (§ 1º do art. 153 da Constituição). Ao facultar ao Poder Executivo, atendidas as condições e  limites fixados em lei,  alterar as alíquotas do “Imposto de Importação”, do “Imposto de Exportação”, do “Imposto sobre Produtos Industrializados”, e do “Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários”, a Constituição equilibrou os valores protegidos pelo princípio da estrita legalidade com os valores econômicos decorrentes das funções extrafiscais dos tributos mencionados. É que a Política Tributária não desconhece as conseqüências extrafiscais dos tributos, e expressamente permite sua utilização com tais finalidades.  Os tributos mencionados constituem mecanismos que permitem rápida atuação do Governo sobre a economia, e a Constituição entendeu que não seria adequado privar o Governo desses instrumentos. As matérias sob reserva de lei estão relacionadas aos elementos essenciais da tributação, e afetam valores resguardados pelo ordenamento jurídico democrático. A definição do fato gerador da obrigação tributária, e do seu sujeito passivo,  implica a escolha de um fato de conteúdo econômico, manifestador de capacidade contributiva, imputável ao sujeito passivo ou com ele relacionado.  A definição da base de cálculo e da alíquota exige  a avaliação da capacidade contributiva do sujeito passivo. A fixação dos elementos quantitativos da obrigação tributária decorre de avaliação discricionária do legislador, e constitui outro momento delicado no funcionamento da democracia.  É que a tributação colide com o princípio constitucional que garante a propriedade. A mesma Constituição que garante a propriedade dá ao legislador e ao Governo o poder de retirar do proprietário a parcela de seu patrimônio correspondente ao tributo a ser pago.  A busca do equilíbrio entre o direito de propriedade e a exação tributária deve ser um dos objetivos da Política Tributária. 10.4.   O princípio da igualdade Conforme já salientado, a igualdade é um dos pilares da democracia. Afirma  Américo Lourenço Masset Lacombe que “a isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional.  É o princípio básico do regime democrático”.[13]   A igualdade nas denominadas “democracias liberais” pretende a igualdade jurídica de todas as pessoas.  Essa igualdade formal não mais atende aos anseios da maioria, que pretende que as desigualdades injustas sejam removidas. O art. 3º, inciso III, da Constituição elege como objetivo fundamental da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.  O dispositivo não prevê a extinção das desigualdades, mas a sua redução. Em matéria de tributação, o inciso II do art. 150 veda aos entes federados “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. A igualdade deve ser observada não apenas no campo da definição da obrigação tributária principal, mas também no que concerne às exigências administrativas relativas à tributação e na fiscalização dos sujeitos passivos. O princípio da igualdade, que tem permitido grandes controvérsias nos diversos setores do direito, adquire peculiaridades no campo tributário. É notório que a igualdade entre os homens, essencial na democracia,  não significa que todos devam pagar o mesmo montante de tributos.  A desigualdade no mundo real faz com que haja desigualdade nas exigências tributárias.  O dever tributário corresponde à justiça distributiva e não à justiça comutativa. Por isso, a lei tributária leva em consideração essas diferenças econômicas, avaliando-as em diversos aspectos. No caso, o inciso II do art. 150 da Constituição veda tratamento desigual “entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”.  Assim, a equivalência da situação deve ser apreciada pelo legislador.  Na prática, essa apreciação não é fácil. Em uma sociedade heterogênea, cheia de interesses conflitantes, o legislador poderá distinguir duas situações equivalentes, introduzindo um critério para diferenciá-las e, assim, justificar a tributação diferenciada de cada uma delas.  A rigor, essa diferenciação deveria ser considerada inconstitucional, mas a doutrina e a jurisprudência tem admitido que se a diferenciação for razoável, ela pode ser aceita.  A própria noção de equivalência é equívoca. Exemplos não faltam.  A legislação do imposto de renda diferencia os rendimentos salariais dos rendimentos de aplicação financeira, e tributa-os diferenciadamente, podendo resultar menos gravosa a incidência sobre as aplicações financeiras.  Essa decisão da política tributária visa a estimular as aplicações financeiras (inclusive as provenientes do exterior) consideradas importantes pelas autoridades monetárias.  Assim, a política monetária (certa ou errada) influencia a política tributária, e passa a existir uma razão para tratamento diferenciado a situações equivalentes (o mesmo montante de rendimento será diferentemente tributado, conforme refira-se a salário ou a juros). A legislação tributária vigente tem permitido que o interesse administrativo possa ser responsável pela quebra da isonomia.  Veja-se o exemplo da tributação diferenciado do imposto de renda sobre aluguéis.  Se um proprietário alugar seu imóvel para uma pessoa jurídica, o imposto de renda deverá ser retido pelo locatário; caso a locação seja feita a uma pessoa física, o imposto de renda deverá ser pago, mensalmente, pelo locador (“carnê-leão”).  Essa diferença de tratamento poderá levar, dependendo do valor do aluguel pago, a incidência mais gravosa no caso de o inquilino ser pessoa física, além de ser instituída uma obrigação a mais para o contribuinte (o de ser responsável pelas antecipações, sujeitando-se a penalidades no inadimplemento dessas antecipações). A concessão de estímulos fiscais, como estratégia de política tributária, é muito freqüente, mas implica admissão de um critério que diferencia os contribuintes. O legislador resolve estimular um setor da economia, ou um segmento desse setor, concedendo-lhe um tratamento tributário distinto do tratamento geral às situações que poderiam ser consideradas equivalentes.  Observam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo  que “questão complexa é a relativa à compatibilidade entre isenções não gerais e o princípio da isonomia, especialmente nos casos em que a isenção é concedida a pessoas com grande poder econômico, em óbvia contradição com o princípio da capacidade contributiva”.[14] 10.5.   A irretroatividade da lei Entre os princípios constitucionais tributário inclui-se o relativo à irretroatividade da lei, que no campo tributário adquire feição própria. Assim, a alínea “a” do inciso III do art. 150 veda a cobrança de tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.  Na sistemática tributária, cabe à lei eleger os fatos reveladores de capacidade contributiva e instituir os tributos mediante a definição das hipóteses de incidência.  A Constituição assegura que os fatos ocorridos antes do início da vigência da lei não podem ser incluídos no fato gerador definido pela lei. É também vedada a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.  Trata-se do clássico princípio da “anterioridade em relação ao exercício de cobrança”, sucessor do antigo princípio da anualidade, que preserva o contribuinte da surpresa pela edição de leis instituindo ou majorando tributos. Houve um aperfeiçoamento do princípio da anterioridade, com a introdução, pela alínea c do inciso III do art. 150 da vedação de se cobrar tributo “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. 10.6.   As imunidades tributárias A Constituição preservou os valores fundamentais da democracia impedindo que o legislador possa prejudicá-los mediante o uso da tributação.  Com esse desiderato, foram estabelecidas vedações constitucionais que impedem o uso da competência tributária.  Nos casos de imunidade tributária, o legislador não detém competência para instituir o tributo. A relação de imunidades previstas no art. 150, VI, da Constituição contempla diversos objetivos. A  denominada “imunidade recíproca”, assegurada na alínea “a”  mira a preservação da Federação, evitando que a instituição de impostos possa onerar as finanças dos entes federados.  A noção de federação, como organização estatal, é um dos valores políticos mais relevantes na sociedade brasileira, sendo “cláusula pétrea” a sua manutenção. A alínea “b” consagra a imunidade dos “templos de qualquer culto”.  O objetivo é assegurar a liberdade religiosa, evitando que por meio da instituição de impostos possa haver perseguição a alguma entidade religiosa.  A amplitude que deve ser reconhecida a essa imunidade tem sido alvo de polêmicas. Além disso, há acusações de que entidades religiosas têm sido instituídas apenas com a finalidade de encobrirem negócios lucrativos e tributáveis. A alínea “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição veda a instituição de impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”. Os partidos políticos são considerados essenciais para a democracia, e a Constituição houve por bem preservá-los da incidência de impostos.  Destarte, impede-se a eventual perseguição política a partidos rivais daquele que esteja no exercício do poder.  Além disso, essa imunidade tem o condão de não criar dificuldades financeiras para a instituição de novos partidos, principalmente aqueles ligados às camadas mais pobres da população.  A imunidade dos partidos políticos liga-se à liberdade política dos cidadãos. A imunidade das entidades sindicais dos trabalhadores garante a liberdade sindical, impedindo que essa liberdade seja cerceada em razão de incidência de impostos. Na mesma trilha, a Constituição preserva da incidência de impostos o patrimônio, a renda ou serviços das instituições de educação e de assistência social, desde que não tenham fins lucrativos e atendam os requisitos da lei.  A liberdade de educação é uma das expressões da liberdade política dos cidadãos.  O dispositivo garante que o poder público não inibirá o florescimento de instituições de educação (sem fins lucrativos) mediante a instituição de impostos.  Portanto, ao lado das escolas públicas, podem ser instituídas escolas particulares que, se não tiverem fins lucrativos (isto é, se não distribuírem  lucros para seus instituidores), e desde que atendam os requisitos da lei, não terão seu patrimônio, renda ou serviços onerados por impostos.  Essas entidades ajudam cooperam com o desenvolvimento do país, sendo que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família (art. 205 da Constituição). Razões similares explicam a imunidade das instituições de assistência social sem fins lucrativos e que atendam os requisitos de lei.  Essas instituições cooperam com o próprio Estado, prestando a assistência social.  Não tendo fins lucrativos, a totalidade de sua receita é aplicada na assistência social.  O dispositivo garante que a liberdade de existência de assistência social privada, importante para que haja  o pluralismo na assistência social, não será inibido em razão de incidência de impostos. A alínea “d” do dispositivo constitucional em análise veda a instituição de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. Conforme é curial, há aqui a garantia de que o poder público não tentará inibir a liberdade de informação e de transmissão de pensamento, mediante a instituição de impostos.  É ínsita à democracia a liberdade de palavra, de comunicação e de transmissão de pensamento.  A História revela que nas sociedades não democráticas essa liberdade sempre foi cerceada, em benefício dos governantes. 11.   Propostas em defesa da ampliação do conteúdo democrático das políticas tributárias e fiscal Conforme salientou JOSÉ AFONSO DA SILVA, a democracia não é estática, e se desenvolveu ao longo da História, com a ampliação de seu conteúdo e a imposição de novos valores. A “democracia burguesa” instalada na maioria dos países, inspirada nos ideais  da Revolução Francesa, preocupou-se em garantir o direito dos indivíduos contra o Estado.  A Constituição Federal brasileira, ao definir o sistema tributário nacional, preocupou-se em proteger os direitos fundamentais do contribuinte, entre esses a liberdade, a igualdade e a propriedade.  Indiscutivelmente, esses valores são essenciais e devem ser protegidos. O contribuinte possui esses direitos constitucionalmente assegurados, para se defender contra alguma ofensiva do legislador, relativamente a seus direitos fundamentais.  Entende-se por contribuinte a pessoa física ou jurídica que é devedora de tributos, em razão da incidência da lei tributária. No entanto, os novos tempos estão a exigir a ampliação da presença do cidadão-eleitor na formulação de políticas tributárias e  fiscais; o cidadão deve buscar maior envolvimento com as decisões sobre o custeio da Administração Pública e a aplicação dos recursos orçamentários. As campanhas políticas dos candidatos não dão a devida ênfase sobre a questão tributária, limitando-se a vagas promessas de “diminuir a carga tributária”, enquanto contraditoriamente prometem ampliar os serviços públicos. Esse comportamento dos candidatos aos cargos eletivos decorre da circunstância de que a quantidade de eleitores é muito maior do que a quantidade de contribuintes (entendido aqui o contribuinte em seu sentido técnico, isto é, a pessoa que, tendo praticado fato gerador da obrigação tributária, deve apresentar declaração e realizar pagamentos).   A maior parte da população brasileira tem baixa renda e é isenta de impostos[15] (ou deve pagar, a título de imposto, um pequeno valor).  Para esses eleitores (portanto, para a maioria do eleitorado), a discussão sobre política tributária, além de ser tecnicamente incompreensível, é desinteressante.  Esses eleitores são mais sensíveis às promessas de maior presença da Administração Pública, com a melhoria dos serviços públicos e o aumento do assistencialismo. Para angariar maior quantidade de votos, os candidatos fazem promessas de campanha que implicariam, se fossem cumpridas, aumento das despesas públicas e, por conseqüência, aumento dos tributos. O eleitor, que escolhe os candidatos em quem quer votar, na maioria dos casos não é o contribuinte, que tem consciência de que vai custear as despesas públicas mediante o pagamento de tributos.  Essa “perversão democrática”  acarreta a adoção de políticas tributárias onde predominam os tributos aos quais os economistas denominam de “indiretos”, cuja carga tributária onera o consumo e são cobrados “invisivelmente” (embutidos nos preços dos produtos e dos serviços). Aristóteles já havia afirmado que a democracia pode corromper-se em demagogia. A evolução da democracia, em um estado democrático de direito, deve exigir maiores compromissos dos partidos políticos e dos candidatos na definição das políticas tributárias que adotarão, caso assumam o poder.  Essa definição deve vincular os candidatos eleitos. As leis devem assegurar maior transparência da Administração Pública, com acesso facilitado ao cidadão-eleitor, ao qual devem ser conferidos direitos de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários. Portanto, aos cidadãos devem ser conferidos poderes jurídicos para atuar na fiscalização da aplicação dos recursos públicos, de forma que o envolvimento da cidadania com as políticas tributárias e fiscais seja dinamizado. Em síntese: 1. O Estado necessita de recursos financeiros para atender às suas finalidades. 2. A definição das finalidades do Estado é opção política,  de forte cunho ideológico. 3. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado acarretou o surgimento de complexa organização, envolvendo autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista. 4. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado implica aumento das necessidades financeiras do Estado. 5. A principal fonte de recurso estatal é o tributo. 6. A estrutura dos serviços públicos contemporânea torna complexa a definição de tributo e a própria noção de tributo é controvertida. 7. A estrutura dos serviços públicos é decorrente de opções políticas. 8. A distribuição da carga tributária entre os segmentos sociais é opção política. 9. A Política Tributária é o conjunto de opções políticas adotadas pelo governo, visando a instituição e calibragem dos tributos a serem pagos pela sociedade. 10. A Política Tributária leva em consideração os efeitos extra-fiscais da tributação. 11. Em uma democracia, a Política Tributária respeita os direitos fundamentais do contribuinte. 12. O sistema tributário adotado pela Constituição admite amplo espaço para a escolha política dos segmentos sociais que deverão financiar a Administração Pública.  Assim, há diversas alternativas tributárias  possíveis. 13. Em um Estado de Direito somente mediante lei podem ser estabelecidas exigências tributárias. 14. A lei tributária deve respeitar os princípios e os valores democráticos, conforme insculpidos na Constituição. 15. O conjunto de regras relativamente à instituição, fiscalização e cobrança de tributos é disciplinado pelo  Direito Tributário, e o Direito Tributário é o instrumento da política tributária. 16. Em uma democracia, os gastos públicos são feitos no interesse da população. 17. A disciplina dos gastos públicos é regida pelo Direito Financeiro e deve atender às regras e princípios orçamentários estabelecidos pela Constituição. 18. A destinação do produto da arrecadação tributária é, também, opção política. 19. As regras jurídicas constitucionais exigem a elaboração de Orçamento, e os gastos públicos devem ser feitos em conformidade com as leis. 20. Os recursos públicos são fornecidos pela sociedade ao governo, e devolvidos pelo governo à sociedade. 21. O segmento social que paga o tributo não é necessariamente o que irá receber a ação estatal custeada por esse pagamento. 22. Em uma democracia a tributação pode implicar em realocação da renda nacional. 23. É da natureza do governo ser exercido por uma minoria. 24. A democracia caracteriza-se pela escolha dos governantes pelo povo e pela adoção de princípios que consagram valores fundamentais, como a liberdade e a igualdade de todos os homens. 25. O governo democrático é exercido “em nome do povo”. 26. A relação entre tributo e democracia é de grande complexidade, tanto no que concerne à definição de tributo, como à definição de democracia. 27. A Constituição estabelece limitações ao poder de tributar, preservando os valores democráticos. 28. Os “direitos individuais”, embora de inspiração burguesa, são de aplicação universal. 29. Os “direitos individuais” limitam a formulação das políticas tributárias. 30. O direito de propriedade é afetado pela imposição tributária. 31. A escolha dos contribuintes que irão custear as despesas públicas resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais. 32. A escolha dos setores e segmentos da sociedade que serão beneficiados pela ação estatal  resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais. 33. Nas sociedades a maioria  dos eleitores é formada pelas pessoas com menos recursos econômicos. 34. Para obter votos, os políticos adotam critérios de gastos públicos que atendam a seus eleitores. 35. Governar é administrar recursos limitados para atender uma ânsia ilimitada por parte da população. 36. A democracia pode-se corromper na  demagogia “irresponsável”. 37. Na democracia indireta, a maioria escolhe quem vai governar, mas a maioria não governa. 38. O aprimoramento da democracia está a exigir a ampliação dos direitos do cidadão, de forma a permitir uma maior participação na política tributária, e na elaboração e execução da lei orçamentária.  Entre os novos direitos da cidadania, deve ser incluído o direito de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários.
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Mandado de segurança em matéria tributária – a cobrança de IPTU sobre imóvel cedido
O presente trabalho propõe o estudo sobre  a aplicação do princípio da imunidade tributária nos casos de cobrança de IPTU a concessionárias e permissionárias de serviços público. O tema ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal reflete a controvérsia ante a aparente repercussão geral aplicada ao tema.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O presente trabalho propõe o estudo sobre  a aplicação do princípio da imunidade tributária nos casos de cobrança de IPTU a concessionárias e permissionárias de serviços público. O tema ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal reflete a controvérsia ante a aparente repercussão geral aplicada ao tema. Contudo, a regularidade da cobrança nos termos do caso levado a julgamento no STF, não é capaz de relativizar a coisa julgada quanto à primeira hipótese apresentada. Logo, a cobraça deve ser estirpada até pacificação do entendimento no STF. 2. APRESENTAÇÃO DA HIPÓTESE ESTUDADA A Impetrante firmou “Contrato de Concessão de Obra Pública” com o Município, em junho de 1996, com a finalidade de construção e exploração do “Centro de Convenção e Eventos do Município”. Através deste contrato ficou estipulado que após o término da construção do referido prédio caberia à contratada o direito de exploração comercial de todos os espaços e serviços por um prazo de 23 (vinte e três) anos, ocasião em que cessarão todos os direitos privilégios a ela concedidos. Esses direitos, entretanto, se referem somente à execução e exploração da obra pública, sem nenhuma interferência sobre o domínio do imóvel, que continua pertencendo ao Município. Muito embora seja a municipalidade real proprietária do terreno em comento, a Impetrante foi surpreendida com a cobrança indevida do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU. Com o pleito constitutivo negativo, a Impetrante ajuizou Ação Anulatória de débito fiscal, a qual foi julgada procedente para anular o crédito tributário. Ascendidos os autos por força do reexame necessário e recursos voluntários interpostos por ambas as partes, foi mantida na íntegra a decisão proferida em primeiro grau de jurisdição. Assim, apesar da cobrança do crédito tributário ter sido anulada por decisão transitada em julgada, a Fazenda Estadual insiste em cobrar o imposto, emitindo boletos bancários para a sede da Impetrante; bem como nega-se a expedir certidão negativa de débito fiscal, em clara violação aos dispositivos do Código Tributário Nacional, da Constituição Federal e da Coisa Julgada. 3. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO O Mandado de segurança é uma das garantias previstas na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXIX, que assegura aos indivíduos a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade. In casu, o ato coator está na cobrança indevida de tributo. A ameaça de ter esta cobrança inscrita em dívida ativa autoriza, por si só, o manejo do presente remédio constitucional para proteger o direito líquido e certo, assegurado por decisão transitada em julgado, para que o Impetrante não seja responsabilizado pelo pagamento do IPTU. Portanto, o objeto do Mandado de Segurança é exigir que a autoridade pública coatora, no exercício de atribuições do Poder Público, seja impedida de realizar as cobranças e de enviar boletos bancários para pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU. A relevância jurídica aqui não está contida no receio do Impetrante, que varia conforme sua sensibilidade, ao contrário, encontra-se na ameaça, que é elemento objetivo. Ou seja, havendo indícios objetivos suficientes da existência de lesão iminente (cobrança indeveida de tributo), o que torna certa ou, bastante provável, a prática do ato impugnado (inscrição em dívida ativa). Como é sabido, a ameaça deve ser séria, grave, não podendo ser analisada sob o prisma do seu efeito subjetivo. De acordo com Celso Agrícola Barbi: “O receio deve ser considerado ‘justo’ quando a ‘ameaça’ de lesão revestir-se de ‘determinadas características’. E estas são justamente as constantes da Declaração do Congresso Internacional, isto é, a ‘ameaça’ deve ser ‘objetiva e atual’. Entendemos que a ‘ameaça’ será ‘objetiva’ quando real, traduzida por fatos e atos, e não por meras suposições; e será ‘atual’ se existir no momento, não bastando que tenha existido em outros tempos e haja desaparecido[1] (Do mandado de segurança. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 69) A atividade administrativa é investida do princípio da presunção da legalidade, ou seja, presume-se que a administração tem obediência às leis, não praticando ato ilegal. Assim, a ameaça, da qual decorre o justo receio de lesão a direito, tem que ser comprovada. Assim, ao recebe mensalmente a cobrança do IPTU, de fato, será levado à dívida ativa no Múnicípio, comprometendo a receita destinada às atividades do Impetrante. O parágrafo único do artigo 142 do Código Tributário Nacional estabelece que “a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.  Todavia, a autoridade administrativa tendo o conhecimento da ocorrência de um fato que anula a cobrança de tributo, tem o dever de deixar de fazer o lançamento. Assim, uma decisão que anula a cobrança de um tributo, transitada em julgado a mais de um ano, impossibilitando a sua cobrança, desde logo obrigada a autoridade pública deixar de exigir o tributo. Diante da situação é cabível a impetração do Mandado de Segurança Preventivo, não sendo necessário que o contribuinte aguarde a inscrição em dívida ativa. No entendimento de Hugo de Brito Machado também não precisa esperar a ocorrência de ameaça dessa cobrança, uma vez que, o justo receio, a ensejar a impetração, decorre do dever legal da autoridade administrativa de não lançar o tributo e de fazer a cobrança respectiva.[2] Vale ressaltar que o prazo decadencial está previsto na Lei Federal 1.533 em seu artigo 18, o qual reza que “o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos cento e vinte dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”. No caso dos autos trata-se de Mandamus Preventivo e impugna-se uma ameaça a lesão de direito. E se ainda não ocorreu lesão a direito líquido e certo, não se pode cogitar a decadência. Neste sentido, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ante a inexitência do prazo de decadência face o mandado de segurança preventivo: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IPTU. PROGRESSIVIDADE DAS ALÍQUOTAS. MANDADO DE SEGURANÇA. RECONHECIMENTO DO CARÁTER PREVENTIVO. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. EXERCÍCIOS PRETÉRITOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 07/STJ.  EXERCÍCIO ATUAL. ASPECTO PREVENTIVO ADMITIDO. USO DO WRIT. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Impetrante de Mandado de Segurança que pretende a suspensão da cobrança judicial do IPTU exigido nos anos de 1997 a 2001, por inconstitucional. 2. Reconhecimento de decadência pelas instâncias ordinárias, extinguindo o feito sem julgamento do mérito. 3. Recurso especial visando ao reconhecimento do caráter preventivo do mandamus, uma vez que almeja impedir a cobrança judicial dos débitos e não o lançamento tributário. 4. Necessidade, em relação aos anos de 1997 a 2000, de análise de prova para a confirmação da inexistência de inscrição em dívida ativa ou de execução fiscal em andamento. Incidência da Súmula nº 07/STJ. 5. Manutenção do aspecto preventivo do writ em relação ao ano de 2001, não cabendo a exigência do prazo decadencial de 120 dias. Precedentes desta Corte. 6. Recurso parcialmente provido”. (STJ, 1a Turma. RESP 657218 / RS. Relator Ministro José Delgado. Julgado em: 3 de fevereiro de 2005. DJ 11.04.2005 p. 191.) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IPTU. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ART. 18, DA LEI N.º 1.533/51. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Quando o mandado de segurança desafia tributo considerado indevido, antes de intentada a execução fiscal, a impetração caracteriza-se pela preventividade, não lhe sendo aplicável o prazo de 120 dias previsto no art. 18, da Lei n.º 1.533/51. Precedentes. 2. Na hipótese, houve inscrição do débito em Dívida Ativa, voltando-se a impetração contra a iminência do ajuizamento do executivo fiscal. Sendo a atividade da Administração Tributária vinculada e obrigatória, a execução posterior da CDA é inexorável. Não há dúvida, assim, de que a presente ação de segurança tem caráter preventivo. 3. Recurso provido”. (STJ, 2a Turma. RESP 557229 / RS. Relator Ministro Castro Meira. Julgado em; 3 de junho de 2004. DJ 16.08.2004 p. 207.) Com isso, os efeitos perversos da tributação permanecem em decorrência de atos abusivos e ilegais da autoridade tributária coatora. Assim, considerando assegurado direito líquido e certo da Impetrante, a autoridade coatora deve ser impedida, mais uma vez, e agora por força do presente remédio constitucional, de cobrar o IPTU. 3.1. Liminar em Mandado de Segurança Preventivo O artigo 7º, inciso II, da Lei 1.533/51, que disciplina o Mandado de Segurança, dispõe que a liminar será concedida, suspendendo-se o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento do pedido e do ato impugnado e quando puder resultar a ineficácia da medida. Ao passo que a relevância do fundamento, entendida como a plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris), resta demonstrada na notificação para pagar o débito tributário, bem como na decisão judicial que anula a cobrança do IPTU. O perigo da demora do provimento judicial (periculum in mora) faz-se presente diante da possibilidade de inscrição em dívida ativa de tributos não devidos pelo Impetrante. Assim, estando presentes o “fumus boni iuris”, ante a ilegalidade manifesta na violação da coisa julgada, bem como o “periculum in mora”, aumenta a ameaça de ter o débito inscrito em dívida ativa, ato ilegal que dificulta ou macula as atividades empresariais do Consórcio, justificando o pleito liminar. Ante o exposto, a autoridade coatora lesou direito líquido e certo do Impetrante ao permanecer exigindo o pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, e sob a ameaça de ter este débito inscrito em dívida ativa impõe-se o manejo do presente remédio constitucional. 4. REPERCUSSÃO GERAL NA COBRANÇA DE IPTU Cumpre ressaltar o que a doutrina confere para designar ampla significação à questão do contribuinte do IPTU: “o vocábulo propriedade não foi utilizado pela Constituição em sentido técnico. O termo foi empregado em sua acepção corriqueira, comum, vulgar“[3]. Por outro lado, há quem defenda que “quando o Código Tributário Nacional fala em possuidor a qualquer título, entendemos que a expressão volta-se apenas para as situações em que há posse ad usucapionem, vale dizer, posse que pode conduzir à propriedade“.[4] Nessa linha, exemplificativamente, deliberou o STJ que “o IPTU só pode ser cobrado do proprietário e não do locatário, cuja posse direta não exterioriza a propriedade“.[5] Com efeito, verifica-se que no caso da própria municipalidade querer exigir IPTU sobre o imóvel que é de sua posse indireta, constitui uma confusão conceitual que é até difícil de afastar, pela tamanha a obviedade. De todo modo, reitera-se posição do Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTÁRIO. IPTU. COBRANÇA INDEVIDA. CONTRATO DE CESSÃO DE USO. INAPLICABILIDADE DO ART. 34 DO CTN. I. Na esteira dos precedentes deste eg. Tribunal, o IPTU deve ser cobrado do proprietário ou de quem detém o domínio útil ou a posse do imóvel, vinculando-se tal imposto a institutos de direito real. Assim sendo, tendo o contrato de concessão de uso de bem público natureza pessoal e não real, inexiste previsão legal para que o cessionário seja contribuinte do IPTU. II . Precedentes citados: Resp 692682/RJ, Segunda Turma, DJ de 29.11.2006 e Resp 681406/RJ, Primeira Turma, DJ de 28.02.2005. III. Nada obstante tenha sido esta a fundamentação da decisão agravada, qual seja, a aplicação da Súmula n. 83/STJ in casu, deixou a agravante de impugná-la, especificamente, motivo a obstaculizar o recurso de agravo, ora interposto, a Súmula n. 182/STJ. IV. Agravo regimental improvido”.[6] Em que pese aparentemente não exsurgir controvérsia alguma, o assunto comporta discussão no Supremo Tribunal Federal, eis que a matéria recebeu status de repercussão geral. Atualmente continua pendente de julgamento na Suprema Corte do país, a obrigatoriedade ou não de pagamento de IPTU de imóvel de propriedade da União cedido para empresa privada que explora atividade econômica, como ocorre na hipótese apresentada ao presente estudo. O relator do Recurso Extraordinário n. 601720, ministro Ricardo Lewandowski, asseverou que “o tema apresenta relevância do ponto de vista jurídico” porque a definição sobre o alcance da imunidade tributária recíproca (prevista na alínea “a” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal) em relação a imóveis que pertencem a entes públicos, mas são utilizados por concessionários ou permissionários para exploração de atividade econômica com fins lucrativos, “norteará o julgamento de inúmeros processos similares que tramitam (no Supremo) e nos demais tribunais brasileiros”. Segundo Lewandowski, é necessário avaliar a possibilidade de particulares integrarem a relação jurídico-tributária na qualidade de contribuintes de IPTU que eventualmente recaia sobre imóveis que pertençam a entes da Federação. Ele ressaltou, ainda, que a contenda tem repercussão econômica porque a dissolução do tema poderá acarretar “relevante impacto financeiro no orçamento de diversos municípios”. O caso será discutido no julgamento do Recurso Extraordinário, de autoria do Município do Rio de Janeiro. No processo, o município afirma que a regra da imunidade recíproca — que veda aos entes da Federação (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) cobrar impostos uns dos outros — não se aplica a imóveis públicos cedidos a particulares que exploram atividade econômica, ou seja, quando o imóvel não tem destinação pública. No caso em análise, um contrato de concessão de uso de imóvel foi firmado entre a Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) e uma concessionária de veículos que, por meio de uma ação anulatória de débito-fiscal, teve reconhecida a imunidade tributária recíproca sobre a cobrança do IPTU, em razão de o imóvel ser de propriedade da União. Contudo, o Município do Rio de Janeiro sustenta que consta no próprio contrato de concessão cláusula expressa no sentido de que a empresa concessionária deveria pagar os tributos fundiários municipais. Ao acolher o pedido da concessionária, a Justiça do Rio de Janeiro entendeu pela impossibilidade de cobrança do IPTU de empresa que não detém nem o domínio nem a posse do bem, com base no artigo 34 do Código Tributário Nacional. O Tribunal reconheceu a existência de Repercussão Geral da questão constitucional suscitada. Ficou vencido o ministro Ayres Britto. O status de Repercussão Geral de um Recurso Extraordinário somente pode ser negado com a manifestação de dois terços dos ministros do Supremo, ou seja, com oito votos.[7] 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A regularidade da cobrança de IPTU na hipótese de incidência sobre imóveis cedidos e explorados por concessionárias e permissionárias é tema controverso na jurisprudência pátria. Ante todo o exposto, cumpre salientar que a autoridade coatora permanece lesando direito líquido e certo ao exigir o pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, e sob a ameaça de ter este débito inscrito em dívida ativa impõe-se o manejo do presente remédio constitucional. A regularidade da cobrança nos termos do caso levado a julgamento no STF, não é capaz de relativizar a coisa julgada quanto à primeira hipótese apresentada. Logo, a cobraça deve ser estirpada até pacificação do entendimento no STF.
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Efetivação de políticas públicas e a escassez de recursos financeiros
O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas. Assim, a finalidade do Estado, ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é a de realizar os objetivos fundamentais da Constituição Federal. Dentre estes objetivos, destaca-se o da dignidade dapessoa humana, cujo limite de partida será sempre o mínimo existencial, e que ao mesmo tempo vem delimitado em linhas gerais pelos princípios constitucionais e pelos direitos e garantias individuais e coletivos. Será avaliada a necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantindo a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo, promovendo a efetivação dos direitos fundamentais através de decisões judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é de se verificar quais os parâmetros de controle a serem observados e como operacionaliza-los, de modo a obter uma efetividade dos direitos que exigem a prestação de serviço ou de atendimento público, sem perder de vista os contornos constitucionais. A realização do mínimo existencial não pode depender de uma discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, comprometendo recursos financeiros para atender algumas áreas em detrimento de outras mais essenciais. Palavras-chave: Orçamento público; Políticas públicas; Recursos financeiros. Sumário: 1. Introdução. 2. O Orçamento Público: Questões Relevantes. 3. Orçamento Participativo, Audiências Públicas e os indicativos legais. 4. Políticas Públicas: Uma questão orçamentária. 5. Efetivação das Políticas Públicas e a escassez de recursos financeiros. 6. Conclusão. Referências bibliográficas. 1. Introdução O debate em torno da efetividade das políticas públicas que visam garantir os direitos fundamentais preconizados pela Carta Constitucional ainda demanda discussões doutrinárias e principalmente a apreciação desses direitos pelo Poder Judiciário, que frequentemente é provocado para manifestar sobre a liberação de recursos públicos. Com isso, é necessário verificar a possibilidade de aplicar os dispositivos constitucionais pertinentes, com vistas às ações do Estado, deliberadamente em políticas públicas, considerando a costumeira escassez de recursos. O Estado moderno necessita cada vez mais recursos financeiros para atender às necessidades coletivas. Tais despesas integram o orçamento público. O orçamento não é um mero documento contábil e administrativo. Ele deve considerar o interesse da sociedade. Assim sendo, o orçamento deve refletir um plano de ação governamental. Diversas são as diretrizes, tanto constitucionais quanto infraconstitucionais para orientar a realização e execução do orçamento público. A destinação e os valores que serão utilizados para a implementação dos serviços públicos, dependem de decisão política quando da elaboração do orçamento público. Neste contexto há que se falar no desenvolvimento de políticas públicas, antes, porém, a sua inclusão no orçamento. É o Estado que elege quais despesas pretende realizar e suas respectivas prioridades.  Há então o controle quanto aos gastos públicos que o Estado deve realizar nos termos da legislação aplicável, sob pena de nulidade da despesa realizada. A Constituição Federal de 1988 é considerada como uma das Cartas mais avançadas em matéria de proteção dos direitos fundamentais. Então, a questão que se apresenta é a de saber quais as prioridades a serem adotadas no momento da definição e da execução dos gastos públicos. Posteriormente, poderá ser avaliada a necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantido a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo, promovendo a efetivação dos direitos fundamentais através de decisões judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é de se verificar quais os parâmetros de controle a serem observados e como operacionalizá-los, de modo a obter uma efetividade dos direitos que exigem a prestação de serviço ou de atendimento público, sem perder de vista os contornos constitucionais. Devem ser considerados também os objetivos e os valores fundamentais da República, estatuídos no art. 3º da Constituição Federal bem como os limites constitucionais que são representados pelos valores, objetivos fundamentais da República e programas trazidos pelo texto constitucional, conforme estão demonstrados: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Todos estes objetivos fundamentais devem ser observados pelo Poder Público, notadamente pela edição de normas e demais comandos para o seu atendimento por meio do planejamento e consequentemente nos orçamentos de cada ente político da Federação. Ao comentar sobre as limitações aos gastos públicos, Scaff[1] pontifica que estes também podem ser materiais,pois o uso de recursos públicos deve se dar de forma a permitir que os objetivos estabelecidos no Art. 3º da Constituição sejam alcançados. Scaff[2], citando Roberto Alexy, destacou: é imprescindível que sejam realizados gastos públicos em direitos fundamentais sociais, a fim de permitir que as pessoas possam exercer sua liberdade jurídica obtendo condições de exercer sua liberdade real. Assim, os gastos públicos não permitem que o legislador, e muito menos o administrador, realize gastos de acordo com suas livre consciência, de forma desvinculada aos objetivos estatuídos no Artigo 3º da Constituição Federal. Para a implementação dos direitos fundamentais, é de se verificar a questão orçamentária, em que medida há disponibilidade de recursos públicos para custear os direitos sociais. Com a distribuição das competências, a Constituição Federal estabelece quais são as fontes de receita da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, bem como a repartição da receita entre os respectivos entes políticos da Federação. O próprio legislador constitucional indicou algumas situações (com finalidades específicas) cuja receita deverá estar vinculada e comprometida, devendo o gestor público se ater a elas, sob pena de improbidade administrativa. 2. O Orçamento Público: Questões Relevantes Integram o orçamento da administração pública todas as previsões de receitas quanto às despesas que serão realizadas, conforme dispõe a Lei 4.320/64 que estatui as Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. As receitas públicas correspondem aos ingressos, procedentes da arrecadação de tributos ou de outras fontes e são destinadas à satisfação das necessidades públicas, mantidas pelo Estado. Para Aliomar Baleeiro[3], a receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.[4] A Despesa Pública, por sua vez, é o conjunto dos dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos.[5]Em face do princípio da legalidade da despesa pública, ao administrador público éimposta a obrigação de observar as autorizações e limites constantes nas leisorçamentárias. Sob pena de crime de responsabilidade previsto pelo art. 85, VI daConstituição Federal, é vedado ao administrador realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária,nos termos do art. 167, inciso II. Na Constituição Federal, o orçamento está previsto no art. 165, assim disposto: Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais.O parágrafo 1º ressalta que a lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. Já a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento, como está disposto no parágrafo 2º do referido Artigo. O parágrafo 4º, consequentemente, estabelece que os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição Federal serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional. A lei orçamentária anual, como determina o parágrafo 5º do Art. 165 da Constituição Federal compreenderá: “I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.” O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (§ 6º do art. 165 da Constituição Federal). Os orçamentos previstos no § 5º, I e II do art. 165 da Carta Constitucional, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. Referido destaque é relevante para analisar este conteúdo juntamente com o artigo 3º, bem como com o artigo 170 da Constituição Federal que estabelece os objetivos fundamentais da República e os princípios e fundamentos da ordem econômica. Com isso, a Constituição Federal, oferece todas as diretrizes para a elaboração, execução e controle do orçamento do Governo Federal. De igual modo, tais parâmetros são estabelecidos nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios. Aliomar Baleeiro conceitua orçamento como o ato pelo qual o Poder legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.[6] Já, José Afonso da Silva destaca que o orçamento é o processo, é o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação das despesas de cada exercício financeiro.[7] Desta forma, o orçamento deverá prever as políticas públicas constituídas com a finalidade de atender os ditames constitucionais. O Art. 2º da Lei 4.320/64, estabelece que a Lei do Orçamento deverá conter a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade.  O Art. 3º destaca que a Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lê. O Art. 4º enaltece que referida lei compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°. O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas. Assim, a finalidade do Estado, ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é a de realizar os objetivos fundamentais da Constituição Federal. Dentre estes objetivos, destaca-se o da dignidade da pessoa humana, cujo limite de partida será sempre o mínimo existencial, e que ao mesmo tempo vem delimitado em linhas gerais pelos princípios constitucionais e pelos direitos e garantias individuais e coletivos.[8] É no orçamento-programa que o Governo[9] estabelece sua política com previsões de despesas e respectivas receitas.  Tem-se, então que a função de traçar as políticas públicas é de iniciativa do Poder Executivo, com a aprovação do Poder Legislativo na elaboração orçamentária, para posterior aprovação pelo Congresso Nacional, em se tratando do orçamento federal.  A Constituição Federal incluiu o orçamento público como importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político. Destacou, para tanto, a necessidade de aprovação de três leis, sendo: a Lei do Plano Plurianual (PPA) nos termos do Art. 165, § 4º, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) como dita o Art. 166, § 4º e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Todos os planos e programas governamentais devem estar em harmonia com o plano plurianual e a LDO deverá estar em harmonia com o PPA. Deve ser demonstrado pela Administração Pública que os objetivos constitucionalmente estabelecidos (Art. 3º) foram previstos no planejamento orçamentário, pois a Constituição cuidou de direcionar a conduta do legislador e do administrador, impondo diretrizes a serem necessariamente cumpridas. Portanto, a discricionariedade da Administração indica o modo como irá concretizar os objetivos da República, não devendo ser confundido com ampla liberdade, conforme enfatiza Piscitelli[10]: “Seja na produção e fornecimento de bens e serviços públicos, seja atuando nas clássicas funções tendentes a promover o crescimento, a redistribuição e a estabilização, o Estado é o agente fundamental que, por meio de diferentes políticas, pode interferir decisivamente na atividade econômica de qualquer país.” Acrescenta, que por tais razões é que a função orçamentária e financeira da Administração Pública é tão importante.  Em países em que já se adquiriu a consciência política de sua relevância em todas as atividades governamentais, os cidadãos e as instituições participam mais ativamente do processo de alocação e utilização dos recursos públicos. Ao tratar da Lei Orçamentária anual, confirma o autor[11] que: “[…] essa lei, com base nas estimativas e autorização para a obtenção de receitas, fixa, até o encerramento da sessão legislativa, os gastos para o exercício seguinte.  Este é o calendário previsto, tudo dentro de uma perspectiva de planejamento a médio prazo, com planos plurianual nacionais, regionais e setoriais. E que o planejamento é uma forma de a sociedade, por meio de seus representantes e instituições, aferir suas potencialidades e limitações, coordenando seus recursos e esforços para realizar, por intermédio das estruturas do Estado, as ações necessárias ao atingimento [sic] dos objetivos nacionais.” Portanto, é irrecusável a tarefa de identificar e avaliar a direção e o papel do Estado, a gestão dos recursos e a destinação final do gasto público. É preciso conquistar o orçamento, torná-lo, de fato e de direito, o que ele deveria ser, é o que assegura Gustavo Amaral[12], ao salientar que é o momento máximo da cidadania, em que as escolhas públicas são feitas e controladas. A experiência brasileira, contudo, é antiorçamentária, não apenas pela hipertrofia do Executivo, mas pela própria desconfiança quanto ao orçamento. Destaca que a realidade brasileira é a de progressiva vinculação de recursos para os mais variados fins. Há, portanto, um longo caminho a percorrer. Ele depende, contudo, que não se tenha como “direito fundamental incontrastável com questões menores” como as finanças públicas e o fornecimento de todo e qualquer medicamento.[13] E, nesse contexto, destaca-se que o orçamento é o palco no qual devem estar explicitadas as políticas públicas de um Estado em um determinado momento.  E, nele, o Estado, conjuntamente as funções Executiva e Legislativa devem se fazer presente via processo orçamentário, desde a elaboração do plano plurianual, passando pela lei de diretrizes orçamentárias, e com a lei orçamentária anual. O Poder Judiciário deve, exercer seu papel constitucional de julgamento das políticas públicas no sentido de implementação gradual dos direitos fundamentais à prestação e de garantia da dignidade humana, alcançando o bem da vida àqueles que lhe socorrerem.[14] Esta é uma questão polêmica que requer cuidadosa análise. Embora, sendo objeto de apreciação no item 4 e 5, serão, desde já, traçadas considerações a respeito da atuação do Poder Judiciário, quando da liberação de recursos financeiros para atender interesses individuais ou coletivos. Vem a calhar, então, a posição de Régis Oliveira[15] quando escreve que: “[…] descabe ao Judiciário, decisão de tal quilate. No entanto, se o fizer, determinando, por exemplo, a construção de moradias, creches, etc., e transitada em julgado a decisão, coisa não cabe ao Prefeito que cumprir a ordem. Para tanto, deverá incluir, no orçamento do próximo exercício, a previsão financeira. Esclarecerá à autoridade judicial a impossibilidade de cumprimento imediato da decisão com trânsito em julgado, diante da falta de previsão orçamentária, e obrigar-se-á a incluir na futura lei orçamentária recursos para o cumprimento da decisão”.[16] Há doutrinadores[17] que defendem a posição de que diante da escassez de recursos e da multiplicidade de necessidades sociais, cabe ao Estado efetuar escolhas, estabelecendo critérios e prioridades. Tais escolhas consistem na definição de políticas públicas, cuja implementação depende de previsão e execução orçamentária. E, que as escolhas realizadas pelo Estado devem ser pautadas pela Constituição Federal, documento que estabelece os objetivos fundamentais que deverão ser satisfeitos pela autoridade estatal. A título de complementação serão incluídas algumas notas sobre a participação popular na discussão, aprovação e execução do orçamento participativo e de audiências públicas que envolvam interesses relacionados à destinação de recursos financeiros para aprovação e implementação de políticas públicas. 3. Orçamento Participativo, Audiências Públicas e os indicativos legais A iniciativa na elaboração do orçamento é do Poder Executivo e é encaminhada ao Poder Legislativo, por previsão constitucional como já explicitado anteriormente. No entanto, o inciso XII do artigo 29 da Constituição Federal prevê a cooperação de associações representativas no planejamento municipal,[18] o que possibilita a participação da sociedade direta ou indiretamente na discussão da alocação de recursos para atender as finalidades pertinentes. A democracia participativa, para ser exercida, necessita contar com uma sociedade civil organizada, cobrando de seus governantes uma postura que se coadune com os interesses desta sociedade entre outras circunstâncias. Nesse sentido ressalta Fernando Borges Mânica: “No Estado Social e Democrático de Direito, o orçamento instrumentaliza as políticas públicas e define o grau de concretização dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. Dele depende a concretização dos direitos fundamentais. Neste cenário, a Constituição de 1988 alçou o orçamento público a importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político.”[19] A elaboração do orçamento participativo é possibilitar o exercício de cidadania ativa, possibilitando aos cidadãos a participação nas decisões políticas, especialmente no processo de elaboração e execução do orçamento do município, visando à efetivação de políticas públicas. Embora não conste expressamente do texto constitucional de 1988, a participação da comunidade na realização do orçamento é possível verificar esse instituto, a exemplo do art. 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) que assevera: São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Referida Lei também destaca que a transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei dediretrizes orçamentárias e orçamentos. Assim, há previsão legal para que a sociedade possa participar da discussão orçamentária, como plano da respectiva sociedade de receitas e despesas.  O art. 4º, §3º e art. 44 da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), em especial esse último artigo que impõe a discussão do orçamento como pressuposto obrigatório para aprovação do projeto pelas câmaras municipais, merece ser destacado. Estabelece o art. 44, que no âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei, incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. Escreve Sergio Assoni Filho[20] que o controle social do orçamento público no âmbito local aproxima as decisões governamentais do genuíno anseio popular, tornando a ação estatal mais efetiva e à medida do cidadão individualmente considerado, se prestando também ao seguinte: a) propicia maior eficiência na alocação de recursos; b) assegura maior efetividade no planejamento econômico; c) enseja a hierarquização de prioridades; d) obsta o arbítrio governamental, mediante um controle da execução orçamentária mais profícua; e) promove a democratização do poder, conferindo visibilidade ao processo de tomada de decisões políticas; f) favorece a continuidade administrativa; g) educa para a cidadania, contendo um forte caráter pedagógico. Pode-se, então, afirmar que existem diversos dispositivos legais que possibilitam a participação popular na elaboração e aprovação do orçamento e destinação de verbas públicas entre outras participações que envolvem interesses da sociedade, conforme apontado. Embora de maneira ainda pouco expressiva, deve ser considerada uma breve evolução neste sentido, para a inclusão de políticas públicas no orçamento no âmbito municipal. 4. Políticas Públicas: Uma questão orçamentária A Constituição Federal de 1988 elegeu os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais, dispondo no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Por isso, esses direitos também estão sujeitos ao que determina o art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, que prevê a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Aplicabilidade imediata, não significa, contudo, que o Estado está obrigado a prestar e a garantir os direitos de forma absoluta. Nesse sentido é possível, portanto, ver uma possibilidade de aplicação da teoria da reserva do possível, uma vez que não há como negar fatores como escassez de recursos ou mesmo disponibilidade de verbas orçamentárias.[21] Referidos direitos reclamam, quanto a sua efetivação, um mínimo de concretização. Isso significa que a reserva do possível não pode ser usada para justificar nenhuma concretização. Isso equivale a lesar o direito social em questão.[22] Portanto, deve ser verificado qual o mínimo de conteúdo que pode ser exigido do Estado quando da realização dos direitos sociais, considerando a impossibilidade de realização plena. Canotilho[23] destaca a questão financeira para a garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais previstos na Constituição Federal, sendo que a realização desses está atrelada à capacidade financeira do Estado, apresentando a reserva do possível como: “1. “Reserva do possível” significa a total desvinculação jurídica do legislador quanto à dinamização dos direitos sociais constitucionalmente consagrados. 2. Reserva do possível significa a “tendência para zero” da eficácia jurídica das normas constitucionais consagradoras de direitos sociais. 3. Reserva do possível significa gradualidade[sic] com dimensão lógica e necessária da concretização dos direitos sociais, tendo sobretudo em conta os limites financeiros. 4. Reserva do possível significa indicabilidadejurisdicional das opções legislativas quanto à densificação legislativa das normas constitucionais reconhecedora de direitos sociais.” Ao escrever sobre a reserva do possível, Fernando Scaff[24] apresenta, que como o Estado não cria recursos, mas apenas gerencia os que recebe da sociedade, é imperioso que haja uma correlação entre as metas sociais e os recursos que gerência, seja através de arrecadação própria ou de empréstimos obtidos junto ao mercado. Destaca ainda que, quem estabelece para o Estado estasmetas e o volume de recursos a serem utilizados para seu alcance é a sociedadeatravés de seu ordenamento jurídico.[25] A reserva do financeiramente possível pode ser entendida como a realização dos direitos sociais condicionada à disponibilidade e ao volume de recursos suscetíveis, para que não se inviabilize todo o sistema, localizada no campo discricionário das decisões oriundas das políticas de governo e das atividades legislativas, as quais estão sintetizadas no orçamento público. Ou, como apresenta Mariana Filchtiner Figueiredo[26], ao comentar sobre o sistema de saúde: A reserva do financeiramente possível pode ser assim interpretada como objeção à efetividade dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos sociais a prestações materiais, consistente no respeito às decisões orçamentárias estabelecidas pelo legislador democrático, na ponderação concreta entre a escassez dos recursos financeiros disponíveis e o dever de otimizar a concretização dos direitos fundamentais.  Como todos os direitos custam dinheiro, a reserva do possível só pode ser invocada para aquelas situações que extrapolem o mínimo existencial e que se refiram aos indivíduos que possuam meios de obter por si sós a prestação pretendida. No que parece ser desatenção sobre o uso da reserva do possível, costuma-se dizer que “as necessidades humanas são infinitas e os recursos financeiros para atendê-las são escassos.”.[27] De fato, elementos que devem ser considerados no embate entre os direitos a prestações e a escassez de recursos são os ditames econômicos nacionais.[28] Neste sentido, é comum a confusão entre reserva do possível e reserva orçamentária, pela qual se entende que certos direitos, notadamente os direitos sociais, estão sujeitos à dotação orçamentária, isto é, à disponibilidade financeira ou material.[29] A realização do mínimo existencial não pode depender de uma discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, comprometendo recursos financeiros para atender algumas áreas em detrimento de outras mais essenciais. A reserva do possível não deve ser observada somente sob o prisma econômico, mas, também, pelo fato de que mesmo as leis orçamentárias têm um grau jurídico-normativo.[30] No que se refere à jurisprudência, pode-se verificar uma linha de transição. Após o entendimento segundo o qual não cabe ao Poder Judiciário intervir na definição de quaisquer políticas públicas, por óbice decorrente do princípio da separação de poderes e da discricionariedade administrativa, algumas decisões passaram conceber tal intervenção, nos casos em que se discutisse a efetivação de direitos fundamentais. Passou-se a admitir, assim, a prevalência absoluta dos direitos fundamentais. Entretanto, em face da limitação de recursos orçamentários e da consequente impossibilidade de efetivação de todos os diretos fundamentais sociais ao mesmo tempo, passou-se a sustentar, como restrição a tal intervenção do Poder Judiciário em caráter absoluto, a teoria da reserva do possível.[31] 5. Efetivação das Políticas Públicas e a escassez de recursos financeiros A Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948 destaca no art. 25 que toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem estar e o de sua família, especialmente para alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais necessários. A Constituição Federal de 1988 estabelece que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização bem como a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III). Por sua vez, a positivação do direito ao mínimo existencial se dá pela legislação infraconstitucional.[32] Estabelece o artigo 196 da Constituição Federal que é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Ao mesmo tempo, o art. 6º afirma que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. A Constituição Federal fez distinção entre as prestações de saúde que constituem a proteção do mínimo existencial e das condições necessárias à existência, que são gratuitas, e as que se classificam como direitos sociais e que podem ser custeadas por contribuições. Com isso, inclui as atividades preventivas em geral, o direito ao atendimento integral e gratuito, afirma Ricardo Lobo Torres[33]. Por sua vez, a medicina curativa e o atendimento nos hospitais públicos, são remunerados pelos pagamentos das contribuições, ao sistema de seguridade público ou privado. No entanto, deve ser considerada a exceção das situações de atendimento de pessoas que têm o direito ao mínimo de saúde, sem qualquer contraprestação financeira, considerando tratar-se de direitos fundamentais. Para tanto, política pública deve ser compreendida como um conjunto de atuações do Poder Público e não como ato ou atos isolados. Como esclarece Fábio Konder Comparato[34], “é um programa governamental”, não se restringindo as normas ou atos singulares, mas antes consistindo “numa atividade, ou seja, uma série ordenada de normas e atos, do mais variado tipo, conjugados para a realização de um objetivo determinado”. Na seqüência, acrescenta que toda política pública, como programa de agir, envolve uma meta a ser alcançada e um conjunto ordenado de meios ou instrumentos (pessoais, institucionais e financeiros), tais como leis, regulamentos, contratos e atos administrativos. Nessa mesma esteira Cristiane Derani[35], afirma que política pública é um conjunto de ações coordenadas pelos entes estatais, em grande parte, por eles realizadas destinadas a alterar as relações sociais existentes. Sob o ponto de vista de Canotilho, o destaque da doutrina constitucionalista demarca: Ao legislador compete, dentro das reservas orçamentárias, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, económicos e culturais. [36] A relação entre as políticas públicas e o orçamento é ponderada por Ricardo Lobo Torres ao destacarque o relacionamento entre políticas públicas e orçamento é dialético: o orçamento prevê e autoriza as despesas para a implementação das políticas públicas; mas estas ficam limitadas pelas possibilidades financeiras e por valores e princípios como o do equilíbrio orçamentário.[37] Por sua vez, o conceito de política pública está relacionado com o orçamento, conforme ressalta Bucci:[38]Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. E prossegue[39]: Parece relativamente tranquila a ideia de que as grandes linhas das políticas públicas, as diretrizes, os objetivos, são opções políticas que cabem aos representantes do povo, e, portanto, ao Poder Legislativo, que as organiza sob forma de leis, para execução pelo Poder Executivo, segundo a clássica tripartição das funções estatais, em legislativa, executiva e judiciária. Entretanto, a realização concreta das políticas públicas demonstra que o próprio caráter diretivo do plano ou do programa implica a permanência de uma parcela da atividade “formadora” do direito nas mãos do governo (Poder Executivo), perdendo-se a nitidez da separação entre os dois centros de atribuições. De qualquer forma, a relação entre orçamento público e políticas públicas,é bem estreita como menciona Régis Fernandes de Oliveira: a decisão de gastar é, fundamentalmente, uma decisão política. O administrador elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios disponíveis para seu atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem inserta no documento solene de previsão de despesas.[40] As políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os espaços normativos e concretizando os princípios e regras, com vista a objetivos determinados.[41] Frequentemente, para a efetivação dos direitos sociais a reserva do possível como limite, mas não se tem explorado tal reserva como obrigação de gastar todos os recursos possíveis/disponíveis para implementar os direitos fundamentais. Dá-se realce ao signo “reserva”, mas não ao qualificativo “possível”. Afinal, o que é possível para o Estado Brasileiro em matéria de alocação de recursos para a efetivação dos direitos sociais a prestações materiais? Será que não há mesmo dinheiro suficiente para investir em políticas públicas atinentes aos direitos sociais? Não, caso se queira resolver tudo de uma hora para outra. Mas sim, quando se projeta uma obrigação de progressiva satisfação desses direitos.[42] O Ministro Celso de Melo, no julgamento da ADIn n.º 1458-7 DF, manifestou: se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. E ainda adiantou: Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em consequência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior. Explicitou também, que a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente auferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. De igual modo é a manifestação de Burkle[43]: a omissão do Estado que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. O que se tem observado é que o Poder Judiciário tem verificado e exigido, não a mera alegação de inexistência de recursos, mas a comprovação de ausência total de recursos.  Nesse sentido, é a decisão do Supremo Tribunal Federal: É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização –depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, consideradaa limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.[44] Na decisão pode ser observado também que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.[45] Após estas considerações pode-se questionar: E se o orçamento não prever determinada despesa nem comportar a transferência ou realocação de verbas? Pode o Poder Judiciário determinar que o Gestor Público preste um serviço, ou atue de modo a atender um direito fundamental de forma isolada ou com vistas à execução de políticas públicas? O grande número de pedidos para atendimento dos direitos sociais poderá provocar um desequilíbrio financeiro, com o comprometimento nas finanças públicas. Daí a reserva do possível forjar a abstenção de despesas desproporcionais, como é o caso de dispêndio de elevadíssima quantia em prol de um único beneficiário[46]. Por isso, deve ser realizada análise cuidadosa sobre esta situação, considerando que em alguns casos, os possíveis beneficiários dispõem de condições financeiras para pagar tais serviços. Eduardo Appio, ao tratar do controle judicial das políticas públicas no Brasil enaltece que: “Existe, portanto, um conflito direto entre o direito à vida de um cidadão, o qual busca através [sic] do Poder Judiciário, a sua sobrevivência, e o direito à vida de outros cidadãos, os quais dependem do orçamento público para sobreviver. A decisão acerca das prioridades a serem conferidas pelo Estado nesta área é essencialmente uma decisão política e moral, que refoge do âmbito do controle judicial, motivo pelo qual as ações individuais em face do Estado não podem implicar a ‘substituição da atividade administrativa”.[47] Para analisar esta possibilidade de atuação do Poder Judiciário na destinação de recursos, se faz necessário abordar algumas considerações sobre a separação de poderes, que embora uno, é dividido em três: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Poderes esses, independentes entre si, não podendo um deles sofrer interferência de outro. Muitas vezes, é observada relativa intervenção do Poder Judiciário junto aos demais Poderes, que por certo, coaduna com o objetivo descrito neste contexto. Há, todavia, o entendimento segundo o qual, na verdade, no Brasil, não é adotado o mecanismo da separação dos poderes, e sim o do balanceamento dos poderes, pelo qual as funções típicas de cada poder podem, eventualmente, ser exercidas por outro.[48] A Constituição Federal contempla ampla proteção aos direitos fundamentais, especialmente na defesa do princípio da dignidade da pessoa humana. Por isso, para alguns doutrinadores, seria possível ao Poder Judiciário intervir na esfera administrativa, quando o Poder Executivo deixar de atender os princípios fundamentais. Mesmo que o princípio da separação dos poderes não resulte na não interferência do Poder Judiciário na esfera dos direitos sociais, é certo que deverá sempre haver um respeito pelo papel dos demais poderes da República. Destaca Fernando Scaff que: “O papel do Poder Judiciário não é o de substituir o Poder Legislativo, não é o de transformar “discricionariedade legislativa” em “discricionariedadejudicial”, mas o de dirimir conflitos nos termos da lei. Proferir sentenças aditivas sob o impacto da pressão dos fatos, mesmo que dos fatos sociais mais tristes, como a possibilidade da perda de uma vida ou de falta de recursos para a compra de remédios, não é papel do Judiciário”.[49] (destaques do original) Na sequência enaltece o autor: “Este não cria dinheiro, ele redistribui o dinheiro que possuía outras destinações estabelecidas pelo Legislativo e cumpridas pelo Executivo – é o “Limite do Orçamento” de que falam os economistas, ou a “Reserva do Possível” dos juristas. Ocorre que os recursos são escassos e as necessidades infinitas. Como o sistema financeiro é um sistema de vasos comunicantes, para se gastar de um lado precisa-se retirar dinheiro do outro. E aí será feito aquilo que no ditado popular se diz como “descobrir um santo para cobrir outro”.[50] Nesse mesmo sentido destaca o Prof. Ricardo Lobo Torres, se valendo de análise do direito americano, ressalta que a ordem para que o Poder Legislativo edite a lei, necessária à apropriação de recursos para a garantia dos direitos humanos, com a conseqüente reformulação do orçamento, passa a ser vista como compatível com a separação dos poderes e o federalismo.[51] Referindo-se à reserva do possível[52], com possível desequilíbrio no orçamento público, envolvendo questões pertinentes ao direito à saúde, Ingo Wolfgang Sarlet, ao comentar sobre o tem cita o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes: “O Ministro Gilmar Mendes também já lembrou, em decisão recente, que existe um dever constitucional de investir recursos e até mesmo limites e pisos, que devem ser investidos na área da Saúde. Há estudos atuais comprovando, categoricamente, que a União não gasta em nenhuma rubrica orçamentária aquilo que foi disponibilizado pelo orçamento, inclusive na área da Saúde. Há provas cabais de Estados e Municípios que não investem naquilo que foi imposto pela União no direito à Saúde. Alegar reserva do possível nessas circunstâncias é uma alegação vazia. […] O ônus da demonstração, o ônus da prova da falta de recurso é do Poder Público; o ônus da necessidade do pedido é do particular”.[53] Há também o argumento de que ao administrador é dada certa discricionariedade, segundo a qual lhe é permitido fazer ou deixar de fazer algo em virtude da oportunidade e conveniência. Com isso, pode registrar a possibilidade do administrador se valer da reserva do possível, pela qual só se faz algo se os recursos o permitirem. Nesse sentido ressalta Gustavo Silva que engana-se, todavia, quem assim postula. Isso, porque em se tratando de direitos fundamentais, tem-se, na verdade, opções vinculativas que o constituinte legou ao legislador infraconstitucional, isto é, algum direito fundamental só pode sofrer restrição em face de outro direito igualmente fundamental; grosso modo, valendo-se da cláusula da reserva do possível, ao administrador cabe optar por realizar um entre dois direitos fundamentais, na impossibilidade de realizar os dois, e do modo mais adequado possível.[54] É também, o entendimento de Germano Schwartz[55] que pontifica que não há como alegar ausência de verba orçamentária para a consecução da saúde que é um direito de todos e dever do Estado. Ao comentar sobre o mandando de injunção, o professor Ricardo Lobo Torres destaca que o mesmo deixou de ser instrumento de garantia dos direitos da liberdade e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, à cidadania que estão interligados para assegurar também os direitos sociais e até os econômicos. Mas, segundo o autor[56], estes direitos que vivem sob a “reserva do possível”, subordinados à concessão do legislador e à previsão orçamentária, não poderiam ser adjudicados de acordo com normas estabelecidas pelo juiz. Ainda há controvérsias sobre a efetivação de políticas públicas em determinados casos concretos, por parte da atuação do Poder Judiciário como destaca Paula Afoncina Barros Ramalho[57], que algumas decisões principalmente de primeira instância, têm acenado para a possibilidade de revisão judicial das escolhas orçamentárias. Outras a têm negado, com base numa concepção ortodoxa do princípio da separação dos poderes e numa visão potencializadora dos espaços de discricionariedade administrativa. Falta, ainda, uma teorização consistente e um esforço analítico para a fixação de parâmetros de controle judicial, de modo a minorar essas oscilações jurisprudenciais, sempre danosas à segurança jurídica. Ricardo Augusto Dias da Silva[58], ao tratar da jurisprudência nacional e a reserva dopossível, destacou que: “A jurisprudência nacional, notadamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, como referido […] sobre o mínimoexistencial, tem pautado majoritariamente seu entendimento pela aplicabilidade e recepção da teoria da reserva do possível, fundamentando as decisões não somente pela disponibilidade de recursos, mas também ao argumento das competências constitucionais estabelecidas, do princípio da separação dos Poderes, da reserva da lei orçamentária e ainda do princípio federativo”. (destaques do original) 6. Conclusão Cada um dos poderes constituídos deverá exercer o seu papel para implementar os direitos fundamentais, considerando que o orçamento de cada ente da Federação, deve incluir as políticas públicas, conforme previsões legais que as autorizem. O Estado não pode perder de vista os objetivos fundamentais, traçados no artigo 3º da Constituição Federal. E, para atender tais objetivos, deve elaborar um planejamento adequado, com um orçamento que lhe permita a viabilização dos direitos sociais, assegurando existência digna a todos. De igual modo, o Estado não pode alegar escassez de recursos, a fim de justificar sua omissão, se os limites constitucionais não tiverem sido observados. Por isso a reserva do possível não pode ser alegada para justificar o comportamento omissivo do Gestor Público. Os direitos mínimos garantidos constitucionalmente e as políticas publicas necessárias para sua implementação, necessitam de recursos, para serem concretizados. É papel do Estado, tanto rever quanto aplicar adequadamente esses recursos arrecadados para atender as necessidades coletivas. O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas, de modo que o controle judicial dessas políticas que viabilizam os direitos sociais que necessitam efetivar determinadas prestações passa necessariamente, pelo controle da disponibilidade de recursos e da execução orçamentária. Até que ponto o Poder Judiciário pode exigir do Poder Executivo, a disponibilidade de recursos para atender os interesses da coletividade (necessidades públicas individuais e coletivas), em sede de direitos fundamentais? Não é uma tarefa fácil devido à subjetividade da situação. Isto porque, se o Poder Judiciário determinar ações para o cumprimento do Estado, que coloca em risco o equilíbrio orçamentário, em detrimento da garantia do atendimento de outros direitos de igual calibre, poderá comprometer outros Programas e Projetos, igualmente prioritários. Deve ser avaliada que a reserva do possível pode ser requerida e concedida pelo Poder Judiciário para as situações individuais em demandem as condições, em cada caso, que se encontrem abaixo do mínimo existencial. A sociedade deverá continuar participando de forma mais expressiva na elaboração e aprovação dos orçamentos, das audiências públicas e da execução do mesmo, viabilizando assim, a adoção de políticas públicas adequadas à realidade e às necessidades coletivas. De igual modo, por meio das entidades representativas a sociedade poder participar ativamente, verificando a execução do orçamento e as respectivas aplicações de recursos financeiros destinados à execução e implementação de políticas públicas.   Referências bibliográficas: AMARAL, Gustavo. MELO, Danielle. Há direitos acima dos orçamentos? In: SARLET, Ingo Wolfgang. TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais, orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. APPIO, Eduardo. 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[6] – BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 411. [7] – SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo:Malheiros, 2010, p. 703. [8] – LEAL, Rogério Gesta. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais. Anuário 2004/2005 da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – Ajuris. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 177. [9] – Cf. o inc XXIII do art. 84 da Constituição Federal: Compete privativamente ao Presidente da República: enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamentos previstos nesta Constituição. [10] – PISCITELLI, Roberto Bocaccioet al. Contabilidade pública: uma abordagem da administração financeira pública. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2.004, p. 18/20. [11]– Id. Ibidem, p. 18/20. [12] AMARAL, Gustavo; MELO, Danielle. Há direitos acima dos orçamentos? InSarlet, Ingo Wolfgang. TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais, orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 102. [13] AMARAL, Gustavo; MELO, Danielle. Há direitos acima dos orçamentos? Obra cit. pág. 102. Não se quer dizer que a partir de um patamar monetário o direito mude, mas que necessidades e possibilidades devem ser ponderadas e que essa ponderação deve ocorrer preferencialmente no campo do controle das escolhas públicas, na atividade orçamentária, segundo os autores. [14] -PISCITELLI, Ruy Magalhães. A Dignidade da Pessoa e os Limites a ela impostos pela reserva do possível. Inhttp://www1.tjrs.jus.br/institu/c_estudos/doutrina/Dignidade_da_pessoa.doc (acesso em 19/12/2010). Destaca o autor: Mas, para isso, no dia-a-dia dos foros, deveriam os Magistrados atentar para a execução orçamentária e a reserva do possível, ponderando a garantia ao mínimo existencial, desde que com previsão orçamentária, com as necessidades ilimitadas de toda a coletividade, conforme opções feitas previamente naquela peça, que deveria ser a mais importante garantia cidadã de concreção de direitos.  Lícito ao Magistrado, em acaso não havendo dotação e execução orçamentária, aí sim, a provisão por ato jurisdicional da efetivação do direito fundamental ora buscado.  A não ser assim, pensamos que o Judiciário não só estaria assumindo a tarefa do legislador e do administrador (o que não deve ocorrer), mas perdendo sua imparcialidade para julgamento de eventual política pública. [15] – OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2006, p. 404. [16] – Id. Ibidem, p. 404. [17] – MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Revista Brasileira de DireitoPúblico, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, jul./set. 2007, pág. 18. Acrescenta o autor que a vinculação dos gastos públicos aos objetivos constitucionais é lógica. [18] – De igual modo também prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 48), e a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade:art. 2º, II e 4º, III, alínea f, e arts, 43 a 45.) [19] – MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da reserva do possível: direitos fundamentais a prestações e a intervenção do poder judiciário na implementação de políticas públicas. Revista Brasileira de DireitoPúblico. Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007. p. 3. [20] – ASSONI FILHO, Sérgio. Democracia e controle social do orçamento público. In: JurisSíntese, n. 55, set./out. 2005, p. 5. [21] – KELBERT, FabianaOkchstein e SARLET, Ingo Wolfgang (orientador). A necessária ponderação entre a teoria da reserva do possível e a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Mestrado em Direito, Faculdade de Direito, PUCRS III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008, p. 02. [22] – Id. Ibidem., p. 02. [23] – CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudo sobre direitos fundamentais. 1. ed. brasileira, 2. ed. portuguesa. São Paulo: RT; Portugal: Coimbra Editora, 2008, p. 107. [24] – SCAFF, Fernando Facury. Reserva do Possível, Mínimo Existencial e Direitos HumanosinDireito e Justiça – Reflexões Jurídicas. Temas de Direito Econômico e Tributário. (Org. Astrid Heringer etall). Ed. Uri, Ano 5, nº 8, junho/2006, p. 147. [25]Id. Ibidem,p. 147. [26] – FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado:2007, p. 78. [27] – SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos.In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; LIMA, MartonioMont’Alverne Barreto (org.). Diálogosconstitucionais:direito, neoliberalismo e desenvolvimento em países periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 148. [28] – OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CALIL, Mário Lúcio Garcez. Reserva do Possível, Natureza Jurídica e Mínimo Essencial: Paradigmas para uma Definição. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008,  p. 3734. [29] – NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 135. [30] – OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CALIL, Mário Lúcio Garcez. Reserva do Possível, Natureza Jurídica e Mínimo Essencial: Paradigmas para uma Definição. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008,  p. 3734. [31] – MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas Revista Brasileira de DireitoPúblico, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, jul./set. 2007, p. 12. [32] – Como foi o caso da Lei nº 8.742 de 07.12.93, ao dispor sobre a organização da assistência social destacando que a assistência social, o direito do cidadão e o dever do Estado é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (art. 1º). [33] – TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 147/8. Destaca o autor que as campanhas de vacinação, a erradicação das doenças endêmicas e o combate a epidemias são obrigações básicas do Estado. [34] – O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, nº 40, pág.72/73. A idéia foi exposta em trabalhoanterior: Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, nº134, abr./jun. 1998. [35] – DERANI, Cristiane. Política pública e norma política. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, 41, 2004, p. 22. [36] – CANOTILHO, Joaquim José Gomes.  Constituição dirigente e vinculação do legislador.  Coimbra: Ed. Coimbra, 1982, p. 369. [37] – TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. V. 5. O Orçamento na Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Renovar, 2000, p. 110. [38] – BUCCI, Maria Paula Dallari.  Direito Administrativo e políticas públicas.  São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 241. [39] – Id. Ibidem, p. 269. [40] – OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2006, p. 243. [41] – Ensina Paulo Bonavides que: Atribuindo-se eficácia vinculante à norma programática, pouco importa que a Constituição esteja ou não repleta de proposições desse teor, ou seja, de regras relativas a futuros comportamentos estatais. O cumprimento dos cânones constitucionais pela ordem jurídica terá dada um largo passo a frente. Já não será fácil com respeito à Constituição tergiversa-lhe a aplicabilidade e eficácia das normas como os juristas abraçados à tese antinormativa, os quais, alegando programaticidade de conteúdo, costumam evadir-se ao cumprimento ou observância de regras e princípios constitucionais. Curso de Direito Constitucional, 5ª Ed., São Paulo, Malheiros, 1994, p. 211. [42] – RAMALHO, Paula Afoncina Barros. A Revisão Judicial das Escolhas e da Execução Orçamentárias como estratégia de efetivação dos Direitos Fundamentais prestacionais in Revista Parahyba Judiciária. Seção Judiciária da Paraíba – a. 6, v. 7 (Novembro, 2008). João Pessoa: ed., 2008, p. 171. [43] – BÜRKLE, RudiRigo. O controle judicial da administração pública face a não observância dos direitos fundamentais. Disponível em http://www.mp.pr.gov.br/eventos/05rudi.doc. Acesso em 19.12.2010. [44] – Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. (STF, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04) [45] – STF, ADPF n. 45, MC/DF. Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04, Diário da Justiça, Ed. 84, seção I, publicada em 04/05/2004. RTJ – 200-01, p. 191. [46] – NOBRE JUNIOR, Edílson Pereira. O Controle de Políticas Públicas: Um Desafio à Jurisdição Constitucional. Revista Parahyba Judiciário do Poder Judiciário – Justiça Federal da Paraíba, João Pessoa, Ano 6, nº 7, novembro/2008, p.  232. [47] – APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2009, pág. 184.Qualquer medida judicial que venha a impor uma obrigação específica, vinculada a um caso concreto – como, por exemplo, a aquisição de um medicamento de alto custo pelo sistema público de saúde – implicará a redestinação de verbas alocadas de acordo com os critérios do administrador. A vida de um poderá representar a supressão da vida de muitos, porque o custo dos direitos sociais é suportado pelo orçamento já aprovado pelo Congresso. […] O argumento de que os direitos que não encontram mecanismos jurídicos de proteção judicial seriam o equivalente a não direitos, desconsidera o espaço destinado ao Poder Executivo pela Constituição de 1988, na medida em que o juiz não tem condições de eleger, de forma discricionária, o conteúdo específico destes direitos. Muito embora aos cidadãos deva ser assegurado o mínimo existencial, especialmente nas áreas de educação e saúde, a capacidade dos governos não é ilimitada, e a universalização depende da execução de um projeto de governo.Obra cit., p. 187. [48] – Exemplo disso são os poderes Judiciário e Legislativo que exercem, no âmbito interno, a função própria do Administrativo, ou seja, tais poderes possuem uma estrutura administrativa, que implica na emanação de atos administrativos, os quais são por eles emitidos. SILVA, Gustavo Aparecido da.Do Controle Judicial da Administração Pública.Disponível em http://www.lfg.com.br em 12.12.2010. [49] – SCAFF, Fernando Facury. Sentenças aditivas, direitos sociais e reserva do possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 157. [50] – Ib. ibidem, p. 157. [51] – TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 169. [52] – A reserva do possível constitui em verdade (considerada toda a sua complexidade) espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantias dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflitos de direito, quando se cuidar da invocação (desde que respeitados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos fundamentais) da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental.  – SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana F. Reserva do Possível, mínimo existencial e Direito à Saúde: Algumas aproximações. In Direitos Fundamentais & Justiça nº 1 – out/dez 2007, p. 189. [53] – Supremo Tribunal Federal. Audiência pública: saúde. Brasília: Secretaria de Documentação, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência, 2009. pág. 74-81. Ingo Wolfgang Sarlet, na Audiência Pública mencionada ressaltou ser evidente a necessidade da reforma do sistema orçamentário e, quanto à judicialização da saúde,destacando que a solução melhor não é afastar os tribunais do direito à saúde. [54] – SILVA, Gustavo Aparecido da.Do Controle Judicial da Administração Pública. Disponível em http://www.lfg.com.br em 12.12.2010. [55] – SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 164/5. [56] – TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, pág. 170. Destaca que poderia o mandado de injunção, desde que restringisse à reforma das instituições administrativas violadoras dos direitos fundamentais, sem ofensa à legalidade orçamentária e tributária, ter extraordinária importância para a garantia e o aperfeiçoamento do mínimo existencial no Brasil. Desta forma, as escolas, os hospitais públicos, asilos, creches, prisões entre outros bem que lucrariam com a fiscalização e a permanente intervenção do Poder Judiciário, através de normas que estabelecessem o padrão mínimo compatível com a dignidade do homem. [57] – RAMALHO, Paula Afoncina Barros. A Revisão Judicial das Escolhas e da Execução Orçamentárias como estratégia de efetivação dos Direitos Fundamentais prestacionaisin Revista Parahyba Judiciária. Seção Judiciária da Paraíba – a. 6, v. 7 (Novembro, 2008). João Pessoa: ed., 2008, p. 172. A autora destaca ainda que o problema aparece, justamente quando o órgão democraticamente legitimado permanece inerte, ao não prever, por exemplo, alocação de recursos para a implementação de uma política pública já traçada, ou então quando age em desconformidade com as escolhas prioritárias feitas pela Constituição, ao deixar de desenvolver uma política pública de habitação sob as escusas de falta de dinheiro, ao passo em que veicula, na peça orçamentária, uma exponencial rubrica para a propaganda governamental, para a compra de luxuosos veículos para o transporte de autoridades públicas, para a realização frequente de shows, etc. Nestes casos, parece claro que é função do Judiciário corrigir essas distorções, ainda que isso implique assumir uma posição contra majoritária. Mas ao fazê-lo, não pode basear-se em razões de política. Obra cit., p. 170. [58] – SILVA, Ricardo Augusto Dias da. Direito fundamental à saúde: o dilema entre o mínimo existencial e a reserva do possível. Belo Horizonte: Fórum, 2010. pág. 198. Os tribunais superiores têm aplicado a teoria da reserva dopossível nas demandas versando sobre direitos sociais, excepcionandoapenas as que se referem ao Direito Fundamental à saúde e à educação, momento em que tem aplicado o princípio do mínimo existencial, escreve o autor.  Adriana Dragone Silveira demonstra em sua tese de doutorado que as ações com pedidos individuais são atendidas com mais facilidade, mas quando requisitam medidas para ampliação do atendimento ou para criação de políticas públicas o Tribunal de Justiça de São Paulo, não se mostrou coeso para a concessão, tendo em vista a impossibilidade de interferência do Poder Judiciário na condução de políticas públicas e na questão orçamentária. SILVEIRA, Adriana A. Dragone. A Garantia do Direito à Educação Básica e os Desafios de Natureza Orçamentária: Discussão sobre a Teoria da Reserva do Possível.ANPED/ GT 5.Curitiba, 12 e 13 de agosto de 2010, p. 6.
Direito Tributário
1. Introdução O debate em torno da efetividade das políticas públicas que visam garantir os direitos fundamentais preconizados pela Carta Constitucional ainda demanda discussões doutrinárias e principalmente a apreciação desses direitos pelo Poder Judiciário, que frequentemente é provocado para manifestar sobre a liberação de recursos públicos. Com isso, é necessário verificar a possibilidade de aplicar os dispositivos constitucionais pertinentes, com vistas às ações do Estado, deliberadamente em políticas públicas, considerando a costumeira escassez de recursos. O Estado moderno necessita cada vez mais recursos financeiros para atender às necessidades coletivas. Tais despesas integram o orçamento público. O orçamento não é um mero documento contábil e administrativo. Ele deve considerar o interesse da sociedade. Assim sendo, o orçamento deve refletir um plano de ação governamental. Diversas são as diretrizes, tanto constitucionais quanto infraconstitucionais para orientar a realização e execução do orçamento público. A destinação e os valores que serão utilizados para a implementação dos serviços públicos, dependem de decisão política quando da elaboração do orçamento público. Neste contexto há que se falar no desenvolvimento de políticas públicas, antes, porém, a sua inclusão no orçamento. É o Estado que elege quais despesas pretende realizar e suas respectivas prioridades.  Há então o controle quanto aos gastos públicos que o Estado deve realizar nos termos da legislação aplicável, sob pena de nulidade da despesa realizada. A Constituição Federal de 1988 é considerada como uma das Cartas mais avançadas em matéria de proteção dos direitos fundamentais. Então, a questão que se apresenta é a de saber quais as prioridades a serem adotadas no momento da definição e da execução dos gastos públicos. Posteriormente, poderá ser avaliada a necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantido a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo, promovendo a efetivação dos direitos fundamentais através de decisões judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é de se verificar quais os parâmetros de controle a serem observados e como operacionalizá-los, de modo a obter uma efetividade dos direitos que exigem a prestação de serviço ou de atendimento público, sem perder de vista os contornos constitucionais. Devem ser considerados também os objetivos e os valores fundamentais da República, estatuídos no art. 3º da Constituição Federal bem como os limites constitucionais que são representados pelos valores, objetivos fundamentais da República e programas trazidos pelo texto constitucional, conforme estão demonstrados: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Todos estes objetivos fundamentais devem ser observados pelo Poder Público, notadamente pela edição de normas e demais comandos para o seu atendimento por meio do planejamento e consequentemente nos orçamentos de cada ente político da Federação. Ao comentar sobre as limitações aos gastos públicos, Scaff[1] pontifica que estes também podem ser materiais,pois o uso de recursos públicos deve se dar de forma a permitir que os objetivos estabelecidos no Art. 3º da Constituição sejam alcançados. Scaff[2], citando Roberto Alexy, destacou: é imprescindível que sejam realizados gastos públicos em direitos fundamentais sociais, a fim de permitir que as pessoas possam exercer sua liberdade jurídica obtendo condições de exercer sua liberdade real. Assim, os gastos públicos não permitem que o legislador, e muito menos o administrador, realize gastos de acordo com suas livre consciência, de forma desvinculada aos objetivos estatuídos no Artigo 3º da Constituição Federal. Para a implementação dos direitos fundamentais, é de se verificar a questão orçamentária, em que medida há disponibilidade de recursos públicos para custear os direitos sociais. Com a distribuição das competências, a Constituição Federal estabelece quais são as fontes de receita da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, bem como a repartição da receita entre os respectivos entes políticos da Federação. O próprio legislador constitucional indicou algumas situações (com finalidades específicas) cuja receita deverá estar vinculada e comprometida, devendo o gestor público se ater a elas, sob pena de improbidade administrativa. 2. O Orçamento Público: Questões Relevantes Integram o orçamento da administração pública todas as previsões de receitas quanto às despesas que serão realizadas, conforme dispõe a Lei 4.320/64 que estatui as Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. As receitas públicas correspondem aos ingressos, procedentes da arrecadação de tributos ou de outras fontes e são destinadas à satisfação das necessidades públicas, mantidas pelo Estado. Para Aliomar Baleeiro[3], a receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.[4] A Despesa Pública, por sua vez, é o conjunto dos dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos.[5]Em face do princípio da legalidade da despesa pública, ao administrador público éimposta a obrigação de observar as autorizações e limites constantes nas leisorçamentárias. Sob pena de crime de responsabilidade previsto pelo art. 85, VI daConstituição Federal, é vedado ao administrador realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária,nos termos do art. 167, inciso II. Na Constituição Federal, o orçamento está previsto no art. 165, assim disposto: Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais.O parágrafo 1º ressalta que a lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. Já a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento, como está disposto no parágrafo 2º do referido Artigo. O parágrafo 4º, consequentemente, estabelece que os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição Federal serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional. A lei orçamentária anual, como determina o parágrafo 5º do Art. 165 da Constituição Federal compreenderá: “I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.” O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (§ 6º do art. 165 da Constituição Federal). Os orçamentos previstos no § 5º, I e II do art. 165 da Carta Constitucional, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. Referido destaque é relevante para analisar este conteúdo juntamente com o artigo 3º, bem como com o artigo 170 da Constituição Federal que estabelece os objetivos fundamentais da República e os princípios e fundamentos da ordem econômica. Com isso, a Constituição Federal, oferece todas as diretrizes para a elaboração, execução e controle do orçamento do Governo Federal. De igual modo, tais parâmetros são estabelecidos nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios. Aliomar Baleeiro conceitua orçamento como o ato pelo qual o Poder legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.[6] Já, José Afonso da Silva destaca que o orçamento é o processo, é o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação das despesas de cada exercício financeiro.[7] Desta forma, o orçamento deverá prever as políticas públicas constituídas com a finalidade de atender os ditames constitucionais. O Art. 2º da Lei 4.320/64, estabelece que a Lei do Orçamento deverá conter a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade.  O Art. 3º destaca que a Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lê. O Art. 4º enaltece que referida lei compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°. O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas. Assim, a finalidade do Estado, ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é a de realizar os objetivos fundamentais da Constituição Federal. Dentre estes objetivos, destaca-se o da dignidade da pessoa humana, cujo limite de partida será sempre o mínimo existencial, e que ao mesmo tempo vem delimitado em linhas gerais pelos princípios constitucionais e pelos direitos e garantias individuais e coletivos.[8] É no orçamento-programa que o Governo[9] estabelece sua política com previsões de despesas e respectivas receitas.  Tem-se, então que a função de traçar as políticas públicas é de iniciativa do Poder Executivo, com a aprovação do Poder Legislativo na elaboração orçamentária, para posterior aprovação pelo Congresso Nacional, em se tratando do orçamento federal.  A Constituição Federal incluiu o orçamento público como importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político. Destacou, para tanto, a necessidade de aprovação de três leis, sendo: a Lei do Plano Plurianual (PPA) nos termos do Art. 165, § 4º, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) como dita o Art. 166, § 4º e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Todos os planos e programas governamentais devem estar em harmonia com o plano plurianual e a LDO deverá estar em harmonia com o PPA. Deve ser demonstrado pela Administração Pública que os objetivos constitucionalmente estabelecidos (Art. 3º) foram previstos no planejamento orçamentário, pois a Constituição cuidou de direcionar a conduta do legislador e do administrador, impondo diretrizes a serem necessariamente cumpridas. Portanto, a discricionariedade da Administração indica o modo como irá concretizar os objetivos da República, não devendo ser confundido com ampla liberdade, conforme enfatiza Piscitelli[10]: “Seja na produção e fornecimento de bens e serviços públicos, seja atuando nas clássicas funções tendentes a promover o crescimento, a redistribuição e a estabilização, o Estado é o agente fundamental que, por meio de diferentes políticas, pode interferir decisivamente na atividade econômica de qualquer país.” Acrescenta, que por tais razões é que a função orçamentária e financeira da Administração Pública é tão importante.  Em países em que já se adquiriu a consciência política de sua relevância em todas as atividades governamentais, os cidadãos e as instituições participam mais ativamente do processo de alocação e utilização dos recursos públicos. Ao tratar da Lei Orçamentária anual, confirma o autor[11] que: “[…] essa lei, com base nas estimativas e autorização para a obtenção de receitas, fixa, até o encerramento da sessão legislativa, os gastos para o exercício seguinte.  Este é o calendário previsto, tudo dentro de uma perspectiva de planejamento a médio prazo, com planos plurianual nacionais, regionais e setoriais. E que o planejamento é uma forma de a sociedade, por meio de seus representantes e instituições, aferir suas potencialidades e limitações, coordenando seus recursos e esforços para realizar, por intermédio das estruturas do Estado, as ações necessárias ao atingimento [sic] dos objetivos nacionais.” Portanto, é irrecusável a tarefa de identificar e avaliar a direção e o papel do Estado, a gestão dos recursos e a destinação final do gasto público. É preciso conquistar o orçamento, torná-lo, de fato e de direito, o que ele deveria ser, é o que assegura Gustavo Amaral[12], ao salientar que é o momento máximo da cidadania, em que as escolhas públicas são feitas e controladas. A experiência brasileira, contudo, é antiorçamentária, não apenas pela hipertrofia do Executivo, mas pela própria desconfiança quanto ao orçamento. Destaca que a realidade brasileira é a de progressiva vinculação de recursos para os mais variados fins. Há, portanto, um longo caminho a percorrer. Ele depende, contudo, que não se tenha como “direito fundamental incontrastável com questões menores” como as finanças públicas e o fornecimento de todo e qualquer medicamento.[13] E, nesse contexto, destaca-se que o orçamento é o palco no qual devem estar explicitadas as políticas públicas de um Estado em um determinado momento.  E, nele, o Estado, conjuntamente as funções Executiva e Legislativa devem se fazer presente via processo orçamentário, desde a elaboração do plano plurianual, passando pela lei de diretrizes orçamentárias, e com a lei orçamentária anual. O Poder Judiciário deve, exercer seu papel constitucional de julgamento das políticas públicas no sentido de implementação gradual dos direitos fundamentais à prestação e de garantia da dignidade humana, alcançando o bem da vida àqueles que lhe socorrerem.[14] Esta é uma questão polêmica que requer cuidadosa análise. Embora, sendo objeto de apreciação no item 4 e 5, serão, desde já, traçadas considerações a respeito da atuação do Poder Judiciário, quando da liberação de recursos financeiros para atender interesses individuais ou coletivos. Vem a calhar, então, a posição de Régis Oliveira[15] quando escreve que: “[…] descabe ao Judiciário, decisão de tal quilate. No entanto, se o fizer, determinando, por exemplo, a construção de moradias, creches, etc., e transitada em julgado a decisão, coisa não cabe ao Prefeito que cumprir a ordem. Para tanto, deverá incluir, no orçamento do próximo exercício, a previsão financeira. Esclarecerá à autoridade judicial a impossibilidade de cumprimento imediato da decisão com trânsito em julgado, diante da falta de previsão orçamentária, e obrigar-se-á a incluir na futura lei orçamentária recursos para o cumprimento da decisão”.[16] Há doutrinadores[17] que defendem a posição de que diante da escassez de recursos e da multiplicidade de necessidades sociais, cabe ao Estado efetuar escolhas, estabelecendo critérios e prioridades. Tais escolhas consistem na definição de políticas públicas, cuja implementação depende de previsão e execução orçamentária. E, que as escolhas realizadas pelo Estado devem ser pautadas pela Constituição Federal, documento que estabelece os objetivos fundamentais que deverão ser satisfeitos pela autoridade estatal. A título de complementação serão incluídas algumas notas sobre a participação popular na discussão, aprovação e execução do orçamento participativo e de audiências públicas que envolvam interesses relacionados à destinação de recursos financeiros para aprovação e implementação de políticas públicas. 3. Orçamento Participativo, Audiências Públicas e os indicativos legais A iniciativa na elaboração do orçamento é do Poder Executivo e é encaminhada ao Poder Legislativo, por previsão constitucional como já explicitado anteriormente. No entanto, o inciso XII do artigo 29 da Constituição Federal prevê a cooperação de associações representativas no planejamento municipal,[18] o que possibilita a participação da sociedade direta ou indiretamente na discussão da alocação de recursos para atender as finalidades pertinentes. A democracia participativa, para ser exercida, necessita contar com uma sociedade civil organizada, cobrando de seus governantes uma postura que se coadune com os interesses desta sociedade entre outras circunstâncias. Nesse sentido ressalta Fernando Borges Mânica: “No Estado Social e Democrático de Direito, o orçamento instrumentaliza as políticas públicas e define o grau de concretização dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. Dele depende a concretização dos direitos fundamentais. Neste cenário, a Constituição de 1988 alçou o orçamento público a importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político.”[19] A elaboração do orçamento participativo é possibilitar o exercício de cidadania ativa, possibilitando aos cidadãos a participação nas decisões políticas, especialmente no processo de elaboração e execução do orçamento do município, visando à efetivação de políticas públicas. Embora não conste expressamente do texto constitucional de 1988, a participação da comunidade na realização do orçamento é possível verificar esse instituto, a exemplo do art. 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) que assevera: São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Referida Lei também destaca que a transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei dediretrizes orçamentárias e orçamentos. Assim, há previsão legal para que a sociedade possa participar da discussão orçamentária, como plano da respectiva sociedade de receitas e despesas.  O art. 4º, §3º e art. 44 da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), em especial esse último artigo que impõe a discussão do orçamento como pressuposto obrigatório para aprovação do projeto pelas câmaras municipais, merece ser destacado. Estabelece o art. 44, que no âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei, incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. Escreve Sergio Assoni Filho[20] que o controle social do orçamento público no âmbito local aproxima as decisões governamentais do genuíno anseio popular, tornando a ação estatal mais efetiva e à medida do cidadão individualmente considerado, se prestando também ao seguinte: a) propicia maior eficiência na alocação de recursos; b) assegura maior efetividade no planejamento econômico; c) enseja a hierarquização de prioridades; d) obsta o arbítrio governamental, mediante um controle da execução orçamentária mais profícua; e) promove a democratização do poder, conferindo visibilidade ao processo de tomada de decisões políticas; f) favorece a continuidade administrativa; g) educa para a cidadania, contendo um forte caráter pedagógico. Pode-se, então, afirmar que existem diversos dispositivos legais que possibilitam a participação popular na elaboração e aprovação do orçamento e destinação de verbas públicas entre outras participações que envolvem interesses da sociedade, conforme apontado. Embora de maneira ainda pouco expressiva, deve ser considerada uma breve evolução neste sentido, para a inclusão de políticas públicas no orçamento no âmbito municipal. 4. Políticas Públicas: Uma questão orçamentária A Constituição Federal de 1988 elegeu os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais, dispondo no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Por isso, esses direitos também estão sujeitos ao que determina o art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, que prevê a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Aplicabilidade imediata, não significa, contudo, que o Estado está obrigado a prestar e a garantir os direitos de forma absoluta. Nesse sentido é possível, portanto, ver uma possibilidade de aplicação da teoria da reserva do possível, uma vez que não há como negar fatores como escassez de recursos ou mesmo disponibilidade de verbas orçamentárias.[21] Referidos direitos reclamam, quanto a sua efetivação, um mínimo de concretização. Isso significa que a reserva do possível não pode ser usada para justificar nenhuma concretização. Isso equivale a lesar o direito social em questão.[22] Portanto, deve ser verificado qual o mínimo de conteúdo que pode ser exigido do Estado quando da realização dos direitos sociais, considerando a impossibilidade de realização plena. Canotilho[23] destaca a questão financeira para a garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais previstos na Constituição Federal, sendo que a realização desses está atrelada à capacidade financeira do Estado, apresentando a reserva do possível como: “1. “Reserva do possível” significa a total desvinculação jurídica do legislador quanto à dinamização dos direitos sociais constitucionalmente consagrados. 2. Reserva do possível significa a “tendência para zero” da eficácia jurídica das normas constitucionais consagradoras de direitos sociais. 3. Reserva do possível significa gradualidade[sic] com dimensão lógica e necessária da concretização dos direitos sociais, tendo sobretudo em conta os limites financeiros. 4. Reserva do possível significa indicabilidadejurisdicional das opções legislativas quanto à densificação legislativa das normas constitucionais reconhecedora de direitos sociais.” Ao escrever sobre a reserva do possível, Fernando Scaff[24] apresenta, que como o Estado não cria recursos, mas apenas gerencia os que recebe da sociedade, é imperioso que haja uma correlação entre as metas sociais e os recursos que gerência, seja através de arrecadação própria ou de empréstimos obtidos junto ao mercado. Destaca ainda que, quem estabelece para o Estado estasmetas e o volume de recursos a serem utilizados para seu alcance é a sociedadeatravés de seu ordenamento jurídico.[25] A reserva do financeiramente possível pode ser entendida como a realização dos direitos sociais condicionada à disponibilidade e ao volume de recursos suscetíveis, para que não se inviabilize todo o sistema, localizada no campo discricionário das decisões oriundas das políticas de governo e das atividades legislativas, as quais estão sintetizadas no orçamento público. Ou, como apresenta Mariana Filchtiner Figueiredo[26], ao comentar sobre o sistema de saúde: A reserva do financeiramente possível pode ser assim interpretada como objeção à efetividade dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos sociais a prestações materiais, consistente no respeito às decisões orçamentárias estabelecidas pelo legislador democrático, na ponderação concreta entre a escassez dos recursos financeiros disponíveis e o dever de otimizar a concretização dos direitos fundamentais.  Como todos os direitos custam dinheiro, a reserva do possível só pode ser invocada para aquelas situações que extrapolem o mínimo existencial e que se refiram aos indivíduos que possuam meios de obter por si sós a prestação pretendida. No que parece ser desatenção sobre o uso da reserva do possível, costuma-se dizer que “as necessidades humanas são infinitas e os recursos financeiros para atendê-las são escassos.”.[27] De fato, elementos que devem ser considerados no embate entre os direitos a prestações e a escassez de recursos são os ditames econômicos nacionais.[28] Neste sentido, é comum a confusão entre reserva do possível e reserva orçamentária, pela qual se entende que certos direitos, notadamente os direitos sociais, estão sujeitos à dotação orçamentária, isto é, à disponibilidade financeira ou material.[29] A realização do mínimo existencial não pode depender de uma discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, comprometendo recursos financeiros para atender algumas áreas em detrimento de outras mais essenciais. A reserva do possível não deve ser observada somente sob o prisma econômico, mas, também, pelo fato de que mesmo as leis orçamentárias têm um grau jurídico-normativo.[30] No que se refere à jurisprudência, pode-se verificar uma linha de transição. Após o entendimento segundo o qual não cabe ao Poder Judiciário intervir na definição de quaisquer políticas públicas, por óbice decorrente do princípio da separação de poderes e da discricionariedade administrativa, algumas decisões passaram conceber tal intervenção, nos casos em que se discutisse a efetivação de direitos fundamentais. Passou-se a admitir, assim, a prevalência absoluta dos direitos fundamentais. Entretanto, em face da limitação de recursos orçamentários e da consequente impossibilidade de efetivação de todos os diretos fundamentais sociais ao mesmo tempo, passou-se a sustentar, como restrição a tal intervenção do Poder Judiciário em caráter absoluto, a teoria da reserva do possível.[31] 5. Efetivação das Políticas Públicas e a escassez de recursos financeiros A Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948 destaca no art. 25 que toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem estar e o de sua família, especialmente para alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais necessários. A Constituição Federal de 1988 estabelece que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização bem como a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III). Por sua vez, a positivação do direito ao mínimo existencial se dá pela legislação infraconstitucional.[32] Estabelece o artigo 196 da Constituição Federal que é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Ao mesmo tempo, o art. 6º afirma que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. A Constituição Federal fez distinção entre as prestações de saúde que constituem a proteção do mínimo existencial e das condições necessárias à existência, que são gratuitas, e as que se classificam como direitos sociais e que podem ser custeadas por contribuições. Com isso, inclui as atividades preventivas em geral, o direito ao atendimento integral e gratuito, afirma Ricardo Lobo Torres[33]. Por sua vez, a medicina curativa e o atendimento nos hospitais públicos, são remunerados pelos pagamentos das contribuições, ao sistema de seguridade público ou privado. No entanto, deve ser considerada a exceção das situações de atendimento de pessoas que têm o direito ao mínimo de saúde, sem qualquer contraprestação financeira, considerando tratar-se de direitos fundamentais. Para tanto, política pública deve ser compreendida como um conjunto de atuações do Poder Público e não como ato ou atos isolados. Como esclarece Fábio Konder Comparato[34], “é um programa governamental”, não se restringindo as normas ou atos singulares, mas antes consistindo “numa atividade, ou seja, uma série ordenada de normas e atos, do mais variado tipo, conjugados para a realização de um objetivo determinado”. Na seqüência, acrescenta que toda política pública, como programa de agir, envolve uma meta a ser alcançada e um conjunto ordenado de meios ou instrumentos (pessoais, institucionais e financeiros), tais como leis, regulamentos, contratos e atos administrativos. Nessa mesma esteira Cristiane Derani[35], afirma que política pública é um conjunto de ações coordenadas pelos entes estatais, em grande parte, por eles realizadas destinadas a alterar as relações sociais existentes. Sob o ponto de vista de Canotilho, o destaque da doutrina constitucionalista demarca: Ao legislador compete, dentro das reservas orçamentárias, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, económicos e culturais. [36] A relação entre as políticas públicas e o orçamento é ponderada por Ricardo Lobo Torres ao destacarque o relacionamento entre políticas públicas e orçamento é dialético: o orçamento prevê e autoriza as despesas para a implementação das políticas públicas; mas estas ficam limitadas pelas possibilidades financeiras e por valores e princípios como o do equilíbrio orçamentário.[37] Por sua vez, o conceito de política pública está relacionado com o orçamento, conforme ressalta Bucci:[38]Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. E prossegue[39]: Parece relativamente tranquila a ideia de que as grandes linhas das políticas públicas, as diretrizes, os objetivos, são opções políticas que cabem aos representantes do povo, e, portanto, ao Poder Legislativo, que as organiza sob forma de leis, para execução pelo Poder Executivo, segundo a clássica tripartição das funções estatais, em legislativa, executiva e judiciária. Entretanto, a realização concreta das políticas públicas demonstra que o próprio caráter diretivo do plano ou do programa implica a permanência de uma parcela da atividade “formadora” do direito nas mãos do governo (Poder Executivo), perdendo-se a nitidez da separação entre os dois centros de atribuições. De qualquer forma, a relação entre orçamento público e políticas públicas,é bem estreita como menciona Régis Fernandes de Oliveira: a decisão de gastar é, fundamentalmente, uma decisão política. O administrador elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios disponíveis para seu atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem inserta no documento solene de previsão de despesas.[40] As políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os espaços normativos e concretizando os princípios e regras, com vista a objetivos determinados.[41] Frequentemente, para a efetivação dos direitos sociais a reserva do possível como limite, mas não se tem explorado tal reserva como obrigação de gastar todos os recursos possíveis/disponíveis para implementar os direitos fundamentais. Dá-se realce ao signo “reserva”, mas não ao qualificativo “possível”. Afinal, o que é possível para o Estado Brasileiro em matéria de alocação de recursos para a efetivação dos direitos sociais a prestações materiais? Será que não há mesmo dinheiro suficiente para investir em políticas públicas atinentes aos direitos sociais? Não, caso se queira resolver tudo de uma hora para outra. Mas sim, quando se projeta uma obrigação de progressiva satisfação desses direitos.[42] O Ministro Celso de Melo, no julgamento da ADIn n.º 1458-7 DF, manifestou: se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. E ainda adiantou: Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em consequência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior. Explicitou também, que a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente auferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. De igual modo é a manifestação de Burkle[43]: a omissão do Estado que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. O que se tem observado é que o Poder Judiciário tem verificado e exigido, não a mera alegação de inexistência de recursos, mas a comprovação de ausência total de recursos.  Nesse sentido, é a decisão do Supremo Tribunal Federal: É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização –depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, consideradaa limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.[44] Na decisão pode ser observado também que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.[45] Após estas considerações pode-se questionar: E se o orçamento não prever determinada despesa nem comportar a transferência ou realocação de verbas? Pode o Poder Judiciário determinar que o Gestor Público preste um serviço, ou atue de modo a atender um direito fundamental de forma isolada ou com vistas à execução de políticas públicas? O grande número de pedidos para atendimento dos direitos sociais poderá provocar um desequilíbrio financeiro, com o comprometimento nas finanças públicas. Daí a reserva do possível forjar a abstenção de despesas desproporcionais, como é o caso de dispêndio de elevadíssima quantia em prol de um único beneficiário[46]. Por isso, deve ser realizada análise cuidadosa sobre esta situação, considerando que em alguns casos, os possíveis beneficiários dispõem de condições financeiras para pagar tais serviços. Eduardo Appio, ao tratar do controle judicial das políticas públicas no Brasil enaltece que: “Existe, portanto, um conflito direto entre o direito à vida de um cidadão, o qual busca através [sic] do Poder Judiciário, a sua sobrevivência, e o direito à vida de outros cidadãos, os quais dependem do orçamento público para sobreviver. A decisão acerca das prioridades a serem conferidas pelo Estado nesta área é essencialmente uma decisão política e moral, que refoge do âmbito do controle judicial, motivo pelo qual as ações individuais em face do Estado não podem implicar a ‘substituição da atividade administrativa”.[47] Para analisar esta possibilidade de atuação do Poder Judiciário na destinação de recursos, se faz necessário abordar algumas considerações sobre a separação de poderes, que embora uno, é dividido em três: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Poderes esses, independentes entre si, não podendo um deles sofrer interferência de outro. Muitas vezes, é observada relativa intervenção do Poder Judiciário junto aos demais Poderes, que por certo, coaduna com o objetivo descrito neste contexto. Há, todavia, o entendimento segundo o qual, na verdade, no Brasil, não é adotado o mecanismo da separação dos poderes, e sim o do balanceamento dos poderes, pelo qual as funções típicas de cada poder podem, eventualmente, ser exercidas por outro.[48] A Constituição Federal contempla ampla proteção aos direitos fundamentais, especialmente na defesa do princípio da dignidade da pessoa humana. Por isso, para alguns doutrinadores, seria possível ao Poder Judiciário intervir na esfera administrativa, quando o Poder Executivo deixar de atender os princípios fundamentais. Mesmo que o princípio da separação dos poderes não resulte na não interferência do Poder Judiciário na esfera dos direitos sociais, é certo que deverá sempre haver um respeito pelo papel dos demais poderes da República. Destaca Fernando Scaff que: “O papel do Poder Judiciário não é o de substituir o Poder Legislativo, não é o de transformar “discricionariedade legislativa” em “discricionariedadejudicial”, mas o de dirimir conflitos nos termos da lei. Proferir sentenças aditivas sob o impacto da pressão dos fatos, mesmo que dos fatos sociais mais tristes, como a possibilidade da perda de uma vida ou de falta de recursos para a compra de remédios, não é papel do Judiciário”.[49] (destaques do original) Na sequência enaltece o autor: “Este não cria dinheiro, ele redistribui o dinheiro que possuía outras destinações estabelecidas pelo Legislativo e cumpridas pelo Executivo – é o “Limite do Orçamento” de que falam os economistas, ou a “Reserva do Possível” dos juristas. Ocorre que os recursos são escassos e as necessidades infinitas. Como o sistema financeiro é um sistema de vasos comunicantes, para se gastar de um lado precisa-se retirar dinheiro do outro. E aí será feito aquilo que no ditado popular se diz como “descobrir um santo para cobrir outro”.[50] Nesse mesmo sentido destaca o Prof. Ricardo Lobo Torres, se valendo de análise do direito americano, ressalta que a ordem para que o Poder Legislativo edite a lei, necessária à apropriação de recursos para a garantia dos direitos humanos, com a conseqüente reformulação do orçamento, passa a ser vista como compatível com a separação dos poderes e o federalismo.[51] Referindo-se à reserva do possível[52], com possível desequilíbrio no orçamento público, envolvendo questões pertinentes ao direito à saúde, Ingo Wolfgang Sarlet, ao comentar sobre o tem cita o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes: “O Ministro Gilmar Mendes também já lembrou, em decisão recente, que existe um dever constitucional de investir recursos e até mesmo limites e pisos, que devem ser investidos na área da Saúde. Há estudos atuais comprovando, categoricamente, que a União não gasta em nenhuma rubrica orçamentária aquilo que foi disponibilizado pelo orçamento, inclusive na área da Saúde. Há provas cabais de Estados e Municípios que não investem naquilo que foi imposto pela União no direito à Saúde. Alegar reserva do possível nessas circunstâncias é uma alegação vazia. […] O ônus da demonstração, o ônus da prova da falta de recurso é do Poder Público; o ônus da necessidade do pedido é do particular”.[53] Há também o argumento de que ao administrador é dada certa discricionariedade, segundo a qual lhe é permitido fazer ou deixar de fazer algo em virtude da oportunidade e conveniência. Com isso, pode registrar a possibilidade do administrador se valer da reserva do possível, pela qual só se faz algo se os recursos o permitirem. Nesse sentido ressalta Gustavo Silva que engana-se, todavia, quem assim postula. Isso, porque em se tratando de direitos fundamentais, tem-se, na verdade, opções vinculativas que o constituinte legou ao legislador infraconstitucional, isto é, algum direito fundamental só pode sofrer restrição em face de outro direito igualmente fundamental; grosso modo, valendo-se da cláusula da reserva do possível, ao administrador cabe optar por realizar um entre dois direitos fundamentais, na impossibilidade de realizar os dois, e do modo mais adequado possível.[54] É também, o entendimento de Germano Schwartz[55] que pontifica que não há como alegar ausência de verba orçamentária para a consecução da saúde que é um direito de todos e dever do Estado. Ao comentar sobre o mandando de injunção, o professor Ricardo Lobo Torres destaca que o mesmo deixou de ser instrumento de garantia dos direitos da liberdade e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, à cidadania que estão interligados para assegurar também os direitos sociais e até os econômicos. Mas, segundo o autor[56], estes direitos que vivem sob a “reserva do possível”, subordinados à concessão do legislador e à previsão orçamentária, não poderiam ser adjudicados de acordo com normas estabelecidas pelo juiz. Ainda há controvérsias sobre a efetivação de políticas públicas em determinados casos concretos, por parte da atuação do Poder Judiciário como destaca Paula Afoncina Barros Ramalho[57], que algumas decisões principalmente de primeira instância, têm acenado para a possibilidade de revisão judicial das escolhas orçamentárias. Outras a têm negado, com base numa concepção ortodoxa do princípio da separação dos poderes e numa visão potencializadora dos espaços de discricionariedade administrativa. Falta, ainda, uma teorização consistente e um esforço analítico para a fixação de parâmetros de controle judicial, de modo a minorar essas oscilações jurisprudenciais, sempre danosas à segurança jurídica. Ricardo Augusto Dias da Silva[58], ao tratar da jurisprudência nacional e a reserva dopossível, destacou que: “A jurisprudência nacional, notadamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, como referido […] sobre o mínimoexistencial, tem pautado majoritariamente seu entendimento pela aplicabilidade e recepção da teoria da reserva do possível, fundamentando as decisões não somente pela disponibilidade de recursos, mas também ao argumento das competências constitucionais estabelecidas, do princípio da separação dos Poderes, da reserva da lei orçamentária e ainda do princípio federativo”. (destaques do original) 6. Conclusão Cada um dos poderes constituídos deverá exercer o seu papel para implementar os direitos fundamentais, considerando que o orçamento de cada ente da Federação, deve incluir as políticas públicas, conforme previsões legais que as autorizem. O Estado não pode perder de vista os objetivos fundamentais, traçados no artigo 3º da Constituição Federal. E, para atender tais objetivos, deve elaborar um planejamento adequado, com um orçamento que lhe permita a viabilização dos direitos sociais, assegurando existência digna a todos. De igual modo, o Estado não pode alegar escassez de recursos, a fim de justificar sua omissão, se os limites constitucionais não tiverem sido observados. Por isso a reserva do possível não pode ser alegada para justificar o comportamento omissivo do Gestor Público. Os direitos mínimos garantidos constitucionalmente e as políticas publicas necessárias para sua implementação, necessitam de recursos, para serem concretizados. É papel do Estado, tanto rever quanto aplicar adequadamente esses recursos arrecadados para atender as necessidades coletivas. O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas, de modo que o controle judicial dessas políticas que viabilizam os direitos sociais que necessitam efetivar determinadas prestações passa necessariamente, pelo controle da disponibilidade de recursos e da execução orçamentária. Até que ponto o Poder Judiciário pode exigir do Poder Executivo, a disponibilidade de recursos para atender os interesses da coletividade (necessidades públicas individuais e coletivas), em sede de direitos fundamentais? Não é uma tarefa fácil devido à subjetividade da situação. Isto porque, se o Poder Judiciário determinar ações para o cumprimento do Estado, que coloca em risco o equilíbrio orçamentário, em detrimento da garantia do atendimento de outros direitos de igual calibre, poderá comprometer outros Programas e Projetos, igualmente prioritários. Deve ser avaliada que a reserva do possível pode ser requerida e concedida pelo Poder Judiciário para as situações individuais em demandem as condições, em cada caso, que se encontrem abaixo do mínimo existencial. A sociedade deverá continuar participando de forma mais expressiva na elaboração e aprovação dos orçamentos, das audiências públicas e da execução do mesmo, viabilizando assim, a adoção de políticas públicas adequadas à realidade e às necessidades coletivas. De igual modo, por meio das entidades representativas a sociedade poder participar ativamente, verificando a execução do orçamento e as respectivas aplicações de recursos financeiros destinados à execução e implementação de políticas públicas.
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Os tributos e a política tributária em uma sociedade democrática
A democracia não se caracteriza apenas pela escolha periódica dos governantes, mas pela adoção de certos valores que lhe são fundamentais. A igualdade e a liberdade são valores fundamentais na democracia. Os modelos de democracia oscilam entre os que, para assegurar o máximo de liberdade do indivíduo, preservam as desigualdades existentes entre os homens, e os que, pretendendo igualar os homens, suprimem-lhe a liberdade. É impossível separar-se o tributo da política. O Estado democrático de Direito tem seus princípios fundamentais. A formulação das políticas tributárias e a instituição e cobrança de tributos exigem o pleno acatamento desses princípios. As regras e os princípios constitucionais tributários admitem a adoção de políticas tributárias diversas das que costumeiramente vem sendo adotadas pelos governos brasileiros. No Brasil, a rejeição social do modelo de tributação adotado pelos governantes escolhidos pelos cidadãos é um paradoxo que pode ser explicado quando se percebe a frágil representatividade dos partidos políticos. Palavras-chave: tributação, cidadania, democracia, política tributária, sociedade democrática, direito dos contribuintes. Abstract: Democracy is not only characterized by periodic choice of rulers, but by the adoption of certain values which are fundamental.  Equality and freedom are fundamental values of democracy. The democracy models oscillate between that, to assure the maximum of freedom of the individual, they preserve the existing inaqualities between the men, and the ones that, intending to equal the men, supress theirs freedom. It is impossible to separate the tribute of the politics. The democratic state of law has its fundamental principles.  The formulation of tax policies, and the imposition and collection of tributes, require the full observance of these principles.  The rules and principles of the Brazilian Constitution admit the adoption of fiscal policies different from that usually has being adopted by the Brazilian governments. In Brazil, the social rejection of taxation model adopted by the rulers chosen by the citizens is a paradox that can be explained when one realizes the weak representation of political parties. Keywords: taxation, citizenship, democracy, fiscal policy, democratic society, taxpayer rights. Sumário: 1.  Tributo e política. 2.  Os fins do Estado. 3.   O custeio das despesas estatais. 4.  A Política Tributária e a Política Fiscal. 5. Conceito de tributo. 6.  A finalidade do tributo. 7.  A escolha dos devedores. 8.  O Direito Tributário como a instrumentalização jurídica das opções políticas do legislador. 9. Governo e Democracia. 9.1.  A democracia representativa. 9.2.   O mandato político. 9.3.   A democracia pelos partidos. 9.4.  Os valores básicos da democracia. 10.   Tributo e Democracia na Constituição brasileira de 1988. 10.1.   O Sistema Tributário Nacional. 10.2.   O princípio da estrita legalidade da tributação. 10.3.   As matérias sob reserva de lei. 10.4.   O princípio da igualdade. 10.5.   A irretroatividade da lei. 10.6.   As imunidades tributárias. 11.   Propostas em defesa da ampliação do conteúdo democrático das políticas tributárias e fiscal. Referências bibliográficas. 1.  Tributo e política É impossível dissociar o tributo da política.  A imposição tributária decorre de opções políticas, sendo que o dinheiro arrecadado pelo governo necessariamente será usado em conformidade com  opções políticas. A arrecadação tributária onera setores sociais, sempre de forma desigual; a política fiscal encaminha os gastos públicos em conformidade com opções políticas, dando tratamento desigual a seus destinatários. A íntima relação entre o tributo e a política fica evidenciada, em uma perspectiva histórica, quando se analisa a evolução das instituições político-jurídicas da Humanidade. O tributo sempre esteve na raiz das grandes transformações políticas e jurídicas da sociedade.  Para citar apenas os exemplos mais conhecidos, a denominada Magna Carta de 1215, o Bill of Rights, o Constitucionalismo do século XVIII, a Revolução das Colônias Britânicas da América do Norte, a Revolução Francesa, a Inconfidência Mineira: todas tiveram no tributo o seu motor. A questão tributária é apenas um aspecto de uma outra questão política mais abrangente, relativamente aos fins do Estado.  Isto porque as despesas públicas são função das atividades exercidas pelo Estado, no fornecimento de bens e serviços aos jurisdicionados.   As pressões políticas para que o Estado amplie sua participação na vida econômica e social de seus súditos acarretam o aumento dos gastos públicos e, por via de conseqüência, exigem que os recursos correspondentes sejam auferidos pelo Governo. A legislação tributária é o instrumento pelo qual as opções políticas, referentes ao financiamento dos gastos públicos,  são aplicadas.  Isto evidencia que a tão decantada reforma tributária, que o reformismo crônico do discurso político em voga nos meios de comunicação não se cansa de pregar, somente poderá ser eficazmente equacionada com a correta apreensão dos fenômenos envolvidos. O governo equilibra-se entre as reivindicações de maior presença dos poderes públicos no fornecimento de bens e serviços e a oposição feita por aqueles que terão que pagar por isso. Há uma contínua tensão na sociedade e esses conflitos devem ser resolvidos no interior da própria sociedade, com observância dos princípios ditos democráticos. 2.  Os fins do Estado O debate sobre as atribuições que devem ser dadas ao  Estado é perfeitamente conhecido.  A resposta a essa indagação vincula-se à ideologia. O movimento constitucionalista do século XVIII, na ânsia de proteger o indivíduo, elaborou um modelo político onde ao Estado eram atribuídas reduzidas funções, relacionadas com a manutenção da ordem pública, ao contato com outros Estados e à distribuição de justiça entre os particulares. Na concepção de seus formuladores, o Estado era entendido como um mal necessário, que deveria ser mantido com estrutura mínima. No entanto, as reivindicações políticas dos membros da sociedade, decorrentes da adoção do sufrágio universal e da expansão da organização política dos setores mais pobres da população, foram gradativamente ampliando as funções do Estado.  É fato amplamente conhecido que as revoluções mexicanas e soviéticas, no começo do século XX, impulsionaram a concepção de que o Estado não poderia ficar alheio aos problemas sociais e econômicos.  O modelo liberal, oitocentista, ficou superado.  A duas grandes guerras mundiais e as contradições internas do próprio sistema capitalista permitiram a consolidação do Estado intervencionista.  As discussões passaram a girar em torno do grau de intervenção estatal que se deveria admitir como adequado. O Estado moderno agigantou-se, e o poder público transformou-se em uma complexa organização, separando-se a Administração Direta da  Administração Indireta, surgindo as autarquias, as empresas públicas, as fundações públicas e as sociedades de economia mista. A poderosa máquina estatal exige gerenciamento técnico e profissional, havendo fluxo permanente de receitas e despesas. 3.   O custeio das despesas estatais Os recursos financeiros para o atendimento das necessidades do poder público são obtidos a partir das denominadas receitas originárias (decorrentes do próprio patrimônio do Estado, como os dividendos pagos pelas empresas estatais) e das receitas derivadas (como os tributos), da emissão de títulos públicos (para a obtenção de empréstimos), e da emissão de moeda. As denominadas receitas originárias atingem pequeno montante.  A emissão de moeda, sem os rígidos controle de uma política monetária eficaz, ocasiona inflação, e as experiências vividas pelos diversos países, inclusive o Brasil, demonstraram não ser esse um caminho economicamente adequado. Restam as duas alternativas mais importantes: a captação de recursos mediante a emissão de títulos públicos (o que aumenta a divida pública) e a arrecadação tributária. A arrecadação tributária representa o ingresso mais significativo.  Aliás o financiamento da administração pública mediante empréstimos torna o Estado devedor, e essa dívida terá que ser paga com recursos que, normalmente, serão obtidos pela arrecadação tributária. 4.  A Política Tributária e a Política Fiscal A ampla gama de atribuições assumidas pelo Estado acarreta a eleição de prioridades do poder público, tendo em vista que os recursos econômicos disponíveis são finitos.  Há uma contínua tensão entre a busca de recursos e a efetividade das políticas públicas. Em decorrência, passam a serem relevantes a Política Tributária e a Política Fiscal.  A Política Tributária direciona a captação dos recursos de origem tributária.   O governo deve definir onde irá buscar os recursos necessários para o custeio das despesas públicas.  A Política Fiscal define as aplicações desses recursos. Em cada um desses polos opostos decisões políticas são tomadas.  Essas decisões são adotadas pelos governantes.  Essa constatação evidencia a importância de serem conhecidos os mecanismos pelos quais surgem os governantes, e de como eles se mantêm no poder. Constata-se que na sociedade há uma minoria que governa e a imensa maioria é governada.  É da própria natureza das coisas que o governo seja exercido por uma minoria As formas pelas quais os governos se instalam e se mantêm  nas sociedade têm sido alvo da indagação dos filósofos, que há séculos refletem sobre o tema.  A moderna Ciência Política ajuda a lançar alguma luz sobre essa realidade. Os governantes, nas democracias, são escolhidos pelos governados.  Esses governantes cercam-se de assessores e auxiliares, havendo a formação de uma poderosa cúpula de técnicos e burocratas,  sem mandato político, ávidos por dinheiro. Os mecanismos de implantação das políticas tributária e fiscal passam a ser considerados de natureza técnica, sob gerenciamento dos técnicos governamentais. Surge, assim, paralelamente ao poder dos governantes escolhidos pelos cidadãos, o poder da tecnocracia. 5. Conceito de tributo O tributo, no sentido de entrega compulsória de bens ou serviços aos governantes, revela sua presença desde os albores da História.  “Tributo e governo” é uma constante nas sociedades humanas. A noção de tributo depende da estrutura econômica e jurídica da sociedade e do próprio Estado. O tributo é uma realidade complexa, podendo ser analisado a partir de diversas perspectivas.  A pluralidade dos conceitos de tributo apresentada pelos estudiosos revela os múltiplos enfoques a partir dos quais  esse fenômeno pode ser apreendido.  Esses diversos conceitos podem ser integrados em uma visão multidisciplinar, que permite uma compreensão mais adequada do mundo real.  Assim, esses conceitos não se repelem, mas se integram; todavia, é preciso especial cuidado para não se mesclar os domínios das diversas ciências que podem ser desenvolvidas a partir do núcleo essencial do tributo. O núcleo essencial do tributo é a existência da entrega compulsória de prestação ao Governo, decorrente de uma relação de força, sem que tenha havido prévia concordância pessoal do devedor, com a finalidade de custear as despesas públicas. A evolução das relações sociais e o aprimoramento das instituições jurídicas lentamente transformaram a “relação de fato”, que inicialmente caracterizava a relação tributária, em “relação jurídica” e introduziram no conceito de tributo a concordância do devedor, que lhe foi imputada,  em razão de  a exigência tributária ter sido aceita pelo seu representante (“não há tributação sem representação”). As prestações compulsórias que os governantes têm exigido de seus súditos no decorrer dos tempos amoldaram-se às peculiaridades das épocas e dos locais. Em épocas pretéritas, o objeto dessas prestações era mais diversificado  que o atual,  admitindo-se a entrega de produtos rurais ou industriais, além de pedras e metais preciosos e, obviamente, de dinheiro.  Essas prestações incluíam também a entrega de serviços aos governantes (como, exemplificativamente, do serviço militar). Há muito o conceito de tributo foi circunscrito à entrega compulsória de recursos financeiros ao Estado, com a finalidade preponderante de custeio dos serviços públicos.  O controvertido art. 3º do Código Tributário Nacional apresenta o conceito jurídico de tributo, adotado pelo direito positivo:  “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Por outro lado, o Estado contemporâneo obriga o particular a entregar tais recursos não somente ao próprio Estado, mas também a terceiros (as denominadas contribuições parafiscais), o que revela uma ampliação da abrangência da noção de tributo. 6.  A finalidade do tributo O tributo implica transferência de recursos privados para o Governo.  Ínsita nesta constatação está a concepção da existência de tais recursos privados, razão pela qual não se poderia falar em tributo em uma economia totalmente socializada. Embora se possa admitir que a finalidade da cobrança de tributos é a de financiar os gastos do Governo, a evolução das instituições políticas e jurídicas da sociedade implicaram a adoção de tributos com finalidades outras. É que os aspectos relacionados com a análise econômica da tributação mostram que a tributação não é economicamente neutra, e afeta as decisões dos agentes econômicos.  Com efeito, a interferência da carga tributária sobre os diversos aspectos da economia acarreta modificação no comportamento desses agentes econômicos. Assim, exemplificativamente, a tributação afeta a renda disponível do contribuinte, alterando suas opções de compra; a tributação aumenta  o custo de produção e, por conseqüência, o preço do produto. Por tais razões, o Governo pode exigir tributo com a finalidade de intervenção no domínio econômico, tendo importância secundária a própria arrecadação financeira que essa intervenção venha a produzir.  Em uma situação extrema, é possível a instituição de tributo com a finalidade de não arrecadar mais recursos, mas a de inibir uma atividade econômica entendida como prejudicial. Essa tributação punitiva[1] pode ocorrer em circunstâncias tais como a da elevação dos direitos aduaneiros (inibindo a ocorrência de importações) ou a de elevada alíquota sobre produtos alcoólicos ou sobre o fumo (que acabam arrecadando menos dinheiro do que ocorreria se a alíquota fosse menor, em virtude da inibição do consumo). Os estudiosos referem-se a esses aspectos do tributo com o nome de “efeitos extrafiscais” da tributação. 7.  A escolha dos devedores Os governantes devem previamente escolher os devedores dos tributos, isto é, definir quais pessoas deverão pagar os tributos ao poder público.  A escolha dos devedores é política.  Assim, mediante a edição de leis, são definidos os fatos geradores da relação jurídica tributária, as bases de cálculo e alíquotas e os devedores da prestação tributária.   Os formuladores da política tributária do governo (geralmente, os tecnocratas sem mandato político) fazem as opções de tributação e os cálculos. No entanto, cabe ressaltar que, no Brasil,  os tributos já se encontram previstos na Constituição, que estabelece as competências tributárias dos legisladores,  e as leis que os criam permanecem produzindo efeitos, independentemente da mudança de governantes.  Por esse motivo, a substituição dos governantes, e até mesmo a alteração de partidos no governo,  somente produzirá efeitos na política tributária e na legislação tributária se houver fortes razões para isso. Ao contrário do que ocorria no passado, a aprovação do Orçamento  não é mais condição para a cobrança dos tributos. As leis tributárias permanecem em vigor até serem revogadas ou alteradas.  A vigência das leis tributárias garantem um fluxo constante de recursos para o governo. Em uma sociedade democrática é crucial que a escolha dos que irão pagar os tributos, e o montante de tributos que serão exigidos,  seja feita com estrita obediência às diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição, preservando-se os valores básicos da democracia.  A instituição de tributos exige um procedimento formal, com a edição de lei.  No entanto, é também fundamental que a lei tenha rigorosamente atendido aos princípios constitucionais. A escolha daqueles que irão pagar é feita a partir de critérios políticos, respeitando-se as diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição. Assim, ao lado dos valores essenciais à democracia, como a liberdade, a igualdade e a propriedade, os tributos podem estar sujeitos a princípios próprios, exigidos pelo ordenamento constitucional.  Por exemplo, o imposto de renda deve adotar a progressividade; e o imposto sobre produtos industrializados deve ser seletivo em função da essencialidade do produto. 8.  O Direito Tributário como a instrumentalização jurídica das opções políticas do legislador A formação do Direito Tributário, que evoluiu a partir do Direito Administrativo e do Direito Financeiro, foi impulsionada pela publicação do Código Tributário Alemão, no começo do século XX. O desenvolvimento do Direito Tributário foi contemporâneo do desenvolvimento das próprias concepções de democracia, que convulsionaram o ambiente político e jurídico do século XX.  Por essa razão, os progressos no campo do Direito Constitucional refletiram-se no Direito Tributário, que absorveu os valores democráticos e busca dar-lhes expressão ao moldar os institutos jurídicos da tributação. No caso brasileiro, o sistema tributário é estruturado pela própria Constituição Federal, de forma bastante analítica, com ampla interseção entre o Direito Constitucional, direito essencialmente político, e o Direito Tributário (onde o tecnicismo encontra-se presente de forma acentuada). Os institutos de Direito Tributário proclamam os princípios fundamentais em uma democracia,  tais como o da legalidade da tributação, o da igualdade, o da vedação do confisco (reconhecendo a legitimidade da propriedade, direito assegurado pela Constituição Federal). O lançamento de tributos, conforme expressa o parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional, é obrigatório e vinculante para as autoridades fiscais, sob pena de responsabilidade funcional.  Portanto, retira-se da autoridade fiscal a possibilidade de deixar de cobrar o tributo devido (favorecendo alguns contribuintes, com desrespeito ao princípio democrático da igualdade) ou cobrá-lo maior do que o devido (com desrespeito ao princípio democrático da estrita legalidade da tributação). As leis tributárias asseguram ao contribuinte o direito de apresentar impugnações e recursos administrativos contra as exigências tributárias que lhe sejam feitas, tendo essas impugnações e recursos efeitos suspensivos da exigência.  Além disso, é assegurado ao contribuinte, em qualquer tempo, dirigir-se ao Poder Judiciário contra a Administração Tributária, alternativamente à defesa administrativa, ou em seqüência desta, caso discorde da decisão administrativa.  Dessa forma, há observância do comando da Constituição que veda à lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (Constituição Federal, art. 5º, XXXV). A cobrança de tributos, administrativa ou judicial,  somente pode ser feita com obediência ao devido processo legal, assegurado o contraditório e a ampla defesa (Constituição, art. 5º, LV). O sigilo fiscal, que impede a divulgação por parte da Administração Pública ou de seus servidores de informação “obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”, é assegurado pelo art. 198 do Código Tributário Nacional. O Direito Tributário não se limita às normas expedidas pelo legislador, mas admite pluralidade de fontes, o que garante a  flexibilidade da ação administrativa.  Todavia, os atos normativos expedidos pela Administração Tributária devem observar rigorosamente, sob pena de invalidade, os princípios democráticos e os comandos constantes das normas hierarquicamente superiores.  Em conformidade com o  art. 96 do Código Tributário Nacional a legislação tributária “compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. Em um Estado de Direito as decisões governamentais devem ser formalizadas em atos jurídicos apropriados, e as competências normativas das autoridades fazendárias, quer na  implementação da Política Tributária do governo, quer na execução da legislação tributária, somente serão legítimas e juridicamente válidas se derem perfeito acatamento às normas e princípios explícitos ou implícitos da Constituição. 9. Governo e Democracia A crença de que o poder do governante tem origem divina predominou na maior parte da História da Humanidade. Com efeito, é do apóstolo Paulo a afirmação de que “não há poder que não venha de Deus” (Romanos, XIII,1).  As conseqüências dessa frase nas lutas políticas na Europa e na América são bastante conhecidas. A relação entre os súditos e os governantes estava, assim, na dependência de concepções religiosas.  Nessa perspectiva, a soberania era atributo do monarca. No entanto, já na Antigüidade houve a afirmação de pertencer ao povo a soberania, e de o poder do governante ter sua origem na vontade dos súditos. É clássica, nos manuais de Direito Constitucional, a referência a três formas de governo: a monarquia, a aristocracia e a democracia. A propósito das formas de governo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho recorda a Política de Aristóteles, onde se diferencia as formas legítimas (“que buscam o interesse geral”) e as formas ilegítimas (“que visam ao interesse de alguns, mormente dos governantes”). E acrescenta: “Três são as formas legítimas: a monarquia (governo de um só em proveito de todos), a aristocracia (governo de uma minoria – dos melhores ou mais capazes – em proveito geral) e a república (ou a democracia, para alguns tradutores, o governo da maioria mas em benefício de todos).  As ilegítimas são: tirania (governo de um só mas em benefício de uma minoria, ou do próprio tirano), oligarquia (governo da  minoria dos mais ricos em benefício próprio) e demagogia (ou democracia, conforme o tradutor, o governo da maioria explorada pelos demagogos em vista do interesse de alguns, em prejuízo da maioria”.[2] A lição de Aristóteles permite que se distingam governos legítimos e governos ilegítimos, tendo-se em vista o objetivo do governante: será legítimo o governo que visa o benefício de toda a sociedade.  Assim, até mesmo o governo da maioria será ilegítimo se visar ao interesse de alguma minoria.  Nessa perspectiva, um governo aristocrático pode ser legítimo ser visar ao benefício de toda a sociedade. Não obstante seja sedutora a idéia de democracia, e  as pessoas, em geral,  gostarem de dizer-se democratas, a verdade é que o conceito de democracia não é claro, e sempre esteve sujeito a acaloradas polêmicas, do que resultam democracias adjetivadas: “democracia direta”, “democracia representativa”,   “democracia liberal”, “democracia popular”, “democracia marxista”, “democracia cristã”, “democracia social”.  No Brasil, durante o período militar posterior a 1964, houve quem reconhecesse a existência da “democracia relativa”.  PINTO FERREIRA assinala que “Trata-se de uma idéia que a princípio parece muito simples, apresenta-se claramente ao entendimento do estudioso, porém sobre ela dissentem os doutores no tocante à sua exata compreensão.”[3] A definição mais singela é a literal: democracia é o governo do povo, distinguindo-se da aristocracia,  da monarquia e da teocracia. É, também, corrente a definição de que a democracia é “o governo do povo, pelo povo e para o povo”.  No entanto, é problemático dizer-se que o povo se autogoverna.  É nítida a existência de governantes e de governados. Uma tradicional classificação da democracia a distingue em dois tipos: a democracia direta e a indireta. Constata Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a democracia direta, (“aquela em que as decisões fundamentais são tomadas pelos cidadãos em assembléia”) é apenas uma reminiscência histórica.[4] O modelo clássico de democracia direta foi a ateniense, na Antigüidade.  Conforme salienta o autor citado, o supremo poder na democracia ateniense era atribuído a todos os cidadãos, todo cidadão ateniense tinha o direito de participar da assembléia onde as decisões eram tomadas, com direito de palavra e voto.  Todavia, nem todos os homens eram cidadãos.  A qualidade de cidadão era hereditária e, de forma geral, somente concedida aos filhos de atenienses, ficando excluídos os estrangeiros e os descendentes de estrangeiros, além das mulheres.[5] Constata-se, pois, que nem no “modelo clássico” de democracia direta o povo, entendido como as pessoas residentes em determinado território e sujeitas a determinado governo, se autogovernava. A democracia direta não é adotada modernamente sob a alegação de que não seria possível reunir milhões de cidadãos em assembléias freqüentes; além disso, o povo não teria capacidade para “compreender os problemas técnicos e complexos do Estado-providência”.[6] 9.1.  A democracia representativa Na democracia indireta o povo é governado por meio de pessoas escolhidas para a função de governar.[7] Há, assim, na democracia indireta, o problema da escolha das pessoas que irão governar. Os escolhidos exercerão o governo em nome do povo.  Portanto, na democracia indireta (isto é, em todas as democracias modernas) o povo não se governa, mas é governado pelos escolhidos para isso. As idéias vitoriosas na Revolução Francesa tornaram-se o fundamento teórico da chamada democracia representativa.  A burguesia ascendeu ao poder, sobrepondo-se à nobreza e ao clero, e carregando a bandeira dos ideais de igualdade e liberdade. Na ideologia desses revolucionários o indivíduo era percebido  como a grande realidade, os indivíduos deviam ser livres, sendo a sociedade apenas a decorrência do contrato social celebrado pelos  indivíduos. A propriedade privada e a liberdade de contrato eram vistas como direito natural. Os enciclopedistas propagaram esses ideais do Iluminismo, proclamando que a Natureza e a Razão orientariam os Indivíduos a encontrar a  Felicidade. Nessa cosmovisão, seria imprescindível a participação de todos os membros da sociedade, reunidos  em assembléia, para debater  e aprovar a Constituição e as leis. No entanto, percebendo-se que essa proposta não pode ser concretizada, tornou-se necessária a elaboração de uma teoria que justificasse a realização de assembléia sem a participação da maioria, mas que ao mesmo tempo adotasse decisões obrigatórias para todos os indivíduos. O impasse foi habilmente contornado com a elaboração da doutrina que veio a se tornar conhecida como democracia representativa, modalidade de democracia indireta, que uniu as idéias de Montesquieu com as noções então geralmente aceitas  relativas ao Direito Natural. A doutrina da democracia representativa distingue os membros da  sociedade, separando-os  em governados e governantes. Os governantes são considerados representantes dos governados, e nessa condição adotam as decisões políticas e legislam em nome dos representados. A impossibilidade de serem realizadas assembléias com a presença de todos os cidadãos, e a certeza de que a maioria dos cidadãos não estaria apta a decidir as questões que seriam submetidas à apreciação da assembléia, serviram de pretexto para a adoção desse modelo de democracia. De acordo com o pensamento dominante à época, embora o cidadão comum não esteja apto para gerir os negócios públicos,  sabe escolher aqueles que estão habilitados para governar. Destarte,  o eleitor saberia discernir o melhor candidato. Constata-se que, apesar de aclamar como valores supremos a igualdade, a liberdade e a fraternidade, os revolucionários do final do século XVIII acabaram afastando do poder a maior parte da população. No entanto, para esses revolucionários esse fato era irrelevante,  tendo em vista que no seu ideário a função de legislar consistia apenas na  positivação do Direito Natural. Prevalecia naquele tempo a convicção da racionalidade da lei que, em conformidade com a expressão tomista, é “a ordenação da razão“, visando ao bem comum, feita e promulgada pelo legislador. Em conformidade com esse modo de pensar,  o direito não seria criado pelo legislador, pois o direito precederia ao próprio legislador, cuja missão seria a de encontrá-lo,  explicitá-lo e positivá-lo, o que se faz por meio da edição de um texto escrito, para que os demais participantes da sociedade dele tomem conhecimento e o acatem. Decorre do exposto que, na concepção predominante à época da adoção da democracia representativa, a  positivação do direito resumir-se-ia  à descoberta da solução mais justa para cada um dos possíveis conflitos humanos e à sua divulgação  para conhecimento das demais pessoas. Assim, haveria sempre a lei justa para solver cada conflito, e qualquer pessoa que tivesse inteligência e conhecimentos necessários descobriria essa lei. Diante disso, irrelevante a quantidade de deputados que representasse o povo, bastava apenas que os mais capacitados fossem escolhidos. Se o conjunto dos representantes fosse substituído por outro, a lei a ser aprovada continuaria sendo a mesma. Esse ponto de vista parecia suficiente para conciliar a idéia de igualdade, com o fato de que poucos cidadãos efetivamente participavam do governo. A própria noção de cidadania não tinha, na época, a abrangência contemporânea, eis que somente pequena parte da população tinha direitos políticos. O direito de votar, precavidamente, ficou reservado aos que possuíam renda acima de determinado valor. O voto censitário garantia o caráter aristocrático da “democracia representativa”.  Segundo FERREIRA FILHO, para a doutrina política helênica, a eleição era um método aristocrático de seleção dos governantes, enquanto o sorteio é que era considerado o modo democrático.[8] 9.2.   O mandato político O mandato político se diferencia do mandato de direito privado em diversos aspectos.  No direito privado, o mandante, em geral, pode revogar o mandato, além de estabelecer as regras que o mandatário deve observar no exercício do mandato, sendo que o mandatário está sujeito a prestação de contas.  No mandato político, o mandatário (o eleito) não está juridicamente subordinado ao eleitor, não tendo que lhe prestar contas. O eleito é considerado “representante” de toda a população e não somente dos eleitores que nele votaram.  Aliás, o eleito não sabe sequer quem nele votou, eis que adota-se o voto secreto. No Brasil, o voto secreto foi estabelecido como “cláusula pétrea”, não podendo ser abolido (Constituição Federal, art. 60,§ 4º, II). No mandato político, imputa-se ao representado a vontade do representante.  Isto é, o eleito toma as decisões que julga adequadas, e entende-se que o eleitor quis essas decisões. 9.3.   A democracia pelos partidos A idéia original defendida por Montesquieu sustentava que, embora nem todos os homens tivessem a capacidade para governar, todos os homens teriam a  capacidade para escolher os representantes.  Isto se daria porque cada eleitor escolheria alguém que conhecesse e em quem reconhecesse a capacidade para “administrar os negócios” públicos. No entanto, as  “democracias” evoluíram para as denominadas “democracias pelos partidos”, onde o eleitor já não mais indica alguém que conheça, mas deve escolher alguém em uma lista de estranhos que lhe é apresentada pelos partidos políticos.  Os partidos políticos têm o monopólio das candidaturas e, de uma forma geral, os partidos políticos não têm, internamente, estrutura “democrática” (vale dizer, nem sempre os filiados ao partido conseguem escolher o nome daqueles que serão apresentados como os candidatos do partido). Deve ser acrescentado que, em decorrência de a “democracia pelos partidos” aceitar o sistema eleitoral proporcional,  o eleitor vota em um candidato de uma lista, sendo que o voto será atribuído ao partido, podendo eleger outro candidato, não votado pelo eleitor. Essa situação trouxe o descrédito no mandato político.  O eleitor, embora tendo votado, não se sente representado, e  procura fazer valer sua opinião política pelos meios os mais diversos.  O eleitor e os grupos sociais passaram a pressionar os políticos das mais diversificadas formas. Surgiram, assim, os grupos de pressão, cuja existência demonstra a discutível legitimidade do sistema eleitoral. Além disso, a maioria dos eleitores não vê significativas diferenças nos programas dos partidos políticos. 9.4.  Os valores básicos da democracia Apesar das distorções políticas na escolha dos governantes, a noção de democracia tem-se imposto pela aceitação de que essa modalidade de organização política agasalharia alguns valores básicos, resultantes da longa evolução da sociedade humana. Ao examinar os valores e fatores condicionantes da democracia, acentua Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Fundamentalmente são dois valores que inspiram a democracia: liberdade e igualdade, cada um destes valores, é certo, com sua constelação de valores secundários.  Não há concepção de democracia que não lhes renda vassalagem, ainda que em grau variabilíssimo.  E pode-se, até, conforme predomine este ou aquele valor, distinguir as concepções liberais das concepções igualitárias de democracia”.[9] José Afonso da Silva critica os autores que concebem apenas um “conceito estático” de democracia, eis que segundo esse autor a democracia é um processo dialético que “vai rompendo os contrários, as antíteses, para, a cada etapa da evolução, incorporar conteúdo novo, enriquecido de novos valores”.[10] Esse autor reconhece que a doutrina afirma que a democracia repousa sobre três princípios fundamentais: o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade.  E, a seguir, acrescenta: “Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número, isto é, a maioria, mas também disse que a alma da democracia consiste na liberdade, sendo todos iguais”.[11] 10.   Tributo e Democracia na Constituição brasileira de 1988 A Constituição é, ao mesmo tempo,  a decisão política fundamental da sociedade e o documento jurídico básico. Portanto, é na Constituição que se encontram os primeiros alicerces relativos ao equacionamento das políticas tributária e fiscal. A Constituição brasileira de 1988, já no preâmbulo proclama sua vocação democrática ao afirmar que os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, tinham por objetivo “instituir um Estado democrático”. O art. 1º da Constituição assegura que a República Federativa do Brasil constitui-se em “Estado democrático de direito”[12], e o parágrafo único arremata: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Por outro lado, o art. 3º enumera os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre os quais incluem-se “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos…”. Resulta cristalinamente do texto constitucional a adoção do regime democrático, para a obtenção dos objetivos enumerados.  A Constituição constrói um Estado intervencionista na ordem econômica e social, mas exige que essa intervenção seja feita democraticamente. As ações estatais em busca da efetivação de seus objetivos exigem aportes financeiros de grande magnitude.  Os princípios democráticos devem ser observados na formulação concreta das ações estatais e nas definições das fontes de financiamento dessas ações. A questão financeira vem amplamente tratada no Título VI da Constituição, sob o nome de “Da Tributação e do Orçamento”.  Nesse título, o Estatuto Supremo estabelece a estrutura jurídica do “Sistema Tributário Nacional” (Capítulo I) e das “Finanças Públicas” (Capítulo II). Ao disciplinar a questão tributária e orçamentária, a Constituição define e preserva os valores que são essenciais para a  construção e manutenção de uma sociedade democrática. 10.1.   O Sistema Tributário Nacional O texto constitucional traz minuciosa descrição da estrutura jurídica do denominado sistema tributário nacional, dispondo sobre os “princípios gerais” (art. 145 a 149-A), “as limitações do poder de tributar” (art. 150 a 152), os “impostos da União” (art. 153 a 154), os “impostos dos Estados e do Distrito Federal” (art. 155), os “impostos dos Municípios” (art. 156) e a “repartição das receitas tributárias” (art. 157 a 161). As regras do denominado Sistema Tributário Nacional, estruturado no texto da própria Constituição, e desenvolvido no Código Tributário Nacional,  deve ter aplicação uniforme em todas as esferas autônomas de governo, dentro da Federação brasileira. Ao dispor sobre as limitações ao poder de tributar, a Constituição assegura certos direitos clássicos dos contribuintes, conquistados em árdua luta no decorrer da História, e associados ao desenvolvimento da noção de democracia. Entre esses direitos podem ser ressaltados os relativos ao denominado “princípio da legalidade”,  ao “princípio da isonomia”, “princípio da anterioridade em relação ao exercício de cobrança”; “princípio da capacidade contributiva”, “princípio do não-confisco”. Esses princípios abrigam certos valores caros na construção e conservação da “democracia”. 10.2.   O princípio da estrita legalidade da tributação O princípio da estrita legalidade da tributação, contemplado pelo inciso I do art. 150 da Constituição, veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça.  Tal princípio exige, portanto, a participação do órgão legislativo na instituição ou majoração de tributos. É a tradução moderna de outro importante princípio, segundo o qual “não há tributação sem representação”.  O princípio visa a assegurar que o governante não poderá cobrar tributo que não tenha sido autorizado pelos representantes dos contribuintes.  A História registra que esse princípio foi uma das exigências dos barões revoltados contra o rei João sem Terra, em 1215, na Inglaterra.  O rei teve que fazer a concessão, e o princípio foi insculpido na denominada Magna Carta.  Posteriormente, o princípio foi desrespeitado e os contribuintes conseguiram novamente impô-lo (“Bill of Rights”, em 1689). O próprio movimento que culminou com a revolta dos colonos britânicos na América do Norte, e a formação dos Estados Unidos da América, resultou do desrespeito ao princípio de que “não há tributação sem representação”. Em sua formulação contemporânea, esse princípio exterioriza a concepção democrática da representação.  Ressalte-se que o contribuinte deverá aprovar a instituição ou majoração dos tributos por meio de seus representantes, não se exige a aprovação direta por parte de cada um dos contribuintes.  Conforme anteriormente assinalado, a democracia representativa é modalidade de “democracia indireta” onde imputa-se ao eleitor a vontade do eleito.  Isto significa que quem quis o tributo foi o eleito e não o eleitor. Essa característica do mandato político permite o paradoxo dos “representantes eleitos” e a rejeição dos tributos aprovados por esses “representantes”.  Tem sido entendido que o termo “lei” inclui a lei ordinária (ou a lei complementar, conforme o caso) e as medidas provisórias.  Na vigência da Constituição anterior os tribunais entenderam como constitucional a instituição ou majoração de tributos por meio de decreto-lei. O desenvolvimento histórico da aplicação do princípio “não há tributação sem representação” exigiu a lei, aprovada pelos representantes, como condição para a tributação.  É que o tributo seria cobrado pelo monarca, cujo poder não derivava de escolha popular.  Hodiernamente, o tributo é cobrado pelo Poder Executivo, cujo titular é eleito pelo povo, à semelhança do que ocorre com os parlamentares.  Assim, a instituição de tributo por decreto do Poder Executivo, à primeira vista,  poderia ser entendida como tendo satisfeito o mencionado princípio, eis que o chefe do Poder Executivo pode reivindicar o título de “representante do povo”, tanto quanto o fazem os parlamentares. Há, porém, nova razão para a exigência de lei na instituição ou majoração de tributo. O princípio visa a coibir abusos do Poder Executivo, que premido por necessidades financeiras, poderia ser compelido a instituir tributo em excesso.  O princípio da legalidade exige a submissão da tributação ao Poder Legislativo e, dessa forma, o debate público a respeito da matéria, e a sua submissão a espectro político mais vasto que o Governo. A tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional atende a valores importantes em uma democracia, como seja o da publicidade e do debate público da matéria  a ser votada, permitindo que setores sociais que se oponham ao projeto possam manifestar-se e trazer seus argumentos. Esses valores ficam parcialmente prejudicados quando é utilizada a medida provisória, pois a edição da norma é gestada, muitas vezes sem a publicidade devida, no seio do Poder Executivo, vindo os contribuintes a tomarem conhecimento dela com sua publicação e encaminhamento ao Congresso Nacional.  As denominadas “medidas provisórias” representam retrocesso no procedimento de elaboração legislativa, e têm permitido abuso por parte do Poder Executivo, com violação de direitos fundamentais em uma democracia; o confisco da poupança, de infeliz memória, é um dos mais salientes exemplos. Na elaboração das medidas provisórias, ou no encaminhamento de projetos de lei ao Congresso Nacional, abordando matéria tributária, nota-se a poderosa influência da tecnocracia.  A tentativa de transformar em questão técnica as opções nas formulação da Política Tributária é um dos problemas delicados na evolução e aprimoramento da democracia.  Montesquieu entendia que o eleitor não está capacitado para governar, devendo limitar-se à escolha dos governantes, a tecnocracia moderna entende que os escolhidos pelo povo não estão capacitados para adotarem as opções políticas corretas, devendo submeter-se aos “critérios técnicos”  estabelecidos nos fechados ambientes dos tecnocratas. 10.3.   As matérias sob reserva de lei Por determinação do art. 146-II da Constituição, cabe à lei complementar “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”. Ainda na vigência da Constituição anterior, o Código Tributário Nacional disciplinou, no art. 97,  o princípio da estrita legalidade da tributação, enumerando analiticamente as matérias que estão sob reserva de lei: “a instituição de tributo ou sua ou a sua extinção”, “a majoração de tributos, ou sua redução”, “a definição do fato gerador da obrigação tributária principal e do seu sujeito passivo”, “a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo”, “a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas” e “as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades”. A preocupação em garantir a exata observância do princípio da estrita legalidade da tributação induziu o Código Tributário Nacional à enumeração, com redundância, das matérias insertas na reserva de lei.  Relativamente à majoração de tributos, sua redução e à fixação de alíquotas, são excetuados aqueles tributos aos quais  a Constituição atribuiu ao Poder Executivo competência para alterar as alíquotas, “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei” (§ 1º do art. 153 da Constituição). Ao facultar ao Poder Executivo, atendidas as condições e  limites fixados em lei,  alterar as alíquotas do “Imposto de Importação”, do “Imposto de Exportação”, do “Imposto sobre Produtos Industrializados”, e do “Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários”, a Constituição equilibrou os valores protegidos pelo princípio da estrita legalidade com os valores econômicos decorrentes das funções extrafiscais dos tributos mencionados. É que a Política Tributária não desconhece as conseqüências extrafiscais dos tributos, e expressamente permite sua utilização com tais finalidades.  Os tributos mencionados constituem mecanismos que permitem rápida atuação do Governo sobre a economia, e a Constituição entendeu que não seria adequado privar o Governo desses instrumentos. As matérias sob reserva de lei estão relacionadas aos elementos essenciais da tributação, e afetam valores resguardados pelo ordenamento jurídico democrático. A definição do fato gerador da obrigação tributária, e do seu sujeito passivo,  implica a escolha de um fato de conteúdo econômico, manifestador de capacidade contributiva, imputável ao sujeito passivo ou com ele relacionado.  A definição da base de cálculo e da alíquota exige  a avaliação da capacidade contributiva do sujeito passivo. A fixação dos elementos quantitativos da obrigação tributária decorre de avaliação discricionária do legislador, e constitui outro momento delicado no funcionamento da democracia.  É que a tributação colide com o princípio constitucional que garante a propriedade. A mesma Constituição que garante a propriedade dá ao legislador e ao Governo o poder de retirar do proprietário a parcela de seu patrimônio correspondente ao tributo a ser pago.  A busca do equilíbrio entre o direito de propriedade e a exação tributária deve ser um dos objetivos da Política Tributária. 10.4.   O princípio da igualdade Conforme já salientado, a igualdade é um dos pilares da democracia. Afirma  Américo Lourenço Masset Lacombe que “a isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional.  É o princípio básico do regime democrático”.[13]   A igualdade nas denominadas “democracias liberais” pretende a igualdade jurídica de todas as pessoas.  Essa igualdade formal não mais atende aos anseios da maioria, que pretende que as desigualdades injustas sejam removidas. O art. 3º, inciso III, da Constituição elege como objetivo fundamental da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.  O dispositivo não prevê a extinção das desigualdades, mas a sua redução. Em matéria de tributação, o inciso II do art. 150 veda aos entes federados “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. A igualdade deve ser observada não apenas no campo da definição da obrigação tributária principal, mas também no que concerne às exigências administrativas relativas à tributação e na fiscalização dos sujeitos passivos. O princípio da igualdade, que tem permitido grandes controvérsias nos diversos setores do direito, adquire peculiaridades no campo tributário. É notório que a igualdade entre os homens, essencial na democracia,  não significa que todos devam pagar o mesmo montante de tributos.  A desigualdade no mundo real faz com que haja desigualdade nas exigências tributárias.  O dever tributário corresponde à justiça distributiva e não à justiça comutativa. Por isso, a lei tributária leva em consideração essas diferenças econômicas, avaliando-as em diversos aspectos. No caso, o inciso II do art. 150 da Constituição veda tratamento desigual “entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”.  Assim, a equivalência da situação deve ser apreciada pelo legislador.  Na prática, essa apreciação não é fácil. Em uma sociedade heterogênea, cheia de interesses conflitantes, o legislador poderá distinguir duas situações equivalentes, introduzindo um critério para diferenciá-las e, assim, justificar a tributação diferenciada de cada uma delas.  A rigor, essa diferenciação deveria ser considerada inconstitucional, mas a doutrina e a jurisprudência tem admitido que se a diferenciação for razoável, ela pode ser aceita.  A própria noção de equivalência é equívoca. Exemplos não faltam.  A legislação do imposto de renda diferencia os rendimentos salariais dos rendimentos de aplicação financeira, e tributa-os diferenciadamente, podendo resultar menos gravosa a incidência sobre as aplicações financeiras.  Essa decisão da política tributária visa a estimular as aplicações financeiras (inclusive as provenientes do exterior) consideradas importantes pelas autoridades monetárias.  Assim, a política monetária (certa ou errada) influencia a política tributária, e passa a existir uma razão para tratamento diferenciado a situações equivalentes (o mesmo montante de rendimento será diferentemente tributado, conforme refira-se a salário ou a juros). A legislação tributária vigente tem permitido que o interesse administrativo possa ser responsável pela quebra da isonomia.  Veja-se o exemplo da tributação diferenciado do imposto de renda sobre aluguéis.  Se um proprietário alugar seu imóvel para uma pessoa jurídica, o imposto de renda deverá ser retido pelo locatário; caso a locação seja feita a uma pessoa física, o imposto de renda deverá ser pago, mensalmente, pelo locador (“carnê-leão”).  Essa diferença de tratamento poderá levar, dependendo do valor do aluguel pago, a incidência mais gravosa no caso de o inquilino ser pessoa física, além de ser instituída uma obrigação a mais para o contribuinte (o de ser responsável pelas antecipações, sujeitando-se a penalidades no inadimplemento dessas antecipações). A concessão de estímulos fiscais, como estratégia de política tributária, é muito freqüente, mas implica admissão de um critério que diferencia os contribuintes. O legislador resolve estimular um setor da economia, ou um segmento desse setor, concedendo-lhe um tratamento tributário distinto do tratamento geral às situações que poderiam ser consideradas equivalentes.  Observam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo  que “questão complexa é a relativa à compatibilidade entre isenções não gerais e o princípio da isonomia, especialmente nos casos em que a isenção é concedida a pessoas com grande poder econômico, em óbvia contradição com o princípio da capacidade contributiva”.[14] 10.5.   A irretroatividade da lei Entre os princípios constitucionais tributário inclui-se o relativo à irretroatividade da lei, que no campo tributário adquire feição própria. Assim, a alínea “a” do inciso III do art. 150 veda a cobrança de tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.  Na sistemática tributária, cabe à lei eleger os fatos reveladores de capacidade contributiva e instituir os tributos mediante a definição das hipóteses de incidência.  A Constituição assegura que os fatos ocorridos antes do início da vigência da lei não podem ser incluídos no fato gerador definido pela lei. É também vedada a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.  Trata-se do clássico princípio da “anterioridade em relação ao exercício de cobrança”, sucessor do antigo princípio da anualidade, que preserva o contribuinte da surpresa pela edição de leis instituindo ou majorando tributos. Houve um aperfeiçoamento do princípio da anterioridade, com a introdução, pela alínea c do inciso III do art. 150 da vedação de se cobrar tributo “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. 10.6.   As imunidades tributárias A Constituição preservou os valores fundamentais da democracia impedindo que o legislador possa prejudicá-los mediante o uso da tributação.  Com esse desiderato, foram estabelecidas vedações constitucionais que impedem o uso da competência tributária.  Nos casos de imunidade tributária, o legislador não detém competência para instituir o tributo. A relação de imunidades previstas no art. 150, VI, da Constituição contempla diversos objetivos. A  denominada “imunidade recíproca”, assegurada na alínea “a”  mira a preservação da Federação, evitando que a instituição de impostos possa onerar as finanças dos entes federados.  A noção de federação, como organização estatal, é um dos valores políticos mais relevantes na sociedade brasileira, sendo “cláusula pétrea” a sua manutenção. A alínea “b” consagra a imunidade dos “templos de qualquer culto”.  O objetivo é assegurar a liberdade religiosa, evitando que por meio da instituição de impostos possa haver perseguição a alguma entidade religiosa.  A amplitude que deve ser reconhecida a essa imunidade tem sido alvo de polêmicas. Além disso, há acusações de que entidades religiosas têm sido instituídas apenas com a finalidade de encobrirem negócios lucrativos e tributáveis. A alínea “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição veda a instituição de impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”. Os partidos políticos são considerados essenciais para a democracia, e a Constituição houve por bem preservá-los da incidência de impostos.  Destarte, impede-se a eventual perseguição política a partidos rivais daquele que esteja no exercício do poder.  Além disso, essa imunidade tem o condão de não criar dificuldades financeiras para a instituição de novos partidos, principalmente aqueles ligados às camadas mais pobres da população.  A imunidade dos partidos políticos liga-se à liberdade política dos cidadãos. A imunidade das entidades sindicais dos trabalhadores garante a liberdade sindical, impedindo que essa liberdade seja cerceada em razão de incidência de impostos. Na mesma trilha, a Constituição preserva da incidência de impostos o patrimônio, a renda ou serviços das instituições de educação e de assistência social, desde que não tenham fins lucrativos e atendam os requisitos da lei.  A liberdade de educação é uma das expressões da liberdade política dos cidadãos.  O dispositivo garante que o poder público não inibirá o florescimento de instituições de educação (sem fins lucrativos) mediante a instituição de impostos.  Portanto, ao lado das escolas públicas, podem ser instituídas escolas particulares que, se não tiverem fins lucrativos (isto é, se não distribuírem  lucros para seus instituidores), e desde que atendam os requisitos da lei, não terão seu patrimônio, renda ou serviços onerados por impostos.  Essas entidades ajudam cooperam com o desenvolvimento do país, sendo que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família (art. 205 da Constituição). Razões similares explicam a imunidade das instituições de assistência social sem fins lucrativos e que atendam os requisitos de lei.  Essas instituições cooperam com o próprio Estado, prestando a assistência social.  Não tendo fins lucrativos, a totalidade de sua receita é aplicada na assistência social.  O dispositivo garante que a liberdade de existência de assistência social privada, importante para que haja  o pluralismo na assistência social, não será inibido em razão de incidência de impostos. A alínea “d” do dispositivo constitucional em análise veda a instituição de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. Conforme é curial, há aqui a garantia de que o poder público não tentará inibir a liberdade de informação e de transmissão de pensamento, mediante a instituição de impostos.  É ínsita à democracia a liberdade de palavra, de comunicação e de transmissão de pensamento.  A História revela que nas sociedades não democráticas essa liberdade sempre foi cerceada, em benefício dos governantes. 11.   Propostas em defesa da ampliação do conteúdo democrático das políticas tributárias e fiscal Conforme salientou JOSÉ AFONSO DA SILVA, a democracia não é estática, e se desenvolveu ao longo da História, com a ampliação de seu conteúdo e a imposição de novos valores. A “democracia burguesa” instalada na maioria dos países, inspirada nos ideais  da Revolução Francesa, preocupou-se em garantir o direito dos indivíduos contra o Estado.  A Constituição Federal brasileira, ao definir o sistema tributário nacional, preocupou-se em proteger os direitos fundamentais do contribuinte, entre esses a liberdade, a igualdade e a propriedade.  Indiscutivelmente, esses valores são essenciais e devem ser protegidos. O contribuinte possui esses direitos constitucionalmente assegurados, para se defender contra alguma ofensiva do legislador, relativamente a seus direitos fundamentais.  Entende-se por contribuinte a pessoa física ou jurídica que é devedora de tributos, em razão da incidência da lei tributária. No entanto, os novos tempos estão a exigir a ampliação da presença do cidadão-eleitor na formulação de políticas tributárias e  fiscais; o cidadão deve buscar maior envolvimento com as decisões sobre o custeio da Administração Pública e a aplicação dos recursos orçamentários. As campanhas políticas dos candidatos não dão a devida ênfase sobre a questão tributária, limitando-se a vagas promessas de “diminuir a carga tributária”, enquanto contraditoriamente prometem ampliar os serviços públicos. Esse comportamento dos candidatos aos cargos eletivos decorre da circunstância de que a quantidade de eleitores é muito maior do que a quantidade de contribuintes (entendido aqui o contribuinte em seu sentido técnico, isto é, a pessoa que, tendo praticado fato gerador da obrigação tributária, deve apresentar declaração e realizar pagamentos).   A maior parte da população brasileira tem baixa renda e é isenta de impostos[15] (ou deve pagar, a título de imposto, um pequeno valor).  Para esses eleitores (portanto, para a maioria do eleitorado), a discussão sobre política tributária, além de ser tecnicamente incompreensível, é desinteressante.  Esses eleitores são mais sensíveis às promessas de maior presença da Administração Pública, com a melhoria dos serviços públicos e o aumento do assistencialismo. Para angariar maior quantidade de votos, os candidatos fazem promessas de campanha que implicariam, se fossem cumpridas, aumento das despesas públicas e, por conseqüência, aumento dos tributos. O eleitor, que escolhe os candidatos em quem quer votar, na maioria dos casos não é o contribuinte, que tem consciência de que vai custear as despesas públicas mediante o pagamento de tributos.  Essa “perversão democrática”  acarreta a adoção de políticas tributárias onde predominam os tributos aos quais os economistas denominam de “indiretos”, cuja carga tributária onera o consumo e são cobrados “invisivelmente” (embutidos nos preços dos produtos e dos serviços). Aristóteles já havia afirmado que a democracia pode corromper-se em demagogia. A evolução da democracia, em um estado democrático de direito, deve exigir maiores compromissos dos partidos políticos e dos candidatos na definição das políticas tributárias que adotarão, caso assumam o poder.  Essa definição deve vincular os candidatos eleitos. As leis devem assegurar maior transparência da Administração Pública, com acesso facilitado ao cidadão-eleitor, ao qual devem ser conferidos direitos de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários. Portanto, aos cidadãos devem ser conferidos poderes jurídicos para atuar na fiscalização da aplicação dos recursos públicos, de forma que o envolvimento da cidadania com as políticas tributárias e fiscais seja dinamizado. Em síntese: 1. O Estado necessita de recursos financeiros para atender às suas finalidades. 2. A definição das finalidades do Estado é opção política,  de forte cunho ideológico. 3. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado acarretou o surgimento de complexa organização, envolvendo autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista. 4. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado implica aumento das necessidades financeiras do Estado. 5. A principal fonte de recurso estatal é o tributo. 6. A estrutura dos serviços públicos contemporânea torna complexa a definição de tributo e a própria noção de tributo é controvertida. 7. A estrutura dos serviços públicos é decorrente de opções políticas. 8. A distribuição da carga tributária entre os segmentos sociais é opção política. 9. A Política Tributária é o conjunto de opções políticas adotadas pelo governo, visando a instituição e calibragem dos tributos a serem pagos pela sociedade. 10. A Política Tributária leva em consideração os efeitos extra-fiscais da tributação. 11. Em uma democracia, a Política Tributária respeita os direitos fundamentais do contribuinte. 12. O sistema tributário adotado pela Constituição admite amplo espaço para a escolha política dos segmentos sociais que deverão financiar a Administração Pública.  Assim, há diversas alternativas tributárias  possíveis. 13. Em um Estado de Direito somente mediante lei podem ser estabelecidas exigências tributárias. 14. A lei tributária deve respeitar os princípios e os valores democráticos, conforme insculpidos na Constituição. 15. O conjunto de regras relativamente à instituição, fiscalização e cobrança de tributos é disciplinado pelo  Direito Tributário, e o Direito Tributário é o instrumento da política tributária. 16. Em uma democracia, os gastos públicos são feitos no interesse da população. 17. A disciplina dos gastos públicos é regida pelo Direito Financeiro e deve atender às regras e princípios orçamentários estabelecidos pela Constituição. 18. A destinação do produto da arrecadação tributária é, também, opção política. 19. As regras jurídicas constitucionais exigem a elaboração de Orçamento, e os gastos públicos devem ser feitos em conformidade com as leis. 20. Os recursos públicos são fornecidos pela sociedade ao governo, e devolvidos pelo governo à sociedade. 21. O segmento social que paga o tributo não é necessariamente o que irá receber a ação estatal custeada por esse pagamento. 22. Em uma democracia a tributação pode implicar em realocação da renda nacional. 23. É da natureza do governo ser exercido por uma minoria. 24. A democracia caracteriza-se pela escolha dos governantes pelo povo e pela adoção de princípios que consagram valores fundamentais, como a liberdade e a igualdade de todos os homens. 25. O governo democrático é exercido “em nome do povo”. 26. A relação entre tributo e democracia é de grande complexidade, tanto no que concerne à definição de tributo, como à definição de democracia. 27. A Constituição estabelece limitações ao poder de tributar, preservando os valores democráticos. 28. Os “direitos individuais”, embora de inspiração burguesa, são de aplicação universal. 29. Os “direitos individuais” limitam a formulação das políticas tributárias. 30. O direito de propriedade é afetado pela imposição tributária. 31. A escolha dos contribuintes que irão custear as despesas públicas resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais. 32. A escolha dos setores e segmentos da sociedade que serão beneficiados pela ação estatal  resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais. 33. Nas sociedades a maioria  dos eleitores é formada pelas pessoas com menos recursos econômicos. 34. Para obter votos, os políticos adotam critérios de gastos públicos que atendam a seus eleitores. 35. Governar é administrar recursos limitados para atender uma ânsia ilimitada por parte da população. 36. A democracia pode-se corromper na  demagogia “irresponsável”. 37. Na democracia indireta, a maioria escolhe quem vai governar, mas a maioria não governa. 38. O aprimoramento da democracia está a exigir a ampliação dos direitos do cidadão, de forma a permitir uma maior participação na política tributária, e na elaboração e execução da lei orçamentária.  Entre os novos direitos da cidadania, deve ser incluído o direito de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários.   Notas: [1] Punitiva, não no sentido jurídico do termo, mas no econômico. [2] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves – “Curso de Direito Constitucional”, Saraiva, São Paulo, 34ª ed., 2008, p. 79 [3] PINTO FERREIRA – “Curso de Direito Constitucional”, Editora Saraiva -6ª ed.ampliada e atualizada, São Paulo, 1993, p. 87 [4] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves – obra citada, p.83 [5] “Desse modo, o ateniense tinha de descender de quem o era ao tempo de Sólon” (Ferreira Filho, obra citada, p. 84). [6] idem, ibidem, p.83. [7] “A democracia indireta é aquela onde o povo se governa por meio de “representante” ou “representantes” que, escolhidos por ele, tomam em seu nome e presumidamente no seu interesse as decisões de governo.  O modelo clássico de democracia indireta é a chamada democracia representativa, que apresenta dois subsistemas: o puro ou tradicional, e a democracia pelos partidos”.  (FERREIRA FILHO, obra citada,  p.85) [8] Idem, ibidem, p. 85 [9] Idem, ibidem, p. 101 [10] SILVA, José Afonso da – “Curso de Direito Constitucional Positivo”, 28ª ed. revista e atualizada, São Paulo, Malheiros Editores, 2007,  p.129. [11] SILVA, José Afonso da – p.129 [12] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet – “Curso de Direito Constitucional”, Editora Saraiva e IDP-Instituto Brasiliense de Direito Público, São Paulo, 2007, p.139. Segundo esses autores “Mais ainda, já agora no plano das relações concretas entre o Poder e o indivíduo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo não somente dos direitos civis e políticos, mas também e sobretudo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos”. p.139. [13] LACOMBE, Américo Lourenço Masset – “Princípios constitucionais tributários”, Malheiros Editores, São Paulo, 1996. [14] ALESSANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente – “Direito Tributário na Constituição e no STF- Teoria e Jurisprudência”, editora Impetus, Niterói, RJ, 13ª ed. revista e atualizada, 2007 [15] Obviamente, isenta dos impostos impropriamente chamados de “diretos”. Juridicamente, todos os impostos são “diretos”, no sentido de que sempre há um sujeito passivo em toda a relação juridico-tributária, do qual é exigível a entrega da prestação tributária.  Os economistas utilizam a expressão “tributos indiretos” para se referirem àqueles tributos cujo encargo financeiro pode ser transferido a terceiros, dentro das relações econômicas.
Direito Tributário
1.  Tributo e política É impossível dissociar o tributo da política.  A imposição tributária decorre de opções políticas, sendo que o dinheiro arrecadado pelo governo necessariamente será usado em conformidade com  opções políticas. A arrecadação tributária onera setores sociais, sempre de forma desigual; a política fiscal encaminha os gastos públicos em conformidade com opções políticas, dando tratamento desigual a seus destinatários. A íntima relação entre o tributo e a política fica evidenciada, em uma perspectiva histórica, quando se analisa a evolução das instituições político-jurídicas da Humanidade. O tributo sempre esteve na raiz das grandes transformações políticas e jurídicas da sociedade.  Para citar apenas os exemplos mais conhecidos, a denominada Magna Carta de 1215, o Bill of Rights, o Constitucionalismo do século XVIII, a Revolução das Colônias Britânicas da América do Norte, a Revolução Francesa, a Inconfidência Mineira: todas tiveram no tributo o seu motor. A questão tributária é apenas um aspecto de uma outra questão política mais abrangente, relativamente aos fins do Estado.  Isto porque as despesas públicas são função das atividades exercidas pelo Estado, no fornecimento de bens e serviços aos jurisdicionados.   As pressões políticas para que o Estado amplie sua participação na vida econômica e social de seus súditos acarretam o aumento dos gastos públicos e, por via de conseqüência, exigem que os recursos correspondentes sejam auferidos pelo Governo. A legislação tributária é o instrumento pelo qual as opções políticas, referentes ao financiamento dos gastos públicos,  são aplicadas.  Isto evidencia que a tão decantada reforma tributária, que o reformismo crônico do discurso político em voga nos meios de comunicação não se cansa de pregar, somente poderá ser eficazmente equacionada com a correta apreensão dos fenômenos envolvidos. O governo equilibra-se entre as reivindicações de maior presença dos poderes públicos no fornecimento de bens e serviços e a oposição feita por aqueles que terão que pagar por isso. Há uma contínua tensão na sociedade e esses conflitos devem ser resolvidos no interior da própria sociedade, com observância dos princípios ditos democráticos. 2.  Os fins do Estado O debate sobre as atribuições que devem ser dadas ao  Estado é perfeitamente conhecido.  A resposta a essa indagação vincula-se à ideologia. O movimento constitucionalista do século XVIII, na ânsia de proteger o indivíduo, elaborou um modelo político onde ao Estado eram atribuídas reduzidas funções, relacionadas com a manutenção da ordem pública, ao contato com outros Estados e à distribuição de justiça entre os particulares. Na concepção de seus formuladores, o Estado era entendido como um mal necessário, que deveria ser mantido com estrutura mínima. No entanto, as reivindicações políticas dos membros da sociedade, decorrentes da adoção do sufrágio universal e da expansão da organização política dos setores mais pobres da população, foram gradativamente ampliando as funções do Estado.  É fato amplamente conhecido que as revoluções mexicanas e soviéticas, no começo do século XX, impulsionaram a concepção de que o Estado não poderia ficar alheio aos problemas sociais e econômicos.  O modelo liberal, oitocentista, ficou superado.  A duas grandes guerras mundiais e as contradições internas do próprio sistema capitalista permitiram a consolidação do Estado intervencionista.  As discussões passaram a girar em torno do grau de intervenção estatal que se deveria admitir como adequado. O Estado moderno agigantou-se, e o poder público transformou-se em uma complexa organização, separando-se a Administração Direta da  Administração Indireta, surgindo as autarquias, as empresas públicas, as fundações públicas e as sociedades de economia mista. A poderosa máquina estatal exige gerenciamento técnico e profissional, havendo fluxo permanente de receitas e despesas. 3.   O custeio das despesas estatais Os recursos financeiros para o atendimento das necessidades do poder público são obtidos a partir das denominadas receitas originárias (decorrentes do próprio patrimônio do Estado, como os dividendos pagos pelas empresas estatais) e das receitas derivadas (como os tributos), da emissão de títulos públicos (para a obtenção de empréstimos), e da emissão de moeda. As denominadas receitas originárias atingem pequeno montante.  A emissão de moeda, sem os rígidos controle de uma política monetária eficaz, ocasiona inflação, e as experiências vividas pelos diversos países, inclusive o Brasil, demonstraram não ser esse um caminho economicamente adequado. Restam as duas alternativas mais importantes: a captação de recursos mediante a emissão de títulos públicos (o que aumenta a divida pública) e a arrecadação tributária. A arrecadação tributária representa o ingresso mais significativo.  Aliás o financiamento da administração pública mediante empréstimos torna o Estado devedor, e essa dívida terá que ser paga com recursos que, normalmente, serão obtidos pela arrecadação tributária. 4.  A Política Tributária e a Política Fiscal A ampla gama de atribuições assumidas pelo Estado acarreta a eleição de prioridades do poder público, tendo em vista que os recursos econômicos disponíveis são finitos.  Há uma contínua tensão entre a busca de recursos e a efetividade das políticas públicas. Em decorrência, passam a serem relevantes a Política Tributária e a Política Fiscal.  A Política Tributária direciona a captação dos recursos de origem tributária.   O governo deve definir onde irá buscar os recursos necessários para o custeio das despesas públicas.  A Política Fiscal define as aplicações desses recursos. Em cada um desses polos opostos decisões políticas são tomadas.  Essas decisões são adotadas pelos governantes.  Essa constatação evidencia a importância de serem conhecidos os mecanismos pelos quais surgem os governantes, e de como eles se mantêm no poder. Constata-se que na sociedade há uma minoria que governa e a imensa maioria é governada.  É da própria natureza das coisas que o governo seja exercido por uma minoria As formas pelas quais os governos se instalam e se mantêm  nas sociedade têm sido alvo da indagação dos filósofos, que há séculos refletem sobre o tema.  A moderna Ciência Política ajuda a lançar alguma luz sobre essa realidade. Os governantes, nas democracias, são escolhidos pelos governados.  Esses governantes cercam-se de assessores e auxiliares, havendo a formação de uma poderosa cúpula de técnicos e burocratas,  sem mandato político, ávidos por dinheiro. Os mecanismos de implantação das políticas tributária e fiscal passam a ser considerados de natureza técnica, sob gerenciamento dos técnicos governamentais. Surge, assim, paralelamente ao poder dos governantes escolhidos pelos cidadãos, o poder da tecnocracia. 5. Conceito de tributo O tributo, no sentido de entrega compulsória de bens ou serviços aos governantes, revela sua presença desde os albores da História.  “Tributo e governo” é uma constante nas sociedades humanas. A noção de tributo depende da estrutura econômica e jurídica da sociedade e do próprio Estado. O tributo é uma realidade complexa, podendo ser analisado a partir de diversas perspectivas.  A pluralidade dos conceitos de tributo apresentada pelos estudiosos revela os múltiplos enfoques a partir dos quais  esse fenômeno pode ser apreendido.  Esses diversos conceitos podem ser integrados em uma visão multidisciplinar, que permite uma compreensão mais adequada do mundo real.  Assim, esses conceitos não se repelem, mas se integram; todavia, é preciso especial cuidado para não se mesclar os domínios das diversas ciências que podem ser desenvolvidas a partir do núcleo essencial do tributo. O núcleo essencial do tributo é a existência da entrega compulsória de prestação ao Governo, decorrente de uma relação de força, sem que tenha havido prévia concordância pessoal do devedor, com a finalidade de custear as despesas públicas. A evolução das relações sociais e o aprimoramento das instituições jurídicas lentamente transformaram a “relação de fato”, que inicialmente caracterizava a relação tributária, em “relação jurídica” e introduziram no conceito de tributo a concordância do devedor, que lhe foi imputada,  em razão de  a exigência tributária ter sido aceita pelo seu representante (“não há tributação sem representação”). As prestações compulsórias que os governantes têm exigido de seus súditos no decorrer dos tempos amoldaram-se às peculiaridades das épocas e dos locais. Em épocas pretéritas, o objeto dessas prestações era mais diversificado  que o atual,  admitindo-se a entrega de produtos rurais ou industriais, além de pedras e metais preciosos e, obviamente, de dinheiro.  Essas prestações incluíam também a entrega de serviços aos governantes (como, exemplificativamente, do serviço militar). Há muito o conceito de tributo foi circunscrito à entrega compulsória de recursos financeiros ao Estado, com a finalidade preponderante de custeio dos serviços públicos.  O controvertido art. 3º do Código Tributário Nacional apresenta o conceito jurídico de tributo, adotado pelo direito positivo:  “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Por outro lado, o Estado contemporâneo obriga o particular a entregar tais recursos não somente ao próprio Estado, mas também a terceiros (as denominadas contribuições parafiscais), o que revela uma ampliação da abrangência da noção de tributo. 6.  A finalidade do tributo O tributo implica transferência de recursos privados para o Governo.  Ínsita nesta constatação está a concepção da existência de tais recursos privados, razão pela qual não se poderia falar em tributo em uma economia totalmente socializada. Embora se possa admitir que a finalidade da cobrança de tributos é a de financiar os gastos do Governo, a evolução das instituições políticas e jurídicas da sociedade implicaram a adoção de tributos com finalidades outras. É que os aspectos relacionados com a análise econômica da tributação mostram que a tributação não é economicamente neutra, e afeta as decisões dos agentes econômicos.  Com efeito, a interferência da carga tributária sobre os diversos aspectos da economia acarreta modificação no comportamento desses agentes econômicos. Assim, exemplificativamente, a tributação afeta a renda disponível do contribuinte, alterando suas opções de compra; a tributação aumenta  o custo de produção e, por conseqüência, o preço do produto. Por tais razões, o Governo pode exigir tributo com a finalidade de intervenção no domínio econômico, tendo importância secundária a própria arrecadação financeira que essa intervenção venha a produzir.  Em uma situação extrema, é possível a instituição de tributo com a finalidade de não arrecadar mais recursos, mas a de inibir uma atividade econômica entendida como prejudicial. Essa tributação punitiva[1] pode ocorrer em circunstâncias tais como a da elevação dos direitos aduaneiros (inibindo a ocorrência de importações) ou a de elevada alíquota sobre produtos alcoólicos ou sobre o fumo (que acabam arrecadando menos dinheiro do que ocorreria se a alíquota fosse menor, em virtude da inibição do consumo). Os estudiosos referem-se a esses aspectos do tributo com o nome de “efeitos extrafiscais” da tributação. 7.  A escolha dos devedores Os governantes devem previamente escolher os devedores dos tributos, isto é, definir quais pessoas deverão pagar os tributos ao poder público.  A escolha dos devedores é política.  Assim, mediante a edição de leis, são definidos os fatos geradores da relação jurídica tributária, as bases de cálculo e alíquotas e os devedores da prestação tributária.   Os formuladores da política tributária do governo (geralmente, os tecnocratas sem mandato político) fazem as opções de tributação e os cálculos. No entanto, cabe ressaltar que, no Brasil,  os tributos já se encontram previstos na Constituição, que estabelece as competências tributárias dos legisladores,  e as leis que os criam permanecem produzindo efeitos, independentemente da mudança de governantes.  Por esse motivo, a substituição dos governantes, e até mesmo a alteração de partidos no governo,  somente produzirá efeitos na política tributária e na legislação tributária se houver fortes razões para isso. Ao contrário do que ocorria no passado, a aprovação do Orçamento  não é mais condição para a cobrança dos tributos. As leis tributárias permanecem em vigor até serem revogadas ou alteradas.  A vigência das leis tributárias garantem um fluxo constante de recursos para o governo. Em uma sociedade democrática é crucial que a escolha dos que irão pagar os tributos, e o montante de tributos que serão exigidos,  seja feita com estrita obediência às diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição, preservando-se os valores básicos da democracia.  A instituição de tributos exige um procedimento formal, com a edição de lei.  No entanto, é também fundamental que a lei tenha rigorosamente atendido aos princípios constitucionais. A escolha daqueles que irão pagar é feita a partir de critérios políticos, respeitando-se as diretrizes e princípios estabelecidos na Constituição. Assim, ao lado dos valores essenciais à democracia, como a liberdade, a igualdade e a propriedade, os tributos podem estar sujeitos a princípios próprios, exigidos pelo ordenamento constitucional.  Por exemplo, o imposto de renda deve adotar a progressividade; e o imposto sobre produtos industrializados deve ser seletivo em função da essencialidade do produto. 8.  O Direito Tributário como a instrumentalização jurídica das opções políticas do legislador A formação do Direito Tributário, que evoluiu a partir do Direito Administrativo e do Direito Financeiro, foi impulsionada pela publicação do Código Tributário Alemão, no começo do século XX. O desenvolvimento do Direito Tributário foi contemporâneo do desenvolvimento das próprias concepções de democracia, que convulsionaram o ambiente político e jurídico do século XX.  Por essa razão, os progressos no campo do Direito Constitucional refletiram-se no Direito Tributário, que absorveu os valores democráticos e busca dar-lhes expressão ao moldar os institutos jurídicos da tributação. No caso brasileiro, o sistema tributário é estruturado pela própria Constituição Federal, de forma bastante analítica, com ampla interseção entre o Direito Constitucional, direito essencialmente político, e o Direito Tributário (onde o tecnicismo encontra-se presente de forma acentuada). Os institutos de Direito Tributário proclamam os princípios fundamentais em uma democracia,  tais como o da legalidade da tributação, o da igualdade, o da vedação do confisco (reconhecendo a legitimidade da propriedade, direito assegurado pela Constituição Federal). O lançamento de tributos, conforme expressa o parágrafo único do art. 142 do Código Tributário Nacional, é obrigatório e vinculante para as autoridades fiscais, sob pena de responsabilidade funcional.  Portanto, retira-se da autoridade fiscal a possibilidade de deixar de cobrar o tributo devido (favorecendo alguns contribuintes, com desrespeito ao princípio democrático da igualdade) ou cobrá-lo maior do que o devido (com desrespeito ao princípio democrático da estrita legalidade da tributação). As leis tributárias asseguram ao contribuinte o direito de apresentar impugnações e recursos administrativos contra as exigências tributárias que lhe sejam feitas, tendo essas impugnações e recursos efeitos suspensivos da exigência.  Além disso, é assegurado ao contribuinte, em qualquer tempo, dirigir-se ao Poder Judiciário contra a Administração Tributária, alternativamente à defesa administrativa, ou em seqüência desta, caso discorde da decisão administrativa.  Dessa forma, há observância do comando da Constituição que veda à lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (Constituição Federal, art. 5º, XXXV). A cobrança de tributos, administrativa ou judicial,  somente pode ser feita com obediência ao devido processo legal, assegurado o contraditório e a ampla defesa (Constituição, art. 5º, LV). O sigilo fiscal, que impede a divulgação por parte da Administração Pública ou de seus servidores de informação “obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades”, é assegurado pelo art. 198 do Código Tributário Nacional. O Direito Tributário não se limita às normas expedidas pelo legislador, mas admite pluralidade de fontes, o que garante a  flexibilidade da ação administrativa.  Todavia, os atos normativos expedidos pela Administração Tributária devem observar rigorosamente, sob pena de invalidade, os princípios democráticos e os comandos constantes das normas hierarquicamente superiores.  Em conformidade com o  art. 96 do Código Tributário Nacional a legislação tributária “compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes”. Em um Estado de Direito as decisões governamentais devem ser formalizadas em atos jurídicos apropriados, e as competências normativas das autoridades fazendárias, quer na  implementação da Política Tributária do governo, quer na execução da legislação tributária, somente serão legítimas e juridicamente válidas se derem perfeito acatamento às normas e princípios explícitos ou implícitos da Constituição. 9. Governo e Democracia A crença de que o poder do governante tem origem divina predominou na maior parte da História da Humanidade. Com efeito, é do apóstolo Paulo a afirmação de que “não há poder que não venha de Deus” (Romanos, XIII,1).  As conseqüências dessa frase nas lutas políticas na Europa e na América são bastante conhecidas. A relação entre os súditos e os governantes estava, assim, na dependência de concepções religiosas.  Nessa perspectiva, a soberania era atributo do monarca. No entanto, já na Antigüidade houve a afirmação de pertencer ao povo a soberania, e de o poder do governante ter sua origem na vontade dos súditos. É clássica, nos manuais de Direito Constitucional, a referência a três formas de governo: a monarquia, a aristocracia e a democracia. A propósito das formas de governo, Manoel Gonçalves Ferreira Filho recorda a Política de Aristóteles, onde se diferencia as formas legítimas (“que buscam o interesse geral”) e as formas ilegítimas (“que visam ao interesse de alguns, mormente dos governantes”). E acrescenta: “Três são as formas legítimas: a monarquia (governo de um só em proveito de todos), a aristocracia (governo de uma minoria – dos melhores ou mais capazes – em proveito geral) e a república (ou a democracia, para alguns tradutores, o governo da maioria mas em benefício de todos).  As ilegítimas são: tirania (governo de um só mas em benefício de uma minoria, ou do próprio tirano), oligarquia (governo da  minoria dos mais ricos em benefício próprio) e demagogia (ou democracia, conforme o tradutor, o governo da maioria explorada pelos demagogos em vista do interesse de alguns, em prejuízo da maioria”.[2] A lição de Aristóteles permite que se distingam governos legítimos e governos ilegítimos, tendo-se em vista o objetivo do governante: será legítimo o governo que visa o benefício de toda a sociedade.  Assim, até mesmo o governo da maioria será ilegítimo se visar ao interesse de alguma minoria.  Nessa perspectiva, um governo aristocrático pode ser legítimo ser visar ao benefício de toda a sociedade. Não obstante seja sedutora a idéia de democracia, e  as pessoas, em geral,  gostarem de dizer-se democratas, a verdade é que o conceito de democracia não é claro, e sempre esteve sujeito a acaloradas polêmicas, do que resultam democracias adjetivadas: “democracia direta”, “democracia representativa”,   “democracia liberal”, “democracia popular”, “democracia marxista”, “democracia cristã”, “democracia social”.  No Brasil, durante o período militar posterior a 1964, houve quem reconhecesse a existência da “democracia relativa”.  PINTO FERREIRA assinala que “Trata-se de uma idéia que a princípio parece muito simples, apresenta-se claramente ao entendimento do estudioso, porém sobre ela dissentem os doutores no tocante à sua exata compreensão.”[3] A definição mais singela é a literal: democracia é o governo do povo, distinguindo-se da aristocracia,  da monarquia e da teocracia. É, também, corrente a definição de que a democracia é “o governo do povo, pelo povo e para o povo”.  No entanto, é problemático dizer-se que o povo se autogoverna.  É nítida a existência de governantes e de governados. Uma tradicional classificação da democracia a distingue em dois tipos: a democracia direta e a indireta. Constata Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a democracia direta, (“aquela em que as decisões fundamentais são tomadas pelos cidadãos em assembléia”) é apenas uma reminiscência histórica.[4] O modelo clássico de democracia direta foi a ateniense, na Antigüidade.  Conforme salienta o autor citado, o supremo poder na democracia ateniense era atribuído a todos os cidadãos, todo cidadão ateniense tinha o direito de participar da assembléia onde as decisões eram tomadas, com direito de palavra e voto.  Todavia, nem todos os homens eram cidadãos.  A qualidade de cidadão era hereditária e, de forma geral, somente concedida aos filhos de atenienses, ficando excluídos os estrangeiros e os descendentes de estrangeiros, além das mulheres.[5] Constata-se, pois, que nem no “modelo clássico” de democracia direta o povo, entendido como as pessoas residentes em determinado território e sujeitas a determinado governo, se autogovernava. A democracia direta não é adotada modernamente sob a alegação de que não seria possível reunir milhões de cidadãos em assembléias freqüentes; além disso, o povo não teria capacidade para “compreender os problemas técnicos e complexos do Estado-providência”.[6] 9.1.  A democracia representativa Na democracia indireta o povo é governado por meio de pessoas escolhidas para a função de governar.[7] Há, assim, na democracia indireta, o problema da escolha das pessoas que irão governar. Os escolhidos exercerão o governo em nome do povo.  Portanto, na democracia indireta (isto é, em todas as democracias modernas) o povo não se governa, mas é governado pelos escolhidos para isso. As idéias vitoriosas na Revolução Francesa tornaram-se o fundamento teórico da chamada democracia representativa.  A burguesia ascendeu ao poder, sobrepondo-se à nobreza e ao clero, e carregando a bandeira dos ideais de igualdade e liberdade. Na ideologia desses revolucionários o indivíduo era percebido  como a grande realidade, os indivíduos deviam ser livres, sendo a sociedade apenas a decorrência do contrato social celebrado pelos  indivíduos. A propriedade privada e a liberdade de contrato eram vistas como direito natural. Os enciclopedistas propagaram esses ideais do Iluminismo, proclamando que a Natureza e a Razão orientariam os Indivíduos a encontrar a  Felicidade. Nessa cosmovisão, seria imprescindível a participação de todos os membros da sociedade, reunidos  em assembléia, para debater  e aprovar a Constituição e as leis. No entanto, percebendo-se que essa proposta não pode ser concretizada, tornou-se necessária a elaboração de uma teoria que justificasse a realização de assembléia sem a participação da maioria, mas que ao mesmo tempo adotasse decisões obrigatórias para todos os indivíduos. O impasse foi habilmente contornado com a elaboração da doutrina que veio a se tornar conhecida como democracia representativa, modalidade de democracia indireta, que uniu as idéias de Montesquieu com as noções então geralmente aceitas  relativas ao Direito Natural. A doutrina da democracia representativa distingue os membros da  sociedade, separando-os  em governados e governantes. Os governantes são considerados representantes dos governados, e nessa condição adotam as decisões políticas e legislam em nome dos representados. A impossibilidade de serem realizadas assembléias com a presença de todos os cidadãos, e a certeza de que a maioria dos cidadãos não estaria apta a decidir as questões que seriam submetidas à apreciação da assembléia, serviram de pretexto para a adoção desse modelo de democracia. De acordo com o pensamento dominante à época, embora o cidadão comum não esteja apto para gerir os negócios públicos,  sabe escolher aqueles que estão habilitados para governar. Destarte,  o eleitor saberia discernir o melhor candidato. Constata-se que, apesar de aclamar como valores supremos a igualdade, a liberdade e a fraternidade, os revolucionários do final do século XVIII acabaram afastando do poder a maior parte da população. No entanto, para esses revolucionários esse fato era irrelevante,  tendo em vista que no seu ideário a função de legislar consistia apenas na  positivação do Direito Natural. Prevalecia naquele tempo a convicção da racionalidade da lei que, em conformidade com a expressão tomista, é “a ordenação da razão“, visando ao bem comum, feita e promulgada pelo legislador. Em conformidade com esse modo de pensar,  o direito não seria criado pelo legislador, pois o direito precederia ao próprio legislador, cuja missão seria a de encontrá-lo,  explicitá-lo e positivá-lo, o que se faz por meio da edição de um texto escrito, para que os demais participantes da sociedade dele tomem conhecimento e o acatem. Decorre do exposto que, na concepção predominante à época da adoção da democracia representativa, a  positivação do direito resumir-se-ia  à descoberta da solução mais justa para cada um dos possíveis conflitos humanos e à sua divulgação  para conhecimento das demais pessoas. Assim, haveria sempre a lei justa para solver cada conflito, e qualquer pessoa que tivesse inteligência e conhecimentos necessários descobriria essa lei. Diante disso, irrelevante a quantidade de deputados que representasse o povo, bastava apenas que os mais capacitados fossem escolhidos. Se o conjunto dos representantes fosse substituído por outro, a lei a ser aprovada continuaria sendo a mesma. Esse ponto de vista parecia suficiente para conciliar a idéia de igualdade, com o fato de que poucos cidadãos efetivamente participavam do governo. A própria noção de cidadania não tinha, na época, a abrangência contemporânea, eis que somente pequena parte da população tinha direitos políticos. O direito de votar, precavidamente, ficou reservado aos que possuíam renda acima de determinado valor. O voto censitário garantia o caráter aristocrático da “democracia representativa”.  Segundo FERREIRA FILHO, para a doutrina política helênica, a eleição era um método aristocrático de seleção dos governantes, enquanto o sorteio é que era considerado o modo democrático.[8] 9.2.   O mandato político O mandato político se diferencia do mandato de direito privado em diversos aspectos.  No direito privado, o mandante, em geral, pode revogar o mandato, além de estabelecer as regras que o mandatário deve observar no exercício do mandato, sendo que o mandatário está sujeito a prestação de contas.  No mandato político, o mandatário (o eleito) não está juridicamente subordinado ao eleitor, não tendo que lhe prestar contas. O eleito é considerado “representante” de toda a população e não somente dos eleitores que nele votaram.  Aliás, o eleito não sabe sequer quem nele votou, eis que adota-se o voto secreto. No Brasil, o voto secreto foi estabelecido como “cláusula pétrea”, não podendo ser abolido (Constituição Federal, art. 60,§ 4º, II). No mandato político, imputa-se ao representado a vontade do representante.  Isto é, o eleito toma as decisões que julga adequadas, e entende-se que o eleitor quis essas decisões. 9.3.   A democracia pelos partidos A idéia original defendida por Montesquieu sustentava que, embora nem todos os homens tivessem a capacidade para governar, todos os homens teriam a  capacidade para escolher os representantes.  Isto se daria porque cada eleitor escolheria alguém que conhecesse e em quem reconhecesse a capacidade para “administrar os negócios” públicos. No entanto, as  “democracias” evoluíram para as denominadas “democracias pelos partidos”, onde o eleitor já não mais indica alguém que conheça, mas deve escolher alguém em uma lista de estranhos que lhe é apresentada pelos partidos políticos.  Os partidos políticos têm o monopólio das candidaturas e, de uma forma geral, os partidos políticos não têm, internamente, estrutura “democrática” (vale dizer, nem sempre os filiados ao partido conseguem escolher o nome daqueles que serão apresentados como os candidatos do partido). Deve ser acrescentado que, em decorrência de a “democracia pelos partidos” aceitar o sistema eleitoral proporcional,  o eleitor vota em um candidato de uma lista, sendo que o voto será atribuído ao partido, podendo eleger outro candidato, não votado pelo eleitor. Essa situação trouxe o descrédito no mandato político.  O eleitor, embora tendo votado, não se sente representado, e  procura fazer valer sua opinião política pelos meios os mais diversos.  O eleitor e os grupos sociais passaram a pressionar os políticos das mais diversificadas formas. Surgiram, assim, os grupos de pressão, cuja existência demonstra a discutível legitimidade do sistema eleitoral. Além disso, a maioria dos eleitores não vê significativas diferenças nos programas dos partidos políticos. 9.4.  Os valores básicos da democracia Apesar das distorções políticas na escolha dos governantes, a noção de democracia tem-se imposto pela aceitação de que essa modalidade de organização política agasalharia alguns valores básicos, resultantes da longa evolução da sociedade humana. Ao examinar os valores e fatores condicionantes da democracia, acentua Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “Fundamentalmente são dois valores que inspiram a democracia: liberdade e igualdade, cada um destes valores, é certo, com sua constelação de valores secundários.  Não há concepção de democracia que não lhes renda vassalagem, ainda que em grau variabilíssimo.  E pode-se, até, conforme predomine este ou aquele valor, distinguir as concepções liberais das concepções igualitárias de democracia”.[9] José Afonso da Silva critica os autores que concebem apenas um “conceito estático” de democracia, eis que segundo esse autor a democracia é um processo dialético que “vai rompendo os contrários, as antíteses, para, a cada etapa da evolução, incorporar conteúdo novo, enriquecido de novos valores”.[10] Esse autor reconhece que a doutrina afirma que a democracia repousa sobre três princípios fundamentais: o princípio da maioria, o princípio da igualdade e o princípio da liberdade.  E, a seguir, acrescenta: “Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número, isto é, a maioria, mas também disse que a alma da democracia consiste na liberdade, sendo todos iguais”.[11] 10.   Tributo e Democracia na Constituição brasileira de 1988 A Constituição é, ao mesmo tempo,  a decisão política fundamental da sociedade e o documento jurídico básico. Portanto, é na Constituição que se encontram os primeiros alicerces relativos ao equacionamento das políticas tributária e fiscal. A Constituição brasileira de 1988, já no preâmbulo proclama sua vocação democrática ao afirmar que os representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte, tinham por objetivo “instituir um Estado democrático”. O art. 1º da Constituição assegura que a República Federativa do Brasil constitui-se em “Estado democrático de direito”[12], e o parágrafo único arremata: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Por outro lado, o art. 3º enumera os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, entre os quais incluem-se “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos…”. Resulta cristalinamente do texto constitucional a adoção do regime democrático, para a obtenção dos objetivos enumerados.  A Constituição constrói um Estado intervencionista na ordem econômica e social, mas exige que essa intervenção seja feita democraticamente. As ações estatais em busca da efetivação de seus objetivos exigem aportes financeiros de grande magnitude.  Os princípios democráticos devem ser observados na formulação concreta das ações estatais e nas definições das fontes de financiamento dessas ações. A questão financeira vem amplamente tratada no Título VI da Constituição, sob o nome de “Da Tributação e do Orçamento”.  Nesse título, o Estatuto Supremo estabelece a estrutura jurídica do “Sistema Tributário Nacional” (Capítulo I) e das “Finanças Públicas” (Capítulo II). Ao disciplinar a questão tributária e orçamentária, a Constituição define e preserva os valores que são essenciais para a  construção e manutenção de uma sociedade democrática. 10.1.   O Sistema Tributário Nacional O texto constitucional traz minuciosa descrição da estrutura jurídica do denominado sistema tributário nacional, dispondo sobre os “princípios gerais” (art. 145 a 149-A), “as limitações do poder de tributar” (art. 150 a 152), os “impostos da União” (art. 153 a 154), os “impostos dos Estados e do Distrito Federal” (art. 155), os “impostos dos Municípios” (art. 156) e a “repartição das receitas tributárias” (art. 157 a 161). As regras do denominado Sistema Tributário Nacional, estruturado no texto da própria Constituição, e desenvolvido no Código Tributário Nacional,  deve ter aplicação uniforme em todas as esferas autônomas de governo, dentro da Federação brasileira. Ao dispor sobre as limitações ao poder de tributar, a Constituição assegura certos direitos clássicos dos contribuintes, conquistados em árdua luta no decorrer da História, e associados ao desenvolvimento da noção de democracia. Entre esses direitos podem ser ressaltados os relativos ao denominado “princípio da legalidade”,  ao “princípio da isonomia”, “princípio da anterioridade em relação ao exercício de cobrança”; “princípio da capacidade contributiva”, “princípio do não-confisco”. Esses princípios abrigam certos valores caros na construção e conservação da “democracia”. 10.2.   O princípio da estrita legalidade da tributação O princípio da estrita legalidade da tributação, contemplado pelo inciso I do art. 150 da Constituição, veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça.  Tal princípio exige, portanto, a participação do órgão legislativo na instituição ou majoração de tributos. É a tradução moderna de outro importante princípio, segundo o qual “não há tributação sem representação”.  O princípio visa a assegurar que o governante não poderá cobrar tributo que não tenha sido autorizado pelos representantes dos contribuintes.  A História registra que esse princípio foi uma das exigências dos barões revoltados contra o rei João sem Terra, em 1215, na Inglaterra.  O rei teve que fazer a concessão, e o princípio foi insculpido na denominada Magna Carta.  Posteriormente, o princípio foi desrespeitado e os contribuintes conseguiram novamente impô-lo (“Bill of Rights”, em 1689). O próprio movimento que culminou com a revolta dos colonos britânicos na América do Norte, e a formação dos Estados Unidos da América, resultou do desrespeito ao princípio de que “não há tributação sem representação”. Em sua formulação contemporânea, esse princípio exterioriza a concepção democrática da representação.  Ressalte-se que o contribuinte deverá aprovar a instituição ou majoração dos tributos por meio de seus representantes, não se exige a aprovação direta por parte de cada um dos contribuintes.  Conforme anteriormente assinalado, a democracia representativa é modalidade de “democracia indireta” onde imputa-se ao eleitor a vontade do eleito.  Isto significa que quem quis o tributo foi o eleito e não o eleitor. Essa característica do mandato político permite o paradoxo dos “representantes eleitos” e a rejeição dos tributos aprovados por esses “representantes”.  Tem sido entendido que o termo “lei” inclui a lei ordinária (ou a lei complementar, conforme o caso) e as medidas provisórias.  Na vigência da Constituição anterior os tribunais entenderam como constitucional a instituição ou majoração de tributos por meio de decreto-lei. O desenvolvimento histórico da aplicação do princípio “não há tributação sem representação” exigiu a lei, aprovada pelos representantes, como condição para a tributação.  É que o tributo seria cobrado pelo monarca, cujo poder não derivava de escolha popular.  Hodiernamente, o tributo é cobrado pelo Poder Executivo, cujo titular é eleito pelo povo, à semelhança do que ocorre com os parlamentares.  Assim, a instituição de tributo por decreto do Poder Executivo, à primeira vista,  poderia ser entendida como tendo satisfeito o mencionado princípio, eis que o chefe do Poder Executivo pode reivindicar o título de “representante do povo”, tanto quanto o fazem os parlamentares. Há, porém, nova razão para a exigência de lei na instituição ou majoração de tributo. O princípio visa a coibir abusos do Poder Executivo, que premido por necessidades financeiras, poderia ser compelido a instituir tributo em excesso.  O princípio da legalidade exige a submissão da tributação ao Poder Legislativo e, dessa forma, o debate público a respeito da matéria, e a sua submissão a espectro político mais vasto que o Governo. A tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional atende a valores importantes em uma democracia, como seja o da publicidade e do debate público da matéria  a ser votada, permitindo que setores sociais que se oponham ao projeto possam manifestar-se e trazer seus argumentos. Esses valores ficam parcialmente prejudicados quando é utilizada a medida provisória, pois a edição da norma é gestada, muitas vezes sem a publicidade devida, no seio do Poder Executivo, vindo os contribuintes a tomarem conhecimento dela com sua publicação e encaminhamento ao Congresso Nacional.  As denominadas “medidas provisórias” representam retrocesso no procedimento de elaboração legislativa, e têm permitido abuso por parte do Poder Executivo, com violação de direitos fundamentais em uma democracia; o confisco da poupança, de infeliz memória, é um dos mais salientes exemplos. Na elaboração das medidas provisórias, ou no encaminhamento de projetos de lei ao Congresso Nacional, abordando matéria tributária, nota-se a poderosa influência da tecnocracia.  A tentativa de transformar em questão técnica as opções nas formulação da Política Tributária é um dos problemas delicados na evolução e aprimoramento da democracia.  Montesquieu entendia que o eleitor não está capacitado para governar, devendo limitar-se à escolha dos governantes, a tecnocracia moderna entende que os escolhidos pelo povo não estão capacitados para adotarem as opções políticas corretas, devendo submeter-se aos “critérios técnicos”  estabelecidos nos fechados ambientes dos tecnocratas. 10.3.   As matérias sob reserva de lei Por determinação do art. 146-II da Constituição, cabe à lei complementar “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar”. Ainda na vigência da Constituição anterior, o Código Tributário Nacional disciplinou, no art. 97,  o princípio da estrita legalidade da tributação, enumerando analiticamente as matérias que estão sob reserva de lei: “a instituição de tributo ou sua ou a sua extinção”, “a majoração de tributos, ou sua redução”, “a definição do fato gerador da obrigação tributária principal e do seu sujeito passivo”, “a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo”, “a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas” e “as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades”. A preocupação em garantir a exata observância do princípio da estrita legalidade da tributação induziu o Código Tributário Nacional à enumeração, com redundância, das matérias insertas na reserva de lei.  Relativamente à majoração de tributos, sua redução e à fixação de alíquotas, são excetuados aqueles tributos aos quais  a Constituição atribuiu ao Poder Executivo competência para alterar as alíquotas, “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei” (§ 1º do art. 153 da Constituição). Ao facultar ao Poder Executivo, atendidas as condições e  limites fixados em lei,  alterar as alíquotas do “Imposto de Importação”, do “Imposto de Exportação”, do “Imposto sobre Produtos Industrializados”, e do “Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários”, a Constituição equilibrou os valores protegidos pelo princípio da estrita legalidade com os valores econômicos decorrentes das funções extrafiscais dos tributos mencionados. É que a Política Tributária não desconhece as conseqüências extrafiscais dos tributos, e expressamente permite sua utilização com tais finalidades.  Os tributos mencionados constituem mecanismos que permitem rápida atuação do Governo sobre a economia, e a Constituição entendeu que não seria adequado privar o Governo desses instrumentos. As matérias sob reserva de lei estão relacionadas aos elementos essenciais da tributação, e afetam valores resguardados pelo ordenamento jurídico democrático. A definição do fato gerador da obrigação tributária, e do seu sujeito passivo,  implica a escolha de um fato de conteúdo econômico, manifestador de capacidade contributiva, imputável ao sujeito passivo ou com ele relacionado.  A definição da base de cálculo e da alíquota exige  a avaliação da capacidade contributiva do sujeito passivo. A fixação dos elementos quantitativos da obrigação tributária decorre de avaliação discricionária do legislador, e constitui outro momento delicado no funcionamento da democracia.  É que a tributação colide com o princípio constitucional que garante a propriedade. A mesma Constituição que garante a propriedade dá ao legislador e ao Governo o poder de retirar do proprietário a parcela de seu patrimônio correspondente ao tributo a ser pago.  A busca do equilíbrio entre o direito de propriedade e a exação tributária deve ser um dos objetivos da Política Tributária. 10.4.   O princípio da igualdade Conforme já salientado, a igualdade é um dos pilares da democracia. Afirma  Américo Lourenço Masset Lacombe que “a isonomia é o princípio nuclear de todo o nosso sistema constitucional.  É o princípio básico do regime democrático”.[13]   A igualdade nas denominadas “democracias liberais” pretende a igualdade jurídica de todas as pessoas.  Essa igualdade formal não mais atende aos anseios da maioria, que pretende que as desigualdades injustas sejam removidas. O art. 3º, inciso III, da Constituição elege como objetivo fundamental da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.  O dispositivo não prevê a extinção das desigualdades, mas a sua redução. Em matéria de tributação, o inciso II do art. 150 veda aos entes federados “instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão da ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. A igualdade deve ser observada não apenas no campo da definição da obrigação tributária principal, mas também no que concerne às exigências administrativas relativas à tributação e na fiscalização dos sujeitos passivos. O princípio da igualdade, que tem permitido grandes controvérsias nos diversos setores do direito, adquire peculiaridades no campo tributário. É notório que a igualdade entre os homens, essencial na democracia,  não significa que todos devam pagar o mesmo montante de tributos.  A desigualdade no mundo real faz com que haja desigualdade nas exigências tributárias.  O dever tributário corresponde à justiça distributiva e não à justiça comutativa. Por isso, a lei tributária leva em consideração essas diferenças econômicas, avaliando-as em diversos aspectos. No caso, o inciso II do art. 150 da Constituição veda tratamento desigual “entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”.  Assim, a equivalência da situação deve ser apreciada pelo legislador.  Na prática, essa apreciação não é fácil. Em uma sociedade heterogênea, cheia de interesses conflitantes, o legislador poderá distinguir duas situações equivalentes, introduzindo um critério para diferenciá-las e, assim, justificar a tributação diferenciada de cada uma delas.  A rigor, essa diferenciação deveria ser considerada inconstitucional, mas a doutrina e a jurisprudência tem admitido que se a diferenciação for razoável, ela pode ser aceita.  A própria noção de equivalência é equívoca. Exemplos não faltam.  A legislação do imposto de renda diferencia os rendimentos salariais dos rendimentos de aplicação financeira, e tributa-os diferenciadamente, podendo resultar menos gravosa a incidência sobre as aplicações financeiras.  Essa decisão da política tributária visa a estimular as aplicações financeiras (inclusive as provenientes do exterior) consideradas importantes pelas autoridades monetárias.  Assim, a política monetária (certa ou errada) influencia a política tributária, e passa a existir uma razão para tratamento diferenciado a situações equivalentes (o mesmo montante de rendimento será diferentemente tributado, conforme refira-se a salário ou a juros). A legislação tributária vigente tem permitido que o interesse administrativo possa ser responsável pela quebra da isonomia.  Veja-se o exemplo da tributação diferenciado do imposto de renda sobre aluguéis.  Se um proprietário alugar seu imóvel para uma pessoa jurídica, o imposto de renda deverá ser retido pelo locatário; caso a locação seja feita a uma pessoa física, o imposto de renda deverá ser pago, mensalmente, pelo locador (“carnê-leão”).  Essa diferença de tratamento poderá levar, dependendo do valor do aluguel pago, a incidência mais gravosa no caso de o inquilino ser pessoa física, além de ser instituída uma obrigação a mais para o contribuinte (o de ser responsável pelas antecipações, sujeitando-se a penalidades no inadimplemento dessas antecipações). A concessão de estímulos fiscais, como estratégia de política tributária, é muito freqüente, mas implica admissão de um critério que diferencia os contribuintes. O legislador resolve estimular um setor da economia, ou um segmento desse setor, concedendo-lhe um tratamento tributário distinto do tratamento geral às situações que poderiam ser consideradas equivalentes.  Observam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo  que “questão complexa é a relativa à compatibilidade entre isenções não gerais e o princípio da isonomia, especialmente nos casos em que a isenção é concedida a pessoas com grande poder econômico, em óbvia contradição com o princípio da capacidade contributiva”.[14] 10.5.   A irretroatividade da lei Entre os princípios constitucionais tributário inclui-se o relativo à irretroatividade da lei, que no campo tributário adquire feição própria. Assim, a alínea “a” do inciso III do art. 150 veda a cobrança de tributo em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.  Na sistemática tributária, cabe à lei eleger os fatos reveladores de capacidade contributiva e instituir os tributos mediante a definição das hipóteses de incidência.  A Constituição assegura que os fatos ocorridos antes do início da vigência da lei não podem ser incluídos no fato gerador definido pela lei. É também vedada a cobrança de tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.  Trata-se do clássico princípio da “anterioridade em relação ao exercício de cobrança”, sucessor do antigo princípio da anualidade, que preserva o contribuinte da surpresa pela edição de leis instituindo ou majorando tributos. Houve um aperfeiçoamento do princípio da anterioridade, com a introdução, pela alínea c do inciso III do art. 150 da vedação de se cobrar tributo “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. 10.6.   As imunidades tributárias A Constituição preservou os valores fundamentais da democracia impedindo que o legislador possa prejudicá-los mediante o uso da tributação.  Com esse desiderato, foram estabelecidas vedações constitucionais que impedem o uso da competência tributária.  Nos casos de imunidade tributária, o legislador não detém competência para instituir o tributo. A relação de imunidades previstas no art. 150, VI, da Constituição contempla diversos objetivos. A  denominada “imunidade recíproca”, assegurada na alínea “a”  mira a preservação da Federação, evitando que a instituição de impostos possa onerar as finanças dos entes federados.  A noção de federação, como organização estatal, é um dos valores políticos mais relevantes na sociedade brasileira, sendo “cláusula pétrea” a sua manutenção. A alínea “b” consagra a imunidade dos “templos de qualquer culto”.  O objetivo é assegurar a liberdade religiosa, evitando que por meio da instituição de impostos possa haver perseguição a alguma entidade religiosa.  A amplitude que deve ser reconhecida a essa imunidade tem sido alvo de polêmicas. Além disso, há acusações de que entidades religiosas têm sido instituídas apenas com a finalidade de encobrirem negócios lucrativos e tributáveis. A alínea “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição veda a instituição de impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”. Os partidos políticos são considerados essenciais para a democracia, e a Constituição houve por bem preservá-los da incidência de impostos.  Destarte, impede-se a eventual perseguição política a partidos rivais daquele que esteja no exercício do poder.  Além disso, essa imunidade tem o condão de não criar dificuldades financeiras para a instituição de novos partidos, principalmente aqueles ligados às camadas mais pobres da população.  A imunidade dos partidos políticos liga-se à liberdade política dos cidadãos. A imunidade das entidades sindicais dos trabalhadores garante a liberdade sindical, impedindo que essa liberdade seja cerceada em razão de incidência de impostos. Na mesma trilha, a Constituição preserva da incidência de impostos o patrimônio, a renda ou serviços das instituições de educação e de assistência social, desde que não tenham fins lucrativos e atendam os requisitos da lei.  A liberdade de educação é uma das expressões da liberdade política dos cidadãos.  O dispositivo garante que o poder público não inibirá o florescimento de instituições de educação (sem fins lucrativos) mediante a instituição de impostos.  Portanto, ao lado das escolas públicas, podem ser instituídas escolas particulares que, se não tiverem fins lucrativos (isto é, se não distribuírem  lucros para seus instituidores), e desde que atendam os requisitos da lei, não terão seu patrimônio, renda ou serviços onerados por impostos.  Essas entidades ajudam cooperam com o desenvolvimento do país, sendo que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família (art. 205 da Constituição). Razões similares explicam a imunidade das instituições de assistência social sem fins lucrativos e que atendam os requisitos de lei.  Essas instituições cooperam com o próprio Estado, prestando a assistência social.  Não tendo fins lucrativos, a totalidade de sua receita é aplicada na assistência social.  O dispositivo garante que a liberdade de existência de assistência social privada, importante para que haja  o pluralismo na assistência social, não será inibido em razão de incidência de impostos. A alínea “d” do dispositivo constitucional em análise veda a instituição de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. Conforme é curial, há aqui a garantia de que o poder público não tentará inibir a liberdade de informação e de transmissão de pensamento, mediante a instituição de impostos.  É ínsita à democracia a liberdade de palavra, de comunicação e de transmissão de pensamento.  A História revela que nas sociedades não democráticas essa liberdade sempre foi cerceada, em benefício dos governantes. 11.   Propostas em defesa da ampliação do conteúdo democrático das políticas tributárias e fiscal Conforme salientou JOSÉ AFONSO DA SILVA, a democracia não é estática, e se desenvolveu ao longo da História, com a ampliação de seu conteúdo e a imposição de novos valores. A “democracia burguesa” instalada na maioria dos países, inspirada nos ideais  da Revolução Francesa, preocupou-se em garantir o direito dos indivíduos contra o Estado.  A Constituição Federal brasileira, ao definir o sistema tributário nacional, preocupou-se em proteger os direitos fundamentais do contribuinte, entre esses a liberdade, a igualdade e a propriedade.  Indiscutivelmente, esses valores são essenciais e devem ser protegidos. O contribuinte possui esses direitos constitucionalmente assegurados, para se defender contra alguma ofensiva do legislador, relativamente a seus direitos fundamentais.  Entende-se por contribuinte a pessoa física ou jurídica que é devedora de tributos, em razão da incidência da lei tributária. No entanto, os novos tempos estão a exigir a ampliação da presença do cidadão-eleitor na formulação de políticas tributárias e  fiscais; o cidadão deve buscar maior envolvimento com as decisões sobre o custeio da Administração Pública e a aplicação dos recursos orçamentários. As campanhas políticas dos candidatos não dão a devida ênfase sobre a questão tributária, limitando-se a vagas promessas de “diminuir a carga tributária”, enquanto contraditoriamente prometem ampliar os serviços públicos. Esse comportamento dos candidatos aos cargos eletivos decorre da circunstância de que a quantidade de eleitores é muito maior do que a quantidade de contribuintes (entendido aqui o contribuinte em seu sentido técnico, isto é, a pessoa que, tendo praticado fato gerador da obrigação tributária, deve apresentar declaração e realizar pagamentos).   A maior parte da população brasileira tem baixa renda e é isenta de impostos[15] (ou deve pagar, a título de imposto, um pequeno valor).  Para esses eleitores (portanto, para a maioria do eleitorado), a discussão sobre política tributária, além de ser tecnicamente incompreensível, é desinteressante.  Esses eleitores são mais sensíveis às promessas de maior presença da Administração Pública, com a melhoria dos serviços públicos e o aumento do assistencialismo. Para angariar maior quantidade de votos, os candidatos fazem promessas de campanha que implicariam, se fossem cumpridas, aumento das despesas públicas e, por conseqüência, aumento dos tributos. O eleitor, que escolhe os candidatos em quem quer votar, na maioria dos casos não é o contribuinte, que tem consciência de que vai custear as despesas públicas mediante o pagamento de tributos.  Essa “perversão democrática”  acarreta a adoção de políticas tributárias onde predominam os tributos aos quais os economistas denominam de “indiretos”, cuja carga tributária onera o consumo e são cobrados “invisivelmente” (embutidos nos preços dos produtos e dos serviços). Aristóteles já havia afirmado que a democracia pode corromper-se em demagogia. A evolução da democracia, em um estado democrático de direito, deve exigir maiores compromissos dos partidos políticos e dos candidatos na definição das políticas tributárias que adotarão, caso assumam o poder.  Essa definição deve vincular os candidatos eleitos. As leis devem assegurar maior transparência da Administração Pública, com acesso facilitado ao cidadão-eleitor, ao qual devem ser conferidos direitos de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários. Portanto, aos cidadãos devem ser conferidos poderes jurídicos para atuar na fiscalização da aplicação dos recursos públicos, de forma que o envolvimento da cidadania com as políticas tributárias e fiscais seja dinamizado. Em síntese: 1. O Estado necessita de recursos financeiros para atender às suas finalidades. 2. A definição das finalidades do Estado é opção política,  de forte cunho ideológico. 3. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado acarretou o surgimento de complexa organização, envolvendo autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista. 4. O incremento das finalidades atribuídas ao Estado implica aumento das necessidades financeiras do Estado. 5. A principal fonte de recurso estatal é o tributo. 6. A estrutura dos serviços públicos contemporânea torna complexa a definição de tributo e a própria noção de tributo é controvertida. 7. A estrutura dos serviços públicos é decorrente de opções políticas. 8. A distribuição da carga tributária entre os segmentos sociais é opção política. 9. A Política Tributária é o conjunto de opções políticas adotadas pelo governo, visando a instituição e calibragem dos tributos a serem pagos pela sociedade. 10. A Política Tributária leva em consideração os efeitos extra-fiscais da tributação. 11. Em uma democracia, a Política Tributária respeita os direitos fundamentais do contribuinte. 12. O sistema tributário adotado pela Constituição admite amplo espaço para a escolha política dos segmentos sociais que deverão financiar a Administração Pública.  Assim, há diversas alternativas tributárias  possíveis. 13. Em um Estado de Direito somente mediante lei podem ser estabelecidas exigências tributárias. 14. A lei tributária deve respeitar os princípios e os valores democráticos, conforme insculpidos na Constituição. 15. O conjunto de regras relativamente à instituição, fiscalização e cobrança de tributos é disciplinado pelo  Direito Tributário, e o Direito Tributário é o instrumento da política tributária. 16. Em uma democracia, os gastos públicos são feitos no interesse da população. 17. A disciplina dos gastos públicos é regida pelo Direito Financeiro e deve atender às regras e princípios orçamentários estabelecidos pela Constituição. 18. A destinação do produto da arrecadação tributária é, também, opção política. 19. As regras jurídicas constitucionais exigem a elaboração de Orçamento, e os gastos públicos devem ser feitos em conformidade com as leis. 20. Os recursos públicos são fornecidos pela sociedade ao governo, e devolvidos pelo governo à sociedade. 21. O segmento social que paga o tributo não é necessariamente o que irá receber a ação estatal custeada por esse pagamento. 22. Em uma democracia a tributação pode implicar em realocação da renda nacional. 23. É da natureza do governo ser exercido por uma minoria. 24. A democracia caracteriza-se pela escolha dos governantes pelo povo e pela adoção de princípios que consagram valores fundamentais, como a liberdade e a igualdade de todos os homens. 25. O governo democrático é exercido “em nome do povo”. 26. A relação entre tributo e democracia é de grande complexidade, tanto no que concerne à definição de tributo, como à definição de democracia. 27. A Constituição estabelece limitações ao poder de tributar, preservando os valores democráticos. 28. Os “direitos individuais”, embora de inspiração burguesa, são de aplicação universal. 29. Os “direitos individuais” limitam a formulação das políticas tributárias. 30. O direito de propriedade é afetado pela imposição tributária. 31. A escolha dos contribuintes que irão custear as despesas públicas resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais. 32. A escolha dos setores e segmentos da sociedade que serão beneficiados pela ação estatal  resulta de opções ideológicas e das pressões dos grupos sociais. 33. Nas sociedades a maioria  dos eleitores é formada pelas pessoas com menos recursos econômicos. 34. Para obter votos, os políticos adotam critérios de gastos públicos que atendam a seus eleitores. 35. Governar é administrar recursos limitados para atender uma ânsia ilimitada por parte da população. 36. A democracia pode-se corromper na  demagogia “irresponsável”. 37. Na democracia indireta, a maioria escolhe quem vai governar, mas a maioria não governa. 38. O aprimoramento da democracia está a exigir a ampliação dos direitos do cidadão, de forma a permitir uma maior participação na política tributária, e na elaboração e execução da lei orçamentária.  Entre os novos direitos da cidadania, deve ser incluído o direito de ação contra o uso ilegal ou ilegítimo dos recursos orçamentários.
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Mandado de segurança em matéria tributária – a cobrança de IPTU sobre imóvel cedido
O presente trabalho propõe o estudo sobre  a aplicação do princípio da imunidade tributária nos casos de cobrança de IPTU a concessionárias e permissionárias de serviços público. O tema ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal reflete a controvérsia ante a aparente repercussão geral aplicada ao tema.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O presente trabalho propõe o estudo sobre  a aplicação do princípio da imunidade tributária nos casos de cobrança de IPTU a concessionárias e permissionárias de serviços público. O tema ainda pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal reflete a controvérsia ante a aparente repercussão geral aplicada ao tema. Contudo, a regularidade da cobrança nos termos do caso levado a julgamento no STF, não é capaz de relativizar a coisa julgada quanto à primeira hipótese apresentada. Logo, a cobraça deve ser estirpada até pacificação do entendimento no STF. 2. APRESENTAÇÃO DA HIPÓTESE ESTUDADA A Impetrante firmou “Contrato de Concessão de Obra Pública” com o Município, em junho de 1996, com a finalidade de construção e exploração do “Centro de Convenção e Eventos do Município”. Através deste contrato ficou estipulado que após o término da construção do referido prédio caberia à contratada o direito de exploração comercial de todos os espaços e serviços por um prazo de 23 (vinte e três) anos, ocasião em que cessarão todos os direitos privilégios a ela concedidos. Esses direitos, entretanto, se referem somente à execução e exploração da obra pública, sem nenhuma interferência sobre o domínio do imóvel, que continua pertencendo ao Município. Muito embora seja a municipalidade real proprietária do terreno em comento, a Impetrante foi surpreendida com a cobrança indevida do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU. Com o pleito constitutivo negativo, a Impetrante ajuizou Ação Anulatória de débito fiscal, a qual foi julgada procedente para anular o crédito tributário. Ascendidos os autos por força do reexame necessário e recursos voluntários interpostos por ambas as partes, foi mantida na íntegra a decisão proferida em primeiro grau de jurisdição. Assim, apesar da cobrança do crédito tributário ter sido anulada por decisão transitada em julgada, a Fazenda Estadual insiste em cobrar o imposto, emitindo boletos bancários para a sede da Impetrante; bem como nega-se a expedir certidão negativa de débito fiscal, em clara violação aos dispositivos do Código Tributário Nacional, da Constituição Federal e da Coisa Julgada. 3. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO O Mandado de segurança é uma das garantias previstas na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXIX, que assegura aos indivíduos a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade. In casu, o ato coator está na cobrança indevida de tributo. A ameaça de ter esta cobrança inscrita em dívida ativa autoriza, por si só, o manejo do presente remédio constitucional para proteger o direito líquido e certo, assegurado por decisão transitada em julgado, para que o Impetrante não seja responsabilizado pelo pagamento do IPTU. Portanto, o objeto do Mandado de Segurança é exigir que a autoridade pública coatora, no exercício de atribuições do Poder Público, seja impedida de realizar as cobranças e de enviar boletos bancários para pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU. A relevância jurídica aqui não está contida no receio do Impetrante, que varia conforme sua sensibilidade, ao contrário, encontra-se na ameaça, que é elemento objetivo. Ou seja, havendo indícios objetivos suficientes da existência de lesão iminente (cobrança indeveida de tributo), o que torna certa ou, bastante provável, a prática do ato impugnado (inscrição em dívida ativa). Como é sabido, a ameaça deve ser séria, grave, não podendo ser analisada sob o prisma do seu efeito subjetivo. De acordo com Celso Agrícola Barbi: “O receio deve ser considerado ‘justo’ quando a ‘ameaça’ de lesão revestir-se de ‘determinadas características’. E estas são justamente as constantes da Declaração do Congresso Internacional, isto é, a ‘ameaça’ deve ser ‘objetiva e atual’. Entendemos que a ‘ameaça’ será ‘objetiva’ quando real, traduzida por fatos e atos, e não por meras suposições; e será ‘atual’ se existir no momento, não bastando que tenha existido em outros tempos e haja desaparecido[1] (Do mandado de segurança. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 69) A atividade administrativa é investida do princípio da presunção da legalidade, ou seja, presume-se que a administração tem obediência às leis, não praticando ato ilegal. Assim, a ameaça, da qual decorre o justo receio de lesão a direito, tem que ser comprovada. Assim, ao recebe mensalmente a cobrança do IPTU, de fato, será levado à dívida ativa no Múnicípio, comprometendo a receita destinada às atividades do Impetrante. O parágrafo único do artigo 142 do Código Tributário Nacional estabelece que “a atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.  Todavia, a autoridade administrativa tendo o conhecimento da ocorrência de um fato que anula a cobrança de tributo, tem o dever de deixar de fazer o lançamento. Assim, uma decisão que anula a cobrança de um tributo, transitada em julgado a mais de um ano, impossibilitando a sua cobrança, desde logo obrigada a autoridade pública deixar de exigir o tributo. Diante da situação é cabível a impetração do Mandado de Segurança Preventivo, não sendo necessário que o contribuinte aguarde a inscrição em dívida ativa. No entendimento de Hugo de Brito Machado também não precisa esperar a ocorrência de ameaça dessa cobrança, uma vez que, o justo receio, a ensejar a impetração, decorre do dever legal da autoridade administrativa de não lançar o tributo e de fazer a cobrança respectiva.[2] Vale ressaltar que o prazo decadencial está previsto na Lei Federal 1.533 em seu artigo 18, o qual reza que “o direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos cento e vinte dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”. No caso dos autos trata-se de Mandamus Preventivo e impugna-se uma ameaça a lesão de direito. E se ainda não ocorreu lesão a direito líquido e certo, não se pode cogitar a decadência. Neste sentido, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ante a inexitência do prazo de decadência face o mandado de segurança preventivo: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IPTU. PROGRESSIVIDADE DAS ALÍQUOTAS. MANDADO DE SEGURANÇA. RECONHECIMENTO DO CARÁTER PREVENTIVO. PRAZO DECADENCIAL. TERMO INICIAL. EXERCÍCIOS PRETÉRITOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 07/STJ.  EXERCÍCIO ATUAL. ASPECTO PREVENTIVO ADMITIDO. USO DO WRIT. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Impetrante de Mandado de Segurança que pretende a suspensão da cobrança judicial do IPTU exigido nos anos de 1997 a 2001, por inconstitucional. 2. Reconhecimento de decadência pelas instâncias ordinárias, extinguindo o feito sem julgamento do mérito. 3. Recurso especial visando ao reconhecimento do caráter preventivo do mandamus, uma vez que almeja impedir a cobrança judicial dos débitos e não o lançamento tributário. 4. Necessidade, em relação aos anos de 1997 a 2000, de análise de prova para a confirmação da inexistência de inscrição em dívida ativa ou de execução fiscal em andamento. Incidência da Súmula nº 07/STJ. 5. Manutenção do aspecto preventivo do writ em relação ao ano de 2001, não cabendo a exigência do prazo decadencial de 120 dias. Precedentes desta Corte. 6. Recurso parcialmente provido”. (STJ, 1a Turma. RESP 657218 / RS. Relator Ministro José Delgado. Julgado em: 3 de fevereiro de 2005. DJ 11.04.2005 p. 191.) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IPTU. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. ART. 18, DA LEI N.º 1.533/51. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Quando o mandado de segurança desafia tributo considerado indevido, antes de intentada a execução fiscal, a impetração caracteriza-se pela preventividade, não lhe sendo aplicável o prazo de 120 dias previsto no art. 18, da Lei n.º 1.533/51. Precedentes. 2. Na hipótese, houve inscrição do débito em Dívida Ativa, voltando-se a impetração contra a iminência do ajuizamento do executivo fiscal. Sendo a atividade da Administração Tributária vinculada e obrigatória, a execução posterior da CDA é inexorável. Não há dúvida, assim, de que a presente ação de segurança tem caráter preventivo. 3. Recurso provido”. (STJ, 2a Turma. RESP 557229 / RS. Relator Ministro Castro Meira. Julgado em; 3 de junho de 2004. DJ 16.08.2004 p. 207.) Com isso, os efeitos perversos da tributação permanecem em decorrência de atos abusivos e ilegais da autoridade tributária coatora. Assim, considerando assegurado direito líquido e certo da Impetrante, a autoridade coatora deve ser impedida, mais uma vez, e agora por força do presente remédio constitucional, de cobrar o IPTU. 3.1. Liminar em Mandado de Segurança Preventivo O artigo 7º, inciso II, da Lei 1.533/51, que disciplina o Mandado de Segurança, dispõe que a liminar será concedida, suspendendo-se o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento do pedido e do ato impugnado e quando puder resultar a ineficácia da medida. Ao passo que a relevância do fundamento, entendida como a plausibilidade do direito invocado (fumus boni iuris), resta demonstrada na notificação para pagar o débito tributário, bem como na decisão judicial que anula a cobrança do IPTU. O perigo da demora do provimento judicial (periculum in mora) faz-se presente diante da possibilidade de inscrição em dívida ativa de tributos não devidos pelo Impetrante. Assim, estando presentes o “fumus boni iuris”, ante a ilegalidade manifesta na violação da coisa julgada, bem como o “periculum in mora”, aumenta a ameaça de ter o débito inscrito em dívida ativa, ato ilegal que dificulta ou macula as atividades empresariais do Consórcio, justificando o pleito liminar. Ante o exposto, a autoridade coatora lesou direito líquido e certo do Impetrante ao permanecer exigindo o pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, e sob a ameaça de ter este débito inscrito em dívida ativa impõe-se o manejo do presente remédio constitucional. 4. REPERCUSSÃO GERAL NA COBRANÇA DE IPTU Cumpre ressaltar o que a doutrina confere para designar ampla significação à questão do contribuinte do IPTU: “o vocábulo propriedade não foi utilizado pela Constituição em sentido técnico. O termo foi empregado em sua acepção corriqueira, comum, vulgar“[3]. Por outro lado, há quem defenda que “quando o Código Tributário Nacional fala em possuidor a qualquer título, entendemos que a expressão volta-se apenas para as situações em que há posse ad usucapionem, vale dizer, posse que pode conduzir à propriedade“.[4] Nessa linha, exemplificativamente, deliberou o STJ que “o IPTU só pode ser cobrado do proprietário e não do locatário, cuja posse direta não exterioriza a propriedade“.[5] Com efeito, verifica-se que no caso da própria municipalidade querer exigir IPTU sobre o imóvel que é de sua posse indireta, constitui uma confusão conceitual que é até difícil de afastar, pela tamanha a obviedade. De todo modo, reitera-se posição do Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTÁRIO. IPTU. COBRANÇA INDEVIDA. CONTRATO DE CESSÃO DE USO. INAPLICABILIDADE DO ART. 34 DO CTN. I. Na esteira dos precedentes deste eg. Tribunal, o IPTU deve ser cobrado do proprietário ou de quem detém o domínio útil ou a posse do imóvel, vinculando-se tal imposto a institutos de direito real. Assim sendo, tendo o contrato de concessão de uso de bem público natureza pessoal e não real, inexiste previsão legal para que o cessionário seja contribuinte do IPTU. II . Precedentes citados: Resp 692682/RJ, Segunda Turma, DJ de 29.11.2006 e Resp 681406/RJ, Primeira Turma, DJ de 28.02.2005. III. Nada obstante tenha sido esta a fundamentação da decisão agravada, qual seja, a aplicação da Súmula n. 83/STJ in casu, deixou a agravante de impugná-la, especificamente, motivo a obstaculizar o recurso de agravo, ora interposto, a Súmula n. 182/STJ. IV. Agravo regimental improvido”.[6] Em que pese aparentemente não exsurgir controvérsia alguma, o assunto comporta discussão no Supremo Tribunal Federal, eis que a matéria recebeu status de repercussão geral. Atualmente continua pendente de julgamento na Suprema Corte do país, a obrigatoriedade ou não de pagamento de IPTU de imóvel de propriedade da União cedido para empresa privada que explora atividade econômica, como ocorre na hipótese apresentada ao presente estudo. O relator do Recurso Extraordinário n. 601720, ministro Ricardo Lewandowski, asseverou que “o tema apresenta relevância do ponto de vista jurídico” porque a definição sobre o alcance da imunidade tributária recíproca (prevista na alínea “a” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal) em relação a imóveis que pertencem a entes públicos, mas são utilizados por concessionários ou permissionários para exploração de atividade econômica com fins lucrativos, “norteará o julgamento de inúmeros processos similares que tramitam (no Supremo) e nos demais tribunais brasileiros”. Segundo Lewandowski, é necessário avaliar a possibilidade de particulares integrarem a relação jurídico-tributária na qualidade de contribuintes de IPTU que eventualmente recaia sobre imóveis que pertençam a entes da Federação. Ele ressaltou, ainda, que a contenda tem repercussão econômica porque a dissolução do tema poderá acarretar “relevante impacto financeiro no orçamento de diversos municípios”. O caso será discutido no julgamento do Recurso Extraordinário, de autoria do Município do Rio de Janeiro. No processo, o município afirma que a regra da imunidade recíproca — que veda aos entes da Federação (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) cobrar impostos uns dos outros — não se aplica a imóveis públicos cedidos a particulares que exploram atividade econômica, ou seja, quando o imóvel não tem destinação pública. No caso em análise, um contrato de concessão de uso de imóvel foi firmado entre a Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) e uma concessionária de veículos que, por meio de uma ação anulatória de débito-fiscal, teve reconhecida a imunidade tributária recíproca sobre a cobrança do IPTU, em razão de o imóvel ser de propriedade da União. Contudo, o Município do Rio de Janeiro sustenta que consta no próprio contrato de concessão cláusula expressa no sentido de que a empresa concessionária deveria pagar os tributos fundiários municipais. Ao acolher o pedido da concessionária, a Justiça do Rio de Janeiro entendeu pela impossibilidade de cobrança do IPTU de empresa que não detém nem o domínio nem a posse do bem, com base no artigo 34 do Código Tributário Nacional. O Tribunal reconheceu a existência de Repercussão Geral da questão constitucional suscitada. Ficou vencido o ministro Ayres Britto. O status de Repercussão Geral de um Recurso Extraordinário somente pode ser negado com a manifestação de dois terços dos ministros do Supremo, ou seja, com oito votos.[7] 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A regularidade da cobrança de IPTU na hipótese de incidência sobre imóveis cedidos e explorados por concessionárias e permissionárias é tema controverso na jurisprudência pátria. Ante todo o exposto, cumpre salientar que a autoridade coatora permanece lesando direito líquido e certo ao exigir o pagamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, e sob a ameaça de ter este débito inscrito em dívida ativa impõe-se o manejo do presente remédio constitucional. A regularidade da cobrança nos termos do caso levado a julgamento no STF, não é capaz de relativizar a coisa julgada quanto à primeira hipótese apresentada. Logo, a cobraça deve ser estirpada até pacificação do entendimento no STF.
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Efetivação de políticas públicas e a escassez de recursos financeiros
O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas. Assim, a finalidade do Estado, ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é a de realizar os objetivos fundamentais da Constituição Federal. Dentre estes objetivos, destaca-se o da dignidade dapessoa humana, cujo limite de partida será sempre o mínimo existencial, e que ao mesmo tempo vem delimitado em linhas gerais pelos princípios constitucionais e pelos direitos e garantias individuais e coletivos. Será avaliada a necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantindo a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo, promovendo a efetivação dos direitos fundamentais através de decisões judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é de se verificar quais os parâmetros de controle a serem observados e como operacionaliza-los, de modo a obter uma efetividade dos direitos que exigem a prestação de serviço ou de atendimento público, sem perder de vista os contornos constitucionais. A realização do mínimo existencial não pode depender de uma discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, comprometendo recursos financeiros para atender algumas áreas em detrimento de outras mais essenciais. Palavras-chave: Orçamento público; Políticas públicas; Recursos financeiros. Sumário: 1. Introdução. 2. O Orçamento Público: Questões Relevantes. 3. Orçamento Participativo, Audiências Públicas e os indicativos legais. 4. Políticas Públicas: Uma questão orçamentária. 5. Efetivação das Políticas Públicas e a escassez de recursos financeiros. 6. Conclusão. Referências bibliográficas. 1. Introdução O debate em torno da efetividade das políticas públicas que visam garantir os direitos fundamentais preconizados pela Carta Constitucional ainda demanda discussões doutrinárias e principalmente a apreciação desses direitos pelo Poder Judiciário, que frequentemente é provocado para manifestar sobre a liberação de recursos públicos. Com isso, é necessário verificar a possibilidade de aplicar os dispositivos constitucionais pertinentes, com vistas às ações do Estado, deliberadamente em políticas públicas, considerando a costumeira escassez de recursos. O Estado moderno necessita cada vez mais recursos financeiros para atender às necessidades coletivas. Tais despesas integram o orçamento público. O orçamento não é um mero documento contábil e administrativo. Ele deve considerar o interesse da sociedade. Assim sendo, o orçamento deve refletir um plano de ação governamental. Diversas são as diretrizes, tanto constitucionais quanto infraconstitucionais para orientar a realização e execução do orçamento público. A destinação e os valores que serão utilizados para a implementação dos serviços públicos, dependem de decisão política quando da elaboração do orçamento público. Neste contexto há que se falar no desenvolvimento de políticas públicas, antes, porém, a sua inclusão no orçamento. É o Estado que elege quais despesas pretende realizar e suas respectivas prioridades.  Há então o controle quanto aos gastos públicos que o Estado deve realizar nos termos da legislação aplicável, sob pena de nulidade da despesa realizada. A Constituição Federal de 1988 é considerada como uma das Cartas mais avançadas em matéria de proteção dos direitos fundamentais. Então, a questão que se apresenta é a de saber quais as prioridades a serem adotadas no momento da definição e da execução dos gastos públicos. Posteriormente, poderá ser avaliada a necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantido a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo, promovendo a efetivação dos direitos fundamentais através de decisões judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é de se verificar quais os parâmetros de controle a serem observados e como operacionalizá-los, de modo a obter uma efetividade dos direitos que exigem a prestação de serviço ou de atendimento público, sem perder de vista os contornos constitucionais. Devem ser considerados também os objetivos e os valores fundamentais da República, estatuídos no art. 3º da Constituição Federal bem como os limites constitucionais que são representados pelos valores, objetivos fundamentais da República e programas trazidos pelo texto constitucional, conforme estão demonstrados: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Todos estes objetivos fundamentais devem ser observados pelo Poder Público, notadamente pela edição de normas e demais comandos para o seu atendimento por meio do planejamento e consequentemente nos orçamentos de cada ente político da Federação. Ao comentar sobre as limitações aos gastos públicos, Scaff[1] pontifica que estes também podem ser materiais,pois o uso de recursos públicos deve se dar de forma a permitir que os objetivos estabelecidos no Art. 3º da Constituição sejam alcançados. Scaff[2], citando Roberto Alexy, destacou: é imprescindível que sejam realizados gastos públicos em direitos fundamentais sociais, a fim de permitir que as pessoas possam exercer sua liberdade jurídica obtendo condições de exercer sua liberdade real. Assim, os gastos públicos não permitem que o legislador, e muito menos o administrador, realize gastos de acordo com suas livre consciência, de forma desvinculada aos objetivos estatuídos no Artigo 3º da Constituição Federal. Para a implementação dos direitos fundamentais, é de se verificar a questão orçamentária, em que medida há disponibilidade de recursos públicos para custear os direitos sociais. Com a distribuição das competências, a Constituição Federal estabelece quais são as fontes de receita da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, bem como a repartição da receita entre os respectivos entes políticos da Federação. O próprio legislador constitucional indicou algumas situações (com finalidades específicas) cuja receita deverá estar vinculada e comprometida, devendo o gestor público se ater a elas, sob pena de improbidade administrativa. 2. O Orçamento Público: Questões Relevantes Integram o orçamento da administração pública todas as previsões de receitas quanto às despesas que serão realizadas, conforme dispõe a Lei 4.320/64 que estatui as Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. As receitas públicas correspondem aos ingressos, procedentes da arrecadação de tributos ou de outras fontes e são destinadas à satisfação das necessidades públicas, mantidas pelo Estado. Para Aliomar Baleeiro[3], a receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.[4] A Despesa Pública, por sua vez, é o conjunto dos dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos.[5]Em face do princípio da legalidade da despesa pública, ao administrador público éimposta a obrigação de observar as autorizações e limites constantes nas leisorçamentárias. Sob pena de crime de responsabilidade previsto pelo art. 85, VI daConstituição Federal, é vedado ao administrador realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária,nos termos do art. 167, inciso II. Na Constituição Federal, o orçamento está previsto no art. 165, assim disposto: Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais.O parágrafo 1º ressalta que a lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. Já a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento, como está disposto no parágrafo 2º do referido Artigo. O parágrafo 4º, consequentemente, estabelece que os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição Federal serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional. A lei orçamentária anual, como determina o parágrafo 5º do Art. 165 da Constituição Federal compreenderá: “I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.” O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (§ 6º do art. 165 da Constituição Federal). Os orçamentos previstos no § 5º, I e II do art. 165 da Carta Constitucional, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. Referido destaque é relevante para analisar este conteúdo juntamente com o artigo 3º, bem como com o artigo 170 da Constituição Federal que estabelece os objetivos fundamentais da República e os princípios e fundamentos da ordem econômica. Com isso, a Constituição Federal, oferece todas as diretrizes para a elaboração, execução e controle do orçamento do Governo Federal. De igual modo, tais parâmetros são estabelecidos nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios. Aliomar Baleeiro conceitua orçamento como o ato pelo qual o Poder legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.[6] Já, José Afonso da Silva destaca que o orçamento é o processo, é o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação das despesas de cada exercício financeiro.[7] Desta forma, o orçamento deverá prever as políticas públicas constituídas com a finalidade de atender os ditames constitucionais. O Art. 2º da Lei 4.320/64, estabelece que a Lei do Orçamento deverá conter a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade.  O Art. 3º destaca que a Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lê. O Art. 4º enaltece que referida lei compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°. O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas. Assim, a finalidade do Estado, ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é a de realizar os objetivos fundamentais da Constituição Federal. Dentre estes objetivos, destaca-se o da dignidade da pessoa humana, cujo limite de partida será sempre o mínimo existencial, e que ao mesmo tempo vem delimitado em linhas gerais pelos princípios constitucionais e pelos direitos e garantias individuais e coletivos.[8] É no orçamento-programa que o Governo[9] estabelece sua política com previsões de despesas e respectivas receitas.  Tem-se, então que a função de traçar as políticas públicas é de iniciativa do Poder Executivo, com a aprovação do Poder Legislativo na elaboração orçamentária, para posterior aprovação pelo Congresso Nacional, em se tratando do orçamento federal.  A Constituição Federal incluiu o orçamento público como importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político. Destacou, para tanto, a necessidade de aprovação de três leis, sendo: a Lei do Plano Plurianual (PPA) nos termos do Art. 165, § 4º, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) como dita o Art. 166, § 4º e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Todos os planos e programas governamentais devem estar em harmonia com o plano plurianual e a LDO deverá estar em harmonia com o PPA. Deve ser demonstrado pela Administração Pública que os objetivos constitucionalmente estabelecidos (Art. 3º) foram previstos no planejamento orçamentário, pois a Constituição cuidou de direcionar a conduta do legislador e do administrador, impondo diretrizes a serem necessariamente cumpridas. Portanto, a discricionariedade da Administração indica o modo como irá concretizar os objetivos da República, não devendo ser confundido com ampla liberdade, conforme enfatiza Piscitelli[10]: “Seja na produção e fornecimento de bens e serviços públicos, seja atuando nas clássicas funções tendentes a promover o crescimento, a redistribuição e a estabilização, o Estado é o agente fundamental que, por meio de diferentes políticas, pode interferir decisivamente na atividade econômica de qualquer país.” Acrescenta, que por tais razões é que a função orçamentária e financeira da Administração Pública é tão importante.  Em países em que já se adquiriu a consciência política de sua relevância em todas as atividades governamentais, os cidadãos e as instituições participam mais ativamente do processo de alocação e utilização dos recursos públicos. Ao tratar da Lei Orçamentária anual, confirma o autor[11] que: “[…] essa lei, com base nas estimativas e autorização para a obtenção de receitas, fixa, até o encerramento da sessão legislativa, os gastos para o exercício seguinte.  Este é o calendário previsto, tudo dentro de uma perspectiva de planejamento a médio prazo, com planos plurianual nacionais, regionais e setoriais. E que o planejamento é uma forma de a sociedade, por meio de seus representantes e instituições, aferir suas potencialidades e limitações, coordenando seus recursos e esforços para realizar, por intermédio das estruturas do Estado, as ações necessárias ao atingimento [sic] dos objetivos nacionais.” Portanto, é irrecusável a tarefa de identificar e avaliar a direção e o papel do Estado, a gestão dos recursos e a destinação final do gasto público. É preciso conquistar o orçamento, torná-lo, de fato e de direito, o que ele deveria ser, é o que assegura Gustavo Amaral[12], ao salientar que é o momento máximo da cidadania, em que as escolhas públicas são feitas e controladas. A experiência brasileira, contudo, é antiorçamentária, não apenas pela hipertrofia do Executivo, mas pela própria desconfiança quanto ao orçamento. Destaca que a realidade brasileira é a de progressiva vinculação de recursos para os mais variados fins. Há, portanto, um longo caminho a percorrer. Ele depende, contudo, que não se tenha como “direito fundamental incontrastável com questões menores” como as finanças públicas e o fornecimento de todo e qualquer medicamento.[13] E, nesse contexto, destaca-se que o orçamento é o palco no qual devem estar explicitadas as políticas públicas de um Estado em um determinado momento.  E, nele, o Estado, conjuntamente as funções Executiva e Legislativa devem se fazer presente via processo orçamentário, desde a elaboração do plano plurianual, passando pela lei de diretrizes orçamentárias, e com a lei orçamentária anual. O Poder Judiciário deve, exercer seu papel constitucional de julgamento das políticas públicas no sentido de implementação gradual dos direitos fundamentais à prestação e de garantia da dignidade humana, alcançando o bem da vida àqueles que lhe socorrerem.[14] Esta é uma questão polêmica que requer cuidadosa análise. Embora, sendo objeto de apreciação no item 4 e 5, serão, desde já, traçadas considerações a respeito da atuação do Poder Judiciário, quando da liberação de recursos financeiros para atender interesses individuais ou coletivos. Vem a calhar, então, a posição de Régis Oliveira[15] quando escreve que: “[…] descabe ao Judiciário, decisão de tal quilate. No entanto, se o fizer, determinando, por exemplo, a construção de moradias, creches, etc., e transitada em julgado a decisão, coisa não cabe ao Prefeito que cumprir a ordem. Para tanto, deverá incluir, no orçamento do próximo exercício, a previsão financeira. Esclarecerá à autoridade judicial a impossibilidade de cumprimento imediato da decisão com trânsito em julgado, diante da falta de previsão orçamentária, e obrigar-se-á a incluir na futura lei orçamentária recursos para o cumprimento da decisão”.[16] Há doutrinadores[17] que defendem a posição de que diante da escassez de recursos e da multiplicidade de necessidades sociais, cabe ao Estado efetuar escolhas, estabelecendo critérios e prioridades. Tais escolhas consistem na definição de políticas públicas, cuja implementação depende de previsão e execução orçamentária. E, que as escolhas realizadas pelo Estado devem ser pautadas pela Constituição Federal, documento que estabelece os objetivos fundamentais que deverão ser satisfeitos pela autoridade estatal. A título de complementação serão incluídas algumas notas sobre a participação popular na discussão, aprovação e execução do orçamento participativo e de audiências públicas que envolvam interesses relacionados à destinação de recursos financeiros para aprovação e implementação de políticas públicas. 3. Orçamento Participativo, Audiências Públicas e os indicativos legais A iniciativa na elaboração do orçamento é do Poder Executivo e é encaminhada ao Poder Legislativo, por previsão constitucional como já explicitado anteriormente. No entanto, o inciso XII do artigo 29 da Constituição Federal prevê a cooperação de associações representativas no planejamento municipal,[18] o que possibilita a participação da sociedade direta ou indiretamente na discussão da alocação de recursos para atender as finalidades pertinentes. A democracia participativa, para ser exercida, necessita contar com uma sociedade civil organizada, cobrando de seus governantes uma postura que se coadune com os interesses desta sociedade entre outras circunstâncias. Nesse sentido ressalta Fernando Borges Mânica: “No Estado Social e Democrático de Direito, o orçamento instrumentaliza as políticas públicas e define o grau de concretização dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. Dele depende a concretização dos direitos fundamentais. Neste cenário, a Constituição de 1988 alçou o orçamento público a importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político.”[19] A elaboração do orçamento participativo é possibilitar o exercício de cidadania ativa, possibilitando aos cidadãos a participação nas decisões políticas, especialmente no processo de elaboração e execução do orçamento do município, visando à efetivação de políticas públicas. Embora não conste expressamente do texto constitucional de 1988, a participação da comunidade na realização do orçamento é possível verificar esse instituto, a exemplo do art. 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) que assevera: São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Referida Lei também destaca que a transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei dediretrizes orçamentárias e orçamentos. Assim, há previsão legal para que a sociedade possa participar da discussão orçamentária, como plano da respectiva sociedade de receitas e despesas.  O art. 4º, §3º e art. 44 da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), em especial esse último artigo que impõe a discussão do orçamento como pressuposto obrigatório para aprovação do projeto pelas câmaras municipais, merece ser destacado. Estabelece o art. 44, que no âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei, incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. Escreve Sergio Assoni Filho[20] que o controle social do orçamento público no âmbito local aproxima as decisões governamentais do genuíno anseio popular, tornando a ação estatal mais efetiva e à medida do cidadão individualmente considerado, se prestando também ao seguinte: a) propicia maior eficiência na alocação de recursos; b) assegura maior efetividade no planejamento econômico; c) enseja a hierarquização de prioridades; d) obsta o arbítrio governamental, mediante um controle da execução orçamentária mais profícua; e) promove a democratização do poder, conferindo visibilidade ao processo de tomada de decisões políticas; f) favorece a continuidade administrativa; g) educa para a cidadania, contendo um forte caráter pedagógico. Pode-se, então, afirmar que existem diversos dispositivos legais que possibilitam a participação popular na elaboração e aprovação do orçamento e destinação de verbas públicas entre outras participações que envolvem interesses da sociedade, conforme apontado. Embora de maneira ainda pouco expressiva, deve ser considerada uma breve evolução neste sentido, para a inclusão de políticas públicas no orçamento no âmbito municipal. 4. Políticas Públicas: Uma questão orçamentária A Constituição Federal de 1988 elegeu os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais, dispondo no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Por isso, esses direitos também estão sujeitos ao que determina o art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, que prevê a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Aplicabilidade imediata, não significa, contudo, que o Estado está obrigado a prestar e a garantir os direitos de forma absoluta. Nesse sentido é possível, portanto, ver uma possibilidade de aplicação da teoria da reserva do possível, uma vez que não há como negar fatores como escassez de recursos ou mesmo disponibilidade de verbas orçamentárias.[21] Referidos direitos reclamam, quanto a sua efetivação, um mínimo de concretização. Isso significa que a reserva do possível não pode ser usada para justificar nenhuma concretização. Isso equivale a lesar o direito social em questão.[22] Portanto, deve ser verificado qual o mínimo de conteúdo que pode ser exigido do Estado quando da realização dos direitos sociais, considerando a impossibilidade de realização plena. Canotilho[23] destaca a questão financeira para a garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais previstos na Constituição Federal, sendo que a realização desses está atrelada à capacidade financeira do Estado, apresentando a reserva do possível como: “1. “Reserva do possível” significa a total desvinculação jurídica do legislador quanto à dinamização dos direitos sociais constitucionalmente consagrados. 2. Reserva do possível significa a “tendência para zero” da eficácia jurídica das normas constitucionais consagradoras de direitos sociais. 3. Reserva do possível significa gradualidade[sic] com dimensão lógica e necessária da concretização dos direitos sociais, tendo sobretudo em conta os limites financeiros. 4. Reserva do possível significa indicabilidadejurisdicional das opções legislativas quanto à densificação legislativa das normas constitucionais reconhecedora de direitos sociais.” Ao escrever sobre a reserva do possível, Fernando Scaff[24] apresenta, que como o Estado não cria recursos, mas apenas gerencia os que recebe da sociedade, é imperioso que haja uma correlação entre as metas sociais e os recursos que gerência, seja através de arrecadação própria ou de empréstimos obtidos junto ao mercado. Destaca ainda que, quem estabelece para o Estado estasmetas e o volume de recursos a serem utilizados para seu alcance é a sociedadeatravés de seu ordenamento jurídico.[25] A reserva do financeiramente possível pode ser entendida como a realização dos direitos sociais condicionada à disponibilidade e ao volume de recursos suscetíveis, para que não se inviabilize todo o sistema, localizada no campo discricionário das decisões oriundas das políticas de governo e das atividades legislativas, as quais estão sintetizadas no orçamento público. Ou, como apresenta Mariana Filchtiner Figueiredo[26], ao comentar sobre o sistema de saúde: A reserva do financeiramente possível pode ser assim interpretada como objeção à efetividade dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos sociais a prestações materiais, consistente no respeito às decisões orçamentárias estabelecidas pelo legislador democrático, na ponderação concreta entre a escassez dos recursos financeiros disponíveis e o dever de otimizar a concretização dos direitos fundamentais.  Como todos os direitos custam dinheiro, a reserva do possível só pode ser invocada para aquelas situações que extrapolem o mínimo existencial e que se refiram aos indivíduos que possuam meios de obter por si sós a prestação pretendida. No que parece ser desatenção sobre o uso da reserva do possível, costuma-se dizer que “as necessidades humanas são infinitas e os recursos financeiros para atendê-las são escassos.”.[27] De fato, elementos que devem ser considerados no embate entre os direitos a prestações e a escassez de recursos são os ditames econômicos nacionais.[28] Neste sentido, é comum a confusão entre reserva do possível e reserva orçamentária, pela qual se entende que certos direitos, notadamente os direitos sociais, estão sujeitos à dotação orçamentária, isto é, à disponibilidade financeira ou material.[29] A realização do mínimo existencial não pode depender de uma discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, comprometendo recursos financeiros para atender algumas áreas em detrimento de outras mais essenciais. A reserva do possível não deve ser observada somente sob o prisma econômico, mas, também, pelo fato de que mesmo as leis orçamentárias têm um grau jurídico-normativo.[30] No que se refere à jurisprudência, pode-se verificar uma linha de transição. Após o entendimento segundo o qual não cabe ao Poder Judiciário intervir na definição de quaisquer políticas públicas, por óbice decorrente do princípio da separação de poderes e da discricionariedade administrativa, algumas decisões passaram conceber tal intervenção, nos casos em que se discutisse a efetivação de direitos fundamentais. Passou-se a admitir, assim, a prevalência absoluta dos direitos fundamentais. Entretanto, em face da limitação de recursos orçamentários e da consequente impossibilidade de efetivação de todos os diretos fundamentais sociais ao mesmo tempo, passou-se a sustentar, como restrição a tal intervenção do Poder Judiciário em caráter absoluto, a teoria da reserva do possível.[31] 5. Efetivação das Políticas Públicas e a escassez de recursos financeiros A Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948 destaca no art. 25 que toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem estar e o de sua família, especialmente para alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais necessários. A Constituição Federal de 1988 estabelece que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização bem como a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III). Por sua vez, a positivação do direito ao mínimo existencial se dá pela legislação infraconstitucional.[32] Estabelece o artigo 196 da Constituição Federal que é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Ao mesmo tempo, o art. 6º afirma que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. A Constituição Federal fez distinção entre as prestações de saúde que constituem a proteção do mínimo existencial e das condições necessárias à existência, que são gratuitas, e as que se classificam como direitos sociais e que podem ser custeadas por contribuições. Com isso, inclui as atividades preventivas em geral, o direito ao atendimento integral e gratuito, afirma Ricardo Lobo Torres[33]. Por sua vez, a medicina curativa e o atendimento nos hospitais públicos, são remunerados pelos pagamentos das contribuições, ao sistema de seguridade público ou privado. No entanto, deve ser considerada a exceção das situações de atendimento de pessoas que têm o direito ao mínimo de saúde, sem qualquer contraprestação financeira, considerando tratar-se de direitos fundamentais. Para tanto, política pública deve ser compreendida como um conjunto de atuações do Poder Público e não como ato ou atos isolados. Como esclarece Fábio Konder Comparato[34], “é um programa governamental”, não se restringindo as normas ou atos singulares, mas antes consistindo “numa atividade, ou seja, uma série ordenada de normas e atos, do mais variado tipo, conjugados para a realização de um objetivo determinado”. Na seqüência, acrescenta que toda política pública, como programa de agir, envolve uma meta a ser alcançada e um conjunto ordenado de meios ou instrumentos (pessoais, institucionais e financeiros), tais como leis, regulamentos, contratos e atos administrativos. Nessa mesma esteira Cristiane Derani[35], afirma que política pública é um conjunto de ações coordenadas pelos entes estatais, em grande parte, por eles realizadas destinadas a alterar as relações sociais existentes. Sob o ponto de vista de Canotilho, o destaque da doutrina constitucionalista demarca: Ao legislador compete, dentro das reservas orçamentárias, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, económicos e culturais. [36] A relação entre as políticas públicas e o orçamento é ponderada por Ricardo Lobo Torres ao destacarque o relacionamento entre políticas públicas e orçamento é dialético: o orçamento prevê e autoriza as despesas para a implementação das políticas públicas; mas estas ficam limitadas pelas possibilidades financeiras e por valores e princípios como o do equilíbrio orçamentário.[37] Por sua vez, o conceito de política pública está relacionado com o orçamento, conforme ressalta Bucci:[38]Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. E prossegue[39]: Parece relativamente tranquila a ideia de que as grandes linhas das políticas públicas, as diretrizes, os objetivos, são opções políticas que cabem aos representantes do povo, e, portanto, ao Poder Legislativo, que as organiza sob forma de leis, para execução pelo Poder Executivo, segundo a clássica tripartição das funções estatais, em legislativa, executiva e judiciária. Entretanto, a realização concreta das políticas públicas demonstra que o próprio caráter diretivo do plano ou do programa implica a permanência de uma parcela da atividade “formadora” do direito nas mãos do governo (Poder Executivo), perdendo-se a nitidez da separação entre os dois centros de atribuições. De qualquer forma, a relação entre orçamento público e políticas públicas,é bem estreita como menciona Régis Fernandes de Oliveira: a decisão de gastar é, fundamentalmente, uma decisão política. O administrador elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios disponíveis para seu atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem inserta no documento solene de previsão de despesas.[40] As políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os espaços normativos e concretizando os princípios e regras, com vista a objetivos determinados.[41] Frequentemente, para a efetivação dos direitos sociais a reserva do possível como limite, mas não se tem explorado tal reserva como obrigação de gastar todos os recursos possíveis/disponíveis para implementar os direitos fundamentais. Dá-se realce ao signo “reserva”, mas não ao qualificativo “possível”. Afinal, o que é possível para o Estado Brasileiro em matéria de alocação de recursos para a efetivação dos direitos sociais a prestações materiais? Será que não há mesmo dinheiro suficiente para investir em políticas públicas atinentes aos direitos sociais? Não, caso se queira resolver tudo de uma hora para outra. Mas sim, quando se projeta uma obrigação de progressiva satisfação desses direitos.[42] O Ministro Celso de Melo, no julgamento da ADIn n.º 1458-7 DF, manifestou: se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. E ainda adiantou: Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em consequência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior. Explicitou também, que a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente auferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. De igual modo é a manifestação de Burkle[43]: a omissão do Estado que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. O que se tem observado é que o Poder Judiciário tem verificado e exigido, não a mera alegação de inexistência de recursos, mas a comprovação de ausência total de recursos.  Nesse sentido, é a decisão do Supremo Tribunal Federal: É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização –depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, consideradaa limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.[44] Na decisão pode ser observado também que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.[45] Após estas considerações pode-se questionar: E se o orçamento não prever determinada despesa nem comportar a transferência ou realocação de verbas? Pode o Poder Judiciário determinar que o Gestor Público preste um serviço, ou atue de modo a atender um direito fundamental de forma isolada ou com vistas à execução de políticas públicas? O grande número de pedidos para atendimento dos direitos sociais poderá provocar um desequilíbrio financeiro, com o comprometimento nas finanças públicas. Daí a reserva do possível forjar a abstenção de despesas desproporcionais, como é o caso de dispêndio de elevadíssima quantia em prol de um único beneficiário[46]. Por isso, deve ser realizada análise cuidadosa sobre esta situação, considerando que em alguns casos, os possíveis beneficiários dispõem de condições financeiras para pagar tais serviços. Eduardo Appio, ao tratar do controle judicial das políticas públicas no Brasil enaltece que: “Existe, portanto, um conflito direto entre o direito à vida de um cidadão, o qual busca através [sic] do Poder Judiciário, a sua sobrevivência, e o direito à vida de outros cidadãos, os quais dependem do orçamento público para sobreviver. A decisão acerca das prioridades a serem conferidas pelo Estado nesta área é essencialmente uma decisão política e moral, que refoge do âmbito do controle judicial, motivo pelo qual as ações individuais em face do Estado não podem implicar a ‘substituição da atividade administrativa”.[47] Para analisar esta possibilidade de atuação do Poder Judiciário na destinação de recursos, se faz necessário abordar algumas considerações sobre a separação de poderes, que embora uno, é dividido em três: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Poderes esses, independentes entre si, não podendo um deles sofrer interferência de outro. Muitas vezes, é observada relativa intervenção do Poder Judiciário junto aos demais Poderes, que por certo, coaduna com o objetivo descrito neste contexto. Há, todavia, o entendimento segundo o qual, na verdade, no Brasil, não é adotado o mecanismo da separação dos poderes, e sim o do balanceamento dos poderes, pelo qual as funções típicas de cada poder podem, eventualmente, ser exercidas por outro.[48] A Constituição Federal contempla ampla proteção aos direitos fundamentais, especialmente na defesa do princípio da dignidade da pessoa humana. Por isso, para alguns doutrinadores, seria possível ao Poder Judiciário intervir na esfera administrativa, quando o Poder Executivo deixar de atender os princípios fundamentais. Mesmo que o princípio da separação dos poderes não resulte na não interferência do Poder Judiciário na esfera dos direitos sociais, é certo que deverá sempre haver um respeito pelo papel dos demais poderes da República. Destaca Fernando Scaff que: “O papel do Poder Judiciário não é o de substituir o Poder Legislativo, não é o de transformar “discricionariedade legislativa” em “discricionariedadejudicial”, mas o de dirimir conflitos nos termos da lei. Proferir sentenças aditivas sob o impacto da pressão dos fatos, mesmo que dos fatos sociais mais tristes, como a possibilidade da perda de uma vida ou de falta de recursos para a compra de remédios, não é papel do Judiciário”.[49] (destaques do original) Na sequência enaltece o autor: “Este não cria dinheiro, ele redistribui o dinheiro que possuía outras destinações estabelecidas pelo Legislativo e cumpridas pelo Executivo – é o “Limite do Orçamento” de que falam os economistas, ou a “Reserva do Possível” dos juristas. Ocorre que os recursos são escassos e as necessidades infinitas. Como o sistema financeiro é um sistema de vasos comunicantes, para se gastar de um lado precisa-se retirar dinheiro do outro. E aí será feito aquilo que no ditado popular se diz como “descobrir um santo para cobrir outro”.[50] Nesse mesmo sentido destaca o Prof. Ricardo Lobo Torres, se valendo de análise do direito americano, ressalta que a ordem para que o Poder Legislativo edite a lei, necessária à apropriação de recursos para a garantia dos direitos humanos, com a conseqüente reformulação do orçamento, passa a ser vista como compatível com a separação dos poderes e o federalismo.[51] Referindo-se à reserva do possível[52], com possível desequilíbrio no orçamento público, envolvendo questões pertinentes ao direito à saúde, Ingo Wolfgang Sarlet, ao comentar sobre o tem cita o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes: “O Ministro Gilmar Mendes também já lembrou, em decisão recente, que existe um dever constitucional de investir recursos e até mesmo limites e pisos, que devem ser investidos na área da Saúde. Há estudos atuais comprovando, categoricamente, que a União não gasta em nenhuma rubrica orçamentária aquilo que foi disponibilizado pelo orçamento, inclusive na área da Saúde. Há provas cabais de Estados e Municípios que não investem naquilo que foi imposto pela União no direito à Saúde. Alegar reserva do possível nessas circunstâncias é uma alegação vazia. […] O ônus da demonstração, o ônus da prova da falta de recurso é do Poder Público; o ônus da necessidade do pedido é do particular”.[53] Há também o argumento de que ao administrador é dada certa discricionariedade, segundo a qual lhe é permitido fazer ou deixar de fazer algo em virtude da oportunidade e conveniência. Com isso, pode registrar a possibilidade do administrador se valer da reserva do possível, pela qual só se faz algo se os recursos o permitirem. Nesse sentido ressalta Gustavo Silva que engana-se, todavia, quem assim postula. Isso, porque em se tratando de direitos fundamentais, tem-se, na verdade, opções vinculativas que o constituinte legou ao legislador infraconstitucional, isto é, algum direito fundamental só pode sofrer restrição em face de outro direito igualmente fundamental; grosso modo, valendo-se da cláusula da reserva do possível, ao administrador cabe optar por realizar um entre dois direitos fundamentais, na impossibilidade de realizar os dois, e do modo mais adequado possível.[54] É também, o entendimento de Germano Schwartz[55] que pontifica que não há como alegar ausência de verba orçamentária para a consecução da saúde que é um direito de todos e dever do Estado. Ao comentar sobre o mandando de injunção, o professor Ricardo Lobo Torres destaca que o mesmo deixou de ser instrumento de garantia dos direitos da liberdade e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, à cidadania que estão interligados para assegurar também os direitos sociais e até os econômicos. Mas, segundo o autor[56], estes direitos que vivem sob a “reserva do possível”, subordinados à concessão do legislador e à previsão orçamentária, não poderiam ser adjudicados de acordo com normas estabelecidas pelo juiz. Ainda há controvérsias sobre a efetivação de políticas públicas em determinados casos concretos, por parte da atuação do Poder Judiciário como destaca Paula Afoncina Barros Ramalho[57], que algumas decisões principalmente de primeira instância, têm acenado para a possibilidade de revisão judicial das escolhas orçamentárias. Outras a têm negado, com base numa concepção ortodoxa do princípio da separação dos poderes e numa visão potencializadora dos espaços de discricionariedade administrativa. Falta, ainda, uma teorização consistente e um esforço analítico para a fixação de parâmetros de controle judicial, de modo a minorar essas oscilações jurisprudenciais, sempre danosas à segurança jurídica. Ricardo Augusto Dias da Silva[58], ao tratar da jurisprudência nacional e a reserva dopossível, destacou que: “A jurisprudência nacional, notadamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, como referido […] sobre o mínimoexistencial, tem pautado majoritariamente seu entendimento pela aplicabilidade e recepção da teoria da reserva do possível, fundamentando as decisões não somente pela disponibilidade de recursos, mas também ao argumento das competências constitucionais estabelecidas, do princípio da separação dos Poderes, da reserva da lei orçamentária e ainda do princípio federativo”. (destaques do original) 6. Conclusão Cada um dos poderes constituídos deverá exercer o seu papel para implementar os direitos fundamentais, considerando que o orçamento de cada ente da Federação, deve incluir as políticas públicas, conforme previsões legais que as autorizem. O Estado não pode perder de vista os objetivos fundamentais, traçados no artigo 3º da Constituição Federal. E, para atender tais objetivos, deve elaborar um planejamento adequado, com um orçamento que lhe permita a viabilização dos direitos sociais, assegurando existência digna a todos. De igual modo, o Estado não pode alegar escassez de recursos, a fim de justificar sua omissão, se os limites constitucionais não tiverem sido observados. Por isso a reserva do possível não pode ser alegada para justificar o comportamento omissivo do Gestor Público. Os direitos mínimos garantidos constitucionalmente e as políticas publicas necessárias para sua implementação, necessitam de recursos, para serem concretizados. É papel do Estado, tanto rever quanto aplicar adequadamente esses recursos arrecadados para atender as necessidades coletivas. O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas, de modo que o controle judicial dessas políticas que viabilizam os direitos sociais que necessitam efetivar determinadas prestações passa necessariamente, pelo controle da disponibilidade de recursos e da execução orçamentária. Até que ponto o Poder Judiciário pode exigir do Poder Executivo, a disponibilidade de recursos para atender os interesses da coletividade (necessidades públicas individuais e coletivas), em sede de direitos fundamentais? Não é uma tarefa fácil devido à subjetividade da situação. Isto porque, se o Poder Judiciário determinar ações para o cumprimento do Estado, que coloca em risco o equilíbrio orçamentário, em detrimento da garantia do atendimento de outros direitos de igual calibre, poderá comprometer outros Programas e Projetos, igualmente prioritários. Deve ser avaliada que a reserva do possível pode ser requerida e concedida pelo Poder Judiciário para as situações individuais em demandem as condições, em cada caso, que se encontrem abaixo do mínimo existencial. A sociedade deverá continuar participando de forma mais expressiva na elaboração e aprovação dos orçamentos, das audiências públicas e da execução do mesmo, viabilizando assim, a adoção de políticas públicas adequadas à realidade e às necessidades coletivas. De igual modo, por meio das entidades representativas a sociedade poder participar ativamente, verificando a execução do orçamento e as respectivas aplicações de recursos financeiros destinados à execução e implementação de políticas públicas.   Referências bibliográficas: AMARAL, Gustavo. MELO, Danielle. Há direitos acima dos orçamentos? In: SARLET, Ingo Wolfgang. TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais, orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. APPIO, Eduardo. 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[6] – BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 411. [7] – SILVA, José Afonso da.Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo:Malheiros, 2010, p. 703. [8] – LEAL, Rogério Gesta. O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil: possibilidades materiais. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Jurisdição e direitos fundamentais. Anuário 2004/2005 da Escola Superior da Magistratura do Rio Grande do Sul – Ajuris. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 177. [9] – Cf. o inc XXIII do art. 84 da Constituição Federal: Compete privativamente ao Presidente da República: enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamentos previstos nesta Constituição. [10] – PISCITELLI, Roberto Bocaccioet al. Contabilidade pública: uma abordagem da administração financeira pública. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2.004, p. 18/20. [11]– Id. Ibidem, p. 18/20. [12] AMARAL, Gustavo; MELO, Danielle. Há direitos acima dos orçamentos? InSarlet, Ingo Wolfgang. TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais, orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 102. [13] AMARAL, Gustavo; MELO, Danielle. Há direitos acima dos orçamentos? Obra cit. pág. 102. Não se quer dizer que a partir de um patamar monetário o direito mude, mas que necessidades e possibilidades devem ser ponderadas e que essa ponderação deve ocorrer preferencialmente no campo do controle das escolhas públicas, na atividade orçamentária, segundo os autores. [14] -PISCITELLI, Ruy Magalhães. A Dignidade da Pessoa e os Limites a ela impostos pela reserva do possível. Inhttp://www1.tjrs.jus.br/institu/c_estudos/doutrina/Dignidade_da_pessoa.doc (acesso em 19/12/2010). Destaca o autor: Mas, para isso, no dia-a-dia dos foros, deveriam os Magistrados atentar para a execução orçamentária e a reserva do possível, ponderando a garantia ao mínimo existencial, desde que com previsão orçamentária, com as necessidades ilimitadas de toda a coletividade, conforme opções feitas previamente naquela peça, que deveria ser a mais importante garantia cidadã de concreção de direitos.  Lícito ao Magistrado, em acaso não havendo dotação e execução orçamentária, aí sim, a provisão por ato jurisdicional da efetivação do direito fundamental ora buscado.  A não ser assim, pensamos que o Judiciário não só estaria assumindo a tarefa do legislador e do administrador (o que não deve ocorrer), mas perdendo sua imparcialidade para julgamento de eventual política pública. [15] – OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2006, p. 404. [16] – Id. Ibidem, p. 404. [17] – MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas. Revista Brasileira de DireitoPúblico, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, jul./set. 2007, pág. 18. Acrescenta o autor que a vinculação dos gastos públicos aos objetivos constitucionais é lógica. [18] – De igual modo também prevê a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 48), e a Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade:art. 2º, II e 4º, III, alínea f, e arts, 43 a 45.) [19] – MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da reserva do possível: direitos fundamentais a prestações e a intervenção do poder judiciário na implementação de políticas públicas. Revista Brasileira de DireitoPúblico. Belo Horizonte, ano 5, n. 18, p. 169-186, jul./set. 2007. p. 3. [20] – ASSONI FILHO, Sérgio. Democracia e controle social do orçamento público. In: JurisSíntese, n. 55, set./out. 2005, p. 5. [21] – KELBERT, FabianaOkchstein e SARLET, Ingo Wolfgang (orientador). A necessária ponderação entre a teoria da reserva do possível e a proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais. Mestrado em Direito, Faculdade de Direito, PUCRS III Mostra de Pesquisa da Pós-Graduação – PUCRS, 2008, p. 02. [22] – Id. Ibidem., p. 02. [23] – CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudo sobre direitos fundamentais. 1. ed. brasileira, 2. ed. portuguesa. São Paulo: RT; Portugal: Coimbra Editora, 2008, p. 107. [24] – SCAFF, Fernando Facury. Reserva do Possível, Mínimo Existencial e Direitos HumanosinDireito e Justiça – Reflexões Jurídicas. Temas de Direito Econômico e Tributário. (Org. Astrid Heringer etall). Ed. Uri, Ano 5, nº 8, junho/2006, p. 147. [25]Id. Ibidem,p. 147. [26] – FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado:2007, p. 78. [27] – SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos.In: COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda; LIMA, MartonioMont’Alverne Barreto (org.). Diálogosconstitucionais:direito, neoliberalismo e desenvolvimento em países periféricos. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 148. [28] – OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CALIL, Mário Lúcio Garcez. Reserva do Possível, Natureza Jurídica e Mínimo Essencial: Paradigmas para uma Definição. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008,  p. 3734. [29] – NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 135. [30] – OLIVEIRA, Rafael Sérgio Lima de; CALIL, Mário Lúcio Garcez. Reserva do Possível, Natureza Jurídica e Mínimo Essencial: Paradigmas para uma Definição. Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008,  p. 3734. [31] – MÂNICA, Fernando Borges. Teoria da Reserva do Possível: Direitos Fundamentais a Prestações e a Intervenção do Poder Judiciário na Implementação de Políticas Públicas Revista Brasileira de DireitoPúblico, Belo Horizonte, ano 5, n. 18, jul./set. 2007, p. 12. [32] – Como foi o caso da Lei nº 8.742 de 07.12.93, ao dispor sobre a organização da assistência social destacando que a assistência social, o direito do cidadão e o dever do Estado é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (art. 1º). [33] – TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 147/8. Destaca o autor que as campanhas de vacinação, a erradicação das doenças endêmicas e o combate a epidemias são obrigações básicas do Estado. [34] – O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, nº 40, pág.72/73. A idéia foi exposta em trabalhoanterior: Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 35, nº134, abr./jun. 1998. [35] – DERANI, Cristiane. Política pública e norma política. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, 41, 2004, p. 22. [36] – CANOTILHO, Joaquim José Gomes.  Constituição dirigente e vinculação do legislador.  Coimbra: Ed. Coimbra, 1982, p. 369. [37] – TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário. V. 5. O Orçamento na Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro e São Paulo: Renovar, 2000, p. 110. [38] – BUCCI, Maria Paula Dallari.  Direito Administrativo e políticas públicas.  São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 241. [39] – Id. Ibidem, p. 269. [40] – OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2006, p. 243. [41] – Ensina Paulo Bonavides que: Atribuindo-se eficácia vinculante à norma programática, pouco importa que a Constituição esteja ou não repleta de proposições desse teor, ou seja, de regras relativas a futuros comportamentos estatais. O cumprimento dos cânones constitucionais pela ordem jurídica terá dada um largo passo a frente. Já não será fácil com respeito à Constituição tergiversa-lhe a aplicabilidade e eficácia das normas como os juristas abraçados à tese antinormativa, os quais, alegando programaticidade de conteúdo, costumam evadir-se ao cumprimento ou observância de regras e princípios constitucionais. Curso de Direito Constitucional, 5ª Ed., São Paulo, Malheiros, 1994, p. 211. [42] – RAMALHO, Paula Afoncina Barros. A Revisão Judicial das Escolhas e da Execução Orçamentárias como estratégia de efetivação dos Direitos Fundamentais prestacionais in Revista Parahyba Judiciária. Seção Judiciária da Paraíba – a. 6, v. 7 (Novembro, 2008). João Pessoa: ed., 2008, p. 171. [43] – BÜRKLE, RudiRigo. O controle judicial da administração pública face a não observância dos direitos fundamentais. Disponível em http://www.mp.pr.gov.br/eventos/05rudi.doc. Acesso em 19.12.2010. [44] – Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. (STF, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04) [45] – STF, ADPF n. 45, MC/DF. Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04, Diário da Justiça, Ed. 84, seção I, publicada em 04/05/2004. RTJ – 200-01, p. 191. [46] – NOBRE JUNIOR, Edílson Pereira. O Controle de Políticas Públicas: Um Desafio à Jurisdição Constitucional. Revista Parahyba Judiciário do Poder Judiciário – Justiça Federal da Paraíba, João Pessoa, Ano 6, nº 7, novembro/2008, p.  232. [47] – APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. Curitiba: Juruá, 2009, pág. 184.Qualquer medida judicial que venha a impor uma obrigação específica, vinculada a um caso concreto – como, por exemplo, a aquisição de um medicamento de alto custo pelo sistema público de saúde – implicará a redestinação de verbas alocadas de acordo com os critérios do administrador. A vida de um poderá representar a supressão da vida de muitos, porque o custo dos direitos sociais é suportado pelo orçamento já aprovado pelo Congresso. […] O argumento de que os direitos que não encontram mecanismos jurídicos de proteção judicial seriam o equivalente a não direitos, desconsidera o espaço destinado ao Poder Executivo pela Constituição de 1988, na medida em que o juiz não tem condições de eleger, de forma discricionária, o conteúdo específico destes direitos. Muito embora aos cidadãos deva ser assegurado o mínimo existencial, especialmente nas áreas de educação e saúde, a capacidade dos governos não é ilimitada, e a universalização depende da execução de um projeto de governo.Obra cit., p. 187. [48] – Exemplo disso são os poderes Judiciário e Legislativo que exercem, no âmbito interno, a função própria do Administrativo, ou seja, tais poderes possuem uma estrutura administrativa, que implica na emanação de atos administrativos, os quais são por eles emitidos. SILVA, Gustavo Aparecido da.Do Controle Judicial da Administração Pública.Disponível em http://www.lfg.com.br em 12.12.2010. [49] – SCAFF, Fernando Facury. Sentenças aditivas, direitos sociais e reserva do possível. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e reserva do possível. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 157. [50] – Ib. ibidem, p. 157. [51] – TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 169. [52] – A reserva do possível constitui em verdade (considerada toda a sua complexidade) espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantias dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflitos de direito, quando se cuidar da invocação (desde que respeitados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos fundamentais) da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental.  – SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana F. Reserva do Possível, mínimo existencial e Direito à Saúde: Algumas aproximações. In Direitos Fundamentais & Justiça nº 1 – out/dez 2007, p. 189. [53] – Supremo Tribunal Federal. Audiência pública: saúde. Brasília: Secretaria de Documentação, Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência, 2009. pág. 74-81. Ingo Wolfgang Sarlet, na Audiência Pública mencionada ressaltou ser evidente a necessidade da reforma do sistema orçamentário e, quanto à judicialização da saúde,destacando que a solução melhor não é afastar os tribunais do direito à saúde. [54] – SILVA, Gustavo Aparecido da.Do Controle Judicial da Administração Pública. Disponível em http://www.lfg.com.br em 12.12.2010. [55] – SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 164/5. [56] – TORRES, Ricardo Lobo. Os Direitos Humanos e a Tributação – Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, pág. 170. Destaca que poderia o mandado de injunção, desde que restringisse à reforma das instituições administrativas violadoras dos direitos fundamentais, sem ofensa à legalidade orçamentária e tributária, ter extraordinária importância para a garantia e o aperfeiçoamento do mínimo existencial no Brasil. Desta forma, as escolas, os hospitais públicos, asilos, creches, prisões entre outros bem que lucrariam com a fiscalização e a permanente intervenção do Poder Judiciário, através de normas que estabelecessem o padrão mínimo compatível com a dignidade do homem. [57] – RAMALHO, Paula Afoncina Barros. A Revisão Judicial das Escolhas e da Execução Orçamentárias como estratégia de efetivação dos Direitos Fundamentais prestacionaisin Revista Parahyba Judiciária. Seção Judiciária da Paraíba – a. 6, v. 7 (Novembro, 2008). João Pessoa: ed., 2008, p. 172. A autora destaca ainda que o problema aparece, justamente quando o órgão democraticamente legitimado permanece inerte, ao não prever, por exemplo, alocação de recursos para a implementação de uma política pública já traçada, ou então quando age em desconformidade com as escolhas prioritárias feitas pela Constituição, ao deixar de desenvolver uma política pública de habitação sob as escusas de falta de dinheiro, ao passo em que veicula, na peça orçamentária, uma exponencial rubrica para a propaganda governamental, para a compra de luxuosos veículos para o transporte de autoridades públicas, para a realização frequente de shows, etc. Nestes casos, parece claro que é função do Judiciário corrigir essas distorções, ainda que isso implique assumir uma posição contra majoritária. Mas ao fazê-lo, não pode basear-se em razões de política. Obra cit., p. 170. [58] – SILVA, Ricardo Augusto Dias da. Direito fundamental à saúde: o dilema entre o mínimo existencial e a reserva do possível. Belo Horizonte: Fórum, 2010. pág. 198. Os tribunais superiores têm aplicado a teoria da reserva dopossível nas demandas versando sobre direitos sociais, excepcionandoapenas as que se referem ao Direito Fundamental à saúde e à educação, momento em que tem aplicado o princípio do mínimo existencial, escreve o autor.  Adriana Dragone Silveira demonstra em sua tese de doutorado que as ações com pedidos individuais são atendidas com mais facilidade, mas quando requisitam medidas para ampliação do atendimento ou para criação de políticas públicas o Tribunal de Justiça de São Paulo, não se mostrou coeso para a concessão, tendo em vista a impossibilidade de interferência do Poder Judiciário na condução de políticas públicas e na questão orçamentária. SILVEIRA, Adriana A. Dragone. A Garantia do Direito à Educação Básica e os Desafios de Natureza Orçamentária: Discussão sobre a Teoria da Reserva do Possível.ANPED/ GT 5.Curitiba, 12 e 13 de agosto de 2010, p. 6.
Direito Tributário
1. Introdução O debate em torno da efetividade das políticas públicas que visam garantir os direitos fundamentais preconizados pela Carta Constitucional ainda demanda discussões doutrinárias e principalmente a apreciação desses direitos pelo Poder Judiciário, que frequentemente é provocado para manifestar sobre a liberação de recursos públicos. Com isso, é necessário verificar a possibilidade de aplicar os dispositivos constitucionais pertinentes, com vistas às ações do Estado, deliberadamente em políticas públicas, considerando a costumeira escassez de recursos. O Estado moderno necessita cada vez mais recursos financeiros para atender às necessidades coletivas. Tais despesas integram o orçamento público. O orçamento não é um mero documento contábil e administrativo. Ele deve considerar o interesse da sociedade. Assim sendo, o orçamento deve refletir um plano de ação governamental. Diversas são as diretrizes, tanto constitucionais quanto infraconstitucionais para orientar a realização e execução do orçamento público. A destinação e os valores que serão utilizados para a implementação dos serviços públicos, dependem de decisão política quando da elaboração do orçamento público. Neste contexto há que se falar no desenvolvimento de políticas públicas, antes, porém, a sua inclusão no orçamento. É o Estado que elege quais despesas pretende realizar e suas respectivas prioridades.  Há então o controle quanto aos gastos públicos que o Estado deve realizar nos termos da legislação aplicável, sob pena de nulidade da despesa realizada. A Constituição Federal de 1988 é considerada como uma das Cartas mais avançadas em matéria de proteção dos direitos fundamentais. Então, a questão que se apresenta é a de saber quais as prioridades a serem adotadas no momento da definição e da execução dos gastos públicos. Posteriormente, poderá ser avaliada a necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantido a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo, promovendo a efetivação dos direitos fundamentais através de decisões judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é de se verificar quais os parâmetros de controle a serem observados e como operacionalizá-los, de modo a obter uma efetividade dos direitos que exigem a prestação de serviço ou de atendimento público, sem perder de vista os contornos constitucionais. Devem ser considerados também os objetivos e os valores fundamentais da República, estatuídos no art. 3º da Constituição Federal bem como os limites constitucionais que são representados pelos valores, objetivos fundamentais da República e programas trazidos pelo texto constitucional, conforme estão demonstrados: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Todos estes objetivos fundamentais devem ser observados pelo Poder Público, notadamente pela edição de normas e demais comandos para o seu atendimento por meio do planejamento e consequentemente nos orçamentos de cada ente político da Federação. Ao comentar sobre as limitações aos gastos públicos, Scaff[1] pontifica que estes também podem ser materiais,pois o uso de recursos públicos deve se dar de forma a permitir que os objetivos estabelecidos no Art. 3º da Constituição sejam alcançados. Scaff[2], citando Roberto Alexy, destacou: é imprescindível que sejam realizados gastos públicos em direitos fundamentais sociais, a fim de permitir que as pessoas possam exercer sua liberdade jurídica obtendo condições de exercer sua liberdade real. Assim, os gastos públicos não permitem que o legislador, e muito menos o administrador, realize gastos de acordo com suas livre consciência, de forma desvinculada aos objetivos estatuídos no Artigo 3º da Constituição Federal. Para a implementação dos direitos fundamentais, é de se verificar a questão orçamentária, em que medida há disponibilidade de recursos públicos para custear os direitos sociais. Com a distribuição das competências, a Constituição Federal estabelece quais são as fontes de receita da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, bem como a repartição da receita entre os respectivos entes políticos da Federação. O próprio legislador constitucional indicou algumas situações (com finalidades específicas) cuja receita deverá estar vinculada e comprometida, devendo o gestor público se ater a elas, sob pena de improbidade administrativa. 2. O Orçamento Público: Questões Relevantes Integram o orçamento da administração pública todas as previsões de receitas quanto às despesas que serão realizadas, conforme dispõe a Lei 4.320/64 que estatui as Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. As receitas públicas correspondem aos ingressos, procedentes da arrecadação de tributos ou de outras fontes e são destinadas à satisfação das necessidades públicas, mantidas pelo Estado. Para Aliomar Baleeiro[3], a receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.[4] A Despesa Pública, por sua vez, é o conjunto dos dispêndios do Estado, ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços públicos.[5]Em face do princípio da legalidade da despesa pública, ao administrador público éimposta a obrigação de observar as autorizações e limites constantes nas leisorçamentárias. Sob pena de crime de responsabilidade previsto pelo art. 85, VI daConstituição Federal, é vedado ao administrador realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária,nos termos do art. 167, inciso II. Na Constituição Federal, o orçamento está previsto no art. 165, assim disposto: Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I – o plano plurianual; II – as diretrizes orçamentárias; III – os orçamentos anuais.O parágrafo 1º ressalta que a lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. Já a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento, como está disposto no parágrafo 2º do referido Artigo. O parágrafo 4º, consequentemente, estabelece que os planos e programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição Federal serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Congresso Nacional. A lei orçamentária anual, como determina o parágrafo 5º do Art. 165 da Constituição Federal compreenderá: “I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto; III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.” O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia (§ 6º do art. 165 da Constituição Federal). Os orçamentos previstos no § 5º, I e II do art. 165 da Carta Constitucional, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. Referido destaque é relevante para analisar este conteúdo juntamente com o artigo 3º, bem como com o artigo 170 da Constituição Federal que estabelece os objetivos fundamentais da República e os princípios e fundamentos da ordem econômica. Com isso, a Constituição Federal, oferece todas as diretrizes para a elaboração, execução e controle do orçamento do Governo Federal. De igual modo, tais parâmetros são estabelecidos nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios. Aliomar Baleeiro conceitua orçamento como o ato pelo qual o Poder legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei.[6] Já, José Afonso da Silva destaca que o orçamento é o processo, é o conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras, serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação das despesas de cada exercício financeiro.[7] Desta forma, o orçamento deverá prever as políticas públicas constituídas com a finalidade de atender os ditames constitucionais. O Art. 2º da Lei 4.320/64, estabelece que a Lei do Orçamento deverá conter a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os princípios de unidade universalidade e anualidade.  O Art. 3º destaca que a Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações de crédito autorizadas em lê. O Art. 4º enaltece que referida lei compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar, observado o disposto no artigo 2°. O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas. Assim, a finalidade do Estado, ao obter recursos, para em seguida gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é a de realizar os objetivos fundamentais da Constituição Federal. Dentre estes objetivos, destaca-se o da dignidade da pessoa humana, cujo limite de partida será sempre o mínimo existencial, e que ao mesmo tempo vem delimitado em linhas gerais pelos princípios constitucionais e pelos direitos e garantias individuais e coletivos.[8] É no orçamento-programa que o Governo[9] estabelece sua política com previsões de despesas e respectivas receitas.  Tem-se, então que a função de traçar as políticas públicas é de iniciativa do Poder Executivo, com a aprovação do Poder Legislativo na elaboração orçamentária, para posterior aprovação pelo Congresso Nacional, em se tratando do orçamento federal.  A Constituição Federal incluiu o orçamento público como importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político. Destacou, para tanto, a necessidade de aprovação de três leis, sendo: a Lei do Plano Plurianual (PPA) nos termos do Art. 165, § 4º, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) como dita o Art. 166, § 4º e a Lei Orçamentária Anual (LOA). Todos os planos e programas governamentais devem estar em harmonia com o plano plurianual e a LDO deverá estar em harmonia com o PPA. Deve ser demonstrado pela Administração Pública que os objetivos constitucionalmente estabelecidos (Art. 3º) foram previstos no planejamento orçamentário, pois a Constituição cuidou de direcionar a conduta do legislador e do administrador, impondo diretrizes a serem necessariamente cumpridas. Portanto, a discricionariedade da Administração indica o modo como irá concretizar os objetivos da República, não devendo ser confundido com ampla liberdade, conforme enfatiza Piscitelli[10]: “Seja na produção e fornecimento de bens e serviços públicos, seja atuando nas clássicas funções tendentes a promover o crescimento, a redistribuição e a estabilização, o Estado é o agente fundamental que, por meio de diferentes políticas, pode interferir decisivamente na atividade econômica de qualquer país.” Acrescenta, que por tais razões é que a função orçamentária e financeira da Administração Pública é tão importante.  Em países em que já se adquiriu a consciência política de sua relevância em todas as atividades governamentais, os cidadãos e as instituições participam mais ativamente do processo de alocação e utilização dos recursos públicos. Ao tratar da Lei Orçamentária anual, confirma o autor[11] que: “[…] essa lei, com base nas estimativas e autorização para a obtenção de receitas, fixa, até o encerramento da sessão legislativa, os gastos para o exercício seguinte.  Este é o calendário previsto, tudo dentro de uma perspectiva de planejamento a médio prazo, com planos plurianual nacionais, regionais e setoriais. E que o planejamento é uma forma de a sociedade, por meio de seus representantes e instituições, aferir suas potencialidades e limitações, coordenando seus recursos e esforços para realizar, por intermédio das estruturas do Estado, as ações necessárias ao atingimento [sic] dos objetivos nacionais.” Portanto, é irrecusável a tarefa de identificar e avaliar a direção e o papel do Estado, a gestão dos recursos e a destinação final do gasto público. É preciso conquistar o orçamento, torná-lo, de fato e de direito, o que ele deveria ser, é o que assegura Gustavo Amaral[12], ao salientar que é o momento máximo da cidadania, em que as escolhas públicas são feitas e controladas. A experiência brasileira, contudo, é antiorçamentária, não apenas pela hipertrofia do Executivo, mas pela própria desconfiança quanto ao orçamento. Destaca que a realidade brasileira é a de progressiva vinculação de recursos para os mais variados fins. Há, portanto, um longo caminho a percorrer. Ele depende, contudo, que não se tenha como “direito fundamental incontrastável com questões menores” como as finanças públicas e o fornecimento de todo e qualquer medicamento.[13] E, nesse contexto, destaca-se que o orçamento é o palco no qual devem estar explicitadas as políticas públicas de um Estado em um determinado momento.  E, nele, o Estado, conjuntamente as funções Executiva e Legislativa devem se fazer presente via processo orçamentário, desde a elaboração do plano plurianual, passando pela lei de diretrizes orçamentárias, e com a lei orçamentária anual. O Poder Judiciário deve, exercer seu papel constitucional de julgamento das políticas públicas no sentido de implementação gradual dos direitos fundamentais à prestação e de garantia da dignidade humana, alcançando o bem da vida àqueles que lhe socorrerem.[14] Esta é uma questão polêmica que requer cuidadosa análise. Embora, sendo objeto de apreciação no item 4 e 5, serão, desde já, traçadas considerações a respeito da atuação do Poder Judiciário, quando da liberação de recursos financeiros para atender interesses individuais ou coletivos. Vem a calhar, então, a posição de Régis Oliveira[15] quando escreve que: “[…] descabe ao Judiciário, decisão de tal quilate. No entanto, se o fizer, determinando, por exemplo, a construção de moradias, creches, etc., e transitada em julgado a decisão, coisa não cabe ao Prefeito que cumprir a ordem. Para tanto, deverá incluir, no orçamento do próximo exercício, a previsão financeira. Esclarecerá à autoridade judicial a impossibilidade de cumprimento imediato da decisão com trânsito em julgado, diante da falta de previsão orçamentária, e obrigar-se-á a incluir na futura lei orçamentária recursos para o cumprimento da decisão”.[16] Há doutrinadores[17] que defendem a posição de que diante da escassez de recursos e da multiplicidade de necessidades sociais, cabe ao Estado efetuar escolhas, estabelecendo critérios e prioridades. Tais escolhas consistem na definição de políticas públicas, cuja implementação depende de previsão e execução orçamentária. E, que as escolhas realizadas pelo Estado devem ser pautadas pela Constituição Federal, documento que estabelece os objetivos fundamentais que deverão ser satisfeitos pela autoridade estatal. A título de complementação serão incluídas algumas notas sobre a participação popular na discussão, aprovação e execução do orçamento participativo e de audiências públicas que envolvam interesses relacionados à destinação de recursos financeiros para aprovação e implementação de políticas públicas. 3. Orçamento Participativo, Audiências Públicas e os indicativos legais A iniciativa na elaboração do orçamento é do Poder Executivo e é encaminhada ao Poder Legislativo, por previsão constitucional como já explicitado anteriormente. No entanto, o inciso XII do artigo 29 da Constituição Federal prevê a cooperação de associações representativas no planejamento municipal,[18] o que possibilita a participação da sociedade direta ou indiretamente na discussão da alocação de recursos para atender as finalidades pertinentes. A democracia participativa, para ser exercida, necessita contar com uma sociedade civil organizada, cobrando de seus governantes uma postura que se coadune com os interesses desta sociedade entre outras circunstâncias. Nesse sentido ressalta Fernando Borges Mânica: “No Estado Social e Democrático de Direito, o orçamento instrumentaliza as políticas públicas e define o grau de concretização dos valores fundamentais constantes do texto constitucional. Dele depende a concretização dos direitos fundamentais. Neste cenário, a Constituição de 1988 alçou o orçamento público a importante instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o desenvolvimento social e político.”[19] A elaboração do orçamento participativo é possibilitar o exercício de cidadania ativa, possibilitando aos cidadãos a participação nas decisões políticas, especialmente no processo de elaboração e execução do orçamento do município, visando à efetivação de políticas públicas. Embora não conste expressamente do texto constitucional de 1988, a participação da comunidade na realização do orçamento é possível verificar esse instituto, a exemplo do art. 48, parágrafo único da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) que assevera: São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos. Referida Lei também destaca que a transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei dediretrizes orçamentárias e orçamentos. Assim, há previsão legal para que a sociedade possa participar da discussão orçamentária, como plano da respectiva sociedade de receitas e despesas.  O art. 4º, §3º e art. 44 da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), em especial esse último artigo que impõe a discussão do orçamento como pressuposto obrigatório para aprovação do projeto pelas câmaras municipais, merece ser destacado. Estabelece o art. 44, que no âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei, incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal. Escreve Sergio Assoni Filho[20] que o controle social do orçamento público no âmbito local aproxima as decisões governamentais do genuíno anseio popular, tornando a ação estatal mais efetiva e à medida do cidadão individualmente considerado, se prestando também ao seguinte: a) propicia maior eficiência na alocação de recursos; b) assegura maior efetividade no planejamento econômico; c) enseja a hierarquização de prioridades; d) obsta o arbítrio governamental, mediante um controle da execução orçamentária mais profícua; e) promove a democratização do poder, conferindo visibilidade ao processo de tomada de decisões políticas; f) favorece a continuidade administrativa; g) educa para a cidadania, contendo um forte caráter pedagógico. Pode-se, então, afirmar que existem diversos dispositivos legais que possibilitam a participação popular na elaboração e aprovação do orçamento e destinação de verbas públicas entre outras participações que envolvem interesses da sociedade, conforme apontado. Embora de maneira ainda pouco expressiva, deve ser considerada uma breve evolução neste sentido, para a inclusão de políticas públicas no orçamento no âmbito municipal. 4. Políticas Públicas: Uma questão orçamentária A Constituição Federal de 1988 elegeu os direitos sociais à categoria de direitos fundamentais, dispondo no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Por isso, esses direitos também estão sujeitos ao que determina o art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, que prevê a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Aplicabilidade imediata, não significa, contudo, que o Estado está obrigado a prestar e a garantir os direitos de forma absoluta. Nesse sentido é possível, portanto, ver uma possibilidade de aplicação da teoria da reserva do possível, uma vez que não há como negar fatores como escassez de recursos ou mesmo disponibilidade de verbas orçamentárias.[21] Referidos direitos reclamam, quanto a sua efetivação, um mínimo de concretização. Isso significa que a reserva do possível não pode ser usada para justificar nenhuma concretização. Isso equivale a lesar o direito social em questão.[22] Portanto, deve ser verificado qual o mínimo de conteúdo que pode ser exigido do Estado quando da realização dos direitos sociais, considerando a impossibilidade de realização plena. Canotilho[23] destaca a questão financeira para a garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais previstos na Constituição Federal, sendo que a realização desses está atrelada à capacidade financeira do Estado, apresentando a reserva do possível como: “1. “Reserva do possível” significa a total desvinculação jurídica do legislador quanto à dinamização dos direitos sociais constitucionalmente consagrados. 2. Reserva do possível significa a “tendência para zero” da eficácia jurídica das normas constitucionais consagradoras de direitos sociais. 3. Reserva do possível significa gradualidade[sic] com dimensão lógica e necessária da concretização dos direitos sociais, tendo sobretudo em conta os limites financeiros. 4. Reserva do possível significa indicabilidadejurisdicional das opções legislativas quanto à densificação legislativa das normas constitucionais reconhecedora de direitos sociais.” Ao escrever sobre a reserva do possível, Fernando Scaff[24] apresenta, que como o Estado não cria recursos, mas apenas gerencia os que recebe da sociedade, é imperioso que haja uma correlação entre as metas sociais e os recursos que gerência, seja através de arrecadação própria ou de empréstimos obtidos junto ao mercado. Destaca ainda que, quem estabelece para o Estado estasmetas e o volume de recursos a serem utilizados para seu alcance é a sociedadeatravés de seu ordenamento jurídico.[25] A reserva do financeiramente possível pode ser entendida como a realização dos direitos sociais condicionada à disponibilidade e ao volume de recursos suscetíveis, para que não se inviabilize todo o sistema, localizada no campo discricionário das decisões oriundas das políticas de governo e das atividades legislativas, as quais estão sintetizadas no orçamento público. Ou, como apresenta Mariana Filchtiner Figueiredo[26], ao comentar sobre o sistema de saúde: A reserva do financeiramente possível pode ser assim interpretada como objeção à efetividade dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos sociais a prestações materiais, consistente no respeito às decisões orçamentárias estabelecidas pelo legislador democrático, na ponderação concreta entre a escassez dos recursos financeiros disponíveis e o dever de otimizar a concretização dos direitos fundamentais.  Como todos os direitos custam dinheiro, a reserva do possível só pode ser invocada para aquelas situações que extrapolem o mínimo existencial e que se refiram aos indivíduos que possuam meios de obter por si sós a prestação pretendida. No que parece ser desatenção sobre o uso da reserva do possível, costuma-se dizer que “as necessidades humanas são infinitas e os recursos financeiros para atendê-las são escassos.”.[27] De fato, elementos que devem ser considerados no embate entre os direitos a prestações e a escassez de recursos são os ditames econômicos nacionais.[28] Neste sentido, é comum a confusão entre reserva do possível e reserva orçamentária, pela qual se entende que certos direitos, notadamente os direitos sociais, estão sujeitos à dotação orçamentária, isto é, à disponibilidade financeira ou material.[29] A realização do mínimo existencial não pode depender de uma discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, comprometendo recursos financeiros para atender algumas áreas em detrimento de outras mais essenciais. A reserva do possível não deve ser observada somente sob o prisma econômico, mas, também, pelo fato de que mesmo as leis orçamentárias têm um grau jurídico-normativo.[30] No que se refere à jurisprudência, pode-se verificar uma linha de transição. Após o entendimento segundo o qual não cabe ao Poder Judiciário intervir na definição de quaisquer políticas públicas, por óbice decorrente do princípio da separação de poderes e da discricionariedade administrativa, algumas decisões passaram conceber tal intervenção, nos casos em que se discutisse a efetivação de direitos fundamentais. Passou-se a admitir, assim, a prevalência absoluta dos direitos fundamentais. Entretanto, em face da limitação de recursos orçamentários e da consequente impossibilidade de efetivação de todos os diretos fundamentais sociais ao mesmo tempo, passou-se a sustentar, como restrição a tal intervenção do Poder Judiciário em caráter absoluto, a teoria da reserva do possível.[31] 5. Efetivação das Políticas Públicas e a escassez de recursos financeiros A Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948 destaca no art. 25 que toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem estar e o de sua família, especialmente para alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais necessários. A Constituição Federal de 1988 estabelece que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e da marginalização bem como a redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III). Por sua vez, a positivação do direito ao mínimo existencial se dá pela legislação infraconstitucional.[32] Estabelece o artigo 196 da Constituição Federal que é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Ao mesmo tempo, o art. 6º afirma que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. A Constituição Federal fez distinção entre as prestações de saúde que constituem a proteção do mínimo existencial e das condições necessárias à existência, que são gratuitas, e as que se classificam como direitos sociais e que podem ser custeadas por contribuições. Com isso, inclui as atividades preventivas em geral, o direito ao atendimento integral e gratuito, afirma Ricardo Lobo Torres[33]. Por sua vez, a medicina curativa e o atendimento nos hospitais públicos, são remunerados pelos pagamentos das contribuições, ao sistema de seguridade público ou privado. No entanto, deve ser considerada a exceção das situações de atendimento de pessoas que têm o direito ao mínimo de saúde, sem qualquer contraprestação financeira, considerando tratar-se de direitos fundamentais. Para tanto, política pública deve ser compreendida como um conjunto de atuações do Poder Público e não como ato ou atos isolados. Como esclarece Fábio Konder Comparato[34], “é um programa governamental”, não se restringindo as normas ou atos singulares, mas antes consistindo “numa atividade, ou seja, uma série ordenada de normas e atos, do mais variado tipo, conjugados para a realização de um objetivo determinado”. Na seqüência, acrescenta que toda política pública, como programa de agir, envolve uma meta a ser alcançada e um conjunto ordenado de meios ou instrumentos (pessoais, institucionais e financeiros), tais como leis, regulamentos, contratos e atos administrativos. Nessa mesma esteira Cristiane Derani[35], afirma que política pública é um conjunto de ações coordenadas pelos entes estatais, em grande parte, por eles realizadas destinadas a alterar as relações sociais existentes. Sob o ponto de vista de Canotilho, o destaque da doutrina constitucionalista demarca: Ao legislador compete, dentro das reservas orçamentárias, dos planos econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do país, garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, económicos e culturais. [36] A relação entre as políticas públicas e o orçamento é ponderada por Ricardo Lobo Torres ao destacarque o relacionamento entre políticas públicas e orçamento é dialético: o orçamento prevê e autoriza as despesas para a implementação das políticas públicas; mas estas ficam limitadas pelas possibilidades financeiras e por valores e princípios como o do equilíbrio orçamentário.[37] Por sua vez, o conceito de política pública está relacionado com o orçamento, conforme ressalta Bucci:[38]Políticas públicas são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. E prossegue[39]: Parece relativamente tranquila a ideia de que as grandes linhas das políticas públicas, as diretrizes, os objetivos, são opções políticas que cabem aos representantes do povo, e, portanto, ao Poder Legislativo, que as organiza sob forma de leis, para execução pelo Poder Executivo, segundo a clássica tripartição das funções estatais, em legislativa, executiva e judiciária. Entretanto, a realização concreta das políticas públicas demonstra que o próprio caráter diretivo do plano ou do programa implica a permanência de uma parcela da atividade “formadora” do direito nas mãos do governo (Poder Executivo), perdendo-se a nitidez da separação entre os dois centros de atribuições. De qualquer forma, a relação entre orçamento público e políticas públicas,é bem estreita como menciona Régis Fernandes de Oliveira: a decisão de gastar é, fundamentalmente, uma decisão política. O administrador elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios disponíveis para seu atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem inserta no documento solene de previsão de despesas.[40] As políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os espaços normativos e concretizando os princípios e regras, com vista a objetivos determinados.[41] Frequentemente, para a efetivação dos direitos sociais a reserva do possível como limite, mas não se tem explorado tal reserva como obrigação de gastar todos os recursos possíveis/disponíveis para implementar os direitos fundamentais. Dá-se realce ao signo “reserva”, mas não ao qualificativo “possível”. Afinal, o que é possível para o Estado Brasileiro em matéria de alocação de recursos para a efetivação dos direitos sociais a prestações materiais? Será que não há mesmo dinheiro suficiente para investir em políticas públicas atinentes aos direitos sociais? Não, caso se queira resolver tudo de uma hora para outra. Mas sim, quando se projeta uma obrigação de progressiva satisfação desses direitos.[42] O Ministro Celso de Melo, no julgamento da ADIn n.º 1458-7 DF, manifestou: se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. E ainda adiantou: Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em consequência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior. Explicitou também, que a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente auferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. De igual modo é a manifestação de Burkle[43]: a omissão do Estado que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. O que se tem observado é que o Poder Judiciário tem verificado e exigido, não a mera alegação de inexistência de recursos, mas a comprovação de ausência total de recursos.  Nesse sentido, é a decisão do Supremo Tribunal Federal: É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização –depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, consideradaa limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política.[44] Na decisão pode ser observado também que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.[45] Após estas considerações pode-se questionar: E se o orçamento não prever determinada despesa nem comportar a transferência ou realocação de verbas? Pode o Poder Judiciário determinar que o Gestor Público preste um serviço, ou atue de modo a atender um direito fundamental de forma isolada ou com vistas à execução de políticas públicas? O grande número de pedidos para atendimento dos direitos sociais poderá provocar um desequilíbrio financeiro, com o comprometimento nas finanças públicas. Daí a reserva do possível forjar a abstenção de despesas desproporcionais, como é o caso de dispêndio de elevadíssima quantia em prol de um único beneficiário[46]. Por isso, deve ser realizada análise cuidadosa sobre esta situação, considerando que em alguns casos, os possíveis beneficiários dispõem de condições financeiras para pagar tais serviços. Eduardo Appio, ao tratar do controle judicial das políticas públicas no Brasil enaltece que: “Existe, portanto, um conflito direto entre o direito à vida de um cidadão, o qual busca através [sic] do Poder Judiciário, a sua sobrevivência, e o direito à vida de outros cidadãos, os quais dependem do orçamento público para sobreviver. A decisão acerca das prioridades a serem conferidas pelo Estado nesta área é essencialmente uma decisão política e moral, que refoge do âmbito do controle judicial, motivo pelo qual as ações individuais em face do Estado não podem implicar a ‘substituição da atividade administrativa”.[47] Para analisar esta possibilidade de atuação do Poder Judiciário na destinação de recursos, se faz necessário abordar algumas considerações sobre a separação de poderes, que embora uno, é dividido em três: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário. Poderes esses, independentes entre si, não podendo um deles sofrer interferência de outro. Muitas vezes, é observada relativa intervenção do Poder Judiciário junto aos demais Poderes, que por certo, coaduna com o objetivo descrito neste contexto. Há, todavia, o entendimento segundo o qual, na verdade, no Brasil, não é adotado o mecanismo da separação dos poderes, e sim o do balanceamento dos poderes, pelo qual as funções típicas de cada poder podem, eventualmente, ser exercidas por outro.[48] A Constituição Federal contempla ampla proteção aos direitos fundamentais, especialmente na defesa do princípio da dignidade da pessoa humana. Por isso, para alguns doutrinadores, seria possível ao Poder Judiciário intervir na esfera administrativa, quando o Poder Executivo deixar de atender os princípios fundamentais. Mesmo que o princípio da separação dos poderes não resulte na não interferência do Poder Judiciário na esfera dos direitos sociais, é certo que deverá sempre haver um respeito pelo papel dos demais poderes da República. Destaca Fernando Scaff que: “O papel do Poder Judiciário não é o de substituir o Poder Legislativo, não é o de transformar “discricionariedade legislativa” em “discricionariedadejudicial”, mas o de dirimir conflitos nos termos da lei. Proferir sentenças aditivas sob o impacto da pressão dos fatos, mesmo que dos fatos sociais mais tristes, como a possibilidade da perda de uma vida ou de falta de recursos para a compra de remédios, não é papel do Judiciário”.[49] (destaques do original) Na sequência enaltece o autor: “Este não cria dinheiro, ele redistribui o dinheiro que possuía outras destinações estabelecidas pelo Legislativo e cumpridas pelo Executivo – é o “Limite do Orçamento” de que falam os economistas, ou a “Reserva do Possível” dos juristas. Ocorre que os recursos são escassos e as necessidades infinitas. Como o sistema financeiro é um sistema de vasos comunicantes, para se gastar de um lado precisa-se retirar dinheiro do outro. E aí será feito aquilo que no ditado popular se diz como “descobrir um santo para cobrir outro”.[50] Nesse mesmo sentido destaca o Prof. Ricardo Lobo Torres, se valendo de análise do direito americano, ressalta que a ordem para que o Poder Legislativo edite a lei, necessária à apropriação de recursos para a garantia dos direitos humanos, com a conseqüente reformulação do orçamento, passa a ser vista como compatível com a separação dos poderes e o federalismo.[51] Referindo-se à reserva do possível[52], com possível desequilíbrio no orçamento público, envolvendo questões pertinentes ao direito à saúde, Ingo Wolfgang Sarlet, ao comentar sobre o tem cita o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes: “O Ministro Gilmar Mendes também já lembrou, em decisão recente, que existe um dever constitucional de investir recursos e até mesmo limites e pisos, que devem ser investidos na área da Saúde. Há estudos atuais comprovando, categoricamente, que a União não gasta em nenhuma rubrica orçamentária aquilo que foi disponibilizado pelo orçamento, inclusive na área da Saúde. Há provas cabais de Estados e Municípios que não investem naquilo que foi imposto pela União no direito à Saúde. Alegar reserva do possível nessas circunstâncias é uma alegação vazia. […] O ônus da demonstração, o ônus da prova da falta de recurso é do Poder Público; o ônus da necessidade do pedido é do particular”.[53] Há também o argumento de que ao administrador é dada certa discricionariedade, segundo a qual lhe é permitido fazer ou deixar de fazer algo em virtude da oportunidade e conveniência. Com isso, pode registrar a possibilidade do administrador se valer da reserva do possível, pela qual só se faz algo se os recursos o permitirem. Nesse sentido ressalta Gustavo Silva que engana-se, todavia, quem assim postula. Isso, porque em se tratando de direitos fundamentais, tem-se, na verdade, opções vinculativas que o constituinte legou ao legislador infraconstitucional, isto é, algum direito fundamental só pode sofrer restrição em face de outro direito igualmente fundamental; grosso modo, valendo-se da cláusula da reserva do possível, ao administrador cabe optar por realizar um entre dois direitos fundamentais, na impossibilidade de realizar os dois, e do modo mais adequado possível.[54] É também, o entendimento de Germano Schwartz[55] que pontifica que não há como alegar ausência de verba orçamentária para a consecução da saúde que é um direito de todos e dever do Estado. Ao comentar sobre o mandando de injunção, o professor Ricardo Lobo Torres destaca que o mesmo deixou de ser instrumento de garantia dos direitos da liberdade e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania, à cidadania que estão interligados para assegurar também os direitos sociais e até os econômicos. Mas, segundo o autor[56], estes direitos que vivem sob a “reserva do possível”, subordinados à concessão do legislador e à previsão orçamentária, não poderiam ser adjudicados de acordo com normas estabelecidas pelo juiz. Ainda há controvérsias sobre a efetivação de políticas públicas em determinados casos concretos, por parte da atuação do Poder Judiciário como destaca Paula Afoncina Barros Ramalho[57], que algumas decisões principalmente de primeira instância, têm acenado para a possibilidade de revisão judicial das escolhas orçamentárias. Outras a têm negado, com base numa concepção ortodoxa do princípio da separação dos poderes e numa visão potencializadora dos espaços de discricionariedade administrativa. Falta, ainda, uma teorização consistente e um esforço analítico para a fixação de parâmetros de controle judicial, de modo a minorar essas oscilações jurisprudenciais, sempre danosas à segurança jurídica. Ricardo Augusto Dias da Silva[58], ao tratar da jurisprudência nacional e a reserva dopossível, destacou que: “A jurisprudência nacional, notadamente o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, como referido […] sobre o mínimoexistencial, tem pautado majoritariamente seu entendimento pela aplicabilidade e recepção da teoria da reserva do possível, fundamentando as decisões não somente pela disponibilidade de recursos, mas também ao argumento das competências constitucionais estabelecidas, do princípio da separação dos Poderes, da reserva da lei orçamentária e ainda do princípio federativo”. (destaques do original) 6. Conclusão Cada um dos poderes constituídos deverá exercer o seu papel para implementar os direitos fundamentais, considerando que o orçamento de cada ente da Federação, deve incluir as políticas públicas, conforme previsões legais que as autorizem. O Estado não pode perder de vista os objetivos fundamentais, traçados no artigo 3º da Constituição Federal. E, para atender tais objetivos, deve elaborar um planejamento adequado, com um orçamento que lhe permita a viabilização dos direitos sociais, assegurando existência digna a todos. De igual modo, o Estado não pode alegar escassez de recursos, a fim de justificar sua omissão, se os limites constitucionais não tiverem sido observados. Por isso a reserva do possível não pode ser alegada para justificar o comportamento omissivo do Gestor Público. Os direitos mínimos garantidos constitucionalmente e as políticas publicas necessárias para sua implementação, necessitam de recursos, para serem concretizados. É papel do Estado, tanto rever quanto aplicar adequadamente esses recursos arrecadados para atender as necessidades coletivas. O orçamento é o principal instrumento de realização de políticas públicas, de modo que o controle judicial dessas políticas que viabilizam os direitos sociais que necessitam efetivar determinadas prestações passa necessariamente, pelo controle da disponibilidade de recursos e da execução orçamentária. Até que ponto o Poder Judiciário pode exigir do Poder Executivo, a disponibilidade de recursos para atender os interesses da coletividade (necessidades públicas individuais e coletivas), em sede de direitos fundamentais? Não é uma tarefa fácil devido à subjetividade da situação. Isto porque, se o Poder Judiciário determinar ações para o cumprimento do Estado, que coloca em risco o equilíbrio orçamentário, em detrimento da garantia do atendimento de outros direitos de igual calibre, poderá comprometer outros Programas e Projetos, igualmente prioritários. Deve ser avaliada que a reserva do possível pode ser requerida e concedida pelo Poder Judiciário para as situações individuais em demandem as condições, em cada caso, que se encontrem abaixo do mínimo existencial. A sociedade deverá continuar participando de forma mais expressiva na elaboração e aprovação dos orçamentos, das audiências públicas e da execução do mesmo, viabilizando assim, a adoção de políticas públicas adequadas à realidade e às necessidades coletivas. De igual modo, por meio das entidades representativas a sociedade poder participar ativamente, verificando a execução do orçamento e as respectivas aplicações de recursos financeiros destinados à execução e implementação de políticas públicas.
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A extrafiscalidade como medida de precaução de risco na sociedade tecnológica
A sociedade contemporânea é marcada pelos avanços tecnológicos e da rapidez na troca de informações, alterando as noções de tempo espaço. Neste meio, embora a capacidade de produção seja de certa forma extraordinária, os reflexos deste avanço muitas vezes são imprevisíveis, podendo gerar catástrofes incontroláveis e que prolatem seus efeitos em todas as regiões. Foi visando analisar essas características que Ulrich Beck criou a teoria da sociedade do risco, defendendo a tese de que cabe ao Estado o dever de gerar segurança à sociedade. Para isto, o Estado utiliza do princípio da extrafiscalidade, que é nada mais que usar da tributação como instrumento de controle de condutas, podendo o fazer através da alteração de alíquotas de produtos, por exemplo. O diferencial do IPI para o controle de riscos é que, tendo em vista a urgência de resposta do poder estatal, é possibilitado ao Estado alterar alíquotas através de Decretos, não necessitando sujeitar-se ao processo legislativo e à anterioridade nonagesimal. Portanto, a utilização da extrafiscalidade no IPI como medida de precaução do risco na sociedade contemporânea é de suma importância, pois se trata de um dos recursos mais eficazes e céleres a fim de fornecer segurança para a sociedade que o Estado possui. Este trabalho foi orientado pelo Professor Daniel Ferreira.
Direito Tributário
1. Introdução O presente estudo versará sobre a importância do Estado na regulação de condutas na sociedade contemporânea, em especial através de políticas de tributação que visam prevenir a ocorrência do dano, tomando por base o princípio da extrafiscalidade. É notório o atual momento vivido na sociedade, que marcada pelos avanços tecnológicos e na complexidade das relações, bem como aos novos padrões de industrialização e consumo, faz com que o cidadão usufrua de benefícios outrora imagináveis, porém ao mesmo tempo o sujeita a inúmeras situações de perigo, majoritariamente impensadas e incapazes de serem antevistas e controladas.  Neste prisma, cresce cada vez mais a importância do papel do Estado como órgão responsável à  adotar políticas a fim de evitar os riscos dos quais o contribuinte constantemente se encontra. Dentre as inúmeras formas de intervenção Estatal, pode-se citar a tributação, o qual reflete na instituição de impostos ou alteração de alíquotas, porém não para fins meramente arrecadatórios, mas visando regular condutas[1]. No Brasil, verificam-se inúmeros exemplos, a começar pelo aumento da alíquota do IPI dos cigarros[2] e para os carros importados[3], sendo que para aquele visa proteger a saúde do contribuinte, e este para resguardar o mercado nacional. Portanto, como restará demonstrado, a utilização do princípio da extrafiscalidade a fim de evitar os riscos na sociedade contemporânea é de suma importância, haja vista o elevado grau de eficácia que a tributação possui na regulação de condutas. 2. Breves considerações acerca da teoria da sociedade de risco Foi nos anos 80, marcada pela crise ambiental decorrente do desastre de Chernobyl, a queda do Muro de Berlim e a derrocada do socialismo real, concomitantemente com os avanços da tecnologia-industrial, que vários cientistas sociais procuraram construir modelos teóricos que pudessem justificar e analisar as profundas transformações que a sociedade estava passando. Entre as diversas teorias elaboradas na época, destacou-se a de Ulrich Beck, chamada da teoria da sociedade de risco, a qual faz a ruptura entre a sociedade industrial e a sociedade de risco. Enquanto aquela questiona as praticas sociais típicas da tradição, esta questiona as próprias premissas da sociedade industrial. Nesta linha, a sociedade contemporânea caracteriza-se pelos avanços tecnológicos que permitem, entre outras coisas, o deslocamento de pessoas e bens entre continentes com velocidade extraordinária, bem como a troca quase que instantânea de informações, alterando as noções de tempo e espaço[4]. Estas são as principais características da teoria criada por Ulrich Beck, que difunde a idéia que a sociedade é global, tecnológica e de riscos.[5] O autor toma por base que a produção social de riqueza é acompanhada sistematicamente pela produção social de riscos[6], ou seja, ao mesmo tempo em que o ser humano possui enorme capacidade de produção e usufrua de todos os benefícios advindos da tecnologia, concomitantemente é exposto a inúmeros riscos que podem ser causados sem a própria vontade, bastando apenas que esteja incluído na sociedade. Desta forma, a teoria possui como intuito levantar a idéia de como evitar os riscos advindos do processo de modernização, fazendo com que sejam canalizados, de modo tal que não comprometam o próprio processo de modernização e a sociedade ao final. Pois não se trata apenas da utilização econômica da natureza a fim de desenvolver a sociedade, por exemplo, mas sobretudo dos efeitos dele decorrentes. O autor ainda salienta que o risco é provocado por decisões humanas, que expõem em perigo a própria sobrevivência do homem. Esta questão obteve especial destaque na sociedade pós-industrial, reflexo da globalização, pois sendo um processo produtivo multinacional, é fruto da intervenção de vários agentes a uma escala mundial, e que uma escolha gera reflexo a todos.[7] Por fim, Ulrick Beck também evidencia a importância do Estado em controlar estes riscos, devendo agir de forma a proporcionar maior segurança através do intervencionismo Estatal, seja de forma indireta ou direta no desenvolvimento técnico-econômico da sociedade. 3. O papel do estado frente á sociedade de risco 3.1. Contextualização histórica Antes de direcionarmos ao intervencionismo estatal propriamente dito, oportuno tecer breves considerações acerca da importância do Estado como instrumento de regulação da sociedade, e como isso gradativamente ocorreu. Pode-se tomar como ponto de partida a tripartição de funções do Estado, difundida por Montesquieu, que a separa entre legislativa, administrativa e jurisdicional, pois visava impedir a concentração de poderes para preservar a liberdade dos homens contra abusos e tiranias dos governantes.[8] Foi nestes nortes que o Estado Liberal consubstanciou-se, sendo constituído para realizar o sentido que o Iluminismo conferia à lei à época, ou seja, utilizando da separação de poderes com único intuito de garantir o primado da norma. Ocorre que a existência de um poder monárquico independente do poder democrático (legislativo) acabou gerando um poder hegemônico em relação a este, no sentido que a distribuição do poder político ocorreu de forma desequilibrada, sempre pendendo para o executivo.[9] Neste meio, em face da crescente participação do poder executivo inclusive na produção de normas, a tripartição dos poderes começou a ser questionada em razão do Estado intervencionista, a qual surgiu em razão da necessidade de regulação social, de um poder público atuante e preocupado com a vida socioeconômica da sociedade.[10] Para isto, o Estado começou a atuar de forma mais eficaz nos setores mais necessitados dos cidadãos, através de privatizações e diversas parcerias entre a administração publica e a iniciativa privada, sendo chamado de “Estado Regulador”. Para Floriano Azevedo Marques, em citação feita por Fabricio Motta, o Estado regulador se caracteriza da seguinte forma: “A atividade estatal mediante a qual o Estado, por meio de intervenção direta e indireta, condiciona, restringe, normatiza ou incentiva a atividade econômica de modo a preservar a sua existência, assegurar o seu equilíbrio interno ou atingir determinados objetivos públicos como a proteção de hipossuficiências ou consagração de políticas públicas”[11] Portanto, a importância do Estado como regulador social se faz cada vez mais presente em especial na atividade econômica do país, sempre visando o desenvolvimento da economia e à redução de desigualdades sociais; podendo o fazer de forma direta, disputando mercado com o setor privado, ou indireto, através das agências reguladoras ou alterando alíquotas de impostos, por exemplo. 3.2. Do poder estatal punitivo frente à sociedade de risco. Ao falar das conseqüências do papel do Estado frente à sociedade de risco, não poderíamos deixar de lado os reflexos que esta gerou no Direito Penal, o instrumento mais punitivo que o Estado possui. Como cediço, o direito penal serve para a proteção de bens jurídicos[12], porém, em se tratando de uma sociedade de riscos, caracterizado pela  grandes decisões sociais que podem gerar efeitos imensuráveis, acabaram refletindo no surgimento de uma nova criminalidade, que ampara a todo momento estes riscos, criando uma situação de instabilidade contínua.[13] A fim de garantir segurança sobre estes riscos, foram criadas políticas criminais que promulgam tipificações de perigo, por entenderem estas uma forma de frear as condutas que possam atingir bens jurídicos, não exigindo dano/violação para a punição, mas tão somente a exposição ao perigo. Caracteriza-se, portanto, como garantista, gerando inúmeras críticas por parte da doutrina, pois o risco legitimador dos princípios da precaução e da prevenção não pode e não deve ser invocado para combater as “organizações” de risco, com fundamento na idéia de segurança e defesa dos cidadãos[14]. Ou seja, as políticas de emergência utilizam do delito de perigo como forma de tutela preventiva do bem jurídico, ficando de certa forma afastada do núcleo do crime que é o dano/violação   Portanto, para afastar este caráter distante entre as condutas de perigo e o núcleo do crime deve-se deixar claro que em termos de prevenção, as criminalizações de pôr-em-perigo em nada se diferenciam de uma tipificação de dano. Ademais, a legitimidade do alargamento da punibilidade deve provir de situações que realmente desencadeiem a situação de perigo, e não apenas como medida político-criminal para cumprir a finalidade da diminuição de determinada criminalidade.[15] Tal medida torna-se necessária tendo em vista a força punitiva que o Estado possui, pois se tratando de sociedade de risco, a qual necessita de respostas quase que instantâneas, a probabilidade de criminalizar condutas de forma severa e desproporcional é grande. Portanto, há a necessidade de extrema cautela antes da elaboração de uma criminalização de perigo, devendo sempre respeitar os princípios penais e constitucionais, que devem servir como limitadores ao poder punitivo estatal. 3.3.  Do direito tributário frente à sociedade de risco. 3.3.1. Breves considerações Conforme dito anteriormente, com o desenvolvimento da sociedade o Estado passou a exercer uma função mais ativa, visando assegurar o desenvolvimento econômico e igualdade social, sendo chamado pela doutrina de Estado intervencionista. Pode exercê-lo de forma direta ou indireta, seja através de sociedades de economia mista, disputando mercado com o setor privado, seja através de agências reguladoras ou políticas econômicas, como alteração de alíquota de impostos. E é sobre a política de alterações de alíquota de impostos que iremos direcionar a atenção. Para tanto, cabe analisarmos o que é Direito Tributário, no que se estrutura e como se distingue. Pois bem, para Geraldo Ataliba, Direito Tributário é o ramo do direito que possui como objeto o estudo do direito tributário objetivo, que se compõe das normas que regulam a tributação, o tributo e as relações jurídicas entre tributantes e tributados.[16]Paulo de Barros Carvalho também faz a importante distinção entre direito tributário e ciência do direito tributário, sendo que aquela faz menção à atividade do legislador, essencialmente prescritiva, relacionadas direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. E a esta cabe, por sua vez, descrever estas condutas prescritas na lei, procurando interpretá-las, compará-las com outros ramos do direito, pois o sistema jurídico caracteriza-se pela sua unicidade.[17] Cabe ainda atentar que o objeto principal do direito tributário é o tributo, que se subdivide em 3 espécies, conforme preconiza o artigo 5° do Código Tributário Nacional[18]. Dentre eles se encontra o Imposto, o qual é definido por Paulo de Barros Carvalho como um tributo que possui como hipótese de incidência um fato alheio a qualquer atuação do Poder Público[19]. Ou seja, trata-se de um tributo que só será cobrado pelo Estado caso o contribuinte pratique determinada conduta, como, por exemplo, comprar  determinado produto ou prestar algum serviço. Após brevíssimas considerações acerca do que é direito tributário e imposto propriamente dito, oportuno direcionarmos a atenção ao imposto objeto do presente artigo, o imposto sobre produtos industrializados. 3.3.2. Do imposto sobre produtos industrializados – IPI O IPI constitui um dos principais tributos da União, sendo originado no século XIX, através da Lei n.° 25, de 03/12/1891. Todavia, os contornos atuais foram delineados a partir da reforma tributária de 1965, que substituiu o antigo Imposto de Consumo pelo Imposto Sobre Produtos Industrializados.[20] Tal tributo encontra-se disciplinado na Constituição Federal, nos arts. 150 e 153, e pelo Código Tributário Nacional, em seus arts. 46 a 51. Possui como Lei que rege a sua cobrança a de n.° 4.502, de 30.11.1964, regulamentada pelo Decreto 4.544, de 26.12.02. Possui como fato gerador o desembaraço aduaneiro de produto de procedência estrangeira, sendo que é um imposto sobre o produto industrializado, e não sobre a industrialização em si. Portanto, o elemento central é a existência de um produto industrializado, não importando se esta industrialização ocorreu dentro ou fora do país.[21] Eduardo Domingos Bottallo ainda reitera que para a Constituição, o IPI além de possuir como fato gerador o fato de alguém industrializar produto, também recai ao levar o produto para além do estabelecimento produtor, por força da celebração de um negócio jurídico translativo de sua posse ou propriedade.[22] 3.3.3. Dos princípios que regem o IPI. Dentre os diversos princípios que regem o IPI, merece especial destaque os princípios da seletividade, legalidade, anterioridade e extrafiscalidade. O Princípio da seletividade, expressamente previsto no artigo 153, §1 da Constituição Federal, reflete na idéia da essencialidade do produto sobe análise, de modo que sofrerá maior carga tributária aquele produto que for considerado menos essencial para a coletividade como um todo. Ou seja, possui como finalidade prestigiar com uma tributação reduzida aos gêneros de primeira necessidade, tributando, em contrapartida, com uma alíquota maior os produtos supérfluos.[23]  O princípio da legalidade, por sua vez, é veiculado no art. 5, II, da CF, que dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Em matéria tributária, o comando é reiterado no contexto das “limitações do poder de tributar”, sob a forma de vedação aos entes federativos, titulares de competência nesta área, e, por oposição, de garantia assegurada ao contribuinte.[24]    Porém, por hora, cabe atentarmos acerca da possibilidade do Poder Executivo alterar as alíquotas do IPI, consagrado através do artigo 153, §1, da Constituição Federal e no art. 56, do Decreto n.° 2.637/98[25], possuindo apenas como limite que as alterações sejam feitas por meio de decretos e podendo ser majoradas somente até 30 unidades percentuais. Quanto ao princípio da anterioridade, encontra-se prescrito no artigo 150, inc. III, alínea “c”, o qual outorga ao IPI a regra da anterioridade nonagesimal. Ou seja, após a majoração da alíquota sobre determinado tributo, a lei começará a vigorar após 90 dias da publicação da alteração. Este princípio visa proteger o contribuinte contra o fator surpresa, pois se considera 90 dias como um prazo adequado para que o contribuinte ajuste o seu planejamento financeiro, visando o pagamento do tributo. Porém, caso a alíquota seja alterada via Decreto, não se sujeitará ao prazo nonagesimal, podendo ser imediatamente exigidas. É o que prevê o §1, do art. 150 da Constituição Federal. Por fim, no tocante ao princípio da extrafiscalidade, cabe atentar que os tributos são, em regra, utilizados como instrumento de arrecadação. Desta forma, dentro do sistema de economia de mercado, a tributação trata-se do meio mais importante para que as pessoas políticas possam dispor dos recursos de que necessitam. Ou seja, esta função arrecadatória é que se convenciona denominar de fiscalidade.[26] Porém nem todos os tributos possuem caráter meramente fiscal, podendo ser utilizados para fins econômicos, ou seja, afim de regular comportamentos sociais em matéria econômica, social e política. Quanto ao tema, Alfredo Augusto Becker observa: “A principal finalidade de muitos tributos não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para custeio das despesas publicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada. Na construção de cada tributo não mais será ignorado o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal.”[27] Portanto, por meio deste princípio, o Estado incentiva determinadas atividades econômicas, como a agricultura e a tecnologia de ponta, porém, por outro lado, pode desincentivar atividades que trazem risco à saúde, como a indústria do tabaco e do álcool.[28] 4. Conclusão A sociedade contemporânea é marcada pelos avanços tecnológicos e da rapidez na troca de informações, alterando as noções de tempo espaço. Neste meio, embora a capacidade de produção seja de certa forma extraordinária, os reflexos deste avanço muitas vezes são imprevisíveis, podendo gerar catástrofes incontroláveis e que prolatem seus efeitos em todas as regiões. Foi visando analisar essas características que Ulrich Beck criou a teoria da sociedade do risco, defendendo a tese de que cabe ao Estado o dever de gerar segurança à sociedade. Este, por sua vez, o faz através da tipificação de condutas outrora impensáveis, direcionando a sua atenção a atos que poderão expor ao risco toda a sociedade. Neste prisma, dentre as diversas formas que o Estado possui para tentar controlar tanto os efeitos econômicos decorrentes de eventual quebra do mercado, como a fim de garantir a saúde da população, pode o fazer através de políticas econômicas que refletem diretamente no bolso de todos os contribuintes, por meio da tributação. Para isto, utiliza do princípio da extrafiscalidade, que é nada mais que usar da tributação como instrumento de controle de condutas, podendo o fazer através da alteração de alíquotas de produtos que se sujeitam ao Imposto sobre Produtos Industrializados, por exemplo. O diferencial do IPI para o controle de riscos é que, tendo em vista a urgência de resposta do poder estatal, é possibilitado ao Estado alterar alíquotas através de Decretos, não necessitando sujeitar-se ao processo legislativo. Além do mais, a própria jurisprudência adere a tal política, desde que respeite as disposições legais.[29] No caso do Brasil, são diversos os exemplos a serem citados. No âmbito da economia, o Estado recentemente majorou alíquota do IPI para carros importados. Tal medida não visa apenas arrecadar mais, mas sim proteger o mercado interno, pois ao contrário poderia correr o risco das fabricas instaladas no país fecharem, gerando milhares de demissões e conseqüentemente efeitos devastadores na economia. Outro exemplo é a majoração da alíquota do IPI nos cigarros, tal medida visa majoritariamente prevenir o risco de doenças decorrentes do fumo, como o câncer. Além do mais, o Estado tem a ciência que caso o contribuinte fique enfermo e venha a ter alguma doença decorrente do fumo, quem terá que arcar com as custas hospitalares, mesmo que indiretamente, é o próprio Estado. Portanto, a utilização da extrafiscalidade no IPI como medida de precaução do risco na sociedade contemporânea é de suma importância, pois se trata de um dos recursos mais eficazes e céleres a fim de fornecer segurança para a sociedade que o Estado possui.
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Tributação e Liberdade Religiosa no Brasil: constitucionalidade da imunidade tributária para templos de qualquer culto
Resumo. O presente trabalho tem o objetivo de abordar, sob a ótica da conformidade com a Constituição Federal de 1988, o instituto jurídico da imunidade tributária para templos de qualquer culto, com base na análise dos ensinamentos dos principais doutrinadores de Direito Tributário da atualidade. Ademais, apresenta uma visão geral da imunidade e discute acerca do sentido e alcance que a Constituição quis dar á liberdade religiosa quando optou por não tributar os bens e serviços que promovem direta ou indiretamente a liberdade de culto no Brasil. Ao fim, expressa a opinião do autor acerca do binômio tributação-liberdade religiosa.
Direito Tributário
1. Introdução O momento por que passa o País no que concerne à proliferação de seitas religiosas requer dos legisladores e juristas, sobretudo dos que se dedicam ao estudo e reflexão do Direito Constitucional e do Direito Tributário, uma retomada do debate ou, quiçá, uma revisão acerca do instituto da imunidade tributária para templos de qualquer culto. Em face da omissão parlamentar da legislatura vigente, tal debate deve partir, pelo menos na seara jurídica, dos doutrinadores, no intuito de influenciar a jurisprudência e a legislação, fontes do Direito que têm a prerrogativa de inovar e interpretar o ordenamento jurídico, respectivamente. É com tal intuito que o presente trabalho propõe a discussão sobre a constitucionalidade do instituto jurídico da imunidade para templos de qualquer culto, insculpido no art. 150, VI, “b”, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Logicamente, tal desiderato parte do pressuposto didático da imunidade como consectário da liberdade religiosa ou de crença, para, ao depois, a par do levantamento das opiniões defendidas pelos arautos do Direito Tributário da atualidade, apontar os desafios que a concretização do instituto da imunidade precisa transpor para não se transformar em ferramenta para os “mercadores da fé”, que vislumbram na possibilidade de tal desoneração uma margem de lucro que leva em conta aquilo que se deixou de recolher aos cofres públicos, a saber, patrimônio de todos e não de alguns, em evidente violação ao princípio basilar da Administração Pública (inclusive a tributária) da supremacia do interesse público (de arrecadar) em face do direito privado (de não se submeter, fraudulentamente, à incidência tributária). Ademais, compete-nos advertir o leitor e a leitora que não se trata o referido trabalho de texto exaustivo a respeito do tema, nem que se propõe a sugerir que o instituto da imunidade para templos de qualquer culto é inconstitucional a priori. Tem o desafio de trazer a lume a discussão doutrinária hodierna, com base em um fenômeno relativamente recente de multiplicação de templos religiosos em sentido amplo. É tema sensível no País cujo preâmbulo da Constituição evoca a proteção de “Deus”, em manifesta orientação religiosa que reverbera em inúmeros institutos jurídicos, dentre os quais aquele que doravante se passa a analisar: a imunidade religiosa. 2. Liberdade Religiosa Em uma perspectiva histórico-jurídica, pode-se dizer que a liberdade religiosa no Brasil, tal qual a concebemos hoje, encontra suas raízes no ano de 1890, em que se inaugurou no Brasil a separação do Estado e da Igreja por meio do Decreto nº 119-A, datado de 7 de janeiro. Tal documento jurídico antecedeu, portanto, a primeira Constituição Republicana, de 1891, que consagrou primeiramente, em sede constitucional, tal liberdade. Tratou-se de grande avanço, vez que no regime anterior a religiosidade era tema da alçada da governança oficial e funcionava mais como instrumento político, de manobra, do que espiritual, podendo-se asseverar que no Império a liberdade religiosa em sentido amplo praticamente inexistiu. Somente com o a advento da República exsurge o Estado não-confessional, também denominado leigo ou laico. Mas qual a extensão da prerrogativa de laicidade do Estado? Nesse sentido, a doutrina de José Afonso da Silva (2004, p. 247) enuncia as três formas de expressão da liberdade de religião, que compreende a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. A liberdade de crença, antes confundida com liberdade de consciência ou como uma forma de expressão desta, tem hoje significado autônomo. Nesse sentido, didática lição nos é trazida por Dirley da Cunha Júnior (2010, p. 677-678), ao traçar os elementos distintivos das liberdades de consciência e de crença: “Poder-se-ia dizer que isso não tem importância, na medida em que as liberdades de consciência e de crença se confundem, são a mesma coisa. Não é verdade! Primeiro porque a liberdade de consciência pode orientar-se no sentido de não admitir crença alguma. Os ateus e agnósticos, por exemplo, têm liberdade de consciência, mas não têm crença alguma. Segundo porque a liberdade de consciência pode resultar na adesão de determinados valores morais e espirituais que não se confundem com nenhuma religião, como ocorre com os movimentos pacifistas que, apesar de defenderem a paz, não implicam qualquer fé religiosa. A liberdade de crença envolve o direito de escolha da religião e de mudar de religião.” A liberdade de culto corresponde à manifestação, reservada ou não, da crença que se tem, materializando-se por meio de rituais, cerimônias, tradições e reuniões, nos quais se cultiva e se pratica a veneração, a adoração e a contemplação do ente objeto da crença. Já a liberdade de organização religiosa traça o modo de relacionamento entre o Estado e a Igreja a par dos parâmetros organizacional e funcional de dada religião. Neste aspecto, José Afonso da Silva (2004, p. 249-250) descreve os sistemas por meio dos quais se estabelece a relação Estado-Igreja, a saber: “[…] a confusão, a união e a separação. […] Na confusão, o Estado se confunde com determinada religião; é o Estado teocrático; como o Vaticano e os Estados islâmicos. Na hipótese da união, verificam-se relações jurídicas entre o Estado e determinada Igreja no concernente À sua organização e funcionamento, como, por exemplo, a participação daquele na designação dos ministros religiosos e sua remuneração. Foi o sistema do Brasil Império.” [destaques do original]. Com relação à separação, sistema que vigora atualmente, é vedado ao Estado estabelecer e subvencionar cultos religiosos, bem como embaraçar-lhes o funcionamento, inclusive com a não tributação em face da imunidade tributária para templos de qualquer culto, assunto que se passa a explorar a seguir. 3. Imunidade Tributária É consabido que na seara da tributação o poder de impor um comportamento tributário passivo a todos quantos realizem o fato gerador da obrigação tributária possui limites, correspondentes à observância dos princípios tributários e das imunidades tributárias. Visando “preservar valores políticos, religiosos, sociais e éticos”, a imunidade coloca “a salvo da tributação certas situações e pessoas”, significando, portanto, “uma limitação negativa de competência tributária” (SABBAG, 2009, p. 139). Ou seja, preceitua a imunidade que certas pessoas físicas e jurídicas não se submeterão à incidência tributária por força de previsão constitucional com esse intento. As principais situações justificadoras da imunidade tributária estão previstas no art. 150, VI, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, do Texto Constitucional vigente, que assim preceitua: “Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.” Interessa-nos, aqui, o estudo das imunidades e, dentre elas, especificamente a imunidade para templos de qualquer culto, prevista no art. 150, inciso VI e alínea “b”, da Constituição Federal de 1988. Refere-se, a indigitada imunidade, à dispensa constitucionalmente qualificada da submissão à exação tributária em respeito ao princípio da liberdade religiosa, já estudada no capítulo anterior. Necessário se faz, no entanto, enunciar que a imunidade para templos de qualquer culto (repita-se: qualquer culto), tem sido ampliada desmesuradamente, quase na mesma proporção do excessivo crescimento de templos religiosos que fazem jus a essa imunidade, alcançando não só o templo per si, mas a casa paroquial, do pastor, do rabino etc. [1], além de lucros obtidos com venda de material religioso ou mesmo aluguel de imóvel de tais entidades cujo rendimento reverta para a promoção da atividade fim ou finalidades essenciais[2] da religião, crença ou culto. Esse é o cerne da discussão do referido artigo, ou seja, se a ampliação e mesmo a concessão de imunidades indiscriminadamente não fere a teleologia do constituinte originário, que buscou consagrar a liberdade de culto, crença, religião e organização religiosa, e não a mercantilização da fé alheia, em evidente desvirtuamento de instituto jurídico tão nobre nas suas intenções. Para tanto, no capítulo que segue, colacionamos a opinião a respeito ou correlata dos principais estudiosos do Direito Tributário acerca do tema. 4. Constitucionalidade da Imunidade Tributária para Templos de Qualquer Culto Como se asseverou anteriormente, este trabalho não tem a finalidade de defender a inconstitucionalidade a priori, ou seja, desde sempre, do instituto da imunidade tributária para templos de qualquer culto. Questiona-se, aqui, a constitucionalidade quanto à conformação à Lei Maior da sua aplicação indiscriminada, sem levar em conta as reais intenções dos que pleiteiam tal prerrogativa perante os fiscos. Isso porque partimos do pressuposto da constitucionalidade da imunidade, mas de possível inobservância da teleologia do instituto, que é promover a liberdade religiosa lato sensu, e não se prestar a uso inadequado da religiosidade como setor econômico-empresarial, o que resultaria, no mínimo, em inadequação ao princípio da igualdade e da concorrência leal. Ora, quanto a esse aspecto, Aliomar Baleeiro preceitua, categoricamente, que “Será inconstitucional a lei que desafiar imunidades fiscais” (2010, p. 374). Pressupor, portanto, a constitucionalidade da imunidade para templos de qualquer culto não significa que a imunidade possa se tornar inconstitucional na sua aplicação, quando deixa de lado o elemento teleológico, a liberdade de atividade religiosa.     Vêm dos tributaristas pátrios as críticas mais relevantes, que podem (e devem) mudar o paradigma jurisprudencial vigente da aplicabilidade a todo custo do instituto. Senão vejamos. Paulo de Barros Carvalho (2010, p. 232), analisando a tendência de aplicação ampla das imunidades, adverte: “Dizer que as imunidades são sempre amplas e indivisíveis, que não suportam fracionamentos, protegendo de maneira absoluta as pessoas, bens ou situações que relatam, é discorrer sem compromisso; é descrever sem cuidado; sem o desvelo necessário à construção científica […].” No mérito, Caio de Azevedo Trindade (2007, p. 101) defende o afastamento da imunidade em face da intenção fraudulenta de alguns pseudo-religiosos no intento de obtenção ou mesmo na vigência de imunidade reconhecida. Para o autor: “Sempre que for decretado o intuito fraudulento destas entidades religiosas, bem como em caso de práticas de atos atentatórios à moral e aos princípios éticos e jurídicos, será lícito o afastamento da imunidade concedida constitucionalmente, vez que não se estará diante de instrumento garantidor do exercício das liberdades públicas, mas sim de instrumento contrário aos Princípios insculpidos na Carta Magna.” No mesmo sentido, Hugo de Brito Machado (2006, p. 300), em exposição de razões sobejamente citada, chama a atenção para o descalabro a que se submeterá o instituto da imunidade religiosa caso persista a tendência da ampliação exagerada, senão abusiva, do instituto: “Há quem sustente que os imóveis alugados, e os rendimentos respectivos estão ao abrigo da imunidade desde que sejam estes destinados à manutenção do culto. A tese é razoável quando se trate de locação eventual de bens pertencentes ao culto. Não, porém, quando se trate de atividade permanente deste. A locação de imóveis, com a ressalva feita à pouco, é uma atividade econômica que nada tem a ver com um culto religioso. Coloca-la ao abrigo da imunidade nos parece exagerada ampliação. A ser assim, as entidades religiosas poderiam também, ao abrigo da imunidade, desenvolver atividades industriais e comerciais quaisquer, a pretexto de angariar meios financeiros para a manutenção do culto, e ao abrigo da imunidade estariam praticando verdadeira concorrência desleal, em detrimento da livre iniciativa […].” Em pensamento que sintetiza o que imaginamos ser o entendimento majoritário da doutrina nacional, Kiyoshi Harada (2010, p. 371) argumenta: “A interpretação ampla, que se costuma dar ao instituto da imunidade, não pode implicar tolerar os abusos que vêm sendo praticados, tendo em vista a extrema facilidade com que se institui uma seita. A disputa do gordo filão dos dízimos e contribuições vem acirrando a luta entre as seitas, e, não raras vezes, entre os próprios membros da mesma seita, numa inequívoca demonstração de ofensa aos princípios éticos e morais, não condizente com a livre manifestação do credo, assegurado pela Carta Magna.”  Concordamos com os autores citados, acrescentando que não é apenas papel da doutrina (que foi o nosso foco) realizar o debate, mas dos demais setores que enfrentam direta ou indiretamente o tema, a saber, os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo (este por meio da atuação da Fazenda Pública). A doutrina, até aqui, tem feito a parte que lhe compete. 5. Conclusões Como se pode perceber dos depoimentos doutrinários colacionados, a doutrina, corajosamente, tem dado a sua contribuição ao advertir os intérpretes, destinatários e aplicadores das leis e princípios jurídicos acerca dos abusos correntes por que tem passado o instituto da imunidade religiosa. Cabe, nesse passo, às autoridades fazendárias discutir mecanismos de averiguação de fraudes, sempre levando em consideração que a liberdade religiosa, esta sim, deve ser preservada, e não a de quem age de má fé a por meio dela. Ademais, este trabalho é daqueles que se pode denominar de incompleto, porquanto aborda tema amplo em perspectiva restrita, que no caso foi a abordagem doutrinária. Oportunamente, pretendemos dar-lhe continuidade, ao analisar a posição jurisprudencial (Poder Judiciário) e administrativa (processo administrativo tributário) acerca do tema. À guisa de conclusão, sugere-se que se estabeleça mecanismos de fiscalização da imunidade para templos de qualquer culto, podendo-se, neste caso, contar com a colaboração das associações das chamadas denominações religiosas. Noutra ponta, podem-se averiguar os antecedentes criminais dos proponentes das organizações religiosas. É óbvio que alguns poderiam questionar se não se trata de restrição a direito fundamental que também é cláusula pétrea. Pensamos que não, pois garantir a aplicação mais próxima do “espírito” da Constituição para nós amplia a liberdade; não a restringe nem suprime, porque outros princípios com este correlato, como o da boa-fé e da lealdade moral, ética e espiritual para com o próximo, estariam garantidos, ampliando, portanto a liberdade religiosa.
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Políticas públicas a partir da extrafiscalidade: o agir público na consolidação de direitos e desenvolvimento
O presente estudo tem por objetivo demonstrar que a extrafiscalidade, como forma de promoção dos deveres constitucionalmente estabelecidos por meio da imposição tributária, revela-se importante meio para o Estado induzir, incentivar ou inibir determinada atividade privada. Tal finalidade é diversa da finalidade fiscal dos tributos. Na Ordem Constitucional de 1988, as políticas públicas são compreendidas como toda atuação estatal no sentido de promover os objetivos e fundamentos constitucionais estabelecidos, visando coordenar os meios à disposição do Estado e das atividades privadas. Desta forma, o instituto da extrafiscalidade é meio eficaz para a implementação de políticas públicas estatais.
Direito Tributário
1. Introdução Ao longo da história, o Estado brasileiro assumiu diversas posturas perante a população a depender da orientação política impressa no texto constitucional. A Constituição Federal de 1988 proclama o Brasil como Estado Democrático de Direito [1], o qual possui como fundamentos [2] a dignidade da pessoa e a livre iniciativa, e como objetivos [3] a construção de sociedade justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a redução da pobreza e da marginalização e a promoção da igualdade em sentido material. Esses fundamentos – arrolados no art. 1ª da Constituição da República – e objetivos – arrolados no art. 3º – mostram o espírito da Constituição e denotam a orientação política pretendida. O Estado brasileiro em matiz de Estado Liberal, cuja preocupação principal é assegurar as liberdades individuais de cunho negativo. Também não se configura como um Estado Social, tal como o Estado mexicano e alemão da Constituição mexicana de 1917 ou de Weimar de 1919, marcada pelo intervencionismo estatal exacerbado. A Constituição de 1988 propugna por um meio termo no qual liberdade de iniciativa convive com os valores sociais do trabalho; a garantia dos direitos de propriedade convive com a função social desta, isso porque o Estado Democrático de Direito assenta-se num extenso rol de direitos e deveres fundamentais e na garantia dos meios para a sua efetivação. Para que tais intentos sejam operacionalizados, não basta um Estado regulador, alijado das preocupações sociais brasileiras, é necessário que ele participe, seja ativo, executando diversas ações governamentais para garantir os direitos e garantias constitucionais. Com esse propósito, o Estado se valerá de meios constitucionalmente delimitados, tal como o instituto da extrafiscalidade no direito tributário. Esse é o contexto no qual se passa a tecer considerações. Inicialmente, analisa-se a extrafiscalidade no direito tributário, distinguindo-a da forma mais comum de cobrança de tributo: a fiscal. Feito isso, apresenta-se o conceito de extrafiscalidade tendo em vista o direito tributário constitucionalizado. A seguir, ingressa-se na análise da extrafiscalidade,  como meio de implementação de políticas públicas, com o fim de verificar, a partir de verificação de aplicações práticas adotadas no Brasil. 2. A extrafiscalidade Com a finalidade de situar brevemente o tema explanado, BECKER, ao tratar dos fundamentos jurídicos do direito tributário, afirma que o Estado nasce por uma relação natural, como engenho humano que “uma vez criado, não subsiste ‘per se’, independente de seus criadores, porém é um Ser Social cuja criação é continuada” [4]. Este “Ser Social” distingue-se dos indivíduos que o criam e dotam-no de personalidade própria, de cunho social, distinto da personalidade jurídica. Para o referido autor, a personalidade jurídica é o reconhecimento da personalidade social do Estado, pelo direito positivo. [5] O fundamento de validade de Estado está rapport politique[6] entendido como “conjunto das relações que a imposição e a obediência de regras de conduta estabelecem, vinculando a todos os indivíduos membros de um grupo social” [7]. Neste contexto, o Estado se sustenta e se retroalimenta pela inteligência e vontade dos indivíduos em prol de um bem comum que é um bem comum temporal, porque localizado numa concepção de mundo específica, por exemplo, liberal ou social[8], que se materializa num texto constitucional, representando o “poder do Estado”, que nada mais é do que o “Poder dos Indivíduos que se transindividualizou” [9]. O Estado brasileiro, hodierno, é Democrático de Direito por opção do povo brasileiro, detentor da soberania, manifestado pelo Poder Constituinte Originário no Texto de 1988. O bem comum estabelece uma relação que liga todos os indivíduos a um e cada um a todos, por meio de um feixe de direitos e deveres que possui na igualdade (ou no princípio da igualdade) um corolário unificador. É sob esta base que se funda o direito tributário. Segundo HARADA, “Com gradativa evolução das despesas, para atender às mais diversas necessidades coletivas, tornou-se imprescindível ao Estado lançar mão de uma fonte regular e permanente de recursos financeiros. Assim, assentou-se sua força coercitiva para a retirada parcial das riquezas dos particulares, sem qualquer contraprestação. Dessa forma, o tributo passou a ser a principal fonte dos ingressos públicos, necessários ao financiamento das atividades estatais”.[10] Atualmente, o fenômeno tributário encontra-se juridicizado, sendo categoria jurídica regulada pelo direito com fundamento de validade no princípio da legalidade estrita, ao contrário de sua origem histórica. Bastante semelhante é o pensamento de ATALIBA, para o qual as normas tributárias têm por finalidade a atribuição de dinheiro ao Estado. Para o referido autor, o direito possui caráter instrumental[11], pois a norma jurídica é “meio posto à disposição das vontades para obter, mediante comportamentos humanos, o alcance das finalidades desejadas pelos titulares daquelas vontades”.[12] Toda essa construção doutrinária do direito tributário, seu fundamento e finalidade, culminam com a teoria contemporânea do dever fundamental de pagar impostos, desenvolvida por NABAIS, sintetizada da seguinte forma: “Como dever fundamental, o imposto não pode ser encarado nem com mero poder para o estado, nem como um mero sacrifício para os cidadãos, constituindo antes o contributo indispensável a uma vida em comunidade organizada em estado fiscal. Um tipo de estado que tem na subsidiariedade da sua própria acção (económico-social) e no primado da autorresponsabilidade dos cidadãos pelo seu sustento o seu verdadeiro suporte. Daí que se não possa falar num (pretenso) direito fundamental a não pagar impostos”.[13] (grifos do original) O Estado brasileiro, assim como a maioria das nações ocidentais, apresenta-se como Estado Fiscal, cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por tributos.[14] Diante disso, a principal função dos tributos é prover os cofres públicos a fim de executar a função pública, a qual deve pautar-se pelo interesse público, conforme leciona MELLO [15]. Nesse contexto, desenvolveu-se, também, a exação extrafiscal, cuja finalidade é diversa da mera arrecadação fiscal, com fundamento no princípio da supremacia do interesse público. Nesse sentido, conforme ensina MÉLEGA, citado por HARADA, “Os tributos já não se apresentam como simples fontes do poder de tributar, mas simultaneamente como emanação do poder de polícia, ou melhor, o poder de tributar observe o poder de polícia na tarefa de regular a economia. A extrafiscalidade é finalismo que informa qualquer tributo.”[16] Assim, de um lado, apresentam-se os impostos de natureza fiscal, de outro, os impostos com finalidade extrafiscal, fundados no poder regulatório do Estado, que serão analisados nas sequência. 2.1. Conceito de Extrafiscalidade A extrafiscalidade vincula-se ao campo da intervenção do Estado no domínio econômico e social, desconexo do poder de tributar propriamente dito[17], cuja finalidade é meramente arrecadatória, são “duas competências, a de tributar e a de regular”[18]. A extrafiscalidade se insere no último campo. Autor igualmente clássico, BECKER prenunciou que a principal finalidade dos tributos: “não será a de um instrumento de arrecadação das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada” [19]. Em verdade, na construção da figura tributária não mais será ignorado a finalidade extrafiscal, nem será esquecida a finalidade fiscal, ambas coexistem e convivem, com maior ou menor prevalência de um em relação ao outro, a depender do contexto no qual se inserem. Segundo referido autor, a intervenção na economia privada, por meio de regras jurídicas tributárias, é necessidade inadiável, pois somente desta forma se garantirá à pessoa dignidade.[20] Para NABAIS, embora a extrafiscalidade esteja fora das preocupações erigidas em torno do direito fundamental de pagar impostos, este dever exerce influência sobre o instituto.[21] O campo da extrafiscalidade está adstrito ao da “prossecução de objetivos económicos-sociais” [22], fundados no princípio do Estado social. Não obstante, a doutrina nacional converge para um conceito de extrafiscalidade, como refere CARVALHO, à “forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade”. [23]   No mesmo sentido, CARRAZA, observa: “Há extrafiscalidade quando o legislador, em nome do interesse coletivo, aumenta ou diminui as alíquotas e/ou base de cálculo dos tributos, com o objetivo principal de induzir os contribuintes a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa. Por aí se vê a extrafiscalidade nem sempre causa perda de numerário; antes, pode aumentá-lo, como, por exemplo, quando se exacerba a tributação sobre o consumo de cigarros.”[24] Pode também ser considerada como a cobrança de exação fundada no poder de polícia[25], o que parece impreciso, pois, embora os arts. 78 e 79 do CTN, conceituem poder de polícia, este tem melhor compreensão na doutrina administrativista. Veja-se, por exemplo, MELLO, para o qual poder de polícia é: “[…] atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (‘non facere’) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo”.[26] De fato, existem pontos em comum entre ambos os institutos jurídicos, notadamente no que se refere ao condicionamento da propriedade dos indivíduos mediante ação estatal, com a finalidade de conformação dos atos segundo os interesses da sociedade. Entretanto, a extrafiscalidade não decorre da atividade da Administração Pública, mas é atividade legiferante, que exige conformação constitucional, pois é matéria de natureza eminentemente tributária, subsumida ao princípio da reserva legal. Não há como vislumbrar a cobrança de uma exação tributária por meio de atos normativos ou concretos da Administração Pública. Tal como os impostos de natureza fiscal, deve-se observar a conformação da regra-matriz de incidência dissecada por CARVALHO ou pela hipótese de incidência tributária explanada por ATALIBA [27]. Segundo o primeiro, a regra-matriz de incidência é: “[…] norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, deve-ser a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o dever-ser modalizado”. [28] Percebe-se, que a regra-matriz de incidência tributária é o que legitima a instituição e cobrança de determinado imposto, ainda que extrafiscal. Portanto, não há como considerar os institutos – extrafiscalidade e poder de polícia – semelhantes, embora possuam finalidades convergentes. Por fim, e bastante importante para o decorrer da explanação é o conceito de extrafiscalidade aferido por MEIRELLES, como “a utilização do tributo como meio de fomento ou de desestímulo a atividade reputadas convenientes à comunidade. É ato de política fiscal, isto é, de ação de governo para o atingimento de fins sociais através da maior ou menor imposição tributária.”[29] Portanto, a extrafiscalidade está alijada à função primordial dos tributos, qual seja, abastecimento dos cofres públicos, entretanto, constitui instrumento, no âmbito do poder estatal, para a prossecução dos objetivos econômico-sociais do Estado, seja por meio da regulação estatal, seja por meio do fomento de atividades. 2.2. Limites à extrafiscalidade A doutrina em geral aponta os limites definidos pela Constituição à tributação excessiva e à legalidade, como os principais limitadores da imposição tributária, seja ela fiscal ou extrafiscal. No que atine ao último, ressalta-se a função do imposto extrafiscal e, desta forma, a ponderação principiológica é diversa. A doutrina apresenta alguns princípios como limites a essa função. Por primeiro, apenas para ressaltar, o princípio da legalidade é que legitima toda a atuação estatal no campo do direito. No direito tributário, em específico, esse princípio ganha contornos estritos, pois, “somente poderá instituir tributos, isto é, descrever a regra-matriz de incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a alíquota, mediante a expedição de lei”. [30] Qualquer incentivo fiscal, para que não se torne arbitrário, ou qualquer tributação restritiva, como a que incide sobre cigarros para que não implique em apropriação indevida, somente é concebível mediante lei, com antecedente constitucional prévio estabelecendo a competência. Por segundo, destacamos o princípio da proibição do tributo com efeito de confisco. O direito econômico – ramo jurídico no qual se insere a temática em análise, em sentido último – não deve sofrer “exigentes limitações constitucionais” [31], sendo que, em regra, os Estados deixam a sua administração ampla liberdade de condução neste quesito, sendo limites materiais à aplicação extrafiscal do tributo o princípio da proibição do excesso e do arbítrio.[32] Esse princípio desdobra-se em: a) legitimidade dos fins, ou seja, relaciona-se com a finalidade constitucional almejada; b) imprescindibilidade do meio, ou seja, a utilização extrafiscal do tributo se impõe, pois não há meio sucedâneo com os mesmos efeitos e; c) razoabilidade ou proporcionalidade em sentido estrito, que indica a relação direta entre o sacrifício exigido com a relevância da finalidade objetivada.  Esse princípio, também denominado de princípio da vedação ao confisco, ganha relevo em se tratando de exação extrafiscal como instrumento de proteção ao contribuinte sugerindo a aplicação ponderativa dos princípios constitucionais envolvidos num caso em específico, conforme teorizações de ALEXY e DWORKIN.[33] Em todo caso, destaca-se a dificuldade em estabelecer parâmetros objetivos e claros, cabendo ao Poder Judiciário, em última instância, decidir fundamentadamente quanto ao mérito propriamente dito do direito pleiteado.[34] Percebe-se que definir o conceito de confisco não é difícil, todavia, complicado é definir os limites além dos quais a tributação torna-se confiscatória.  Não há, na doutrina pátria ou europeia ocidental, quem enfrente satisfatoriamente o tema. Esse princípio, em verdade, apenas nos fornece um “rumo axiológico, tênue e confuso, cuja nota principal repousa na simples advertência ao legislador dos tributos, no sentido de comunicar-lhe que existe um limite para a carga tributária.”[35] Por terceiro, cumpre explanar brevemente sobre o princípio da igualdade e sua relação com a extrafiscalidade. Considera-se a priori ser limitador da atividade impositiva estatal, não coadunando com a extrafiscalidade, pois, por exemplo, em algumas situações, benefícios são concedidos a determinados setores da economia ou a alíquota do imposto de importação é elevada sobremaneira em relação a determinado bem. Na realidade, o princípio da igualdade na extrafiscalidade é buscado de maneira indireta, por buscar concretizar fins estatais diversos do propriamente fiscal, não se graduando especificamente pelo parâmetro da capacidade contributiva. Em análise da capacidade contributiva, CARVALHO refere como o “padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga tributária e o critério do juízo de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo”. [36] Destaca dois momentos do princípio da capacidade contributiva. O primeiro o de “realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva absoluta ou objetiva retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza”.[37](grifo do autor); o segundo, “também é capacidade contributiva, ora empregada em acepção relativa ou subjetiva, a repartição da percussão tributária, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento”.[38] (grifo do autor) Na realidade, o princípio da capacidade contributiva – fortemente relacionado com o princípio da igualdade – no campo da extrafiscalidade não possui aplicação direta, pois essa do tributo visa a garantir fins sociais ou econômicos do Estado por meio de atividades de incentivo ou regulatórias, restringindo ou oportunizando situações, nem sempre agindo de forma igual, mas, por vezes, relativizando o primado da igualdade para assegurar bens outros constitucionalmente relevantes ou para garanti-lo em sentido material. Finalmente, NOGUEIRA, no que diz respeito aos limites à extrafiscalidade, destaca que atuação extrafiscal deve estar concentrada na figura da União, tendo em vista que se trata de poder central do Estado brasileiro[39]. Além disso, para o referido autor é necessário a observância dos parâmetros constitucionais, fora dos quais não se concebe a atuação de qualquer ente da Federação.[40] Atualmente, no que tange à concentração da atuação na figura da União, embora na prática isso se confirme, tal postura sofre fortes críticas da doutrina, na medida em que, respeitados os parâmetros constitucionais de atribuição de competência, a atuação extrafiscal numa municipalidade é legal e aconselhável, pois um município está mais próximo da população em contato com as necessidades locais. Como exemplifica BOFF é necessário repensar uma melhor regulação da repartição de receitas tributárias tendo em vista o modelo particular da Federação brasileira.[41] No mesmo sentido, observa HARADA  que o seu emprego “[…]  não fica adstrito ao âmbito federal. Estados e Municípios podem fazer uso da extrafiscalidade para regular matéria de sua respectiva competência, (…). Do contrário, seria negar a autonomia das entidades periféricas, restringindo o exercício do poder de polícia a outros meios ou instrumentos normativos que não sejam de natureza tributária, isto é, excluindo o instrumento tributário como meio de manifestação do poder de política.”[42] Em tom de conclusão, frise-se que a extrafiscalidade é um instrumento jurídico posto à disposição do Estado para, no campo do direito tributário, atuar para além da arrecadação tributária, com o fito de garantir os direitos e deveres constitucionalmente delimitados, em especial as exigências do Estado Social. Assim, passamos no capítulo seguinte à análise das políticas públicas para finalmente, correlacionar ambos os institutos. 3. Políticas públicas: conceituação e localização do tema Exposto o funcionamento e a aplicação extrafiscal da exação tributária na teoria, passa-se à análise das políticas públicas. Inicia-se com a contextualização do tema. No que atine ao direito administrativo, ramo afeto ao das políticas públicas, BARROSO, afirma que três circunstâncias devem ser consideradas: a) a existência de uma vasta quantidade de normas constitucionais voltadas para a disciplina da Administração Pública; b) uma série de transformações pelas quais o Estado brasileiro sofreu nos últimos anos e; c) a influência da principiologia constitucional sobre as regras de direito administrativo.[43] Desse modo, o princípio da supremacia do interesse público [44], considerado, inclusive, um dos princípios basilares do direito administrativo, deve ser analisado detidamente. O princípio da supremacia do interesse público ao lado do princípio da legalidade são fundamentais porque denotam a bipolaridade do direito administrativo: liberdade do administrado, por um lado, e autoridade da Administração Pública, por outro.[45] O “interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem”.[46] A temática das políticas públicas, como atuação da autoridade pública de modo a conduzir a Administração para a realização do bem comum, insere-se, portanto, no viés primário do interesse público e, em caso de colisão com os demais princípios presentes na Constituição, será utilizada a técnica da ponderação de princípios que predomina no direito contemporâneo. Embora não previsto expressamente no texto constitucional, o princípio da supremacia do interesse público é cediço na doutrina[47] e a na jurisprudência pátria sua integral aplicação.[48] A institucionalização do Estado Democrático de Direito, com ordens constitucionais definidas e vinculativas que dotam as regras e princípios constitucionais de juridicidade, criam ambiente positivo para o Administrador Público implementar políticas públicas, sobrepondo-se, inclusive, às liberdades e garantias individuais. Essa sobreposição, entretanto, não é direta, mas depende de filtragem constitucional, pois, “nenhum interesse pode ser considerado público se levar ao sacrifício dos valores e dos direitos fundamentais. A preponderância do interesse público exige que todos os esforços sejam empregados, com a maior eficiência possível, para o atendimento do indivíduo.”[49] Portanto, as políticas públicas podem ser situadas dentro da seara do direito administrativo, representando as diversas formas de atuação estatal para atendimento do interesse público. A origem do termo políticas públicas está inclinada às ciências administrativas e econômicas que propriamente ao direito. De acordo com SOUZA, são quatro os pensadores que teorizaram, pioneiramente, sobre políticas públicas: H. LASWELL, que introduz na década de 40 a ideia de “análise de política pública” (policy analysis); H. SIMON, que introduz o conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos (policy makers) ; C. LINDBLOM, que trata das variáveis que influenciam a prática de políticas públicas e, finalmente, e D. EASTON, que define políticas públicas como sistema, como uma relação entre formulação, resultados e o ambiente.[50] Seguindo TEIXEIRA, define-se política pública como: “[…] diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamento) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as ‘não ações’, as omissões, como forma de manifest, ação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos”.[51] As políticas públicas, portanto, constituem um conjunto das mais diversas atuações do poder público, visando atendimento da finalidade pública, o conjunto de atividades voltado para a satisfação do interesse público com a finalidade de realizar os direitos fundamentais dos cidadãos. Como prover todas as necessidades dos administrados é impossível diante da escassez de recursos, o Administrador, por meio da eleição dos princípios do mínimo existencial e da reserva do possível, estabelece fórmulas para elencar as políticas públicas prioritárias.[52] LEAL, em sentido semelhante, refere-se a “políticas públicas constitucionais vinculantes como as ações atribuídas pela Constituição aos Poderes Públicos destinadas à efetivação de direitos e garantias fundamentais”.[53] Assim, as políticas públicas constituem programas de atuação dos governos tendentes à realização dos fins estatais [54], que são consubstanciados nos objetivos fundamentais e nos direitos sociais, que, em grande maioria, exigem atuação ativa do poder público. Nesse sentido, de acordo com SARLET [55], “os direitos fundamentais prestacionais (…) sempre estarão aptos a gerar um mínimo de efeitos jurídicos, sendo, na medida desta aptidão diretamente aplicáveis, aplicando-se-lhes (com muito mais razão) a regra geral, (…), no sentido de que inexiste norma constitucional destituída de eficácia e aplicabilidade”. A forma com que esses direitos são positivados no texto constitucional, de acordo com o referido autor, determinará o quantum de eficácia dos direitos fundamentais prestacionais [56]. 3.1. Mínimo existencial e reserva do possível como pressuposto e limite ao desenvolvimento de políticas públicas É cediço que os direitos fundamentais prestacionais possuem relevância econômica, porque “diretamente vinculadas à destinação, distribuição (e redistribuição), bem como à criação de bens materiais” .[57] Em razão disso, desenvolveu-se, como limite à atuação estatal e, logicamente, como limite à instituição de políticas públicas, o princípio da reserva do possível, sintetizada por SARLET como uma “espécie de limite fático e jurídico dos direitos fundamentais” [58], que depende de uma série de fatores, tais como, a efetiva disponibilidade fática do direito prestacional, a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, relacionando-se com a questão orçamentária, competência legislativa e competência administrativa e, finalmente, com a questão da proporcionalidade e razoabilidade da prestação e sua exigibilidade.[59] Além da reserva do possível, como um limite máximo para se imporem políticas públicas, há um outro limite: o mínimo existencial. Trata-se, em verdade, de pressuposto que aponta para o dever estatal de atuação. O mínimo existencial corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis à sobrevivência e à vida digna de uma pessoa, constituindo o núcleo do princípio da dignidade da pessoa. São condições mínimas que o poder público deve levar em consideração na atuação governamental.[60] Portanto, o conceito de política pública no direito é operacional, pois se centra na noção de atuação estatal conforme os ditames constitucionais e legais. Os postulados da reserva do possível e do mínimo existencial, por sua vez, coexistem e delimitam as margens fora das quais a política pública torna-se violadora de direitos fundamentais. 4. Extrafiscalidade como forma de implementar políticas públicas Como anotado, a extrafiscalidade é um instrumento jurídico de que se vale o Estado para garantir e dar efetividade aos direitos e garantias constitucionalmente delimitados por meio da maior ou menor exigência de tributos. As políticas públicas, por sua vez, constituem toda atuação do poder público na consecução da finalidade pública. Desta forma, é evidente que a utilização dos meios extrafiscais de cobrança tributária é uma forma de implementação de políticas públicas que pode ser de diversas naturezas. Por exemplo, quanto ao grau de intervenção, poderíamos vislumbrar uma política pública estrutural, por exemplo, ao interferir em determinadas relações sociais como o fomento da empregabilidade de pessoas portadoras de necessidades sociais por meio de isenções fiscais. Quanto à abrangência da política pública de natureza extrafiscal, esta poderia ser universal, segmentada ou fragmentada como ocorre com aumento de tributos sobre bens exportados como forma de fortalecimento da economia nacional. Relativamente aos impactos nas relações sociais, pode-se supor uma tributação diferenciada para produtos alimentícios básicos como forma distributiva de política pública. Ou, até mesmo, uma tributação mais forte em termos de comércio de cigarros como forma de inibir o consumo para fins de saúde pública. Desta forma, diante da diversidade de valores e bens tutelados pelo Estado brasileiro, as políticas extrafiscais servem para fomentar o desenvolvimento econômico e social, regular a utilização da propriedade privada, a livre iniciativa ou a livre concorrência, a defesa do meio ambiente, o desenvolvimento científico e tecnológico, bem como para o apoio à educação, à cultura e aos desportos, entre outros valores constitucionais. A aplicação extrafiscal da exação tributária “ao incidir sobre situações, fatos ou estados de fato, indicativas da existência de capacidade econômico-contributiva dos sujeitos passivos, os impostos viabilizam a efetivação de inúmeras políticas públicas voltadas à realização de objetivos sociais e econômicos nas mais diferentes áreas da atuação das pessoas físicas e jurídicas”, promovendo ou reprimindo condutas, “estimulando ou dificultando o desenvolvimento de mercados, ensejando ou inviabilizando atos e negócios jurídicos”.[61] Portanto, a extrafiscalidade é corolário do Estado Social e tem como objetivo criar condições para que o Poder Público preserve valores importantes da sociedade, cuja realização é de fundamental importância. E mais, as políticas públicas extrafiscais, embora mais próximas à atuação prestacional do Estado, não devem descurar da dinâmica do direito tributário e sua conformação, estando, desta maneira, em conformidade do Estado Democrático de Direito. Diante da vasta gama de possibilidades de cobrança extrafiscal para a implementação de políticas públicas, passa-se à análise de casos em específico, o primeiro, em relação à contribuição sobre royalties para a geração de tecnologia; o segundo, sobre o regime simplificado de tributação para as microempresas e empresas de pequeno porte. 4.1 Casos específicos de extrafiscalidade como forma de implementação de políticas públicas 4.1.1 Contribuição sobre royalties para a geração de tecnologia A lei nº 10.168/2000 instituiu Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE – destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. Esse programa tem por finalidade estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro por meio de programas de pesquisa científica e tecnológica. Tal intento visa acelerar a inovação tecnológica no país, que, ainda hoje, é eminentemente exportador de matérias primas.  A legislação insere-se no rol de políticas públicas com o fito de mobilizar a sociedade para a criação de ambiente favorável para empresas, universidades, centros de pesquisas e instituições de ensino conjuntamente desenvolvam programas para a inovação tecnológica. A incidência da referida CIDE dar-se-á sobre pessoa jurídica detentoras de licença de uso ou adquirentes de conhecimentos tecnológicos, bem como, sobre aquela que for signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior, nos termos do art. 2º, da Lei nº 10.168/2000.  Além disso, conforme alteração promovida pela Lei nº 11.452/2007, esta contribuição não incidirá sobre remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de programas de computador, salvo quando envolverem a transferência da correspondente tecnologia. Conforme o §2º, do art. 2º, da lei sob análise, a CIDE incidirá sobre pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim, pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior. Este dispositivo constitui, em verdade, modelo inibidor de aquisição de tecnologia estrangeira, como forma de privilegiar a tecnologia nacional. A CIDE incidirá à base de 10% (dez por cento), de acordo com o § 4º, da Lei nº 10.168/200, sendo devido sobre os valores pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos, a cada mês, para residentes ou domiciliados no exterior, a título de remuneração decorrente das obrigações assumidas nos termos do §2º, visto acima. Os recursos captados serão destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, com o fim de custeio de diárias, passagens, material de consumo, investimentos, obras civis, instalações, equipamentos e outros itens necessários ao desenvolvimento de programas em parceria entre empresas e instituições de ensino para a inovação tecnológica no país. Esta lei, recentemente, passou pelo crivo do STF, num processo interpartes [62], no qual uma empresa de motosserras arguiu violação de diversos princípios constitucionais, entre eles o da livre iniciativa, o da livre concorrência e o da propriedade. Na realidade, como já referido, esta é uma hipótese de colisão entre princípios, que deve ser subsumida pela técnica de ponderação de valores, hipótese em que o STF entendeu ser mais relevante, na situação em concreto, o princípio do desenvolvimento tecnológico do país. Além disso, em termos formais, foi alegada a inconstitucionalidade da lei que instituiu a CIDE por não se tratar de lei complementar. Tal alegação também não obteve êxito, pois entende a Corte ser “dispensável a edição de lei complementar para a instituição desta espécie tributária”.[63] 4.1.2 Regime de tributação simplificado para microempresas e empresas de pequeno porte No art. 146, inciso III, alínea “d”, da CF[64] há previsão de possibilidade de lei complementar instituir regime tributário diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte. Esta forma diferenciada de tributação objetiva conferir efetividade ao art. 3º, incisos II e III da Constituição da República, por meio de aplicação extrafiscal de tributação como instrumento do desenvolvimento nacional e da superação de desigualdades sociais. Atualmente, este dispositivo é regulamentado pela Lei Complementar nº 123/2006, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, o qual possui uma série de instrumentos para operacionalizar o mandamento constitucional, com destaque para o regime único de arrecadação de tributos – conforme o art. 1º, inciso I, da Lei nº 123/2006 – e o acesso ao crédito e ao mercado, inclusive com preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, nos termos do art. 1º, inciso III, da referida Lei Complementar. A respeito da constitucionalidade desta lei já se manifestou o STF no sentido de que não é possível vislumbrar “ofensa ao princípio da isonomia tributária se a lei, por motivos extrafiscais, imprime tratamento desigual a microempresas e empresas de pequeno porte de capacidade contributiva distinta, afastando do regime do simples aquelas cujos sócios têm condição de disputar o mercado de trabalho sem assistência do Estado”.[65] 5. Conclusão Diante do exposto tecem-se as seguintes e breves conclusões: 1. A extrafiscalidade é expediente de natureza notadamente tributária cuja finalidade é diversa da incidência tributária de natureza fiscal, que tem por objetivo operacionalizar os direitos e garantias fundamentais postulados na Constituição, por meio de diversas técnicas, tais como benefícios fiscais e isenções ou alíquotas severas com intuito de inibir determinada atividades ou setores econômicos. 2. Juridicamente falando, política pública é toda atuação estatal visando atingir a finalidade pública. O Estado Democrático de Direito, tal como se apresenta no Brasil contemporaneamente, exige não apenas uma atitude negativa estatal, mas também, e ao mesmo tempo, um Estado que providencie meios para prover os direitos constitucionalmente assegurados. 3. Nesse contexto, a extrafiscalidade é um dos expedientes de que se pode valer o Poder Público para implementar políticas públicas, seja para regular determinado setor da econômica, seja para fomentar determinado setor econômico ou atividade, seja para prover meios para garantir a saúde pública. 4. Como exemplo deste tipo de prática pela Administração, apresentamos a Lei nº 10.168/2006, que dentre outras disposições, prevê a imposição de uma CIDE sobre tecnologia adquirida no estrangeiro, como forma de fomentar a inovação tecnológica no território nacional, bem como a utilização dos recursos arrecadados para a criação de programas entre empresas e instituições de ensino para a inovação tecnológica. 5. Finalmente, o último exemplo, no qual a Lei Complementar nº 123/2006 instituiu um regimento diferenciado e mais facilitado para as microempresas e empresas de pequeno porte, como forma de efetivar os objetivos constitucionais definidos nos incisos II e III da Constituição da República.
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A atuação do Banco Nacional do Desenvolvimento e a problemática dos incentivos na cinematografia brasileira
A cultura constitui uma das riquezas de maior notabilidade no Brasil. Leis e mecanismos de incentivo foram criados ao longo dos anos para impulsionar o desenvolvimento desse dinâmico e estratégico setor, sobretudo no que concerne ao cinema, cuja trajetória denota as dificuldades enfrentadas para evoluir. O BNDES é um dos responsáveis pelo oferecimento de instrumentos de apoio financeiro ao audiovisual. Esses instrumentos, mediante pesquisa bibliográfica e ênfase no método dialético para compreensão da realidade, foram investigados no presente trabalho, o que proporcionou um esclarecimento de suas ações e da razão pela qual ainda hoje, carecemos de meios para fornecer às pessoas o devido acesso aos bens culturais.
Direito Tributário
1. Introdução O cinema (abreviação de “cinematógrafo”, do francês cinématographe) chegou ao Brasil pouco após sua invenção no subterrâneo do Grand Café, em Paris, onde os irmãos Lumière realizaram a primeira exibição paga e pública de uma série de dez filmes, com duração de 40 a 50 segundos cada. Assim, a primeira exibição registrada aqui data de 1896, no Rio de Janeiro. Um ano depois já existia no Rio uma sala fixa de cinema, o “Salão de Novidades Paris”, de Paschoal Segreto, tendo os primeiros filmes nacionais sido rodados entre os anos de 1897-1898. Com relativo progresso na produção de energia elétrica (vide a inauguração da usina de Ribeirão das Lages), salas de exibição começaram então a se proliferar pelo país, amplificando a comercialização de filmes estrangeiros e fomentando o mercado nacional. Nestas salas eram apresentadas desde ficções das companhias francesas Pathé e Gaumont, passando pela italiana Cines e pela alemã Bioskop, até às películas provindas das americanas Edison, Vitagraph e Biograph. Nos anos 20, as técnicas e aprimoramento tecnológico do cinema tiveram considerável impulso culminando no lançamento, em 1929, do primeiro filme sonoro brasileiro, a comédia “Acabaram-se os otários”, de Luiz de Barros. Ainda assim, ao contrário do que aconteceu na Europa e nos Estados Unidos, o cinema brasileiro demorou para se desenvolver no século XX. Somente na década de 1930 que surgiram as primeiras empresas cinematográficas, produtoras de filmes do gênero chanchada, como a ilustre Cinédia. Em um ano foram produzidos cerca de 30 longas. Posteriormente, em 1941, o rentável e famoso gênero da época é solidificado com a abertura do notável estúdio Atlântida, que surge com um ojetivo bastante definido: promover o desenvolvimento industrial do cinema brasileiro. O estúdio mantém uma postura consolidada. Voltado para o mercado com um esquema industrial auto-sustentável, obtinha grande receptividade do público. Ainda que pretendesse, em certos aspectos, imitar o modelo hollywoodiano, as chanchadas transmitem enorme brasilidade ao colocar em relevo os problemas cotidianos da época. Conforme Eduardo de Figueiredo Caldas: “Nos vinte primeiros anos do cinema falado, a produção paulista foi quase inexistente, enquanto que a carioca se consolidou e prosperou com as famosas chanchadas da Atlântida. Precárias comédias carnavalescas e recheadas com sucessos musicais do momento. Eram sucesso garantido de público. Baseando-se nisso, Zampari resolve criar uma companhia para produzir filmes de qualidade como os de Hollywood. A Vera Cruz era uma empresa moderna e ambiciosa, que dispunha do apoio da burguesia de São Paulo, a metrópole econômica do País. O surgimento da Vera Cruz reflete aspectos da história cultural do Brasil: a influência italiana, o papel de São Paulo na modernização da cultura, o surgimento e as dificuldades das indústrias culturais no país e as origens da produção audiovisual brasileira.”  Construída em São Bernardo do Campo, a Companhia Vera Cruz dispunha de um aparato moderníssimo de equipamentos e profissionais, e o sucesso parecia inevitável. Mas, não foi bem isso que sucedeu. Durante os próximos anos, as coisas de complicariam muito e, nos fins de 1954, as atividades da empresa chegam ao fim. Foi somente durante a década de 60, com a ajuda de movimentos culturais, políticos e sociais que se disseminavam pelo mundo, que o cinema voltou a ter forças no país. O movimento no cinema, no Brasil, ficou conhecido como “cinema novo”, uma espécie de arma do povo contra o governo. Mediante discussões de problemas rurais e políticos, o Cinema Novo brasileiro assume papel de ingente importância, tornando o Brasil reconhecido como país de relevância no cenário cinematográfico mundial. Além disso, acaba por contribuir para trazer ao público problemas que eram mantidos longe da vista popular. Em 1969 é criada a Empresa Brasileira de Filmes (EMBRAFILME)[1] para financiar, co-produzir e distribuir os filmes brasileiros. Há então uma produção diversificada que atinge o auge em meados dos anos 80, com a crise econômica que assolou o Brasil concomitantemente com uma queda eloquente de público, a EMBRAFILME, gradativamente, começa a declinar. O Presidente Fernando Collor extinguiu, em 27 de abril de 1990, todos os organismos culturais de âmbito federal, mediante expedição do Decreto 99.226[2]. Fatidicamente, o cinema brasileiro vive sua “Idade das Trevas”, obtendo a inexpressiva marca de apenas três filmes lançados em 1992. Porém, a Lei 8.313, de 23 de Dezembro de 1991, conhecida como Lei Rouanet, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC), baseado nos moldes internacionais, que visa promover a cultura através do investimento das empresas em projetos culturais de parte do seu imposto de renda devido (RODRIGUES, 2005). Por sua vez, a Lei 8.685 de 20 de Julho de 1993 (Lei do Audiovisual), vem  para impulsionar a indústria do cinema e do auviovisual. Nos últimos anos da década de 90, devido aos mecanismos desenvolvidos por estas duas leis, principalmente no tocante à isenção fiscal, o Cinema Brasileiro vivenciou o conhecido período da Retomada, tornando a Sétima Arte um pólo estratégico de desenvolvimento, alavancando o país tanto no que concerne à criação de empregos quanto na contribuição cultural à população. A bem da verdade, a industrial cultural no Brasil gera, a cada milhão investido, cerca de 160 postos de trabalho, superando assim os números referentes às industrias automobilísticas e eletrônicas. O presente artigo tem então, como escopo, investigar as ações políticas centradas no estímulo ao cinema, sobretudo no que concerne aos mecanismos disponibilizados pelo BNDES, visando esclarecer o quão vantajoso pode ser, tornar-se um povo que crê e entende sua própria excelência e magnitude. 2. Política nacional cinematográfica “Continuo fechado com minhas posições de um cinema terceiro-mundista. Um cinema independente do ponto-de-vista econômico e artístico, que não deixe a criatividade estética desaparecer em nome de uma objetividade comercial e de um imediatismo político. ” (Glauber Rocha) Audiovisual… este erudito âmbito passou por altos e baixos em sua evolução e efetiva inserção no mercado brasileiro. Desde às chanchadas, passando pela Cinédia, pela Atântida, pela Vera Cruz, pelo Cinema Novo, pela Embrafilme, por Collor (e sobrevivendo à tal ente), até chegar à Retomada, muitos fatos, para dizer o mínimo, se consubstanciaram. A Lei 8.313, de 23 de dezembro de 1991, conhecida como Lei Rouanet, criou o PRONAC – Programa Nacional de Apoio à Cultura – propondo o investimento das empresas de parte do seu imposto de renda devido em projetos culturais (RODRIGUES, 2005). Basicamente, conforme o disposto no artigo 18, dessa Lei, a União Federal faculta às pessoas físicas ou jurídicas, a opção pela aplicação de parcelas do imposto sobre a renda a título de doações ou patrocínios a projetos culturais, sejam eles apresentados por pessoas físicas ou por pessoas jurídicas de natureza privada, ou então, através de doações efetuadas ao Fundo Nacional da Cultura (FNC), um fundo de natureza contábil com prazo indeterminado de duração (artigo 5.º da Lei Rouanet). Em seguida, tivemos a promulgação da Lei 8.685 de 20 de Julho de 1993 (Lei do Audiovisual), a qual veio com o intuito de promoção especificamente da indústria do cinema e do auviovisual. O período da Retomada, citado acima, ficou conhecido nos últimos anos da década de 90, devido mormente aos mecanismos criados por estas duas leis, principalmente no tocante à isenção fiscal, tornando a Sétima Arte um pólo estratégico ao progresso, impulsionando o país tanto na criação de empregos e na contribuição cultural à população. Afinal, a cultura tem papel decisivo na formação de cidadãos plenos na capacidade de lidar com a complexidade de decisões que a vida contemporânea vem trazendo, mediante seu bombardeamento porfioso de informações; sem ela, e seus inerentes valores sociais, a democracia ou o Estado de Direito perdem sua finalidade e substancial importância. Com a Lei Rouanet, o governo atrelou fundos expressivos das estatais (conglomerado Petrobrás, Eletrobrás e Correios) na manutenção do cinema nacional, injetando, entre 2000 e 2003, 81% dos R$ 80 milhões aplicados em projetos acompanhados pela Ancine. Em termos realistas, o cinema é, ao mesmo tempo, uma indústria estatal “terceirizada” e um subproduto do petróleo; acessoriamente, carioca e paulista. Veja, há uma concetração latente de investimentos na região Sudeste do país. Quando se associam a projetos culturais, as empresas buscam retorno de marketing e dão prioridade a artistas consagrados e ao público formado por brasileiros de maior poder aquisitivo, principalmente nas regiões Sudeste, e Sul. Aliada à esse grave entrave, o acesso aos bens culturais é problema nítido e esquecido. Ora, de que adianta investir bilhões na produção de filmes, se a grande maioria da população não possui condições financeiras de assistir a exibições? Nas duas tabelas que se seguem, pode-se notar a redução de público nos cinemas nacionais, sobretudo quando se trata de filme produzido aqui: Duas observações merecem ser feitas. A primeira é que, a bem da verdade, é mais viável para uma família de quatro pessoas que gastaria no mínimo R$ 50,00 para presenciar a mostra de determinada película, despender R$ 5,00 locando ou adquirindo do mesmo, cópia provinda de meios ilícitos. Já a segunda, é que quanto menos acesso nossa população tiver, maior o descaso com que nossos filmes serão tratados: o cinema americano é o soberano. Mais uma das lógicas imperialistas cruéis. A cultura em si, como verdadeira ferramenta de transformação social, gera projetos que visam o desenvolvimento, a difusão e a preservação do conhecimento obtido e acumulado pela humanidade. Os três são de extrema valia: desenvolvimento, DIFUSÃO e preservação. Mas, para que a difusão de tudo o que for desenvolvido e preservado culturalmente ocorra de forma correta, temos que nos atentar para o fato de que o povo brasileiro carece, e muito, de meios para ter acesso à cultura. Se nos esquecermos disso, estaremos fadados ao regresso e a estagnação das mentes pertencentes a uma diversidade tão rica quanto a nossa. 3. Atuação do BNDES O Banco Nacional do Desenvolvimento – BNDES – fundado em 1952, é um órgão do Governo Federal que constitui um dos principais agentes financiadores da economia brasileira. Mas para entendermos melhor a organização do BNDES faz-se necessário o remonte de alguns processos intrínsecos a sua criação, como bem explicitado por Gilberto Oliveira da Silva Júnior: “O seu surgimento foi parte de uma construção que visava a estruturação de um projeto de desenvolvimento para o Brasil a partir de algumas bases essenciais, tendo o “Programa de Reaparelhamento Econômico” lugar de destaque, com o BNDE na posição de gestor. Iniciou-se uma cooperação, com a entrada em funcionamento da Comissão Mista, entre Brasil e Estados Unidos (CMBEU), criada em dezembro de 1950. Esta Comissão era composta por técnicos de ambos os países e teria como objetivo o Estudo dos problemas básicos da economia brasileira, bem como a proposição de soluções para estes problemas. Os estudos preliminares da Comissão Mista estabeleciam que para conseguir o melhoramento da produtividade do Brasil com o reaparelhamento das funções mais diretamente ligadas ao Estado (portos, meios de transporte, energia elétrica e indústrias básicas) ou mesmo o incentivo da iniciativa privada, seria necessário cerca de 20 bilhões de cruzeiros, sendo que metade deste valor deveria ser gasto no exterior com importação de equipamentos e serviços especializados.” Considerado hoje um dos protagonistas do progresso do cinema nacional, ele oferece um conjunto diversificado de instrumentos de apoio financeiro, com recursos não reembolsáveis, financiamentos e capital de risco. A indústria do audiovisual apresenta um grande potencial de crescimento no Brasil, com impactos diretos tanto no aumento da geração de renda e emprego quanto na identidade e bem-estar social. Sendo assim, com um suporte à produção de obras cinematográficas, o BNDES iniciou em 1995, seu apoio efetivo ao setor audiovisual. Desde então, o BNDES investiu, mediante editais de seleção pública anuais, cerca de R$ 133 milhões na realização de filmes, com recursos passíveis de incentivos fiscais previstos na Lei do Audiovisual (Lei 8.685/93). 3.1. Procult Antes destinado exclusivamente à cadeia produtiva do audiovisual, o Procult vive desde 2009 uma nova fase, na qual passa a chamar-se Programa BNDES para o Desenvolvimento da Economia da Cultura – BNDES Procult, consolidando-se como principal instrumento do Banco de apoio ao setor cultural, cujos segmentos de atuação passam a ser não só o audiovisual como também o património cultural, editorial e livrarias, fonográfico e espetáculos ao vivo. Seus objetivos gerais são: viabilizar o apoio ao desenvolvimento e fortalecimento da cadeia produtiva da economia cultural no País; preservar a memória cultural nacional tangível e intangível; estimular a diversidade cultural brasileira; promover a descentralização da oferta de bens culturais; promover a inclusão social por meio da arte e da cultura. Levando em consideração a marca irreparável de desigualdade e minorias esquecidas deixadas por nossa história, com certeza este último objetivo enseja maior atenção e premência O BNDES Procult fornece apoio financeiro através de três subprogramas. São eles: I) BNDES Procult – Financiamento: esta modalidade tem como pressuposto oferecer crédito para os investimentos empresariais com sede e administração no Brasil, nos segmentos de audiovisual, jogos eletrônicos, editorial e livrarias, fonográfico e de espetáculos ao vivo. No que diz respeito ao audiovisual, busca-se, entre outros propósitos, implantar, modernizar, expandir e reformar salas de projeção de obras audiovisuais no Brasil, bem como distribuir, divulgar e comercializar as obras audiovisuais nacionais, de conteúdo audiovisual digital brasileiro para novas mídias, inclusuve jogos eletrônicos brasileiros, no País e no exterior (BNDES, 2009). II) BNDES Procult – Renda Variável: destinando-se a investimentos em projetos e planos de negócios em todos os segmentos apoiados, o BNDES Procult – Renda Variável por atuar, ainda, em operações de reestruturação (financeira e societária) de empresas brasileiras sob controle de capital nacional. Os recursos financeiros podem ser alcoados aqui, na forma de: a) subscrição de valores mobiliários; b) participação em fundos de investimento; e, c) aquisição de certificados de investimentos audiovisuais. A letra c, corresponde, pois, a aquisição de cotas representativas de direitos de comercialização sobre obras audiovisuais cinematográficas brasileiras de produção independente, conforme previsto no art. 1° da Lei n° 8.685, de 20.07.1993 (Lei do Audiovisual). III) BNDES Procult – Não Reembolsável: neste subprograma, busca-se financiar os investimentos relacionados ao patrimônio cultural e ao audiovisual, mais especificamente, aos projetos de coprodução internacional para TV, preservação do patrimônio histórico e arqueológico, seleção pública de projetos de preservação de acervos e, seleção pública de projetos cinematográficos. Os recursos não reembolsáveis do BNDES Procult – Não Reembolsável podem provir da renúncia fiscal definida pela Lei Rouanet, além do próprio dinheiro do BNDES, oriundos de seu Fundo Central. 3.2. Funcines Os Funcines constituem fundos de participação exclusivamente voltados para o desenvolvimento da indústria cinematográfica e audiovisual brasileira, conforme regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM. Garantindo a seus investidores, a possibilidade de dedução fiscal correspondente a 100% do valor investido até o limite de 3% do imposto de renda a pagar, se pessoa jurídica, ou 6%, de pessoa física, os Funcines deverão ter um comitê, composto por, no mínimo, três membros, para deliberar sobre os investimentos nos projetos que comporão a carteira do Funcine, com participação de um ou mais representantes do BNDES. O BNDES visa participações minoritárias nos fundos em que investe. No caso dos Funcines, a participação do BNDES no patrimônio previsto será definida caso a caso, com base na análise do pleito. A subscrição e integralização das cotas dos fundos pelo BNDES deverá ser realizada concomitantemente com os demais cotistas.  4. Leis de incentivo fiscal e óbices ao acesso popular Constitui objetivo fundamental de nossa República Federativa, nos termos do art. 3° da CF/88, reduzir as desigualdades sociais e regionais. Mas de fundamental este objetivo não tem nada. A criatividade do artista brasileiro é inesgotável, mas nossa rica diversidade cultural e o consumo da produção cultural do país esbarram na exclusão sociocultural. Atente-se para esses indecorosos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística): “Apenas 13% dos brasileiros vão ao cinema uma vez por ano; 92% nunca visitaram um museu; só 17% compram livros; 78% nunca assistiram a um espetáculo de dança; 90% dos municípios brasileiros não possuem pelo menos um desses equipamentos: salas de cinema, teatro, museu ou espaços culturais multiuso; 600 municípios brasileiros não possuem qualquer tipo de biblioteca (405 deles ficam no Nordeste e apenas 2 no Sudeste); 1,8% livro per capita/ano é a média de leitura do brasileiro (contra 2,4 na Colômbia e 7 na França); 25 reais é o preço médio do livro de leitura corrente no país; 56,7% da população ocupada na área de cultura não têm carteira assinada. (BAHÉ, on-line)’ A realidade é um suplício. Apenas por observar tais percentuais, pode-se dar por justificado o motivo desse trabalho: a política cultural brasileira vem se alicerçando em bases nocivas, o antagonismo entre a produção e o consumo deve ser notado de uma vez por todas para que seja sanada essa discrepância na partilha. Como mudar esses números senão com uma política cultural que tenha no acesso uma meta fundamental? Talvez o maior problema enfrentado para promover ações culturais seja o grande volume de dinheiro gasto em grandes espetáculos, para os quais poucos podem aceder, em oposição à imensa carência existente nas periferias e no interior onde a diversidade cultural acontece. A cultura está por toda parte, sem restrições, e como disse Fernanda Montenegro, “nós temos é que buscar a cultura no povo, dando condições para que ela brote.” Herdamos um modelo baseado principalmente na renúncia fiscal, que não se presta a política pública. Quando se associam a projetos culturais, as empresas buscam retorno de marketing e dão prioridade a artistas consagrados e ao público formado por brasileiros de maior poder aquisitivo, principalmente nas regiões Sul e Sudeste. O caso é que, seguindo o padrão da desigualdade que assola nossa nação, 3% dos proponentes de projetos recebem 50% dos recursos. Vivemos em um apartheid cultural, e se nada for feito, esses “generosos” e “aprazíveis” números crescerão em ingentes proporções. Afinal, isso incomoda? Para constituirmos uma cultura real é preciso preliminarmente realizar uma transformação de natureza política. Diferentes grupos e classes sociais precisam fazer um esforço intenso para romper com estados mentais, modos de ver e de agir, valores consagrados e organizações institucionalizadas que mantêm um colonialismo invisível dentro de uma situação de dependência de extrema visibilidade (MOTA, 1978). O incentivo fiscal, também denominado mecenato[3], possibilita benefícios para investidores que apoiam projetos culturais mediante doação ou patrocínio. Em 2 de julho de 1986, procurando incentivar a produção cultural no país, foi aprovada a Lei n° 7.505, conhecida por Lei Sarney, que oferecia benefícios fiscais na área do imposto de renda, proporcionando um abatimento da renda bruta ou dedução de despesa operacional aos contribuintes que efetivassem doações, patrocínios ou investimentos a favor de pessoa jurídica de natureza cultural cadastrada no Ministério da Cultura. Para as pessoas físicas o abatimento em questão ocorreria da seguinte forma (Artigo 1° da Lei): “§ 1º Observado o limite máximo de 10% (dez por cento) da renda bruta, a pessoa física poderá abater: I – até 100% (cem por cento) do valor da doação; II – até 80% (oitenta por cento) do valor do patrocínio; III – até 50% (cinqüenta por cento) do valor do investimento. § 2º O abatimento previsto no § 1º deste artigo não está sujeito ao limite de 50% (cinqüenta por cento) da renda bruta previsto na legislação do imposto de renda.” Quanto as pessoas jurídicas, o procedimento seria basicamente o mesmo (Artigo 1°): “§ 3º A pessoa jurídica poderá deduzir do imposto devido, valor equivalente à aplicação da alíquota cabível do imposto de renda, tendo como base de cálculo: I – até 100% (cem por cento) do valor das doações; II – até 80% (oitenta por cento) do valor do patrocínio;  III – até 50% (cinqüenta por cento) do valor do investimento. § 4º Na hipótese do parágrafo anterior, observado o limite máximo de 2% (dois por cento) do imposto devido, as deduções previstas não estão sujeitas a outros limites estabelecidos na legislação do imposto de renda.” Observando o limite de 50% (cinqüenta por cento) de dedutibilidade do imposto devido, a pessoa jurídica que não se utilizasse, no decorrer de seu período-base, dos benefícios concedidos por esta lei, poderia optar pela dedução de até 5% (cinco por cento) do imposto devido para destinação ao Fundo de Promoção Cultural, gerido pelo Ministério da Cultura. Foi com a Lei Sarney que tivemos a ligação entre setor privado e setor cultural, assunto que vem gerando discussões acirradas até hoje, por deixar na mão de empresas o financiamento de políticas culturais, transferindo parte da responsabilidade Estatal para a lógica do mercado. No ano de 1991 a proposta de lei do então Ministro da Cultura, Sérgio Paulo Rouanet, é aprovada. Tal lei, conhecida por Lei Rouanet (Lei n° 8.313 de 23 de dezembro de 1991), possuía como um dos principais pontos o estabelecimento do Programa Nacional de Apoio a Cultura (PRONAC). A Lei Rouanet acabou por se tornar ineficaz, não conseguindo romper com o lastro constituído pela Lei Sarney (dependência do setor privado e sistema de abatimento do imposto de renda), primeiramente porque os recursos provindos do FNC são bastante escassos para atender a uma demanda mínima para implementação das políticas públicas culturais no país, sobrecarregando o Mecenato. E em segundo lugar, porque embora o Mecenato permita que os projetos culturais sejam apoiados por meio da renúncia fiscal, as empresas não o concebem dessa forma, e acabam por apoiar somente projetos que lhe interessem, que lhe dêem retorno de imagem. Veja, a empresa que se beneficia da Lei Rouanet não está interessada em novas experiências artísticas, promovidas por um novo Glauber Rocha[4], ou por inventores de linguagens. Afinal, não possui o desejo de que sua imagem seja vinculada a experiências culturais ainda não compreendidas pelo grande público. Outras Leis de Incentivo foram sendo elaboradas nas três esferas públicas, merecendo destaque as seguintes: a) Lei do Audiovisual (Lei Federal n° 8685/93) – Permite desconto fiscal para quem comprar cotas de filmes em produção. O limite de desconto sobre o imposto de renda é de 3% para pessoas jurídicas e de 5% para pessoas físicas; b) Lei de Incentivo à Cultura (LINC – Lei Estadual n° 8819/94) – Cria o programa estadual de incentivo à cultura e institui o Conselho de Desenvolvimento Cultural, responsável pela análise de projetos; c) Lei Mendonça (Lei Municipal n° 10923/04) – Permite que o contribuinte do IPRJ e ISS abata até 70% do valor do patrocínio desses impostos. Como a utilização do mecanismo proposto pela Lei Rouanet não obteve o exato êxito em democratizar a contento o acesso à produção e à fruição cultural por parte da população brasileira, tramita hoje no Congresso uma proposta de reformulação – Projeto de Lei n. 6722/2010 – que entrou na pauta após o recesso parlamentar, em fevereiro de 2010. A bem da verdade, a Lei Rouanet tornou-se a salvação da cultura nacional em tempos muito complicados e ajudou a desenvolver inúmeros empreendedores culturais. Todavia, por falta quem sabe de uma gestão hábil ou de vontade política, dois de seus mecanismos – FNC e Ficart – nunca funcionaram da forma como deveriam, transformando o Mecenato no único meio válido de financiamento à cultura, o que não justifica, nesta reforma proposta, decretar o fim de todos os benefícios já conquistados. Amparado por campanha publicitária milionária e com alto grau de manipulação ideológica, o Projeto em questão não sana qualquer dos itens questionados e exigidos pela sociedade, como por exemplo, a garantia de uma distribuição eficaz dos recursos públicos para as mãos do que precisam. Precisa-se de mudança sim. Há sete anos se espera por isso. Mas, lamentavelmente, não acredito que será com o Procultura – a “menina dos olhos” do Projeto – e seu “poder miraculoso” que conseguiremos. Somente com estudos e pesquisas precisas, obteremos tal sucesso, afinal, tem-se que alterar um quadro de anos de falimento.  O Brasil do século XXI exige um despertar para a importância da cultura, sendo que o próprio Papa João Paulo II disse que: “A cultura não deve sofrer nenhuma coerção por parte do poder, político ou econômico, mas ser ajudada por um e por outro em todas as formas de iniciativa pública e privada conforme o verdadeiro humanismo, a tradição e o espírito autêntico de cada povo.” Portanto, é na valorização da diversidade e no acesso a ela como direito de todos, que poderemos formar uma geração de cidadãos culturalmente ricos e plenos. Só assim fortaleceremos nossa jovem democracia. 4.1. Concentração de Recursos A atividade audiovisual no Brasil se distribui de forma concentrada, estando diretamente relacionada com as políticas públicas estabelecidas para o setor. Ora, a própria sede do BNDES – Rio de Janeiro – entrega a tendenciosa maneira pela qual os recursos são concedidos, o que definitivamente não ocorre por falta de demanda em outras regiões. Conforme esclarece Gilberto Oliveira da Silva Júnior, o Estado brasileiro, na figura do BNDES, contribuiu significativamente na formação das regiões metropolitanas, tanto das nove primeiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Salvador, Recife, Fortaleza e Belém), quanto das que receberam este título nas décadas posteriores, como Santos, Campinas, Vitória, dentre outras. Ocorrendo, desde então, uma concentação de investimentos nessas regiões. Teoricamente, a assistência e benefícios oferecidos tanto pelo Banco quanto pelas inúmeras leis de incetivo existentes, são excelentes. Entretanto, basta um olhar um pouco mais comedido sobre eles para perceber o quanto a cultura e, particularmente, o cinema, tornaram-se meros acessórios na corrida pelo lucro. O que deveria funcionar como estimulante as atividades culturais culmina por colocar na mão das empresas, ou eventuais investidores, o poder de decidir o que deve ou não ser produzido, para que ele (ente particular) possa obter alguma vantagem. Esquece-se assim, tudo o que representa aquele jogo primoroso de imagens predispostas em uma grande tela. Esquece-se o quanto o povo precisa consumir cultura, precisa acreditar na cultura, precisa, pois, ter seu direito à uma educação de qualidade e à uma formação que respeite plenamente sua identidade cultural, reconhecido. A esfera cultural tornou-se hoje uma das mais estratégicas e dinâmicas do país, posto que suas diversas atividades geram, por um lado, emprego e renda, e por outro, inclusão e bem-estar social. Então, não fará mal algum, destinar recursos para dar a população o acesso que lhes é direito. Os grandes e verdadeiros artistas, os grandes e verdadeiros filmes, não têm, pois, razão de ser, se não chegarem a visão de todos, sem distinção de classe ou região. 5. Conclusão Os dezoito anos de uma das mais conhecidas leis de incentivo fiscal promulgadas até o presente momento – a Lei Rouanet – culminaram por provocar distorções na repartição dos auxílios destinados a promoção do setor cultural. Nessa toada, a diversidade brasileira clama por uma partilha equitativa em todas as áreas e segmentos, e, sobretudo, em todas as regiões, pois cada uma delas completa nosso panorama rico de expressões. Afinal, a demanda de acesso existe em todo lugar. Apesar de ser nítido que a cultura reverteu-se em uma economia estratégica no mundo, que precisa tanto do investimento público quanto do privado, o Poder Público não pode se escusar do fato de que ainda possui o papel central nessa conjuntura. A cultura deve ser compreendida dentro de um ambiente que a tome como parte indispensável da vida, referente não só ao grupo populacional que a legitima, mas de toda a coletividade. Só assim o nacional será valorizado. Só assim o nacional renascerá sempre que tentarem dizimá-lo.
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A violação do artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 às garantias constitucionais no Processo Administrativo Tributário
O trabalho explora a inconstitucionalidade da alteração promovida pelo artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 no artigo 74 da Lei nº 9.430/1996. Através do estudo das garantias dos contribuintes no processo administrativo, aponta os obstáculos criados pela indiferença das autoridades fiscais às manifestações de inconformidade regularmente protocoladas pelos sujeitos passivos, com destaque para as ofensas aos direitos constitucionais de petição e da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. O trabalho defende ainda a violação do artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 ao princípio da distribuição funcional das normas, dada a suspensão preceituada pelo artigo 151, inciso III do Código Tributário Nacional no tocante às reclamações e aos recursos administrativos.
Direito Tributário
Introdução Em seu artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “b”, a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988c) nos informa que os contribuintes têm o direito de obtenção de certidões que lhes esclareçam o status de adimplemento das obrigações tributárias a que estão submetidos. Tais certidões são objeto dos artigos 205 e 206 do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966). Com efeito, a certidão se presta a sinalizar “a idoneidade do contribuinte perante terceiros” (MELO, 2004, p. 330). Os artigos da Lei nº 5.172/1966 tratam de duas certidões, contudo: a certidão negativa de débitos tributários (CND) e a certidão positiva de débitos tributários, porém com efeitos negativos (CPD-EN). Nos dizeres de Hugo de Brito Machado (2007, pp. 281/282): “Vale como certidão negativa aquela certidão da qual conste a existência de crédito (a) não vencido; (b) em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora; e (c) cuja exigibilidade esteja suspensa (CTN, art. 206). Tanto uma certidão negativa, isto é, dizendo que eu nada estou devendo ao Fisco, como uma outra dizendo que eu devo, mas que o crédito do Fisco contra mim se encontra em uma das três situações mencionadas, produzem o mesmo efeito, porque: a) se o crédito não está vencido, não se pode dizer que sou inadimplente; b) se o crédito se encontra em processo de execução, com penhora já efetivada, está com sua extinção garantida, de sorte que o Fisco não tem interesse em denegar a certidão; c) se está o crédito com sua exigibilidade suspensa, o fundamento da suspensão justifica também o fornecimento da certidão.” Conforme dispõe o professor da Universidade Federal do Ceará, deve ser emitida a certidão positiva de débitos tributários com efeitos negativos (CPD-EN) quando estiver suspensa a exigibilidade do crédito junto à Administração Fiscal. O próprio Código Tributário Nacional, no exercício da competência que lhe confere o artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Carta da República (no tocante à normatização do crédito tributário), estabelece em seu artigo 151 o seguinte: “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: […] III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; […]” Segundo Paulsen (2009, p. 1055), reclamações ou recursos são as “impugnações ou defesas através das quais o contribuinte se insurge contra o lançamento e/ou aplicação de penalidade e os respectivos recursos interpostos contra as decisões tomadas pelos órgãos administrativos julgadores”. Tais expedientes são mecanismos de defesa, frutos da irresignação dos sujeitos passivos ante a cobrança de tributos que entendem indevidos. Uma das reclamações albergadas pela definição de Paulsen é a manifestação de inconformidade, intentada pelo contribuinte contra a não-homologação pela Administração Fiscal de pleito compensatório formulado. Assim determina o artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 (BRASIL, 1996): “Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. § 1o A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. § 2o A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob condição resolutória de sua ulterior homologação. […] § 7o Não homologada a compensação, a autoridade administrativa deverá cientificar o sujeito passivo e intimá-lo a efetuar, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da ciência do ato que não a homologou, o pagamento dos débitos indevidamente compensados. § 8o Não efetuado o pagamento no prazo previsto no § 7o, o débito será encaminhado à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União, ressalvado o disposto no § 9o. § 9o É facultado ao sujeito passivo, no prazo referido no § 7o, apresentar manifestação de inconformidade contra a não-homologação da compensação. § 10. Da decisão que julgar improcedente a manifestação de inconformidade caberá recurso ao Conselho de Contribuintes. § 11. A manifestação de inconformidade e o recurso de que tratam os §§ 9o e 10 obedecerão ao rito processual do Decreto no 70.235, de 6 de março de 1972, e enquadram-se no disposto no inciso III do art. 151 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, relativamente ao débito objeto da compensação. […]” A determinação do § 11 é categórica: protocolada, a manifestação de inconformidade tem o condão de tornar suspenso o débito objeto do pleito compensatório. De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2010b): “TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. “MANIFESTAÇÃO DE INCONFORMIDADE”. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE NO MOMENTO DO ENCONTRO DE CONTAS. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. PRECEDENTES. 1. O processamento da compensação subordina-se à legislação vigente no momento do encontro de contas, sendo vedada a apreciação de eventual “pedido de compensação” ou “declaração de compensação” com fundamento em legislação superveniente. Precedente: EREsp 488.992/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJU de 07.06.04 2. Em consequência, o marco a ser considerado na definição das normas aplicáveis na regência do “recurso de inconformidade” é a data em que protocolizado o pedido de compensação de crédito com débito de terceiros, o que, na hipótese, deu-se em 15 de fevereiro de 2001 e 14 de março de 2001. 3. A “manifestação de inconformidade” foi prevista, pela primeira vez, como meio impugnativo da decisão que não homologa a compensação, na Instrução Normativa SRF 210, de 30 de setembro de 2002, passando a ser normatizada legalmente a partir da Lei 10.833/03 – conversão da MP 135/03 (cf. REsp 781.990/RJ, Rel. Min. Denise Arruda). 4. A Primeira Seção, ao julgar o EREsp 850.332/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, examinando a matéria à luz da redação original do art. 74 da Lei 9.430/96, portanto, sem as alterações estabelecidas pelas Leis 10.637/02, 10.833/03 e 11.051/04, concluiu que o pedido de compensação e o recurso interposto contra o seu indeferimento suspendem a exigibilidade do crédito tributário, já que a situação enquadra-se na hipótese do art. 151, III, do CTN. Precedentes. 5. Ressalte-se que, neste âmbito judicial, não há emissão de juízo de valor quanto à própria validade da compensação efetuada, mas, tão somente, no que tange à aplicação da jurisprudência do Tribunal em relação aos efeitos em que devem ser recebidas as impugnações apresentadas na esfera administrativa anteriormente à Lei 10.833/03 (conversão da MP 135/03). 6. Embargos de divergência providos.” O acórdão faz referência a dois outros julgados – REsp 781.990/RJ (BRASIL, 2007c) e EREsp 850.332/SP (BRASIL, 2008b) – para esclarecer que a manifestação de inconformidade, antes mesmo da inclusão por parte da Lei nº 10.833/2003 (BRASIL, 2003) do § 11 no artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, já permitia a suspensão do crédito tributário nos termos do artigo 151, inciso III, do CTN. Vejamos o teor da última dessas decisões: “TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. COMPENSAÇÃO. HOMOLOGAÇÃO INDEFERIDA PELA ADMINISTRAÇÃO. RECURSO ADMINISTRATIVO PENDENTE. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO TRIBUTO. FORNECIMENTO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA. 1. As impugnações, na esfera administrativa, a teor do CTN, podem ocorrer na forma de reclamações (defesa em primeiro grau) e de recursos (reapreciação em segundo grau) e, uma vez apresentadas pelo contribuinte, têm o condão de impedir o pagamento do valor até que se resolva a questão em torno da extinção do crédito tributário em razão da compensação. 2. Interpretação do art. 151, III, do CTN, que sugere a suspensão da exigibilidade da exação quando existente uma impugnação do contribuinte à cobrança do tributo, qualquer que seja esta. 3. Nesses casos, em que suspensa a exigibilidade do tributo, o fisco não pode negar a certidão positiva de débitos, com efeito de negativa, de que trata o art. 206 do CTN. 4. Embargos de divergência providos.” Doravante, protocolada a manifestação de inconformidade, suspenso está o crédito tributário que o contribuinte quer compensar. Meramente à luz do artigo 74, § 11, da Lei nº 9.430/1996 e dos artigos 14, 33 e 45 do Decreto nº 70.235/1972 (BRASIL, 1972) – recepcionado como lei ordinária pela Constituição Federal – , temos que os passos seguintes serão o provimento ou o desprovimento da manifestação (com a possibilidade de recurso administrativo) e, posteriormente, o provimento ou o desprovimento do recurso (com a extinção do crédito tributário discutido ou com a cobrança dos valores devidos, ressalvado o artigo 150, § 4º do Código Tributário Nacional.[1] Entretanto, a Lei nº 11.051/2004 (BRASIL, 2004) trouxe sutil alteração a este cenário. De acordo com as alterações que operou no artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, bem como segundo os acréscimos da Lei nº 11.941/2009 (BRASIL, 2009c): Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. […] § 12. Será considerada não declarada a compensação nas hipóteses: I – previstas no § 3º deste artigo; II – em que o crédito: a) seja de terceiros; b) refira-se a “crédito-prêmio” instituído pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 491, de 5 de março de 1969; c) refira-se a título público; d) seja decorrente de decisão judicial não transitada em julgado; ou e) não se refira a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal – SRF. f)  tiver como fundamento a alegação de inconstitucionalidade de lei, exceto nos casos em que a lei: 1 – tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade ou em ação declaratória de constitucionalidade; 2 – tenha tido sua execução suspensa pelo Senado Federal; 3 – tenha sido julgada inconstitucional em sentença judicial transitada em julgado a favor do contribuinte; ou 4 – seja objeto de súmula vinculante aprovada pelo Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 103-A da Constituição Federal. § 13. O disposto nos §§ 2º e 5º a 11 deste artigo não se aplica às hipóteses previstas no § 12 deste artigo. […]” Em meio aos dispositivos concernentes à CSLL e ao regime não-cumulativo de recolhimento dos tributos PIS e COFINS, cuidou a Lei nº 11.051/2004 de limitar aos sujeitos passivos o seu direito à reclamação administrativa. Não apenas seria a compensação nos moldes do § 12 tida por não declarada, mas poderia a Administração Fiscal inclusive deixar de apreciar pedido do administrado em sentido contrário. Tal inovação legislativa recebeu o amparo da doutrina de Leandro Paulsen (2009, p. 1057), in verbis: “Nos casos específicos da compensação considerada não declarada, previstos no § 12 do art. 74 da Lei 9.430/96, eventual insurgência do contribuinte não terá efeito suspensivo da exigibilidade dos créditos que, indevidamente, teve por extintos. Tal resta expresso no § 13 do art. 74 da Lei 9.430/96, acrescidos pela Lei 11.051/04, e se justifica na medida em que diz respeito a poucos casos em que a compensação é de antemão previamente vedada por lei. Trata-se, efetivamente, de situações em que o contribuinte, não obstante a vedação legal expressa, procede, por conta e risco à compensação, de modo que sua simples desconsideração pelo Fisco é admitida por lei, não sendo o caso de se atribuir à insurgência do contribuinte efeito suspensivo.” A Segunda Turma do Colendo Superior Tribunal de Justiça também parece ter se dobrado à limitação operada pelo legislador ordinário. Conforme o julgado do REsp 1.066.503/AL, de relatoria do Ministro Castro Meira (BRASIL, 2009b): “TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. CRÉDITO DE TERCEIRO. DECISÃO NÃO TRANSITADA EM JULGADO. COMPENSAÇÃO CONSIDERADA NÃO DECLARADA. “MANIFESTAÇÃO DE INCONFORMIDADE”. NÃO CABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. 1. Não se conhece do recurso especial quando o tribunal de origem não emite juízo de valor sobre os dispositivos tidos por violados. Incidência da Súmula 282/STF. 2. Considera-se não declarada a compensação na hipótese em que o crédito seja de terceiro ou decorrente de decisão judicial não transitada em julgado (Lei 9.430/96, art. 74, § 12, alíneas “a” e “d”), ficando afastada a possibilidade de apresentação de “manifestação de inconformidade” e, em consequência, de suspensão da exigibilidade do crédito (§ 13 do referido dispositivo legal). 3. A “manifestação de inconformidade” passou a ter eficácia suspensiva da exigibilidade do crédito tributário com a edição da Lei 10.833/03, que introduziu os §§ 9º a 11 ao art. 74 da Lei 9.430/96. 4. Recurso especial conhecido em parte e não provido.” O julgado da Segunda Turma continha ao menos duas imprecisões: em primeiro lugar, não foi a edição da Lei nº 10.833/2003 que concedeu eficácia suspensiva à manifestação de inconformidade – como visto, o julgamento do EREsp 850.332/SP, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, havia consignado que a interpretação pretérita do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, sem as alterações que lhe foram impressas pelo diploma de 2003, já permitia a suspensão dos créditos tributários objeto de pleito compensatório. Em segundo lugar, não é dado ao legislador ordinário limitar as previsões de suspensão do crédito tributário consignadas por lei complementar. O primeiro dos equívocos foi corrigido pelo REsp 1.100.483/AL (BRASIL, 2010a).[2] O segundo permanece. Este trabalho não trata da competência de que dispõe o legislador ordinário para disciplinar a compensação tributária. Cuida, por outro lado, da vinculação operada pela Lei nº 11.051/2004 entre a compensação não declarada e a apreciação da manifestação de inconformidade nos termos do artigo 74, § 13, da Lei nº 9.430/1996. Por esse prisma, o artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 (do qual emanam as alterações ao diploma de 1996) violou diretamente alguns preceitos constitucionais, estes refletidos na legislação federal. Destina-se o primeiro capítulo a analisar a ofensa do artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 ao artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988, que assegura a todos “o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. Permitir à Administração Fiscal que ignore a manifestação de inconformidade apresentada, sem sequer denegá-la, representa, como veremos adiante, ofensa ao direito de petição consignado no texto maior. O segundo capítulo avalia o § 13 da Lei nº 9.430/1996 como norma facilitadora ou limitativa das garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, incisos LIV e LV). A inserção causada pelo artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 é confrontada também com os artigos 2º, 48 e 56 da Lei nº 9.784/1999 (BRASIL, 1999), diploma conformador do processo administrativo em âmbito federal. Por fim, o terceiro capítulo discute a possibilidade de lei ordinária estabelecer limitação oblíqua a garantia consignada por lei complementar – in casu, o Código Tributário Nacional –, na esteira das competências outorgadas a essa espécie legislativa pelo artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal. Questiona-se a medida regulamentar consignada aos diplomas ordinários, e se tal fronteira restou indevidamente alargada pelo artigo 4º da Lei nº 11.051/2004. Conclui o presente trabalho que o legislador, no interesse de emprestar natureza expeditiva e automática ao processo administrativo na seara tributária, ofendeu não apenas as garantias insuprimíveis ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório, mas amputou a suspensão conferida pelo artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional. 1. A ofensa do artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 ao direito de petição aos poderes públicos Dentre as garantias fundamentais estipuladas pelo artigo 5º do texto maior, encontra-se o direito de petição aos Poderes Públicos. Sobre sua natureza e amplitude, escreve o Ministro Celso de Mello (BRASIL, 1995): “O direito de petição, presente em todas as Constituições brasileiras, qualifica-se como importante prerrogativa de caráter democrático. Trata-se de instrumento jurídico-constitucional posto à disposição de qualquer interessado – mesmo daqueles destituídos de personalidade jurídica –, com a explícita finalidade de viabilizar a defesa, perante as instituições estatais, de direitos ou valores revestidos tanto de natureza pessoal quanto de significação coletiva.” Ora, qual a melhor ilustração para o direito consignado no inciso XXXIV, alínea “a”, do artigo 5º da Carta da República? Seria meramente a figura do servidor público postado atrás de um balcão, anotando o protocolo de petições de defesa dos interesses individuais e coletivos? Ou seria a imagem das portas abertas do Judiciário, do Executivo e do Legislativo para ouvir e apreciar os anseios da sociedade? Alinhamo-nos à segunda hipótese, na esteira dos ensinamentos de Uadi Lâmmego Bulos (2002, p. 174) e de Gilmar Ferreira Mendes et al (2008, p. 568): “Se, por um lado, como disse Seabra Fagundes, “o direito de petição bem merece ganhar o prestígio da lei pois do seu uso freqüente podem resultar conseqüências positivas para o indivíduo e também para a dinâmica dos serviços públicos”, por outro ele merece resposta, pois a falta de pronúncia da autoridade, além de constituir exemplo deplorável de responsabilidade dos Poderes Públicos, aniquila o direito constitucionalmente assegurado. A obrigação de responder é seríssima. Sua falta configura insurgência contra a ordem instituída a partir de 5 de outubro de 1988. Embora o texto constitucional não se refira a um direito de ser informado sobre o resultado da apreciação, parece corolário do direito de petição essa conseqüência. Pieroth e Schlink anotam, referindo-se ao direito constitucional alemão, que, da fórmula constitucional adotada (Lei Fundamental, art. 17), resulta, literalmente, apenas um direito a se dirigir ao órgão competente, que permitiria extrair também para a outra parte o dever de receber a petição, o que reduziria imensamente o significado jurídico do instituto. Por isso, afirma-se que do direito de petição decorre uma pretensão quanto ao exame ou análise da petição (Prüfung) e à comunicação sobre a decisão (Bescheidung). Da comunicação há de constar informação sobre o conhecimento do conteúdo da petição e a forma do seu processamento. Embora a jurisprudência alemã não vislumbre aqui um dever de motivação, a doutrina majoritária considera que a decisão há de ser motivada.” Quando a autoridade administrativa não se pronuncia sobre a manifestação de inconformidade protocolada, ofende o direito de petição contido no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição de 1988. O não-conhecimento da manifestação deveria se evidenciar por decisão administrativa notificada ao sujeito passivo, com abertura de prazo recursal nos termos do artigo 33 do Decreto nº 70.235/1972. Assim, o elenco de situações nas quais a compensação se tem por não declarada não deveria permitir à Administração Pública que constituísse definitivamente o crédito tributário e inscrevesse o sujeito passivo em Dívida Ativa, não sem resposta expressa da autoridade fiscal sobre a manifestação de inconformidade protocolada. É o que determina o artigo 48 da Lei nº 9.784/1999: “Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.” O comando mencionado se insere no Capítulo XI da Lei nº 9.784/1999, cujo título é “Do Dever de Decidir”. Sobre sua aplicação, discursa o mestre José dos Santos Carvalho Filho (2007. pp. 228-230): “Se a lei ou algum ato normativo impõe ao administrador o dever de agir, não pode ele quedar-se inerte diante da regra de competência. Em outras palavras, se a lei impõe um facere, ao administrador é vedado atuar com omissão (non facere). A atuação comissiva exigida na lei não pode ser substituída por atuação omissiva. A omissão, nesse caso, estampa flagrante abuso de poder e, portanto, inegável ilegalidade, por contrariar a respectiva norma de competência. […] O art. 48 da Lei nº 9.784 contempla dever de agir cominado às autoridades administrativas, não só no processo como no âmbito de sua competência material. Dispõe a lei que a Administração está obrigada a emitir decisões nos processos, bem como responder às solicitações ou reclamações em matéria de sua competência. Embora a norma se dirija à Administração, seu conteúdo, no sentido da obrigação de fazer alguma coisa, só pode ser destinado às autoridades administrativas, vela dizer, aos agentes da Administração dotados desse tipo de competência. Averba a lei, em aditamento, que a determinação de cumprir obrigação positiva deve ser consubstanciada explicitamente. A idéia que a lei transmite com esse termo é a de que o dever de decidir e de responder tem que ser exercido formalmente, cabendo ao agente competente pronunciar-se expressamente dentro do processo administrativo ou para responder ao que foi solicitado ou ao que foi objeto de reclamação. A formalização da atividade administrativa estampa, na espécie, a comprovação de que a lei foi respeitada pela autoridade competente.” Nesse sentido, não poderia a Lei nº 11.051/2004 limitar o direito de petição assegurado pelo texto maior aos sujeitos passivos da obrigação tributária. Caso o julgador da primeira instância administrativa conclua pela apuração de compensação realizada nos termos do artigo 74, § 12, da Lei nº 9.430/1996, deverá emitir decisão com notificação ao sujeito passivo, para que possa exercer o seu direito de revisão perante a segunda instância. A indiferença ou o não-conhecimento sem efeitos processuais para o administrado se revela em verdadeira ofensa ao comando constitucional, e conosco concorda o julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (BRASIL, 2000), in verbis: “PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO AO CONSELHO DE CONTRIBUINTES NÃO ADMITIDO. AMPLA DEFESA. ART. 5º, LV, DA CF/88. CTN, ART. 151, III. DECRETO Nº 70.235/72, ART. 33. LEI Nº 8748/93, ART. 3º. Decisão administrativa que não admite recurso ao Conselho de Contribuintes, por entender que não há previsão legal, baseando-se no art. 3º da Lei nº 8.748/93, é abusiva, lesando direito do contribuinte de ter seu pedido apreciado pelas duas instâncias administrativas. Ofensa aos arts. 151, III, do CTN e 33 do Decreto nº 70.235/72, que prevêem a suspensão da exigibilidade do crédito tributário na pendência de recurso administrativo, bem como à garantia constitucional da ampla defesa – art. 5º, LV.” Não poderia o administrador se negar a apreciar a manifestação de inconformidade, ou ignorá-la por completo em virtude do artigo 74, § 13, da Lei nº 9.430/1996. Sua decisão, parte integrante do processo administrativo que culminará com o lançamento definitivo da quantia devida, se desdobrará em eventual recurso do sujeito passivo, prerrogativa incluída no princípio constitucional de ampla defesa e contraditório, de cuja aplicação trataremos no tópico seguinte. Pendente de apreciação o recurso, resta suspenso o crédito tributário que nele se discute, à luz da jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. COMPENSAÇÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO EM TRAMITAÇÃO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA. VIABILIDADE. 1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do EREsp 850.332/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 12/8/2008, pacificou entendimento segundo o qual, enquanto pendente processo administrativo em que se discute a compensação do crédito tributário, o fisco não pode negar a entrega da Certidão Positiva de Débito com Efeito de Negativa – CPD-EN, ao contribuinte, conforme o art. 206 do CTN. 2. Interpretação do art. 151, III, do CTN, que sugere a suspensão da exigibilidade da exação quando existente uma impugnação do contribuinte à cobrança do tributo, qualquer que seja. 3. Recurso especial não provido. (BRASIL, 2009d) TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA PENDENTE DE ANÁLISE. CAUSA DE SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 1. Entendimento pacífico desta Corte no sentido de que o pedido administrativo de compensação de tributos possui o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, III, do CTN. Precedentes: REsp 1.100.367/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 28.5.2009; REsp 1.044.484/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 5.3.2009; REsp 914.318/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe de 18.12.2008; REsp 774.179/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJ de 10.12.2007. 2. Recurso especial não provido”. (BRASIL, 2010c) Consideramos pendente o processo administrativo no qual não foi proferida decisão da autoridade fiscal com notificação ao sujeito passivo para recurso à instância superior. Nesses casos, dada a indiferença da Administração Pública ao pleito formulado e a ofensa ao artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Carta de 1988, resta ao contribuinte a interposição de mandado de segurança, na esteira do que determina o artigo 5º, incisos XXXV e LXIX, do texto maior, bem como do artigo 1º da Lei nº 12.016/2009 (BRASIL, 2009e). O eminente Ministro Joaquim Barbosa reitera o comando legal em julgado de 2007: “MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ADMINISTRATIVO. INÉRCIA DA AUTORIDADE COATORA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA RAZOÁVEL. OMISSÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA. A inércia da autoridade coatora em apreciar recurso administrativo regularmente apresentado, sem justificativa razoável, configura omissão impugnável pela via do mandado de segurança. Ordem parcialmente concedida, para que seja fixado o prazo de 30 dias para a apreciação do recurso administrativo”. (BRASIL, 2007a) Configura ofensa ao direito de petição a recusa de conhecimento da manifestação de inconformidade manejada com o fito de debater a não-homologação do expediente compensatório. Conforme veremos a seguir, entretanto, a ação mandamental – conquanto adequada para contornar o abuso de autoridade perpetrado em uníssono pelos administradores públicos e pelo legislador que lhes empresa pretensa legitimidade – sofre ela mesma vedação sumular ante os procedimentos compensatórios elencados no § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996. 2. A ofensa do artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 às garantias constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório Os incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 asseguram aos litigantes em processo judicial ou administrativo, bem como aos acusados em geral, as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Com o fito de interpretar essa proteção, vejamos a lição de Guerra (2003, p. 100) e Cintra et al (2002, pp. 52-57): “O devido processo legal tanto se pode referir ao direito fundamental ao processo devido, como um direito fundamental dotado de um conteúdo complexo, como também é possível referir-se a cada uma das exigências aninhadas nesse conteúdo complexo como constituindo um direito fundamental. […] A vantagem em se identificar cada uma dessas exigências e denominá-las individualmente é a de facilitar a sua operacionalização pelo intérprete, isto é, auxiliá-lo na solução de questões relacionadas com a concretização de tais valores. O princípio do contraditório também indica a atuação de uma garantia fundamental de justiça: absolutamente inseparável da distribuição da justiça organizada, o princípio da audiência bilateral encontra expressão no brocardo romano audiatur et altera pars. Ele é tão intimamente ligado ao exercício do poder, sempre influente sobre a esfera jurídica das pessoas, que a doutrina moderna o considera inerente mesmo à própria noção de processo. […] Em síntese, o contraditório é constituído por dois elementos: a) informação; b) reação (esta, meramente possibilitada nos casos de direitos disponíveis). O contraditório não admite exceções: mesmo nos casos de urgência, em que o juiz, para evitar o periculum in mora, provê inaudita altera parte (CPC, arts. 929, 932, 937, 813 ss.), o demandado poderá desenvolver sucessivamente a atividade processual plena e sempre antes que o provimento se torne definitivo. Em virtude da natureza constitucional do contraditório, deve ele ser observado não apenas formalmente, mas sobretudo pelo aspecto substancial, sendo de se considerar inconstitucionais as normas que não o respeitem.” O ilustre doutrinador português J. J. Gomes Canotilho (2011, p. 505) nos informa da existência de um princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa, instrumentalizado pelo contraditório e pela ampla defesa disponibilizados ao administrado – tudo de acordo com os ditames estruturais do devido processo legal (due process of law). Cá conosco, temos o contraditório e a ampla defesa como princípios norteadores do processo administrativo federal. Tal é a dicção do artigo 2º da Lei nº 9.784/1999, in verbis: “Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.” Ora, quando ignora ou não conhece a manifestação de inconformidade protocolada pelo sujeito passivo, a Administração Pública faz juízo próprio de subsunção aos preceitos do artigo 74, § 12, da Lei nº 9.430/1996 e impede ao administrado sequer a possibilidade de recurso à instância superior. O debate meritório sobre a compensação não pode nem mesmo ser ventilado em mandado de segurança, tendo em vista a proibição constante da Súmula nº 460 do STJ (BRASIL, 2010e), que determina: “É incabível o mandado de segurança para convalidar a compensação tributária realizada pelo contribuinte”. Doravante, assume o processo administrativo posição ainda mais vital, sendo a única oportunidade para o contribuinte discutir a não-homologação por parte do Fisco. 2.1. Os precedentes da Súmula nº 460 do Superior Tribunal de Justiça. Suponhamos que o contribuinte tente extinguir crédito tributário contra si oponível (porém ainda não constituído definitivamente) através de procedimento compensatório identificado pelo artigo 74, § 12, inciso II, alínea “a” da Lei nº 9.430/1996: digamos que queira compensar valores devidos a título de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) com “créditos-prêmio” de IPI, instituídos pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 491/1969 (BRASIL, 1969). Nesse caso, sua compensação será tida por não declarada – o sujeito passivo não terá sequer o direito a eventual manifestação de inconformidade, dada a vedação do § 13 do artigo 74 referido. Poderá se valer de mandado de segurança para homologar o pleito compensatório? A resposta da Súmula nº 460 do Superior Tribunal de Justiça é negativa. Com efeito, a instrução probatória capaz de atestar a idoneidade da compensação intentada pelo contribuinte não se coaduna com os aspectos estruturais do mandado de segurança. Para repelir a aplicação do § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 à compensação formulada, teria o sujeito passivo de ajuizar ação anulatória – graças ao lançamento do tributo – nas linhas do procedimento ordinário do Código de Processo Civil (BRASIL, 1973). O primeiro dos precedentes da Súmula em comento foi o julgado do AgRg no REsp nº 660.803/PE (BRASIL, 2006a). Naquela ocasião, a corte se deparou com mandado de segurança no qual requereu o impetrante não apenas a declaração de inconstitucionalidade dos Decretos nos 2.445/88 (BRASIL, 1988a) e 2.449/88 (BRASIL, 1988b) para fins de compensar valores indevidamente pagos ao Fisco Federal a título de PIS (Programa de Integração Social). Em seu pedido, solicita o autor “que não seja molestado pela autoridade coatora ante ao fato de estar procedendo à compensação dos valores recolhidos a maior”. O voto da relatora, Ministra Eliana Calmon, é elucidativo sobre o caso: “Ora, a questão não é apenas de direito, pois discute a homologação dos cálculos apresentados pela impetrante, o que afasta o requisito do direito líquido e certo amparável por mandado de segurança, previsto no art. 1º da Lei 1.533/51. Assim sendo, entendo correto o encaminhamento dado pelo Tribunal no sentido de considerar indispensável a dilação probatória e, conseqüentemente, inadequada a via mandamental. Ademais, o que se infere da narrativa expendida na inicial é que a pretensão da impetrante é de cunho claramente condenatório, uma vez que pretende a apuração do quantum , como se objetivasse garantir a própria compensação na via estreita do mandamus, o qual não se confunde com ação de cobrança. Diante desse contexto, aplicável a Súmula 269 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe: “O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança”. As decisões no REsp nº 881.169/SP (BRASIL, 2006b), no REsp nº 900.986/SP (BRASIL, 2007b), no AgRg no REsp nº 728.686/SP (BRASIL, 2008c) e no AgRg no REsp nº 725.451/SP (BRASIL, 2009a) repetem os mesmos fundamentos. Em cada um dos mandados de segurança analisados, o contribuinte mencionou que havia procedido à compensação tributária nos termos do artigo 66 da Lei nº 8.383/1991 (BRASIL, 1991). A perpepção de que o pleito autoral se endereçava à homologação superveniente das compensações efetuadas sponte propria gerou o desprovimento dos mandados de segurança. O último precedente, julgado do Recurso Especial nº 1.124.537/SP (BRASIL, 2009f), trata de situação na qual o contribuinte procedeu à compensação de créditos de IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) com o antigo FINSOCIAL. Nesses casos, e conforme voto do Ministro Luiz Fux, não pode o STJ obstaculizar o exercício de fiscalização por parte das autoridades administrativas quanto à procedência das compensações. Portanto, caso não veja admitido seu pleito compensatório, deverá o contribuinte recorrer administrativamente da decisão ou ajuizar ação ordinária com o objetivo de convalidar a compensação efetuada. Esta última alternativa se torna a única nos casos em que a compensação intentada pelo contribuinte fizer parte da lista do § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, conforme mencionado. 2.2. A possibilidade de utilização do mandado de segurança para compelir a autoridade fiscal a apreciar o recurso administrativo interposto. Embora não seja permitido ao contribuinte impetrar mandado de segurança para convalidar compensação realizada perante o Fisco, lhe é possível utilizar o mandamus para compelir a autoridade fiscal a apreciar o recurso administrativo interposto contra eventuais compensações identificadas pelo § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996. Este pedido – ao contrário daquele – se restringe a solicitar uma determinação judicial para que a autoridade coatora se abstenha de cumprir a determinação legal em homenagem aos princípios de ampla defesa, contraditório e à garantia do due process of law. Nesse sentido, o writ interposto cuidará de preservar o direito do sujeito passivo à apreciação de sua manifestação de inconformidade. Esse direito se identifica com as garantias do contraditório e da ampla defesa, de modo que qualquer consideração meritória por parte da Administração Pública deve ser permeada por intervenções processuais facultadas ao administrado. Assim defende a doutrina: “O princípio do contraditório é formado por dois elementos: o direito de informação e o direito de reação. É necessário que seja dada ciência, por meio de intimações e notificações, ao interessado dos fatos, argumentos e documentos apresentados no processo. […] O contraditório é princípio absoluto, ou seja, não admite exceções. A sua inobservância acarreta a nulidade do processo. (HARGER, 2008, pp. 142/143) O princípio da revisibilidade consiste no direito de o administrado recorrer da decisão que lhe seja desfavorável. Tal direito só não existirá se o procedimento for iniciado por autoridade do mais alto escalão administrativo ou se for proposto perante ela. Neste caso, como é óbvio, o interessado mais não poderá senão buscar as vias judiciais. […] Deveras, seriam impossíveis “o contraditório e a ampla defesa”, constitucionalmente previstos, sem audiência do interessado, acessos aos elementos do expediente e ampla instrução probatória. Assim, também, seria impossível exercitá-los eficientemente sem direito a ser representado e assistido por profissional habilitado. De outra parte, uma vez que o Texto Constitucional fala em “recursos a ela inerentes” (isto é, inerentes à ampla defesa), fica visto que terá de existir revisibilidade da decisão, a qual será obrigatoriamente motivada, pois, se não o fosse, não haveria como atacá-la na revisão.” (MELLO, 2005, pp. 465-474) A indiferença da Administração Pública à manifestação de inconformidade protocolada, ainda que com supedâneo no artigo 74, § 13, da Lei nº 9.430/1996, ofende as garantias constitucionais de contraditório e ampla defesa, plenamente aplicáveis ao processo administrativo fiscal. Como visto, o contraditório é princípio absoluto na relação processual entre Administrador e administrado. Assim, se impedida a apreciação detalhada da manifestação de inconformidade, bem como se obstado o recurso da decisão à instância superior, será nulo o processo administrativo que se encerrou com a constituição definitiva do crédito e a inscrição do sujeito passivo em Dívida Ativa. Vejamos o que assevera a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, embora em análise exclusiva do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 (sem as alterações que lhe foram feitas pelos diplomas supervenientes): “TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO INFORMADA PELO CONTRIBUINTE EM DCTFs. PROCESSO ADMINISTRATIVO EM ANDAMENTO. SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE DE EXECUÇÃO IMEDIATA POR PARTE DO FISCO DE EVENTUAIS VALORES QUE TENHA DISCORDADO QUANTO À COMPENSAÇÃO, ANTES DE FINDO O RESPECTIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO. 1. “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.” (Súmula 436 do STJ). 2. Ocorre que, quanto à compensação, a Primeira Seção do STJ tem o entendimento de que “Realizando a compensação, e, com isso, promovendo a extinção do crédito tributário (CTN, art. 156, II), é indispensável que o contribuinte informe o Fisco a respeito. Somente assim poderá a Administração averiguar a regularidade do procedimento, para, então, (a) homologar, ainda que tacitamente, a compensação efetuada, desde cuja realização, uma vez declarada, não se poderá recusar a expedição de Certidão Negativa de Débito; (b) proceder ao lançamento de eventual débito remanescente, a partir de quando ficará interditado o fornecimento da CND. (EREsp 576661/RS, Rel. Ministro  TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/09/2006, DJ 16/10/2006) Precedentes: REsp 1179646/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 22/09/2010; REsp 1149115/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/03/2010, Dje 15/04/2010; REsp 1072648/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 21/09/2009; REsp 596340/RS, Rel. Ministra  DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/12/2006, DJ 18/12/2006; REsp 419476/RS, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/05/2006, DJ 02/08/2006. 3. Realmente, incumbe a autoridade administrativa averiguar a regularidade do procedimento para fins de quitação do crédito tributário por meio de compensação e, caso não concorde com a extinção (por considerar inexiste ou insuficiente o crédito devido ao contribuinte ou ainda por considerar inexistente o direito à compensação) deverá praticar ato manifestando essa discordância, por meio de processo administrativo tributário (que suspenderá o crédito tributário), antes de propor ação fiscal em face do contribuinte. 4. É cediço na doutrina que: Uma vez realizado o lançamento ou provocada a Administração, por iniciativa dos contribuintes ou mesmo ex officio, abre-se a instância de revisão, formando-se o procedimento administrativo tributário, que será regido nos termos da lei (art. 151, III, do CTN). Assim, a manifestação administrativa do contribuinte suscitando a compensação tributária equivale a verdadeira desconformidade quanto à arrecadação do tributo, abrindo o processo administrativo fiscal de que trata o art. 151, III, do CTN. Esse é o espírito legislativo do referido inciso. Não há, dentro desse quadro, como entender-se ocorrido o afastamento da taxatividade que deve ser própria ao art. 151 do CTN para se considerar tal interpretação como ampliativa ou extensiva. O que está fazendo o STJ é tão-somente interpretar o real sentido do art. 151, III, do CTN, que sugere a suspensão da exigibilidade do tributo quando existente uma impugnação do contribuinte à cobrança do tributo, qualquer que seja esta. Esse entendimento é corroborado por Hugo de Brito Machado Segundo (em Código Tributário Nacional: anotações à Constituição, ao Código Tributário Nacional e às leis complementares 87/1996 e 116/2003. São Paulo: Atlas, 2007, p. 297) nos seguintes termos: A apresentação de reclamações e recursos, em face do indeferimento de um pedido de compensação, ou da não-homologação de uma compensação declarada, têm o mesmo efeito de suspender a exigibilidade do crédito tributário. Afinal, a compensação, que teria o condão de extinguir o crédito tributário, não foi aceita, e o ato de discuti-la torna logicamente impossível que se exija o pagamento do valor de cuja compensação se cogita. Como já tivemos a oportunidade de consignar, trata-se de imposição dos princípios do devido processo legal administrativo, da ampla defesa e do contraditório, e do direito de petição (Processo Tributário, São Paulo: Atlas, 2004, p. 117). […] (BRASIL, 2010f) Outra decisão do Superior Tribunal de Justiça enfrenta a ausência de manifestação por parte da autoridade administrativa no tocante à própria não-homologação dos valores objeto da compensação tributária. O acórdão, porém, traz importante lição sobre o processo administrativo seguinte: “TRIBUTÁRIO. DECLARAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES DE TRIBUTOS FEDERAIS – DCTF. COMPENSAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. CRÉDITO NÃO CONSTITUÍDO DEVIDAMENTE. CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. 1. É pacífico na jurisprudência desta Corte que a declaração do tributo por meio de DCTF, ou documento equivalente, dispensa o Fisco de proceder à constituição formal do crédito tributário. 2. Não obstante, tendo o contribuinte declarado o tributo via DCTF e realizado a compensação nesse mesmo documento, também é pacífico que o Fisco não pode simplesmente desconsiderar o procedimento adotado pelo contribuinte e, sem qualquer notificação de indeferimento da compensação, proceder à inscrição do débito em dívida ativa com posterior ajuizamento da execução fiscal. 3. Inexiste crédito tributário devidamente constituído enquanto não finalizado o necessário procedimento administrativo que possibilite ao contribuinte exercer a mais ampla defesa, sendo vedado ao Fisco recusar o fornecimento de certidão de  regularidade fiscal se outros créditos não existirem. 4. Recurso especial não provido.” (BRASIL, 2008a) Por oportuno, cumpre destacar que eventual alegação de possibilidade de não-conhecimento de ações ou recursos interpostos no Processo Civil não se aplica à manifestação de inconformidade, dada a ausência de notificação do sujeito passivo para que conteste a decisão por seus fundamentos. Doutra parte, a análise conjunta do artigo 74, § 13, da Lei nº 9.430/1996 com a Súmula nº 460 do Superior Tribunal de Justiça indica que a decisão da Administração Fiscal de não homologar a compensação é irrecorrível, ao arrepio da determinação do artigo 35 do Decreto nº 70.235/1972, que afirma ser necessário o encaminhamento de recurso à instância superior mesmo nos casos em que se apure no decisum originário a perempção do direito discutido. Ora, ao inserir o § 13 no artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, o artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 inovou na sistemática processual administrativa, tolhendo ao contribuinte o direito de obter decisão (resposta) referente à sua manifestação de inconformidade e o direito de recorrer do não-conhecimento da manifestação para a instância administrativa superior. Permitiu à Administração Fiscal que inscrevesse o contribuinte prontamente em Dívida Ativa, o que se reputa absurdo. Questiona-se a vinculação de compensações não-declaradas à abreviação do contraditório e da ampla defesa junto à manifestação de inconformidade. Sobre o tema, escreve Machado Segundo (2008, p. 199): “A propósito, e especialmente em função das alterações levadas a efeito no art. 74 da Lei nº 9.430/96 pela Lei nº 11.051, de 2004, pode ser questionada a validade das restrições feitas ao direito de compensar, a exemplo da restrição do crédito-prêmio de IPI, e aos créditos obtidos junto a terceiros. É certo que o direito de compensar, como qualquer direito, não é absoluto, e pode comportar restrições. Mas essas restrições devem ser razoáveis e proporcionais à finalidade a que com elas se quer chegar. Em princípio, pode ser razoável a limitação relativa aos créditos obtidos junto a terceiros, a fim de tornar possível o controle da Administração Tributária Federal. Entretanto, caso esse crédito tenha sido apurado em processo judicial (do qual a Fazenda participou, como parte interessada, até seu final desfecho), e tenha sido cedido pelo terceiro no âmbito do citado processo judicial, a restrição pode se afigurar exagerada, desnecessária e, por isso, uma inconstitucional restrição ao direito de propriedade do cedente e do cessionário. Quanto ao crédito-prêmio de IPI, a discussão, segundo nos parece, deve centrar-se em sua subsistência, ou em sua revogação, não podendo ser resolvida com a pura e simples proibição de que seja compensado. Caso o crédito-prêmio não tenha sido extinto na década de 1980, nem tenha sido alcançado pelo art. 41 do ADCT, por não ter natureza setorial, como nos parece correto, e foi confirmado pela Resolução nº 71/2005, do Senado Federal, é inconstitucional vedar a compensação a ele relativa. Por outro lado, caso se entenda que tal extinção ocorreu, a solução não será negar o direito à apreciação do pedido de compensação, mas sim conhecê-lo e indeferi-lo, se for o caso.” É de se perceber que o processo administrativo composto pela manifestação de inconformidade se equipara ao processo administrativo de impugnação de lançamento em todos os seus efeitos. Tanto poderá a Administração Fiscal se equivocar na cobrança de valores sem respaldo legal ou na apuração de tributo atingido por decadência, quanto poderá atribuir erroneamente a capitulação de uma das hipóteses de compensação não-declarada aos valores que o sujeito passivo pretende compensar. Se persistente a orientação do § 13 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996, não terá o sujeito passivo direito a qualquer recurso da não-homologação do pleito compensatório. 3. A ofensa do artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 ao princípio constitucional da distribuição funcional das normas Na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2008d) e da doutrina de Michel Temer (2006, p. 148), não existe hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária. A Constituição Federal se ocupou de distribuir a cada uma das espécies legislativas as suas devidas competências, de modo que a alegação de desobediência do Poder Legislativo à ordem seletiva por parte do texto maior se justifica apenas sob o ponto de vista funcional, e não hierárquico. Nesse sentido, determina o artigo 146, inciso III, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988 que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais sobre “obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários”. Ora, o preceito da Constituição Federal se estende para as hipóteses de extinção do crédito tributário, de acordo com Velloso (2007, p. 67): “As normas relativas às formas de extinção dos créditos tributários também se qualificam como normas gerais em matéria tributária. Por essa razão, os dispositivos do CTN que versam sobre o pagamento (art. 157 ss.) têm status de lei complementar, como já decidiu o STF ao declarar a inconstitucionalidade da previsão, em lei ordinária, de nova hipótese de extinção do crédito tributário pela dação em pagamento.” Se as hipóteses de extinção do crédito tributário merecem tratamento por lei complementar, também o merecem as hipóteses de suspensão. O rol do artigo 151 do Código Tributário Nacional, que enuncia cada uma delas, corresponde ao conceito de “normas gerais em matéria de legislação tributária”, reiterado pelo mestre Leandro Paulsen (2009, p. 92).[3] Assim, temos que a norma constante do artigo 151, inciso III, da Lei nº 5.172/1966 só poderá ser alterada por lei complementar. A norma a que fazemos alusão determina que seja suspensa a exigibilidade do crédito tributário quando pendentes de apreciação as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo. Para impedir aos sujeitos passivos a suspensão dos créditos que pretendem compensar graças ao protocolo de reclamação ou recurso administrativo, teria o legislador que se utilizar do expediente da lei complementar com o fito de modificar o dispositivo do Código Tributário Nacional. Ocorre que a Lei nº 11.051/2004, da qual é proveniente o artigo 4º, cuja redação inseriu no artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 os §§ 12 e 13, é lei ordinária. Como a Constituição impediu à lei ordinária o tratamento de matérias afeitas à lei complementar, evidente que a Lei nº 11.051/2004 anda em descompasso com o texto maior. Mas a questão comporta outras discussões. Poder-se-ia sugerir que a Lei nº 11.051/2004 não tratou de matéria reservada à lei complementar – sua disciplina se restringe à manifestação de inconformidade no processo administrativo fiscal. Ocorre que, ao disciplinar a manifestação de inconformidade, criou o artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 uma hipótese de não-suspensão de reclamação administrativa, visto que permitiu à Administração Fiscal a inscrição em Dívida Ativa sem sequer processar a manifestação protocolada pelo sujeito passivo. Para além de ofender os direitos fundamentais de petição, de contraditório e ampla defesa, teria a lei ordinária se arvorado a operar modificação vedada até mesmo às emendas constitucionais pelo artigo 60, § 4º, inciso IV do texto maior, segundo o qual “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e as garantias fundamentais”. Poder-se-ia também sustentar que a Lei nº 11.051/2004 não fez mais do que lhe permitira o próprio inciso III do artigo 151 do Código Tributário Nacional: as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo administrativo tributário, suspendem o crédito tributário nelas debatido. Estaria o artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 justamente regulando uma das reclamações administrativas, e o permissivo expresso do artigo 151, inciso III, da Lei nº 5.172/1966 seria o amparo legal a essa regulação. Ocorre, contudo, que a norma constante do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional não admite restrição por parte do diploma ordinário, apenas esclarecimento da vontade expressa na lei complementar. Ora, a regulação de que trata o inciso III serve para explicitar o sentido da norma, nunca para lhe restringir a aplicação. Dessa forma, requer o Código Tributário Nacional que o legislador ordinário regule as balizas em que o direito à suspensão (este reservado à lei complementar) será garantido aos sujeitos passivos – quando a regulação cria hipótese de reclamação administrativa sem efeito suspensivo, diminui a norma regulada, incorrendo em evidente ofensa à distribuição funcional lançada pela Carta de 1988. Sobre o assunto, vejamos a jurisprudência: “LIMITAÇÃO DE DIREITO DO CONTRIBUINTE PREVISTO NO ART. 151, III, CTN. OFENSA AO PRINCÍPIO DE HIERARQUIA DAS NORMAS. O art. 151, III, do Código Tributário Nacional dispõe que ‘as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo, suspendem a exigibilidade do crédito tributário administrativo’. Portanto, diante da natureza de Lei Complementar do Código, hierarquicamente superior às demais normas legislativas, à exceção da Emenda Constitucional, não pode legislação inferior limitar ou condicionar a eficácia de hipótese de suspensão de exigibilidade do crédito tributário. A segunda parte do inciso em comento, ao se referir a leis reguladoras, não autoriza, como se sabe, a que se inove na matéria. A regulamentação apenas deve explicitar o direito garantido ao contribuinte, e nunca limitá-lo, o que só poderia ser providenciado por norma processada na forma de lei complementar. Recurso improvido.” (BRASIL, 2001) Existe inclusive uma vedação gramatical ao argumento de que a Lei nº 11.051/2004 poderia ter restringido o campo de proteção do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional. Com efeito, a frase “nos termos das leis reguladoras do processo administrativo” serve como adjunto adnominal da frase “as reclamações e os recursos”. Nessa condição, o adjunto adnominal pode assumir função restritiva ou explicativa, esta última evidenciada in casu pelo emprego da vírgula. Assim, não estaria suspenso o crédito tributário consignado apenas nas reclamações e nos recursos normatizados pelas leis reguladoras do processo administrativo tributário – a decisão do Superior Tribunal de Justiça no EREsp 850.332/SP comprova a assertiva ao determinar que mesmo quando a manifestação de inconformidade ainda não havia sido disciplinada pela Lei nº 10.833/2003, já lhe era possível a geração de efeitos suspensivos. A melhor interpretação do artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional conduziria ao destaque de quaisquer reclamações e recursos administrativos como facilitadores da suspensão do crédito tributário neles debatido. Em segundo lugar, ficaria a lei ordinária encarregada de disciplinar cada expediente processual, de modo a privilegiar os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, e nunca com o fito de suprimir a garantia original prevista em lei complementar. Conclusão Conquanto louvável, o interesse do legislador em conferir feição mais ágil e expeditiva ao processo administrativo encontra obstáculo na ampla defesa e no contraditório, bem como na garantia maior do due process of law. A iniciativa de elencar determinadas espécies de pedidos de compensação como “compensações não-declaradas” não permite – como jamais poderia permitir – que a Administração Fiscal se isole na apreciação de cada requerimento e de sua subsunção às hipóteses presentes no § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996. É ofensa às garantias mais comezinhas do processo administrativo fiscal, listadas em âmbito federal pelo artigo 2º da Lei nº 9.784/1999. Por outro lado, a limitação oblíqua perpetrada pela Lei nº 11.051/2004 ao Código Tributário Nacional ofende o princípio da distribuição funcional das normas. Ainda que a suspensão do crédito tributário não tenha sido objeto de normatização por parte do diploma ordinário, as reclamações e os recursos administrativos o foram. Determinar que um recurso ou uma reclamação administrativa regularmente protocolados não tenham o condão de suspender a exigibilidade do tributo discutido é usurpar competência da lei complementar e, em última análise, mitigar os efeitos do direito de petição, consignado no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal. A bem da verdade, o mencionado direito de petição é o maior ofendido pelo artigo 4º da Lei nº 11.051/2004. O contribuinte fica impedido de sequer obter resposta sobre a conformação de seu pedido à legalidade tributária ou à lista específica do § 12 do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996. Ademais, e este assunto tangencia aquele abordado no presente trabalho, determina o § 15 do mesmo artigo 74 – inserido pelo artigo 62 da Lei nº 12.249/2010 (BRASIL, 2010d) – que o valor cobrado pela autoridade fiscal será acrescido de 50% (cinquenta por cento) nos casos de “pedido de ressarcimento indeferido ou indevido”. Submete-se o contribuinte às exigências legais e infralegais, procura quitar suas dívidas para com o Fisco através de procedimento compensatório que julga correto, mas tem de si extirpado o direito de se equivocar. Se o fizer, precisa arcar com multa abusiva e confiscatória, o que reitera o cerceamento entalhado pelo legislador ordinário no corpo do artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 às garantias do sujeito passivo na relação tributária. Em suma, a alteração promovida pelo artigo 4º da Lei nº 11.051/2004 no artigo 74 da Lei nº 9.430/1996 apresenta consequências danosas para a própria relação Fisco-contribuinte. Os acréscimos no diploma de 1996 têm o claro objetivo de desencorajar o procedimento compensatório, que é reflexo do direito de propriedade do contribuinte lesado. Caso tenha direito a receber do Estado valores que adimpliu indevidamente (por questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade), pode escolher a via de repetição ou a via compensatória, que deveria primar pela celeridade. Outra abordagem aumenta a insegurança dos sujeitos passivos quanto a seu próprio patrimônio (atingido pela multa de 50% em caso de indeferimento ou “não-conhecimento”), o que evidencia a ilegitimidade dos comandos legais que permitiram o surgimento dessa injustiça.
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Meio ambiente e ordem econômica: o direito tributário ambiental
É notória a relevância que vem assumindo a questão ambiental no que concerne ao espaço físico, uma vez que há em qualquer lugar o direito subjetivo ao meio ambiente como garantia fundamental. Nessa esteira, desenvolveu-se um breve estudo acerca de uma nova instrumentalização para defesa de um ambiente ecologicamente equilibrado, baseado em um intervencionismo maior do Estado através do chamado Tributo Ambiental e na disciplina do Direito Tributário Ambiental, ligação interdisciplinar do Direito Tributário com o Direito Ambiental.
Direito Tributário
1. Introdução O presente artigo diz respeito ao estudo acerca do “Direito Tributário Ambiental”, recente disciplina nascida no mundo jurídico a fim de estudar a criação do denominado “Tributo Ambiental” criado pelo Poder Público com objetivo de, através de uma atuação mais eficaz e eficiente, manter um ambiente ecologicamente equilibrado, diante do premente esgotamento do modelo proposto pelo liberalismo econômico, o qual forçou o Estado a intervir, servindo-se do sistema tributário, como agente regulador e normativo na busca pelo desenvolvimento sustentável. Não vem de hoje a preocupação internacional com um meio ambiente saudável. Em verdade, a primeira manifestação mais importante de que a sustentabilidade do planeta estava em perigo e de que a produção como um todo estava aumentando de tal maneira que o planeta Terra não resistiria ao impacto dos resíduos dessa produção, bem como a reposição dos recursos naturais seria exaurida pelo aumento geométrico vertiginoso da produção industrial, ocorreu em Roma na década de 60. Dessa forma, foi que em 1988 a Constituição Federal inseriu no ordenamento jurídico brasileiro a mais fundamental contribuição positiva para a defesa do Meio Ambiente ao prescrever sobre essa matéria um capítulo próprio, condição sem precedente em toda história constitucional do Brasil. 2. Meio ambiente e ordem econômica: o direito tributário ambiental A fim de que se atinja o mérito dotrabalho, faz-se necessário a averiguação com maior profundidade da relação entre economia e meio ambiente ecologicamente equilibrado, este último como uma garantia fundamental do indivíduo. A primeira relação, e mais lógica, é de que o próprio desenvolvimento da economia que vem causando todos os prejuízos ambientais que se enfrentam hoje, ou seja, a produção de riquezas (desenvolvimento da economia) gera a esgotabilidade dos recursos naturais. Isto é, “apesar dos benefícios trazidos pelos avanços tecnológicos, este progresso provocou, paralelamente, uma exacerbada e irreversível destruição da natureza”. Ora, a ordem econômica não pode estar desvinculada dos preceitos de proteção ao meio ambiente, tendo em vista que a relação entre ambas é simples e clara: não há atividade econômica sem influência no meio ambiente, assim como a manutenção dos recursos naturais é essencial à continuidade da atividade econômica e à qualidade de vida da sociedade. Nesta toada foi que o legislador pátrio, ao elaborar a Constituição Federal de 1988, acertadamente ampliou a tutela aos recursos ambientais mediante prescrição de posturas e condutas de caráter preventivo e reparatório, sempre com vistas à defesa dos direitos fundamentais da sociedade e ao seu livre desenvolvimento, promovendo uma relação direta entre os artigos 170 e 225 da Carta Magna. Assim, como é possível constatar, o artigo 170 da Constituição Federal, principalmente no que se refere aos fundamentos, aos objetivos e aos princípios da ordem econômica e financeira, está diretamente relacionado à política ambiental prevista no artigo 225. Isso porque a relação existente entre economia e meio ambiente é mais perceptível quando levamos em consideração que a existência digna é uma das finalidades da ordem econômica e financeira, sendo que a proteção do meio ambiente, seja ele natural, artificial, cultural ou do trabalho, deve ser observada como um dos principais princípios para que essa finalidade seja alcançada. Em suma, é inviável considerar uma vida com dignidade e com qualidade em um ambiente totalmente degradado, sem qualquer condição de sustentabilidade, assim como é impossível imaginar a busca por desenvolvimento econômico à custa da exploração indiscriminada dos recursos naturais e de direitos previstos como fundamentais a toda a sociedade. E foi esse contexto que forçou o Estado a intervir na economia, atuando como agente regulador e normativo. Todavia, a citada intervenção obrigatoriamente deve estar em harmonia com as determinações lançadas nos artigos 225 e 170, da Constituição Federal de 1988, ou seja, tendo como objetivos a garantia do equilíbrio e desenvolvimento econômicos, este último de forma sustentável; bem como a prevenção ou redução das tensões sociais e a redução das desigualdades regionais e sociais. Dentre os instrumentos à disposição do Estado para intervir na economia, objetivando a defesa do Meio Ambiente, ressalta-se o sistema tributário. De forma, que a citada intervenção se dá mediante a internalização compulsória dos custos ambientais, conceito este diretamente ligado ao Princípio do Poluidor Pagador do Direito Ambiental. O tributarista Ricardo Lobo Torres argumenta que referido princípio sinalizaria no sentido de que os potenciais poluidores devem arcar com a responsabilidade pelo pagamento das despesas estatais relacionadas com a precaução e a prevenção dos riscos ambientais, assim, seria, também, um princípio de justiça porque buscaria evitar que os danos ambientais repercutissem sobre a sociedade, a qual não estaria obrigada a suportar os custos da sustentação do meio ambiente saudável. Neste diapasão, internalização compulsória dos custos ambientais, nada mais é do que a contabilização destes custos com vistas à sua integração no valor dos produtos e serviços postos em circulação, apresentando-se, também, como objetivo da economia ambiental, uma vez que as externalidades negativas geradas pela conduta dos agentes econômicos não podem ser convertidas em prejuízos e custos sociais a serem suportados por toda a coletividade. Neste sentido, exemplifica Fernando Magalhães Modé “se, por exemplo, uma determinada empresa teve seus custos de produção incrementados por conta de investimento para a alteração de seu processo de produção, levando-a a reutilização de rejeitos antes despejados no meio ambiente, a imposição de um tributo à concorrente que não adotou tal medida, e que portanto, tem condições de colocar no mercado um produto concorrente a preço menor, é não somente uma medida de cunho econômico, mas, de distribuição de justiça”. 3. Conclusão Sintetizando o que foi dito, colaciona-se, por fim, importante definição trazida ao mundo jurídico pela tributarista Helena TaveraTôrres para quem Direito Tributário Ambiental” Pode ser definido como o ramo da ciência do direito tributário que tem por objeto o estudo das normas jurídicas tributárias elaboradas em concurso com exercício de competências ambientais, para determinar o uso de tributo na função instrumental de garantia, promoção ou preservação de bens ambientais”.
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A importância da limitação temporal na relação jurídica tributária para a atividade empresarial
O objeto do presente artigo é o analisar a importância da previsão legal dos limitadores temporais da relação jurídica obrigacional tributária, em especial no ambiente de estímulo ao surgimento de atividades empresariais, bem como para o seu desenvolvimento.  Esses limitadores temporais das relações jurídicas obrigacionais tributárias, quais sejam a decadência e a prescrição tributárias, são mecanismos que visam assegurar a realização do Princípio da Segurança Jurídica. A decadência é explicada como a impossibilidade de o Fisco realizar o lançamento, em virtude da combinação de dois fatores: a sua inércia e o transcurso do tempo; tem a sua regra geral disposta no art. 173, I do Código Tributário Nacional.  Por sua vez, a prescrição é manifestada como a perda do direito do Fisco proceder com a cobrança judicial relativo ao crédito, nascido da relação jurídica obrigacional tributária; e tem o seu prazo disposto no art. 174 do Código Tributário Nacional, também pela inércia e o transcurso do prazo legalmente previsto. A preocupação do ordenamento legal com esses dois institutos revela um ambiente jurídico que se pretende seguro, e esse ambiente é favorável para o fomento das atividades empresariais.
Direito Tributário
1. Introdução As relações jurídicas, em especial – para fins da presente análise – aquelas circunscritas ao âmbito do Direito Tributário, tem um tempo, estabelecido em lei, para que todos os direitos e obrigações sejam exercitados, e não sendo realizadas as circunstâncias legais para o exercício desse direito, flui o prazo para o seu desempenho, levando à extinção da obrigação tributária surgida. Isso implica entender que, exausto esse tempo, previsto de maneira austera na lei, qualquer pretensão de fazer valer o direito nascido em razão da relação jurídica, deixa de existir. Este é o caminho pelo qual o Direito vislumbra o Princípio da Certeza e Segurança Jurídica. Ainda, como meio de fazer valer a estabilidade das relações jurídicas, o Direito nos oferta dois institutos, quais sejam a Decadência e a Prescrição, como espécies de limitadores do tempo para a manutenção do equilíbrio dessas relações. No campo tributário, e por este artigo se delimitar a esfera jurídica do Fisco, a decadência é compreendida como a impossibilidade de a Administração Pública encarregada de arrecadar tributos, efetuar o lançamento. A prescrição, perfaz-se com a extinção da possibilidade de o Fisco proceder com a cobrança judicial relativamente ao seu crédito. São estes institutos objetos da apreciação essencial do presente artigo, com vistas na importância das suas previsões para a segurança jurídica das atividades empresariais. Importante tal análise, pois, do contrário, abre-se margem a um modelo de relações e comportamentos sociais que não prestigiam a harmonia e segurança, ambiente não propício ao desenvolvimento, sob o aspecto amplo. E no contexto atual, cujas preocupações não se circunscrevem às relações entre indivíduos, mas também às relações nas quais figuram os titulares das atividades empresariais, a observância desses limitadores serve como suporte e fomento ao seu desenvolvimento, o que diretamente implica na manutenção da sua atividade produtiva e reflexamente na manutenção das relações outras que mantém em virtude da atividade desenvolvida. Não se pretende adentrar nas polêmicas doutrinárias e jurisprudenciais relativas ao início dos seus prazos, muito embora essas discussões possam afetar a estabilidade das relações jurídicas. 1. Introdução As relações jurídicas obrigacionais tributárias, nascidas da ocorrência, no mundo dos fatos, de situações previstas pelo legislador ordinário como capazes de desencadear a vinculação entre um sujeito com direitos e outro com obrigações, tem um lapso temporal dentro do qual se verificam os seus efeitos e são exercitáveis todos os seus direitos inerentes. De outro modo, isso quer dizer que uma vez verificado o nascimento de uma relação jurídica obrigacional, todos os direitos e seus respectivos efeitos têm um tempo, estabelecido em lei, para ser exercitado. Não realizadas as circunstâncias legais para o exercício desse direito, flui o prazo para o seu desempenho, levando à extinção da obrigação tributária surgida ― e necessariamente o crédito tributário, por respeito à identidade das suas naturezas, conforme entende Paulo de Barros Carvalho.[1] Exausto esse tempo de que falamos, previsto de maneira austera na lei, qualquer pretensão de fazer valer o direito nascido em razão da relação jurídica, deixa de existir. É o momento que, em sendo alcançando, “prestigiam-se a certeza e a segurança”, segundo LUCIANO AMARO[2]. Segue o seu raciocínio: “Papéis perdem-se ou destroem-se com o passar do tempo. O tempo apaga a memória dos fatos, e, inexoravelmente, elimina as testemunhas. Decorrido certo prazo, portanto, as relações jurídicas devem estabilizar-se, superados eventuais vícios que pudessem ter sido invocados, mas que não o foram, no tempo legalmente assinalado, e desprezado o eventual desrespeito de direitos, que terá gerado uma pretensão fenecida por falta de exercício tempestivo.” Justificável essa limitação na medida em que as relações jurídicas não podem se manter por período indeterminado, quando os interessados não reclamam por seus direitos ou o fazem extemporaneamente, por respeito à segurança jurídica dos que participam da relação (Princípio da segurança das relações jurídicas), que, segundo EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI[3], “define-se pela determinação do direito, pela necessidade da demarcação do que é e do que não é direito.” Pensamento no todo harmônico com o de PAULO DE BARROS CARVALHO[4], o qual justifica: “[…] decadência ou caducidade é tida como o fato jurídico que faz perecer um direito pelo seu não-exercício durante certo lapso de tempo. Para que as relações jurídicas não permaneçam indefinidamente, o sistema positivo estipula certo período a fim de que os titulares de direitos subjetivos realizem os atos necessários à sua preservação, e perante a inércia manifestada pelo interessado, deixando fluir o tempo, fulmina a existência do direito, decretando-lhe a extinção.” No mesmo sentido leciona FÁBIO FANUCCHI[5]: “[…] decorrido o tempo que a lei marque para o sujeito ativo atuar da forma que a preservação do direito exige, sem que ele proceda exteriorizando o desejo do direito de mantê-lo, acabará por fazer desaparecer o direito, voltando o panorama jurídico ao mesmo estado em que se encontrava antes da existência dele.” O autor supracitado dá um relevo especial ao dispor que estremar prazo visa “evitar a perpetuidade dos direitos quando seus titulares por eles se desinteressam, manifestando essa tendência pela inação no sentido de garanti-los ou de preservá-los operantes, […]”[6] SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO[7] no mesmo sentido ensina: “[…] o direito de crédito da Fazenda Pública, para aperfeiçoar-se e tornar-se exigível, depende do ato jurídico do lançamento. Se este não é praticado a tempo (preclusão), ocorre a decadência daquele direito.” Ressalte-se, no ensinamento de EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI[8], quanto ao efeito da norma de decadência, que somente a previsão legal da decadência não tem força suficiente, capaz de produzir o efeito pretendido pela mesma. É preciso para tanto, somado a previsão da decadência, “a edição de normas individuais e concretas que objetivem os fatos decadencial […], precisando seus termos e determinando o objeto da relação extintiva. E isso só se faz com a indigitada trajetória da positivação.” Reforça ainda mais: “[…] o mero transcurso do prazo tipificado nas normas decadencial… não opera a eficácia automática de extinguir o direito, requerem-se normas individuais e concretas que constituam os fatos decadência…, implicando os efeitos extintivos. É incorreto, nesse sentido, dizer “a decadência ocorreu”…, como se o fato natural do tempo, sozinho, tivesse o condão de determiná-las. Insistimos: juridicamente, a decadência e a prescrição só se operam efetivamente ante a produção das respectivas normas individuais e concretas.” No âmbito do direito tributário, vislumbra-se o efeito da decadência em duas realidades distintas, quais sejam a sua ocorrência quando extingue o direito-dever[9] do Fisco de constituir o seu direito por meio do lançamento; e a sua ocorrência quanto ao direito subjetivo do sujeito passivo de requerer a restituição de um tributo que fora pago de forma indevida. Temos então a decadência do direito-dever do Fisco na constituição do crédito a que tem direito, e a decadência do direito do sujeito passivo a repetição de indébito tributário. Importa-nos, no entanto, como objeto do presente artigo, apenas a decadência que alude à esfera jurídica da Fazenda Pública, a fim de demonstrar a sua relevância para a atividade empresarial 2. Os fundamentos da decadência no âmbito tributário  O Código Tributário Nacional veicula um rol de causas extintivas do crédito tributário, dispondo-as no art. 156 e incisos. A lógica sob a qual o Código Tributário Nacional concebeu o assunto ergue discussões na doutrina. Apesar de o legislador dispor a matéria como “modalidades de extinção”, dentro do capítulo “extinção do crédito tributário”, achamos mais coerente chamar de causas extintivas da obrigação tributária, uma vez que concordamos que o nascimento da obrigação pressupõe o do crédito, não existindo aquele sem este, conforme o já mencionado, e que mereceu crítica de PAULO DE BARROS CARVALHO[10], quando diz: “[…] lamentavelmente, disso não se apercebeu o legislador do Código, que resolveu sistematizar a disciplina jurídica da matéria em torno do conceito de extinção do crédito, quando cumpriria fazê-lo levando em conta a obrigação, que é o todo.” Ainda, a doutrina destaca que, apesar de inseridas como formas de “extinção de crédito”, certas circunstâncias, a rigor, não podem ser consideradas como tais. Nas palavras de LUCIANO AMARO[11], por exemplo: “É o caso do art. 156, IX e X, onde se relacionam as decisões definitivas, na esfera administrativa ou judicial, como causas extintivas do “crédito tributário” (se favoráveis ao suposto devedor, obviamente). Ora, se essas decisões se tiverem fundado, por exemplo, na inexistência da obrigação tributária, qual o “crédito” que estariam extinguindo?” O mesmo raciocínio é feito ao considerar incoerente a disposição da decadência como forma de extinção do crédito. Se a decadência implica na perda do direito de efetuar o lançamento (constituição do crédito), não pode ser causa de extinção desse crédito, pois este não nasceu exatamente por força da decadência.[12]  LUCIANO AMARO[13] observa, ainda mais, com crítica, que o Código Tributário Nacional prevê como forma de extinção de crédito o pagamento indevido. É o caso do disposto no art. 168, I. Essa previsão nos permite seguir o raciocínio crítico do autor, onde: se o pagamento é indevido é porque não há um direito subjetivo do sujeito ativo (crédito) ao cumprimento da obrigação. Assim sendo não há obrigação, tampouco crédito a serem extintos. [14] Na medida em que se percebe a existência de circunstâncias que, por respeito à construção científica, não se coadunam com a previsão de extinção de crédito; do mesmo modo se verifica a existência casos não inseridos como tal, no entanto, possuem o condão de extinguir a obrigação tributária. É a defesa feita pelo citado autor. Neste sentido destaca: “Se a lei pode o mais (que vai até o perdão da dívida tributária) pode também o menos, que é regular outros modos de extinção do dever de pagar tributo. A dação em pagamento, por exemplo, não figurava naquele rol até ser acrescentada pela Lei Complementar n. 104/2001; como essa lei só se refere à dação de imóveis, a dação de outros bens continuam não listada, mas nem por isso se deve considerar banida. Outro exemplo, que nem sequer necessita de disciplina específica na legislação tributária, é a confusão, que extingue a obrigação se, na mesma pessoa, se confundem a qualidade de credor e a de devedor (CC/2002, art. 381). Há, ainda, a novação (CC/2002, art. 360).”[15] PAULO DE BARROS CARVALHO[16], do mesmo modo, faz menção a essa falta de outros motivos capazes de extinguir a obrigação tributária: “O que é possível divisar no catálogo do art. 156 é a ausência de outros motivos que teriam a virtude de extinguir o liame obrigacional, como a desaparição do sujeito passivo, sem que haja bens, herdeiros e sucessores, bem como a confusão, onde se misturam, na mesma pessoa, as condições de credor e devedor.” 2.2. Decadência do direito subjetivo do Fisco: : sua regra geral e delimitações no Código Tributário Nacional O Código Tributário Nacional prevê a decadência como uma das formas de extinguir o crédito tributário no art. 150, V. No entanto, delimita o seu conceito no art. 173, como situação capaz de fulminar o direito para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário. Dispõe o artigo: “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.” Percebem-se uma regra geral de cinco anos, com três limitações temporais à tarefa de constituição do crédito tributário por parte do Fisco, duas destas nos incisos I e II, sendo a terceira no parágrafo único. Segundo o que estabelece o inciso I, que representa a regra geral, o lançamento realizável dentro de certo exercício em específico, e que não tenha sido levado à prática por meio das providências concretas, poderá ser constituído dentro do prazo máximo de cinco anos, após o próprio exercício em se verificou a possibilidade de constituí-lo. Concretizando essa determinação, temos que, uma vez verificada a realização da hipótese de incidência tributária, nasce uma relação jurídica obrigacional tributária e com isso o “direito-dever” que tem o Fisco de constituir o seu crédito por meio de lançamento. Esse “direito-dever” nascido num exercício “E”, por exemplo, e não constituído nele, poderá ser feito no prazo de cinco anos após aquele que poderia ter sido constituído e não foi. Ou seja, num tempo máximo de “E + 5”. O inciso II, por sua vez, veicula a conjectura em que, ocorrendo o lançamento com vício de forma, e este tenha sido declarado nulo, por decisão definitiva ― aquela para a qual não é cabível mais recurso ―, o Fisco tem o prazo de cinco anos, contado da data dessa decisão definitiva, para efetuar um novo lançamento. A última limitação temporal à tarefa de constituição do crédito tributário por parte do Fisco está disposta no parágrafo único, que já inicia, segundo LUCIANO AMARO[17], com o equívoco de dizer que o direito de lançar disposto no parágrafo se extingue definitivamente, como se existisse a possibilidade de uma extinção que não fosse definitiva.  Ensina ainda: “[…] o direito de lançar, na hipótese ali prevista, se extingue definitivamente, como se, em alguma outra situação, a extinção do direito pudesse ser provisória, e o direito morto viesse a renascer das cinzas.” Para todos os incisos mencionados, existe discussão doutrinária e jurisprudencial quanto à determinação exata do início do prazo para a realização do lançamento tributário, que é matéria riquíssima de estudo. Todavia, as nuances dessas discussões, por requerem uma atenção que supera a pretensão do presente artigo, não serão objeto de análise. 3. O fundamento da prescrição no âmbito tributário   Assim como restou claro na decadência que a limitação temporal é um garantidor de estabilidade das relações jurídicas ― item II ―, o mesmo se compreende para a prescrição. Ambos operam pela conjugação dos fatores: “decurso do tempo e a inércia do titular do direito”, conforme LUCIANO AMARO, [18]sendo que a “decadência opera na fase de constituição administrativa do crédito; e a prescrição, no momento do exercício do direito de ação”, conforme EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI.[19] No argumento, YOSHIAKI ICHIHARA[20] explica que assim como a decadência, a prescrição é “decorrência do princípio da segurança jurídica ou estabilidade das relações jurídicas e do sistema”. Prossegue na sua explicação afirmando que tem a prescrição: “[…] como fator determinante da extinção do crédito tributário o decurso de tempo por inação do credor. Dormientibus non sucurit jus, isto é, o direito não socorre aos que dormem, ou ainda, quem se descuida de defender seus direitos não pode alegar sua negligência.” No âmbito do direito tributário, a prescrição pode se realizar em duas relações jurídicas diferentes. Primeiro, quando temos a Administração Pública com o seu direito de cobrar, o crédito a que tem direito, do sujeito passivo ― contribuinte ou responsável. Segundo, quando existe o contribuinte pleiteando a devolução de um pagamento efetuado indevidamente, formulando esse pedido em face da Fazenda Pública. Ou seja, a prescrição pode se realizar quando a Fazenda Pública perde o direito de efetuar a devida cobrança pelo crédito tributário lançado e não pago, quando por sua inércia deixa fluir o tempo legalmente estabelecido; assim como pode se realizar quando o contribuinte, em tendo feito um pagamento indevido, deixa passar o tempo estabelecido em lei para proceder com a ação de repetição de indébito. Todavia, para o presente artigo, cabe-nos apenas analisar a prescrição apenas no âmbito do Fisco. 3.1. Prescrição do direito do Fisco Nascida a relação jurídica obrigacional tributária, existe um tempo para que o direito surgido seja reclamado pelo sujeito ativo.  Esse direito de que falamos é o de constituir o crédito tributário por meio do lançamento (decadência tributária). Uma vez efetuado esse lançamento, rompe-se outro prazo, qual seja o de o sujeito ativo ― o Fisco ―, em não sendo satisfeito no seu direito de credito ― obrigação tributária ―, promover com a devida cobrança. Se nesse prazo, o sujeito ativo da relação jurídica tributária obrigacional não toma a providência cabível para a devida cobrança em tempo hábil, temos configurada a prescrição. Na esfera prática do direito tributário, falar em prescrição é entender que, feito o lançamento no prazo legal estipulado, o Fisco tem outro tempo que se instaura, sendo este para proceder com a ação de cobrança do tributo que foi lançado e não pago. Se esgotado esse tempo sem que se proceda com a devida cobrança, não há como exigir que o pagamento seja feito, perfazendo-se a prescrição. LUCIANO AMARO[21] leciona: “Se, em tempo oportuno, o lançamento é feito, mas o sujeito ativo, à vista do inadimplemento do devedor, deixa transcorrer o lapso de tempo que tem para ajuizar a ação de cobrança, sem promovê-la, dá-se a prescrição da ação.” PAULO DE BARROS CARVALHO[22] no mesmo rumo, sobre a prescrição, ensina: “Com o lançamento eficaz, quer dizer, adequadamente notificado ao sujeito passivo, abre-se à Fazenda Pública o prazo de cinco anos para que ingresse em juízo com a ação de cobrança (ação de execução). Fluindo esse período de tempo sem que o titular do direito subjetivo deduza sua pretensão pelo instrumento processual próprio, dar-se-á o fato jurídico da prescrição.” Sobre o que o Código Tributário Nacional estabeleceu a respeito da prescrição, no art. 156, VI, incluindo-o como uma das causas de extinção do crédito tributário, manifestou-se PAULO DE BARROS CARVALHO:[23] “Foi oportuno o legislador do Código ao incluir a prescrição entre as modalidades extintivas da obrigação tributária. De fato, a todo o direito corresponde uma ação, que o assegura. Com o perecimento do direito à ação de cobrança, perde o credor os meios jurídicos para compelir o sujeito passivo à satisfação do débito. Acontecimento desse jaez esvazia de juridicidade o vínculo obrigacional, que extrapola para o universo das relações morais, éticas etc.” Ao justificar desse modo, o citado autor demonstrou clara a sua posição por não conceber a repetição do valor pago quando o crédito estava prescrito (fundamentação a mesma para a decadência). “Até o Código Tributário o reconhece, catalogando o instituto entre as formas extintivas” e por isso insuscetível de propiciar o direito à repetição. Vimos que não há, na doutrina, divergência quanto ao conceito formado para a prescrição. Contrariamente, existe uma harmonia de pensamentos. No entanto, a grande questão sobre a prescrição recai sobre o tempo em que se inicia a contagem do seu prazo. Isso ocorre em razão do texto legal, no art. 174 do Código Tributário Nacional, atribuir o início da contagem como sendo a data de constituição definitiva e a doutrina ter diferentes compreensões sobre tal definitividade. 4. Segurança jurídica e a atividade empresarial Enxergamos a importância que existe em previsões legais que limitam a relação jurídica obrigacional tributária, muito embora, conforme deixamos claro, estejam impregnadas de discussões doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao seu início dos seus prazos.  As relações jurídicas obrigacionais, e em específico, a tratada no presente artigo, a tributária, precisam ter estabelecidas o tempo útil para os seus efeitos serem verificados, por respeito à segurança jurídica dos que se encontram submetidos a essa relação. Focando no ambiente empresarial, a previsão e respeito dos institutos da decadência e prescrição possibilitam ao empresário um ambiente de segurança, de forma a lhe permitir o desenvolvimento das suas atividades em condições jurídicas confiáveis. 5. Conclusão Uma das principais balizas legais das relações jurídicas é o princípio da segurança jurídica. Quando se analisa a relação jurídica obrigacional tributária, na qual a Administração Pública tem o papel de sujeito ativo, e a empresa, como sujeito passivo dessa relação, os limitadores temporais dessa relação, ou seja, os prazos decadencial e prescricional, servem de instrumento para a realização da segurança jurídica. Não se concebe que essas relações se mantenham eternizadas, pondo em risco o fomento empresarial. O ambiente de desenvolvimento das atividades empresariais requer segurança e estabilidade, por isso tão importante é o ordenamento jurídico prever, e, claro, respeitar os institutos da decadência e da prescrição. A perda do direito de realizar o lançamento tributário, assim como a perda da pretensão de cobrança do crédito a que a Administração Pública Tributária tem direito, em virtude da conjugação da sua inércia nessas tarefas e pelo decurso do prazo legalmente estabelecido para tal, esboça um modelo que se pretende seguro, na regulação das relações jurídicas tributárias. Esse é um espaço propício para o despontar de atividades empresariais, e, mais, para o seu desenvolvimento; sem deixar de ressaltar, claro, o reflexo que impõe às relações outras ligadas a atividade realizada.   Segurança jurídica, no contexto desses institutos é exatamente a não eternização da proteção de um direito.
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A exegese do Princípio da Neutralidade Fiscal no Sistema Tributário Nacional, sobretudo no regime da substituição tributária, na concessão de incentivos fiscais e na elisão fiscal
A neutralidade econômica, característica elementar do liberalismo clássico, da qual advém a idéia de neutralidade tributária, não mais se mantém sob os pilares absolutos da não-intervenção: admite-se, e até se exige, uma atuação estatal reguladora e, muitas vezes, interventora, em nome da garantia de direitos. O princípio da neutralidade tributária, em um Estado Democrático de Direito, tem que refletir a idéia de que o tributo deve interferir o menos possível nas decisões dos agentes econômicos, desde que essa não-intervenção se contextualize, de forma positiva, com um satisfatório financiamento das políticas públicas, com a promoção dos direitos fundamentais e com um sistema tributário dotado de eficiência econômica. Principalmente após a inclusão do art. 146-A da CF, através da EC nº art. 42/2003, o princípio da neutralidade fiscal passou a ter – se é que já não tinha antes – dúplice dimensão, umbilicalmente vinculada ao princípio da concorrência leal: (a) de um dever negativo de não intervenção na concorrência através da tributação, nos casos de igualdade de condições concorrenciais, e (b) de um dever positivo do Estado, de ação, através da tributação, para restaurar ou prevenir a igualdade de condições de concorrência, nos casos de desequilíbrio. São hipóteses em que é possível se verificar afronta ao princípio da neutralidade tributária: o regime da substituição tributária (art. 150, § 7º, CF) em situações que se usam pautas de valores irreais, a concessão de incentivos fiscais (conduta típica de intervenção estatal no mercado) e a elisão fiscal.
Direito Tributário
1. Introdução Trata o presente artigo do princípio da neutralidade fiscal no sistema tributário nacional: sua conceituação e aplicabilidade. A pertinência do assunto reside, principalmente, na necessidade de aprimoramento da sua definição, já que, tal qual surgiu, juntamente com o estado liberal clássico – fruto das revoluções do século XVIII – não mais corresponde às novas roupagens constitucionais advindas do estabelecimento do Estado Democrático de Direito. Uma vez estabelecidas as bases conceituais do princípio em questão, desafia-se a encontrar respostas a três questionamentos sobre o tema, quais sejam: (a) a substituição tributária fere a neutralidade fiscal?, (b) os incentivos fiscais ferem a neutralidade fiscal e devem ser proibidos? e (c) a elisão fere a neutralidade fiscal? Por ser o princípio da neutralidade fiscal um princípio que teve origem no subsistema da economia, mais especificamente, repita-se, na idéia liberal clássica de não intervenção do Estado nos movimentos do mercado, inicia-se o arrazoado com uma exposição, ligeira, sobre a relação Estado-agente econômico, desde o Estado Liberal até o Estado Social, que passou a dominar o cenário após a 2ª Guerra Mundial. Titula-se esse tópico de “A Neutralidade Econômica”. Na sequência, parte-se para a conceituação da neutralidade fiscal e para considerações sobre as suas relações com a livre concorrência, com especial relevo para o conteúdo do art. 146-A da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 42/03, de 19/12/2003. De acordo com as premissas estabelecidas, aceita-se o desafio de responder os questionamentos mencionados no primeiro parágrafo. Não se tem a pretensão de esgotar o assunto nem de fornecer uma posição definitiva sobre o tema da neutralidade fiscal nos instrumentos tributários abordados (substituição tributária, incentivos fiscais e elisão). Busca-se, apenas, contribuir para o debate, com a consignação de alguns posicionamentos sobre temas de importância inquestionável no cenário acadêmico atual. 2. A neutralidade econômica A discussão acerca da amplitude da intervenção do Estado na economia não é nova. O Estado Liberal – contemporâneo às revoluções liberais do século XVIII e alicerçado nos ideais de igualdade e máxima liberdade da Revolução Francesa -, tinha como postulado a não-intervenção nas atividades promovidas pelos agentes econômicos. Segundo a idéia de liberalismo “puro” daquela época, o mercado deveria observar seus movimentos próprios e se autorregular. Porém, com a crise do capitalismo clássico, que culminou com a “quebra” de 1929 nos EUA, percebeu-se que algumas empresas estavam absorvendo fatias cada vez maiores do mercado, constituindo monopólios – impondo condutas e preços aos demais – e que isso estava gerando problemas sérios nos campos econômico e, sobretudo, social. O papel do Estado, então, começou a mudar. Admitiu-se, a partir de então, o Estado como agente controlador e direcionador dos agentes econômicos, além de protetor de direitos sociais importantes[1]. Abandonou-se a idéia de Estado tão-somente observador da atuação dos agentes econômicos, porém, ainda não se deu o salto para a visualização do Estado como agente promotor dos direitos fundamentais. Após a segunda guerra mundial, finalmente, passou-se a reconhecer como legítima a intervenção do Estado na economia não apenas para ser agente harmonizador do mercado, mas também, para garantir a implementação dos direitos fundamentais. Verifica-se, portanto, que aquela idéia de neutralidade econômica, nos moldes em que foi alardeada pelos doutrinadores liberais, de cunho quase absoluto, não é mais condizente com os valores desse Estado: o Democrático de Direito, que preservou o cerne da neutralidade econômica, no sentido de que, via de regra, deve-se prestigiar a livre iniciativa e a autonomia de vontade dos agentes econômicos, porém, com regulação e, muitas vezes, intervenção em nome da garantia de direitos sociais, sejam eles fundamentais ou não. 3. O princípio da neutralidade fiscal. Conceituação. O princípio da neutralidade fiscal trata das implicações do tributo sobre a conduta dos agentes econômicos. Portanto, tem vinculação evidente com a economia, o que pode, em princípio, dificultar a sua conceituação. Ricardo Lobo Torres aponta, inclusive, que “o princípio da neutralidade é mais de natureza econômica do que propriamente um princípio constitucional tributário”[2]. A vinculação do princípio da neutralidade fiscal com o subsistema da economia, porém, não pode conduzir a uma interpretação puramente econômica do princípio, que levaria a uma conceituação de que a neutralidade seria, tão-somente, a menor interferência possível da tributação nas escolhas dos agentes econômicos. Talvez essa conceituação fosse satisfatória para a doutrina do Estado Liberal, mas não é adequada para os dias de hoje. O princípio de neutralidade fiscal, em um Estado Democrático de Direito, tem que agregar outros valores, dentre eles, a justiça fiscal. Nesse prisma, o conceito de neutralidade fiscal tem que refletir a idéia de que o tributo deve interferir o menos possível nas decisões dos agentes econômicos, desde que essa não-intervenção se contextualize, de forma positiva, com um satisfatório financiamento das políticas públicas, com a promoção dos direitos fundamentais e com um sistema tributário dotado de eficiência econômica. Esse conceito para o principio da neutralidade fiscal foi apresentado por Paulo Caliendo[3], ao apontar que o subsistema da economia exige uma neutralidade econômica, a qual significa, a menor produção de efeitos por parte da tributação nas escolhas dos agentes, e que o princípio da neutralidade fiscal irá ler essa mensagem do subsistema da economia sob o código da linguagem jurídica, a qual não poderá se distanciar da idéia de eficiência econômica sob a égide da justiça. Isso porque, prossegue o citado autor, o direito tributário deve ser interpretado de acordo com o pensamento sistemático, segundo o qual, a relação tributária é dirigida à regulação da cidadania, de seu conteúdo e alcance em uma sociedade e, nessa ótica, o princípio da neutralidade fiscal estabelece um valor, um fim: diminuir legitimamente os efeitos da tributação sobre a decisão dos agentes econômicos. Tal idéia, ainda segundo Caliendo, está dentro do que se considera um sistema tributário ótimo, ou seja, que realize as funções de financiamento das políticas públicas, promoção dos direitos fundamentais, evitando ao máximo interferências nas decisões econômicas. 4. Das relações entre a neutralidade fiscal e a livre concorrência. Questão latente nas discussões doutrinárias sobre a neutralidade fiscal é a sua relação com o princípio da livre concorrência (art. 170, IV, CF). Marco Aurélio Greco vê no princípio da neutralidade fiscal que “o tributo não deve se constituir um elemento que interfira na concorrência; não pode se transformar em custo maior para uns do que para outros concorrentes”[4]. Sob essa ótica, ao Estado caberia somente uma conduta negativa, de não interferir, através dos tributos, na formação de preços dos produtos, preservando, com isso, a ampla concorrência entre os agentes econômicos. Para Ricardo Seibel de Freitas Lima[5], a neutralidade da tributação vai além daquela conduta negativa do Estado, de interferir, através dos tributos, o menos possível na tomada de decisões dos agentes econômicos. Essa conduta negativa seria somente um aspecto da neutralidade tributária e seria válida somente nos casos em que a livre concorrência estivesse preservada. Para os casos em que há uma desigualdade de mercado, que leve ao desequilíbrio das condições de concorrência, ao Estado caberia a tomada de medidas pertinentes para a retomada da igualdade de condições competitivas do mercado. Cita, como exemplo, situações em que um certo agente econômico, em razão de ter conseguido obstar, através de decisão judicial, a incidência de certo tributo, obtém uma vantagem com relação aos concorrentes. Ou então, em que essa vantagem advém de planejamento fiscal, ou até, de simples inadimplemento. Tais situações, segundo o autor, devem ser corrigidas e essa atuação do Estado teria amparo no art. 146-A da CF, que foi introduzido pela EC 42/03, de 19/12/2003, in verbis: “lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência”. Embora antes da introdução realizada pela EC 42/03 se pudesse sustentar que a neutralidade tributária seria somente um dever negativo do Estado de não interferir na concorrência por meio da tributação, não há dúvidas que, após tal data, com a chancela expressa da utilização de critérios especiais de tributação para garantir a igualdade de condições entre os concorrentes, o princípio da neutralidade fiscal passou a ter – se é que já não tinha antes – a dimensão dúplice propugnada por Ricardo Seibel de Freitas Lima, que a doutrina tem denominado de neutralidade concorrencial dos tributos[6]: (a) de um dever negativo de não intervenção na concorrência através da tributação, nos casos de igualdade de condições concorrenciais, e (b) um dever positivo do Estado, de ação, através da tributação, para restaurar ou prevenir a igualdade de condições de concorrência, nos casos de desequilíbrio. Uma vez reconhecido o dever de ação do Estado, o passo seguinte, que constitui o grande desafio dos tributaristas, será definir quais seriam os critérios especiais de tributação que poderiam ser legitimamente adotados de acordo com o sistema tributário nacional. Daniel Giotti de Paula[7] faz esse questionamento, levantando algumas hipóteses, como o aumento da tributação de agentes econômicos beneficiados com alguma vantagem tributária em relação aos demais ou a diminuição da carga tributária dos agentes econômicos em desvantagem. Ou, então, a criação de obrigações acessórias ou de sistemas especiais de fiscalização para as sociedades empresárias beneficiadas. São hipóteses que não permitem resposta imediata. A ferramenta do art. 146-A da CF é a normatização de uma possibilidade de aplicação da neutralidade tributária no sentido da justiça fiscal e da livre concorrência. A melhor forma de aplicação, porém, deverá ser observada caso a caso, com as peculiaridades da situação e com base em estudos que envolvam os subsistemas do direito e da economia, sempre objetivando a construção de um sistema tributário ótimo, que realize as funções de financiamento das políticas públicas e promoção dos direitos fundamentais. 5. Da aplicação do princípio da neutralidade fiscal 5.1. Na substituição tributária A substituição tributária, prevista no § 7º do art. 150, da CF, é um instrumento que possibilita à lei atribuir a sujeito passivo a responsabilidade pelo pagamento antecipado do tributo, assegurada a restituição da quantia paga caso não se realize o fato gerador posterior. Humberto Ávila, ao tratar do tema, escreveu: “A substituição tributária para frente modifica o momento e o montante da operação normal: o momento porque substitui uma base conhecida (valor de venda real) por uma desconhecida, mas presumida (valor de venda futura); o montante porque substitui uma pluralidade de valores (cada valor concreto de venda) por uma unidade de valor (o valor de pauta). A pauta nada mais é, portanto, do que uma prévia unidade de valor das operações futuras. Como unidade na diversidade real de valores, necessariamente abrangerá casos em que o valor real é menor do que o da unidade, quanto casos em que o valor real é maior que o da média”[8]. O STF, no julgamento da ADIN 1.851-4/AL[9], já se manifestou sobre a constitucionalidade da substituição tributária, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, tanto no aspecto da possibilidade da cobrança antecipada do tributo à ocorrência do fato gerador, quanto na questão de poder se exigir o tributo com base de cálculo no valor presumido de venda futura da mercadoria, sem que se tenha que devolver ou complementar as eventuais diferenças entre o valor presumido e o real. A substituição tributária é ferramenta que garante efetividade na arrecadação dos impostos e, portanto, constitui um adequado instrumento de política fiscal, porém, na maioria das vezes, afronta o princípio da neutralidade fiscal[10]. Isso porque, a base de cálculo do imposto (fictícia) não irá, necessariamente, corresponder com o valor de venda do produto. Como consequência, se terá uma tributação que fatalmente não irá corresponder com a riqueza efetivamente realizada pelo agente econômico. Sobre a relação da substituição tributária com a neutralidade fiscal, Humberto Ávila[11] aponta que, no regime da substituição tributária, uma pauta fiscal deve refletir, necessariamente, o valor real médio de vendas de mercadorias, sob pena de violação ao princípio da neutralidade da concorrência. Caso haja discrepância entre o valor de pauta e a média entre os valores efetivos de venda, poderá ocorrer uma distorção no mercado, qual seja, a indução do preço relativo à mercadoria para cima. Os agentes econômicos que venderem por preços superiores, serão duplamente beneficiados, uma vez que pagarão o mesmo imposto dos que venderem o produto por preço inferior, os quais, consequentemente, terão menor lucro ainda. Em tais situações, o tributo estaria sendo elemento definidor de conduta do agente econômico (formação de preço), o que afronta o princípio da neutralidade fiscal. Assim, a resposta ao questionamento se a substituição tributária fere a neutralidade fiscal poderá ser respondida da seguinte maneira: o regime de substituição tributária, como instrumento de efetividade na arrecadação, o que gera a igualdade de tratamento entre os agentes econômicos, vai ao encontro do princípio da neutralidade fiscal. Porém, quando se usam pautas de valores irreais, as quais são díspares das médias de vendas de produtos, há a afronta ao princípio, situação que deve ser evitada pelo órgão responsável pela elaboração das planilhas de preços que servirão de base de cálculo para a cobrança do imposto. 5.2. Nos incentivos fiscais A concessão de incentivos fiscais é conduta típica de intervenção do Estado, através de tributo, na decisão de agentes econômicos. Não resta dúvida que, através de um incentivo fiscal, impulsiona-se certa atividade econômica, ou se influencia na decisão de certo agente econômico sobre o local em que realizará o empreendimento, por exemplo. Isso contraria a idéia de neutralidade tributária, ainda mais que o agente econômico beneficiado com algum incentivo fiscal terá, via de regra, mais força do que os concorrentes no mercado. Por esse motivo é que a Constituição Federal, no art. 151, I, veda a instituição de tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, e, no art. 155, § 2º, inciso XII, letra g, exige a celebração de convênio entre os Estados da Federação e o Distrito Federal para a concessão de incentivos fiscais. Admite-se, no entanto, a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País (art. 151, I, CF). Trata-se de um incentivo que encontra legitimidade no seu objetivo, ou seja, no fim a que se deseja alcançar com o benefício, o qual, em última ratio, é a efetivação de uma finalidade constitucional: o desenvolvimento econômico e social de todas as regiões do país. No entanto, para sua concessão, a União, atuando em defesa do interesse nacional, ou, ainda, os Estados, por unanimidade, conforme o caso, deverão justificar e demonstrar que as restrições a alguns objetivos constitucionais, como a neutralidade e isonomia tributários, se dão em nome de outro objetivo, que é a diminuição das desigualdades regionais. Isso dará legitimidade, tanto material, quanto formal, à instituição do benefício e estará de acordo com a ordem constitucional vigente. Porém, o que acontece, na prática, é a concessão de incentivos, pelos governos estaduais, na maioria das vezes, por critérios políticos, para a instalação de certas empresas no seu território. Embora a Constituição Federal vede que os benefícios, incentivos fiscais e isenções de ICMS sejam concedidos de forma unilateral pelos Estados, existem outras formas de atrair os investimentos, seja através de empréstimos com cláusulas diferenciadas, prazo maior para pagamento de tributos estaduais, e até financiamento direto. A utilização de tais mecanismos, de forma indiscriminada, é o que se denominou de “guerra fiscal” e que é nociva à economia do país[12]. O CADE, em resposta à consulta nº 0038/99[13], formulada pelo Pensamento  Nacional  das  Bases  Empresariais  –  PNBE,  com o objetivo de uma manifestação acerca da  nocividade  ou  não  à  livre concorrência  da  prática  conhecida  como  “guerra  fiscal”,  realizada principalmente  entre  Estados  e  através  de mecanismos  fiscais  e  financeiro-fiscais relacionados ao ICMS, posicionou-se nesse sentido. Assim, parece que a resposta ao questionamento se os incentivos fiscais ferem a neutralidade fiscal e devem ser proibidos, salvo melhor juízo, é que, embora a concessão de incentivos fiscais contrarie a idéia de neutralidade tributária, não devem ser proibidos. Isso porque são instrumentos hábeis para o alcance de outras finalidades constitucionais, como o desenvolvimento regional, por exemplo. O mau uso dos incentivos, que se denomina de “guerra fiscal” não pode, por si só, justificar a sua abolição. O remédio adequado, para esses casos, é o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da inconstitucionalidade de atos que concederem incentivos fiscais fora das situações permitidas pelo constituinte. Se essa prestação jurisdicional não é célere como se deseja, é outra questão a ser solucionada. A simples extinção do instrumento de incentivo fiscal não parece ser a melhor maneira de resolver o problema. 5.3. Na elisão fiscal A elisão fiscal é a conduta do sujeito passivo em planejar seus negócios privados de modo a produzir o menor impacto fiscal. Caracteriza-se quando o contribuinte em potencial, utilizando-se do direito de se auto-organizar, realiza negócio jurídico cujo único objetivo é fugir da tributação. Em Seminário Internacional sobre Elisão Fiscal, realizado em agosto de 2001, em Brasília/DF, Marco Aurélio Greco[14] apresentou um exemplo de elisão fiscal que tem, segundo ele, no mínimo 650 anos: em uma determinada comunidade se criou uma taxa pelo uso do solo onde se instalava uma feira para a venda de produtos e das peles de animais que tinham sido caçados. Alguns caçadores, para não pagarem a taxa, em vez de exporem as peças de peles no chão, carregavam-nas nos braços. Há vozes, calcadas no positivismo normativista, dentre as quais Sampaio Dória foi um expoente, propugnando que a elisão é sempre lícita[15]. O principal argumento é o de que o princípio da autonomia de vontade leva a que a empresa ou o cidadão planeje e realize seus negócios de modo que explore todas as possibilidades que lhe aprouvierem, não sendo válido o questionamento da adequação ou não de tal procedimento. É, ainda, um eco da doutrina que sustentou o ideário do Estado Liberal clássico: a liberdade ilimitada de atuação dos agentes econômicos. Porém, os valores que permeiam o Estado Democrático de Direito não avalizam a conduta da elisão fiscal. Cada vez mais, tende-se a reconhecer em tal conduta um abuso ao direito de auto-organização. Sob esse enfoque que, no Código Tributário Brasileiro, incluiu-se, através da Lei Complementar nº 104, de 10.1.2001, norma antielisiva[16] que autoriza a autoridade administrativa a desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo, ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Quanto ao questionamento se a elisão fere a neutralidade fiscal, a resposta é que a afronta é clara, pois a incidência ou não da carga tributária é fator determinante para a conduta do agente econômico. O fato de ser conduta lícita, na discussão sobre a neutralidade fiscal, não é importante. A questão é que, uns pagam e outros não, e isso gera uma distorção no sistema econômico, principalmente sob o aspecto do desequilíbrio da concorrência. 6. Conclusões Em que pese haja ainda vozes, ressalta-se que cada vez em menor número, que defendam a liberdade irrestrita de autorregulação do setor econômico, o pensamento majoritário, nos dias atuais, é em sentido oposto. Concluiu-se, após graves crises econômicas que exigiram regulação e até intervenção do Poder Público para a minimização de seus efeitos, que existem limites à atuação do mercado que devem ser observados. No direito tributário, o princípio da neutralidade fiscal, acompanhando essa tendência, assumiu uma idéia de finalidade. Da mesma forma que se abandonou a idéia de não-intervenção do Estado na economia, passou-se a ter a neutralidade tributária como a idéia de menor intervenção possível, do sistema tributário, nas decisões dos agentes econômicos. Menor intervenção possível, claro, pois é ilusório, ou melhor, irreal, sustentar que poderia haver alguma forma de os tributos não interferirem nas decisões dos agentes econômicos, já que são componentes do preço. Essa é a conceituação a que chegou Paulo Caliendo, partindo de uma interpretação sistemática: a de que o princípio da neutralidade fiscal estabelece um valor, um fim, qual seja diminuir legitimamente os efeitos da tributação sobre a decisão dos agentes econômicos. A idéia de diminuição legítima dos efeitos da tributação incorpora o que se considera um sistema tributário ótimo, qual seja, que realize as funções de financiamento das políticas públicas, promoção dos direitos fundamentais, evitando ao máximo interferências nas decisões econômicas. Ampliando essa conceituação, a doutrina tem apontado que o princípio da neutralidade fiscal deve ser entendido sob a ótica da preservação da igualdade na concorrência. É o que se tem identificado como a neutralidade concorrencial dos tributos, que solidificou-se, de forma expressa, na Constituição Federal de 1988, com a inclusão, pela EC 42/03, de 19/12/2003, do art. 146-A, in verbis: “lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência”. Nessa linha, temos Humberto Ávila e Ricardo Seibel de Freitas Lima, sustentando que a neutralidade fiscal significa que o tributo não deve se constituir um elemento que interfira na concorrência, ou seja, não pode se transformar em custo maior para uns do que para outros concorrentes, desequilibrando a balança. Após essas considerações, arrisca-se a construção de respostas aos questionamentos: (a) a substituição tributária fere a neutralidade fiscal?, (b) os incentivos fiscais ferem a neutralidade fiscal e devem ser proibidos? e (c) a elisão fere a neutralidade fiscal? O regime de substituição tributária, como instrumento de efetividade na arrecadação, o que gera a igualdade de tratamento entre os agentes econômicos, vai ao encontro do princípio da neutralidade fiscal. Por exemplo, ao atribuir a responsabilidade pelo recolhimento de tributo ao fabricante das bebidas e não ao comerciante que efetivamente vende o produto ao consumidor, está se garantindo a neutralidade fiscal, pois, evita-se a sonegação, que pode causar desequilíbrio no mercado. Porém, quando se usam pautas de valores irreais, as quais são díspares das médias de vendas de produtos, há a afronta ao princípio, situação que deve ser evitada pelo órgão responsável pela elaboração das planilhas de preços que servirão de base de cálculo para a cobrança do imposto. Quanto aos incentivos fiscais, embora a sua concessão contrarie a idéia de neutralidade tributária, não devem ser proibidos. Isso porque são instrumentos hábeis para o alcance de outras finalidades constitucionais, como o desenvolvimento regional, por exemplo. O mau uso dos incentivos, que se denomina de “guerra fiscal” não pode, por si só, justificar a sua abolição. O Supremo Tribunal Federal deve – e, sinale-se, tem assim atuado – intervir e reconhecer a inconstitucionalidade de atos que concederem incentivos fiscais fora das situações permitidas pelo constituinte. A elisão fiscal, por fim, claramente, é uma afronta ao princípio da neutralidade fiscal, pois a incidência ou não da carga tributária é fator determinante para a conduta do agente econômico. O fato de ser conduta lícita, na discussão sobre a neutralidade fiscal, não é importante. A questão é que, uns pagam e outros não, e isso gera uma distorção no sistema econômico, principalmente sob o aspecto do desequilíbrio da concorrência.
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Tributação e Terceiro Setor: repercussões jurídico-tributárias da Lei nº 9.790/99
O presente trabalho tem como objeto de análise as principais modificações advindas no denominado “terceiro setor” após o novo marco legal resultante da confecção da Lei nº 9.790/99, que instituiu as denominadas “organizações da sociedade civil de interesse público” (OSCIP’s). Nesse contexto, pretende-se dar ênfase ao estabelecimento e ao perfil da situação atual do terceiro setor, analisando-o do ponto de vista das entidades beneficentes e sob a ótica de aspecto ainda objeto de controvérsia na atualidade, a saber, a repercussão jurídico-tributária da supracitada Lei no seio das instituições que porventura pretendam obter a qualificação de OSCIP. Destarte, acredita-se que a pesquisa, por tratar de um tema relativamente novo e que ainda tem gerado polêmica, trará para a Academia e para a sociedade uma contribuição importante sobre aspectos relativos a entidades que têm se multiplicado dia-a-dia no território nacional.
Direito Tributário
1. Introdução Desde meados da década de 80 tem-se pensado em um novo formato para o Estado brasileiro, que herdou dos sistemas anteriormente vigentes uma estrutura burocrática e engessada, com repercussões em todos os setores da sociedade, inclusive a sociedade civil. Como vivemos em um Estado de Direito, essa tendência era consolidada na legislação pátria e todas as leis confeccionadas antes da década de 90, onde de fato se inicia uma reforma do Estado – sobretudo com os estudos de Bresser Pereira – traziam no seu bojo a arquitetura de um Estado burocrático. Depois da Reforma Administrativa, advinda da Emenda Constitucional 19/98, assistiu-se a uma das mais significativas transformações em todos os setores burocráticos do País, sendo que as leis que cuidam de aspectos internos das instituições, públicas ou privadas, passaram a se espelhar na indigitada Reforma. É nesse contexto que surge a recente normativa relacionada ao denominado “terceiro setor”, termo que deriva do conceito de setor terciário, que é ramo econômico da prestação de serviços. Assim, com as mudanças concernentes à alteração na forma de atuação do Estado e de organização e funcionamento da máquina administrativa, o Governo Federal editou a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispôs sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), e ainda instituiu e disciplinou o Termo de Parceria.  A nova lei do Terceiro Setor visa à possibilidade de mudança nas políticas públicas governamentais, transformando-as em políticas públicas de parceria entre Estado e Sociedade Civil em todos os níveis, com a incorporação das organizações de cidadãos  na sua elaboração, execução, monitoramento, avaliação e fiscalização. Em linhas gerais, o Novo Marco Legal visa a estimular o crescimento do Terceiro Setor, fortalecer a Sociedade Civil e investir no Capital Social. Em face disso, entende-se por oportuno um estudo que sistematize a norma em comento, apontando as principais modificações trazidas pela nova legislação e a influência da mesma na feitura das normas correlatas posteriores. Para tanto se pretende, com tal pesquisa, apresentar um perfil da situação atual do marco legal do terceiro setor, analisando-o do ponto de vista de entidade beneficente e sob a óptica dos aspectos objeto de controvérsia na atualidade. Por fim, acredita-se que a pesquisa, ao tratar de um tema novo e de certa forma polêmico, trará para a Academia e para a sociedade uma contribuição importante sobre aspectos relativos a entidades que têm se multiplicado dia-a-dia no território nacional. 2. O Terceiro Setor A compreensão do que venha a ser o terceiro setor passa necessariamente pela análise do tema Administração Pública e dos entes que com ela colaboram.  De acordo com Alexandre de Morais (2005, p. 293), a Administração Pública pode ser definida como a “atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e subjetivamente com o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”. Segundo entendimento de Hely Lopes Meirelles (2004, p. 64), a Administração Pública: “[…] em sentido formal é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade.”      Já a organização administrativa diz respeito a um conjunto de normas jurídicas que regem a competência, as relações hierárquicas, a situação jurídica, as formas de atuação e controle dos órgãos e pessoas, no exercício da função administrativa. Conforme assegura José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 401), partindo-se da noção de que o Estado atua por meio de órgãos, agentes e pessoas jurídicas, “faz-se necessário que a organização tenha três situações fundamentais para o exercício de suas funções, quais sejam: a centralização, a descentralização e a desconcentração”. Nesse contexto, passa-se a distinguir os três fenômenos. A centralização é a forma segundo a qual o Estado executa suas tarefas diretamente, através dos órgãos e agentes administrativos que compõem sua estrutura funcional. A descentralização é a atuação do Estado de forma indireta, ou seja, neste caso, há uma espécie de delegação ou outorga de atividades a outras entidades. Quanto à desconcentração, o que se observa é um desmembramento dos órgãos para propiciar melhoria na sua organização estrutural. Observa-se que as administrações centralizadas e descentralizadas estão direcionadas para o cumprimento de atividades administrativas, logo, a administração direta reflete a administração centralizada, enquanto que a administração indireta reflete a administração descentralizada. Ainda Hely Lopes Meirelles (2004, p. 79), ao discorrer a respeito da matéria, faz a classificação da Administração Federal em Administração direta e Administração indireta, afirmando que “a Administração Pública não é constituída de serviços, mas, sim, de órgãos a serviço do Estado, na gestão de bens e interesses qualificados da comunidade”. Nesse sentido, conclui o renomado autor: “[…] no âmbito federal, a Administração direta é o conjunto dos órgãos integrados na estrutura administrativa da União e a Administração indireta é o conjunto dos entes (personalizados) que, vinculados a um Ministério, prestam serviços públicos ou de interesse público.”  Em síntese, pode-se afirmar que a organização administrativa brasileira constitui-se em Administração direta e Administração indireta (conforme o Decreto-Lei nº 200/67, no seu art. 4°). Embora não pertençam a essa classificação, acrescentem-se os entes de cooperação ou colaboração, onde se encontram insertos os do terceiro setor, que engloba, dentre outras entidades, as organizações da sociedade civil de interesse público, identificadas pela sigla OSCIP. Sem ter a pretensão de exaurir o tema, far-se-á efêmera análise, a seguir, de cada um desses aspectos da organização administrativa brasileira. Conforme José dos Santos Carvalho Filho (2005, p. 402), a Administração Pública Direta “resulta de um conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais foi atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, das atividades administrativas do Estado”. Sua composição é constituída pelos órgãos que integram as pessoas jurídicas políticas do sistema federativo brasileiro, quais sejam: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com funções públicas administrativas outorgadas por lei” (Art. 4º, inciso I, do Decreto-Lei n. 200, de 25/02/67). A estrutura da organização administrativa federal encontra-se fundamentada nos termos do Decreto Lei nº 200/67 e suas alterações e a Lei n. 10.683, de 28.05.2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. O Decreto-Lei nº. 200/67 conceitua a Administração direta federal como aquela realizada pelo conjunto de órgãos que integram os Ministérios ou que são diretamente subordinados à Presidência da República. No direito positivo brasileiro a Administração indireta é integrada por pessoas jurídicas de direito público ou privado, criadas ou instituídas por lei específica, que compõem as autarquias e fundações instituídas pelo Poder Público, bem como as empresas públicas e sociedades de economia mista. Parte da doutrina inclui também as concessionárias e permissionárias de serviços públicos, conhecidos por serviços delegados. Há, ainda, os chamados entes de cooperação ou entidades paraestatais, denominadas por alguns autores de terceiro setor, que compreende: a) serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI etc.); b) entidades de apoio (em especial fundações, associações e cooperativas); c) organizações sociais; e d) organização da sociedade civil de interesse público. Hely Lopes Meirelles denominou os entes de cooperação de entidades paraestatais, pessoas jurídicas de direito privado que se encontram ao lado do Estado para executar cometimentos de interesse deste, porém não privativos do Estado. Segundo Maria Sílvia Zanella Di Pietro, “o termo entidade paraestatal foi utilizado pela primeira vez no direito italiano em 1924, para indicar a existência de certos entes parestatais ao lado das autarquias” (2004, p. 413). Posteriormente usado no direito brasileiro com a mesma intenção, entende-se que a expressão significa “ao lado do Estado”, “paralelo ao Estado”. Dessa forma, as entidades paraestatais são pessoas jurídicas que atuam ao lado e em colaboração com o Estado. A expressão paraestatal não é empregada na Constituição Federal, embora aplicada na doutrina e jurisprudência. Há vários entendimentos a respeito de seu significado.        Para Meirelles (2004, p.67) as entidades paraestatais: “[…] são pessoas jurídicas de direito privado que, por lei, são autorizadas a prestar serviços ou realizar atividades de interesse coletivo ou público, mas não exclusivos do Estado. São espécies de entidades paraestatais os serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI e outros) e, agora as organizações sociais, cuja regulamentação foi aprovada pela lei 9.648, de 27.5.98 […]”. Preceitua Celso Antônio Bandeira de Melo (apud DI PIETRO, 2004, p.413): “[…] a expressão abrange pessoas privadas que colaboram com o Estado desempenhando atividade não lucrativa e à qual o Poder Público dispensa especial proteção, colocando a serviço delas manifestações de seu poder de império, como o tributário, por exemplo. Não abrange as sociedades de economia mista e empresas públicas; trata-se de pessoas privadas que exercem função típica (embora não exclusiva do Estado), como as de amparo aos hipo-suficientes, de assistência social, de formação profissional (SESI, SESC, SENAI). O desempenho das atividades protetórias próprias do Estado de polícia por entidades que colaboram com o Estado, faz com que as mesmas se coloquem próximas do Estado, paralelas a ele.” Acompanha o mesmo raciocínio a professora Di Pietro (2004, p.413), por considerar que juntamente com as entidades ao lado do Estado, além dos serviços sociais autônomos, seriam inclusas ainda as entidades de apoio (fundações, associações e cooperativas), as organizações sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP’s), desde que observe suas denominações específicas e peculiaridades apontadas separadamente. Conforme demonstrado nos entendimentos acima, não existe uma única terminologia para as entidades apresentadas. Com base no plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, alguns teóricos incluem os entes de cooperação no denominado terceiro setor, como entidades da sociedade civil de fins públicos, sem fins lucrativos e de iniciativa privada. Outra corrente da Reforma do Estado entende que os entes paraestatais estão inclusos entre as entidades públicas não estatais; públicas, porque prestam atividades de interesse publico; não estatais, por não pertencerem à administração direta nem à administração indireta Por seu turno, Maria Sylvia Zanella Di Pietro revela que todas essas entidades privadas têm as mesmas características, porque são: “[…] instituídas por particulares, desempenham serviços não exclusivos do Estado, porém em colaboração com ele; recebem algum tipo de incentivo do poder público; por estas razões, sujeitam-se a controle da Administração Pública e do Tribunal de Contas. Seu regime jurídico é predominantemente de direito público. Integram o terceiro setor, porque nem se enquadram inteiramente como entidades privadas, nem integram a Administração, direta e indireta.  Incluem-se entre as chamadas organizações não governamentais (ONG’s). Todas essas entidades enquadram-se na expressão entidade paraestatal”. (2004, p. 413). 3. Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Lei n. 9.790/99) A Lei nº 9.790/99, também denominada Lei do Terceiro Setor, estabeleceu uma nova disciplina jurídica para as entidades (associações, sociedades civis e fundações) sem fins lucrativos, possibilitando a sua qualificação, pelo Poder Público, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP’s, bem como a possibilidade de firmar, com os governos federal, estadual e municipal, acordos de cooperação denominados termos de parceria. A referida lei engloba todas as entidades que apresentam objetivos sociais no campo da assistência social, cultura, educação, saúde, voluntariado, desenvolvimento econômico e social, da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia, além da defesa, preservação e conservação do meio ambiente. Assim, nos termos do artigo 1º, podem qualificar-se como OSCIP, as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos na Lei. Considera-se sem fins lucrativos, a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social. O artigo 2º estabelece, por um critério negativo, quais as entidades que não podem ser qualificadas como OSCIP. Segundo o entendimento doutrinário, essa relação é taxativa: “a) as sociedades comerciais; b) os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; c) as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; d) as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; e) as entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; f) as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; g) as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; h) as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; i) as Organizações Sociais; j) as cooperativas; k) as fundações públicas; l) as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; m) as organizações creditícias que tenham quaisquer tipo de vinculação com o sistema financeiro nacional a que se refere o art. 192 da Constituição Federal.” O artigo 3º determina que a qualificação como OSCIP seja conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades: promoção da assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação; promoção gratuita da saúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de Interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades ora mencionadas. Como inovação, a lei permitiu expressamente a remuneração aos dirigentes, sem estabelecer limites máximos para tal remuneração, apenas estabelecendo como parâmetro o critério do valor de mercado. Ademais, trouxe ainda a lei outra grande novidade, consistente na possibilidade de formação de parcerias entre as entidades qualificadas como OSCIP e o Poder Público. Nesse sentido, alcançada a qualificação, a entidade poderá firmar termo de parceria com o Poder Público para fomento de suas atividades, sendo necessário apenas o seu reconhecimento pelo Ministério da Justiça estando, portanto, dispensada a Declaração de Utilidade Pública e o Registro no CNAS.   Não há que se falar em criação de entidade. Trata-se de qualificação. Em síntese, A OSCIP nada mais é do que uma qualificação especial, instituída pela Lei nº. 9.790/99, regulamentada pelo Decreto n. 3100/99, concedidas àquelas entidades da sociedade civil sem fins lucrativos, que além, de cumprirem determinados requisitos legalmente exigidos (arts. 1º e 4º da Lei nº. 9.790/99), tenham por finalidade social uma das atividades relacionadas nos termos da citada Lei (art. 3º). 4. A Tributação no Terceiro Setor e o Modelo de Tributação Advindo  da Lei nº 9.790/99 Antes do advento da Lei nº 9.790/99, as entidades qualificadas como filantrópicas, de utilidade pública e sem fins lucrativos já tinham preservados os direitos que comumente lhe eram atribuídos, tais como imunidades conforme o Texto Constitucional e isenções de determinados tributos, por força da legislação em vigor. A Constituição Federal, no seu art. 150, VI, “c”, preleciona: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ou Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: (…) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da Lei.” Assevera ainda, reforçando o dispositivo supracitado, em seu art. 146, II, que “Cabe à Lei complementar regular as limitações ao poder de tributar”. A Lei Complementar nº 104/2001 estabeleceu que, para gozar de imunidade, devem as entidades: “I – Não distribuir qualquer parcela do seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer titulo; II – Aplicar integralmente, no País os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – Manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão”. Em resumo, podem-se apontar as seguintes imunidades que se estendem aos organismos do terceiro setor, a saber: Imunidades sobre o patrimônio (IPTU, ITR, ITCMD, ITBI, IPVA), a renda (IR) e os serviços (ICMS, ISS) relacionados às suas finalidades, além de isenções previdenciárias. O mais curioso do ponto de vista da tributação é que a Lei 9.790/99 não fez nenhuma menção expressa em relação aos tributos dos quais comumente são imunes e isentas as entidades que não possuem a qualificação de organização da sociedade civil de interesse público, causando dúvida quanto à permanência de direitos adquiridos anteriormente. O questionamento ainda persiste: se uma entidade quiser receber a qualificação de OSCIP poderá manter os direitos anteriores ou terá que realizar nova via crucis para obtê-los? Um rol de normas surgidas após a confecção da Lei das OSCIP’s sugerem que as conquistas obtidas pelas entidades qualificadas como organização da sociedade civil de interesse público podem persistir. No entanto, a inflação legislativa traduzida em normas correlatas que foi confeccionada logo após a entrada em vigor da Lei nº 9.790/99 tem ensejado insegurança no setor. Senão vejamos: 1. Portaria n.º 31, de 20 de junho de 2005 (delega competência ao diretor do DJCTQ para opinar nos processos de utilidade pública e OSCIP’s nos casos de deferimento das qualificações); 2. Lei nº 10.637, 30 de dezembro de 2002, art. 34 (art. 34, que estabelece que a opção pela remuneração dos dirigentes da OSCIP não impede que sejam deduzidas as doações feitas a estas entidades na forma do art. 13 da Lei nº 9.249/95 e nem obstam o gozo da imunidade reconhecida no art. 150, inciso VI, alínea “c” da Constituição Federal, desde que atendidos os requisitos legais para tanto); 3. Medida Provisória nº. 2.172-32/01( destaque para o art. 4.º, III, desta Medida Provisória, que exclui as OSCIP’s que se dedicam ao MICROCRÉDITO das disposições relativas à pratica de usura; 4. Medida Provisória nº. 2.158-35/01, cujos artigos 59 e 60 dispõem sobre a necessidade de renovação anual da qualificação como OSCIP e estabelecem a possibilidade de que as doações feitas por empresas a entidades qualificadas sejam deduzidas na apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, na forma do art. 13 da Lei nº 9.249/95; 5. Decreto 3.100, 30 de julho de 1999 (regulamenta a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências); 6. Portaria MF nº 256, de 15 de gosto de 2002 (define a destinação de bens da União); 7. Instrução Normativa SRF n.º 44, de 2 de maio de 2001 (o anexo 1 desta instrução normativa traz modelo de declaração em que se exige a menção ao título de utilidade pública federal). Percebe-se que os aspectos relativos à tributação no terceiro setor, naquilo que se refere especificamente às entidades portadoras da qualificação de organização da sociedade civil de interesse público, ainda está em construção, de sorte que daí se pode deduzir, salvo melhor juízo, que no caso daquelas instituições já portadoras de algumas isenções e outras vantagens, que queiram se tornar OSCIP, não haverá uma “transferência” automática de tais direitos, devendo as mesmas solicitá-los de acordo com a legislação pertinente. Feito isso, acreditamos ser possível apontar, sem a pretensão de esgotar o tema, algumas vantagens e desvantagens trazidas pela Lei nº 9.790/99 para aquelas entidades que porventura optem por tal qualificação, o que se faz nos tópicos seguintes. São muitas as novidades, que doravante declinaremos como se vantagens fossem, advindas da Lei nº 9.790/99, sobretudo aquelas referentes à estruturação mesma das entidades que optarem pela qualificação de organização da sociedade civil de interesse público. Segundo a quase unanimidade dos estudiosos do tema, os grandes atrativos do título de OSCIP são o seu rápido e desburocratizado deferimento e a ampliação das áreas de atuação, que agora contemplam também novos ramos de atividades como a defesa de direitos, a proteção do meio ambiente e os modelos alternativos de crédito. Apontam ainda como importante conquista na lei a possibilidade de dedução no imposto de renda de pessoas jurídicas nas doações feitas à OSCIP’s, de sorte que, desta forma, as empresas podem contribuir com as causas sociais tendo, além do retorno de imagem, a possibilidade de abater parte do imposto de renda da sua receita bruta. Noutro sentido, a nova qualificação amplia o controle social e a transparência das entidades, já que torna obrigatórias a criação de Conselhos Fiscais, a publicação de relatórios de atividades e as demonstrações financeiras (pela OSCIP, qualquer cidadão pode requerer, em qualquer momento, a vistoria das planilhas de aplicação dos recursos. Estes dispositivos afastam qualquer possibilidade de má utilização dos recursos públicos). Um dos maiores atrativos da Lei, no entanto, é o denominado “termo de parceria”, acordado entre o poder público e a OSCIP para o fomento e a execução de projetos. Acrescente-se a isso a possibilidade de remunerar diretores e a dispensa dos registros no CNAS e declaração de utilidade pública. Não obstante isso, a questão tributária, aspecto em que a Lei praticamente silenciou, ainda continua a ser uma incógnita, razão pela qual muitas entidades têm deixado de solicitar a qualificação de OSCIP. Isso pode ser considerado no rol selecionado de desvantagens, descritos a seguir. Talvez uma das mais significantes desvantagens para aquelas entidades que desejarem obter a qualificação de organização da sociedade civil de interesse público seja o cenário nada esclarecedor quanto à questão tributária advinda da Lei que institui as OSCIP’s. Tal falta de esclarecimento se materializa na dúvida quanto à possibilidade de imunidade permanente, na possível perda dos benefícios fiscais. Nesse cenário de incertezas, aquelas entidades que já possuem outras qualificações e seus correspondentes benefícios fiscais ficam em situação delicada caso decidam, por variadas razões, aderir à qualificação de OSCIP, do que se deduz que a maior desvantagem, de fato, é a falta de informação quanto a direitos já adquiridos sob a égide de outras qualificações. Dessa forma, não adianta poder remunerar os dirigentes ou realizar termo de parceria com o Governo, por um lado, se por outro a entidade pode perder vários benefícios fiscais necessários e, até, imprescindíveis para a existência e desenvolvimento de suas atividades. 5. Conclusões Preocupou-se o referido trabalho em delinear a situação em que se encontravam as entidades que optaram ou desejassem optar pela qualificação de organização da sociedade civil de interesse público, advinda da Lei nº 9.790/99. Fez-se um corte metodológico, que foi analisar a repercussão jurídico-tributária da Lei para as entidades assim qualificadas, chegando-se à conclusão de que, sendo um mero título, a qualificação como OSCIP não possui o condão de impedir direitos que uma entidade que já possua outras qualificações tenha obtido enquanto tal, embora tenha havido, desde a entrada em vigor da Lei, várias tentativas no sentido de não garantir tais benefícios. Observou-se, ainda, que o processo jurídico-tributário de imunidades e isenções auferidas ou a serem auferidas aos pretendentes da qualificação de OSCIP ainda está em processo de negociação, tendo-se alcançado alguns avanços na legislação, mas nem por isso resultando na segurança jurídica necessária àqueles organismos que têm a pretensão de receber o título de OSCIP. Em face de tais constatações, opina-se no sentido de que aquelas instituições que funcionam sob a égide de outras qualificações não devem solicitar a qualificação de OSCIP, caso não queiram correr o risco de perder algum benefício não automaticamente assegurado por ocasião da mudança de qualificação.  Em contrapartida, para aqueles entes que estão sendo criados, dentro do contexto hodierno do terceiro setor no Brasil, a qualificação de OSCIP parece mais interessante, pela flexibilidade que proporciona e pela possibilidade de parceria com o Poder Público. Espera-se, por fim, que o Poder Público reconheça todos os direitos já assegurados na legislação anterior e não crie obstáculos para a formação nem transformação de entidades em OSCIP, dado os relevantes serviços públicos prestados por tais instituições.
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Da impossibilidade de parcelamento de dívida do simples nacional pela Lei n. 10.522/2002
O estudo que se propõe tem como intuito a análise da possibilidade do parcelamento ordinário dos débitos tributários junto à União (instituído pela Lei n. 10.522 de 2002) abranger tributos originários de dívida junto ao sistema de tributação do Simples Nacional. A questão vem sendo enfrentada pelo Judiciário, sendo inegável sua repercussão prática.
Direito Tributário
1 Introdução Importante questão a ser debatida diz respeito à possibilidade de débitos oriundos do Simples Nacional serem objeto do parcelamento ordinário de tributos federais previsto na Lei nº 10.522/2002 (BRASIL, 2002). O indigitado ato normativo cuida do parcelamento de tributos federais, enquanto os débitos apurados pelo sistema do Simples Nacional abarcam também exações estaduais e municipais. Diante de tal cenário, surge o debate que ora se propõe, que passa por questões enfrentadas pelo Judiciário, sendo relevante o estudo da reserva legal na seara tributária, bem como o da sistemática do SIMPLES NACIONAL (Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) que restou implementada pela Lei Complementar nº 123/2006 (BRASIL, 2006). Uma vez que a Lei n. 10.522/2002 não traz em seu texto permissivo expresso para incluir os débitos oriundos de dívida junto ao Simples Nacional, poderia o parcelamento em comento abranger tais dívidas sob a escusa de não haver proibição quanto a tal? Propõe-se, portanto, sucintas considerações acerca da questão para o fomento do debate acadêmico e elucidações das nuances de ordem prática. 2 Do sistema de tributação pelo Simples Nacional O legislador constituinte, ao incluir no artigo 179 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988)[1] tratamento jurídico diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte, nada mais fez que dar efetividade ao princípio da isonomia tributária, na medida em que dispõe da exata medida de desigualdade de tratamento entre sujeitos que se encontram em situações desiguais. Calham nessa esteira de raciocínio as ilustres palavras de Dirley da Cunha Júnior (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 638): Em suma, as Constituições do mundo civilizado prescrevem que todos são iguais perante a lei, abraçando a igualdade formal, que determina que tanto o legislador quanto o aplicador da lei tratem igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualem. Portanto, há de se identificar um elemento discriminador válido a ensejar o tratamento especial para o pleno exercício da igualdade. O critério discriminatório deve, portanto, ostentar caráter racional, bem como lógica em seu fundamento, na medida em que consagre valor protegido pelo próprio texto constitucional. Nesse sentido, a igualdade tributária almeja a mais justa repartição do ônus fiscal. Nesse diapasão, o normativo constitucional acima referido encontra sustentáculo tanto na diferença que se verifica na capacidade contributiva entre as microempresas e as empresas de pequeno porte e as médias e de grande porte, como também no fato das primeiras serem responsáveis pela maior empregabilidade no País, necessitando de proteção do Estado para que possa concorrer numa economia de mercado. A Lei Complementar n. 123/2006 (BRASIL, 2006), tirando seu fundamento da autorização constitucional, inaugura o Simples Nacional (Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), trazendo regras gerais de tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte nos âmbitos dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Município. Por tal sistemática, a diferenciação de tratamento no campo tributário é verificada na forma de apuração e recolhimento de grande parte dos impostos e contribuições da União, do ICMS estadual e distrital e do ISS municipal e distrital, por meio de um regime único de arrecadação e de obrigações acessórias. Consequentemente, os optantes pelo Simples farão mensalmente um único pagamento, resultante de cálculo obtido por meio de um percentual progressivo sobre sua receita bruta. Restam inclusos na sistemática de recolhimento ora tratada os seguintes tributos: Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS),  Contribuição para o PIS/Pasep, Contribuição Patronal Previdenciária – CPP para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, exceto no caso da microempresa e da empresa de pequeno porte que se dedique às atividades de prestação de determinados serviços, Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). [2] Dessa forma, o Simples Nacional configura-se como um regime simplificado e favorecido, cujo fim é reduzir a burocracia e a carga tributária que recaem sobre as microempresas e empresas de pequeno porte, possibilitando a apuração e recolhimento de tributos federais, estaduais e municipais conjuntamente. 3 Do parcelamento instituído pela Lei n. 10.522/2002 O parcelamento de tributos visa a criar condições de ordem prática para que os contribuintes em situação de inadimplência possam retornar à regularidade, configurando típica medida de política fiscal para recuperação de créditos. Ocorre que o parcelamento obedecerá à forma e condições estabelecidas em lei específica, nos estritos termos do artigo 155-A do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966).[3] O parcelamento é modalidade de suspensão do crédito tributário e somente pode ser deferido ou indeferido pela autoridade competente nos termos do quedeterminar a lei tributária.
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A imunidade fiscal das entidades sindicais. Imóveis destinados ao lazer complementar nos termos do artigo 6º da Lex Legum. A necessária extensão da imunidade fiscal aos imóveis afeitos às funções sociais das entidades sindicais dos trabalhadores
O presente artigo versa sobre a extensão da imunidade tributária das entidades sindicais de trabalhadores à luz do artigo 150, VI, “c”, bem como do artigo 6º, ambos da Constituição Federal de 1.988.
Direito Tributário
1. Introdução: O presente estudo pretende cuidar da necessária extensão da imunidade fiscal, garantida pelo artigo 150, VI, “c” da Constituição Federal, o que vem, em grande medida, sido negado pelas Cortes de Justiça do País, bem como da necessidade de, para o atendimento da norma constitucional primeva, se instituir pelo STF, a interpretação correta à matéria. 2. A Imunidade Tributária. O artigo 150 da Lei Maior estatui as imunidades fiscais e tributárias, fazendo-o de forma não taxativa, haja vista as menções à mesma nos artigos 153, 155, 156 e 184, em alguns dos quais, inclusive,  erroneamente, se a grafa por isenção, bem como no Art. 5º, XXXIV e LXXVI. Transcrevemos a seguir naquilo que interessa o Art. 150, senão vejamos: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao  contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: (…) c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; (…) § 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” Na conceituação do professor Eduardo Jardim [1], imunidade é a “não incidência tributária constitucionalizada”, para a professora Regina Helena Costa [2] é ela “a exoneração, fixada constitucionalmente, traduzida em norma expressa impeditiva da atribuição de competência tributária ou extraível, necessariamente, de um ou mais princípios constitucionais, que confere direito público subjetivo a certas pessoas, nos termos por ela delimitados, de não se sujeitarem à tributação”. As imunidades são, portanto, um afastamento, peculiar ao direito brasileiro, visto não existirem senão em nosso sistema, por razões políticas ou subjetivas, ao poder de tributar do Estado. As primeiras imunidades se consagraram no direito pátrio na Carta de 1934, tendo sido gradualmente aumentadas até a presente versão. As imunidades foram concebidas com um viés político social, visando afastar da tributação algumas pessoas que, ou por um enquadramento subjetivo, ou pela função que desempenham dentro do sistema da nação deveriam manter-se alijadas da incumbência tributária. Roque Antonio Carrazza a seu turno ministra: “a norma imunizante não tem apenas a função de delimitar a competência tributária, senão que também outorga ao imune o direito público subjetivo de não sofrer a ação tributária do Estado. A norma imunizante, portanto, tem o duplo papel de fixar a competência tributária e de conferir ao seu destinatário um direito público subjetivo, razão que permite sua caracterização, no que diz com a outorga de um direito subjetivo, como norma jurídica atributiva, por conferir ao imune o direito referido” [3] Exatamente neste ensejo as imunidades que atingem as entidades sindicais dos trabalhadores surgiram, ou seja, atendendo a natureza política dos sindicatos que no artigo 8º da Constituição encontram guarida das normas que se lhes fundam. A imunidade em questão é de cunho subjetivo e político e visa resguardar meios para que os sindicatos possam executar as funções sociais que lhes são pela Norma Fundamental atribuídas. Assim, a eles cabe a defesa dos trabalhadores quanto a seus interesses, sejam individuais ou coletivos ante os diversos órgãos e entidades do País. Também cabe aos sindicatos, toda a negociação que necessária se faz, anualmente, no sentido de ajustamento de valores mínimos (piso) de remuneração por categoria, fiscalização de condições de trabalho e representação das ilegalidades encontradas ante os Órgãos de controle específicos. Cabem ainda às confederações sindicais, órgãos sindicais de terceira categoria, a legitimação para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade. 3. A Função social como embasador da imunidade: O motivo da atribuição da imunidade repousa justamente na facilitação aos sindicatos, com a diminuição do comprometimento de suas receitas, à prestação de suas inúmeras funções sociais, às quais, não raro, se somam fornecimento de lazer aos trabalhadores daquela categoria propiciando-lhes, não só condições de hospedagem e alimentação como também meios de utilização de equipamentos públicos destinados ao Lazer. Para tanto inúmeros sindicatos mantém colônias de férias e outros equipamentos destinados exclusivamente ao lazer dos empregados que representam na categoria específica de sua atuação. Assim o é que as entidades sindicais atuam em complemento aos órgãos públicos, no sentido do cumprimento ao direito fundamental ao Lazer, expresso no artigo 6º da Constituição Federal que proclama: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)” Todavia, o que é certo e pacífico no mister principal de sua atividade, ou seja, as exações não incidem em suas sedes por força da imunidade, aqui é motivo de inúmeras discussões, isto porque não raro as municipalidades onde se localizam este estabelecimento – Colônias de Férias – que dificilmente serão àquelas das localizações das sedes dos sindicatos, não raro sendo, inclusive, distantes até das bases sindicais (zonas de atuação legalmente a eles atribuídas), insistem em cobrar das entidades exações como o IPTU arguindo como base que o imóvel não pode ser imune justamente porque não se destina à prestação das funções típicas dos sindicatos. Atento a estes entendimentos, Ives Gandra Martins já destacava a ilegalidade de interpretações restritivas. Vejamos, pois: “a lei só cabe, relativamente ao IPTU, o estabelecimento de normas adjetivas. Inválidas as que, a pretexto de estabelecer requisitos, restrinjam seu alcance, estabelecendo condições não previstas na Constituição, mutilando a imunidade conferida ao seu patrimônio. Nem mesmo a expressão “relacionados coma as finalidades essenciais das entidades… consoante do parágrafo 4º do art. 150, é autorizadora de circunscrições incabidas.” (…) “Interpretação prestigiadora dos princípios constitucionais exige que todos os imóveis dessas entidades fiquem imunes ao IPTU.”  [4] No meio judicial, muitas vezes e de forma equivocada ao nosso pensar, os tribunais abraçam a tese restritiva ventilada, pois não analisam a situação de forma sistemática, entendendo portanto que o lazer não é função essencial dos sindicatos. Neste sentido podemos conferir as seguintes ementas: “IMUNIDADE TRIBUTARIA – Ação anulatória – Sindicato – Imóvel usado como colônia de férias – Imunidade tributária reconhecida – Impossibilidade – Inteligência do art. 150, § 4º, da CF/1988 – Precedente do STF: – Imóvel de entidade de classe utilizado como colônia de férias para seus associados não é imune à tributação, uma vez que o lazer não é considerado sua finalidade essencial. Recurso provido.[5] AÇÃO ANULATÓRIA C.C. PEDIDO DE REPETIÇÃO – IPTU – Exercício de 2005 – Município de Praia Grande – Imunidade tributária – Sindicato – Falta de provas do atendimento aos requisitos do artigo 14 do CTN – Imóvel, ademais, destinado à colônia de férias – Descabimento – Finalidade não essencial da referida entidade – Inobservância do artigo, §4°, da CF – Precedentes desta C. Câmara – Validade do lançamento – Sentença mantida – Apelo improvido.[6]   IMUNIDADE – IPTU – Exercício de 2004 – Entidade sindical – Imunidade concedida por mandamento constitucional, independentemente de qualquer requerimento de isenção ao poder tributante – Artigo 150, inciso VI, alínea “c” – Hipótese em que, somente no caso de desvio de finalidade constatado mediante prova produzida pela Municipalidade, poderia a imunidade ser revogada – Verba honorária corretamente fixada segundo apreciação equitativa com base no artigo 20, §§ 3o e 4o, do CPC – Ação procedente – Sentença mantida – Recursos de ofício, da Municipalidade e adesivo do autor desprovidos.[7] No Supremo Tribunal Federal, o entendimento não é diferente: “EMENTA: Sindicato. Colônia de férias. Inexistência de imunidade tributária por não ser o patrimônio ligado às finalidades essenciais do sindicato. Recurso extraordinário: descabimento. 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que no recurso extraordinário devem ser considerados os fatos da causa “na versão do acórdão recorrido”. 2. Afirmado pelo acórdão recorrido que a colônia de férias não é destinada às finalidades essenciais do sindicato, para se chegar a entendimento diverso seria necessário o reexame dos fatos e das provas, inadmissível no recurso extraordinário (Súmula 279).[8] O voto vencido lançado no acórdão do processo 994.05.151127-0 (citado à Nota 5) supra, de lavra do desembargador JOSÉ GONÇALVES ROSTEY em nossa linha de raciocínio apreendeu a incidência do art. 6º da CF, vejamos: “Ouso divergir da Douta Maioria, entendendo que o recurso da Municipalidade não comporta provimento. O autor é entidade sindical, sem fins lucrativos e, portanto, prestando serviços aos seus associados e membros da categoria profissional que representa , goza, desde sua constituição, do privilégio da imunidade conferida pelo artigo 150 da Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, ê vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI- instituir impostos sobre: c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; Não se trata de isenção concedida por lei municipal, mas de imunidade deferida pela Constituição Federal e, dessa forma, existe a presunção legal de que a entidade atende aos requisitos legais previstos no Código Tributário Nacional para, como tal, gozar do benefício constitucional. Nesse passo, diante dessa presunção, compete à Municipalidade a demonstração de que a beneficiária não cumpriu os requisitos estabelecidos no artigo 14 do Código Tributário Nacional, única hipótese em que estaria ela autoriza a suspender a aplicação do benefício. Portanto, à míngua de qualquer demonstração em contrário, tem-se que a entidade sindical atende a todos os preceitos legais aplicáveis ao caso em tela. Com efeito, o benefício constitucional da imunidade é concedido independentemente de qualquer requerimento de isenção ao poder tributante, bastando que a parte interessada comprove tratar-se de uma das entidades beneficiadas. Se o autor é entidade sindical, não há como negar o seu direito de ver a imunidade a ela reservada pela Lei Maior aplicada a todo seu patrimônio. Em seu “Direito Municipal Brasileiro”, Helly Lopes Meirelles esclarece que a imunidade é a não incidência da tributação por mandamento constitucional, não podendo ser contrariada, restringida ou ampliada por lei ordinária. Sendo um mandamento da Constituição Federal, é de atendimento obrigatório por todas as entidades tributantes — União, Estados-membros e Municípios -, que jamais poderão desconhecê-la ou desaplicá-la. Assim sendo, o que existe, na realidade, é a presunção de que, a priori, todo o patrimônio do sindicato é destinado às suas finalidades essenciais, sendo desnecessário pleitear qualquer reconhecimento de tal imunidade junto à municipalidade. Tendo em vista o disposto no parágrafo 4º do artigo 150 da Constituição Federal, para o caso de haver indícios de que não estão sendo cumpridos os requisitos legais, cabe ao fisco, no uso de seu poder de polícia, providenciar tal constatação e tomar as providências cabíveis. No entanto, não há nos autos qualquer prova que pudesse, de fato, levar ao não reconhecimento da imunidade. Portanto, não havendo provas de que o autor não cumpriu os requisitos do Código Tributário Nacional, inadmissível a exigência do IPTU no caso dos autos, por tratar-se de imunidade decorrente diretamente de norma constitucional (art. 150, VI, “c” da Constituição Federal), não estando o autor sujeito ao deferimento administrativo prévio por parte da Municipalidade. Outrossim, não procede o argumento de que a manutenção de colônia de férias não atende às finalidades essenciais do sindicato, eis que o imóvel em questão possui finalidade social e associativa, de forma que atende aos fins sociais da entidade na promoção de assistência e lazer aos associados, o que encontra amparo no artigo 6º da Constituição Federal: “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Também dispõe o art. 514 da CLT: “Art. 514. São deveres dos sindicatos: a) colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social.” Tem-se, pois, que, ao manter colônia de férias para os associados, está protegendo o direito social ao lazer da categoria, assegurado pela Constituição Federal e cumprindo dever previsto em lei. Em outras oportunidades a questão já foi analisada sob tal aspecto, concluindo-se que a atividade social dos sindicatos se enquadra dentre as consideradas essenciais às suas finalidades. Assim, por tudo quanto exposto, entendo que a sentença deve ser mantida por seus próprios fundamentos, inclusive quanto à verba honorária, eis que fixada com equidade e observância dos critérios estabelecidos nas letras “a”, “b” e “c” do § 3o do artigo 20 do Código de Processo Civil, bem como de seu § 4º. Isto posto, pelo meu voto, NEGAVA provimento ao apelo da Municipalidade.” [9] Nesta mesma linha de raciocínio se encontra o seguinte acórdão do Tribunal paulista: “EMENTA IMPOSTO- Imunidade – Extensão a imóvel destinado a colônia de férias mantida por federação de trabalhadores – Possibilidade – Inclusão dentre as finalidades essenciais da entidade, nos termos da Constituição Federal – Recurso provido para conceder a segurança pleiteada.[10] Do corpo desta decisão cabe destacar: “(…) Se houve a real intenção do legislador de privilegiar através da imunidade tributária, os entes que não busquem, preferencialmente, o lucro, por óbvio, teve em mira o objetivo da entidade, exonerando-a do pagamento de tributos na modalidade de impostos, a fim de que não desapegasse da finalidade social. E onde o constituinte não restringiu, ou excepcionou, não caberá ao legislador ordinário fazê-lo. A interpretação das imunidades tributárias não pode ser feita de forma restritiva, sob pena de violar a Constituição.”  (…) “Aliás, é a própria Carta Magna que preceitua, no inciso III do art. 8º, que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas E não esqueçamos de que o lazer elenca o rol dos direitos sociais garantidos pela Lei Maior (art. 6º, “caput”) e que, não obstante ser um direito de todos, ao menos aos sindicalizados encontra-se viabilizado graças à colaboração da recorrente ” [11] Igualmente se observa: “EMENTA IMPOSTO – PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – Incidência sobre colônia de férias do Sindicato dos Trabalhadores. Imóvel destinado ao lazer com “objetivo social amparado pela Constituição. Legitimidade da imunidade. Recursos improvidos.[12]” Aqui, novamente destacamos, por interessante ao estudo, o seguinte excerto: “O “objetivo social” do sindicato engloba não só a defesa da classe, mas também essas atividades essenciais, às quais se poderia até incluir o lazer e o ensino. Oportuno, ainda, o seguinte precedente jurisprudencial: “Vê-se, então, que os deveres do sindicato no sentido de ‘colaborar com os poderes públicos, no desenvolvimento da solidariedade social’ (art. 514, “a”, da CLT) podem importar em atividade destinada a promover a obtenção dos ‘direitos sociais’ consagrados na Constituição (art. sexto), muitas vezes sonegados aos trabalhadores. Nesta linha, não se questiona o dever do sindicato de ‘promover a fundação de cooperativa de consumo e de crédito’ e ‘ fundar escolas de alfabetização e pré-vocacionais, porque especificamente previstos em lei (art. 514 e parágrafo único da CLT). Essas atividades são dirigidas aos ditos direitos sociais à educação e saúde. Mas não se pode olvidar que o ‘lazer’ é também direito social expressamente previsto na Constituição Federal (art. sexto). De outra parte, as atividades custeadas pelas contribuições sindicais, a toda evidência, são relacionadas com as ditas finalidades essenciais. Assim, todas as atividades sindicais, com objetivos previstos no art. 592 da CLT, são atividades vinculadas aos direitos sociais estabelecidos no citado art. sexto da Constituição Federal”[13] Também do mesmo tribunal se extrai: “EMENTA Tributo – IPTU – Município de São Paulo – Imunidade – Entidade sindical de trabalhadores – Aplicabilidade do art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição Federal, que recepcionou a norma do artigo 14, do CTN – Reconhecimento da imunidade tributária, apesar de o imóvel ser destinado a colônia de férias, por se incluir, o lazer dentre as atividades essenciais do sindicato – Inteligência dos artigos 6º e 7º, XVII, da Constituição Federal, c.c. artigo 514, a, da CLT – Procedência da ação anulatória reconhecida, para desconstituir o lançamento do imposto – Reexame necessário e apelação improvidos.[14] Donde destacamos o seguinte entrecho: “Incontroversa a afirmativa de que o imóvel é destinado à colônia de férias dos sindicalizados, surge a necessidade de aquilatar se essa utilização se enquadra no âmbito das atividades essenciais do sindicato. Desde logo, aponta-se que a Constituição Federal, em seu artigo 6º., considera direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à infância, e a assistência aos desamparado. No elenco do artigo 7º, o legislador constituinte estabeleceu, dentre os direitos dos trabalhadores, o gozo de férias anuais remuneradas. Já o artigo 514 da Consolidação das Leis do Trabalho, inclui entre os deveres dos sindicatos, o de “colaborar com os poderes públicos no desenvolvimento da solidariedade social” O descanso e o lazer também devem fazer parte da vida de qualquer trabalhador, traduzindo-se como necessidade para compensar p grande desgaste físico e mental propiciado pelas condições de trabalho nos dias atuais. De acordo com os objetivos traçados pela Constituição Federal, ao Estado cabe, essencialmente, propiciar os meios necessários para permitir a todos, indistintamente, a satisfação dos direitos sociais. E aos sindicatos, por força de atribuição legal expressa, cabe a tarefa de colaborar com o Estado na tarefa de alcançar este objetivo (…) “(…) Assim sendo, não há como deixar de reconhecer que a atividade de lazer também se inclui dentre as finalidades essenciais do sindicato. E daí decorre, naturalmente, a conclusão de que existe imunidade em favor do apelado.(…)”[15] Ora, considerando-se que a própria Carta Magna já estipula ser, inclusive dever estatal o bem estar individual, por óbvio o lazer faz parte desta condição, tornando-se, também bastante razoável a premissa elencada pelo douto desembargador acima relacionado. 4. A guisa de conclusão, a solução do conflito: Assistimos a um conflito, por esta óptica, de cunho constitucional o qual, oportunamente deverá ser elucidado pelo Guardião Supremo da Constituição. Há dois caminhos viáveis para tanto, um deles individual, que trilha o exercício do Mandado de Segurança no âmbito de cada sindicato afetado pela exação, esgotando a jurisdição ante o Pretório Excelso, contudo parece-nos mais adequado o exercício de uma solução coletiva, através da interposição de uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), no caso a que conflita com a norma do artigo 6º da CF, associada àquela do art. 150, VI, c, a ser proposta por alguma das confederações sindicais, todas elas legitimadas para o exercício do remédio. A solução, como um todo urge aos organismos sindicais e às municipalidades envolvidas ainda que por mais não seja, para desafogo do Judiciário.
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A Imunidade Constitucional Tributária e o leitor digital de livros: E-reader
A internetwork, ou simplesmente, internet, realizou o impossível há cinquenta anos: tornar a sociedade simultânea aos acontecimentos. Hoje, em apenas um dispositivo que mede centímetros pode-se ter o mundo inteiro, e portá-lo de modo confortável. O advento do leitor digital de livros conferiu mais mobilidade à vida humana, mas trouxe consigo inúmeras controvérsias, tais qual a aplicação da imunidade do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, que exonera de impostos os livros e o papel, ao suporte digital de leitura, na medida em que apresenta funcionalidades que vão muito além do prazeroso hábito de folhear um livro.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A modernidade e o direito não se conjugam. De um lado, os grandes avanços tecnológicos demandam interpretações rápidas e precisas. De outro, o direito exige longos debates, dificultando à legislação acompanhar, em tempo real, as novidades trazidas na sociedade, principalmente após o Século XX. A sociedade atravessou a era agrícola, a era industrial, chegando, finalmente, à era da informação e do conhecimento. O direito, que antes protegia a propriedade e a produção, hoje, tutela a informação – um bem impalpável e controverso. Com isso, o homem contemporâneo emergiu para uma sociedade em que o veículo principal, antes constituído por prótons, passou ao conceito binário – o bit. Com isso, hábitos modificaram-se, exigindo uma resposta contemporânea e eficaz do direito. Uma dessas mudanças vem sendo verificada no hábito da leitura. Ontem, era o papiro; hoje, o suporte é um dispositivo digital que permite a leitura de livros, elementos tutelados pela Constituição Federal e sobre os quais paira a imunidade tributária, no sentido de assegurar a disseminação do conhecimento humano e a liberdade de expressão. O presente estudo tem o objetivo de trazer à discussão um conceito contemporâneo, e que promete revolucionar na medida em que proporciona comodidade e economia e cumpre com o objetivo constitucional de difundir a cultura, o conhecimento e de agregar base para a liberdade de expressão, e que também permite ao seu usuário outras funcionalidades não incluídas no rol constitucional de exonerações fiscais. Usando-se de uma metodologia indutiva, por meio de uma abordagem qualitativa, iniciará tratando da própria imunidade constitucional tributária, do seu significado a sua finalidade primordial. Em seguida, fará uma breve abordagem sobre o conceito de livro e os seus diversos tipos de suporte, desde o surgimento dos escritos pré-históricos. Em um último momento, será abordada a aplicação da norma constitucional imunizante aos novos conceitos de tecnologia, mormente o leitor digital de livros, conceito inédito no Brasil, e que tende a inúmeros debates legislativos, doutrinários e jurisprudenciais, uma vez que não se limita, apenas, à leitura textual. 1. O princípio da imunidade tributária 1.1 Conceito e evolução histórica O Estado, no exercício de sua soberania, impõe aos cidadãos o recolhimento de recursos financeiros visando a atender suas políticas públicas. Para tanto, a Constituição Federal deferiu à União, ao Distrito Federal e aos Estados e Municípios poder para tributar, consistente na competência para instituir tributos à vista da realização de situações previstas na legislação. A Constituição que confere competências aos entes federados para criar tributos também os limita com o objetivo de equacionar o poder que o Estado possui de invadir a esfera econômica do contribuinte, e este de exercer sua qualidade de sujeito de direito. Consistentes em verdadeiras “Limitações ao Poder de Tributar”, manifestam-se mais explicitamente por meio de princípios constitucionais tributários e de imunidades tributárias, que se distinguem, entre si,  no conceito. Tanto é assim que, embora seus objetos se confundam – o poder de tributar -, a Constituição Federal distintamente lhes faz referência. Marco Aurélio Greco (2003, p. 165) ensina que o principio traz diretrizes positivas traçadas conforme a vontade do constituinte, no sentido de informar os padrões a serem amplamente aplicados no exercício do poder de tributar[1]. Diferentemente, as limitações veiculam atribuições de cunho proibitivo, negando maior ação ao legislado e condicionado o poder tributante. O presente estudo limita-se à abordagem da imunidade tributária que, segundo Luciano Amaro (2009, p. 106), consiste em uma técnica de retirar do campo da competência tributária determinados tributos em razão de situações excepcionais, fixando limites que, uma vez ultrapassados, imprimem inexistência à norma de competência.  Ives Gandra da Silva Martins (2003, p. 121), sobre a imunidade, esclarece que “das seis formas desonerativas da imposição tributária, é a única que se coloca fora do alcance do poder tributante, não havendo nascimento nem da obrigação, nem do crédito tributário, por determinação superior.” Em um conceito bem simplificado, Alexandre de Moraes (2007, p. 836) ensina que imunidade tributária “consiste no impedimento constitucional absoluto à incidência da norma tributária, pois restringe as dimensões do campo tributário da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” As imunidades, portanto, são regras da Constituição Federal (art. 150, VI) que limitam o poder do Estado afastando-o da competência para instituir impostos. A Constituição traça fronteiras para a manifestação do poder de tributar, vedando a instituição de tributos, sob pena do não reconhecimento da lei tributante violadora da norma constitucional. Traçando um breve retrospecto, importante dizer que a atividade de tributar na antiguidade representava o poder da realeza e sua dominação geográfica sobre os seus súditos e riquezas, indistintamente. No Império Romano havia institutos que recaíam sobre determinadas pessoas ou situações, retirando-lhes o encargo de pagar tributos. Dessa época, registra-se a desoneração de templos religiosos, justificado pelo poder que a Igreja exercia sobre a realeza, e de bens públicos, introduzindo na seara das imunidades o modelo de reciprocidade tributária entre as pessoas políticas, como no modelo atual. Na Idade Média, os tributos oneravam sobremaneira e abusivamente os súditos. Isso porque, nessa época, os fatores econômicos não eram levados em conta ao recolher tributos, mas o caráter político e vinculado entre o rei, a nobreza e a igreja. Regina Helena Costa (2006, p. 26), citando Rosa Maria Garcia Barros, argumenta que: “Nessa época, ‘em total confronto com os princípios consagrados posteriormente no Estado Liberal, quais sejam, os da universalidade e da capacidade contributiva, eram os mais abonados que gozavam do privilégio da imunidade’. A imunidade, assim, significava um autêntico privilégio dos nobres e da Igreja frente ao poder do Rei.” Contudo, a concessão de privilégios fiscais a uma minoria foi perdendo peso e, consequentemente, desfragmentando-se com a Revolução Francesa, em 1789, diante dos protestos da burguesia que pleiteava isonomia e imparcialidade na concessão de benefícios fiscais embasada em um ideal de justiça e capacidade econômica. Passou-se, pois, de um cenário no qual se exigia o pagamento de impostos aos pobres – em benefício dos mais abastardos, para uma verdadeira democratização das imunidades, deixando estas, segundo Regina Helena Costa (2006), de representar apenas privilégios a poucos para figurar como garantia na diferenciação da exigência do tributo. A imunidade tributária no Brasil foi ganhando relevo ao longo das Constituições Brasileiras na medida em que incluíam no seu rol novas categorias de pessoas ou circunstâncias. Destacando os pontos mais relevantes das Constituições Brasileiras, tem-se o surgimento das normas de imunidade no ordenamento pátrio em 1824, quando a Carta Constitucional modelou o que, atualmente, é conhecido como princípio da capacidade contributiva, e dispôs sobre as imunidades fiscais. A imunidade recíproca foi reconhecida entre a União e os Estados-membros pela Constituição de 1891, e a vedação ao embaraço aos cultos religiosos foi reiterada no Texto de 1934, que destacava, também, a imunidade sobre os impostos afetos a profissionais escritores, jornalistas e professores. A Constituição de 1937 estendeu a imunidade recíproca aos Municípios. Todavia, foi  na Constituição de 1946 que ganhou importância legislativa  a exoneração tributária do papel destinado à impressão de jornais, periódicos e livros, citado no art. 31, V, “c”, daquele Texto Maior. A Constituição de 1967 manteve a disposição do ordenamento anterior; porém, a imunidade, antes conferida apenas ao papel, foi estendida aos bens a que servia de suporte –  jornais, livros e periódicos -, ampliando o rol de situações imunizadas. Com o advento, em 1988, da atual Constituição Federal, as imunidades tributárias se consolidaram, formando um rol de situações e pessoas que gozam de uma justiça contributiva, que exalta o princípio da isonomia no ordenamento fiscal. 1.2 Finalidade e alcance da norma constitucional imunizante As imunidades tributárias, transcendendo aos conceitos de incentivo ou privilégios fiscais vigente na antiguidade, e visando à garantia dos valores constitucionais, não significam apenas renúncias fiscais.  Hoje, as imunidades representam fato de absoluto interesse nacional na medida em que, retirando o poder do Estado de criar tributos, não permitem sequer o nascimento da obrigação tributária e, consequentemente, do crédito dela decorrente. Fundamentam-se na obrigação do Estado em preservar valores que representam a razão de existir de determinados direitos inerentes às pessoas; ou, manifestando-se por meio da não-incidência sobre determinadas circunstâncias, reforçam o conceito de não-privação de determinados institutos jurídicos, em prol da sua continuidade. Nesse sentido, Luciano Amaro (2009, p. 151) bem explica que: “O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão etc.), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independentemente de existência dessa capacidade, a não-tributabilidade das pessoas ou situações imunes.” Também importantes são as considerações de Ari Timóteo dos Reis Junior (2010), ao entender que “ao contemplar hipóteses de imunidade, quis a Constituição garantir a efetividade de múltiplos valores consagrados pela sociedade sob a forma de princípios”. Adiante, Ives Gandra da Silva Martins (2003, p. 122), ensina: “É que a imunidade, nas hipóteses constitucionais, constitui o instrumento que o constituinte considerou fundamental para, de um lado, manter a democracia, a liberdade de expressão e ação dos cidadãos e, por outro lado, de atrair os cidadãos a colaborarem com o Estado, nas suas atividades essenciais, em que, muitas vezes, o próprio Estado atual mal ou insuficientemente” […]. É visível, portanto, a preocupação da doutrina em afastar quaisquer intervenções estatais que resultem, não só em onerar sobremaneira determinados bens, fatos ou pessoas – a ponto de comprometerem o exercício efetivo de princípios infirmados na Constituição Federal -, mas, também, na proteção do exercício de liberdade e na continuidade do Estado. Para Regina Helena Costa (2006, p. 115), “a interpretação da norma imunizante dever ser efetuada de molde a efetivar o princípio ou liberdade por ela densificado”, e complementa a autora, na mesma oportunidade, que “o alcance da norma deve se conformar com a eficácia do princípio ou liberdade”. Isso quer dizer que não importa, tão somente, o sentido da norma imunizante, mas da sua interpretação em consonância com do direito fundamental a que deve proteger. Assim, dada a dinâmica dos fatos sociais, o intérprete da norma imunizante precisa adotá-la de modo a dar concretude, ao longo do tempo, ao valor nela abrigado. Do contrário, corre-se o risco de retirar a eficácia objetivada pelo constituinte, que é dar proteção a fundamentos essenciais à sociedade e à manutenção da democracia e, consequentemente, das liberdades, estendendo seu condicionamento a uma interpretação adequada. Em um estudo realizado acerca da interpretação das imunidades tributárias, Ana Caroline Kruger de Lima Leopoldo (2010, p. 25) entende sê-las passíveis de interpretação ampliativa. Nesse passo, Regina Helena Costa (2006, p. 111), considerando ser a interpretação uma atividade cujo objetivo é identificar o conteúdo, o alcance e o significado de uma norma jurídica, de modo a antecedê-la e ampliá-la, apresenta quatro aspectos que, segundo a autora, repercutem nas normas constitucionais: “1) sua superioridade hierárquica em relação às demais normas; 2) a natureza da linguagem por elas empregada; 3) o conteúdo específico que abrigam; e 4) seu caráter essencialmente político”. Conclui a mesma autora (2006, p. 116) que “apresenta-se, então, superado, o entendimento segundo o qual a interpretação deve ser estrita e literal, pois, como garantia constitucional que é, a norma imunizante merece ser interpretada generosamente. Feitas tais considerações, resta identificar, mais à diante, o que o legislador quis alcançar com o enunciado do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, ao declarar imunes os livros, jornais e periódicos e o papel que lhes serve de suporte. Atendo-se ao livro, importa esclarecer se, assim como o papel enquanto suporte, os meios digitais, em voga na sociedade atual, são capazes de atrair a intenção do legislador e abarcar a imunidade tributária. Afinal, o livro não mais é, exclusivamente, escrito sobre prótons, mas, também, por meio de bytes. 3. O suporte do livro e a sua imunidade tributária A história do livro e de seus suportes é tão antiga quanto à da humanidade, e impressiona tanto pela audácia de seus elementos constituintes, ao logo do tempo, como pela sua finalidade: difundir conhecimento e assegurar liberdade de expressão. O suporte, para representação de um texto compilado em formato de livro – suporte textual -, constitui uma ordenação na qual é impressa a história das várias sociedades ou de fatos que  permitam a comunicação. Segundo o Dicionário Aurélio (2009), suporte é “aquilo em que algo se firma ou se assenta”, significando, pois, uma espécie de superfície na qual algo, ideia ou conceito encontra-se baseado. Luiz Antonio Marcuschi (2003), leciona ser o suporte “um locus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como texto”, complementando que deve  ser  algo  “real” e “específico”, sendo sua função primordial “fixar  o  texto  e  assim  torná-lo  acessível  para  fins comunicativos”. O suporte tem suas bases formadas em um elemento que dá concretude às ideias de modo a torná-las inteligíveis, especificamente voltado para acomodar textos de forma permanente, e sua função é tornar acessível a difusão do conhecimento. Alguns autores têm o cuidado de identificá-lo como algo físico no seu sentido literal, palpável, como Benedito Gomes Bezerra (2006), que aponta alguns suportes, como a pedra, o papiro e o pergaminho, conforme se verifica no texto abaixo: “Diversos tipos de material foram utilizados para a escrita no mundo antigo: tábuas de argila, pedra, osso, madeira, couro, metais diversos, fragmentos de cerâmica (ostraca), papiro e pergaminho. No entanto, de todos esses materiais, os mais eficazes para a feitura de  documentos que pudessem ser manuseados e transportados até o leitor/ouvinte foram, num primeiro momento, as tábuas de argila e depois o papiro e o pergaminho.” O conhecimento era transmitido, ainda na pré-história, quando o homem, de modo não ordenado, reproduzia nas paredes das cavernas o seu cotidiano, lutas e conquistas, por meio de pinturas rupestres, que são “grafismos feitos na rocha” (ARNT, 2002, p. 8). Aproximadamente 4000 a.C, os Sumérios, utilizando-se de placas de argila, deram ao mundo a escrita cuneiforme, que consistia em “certos tipos de escrita feitos com auxílio de glifos em formato de cunha”[2]. Seguiram-se os Egípcios que, com sua escrita hieroglífica, ainda sob uma base de pedra, reproduziam mensagens ou contavam as histórias e crenças dos faraós. No Egito antigo, às margens do Rio Nilo, cultuava-se uma planta, da família das Cyperaceas, de cuja haste adveio a matéria-prima do papiro. A ilustrar sua importância: “Como papel ele foi adoptado pelos gregos, romanos, coptas, bizantinos, arameus e árabes. Grande parte da literatura grega e latina chegou até nós em papiros. Ele continuou a ser utilizado até a Idade Média, sendo que uma bula papal datada do ano 1022 da era cristã ainda foi escrita sobre aquele material”.[3] Sucedendo o papiro, e largamente utilizado na Idade Média, o pergaminho (do latim pergamina ou pergamena), produzido a partir da pele de animal (cabra, cordeiro ou carneiro), após passar por processo de preparação, servia de base para monges copistas se dedicarem integralmente ao ofício de transcrever imensas obras para esse tipo suporte, como se vê adiante: “A característica mais marcante da Idade Média é o surgimento dos monges copistas, homens dedicados em período integral a reproduzir as obras, herdeiros dos escribas egípcios ou dos libraii romanos. Nos monastérios era conservada a cultura da Antiguidade. Apareceram nessa época os textos didáticos, destinados à formação dos religiosos. Esses ambientes acabaram se tornando verdadeiras produções em massa de livros manuscritos.”[4] O pergaminho mostrou-se mais resistente que o papiro, e, por conseguinte, apresentava maior vida útil. Também era mais fácil costurar o pergaminho em códices[5], uma vantagem não apresentada pelo papiro que se dissolvia rapidamente, e passou à escassez quando um cenário político de conflitos externos obstou sua importação. Depois disso, há aproximadamente 2000 anos, surgiu o papel. Fabricado a partir do córtex das plantas, e largamente difundido na China, inspirou os Árabes, tempos mais tarde, a fundarem a primeira fábrica de papéis. O papel ganhou força com a invenção que mudaria completamente a história da escrita: aperfeiçoado pelo alemão Johann Gutenberg, no Século XV, o “tipógrafo” conferiu maior rapidez à transcrição de livros, atividade antes conferida aos monges copistas. Importante esse breve discurso histórico para demonstrar a transformação dos diversos suportes utilizados para a transcrição textual, que passou da forma rudimentar a invenções de ponta que facilitam a vida da sociedade moderna, sem perder seu fundamento principal. Muitos anos após o surgimento do papel, o advento do computador e de seus periféricos trouxe, principalmente para o Século XX, uma nova forma de imprimir textos – usou-se da tecnologia da informática para criar o disquete e o CD-ROM[6]. A evolução dessa tecnologia resultou em um dispositivo telemático (compilação de recursos da informática e da telecomunicação) que possibilita o armazenamento de inúmeros títulos literários, adquiridos por meio da internet[7]. Denominado leitor digital de livros, ou, simplesmente, e-reader, chegou ao Brasil em 2009, importado por uma empresa virtual norte-americana que comercializa livros digitais via internet, inflamando as discussões sobre diversas matérias, dentre as quais, a questão tributária. Assim, os problemas trazidos com a utilização do disquete e, posteriormente, do CD-ROM na leitura de livros eletrônicos, cuja extensão da imunidade tributária pende de enfrentamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal, aumentaram consideravelmente, pois, diferentemente de seus antecessores eletrônicos, as funcionalidades do e-reader vão além de uma inocente e agradável tarde de leitura, já que prestigiado com inúmeros recursos, igual e licitamente adquiridos na internet. 3.1 A finalidade da imunidade conferida aos livros e ao seu papel de impressão O art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, confere a livros, jornais e periódicos, bem como ao papel em que são impressos, proteção contra o Estado, no sentido de ver-lhes garantida a não-incidência de impostos. Atentando ao livro, objeto do presente estudo, fixar entendimento acerca da sua finalidade é, sobremaneira, importante para, então, vincular seu suporte digital ao alcance, ou não, da norma imunizante inserta no artigo constitucional. É por meio do livro que o homem atravessa as fronteiras do tempo e do espaço, do real e do fictício; é também por meio dele que todos os homens tornam-se iguais, porquanto não lhes é vedada a liberdade de sonhar. Ler é ser livre. Ao tratar da sua imunidade tributária, Angela Maria da Motta Pacheco, (2003, p. 20) assim define o livro: “O livro é aquilo que faz o homem pensar, o homem sentir, o homem existir. São os livros que ensinam a linguagem matemática, musical e a nossa linguagem das palavras. São os livros que contam histórias dos povos, falam sobre a vida de alguém, ou falam de histórias imaginárias, fantásticas e mágicas. São os livros que falam de como o homem pensa, de como percebe a natureza, de como pode nela interferir, destruindo-a ou reconstruindo-a. É o livro que imortaliza o homem. […] Livro é, pois, o conteúdo de um veículo que divulga informação, ciência, ficção, arte, idéias e cultura, no vasto domínio do conhecimento humano. A matéria, na qual o livro se impregna, se identifica, completa-o, mas não o define.” Ricardo Lobo Torres (2003, p. 227), pendendo um pouco para as questões de direito autoral, aponta duas características, que tem como essenciais para a conceituação de livro que são “a  base física constituída por impressão em papel e a finalidade espiritual de criação de bem cultural ou educativo”, entendendo ser seu conceito completo e ambíguo para efeitos de extensão da imunidade tributária. Opostos os sentidos das considerações transcritas, pois, se de um lado, o livro é considerado, tão apenas, o conteúdo disposto em um veículo, e, denota-se não importar qual a base física desse veículo e, assim, não imprimir a necessidade de considerá-lo apenas o papel tradicional; de outro, importa a impressão em papel, ainda que a composição textual implique criação do espírito. A princípio, não resta claro se importa, ou não, como a mensagem será emitida; como será declarada, independentemente do que contém o seu espírito, ou de qual material será utilizado para suportá-la. Editada em 2003, a Lei n° 1075[8], que instituiu a Política Nacional do Livro, em seu art. 2°, conceitua o livro como “uma publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento”. Contudo, seu parágrafo único o equipara aos atuais livros em meio digital, magnético e ótico, porém para o uso exclusivo de pessoas com deficiência visual, apenas. Não à toa, o legislador constituinte assegurou ser livre a manifestação do pensamento, desde que vedado o anonimato, bem como a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (art. 5°, IV e IX, CF, respectivamente), nos quais traduz a necessidade, segundo José Afonso da Silva (2007, p. 89), de garantir as “coisas reais que se situam no nível da mente”, que consistem no pensamento, que pode ou não ser externado. A liberdade de pensamento, segundo o mesmo autor (2007, p. 89), consiste na “exteriorização do pensamento no seu sentido mais abrangente”.  Mais a diante, o texto da Constituição, no seu art. 220, dispõe sobre a liberdade de expressão, impondo que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, desde que observadas demais disposições. A clara intenção do legislador é afastar qualquer embaraço que possa sofrer a manifestação do espírito humano, independentemente do conteúdo dessa expressão. O Texto Constitucional, ainda que implicitamente, parecendo prever as futuras controvérsias implementadas pela tecnologia moderna, buscou tratar genericamente do assunto, assegurando que a disseminação da cultura e do conhecimento, bem como a expressão ideológica, fossem indiferentes ao veículo que os suportassem. Ao vedar que o Estado exerça o seu poder de tributar sobre o livro, bem como sobre o papel em que é impresso, quis o constituinte originário manter intacta a necessidade do homem em expressar-se livremente. Do mesmo modo, visou torná-lo acessível a todos, sem discriminações. Todavia, o suporte demonstrou sua mutabilidade, sendo aperfeiçoado conforme a mudança de hábito e as necessidades da sociedade. Na conjuntura moderna, a sociedade vive, basicamente, da informação, cujo formato altera-se longo do tempo. A informação transmutou-se para um espectro não físico e, com isso, adveio a simultaneidade das informações. A obtenção de um livro ou vários, um texto científico ou uma obra de domínio público, torna-se possível com o acesso em tempo real à internet. Mas, igualmente, acessa-se outros recursos multimídias – vídeos, jogos, e outros eventos não incluídos no contexto constitucional de livro, periódico ou jornal -, por meio do leitor digital, que difere dos demais livros eletrônicos, por seu suporte multifuncional, não se reservando, tão somente, ao livro em formato digital. Dessa forma, a jurisprudência tem pela frente o desafio de interpretar se são os e-readers, ou não, abrangidos pela exoneração tributária do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, bem como tem a doutrina a incumbência de embasar os estudos de modo a orientar o ofício do profissional do direito e da própria sociedade. 4. A aplicação do princípio da imunidade tributária aos novos conceitos tecnológicos 4.1 As novas tecnologias: da internet à leitura digital Com origem na expressão internetwork (interligação de redes com redes), a internet é o resultado de um projeto do Departamento de Defesa dos Estados Unidos que, em meados dos anos 60, no auge da Guerra Fria, criou um sistema telemático batizado de ARPANET[9], que interligava diversos computadores visando  proteger informações governamentais sensíveis de eventuais ataques inimigos. Os avanços tecnológicos presenciados pelas sociedades em todo o mundo exigem que medidas legislativas sejam tomadas. No Brasil, não são poucas as tentativas de adequar a legislação tradicional, já em vigor, aos novos hábitos da sociedade conectada, que incluem, dentre tantos, o comércio eletrônico[10], a virtualização dos relacionamentos humanos levada a efeito pelas redes sociais digitais, a necessidade de defender-se contra crimes praticados, agora, por meio do computador e da internet[11]. Também a Constituição Federal de 1988, promulgada quando a rede mundial ainda não era amplamente difundida no Brasil, assegura direitos, inclusive pétreos, contra as investidas dessa tecnologia. A bem disso, cite-se a proteção dos direitos à vida privada, honra e imagem e dos direitos sociais etc. Não pôde, à época, contudo, o Texto Maior antever a aquisição de uma obra literária diretamente em um dispositivo digital, por meio de download na rede mundial de computadores. Não havia isso. Igualmente, não se podia imaginar que os tribunais pudessem discutir se papel eletrônico é, ou não, papel, pois sequer, no Brasil, o termo era conhecido no mundo jurídico. Porém, deste a última década, muito tem-se feito para pacificar o entendimento acerca da aplicação da imunidade tributária ao chamado livro eletrônico, cujo suporte, até então, traduzia-se no  uso do disquete (já obsoleto, em razão da avançada tecnologia dos computadores modernos) e do CD-ROM. Em recente pronunciamento da lavra do Minitro Dias Toffoli, na ocasião do julgamento do RE n° 330817, o Supremo Tribunal Federal confirmou o seu entendimento contrário à extensão da norma imunizante a esses suportes eletrônicos (até então, disquete e CD-ROM). Na decisão monocrática, o Ministro-Relator posicionou-se contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que estendeu a imunidade tributária a banco de dados eletrônico cujo conteúdo consistia numa enciclopédia jurídica. Posteriormente, em sede de embargos de declaração no recurso citado, o Ministro-Relator sobrestou o feito em razão do reconhecimento de repercussão geral da matéria nos autos de outro recurso extraordinário – o RE n° 595676/RJ -, que ainda pende de apreciação quanto à ampliação da imunidade tributária aos livros eletrônicos. Em contrapartida, a doutrina pátria, em sua maioria, vem opondo-se ao entendimento da Corte Suprema, ao defender a extensão da não-incidência subre tais situações. Nesse sentido, Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo (2003, p. 103), fundamentam que “a mesma história que foi transmitida por meio dos desenhos nas paredes de uma caverna hoje pode ser contada por meio de um CD-ROM e de um microcomputador, os quais, muito em breve, serão substituídos por um outro meio mais eficiente e prático”. E deixam claro, os mesmos autores (2003, p. 120), que: “da mesma forma como o papel destinado à impressão de livros, jornais e periódicos é imune, também estão albergados pela imunidade os suportes físicos dos livros, jornais e periódicos eletrônicos (CDs, disquetes ou similares que sejam destinados a sua gravação)”. Os autores referem-se ao dispositivo físico dos livros eletrônicos que, assim como o papel, dão suporte ao texto, ainda que digital. Via de regra, as informações que eles contêm não são apagadas posteriormente, assim como no papel, para substituição por outras informações. 4.2 O livro eletrônico e a imunidade tributária sobre suas espécies: Disquete, CD-ROM e Leitor Digital O Supremo Tribunal Federal tende ao posicionamento contrário à extensão da imunidade tributária ao livro eletrônico, e, conquanto penda de uma definição, editou a Súmula n° 657, para a qual a imunidade prevista no art. 150, VI, “d“, da Constituição Federal, abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos apenas, não se estendendo aos livros do gênero eletrônico. Note-se, contudo, que a esse entendimento precederam julgados publicados até o ano de 2001. Num desses casos, o Ministro Maurício Corrêa, relator para acórdão no recurso extraordinário n° 203859-8/SP, ao citar a emenda apresentada aos trabalhos da Constituinte de 1987, no sentido de fazer constar outros insumos no rol do art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, assim justificou seu voto prestigiando a não inclusão da redação dessa emenda ao Texto Constitucional: “Essa emenda, todavia, não resultou aprovada, o que significa dizer que a mens legislatoris, sem dúvida, entendeu que havia a imunidade tão-somente para o papel de impressão, tal qual ficou plasmado de forma definitiva no dispositivo constitucional (…), afastando-se, dessa forma, a sua extensão para outros tipos de insumo.” (grifos do original) Porém a doutrina, exceto por algumas vozes, fixa-se no entendimento de que o livro eletrônico, até então abrangendo o CD-ROM e o disquete, é alcançado pela imunidade constitucional tributária. Nesse sentido, Johnson Barbosa Nogueira (2003, p. 137), defende que “em nenhum momento dessume do Texto Constitucional que o livro há de ser impresso em papel (…). O livro informatizado ou eletrônico é também espécie do gênero livro, passível de abrigo na imunidade tributária”. Regina Helena Costa (2006, p.191), destaca as inovações tecnológicas e, por essa razão, aponta o livro como uma não exclusividade das impressões tipográficas, mas dividindo a tarefa de veicular o conhecimento com disquetes, CD-ROMs e outros meios eletrônicos, ensina que: “Se a imunidade conferida aos livros tem por finalidade assegurar a liberdade de pensamento, de expressão, o acesso a informação e a própria difusão da cultura e da educação, o conceito de livro engloba todo o meio material pelo qual esse objetivo seja atingido. Outrossim, diante da evolução da tecnologia, o conceito de livro deve ter sua conotação modificada, para comportar conteúdos que não foram imaginados pelo legislador constituinte mas que são, indubitavelmente, fiéis à finalidade da norma constitucional.” (grifos do original) Na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, verifica-se a pena de Fábio Weber Nowaczyk (2010, p.121/125), que, com cautela, aguarda a apreciação da matéria, deixando ao sabor do legislador infraconstitucional a responsabilidade de eventual isenção tributária nas proporções adequadas os chamados livros eletrônicos, e conclui: “A análise mais importante sobre o tema não está no alcance do vocábulo “livro”, mas em quais direitos fundamentais o Constituinte quis proteger. Nesse sentido, concordo com os autores que entendem que a não extensão da imunidade aos chamados “livros eletrônicos” não causará nenhum dano à liberdade de expressão, haja vista que, em que pese o incremento dessa forma de exteriorização do pensamento, o meio tendo o papel como instrumento ainda segue sendo o mais freqüente” (…). No caso dos leitores digitais de livros, há de se ter, acertadamente, cautela. Utilizado, inicialmente, na leitura de manuais técnicos de hardware e, posteriormente, desenvolvido por empresas de softwares, esse dispositivo digital consiste em um equipamento telemático, composto de um display antirreflexo, que se utiliza da tecnologia de tinta eletrônica[12], conhecida como e-Ink, e que se reserva não somente à leitura digital, mas que, também, comporta inúmeras outras funcionalidades. Por meio do e-reader, que é um dispositivo físico, pode-se fazer o download de livros e  jornais usando-se da tecnologia de internet. Danilo Amoroso (2009) assim conceitua o dispositivo digital de leitura: “A definição de leitor digital  é simples: um dispositivo que exibe o conteúdo de livros digitais e que pode ser exclusivo para este tipo de leitura ou ter outras funções também. O que esses aparelhos buscam como melhoria em relação ao manuseio convencional de livros é, principalmente, a portabilidade. Vários livros podem ser “carregados” em um único dispositivo sem peso nenhum, por exemplo.” O e-reader permite a portabilidade. Além disso, o usuário pode ajustar a fonte e seu tamanho de modo a tornar a leitura agradável, bem como promove a sustentabilidade ambiental. Outrossim, o dispositivo é capaz de comportar, aproximadamente, duzentos títulos literários (podendo ser extensível a números bem mais expressivos) e, ao gosto do usuário, pode ser ajustado para receber o exemplar eletrônico de seu jornal diário. Se a função primordial do livro é difundir a expressão do conhecimento humano e assegurar a liberdade de expressão, o e-reader, enquanto suporte para livros, cumpre bem com a finalidade constitucional, ainda mais pelo baixo custo do título literário que esses dispositivos digitais disponibilizam para aquisição, o que contribui para que mais pessoas lhes tenham acesso. Até aqui, acompanhando o entendimento doutrinário, o leitor digital faz jus à imunidade constitucional tributária. Ocorre, todavia, que o dispositivo, além dos benefícios já citados, traz um plus, ao permitir o armazenamento de elementos multimídia[13], como eventos musicais e imagens animadas, que, dependendo do fim a que se prestem, podem descaracterizá-lo como objeto de imunidade tributária, a não ser que o direito interprete tais elementos como novas formas de expressão e de cultura contemporânea. Essa novidade faz emergir a problemática trazida pelas inovações tecnológicas e que, provavelmente, demandará imensos debates antes de se obter uma posição jurisprudencial ou uma medida legislativa adequada. Possivelmente, tender-se-á à interpretação jurídica da natureza desses ineditismos digitais, como, por exemplo, se jogo virtual, ou vídeos obtidos nos sites de compartilhamento autorizados, poderão, ou não, ser tutelados pela Constituição, no futuro, como elementos culturais etc. Por agora, parece que pugnar pela desoneração tributária do e-reader, enquanto suporte para leitura digital, consiste em acampar situações não enumeradas pelo legislador constituinte. Ou seja, estaria o interprete, forçosamente, fazendo constar do rol de situações imunes um elemento que o constituinte originário afastou do debate. Por outro lado, negar o benefício constitucional aos livros adquiridos exclusivamente por meio digital, mormente na internet, seria negar a própria Constituição Federal. Pois, diferentemente dos demais “livros eletrônicos”, nos quais um conteúdo se mantém plasmado ao suporte, dificultando sua modificação, o dispositivo digital permite a aquisição de obras literárias e jornais, sem que haja simultaneidade na aquisição do suporte e da obra, mas, ainda assim, veicula o livro na sua versão eletrônica. Sobre o leitor digital, alguns passos já foram tomados, pois, recentemente a Justiça Federal em São Paulo foi chamada a decidir nos autos do mandado de segurança n° 0025856-62.2009.403.6100, no sentido de não se exigir pagamento de tributos por ocasião do desembaraço aduaneiro de dispositivo digital para leitura. O Juízo da 22ª Vara Federal, julgando parcialmente procedente a demanda, entendeu que o e-reader consiste em um “instrumento cuja finalidade é acessar os livros eletrônicos”, justificando seu entendimento no sentido de que “há de ser interpretada a norma constitucional para que nossa Carta Magna tenha vida longa, ou seja, que não precise ser emendada a cada evolução tecnológica que surja”. Se, por um lado, o dispositivo digital amolda-se às transformações sofridas pelos demais suportes físicos, como o papiro e o papel, carecendo do benefício constitucional, que conferirá maior acessibilidade ao produto; por outro, o fato de facilitar a veiculação de outros interesses pode descaracterizá-lo como objeto de imunidade tributária, a tender, provavelmente, a uma definição parcial da sua finalidade, pois, se o e-reader, como suporte “físico” que é, não se dignifica a atrair a proteção da Constituição, pelo menos, o será o seu conteúdo: o livro. Considerações finais A evolução das diversas tecnologias é fato recorrente no cotidiano da sociedade. O direito passou do carro de boi e do cultivo da terra – molas propulsoras da sociedade agrícola -, pousando nas máquinas que executavam o trabalho humano da sociedade industrial, ao intelecto artificialmente produzido, ou quase isso, da sociedade da informação. O direito, modernamente, tem como desafio adequar-se às novas produções humanas, que creditam sua co-autoria às máquinas e sua “inteligência artificial”. Tarefa árdua, pois que legislar na velocidade da luz não é o ideal, uma vez deixaria de lado diversos enfrentamentos e discussões necessários à edição de um instrumento normativo. Ressalte-se que a Constituição da República Federativa do Brasil constitui, ela própria, marco no que diz respeito à garantia dos direitos fundamentais em meio à parafernália digital, ainda que promulgada em uma época em que termos como papel eletrônico e livro eletrônico consistiam em tema de ficção científica. No jaez das questões tributárias, surge a aplicação das imunidades a determinadas questões que, anteriormente, não eram previstas pelo legislador. A digitalização do intelecto humano é uma delas. No passado, era possível o acesso a enciclopédias inteiras adquirindo-as, uma a uma, em livros tradicionais, formando uma imensa biblioteca. Atualmente, esses mesmos exemplares são acessados remotamente por meio da internet, não necessariamente adentrando no espaço físico do seu leitor. Também se podem ter diversos títulos de obras literárias, de jornais ou de periódicos, bastando, apenas, alguns cliques e comandos que, imediatamente, colocam o leitor em contato com o livreiro para a aquisição desses bens em pequenos dispositivos não maiores que um exemplar físico. Livro é um bem de valor incomensurável. Ler é alcançar a liberdade e viajar por mundos e espaços muitas vezes inalcançáveis por alguns. Por isso, o legislador constituinte há muito desonerou de impostos os livros e o seu papel de suporte, objetivando seu acesso a todos, indistintamente. Porém, hoje, o que se tem? A sociedade chegou ao ponto de levar consigo, para onde bem entender, toda a sua coleção de livros, sem acréscimo de volume, sendo necessário, apenas, adquirir um dispositivo digital que alia a aquisição da obra pela internet a sua leitura com comodidade. O livro deixou o papel tradicional de lado e amoldou-se à modernidade: livros, hoje, são plasmados em um dispositivo digital, no qual se fixam virtualmente. Mas essa portabilidade tem seu revés, pois a Constituição não abrangeu a evolução da tecnologia, nem tampouco previu a “multifuncionalidade” dos e-readers; mas, diante de uma participação crescente no cotidiano da sociedade, essa característica, bem como outras inovações, merecerá discussões. Estar-se-ia, deste modo, ampliando a interpretação do que hoje é conhecido como liberdade de expressão, acesso à cultura e a educação e como proteção das criações do espírito, tendo em vista tais novos aparatos tecnológicos. Assim, ainda que visualizado por meio de dispositivos virtuais, o livro digital não se afasta da sua função constitucional – difundir conhecimento e cultura como formas primordiais de liberdade de expressão. Seu objetivo fundamental resta preservado, bastando, tão somente, que a jurisprudência, a doutrina, o legislador e, principalmente, a sociedade o vejam como um suporte que se adéqua aos meios da presente época agregando valores e tecnologia. Também, assim, outros suportes virão conforme a evolução das necessidades da sociedade futura, pois, o homem, quando esculpia nas duras paredes das cavernas, fazia o que faz o leitor digital hoje: passar para a posteridade o conhecimento adquirido. O livro, hoje, ainda que impresso em papel digital e com tinta eletrônica, não deixou de ser livro, apenas passou a otimizar a vida da sociedade do Século XXI. Outrossim, o suporte físico do livro digital não se afasta do objetivo de seus ancestrais, garantir um direito reconhecidamente fundamental de igualdade e dignidade, ainda que agregando outras funcionalidades que, para o futuro, poderão estar abrangidas pela contemporaneidade a que se presta o Texto Constitucional.
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Sistema constitucional tributário: critérios de delimitação de competência
: O Direito Tributário Brasileiro é um verdadeiro Sistema Constitucional Tributário. Logo, ao estudo correto da norma de competência, se torna imprescindível delinear qual é o alcance dos princípios constitucionais em matéria tributária, com o objetivo de se fazer uma verdadeira interpretação dos dispositivos que especificam e delimitam este ramo do direito, tornando possível entendê-lo de forma particular, algo que, por consequência, possibilitará compreender de forma mais acurada, também, o restante do ordenamento jurídico, até em razão de sua proximidade e de sua indissociabilidade com o Direito Constitucional. É o que veremos no presente artigo.
Direito Tributário
1 Introdução O Brasil, nesse início de Século XXI, é tido como um dos países com a maior carga tributária do mundo. Essa característica é ratificada pela Constituição Federal do Brasil que, sendo a mais extensa e minuciosa em termos de tributação distancia-se daquelas dos países europeus, de tradição jurídica romano-germânica (com poucos princípios tributários) às quais possui ligação pela filiação lusitana[1]. Somente por este tratamento dispensado pela Carta Magna do Brasil já é possível verificar a relevância do tributo no ordenamento – bem como do Direito Tributário Brasileiro como um todo – sendo este um instituto presente em qualquer forma de governo que se estabeça, do qual se refere o grande mestre Aliomar Baleeiro nas seguintes palavras: “O tributo é vetusta e fiel sombra do poder político há mais de 20 séculos. Onde se ergue um governante, ela se projeta sobre o solo de sua dominação. (…) No curso do tempo, o imposto, atributo do Estado, que dele não pode prescindir sequer nos regimes comunistas de nosso tempo, aperfeiçoa-se do ponto de vista moral, adapta-se às cambiantes formas políticas, reflete-se sobre a economia ou sobre os reflexos desta, filtra-se em princípios ou regras jurídicas e utiliza diferentes técnicas para execução prática”. [2] Como dito, o Direito Tributário brasileiro é, de todo, permeado por princípios e regras fundamentais e estudá-lo é, em grande parte, acabar estudando o próprio Direito Constitucional. Destarte, qualquer relação jurídico-tributária entre contribuinte e Estado, portanto, passará obrigatoriamente pelo crivo da Constituição da República Federativa do Brasil, pois é exatamente nela que se encontra a repartição de competências tributárias entre a União, os Estados Federados, os Municípios e o Distrito Federal. 2. Sistema constitucional tributário: Critérios de Delimitação de Competência O Direito Tributário Brasileiro é um verdadeiro Sistema Constitucional Tributário, do qual o doutrinador Geraldo Ataliba, se refere nos seguintes termos[3]: “Em matéria tributária tudo foi feito pelo constituinte, que afeiçoou integralmente o sistema, entregando-o pronto e acabado ao legislador ordinário, a quem cabe somente obedecê-lo, em nada podendo contribuir para plasmá-lo”. Logo, ao estudo correto da norma de competência, se torna imprescindível delinear qual é o alcance dos princípios constitucionais em matéria tributária, com o objetivo de se fazer uma verdadeira interpretação dos dispositivos que especificam e delimitam este ramo do direito, tornando possível entendê-lo de forma particular, algo que, por consequência, possibilitará compreender de forma mais acurada, também, o restante do ordenamento jurídico, até em razão de sua proximidade e de sua indissociabilidade com o Direito Constitucional. O Direito Tributário, no que atine aos seus princípios específicos previstos na Constituição, é de uma aplicabilidade ímpar, pois, caso haja algum tipo de confronto com outros princípios de natureza geral, presentes ou não no mesmo diploma, ele acaba por não dar espaço a interpretações e abstrações, impondo ao intérprete do direito uma conduta única a ser realizada no caso concreto. O Direito Tributário tem caráter impositivo, não afeito às situações teóricas ou subsidiárias às quais, em regra, o direito, em suas outras ramificações, normalmente se socorre dos princípios. Nesse sentido, assim leciona Ricardo Alexandre[4]: “A moderna doutrina considera que boa parte dos denominados princípios constitucionais tributários, por não poderem ser ponderados quando parecem conflitar com outros princípios, seriam na realidade regras, visto que são disjuntivos, aplicando-se ou não a cada caso concreto, sem qualquer ponderação.” Citando o autor Celso Antônio Bandeira de Mello, o mesmo Ricardo Alexandre assim explicita o que é princípio no direito tributário[5]: “É, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.” Com efeito, a importância no Direito Tributário brasileiro dos dispositivos constitucionais é enorme exatamente porque na Constituição da República Federativa do Brasil é que se encontra disposto o conteúdo referente a temas como imunidade ou repartição de receitas. [6] Porém, pela função primordial que desempenham, destas disposições destacam-se, de maneira significativa, aquelas que tratam das competências tributárias, podendo ser entendidas como as responsáveis pela atribuição dada aos entes políticos no tocante à edição de normas de imposição tributária – as regras-matrizes de incidência tributária – que são as instituidoras dos tributos, principalmente quando se trata de Impostos. Os impostos têm todas as suas competências tributárias impositivas descritas de forma expressa na Constituição da República Federativa do Brasil, sendo o critério utilizado na divisão dessas competências o da materialidade, cerne da norma. Em outras palavras, leva-se em conta o aspecto material da hipótese de incidência ao se realizar a divisão de competências, que nada mais é que o enquadramento de um determinado fato praticado pelo contribuinte em uma norma específica de imposição tributária. Separam-se, assim, as matérias passíveis de tributação, entregando parcelas, em caráter exclusivo, aos diversos entes políticos Federados – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – conforme a inteligência dos Artigos 153 a 156, guardando exceção nas hipóteses compreendidas pelo Artigo 154, inciso I, de competência residual.[7] As regras de competência de tais tributos, expoentes do que é comumente chamado pela doutrina de tributos não-vinculados, apontam os respectivos critérios materiais, excepcionando-se as hipóteses da competência residual da União (art. 154, I, CRFB). Os seus fatos são “gerados pelo contribuinte” e não estão adstritos a qualquer atividade estatal específica, ligada ao sujeito passivo, que legitime a cobrança. São de natureza contributiva, ou seja, a compulsoriedade de sua cobrança não retira o caráter eminentemente solidário do contribuinte para com os objetivos do Estado. Os tributos vinculados, por sua vez, competem ao ente político cuja atuação servirá de causa à contraprestação pecuniária por parte dos contribuintes circunscritos à hipótese tributária. Os fatos geradores, neste caso, são atribuídos ao Estado, que ao prestar um serviço ou realizar uma conduta específica em relação ao sujeito passivo, acaba por caracterizar o aspecto material ensejador da cobrança. Exemplos desta vinculação, quanto à hipótese de incidência, são as taxas e contribuições de melhoria, que, por não serem objeto deste trabalho, não receberão um estudo mais detalhado. Sobre tributos vinculados e não-vinculados, assim versa de forma precisa o grande tributarista, Sacha Calmon Navarro Coêlho[8]: “Pois bem, o constituinte de 1988, como de resto ocorreu com a Constituição de 1967, adotou, em sede doutrinária, a teoria jurídica dos tributos vinculados e não-vinculados a uma atuação estatal para operar a resolução do problema da repartição das competências tributárias, utilizando-a com grande mestria. Predica dita teoria que os fatos geradores dos tributos são vinculados ou não-vinculados. O vínculo, no caso, dá-se em relação a uma atuação estatal. Os tributos vinculados a uma atuação estatal são as taxas e as contribuições: os não-vinculados são os impostos. Significa que o fato jurígeno genérico das taxas e contribuições necessariamente implica em uma atuação do Estado. No caso das taxas, esta atuação corporifica ora um ato do poder de polícia (taxas de polícia), ora uma realização de serviço público, específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição (taxas de serviço). Na hipótese da contribuição de melhoria, a atuação estatal materializa-se através da realização de uma obra pública capaz de beneficiar ou valorizar o imóvel do contribuinte. Nas contribuições previdenciárias é benefício à pessoa do contribuinte ou de seus dependentes. O fato gerador, como é usual dizer, ou fato jurígeno, como dizemos nós, ou ainda, a hipótese de incidência, como diz Geraldo Ataliba, implica sempre, inarredavelmente, uma atuação estatal. Exatamente por isso as taxas e as contribuições de melhoria e previdenciárias apresentam hipóteses de incidência ou fatos jurígenos que são fatos do Estado, sob a forma de atuações em prol dos contribuintes. Com os impostos as coisas se passam diferentemente, pois os seus fatos jurígenos, as suas hipóteses de incidência, são fatos necessariamente estranhos às atuações do Estado (lato sensu).” Sintético, Geraldo Ataliba demonstra bem a distinção dos tributos quanto à sua vinculação[9]: “Examinando-se e comparando-se todas as legislações existentes– quanto à hipótese de incidência – verificamos que, em todos os casos, o seu aspecto material, das duas, uma, a) ou consiste numa atividade do poder publico (ou numa repercussão desta) ou, pelo contrário, b) consiste num fato ou acontecimento inteiramente indiferente a qualquer atividade estatal. Esta verificação permite classificar todos os tributos, pois –segundo o seu aspecto material de sua hipótese de incidência consista ou não no desempenho de uma atividade estatal – em tributos vinculados e não vinculados.” Cabe ressaltar, nesse sentido, que as diretrizes básicas do sistema tributário nacional estão contidas, basicamente, nas normas de competências legislativo-tributárias, onde está traçado, com maior ou com menor rigor, o campo de incidência dos tributos divididos entre os entes federados enumerados no Artigo 145 da CFRB.  Para tanto, é preciso indicar os contornos das hipóteses de incidência tributária que podem ser adotadas pela legislação instituidora dos tributos de cada uma dessas pessoas – a saber, os Municípios, os Estados, o Distrito Federal e a União. O legislador infraconstitucional, ao enunciar a regra-matriz de incidência tributária de qualquer dos impostos nominados na Constituição da República federativa do Brasil, deverá fazê-lo sempre observando o critério material indicado na respectiva norma de competência constitucional. Esse é o ensinamento do doutrinador Roque Antônio Carrazza, em seu Curso de Direito Tributário Constitucional[10]: “O que queremos significar é que quem pode tributar pode, do mesmo modo, aumentar o tributo, minorá-lo, parcelar seu pagamento, isenta-lo, no todo ou em parte, remi-lo, anistiar as infrações fiscais ou, até, não-tributar, observadas sempre, é claro, as diretrizes constitucionais. Tudo vai depender de uma decisão política, a ser tomada pela própria entidade tributante. Temos, pois, que o titular da competência tributária não pode nem substancialmente modificá-la, nem aliená-la, nem renunciá-la.” Pois, neste tipo de tributo, que prescinde de uma determinada atuação estatal específica, o critério de partilha se apoia na tipificação de situações materiais (os fatos geradores) que servirão de suporte para a incidência. São exemplos de tipo identificados pela própria Constituição e partilhados entre os vários entes políticos, a “renda”, no que atine ao Imposto de Renda – IR, e a “prestação de serviços de qualquer natureza”, no que atine ao Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Elucidando o significado de critério material da hipótese tributária, esta é a lição de Paulo de Barros Carvalho[11]: “O critério material ou objetivo da hipótese tributária resume-se, como dissemos, no comportamento de alguém (pessoa física ou jurídica), consistente num ser, num dar ou num fazer e obtido mediante processo de abstração da hipótese tributária”. Muito embora seja das pessoas políticas a competência para criar impostos, conforme concessão constitucional já mencionada, é defeso ao legislador de qualquer um dos entes federados escolhidos como destinatários da repartição de competência de incidência tributária, desbordar daquilo previsto na CRFB, seja qualitativamente seja quantitativamente. Ou seja, com o risco de incorrer em alguma inconstitucionalidade, não poderá o legislador infraconstitucional avançar sobre fatos diversos daqueles estabelecidos pelo constituinte, na inteligência das normas de competência dos impostos, como rol passível de receber tributação. Novamente recorre-se a Carrazza[12]: “Indaga-se, amiúde, se o legislador, ao exercitar a competência tributária, encontra limites jurídicos. Parece-nos induvidoso que sim. Um primeiro limite ele encontra na observância das normas constitucionais. O respeito devido a tais normas é absoluto e sua violação importa irremissível inconstitucionalidade da lei tributária. De fato, as normas legais têm sua validade vinculada à observância e ao respeito aos limites erigidos pelas normas constitucionais.” 3. Conclusão Ante o exposto, fica evidente que os conflitos de competência em Direito Tributário são, em verdade, em quase sua totalidade, solucionados por sua própria fonte, a Lei (lato sensu). Por fim, não é errado dizer que a Constituição Federal, fonte primeira das normas de competência tributária já “soluciona” os conflitos, pois ao determinar as materialidades dos impostos, não dá oportunidade a interpretações feitas pelo aplicador, pelo que os limites já estão traçados nas próprias regras de competência tributária.
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Taxa e tarifa: semelhanças e diferenças no âmbito financeiro e tributário
Este artigo tem a finalidade de analisar as semelhanças e diferenças entre taxa e tarifa, tanto no Direito Financeiro, quanto no Tributário, enfatizando os pontos comuns e divergentes na doutrina brasileira. Nesse diapasão, serão apresentados os conceitos de Direito Financeiro e de Direito Tributário. Na sequência, haverá a explanação do instituto da taxa e da tarifa, sob a ótica financeira e, logo após, no campo tributário, a fim de levantar as questões mais relevantes. Este trabalho foi orientado pelo Professor Marcelo A. Britto.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A proposta deste artigo é analisar as semelhanças e diferenças entre taxa e tarifa, tanto no Direito Financeiro, quanto no Tributário, enfatizando os pontos comuns e divergentes existentes entre alguns doutrinadores. Nesse diapasão, primeiramente serão apresentados os conceitos de Direito Financeiro e de Direito Tributário. Na sequência, haverá a explanação do instituto da taxa e da tarifa, primeiramente, sob a ótica financeira, e, em seguida, no campo do Direito Tributário, a fim de levantar as questões mais relevantes. A fim de iniciar o desenvolvimento do trabalho, apresentar-se-á os conceitos de Direito Financeiro e Direito Tributário. Segundo Regis Fernandes de Oliveira (2010, p. 91), o Direito Financeiro possui como objeto de estudo as normas financeiras, e visa trabalhar “sobre o dado posto, isto é, sobre a norma editada seja ela de que nível for, buscando compreendê-la e dar-lhe as consequências jurídicas pretendidas”. Na mesma linha de raciocínio, Luiz Celso de Barros e Ricardo Lobo Torres, concordam com tal definição. É significante destacar que, para este autor, o Direito Financeiro “se encontra estritamente imbricado com todos os demais ramos do direito” (TORRES, 2010, p. 115) e representa um conjunto de normas e princípios – próprios e inerentes ao Direito Constitucional e Administrativo – que estabelecem as regras da atividade financeira, incumbindo-lhe a regulamentação da constituição e da gestão da Fazenda Pública (TORRES, 2010, p. 12). Por outro lado, assim como Luiz Celso de Barros, Torres (2010, p. 13) entende que o Direito Tributário é o conjunto de normas e princípios, utilizados pelo Direito Administrativo e Financeiro, “que regulam a atividade financeira relacionada com a instituição e cobrança de tributos: impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios”. Ao enfatizar a existência de autonomia entre o Direito Financeiro e o Tributário, cujo objeto é o tributo, Regis Fernandes (2010, p. 109-110), esclarece que “um ramo do direito apenas possui autonomia quando logra apresentar um objeto que lhe seja próprio”. Diferentemente, Barros (1991, p. 135) compreende que o Direito Tributário é uma das ramificações do Direito Financeiro. Dando continuidade ao presente artigo, passar-se-á à análise da diferença entre taxa e tarifa na seara financeira e, logo depois, na tributária. Tratando-se do Direito Financeiro, Geraldo Ataliba (2010, p. 165) afirma que no plano pré-jurídico, ou seja, para a ciência das finanças, as taxas se confundem com as tarifas ou preços. Por outro lado, o posicionamento de Luiz Celso de Barros, Regis Fernandes de Oliveira e Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior é no sentido de diferenciar as taxas, os preços públicos e as tarifas. No parecer de Barros e Regis Fernandes, assim como para o Direito Tributário, o exercício do poder de polícia e a efetiva utilização de Serviço Público acarretam em cobrança de taxa, diante do exposto no art. 145, II, da Constituição Federal. Nesse sentido, Barros (1991, p. 212) entende que o diferenciador das taxas e das tarifas é a entidade prestadora do atendimento, incidindo a cobrança daquelas, ao serviço prestado diretamente pelo Poder Público, e destas, ao serviço prestado por concessionária ou permissionária. Em corrente contrária, Regis Fernandes (2010, p. 118 e 161) assegura que “a tarifa é o preço ou taxa tabelado”, destacando que, diferentemente do tributo, o qual “age valendo-se de seu poder constritivo sobre os particulares”, o Estado poderá cobrar preços – denominação genérica de tarifa, “que serão pagos desde que alguém utilize um serviço ou atividade econômica do Estado”, bem como nos casos de exploração dos bens públicos pela própria Administração Pública. Regis Fernandes (2010, p. 120) considera que as taxas são aplicáveis quando há serviços de interesse geral (específicos e divisíveis), com vantagem maior a alguns contribuintes e havendo tributação especial, enquanto incide os preços em caso de serviços comerciais e industriais, com a finalidade de lucro, em regime de livre concorrência. Além disso, para o autor, as taxas surgem à medida que nascem novas atividades, podendo ser criadas por cada unidade federativa, “desde que o exercício do poder de polícia ou o serviço se incluam em sua competência” (OLIVIERA, 2010, p. 160). Assemelhando-se à definição tributária, Luiz Celso de Barros (1991, p. 165) explica que é cobrada taxa – prestação pecuniária compulsória –, em serviço público especial, o qual deve ser específico, distinto, mensurável, divisível e recíproco. Em relação às tarifas, que não podem ser confundidas com os preços, o autor baseia-se no art. 75, da Constituição Federal para afirmar que elas constituem espécies de tributos. Segundo o autor, “tarifa constitui uma medida de consumo, paga diferentemente pelos usuários, enquanto, de regra, as taxas identificam-se com valores fixos, arrecadados de todos aqueles que se situam na mesma hipótese de incidência” (BARROS, 1991, p. 215). Opina Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior (1997, p. 383) que a natureza da taxa, receita tributária, é limitada pelas normas constitucionais do poder de tributar, enquanto a natureza contratual – preço e tarifa – oportuniza, ao Estado, maior liberdade em seu manejo. O autor entende que, apesar da doutrina e da jurisprudência empregar as expressões tarifas e preços públicos como sinônimas, o disposto no art. 175, parágrafo único, III, da Constituição Federal designa como tarifa apenas “a receita cobrada do usuário concessionário ou permissionário do serviço público como contraprestação de uma vantagem que lhe proporciona” (ROSA JÚNIOR, p. 384, 1997), de modo que as demais receitas contratuais, exceto às referentes à concessionária ou permissionária, são designadas de preço público. No campo do Direto Tributário, haja vista que seu objeto é somente o tributo, a taxa e a tarifa são diferenciadas adequadamente (OLIVEIRA, 2010, p. 111), destacando Eduardo Sabag (2011, p. 440) que elas não se confundem, ainda que ambas “são prestações pecuniárias tendentes a suprir de recursos os cofres estaduais, em face de serviços públicos prestados”. Neste sentido, completa Ricardo Alexandre (2010, p. 69): a taxa e a tarifa possuem caráter contraprestacional e remuneram uma atividade prestada pelo Estado, exigindo, em ambos os casos, a referibilidade, o que torna possível a identificação do beneficiário do serviço. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são entes competentes para instituir as taxas – “tributos retributivos ou contraprestacionais”, as quais são cobradas quando do exercício do poder de polícia ou da prestação, ao contribuinte, de um serviço público específico e divisível (ALEXANDRE, 2010, p. 60). Sabag e Ricardo Alexandre, com idêntico entendimento, destacam que a tarifa só incide sobre o serviço de utilização efetiva. A Súmula nº 545, do STF, diferencia taxa de tarifa, no entanto, Ricardo Alexandre (2010, p. 70) entende que a parte final da normativa está prejudicada, uma vez que o princípio da anulabilidade não é mais aplicado em matéria tributária, “devendo ser desconsiderada a exigência de prévia autorização orçamentária para a cobrança de taxas”. Na mesma linha de raciocínio, Eduardo Sabag e Geraldo Ataliba elucidam que o traço diferenciador entre a taxa e a tarifa não é a compulsoriedade ou facultatividade, e sim, a inerência ou não da atividade à função do Estado. Ou seja, faz-se necessário identificar a atividade exercida, de modo que, se for econômica, haverá preço, e se for própria do Estado, incidirá a cobrança de taxa. Contrário a este posicionamento, Ricardo Lobo Torres (2010, p. 190-191) entende que a lei não proíbe a cobrança de taxa pelos serviços relacionados aos direitos econômicos, entretanto, veda a cobrança de tarifa pela tutela dos direitos fundamentais, inerentes ao fim estatal. Geraldo Ataliba enfatiza que o preço e o serviço público são inconciliáveis, especialmente porque este é desempenhado por força da lei, e o pagamento da taxa é mera consequência, não sendo essencial à relação de prestação-uso do serviço. Insta salientar que a taxa, resulta de uma atuação estatal desenvolvida de um regime de Direito Público, relacionando-se, direta ou indiretamente, com o contribuinte. No entanto, se o serviço não é público, os contratantes fixam o preço, o qual é cobrado do particular, sendo esta a figura típica da relação de Direito Privado (ATALIBA, 2010, p. 166 e 168). Simploriamente, Sabag (2011, p. 440) assegura que a tarifa é espécie de preço público, e equivale-se ao “preço de venda do bem, exigido por empresas prestacionistas de serviços públicos (concessionárias ou permissionárias), como se comuns vendedoras fossem”. Na visão do autor, os serviços públicos podem ser cobrados por tarifas ou taxas, exceto os “essenciais”, que terão obrigatoriamente o regime destas, ainda que a lei adote outro (SABAG, 2011, p. 440-441), haja vista que, neste caso, não há possibilidade de troca em sentido econômico, relevando que o Estado tem finalidade pública, e, não visa a obtenção de lucro (ATALIBA, 2010, p. 169). De outra banda, quando a execução do serviço público puder ser delegada, o legislador poderá optar entre o regime de taxa ou o de tarifa, esclarecendo Geraldo Ataliba (2010, p. 165) que ele não possui a liberdade de converter uma na outra e vice-versa, visto que “são coisas reciprocamente replentes e excludentes”. A fim de ser melhor analisada a incidência da taxa ou da tarifa, Eduardo Sabag e Ricardo Alexandre classificam os serviços públicos em: propriamente estatais – exclusivos do Estado, indelegáveis e remunerados por meio de taxa; essenciais ao interesse público – remunerados por meio de taxa, desde que a lei os considere de utilização obrigatória; e não essenciais – via de regra, delegáveis, remunerados por meio de tarifa. Estes serão cobrados através de taxa, quando assim dispuser a lei (TORRES, 2010, p. 191). Além de ser imprescindível verificar se o serviço executado é público, também são considerados outros requisitos para distinguir taxa e tarifa. Aquela é tributo, nasce por meio de lei, possui obrigação legal (ex lege), sujeita-se aos princípios tributários, não tem autonomia de vontade, é prestação pecuniária compulsória que remunera serviços públicos obrigatórios (e essenciais), prevalecem as normas de Direito Público, é aplicada quando o Estado presta serviços públicos, é exigida por pessoas jurídicas de direito público, possui receita derivada de direito público (a qual é originada do patrimônio particular), a cobrança não é proporcional ao uso, e a rescisão não é permitida. A tarifa, por sua vez, não é tributo, decorre de contrato administrativo (e não de lei), possui obrigação contratual (ex voluntate), não sujeita-se aos princípios tributários, tem autonomia de vontade, é prestação pecuniária voluntária (ou facultativa), remunera serviços públicos facultativos (essenciais ou não essenciais, dependendo do caso), apresenta regime jurídico de Direito Privado, é aplicada quando o Estado desempenha atividades econômicas com o fito de lucro, é exigida por pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, possui receita originária de direito privado (a qual é originada do próprio patrimônio do Estado), a cobrança é proporcional ao uso e a rescisão é permitida. Ademais, é importante destacar que na relação jurídica-tributária, figuram no polo ativo apenas as pessoas jurídicas de direito público, mas se o objeto da ação for a tarifa, além deste sujeito, também podem figurar as pessoas jurídicas de direito privado, em caso de serviços delegados (ALEXANDRE, 2010, p. 72). Finalmente, diante da delicadeza na diferenciação da taxa e da tarifa, e da riqueza de detalhes para se apreciar a aplicação de cada uma, percebe-se a confusão na cobrança desses institutos. Assim, vale transcrever alguns julgados que corroboram com tal afirmação: CONCLUSÃO O Direito Financeiro estuda as normas e princípios financeiros, estabelecendo as regras da atividade financeira. Em contrapartida, o Direito Tributário cuida da receita pública, de modo a regular a instituição e cobrança de tributos. Apesar do entendimento divergente de Luiz Celso de Barros, a corrente doutrinária predominante depreende que o Direito Tributário é autônomo, haja vista que possui objeto próprio – o tributo. No aspecto financeiro, há grande divergência entre os pesquisadores ao conceituar taxa e tarifa. É importante destacar que a opinião mais díspar é de Geraldo Ataliba, pois além de utilizar tarifas e preços como sinônimos, ainda assegura que as taxas se confundem com aqueles. Todavia, a maioria dos autores entende que o preço público não se confunde com a tarifa, e, por outro lado, a taxa, assim como no Direito Tributário, decorre do exercício do poder de polícia e da efetiva utilização do serviço público. Nesta seara, pode-se afirmar que a diferença básica entre a taxa e a tarifa é a entidade prestadora do atendimento, sendo o Poder Público, para aquela, e concessionária ou permissionária, para esta. O Direito Financeiro, entretanto, não define com precisão o conceito de tarifa, ante a discrepância dos entendimentos doutrinários. Insta destacar que, Regis Fernandes de Oliveira a considera como o preço ou a taxa tabelado, enquanto Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior, prevê a cobrança, desta receita, ao usuário concessionário ou permissionário do serviço público como contraprestação de uma vantagem que lhe proporciona. A fim de elucidar o instituto da taxa e da tarifa no Direito Tributário, primeiramente vale realçar que ambas são prestações pecuniárias, tendentes a suprir de recursos os cofres públicos, em face dos serviços (públicos) prestados. As taxas são tributos retributivos ou contraprestacionais, decorrentes, conforme anteriormente previu o Direito Financeiro, do exercício do poder de polícia e da efetiva utilização do serviço público. As tarifas, por sua vez, no entendimento de Ricardo Alexandre e Eduardo Sabag, incidem sobre o serviço de utilização efetiva. Diferentemente do preceito normativo da Súmula nº 545, do STF, o traço diferenciador entre a taxa e a tarifa não é mais a compulsoriedade ou facultatividade, e sim, a inerência ou não da atividade à função do Estado, sendo que o serviço deve ser identificado, de modo que, se for econômico, haverá preço, e se for próprio do Estado, incidirá a cobrança de taxa. Neste sentido, Ricardo Lobo Torres destaca que a lei veda a cobrança da tarifa pela tutela dos direitos fundamentais (inerentes ao fim estatal). Sob a ótica tributária, a corrente majoritária é no sentido de estabelecer equivalência à tarifa e ao preço público. Em relação aos serviços públicos, estes podem ser propriamente estatais – exclusivos do Estado, indelegáveis e remunerados por meio de taxa; essenciais ao interesse público – remunerados por meio de taxa, desde que a lei os considere de utilização obrigatória; e não essenciais – via de regra, delegáveis, remunerados por meio de tarifa. Estes serão cobrados através de taxa, quando assim dispuser a lei. Assim, os serviços públicos, exceto os “essenciais”, podem ser cobrados por tarifas ou taxas, dependendo do caso. Ademais, a taxa e a tarifa são inconciliáveis. Aquela é tributo, decorre de lei, apresenta regime jurídico de Direito Público, configura prestação pecuniária compulsória que remunera serviços públicos obrigatórios (e essenciais), e é exigida por pessoas jurídicas de direito público. De outra banda, a tarifa não é tributo, decorre de contrato administrativo, apresenta regime jurídico de Direito Privado, configura prestação pecuniária voluntária (ou facultativa), e é exigida por pessoas jurídicas de direito público e de direito privado. Finalmente, é importante salientar que se faz necessária uma profunda avaliação do serviço público, bem como da relação jurídica instaurada entre o contribuinte e o ente público, a fim de evitar equivocada cobrança de tarifa ou de taxa, conforme acontece corriqueiramente nos órgãos públicos e privados com finalidade pública.
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Simples Nacional: impossibilidade de parcelamento nos termos da Lei 11.941/09 – refis da crise
presente artigo busca demonstrar as razões jurídicas que impedem o parcelamento de débitos do Simples Nacional pela sistemática instituída pela Lei 11.941/09 – Refis da Crise, assunto que foi alvo de diversos questionamentos por parte dos contribuintes, mas que o Judiciário de forma quase uníssona repeliu, por encontrar óbice de cunho constitucional.
Direito Tributário
1 – Introdução As leis que instituem parcelamentos são ansiosamente esperadas por aqueles que possuem pendências com o fisco, e uma vez publicadas, todos querem aproveitar dos inúmeros benefícios que as mesmas trazem. Acontece que por se tratar de uma norma relativa a um favor fiscal, o ente tributante tem a prerrogativa de eleger quais débitos pretende submeter ao regime de parcelamento, e, além disso, algum óbice de cunho constitucional pode impedir sua aplicação a determinadas dívidas fiscais. Tratando-se de Simples Nacional, temos as duas razões acima expostas como obstáculo, tanto a Lei 11.941/09 não previu a sua submissão ao regime diferenciado de pagamento, quanto há obstáculo constitucional para que Lei Ordinária Federal venha a instituir parcelamento de seus débitos, conforme se demonstrará a seguir. 2 – O parcelamento instituído pela Lei 11.941/09 – REFIS da crise A Lei 11.941/09 é resultado da conversão da Medida Provisória 449/08, que tinha o escopo de promover a remissão de débitos com o Fisco Federal cujo montante fosse igual ou inferior a R$10.000,00 por sujeito passivo, visando promover uma depuração na Dívida Ativa da União, extinguindo execuções fiscais de valores baixos, cujos custos operacionais muitas vezes superam o proveito econômico perseguido pela Fazenda Pública credora. Ao analisar a MP em comento, o Congresso Nacional promoveu uma substancial alteração em seu texto, instituindo o que se convencionou chamar de REFIS da crise, ou REFIS IV, um complexo e abrangente parcelamento dos débitos perante a Procuradoria da Fazenda Nacional e Receita Federal do Brasil. Como é característico neste tipo de parcelamento especial, foram concedidos consideráveis benefícios para quem quitasse seus débitos à vista ou os parcelasse em até 180 meses, com renúncia a parte dos juros, multa e encargo legal, fazendo com que tivesse grande adesão por parte dos contribuintes, todos em busca de obter tais vantagens. Acontece que alguns débitos não se submetem a este regime diferenciado de pagamento, conforme se demonstrará a seguir. 3 – Os débitos sujeitos ao parcelamento O art. 1º da Lei 11.941/09 delimitou quais débitos estariam autorizados a ingressar em seu regime diferenciado de pagamento, estabelecendo ainda uma data limite em que os mesmos deveriam estar vencidos, restringindo o universo de dívidas parceláveis. Assim, só poderiam ser parceladas as dívidas vencidas até 30/11/2008, administradas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil ou pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, incluindo-se os saldos remanescentes do REFIS (Lei 9.964/2000), PAES (Lei 10.684/2003), PAEX (MP 303/2006), parcelamento ordinário (Lei 10.522/2002), além de débitos decorrentes de aproveitamento indevido de crédito do IPI. Cabe frisar que os débitos de natureza previdenciária passaram a ser administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil por força da Lei 11.457/07, estando abarcados pela sistemática de parcelamento acima descrita. Por sua vez, a Portaria Conjunta PGFN/RFB Nº 06 de 22/07/2009 trouxe regra expressa em seu art. 1º, §3º, vedando a inclusão dos débitos apurados na forma do Simples Nacional, o que foi alvo de diversos questionamentos por parte dos contribuintes, vejamos: “§ 3º O disposto neste Capítulo não contempla os débitos apurados na forma do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional) de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006” (grifo meu). Não é objetivo do presente artigo descer às minúcias do regime de parcelamento instituído pela Lei 11.941/09, mas cabe frisar que esta não previu expressamente que os débitos do Simples Nacional estariam  a ela submetidos. Traçados os contornos gerais do parcelamento, passaremos à análise da questão foco que são as razões jurídicas que impedem a submissão dos débitos do Simples Nacional ao regime diferenciado de pagamento acima citado. 4 – A sistemática de recolhimento por meio do Simples Nacional A lei Complementar 123/06, cumprindo mandamento constitucional, instituiu um regime unificado de recolhimento dos tributos abrangidos pelo Simples Nacional, tendo o seu art. 13 o seguinte texto: “Art. 13.  O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:  I – Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ;  II – Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, observado o disposto no inciso XII do § 1o deste artigo;  III – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL;  IV – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, observado o disposto no inciso XII do § 1o deste artigo;  V – Contribuição para o PIS/Pasep, observado o disposto no inciso XII do § 1o deste artigo;  VI – Contribuição Patronal Previdenciária – CPP para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, exceto no caso da microempresa e da empresa de pequeno porte que se dedique às atividades de prestação de serviços referidas no § 5o-C do art. 18 desta Lei Complementar;   VII – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS;  VIII – Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS”. (grifo meu) Assim, fácil perceber que a sistemática de recolhimento por meio do Simples Nacional abarca não só tributos de competência da União, como também dos estados, municípios e do Distrito Federal, como é o caso do ICMS e ISS, que serão recolhidos em documento único e posteriormente repassados aos entes de direito, sem nenhuma possibilidade de retenção por parte da União. Diante desta constatação, seria lícito à União por meio de uma Lei Ordinária Federal instituir parcelamento para débitos de outros entes tributantes? Veremos no próximo tópico que a resposta a este questionamento é negativa. 5 – Vedação de isenção heterônoma e pacto federativo A Constituição ao tratar do Sistema Tributário Nacional criou as limitações constitucionais ao poder de tributar, e dentre elas ganha relevo a vedação à isenção heterônoma. O poder de isentar, e fazendo-se um paralelo, também o de autorizar o parcelamento, é inerente ao poder de tributar, sendo que somente o ente que possui capacidade tributária ativa em relação a determinado tributo é que poderá autorizar o seu pagamento em parcelas, seja com todos os encargos, ou ainda com anistia ou isenção parcial. Tal vedação está prevista no art. 151, III da CF/88, cujo teor reproduzimos abaixo: “Art. 151. É vedado à União: (…) III – instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios” (grifo meu) A previsão constitucional supra pode parecer desnecessária, pois seria uma questão de lógica que somente o ente tributante pudesse estabelecer isenções, mas assim foi feito para extinguir o instituto da isenção heterônoma presente no art. 19, §2º da CF/67. A finalidade de tal instituto é preservar o pacto federativo, mantendo-se a indempendência financeira necessária para a harmônica coexistência dos entes da federação, impedindo que alguns deles sejam subjugados aos outros, especialmente em relação à União, mantendo hígida a forma federativa de Estado, contrapondo-se à ideia de Estado Unitário. Diante do exposto, mostra-se evidente a impossibilidade de se autorizar o parcelamento de tributos pertencentes aos estados, municípios e Distrito Federal por meio de Lei Ordinária Federal, como é o caso em análise, pois isso representaria a postergação do pagamento dos valores devidos pelos contribuintes a título de ICMS e ISS, sem o consentimento do titular destas exações. 6 – Exigência de Lei Complementar para dispor sobre parcelamento do Simples Nacional Ademais, além da limitação constitucional ao poder de tributar acima descrita, temos que o regime do Simples Nacional exige Lei Complementar para dispor sobre seu parcelamento, conforme se depreende do art. 146, parágrafo único da CF/88, vejamos: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (…) d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)” (grifo meu) Assim, diante de uma vedação constitucional, somente a própria Carta Magna poderia estabelecer uma exceção, e no caso do Simples Nacional, afetou à Lei Complementar a tarefa de instituir regime de pagamento unificado, o que foi levado a efeito pela Lei Complementar 123/06, como já visto. Nesse contexto, interpretando-se o instituto de forma a abranger no conceito de regime de arrecadação o parcelamento, somente a Lei Complementar poderia instituir tal favor fiscal para os débitos do Simples Nacional, o que não é o caso da Lei 11.941/09. 7 – Decisões judiciais corroborando tal entendimento Não obstante a quantidade de questionamentos judiciais por parte de contribuintes que queriam ver seus débitos do Simples Nacional parcelados nos termos da Lei 11.941/09, tal tese não encontrou respaldo na jurisprudência pátria, que aplicando corretamente os princípios que norteiam o Direito Tributário, refutou tal entendimento, conforme ementas a seguir transcritas: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. LEI Nº 11.941/2009. SIMPLES NACIONAL. PARCELAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. ABRANGÊNCIA SOMENTE DOS DÉBITOS ADMINISTRADOS PELA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL E DÉBITOS PARA COM A PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL. ANÁLISE MINUCIOSA DOS DÉBITOS A PARCELAR. INCABIMENTO. PORTARIA CONJUNTA PGFN/RFB Nº 06/09. IMPEDIMENTO. VALIDADE. 1. A redação do art. 1º da Lei 11.941/09 indica que o parcelamento tem caráter bastante abrangente, alçando os débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e aqueles já inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. 2. O Simples Nacional consiste em regime simplificado que envolve tributos da titularidade de todos os entes políticos. Através do Simples Nacional são apurados e recolhidos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação e cuja regulamentação se dá por Comitê Gestor em que estão todos esses entes devidamente representados. 3. A União, na sistemática do Simples Nacional, é responsável apenas pela arrecadação e posterior repartição das receitas com os Estados e os Municípios, sendo estes responsáveis pela administração de seus respectivos débitos. 4. Desse modo, muito embora haja tributos federais incluídos no Simples Nacional, diante da existência também de tributos da competência dos Estados e dos Municípios, as empresas vinculadas ao Simples Nacional não poderão ingressar no parcelamento estabelecido pela Lei nº 11.941/2009. 5. O impedimento decorre do fato de que, além de não poder o legislador ordinário federal autorizar e/ou obrigar os demais entes da Federação a receber os seus créditos de forma parcelada, não poderia a União, sob pena de ilegalidade, conceder o parcelamento em caráter geral em relação aos tributos de competência dos Estados e dos Municípios. 6. É inconcebível que a autoridade responsável pela concessão do parcelamento tenha que analisar individualmente cada uma dos débitos que a contribuinte devedora deseje parcelar. O débito que se pretende pagar parceladamente é indivisível, fazem parte de um todo que não pode, para o fim de adesão ao parcelamento, ser repartido e esmiuçado. Para que incida o impedimento ao parcelamento somente interessa que o débito seja referente ao SIMPLES NACIONAL. 7. Não há ilegalidade na vedação instituída pela Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 6/09, porque não é possível que lei ordinária estabeleça a possibilidade de parcelamentos de tributos devidos a Estados e Municípios, sob pena de violação aos preceitos constitucionais. (TRF4, AC 0023551-94.2009.404.7000, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 12/01/2011) (grifo meu). TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – LIMINAR – PARCELAMENTO – LEI Nº 11.941/2009 – INCLUSÃO DE DÉBITOS DO SIMPLES – PORTARIA CONJUNTA PGFN/SRF Nº 006/2009 (ART. 1º, §3º). 2 –O parcelamento instituído pela Lei nº 11.941/2009 não se estende aos débitos remanescentes do “SIMPLES NACIONAL” (LC nº 123/2006), pois (art. 1º) ele se limita aos débitos administrados pela SRFB e PGFN, incluídos os remanescentes do REFIS (Lei nº 9.964/2000), do PAES (Lei nº 10.684/2003), do PAEX (MP nº 303/2006) e do Parcelamento Convencional do INSS (art. 38 da Lei nº 8.212/91), além dos decorrentes do aproveitamento indevido de créditos do IPI. 3 -O §3º do art. 1º da Portaria Conjunta PGFN/SRF nº 006/2009 em nada inovou no ordenamento jurídico, visto que o art. 1º da Lei n. 11.941/2009 não previu a inclusão dos débitos advindos do SIMPLES no novel parcelamento (matéria tributária é regida pelo princípio da legalidade estrita, não dando azo a interpretações extensivas). Pagamento parcelado de débito é favor fiscal, de conteúdo discricionário: cabe à lei dizer quais os débitos podem ser parcelados, o que não constitui ofensa à isonomia. Portaria que explicita conteúdo de lei não viola a hierarquia das leis. 4 -Parcelamento (favor fiscal opcional) é o previsto em lei (regido e adstrito às regras que o conformam), não aquele que a parte pretende usufruir, consoante o perfil econômico-financeiro que entender conveniente ou sem as limitações (de prazo e modo) que reputar desconfortáveis, sendo vedado ao Judiciário, ademais, legislar sobre o tema que, atinente a benefício tributário, reclama (art. 108 e 111 do CTN) interpretação restrita. 5 -Agravo de instrumento não provido. 6 -Peças liberadas pelo Relator, em 04/05/2010, para publicação do acórdão. (AG 0008088-13.2010.4.01.0000/DF, Rel. Desembargador Federal Luciano Tolentino Amaral, Sétima Turma,e-DJF1 p.338 de 14/05/2010) (grifo meu). TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO ESPECIAL. LEI N. 11.941/2009. VEDAÇÃO ÀS EMPRESAS OPTANTES DO SIMPLES NACIONAL. PORTARIA PGFN/RFB N. 6/2009. LEGALIDADE. 1. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança onde se busca a declaração de ilegalidade da Portaria PGFN/RFB n. 6/2009, que veda o acesso ao parcelamento especial da Lei n. 11.941/2009 às empresas optantes do “Simples Nacional”. 2. O fomento da micro e da pequena empresa foi elevado à condição de princípio constitucional, de modo a orientar todos os entes federados a conferir tratamento favorecido aos empreendedores que contam com menos recursos para fazer frente à concorrência, em consonância com as diretrizes traçadas pelos arts. 170, IX, e 179 da Constituição Federal. 3. O Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional, instituído pela Lei Complementar n. 123, de 2006, consubstancia-se em regime único de arrecadação, abrangendo tributos administradas por todos os entes políticos da Federação (arts. 1º e 13). 4. Apenas Lei Complementar pode criar parcelamento de débitos que englobam tributos de outros entes da federação, nos termos do art. 146 da Constituição Federal. 5. A  Portaria Conjunta PGFN/RFB n. 6/2009, que veda o acesso ao parcelamento especial criado pela União, por meio da Lei n. 11.941/2009, não é ilegal pois inexiste autorização de Lei Complementar para a inclusão dos tributos dos demais entes da Federação. 6. Consoante a redação do art. 155-A, do CTN, “o parcelamento será concedido na forma e condição estabelecida em lei específica”. A lei concessiva do parcelamento não contemplou os débitos do Simples Nacional, razão pela qual o ato normativo impugnado não extrapolou os limites legais. Recurso especial improvido. (REsp 1236488/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 03/05/2011)” (grifo meu). Como podemos notar, a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais se alinhou nesse sentido, e por último o STJ firmou a correção da tese aqui defendida, entendendo legal a vedação de que débitos do Simples Nacional fossem parcelados nos termos da Lei 11.941/09. 8 – Conclusão À guisa de conclusão cabe apenas reforçar o que restou demonstrado acima, no sentido de ser juridicamente impossível o parcelamento dos débitos do Simples Nacional pela sistemática instituída pela Lei 11.941/09, seja porque tal lei não previu isto expressamente, seja porque a Constituição Federal veda isenções heterônomas, e ainda por inexistir Lei Complementar que autorize tal favor fiscal. Ressalte-se, por fim, que os tribunais já demonstravam tal entendimento em relação ao parcelamento ordinário previsto na lei 10.522/02, não admitindo que débitos do Simples Nacional fossem, com base nela, parcelados.
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A prescrição do crédito tributário: interrupção pelo ajuizamento do feito executivo
O presente estudo tem como objetivo apontar como marco temporal interruptivo da prescrição da pretensão executiva do Fisco a propositura da Execução Fiscal, conferindo a adequada interpretação aos artigos 174 do Código Tributário Nacional e o parágrafo 1º do artigo 219 do Código de Processo Civil.
Direito Tributário
1 Introdução Tema dos mais calorosos na seara jurídica o instituto da prescrição fomenta no âmbito do Direito Tributário discussões ricas em singularidades e repercussão prática. De um lado figura o Estado tributante, e, de outro, o indivíduo na sanha de frear tal atividade e resguardar seu patrimônio. Nesse contexto, a prescrição funciona como instrumento válido e primordial, ostentando natureza de matéria de ordem pública, a domar a atividade tributária do ente estatal e garantindo a necessária segurança jurídica. A prescrição encontra íntima ligação à pretensão jurisdicional. A análise do instituto em tela dar-se-á, no presente estudo, de forma a identificar como marco temporal interruptivo do prazo prescricional para o Fisco deduzir sua pretensão executiva em juízo a data do ajuizamento da Execução Fiscal, de forma a aplicar-se sistematicamente os dispositivos 174 do Código Tributário Nacional e o parágrafo 1º do art. 219 do Código de Processo Civil. O enfoque em questão é o que melhor se amolda ao entendimento que vem sendo esposado pelo Superior Tribunal de Justiça. Ressalve-se que esta breve reflexão pautar-se-á pelas vicissitudes da ciência tributária. 2 A prescrição como instrumento garantidor de segurança jurídica  Não é despiciendo lembrar o sustentáculo do poder de tributar, que encontra guarida no consentimento dos indivíduos, aos seus representantes políticos, no que concerne à instituição e cobrança do tributo. Eis aí a legitimidade do próprio poder de tributar do Estado. Nesse aspecto, a tributação é o instrumento de que se tem valido o Estado para a consecução de seus fins institucionais. Sendo a soberania caracterizada como a vontade superior às vontades individuais, o poder de tributar é o aspecto da soberania estatal em seu plano interno. Pertinentes as palavras de Hugo de Brito Machado neste contexto: “Importante, porém, é observar que a relação de tributação não é simples relação de poder como alguns têm pretendido que seja. É relação jurídica, embora seu fundamento seja a soberania do Estado”. (MACHADO, 2006, p.53, destaques no original). Portanto, a prescrição há de ser entendida e estudada sob seu aspecto jurídico, de forma a dar validade à cobrança do tributo, que não ocorre sem freios, sopesando-se a necessidade do Estado em angariar recursos para consecução de suas finalidades institucionais e o legítimo direito do indivíduo que sofre a tributação em ter seu patrimônio invadido com estrita observância de um devido processo legal. 3 Interrupção do prazo prescricional pela propositura da Execução Fiscal – cessação da inércia do Fisco O art. 174 do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1996) traz o vinco temporal para o Fisco exercer a pretensão de cobrança judicial do crédito tributário, estipulando que tal ente teria o prazo de cinco anos para tal, contados da sua constituição definitiva.[1] Portanto, constituído o crédito tributário devidamente, respeitando-se o prazo decadencial, restará iniciado o lustro prescricional quinquenal para o Fisco exercer a pretensão de cobrança judicial do crédito tributário. Importante notar que a idéia de pretensão dissociada de ação passou a ser desenhada com a autonomia do Direito Processual, de forma que a ação não se identifica mais com o próprio direito material, não sendo mais reflexo deste a partir de sua violação. O que se tem é o surgimento da exigibilidade do direito, a indigitada pretensão, por ter o seu titular o poder de exigir do obrigado a realização do direito. A doutrina abalizada é no sentido de que: (CUNHA, 2009, p.69) “Em outras palavras, no exercício da pretensão, o titular do direito apenas exige seu cumprimento, aguardando o correlato atendimento pelo obrigado. Já na ação, não há tal atitude passiva de espera do cumprimento, despontando, isto sim, a prática de atos conducentes à realização do direito.” Assim, nasce ao Fisco a pretensão de cobrança do crédito tributário a partir do momento em que este resta definitivamente constituído, seja por meio de declaração pelo próprio contribuinte que, não obstante exercer o dever instrumental de declará-lo não o paga, como nos casos de lançamento por homologação, seja nas demais modalidades de constituição como o lançamento de ofício em que o ente tributante sujeita-se ao prazo decadencial para lançar o tributo, constituindo-o, para então exigi-lo. Ao Fisco cabe exigir tal pretensão, via exercício do direito de ação, no prazo de cinco anos da constituição definitiva. Por outro lado, a inação do Fisco credor, que é o alvo da prescrição, cai por terra com o ajuizamento da execução fiscal. Tal marco temporal finca, de maneira imune de dúvida, o nascimento da exigência da pretensão via direito de ação, “revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174, do CTN).” [2] Aliás, o parágrafo 1º, do artigo 219, do Código de Processo Civil, estipula que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, conduzindo ao entendimento, no campo tributário, de que o despacho ordenador da citação retroage à data do ajuizamento do feito executivo, que deve ser exercido no lustro prescricional. Eis a melhor interpretação que o exegeta pode extrair das regras expostas pelo ordenamento jurídico pátrio, espelhando, aliás, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme acima exposto. Portanto, utilizando-se a pertinente interpretação sistemática, se a interrupção da prescrição retroage à data da propositura da ação, o que faz interromper o lustro prescricional, verdadeiramente, é tal ato e não o despacho citatório. E assim o é porque o despacho que ordena a citação apenas reconhece a efetivação do exercício do direito de ação pelo Fisco, que ao agir de tal forma, coloca fim em eventual conduta inerte, que é o alvo da prescrição. 4 Conclusão Destarte, o panorama traçado e as considerações ponderadas forçam concluir que o prazo para o Fisco exercer seu direito de ação e cobrar sua pretensão nascida anteriormente resta interrompido com a devida propositura da Execução Fiscal, e não com o despacho citatório. Tal interpretação, conforme verificado no desenvolvimento desse breve estudo, reflete o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, intérprete da legislação infraconstitucional, de forma a conferir a devida lógica à ciência jurídica e suplantar a mera e rasa interpretação literal.
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Hipóteses de cabimento de exceção de pré-executividade na Execução Fiscal
O presente artigo analisará o conceito e o cabimento da Exceção de Pré-executividade, tendo como enfoque a analise da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Será demonstrada qual a importância da referida defesa como forma de garantir o devido processo legal e a ampla defesa.
Direito Tributário
1.  Noções sobre Execução Fiscal Após o lançamento tributário [1], com a notificação do sujeito passivo, o procedimento administrativo é esgotado, sendo necessário que ocorra a inscrição do crédito em Dívida Ativa para que possa ser ajuizada a execução fiscal, a qual constitui título executivo de acordo com o art. 585, VII, do CPC.[2] A execução fiscal para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida pela Lei n. 6.830/80 e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil. De acordo com o art. 2º, § 4º, da referida lei, a Dívida Ativa da União será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional. Os requisitos do Termo de Inscrição de Dívida Ativa estão previstos no art. 2º, § 5º da referida lei: “§ 5º – O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter: I – o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros; II – o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato; III – a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida; IV – a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo; V – a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e VI – o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida” De acordo com o art. 3º da referida lei, a Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez. Porém, tal presunção é relativa, pois pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite (parágrafo único do referido artigo). O título é certo quando não há controvérsia quanto a existência do crédito, logo, se o título executivo foi formalmente perfeito, será certo o crédito nele contido. O título é líquido quando determinado o valor e a natureza daquilo que se deve. Por fim, a exigibilidade decorre do esgotamento da esfera administrativa, através da onstituição definitiva do crédito, após o seu vencimento. Admitida a ação, o devedor é citado para pagar ou nomear bens à penhora em cinco dias [3], permanecendo inerte, será dado prosseguimento à execução fiscal. Cumpre mencionar que de acordo com o art. 185-A do Código Tributário Nacional, incluído pela Lei Complementar n. 118/05, estabelece a possibilidade de indisponibilidade dos bens e direitos do devedor, na seguinte hipótese: “Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. (Incluído pela Lcp nº 118, de 2005)”. Cabe ressaltar que a Lei n. 6.830/80 possibilita a emenda ou substituição da Certidão de Dívida Ativa (CDA), desde que ocorra até a decisão de primeira instância, assegurando ao executado a devolução do prazo para embargos (no art. 2º, § 8º). Caso o juiz reconheça a impugnação de parte da dívida representada numa Certidão da Dívida Ativa, não poderá prosseguir no valor remanescente, uma vez que tal postura representaria lançamento tributário substitutivo em relação àquele considerado inválido. Para tanto, deverá a Fazenda emendar ou substituir a Certidão de Dívida Ativa apresentada, nos termos do art. 2º, §8º da Lei 6830/80. Atente-se, porém, para os casos em que a execução refere-se a débitos autônomos, representados por Certidões distintas, em que a invalidade de uma não impede o prosseguimento do processo em relação às outras. 2. Conceito de Exceção de Pré-executividade Antes de garantir o juízo, o executado poderá alegar matérias com a finalidade de demonstrar que a execução não preenche todos os requisitos legais, sendo que tal manifestação feita através de simples petição foi denominada pela doutrina e pela jurisprudência de Exceção de Pré-executividade que decorre do princípio do devido processo legal, princípio do contraditório e o princípio da ampla defesa, todos previstos no art. 5°, LIV, LV, XXXV da Constituição Federal. Ou seja, é um meio de defesa incidental aceito pelos Tribunais. O art. 16, § 1º, da LEF determina que “não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução”, contudo, isto não impede a apresentação de Exceção de Pré-executividade. Dessa forma, tal meio processual resultou de construção da doutrina e da jurisprudência, uma vez que não há dispositivo legal que estabeleça tal modalidade de defesa. Contudo, tal instrumento está embasado na Constituição Federal, através dos seguintes princípios: Inafastabilidade do controle judicial – Art. 5°, inciso XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; Contraditório e ampla defesa – Art. 5°, “LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” e “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Sobre o conceito de exceção de pré-executividade já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça: “A exceção de pré-executividade é espécie excepcional de defesa específica do processo de execução, admitida, conforme entendimento da Corte, nas hipóteses em que a nulidade do título possa ser verificada de plano, bem como quanto às questões de ordem pública, pertinentes aos pressupostos processuais e às condições da ação, desde que desnecessária a dilação probatória” (REsp 915.503/PR, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, DJ 26/11/2007). Com relação ao prazo para sua apresentação, considerando que não há prazo legal fixado, recomenda-se que seja protocolada 5 (dias) após a citação, ou seja, no mesmo prazo que o devedor possui para pagar ou nomear bens à penhora. Caso contrário, ocorrerá o risco de ser efetuada penhora, o que dará ensejo à oposição de embargos, dentro do prazo de 30 dias. 2.1. Hipóteses de cabimento 2.1.1. Matérias de ordem pública Poderá ser alegada a ausência das condições da ação ou na inexistência de pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo executivo. No que tange às condições da ação, determina o Código de Processo Civil, art. 267, inciso VI, abaixo transcrito, são três as condições da ação: possibilidade jurídica, legitimidade das partes e interesses processual. “Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005) IV – quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; Vl – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”; A legitimidade consiste na pertinência subjetiva da demanda, constando as partes legalmente competentes para o pólo ativo (autor da ação) e para o pólo passivo (réu da ação). O interesse de agir, previsto como requisito do art. 3o do CPC, no sentido de que para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade, consiste no binômio necessidade/utilidade. A utilidade significa que a ação é capaz de trazer resultado útil para as partes, sendo que a necessidade significa que é imprescindível a tutela jurisdicional para que o autor possa obter o resultado desejado. Portanto, a utilidade se insere na própria necessidade, por isso, deve ser perguntado: a ação proposta é adequada para a finalidade a que ela se destina? Por fim, deve ocorrer a possibilidade jurídica do pedido. Nessa linha, posiciona-se o Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a “exceção de pré-executividade é servil à suscitação de questões que devam ser conhecidas de ofício pelo juiz, como as atinentes à liquidez do título executivo, os pressupostos processuais e as condições da ação executiva” [4] Ou seja, devem ser apresentadas matérias de ordem públicas conhecidas de ofício pelo juiz, caso contrário, a parte deverá aguardar penhora para interposição de embargos, ou efetuar depósito ou requerer fiança bancária para interpor embargos, através dos quais poderá alegar toda matéria útil à sua defesa, nos termos do art. 16, § 1º da Lei de Execuções Fiscais, ora transcrito: “Art. 16 – O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: I – do depósito; II – da juntada da prova da fiança bancária; III – da intimação da penhora. § 1º – Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução. § 2º – No prazo dos embargos, o executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas, até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite”. 2.1.2. Impossibilidade de dilação probatória O Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula n. 393, segundo a qual “a exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória” (DJe 07/10/2009). 3. Análise das hipóteses de cabimento da Exceção de Pré-executividade de acordo com a jurisprudência pátria 3.1. Alegação de pagamento De acordo com o art. 156, I, do CTN, o pagamento extingue o crédito tributário. Porém, necessário mencionar que o pagamento deve ser integral, uma vez que o pagamento parcial não importa em presunção de pagamento. [5] Dessa forma, a jurisprudência vem admitindo a alegação de pagamento como matéria alegada em Exceção de Pré-executividade, salvo se a comprovação do pagamento demandar dilação probatória, como perícia, por exemplo. “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. REITERAÇÃO DA AÇÃO NÃO COMPROVADA. AUSÊNCIA DE GARANTIA. POSSIBILIDADE. MATÉRIA APRECIÁVEL POR EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. I – Rechaça-se a alegação da União de nulidade da sentença em razão de que já houve outros embargos da mesma natureza, com trânsito em julgado. A União restringiu-se a apenas alegar tal fato, sem trazer nenhuma prova, tão-somente faz referência a documento constante das “fls. 09/10v. do apenso” que não se encontra acostado aos autos, tornando-se impossível tal verificação. II – A matéria de defesa veiculada nos presentes embargos, qual seja, o pagamento, poderia ter sido apresentada até mesmo por meio de exceção de pré-executividade, que por sua vez dispensa o oferecimento de garantia. III – A rejeição dos presentes embargos importa em cerceamento de defesa, especialmente quando se trata de possível esvaziamento da certeza e exigibilidade da CDA. IV – Apelação provida. Sentença Anulada. (AC 200102010235711, Desembargadora Federal LANA REGUEIRA, TRF2 – QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, 29/11/2010) EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PAGAMENTO. NECESSIDADE DE PERÍCIA. 1. É possível a alegação de pagamento em sede de exceção de pré-executividade, desde que demonstrado de plano, o que inocorre nos autos, pois foram trazidos documentos com diversos valores, retificações e dados que, apenas após a devida análise por um expert, possibilitarão comprovar ou infirmar a alegação da autora. 2. Agravo interno improvido.(AG 200502010127520, Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES, TRF2 – QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, 04/12/2009).”
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A constitucionalização e a força normativa dos Princípios Tributários: Uma perspectiva axiológica-pragmática
Resumo : Este artigo trata dos princípios tributários e a sua constitucionalização. Enfoca precipuamente a acolhida da idéia acerca da sua força normativa, e repercussões no plano axiológico e de aplicação do direito em resposta às demandas dos cidadãos. Volta-se, em especial, para tais questões no espaço das relações tributárias, onde emergem as figuras do Estado e do contribuinte. Faz-se referência à processualidade histórica na qual se definem a força do poder estatal, manifesta no exercício do seu poder soberano, e da afirmação dos direitos individuais com o reconhecimento da cidadania e das necessárias limitações a esse poder. Com a  constitucionalização dos direitos, acolhem-se os princípios, contexto em que se estabelece o debate sobre a sua força normativa. Voltando-se para essa questão central, demonstra-se aqui que a força normativa dos princípios tributários pressupõe a transposição do mundo metafísico para o fático, pela via da interpretação extensiva e corrente dos aplicadores do direito, requisito não somente para a legalidade, mas para a legitimidade da relação do fisco com o cidadão contribuinte.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO A relação entre Estado e contribuinte tem sido objeto de intenso debate. É fulcro de uma luta histórica da qual nasceram os pressupostos fundamentadores da afirmação dos direitos. Antecedendo a construção de um ordenamento jurídico onde o exercício do poder de tributar ficou clarificado, e os direitos dos contribuintes assegurados, esse processo histórico foi marcado pela dinâmica dialética do confronto das idéias. Assim, não foi no plano fático, mas axiológico, metafísico, que se estabeleceram os fundamentos do que viria a consubstanciar, na norma positiva, a regulação do interesse estatal em estabelecer e cobrar tributos, delimitando-se o sentido e alcance da responsabilidade do contribuinte em responder a esse propósito. A tradição histórica situou primeiramente no Direito Natural a fonte e substrato da origem do Direito, expressando a compreensão dos direitos humanos em contraposição ao Estado.  A idéia de valores e normas não positivas, antecedendo ao Direito, tornou-se a referência para firmar-se um consenso coletivo de oposição legítima ao ente estatal autoritário. No final do século XVIII, esse pressuposto de direitos humanos com gênese nu direito natural foi decisiva para que se firmasse a supremacia da vontade geral sobre a vontade exclusiva do governante.   O desenrolar histórico do racionalismo do qual emergiu essa idéia, porém, conduziu a caminho alternativo: a negação desse direito natural, colocando a primazia e exclusividade da norma positiva. Os rumos do juspositivismo culminaram com a teoria pura do direito de Kelsen e em uma tendência de interpretação e aplicação do Direito na qual os princípios jurídicos, embora albergados nas Constituições de todo o mundo, não tiveram senão um papel de referência, sem força normativa. Um retorno ao diálogo entre a axiologia e a normatização substitui o rigor da interpretação juspositivista, delineando o cenário do reconhecimento da força normativa dos princípios, o que motivou a realização deste estudo, em razão das implicações para a garantia e efetividade dos direitos humanos e, mais especialmente, dos direitos do cidadão contribuinte.  Este artigo, partindo do registro da processualidade histórica da qual emanaram as idéias sobre o direito natural, o direito positivo, trata da inclusão dos princípios nas Cartas Constitucionais. Nessa seara, emergem como igualmente relevantes os princípios tributários, base deste trabalho. Demonstra-se a imprescindibilidade não somente de ser acolhida a tese da sua força normativa, mas de se concretizá-la, a partir da superação definitiva da visão juspositivista, de modo que possa ocorrer o real encontro da norma com os valores essenciais a todo ser humano. 2 O DIREITO NATURAL E INFLEXÕES SOBRE AS TEORIAS SOBRE O PODER As bases do Direito contemporâneo derivam da contraposição entre o direito natural e o positivo. O primeiro fundamentou as idéias da corrente jusnaturalista, a qual entendia ser o direito natural constituído por “valores, princípios, obrigações e também as regras da própria natureza, que influenciam a vida do homem em sociedade” (SABADELL, 2002, p. 22). Segundo o jusnaturalismo, o poder do Estado “[…] tem um limite externo: que decorre do fato de que, além do direito proposto pela vontade do príncipe (direito positivo), existe um direito que não é proposto por vontade alguma, mas pertence ao indivíduo, a todos os indivíduos, pela sua própria natureza de homens, independentemente da participação desta ou daquela comunidade política. Estes direitos são os direitos naturais que, preexistindo ao Estado, dele não dependem, e, não dependendo do Estado, o Estado tem o dever de reconhecê-los, não pode violá-los, pelo contrário, deve assegurar aos cidadãos o seu livre exercício” (BOBBIO, 2004, p. 15-16). A inflexão da tradição jusnaturalista antiga pode ser encontrada na distinção dada por Glück (1888) apud Bobbio (1995, p. 21): “O direito distingue, segundo o modo pelo qual advém à nossa consciência, em natural e positivo. Chama – se direito natural o conjunto de todas as leis, que por meio da razão fizeram – se conhecer tanto pela natureza, quanto por aquelas coisas que a natureza humana requer como condições e meios de consecução dos próprios objetivos […] chama–se direito positivo, ao contrário, o conjunto daquelas leis que se fundam apenas na vontade declarada de um legislador e que, por aquela declaração, vêm a ser conhecidas.” O direito natural, no sentido teorético, resultou do pensamento reflexivo clássico[1]. Nos gregos estão as referências primordiais sobre a questão. O jusnaturalismo universal tem as suas fontes na Grécia Antiga, daí ser “uma referência permanente para os juristas” (GONÇALVES, 2007, p. 9). Foi o pensamento filosófico que levou à reflexão profunda sobre o ser e o mundo, daí nascendo a visão grega do homem como ser dotado de entendimento, que pode alçar vôo até compreender a mais recôndita das verdades, aquela acerca da sua natureza[2]. O embate entre a razão e as crenças místicas conduziu os gregos à filosofia, como momento em que se firma a construção de um conhecimento baseado no pensamento autônomo do sujeito, de onde nasceu a idéia de uma universalidade do caráter humano, expressa no “princípio da irmandade universal da humanidade” (GONÇALVES, 2007, p. 12). A razão tornou-se o instrumento de acesso a verdades comuns, universalmente postas e partilhadas por todos os homens. Por meio da racionalidade o homem pode compreender e identificar valores que transcendem as culturas e os tempos, tais como a liberdade e a igualdade. A valoração do homem pode ser entendida como uma posição do pensamento grego com o que até então se entendia por existência humana. A filosofia deixou de buscar referências em crenças e mitos que explicavam o mundo, e colocavam o ser humano na dependência da vontade de deuses e na submissão a um destino inexorável. A razão, colocando o homem não mais como objeto de vontades exteriores, mas como ser auto-determinado, que pode elaborar um sentido e um significado ao seu viver, também o conduziu à concepção dos direitos naturais. Não está dissociada dessa idéia outro entendimento, vinculando a origem do direito natural na divindade[3].  Porém, com a afirmação da racionalidade, a partir do desenvolvimento do pensamento filosófico, ganhou força o sentido de lei natural, não como criação do homem, mas como conteúdo que pode ser compreendido por meio da razão. Portanto, o acesso da razão à imanência do direito natural como fundamento das construções normativas humanas e gênese de valores inseparáveis do homem como ser para si, estabeleceu o descentramento em relação à perspectiva da sujeição a forças e desejos de seres sobrenaturais. Compreende-se a importância desse caminho alternativo para dimensionar o direito natural em relação ao homem, enfocando a subjetividade e a razão[4] como partes indissociadas, das quais se pode elaborar uma forma de explicação e compreensão do viver em sociedade como uma relação pautada não somente em objetivos partilhados, mas, sobretudo, em regras de convívio. Remetendo ao pensamento filosófico, é importante comentar a visão de Aristóteles[5], para quem o direito natural deve ser compreendido como uma força que supera a mera vontade dos homens, tendo validade universal e sendo a-temporal, ao contrário do direito dos homens[6], ainda que estes encontrem sua fundamentação e razão nesse direito da natureza. É sua tal distinção quando faz menção à justiça: “A justiça política é em parte natural e em parte legal. A parte natural é aquela que tem a mesma força em todos os lugares e não existe por pensarem os homens deste ou daquele modo. A legal é o que de início pode ser determinado indiferentemente, mas deixa de sê-lo depois que foi estabelecido” (ARISTÓTELES, 2007, p. 117). Embora o pensamento aristotélico tenha sido pautado em fundamentos racionais, nele ainda se identifica a idéia da transcendência do direito natural como indiscutível relação com um mundo superior, na ordem espiritual. Essa perspectiva foi abandonada pelos filósofos estóicos, que também estabeleceram uma visão dogmática dissociando o direito natural do positivo, entendendo que são duas vias distintas, sendo este último produto da imperfeição e limitação humana.  De acordo com Del Vecchio (2004), os estóicos separaram o Estado civil do estado de natureza. As leis naturais somente em parte se aproximam das leis humanas, mas têm como distinção em relação a estas uma validade universal, o que lhes confere uma superioridade e uma posição de referência elementar para todos os homens. Estes, pela razão, podem chegar ao fundamento último de toda a existência e do cosmos, isto é, o âmbito insuperável do direito natural.   O cerne do pensamento grego pode ser compreendido quando se leva em conta a visão cosmológica, em torno da qual a sua filosofia foi construída. De onde se pode distinguir uma preocupação em compreender o mundo a partir da perspectiva racional, identificando uma ordem no universo. A razão é uma força que permeia todo o universo, e por isso se transforma, segundo os estóicos, na única fonte possível de convergência entre o homem e a realidade para além da existência imediata. Referem-se assim à razão com mediação para o acesso a valores imutáveis a serem observados na organização e nas condutas da vida em sociedade. Essa percepção de uma ordem natural foi assim lógica[7] decorrente da cosmovisão grega:     “[…] o Direito Natural clássico dos gregos compreende uma concepção essencialista ou substancialista do Direito Natural: a natureza contém em si a sua própria lei, fonte da ordem, em que se processam os movimentos dos corpos, ou em que se articulam os seus elementos constitutivos essenciais. A ordem da natureza é permanente, constante e imutável. Trata-se da concepção cosmológica da natureza, que marcou o pensamento grego pré-socrático, destacando-se três pensadores – Anaximandro, Parmênides e Heráclito” (TEIXEIRA, 1990, p. 126). Porém, não foi a concepção dos filósofos gregos que orientou o entendimento romano sobre o direito natural. Neste particular, é possível discernir outra lógica, subjacente ao olhar dos romanos em geral sobre o mundo e o homem. Sobretudo em princípio, se ocuparam das questões práticas, relativas à organização da coletividade, a res publica[8]. Somente com a interpenetração entre a cultura romana e helênica, aportaram as idéias gregas de onde iria emergir a idéia do direito natural, consubstanciada nas ponderações de Cícero. Não fez referência a um direito nascido da natureza no sentido estrito dos gregos, mas a um direito inerente à natureza do homem em si, como ser, sujeito. Foi, portanto, menos metafísico e mais subjetivista, colocando que “Para explicar a natureza do direito, é preciso ir descobri-la na natureza do homem” (De Legibus, I, 17, apud BARROS, 2006). Os juristas romanos, como Ulpiano, inscreveram o direito natural como referência para o desenvolvimento do arcabouço jurídico que iria transpor gerações. Porém, nesse caso, houve uma mudança de perspectiva em relação à visão de Cícero e os filósofos estóicos. Encaminhando seu trabalho jurídico no sentido de uma práxis, mais do que num sentido metafísico, os juristas romanos estabeleceram eixos norteadores para a interpretação do direito natural, conformando-o ao conjunto normativo no contexto do trabalho de positivação do Direito romano[9]. Daí emergiu “um direito natural que fica enquadrado na legislação romana, fazendo firmes certos conceitos fundamentais e certas máximas axiomáticas fundamentais” (SCHULZ, 1990, p. 55). O cristianismo aportou outras importantes referências para a construção de novas compreensões das relações individuais e coletivas, com a preocupação de construir uma cosmovisão e uma interpretação do homem e do mundo a partir do olhar dos valores e conceitos próprios do cristianismo. O pensamento cristão, inicialmente, aproximou-se da herança clássica. O direito natural, na visão cristã primordial, foi abordado com base nas idéias dos filósofos estóicos. Tomou deste a concepção de um direito natural absoluto e, com base na crença da “queda” bíblica do homem, firmou o entendimento de que, em princípio, os homens viviam em estado de natureza, livres dos vícios, sem necessidade do Estado e de uma normatização jurídica impondo restrições e regras comportamentais[10]. Essa concepção cristã sobre o direito natural cristaliza-se mais firmemente com Santo Agostinho[11] (354-430 d.C.), principal representante da Patrística[12]. Mais adiante, no século XI, outro eminente pensador buscou a conciliação das crenças cristãs com a filosofia, Tomás de Aquino (1226-1274), partindo também da idéia de um direito natural anterior ao homem. Sua doutrina moral e política, mais conhecida como tomismo, a qual pode ser rastreada até dois elementos-chave: a lei e a ordem. Argumenta Reale (1991, p. 638) que a lei compreende “uma ordenação da razão no sentido do bem comum, promulgada por quem dirige a comunidade”. A lei assume valor universal, pois não diz respeito apenas à regulação da vida dos homens. É norma absoluta, aplicável a todas as coisas, ao universo. E a ordem, nesse cosmos, é o sentido ou produto da normatização cuja gênese está no criador do universo, isto é, Deus. Por meio da lex eterna, se estabelecem as bases pelas quais o homem e tudo o mais podem coexistir, sendo nesse sentido uma razão universal que permeia o ser em si. A lei divina é essa razão revelada, consubstanciada nas leis escritas pelas quais os homens podem aproximar-se da ordem natural: “A lei divina, de certa forma, é lei positiva, porque é lei posta, tornada explícita por Deus para conhecimento dos homens, incapazes de determinar por si mesmos todos os princípios da vida prática” (REALE, 1991, p. 638). Encontra-se aqui o teor do pensamento tomista com relação ao que entende por lei, não no sentido moderno da norma jurídica positivada, mas enquanto regra vinculada a valores emanados da divindade, informadores de todas as condutas e da organização social e política humana. A sociedade política nada mais é, portanto, do que a sociedade de homens cuja origem está em Deus, e cujo destino é retornar a ele. Daí o entendimento de que o Estado, embora distinto da Igreja, não é substancialmente diferente de tudo o mais, já que tem origem na criação divina: “O Estado é desejado por Deus e tem, como função atribuída por Deus, o dever de servir de instrumento à expressão da natureza social do homem” (MORRISON, 2006, p. 83). A afirmação da convencionalidade como substrato da organização da vida em sociedade e efetivação de princípios elementares para uma ordem prática, independendo de considerações metafísicas surgiu apenas no Renascimento, o que é atribuído por Bobbio (1995) ao surgimento do Estado moderno, num período de recrudescimento ou retorno da razão frente à antiga visão medieval de base teológica. Pode-se afirmar então que nesse momento estavam presentes os fundamentos para a superação de antigos paradigmas[13] de pensamento destacando-se, porém, que para isso contribuiu um processo anterior de progressiva desconstrução das bases teóricas da abordagem das questões políticas, tais como fundamentos do poder do estatal, relações entre Estado e indivíduo, formas de exercício do poder político, entre outros aspectos. A despeito da contribuição de pensadores medievais que preparam o caminho para a emergência de uma nova visão do homem e do mundo, é inquestionável a figura de Machiavel, que aparece como aquele que primeiro traça um percurso novo para o pensamento político, libertando-se das amarras de um aporte prévio, sob influências dogmáticas e concepções pré-existentes, sobretudo a teológica e metafísica. Nesse sentido, o pensamento maquiavélico supera o idealismo encontrado nos debates teológicos medievais, preocupados em discernir elementos valorativos na relação entre a autoridade e seus súditos. Maquiavel não se ocupou das suposições sobre a essência do poder, mas com os aspectos práticos do seu exercício[14], transpondo assim o modelo escolástico de raciocínio até então predominante. Para isso, buscou na realidade histórica elementos que permitissem analisar as formas e meios pelos quais os governantes estabelecem relações de autoridade com seus súditos ou governados. Analisando o foco posto por Maquiavel na realidade como fonte originária da compreensão do poder em sua concretude e efetividade[15] como ação, e não quanto aos seus significados possíveis, Ricciardi (2005, p. 39) comenta: “Se o objetivo for uma ação política digna de êxito, é necessário ler os tempos e suas contínuas mudanças, ainda que a realidade não seja completamente disponível à ação consciente e virtuosa.” Enfocando a imanência do poder político, historicamente situado na trama das relações concretas e imediatas entre os homens, e não num plano transcendental, metafísico, Maquiavel define o percurso do pensamento racional para se chegar à compreensão das questões práticas relativas ao exercício do poder. Em sua obra “O Príncipe”, Maquiavel deixa claro que não podia mais subsistir uma idéia de poder na condição de situação abstraída da realidade, ou seja, idealizada filosoficamente ou com base nas crenças religiosas voltadas para a gênese e a justificação da sua existência na vontade divina. Maquiavel proclamou a necessidade de se concentrar na “verdade efetiva”, para daí se extrair os elementos fáticos, os princípios que fundamentam o poder enquanto práxis, e não como conjunto de valores ou dever-ser.  A construção lógica do pensamento maquiavélico caracteriza, portanto, um modo próprio de abordar o poder político, deixando de lado tudo o que não fosse aplicável, como conhecimento útil para os atos e decisões de governo. O direito natural na órbita do pensamento de Maquiavel pode ser entendido então como o adensamento da questão de uma base legal para o exercício do poder político, abstraindo-se os valores que, justamente pelo enfoque da práxis como necessária relação com objetivos do exercício do poder, são abstraídos nesse enfoque. Esse centramento estrito nas escolhas pessoais do indivíduo, na condição de governante, é considerado como o momento de enraizamento da modernidade que se volta apenas para o homem e sua vontade. Em decorrência, as críticas a Maquiavel voltaram-se para a depreciação do seu pensamento, considerado não somente a-moral, mas “imoral”. Deu-se assim a supervalorização do indivíduo, substituindo o período medieval da preocupação com o mundo espiritual, no qual o homem assumia condição coadjuvante, ou pelo menos, onde a sua compreensão somente se dava pela conexão com o divino.  Cabe fazer menção a Voegelin (1982) e suas críticas a essa modernidade que se inicia com um novo olhar sobre o homem e seu lugar no contexto sócio-político. O autor entende que se trata de uma perda de perspectiva sobre o ser em si, conduzindo a um caminho no qual a política e as questões cruciais da sociedade se tornam objeto de pura racionalização, como se toda consideração de ordem metafísica ou questão moral fosse pura introspecção destituída de validade. Seguindo esse percurso histórico, outro importante pensador moderno, Thomas Hobbes, também elaborou suas idéias no intuito de tratar das coisas terrenas, embora faça menção à vontade divina. Mas seu foco preciso foi tratar das ações humanas, desenvolvendo a sua teoria sobre as origens do poder político, na figura do Estado. Utiliza o direito natural como forma de realçar a importância e necessidade do direito positivo, como expressão da vontade do Estado e instrumento pelo qual é possível subtrair-se a sociedade da situação de violência que existia quando os homens viviam em estado de natureza. O contrato social surge do que Hobbes chama de terceira lei natural. É um pacto emergente da razão que leva os homens a perceberem a inelutável relação entre os desejos pessoais, a liberdade irrestrita e a perenidade dos conflitos. As leis naturais conduzem os homens à busca do convívio e da proximidade, porém não são suficientes para garantir a paz entre eles. Em decorrência, é preciso que se elaborem as leis não-naturais, e isso só ocorre quando a razão os conduz à criação do Estado. A efetividade do contrato social está na garantia que o ente estatal oferece, de que o contrato não será violado: “Embora possa haver alguma tendência natural a usar os contratos, estes serão inúteis a menos que exista algum poder capaz de fazê-los cumprir – e punir seu rompimento -, mas tal poder é, ele próprio, criado pelo pacto” (MORRISON, 2006, p. 110). É essa mesma garantia estatal que define de forma precisa a propriedade como direito, pois fora da estabilidade assegurada pela força superior do Estado torna-se impossível qualquer posse perene pacífica. Num estado de liberdade irrestrita, todos podem fazer o que bem entenderem, e a apropriação do que é do outro não é senão o direito que o tomador se arroga. A ausência de regras torna a posse violenta uma regra natural.  O contato social cria o Direito, e com ele surge a figura do soberano. Este é mais do que a figura do rei ou do indivíduo que governa, é uma instituição emergente da vontade dos que cederam parte da sua liberdade nesse pacto coletivo. Designa tanto um homem, como uma assembléia de indivíduos. O soberano representa a vontade geral que assume, pelo pacto coletivo, a forma de uma vontade única na figura do Estado, “de cujos atos cada um dos membros de uma grande multidão, por acordos mútuos, transformou-se em autor, a fim de que ela possa usar a força e os meios de todos eles, como lhe parecer oportuno, tendo em vista a paz e a defesa comuns a todos (LEVIATÃ, 18:122 apud MORRISON, 2006, p. 112). Há que identifique no pensamento hobbesiano a glorificação do poder irrestrito do soberano, a justificação do absolutismo inglês, pois Hobbes considera inadmissível que aquele que foi designado pelo pacto social para sobrepor-se a todos os demais, a fim de garantir que os homens não façam o que bem entenderem, em prejuízo uns dos outros, seja limitado por esses mesmos indivíduos: “O soberano de um Estado, quer se trate de um homem, quer de uma assembléia, não tem de sujeitar-se às leis civis. Como tem o poder de criar e revogar as leis, deve libertar-se dessa sujeição quando bem lhe aprouver, revogando as leis que o incomodam e criando novas leis; e, conseqüentemente, já era livre antes, uma vez que é livre todo aquele que pode ser livre quando quiser” (LEVIATÃ, 26:184 apud MORRISON, 2006, p. 112). Embora essa afirmativa possa ser considerada como a validação da imperatividade absoluta do soberano, deve-se observar que Hobbes não pretende derrogar o direito individual ao afirmar que a vontade do rei se sobrepõe a todas as vontades individuais. Entende que o soberano não pode ele afastar-se do propósito que levou todos os homens a abdicarem de parte da sua liberdade para o surgimento do Estado, isto é, a garantia da proteção de cada indivíduo e da ordem social. Assim, apesar de ser interpretado por muitos como um dos articuladores da defesa do poder absoluto do rei ou de um Estado forte e autoritário, Hobbes também tem sido apontado como criador de um “raciocínio político no qual a autonomia se converte na defesa dos direitos individuais” (SKINNER, 1978 apud MORRISON, 2006, p. 91). Em direção contrária, John Locke[16] utilizou o direito natural para fixar os limites do exercício do poder do soberano. Entende ser o pacto social não a busca da proteção individual, mas da garantia da propriedade pessoal[17], ameaçada no estado de natureza pela liberdade ilimitada de todos, ou seja, pela igualdade sem limites derrogada no contrato social. Na concepção de Locke, os homens, por esse pacto, renunciaram ao direito de fazer justiça, mas preservaram os seus direitos naturais, tais como o direito à vida, à liberdade e à propriedade.  Há uma diferença diametralmente oposta com relação ao modelo hobbesiano quanto ao significado desse acordo coletivo: “[…] o pacto de instituição do poder público, o Estado, é muito diferente do que Grócio[18] imaginava e do que Hobbes prescrevia. O primeiro pensa num contrato que liga os cidadãos entre si, por um lado, e, por outro, tais cidadãos enquanto coletividade e a instância suprema; o segundo o concebe como cessão integral que obriga os súditos e não implica nenhuma obrigação por parte do Estado. Locke tem uma posição diversa na medida em que, em sua opinião, a sociedade enquanto tal – no estado da natureza – possui a capacidade de se organizar de modo harmonioso, sem que haja necessidade de recorrer à ordem política. O que impõe a instauração dessa ordem é a impotência a que se encontra reduzida uma tal sociedade, quando sua organização natural é ameaçada por inimigos internos e externos. Os direitos naturais não têm força: é indispensável constituir um poder que os enuncie e formalize – que lhes dê força de lei – e que imponha sua efetividade (mediante a coerção)” (CHÂTELET, 1985, p. 122). Com a idéia de um estado natural antecedente ao Estado, a teoria lockeana redimensiona o sentido do poder, delimitando com maior precisão um propósito subjacente à ordem derivada do pacto social, que não é, como afirma Locke, a natureza belicosa permanente do ser humano. Pelo contrário, entende que o Estado surgiu em um cenário no qual se destacava a razão como elemento mediador das relações individuais, porém esta, por si só, não era suficiente para assegurar a igualdade entre todos, principalmente quando a população aumenta e se estabelecem os conflitos de interesse envolvendo a propriedade. De forma que a concepção lockeana não se refere a uma natureza humana inelutavelmente determinante de um conflito social permanente, mas a um convívio naturalmente harmonioso. Somente quando essa harmonia tende a ser quebrada, com o surgimento da divergência de interesses em torno da propriedade, é que o Estado passa a ser necessário como mediador: “A finalidade maior e principal, portanto, de os homens unirem-se em Estados e submeterem-se a um governo é a preservação de sua propriedade, para o que o estado de natureza carece de muitas coisas” (LOCKE apud MORRIS, 2002, p. 149). As idéias lockeanas representam um panorama convergente no cenário europeu da época voltado para o questionamento do absolutismo, buscando-se no centramento do indivíduo, e no seu atributo natural, o direito à liberdade, o ponto de partida para discutir os fundamentos do exercício do poder político. Trata-se de um momento histórico no qual passaram a ser revistas as bases justificadoras do poder absoluto dos soberanos. A idéia do direito natural é encontrada também em outros teóricos do século XVIII que se debruçaram sobre o poder e da sua necessária limitação, com destaque para Rousseau e Montesquieu. Definiu-se nesse cenário a idéia de um poder constituinte derivado, o qual não se confunde com o poder originário que lhe dá forma, que se encontra no povo[19] e não pode por isso ser transferido.[20]   De modo que o poder constituinte originário tem a sua fundamentalidade na própria gênese, que ocorre na sociedade civil, sendo esta a fonte soberana que deve definir as como tal poder será exercido.[21] Em Thomas Paine[22], um dos expoentes da revolução norte-americana que culminou com a independência dos Estados Unidos, encontra-se a ponte entre os direitos naturais e direitos do homem, tendo sido o primeiro a designá-los como tal em sua obra “Rigths of Man” (Direitos do Homem) de 1791. Apoiando-se no direito natural, nega qualquer validade e justificativa para diferenciação entre os homens, como ocorre com a aristocracia. Em suas críticas, observou que: “A natureza e o caráter da aristocracia revela-se na lei da primogenitura: é uma lei contra todas as leis naturais e a própria natureza é quem exige sua destruição […] O que vemos agora no mundo, porém, a partir das revoluções da América e da França, são uma renovação da ordem natural das coisas, um sistema de princípios tão universal como a verdade e a existência do homem, combinando moral com felicidade política e prosperidade nacional” (FLORENZANO, 1996, p. 8-9). Paine utilizou o direito natural como fonte e base de todo poder civil, nele ancorando a necessária resistência dos cidadãos frente a qualquer despotismo ou governo que não esteja centrado na vontade geral, concebendo o indivíduo como ser dotado de tal direito pela simples condição humana, que não pode ser outorgada por ninguém. Daí afirmar que os direitos humanos representam “a conjunção dos direitos naturais, que correspondem ao Homem pelo mero fato de existir, e dos direitos civis, vale dizer, aquele conjunto de direitos que correspondem ao Homem pelo fato de ser membro da sociedade” (TAVARES, 2008, p. 447). As idéias de Paine podem ser representadas a culminância do processo histórico de afirmação do direito natural, nesse momento transformado em instrumento para a práxis política, sendo ele uma das figuras mais representativas da passagem da era absolutista para a era da constitucionalização como instrumento democrático de referência e controle ao exercício do poder. Apresentou-se, para o Direito, como momento de reflexão e debate sobre os meios pelos quais poderia esse controle ser exercido na prática, a questão dos princípios constitucionais. 3 OS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS: CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS Conceitualmente, o princípio consiste em um elemento basilar, ordenador de uma estrutura de pensamento, e no campo jurídico, de comportamento[23]. Como explica Celso Bandeira de Mello apud Espíndola (2002, p. 116) consiste num “[…] mandamento nuclear/alicerce do ordenamento jurídico, disposição fundamental que compõe o espírito das demais normas, servindo de critério para a sua compreensão, exatamente por definir a lógica, o sentido harmônico e a racionalização do sistema normativo.” Mais do que instrumento informativo, o princípio é dotado de força e eficácia normativa, como observa Espíndola (2002, p. 60) ao comentar que “[…] existe uma unanimidade em se reconhecer aos princípios jurídicos o status conceitual e positivo de norma de direito, de norma jurídica. Para este núcleo de pensamento, os princípios têm positividade, vinculatividade, são normas, obrigam, têm eficácia positiva e negativa sobre comportamentos públicos ou privados bem como sobre a interpretação e a aplicação de outras normas, como as regras e outros princípios derivados de generalizações mais abstratas.” O caráter normativo dos princípios representa um retorno a sua valorização como substrato necessário à eficácia e amplitude das normas, observando Joseph Esser apud Bonavides (2000, p. 243) que, ainda que não tenham natureza e caráter de lei, “como ratio legis – prossegue o abalizado jurista – são, possivelmente , direito positivo, que pelos veículos interpretativos se exprimem, e assim se transformam numa esfera mais concreta.” Compreende-se nessa exposição o teor e alcance dos princípios na ordem jurídica contemporânea, momento em que se tornam mais evidentes e necessárias as relações entre a aplicação do direito em sentido amplo e a resposta a variadas e complexas situações sociais. É preciso levar em conta que os princípios em sua aplicação devem ser vinculados a situações fáticas, mas levando-se em conta outros princípios. Alexy (1993, p. 62) pontua que “El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son mandatos de optimización mientras que las reglas tienen el carácter de mandatos definitivos. En tanto mandatos de optimiziación, los principios son normas que ordenam que algo sea realizado en la mayor media posible, de acuerdo con las posibilidades jurídicas y fácticas. Esto significa que puden ser satisfechos en grados diferentes y que la medida ordenada de su satisfacción depende no sólo de las posibilidades fácticas jurídicas, que están determinadas no sólo por reglas sino también, esencialmente, por los principios opuestos.” Larenz entende que os princípios, por fundamentarem a interpretação e aplicação do direito, definem o sentido do ordenamento jurídico em sua aplicabilidade, o que impende considerá-lo como espécie diretiva de norma ou fundamento normativo, tendo nesse sentido uma função normativa como as normas em sentido estrito. Orientam os princípios a busca da regra que se pode considerar mais apropriada para aplicação em um caso específico, embora os princípios em si mesmos não sejam diretamente aplicados no sentido de substituir a norma para a resolução de uma situação específica. Habermas (2002), ao tratar da comunicação entre os sujeitos, apresenta a razão comunicativa como via necessária para a superação da perspectiva racionalista ao extremo dos iluministas, e, por outro lado, na negação absoluta da racionalização nos termos postos por Nietzsche[24], entre outros. Assim, entende ser possível encontrar na comunicação elementos comuns para uma efetiva aplicação dos princípios, superando o problema da relativização dos valores que opera pela via de interpretações subjetivas e de níveis diferentes de valoração do fato. Esse pressuposto conduz à identificação de “consensos de fundo” como elementos basilares comuns de entendimento, constituindo o que ele denomina de “idéia de mundo da vida” (HABERMAS, 2002, p. 83).  A solução desse filósofo aponta para a necessária confluência das razões particulares, ínsitas em cada indivíduo, de maneira a se criar uma ponte por meio da prática dialógica, o que permitirá superar as barreiras da relativização dos valores que influencia mentes e comportamentos no mundo pós-moderno. A questão que se coloca nesse caso, é quanto à resistência dos julgadores com relação ao caráter normativo elementar dos princípios, considerando-os como sendo irrelevantes juridicamente, denotando assim um dogmatismo de caráter positivista. Esse problema é comentado por Guimarães (2006) ao referir-se às decisões do Supremo Tribunal Federal, remetendo também à indiscutível dogmática posição do doutrinador Canotilho (2003, p. 1045): “[…] os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras, enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa […] enquanto um direito constitucional pode ser directamente invocado em tribunal como justificativo de um recurso de direito público, já a inobservância de um princípio é considerada insusceptível de, por si só, fundamentar autonomamente um recurso contencioso. Seria, por exemplo, difícil fazer valer uma pretensão em tribunal invocando-se tão somente o princípio da proporcionalidade. Os princípios fundamentais, fornecendo embora directivas jurídicas para uma correta análise dos problemas constitucionais, não possuem normatividade individualizadora que os torne suscetíveis de aplicação imediata e autônoma.” Em direção oposta, o entendimento predominante tende a firmar a primariedade dos princípios em sua força normativa, como necessário caminho para que não se dissociem as normas do alcance necessário desejado para a satisfatividade dos direitos, que de outro modo deixam de ser efetivamente usufruídos para se tornarem meros objetos idealísticos.[25] Nesse sentido, os princípios podem ser considerados não como expressão a-priorística do direito natural e como postulados de ordem meramente metafísica enquanto conteúdos relacionados às aspirações humanas, mas instrumentos para que a positivação do direito tenha real efetividade[26] no vínculo com a realidade humana, a qual não se restringe a questões de ordem fática, mas a anseios, a necessidades imateriais indissociáveis do que se entende por pessoa humana. Para Espíndola (2002, p. 34), devem ser considerados como “normas jurídicas vinculantes, dotados de efetiva juridicidade, como quaisquer outros preceitos encontráveis na ordem jurídica; consideram as normas de direito como gênero, dos quais os princípios e as regras são espécies jurídicas.” Em decorrência, se depreende que os princípios passam a ser vistos como dotados de imperatividade. Não se trata de negar a força da norma positiva, como expressão imediata e concreta de uma vontade social transposta pela via legislativa na forma de lei escrita que, por força da estrutura normativa na qual se inscreve, dotada de legitimidade e conforme as exigências da sua validade jurídica, não pode deixar de ser observada e aplicada. Todavia, os princípios não podem ser considerados apenas como referências secundárias ou sem caráter normativo, por encerrarem valores. Não somente a norma jurídica em si de alguma forma traz em seu bojo referência a um mundo de valores, como os princípios não podem ser dissociados da vontade coletiva, ainda que representam valores em sua mais alta abstração, sendo mais difusos quanto ao conteúdo e genéricos quanto aos casos em que podem ser aplicados. Consoante a explanação de Rothenburg (2003, p. 18), os princípios são dotados de “um significado determinado, passível de um satisfatório grau de concretização […]”. Seus efeitos têm caráter restritivo para a aplicação das regras, e também fixam conteúdos específicos para as normas. Ao se debruçar sobre a questão, Clève (2006, p. 33) afirma que “A dimensão objetiva também vincula o Judiciário para reclamar uma hermenêutica respeitosa dos direitos fundamentais e das normas constitucionais, com o manejo daquilo que se convencionou chamar de filtragem constitucional, ou seja, a releitura de todo o direito infraconstitucional à luz dos preceitos constitucionais, designadamente dos direitos, princípios e objetivos fundamentais” (grifo nosso). A dimensão de peso (dimension of weight)concebida por Dworkin (2007) é apontada por ele como o núcleo da diferenciação entre princípios e regras. Estas, ao contrário dos primeiros[27], em caso de conflito entre si, não podem ser ponderadas, pois só existe uma solução: ou a regra é válida, e aplicável, ou é inválida não cabendo sua aplicação (é o que ele chama de modo do tudo ou nada). Assim, com relação ao conflito entre princípios, Dworkin (2007) aponta como solução a ponderação entre eles, entendendo que cada um tem peso diferenciado. Em casos difíceis, deve-se dimensionar o peso ou importância dos princípios envolvidos, para escolher o que tem mais peso no caso em questão[28].  Embora em geral admita-se como relevante essa ponderação da teoria de Dworkin, pois fundamenta o que chamou de teoria da integridade do Direito, uma alternativa ao dogmatismo positivista, não se pode deixar de considerar que existem ressalvas à idéia da possibilidade de uma decisão adstrita a um valor supremo, ínsito nos princípios, que por si só é suficiente para dar bom termo a cada caso concreto. Essa crítica consubstancia o entendimento da carga de subjetividade envolvida na decisão, no sentido de que toda decisão tem sempre um substrato ideológico que impregna a formação, as experiências, o modo de pensar do julgar, que não está isolado no mundo, mas vivendo nele.  Conseqüentemente a sua decisão nunca pode subtrair-se a isso. Nesse sentido, afirma Azevêdo (2009, p. 66) que o ato de decisão judicial pode ser associado a um ator, e como tal é sujeito comprometido com a dogmatização do Direito. Esse ato representa um “[…] elemento constitutivo do subsistema social do direito, e que deve se prestar a reproduzi-lo dentro do sistema social e, ao mesmo tempo, diferenciá-lo dos demais subsistemas sociais, a exemplo da economia. Quanto maior a diferenciação do subsistema social do direito, maior a aparência da imparcialidade do ato de decisão judicial. Quanto maior a reprodução do subsistema social do direito, maior a importância do ato de decisão judicial, à medida que aumenta sua disseminação em meio ao tecido social”. O autor ampara-se na teoria dos sistemas de Luhmann (2005), para daí extrair fundamentos sobre a interrelação entre o direito e outros subsistemas, de onde não se pode pretender a construção de uma isenção absoluta, o que incide inclusive sobre a possibilidade de atuação do julgador, que nunca será totalmente neutro nesse sentido. Para Azevêdo (2009, p. 66) “[…] não se deve inferior destas ponderações que o fechamento operacional do subsistema social do direito implique, necessariamente, isolamento do direito autopoieticamente organizado e, por conseqüência, do ato de decisão judicial em relação aos demais subsistemas sociais, como a política, a economia, dentre outros. Fechamento operacional não significa isolamento, mas estabelecimento de critérios para admissão das influências desses outros subsistemas sociais. Critérios que são impostos pelo próprio direito positivo ‘mediante seus procedimentos de modificação e de adaptação, tais como novas legislações, jurisdição constitucional e concretizações jurisprudenciais em geral.” Com base nessa idéia, é inadmissível negar a influência ideológica de todo um conjunto de determinações às quais o Direito, e seus aplicadores, não podem subtrair-se em razão da permeabilidade entre os subsistemas nos quais estão inseridos. Deve-se observar também que a pretensão da total neutralidade (que não se confunde com imparcialidade do juiz) seria, nesse caso, voltar ao dogma kelseniano da pretendida cientificidade pura do Direito, que levou à busca de alternativas para a superação desse entendimento juspositivista, problema este que será abordado a seguir. Por outro lado, é importante observar que Dworkin (2007) não nega a possibilidade de um Direito que se aproxima da sociedade, superando o problema de uma postura presa ao passado, influenciada por situações e idéias cristalizadas. Sua perspectiva de aplicação dos princípios é de uma prática em constante mutação, acompanhando as novas tendências e necessidades sociais, num processo de comunicação constante. Como explica Arêas (2005, p. 581): “O juiz, portanto, que aceita o direito como integridade está sempre apto a abandonar princípios já seguidos no passado, pois, ora, é justamente esse argumento que diferencia a tese de Dworkin do pragmatismo e do convencionalismo. Nesse diapasão, o direito como integridade estaria a consagrar que os juízos formulados no passado possam ser futuramente modificados, conforme a melhor interpretação a ser no presente seguida.” 4 INFLEXÕES DO DIREITO NATURAL NA CONSTITUCIONALIZAÇÃO: UM OLHAR SOBRE OS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS NO DIREITO BRASILEIRO Embora os princípios do direito natural tenham sido incorporados às Constituições a partir do século XIX, não tinham então papel decisivo, destituídos da força normativa, em contraposição à norma positiva, o que caracterizou um período de prevalência da lei, e não valores abstratamente considerados. Estes tinham papel apenas subsidiário, no caso em que as lacunas da lei exigiam a integração do Direito. A influência da Escola Histórica do Direito foi importante para que se firmasse uma perspectiva positivista, principalmente por negar qualquer validade e utilidade para o direito natural, influenciando o desenvolvimento e consolidação do juspositivismo. A preocupação com a construção de uma rigorosa ciência jurídica eliminou a presença de qualquer influência metafísica, fixando a exegese do aplicador da norma adstrita à norma posta, subtraindo-se qualquer apreciação valorativa.  Conforme a análise de Bobbio (1995, p. 35) “[…] o positivismo jurídico nasce do esforço de transformar o estudo do direito numa verdadeira e adequada ciência que tivesse as mesmas características das ciências físico-matemáticas, naturais e sociais. Ora, a característica fundamental da ciência consiste em sua ‘avaloratividade’, isto é, na distinção entre juízos de fato e juízos de valor e na rigorosa exclusão destes últimos do campo científico: a ciência consiste apenas em juízos de fato”. Para Kelsen e sua dogmática jurídica, era preciso a todo custo estabelecer uma neutralidade, própria do pensar e do agir científico, mas o que na verdade acabou fazendo foi erigir um sistema em que a idéia do dever-ser se torna ela própria destituída de sentindo, já que, excluindo qualquer consideração axiológica, prende-se apenas à justificativa de que “assim deve ser”. Em outros termos, seu pensamento circular fecha-se em si mesmo, tornando-se ele próprio uma crença dogmática esvaziada de sentido quando posto à análise crítica mais severa do rigorismo em que se pauta. A suposta neutralidade é uma falácia, já que com essa postura a negação de qualquer crença como algo inadequado ao rigor exigido para o cientificismo jurídico acaba contraditoriamente se transformando em uma crença também.[29] O próprio Kelsen acabou por contradizer-se ao inserir certos pressupostos em sua teoria, portanto ultrapassando a seara do mundo concreto, da realidade fática, apropriando-se assim de elementos metafísicos, comentando Vasconcelos (2003, p.209): “[…] ao admitir a franca entrada do fato em seu mundo jurídico, Kelsen renuncia, automaticamente, ao princípio da pureza metódica, por esse meio descaracterizando, de modo definitivo, seu projeto original; de outra parte, ao aceitar tenha a norma conteúdo, renega o formalismo, um dos dois suportes fundamentais de sustentação de sua teoria […] ademais, seu antijusnaturalismo é vencido pela entrada de um mínimo de metafísica e de Direito natural em sua teoria, através, principalmente, de uma das reformulações da doutrina da norma fundamental hipotética. Em conseqüência, admitiu francamente Kelsen, a ciência jurídica teve de ultrapassar a fronteira do positivismo puro.” As contradições postas em evidência pela crítica do pensamento kelseniano ocasionaram um retorno à flexibilização da exclusividade da norma, na forma do que se denomina pós-positivismo. Trata-se de uma redefinição dos olhares em relação à norma positiva, superando a posição dogmática de Kelsen, em busca de melhor entendimento sobre a necessidade de acolhida dos valores, por ele refutados de forma absoluta. Pela concepção pós-positivista, a norma não pode efetivamente ser considerada de modo absoluto, mas relativo, o que significa que os princípios são considerados igualmente importantes, não somente por representarem o fundamento ou gênese das normas genericamente consideradas, mas também porque a efetividade das normas depende da consideração de tais princípios por estarem no próprio âmago do objetivo do Direito em relação aos sujeitos e seus direitos. De acordo com Sarmento (2004, p. 78), o pós-positivismo supera a postura inflexível da negação do caráter normativo dos princípios que passam a ter, no ordenamento constitucional, caráter hegemônico, “convertidos em pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico os novos sistemas constitucionais”.  Mais do que essa flexibilização do que antes era o dogmatismo positivista como encontrado em Kelsen, também retorna com força, justificada em razão dos seus efeitos para a garantia ampla dos direitos, as premissas em torno do direito natural. Nesse sentido, passa-se a considerar igualmente válida e necessária não somente a efetivação da força normativa dos princípios explícitos no texto constitucional, como também aqueles que não estão referenciados expressamente, mas que podem ser inferidos a partir da consideração dos valores e da sua relação com determinadas necessidades de garantia de direitos e da resposta concreta por parte do Direito. Como expõe Costa (2011, p. 1):  “Com efeito, ninguém duvida que o “princípio da função social da propriedade”, explícito no art. 5º, inc. XXIII, da CF/88, deve ser por todos observado, sobretudo por se tratar de norma elevada à categoria de cláusula pétrea ou, como preferem alguns, garantia de eternidade. Por outro lado, bem mais difícil é admitir a juridicidade de princípios tais qual o da proporcionalidade, ou mesmo da unidade da Constituição, que carecem de disposição expressa. No entanto, deve-se ter em conta – e isto já é pacífico, apesar das intermináveis discussões em torno do Direito Natural, que parece estar superada em face do surgimento dessa nova teoria pós-positivista que, ao “valorizar” a norma, considera que o Direito Natural está “positivado” – que os princípios não necessitam estar expressos num determinado diploma jurídico para ter força vinculante, vez que eles podem ser encontrados “de forma latente” no ordenamento.” Fazendo referência a Bonavides (1998, p. 229), o autor acima conclui: “Assim como quem tem vida física, esteja ou não inscrito no Registro Civil, também os princípios gozam de vida própria e valor substantivo pelo mero fato de serem princípios, figurem ou não nos Códigos”. A despeito da convergência doutrinária para a necessária repercussão da força normativa dos princípios, nem sempre se observa a acolhida dessa posição quando se trata de dar solução aos casos concretos. Um exemplo é comentado por Lima (2011, p. 1) quando faz referência à postura dogmática ou antiprincipiológica manifesta em decisão do Supremo Tribunal Federal, nos seguintes termos: “[…] não cabe recurso extraordinário quando a alegada ofensa à Constituição é reflexa ou indireta, porquanto, a prevalecer o entendimento contrário, toda a alegação de negativa de vigência de lei ou até de má interpretação desta passa a ser ofensa a princípios constitucionais genéricos como o da reserva legal, o do devido processo legal ou o da ampla defesa, tornando-se, assim, o recurso extraordinário – ao contrário do que pretende a Constituição – meio de ataque à aplicação à legislação infraconstitucional” (STF, AgRg 170637-7, rel. Min. Moreira Alves). Por essa via de entendimento, fica evidente que a posição dos eméritos julgadores no papel de arautos da defesa da Constituição, mostram-se em casos como esse refratários a uma ampliação da possibilidade de interpretação, para além do “porto seguro” daquilo que pode ser extraído de imediato do texto constitucional. Mas o que pode parecer uma “aventura” no campo da abstração pura, ou na seara difusa do direito natural é, na verdade, uma necessária retomada de paradigmas essenciais na aplicação do Direito, como afirma Lima (2011, p. 1) com relação ao caso em comento:  “[…] quando a Constituição determina que caberá recurso extraordinário quando a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição (art. 102, III, a), é inegável que, se a decisão recorrida contrariar princípio constitucional, configurado está o pressuposto para o cabimento do recurso extraordinário. Nem se diga que, no caso, a contrariedade seria “reflexa” ou “mediata”. Primeiro, porque a Constituição não exige que a contrariedade seja direta; segundo, porque os princípios constitucionais são normas jurídicas e, por isso, sempre que a decisão contrariar o princípio estará contrariando a norma constitucional diretamente e na sua pior forma de violação, que é a contrariedade a princípio. Do contrário, o princípio constitucional seria mero ideário político, destituído de força sancionatória, e todos se sentiriam “à vontade” para os contrariar.” Certamente, se não se pode ser apontado princípio expresso constitucionalmente, nesse caso é possível depreender do conjunto normativo constitucional, adentrando no campo do direito natural, um princípio válido e aplicável para que o direito que pode ser efetivado não acabe sendo apenas expectativa, frustrada por entendimento que prefere assumir uma posição “neutra”, pendendo para a fixação apenas aos princípios evidentes por si mesmo porque expressos na Constituição Federal. Acertada nesse encaminhando das reflexões aqui apresentadas o questionamento enfático de Lima (2011, p.1) com relação à decisão do STF acima transcrita, em contramão à ampla acolhida da força normativa dos princípios constitucionais: “Por que há quem afirme que o princípio não pode fundamentar uma pretensão jurídica em juízo? Por que há quem defenda que um mandado de segurança não pode ser impetrado com base unicamente em princípios? Será que um princípio não pode ser um “direito” em líquido e certo? Por que a violação a princípio constitucional, segundo a orientação vetusta do Supremo Tribunal Federal, não enseja o cabimento de recurso extraordinário?”   Transpondo essas questões para a órbita do Direito Tributário, é importante comentar sobre os princípios constitucionais tributários em um sentido genérico, remetendo ao conceito oferecido por Ferreira (2011, p. 9): “Os princípios, sejam eles gerais, específicos, explícitos ou implícitos, conservam a sua normatividade e podem indicar o rumo a seguir, amparando, aos poucos, os direitos fundamentais dos cidadãos, assegurando direitos subjetivos dos contribuintes e realizando a idéia fundamental: o Estado de Direito.”   À luz das teorias e da doutrina mais recente sobre a força normativa dos princípios, pode-se afirmar que os princípios constitucionais tributários são instrumentos a serviço da efetividade dos direitos do cidadão frente ao Estado o qual, mesmo dotado do poder de fisco, não pode subtrair-se aos princípios que consubstanciam a superioridade dos direitos e garantias fundamentais consagrados na Carta Magna. Esta, ao mesmo tempo em que definiu o campo de atuação estatal, por meio do exercício das suas competências tributárias, estabeleceu, por meio de tais garantias, e dos princípios a elas relativas, os meios processuais cabíveis para a sua efetividade, dentre eles o mandado de segurança e o direito de representação (FERREIRA, 2011).   Não se trata, porém, apenas de garantir a segurança jurídica, princípio essencial aos que propugnam uma relação tributária pautada na certeza e na objetividade do conteúdo das normas regulando as questões tributárias. Há que se considerar, mais do que esse objetivo primordial, aspectos nem sempre expressos de forma explícita, mas que podem e devem ser considerados extraindo-se aspectos valorativos a partir do que é consagrado no texto constitucional. Esse é o entendimento manifestado por Dworkin (2007) quando se refere a um núcleo do sistema de direitos presente na Constituição, expresso em dois princípios basilares de tais direitos: a liberdade e a igualdade. Para o referido filósofo, esses princípios representam o núcleo originário de todos os demais direitos, tendo validade universal por seu fundo ou conteúdo moral, não podendo ser dissociados da pessoa humana. Sua explicitação no texto constitucional não exclui outros princípios que podem ser inferidos no contexto do sistema já positivado, ainda que não venham a ser expressamente inseridos na Constituição. Habermas (2004) se posiciona no sentido de identificar o “desvendamento” de outros princípios como um progressivo trabalho de interpretação do texto constitucional, num processo de alargamento das bases de aplicação do Direito frente às situações que se definem no viver individual e coletivo, o que permite uma constante aproximação entre a aplicação das normas constitucionais e o espaço dos valores que não estão definidos de forma objetiva no texto da Constituição, mas que não podem ser relegados pela sua importância no contexto mais amplo da afirmação e garantia de direitos. Para esse filósofo alemão, “[…] quando ocorre de novos fundamentos morais encontrarem situações jurídicas existentes à luz de outras circunstâncias históricas, os princípios constitucionais – até moralmente fundamentados – exigem que o direito siga as idéias morais” (HABERMAS, 2004, p. 42). Na seara do direito tributário, as questões relativas aos princípios nucleares relativos aos direitos dos contribuintes, a saber: a legalidade, a igualdade e a capacidade tributária. O princípio da legalidade é apontado como o primeiro a emergir de uma nova visão coletiva da primariedade de direitos individuais frente ao poder estatal, tomando-se como referências históricas a Magna Carta[30] (VIANA, 1986), embora existam referências de que em período anterior já haviam sido especificados os liames entre a previsão legal prévia e a fixação de tributos (BALEEIRO, 2006), comentando este autor que em 1091, no reinado português de Afonso VI, o documento que fixava a cobrança de um tributo extraordinário já estabelecia o prévio consentimento dos contribuintes, destacando-se também a manifestação das Cortes de Leão que, em 1188, colocavam o reconheciment o da cobrança de tributos a prévia manifestação por parte dos delegados representantes dos contribuintes. A despeito dessas primeiras previsões sobre a necessidade da anterioridade da norma para cobrança de tributos, é certo que o princípio da legalidade tornou-se a base efetiva do ordenamento moderno no período da constitucionalização dos direitos, inserindo-se como pressuposto da relação entre Estado e indivíduo no sentido de um controle formal das bases de criação e cobrança de tributos. Esse princípio está inscrito na Constituição Brasileira de 1988 (BRASIL, 2008), no artigo 5º, inciso II: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”, bem como no artigo 150, inciso I, que dispõe a vedação de “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.” Esses dispositivos definem o chamado princípio da reserva absoluta da lei formal. Relacionado ao princípio da legalidade, e igualmente essencial para a garantia de direitos na relação tributária, o princípio da anterioridade, como se depreende do disposto no artigo 150, inciso III, alínea b, da Constituição Federal, determina que a cobrança de um tributo só pode ocorrer no exercício seguinte ao da publicação da lei que o instituiu ou aumentou.  A mesma atenção foi dispensada no artigo 150, inciso III, alínea a, quando a Constituição dispõe que a cobrança de tributos não pode ocorrer com relação a fatos geradores supervenientes à vigência da lei que os instituiu ou aumentou. Existem exceções à irretroatividade, porém, somente em casos previstos na lei e quando for beneficiário o contribuinte. Depreende-se desses dispositivos constitucionais o fulcro essencial da proteção a direitos que nascem de uma questão não apenas legal, mas moral, ou seja, a necessária tutela de direitos que nasceram de uma perspectiva naturalista, ou seja, para além da seara imediata do positivismo, como é o caso da igualdade (artigo 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza […] II – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações […]”). Igualdade esta transposta para a relação tributária entre Estado e indivíduos na sua condição de sujeitos contribuintes, sendo vedada a discriminação ou qualquer status conferido a eles que implique em diferenciação de tratamento, como se depreende do artigo 150 da Constituição Federal de 1988: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas aos contribuintes, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II- instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos […]”. Atendo-se aos princípios envolvidos, verifica-se que a substancial afirmação dos direitos a partir de princípios basilares para todo o sistema constitucional define também o campo específico da normatização tributária, apontando Uckmar (1999, p. 67-68) a relação entre a igualdade como direito genérico nas Constituições, e sua imanência na relação tributária: em sentido jurídico, “como paridade de posição, com exclusão de qualquer privilégio […]” para que “[…] os contribuintes que se encontrem em idênticas situações sejam submetidos a idêntico regime fiscal.”; na esfera econômica, definindo o “[…] dever de contribuir aos encargos públicos em igual medida, entendida em termos de sacrifício, isto é , […] em relação à capacidade contributiva dos indivíduos.” Por conseguinte, não se pode falar em princípios constitucionais em geral sem remeter à sua aplicação no campo das relações tributárias, em razão do pressuposto da imanência do sujeito, indissociada da figura do contribuinte. Não se trata aqui de ficção jurídica, mas de consubstanciação da pessoa humana em relação específica, na esfera dos direitos e obrigações frente ao Estado e vice-versa.  De onde se conclui que a admissibilidade da força normativa dos princípios constitucionais em geral, é acompanhada de igual incidência no campo da regulação das relações entre Estado e contribuintes. A força normativa não é somente dos princípios expressos na Constituição, mas de outros, implícitos, que também podem ser extraídos do caráter substancial do direito para além da positivação e do imediato pressuposto de sua aplicação a partir da norma constitucional. Retomando as análises anteriormente feitas, é impensável reduzir a força normativa dos princípios tributários à exclusividade daqueles que podem ser inferidos de maneira imediata do texto constitucional. Pelo contrário, é indispensável, sempre, adentrar no campo da necessária relação entre a dimensão axiológica dos valores humanos, para daí extrair elementos válidos que permitam ampliar a efetividade da proteção a ser conferida aos contribuintes na condição de seres humanos, e não de meros sujeitos-parte na relação tributária. Traz importante contribuição para este raciocínio a teoria tridimensional do direito do insigne jurista Miguel Reale, para o qual “o Direito é uma integração normativa de fatos segundo valores”. O que significa que “a norma não surge do nada, mas resulta da dialeticidade dos três elementos, que não apenas se correlacionam, mas se dialetizam.” (apud INSTITUTO JACQUES MARITAIN, 2010). Ainda com base nessa fonte: “Se o ser não passa para o dever ser, o inverso é verdadeiro: os valores se realizam, mesmo que relativamente, e essa realização é que tem significado para o homem.” A força normativa dos princípios tributários emerge justamente da necessidade desse encontro entre os valores e a sua transposição fática, na garantia de direitos elementares a todo cidadão enquanto ser humano. Assim ocorre, por exemplo, na limitação do poder de tributar, como se verifica no ordenamento norte-americano, distinguindo-o do poder de polícia, com base em propósitos diferenciados: a fiscalidade, que visa o financiamento das atividades estatais, e a extafiscalidade, voltada para a obtenção de recursos indispensáveis à satisfação de interesses coletivos relevantes. A despeito dos fins da tributação, é certo que não se trata de relação impositiva, a despeito de uma visão histórica da supremacia do poder estatal, que, socorrendo-se das idéias antes expostas neste artigo, remetem a uma visão hobbesiana do Estado e das relações com a sociedade. Essa questão é tratada por Machado (2007, p. 60) ao observar que a relação tributária “[…] não é simples relação de poder como alguns têm pretendido que seja. É relação jurídica, embora o seu fundamento seja a soberania do Estado. Sua origem remota foi a imposição do vencedor sobre o vencido. Uma relação de escravidão, portanto. E essa origem espúria, infelizmente, às vezes ainda se mostra presente em nossos dias, nas práticas arbitrárias de autoridades da Administração Tributária. Autoridades ainda desprovidas da consciência de que nas comunidades civilizadas a relação tributária é relação jurídica, e que muitas vezes ainda contam com o apoio de falsos juristas, que usam o conhecimento e a inteligência, infelizmente, em defesa do autoritarismo.” Por essa ótica, o perigo é deixar de subsumir direitos, sob o pressuposto de que é suficiente ater-se aos princípios constitucionais expressos. Embora isso pareça lógico, nem sempre ocorre na prática, pois o Estado, por vezes, deixa de acolher a força normativa dos princípios, assumindo posição contrastante no intuito de alcançar resultados que lhe são favoráveis. Um exemplo é a voracidade dos Municípios na cobrança do IPTU: “[…] utilizou-se da correção do valor venal dos imóveis para se obter aumento de arrecadação. Nem sempre, porém, é o valor venal do imóvel a base para aumento de receita de seu possuidor. Os proprietários que residem em imóvel próprio, por exemplo, não auferem vantagens financeiras sobre possível valorização do imóvel, exceto no momento de sua venda. Sempre recolhem as parcelas do IPTU com as rendas oriundas de salários e/ou vencimentos, etc. As oscilações do preço de mercado de cada imóvel residencial somente tornar-se-ão em renda para seus proprietários em caso de alienação do mesmo. Sem o produto da venda não haverá aumento da capacidade contributiva” (MORAIS, 2011, p. 1). Nesse caso, há evidente afronta ao princípio tributário da capacidade contributiva[31], uma vez que não basta a previsão legal da base de cálculo do tributo, devendo ser compatível com o patrimônio dos contribuintes, para que não se configure afronta ao dever de justiça fiscal, que pode ser considerado valor a ser alcançado e medida das relações entre o Estado e os contribuintes.[32] Não se pode dissociar nesse caso os fundamentos axiológicos dessa relação, daqueles princípios e regras constitucionalmente fixados, levando-se em conta que os princípios estão vinculados entre si. É preciso considerar a questão da moralidade inerente à afronta ao princípio tributário da capacidade contributiva, uma vez que o valor desproporcional do tributo caracteriza verdadeiro enriquecimento do erário[33], em detrimento de um ônus excessivo que se transforma em empobrecimento do contribuinte. Também é ferido o princípio da não-confiscatoriedade, pois não se pode pretender que a exacerbação da apropriação de recursos por parte do erário, mesmo que sob justificativa do interesse coletivo da aplicação dos recursos arrecadados, configura legítima pretensão do fisco frente ao contribuinte. Há uma explícita relação assimétrica de poder que atenta sua dignidade como ser humano, instando-o a pagar uma carga excessiva de tributos. Assim, mesmo amparando-se na legalidade, derivada da sua competência, o município, no caso da instituição do valor do IPTU, não está agindo segundo a necessária legitimidade.  Consoante Silva (2000, p. 427), o princípio da legalidade não requer apenas “[…] que as regras e as decisões que compõem o sistema sejam formalmente corretas. Ele exige que elas sejam conforme a certos valores, a valores necessários à existência de uma sociedade livre, tarefa exigida expressamente do Estado brasileiro (art. 3º, I).”   Daí falar Garcia (2004) em “perversão tributária”, termo que define bem sua posição quanto à afronta indiscutível do Estado no exercício do seu poder de tributar o qual, mesmo como qualidade da sua soberania, não pode nunca exceder o aceitável e o justificável, não somente nos termos da lei posta, mas também diante dos princípios e dos valores a eles adstritos, num campo supramaterial ou metafísico, mas não menos concreto quando se trata de considerar situações fáticas, como as que envolvem o cidadão, na condição de contribuinte e, sobretudo, de ser humano.   Como bem se posiciona a referida autora: “Uma das áreas em que, por excelência, exsurge a perversão da autoridade estatal é na questão tributária e, nesse campo, a Constituição de 1988 veio concretizar a possibilidade do legislador considerar a condição pessoal do contribuinte, prevenindo o abuso do poder: a capacidade contributiva, estabelecida no § 1º do art. 145, quando inaugura o sistema tributário nacional” (GARCIA, 2004, p. 217). A condição pessoal referida por Garcia (2004) não significa apenas o sujeito enquanto contribuinte, indivíduo-parte na relação tributária, mas como pessoa humana. Se é certo que o Estado tem suas competências fixadas nas normas constitucionais, de onde exsurge o poder de tributar como indiscutível força vinculante de sujeição dos cidadãos à obrigação tributária, não se pode negar que os seus atos, nesse amplo campo da relação que nasce dos tributos, não podem ser dissociados de um sentido ou conteúdo valorativo intrínseco  aos princípios tributários, sejam eles expressos ou não. Inobstante essa visão estendida dos direitos do contribuinte, na prática se observa que até mesmo o Supremo Tribunal Federal tem reiteradas vezes desconsiderado a necessária efetivação dos princípios na decisão dos casos sujeitos à excelsa Corte[34]. Em interessante estudo sobre o tema, com base na jurisprudência do STF, envolvendo setenta acórdãos nos quais é citado ou argüido o princípio da capacidade contributiva, Pessôa (2009), constatou que existe uma grande distância entre reconhecer o princípio e a sua efetiva aplicação na garantia dos direitos dos contribuintes.  Como observa o autor analisando os casos julgados nesse Tribunal, embora os contribuintes façam expressam alusão ao princípio da capacidade contributiva em sua defesa, “[…]. Os ministros, ao contrário, em sua maioria, rejeitam a aplicação do princípio. Por isso, os acórdãos em que isso ocorre foram classificados em um grupo autônomo, composto de acórdãos em que o princípio da capacidade contributiva foi utilizado não pelos ministros do STF, mas pelos contribuintes”. (grifo nosso) Prosseguindo, o autor afirma que as decisões do STF não deixam margem de dúvida para uma tendência de não efetivação do princípio da capacidade contributiva, e nos casos em que ocorre, é acolhido em favor do interesse do ente estatal tributante: “Algumas poucas exceções em que o princípio foi efetivamente aplicado na defesa do interesse do contribuinte podem ser encontradas nos votos vencidos do ministro Ilmar Galvão, segundo o qual não se justifica um tributo sobre movimentações financeiras, por elas não exprimirem nenhuma manifestação de capacidade contributiva, e no voto vencido do ministro Marco Aurélio, de acordo com o qual a inclusão do tributo, somado ao preço para determinação da base de cálculo do ICMS, violaria o princípio da capacidade contributiva. Na grande maioria das vezes em que foi utilizado pelos ministros do STF, no entanto, o princípio da capacidade contributiva foi utilizado na defesa do interesse do fisco”. Evidente, portanto, que ainda há um extenso caminho a ser trilhado em direção à integral aplicação dos princípios tributários, e por extensão de todos os demais, explícitos ou implícitos. A acolhida da idéia da força normativa desses princípios não tem se materializado, no sentido da passagem do plano dos ideais para a resposta jurídica mais adequada à efetividade do direito dos contribuintes.     5 CONCLUSÃO As limitações constitucionais ao poder de tributar não podem ser vistas apenas sob a ótica de regulações específicas da relação entre contribuinte e Estado, mas numa dimensão mais ampla, concernente à garantia de direitos fundamentais. O reconhecimento da força normativa dos princípios tributários é a afirmação da importância e aplicação de conteúdos não positivados, mas que, pela carga valorativa e imprescindível significado para o dimensionamento do alcance dos direitos de cada um, devem ser igualmente acolhidos para que a relação tributária não seja apenas uma questão de “dever ser”, mas também de concretude do que, no plano metafísico, é ideal posto. Ainda que os ideais possam ser refutados como inacessíveis ou impraticáveis, o caminhar do Direito em sua busca não pode ser visto como idealismo vazio e inconseqüente. Como foi exposto, o caminho do dogmatismo positivista já está superado, o que não significa adotar a relativização do real, mas buscar no encontro entre valores e normas o caminho necessário para alcançar a maior eficácia do Direito em resposta aos anseios da sociedade por um mundo melhor, objetivo ao qual não pode estar alheio o Estado na condição de ente tributante. Não basta a norma positiva. Não cabe a interpretação restrita ao que pode ser diretamente dela extraído. É preciso adentrar no campo axiológico, ir de encontro aos valores, àquilo que emana do direito natural. Superar a visão restritiva destes é indispensável, para que a idéia da força normativa dos princípios não acabe sendo retórica, a favor não da efetividade do direito, mas da sua negação.   À luz desses comentários, pode-se até mesmo questionar a interpretação dos julgadores, como no grande número de julgados do STF analisados por Pessôa (2009) e aqui comentados. Embora manifestem uma tendência quase uniforme com relação à aplicação do princípio da capacidade contributiva por esse Tribunal, isso não significa que a interpretação geral é acertada. Pelo contrário, tomando como referência as palavras de Maximiliano (1990, p. 183): “É certo que o julgado se torna fator de jurisprudência somente quanto aos pontos questionados e decididos, não quanto ao raciocínio, exemplificações e referências”. Surge aqui a indagação: será que o raciocínio e as referências utilizadas para justificar a não-aplicação do princípio da capacidade contributiva, ou para utilizá-la em desfavor do contribuinte, podem ser validados à luz da força normativa dos princípios aqui estudada. E mais: será que essa tendência manifesta pelos excelsos julgadores do STF não retrata de forma explícita um ranço ideológico, ou para sintetizar, o resquício juspositivista que insiste em permear a visão restritiva dos direitos ao denegar aos princípios toda a força imanente que está num plano metafísico e, portanto, não positivo? Além do mais, nenhuma interpretação judicial pode ser considerada absoluta, mesmo assumindo o caráter de jurisprudência consolidada, ainda que o pareça aos olhos do aplicador da norma e que tenha sido amparada no direito positivo, uma vez que, como observa o eminente jurista antes citado “A jurisprudência auxilia o trabalho do intérprete; mas não o substitui, nem dispensa. Tem valor; porém relativo.”
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O FUNDEB como base de cálculo da contribuição ao PASEP
Trata-se de breves considerações acerca de tema ainda pouco debatido que é a inclusão do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) na base de cálculo do PASEP (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público).
Direito Tributário
1 Introdução O presente estudo tem por escopo uma breve análise da incidência da contribuição ao PASEP (Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público) sobre o valor de recursos vertidos pelos municípios ao FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), por meio de repasses da União. A questão merece atenção na medida em que o ente político municipal tem se valido de ação ordinária visando à declaração de seu alegado direito ao recolhimento da contribuição acima indicada sobre o valor que efetivamente recebe quando do rateio do FUNDEB e não em relação ao quantum vertido para o referido Fundo, via repasse da União. Contudo, a base de cálculo apontada pelos municípios em suas investidas judiciais não guardam consonância com as normas aplicáveis à matéria, merecendo o tema atenção dada sua relevância prática e escassa exploração pela doutrina. 2 Da incidência do PASEP sobre o FUNDEB O PASEP constitui contribuição à seguridade social destinada à formação do patrimônio do servidor público, instituída pela Lei Complementar n. 8/70 (BRASIL, 1970), e, a partir da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), restou estipulado que os recursos advindos de tal tributo iriam financiar o programa do seguro-desemprego e o abono salarial.[1] A contribuição ao PASEP sujeita-se a lançamento por homologação, por meio de apuração mensal, compondo sua base de cálculo todas as receitas correntes de natureza tributária do município, mesmo que transferidas por outras entidades públicas, nos termos do artigo 2º da Lei Complementar n. 8/70 (BRASIL, 1998). [2] Por outro lado, a Lei n. 11.494/07 trata do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o indigitado FUNDEB (BRASIL, 2007), substituto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), que vigorou de 1997 a 2006, e que se estenderá até o ano de 2020, sendo um compromisso da União com a educação básica. Referido Fundo ostenta natureza contábil, não gozando de personalidade jurídica, merecendo tratamento e previsão no artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (BRASIL, 1988). Portanto, tendo a receita que compõe o FUNDEB natureza tributária, indiscutível que compõe a base de cálculo da contribuição ao PASEP. 3 – Da tese defendida pelos entes municipais – alteração da base de cálculo – impertinência  A receita do ente municipal é alimentada não só pelas denominadas receitas tributárias próprias, mas também pelas transferidas pelos demais entes federados. Argumentam os municípios que, ao lhes creditar tais valores, a União já faria a dedução para alocação dos recursos ao FUNDEB, bem como a correlata retenção na fonte da contribuição para o PASEP. Ocorre que, no entender dos entes municipais, haveria dúvida na base de cálculo do PASEP em relação a tais receitas, na medida em que os valores vertidos aos entes federados pela União não guardariam consonância com os valores efetivamente recebidos pelos mesmos, em decorrência dos critérios de distribuição estabelecidos pela Lei n. 11.494/2007 (BRSIL, 2007). Advogam os Municípios que os valores do FUNDEB que compõem a base de cálculo da contribuição ao PASEP devem ser aqueles efetivamente recebidos e não a quantia alocada quando do repasse de verbas pela União. O ente municipal calca todo seu raciocínio na premissa de que o PASEP deve incidir sobre o valor que recebe do FUNDEB e não sobre o valor alocado, o que levaria a uma retenção indevida pela UNIÃO do tributo, que teria que ter sua base de cálculo reajustada. Ocorre que o fundamento acima não é sustentável em razão da sistemática do FUNDEB, que não obedece à simples equação matemática pretendida pelos municípios. É evidente que o valor vertido ao FUNDEB guarda relação com o montante do repasse pela UNIÃO, de forma a alargar a base de cálculo do PASEP que é alimentada pelos recursos auferidos pelo ente público, seja via arrecadação, seja por transferência. Contudo, não há correspondência exata entre o valor alocado, que o é genericamente a todos os municípios, e o valor recebido por cada ente municipal. Há de se esclarecer que o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) tem como escopo o fomento da educação, guardando relação com índices que refletem justamente a situação educacional do município. Foi este o critério utilizado pelo legislador no momento de distribuir os recursos do Fundo em questão entre os entes municipais. Nos ditames da Lei nº 11.494/07, em seu art. 8º, o valor que o Município recebe do FUNDEB e que será destinado à educação depende diretamente do número de alunos que possui sua rede de educação básica[3] (BRASIL, 2007). É esta grandeza que irá mensurar a fatia do Fundo que cada município irá receber. Assim, irá contribuir mais com o PASEP o ente que receber maiores recursos da UNIÃO, alargando a base de cálculo da indigitada contribuição. De outra banda, o município que recebe poucos recursos da UNIÃO, terá baixa retenção ao PASEP. Contudo, isso não irá refletir necessariamente o quantum o ente efetivamente receberá da parcela dos recursos do FUNDEB. Verifica-se a situação posta porque o parâmetro utilizado para o rateio do FUNDEB a cada Município é diverso de mero cálculo aritmético encontrado pela quantificação do valor repassado pela União aos entes municipais e que é destinado ao FUNDEB.  Referido valor é encontrado com base em grandeza trazida pelo texto legal, compondo-se do proporcional número de alunos que dado município possui matriculado nas redes de educação básica pública presencial. Portanto, um Município que recebe grande quantidade de recursos da União irá contribuir sobremaneira para o FUNDEB, deduzindo a União tal fatia dos recursos que transfere ao ente municipal, e já retendo o elevado percentual ao PASEP, mas, por possuir poucos alunos em sua rede de ensino, receberá uma pequena parcela dos recursos existentes no FUNDEB. Ao contrário, pode-se vislumbrar o seguinte quadro: um município que recebe menor quantidade de recursos da União irá contribuir menos com o PASEP, mas poderá receber uma quantia maior dos recursos do FUNDEB por ter maior número de alunos em sua rede de ensino. Eis o parâmetro eleito pela lei para a distribuição do FUNDEB a cada município. Pode-se verificar na situação descrita uma eficiente forma de distribuição de renda, de maneira que municípios que recebem mais recursos federais e ostentam boa situação educacional contribuem mais para o FUNDEB, sendo tal Fundo, por sua vez, objeto de distribuição em maiores proporções aos entes municipais com deficiência em recursos para verter em educação. De qualquer forma, a base de cálculo do PASEP há de ser o valor da receita transferida ao Município pela União e destinada ao FUNDEB por imediata dedução, por compor a definição legal da base de cálculo do referido tributo, e não o valor que efetivamente recebe o ente municipal quando do rateio do Fundo, que guarda relação com outra grandeza conforme delineado. 4. Conclusão Conclui-se, portanto, não haver identidade, no que se refere à base de cálculo do PASEP, entre os recursos destinados ao FUNDEB pela receita transferida ao Município pela UNIÃO e o valor a ser recebido pelo ente político do fundo de amparo à educação, que, por sua vez, será medido pelo número de alunos matriculados em sua rede pública de ensino, conforme expressa previsão legal. O intuito da norma que cuida do critério de distribuição do FUNDEB a cada Município é justamente amparar a educação básica, de forma a socorrer aqueles entes municipais com deficiência educacional.
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Da possibilidade de incidência da contribuição de melhoria na valorização dos imóveis quando da demolição de imóvel público – Obra pública negativa
O presente artigo versa sobre a possibilidade de ocorrência de fato gerador da exação contribuição de melhoria quando da obra demolitória estatal (obra pública negativa), em decorrência da valorização dos imóveis adjacentes.
Direito Tributário
I. Introdução: O presente estudo pretende cuidar da hipótese de valorização que ocorre quando da demolição de imóveis públicos de características sócio ambientais negativas e da possibilidade da esfera tributante municipal, estadual ou federal estatuir contribuição de melhoria quando da ocorrência deste fato gerados valorização. II. A espécie tributária contribuição de melhoria. A contribuição de melhoria é uma das espécies tributária lançadas pelo legislados em prol do Estado. Sua disciplina constitucional se alicerça na norma do inciso III da Constituição Federal da República do Brasil [1], tendo a Lex Legum também encaminhado ao Legislador Complementar a responsabilidade de minudenciar esta e as outras espécies tributárias. Neste escopo, no âmbito da ordem constitucional revogada (Carta de 1967), a Lei Complementar (ou mais tecnicamente a Lei com status quo de Lei Complementar) que disciplinou a matéria foi o Código Tributário Nacional (LEI Nº 5.172, DE 25 DE OUTUBRO DE 1966) que em seus artigos 81 e 82 assim a define: “TÍTULO V Contribuição de Melhoria Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos: I – publicação prévia dos seguintes elementos: a) memorial descritivo do projeto; b) orçamento do custo da obra; c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição; d) delimitação da zona beneficiada; e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas; II – fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior; III – regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial. § 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização. § 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.” O Decreto Lei 195, que apareceu em 24/02/1967, também funciona como sua lei de regência e sobre sua incidência e fato gerador, assim esclarece: “Art 1º A Contribuição de Melhoria, prevista na Constituição Federal tem como fato gerador o acréscimo do valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas direta ou indiretamente por obras públicas. Art 2º Será devida a Contribuição de Melhoria, no caso de valorização de imóveis de propriedade privada, em virtude de qualquer das seguintes obras públicas: I – abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas; II – construção e ampliação de parques, campos de desportos, pontes, túneis e viadutos; III – construção ou ampliação de sistemas de trânsito rápido inclusive todas as obras e edificações necessárias ao funcionamento do sistema; IV – serviços e obras de abastecimento de água potável, esgotos, instalações de redes elétricas, telefônicas, transportes e comunicações em geral ou de suprimento de gás, funiculares, ascensores e instalações de comodidade pública; V – proteção contra secas, inundações, erosão, ressacas, e de saneamento de drenagem em geral, diques, cais, desobstrução de barras, portos e canais, retificação e regularização de cursos d’água e irrigação; VI – construção de estradas de ferro e construção, pavimentação e melhoramento de estradas de rodagem; VII – construção de aeródromos e aeroportos e seus acessos; VIII – aterros e realizações de embelezamento em geral, inclusive desapropriações em desenvolvimento de plano de aspecto paisagístico. Art 3º A Contribuição de Melhoria a ser exigida pela União, Estado, Distrito Federal e Municípios para fazer face ao custo das obras públicas, será cobrada pela Unidade Administrativa que as realizar, adotando-se como critério o benefício resultante da obra, calculado através de índices cadastrais das respectivas zonas de influência, a serem fixados em regulamentação deste Decreto-lei. § 1º A apuração, dependendo da natureza das obras, far-se-á levando em conta a situação do imóvel na zona de influência, sua testada, área, finalidade de exploração econômica e outros elementos a serem considerados, isolada ou conjuntamente. § 2º A determinação da Contribuição de Melhoria far-se-á rateando, proporcionalmente, o custo parcial ou total das obras, entre todos os imóveis incluídos nas respectivas zonas de influência. § 3º A Contribuição de Melhoria será cobrada dos proprietário de imóveis do domínio privado, situados nas áreas direta e indiretamente beneficiadas pela obra. § 4º Reputam-se feitas pela União as obras executadas pelos Territórios” Vemos que objetivando a espécie, seu fato gerador, expresso nos artigos 1º , complementado pela lei, leva em conta o “benefício resultante da obra” e o limite da cobrança, que tanto uma como a outra legislação regencial informam, tem a ver com o valor total da obra, divisível na medida do benefício individual do contribuinte que suportará a exação. “Este informação se extrai, com veemência do seguinte excerto do acórdão do RECURSO ESPECIAL REsp 362788 RS 2001/0127077-4 (STJ), julgado à STJ 28 de Maio de 2002  assim ementado: TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA – CTN ARTS. 81 E 82. 1. A contribuição de melhoria tem como limite geral o custo da obra, e como limite individual a valorização do imóvel beneficiado. 2. Prevalece o entendimento no STF e no STJ de que não houve alteração do CTN pelo DL 195/67. 3. É ilegal a contribuição de melhoria instituída sem observância do limite individual de cada contribuinte. 4. Recurso especial conhecido e provido” O Egrégio Pretório Excelso, seguindo a mesma linha de raciocínio lógico, a definiu como “Contribuição de melhoria –  É um tipo de tributo. Contribuição que o Estado exige, diretamente em função de uma obra pública, dos proprietários de imóveis que foram beneficiados por ela.” Assim podemos entender que a Contribuição de Melhoria é uma espécie tributária cujo fato gerador repousa na valorização patrimonial, geralmente imobiliária, advinda de obra pública e que seu limite repousa no custo total da obra pública que será suportado de forma proporcional, de acordo com a capacidade contributiva do contribuinte. III. Hipótese de Incidência:  A hipótese de incidência, que, de regra deve açambarcar o fato gerador, se dá quando haja valoração em decorrência de obra pública. Contudo o que vem a ser obra pública? A legislação de regência define obra pública como: “I – abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas; II – construção e ampliação de parques, campos de desportos, pontes, túneis e viadutos; III – construção ou ampliação de sistemas de trânsito rápido inclusive todas as obras e edificações necessárias ao funcionamento do sistema; IV – serviços e obras de abastecimento de água potável, esgotos, instalações de redes elétricas, telefônicas, transportes e comunicações em geral ou de suprimento de gás, funiculares, ascensores e instalações de comodidade pública; V – proteção contra secas, inundações, erosão, ressacas, e de saneamento de drenagem em geral, diques, cais, desobstrução de barras, portos e canais, retificação e regularização de cursos d’água e irrigação; VI – construção de estradas de ferro e construção, pavimentação e melhoramento de estradas de rodagem; VII – construção de aeródromos e aeroportos e seus acessos; VIII – aterros e realizações de embelezamento em geral, inclusive desapropriações em desenvolvimento de plano de aspecto paisagístico. “ Logo a seguir também elenca que adotar-se-á “como critério o benefício resultante da obra, calculado através de índices cadastrais das respectivas zonas de influência, a serem fixados em regulamentação deste Decreto-lei”[2] O que dizer, então, das obras públicas que causam não a construção, mas sim a destruição de prédio ou estrutura pública que, em manifesto desuso urbanístico ou onde sua inadequação à urbe seja manifesta e do reflexo que isto pode causar no entorno. Tomemos um exemplo concreto. Quando a Prefeitura de São Paulo, nos idos de 1969, desengavetou o projeto de uma via elevada que ligasse a Praça Roosevelt no centro da cidade até ao Largo Padre Péricles, na região da Barra Funda, com o intuito de desafogar o trânsito da Avenida General Olímpio da Silveira e da Rua Amaral Gurgel, as quais, por cortar regiões centrais da cidade, não poderiam ser alargadas para ampliar sua capacidade, fez nascer o Elevado Presidente Costa e Silva (também conhecido simplesmente como Elevado ou Minhocão), o gigantismo e a falta de adequação arquitônica da mesma acabaram por destruir por completo a possibilidade de utilização como residências ou comércios da maioria dos imóveis no entorno. Ocorre que citada obra, com o tempo acabou por estar inserida num dos bairros de maior crescimento valorativo e de especulação imobiliária, que é a Barra Funda, que se liga à Higienópolis e à Perdizes, onde a valorização imobiliária cresce em progressão geométrica, sendo natural que estes bairros crescessem sobre os vastos (ainda) terrenos da Barra Funda que se marca por dois acidentes urbanísticos, um o citado Minhocão e o outro a linha férrea que corta a cidade neste ponto. Diante deste cenário os clamores pela demolição do Elevado e pela construção de túneis para avia férrea tornaram-se muito mais visíveis e hoje há inúmeros estudos no sentido desta ocorrência. Inegável que tal demolição e/ou construção de túneis somente se pode dar por iniciativa do Poder Público, ainda que através de uma Parceria Público Privada (LEI No 11.079, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2004) ou em regine de Concessão (LEI Nº 8.987, DE 13 DE FEVEREIRO DE 1995), que irá despender enormes quantias financeiras para a obra em si e para a readequação urbana do local onde hoje se inserem as vias. Por outro lado é  absolutamente inegável que a valorização imobiliária para os imóveis lindeiros, bem como para os terrenos ainda vagos nas imediações será enorme, o que poderá, exatamente através de interpretação da lei, ensejar a cobrança de contribuição de melhoria por tal valorização, por óbvio a depender de legislação específica destinada a tanto. Explica-se. O inciso I do artigo 2º do DL 195 explana que a obra a ensejar a contribuição de melhoria pode ser oriunda de abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas. Ora evidente que o rol da descriução não é taxativo, não é numerus clausus e a locução “outros melhoramentos de praças e vias públicas” enseja a formalização de legislação no sentido do embasamento da cobrança; Ora se assim não se procede dar-se-á a intrínseca ofensa ao princípio que veda o enriquecimento sem causa, ofendendo, por conseguinte a ordem jurídica e se motivando o acréscimo de patrimônio daquele que houve a valorização em seu imóvel à custa do Estado. Não há, até a data de elaboração deste artigo, nenhuma decisão jurisprudencial sobre o tema para que se pudesse observá-la, contudo, na doutrina o professor Eduardo Jardim entende viável a tese, vejamos: “O conceito de obra pública prelecionado por Hely Lopes Meirelles é toda realização material a cargo da Administração ou de seus delegados consistente em construir, reformar ou ampliar imóvel destinado ao público ou ao serviço público. Outrossim, o conceito se ressente de incompletude, pois foi omisso em relação à obra demolitória que, a meu pensar, reveste a feição de obra pública, de par com as demais retrocitadas. Em veras, a carga semântica da expressão obra, dentre outras acepções, significa aquilo que é resultante de um trabalho e que foi objeto de modificação ou transformação. Logo, a realização de obra demolitória, a exemplo da Penitenciária do Carandiru, representa uma obra pública e, caso propicie valorização dos imóveis da região, poderia ensejar a instituição de contribuição de melhoria, conforme mencionado em monografia intitulada  Contribuição de melhoria decorrente de demolição realizada por ente público[3].” [4] Acerca do princípio de vedação ao enriquecimento sem causa e sua relação com a contribuição de melhoria, explana Regina Helena Costa: “Outrossim, entendemos prestar-se a fundamentar a exigência de contribuição de melhoria o princípio, pertencente à teoria geral do direito, do enriquecimento sem causa. Com efeito , se a obra pública – realizada em atendimento ao interesse público – provoca, como efeito colateral, mais-valia imobiliária para alguns sujeitos, estes se beneficiam especialmente sem concorrer de modo algum para esse resultado. Portanto, podemos afirmar faltar “justa causa” ao benefício por eles recebido, o que impõe a utilização de expediente que corrija essa situação. Percebe-se que, em última análise, tal fundamento também se encontra nas dobras do princípio da isonomia.”[5] O raciocínio da desembargadora e professora é absolutamente coerente com o que vimos dizendo, uma vez que a não instituição da cobrança da contribuição de melhoria em obras de demolição ofenderia mesmo a isonomia haja vista o auferimento de vantagem econômica em detrimento de outros em igual situação, através de fortuito.   IV. Conclusão: Ao passo que não existe vedação legal, de nenhuma espécie, ao ensejo de Contribuição de Melhoria quando a valorização imobiliária decorre não da usual obra de construção mas sim da de destruição de obra pública e, paulatinamente que a valorização imobiliária, que é sumamente a hipótese de incidência da Contribuição de Melhoria, notadamente nas grandes cidades onde o preço dos terrenos marginais àqueles ocupados por obras públicas já obsoletas urbanisticamente, pode ocorrer com a inicitaiva do Estado em readequar estas obras, ém plenamente viável ao legislador municipal, estadual ou federal estatuir a exação na ocorrência destas readequações urbanas, para que, na medida de seu acréscimo o contruinte que teve valorização de seu imóvel em decorrência da ação urbana estatal seja cotejado a repor ao ente tributante/executante, parte desta valorização na forma de exação tributária.
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A competência tributária do sistema tributário nacional
A CF traz em seu âmago um capítulo nomeado por “DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL”, no qual se dispõe a respeito de entre outros, nos artigos 153 a 156: “Dos impostos da União”, “Dos impostos dos Estados e do Distrito Federal” e “Dos impostos dos Municípios”, indicando que a competência tributária tem como seus titulares essas pessoas políticas hierarquicamente posicionadas no mesmo plano.
Direito Tributário
1. Delineamentos A princípio, competência, nos dizeres do docente Conrado “[…] então, o instituto da competência, o primeiro (e quiçá o mais importante) dos limitadores do exercício da função jurisdicional.” (2000, p.100). Ao destacar que é um instituto limitador, o autor, embora esteja tratando essa competência no sentido de jurisdição, ao contrário da análise ora suscitada, “competência tributária”, exprime sua função delimitadora. “A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos.” (CARVALHO, 2000, P. 211). A Carta Magna somente delimitou a competência tributária, sem, apesar disso, criar tributos. Nesta demarcação há parâmetros para que o legislador infraconstitucional obedeça e construa os critérios das normas jurídicas. E, conforme sua abrangência pode ser privativa, comum, residual e extraordinária, em resumo: a)competência privativa[1]: somente o ente político indicado pela CF que terá a competência tributária para editar leis que instituam abstrativamente os respectivos impostos. Com a devida observação, entretanto, na disposição do artigo 148, o qual também, inclui a instituição de empréstimos compulsórios; b)competência comum[2]: a competência tributária é repartida entre os entes políticos, desde que configure uma atuação estatal seja com relação as taxas ou as contribuições de melhoria; c)competência residual[3]: à União foi conferida a liberdade para editar leis criando abstrativamente outros impostos, com a ressalva de que não possuam a mesma base de cálculo e o mesmo fato gerador de impostos já previstos, ou mesmo, que não sejam cumulativos. E, ainda, há disponibilidade para que a União estabeleça contribuições sociais atinentes a manter e expandir a seguridade social; d)competência extraordinária[4]: atribui à União a competência de instituir impostos na iminência ou no caso de guerra externa, abrangidos ou não na sua competência. A distribuição da competência tributária decorre “da própria estrutura do Estado Federado e, para que tenha condições de plena eficácia, deve ser rígida e exaustiva, objetivando prevenir os conflitos e invasões de uma pessoa política por outra” (SABBAG, 1996, v. 728, p. 684). 2. Conclusão Sob essa égide, ao legislador infraconstitucional não é permitida qualquer modificação na competência tributária, a não ser por Emenda Constitucional, garantida sua inalterabilidade, sobretudo, afinal, evidenciando o prestígio à autonomia dos entes políticos, e, de tal modo, a consonância com o princípio do pacto federativo. A competência tributária, pois, é a aptidão de criar um tributo, considerando, no entanto, que essa criação é abstrata, tendo em vista que essa norma é geral e abstrata. Advém, ainda, que com o nascimento do crédito tributário há expedição da norma individual e concreta, e a competência tributária da pessoa política esgota-se na edição da lei, transferindo sua posição para capacidade tributária ativa, ou seja, sujeito ativo.
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Uma análise técnico-jurídica dos institutos da desconsideração da personalidade e da responsabilidade pessoal tributária prevista no artigo 135 do Código Tributário Nacional
Através de uma hermenêutica sistemática dos dispositivos normativos específicos demonstram-se as diferenças substanciais entre os institutos jurídicos da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito tributário e da responsabilidade pessoal tributária prevista no artigo 135, III do CTN. Verificada tais premissas, destacam-se os efeitos jurídicos específicos de cada um dos institutos, propondo-se, ao final, uma mudança na tratativa jurisprudencial do assunto.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO No quotidiano forense, os juristas que atuam com o direito tributário estão sempre se deparando com pedidos, feitos pelas respectivas Fazendas Públicas, de desconsideração da personalidade jurídica, pleitos estes muitas das vezes fundados no artigo 135 do Código Tributário Nacional. É recorrente, também, a aparição de decisões nesse sentido. Vejamos alguns arestos: “(…) A sociedade veio a ser irregularmente dissolvida, sem o cumprimento das exigências legais especificas. A inatividade da empresa desloca para os sócios a responsabilidade de integrar a lide, figurando no polo passivo da relação  processual. É a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, o que se extrai do artigo 135, IlI, do Código Tributário Nacional.” (Agravo de Instrumento n° 318.246-5/4-00) Nesse mesmo diapasão: “AGRAVO DE INSTRUMENTO – Inclusão dos sócios no polo passivo da execução -Admissibilidade – Aplicabilidade da teoria da desconsideração da personalidade jurídica -Inteligência do art. 135, inciso III do CTN -Recurso improvido.” (TJSP – Agravo de Instrumento n.º 84.111-5/0) São inúmeros os julgados relacionando o instituto da desconsideração da personalidade jurídica com o instituto da responsabilidade tributária prevista no artigo 135, inciso III do Código Tributário Nacional. Entende-se que referida relação apresenta uma insubsistência interessante, tanto sob o aspecto prático como também sob o ponto de vista jurídico-científico. Explicamos melhor: 2. DA NATUREZA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE JURÍDICA INCLUSA NO ARTIGO 135 DO CTN – DA DIFERENÇA ENTRE REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL E DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA A disposição dos conceitos básicos de responsabilidade tributária, com a enumeração de suas espécies e subespécies criadas pela lei e repetidamente classificadas pela doutrina e jurisprudência não é o intuito deste trabalho. A responsabilidade tributária prevista no artigo 135, III do CTN, haja vista a forma como é tratada no universo jurídico nacional, é o ponto central que se pretende esclarecer. Pois bem. O artigo 135, inciso III do Código Tributário Nacional, trata da responsabilidade pessoal de terceiros[1], no caso os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado. O texto da norma contida no referido artigo é o seguinte, in verbis: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Nos expressos termos do artigo de lei ora transcrito, a responsabilidade inclusa não tem natureza solidária ou mesmo subsidiária. A responsabilidade do terceiro é pessoal. Assim sendo, verificada a hipótese legal do artigo 135, inciso III, há um reconhecimento inconteste da ilegitimidade passiva da pessoa jurídica para figurar na relação jurídico-processual da respectiva execução fiscal. Ora, a irresponsabilidade patrimonial dessa pessoa jurídica, conseqüência da ilegitimidade passiva-obrigacional, fica expressamente declarada para se reconheça a do terceiro, pessoalmente responsável. Pesquisamos a doutrina especializada: “(…) verifica-se que esse dispositivo exclui do pólo passivo da obrigação a figura do contribuinte (que, em princípio, seria a pessoa em cujo nome e por cuja contra agiria o terceiro), ao mandar que o executor do ato responda pessoalmente. A responsabilidade pessoal deve ter aí o sentido (que já se adivinha no art. 131), de que ela não é compartilhada com o devedor “original” ou “natural”. (Luciano Amaro, Direito Tributário Brasileiro, 12ª Edição, Editora Saraiva, pág. 327). A verificação da responsabilidade nos termos do artigo 135, inciso III do CTN, portanto, importa na exclusão da pessoa jurídica (responsável “originário”) do pólo passivo de uma eventual execução fiscal, uma vez que verificada hipótese legal de ilegitimidade passiva da obrigação tributária. O que se observa do instituto da desconsideração da personalidade jurídica prevista no artigo 50 do Código Civil é o contrário. Referido artigo é cristalino ao afirmar que os efeitos da execução, ou melhor, os efeitos jurídicos da responsabilidade patrimonial, se estendem aos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Vejamos o teor normativo do artigo em testilha: “Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. (Código Civil)” Cremos, nessa esteira, que há uma diferença substancial entre o pedido de reconhecimento da responsabilidade pessoal de terceiros (artigo 135, III do CTN) e o pedido de desconsideração da personalidade jurídica (conforme os moldes estabelecidos pelo nosso direito). A diferença, ressalta-se, não se afigura somente na delimitação da natureza jurídica do instituto. Há, como se demonstrou, efeitos práticos relevantes: a) a delimitação do tipo de responsabilidade, se solidária ou pessoal; e, conseqüência desse último, b) a caracterização da legitimidade passiva material da obrigação tributária com efeitos diretos na legitimidade passiva adjetiva, verificada no bojo de uma execução fiscal. 3. CONCLUSÃO Ficou assentado o entendimento ora esposado de que ao se reconhecer a responsabilidade pessoal de terceiro, nos moldes do artigo 135, III do CTN, está se declarando a ilegitimidade passiva do devedor “originário” para se reconhecer a legitimidade do terceiro. Há, portanto, que se direcionar a execução exclusivamente em face do indigitado terceiro. No nosso sentir, o pedido possível de ser feito no decorrer de uma execução fiscal é o redirecionamento da execução em face do terceiro, nos termos do artigo 135, III do CTN, e não a desconsideração da personalidade jurídica.[2] Nesse passo, pedindo-se o redirecionamento da execução nos moldes acima sugeridos, deve haver a modificação do pólo passivo da execução fiscal. Muitos julgados, entretanto, têm mantido no pólo passivo a pessoa jurídica, originariamente executada, criando uma responsabilidade solidária, não reconhecida pela lei. Trata-se de equívoco, o qual se propõe uma mudança de entendimento até mesmo para se preservar os diferentes efeitos jurídicos que cada instituto, desconsideração e responsabilidade pessoal, proporciona.
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A regra matriz de incidência tributária
À luz dos artigos 5º, inciso II, e 150, inciso I, da Constituição Federal de 1988, o princípio da legalidade no campo do Direito Tributário motiva a necessidade de lei que preconize o tributo. E os artigos 3º, este em alusão ao princípio da tipicidade tributária, e o 114, ambos do Código Tributário Nacional, exige a essa lei a definição do fato que ocorrendo, seja o suficiente para o nascimento da obrigação tributária.
Direito Tributário
1  INTRODUÇÃO O Direito Tributário é o ramo do direito público que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie; é a disciplina jurídica dos tributos. A não incidência é um fato ou uma situação que ficou fora do alcance da norma tributária, podendo decorrer de imunidade ou isenção, sendo também pura e simples. Esta ocorre quando o poder público se abstém de tributar determinada operação, embora nada impeça de fazê-lo. Nas palavras de Machado (2005): “não incidência é a situação em que a regra jurídica de tributação não incide porque não se realiza a sua hipótese de incidência, ou, em outras, não se configura o seu suporte fático”. Já a incidência corresponde ao fato ou situação em que o tributo é devido. Dado o fato gerador concreto, recai ou incide sobre ele o tributo previsto na lei. Assim, fez-se necessário analisar os vários aspectos da regra matriz de incidência tributária. A carência de bibliografias voltadas ao assunto que incluam o estudo da regra matriz de incidência tributária motiva o estudo de novas metodologias visando sanar essas deficiências. Em conseqüência do cenário exposto, a problemática pode ser sintetizada na seguinte questão: o que é a regra matriz de incidência tributária e sua influência na tributação? Procurou-se discutir os posicionamentos contraditórios existentes na jurisprudência quanto à regra matriz de incidência tributária, as suas características e finalidades, apontando a sua aplicabilidade no nosso ordenamento, e verificando seus fundamentos e implicações. A observação dos aspectos metodológicos procura indicar os meios a serem utilizados para atingir os objetivos estabelecidos. As informações referentes ao tema regra matriz de incidência tributária foram obtidas mediante pesquisa bibliográfica. Do mesmo modo, foram obtidas as informações sobre a conceituação geral de incidência tributária e sua operacionalização. O conceito proposto destina-se a analisar o resultado: regra matriz de incidência tributária e sua interferência na tributação. Todavia, pode-se realizar e identificar as operações mais complexas e de maior incerteza e que justifiquem maior detalhamento da regra matriz de incidência tributária, para a sua adequada aplicação. 2  TRIBUTOS Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (art. 3º do CTN). Interessa ao tributarista ou a quem quer que seja, quando estuda a relação de Direito Tributário, verificar se o tributo é devido ou não, quando, a quem e como. O tributo não é penalidade decorrente da prática de ato ilícito, uma vez que o fato descrito pela lei, que gera o direito de cobrar o tributo (hipótese de incidência) será sempre algo lícito. Assim, a título de exemplo, mesmo que a origem da renda auferida seja ilícita, tal renda poderá ser tributada por meio de tributo específico (Imposto sobre a Renda em Proventos de Qualquer Natureza). 3  COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E NORMA TRIBUTÁRIA 3.1 Competência legislativa tributária Embora algumas leis orgânicas municipais abordem a matéria, a competência para legislar sobre o direito tributário, financeiro e sobre o orçamento é concorrente da União, Estados e Distrito Federal (art. 24, I e II, da CF). Cabe à União legislar sobre normas, mas o Estado mantém competência suplementar. Se não houver lei federal, o Estado fica com competência legislativa plena. Mas, sobrevindo a lei federal, somente serão válidas as disposições estaduais que não contrariem as federais editadas. A competência legislativa é a aptidão de que são dotadas as pessoas políticas, para que expeçam normas jurídicas e para que as incluam no ordenamento jurídico. É necessário, para tanto, que se cumpram todas as formalidades legais para a formação dessas normas, observando-se o conjunto de atos que caracterizam o procedimento legislativo. A lei é, por sua vez, o instrumento que introduz os preceitos jurídicos que, ao serem inseridos no sistema jurídico, criam direitos e deveres, segundo Sundfeld (1998). Dentre as faculdades dadas ao legislador pelo constituinte, está a de editar normas jurídicas que disciplinem a matéria tributária. Essas normas definirão desde o fenômeno da incidência, até as que tornam possível a realização dos direitos subjetivos do sujeito ativo, e os deveres do sujeito passivo da relação jurídica. Não se confunde com a capacidade tributária ativa, pois esta vem a ser a capacidade dada ao sujeito que atua no pólo positivo da relação, e que detém o direito de exigir o pagamento do tributo. A competência legislativa tributária irá acontecer num momento anterior ao da capacidade ativa tributária. Há casos em que o Estado pode acumular as funções de sujeito impositor do tributo (competência legislativa) e de sujeito credor do tributo (capacidade ativa). Isso se dá pelo fato de o Estado, valendo-se de sua competência legiferante, instituir o tributo, e posteriormente, na relação obrigacional, aparecer como credor do tributo. O Estado pode delegar a outra pessoa, o direito de exigir o tributo. A capacidade ativa tributária, portanto, é transferível. O mesmo não acontece com a competência legislativa, visto que somente o Estado pode instituir o tributo. Se este não aproveitar a capacidade legislativa, não poderá transferi-la para outros, em virtude do princípio da indelegabilidade da competência tributária. 3.2 Norma tributária A norma jurídica, enquanto lei escrita, é a linguagem social que se impõe mediante documentos formais com os atributos da eficácia e validade jurídicas frutos de um processo legislativo adequado praticado por autoridade competente, sendo que a linguagem da norma pode se revelar de vários enunciados jurídicos, de um ou de apenas parte do mesmo, cabe ao intérprete fazer o esforço intelectivo de interpretar o sentido do texto legal para chegar à sua real finalidade e poder explicar as suas conseqüências; é essencialmente uma espécie de norma de conduta social cuja diferença específica está na garantia concreta conferida pela coatividade estatal; portanto, a norma jurídica é o conteúdo semântico que se extrai do conteúdo sintático da expressão normativa fixada em suportes físicos, mediante o esforço interpretativo do operador visando sua aplicação eficaz no mundo dos fenômenos culturais. 3.3 Classificação das normas tributárias As normas jurídicas tributárias podem ser classificadas quanto ao tipo de ato que as insere no sistema, quais sejam: normas constitucionais, complementares, ordinárias, delegadas, veiculadas por medidas provisórias, decretos, e etc. Essa classificação tem a sua importância devida à própria hierarquia das leis. Outra classificação das normas tributárias seria quanto ao grupo institucional a que pertencem. São elas: 1) Normas que demarcam princípios limitativos para a sua elaboração; 2) Normas que definem a incidência do tributo, descrevendo os fatos e os sujeitos da relação, e ainda, as isenções e normas sancionadoras; 3) Normas que fixam providências administrativas para a operatividade do tributo, tais como o lançamento, o recolhimento e demais regras referentes à fiscalização. Esta última formula classificatória, possui amplo teor científico, motivo pelo qual, será a base para a identificação das duas acepções da expressão norma tributária: em sentido estrito, e em sentido amplo. 3.4 Fundamentos da norma tributária O processo de positivação do direito, ou seja, o processo de criação de normas jurídicas individuais e concretas, é de fundamental importância para a compreensão da disciplina jurídica, pois é por meio dele que o direito alcança as condutas humanas em suas relações intersubjetivas. Este processo, no que se relaciona à obrigação tributária, desde o seu início, com a interpretação e a construção de sentido dos textos legislados, até o seu encerramento, com a comunicação a certos indivíduos de que eles estão obrigados à prática de determinada conduta. 3.5 As normas jurídicas tributárias e a regra-matriz de incidência tributária A regra-matriz de incidência tributária é a norma jurídica tributária em sentido estrito, tal como vem definido no art. 3º do CTN, pois o seu núcleo é essencialmente a definição de uma norma geral e abstrata e genérica que define as notas do tipo tributário, definindo seus critérios (1) material, (2) temporal, (3) espacial, (4) subjetivo e (5) quantitativo, de forma a compor a regra de conduta tributária a ser inserida no ordenamento e a ser aplicada no dia-a-dia definindo a conduta tributária a ser observada pelo Fisco e pelo contribuinte, informando-lhe em razão (1) do quê, (2) quando (3) e onde um dado (4) sujeito passivo, ou seu substituto, deve prestar para determinado sujeito ativo (5) determinada quantia apurada, mediante delimitação de uma base de cálculo e respectiva alíquota, o “quantum” da obrigação de natureza tributária. É a norma de conduta que informa os limites materiais de incidência do fenômeno tributário, como realização do princípio da reserva legal. 3.6 A instituição da regra-matriz de incidência tributária e o princípio constitucional da legalidade tributária Dentre essas normas jurídicas de estrutura, temos o princípio constitucional da legalidade tributária. Trata-se de uma norma jurídica de posição privilegiada no direito positivo pátrio, determinando limites objetivos para a ação do Estado e, de certo modo, para o próprio cidadão. O art. 5º, II, da Constituição Federal tem o seguinte enunciado: “Art. 5º. (…) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Conforme o princípio da legalidade, o Estado somente pode intervir na esfera jurídica do cidadão, imputando-lhe direitos ou deveres, diante de permissivo legal que autorize tal atividade e, mediante norma jurídica legal conforme os preceitos constitucionais. Dada a ausência de norma jurídica veiculada por lei, fica o Estado impedido de exigir qualquer prestação por parte do cidadão. Como bem ensina Carrazza (2000): “(…) Bastaria este dispositivo constitucional para que tranqüilamente pudéssemos afirmar que, no Brasil, ninguém pode ser obrigado a pagar um tributo ou a cumprir um dever instrumental tributário que não tenham sido criados por meio de lei, da pessoa política competente, é óbvio. Dito de outro modo, do princípio expresso da legalidade poderíamos extratar o princípio implícito da legalidade tributária”. 3.7 Regra-matriz de incidência tributária e a competência para sua expedição No sistema do direito positivo brasileiro, há todo um conjunto de normas jurídicas de estrutura veiculadas pela Constituição Federal, vinculando decisivamente o exercício da função legislativa em matéria tributária, ou seja, a competência tributária. Exercitada tal prerrogativa, ela se esgota, permitindo o surgimento da capacidade tributária ativa, outra prerrogativa do Estado consistente na atividade da arrecadação da prestação tributária. A Constituição Federal estabelece os limites para o exercício da competência tributária, atribuindo aos contribuintes direitos fundamentais, tais como o direito à segurança jurídica, o direito à propriedade e o direito à igualdade. Esses e outros direitos constitucionais, ao lado dos demais preceitos que, direta ou indiretamente, dizem respeito à regulação jurídica do fenômeno tributário, formam o estatuto do contribuinte. Somente através de sua observância, a tributação fica conciliada com os fundamentos e diretrizes constitucionais. Somente as pessoas políticas podem instituir tributos, por serem as únicas dotadas de Poder Legislativo e, por conseguinte, de competência tributária. Os espaços da competência tributária de cada uma das pessoas políticas é delimitado por normas constitucionais de estrutura, que apontam previamente os tributos cuja criação lhes é permitida, preservando, assim, o princípio federativo. 3.8 A regra matriz de incidência tributária e regra-matriz de deveres instrumentais. Tanto a regra-matriz de incidência tributária como as regras-matrizes dos deveres instrumentais são normas da mesma generalidade jurídica enquanto normas de conduta, entretanto, existe uma diferença específica que distingue a regra-matriz de incidência tributária das demais, é que cabe a ela, e somente a ela, definir a norma de conduta jurídico-tributária por excelência, em função do princípio da tipologia tributária, ou seja, o tributo, tal qual o tipo penal, ao necessitar obedecer ao princípio da reserva legal, torna-se um ente jurídico de natureza lógica especialíssimo, portanto, a regra-matriz de incidência tributária é a norma jurídica tributária em sentido estrito, sendo as demais normas jurídicas determinadoras de condutas chamadas acessórias, cuja finalidade é a de instrumentalizar o como prestar ou não a obrigação, pode-se afirmar que são simples normas tributárias em sentido amplo, por participarem do fenômeno tributário como um todo onde cumprem o papel de meros deveres instrumentais, que concorrem para efetiva e concreta aplicação da regra-matriz de incidência tributária. 4  HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA E FATO IMPONÍVEL Primeiramente, necessário é fornecer o conceito de hipótese de incidência tributária, que é a descrição legal de um fato, ou seja, é a formulação hipotética, prévia e genérica, contida na lei, de um fato. É a previsão legal de um fato. O conceito de hipótese de incidência é universal, determinado e fechado. A hipótese é una e indivisível (é unitária e incindível), não havendo possibilidade de se falar em tipo. Cada tributo possui uma hipótese de incidência, sendo a mesma explorada ao máximo para que seja aplicável somente àquele tributo. Ao se falar de hipótese de incidência tributária, muitos autores, professores e acadêmicos confundem este termo com a expressão fato gerador. Nas palavras Amaro (1999): “a expressão hipótese de incidência designa com maior propriedade a descrição, contida na lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, enquanto a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei. A hipótese é simples descrição, é simples previsão, enquanto o fato é concretização da hipótese, é o acontecimento do que fora previsto”. Neste sentido, pode-se dizer que a hipótese de incidência tributária é a descrição hipotética, contida na lei, do fato apto a dar nascimento à obrigação. Ao fato que ocorreu de acordo com a previsão legal, tornando-se concreto, denominar-se-á de fato imponível, conforme Jarach (2004). Cabe, agora, ressaltar o conceito de fato imponível, diferenciando-o da hipótese de incidência. Para Ataliba (2001), fato imponível é: “… o fato concreto, localizado no tempo e no espaço, acontecido efetivamente no universo fenomênico, que – por corresponder rigorosamente à descrição prévia, hipoteticamente formulada pela hipótese de incidência legal – dá nascimento à obrigação tributária.Cada fato imponível determina o nascimento de uma obrigação tributária.” 5 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA Há dois tipos de normas jurídicas no ordenamento do direito positivo, a saber, as regras de comportamento, que regem o comportamento das pessoas em suas relações de intersubjetividade; e as regras de estrutura, que dispõem sobre a maneira de como deve ser, a norma jurídica, criada, transformada ou até mesmo, expulsa do sistema. A regra-matriz de incidência tributária vem a ser uma regra de comportamento, pois se reporta a disciplinar a conduta do devedor da prestação fiscal, perante o credor desta mesma prestação, ou seja, o sujeito ativo. 5.1 Os critérios da hipótese No Critério material, há referência a um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas. Na doutrina tradicional, este critério é quase sempre tratado condicionadamente com o critério espacial e o temporal. Desvinculando-o dos demais critérios, dir-se-á que o material irá designar sempre o próprio comportamento das pessoas, nos casos de “fazer”, “dar” ou simplesmente “ser”. Na verdade, o critério material está ligado a um verbo, seguido de seu complemento, como por exemplo: circular mercadorias, importar produtos industrializados, ou ser proprietário de imóvel em área urbana, etc. Esse critério tem notável importância, quer para a definição da norma-padrão do tributo, quer para permitir o esclarecimento da fenomenologia das isenções tributárias, como sustenta Carvalho (2004). No Critério espacial, há elementos condicionadores de espaço na norma tributária, os quais nos conduzirão a classificação do gênero do tributo. Isso ocorre porque o legislador, ao elaborar as normas, nem sempre deixa claramente expressos, os locais em que o fato deve ocorrer, para que possa produzir efeitos. Entretanto, quando isso acontecer, mesmo que pareça-nos que o legislador olvidou-se de mencioná-los, haverá sempre, indicações implícitas que permitirão saber onde se deu o fato que fez nascer o laço obrigacional. 5.2 Os critérios da conseqüência A hipótese é a de que o descritor da norma, que anuncia os critérios para o reconhecimento de um fato. O conseqüente, por sua vez, irá fornecer os dados para a identificação do vínculo jurídico em si. Este vínculo ao nascer, possibilita-se reconhecer os sujeitos da relação obrigacional tributária, bem como torna evidente o objeto, que é o comportamento imposto pela norma. O conseqüente normativo, portanto, identificará a própria relação jurídica, a partir da concretização do fato ou evento. São os critérios para a identificação da relação jurídica: o pessoal e o quantitativo, segundo Coelho (2002). O critério pessoal é o conjunto de elementos colhidos no prescritor da norma, que revela quem são os sujeitos (ativo e passivo) da relação jurídica. Ele definirá a quem foi atribuído o direito de crédito, tendo como contranota, aquele a quem a norma tributária impõe o dever obrigacional. O critério quantitativo tratará do objeto da prestação. No caso da Regra-Matriz de Incidência Tributária, o objeto se consubstanciará na base de cálculo do tributo, e na alíquota a ser aplicada. Esse critério refere-se à grandeza mediante a qual, o legislador dimensionou o fato jurídico tributário, definindo a quantia a ser paga pelo devedor, a título de tributo. 5.3 Aplicabilidade da Regra-Matriz de Incidência Tributária Acerca da aplicação da regra matriz de incidência tributária leciona Cassone (2004): “A esquematização formal da regra-matriz de incidência tem-se mostrado um utilíssimo instrumento científico, de extraordinária fertilidade e riqueza para a identificação e conhecimento aprofundado da unidade irredutível que define a fenomenologia básica da imposição tributária. Seu emprego, sobre ser fácil, é extremamente operativo e prático, permitindo, quase que de forma imediata, penetrarmos na secreta intimidade da essência normativa, devassando-a e analisando-a de maneira minuciosa. Em seguida, experimentando o binômio base de cálculo/hipótese de incidência, colhido no texto constitucional para marcar a tipologia dos tributos, saberemos dizer, com rigor e presteza, da espécie e da subespécie da figura tributária que investigamos.” Desta forma, para aplicar a regra-matriz, necessário é realizar um processo de desformalização da norma, que consiste em substituir todos os símbolos e termos genéricos da regra, sendo, portanto, um trabalho semântico, uma vez que busca os significados dos vocábulos utilizados pelo legislador na confecção dos textos do direito positivo, aplicando-os aos casos concretos, aos comportamentos dos indivíduos que estão prescritos nas normas. Para melhor visualizar a aplicação da regra-matriz, deve-se observar ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Analisando a norma tributária de incidência desse imposto, identifica-se, de início, o seu critério material, representado pelos fatos abstratamente definidos. Como já se afirmou, a Constituição de 1988 agregou a sua hipótese de incidência, além da operação mercantil relativa à circulação de mercadoria, a prestação de serviços de transporte e de comunicação, outrora tributados pela União no regime anterior pelo chamado imposto único. No critério temporal, por sua vez, o legislador vai eleger uma ou mais situações jurídicas como sendo o momento preciso da ocorrência do fato jurídico e, conseqüentemente, o surgimento da obrigação, pressupondo, por óbvio, a transferência de titularidade da mercadoria. Pelo critério espacial inserido no contexto da norma tributária haverá indicativos do local ou espaço territorial em que se considera ocorrido o fato jurídico tributário. No ICMS esse critério corresponde a própria vigência e eficácia territorial da norma de incidência. O critério pessoal está expresso na hipótese de incidência. Ora, no contexto da norma padrão de incidência principalmente o legislador constituinte, como também o legislador infraconstitucional, dá um indicativo de qual sujeito poderá ser partícipe dessa relação jurídica, podendo ser o destinatário legal tributário ou o destinatário constitucional tributário. 6 CONCLUSÃO A Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga poder para que os entes estatais instituam os tributos atribuídos no seu texto. Sendo assim, a Constituição reparte o Poder de Tributar (característico do Estado) entre os vários entes políticos. O poder de criar tributos é repartido, de modo que cada ente estatal tem competência para impor prestações tributárias, dentro dos limites assinalados na Constituição. Além das exigências relativas à competência para edição da lei é de se salientar que a norma jurídica tributária deve estar completa, isto é, deve prever expressamente os seguintes elementos essenciais: sujeito ativo; sujeito passivo; hipótese de incidência; base de cálculo; e alíquota. À somatória de todos esses elementos, é conferida a denominação de Regra Matriz de Incidência Tributária e, na falta de qualquer um deles, haverá a obrigatória inexistência do tributo (e conseqüente impossibilidade de sua cobrança). Portanto, enquanto a lacuna não for suprida, não existe tributo em abstrato, não podendo existir validamente em concreto, vale dizer, no mundo fenomênico. Tomando-se o tributo como norma jurídica – tal como se apresenta no art. 145 da Constituição Federal de 1988 -, verificou-se que a hipótese tributária da regra matriz também é delineada constitucionalmente, vinculando o titular da competência tributária quando exerce suas prerrogativas. Com efeito, ao definir o seccionamento da estrutura da norma padrão de incidência tributária (regra-matriz), na análise de seus critérios adotou-se o pensamento de diversos autores. No entanto, em posição intermediária, identificou-se um elemento pessoal na hipótese. Nesse sentido, entende-se que um dos critérios da hipótese é o critério pessoal. A regra-matriz de incidência tributária é elemento necessário para o estudo da estrutura da norma tributária que regula toda e qualquer espécie tributária. Definiu-se a regra-matriz de incidência, em enfoque dirigido, fundamentalmente, ao seu critério material, face o alargamento de suas materialidades definidas pela nova ordem constitucional.
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A incidência tributária diante do fato social que tem por objeto o software
De um lado há circulação de mercadoria e do outro o fornecimento de trabalho. E ainda, há classificação dos bens em corpóreos ou incorpóreos. Se há o fornecimento de trabalho, no sentido de prestação de serviço, a natureza jurídica é de obrigação de fazer. Ao contrário, quando da circulação de mercadoria há obrigação de dar. O software, ou programa de computador, é um bem materializado em um suporte físico. E, a princípio, dependendo de algumas circunstâncias, é suscetível à tributação. Ademais, identificá-lo como uma atividade-meio ou uma atividade-fim, sob o ponto de vista de seu desenvolvimento e da espécie de contrato firmado, auxilia no esclarecimento quanto ao tributo devido. A tecnologia tem superado o homem ao que se referem suas leis, jurisprudências e doutrinas. O grau de incertezas e a quantidade de opiniões fazem com que a questão adote outras direções, senão por muitas vezes inadequadas.
Direito Tributário
1. A análise constitucional dos critérios materiais do ICMS e ISS 1.1. ‘software’ ou ‘programa de computador’ Cumpre resolver, ab initio, o conceito de software, é óbvio, sob o ponto de vista jurídico. Bem, software é toda parte lógica do sistema computacional, incluindo programas de computador, arquivos e até mesmo linhas de comando. Um programa de computador é uma reunião de instruções (dados) que descrevem uma tarefa a ser realizada por um computador. Em contraposição, hardware é toda a parte física, ou seja, componentes eletrônicos que constituem um computador. O legislador infraconstitucional, no artigo 1º da Lei nº. 9.609/98 (Lei do Software), optou por tratar “programa de computador” e “software” como sinônimos, embora este seja o gênero do qual aquele é espécie. Ainda, em seu artigo 2º, e seus parágrafos, o equipara a obra literária. Até mesmo a Lei nº. 9610/98 (dos Direitos Autorais) alocou o programa de computador no rol das obras intelectuais protegidas. Mas, cabe esclarecer que o vocábulo ‘literatura’ vem do latim ‘litterae‘ que signifca ‘letras’, e tal designa, por exemplo, uma instrução ou um conjunto de saberes. Escrever uma obra literária é trabalhar com linguagem. E aqui, a equiparação trazida pela lei, é sob o ponto de vista de consistir, o programa de computador, em uma escrita em forma de programação. De qualquer maneira, essa equiparação não é imprópria, haja vista a definição de programa de computador já inserida em epígrafe. Isto posto, caracteriza-se, em regra, o programa de computador como um bem incorpóreo e imaterial. 1.1.1 Delineamento sobre as espécies de softwares disponíveis A criação de uma obra literária, ou seja, decorrente do intelecto é, sobretudo, um bem imaterial e intangível. Não obstante, para que se torne perceptível à visão das pessoas (ex. ‘peopleware’ usuários da interface software e hardware) é prescindível um suporte físico, seja ele um livro, um CD-ROM, etc. e este é o momento no qual surgem dúvidas a respeito da tributação incidente. Então, com esse fato social há ato jurídico com circulação econômica de mercadoria ou prestação de serviço? Com efeito, o software pode ser apresentado sob a forma de ‘prateleira’, e este é o programa de computador licenciado para usuários indistintos. O bem já está pronto, não necessitando de contato com o produtor, em tese, porque acompanha manual de instruções que facilita a atividade de instalação e uso do usuário. Comercialmente tratado como um produto, em desatenção, a princípio, da definição de ‘mercadoria’, o software de ‘prateleira’ se refere assim em razão de sua distribuição, o que, não quer dizer que há circulação (transferência de propriedade). E ainda, há o software ‘sob encomenda’ que se caracteriza quando ‘x’ contrata os serviços de ‘y’ para que elabore um software de acordo com suas necessidades ou de usuários em geral (mas específicos). Assim, há um serviço híbrido (serviço + mercadoria). 1.1.2. Delineamento sobre o software como objeto dos contratos de licença e cessão ‘Contrato de licença’ trata de uma autorização concedida por quem tem o direito sobre algo, para que uma pessoa possa usá-lo ou explorá-lo. Diferentemente, o ‘contrato de cessão de direitos’ é um acordo entre partes com a intenção de transferir total ou parcialmente os direitos patrimoniais do titular sobre a obra. Estes não têm qualquer semelhança com o contrato de compra e venda porque o licenciador e o cesssionador continuam tendo a titularidade sobre o bem. O legislador infraconstitucional, oportunamente, no artigo 27 da Lei nº. 7.646/87, estabelecia que a exploração econômica de programa de computador será objeto de contratos de licença ou de cessão. Ao passo em que na Lei do Software, que substituiu a anterior, estabelece em seu artigo 4º que nos contratos de encomenda de programa de computador a titularidade dos direitos referentes ao software é do contratante (configurando, pois, a admissão de cessão de direitos, tacitamente, e ainda, em atenção ao seu artigo 2º que determina a o regime de proteção dos direitos autorais). Não obstante, no seu artigo 9º dispõe que o uso de programa de computador no país será objeto de contrato de licença. Este veículo introdutor de norma criou um vínculo infinito entre o titular e o usuário do programa de computador. Sobretudo, nos dizeres de Santos: Em se sabendo que o software foi desenvolvido sob encomenda, para atender às necessidades do cliente, e ainda que em grande parte das vezes o seu desenvolvimento foi custeado por ele, é evidente que é o proprietário do programa, e por isso deveria receber o código fonte. O que se verifica na prática é que dificilmente há transmissão da titularidade do programa e a entrega do código fonte, e, quando isto ocorre, geralmente o preço aumenta ou dobra, havendo inclusive ignorância dos próprios adquirentes quanto à existência de tais direitos e do valor decorrente do potencial de exploração econômica. A prática tem demonstrado que as partes limitam-se a celebrar um contrato de licença de utilização, e, dependendo do interesse, decidem se será temporário ou perpétuo. (1999, p. 56.) O § 1º do artigo 7º da Lei dos Direitos Autorais salienta que há uma legislaçãoespecífica ao se tratar dos programas de computador, tal seja a Lei do Software. E, em seus artigos 49 e 50 prevê a cessão de direitos das obras intelectuais. A Lei do Software é específica ao tema, assim, merece prevalecer tanto os contratos de cessão de direitos quanto de licença de uso. Por conseguinte, só é admissível o uso legal do software de três modos, sendo o próprio usuário que desenvolve o software e detêm os direitos sobre o mesmo; o usuário que firma contrato de licença de uso com o titular respectivo; e aquele que assina contrato de cessão de direitos com o titular, sendo, pois, a partir daí, o detentor dos direitos. Os itens da ‘lista de serviços’ e os softwares ‘de prateleira’ e ‘de encomenda’ sob o aspecto de ser uma ‘operação relativa à circulação de mercadoria’ ou uma ‘prestação de serviço’ Afinal, para determinar se o fato social que tem por objeto o ‘software’ sofre a incidência do ICMS ou do ISS, ou ainda de nenhum deles, é cabível a análise particular da tão citada ‘lista de serviços’, dos tipos de software, e, por fim, dos contratos oriundos. Isto posto, são os itens da ‘lista de serviços’, em adendo à LC nº 116/03, referentes ao tema em discussão: 1 Serviços de informática e congêneres; 1.01 Análise e desenvolvimento de sistemas; 1.02 Programação; 1.03 Processamento de dados e congêneres; 1.04 Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos; 1.05 Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação; 1.06Assessoria e consultoria em informática; 1.07 Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e manutenção de programas de computação e bancos de dados; 2 Serviços de pesquisas e desenvolvimento de qualquer natureza; 2.01 Serviços de pesquisas e desenvolvimento de qualquer natureza; 3 Serviços prestados mediante locação, cessão de direito de uso e congêneres; 23 Serviços de programação e comunicação visual, desenho industrial e congêneres; 23.01 Serviços de programação e comunicação visual, desenho industrial e congêneres. Não obstante, como já afirmado, a própria jurisprudência admite uma interpretação mais abrangente da lista de serviços, notadamente com relação aos termos ‘congêneres’, e ‘de qualquer natureza’. Então, na eventualidade do fato social se encaixar com algum (s) item (ns) da lista de serviço, tendo em vista a taxatividade, é ‘possível’ a incidência tributária de ISS, posto que existem outros fatores para a definição tanto da incidência deste, quanto do ICMS. O software de prateleira por ser um bem móvel desenvolvido previamente de modo padronizado, no intuito de atender as necessidades gerais do mercado, é considerado fungível, pois, já que distribuído em massa para comércio e na intenção de obter lucro. O bem fungível, em regra, tem natureza jurídica de ‘mercadoria’, assim, identificar a fungibilidade pode refletir na caracterização do fato social. Portanto, sendo mercadoria, e em havendo uma operação acrescida da sua circulação, há viabilidade da subsunção do fato imponível à norma, incidindo o ICMS. O software ‘sob encomenda’ é um bem produzido ao modo das preferências do contratante, razão pela qual o considera infungível. E, ainda, com a intenção de obter lucro, porém, um bem que só se alcança com a prestação do serviço ora contratado. Enfim, haja vista sua natureza jurídica de ‘serviço’, ocorrendo a contratação de serviço que tenha por objeto a encomenda de software, em tese, há subsunção do fato imponível à norma jurídica, e incide o ISS. Salientando, todavia, que, o referido ‘serviço’ deve constar na lista da LC nº. 116/03, como condição sine qua non. Neste diapasão, no mesmo ano da edição das Leis dos Softwares e dos Direitos Autorais, o STF assim se posicionou a respeito dos softwares ‘de prateleira’ ou ‘sob encomenda’: “EMENTA: I. Recurso extraordinário: prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). […] III. Programa de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” “matéria exclusiva da lide”, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo — como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) — os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. (BRASIL. Recurso Extraordinário nº. 176626/SP, Relator Ministro Sepulveda Pertence, Primeira Turma, publicação no DJ em 11 de dez. 1998.).” Porém, o ordenamento jurídico do país sofreu inovações importantes, haja vista a edição das Leis supracitadas, bem como da LC nº. 116/03, que incluiu em sua lista de serviços o ‘licenciamento e cessão de direito de uso de programas de computação’, inexistente anteriormente. Estas mudanças refletiram na tributação dos softwares causando verdadeiras polêmicas que existem até hoje. As obrigações de dar e fazer que tenham por objeto o software e seus contratos Igualmente como citado, a Lei do Software, em razão de sua especificidade, merece preponderância na aplicação ao tema.E, em conseqüência disso, seus artigos 2º, 4º e 9º acolhem os contratos de cessão de direitos e de licença quando tratar do software como objeto. De acordo com o STF o software ‘de prateleira’ se sujeita ao contrato de licença de uso, e este, aliás, não transfere a titularidade do bem tornando impossível a tributação pelo ICMS. Contudo, o desenvolvimento do software e seu contrato de licenciamento são fatos inteiramente distintos. O contrato de licenciamento de software é regulado nos artigos 49 a 52 da Lei dos Direitos Autorais (nos termos do artigo 7º, inciso XII da mesma). Todavia, ocorre que através da interpretação sistemática se vislumbra que a natureza jurídica desse licenciamento, na verdade, é de cessão de direitos. Ainda, ressalta-se que a referida ‘cessão’ não tem sentido de transferência de propriedade, e sim de direitos, admitindo a utilização do bem como lhe aprouver. Outrossim, a ‘cessão de direitos’ confundir-se-á com a locação, conforme o disposto no CC/02. A locação de bens móveis, embora o termo ‘locação’ esteja na lista de serviços, é atividade com natureza jurídica de obrigação de dar um bem para outrem. Não há, então, uma prestação de serviço no intuito de satisfazer o contratante, mas apenas o ato de entregar um bem para um terceiro usá-lo, sem a transferência de titularidade, por óbvio. Não se trata, pois, de prestar um serviço para satisfação alheia, mas tão somente entregar um bem para uso de terceiro. Repara-se, neste passo, que a lista de serviços é taxativa, no entanto, os serviços para assim se qualificarem devem condizer com a definição intencionada do constituinte, segundo o exposto anteriormente. Ademais, as operações de ‘licenciamento ou cessão de direito de uso de software’ têm como objeto um direito de uso, configurando-se como um bem incorpóreo, distinguindo, por esta razão, da ‘mercadoria’. Sem embargos, o software só é transferido, no sentido de dar em mãos, para permitir a licença de uso, ou a cessão, tendo em vista que esta é uma atividade-fim, e aquela de meio. Então, o sentido de dar, aqui, é simples, inoculando os efeitos da expressão ‘obrigação’ enquanto relação negocial que irradie ‘circulação’, porque não há esta transferência de titularidade. Não se pode olvidar, no entanto, que são contratos, com natureza jurídica de obrigação de dar. Além do mais, consoante a posição da jurisprudência e da doutrina, caso o objeto do fato social se enquadrar na definição de ‘mercadoria’, já está há um passo da incidência do ICMS, porém, cumpre a necessidade de haver, também, uma operação que promova a sua circulação. Resta claro, que licenciamento ou cessão de direito de uso do software, – esquecendo a situação de estar incluído na lista de serviços da LC nº116/03 -, são fatos sociais que não se encaixam perfeitamente no que descreve a hipótese da regra-matriz de incidência tributária do ICMS, assim, não nasce o fato imponível e a conseqüente subsunção do fato à norma. Outro ponto, no que se diz a respeito da incidência do ISS, a jurisprudência do STJ em 15 de dezembro de 1993, isto é, antes da edição das Leis do Software e dos Direitos Autorais, assim como da LC nº. 116/03, deliberava no Resp. nº. 39.797-9-SP (93.0029003-7): “ICMS-PROGRAMA DE COMPUTADOR-NÃO INCIDÊNCIA – A exploração econômica de programa de computador, mediante contratos de licença ou de cessão está sujeita apenas ao ISS. Referidos programas não se confundem com seus suportes físicos, não podendo ser considerados mercadorias para fins de incidência do ICMS. Recurso improvido.” É perceptível diante de tais afirmações que a classificação dos softwares entre os de ‘prateleira’ e os ‘sob encomenda’ é importante, no entanto, não mais do que a operação realizada, ou seja, o contrato respectivo. Destarte, a razão de ser a natureza jurídica do fato social uma obrigação de fazer ou de dar tem sua relevância para a identificação da tributação devida. Aliás, o desenvolvimento do software considerando que faz parte da discussão entre os ‘de prateleira’ e os ‘sob encomenda’, está incluído no rol de serviços da lista. E, como já dito, o desenvolvimento não tem relação com a espécie de contrato, razão pela qual se entende a existência de itens destacados na lista de serviços. 2. Conclusão O software em geral, por muitas vezes se confunde com seu suporte físico, inclinando, pois, a incidência do ICMS, haja vista ser um bem corpóreo. No entanto, a questão vai muito além de uma simples classificação entre bens materiais ou não. Não há venda do software, e sim sua exploração econômica modalizada em cessão ou licença, conforme o contrato firmado. Bem como a tipificação do fato social ‘desenvolvimento de software’ na lista de serviços da LC nº. 116/03, criá-lo já é um fazer. Mas, este só será uma obrigação a partir da determinação do tipo de software disponível, ou seja, no caso, o ‘sob encomenda’. Ademais, para haver a configuração de prestação de serviço, é necessária a obrigação de fazer, na figura de natureza jurídica. O software ‘de prateleira’, diversamente, exprime a entrega de um bem à terceiro, a qual só será obrigação na origem do contrato correspondente. É, pois, uma obrigação de dar, contudo, tal não reflete a transmissão de titularidade, e sim uma mera entrega para exploração econômica. Sob estes arrazoados depreende-se os dados importantes para a configuração do tributo incidente diante do fato social que tem por objeto o software. O que importa é se o bem imaterial decorreu de uma atividade intelectual, em havendo uma obrigação de fazer, o esforço foi em proveito alheio, e especificadamente para alguém que assim contratou, e, se há previsão do fato social na lista de serviços da LC nº. 116/03, assim sendo, é sustentável a incidência tributária do ISS. Ao contrário, diante do software disponível em larga escala, entregue a qualquer terceiro para exploração econômica, embora também seja bem imaterial, a obrigação é de dar. E, portanto, considerando inexistente a ‘operação relativa à circulação de mercadoria’, em razão dos conceitos constitucionais elencados no desenvolvimento deste, não há sequer incidência tributária do ICMS, não obstante sejam as decisões superiores. Sob este ponto de vista, não se trata de afastamento de norma constitucional, porém, de um fato social por ela não alcançado. É caso de não-incidência tributária. Entretanto, não se pode olvidar da existência dos itens ‘desenvolvimento’ e ‘licenciamento e cessão de direito de uso de programas de computação’, na lista de serviços em evidência. Resta claro, porquanto, que diante disso merece destaque o contrato firmado. Isto posto, a despeito dos apontamentos correlacionados a obrigação de dar ou fazer, e as definições constitucionais das expressões obtidas das materialidades dos tributos ICMS e ISS, haja vista a taxatividade da lista de serviços da LC nº. 116/01, e ainda, independente de ser o contrato de licença ou cessão, há incidência imperativa do ISS. Contudo, sob a égide da supremacia constitucional esta afirmação é sobranceira, consentindo a ultrapassagem dos próprios conceitos constitucionais oriundos das materialidades dos tributos ICMS e ISS. Neste ponto, como pode haver a incidência do ISS sobre um serviço que não é ‘serviço’? Concluindo o estudo, a proposta para a solução deste dilema, é a preponderância do fundamento de validade das leis infraconstitucionais. A CF é suprema na ordem hierárquica, e, portanto, todas as manifestações normativas a submetem, inclusive, pois, a LC nº. 116/03. Há, então, a negação de juridicidade à norma do ISS, e também do ICMS, quando existe o fato social software independente da ‘obrigação’ de fazer, ou seja, o software dito de ‘prateleira’. Ao passo em que, com menção ao software disponibilizado ‘sob encomenda’, há incidência da norma do ISS, indispensavelmente. Art.1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: […]XII – os programas de computador; Ressalta que a proteção dada ao software pela Lei dos Direitos Autorais é distinta da oferecida pela Lei do Software. “Ao contrário do que muitos pensam, o que se protege é o programa e não as idéias que o contém. A expressão da idéia é que é protegida. O conjunto de idéias, ainda não concretizado, que dará origem ao programa, é denominado algoritmo, um estágio onde as idéias ainda não se concretizaram, e onde ainda não há o programa. A distinção é extremamente importante, pois, juridicamente, não se protegem algoritmos, e sim os programas. Com relação aos programas de computador por exemplo, inspirando-se na idéia base de um programa já elaborado, outros programadores poderão vir a desenvolver seus próprios programas visando a solução de problemas similares. O software é tipicamente uma obra do espírito na medida em que requer criatividade do seu autor. Com efeito, a elaboração de programa de computador é altamente criativa e pessoal. A proteção das expressões de seu intelecto significa ao homem, a um tempo, não só o respeito à sua personalidade mas também a possibilidade de fruição dos proventos advindos da exploração econômica dessa expressão. Isso representa o reconhecimento dos valores culturais que a criação injeta no mundo fático e estimula o nascimento de novas manifestações criativas do espírito e o aperfeiçoamento daquelas já existentes” (CRUZ, Terezinha Cristina Firmino da. Direito autoral no uso de programas de computador e desenvolvimento. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 114, 26 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4215>. Acesso em 27 maio 2008.) Art. 27 A exploração econômica de programas de computador, no país, será objeto de contratos de licença ou de cessão, livremente pactuados entre as partes, e nos quais se fixará, quantos aos tributos e encargos exigíveis no país, a responsabilidade pelos respectivos pagamentos. Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos. Art. 9º O uso de programa de computador no país será objeto de contrato de licença. A Lei de Direitos Autorais diversamente não vincula o uso das obras intelectuais ao contrato de licença. Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: […] § 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis. Art. 49. Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações: I – a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei; II – somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita; III – na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos; IV – a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário; V – a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato;VI – não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato. Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa. Art. 51. A cessão dos direitos de autor sobre obras futuras abrangerá, no máximo, o período de cinco anos. Parágrafo único. O prazo será reduzido a cinco anos sempre que indeterminado ou superior, diminuindo-se, na devida proporção, o preço estipulado. Art. 52. A omissão do nome do autor, ou de co-autor, na divulgação da obra não presume o anonimato ou a cessão de seus direitos. (Artigos 49 e 50 vide nota anterior.) Art. 565. Na locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-incidencia-tributaria-diante-do-fato-social-que-tem-por-objeto-o-software/
Comércio eletrônico: novas perspectivas para a sua tributação
Este trabalho discute o efeito do incremento do e-comerce sobre a repartição do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O trabalho inicialmente apresenta o comércio eletrônico, em especial na sua modalidade de vendas diretas a pessoas físicas. Esta modalidade apresenta resultados de faturamento crescentes, impactando em perda de arrecadação do ICMS nos Estados destinatários destas operações. O trabalho discute os princípios constitucionais envolvidos, a legislação infraconstitucional, o contexto de sua elaboração, anterior a popularização da Internet e o seu impacto na sociedade e nas formas de se comercializar. Conclui-se que para atender ao princípio constitucional da redução das desigualdades regionais, o Sistema tributário necessita de revisão constitucional objetivando a repartição do ICMS nas operações interestaduais de vendas on-line destinadas a não contribuintes do Imposto.
Direito Tributário
1. Introdução Com o crescimento do comercio eletrônico na Internet, também denominado e-commerce, especialmente na modalidade de vendas interestaduais no varejo, surge uma distorção no sistema constitucional de divisão do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. O sistema de tributação do ICMS tem em si um princípio que objetiva a diminuição das desigualdades sócio-econômicas entre regiões. Este princípio se dá pela aplicação de alíquotas menores nas operações de vendas interestaduais entre Estados membros da Federação. As operações de vendas destinadas a contribuintes do imposto nos Estados das regiões norte, nordeste, centro-oeste e ao Estado do Espírito Santo se dá a uma alíquota de 7% da base de cálculo do ICMS. O contribuinte nestes Estados ao realizar sua venda no varejo irá aplicar sua alíquota interna ao consumidor final. Esta alíquota pode ser de 17% no valor de sua venda, e esta diferença entre o débito pela venda (17%) e o crédito pela compra (7%) será recolhido ao Estado. As operações entre os Estados das regiões sul e sudeste, bem como as vendas dos Estados das demais regiões a aqueles primeiros, se dá a uma alíquota de 12%, para as vendas interestaduais a contribuintes. Esta diferença entre 7% e 12% contribui para diminuir as desigualdades regionais, transferindo uma parcela do ICMS destas operações para os Estados menos desenvolvidos. Com a melhoria da infraestrutura e segurança nas transações na Internet, surgem as vendas interestaduais feitas diretamente ao consumidor final. O ICMS nestas operações se faz pela alíquota final de venda ao consumidor. Esta operação de venda se dá pela alíquota interna, por exemplo, 17%, e é devida integralmente ao Estado remetente. Como muitas das empresas de vendas pela Internet estão localizadas nos Estados mais desenvolvidos, estabeleceu-se hoje uma distribuição de riqueza às avessas: dos pobres para os ricos. O Sistema de Tributário só prevê uma situação em que o consumidor final se vê sujeito ao recolhimento do Imposto de forma direta. Esta situação se dá na importação de bens do exterior. Este mecanismo foi criado como forma de incentivar a aquisição de produtos nacionais, onerando os importados. Hoje com um novo contexto de fortes vendas interestaduais pela Internet destinadas a consumidores finais, parece que se faz necessário adotar o princípio já regrado na importação para estas novas operações, ou uma nova forma de repartir o ICMS entre os Estados envolvidos, obediência ao mandamento Constitucional de diminuir as desigualdades regionais. 2. O Comércio eletrônico na atualidade A Internet vem revolucionando diversas atividades. Ela facilita e multiplica a comunicação global entre pessoas e instituições. Estas possibilidades têm reflexos econômicos, principalmente através do comércio eletrônico, uma aplicação das tecnologias da informação direcionada para apoiar processos produtivos e transações de bens e serviços [1]. Através da Internet se comercializa tanto produtos tangíveis, quanto os intangíveis, neste caso principalmente aqueles em formato digital. O comércio eletrônico possibilita a articulação entre o desenvolvimento, a produção, a distribuição e as vendas de bens físicos, tais como livros, discos, automóveis e computadores, fazendo com que a negociação possa ser rápida e econômica. Na modalidade digital, a distribuição de bens e serviços intangíveis se faz a custos de reprodução e distribuição mínimos [1]. A negociação com bens intangíveis, com a dificuldade de rastrear a sua circulação, praticamente não encontra barreiras alfandegárias ou restrições. 2.1. Incremento de vendas no comércio eletrônico Em países com melhor infraestrutura, onde a Internet se estabeleceu há mais tempo, como os Estados Unidos e em parte da Europa, o e-commerce já é sucesso. Segundo Felipine [2], nos Estados Unidos o faturamento de empresas com o comércio eletrônico já ultrapassa uma centena de bilhões de dólares. Neste número estão excluídos os setores de passagens aéreas, leilões on-line, jogos e outros setores fora do controle governamental.   O comércio eletrônico no Brasil vem apresentando um crescimento vertiginoso. Em 2006 faturou-se 4,4 bilhões [2]. Em 2010 estima-se um faturamento 13,6 bilhões, o que representa um crescimento de mais de três vezes no período. A figura 1 mostra um crescimento médio acima de 30% ao ano. Nestes dados estão excluídas as vendas de automóveis, leilões on-line (Mercado Livre, E-bay, entre outros) e passagens aéreas. É uma infinidade de lojas virtuais vendendo roupas, bebidas, remédios, livros, CDs e eletrodomésticos, durante todos os dias da semana e a qualquer hora do dia. Parte destas vendas é destinada a consumidores de outros Estados, concorrendo com as economias locais, e sem a repartição do imposto sobre a circulação de mercadorias. Figura 1: Evolução do faturamento do Varejo Online Fonte: http://www.e-bit.com.br. Não considera as vendas de automóveis, passagens aéreas e leilões on-line. 2.2 Fatores condicionantes  Segundo Tigre [3], o comércio na Internet tem sua viabilização dependente da transposição de importantes barreiras técnicas, culturais e de infra-estrutura. “A rede revoluciona não só a noção de tempo e espaço como também os fundamentos organizacionais das empresas que se propõem a explorar tais atividades” [3]. Tigre [1] ainda destaca como fatores condicionantes à difusão da Internet e em consequência o incremento de operações comerciais tendo a mesma como suporte: – Infraestrutura de telecomunicações; – Nível educacional e capacitação tecnológica; – Distribuição de renda; – Disponibilidade local de hardware e software; – Política governamental.  Considerando o quanto ainda precisa ser feito, principalmente em regiões menos favorecidas, para atender a estes fatores condicionantes, é fácil avaliar que ainda há muito espaço para o crescimento da modalidade de comércio eletrônico no Brasil. O Brasil já é hoje um dos países com maior número de usuários acessando a Internet, apresentando um crescimento percentual de 900%, para o período de 2000 a 2008, mas ainda longe da marca de mais de 15% de usuários dos países melhores posicionados, conforme a Tabela 1.   2.3 A percepção de segurança e aumento das transações Segundo Diniz [3], a falta de confiança dos consumidores também diz respeito à segurança dos sistemas de comércio eletrônico. “Ainda existe a percepção entre os consumidores de que as redes de computadores estão sujeitas a ataques constantes de pessoas ou grupos interessados em roubar ou adulterar informações” [3]. Apesar desta percepção, com o aumento das operações seguras e criptografadas, e com a confiança que as operações bancárias de Internet-banking são realizadas, os consumidores vêm passando por uma mudança de perfil. A Tabela 2 mostra que a quantidade de pessoas conectadas a Internet vem crescendo em relação à população brasileira. Dados de 2008 mostram que 26,1% da população são Internautas, totalizando 50 milhões.    O aumento da confiança nas transações feitas na Internet pode ser observada pela Tabela 3, que mostra que em 2010 já existiam 23 milhões de consumidores on-line no Brasil. Esta evolução se dá a uma taxa de crescimento superior a taxa de crescimento de pessoas conectadas à Internet, comparada com a população.   Segundo a Carta de Princípios do Comércio Eletrônico [4], aprovada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), “O crescimento da oferta de serviços ao consumidor é manifesta. A proporção de empresas que utilizam a Internet para oferta de serviços ao consumidor aumentou de 56% em 2007 para 64% em 20085. Para a continuação dessa expansão, a universalização do acesso é fundamental; é essencial que a Internet seja acessível e segura a todos os cidadãos e às empresas”. 2.4. Compras coletivas A Internet revoluciona as formas de se comerciar. Visando aumentar o poder de barganha, os consumidores podem realizar uma compra coletiva, obtendo assim bons descontos, intermediados por uma empresa virtual. Deste modo, além da venda direta ao consumidor, segundo a Revista Veja [5], surge agora o novo fenômeno das compras coletivas na Internet. Segundo esta reportagem, o Brasil apresenta uma economia em expansão, onde 35 milhões de consumidores recém-chegados a classe C, com uma atração muito forte pelas redes sociais (maior canal para divulgação desta forma de vendas) formam o mercado desta forma de venda direta. Estima-se que o número de sites do setor chegue a 2000 em dezembro de 2011, com 20 milhões de brasileiros cadastrados e um faturamento de um bilhão de reais [5]. O comércio eletrônico pode ser dividido em dois blocos principais. No primeiro bloco estão as transações de compra e venda de produtos entre empresas [1]. Em geral com um volume relativamente baixo de transações de alto valor financeiro. Quando estas operações são realizadas entre os Estados da Federação, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) se faz com alíquotas interestaduais, com a divisão do imposto e obediência ao princípio constitucional da diminuição das desigualdades sócio-econômicas entre regiões. No segundo bloco estão as transações entre empresas e consumidores finais, que se caracterizam por um alto volume de transações, com baixo valor financeiro envolvido em cada uma delas. Estas operações, quando destinadas a consumidores finais localizados em outro Estado, se realizam com a alíquota interna do Estado remetente, não cabendo mais nenhum ICMS ao Estado destinatário. 3. A legislação tributária e as vendas interestaduais A Carta de Princípios do Comércio Eletrônico [4], aprovada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), já manifesta preocupação em relação à regulação, segundo a mesma “os obstáculos advêm da inexistência de legislação específica para o comércio eletrônico e da aplicação não uniforme das leis existentes. Esses obstáculos geram incerteza quanto ao regime jurídico aplicável aos serviços da sociedade da informação e por isso criam insegurança jurídica”. A legislação infraconstitucional existente e disciplinadora do ICMS é complexa e reflete um contexto anterior ao forte incremento de operações comerciais originadas na Internet.  As Leis e Regulamentos do ICMS, na esfera estadual e no Distrito Federal, recebem a competência para a instituição do ICMS no Art. 1º da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, que disciplina sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências (Lei Kandir).  “Art. 1º Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.” 3.1. As desigualdades regionais e os Princípios Constitucionais O crescimento do comércio eletrônico nos últimos anos fez aumentar, ainda mais, as desigualdades entre os Estados da Federação, pois, os estabelecimentos comerciais que fazem a distribuição de mercadorias pela via do comércio eletrônico se concentram nas regiões Sul e Sudeste. Estas lojas vendem os produtos aos demais Estados com alíquota interna do ICMS, fato esse que concentra toda a arrecadação do imposto no Estado de origem das mercadorias, não contemplando, portanto, o Estado do adquirente. Tal prática comercial irreversível de vendas pela internet, fez com que os Estados consumidores dos produtos se articulassem para a parcela do ICMS que, nestas operações, não é mais transferida. A Constituição Federal de 1988 [8] firmou, como um dos seus títulos, a ordem econômica e financeira. Para Pinheiro [6], são verdadeiros princípios de direitos humanos (ou fundamentais) a uma ordem econômica justa e razoável, que obedeça a critérios de ordem pública, sujeitando-se os atores da atividade econômica nacional às regras e princípios legais e constitucionais.  O Art. 170, VII, da Constituição estabelece como princípio a redução das desigualdades regionais e sociais, in verbis: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VII – redução das desigualdades regionais e sociais” A Carta estende aos atores econômicos um dos objetivos do Estado, que é reduzir as desigualdades sociais e regionais.  Os agentes financeiros devem, através de suas atividades, irem ao encontro das desigualdades para tentar minimizá-las, sobretudo quando o Estado já tenha dirigido e orientado aos agentes os atos a serem realizados por eles. Dentre as limitações constitucionais ao poder de tributar, o princípio da legalidade é, unanimemente, considerado o mais importante. Determina o princípio que somente a lei é instrumento hábil para a criação e, regra geral, a majoração de quaisquer tributos. Assim, estabelece a CF 88 [8] em seu art. 150, I: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Portanto, fica afastada a possibilidade de o Poder Executivo, por ato administrativo próprio (decreto, regulamento, instrução normativa), gravar, mediante criação de tributos, o patrimônio dos particulares. Não obstante a este princípio, os Estados Federados, prejudicados pela prática do comércio eletrônico de venda interestadual a não contribuinte, tentam tributar a prática de tal comércio.   Este ato se fundamenta nas crescentes perdas de receitas do ICMS, pela transferência de receita do ICMS dos Estados consumidores para os grandes centros fornecedores de mercadorias via comércio eletrônico. Segundo Behrndt [9], os Estados de Mato Grosso e do Ceará que, por meio dos respectivos Decretos 2.033/09 e 29.817/09, criaram obrigações tributárias, supostamente de mera fiscalização, mas que autorizam a tributação pelo ICMS destas vendas interestaduais, sob alíquotas que variam de 7,5% a 18%, a depender do Estado e da operação. A Constituição Federal de 1988 garante, portanto, o aspecto da cobrança no Estado de origem, in verbis: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (…) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…) VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele VIII – na hipótese da alínea “a” do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual”; As vendas interestaduais a consumidor final, aplica-se a regra do artigo supracitado (art.155, II, § 2º, VII e VIII). Portanto, alíquota interna do Estado de origem das mercadorias, não distribuindo o produto da arrecadação ao Estado adquirente da mercadoria na aquisição feita pelo consumidor final, não contribuinte do ICMS. A partir do ano de 2002 as vendas interestaduais a consumidor final, não contribuinte do ICMS, vêm crescendo e é uma tendência de não parar de crescer, isso faz com que os demais Estados consumidores transfiram renda para os Estados onde inicia a operação da mercadoria, fato esse que fomenta mais a desigualdade, no que se diz respeito à distribuição de riquezas, entre os Estados da Federação. A maioria dos Estados da Federação transferem riquezas para uma minoria nestas operações de comércio eletrônico. 3.2. O ICMS nas Importações por Pessoa Física Vale lembrar que nas operações de importação a Constituição, de forma a proteger o mercado interno, coloca a pessoa física como responsável pelo recolhimento do ICMS. No texto Constitucional, na entrada de bem ou mercadoria incidirá o ICMS, tanto para pessoa física quanto para jurídica. O texto também destina o ICMS, nas importações, ao Estado de destino da mercadoria ou serviço, conforme CF art. 155, II, § 2º, IX, “a”, in verbis: “IX – incidirá também: a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço; b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”. O texto constitucional explicita que o ICMS pertence integralmente ao Estado de destino das mercadorias independentemente de onde ocorreu o desembaraço da mercadoria. Porém, diferentemente, com as vendas interestaduais para consumidor final, não contribuinte do ICMS, o imposto pertence integralmente ao Estado de origem da operação. No contexto atual de incremento de vendas no e-commerce, este regramento causa distorções na distribuição de receitas do ICMS nos Estados da Federação e no Distrito Federal. Ainda com relação aos serviços de importação, o texto constitucional esclarece: “sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”. (CF art. 155, II, § 2º, IX, “b”). Assim, os serviços com incidência do ICMS serão aqueles não compreendidos na competência dos Municípios.  3.3. O ICMS na venda Interestadual para Pessoa Jurídica   As vendas interestaduais para contribuinte[1] do imposto obedecem ao princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS. Conforme CF art. 155, II, § 2º, I, in verbis: “§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.” Assim, as alíquotas para as operações interestaduais serão de 7% e 12% e serão compensadas pelas alíquotas internas de cada Estado, utiliza-se do mecanismo de débito e crédito. 3.4. O ICMS na venda Interestadual para pessoa física Nas vendas interestaduais para contribuinte do imposto o texto constitucional expressa literalmente: “a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto”. (CF art. 155, II, § 2º, VII, “a”). Nas aquisições interestaduais para consumo ou incorporação ao ativo fixo de contribuinte do ICMS, este recolhe ao Estado onde está localizado o diferencial de alíquota, desse modo, não há prejuízo para o Estado adquirente. Já nas operações para consumidor final, não contribuinte do ICMS, assim, expressa o texto constitucional: “a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele”. (CF art. 155, II, § 2º, VII, “b”). Nesse caso, a operação é realizada com alíquota cheia, alíquota interna do Estado onde se originou a operação. Nesse aspecto, o Estado onde iniciou a operação fica com todo valor da operação. Estes mandamentos constitucionais foram estabelecidos em um contexto anterior, onde as vendas pela Internet eram de menos de R$550 milhões (2001) para mais de 13,6 bilhões (2010), segundo a pesquisa da evolução do faturamento do varejo on-line, que não considera as vendas de automóveis, passagens aéreas e leilões on-line [7]. 4. Convênios e Protocolos entre os Estados  O ICMS é um imposto não cumulativo onde, em cada operação o contribuinte se credita na aquisição e se debita na venda. A diferença entre o débito e o crédito é recolhida ao Estado. Visando principalmente simplificar os mecanismos de arrecadação e fiscalização, podem ser instituídos regimes de substituição tributária Nestes regimes compete a um contribuinte do imposto encerrar as fases de tributação até o consumidor final. Em produtos com grande capilaridade de distribuição e poucos fabricantes, se torna vantajoso para o fisco o regime de substituição tributária. Nas operações interestaduais basta uma inscrição de substituto tributário no Estado destinatário da operação, ou uma Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE) acompanhando a Nota Fiscal, que a parcela do ICMS será creditada ao Estado destinatário.  O regime da substituição tributária do ICMS deve ser instituído por meio de lei estadual para aplicação interna no Estado, mas para sua aplicação interestadual depende da celebração de Convênio [15]. A previsão legal que possibilita a regulamentação do regime interestadual por meio de convênios se verifica no artigo 150 § 6º, combinado com o artigo 155, § 2º, XII, letra “g”, da Constituição Federal e com o artigo 1º da Lei Complementar nº 24/75 [16], que dispõem que os benefícios fiscais do ICMS somente poderão ser concedidos ou revogados através de Convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal [15]. Nos termos do artigo 100, inciso IV, do Código Tributário Nacional (CTN) [10]: “Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: (…) IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.” Somente após aprovados pelo Legislativo, os convênios passam a ter eficácia, pois é o Legislativo de cada Estado e do Distrito Federal que, ratificando o Convênio, o estabelecem como válido naquele Estado ou no DF. O CONFAZ[2] é o órgão responsável por promover os convênios e pela celebração dos mesmos para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto. O Conselho é constituído por representante de cada Estado e Distrito Federal e um representante do Governo Federal. O CONFAZ pode, em assunto técnico, delegar, expressamente, competência à Comissão Técnica Permanente do ICMS – COTEPE/ICMS para decidir, exceto sobre deliberação para concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais [11]. O Regimento do CONFAZ, que estabeleceu as diretrizes relativas às reuniões e demais procedimentos inerentes à elaboração e a ratificação dos convênios, também reservou um capítulo para dispor sobre os Protocolos e permitiu, a duas ou mais Unidades da Federação a realização deste tipo de acordo para estabelecer procedimentos comuns, visando [15]: a) implementar políticas fiscais definidas em convênio; b) estabelecer permuta de informações e fiscalização conjunta; c) fixar ou estabelecer critérios para fixação de pautas fiscais.  4.1. Convênio na venda de automóvel para consumidor final Com a finalidade de evitar o desequilíbrio na repartição do ICMS entre os Estados, que se iniciou com o aumento das vendas de automóveis direto para o consumidor final, estabeleceu-se o Convênio ICMS nº 51, de 2000 [12]. Nele se estabeleceu a disciplina relacionada às operações com veículos automotores novos, efetuadas por meio de faturamento direto. Estas disposições aplicam-se, exclusivamente nas operações de aquisições de veículos novos diretamente da montadora, efetuadas por pessoas físicas e pessoas jurídicas não contribuintes do ICMS em que: 1. A entrega do veículo ao consumidor seja feita pela concessionária envolvida na operação; 2. A operação esteja sujeita ao regime de substituição tributária em relação a veículos novos. Conforme cláusula primeira do Convênio: “Cláusula primeira: Em relação às operações com veículos automotores novos, constantes nas posições 8429.59, 8433.59 e no capítulo 87, excluída a posição 8713, da Nomenclatura Brasileira de Mercadoria/Sistema Harmonizado – NBM/SH, em que ocorra faturamento direto ao consumidor pela montadora ou pelo importador, observar-se-ão as disposições deste convênio. § 1º O disposto neste convênio somente se aplica nos casos em que: I – a entrega do veículo ao consumidor seja feita pela concessionária envolvida na operação; II – a operação esteja sujeita ao regime de substituição tributária em relação a veículos novos. § 2º A parcela do imposto relativa à operação sujeita ao regime de sujeição passiva por substituição é devida à unidade federada de localização da concessionária que fará a entrega do veículo ao consumidor. § 3º A partir de 1º de julho de 2008, o disposto no § 2º aplica-se também às operações de arrendamento mercantil (leasing).” 5. Proposta de Emenda à Constituição (PEC) A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria do Deputado Luiz Carreira, filiado ao DEM/BA, que tramita no Congresso Nacional tem como pretensão revogar a alínea “b” do Art. 155, II, § 2º, VII, que trata das operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, vendas para não contribuintes [13]. Essa Proposta objetiva modificar o regime de tributação nas operações interestaduais decorrentes de vendas para o consumidor não contribuinte do ICMS, inclusive por meio eletrônico, estabelecendo que nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual (7% ou 12%) e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual. 6. Conclusão A Internet vem revolucionando a sociedade moderna. Novas formas de realizar negócios surgem e entre elas o comércio eletrônico ou e-commerce, que com seu rápido crescimento deu início a situações não previstas na legislação existente. A natureza da Internet é dinâmica e sob certos aspectos também é volátil, ou seja, novas formas negócios surgem, mas empresas também podem desaparecer. Na área de operações mercantis, a Internet permitiu o acesso de pessoas físicas, a qualquer dia e hora, a uma diversidade produtos e de estabelecimentos de vendas on-line, de qualquer lugar do planeta. Com este novo cenário de negócios surgem também novas demandas de marco regulatório. No tocante à regulação relativa à Tributação, nem sempre é possível regular devido a impossibilidade de se rastrear operações com produtos intangíveis em formato digital. Para as operações de comércio eletrônico que envolve o ICMS, com bens e mercadorias tangíveis, vem sendo observadas elevadas taxas de crescimento e valores significativos. Junto com o aumento das operações de e-commerce surgem distorções no marco regulatório. Muitas destas operações envolvem distintos Estados da Federação e são relativas a vendas diretas a pessoas físicas, não contribuintes do ICMS. Em obediência a legislação posterior a Constituição Federal de 1988, estas operações são realizadas na alíquota interna do Estado remetente, nada mais sendo devido ao Estado destinatário. Isto parecia razoável no contexto da época, de baixo volume de operações interestaduais diretas a consumidor final, pessoa física. Com as operações de comércio eletrônico na casa dos R$13 bilhões (2010), e crescendo com a melhoria da segurança e da infraestrutura de Internet, as economias dos Estados importadores, em sua maioria fracas, passam a transferir riqueza para as economias mais fortes, dos Estados de localização da maioria dos estabelecimentos de e-commerce. A Constituição de 1988 tem como um de seus princípios a busca pela redução das desigualdades regionais e sociais. O Sistema Tributário, em atendimento ao princípio constitucional, estabeleceu diferença de alíquotas nas operações de circulação de mercadorias entre Estados localizados em regiões, de forma a beneficiar àqueles em regiões menos desenvolvidas sócio-economicamente. Isto ocorre para operações entre agentes contribuintes do ICMS, mas quando a operação tem como destinatário pessoa física em outro Estado, o imposto é devido ao Estado remetente. Isto se justificava, pois não seria possível cobrar o imposto do consumidor final, não inscrito nas administrações estaduais da fazenda, e devido ao reduzido valor envolvido à época. Neste contexto o legislador estendeu a incidência do ICMS à pessoa física, somente na importação de bens e mercadorias do exterior, e mesmo nesta situação, sendo devido o imposto ao Estado destinatário. Alguns Estados destinatários das operações interestaduais de vendas a pessoa física, vem editando leis e regulamentos sabidamente inconstitucionais, como forma de corrigir as distorções na divisão do ICMS. A recente proposta de emenda à Constituição (PEC), de autoria do Deputado Luiz Carreira, é a forma legal de corrigir esta distorção, porém talvez não seja de aprovação fácil no Congresso Nacional, face aos interesses conflitantes entre os Estados envolvidos. Uma forma alternativa seria a instituição, pelo CONFAZ, de um Convênio entre Estados para disciplinar estas operações, por meio da instituição de um regime de substituição tributária. Um exemplo de sua possibilidade é o Convênio ICMS nº 51, de 2000, disciplinou operações semelhantes com a venda interestadual de veículos novos a não contribuintes do Imposto. Este Convênio corrigiu a distorção, garantindo o recolhimento do imposto ao Estado destinatário. A sua operacionalização é relativamente fácil por se tratar de operação de faturamento direto para o consumidor, com entrega na concessionária local, sendo a montadora do veículo substituto tributário. Nas operações de vendas interestaduais diretas a consumidor final, não contribuinte do Imposto, os Estados remetentes signatários deste possível convênio, remeteriam, via Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE), a parcela do ICMS que coubesse ao Estado destinatário.
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Proibição ao confisco – paradoxos desenfreados pela doutrina
No presente artigo será analisado o enfoque oferecido pela doutrina a respeito do Princípio da Vedação dos Tributos com Efeitos Confiscatórios. O cerne se estabelece de como a tratativa do ponto de vista teórico e constitucional pode tornar diversas forma argumentativas, criando paradoxos que devem ser dissolvidos.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO “Qualquer teoria axiomática recursivamente enumerável e capaz de expressar algumas verdades básicas de aritmética não pode ser, ao mesmo tempo, completa e consistente. Ou seja, sempre há em uma teoria consistente proposições verdadeiras que não podem ser demonstradas nem negadas”. Primeiro teorema do Teorema da Incompletude de Gödel.  A vedação ao tributo com efeito confiscatório consiste em um ruído incorporado pela Constituição de 1988. Ruído porque podemos afirmar que se trata de um desenrolar das oponibilidades do cidadão frente ao Estado, situação mais do que centenária, assim, a incorporação da vedação ao confisco em virtude de proteção a direitos fundamentais, principalmente aos direitos de propriedade e à igualdade, torna-se um direito sem a necessidade de discutir suas razões ou sua natureza histórica, a relevância do texto do art.150, IV, da CF reside na sua concretização e estrutura, como também no convívio dos outros textos jurídico. A doutrina e a jurisprudência pouco ou insatisfatoriamente aprofundaram-se a respeito do tema. Posicionaram a vedação ao confisco apenas como uma afirmação de cunho legal no momento de designar um tributo como ilegal ou inconstitucional, além disso, a vedação ao confisco é referida constantemente como uma reafirmação aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da propriedade[1]. Entretanto, essa racionalidade jurídica esconde algo muito mais problemático do que o não enfrentamento ao tema. O dispositivo constitucional é densamente carregado por vagueza e ambigüidade da linguagem, daí se leva ao jurista uma tarefa de construção de uma racionalidade peculiar, que em primeiro momento deve debater a respeito da estrutura do dispositivo. Em uma segunda etapa os limites da aplicação do dispositivo. Por óbvio que a cada discussão, em decorrência da complexidade, surgem inúmeras outras, situação que retornarei ao longo do presente artigo. O que vejo na doutrina é uma fuga ao bacharelismo retórico, à simplificação das respostas. Tratar do tema da vedação ao confisco como decorrência da razoabilidade; a aplicação projeta a justificativa de tratar diferentemente os desiguais; o não confisco como uma das garantias da Constituição moderna, etc. Essas espécies de afirmações têm um cunho muito mais retórico, carecendo de reflexões profundas e é muito mais aceito pelos interlocutores dados à simplicidade revestida com um discurso técnico, um discurso que exala uma aparência de conhecimento. Embora as razões que circulam uma pretensão da verdade no discurso sejam também um capítulo muito complexo na filosofia[2], nos resta ao menos especular. Ao nos depararmos com discursos conflitantes e, no nosso caso, entre a simplicidade de um discurso que centraliza os problemas da vedação ao confisco na tributação em razão da razoabilidade e da legalidade e uma narrativa que leciona por uma construção de uma racionalidade peculiar ao dispositivo jurídico, que não necessariamente se preste a confirmar demais princípios da ordem constitucional tributária, os atores da comunicação se mantêm distantes de elucidações conflitantes ou contrárias as suas próprias convicções, afastando-se de possíveis frustrações.  Pois, no plano pragmático os atores busquem uma justificativa ideal do discurso, mesmo que na intersubjetividade permaneça o embate. Sabemos que aceitação das nossas idéias, até as mais bem justificadas, é um estádio distante das nossas intenções, isso quando nos referimos a inserir um dado novo, algo perturbador. Retornando ao problema da análise da vedação ao tributo com efeito confiscatório e ao objetivo desse artigo é demonstrar que o dispositivo constitucional que prescreve esse comando, durante sua aplicação é possível a desenvoltura de uma racionalidade própria, sem a urgência de apoio em outras premissas, como parte da doutrina tradicional sustenta ou inexistindo em certas circunstâncias a colisão de princípio, já que, como tentarei demonstrar ao longo do artigo, não é exclusivamente a estrutura de um enunciado jurídico que determina se se trata de um princípio ou de uma regra, devemos prosseguir muito além, como analisar o momento da aplicação, observar a construção do dispositivo – não me refiro a uma interpretação teleológica ou genética, mas, ao problema de alteridade entre legislador e aplicador -, as eventuais conseqüências entre as escolhas, isso consiste em apenas um esboço do deveria ser a investigação das regras e dos princípios jurídicos. Confesso que esse artigo é uma desculpa para que eu possa expor minhas convicções a respeito do instigante assunto, não haverá um capítulo específico no presente artigo, porém o leitor provavelmente concluirá com o que digo. Quando afirmo que a partir de um dispositivo podemos construir uma racionalidade peculiar não me refiro que os demais dispositivos devam ser rejeitados, muito pelo contrário, isso provocaria um autismo na interpretação, que, numa perspectiva consequencialista, poria o sistema jurídico em uma perigosa situação de legitimação, além do mais, insisto que o jurista deve também observar demais sistemas parciais da sociedade, isso porque uma decisão jurídica caso não respeite a função dos demais subsistemas, como o econômico, o científico, o político, o religioso, poderá influir de modo destrutivo nesses sistemas [3].  Quando afirmo que uma construção racional a partir de um dispositivo jurídico se faz necessário, primeiro, por construção racional compreende uma alusão ao modo com entendemos os vernáculos do enunciado, se os referidos vernáculos estão em outros dispositivos, nesse sentido o Prof. Renato Becho demonstra a diferença entre confisco decorrente de um efeito da norma tributário e o confisco projetado pelos textos jurídicos criminais [4]. Realizada essa distinção devemos construir uma argumentação a fim de analisar o que seria, no nosso caso em particular, “vedação do tributo com efeito de confisco” para o Direito Tributário e para o Direito Constitucional, entretanto, insisto, não implica uma simples tarefa de confirmação, ou seja, aclamar que o dispositivo atende aos ditames da ordem jurídicos constitucional-tributário, um computador programado faria isso por nós, nos excluindo de uma perda desnecessária de tempo. Tanto o Direito Tributário quanto o Direito Constitucional, ainda no patamar da separação do estudo didático, racionalizam e argumentam de maneiras distintas a respeito de um mesmo problema, mesmo que alcancem soluções idênticas, nesse âmago é que o sentido do dispositivo constitucional que regula matéria tributária deverá ser observado. Voltarei ao assunto com a devida minúcia, por ora, quero provocar o leitor o quão árduo é tratar de teoria jurídica, filosofia, pois, ao final não é a respeito de outro embate que enfrentamos. E a partir dessa construção racional do dispositivo nos possibilitará relacioná-lo ou conflitá-lo, como queiram, com os demais textos, ditames ou princípios constitucionais, como a igualdade, a capacidade contributiva, a propriedade, as presunções legais, progressividade, extrafiscalidade, entre outros. Caso contrário, teríamos que relatar a obviedade do texto, pois, outros institutos ou normas seriam necessários para solucionar eventuais problemas decorrentes do abuso do poder de tributar [5]. O que pretendo desenvolver, inclusive, segue uma demonstração crítica de como o artigo constitucional referente à proibição de tributo com efeito confiscatório é aplicado, o que culmina em uma efemeridade, pois, apenas se reafirma a debilidade da compreensão teórico-filosófico do direito e forma individual de como a Constituição se apresenta na mente dos juristas, podemos denominar de idiossincrasia constitucional, uma vez que, por absurdo que seja, cada um compreende a função da Constituição de uma forma, mas os resultados dessa compreensão são aproximadamente os mesmos: estática, muito se debate muito se escreve, porém não há o esforço para incorporar o improvável. Por fim, pelo menos pretendo de consciente, não instituir nenhuma verdade absoluta a respeito do tema, intenciono um desenvolvimento reflexivo, embora devo administrar isso na escassez de páginas, de como o direito o direito é construído e para isso usei como desculpa a vedação ao tributo com efeito de confisco.   2. O TRADICIONAL ENTENDIMENTO SOBRE A PROIBIÇÃO DO TRIBUTO COM EFEITO CONFISCATÓRIO “Uma teoria, recursivamente enumerável e capaz de expressar verdades básicas da aritmética e algumas verdades da probabilidade formal, pode provar sua própria consistência se, e somente se, for inconsistente”. Segundo teorema do Teorema da Incompletude de Gödel. A doutrina jurídica, dos mais diversos espectros, alcançou configurações semelhantes a respeito do que seria a vedação ao tributo com efeito confiscatório. Vejamos alguns exemplos nos parágrafos a seguir, assim já advirto ao leitor que tenha conhecimento do tema possa iniciar o próximo capítulo, sem perder tempo. Conforme o magistério de Héctor Villegas, embasado nas decisões da Corte Suprema da Argentina: “Sustenta este alto Tribunal que os tributos são confiscatórios quando absorvem uma parte substancial da propriedade e da renda” [6]. O doutrinador argentino se reserva apenas a apresentar – na obra mencionada – como a mais elevada corte argentina trata do tema e quais os cuidados que deve obedecer, como, por exemplo: “a razoabilidade da imposição se deve estabelecer em cada caso concreto, segundo exigências de tempo e lugar e segundo os fins econômicos-sociais de cada imposto” [7]. Na lição de Fábio Fanucchi: “O confisco só poderá verificar-se em caso de danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito, no exercício de cargo, função ou emprego na Administração pública, direta ou indireta. Portanto, é vedado o exercício de tributação confiscatória, constituindo-se o confisco admitido constitucionalmente, apenas em sanção a ato ilícito” [8]. Devemos nos posicionar com atenção antes de sucumbir à tentação de tecer críticas ao que o autor sugere. Ora, observe a data que o texto foi escrito, outra constituição, outra paradigmas, provavelmente assuntos mais relevante na pauta dos tributaristas, tanto que existe no pensamento do autor uma densa carga do direito criminal conferido ao não confisco. O decorrer da discussão ao assunto evoluiu, mas quando menciono evolução não faço referência à diferença entre melhorar ou piorar uma situação já estabelecida, e sim, a inserção de elementos novos na discussão que a tornam mais complexa, quiçá, abstrata, isso implica a reflexão do tema com maior abrangência possível casos que venham a ser suscitados. Aires Fernandino Barreto [9] sugere que a questão da confiscatoriedade pode ser analisada por dois ângulos, “sem qualquer quantificação ou como registro de números relativos”. No primeiro caso, segundo o autor, haveria confisco se afrontada os valores de ordem econômica estabelecidos pela Lei Maior e ocorrendo uma tributação excessiva que inviabilize a atividade econômica. Na segunda perspectiva, há que distinguir entre os tributos de caráter vinculados dos não vinculados. No caso dos tributos não vinculados a uma atuação estatal separamos os tributos com fatos geradores continuados dos fatos geradores instantâneos. Haveria confisco em se tratando de tributos com fatos geradores continuados “sempre que o imposto absorva parcela expressiva da renda ou da propriedade” [10]. Já nos fatos geradores instantâneos seria possível estipular alíquotas estratosféricas, explica o doutrinador: “É que nesses casos, a medida do confisco já não há mais de ser buscada tendo por núcleo a coisa objeto da tributação, mas o patrimônio global do contribuinte” [11]. Em se tratando de tributos vinculados a uma atuação estatal, ocorreria o confisco na desvirtuação da base cálculo, isso porque ao estabelecer o valor da atuação da atividade estatal de modo presumido pode extrapolar a quantia referente à atuação estatal ou um serviço que enxugue a riqueza particular [12].  A Professora Regina Helena Costa não foge da definição habitual da doutrina: “O confisco, em definição singela, é a absorção total ou substancial da propriedade privada, pelo Poder Público, sem a correspondente indenização” [13]. Interessante é o juízo que Klaus Tipke realiza, pois, no caso das Constituições que não prescrevem expressamente o princípio da proibição ao confisco, se devem deduzi-lo do primado da liberdade, “particularmente da proibição de desapropriação derivada do princípio da liberdade” [14]. 2.1. A Aprovação da Capacidade Contributiva Um potencial consenso acontece na doutrina tributária, sem embargos, a vedação ao tributo com efeito confiscatório consistiria de uma lógica decorrência do princípio da capacidade contributiva, essa afirmação, embora nem sempre clara é passível de ser deduzida das obras e compêndios que lançam alguma referência ao assunto. O que parece intrigante é a expressão “decorrência lógica”. Quiçá, a necessidade de um ponto de apoio dos juristas para confirmar um raciocínio, uma vez que, como já dito, a expressão “vedação ao confisco” sucumbe perante a proposta dos enunciados científicos que perseguem o mínimo de vagueza e de ambigüidade. O que torna a tentativa de delimitar conteudisticamente o enunciado do art. 150, IV, da Constituição mais sobrecarregada, já que, a exigência de se trabalhar com definições é quase um imperativo da prática judicial. Daí entendo a insistência de abordar o tema da vedação ao tributo com efeito confiscatório como decorrência do primado da capacidade contributiva, da igualdade, da liberdade. Leiam o magistério do Prof. Paulo de Barros Carvalho: “Também essa figura tributária deve observância à razoabilidade, sendo vedada a sua imposição excessiva, de modo que ultrapasse os limites da capacidade contributiva dos particulares” [15]. Algo que os doutrinadores ocultam, mesmo que sem a intenção, é a elevada carga de incerteza do direito positivo moderno. Portanto, construir uma afirmação ou conceito como única solução não avalia a complexidade do direito modernamente. A interpretação no Estado Democrático de Direito da modernidade complexa tornou-se um temas mais sobrecarregados de disputas pelos modelos ideais, ocorre que, a maioria desses modelos observam exclusivamente o direito a partir do próprio direito, ou seja, não se preocupam com a heterogeneidade de valores na esfera pública. Um modelo mais adequado para garantir consistência à interpretação jurídica deve ter em conta não apenas a compreensão do próprio direito, mas, a funcionalidade dos demais sistemas parciais da sociedade. Marcelo Neves, a partir de Niklas Luhmann e da obra “Investigações Filosóficas”, de Ludwig Wittgenstein, apresenta um modelo mais satisfatório para a interpretação constitucional no Estado Democrático de Direito[16]. Partindo da reflexão do acordo entre os agentes da comunicação, correto e falso são o que os homens dizem ser, enquanto que, “na linguagem os homens estão de acordo” [17]. O “acordo” corresponde ao modo de vida entre os agentes participantes da esfera pública[18]. Marcelo Neves transfere o referido pensamento de Wittgenstein para uma unidade pensada a partir da concepção do Estado Democrático de Direito, nessa quadra, a forma de vida não consiste em agregações de valores, “ela diz respeito a regras do jogo linguisticamente estruturadas” [19]. Para os fins de compreensão da vedação ao tributo com efeito confiscatório, podemos entender ser o emprego de uma palavra “estranha”, no sentido de Wittgenstein, não no que toca delimitar o a valência conotativa e denotativa do vernáculo, mas, no momento de aplicação ao caso concreto ou em termos luhmannianos: na desparadoxização do direito. Em consonância com as lições de Marcelo Neves,  “pode-se afirmar que, do ponto de vista da heterovalidação na esfera pública pluralista, uma interpretação é incorreta quando a sua ‘estranheza’ impede que se possa compreendê-la como expressão de uma regra do jogo extraível do respectivo texto constitucional ou legal” [20]. Da maneira como tradicionalmente o tema da vedação ao tributo com efeito confiscatório é abordado pela doutrina e jurisprudência, o dispositivo constitucional raramente será ou é invocado e, quando o é, apóiam-se em ouros textos constitucionais ou infralegais, como por exemplo, a capacidade contributiva, a igualdade, o direito à propriedade. Todavia, apesar da crítica à doutrina tradicional não compartilho do entendimento de Alfredo Augusto Becker [21], ao tratar a aquisição da capacidade contributiva na Constituição como equívoca, pois, por uma face não haveria em se falar de normas originárias constitucionais inconstitucionais [22]. Além disso, Becker sustenta a tese de que pela razão da capacidade contributiva ser proveniente de um período jusnaturalista a sua positivação implica na impraticabilidade do tributo. Primeiro, porque, com a positivação, o princípio sofreu uma constrição no sentido de que a riqueza do contribuinte será relacionada a cada tributo que deve pagar. A segunda constrição “não se situa a totalidade da riqueza do contribuinte, mas exclusivamente um fato-signo presuntivo de sua renda ou capital” [23]. Por fim, prevê ainda uma terceira constrição: “renda ou capital presumido deve ser renda ou capital acima do mínimo indispensável” [24] Ao respaldar a sua tese remetendo à questão do direito natural Becker ingressa em na problemática da aceitação do sistema jurídico referente a contextualizações pré-modernas. Isso porque, o no direito positivo da modernidade complexa é incompatível uma fundamentação de cunho jusnaturalístico na decisão ou, quiçá, no processo de positivação. Ora, o jusnaturalismo, além de suas características triviais, como a imutabilidade e a tendência à cristalização de suas premissas, também parte do pressuposto de uma única fonte jurídica ou de qual fonte determina o direito, algo incompatível com a pluralidade da modernidade complexa. Assim, a fim de criticar uma questão da modernidade, o alcance da capacidade contributiva, Becker recorre a um pensamento de matriz pré-moderna, quando o poder do soberano e teológico se misturavam e determinavam a funcionalidade da sociedade.  Há, obviamente, temas jusnaturalistas no positivismo moderno, porém foram selecionados por intermédio de reentrada ao sistema jurídico [25], assim, o conteúdo que antes eram debatido ou aplicado pelos postulados do jusnaturalismo não o mais são no positivismo moderno. Mesmo ao colocar também como crítico outras constrições Becker constrói simetricamente o problema, sem levar, em conta que o direito positivo moderno consiste em um direito de decisão [26], de inovação, nesse sentido, as decisões frutos do judiciário, em caso de não generalização das expectativas congruentes teriam a possibilidade de modificação de futuras decisões e não iriam esperar pela mudança do texto legal por parte do poder político [27]. Não entendo que se deva rechaçar o princípio da capacidade contributiva no momento da aplicação da vedação ao confisco, ou quaisquer outros princípios. Do mesmo modo, a colisão entre princípios [28] também em muitos casos pode se tornar problemática, fora ao debate teórico ao redor das polêmicas que o pairam sobre o sopesamento, uma eventual colisão entre vedação ao tributo com efeitos confiscatório e propriedade, em razão do modelo hermeticamente construído, poderia culminar em uma decisão que não teria capacidade de se generalizar a outros casos similares. Além do que, a discussão da justiça como contingência do sistema jurídico sobrecarregaria o sistema jurídico.  Ainda na teoria de Alexy, em muitos enunciados não há clareza suficiente para classificá-los como regras ou princípios quanto à sua estrutura, com é o caso do enunciado que veda o tributo com efeito confiscatório. Na teoria de Alexy princípios consistem em mandamento “prima facie” ou realizáveis à medida do possível, necessitando do caso concreto para delimitar os efeitos do balanceamento. Pertinente é a crítica de Schuartz ao procedimento de balanceamento, pois, para Alexy, após a colisão entre os princípios esse poderá ocorrer em um determinado grau de satisfatoriedade, esse grau não deve de nenhuma maneira ficar ao subjetivismo dos julgadores. Mas, exatamente aí reside um dos problemas na tese de Alexy, que, segundo Schuartz: “Esse apelo ao ‘possível’ é o mais emblemático indicador do tipo de perigo que ronda a posição de Alexy. Enquanto fonte material de orientações normativas e instância fundante dos critérios de racionalidade para a aplicação – e o controle da aplicação – de princípios jurídicos, o ‘possível’ aparenta exercer um papel mediador nos correspondentes processos de argumentação jurídica” [29].  E continua: “Ocorre que sua aptidão para o desempenho desse papel é questionável, dado o seu caráter indeterminado e insuficientemente seletivo em relação a propostas alternativas quanto ao grau de realização ‘possível’ de um ou mais princípios” [30] Partindo de outra vertente contemporânea, Ronald Dworkin [31] apresenta uma teoria a respeito de regras e princípios que em muitos casos e, até mesmo em sua concepção há dificuldade em se generalizar e adquirir consistência, mesmo que em alguns de seus pontos é apoiada por Jürgen Habermas [32]. A prática interpretativa na concepção de Dworkin é elaborada a partir de como os juízes decidem um caso[33], pois, no tradicional teorema de interpretação e aplicação das normas, caso não existir uma norma a que um fato se subsuma, o magistrado poderia de maneira discricionária de solucionar a lide de acordo com seu próprio juízo, exercendo seu ofício de maneira semelhante à de um legislador[34], contundo, aplicaria o direito retroativamente, violando o positivismo aos arrepios do primado da legalidade[35]. A solução oferecida por Dworkin no denominados hard cases – nos easy cases­ competiria ao juiz solucionar o problema por meio do método de aplicação da regra “all or nothing”, resolvendo o conflito no plano da validade[36] ou em outros termos, numa relação de precedência -, o juiz deveria se dispor a encontrar quais os direitos que as partes possuem para aquele caso concreto, o que, supostamente, soçobraria “a arbitrariedade da decisão judicial introduzida pela discricionariedade conferia ao juiz” [37]. Para lograr, necessário seria revelar uma estrutura de princípios coerentes e investigar se a doutrina jurídica da comunidade e a respectiva estrutura política confeririam uma solução adequada e correta. Para provar a possibilidade de suas teses a respeito da interpretação jurídica, Ronald Dworkin cria um juiz modelo, denominado de juiz Hércules, “um juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas, que aceita o direito como integridade” [38]. Hércules deverá conhecer todos os princípios válidos para a justificação e “ao mesmo tempo, ele tem uma visão completa sobre o tecido cerrado dos elementos do direito vigente que ele encontra diante de si, ligados através de fios argumentativos” [39]. Esse processo levaria, supostamente, Hércules a corrigir eventuais falhas no modelo positivista, além de procurar conferir respostas coerentes aos casos. A falha na teoria de Dworkin é, em primeiro momento credenciar um modelo hipotético como o detentor do ajustes necessários ao positivismo e ao realismo e, Hércules é baseado em modelo solopsista, que busca os resultas exclusivamente por um monólogo, critica F. Milchelman, atribuindo a Hércules muita solidão, demasiado heroísmo, não dialoga com ninguém, “Hércules é apenas um ser humano, após tudo” [40]. Assim, um texto aparentemente esquecido pelos tributaristas, repassando-o pelas teorias clássicas ou contemporâneas, sugere diversos problemas em sua concretização ou generalização. A falta de consistência decorre desde debilidade da teoria do direito, até, como veremos, das atribuições conferidas à Constituição e do alcance do espectro do seu respectivo espectro. 2.2 A Igualdade no Direito e na Sociedade Conforme já exposto a vedação ao confisco estaria ampara pelo primado da igualdade, assim, por exemplo, a diferenciação de alíquotas ou a progressividade poderia ser confiscatória para uma categoria de contribuintes, enquanto que, para outro bloco de contribuinte se entenderia que não ocorreria uma redução considerável em seu patrimônio, portanto, a incidência não seria confiscatória. Porém, pensar em igualdade em uma sociedade complexa, multicultaural, heterogênea e assimétrica consiste em um exercício muito mais denso do que afirmar que para solucionar os problemas que envolvem a igualdade bastaria recorres ao vetusto conhecimento aristotélico em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Em diversas passagens do artigo ressaltei a incompatibilidade entre pensamentos oriundos da pré-modernidade com a complexidade da sociedade hodierna[41]. Relacionar exclusivamente igualdade material e igualdade legal me parece muito simples perante as diversas possibilidades de acesso aos bens na complexidade, isso implica que pensar em igualamento das situações por intermédio da lei poderá ocorrer uma situação mal sucedida [42]. Isso porque a igualdade ocorre apenas em circunstância pontuais, e pensando em relação à vedação do tributo com efeitos confiscatórios, podemos refletir o primado da igualdade quanto a neutralizar efeitos que acentuem as desigualdades no exercício dos direitos, assim, poderíamos até mesmo repensar a aplicação da progressividade[43] em algumas espécies tributárias. Podemos ilustrar o afirmado por intermédio de um exemplo. A incidência de IPTU para um casal com dois filhos e para um sujeito solteiro que moram no mesmo prédio, ao se concluir que o IPTU a ser recolhido inviabilizaria ao casal o acesso a alguns bens triviais [44], como um melhor plano de saúde, uma melhor educação , acesso à justiça quanto que ao solteiro não, estaríamos frente a um tributo confiscatório, óbvio, que para alcançar essa conclusão deveríamos analisar se outras espécies tributárias que o casal e o solteiro são sujeitos passivos também não são confiscatórios. Vemos não se tratar de uma tarefa simples e foge da alçada de detalhamento dos juristas, pois, para declarar um tributo confiscatório não basta apenas observar a alíquota e as condições financeiras dos sujeitos passivos, mas, quais bens podem esses indivíduos usufruírem?  Como sujeitos passivos em condições sócio-econômicas distintas que também sofrem a incidência do mesmo tributo se comportam? Qual é a política fiscal do país – aí devemos analisar muito mais uma questão política do que econômica? Quais outros tributos o sujeito paga e se eles não seriam confiscatórios também. Relevante também analisar a ocupação profissional dos indivíduos, com o fito de neutralizar privilégios – aqui não me refiro a uma questão de fundo ideológico, mas, de eventual estratégia individual para pagar menos impostos, estratégia que só indivíduos mais abastados poderiam realizar, como por exemplo, residir em um bairro com a alíquota do IPTU menos onerosa, ou seja, embora com um poder aquisitivo maior pagaria a mesma alíquota que sujeitos com o poder econômico bem menor. Nessa seara, a igualdade jurídica pressupõe uma desigualdade e reafirmo de modo insistente que o princípio da igualdade não é capaz de estabelecer uma igualdade de fato na sociedade, isso porque há inúmeras estratégias individuais de alcance aos bens e muito do que ocorre na sociedade ainda não é percebido pelo sistema jurídico. Segundo Marcelo Neves, apoiado nas lições de Niklas Luhmann, “O caráter problemático do princípio resulta de que ele só pode ser formulado se incorporar a desigualdade como um de seus pólos. Em outras palavras, o princípio da igualdade apresenta-se inicialmente mediante a diferença entre igual e desigual” [45]. Todavia, adverte Neves que na sociedade complexa não apenas a neutralização da desigualdade deve ser considerada, concomitantemente a ela, há de se inserir o respeito a algumas desigualdades, “Isso exige que os procedimentos constitucionais apresentem-se como sensíveis ao convívio dos diferentes e, dessa maneira, possibilitem-lhes um tratamento jurídico-político igualitário” [46]. Repassando esse raciocínio para a esfera do tributo com efeito confiscatório devemos repensar casos que são carregados ideologicamente, como, por exemplo, que os mais ricos devem sofrer sempre a incidência de uma alíquota maior. Como demonstrado no exemplo descrito não é só o acúmulo de riqueza que deve pautar a marca que estabelece a confiscatoriedade de um tributo, mas diversos outros fatores políticos e econômicos, incluindo diferenças entre economicamente iguais, principalmente. Insistir que um tributo é confiscatório em virtude de um sujeito mais rico sofrer a incidência da mesma alíquota pode culminar em políticas fiscais que acabem por onerar os mais ricos e diminuir o acesso a bens, isso poderia trazer implicações econômicas para a sociedade e maior complexidade ao direito. Nesse sentido, a discussão do confisco na esfera tributária na modernidade também deve levar em considerações outras diferenças entre os indivíduos.  Seguido esse bloco de pensamento não acompanho o raciocínio apresentado por Humberto Ávila [47], construído a partir do modelo de regras e princípios de Robert Alexy, dessa maneira, não escapa às críticas que são tecidas ao modelo de ponderação, como a irracionalidade da aparente racionalidade que proclama o jurista alemão, como também as apreciações ao modelo prima facie de princípios que soçobrariam os modais deônticos do positivismo jurídico. Além disso, não podemos afastar as considerações levantas por Teubner e Andreas Lescano, ao demonstrarem que é essência do próprio direito a colisão, a colisão entre regimes é um momento trivial para manutenção do sistema jurídico e não seu fim [48]. O que pode dificultar o modelo apresentado por Marcelo Neves, reinterpretando a proposta de igualdade em Niklas Luhmann, seria a racionalização jurídica dele ou como aplicá-lo juridicamente [49] sem a necessidade de recorrer a retóricas vazias ou mesmo preenchidas ideologicamente. Uma abordagem no campo positivo do direito seria a proposta de Celso Antônio Bandeira de Mello [50], demonstrando a possibilidade constitucional de discriminações, quando preenchida três exigências: apresentação de traços diferenciais entre os sujeitos, correlação entre o discrímen e a desigualdade e a coerência da desigualdade com os valores consagrados constitucionalmente. Não discuto aqui se esse seria o modelo ideal de aplicação da igualdade, mas, comporta a possibilidade de saltos para do sistema, a fim de debater outras desigualdades, não só as decorrentes entre a lei a economia. No entanto, o modelo apresentado por Neves é que possibilita a legitimidade das decisões jurídicas perante os outros sistemas parciais da sociedade, para ele: “quanto mais se sedimenta historicamente e se efetiva a discriminação social negativa contra determinados grupos, principalmente nas hipóteses em que ela implica obstáculos relevantes ao exercício de direitos, tanto mais se justifica a discriminação jurídica afirmativa em favor de seus membros, pressupondo-se que esta se oriente no sentido da integração igualitária de todos nos diversos procedimentos do Estado Democrático de Direito” [51]. E continua: “Por fim, pode-se concluir que, embora se trate de um paradoxo, pois a presença de setores discriminados importa limites à construção de uma esfera pública pluralista, as discriminações legais afirmativas ou inversas justificam-se com base no princípio da igualdade enquanto reagem proporcionalmente às discriminações sociais negativas contra os membros desses grupos e desde que objetivem à integração jurídico-político igualitária de todos os cidadão no Estado…” [52] 3. A PRESENÇA DA VEDAÇÃO AO TRIBUTO COM EFEITO CONFISCATÓRIO NA CONSTITUIÇÃO: UMA GARANTIA OU UM OCULTAMENTO? “…a Constituição é muito importante para ser deixada para os constitucionalistas e  filósofos políticos” Günther Teubner Teubner descreve uma vetusta história do Talmude para apresentar o problema do paradoxo o qual envolve recorrer a um nível mais baixa para justificar o ponto mais elevado do sistema, é o conto do Rabino Eliezer [53]. Havia um problema a respeito da interpretação do Talmude, pois, não havia consenso sobre o pensamento religioso. Eliezer então afirmou que se o seu pensamento estivesse correto um ulmeiro fora da sinagoga se deslocaria, então isso de fato aconteceu, mas os presentes não acreditam na sua interpretação. Após isso, Eliezer profetizou que o curso do rio mudaria de direção e que o muro da escola rabínica iria desmoronar, todos os eventos ocorreram. Mas nada disso modificou o pensamento dos presentes. Em último esforço Elizer afirmou que o céu iria confirmar o que disse, logo após, uma voz veio do céu, confirmando o entendimento de Elizer. Mas mesmo assim os rabinos não concordaram com a voz, “dizendo: ‘Não devemos dar atenção à voz divina porque Tu mesmo escreveste na Torah, no Monte Sinai, que nos devemos inclinar perante a opinião da maioria’. E Deus riu então, repetindo: ‘Os meus filhos venceram-me, os meus filhos venceram-me’. Essa passagem pode ilustrar que em muitas situações a integração de um direito na Constituição pode implicar mais desafios do que a simplificação de um problema. Isso envolve a legitimidade de uma interpretação perante diferentes sistemas da sociedade, a consistência da decisão perante o próprio sistema jurídico, ainda mais quando está a se justificar um enunciado constitucional por meio do nível mais baixo do sistema: a decisão judicial. Isso ocorre porque o sistema jurídico se apresenta como um sistema fechado. A vedação ao tributo com efeitos confiscatório, por residir no texto constitucional, apresenta diversas outras questões na sua aplicação, entre elas, o convívio de outros enunciados constitucionais, a exigência e a sobrecarga do respaldo dos direitos fundamentais [54], a alcance do dissenso quanto ao resultado, quiçá, são esses os principais pontos. Quando afirmo que uma decisão de declarará ou não um tributo com efeito confiscatório por meio do nível mais baixo do sistema, me refiro a que Douglas Hofstadter chamou de hierarquia entrelaçada [55]. Essa questão pode ser juntada aos pontos suscitados no parágrafo anterior, e, como bem podem notar, a tudo que foi exposto no presente artigo. Quando imaginamos existir um limite para uma regra, um modelo ou até mesmo uma compreensão, haverá sempre a possibilidade do imaginável, isso porque, embora exista um nível no qual residem as convenções – podemos dizer que seria a Constituição -, há um nível que está à hierarquia entrelaçada – vamos dizer que são as decisões judiciais ou interpretações doutrinárias -, e, de acordo com Hofstadter, e nenhum nível controla o que ocorre no outro. Dessa forma, mesmo fornecendo à vedação ao tributo com efeito de confisco a proteção dos direitos fundamentais, em uma esfera mais abstrata, assim poderia referir, é na decisão judicial que se encontrará a sua concretização. Fora a eterna possibilidade da carência de reflexão de uma teoria ou modelo na realidade, é a forma como que aplicamos a regra e construímos a racionalidade com que devemos nos preocupar [56]. O debate entre argumentação e direito ou aplicação do direito ganhou fôlego a partir do último quarto do século passado, no Brasil, quiçá, com as obras de Alexy [57], Klaus Günther [58], MacCormick [59] e Perelman [60]. Para todos esses modelos e outras não tanto conhecidas no Brasil, há críticas e problemas com a legitimação das conclusões. Apesar de reaproximarem o direito do debate moral existe ainda fronteiras e limites que devem ser delimitados entre o direito e a moral, como também a própria discussão do conteúdo da moral também não teve sua profundidade definida nem pelo direito nem pela filosofia. Uma teoria da decisão jurídica consistente seria aquela com condições de generalizar expectativas normativas congruentes [61] e, para isso, na atualidade há uma forte exigência que sobrecarrega o direito: a fundamentação constitucional da aplicação. Para a vedação dos tributos com efeitos confiscatórios, que se encontra no art. 150, IV, da Constituição Federal, porém, dotado de uma ampla vagueza e ambigüidade em seu enunciado, em consonância com que já foi dito no início do artigo, há um problema de construção racional na argumentação para sua aplicação, ou se preferirem, um problema de aplicação direta decorrente da interpretação e no caso de o identificarem com uma estrutura de regra ou mesmo um problema para criar uma regra, no caso de defender o referido dispositivo com uma estrutura de princípio. E por residir expressamente na Constituição a vedação ao tributo com efeito confiscatória representa um típico caso de entrelaçamento hierárquico, estruturalmente é semelhante à forma como são os enunciados de direitos fundamentais. Essa consiste uma das razões porque defendo que uma construção primária do conteúdo do referido artigo. Devo ressaltar que se entendermos que estruturalmente o art. 150, IV, da Constituição Federal se remete a um princípio, então, ganha força a tese aqui sustentada. Ora, como seria a colisão entre princípios ou mesmo intraprincípios [62] caso não houvesse um mínimo de consenso a respeito da vedação ao tributo com efeito confiscatório? Remetê-lo de modo constante à capacidade contributiva, à igualdade é mesmo que o declarar sem conteúdo próprio, e estamos tratando de um texto constitucional! Por exemplo, imagine que para solucionar um caso que envolva o devido processo legal para concretizá-lo deveria remeter sempre a outros princípios. De situação como essa se originaria a falta de consistência e legitimidade do direito, ainda mais porque tratamos de um texto constitucional. Óbvio que não há como rechaçar a possibilidade de um princípio recorrer a uma regra para aplicar, isso advém da própria estrutura da regra, que gera menos impasses no momento de sua aplicação. Mas, no caso que tanto falei da proibição do tributo com efeito de confisco se remeter a outro princípio para poder ser aplicado? Nesse caso estaríamos aplicando o outro princípio e não o princípio que veda a tributação com efeito confiscatório. No caso concreto implicaria um eventual compartilhamento de racionalidades no caso de uma colisão entre os princípios. O jurista deve buscar por uma racionalidade própria ao artigo 150, IV, da Constituição Federal, pois, haverá casos jurídicos que poderão ser construídos a partir desse enunciado, oferecendo uma melhor solução do que àquelas construídas com o respaldo da capacidade contributiva, da igualdade, da propriedade. Podemos afirmar, sem embargos, que a vedação ao tributo com efeito confiscatório é um tema constitucional-tributário esquecido pela doutrina, isso muito se deve aos pontos de intersecção com outros princípios e regras inerentes ao sistema tributário constitucional. Não que inexistisse uma formulação contundente ao tema, no entanto, permaneceu restrito a poucas temáticas do Direito Tributário, como por exemplo, as limitações constitucionais ao poder de tributar [63]. Embora, ainda remetam a existência da vedação do tributo confiscatório à capacidade econômica do contribuinte. Essa posição é equivocada. Primeiro apenas uma construção semântica artificial pode afirmar que um princípio é corolário lógico de outro. Existem em casos como esse mais uma vontade do jurista em provar suas intenções por meio de retórica vestida de uma cientificidade lógica. Capacidade econômica está para o Direito Tributário o que a dignidade humana é para o Direito Constitucional e para os Direitos Humanos. A capacidade econômica para ser invocada necessita de dois pólos: quem possui e quem não possui – aqui não podemos confundir com o código binário inerente ao sistema econômico [64]. Enquanto que a vedação ao tributo com efeitos confiscatórios exige também uma forma de dois lados: excesso e o não excesso referente alíquota. Daí observamos uma diferença trivial entre os dois princípios: muitas vezes aqueles que poder financeiro estão aptos a serem protegidos pela vedação ao confisco. Pois, caso ao contrário afirmaríamos que um milionário não é respaldo pelo art. 150, IV, da Constituição Federal. Ora, um banqueiro, conforme a carga tributária empregado no Brasil e mesmo no restante do planeta jamais sofrerá diminuição patrimonial relevante, assim, não é protegido constitucionalmente pelo referido dispositivo, pelo primado da igualdade e da propriedade, evento que ocorreria exclusivamente se incidisse sobre sua pessoa um novo tributo com alíquota tão elevada que o inviabilizasse de acessar bens necessários, episódio que apenas ocorreria no caso de falência. O que se pretende evitar é que o sistema político procure exclusivamente a fiscalidade como meio para atingir suas metas. Para isso a Constituição tem a função de razão transversal entre o sistema jurídico e o sistema econômico [65]. Por razão transversal compreendemos, de modo breve, a capacidade entre os sistemas de adequação e aprendizado, sendo que a Constituição tem a função de ponte entre ambos.  A razão transversal impediria, possivelmente, que um sistema influísse de modo destrutivo sobre o outro, no exemplo citado, mesmo os mais abastados financeiramente ao sofrerem com elevadas cargas tributárias, provavelmente, agiriam estrategicamente para afastarem a incidência de tributos com elevadas alíquotas. Evento que desencadearia a busca por parte do Poder Público por outras fontes econômicas, até atingirem os contribuintes com menor poder aquisitivo. Logo, a definição capacidade contributiva e vedação ao confisco não é estática, é circular, pois, o conteúdo dos enunciados serão desenvolvidos de acordo com o caso construído, proporcionando ao final do processo de interpretação um enunciado final distinto para cada princípio invocado. 4. OBSERVAÇÕES FINAIS O art. 150, IV, da Constituição da República prevê que é vedado todo o tributo que projete efeitos confiscatórios. A redação do dispositivo embora pareça ser simples na prática, em diversas situações, encontra dificuldade na concretização. Os tributaristas com o fito de ocultar o problema de um desenvolvimento construtivo da vedação ao confisco remetem os problemas envolvidos a questões a respeito da igualdade, da capacidade contributiva e do direito à propriedade. Ao dissolver o ocultamento e partirmos para uma construção racional de um enunciado nos deparamos com questões e problemas emergenciais do direito, como por exemplo, uma teoria da decisão jurídica, a relação entre princípios e regras, outras hierarquias além da Constituição Federal. A partida para uma concepção da vedação aos tributos com efeitos confiscatórios foi proposital para a apresentação dessa crise. E não é exclusivamente conceitual como aparentemente está descrito no último parágrafo, trata-se de algo de maior densidade, no qual exige a reformulação, inclusive de temas jurídicos, a necessidade de aprendizado de convívio com os paradoxos [66], e, uma observação da esfera pública pluralista, caso contrário, o sistema jurídico torna-se autista e perde legitimidade perante os sistemas que constroem sentido [67]. Posso mencionar que a doutrina, boa parte dela, não acompanha o desenvolvimento de diversos conceitos jurídicos, como por exemplo, o conceito de validade: “O aspecto moderno da validade jurídica (ou da ‘forma do direito’) aparece como resultado de processos de racionalização sociocultural tanto na dimensão do incremento qualitativo das razões que sustentam o caráter obrigatório das normas, como também na dimensão da garantia da estabilização de expectativas normativas sob as condições de uma expansão crescente do quantum de interação do tipo estratégico” [68]. Nem mesmo um juiz como o juiz Hércules [69], proposto por Ronald Dworkin, seria apto a solucionar tais intrincados problemas. Entender que estamos perante um ponto cego, entre diversos pontos cegos que o sistema jurídico proporciona, é o primeiro passo para alcançar situações jurídicas adequadas. Para isso a alteridade entre sistemas – adequação e aprendizado -, e o conhecimento semântico do resultado por intermédio da interdisciplinaridade me parece a trajeto que logrará. Uma construção racional de qualquer instituto do direito não pode, em razão do grau de complexidade da modernidade, ser feito a partir da análise estritamente jurídica, mas depende da heterobservação dos sistemas que produzem sentido.
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Reflexões acerca do impacto do Estatuto do Idoso de 2003 no Direito Tributário
RESUMO: O estudo desenvolvido neste artigo tem como fim precípuo ponderar acerca da eventual afetação legal perpetrada na seara tributária por parte do microssistema Estatuto do Idoso. Afetação essa, que não se perfaz adequadamente.
Direito Tributário
1.INTRODUÇÃO São fontes do Direito Tributário: a Constituição da República Federativa, as Leis complementares, Leis ordinárias, Leis delegadas, Medidas Provisórias, Resoluções, Decretos regulamentares, e as normas complementares, conforme o artigo 100 do Código Tributário Nacional (BRASIL, 2008). O Direito Tributário, a partir da valoração do Estatuto do Idoso, deve estabelecer tratamentos mais benevolentes em favor do idoso? O certo é que a igualdade deve ser auferida sob a observância da capacidade contributiva ou manifestação de riqueza, diferentemente do critério da idade. Todavia, pelas características sui generis atribuídas aos idosos, pela “mens legis” da Lei 10.741 de 1º de outubro de 2003, bem como pela característica ampliativa e protetiva do instituto, interpreta-se sobre a possibilidade de um tratamento diferenciado aos idosos, com amparo no princípio da igualdade.            Isto posto, pondera-se: deve haver a isenção de tributos por conta da idade? Para tanto é necessária a (re) interpretação ou ampliação do princípio da igualdade no Direito Tributário. Sobre esta matéria, Hugo de Brito Machado (2007) pondera a dificuldade de se interpretar o princípio da igualdade, segundo o qual: As dificuldades no pertinente ao princípio da isonomia surgem quando se coloca a questão de saber se o legislador pode estabelecer hipóteses discriminatórias, e qual o critério se discrimine que pode ser validamente utilizado. (…) Seu papel fundamental consiste precisamente na disciplina das desigualdades naturais existentes entre as pessoas.(MACHADO, p.250, 2007)   E prossegue: “A este propósito existem formulações doutrinárias interessantes, entre as quais se destaca aquela segundo a qual o critério de discrime deve ter um nexo plausível com a finalidade da norma. ” (MACHADO, p.250, 2007)     O princípio da igualdade deve ser interpretado de modo sistemático. E, por este motivo, não é errôneo interpretar a legislação tributária, ou até mesmo o princípio da igualdade, em consonância com outras Leis. A igualdade está prevista no artigo 150, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL,2006), conforme o qual o legislador constituinte vedou a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. Neste aspecto, ante a previsão da expressão genérica “situação equivalente”, é possível atingir algumas interpretações: uma das quais, é no sentido de valorar a igualdade à luz também de critérios etários, ante a dimensão da expressão “equivalente”. Desse modo, neste mesmo dispositivo, existe outra vedação expressa: a proibição para a realização de distinções em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida. Em outros termos, não houve um posicionamento explícito e literal sobre critérios de idade. O ponto similar entre os idosos, genericamente concebidos, é biológico, não econômico. Todavia, parece-nos óbvio que se houver a presença de um idoso vulnerável economicamente, haverá a hipervulnerabilidade, que jamais pode ser ignorada, em virtude dos ideais da justiça social. Sob a égide existencial, o artigo 2º do Estatuto do Idoso preceitua: O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por Lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. (BRASIL, 2006)   Chama atenção a expressão “assegurando-se-lhe por Lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de saúde física e mental. ”(BRASIL, 2006). Nesse tom, há demasiada generalidade, na medida em que não houve restrição a qualquer tipo de ramo do direito. Em outras palavras, as referidas facilidades, em uma visão morfológica, podem se dar nos mais distintos âmbitos. Na contramão desta visão literal, teleologicamente há que se entender que o dispositivo em comento é de cunho especialmente existencialista .  . Se entendermos que a abrangência da expressão “todas as oportunidades e facilidades” toca também o Direito Tributário, poder-se-ia defender que, uma das formas de atribuição de tratamento mais benevolente consiste em uma política de isenções. Política esta, que está prevista no artigo 176 e seguintes do Código Tributário Nacional, que prevê:“A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de Lei que especifique as condições e requisitos exigidos para sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo o caso, o prazo de sua duração”(BRASIL, 2008). E no parágrafo único, dá-se margem para que a isenção seja adstrita a uma determinada região, em caráter geral ou específico. Assim, precisamos entender que a vulnerabilidade física não implica necessariamente a vulnerabilidade econômica, isto é, o fato de ser idoso, por si só, não atinge a capacidade contributiva, que é elemento quantitativo nevrálgico das obrigações tributárias. Dessa maneira, o idoso hipervulnerável, ou seja, vulnerável biologicamente e economicamente, não se confunde com o idoso vulnerável tão apenas fisicamente, razão pela qual, em estrita perseguição ao discurso da igualdade, são duas situações jurídicas distintas, que naturalmente podem trazer respostas distintas. O autor Hugo de Brito Machado, esclarece sobre a isenção nos moldes que se seguem: Isenção é a exclusão, por Lei, de parcela da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da isenção a parcela que a Lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de tributação.(…) A regra jurídica de isenção não configura uma dispensa legal de tributo devido, mas uma exceção à regra jurídica de tributo. E é exatamente por constituir uma exceção é que ela deve ser interpretada literalmente(MACHADO, p.251, 2007)   O fato de se sugerir uma disseminação da política de isenções em favor dos idosos, não obstaculiza ou elimina, por óbvio, a possibilidade de implementação constitucional de imunidades em favor deste mesmo grupo, porém, este discurso precisa ser dotado de razoabilidade e consonância aos parâmetros das obrigações tributárias. Defender isenções em favor dos idosos, apenas valorando o existencialismo, sem qualquer reflexão de ordem econômica, parece-nos um convite para “a navegação sobre mares revoltos”, diversos da essência do Direito Tributário. Apesar disso, somos defensores fervorosos da solidariedade, reconhecimento de vulnerabilidades e da justiça social. Com a vigência do Estatuto do Idoso, as discussões sobre o tratamento jurídico concernente ao idoso se intensificaram. E o fato de se discutir, no presente trabalho, tal tratamento especificamente no Direito Tributário, é reflexo do impacto ocasionado pela antológica redação do Estatuto do Idoso. Nos horizontes legislativos brasileiros, nota-se que o deputado Jaime Campos, já propôs, no ano de 2007, mediante uma emenda do projeto de Lei originariamente proposto por parte do senador Efraim Moraes (DEM/PB), a instituição de uma isenção tributária concernente aos idosos, com idade igual ou superior a 70 (setenta) anos. (ASSESSORIA, 2007) Na espécie tributária “imposto”, identifica-se que até o ano de 1998 havia a presunção de não incidência do imposto de renda ao idoso, considerados aqueles cidadãos com 65 (sessenta e cinco) anos em diante de idade. Esta era a redação que esteve vigente até a edição da Emenda Constitucional número 20 de 1998, responsável por ab-rogar este artigo: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre(…)II – não incidirá, nos termos e limites fixados em Lei, sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a pessoa com idade superior a sessenta e cinco anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho.(BRASIL, 2006)   Isso posto, estamos diante de um delicado e sensível debate, uma tensão entre o existencialismo e o patrimonialismo. Porém, toda a discussão precisa ser harmonizada à luz da essência do Direito Tributário e dos parâmetros de razoabilidade, isto é, a hipervulnerabilidade do idoso, em virtude da cumulatividade da vulnerabilidade econômica e biológica, merece atenção especial e diferenciada por parte do Estado, no âmbito das políticas públicas e tributárias.
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Planejamento tributário aplicado à sucessão hereditária
O artigo a ser publicado é uma síntese do que foi julgado adequado para a obtenção do título de Especialista em Função Social e Prática do Direito, na modalidade Formação para o mercado de Trabalho, e aprovado em sua forma final pela Coordenação do Curso de Pós-graduação em direito Tributário da Universidade do Sul de Santa Catarina em convênio com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG. As doutrinas esclarecem que uma das normas de incidência sobre o inventário e partilha é o pagamento do imposto de transmissão causa mortis. É, justamente, a tributação sobre os direitos hereditários o cerne deste artigo. Importante assinalar que os entes de direito público têm exercido pesada tributação sobre os contribuintes, alternativa encontrada para o incremento de receita e custeio das despesas estatais. O imposto sobre transmissão causa mortis ou doação é tributo da competência exclusiva dos Estados e do Distrito Federal e que tem por característica primordial o implemento de função nitidamente fiscal. Os herdeiros ou legatários, na transmissão causa mortis dos direitos hereditários, são onerados pela carga tributária excessiva que lhes é imposta, da mesma forma que ocorre com os contribuintes em geral. Sobressai desse ponto, a importância da realização do planejamento tributário na sucessão hereditária, cuja conseqüência pode representar efetiva economia fiscal ao contribuinte. Nesse trabalho, estabelece-se, a partir da pesquisa histórica do imposto sobre transmissão causa mortis, ligação do planejamento tributário com a carga fiscal exercida sobre a sucessão hereditária, com o fito de, ao final, aferir a eventual perspectiva do emprego da elisão fiscal à sucessão hereditária.
Direito Tributário
Resumo: O artigo a ser publicado é uma síntese do que foi julgado adequado para a obtenção do título de Especialista em Função Social e Prática do Direito, na modalidade Formação para o mercado de Trabalho, e aprovado em sua forma final pela Coordenação do Curso de Pós-graduação em direito Tributário da Universidade do Sul de Santa Catarina em convênio com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes – Rede LFG. As doutrinas esclarecem que uma das normas de incidência sobre o inventário e partilha é o pagamento do imposto de transmissão causa mortis. É, justamente, a tributação sobre os direitos hereditários o cerne deste artigo. Importante assinalar que os entes de direito público têm exercido pesada tributação sobre os contribuintes, alternativa encontrada para o incremento de receita e custeio das despesas estatais. O imposto sobre transmissão causa mortis ou doação é tributo da competência exclusiva dos Estados e do Distrito Federal e que tem por característica primordial o implemento de função nitidamente fiscal. Os herdeiros ou legatários, na transmissão causa mortis dos direitos hereditários, são onerados pela carga tributária excessiva que lhes é imposta, da mesma forma que ocorre com os contribuintes em geral. Sobressai desse ponto, a importância da realização do planejamento tributário na sucessão hereditária, cuja conseqüência pode representar efetiva economia fiscal ao contribuinte. Nesse trabalho, estabelece-se, a partir da pesquisa histórica do imposto sobre transmissão causa mortis, ligação do planejamento tributário com a carga fiscal exercida sobre a sucessão hereditária, com o fito de, ao final, aferir a eventual perspectiva do emprego da elisão fiscal à sucessão hereditária. Com a expansão do capitalismo após a Revolução Industrial, surgiram diversos movimentos sociais para a implantação da democracia e que determinaram a transformação de estruturas e funções do Estado. Nesse novo cenário, a sociedade passou a reclamar proteção mínima, que se relaciona com o estado de bem-estar instaurado a partir do recente sistema econômico e social.[1] Na nova ordem política e social, o Estado assumiu, sem dúvida, o desenvolvimento de políticas sociais tendentes à universalização dos direitos básicos (educação, saúde, assistência social, previdência, habitação, dentre outros), em perspectiva que se convencionou denominar de teoria do Welfare State. Ocorre que para a promoção do bem-estar social e universalização dos direitos sociais, é necessária a captação de recursos financeiros em valor suficiente a cobrir os custos da atuação. Os tributos constituem, assim, a principal fonte de receita pública. Porém, o valor arrecadado, muitas vezes, não é suficiente ao custeio das atividades essenciais do Estado, razão pela qual, os entes tributantes, como alternativa ao déficit público, exercem pesada carga tributária sobre os contribuintes. A tributação exercida sobre a sucessão hereditária segue essa mesma voracidade fiscal, revelando-se útil, portanto, a adoção de método de planejamento tributário para a redução da carga fiscal que sofre o sucessor hereditário. A transmissão causa mortis aos herdeiros e legatários e a doação de quaisquer bens e direitos são hipóteses de incidência do imposto sobre transmissão de causa mortis, consoante prevê o Código Tributário Nacional[2] e a própria Constituição Federal[3]. O fato gerador surge na data do falecimento do autor da herança. Já a cessão de direitos hereditários está dentro das hipóteses de incidência do imposto sobre a transmissão de bens imóveis – ITBI. A alíquota desse tributo é bem reduzida, se comparada com a alíquota do imposto sobre transmissão causa mortis.[4]  Desse modo, na venda posterior de um imóvel, a transferência da tributação para o cessionário – que passa a ser efetivo contribuinte do imposto, no lugar do herdeiro-cedente – é quase integral e não é abatida no preço de venda dos direitos hereditários. Patente, portanto, a vantagem econômica para o cedente.[5] Silvio de Salvo Venosa resume a tributação incidente sobre o direito sucessório e sobre a cessão dos direitos da herança em lição essa que merece ser prestigiada: “Sobre transmissão de bens entre herdeiros no inventário também haverá imposto inter vivos (conhecido no passado como “sisa”). Assim também ocorre quando o cônjuge recebe bens imóveis de percentagem acima de sua meação, no que a exceder. A lei específica regulará tais situações. A instituição desse imposto inter vivos passou à competência dos Municípios pela atual Constituição (art. 156, II). Em cada caso, será avaliado interesse em tomar ciência do processo. O herdeiro renunciante não é herdeiro, não incidindo sobre ele o dever de pagar o tributo. São contribuintes do imposto causa mortis os herdeiros e legatários e eventuais cessionários. Os bens da herança localizados em outros Estados recolherão os impostos de acordo com as respectivas leis, com a expedição de carta precatória para essa finalidade. Os respectivos comprovantes de pagamento do imposto (guias) deverão ser juntados no inventário. A prova de pagamento é essencial para o registro do formal de partilha ou carta de adjudicação. Com o pagamento do tributo e reserva de bens para pagamento das dívidas do espólio, encerra-se o inventário e pode ter início a partilha” (art. 1.022 do CPC).[6] Sem dúvida, a cessão de direitos hereditários constitui indiscutível forma de planejamento tributário aplicável à sucessão hereditária, representando instigante temática técnico-jurídica. A questão proposta requer o esforço do jurista moderno para uma solução mais adequada ao caso concreto, pois não há, ainda, em nosso Direito, resposta definitiva à hipótese lançada, muito embora a orientação aqui traçada encontre sólido alicerce. Destaque-se que a cessão de direitos hereditários, muito embora gere, na prática, o mesmo efeito que a renúncia translatícia[7], com esta não se confunde, pois, na primeira (cessão da hereditariedade), o cessionário substitui integralmente o herdeiro, enquanto, na renúncia in favorem, como se examinou supra, o herdeiro aceita a herança para, posteriormente, transmiti-la a beneficiário determinado. Essa última hipótese não pode ser enquadrada como método de planejamento tributário, pois ocorrem fatos geradores distintos, que determinam a incidência tanto do ITCD quanto do ITBI. A elaboração dessa pesquisa científica passou pela análise da doutrina e da jurisprudência existente sobre os diversos assuntos que envolvem a sucessão hereditária, para, ao final, revelar que o melhor posicionamento parece ser aquele segundo o qual a cessão da hereditariedade tem nítida função de redução da carga tributária imposta ao herdeiro, ocupando, por isso, importante status nos procedimentos de elisão fiscal aplicável à sucessão hereditária. Conclui-se, portanto, que, sob a visão contemporânea acerca da tributação incidente sobre os direitos hereditários, a cessão dos direitos hereditários representa método de planejamento tributário, voltado à sucessão hereditária, que pode ser observado pelo herdeiro que pretenda diminuir a carga tributária que lhe é imposta com a morte do sucedido.   Notas: [1] ARRETCH, Marta. Emergência e Desenvolvimento do Welfare State: Teorias Explicativas. BID, Rio de Janeiro, RJ, 1995, n. 39, p. 3-40. [2] BRASIL. Código Tributário Nacional, art. 142. Planalto. Brasília, DF, 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. [3] BRASIL. Constituição (1988), art. 155. Constituição da República Federativa do Brasil. Planalto, Brasília, DF, 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. [4] No Município de Primavera do Leste, a alíquota do ITBI é, atualmente, de 2%. Cf. PRIMAVERA DO LESTE. Lei Municipal n.º 699 de 20 de dezembro de 2001. art. 210. Câmara Municipal de Primavera do Leste, MT, 2008.  [5] Examinou-se, nesse trabalho, que hipótese diferente ocorre quando o herdeiro simplesmente renuncia ao quinhão hereditário a que tem direito. Em se tratando de renúncia em favor de um único herdeiro (renúncia translativa), há a incidência do ITCD e, em etapa mais adiantada, do ITBI, pois, na renúncia in favorem, é como se o herdeiro houvesse aceitado a parcela a que renunciou, para, posteriormente, transferi-la ao terceiro-beneficiário, que o herdeiro-renunciante individualizou. Verificando-se a superveniência da renúncia pura e simples, não há que se falar em qualquer proveito econômico por parte do renunciante, tendo em vista a repulsa à condição de herdeiro, diante da abdicação ao quinhão hereditário. [6] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 342. (Coleção de direito civil, v. 7). [7] O instituto foi objeto de estudo em capítulo específico. Pós-graduada em Direito Tributário pela UNISUL – Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós-graduada em Direito Público pela ICE – Instituto Cuiabano de Educação. Advogada militante na Comarca de Primavera do Leste/MT. Chefe de equipe de serviços fazendários da prefeitura municipal de Primavera do Leste/MT. Professora de Direito Tributário e Financeiro da faculdade Professora de Legislação Comercial no curso técnico da escola Estadual Alda G. Scopel. Membro do Conselho Municipal dos direitos e deveres das mulheres de Primavera do Leste/MT
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Aspectos polêmicos da prescrição tributária intercorrente: Uma hermenêutica constitucional e atual sobre o tema
Através de uma hermenêutica sistemática e constitucional, demonstra-se o equívoco no tratamento jurídico da prescrição tributária intercorrente. Com enfoque eminentemente prático, demonstra-se a inconstitucionalidade formal, através de dois fundamentos distintos, da norma contida no §4º do artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais, o que, conseqüentemente, impõe a modificação no entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre a matéria.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O tratamento jurídico da prescrição no direito tributário, após uma analise aprofundada, se mostra bastante controverso, recheado de divergências técnicas[1] em sua interpretação doutrinária e jurisprudencial e, principalmente, com inconstitucionalidades normativas intrigantes. O presente trabalho é destinado a demonstrar a inconstitucionalidade do § 4º da Lei 6830/80 e a conseqüente e necessária modificação do entendimento sobre a prescrição intercorrente no bojo da execução fiscal. Importante, ab ovo, salientar que a tese ora defendida, apesar do substancial arrimo científico em que nos apoiamos, é extremamente nova, com poucas aparições na doutrina especializada e quase nenhuma apreciação pelo judiciário. Notemos: 2. DAS INCONSTITUCIONALIDADES DO § 4º DA LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS Há duas violações de normas constitucionais na inclusão em nosso ordenamento jurídico da norma inclusa no § 4º ao artigo 40 da Lei 6830/80. 2.1. DA INCONSTITUCINALIDADE FORMAL DO § 4º DA LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS – DA MATÉRIA RESERVADA À LEI COMPLEMENTAR A Lei ordinária n.º 11.051, de 29/12/2004, através de seu artigo 6º, introduziu o § 4º ao art. 40 da Lei de Execução Fiscal (Lei nº 6.830/80). Vejamos a norma contida no referido parágrafo: “§ 4º. Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.” Percebe-se do dispositivo supracitado a existência de dois preceitos normativos: a) a inclusão de novo termo a quo para a contagem do prazo da prescrição intercorrente no bojo de execução fiscal, qual seja, a decisão que ordenar o arquivamento da execução e; b) a possibilidade de decretação, ex officio, da prescrição intercorrente. Com relação à segunda parte do parágrafo 4º, não há problemas maiores a serem apontados neste tópico. A possibilidade de apreciação da prescrição de ofício pelo juiz da causa é matéria processual e, portanto, passível de inclusão no ordenamento jurídico via Lei Ordinária. Nesse sentido: “A partir da Lei nº 11.051/04, que incluiu o § 4º no art. 40 da Lei nº 6.830/80, passou a ser autorizado ao julgador reconhecer de ofício a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato, após ouvida a Fazenda Pública. O novel dispositivo introduzido na Lei de Execução Fiscal é de natureza processual, aplicando-se de imediato a todos os processos em curso.”(REsp 849.494/RS, Rel. Ministro  FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17.08.2006, DJ 25.09.2006 p. 241) A problemática se encontra na primeira parte do parágrafo 4º, ao se incluir como novo termo a quo da contagem de prazo da prescrição intercorrente o despacho que ordenar a suspensão da execução nos termos do caput do artigo 40. Trata-se, a rigor, de nova causa de interrupção da prescrição intercorrente uma vez que tem o condão de reiniciar o prazo de prescrição. Referida inclusão, por se dar através de Lei Ordinária, se mostra formalmente inconstitucional, uma vez que a Constituição da República de 1988 submeteu a disciplina da prescrição exclusivamente à Lei Complementar, nos expressos termos do art. 146, III, alínea b. In verbis: “Art. 146 – Cabe à lei complementar: (…) III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (…) b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.” O parágrafo 4º do artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais não poderia ter sido acrescentado por lei ordinária (Lei 11.051/2004). Nesse passo, as únicas causas de interrupção da prescrição em direito tributário são aquelas previstas no Código Tributário Nacional, lei materialmente complementar. Referidas causas estão previstas no art. 174, abaixo transcrito: “Art. 174 – A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.  Parágrafo único. A prescrição se interrompe:  I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; II – pelo protesto judicial; III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.” Destaca-se, assim, que o Código Tributário Nacional não reconhece a causa de interrupção ou início de contagem da prescrição contida no § 4º da LEF (introduzida por lei ordinária). Interessante notar a incoerência do legislador que, reconhecendo a necessidade de Lei Complementar para tratar de prescrição em direito tributário modificou o inciso I do artigo 174 através da Lei Complementar n.º 118/2005. Ao contrário do que fez ao acrescentar o indigitado § 4º no artigo 40 da lei 6.830/80, através da Lei Ordinária n.º 11051/2004. Portanto, tem-se por consumada a prescrição se, após a interrupção da prescrição pelo despacho que ordenar a citação do executado (artigo 174, § único, inciso I do CTN), o processo ficar paralisado por cinco anos. Pesquisamos a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ao analisar a necessidade de Lei Complementar para tratar de prescrição tributária. Vejamos: “O Código Tributário Nacional tem natureza de lei complementar, sendo hierarquicamente superior à Lei de Execuções Fiscais. Não pode, portanto, lei ordinária estabelecer prazo prescricional da execução fiscal previsto em lei complementar.” (REsp 151.598/DF, Rel. Min. Garcia Vieira). Dessa forma, resta claro que a norma contida no § 4º do artigo 40 da LEF implica em inovação do art. 174 do CTN, o que só seria possível mediante edição de Lei Complementar. Assim o art. 6º da lei ordinária que introduziu o § 4º ao art. 40 da LEF, é inconstitucional por inobservância do quorum qualificado previsto no art. 69 da CF. A técnica jurídica aplicável ao raciocínio acima exposto é incontestável o que, a despeito do entendimento ainda em vigor[2] em nossos Tribunais, nos impõe a afirmação categórica de que é inconstitucional o § 4º do artigo 40 da Lei 6830/80. 2.2. DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO ARTIGO 6º DA LEI 11.051/2005 (artigo que acrescentou o § 4º ao artigo 40 da LEF) – DO DESRESPEITO AO ARTIGO 7º DA LC 95/98 A inconstitucionalidade formal do artigo 6º da Lei 11.051/2004 não é só a apontada acima. Referido artigo de Lei, que introduziu o parágrafo 4º no artigo 40 da Lei 6830/80, é inconstitucional por desrespeito, também, ao art. 7º da Lei complementar nº 95/98. Através da norma contida no parágrafo único do artigo 59 da Constituição Federal, foi editada e promulgada a Lei Complementar n° 95/98, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis, e estabelece normas para consolidação dos atos normativos. Referido diploma legal, por normatizar a atividade típica legislativa, é de observância obrigatória pelo Poder Legislativo quando da promulgação de qualquer ato normativo. Vejamos o mandamento contido no artigo 7º de referido diploma legal: “Artigo 7º. O primeiro artigo do texto indicará o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação, observados os seguintes princípios: I – excetuadas as codificações, cada lei tratará de um único objeto; II – a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão;” (LC 95/98). Pois bem. A Lei 11.051/2004 viola supracitada norma uma vez que, ao delimitar seu objeto, assim dispõe: “Dispõe sobre o desconto de crédito na apuração da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL e da Contribuição para o PIS/Pasep e Cofins não cumulativas e dá outras providências.” Veja que a matéria central da lei em comento é totalmente alheia do instituto da prescrição tributária. É cristalina a violação da norma contida no artigo 7º “caput” e inciso II, da Lei Complementar 95/98, o que afasta, conforme entendimento jurisprudencial, a observância obrigatória aos preceitos normativos estranhos ao objeto da lei. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, já teve a oportunidade de conhecer questão semelhante, declarando a invalidade de determinado artigo de lei por violação do artigo 7º da LC 95/98. Vejamos um, dos inúmeros arestos que tratam do tema: “EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL – Cédula de crédito bancário – Ausência de título executivo – Ilegalidade da lei que prevê tal título (Lei n” 10 931/04) – Inobservância do principio da hierarquia das leis – Não cumprimento do estipulado no art. 7o, ‘caput’ e seus incisos, da Lei Complementar n° 95/98 – Hierarquia da lei complementar que determina a forma de elaboração, redação, alteração e consolidação das leis sobre qualquer lei ordinária – Invalidade da lei afastando a possibilidade de caracterização deste título como executivo – Anulação da execução ‘ab initio’ – Recurso provido.” (TJSP – Agravo de Instrumento n.° 990.10.256056-2) Importante notar que a decisão supratranscrita é bastante recente, prolação no mês de setembro de 2010. Há outro julgado, também datado de setembro de 2010, no mesmo sentido. Vejamos: “(…) grave vício de origem – Lei que cuidou de diversas outras matérias, além das mencionadas em seu art. 1o – Cédula de crédito bancário que não guarda nenhuma correlação com a incorporação imobiliária – Transgressão ao art. 7o da LC 95/1998 – Fato que afasta a observância obrigatória aos preceitos da Lei 10.931/2004.” (TJSP – Agravo de Instrumento n.° 990.10.147796-3) Referida decisão teve esteio na doutrina especializada. Naquele acórdão fora citado o seguinte trecho do ensinamento de NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY: “(…) Essa intromissão de assunto que nada tem a ver com o objeto da lei – que tem de ser um só (LC 95/98 7o I) – foi banida do sistema jurídico brasileiro pela LC 95/98 7°, que, como norma complementar à Constituição, deve ser entendida como extensão da CF, motivo por que suas regras têm de ser respeitadas pela legislação ordinária. Criando e regulando a cédula de crédito bancário, a LPAII desrespeitou flagrantemente o art. 7o da lei complementar que regula a elaboração de leis no País, ofendendo-se a garantia do ‘due process of law’, maculando-se de inconstitucionalidade, no tópico que cria e regula a cédula de crédito bancário. Essa inconstitucionalidade, por ofensa às regras do processo legislativo, é, a um só tempo, ‘formal e substancial’. São inconstitucionais, portanto, os arts. 26 a 45 da LPAII” (“Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante”, 10a ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, nota 26 ao art. 585 do CPC, p. 988) Nota-se que os julgados e doutrina acima transcritos não tratam do §4º do artigo 40 da Lei de Execuções Fiscais (acrescentado pelo artigo 6º da Lei 11.051/04), mas da inconstitucionalidade da Lei 10.931/2004, dispondo sobre a invalidade de um de seus artigos por violação do artigo 7º da LC 95/98. Não obstante, a essência da fundamentação é a mesma: é inconstitucional artigo que não trata do objeto central tratado na lei de que faz parte, por violação expressa da Lei complementar 95/98. Inconstitucional, formalmente, o artigo 6º da Lei 11.051/2004 que acrescentou o § 4º do artigo 40 da Lei 6830/80[3]. CONCLUSÃO O tratamento jurídico dado ao tema pela doutrina e jurisprudência é ainda bastante superficial e relutante às teses apresentadas neste trabalho. Esse fato se dá, principalmente pela vigência da súmula 314 do Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, a coerência técnica necessária à base científica de nosso direito e almejada nas fundamentações das decisões jurisdicionais, impõe uma rediscussão do instituto da prescrição intercorrente nas execuções fiscais em nosso direito. Para tanto, propõe-se a inconstitucionalidade formal do § 4º do artigo 40 da Lei 6.830/80.
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Análise da pertinência ao sistema e operacionalidade do artigo 116, § único, do Código Tributário Nacional
A desconsideração de ato ou negócio jurídico realizado com finalidade tributária, o que se tem popularmente por cláusula antielisiva, surgiu em 1919, através da Ordenação Tributária Alemã. Em 1999, por meio do Projeto de Lei Complementar número 77 da Câmara dos Deputados, ingressou no corpo legislativo pátrio a desconsideração de atos e negócios. Em termos de nomenclatura do instituto considera-se elisão o que a doutrina e os criadores da Lei Complementar número 104/2002 identificam como ação de dissimular a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária (fato gerador) que ocorreu. No que diz respeito ao artigo 116, parágrafo único, do CTN, há, ainda, outras questões em matéria de princípios e teorias, algumas relativas à própria razão da tributação. A constitucionalidade, ou seja, a interpretação econômica é justa se pensada do ponto de vista da coletividade, que perde quando determinado indivíduo subverte a intenção do sistema para favorecer-se. No entanto, sem a devida regulamentação normativa, paira de ilegitimidade ante os contribuintes, por se imiscuir unilateralmente, pelo Fisco, de forma subjetiva na esfera de escolhas negociais plausíveis dentro do sistema legal vigente.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objeto a análise do artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, a vulgarmente chamada “norma geral antielisiva”, cuja finalidade é fornecer às autoridades tributárias mecanismo de intervenção na esfera privada do cidadão, no escopo de averiguar e desfazer eventuais negócios dissimulados sob forma para a qual não existe hipótese de incidência tributária. Em verdade, trata-se de mecanismo legal imbuído de evitar atitudes de planejamento fiscal por parte dos contribuintes.  Registre-se, logo de início, que essa sistemática legislativa não é de origem recente e muito menos uma inovação perpetrada pela legislação brasileira. De fato, o mecanismo em voga surgiu em 1919, trazido na legislação tributária alemã, passando posteriormente a ser adotado em vários outros países europeus e nos Estados Unidos. No Brasil, foi introduzido por meio da Lei Complementar número 104, de 10 de janeiro de 2001, que acrescentou no artigo 116 do Código Tributário Nacional um parágrafo (único), no qual resta a “norma antielisiva” disciplinada. Neste contexto, o objetivo do presente trabalho monográfico surge no sentido de definir a validade ou não da norma do artigo 116 do CTN, tanto do ponto de vista social, ou seja, voltado para a eficácia, quanto da sua pertinência com o texto constitucional. Para alcançar tal desiderato, no primeiro capítulo traça-se um breve relato dos fundamentos históricos e sociais da “norma antielisiva”, bem como alguns comentários sobre a teoria do abuso de direito em matéria tributária. Além desses itens, ainda no capítulo exordial, expõe-se os motivos do surgimento da Lei Complementar número 104/2001, bem como faz-se uma análise comparativa da situações sociais vivenciadas outrora, assim como em sistemas alienígenas. Outra questão relevante tratada no primeiro capítulo versa sobre a definição formal do que seja a matéria de que trata o art. 116, § único, CTN: evasão, elisão ou fraude. Tais elementos conceituais figuram como determinantes para a melhor análise do referido dispositivo, apresentando-se seu estudo como imprescindível para a presente pesquisa.  Numa segunda etapa aborda-se os mecanismos normativos adotados no sentido de outorgar-se operacionalidade à norma antielisiva, como a MP 66/2002, além do Projeto de Lei número 536, de 28 de março de 2007, cuja finalidade é regulamentar o parágrafo único do artigo 116 do CTN. Igualmente foi analisada a postura dos órgãos administrativos exaradores das decisões em âmbito fiscal frente ao referido comando legal. No capítulo derradeiro, ingressa-se no campo dos princípios constitucionais atinentes à matéria, especificamente mediante breve análise da influência dos princípios da legalidade, da segurança jurídica, capacidade contributiva, e também se analisa a teoria do abuso de direito e o instituto da interpretação econômica, cuja definição como princípio é deveras controversa. Por fim, traçam-se considerações acerca da validade nos planos social, moral e econômico do procedimento de desconsideração de atos e negócios jurídicos tidos por simulados, bem como quanto à constitucionalidade do artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional. Em verdade, gostem ou não os mais experimentados na seara tributária, hodiernamente está em vigência um mecanismo de desconsideração de negócios jurídicos para fins tributários, cujo funcionamento e aplicação já é sentido no cotidiano fiscal dos contribuintes, principalmente em autuações levadas a efeito pelos órgãos tributários. Dessarte, fomentar a discussão sobre tão caro tema não é só importante enquanto contribuição acadêmica em nível de conhecimento, mas também meio de garantir que tal assunto ganhe o devido espaço nos debates havidos no corpo social, fazendo com que novos e diversos posicionamentos e perspectivas venham à tona. Permitir a correta aplicação dos termos da norma antielisiva nada mais é, no final das contas, do que consagrar o sagrado direito outorgado pelo nossa Constituição Federal em prol dos contribuintes de garantia à livre iniciativa no campo econômico. I FUNDAMENTOS DA DESCONSIDERAÇÃO DE ATOS OU NEGÓCIOS SIMULADOS COM FINS TRIBUTÁRIOS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO 1.1 Noções Históricas e Sociais A tributação é a forma encontrada pelo Estado para angariar fundos financeiros, recursos estes reinseridos no meio social sob a forma de bens, serviços e obras públicas desenvolvidos pelo ente tributante. Neste sentido, remonta aos primórdios da civilização a atividade arrecadatória estatal, assim como a resistência verificada por parte dos cidadãos, exercida tanto por meios lícitos como ilícitos. Nos mais diversos momentos históricos governantes almejaram resguardar os cofres de seus principados de atos que, por meio de simulação ou outro artifício desempenhado pelos cidadãos, trouxessem consigo o contorno ao dever tributário, isto é, atos que escapassem da incidência exacional imposta. O fato é que o Estado, enquanto instituição, em todas as épocas encontrou barreiras no caminho de exercício da prerrogativa de impor aos seus comandados o dever de pagar tributos. De referir que os fatores determinantes para a obediência ou não do cidadão-contribuinte às normas referentes à tributação são numerosos, no entanto podem, conforme Iudícibus e Pohlmann[1] estar vinculados a certos elementos variáveis passíveis de categorização em quatro grupos: (i) demográficas (idade sexo), (ii) oportunidade de desobediência (educação, nível de renda, fonte de renda e ocupação), (iii) atitudes (éticas, percepção da justiça do sistema tributário, influência dos pares) e (iv) estruturais (complexidade do sistema tributário, contato com autoridades tributárias, sanções, probabilidade de detecção e alíquotas). Conforme Alm[2], apud Iudícibus e Pohlmann, alguns experimentos na área de obediência tributária já foram realizados e chegou-se a conclusão de que “a) A obediência é menor dentre os sujeitos que afirmaram que sua tributação era maior do que de outros, e a obediência é maior dentre os sujeitos que disseram que sua carga tributária era menor. Ou seja, a percepção de iniqüidade fiscal afeta a obediência. b) A obediência individual declina se o sujeito acredita que recebe menos do que outros, em termos de benefícios e serviços públicos. c) A decisão de obediência é afetada pela presença de incertezas quanto à probabilidade de auditoria, apesar de os efeitos serem um tanto complicados. d) Os sujeitos que sofreram auditoria reportaram mais renda posteriormente. e) Alguns indivíduos não evadem por razões morais. […] g) Após uma anistia fiscal, há um declínio da obediência tributária. […] i) A obediência está relacionada com a presença do fornecimento de bens e serviços públicos ao contribuinte. j) A obediência é maior quando indivíduos votam no uso dos recursos arrecadados. k) Prêmios para a obediência tributária aumentam o nível desta.” Dessas considerações decorre a conclusão de que quando o cidadão sabe onde e como estão sendo empregados os recursos públicos e que cada indivíduo na sociedade está contribuindo na medida de seus rendimentos a obediência às normas tributárias é mais elevada. Para se evitar a evasão fiscal medidas de modificação da própria estrutura social, como a valorização da educação como meio de construção da cidadania, por exemplo, resultariam em um maior compromisso da sociedade com o Estado, visto que um indivíduo dotado de cultura consegue vislumbrar claramente o papel do Estado perante as contingências da sociedade. Porém, mesmo nas sociedades cujo desenvolvimento cultural permite a formação de cidadãos conscientes da importância da fidelidade no pagamento de tributos, em vista de sua efetiva aplicação em serviços públicos, ainda há os que buscam evitar a incidência de tributos sobre seu patrimônio, razão pela qual surgiu o mecanismo da desconsideração de atos ou negócios simulados com fins tributários. A desconsideração de ato ou negócio jurídico realizado com finalidade tributária surgiu, conforme Becker, apud Fossati[3], no Reichsabgabenordnung (RAO) em 1919, a Ordenação Tributária Alemã. Os alemães foram os precursores na criação da interpretação econômica, que é um dos fundamentos da desconsideração de atos os quais o Estado acredite haverem sido realizados sob determinada forma para evitar a incidência de tributos. Ainda segundo o mesmo autor, o atual Código Tributário Nacional da República Federal da Alemanha mantém disposição quanto à desconsideração de atos simulados, conforme § 41, número 2 do Abgabenordnung – AO de 1997. Na Suíça, Conforme Höhn, apud Cassone[4], a jurisprudência do Tribunal Federal, quanto à definição da ocorrência da simulação, fixou entendimento de que a elisão se dá quando atendidos os seguintes pressupostos: “Quando a forma jurídica escolhida pelas partes se apresenta como “não usual, contrária à realidade, ou extravagante, de qualquer modo inteiramente inadequada para a operação econômica”; quando, além disso, se tem de admitir que a escolha foi adotada “abusivamente, apenas para economizar impostos que seriam devidos, se aplicada a ordem normal dos negócios”; e quando “o procedimento escolhido realmente conduziria a uma considerável economia de imposto, se devesse ser aceito pelas autoridades fiscais”[5]. 1.2 Criação da Lei Complementar número 104/2001 Em 1999, por meio do Projeto de Lei Complementar número 77 da Câmara dos Deputados, ingressou no corpo legislativo pátrio a desconsideração de atos e negócios simulados com a finalidade de evitar o pagamento de tributos, projeto que se tornou a Lei Complementar nº 104, de 10 de janeiro de 2001, cuja finalidade, dentre outras, foi a alteração do artigo 116 do Código Tributário Nacional, com o acréscimo de um parágrafo único, com a seguinte redação: “Artigo 116, parágrafo único – A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” O Projeto de Lei foi acompanhado da Mensagem número 1.459/1999, expedida pelo outrora Ministro de Estado da Fazenda Pedro Malan, que justificava[6] a importância da alteração do artigo 116 do Código Tributário Nacional, em razão de que se criaria instrumento capaz de permitir à autoridade tributária  “Desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de elisão, constituindo-se [ … ] em instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito.” A razão predominante para aprovação do projeto na Câmara dos Deputados, ao menos no que se refere a criação da “norma antielisiva”, foi, conforme se antevê do parecer do relator do projeto na Comissão de Constituição de Justiça na Câmara dos Deputados, o então deputado federal Eduardo Paes, a criação de uma nova fonte de receita para a União, capaz de viabilizar o aumento do salário mínimo da época (2000) para R$ 180,00. Os termos do parecer são interessantes, pois, de certa forma, deixam claras as intenções dos que contribuíram com o ingresso da “norma antielisiva” no ordenamento jurídico pátrio. No parecer, se estabelece que elisão e sonegação não são sinônimos, sendo aquela dissimulação que visa evitar a incidência de determinado tributo antes de ocorrido o fato gerador, já aquela se daria após a ocorrência, revelando meios ilegítimos. Visava-se conceder à Receita Federal, manifestação inapropriada já que se eventualmente a norma fosse aprovada, e o foi, as Fazendas Públicas Estadual e Municipal poderiam e podem se utilizar do mecanismo da norma “antielisiva”, “instrumento [ … ] para que, identificado qualquer ato ou negócio jurídico buscando dissimular a ocorrência do fato gerador, ela possa anulá-los”[7]. O relator do projeto justificou sua opinião acerca da constitucional idade do mesmo por ver na norma “antielisiva” mecanismo de justiça social e instrumento “para acabar com esse absurdo do planejamento tributário abusivo no País”[8]. Em que pese tais argumentos supramencionados, cabe referir que um ato abusivo é aquele que extrapola limite, é injusto ou errado. Além disso, é ato que implica em desrespeito a algo ou alguém. Por seu turno, o planejamento tributário é instrumento lícito, contanto não seja utilizado para simulação, fraude ou abuso de direito. Além disso, fica claro pela leitura do parecer que a norma antielisiva só foi aprovada por estabelecer mais uma fonte de receita à União e permitir à Câmara dos Deputados poder de barganha quanto à definição do valor do salário mínimo da época, numa total falta de responsabilidade e consciência quanto aos efeitos de tal instrumento na sociedade. 1.3 Definição quanto à Forma do Procedimento do Artigo 116, Parágrafo Único, do CTN Existe na doutrina uma dúvida ainda insolúvel sobre a natureza da norma do artigo 116, parágrafo único do CTN. O legislador, conforme exposição de motivos e parecer mencionados, considera a norma como mecanismo “antielisivo”. Porém, há doutrinadores que acreditam estar diante de uma norma “antievasiva”. Conforme Hugo de Brito Machado, apud Weiss[9]: “Embora a palavra evasão seja habitualmente utilizada para designar forma ilícita de fugir do tributo e elisão para designar a forma lícita, ambas em sentido amplo significam qualquer forma de fuga ao tributo, lícita ou ilícita, e em sentido restrito significam a fuga ao dever jurídico de pagar o tributo e constituem, pois comportamento ilícito”. Já Heleno Torres, apud Weiss[10], classifica o comportamento do contribuinte em três espécies, elisão, elusão e evasão. A elisão seria uma forma legítima de reduzir o encargo fiscal através do exercício de opções válidas oferecidas pela legislação, através do planejamento tributário, com o objetivo de afastar, reduzir ou postergar a incidência tributária, casos de isenção, imunidade, enquadramento em hipóteses privilegiadas de tributação etc. A elusão seria o que o artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional tem por “elisão”, uma forma de iludir o Fisco através da dissimulação da natureza de uma relação jurídica. A evasão seria o descumprimento direto da norma tributária, através de condutas ilegais como a omissão de receitas e extravio de documentos. Alfredo Augusto Becker, por seu turno, vê a questão sob dois matizes: o da licitude, a evasão, e o da ilicitude, a fraude. Conforme Rubens Gomes Souza, apud Becker[11]: “Um critério seguro [para se verificar se se está diante de evasão ou fraude] é verificar se os atos praticados pelo contribuinte, para evitar, retardar ou reduzir o pagamento de um tributo foram praticados ‘antes’ ou ‘depois’ da ocorrência do respectivo fato gerador: na primeira hipótese, trata-se de evasão; na segunda, trata-se de fraude fiscal).” Em termos de nomenclatura do instituto considerar-se-á elisão o que a doutrina e os criadores da Lei Complementar número 104/2002 identificam como ação de dissimular a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária e evasão como ato ilícito tendente a camuflar uma relação jurídica tributária (fato gerador) que ocorreu. É de se ressaltar, entretanto, que dar nome ao instituto a que se refere o artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, é prescindível, contanto que se tenha em mente a forma como este se manifesta e suas implicações. O artigo 116, § único, do CTN traz, na verdade, dois elementos distintos. Diz o artigo que: (i) a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo e (ii) a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. No primeiro caso existe um fato gerador; o que se faz é tentar ocultá-lo, disfarçar sua ocorrência, o que implica em uma tentativa de escapar do recolhimento de tributo e isso é evasão. Dissimular a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária implica em dizer que a natureza da obrigação, que só se poderá dizer tributária se enquadrar-se nas hipóteses legais, requer um ato comissivo de dissimulação. Se não houver a intenção de dissimulação da natureza da obrigação, e sim mera opção por uma forma que não de ensejo a tributação, encontra-se essa obrigação fora do alcance da norma. Becker[12], quanto à simulação, declara: “Não se pode falar em negócio jurídico ‘simulado’, com referencia aos negócios jurídicos escolhidos pelo contribuinte para obter a evasão fiscal; e não se pode pensar em negócio simulado porque dito negócio foi e é realmente desejado pelas partes, as quais se sujeitaram às regras jurídicas que disciplinam aquele negócio e também se sujeitaram a sua eficácia jurídica: efeitos econômicos e jurídicos irradiados pela eficácia jurídica do fato jurídico; noutras palavras, os efeitos econômicos específicos e condicionados à eficácia jurídica daquele negócio.” Portanto, a menos que se verifique que a vontade deliberada das partes envolvidas em negócio jurídico com consequências no âmbito tributário foi dirigida à simulação, com fulcro de evitar a incidência tributária, a desconsideração do negócio não pode se implementar, pois deve se presumir que a escolha feita pelos envolvidos, contanto que lícita, ocorreu de forma desinteressada em qualquer tipo de vantagem além dos marcos legais. Isso gera ao Fisco um duplo ônus, saber qual é o fato gerador, e prová-lo, além de ter de verificar se o ato/fato que está atacando foi praticado com a finalidade de dissimular. Se o Fisco não provar a finalidade, não pode provar o fato gerador. Vejamos no próximo capítulo, de forma mais detalhada, os termos já adotados, ou ainda em adoção, para a operacionalização da famigerada norma ora em análise. II Operacionalização do Artigo 116, Parágrafo Único, do CTN A norma contida no artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, já anteriormente transcrita, expressamente exige como requisito de sua eficácia a criação de lei que venha a regulamentá-la. Neste passo já foram adotados determinados comandos normativos previstos em nosso sistema. Vejamos. 2.1 Medida Provisória Número 66/2002 Em 29 de agosto de 2002 foi editada a Medida Provisória número 66[13] cuja finalidade era, dentre outras, dispor sobre procedimentos para desconsideração de atos ou negócios jurídicos, para fins tributários. Dispunha o artigo 14 da referida MP que: “Art. 14. – São passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos que visem a reduzir o valor de tributo, a evitar ou a postergar o seu pagamento ou a ocultar os verdadeiros aspectos do fato gerador ou a real natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. §1º Para a desconsideração de ato ou negócio jurídico dever-se-á levar em conta, entre outras, a ocorrência de: I – falta de propósito negocial; ou II – abuso de forma. §2º Considera-se indicativo de falta de propósito negocial a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato. §3º Para o efeito do disposto no inciso II do § 1°, considera-se abuso de forma jurídica a prática de ato ou negócio jurídico indireto que produza o mesmo resultado econômico do ato ou negócio jurídico dissimulado”. No entanto, tal MP 66/2002 foi convertida na Lei Federal número 10.637, de 30 de dezembro de 2002, a qual acabou não regulamentando a parte atinente à desconsideração de atos ou negócios jurídicos, para fins tributários, optando o Poder Legislativo por tratar a matéria em comando normativo específico, possibilitando maior discussão sobre tema tão espinhoso. Assim, restou a regulamentação da norma antielisiva incluída no Projeto de Lei 536/2007, não vindo a permanecer no sistema legal brasileiro os dispositivos carreados pela MP 66/2002. 2.2 Projeto de Lei da Câmara Número 536/2007 Por meio da Mensagem nº 141, de 16 de março de 2007 foi encaminhado pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados Projeto de Lei que recebeu o número de protocolo 536/2007, cuja função é a regulamentação do artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional. O projeto ainda está em tramitação, versando em moldes muito parecidos aos tratados na MP 66/2002, em seus artigos específicos sobre o assunto, os quais não foram convertidos em lei, como acima referido. Por seu turno, a finalidade do projeto é criar um processo administrativo de desconsideração dos atos e negócios tidos por dissimulatórios a fatos supostamente geradores de tributos. O projeto visa conciliar as garantias constitucionais e legais dos contribuintes por meio do estabelecimento de um procedimento adequado de desconsideração, com o cumprimento do mandamento exarado do CTN, art. 116, parágrafo único. Atualmente, entretanto, a norma do CTN vem sendo aplicada, mesmo ante a inexistência de lei regulamentadora. A despeito de qualquer indagação acerca da constitucionalidade ou não da “norma antielisiva”, um regulamento que pretenda dar efetividade ao artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional deve levar em conta todas as garantias que a lei outorga aos contribuintes, a começar pelo devido processo administrativo, com ampla possibilidade de defesa pelo interessado no resultado de eventual ato da autoridade fiscal no sentido de desconstituir ato ou negócio que ele haja realizado, o que o projeto ora em comento procura fazer. O projeto de lei 536/2007 prevê um procedimento que se inicia com a fiscalização pelo auditor fazendário. Encontrado indício de negócio simulado, expede-se intimação fiscal direcionada ao agente supostamente infrator, em que constará a descrição dos fatos e elementos que entenda o fiscal como caracterizadores da possibilidade de desconsideração do ato ou negócio jurídico que veja como potencialmente simulado. Do recebimento da intimação abre-se prazo de 30 (trinta) dias para apresentação de defesa. Caso não se convença, o auditor fiscal deve encaminhar representação à autoridade administrativa que instaurou o processo de fiscalização, que conterá os seguintes elementos, conforme os termos originais do projeto de lei: “Art 2° – Na hipótese de atos ou negócios jurídicos passíveis de desconsideração, nos termos do § 1º do art. 1º, o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil expedirá notificação fiscal ao sujeito passivo, na  qual relatará os fatos e fundamentos que justifiquem a desconsideração. […] § 3º – […] I – […] relatório circunstanciado dos atos ou negocias praticados e a descrição dos atos ou negócios equivalentes aos praticados, bem assim os fundamentos que justifiquem a desconsideração; II – discriminar os elementos ou fatos caracterizadores de que os atos Ou negócios jurídicos foram praticados com a finalidade de ocultar os reais elementos constitutivos do fato gerador; III – ser instruída com os elementos de prova colhidos no curso do Procedimento de fiscalização e os esclarecimentos e provas apresentadas pelo sujeito passivo; e IV – conter o resultado tributário produzido pela adoção dos atos ou negócios praticados em relação aos equivalentes referidos no inciso I com especificação da base de cálculo da alíquota incidente e do montante do tributo apurado;” Apresentada a representação, a autoridade administrativa terá 120 (cento e vinte) dias para decidir sobre a mesma. O projeto de lei prevê em caso de acatamento pela autoridade administrativa dos fundamentos que levaram o auditor fiscal a representar, impugnação da decisão, na Delegacia de Julgamento e Recurso Voluntário ao Conselho de Contribuintes (Decreto número 70.235, de 6 de maio de 1972). Além dessas etapas, ainda há a possibilidade de, na esfera administrativa, caso reste o negócio atacado desconsiderado para fins tributários, impugnação do crédito tributário advindo da desconsideração, quando se der o lançamento. Pela análise do procedimento administrativo de desconsideração que propõe o projeto de lei 536/2007, há uma ampla possibilidade de defesa ao cidadão objeto da persecução fiscal, garantindo-se o devido processo administrativo, o duplo grau de jurisdição administrativa, além de, restando descontentamento por parte do agente passivo da fiscalização, a via judicial. 2.3 – Aplicação do Artigo 116, Parágrafo Único, do CTN, pela União e Decisões dos Conselhos de Contribuintes A despeito da ausência de regulamentação em lei ordinária do procedimento de desconsideração de negócios simulados, como já evidenciado, a União Federal já vem aplicando a norma antielisiva. Conforme reportagem da revista Valor Econômico[14], publicada em 22 de novembro de 2004: “O Conselho de Contribuintes está derrubando as autuações fiscais em que a Receita Federal apontou supostos planejamentos tributários. Os conselheiros entendem que, se as operações são legais e existiram de fato, elas não podem ser alvo de autuação fiscal. A interpretação vale mesmo que a empresa tenha implementado uma série de operações para reduzir a carga tributária de um determinado negócio. O entendimento do Conselho tem sido aplicado tanto em casos em que a fiscalização alegou simulação como em autuações em que se tentou aplicar a chamada lei antielisão, norma que teve como principal alvo o planejamento tributário. Uma das primeiras manifestações do Conselho sobre a aplicação da chamada lei antielisão aconteceu num processo originado de autuação fiscal contra a Cooperativa Mista Itaquiense Ltda (Camil). [ … ] No caso da Cooperativa, a polêmica com o fisco envolve o valor sobre o qual a empresa deveria recolher IR e CSLL numa operação de venda. Mais especificamente, sobre a venda dos 50% de participação que a cooperativa tinha na empresa Camil Alimentos. A cooperativa pagou os tributos sobre R$ 1,2 milhão. Para a Receita, ela deveria ter calculado o IR e a CSLL sobre R$ 12,697 milhões. O investimento original da cooperativa na Camil Alimentos era de R$ 12,608 milhões. Segundo a Receita, a participação societária foi vendida para a empresa Rice S/A por R$ 25,305 milhões. A fiscalização considerou que o lucro deveria ser a diferença entre o valor de venda – R$ 25,305 milhões – e o investimento inicial – R$ 12,608 milhões. O Fisco alegou que, em vez de fazer uma simples venda direta à Rice, a cooperativa teria implementado em 1997 e 1998 um conjunto de operações com o objetivo de reduzir o lucro apurado. Segundo a Receita, a Rice fez um aporte de capital na Camil Alimentos. O efeito prático da integralização foi a alteração de participações societárias na Camil Alimentos. O valor do investimento da cooperativa na Camil Alimentos, atualizado por meio de equivalência patrimonial, aumentou de R$ 12,608 milhões para R$ 24,106 milhões. Por isso, quando houve a venda da participação acionária à Rice, a cooperativa apresentou um lucro de apenas R$ 1,199 milhão (a diferença entre os R$ 25,305 milhões da venda e os R$ 24,106 milhões de investimento). Em decisão relatada pela conselheira Sandra Maria Faroni, a Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes considerou que “não há dúvida de que as operações, tal como praticadas, tiveram por objetivo diminuir o ônus tributário.” A Câmara entendeu, porém, que todos os cálculos estavam de acordo com a legislação, as operações realizadas eram lícitas e estavam perfeitamente documentadas.” Inobstante, o Conselho de Contribuintes tem analisado a questão da aplicação da norma antielisiva com cuidado. No caso mencionado na notícia acima trasncrita, da decisão do Primeiro Conselho fica claro que apesar de se verificar que as operações realizadas pelas sociedades empresárias recorrentes tiveram por objetivo diminuir o ônus tributário, se fixou o entendimento de que, uma vez que todos os cálculos estavam de acordo com a legislação, as operações realizadas eram lícitas e estavam perfeitamente documentadas, não sendo caso, portanto, de desconsideração. Além disso, em decisão recente, a Segunda Câmara do Conselho de Contribuintes decidiu que a norma antielisiva não é passível de aplicação até se crie norma integradora a dar-lhe efetividade, conforme ementa da decisão[15] que segue. “Número do Recurso: 124369 Câmara: SEGUNDA CÂMARA Número do Processo: 10074.000471/2002-88 Tipo do Recurso: DE OFÍCIO Matéria: IPI Recorrente: DRJ-JUIZ DE FORAlMG Recorrida/Interessado: BELFAM INDÚSTRIA COSMÉTICA S/A Data da Sessão: 28/03/200609:00:00 Relator: Maria Cristina Roza da Costa Decisão: ACÓRDÃO 202-16959 Resultado: NPU – NEGADO PROVIMENTO POR UNANIMIDADE Texto da Decisão: Por unanimidade de votos, negou-se provimento ao recurso de ofício. Fez sustentação oral o Dr. Sérgio Augusto Malta, OAB/RJ nº 10.715, advogado da interessada. Ausente ocasionalmente o Conselheiro Gustavo Kelly Alencar. Ementa: IPI. DESCONSIDERAÇÃO DE ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS. O dispositivo previsto no parágrafo único do art.116 do CTN, com a redação dada pela LC nº 104/2001, reveste-se de eficácia limitada, ou seja, dependia, à época da ocorrência dos fatos geradores alcançados pelo lançamento de ofício, da existência de norma integradora que lhe garantisse eficácia plena. Inexistente esta à época dos fatos, o lançamento padece da falta de suporte legal para sua validade e eficácia. Recurso de ofício negado. D.O.U. de 10/01/2008, Seção 1, pág. 328” Tanto do trecho da reportagem citada, quanto da decisão cuja ementa consta acima, percebe-se que a aplicação da norma antielisiva tem sido feita com bastante cautela pelos órgãos fazendários. No entanto, ante a falta de legislação regulamentadora da norma antielisiva, em confronto com o que o próprio artigo 116, § único, do CTN determina, não é cabível a utilização do instituto, mesmo quando se estiver diante de clara demonstração de simulação, restando equivocado o Fisco quando pretende, de forma açodada, como são exemplos os casos acima informados, implementar a regra da desconsideração. Ressalta inequívoco que apenas quando lei regulamentadora do artigo 116, parágrafo único, do CTN, vier à tona, traçando um procedimento claro e seguro de desconsideração, em que todas as garantias do contribuinte sejam respeitadas, é que será possível a aplicação do instituto antielisivo. III PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E TEORIAS JURÍDICAS RELACIONADOS À VALIDADE DO ARTIGO 116, § ÚN. DO CTN É sabido e consabido que a base legal do sistema jurídico pátrio é a Constituição Federal, o que significa que qualquer prescrição legislativa encontra limite, expressa ou tacitamente, na Constituição. Isso não quer dizer, entretanto, que apenas o texto constitucional ipsis literis contém os mandamentos sociais superiores aos quais se deve observância. Na interpretação de vários dispositivos, singularmente ou em conjunto, extraem-se comandos normativos que excedem o conteúdo do texto que os retém, valores sociais que se inferem da observação dos atos, sejam jurídicos, políticos ou culturais em uma sociedade. Os princípios constitucionais traduzem garantias e direitos fundamentais inerentes a todas as pessoas albergadas pela ordem jurídica que os contemple. A convivência dos princípios é posta à prova quando dois ou mais deles entram em confronto para regular uma mesma relação jurídica, situação em que, em vez de optar-se apenas por um, se deve fazer um cotejo entre eles e procurar uma acomodação razoável dos princípios em questão. Além disso, todos os atos do cidadão devem ser pautados na lei, pois imperativo de vontade emanado da sociedade, que visa, em última análise, garantir a observância dos princípios básicos de organização e convivência da coletividade (princípios constitucionais). O Direito, muito mais do que a busca pela justiça, visa outorgar segurança às relações sociais, uma convivência em sociedade sem a desconfiança de que os indivíduos se comportem de forma que violem a esfera de liberdade básica, vida ou patrimônio uns dos outros. Essa é a razão da importância do Princípio da Segurança Jurídica, um dos mais importantes princípios constitucionais em matéria tributária, pois reafirma a função do Direito, que é a proteção das relações sociais. Bandeira de Mello[16] define: “Segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do Homem: a da segurança em si mesma, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano.” Prossegue dizendo que “é a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável ou relativamente estável o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro”. O princípio da segurança jurídica é importante na questão envolvendo o artigo 116, parágrafo único do CTN, visto que a norma antielisiva ataca atos lícitos em que houve abuso da forma utilizada com vista a evitar a incidência tributária. Quando a lei estabelece a possibilidade de ataque a atos lícitos, porém com vício moral na utilização abusiva, cria-se como problema o fato de que o cidadão ao realizar negócios jurídicos não poderá contar com a estabilidade do negócio, caso paire dúvida quanto a adequação da escolha da formatação da relação jurídica; ou seja, se por traz da opção do individuo não há a intenção dissimulatória, mas adveio economia de tributos, podendo o ato ser posto sob suspeita. A segurança jurídica é importante, portanto, como imperativo de sobrevivência do Estado Democrático de Direito, governado por leis e voltado para a justiça social, com forte aplicação igualmente nas relações tributárias. No que diz respeito especificamente ao artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, há, ainda, outras questões em matéria de princípios e teorias, algumas relativas à própria razão da tributação. Por seu turno, outro importante princípio constitucional em matéria tributária é o da capacidade contributiva. Quanto a esse princípio, está no pensamento comum dos povos civilizados e democráticos que cada qual deve contribuir à sociedade na medida da extensão de seu patrimônio, em nome da manutenção do Estado e do bem comum do povo. O princípio da capacidade contributiva determina que o Estado arrecade dos cidadãos apenas o que eles tem condições de contribuir sem desfalcar-lhes as finanças de modo a inviabilizar-lhes a sobrevivência digna e o pleno exercício de suas potencialidades. É por esse fundamento, por exemplo, que é admitida pelos tribunais pátrios a progressividade da alíquota de tributos, enquanto instrumento garantidor da função social da propriedade e de justiça social. O princípio da capacidade contributiva, de certo modo, justifica a preocupação do Estado em evitar que cidadão se utilize do corpo normativo na escolha das regras que mais o favorecem, mesmo que a aplicação fuja a um proceder lógico em termos de opção negocial comum, para evitar o dever tributário. Neste passo, a Teoria do Abuso do Direito, um dos fundamentos para o ataque a negócios simulados, busca a desconsideração da realidade jurídica para focar-se na realidade econômica, que é o que importaria em última analise. Alfredo Augusto Becker menciona quatro grupos de teorias de abuso de direito: (i) as teorias que fundamentam o abuso de direito no “prejuízo”; (ii) as que fundam o abuso na falta; (iii) as que se baseiam na finalidade dos direitos e no motivo ilegítimo e (iv) as que tomam o critério moral. A base da primeira teoria é que a busca pela economia de tributos traria ao Estado e, conseqüentemente à sociedade, um prejuízo com o não recolhimento de tributos. Essa teoria é refutada por Becker[17] com os seguintes argumentos. “Como sustentar que a evasão (elusão) teria causado prejuízo ao Estado? Tal prova ou demonstração é impossível, porquanto só tem prejuízo aquêle que sofre um dano em seu patrimônio, Ora, o Estado com a evasão não sofreu nenhum dano em seu patrimônio, pela simples razão de que nunca chegou a ter o direito a receber aquêle tributo que deixou de ser pago; e isto porque não chegou a se realizar a hipótese de incidência [ … ] da regra jurídica tributária.” Quanto à teoria do abuso de direito que se funda na falta, esta se relaciona com o fato de que o cidadão que exerce um direito desejando causar prejuízo, caso da evasão, comete uma falta delituosa. Tal teoria se caracteriza como absurda para o referido autor, vez que, segundo ele, “não é possível se atuar ilicitamente em conformidade com a lei; há uma incompatibilidade lógica nisso”[18]. Outro critério a definir a teoria do abuso de direito em matéria tributária é o critério da finalidade, em que a liberdade de escolha do indivíduo é substituída por um direito dirigido, que deve ser exercido na direção ditada por um ideal coletivo. Se de determinada ação ou omissão resultasse uma utilização repreensível, seja do ponto de vista moral, social ou econômico, haveria abuso de direito, ação que poderia ser condenada em razão dessa utilização repreensível. Quanto a esse pensamento, Becker[19] faz a seguinte indagação: “Que liberdade restaria ao titular do seu direito, dentro deste sistema rígido? Que segurança teriam, o titular do direito e os terceiros que com ele tratassem, contra as apreciações arbitrárias do valor de seus atos, segundo o ‘ideal coletivo do momento’?” A quarta teoria, a do abuso de direito pelo uso imoral do direito, diz que eventual prejuízo advindo de negócio jurídico abusivo está no mau uso econômico do direito, num uso imoral do direito. Para essa teoria, o importante para determinar-se o abuso não é o mau rendimento econômico ou social na utilização do direito e sim a má qualidade moral da utilização. De outra banda, a chamada “interpretação econômica” é outro elemento intimamente ligado à norma antielisiva. Coelho[20], ao falar sobre a interpretação econômica, diz que: “A Constituição brasileira, bem como o Código Tributário Nacional, expulsaram a ‘interpretação econômica’ do Direito Tributário, ao contrário da Alemanha e Argentina ( … ). As luzes do art. 109 do CTN, entre nós, para evitar o uso lícito das formas de direito privado, deu-se ao legislador, e somente a ele, o poder de atribuir efeitos fiscais a atos e negócios jurídicos, não tributáveis, equivalentes aos previstos para atos e negócios tributados.” Para que se contextualize o surgimento da interpretação econômica, cabe mencionar que, conforme exposto no primeiro capítulo, a interpretação econômica, enquanto ensejadora da desconsideração de ato ou negócio jurídico realizado com finalidade tributária, surgiu na Ordenação Tributária Alemã em 1919. A função desse instituto na legislação alemã era, conforme Blumenstein, apud Fossati[21], “Prever hipóteses de incidência para o surgimento da obrigação tributária e hipóteses de incidência suplementares. ( … ) O Princípio da Segurança Jurídica no Direito Tributário poderia ser garantido pelas definições dadas pelo Direito Civil para os fatos, desde que tal definição não fosse desvirtuada com fins de elisão tributária.” A idéia da legislação tributária alemã de 1919 era que, caso o agente econômico criasse manobras a evitar a incidência tributária, implementar-se-iam as hipóteses de incidência suplementares, para alcançar a verdadeira finalidade do agente ao realizar determinado ato jurídico. Esse é o cerne da Interpretação Econômica: identificar um ato jurídico pelas suas intenções e consequências e não pela forma. A interpretação econômica é, portanto, um meio de o Fisco evitar que o cidadão realize negócios jurídicos optando por dar-lhes forma que não dê ensejo ao surgimento de obrigação tributária, com a finalidade de encobrir outro negócio, este sim passível de fazer surgir a obrigação tributária. A interpretação econômica é vista, também, como uma garantia do princípio constitucional da livre concorrência, que não poderia ser contornado através de artifícios que distingam contribuintes por motivos formais, se prestando a garantir o princípio da isonomia e capacidade contributiva. O grande problema da Interpretação Econômica é que o Fisco ao se utilizá-la para desconsiderar negócios jurídicos adentra num campo delicado, que é o dá intenção íntima do agente ao realizar negócios. A dificuldade de distinguir-se entre forma e conteúdo de negócios jurídicos e, principalmente, entre opção e finalidade é o que torna arriscada a interpretação econômica, principalmente porque determinado negócio pode objetivamente trazer benefícios do ponto de vista tributário aos agentes, porém não foram realizados objetivando dissimulação. Por exemplo, digamos que numa situação esdrúxula, certo Estado resolva impor tributo a todos os automóveis fabricados com o porta-malas na parte traseira do veículo, e que certa montadora resolve fabricar veículo com o porta-malas na parte da frente. Esse não é um caso de simulação de negócio jurídico para fins tributários, mas se presta ao desenvolvimento do seguinte raciocínio. A fábrica do exemplo pode ter realizado a modificação ou por uma questão de design ou por uma questão de planejamento tributário. A prática de planejamento tributário fere um senso de moral, pois se cria a sensação de que a lei favorece alguns indivíduos, que se usam dos meandros da lei para evitar a incidência tributária, em detrimento de outros. Do contrário, a não incidência de tributo em razão de uma opção estética é uma conseqüência de uma escolha livre e desinteressada. Quando as razões do ato encontram justificativa apenas na esfera íntima do indivíduo, alegar que houve a dissimulação dos elementos constitutivos da obrigação tributaria é, no mínimo, temerário. Adentrando na análise da constitucionalidade do artigo 116, parágrafo único, do CTN, de referir que esta se apresenta intimamente ligada à lógica de todo o Sistema Tributário Nacional e seus elementos chave. É uma questão de opção constitucional, ou seja, a interpretação econômica é justa se pensada do ponto de vista da coletividade, que perde quando determinado indivíduo subverte a intenção do sistema para favorecer-se. No entanto, também é justo rechaçá-la em nome da segurança jurídica, posto que na relação Estado-indivíduo, o cidadão é a parte mais fraca e evitar-se que sua esfera privada de vida e, principalmente, de vontade (intenção econômica do ato) seja violada é essencial para uma vivência harmônica em sociedade. Como afirmado anteriormente, a busca por desconsiderar negócios jurídicos realizados com a finalidade de economia de tributos, veiculada pelo artigo 116, parágrafo único do CTN, ignora a vontade dos indivíduos envolvidos e foca-se na natureza da negociação e suas conseqüências econômicas. Qualquer regra jurídica que busque a supressão da vontade dos cidadãos deve ser analisada com parcimônia. Admite-se em muitos países a supressão de garantias dos cidadãos em nome de valores tidos por de maior importância, enquanto de titularidade da sociedade, como a segurança nacional, por exemplo. Entretanto, não é o caso da norma objeto do presente estudo. O artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, interfere na vontade do cidadão, uma vez que a escolha dentre as opções dadas pelo ordenamento jurídico por formas de negócios jurídicos menos onerosas do ponto de vista tributário é lícita, porém, podendo ser utilizada de forma abusiva. A reação da norma antielisiva é contra uma opção lícita (que pode ser apenas do ponto de vista da legalidade estrita, desconsiderando-se eventual abuso) do agente, escolhida visando à economia tributária. Conforme Becker[22], “Nada altera a circunstância de estes efeitos econômicos serem análogos ou idênticos aos efeitos econômicos que seriam irradiados pelo outro negócio jurídico que foi evitado a fim de se evadir (eludir) o tributo. A evasão é perfeitamente ‘lícita’, pois não foi violada nenhuma regra jurídica ou eficácia jurídica e, por conseguinte, a estrutura jurídica dos atos e contratos deve ser respeitada pelo interprete da lei tributária.” E se a intenção não foi evitar o fato gerador do tributo? Seria legítima a busca por fulminar a forma escolhida pelo cidadão ao realizar um negócio jurídico, simplesmente porque há outra forma em que se chega ao mesmo resultado, mas há a incidência de tributos? O artigo 5º, II, da Constituição da Republica Federativa do Brasil é claro ao dizer que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei. Se o cidadão faz escolhas dentro de parâmetros legais é de se indagar se a integridade de seus atos deve ser respeitada. Malerbi[23] declara que “é lícita a escolha do negócio menos oneroso, visto que o princípio da legalidade criaria um limite para o poder do Estado, originando um direito constitucional de liberdade para o contribuinte”. A economia tributária gerada pela elisão, a que a norma antielisiva busca combater, não encontra obstáculo no campo da licitude, porém no campo da moralidade, pois ao evitar-se a realização de fatos geradores de tributos através de estratégias e manipulação dos instrumentos legais, cria-se um desconforto, ante a inobservância de deveres de cidadania. O pagamento de tributos é um dever social que encontra amparo na lei. Porém quando a própria lei fornece mecanismos hábeis a reduzir ou evitar o surgimento desse dever, a escolha de se utilizar ou não desses mecanismos para evitar fatos geradores de tributos deve ser analisada do ponto de vista do sentimento moral de dever para com a sociedade e não da lei. Quanto aos deveres morais, embora o dever de contribuir cada qual com suas capacidades seja um ideal do senso comum no Brasil, não se pode negar que a lei é o parâmetro primeiro a definir deveres, e se alguns cidadãos conseguem maximizar o volume de negócios com o mínimo de incidência tributária, isso se deve ao fato de que as regras do sistema assim o permitem. Um dos papéis da sociedade, seja por meio do Estado, seja no seio da família, é certificar-se de transmitir valores morais, como o é o sentimento de dever para com a manutenção financeira do Estado. A solução, porém, não pode ser a supressão da vontade individual com a desconsideração de negócios realizados, pelo mero fato de a forma pela qual esses negócios se exteriorizaram implicar em economia de tributos. A intenção do agente é a peça fundamental na verificação da conveniência ou não da desconsideração, ou seja, ou o Fisco prova a intenção e o abuso do ponto de vista da vontade do agente, ou a desconsideração não é possível. A perquirição do que é simulação e do que é mera opção esbarra, pois, na indecifrável razão de certas ações humanas. Corre-se o risco de, em cada ação, a livre vontade do cidadão ser substituída pela vontade do Estado. O fato de se avaliar as intenções do agente para desconsideração, íntimas, dado que a dissimulação da natureza deve ser comissiva, é, de certo modo, incompatível com a atividade fiscal, que deve se pautar pela objetividade. Além disso, a cláusula do artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, se usada de modo indiscriminado, pode vir a impossibilitar uma série de modalidades negociais que nada tem de simulados, como é o caso do leasing, v.g. A limitação pelo Fisco das complexas relações sociais expressadas nas relações jurídicas pode vir a trazer mais prejuízos à sociedade do que ganhos. Segundo Bilac Pinto[24], apud Coelho: “A admissão da tese de que as autoridades fiscais podem opor uma apreciação econômica à definição legal do fato gerador ou que lhes é facultado eleger, por meio de critérios econômicos subjetivos, um devedor do imposto diverso daquele a quem a lei atribui a obrigação de pagar o tributo, equivale a esvaziar o princípio da legalidade do seu conteúdo. A substituição do critério jurídico, que é objetivo e seguro pelo do conteúdo econômico do fato gerador implica trocar o princípio da legalidade por cânones de insegurança e de arbítrio, incompatíveis com o sistema constitucional brasileiro”. Por outro lado, Rui Barbosa Nogueira[25], apud Cassone, ao falar sobre a interpretação econômica, pondera se a “interpretação econômica” e a “interpretação jurídica” são, de fato, assim tão incompatíveis, o que coloca nos seguintes termos: “A consideração econômica, dentro da interpretação teleológica, deve ser correlacionada com o princípio da uniformidade da tributação, segundo a qual fatos iguais devem, em princípio, ser igualmente tributados. A consideração econômica dentro da teoria da interpretação do Direito não significa uma intromissão livre da ciência econômica dentro do Direito. Esta tem de ser e somente pode ser uma interpretação de conteúdo econômico e válida quando jurisdicizada ou admitida pelas disposições isoladas ou correlacionadas do Direito. Constitui um erro distinguir-se consideração “econômica” e “jurídica”, pois a consideração econômica só é vinculante até onde tenha sido admitida pelas normas jurídicas; do contrário, constituiria um elemento de insegurança, em vez de instrumento de normatividade do Direito.” Ao serem perfectibilizados negócios, partes e terceiros interessados agem de acordo com aquela expressão de vontade; a possibilidade de desconsideração gera inquietude, insegurança. O princípio da legalidade oferece resistência a qualquer tipo de atitude por parte do operador do direito tributário que vise ir além do estrito conteúdo da lei, como, v.g., interpretação extensiva e analogia, esta expressamente proibida pelo Código Tributário Nacional. No entanto, a consideração econômica é útil para demonstrar o uso legítimo de estruturações que permitem a economia de imposto, isto é, a faculdade que tem o contribuinte, dentro da ordem jurídica, de estruturar legitimamente suas atividades. Em suma, a viabilidade quanto à existência e aplicação da norma antielisiva encontra respaldo na forma como ela for operacionalizada, ou seja, a conduta do Fisco quando da realização da atividade de desconsideração é determinante a definir se o uso da norma antielisiva vai de encontro ao próprio artigo 116, parágrafo único do CTN e da Constituição Federal. CONCLUSÃO A norma antielisiva do artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é uma realidade que não pode e não deve ser ignorada. Embora a desconsideração de negócios tidos por simulados para fins tributários seja uma prática já amplamente realizada em outros países, é de se questionar se a ordem constitucional brasileira está apta a ver em plena operação tal mecanismo, cujo funcionamento pode, por um lado, culminar em benefícios em termos de arrecadação e garantir certa justiça social, ou, por outro, implicar em injustiças e discricionariedade além das balizas legais. Muito mais do que uma fórmula supostamente garantidora dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, a norma do artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, é uma prática com finalidade arrecadatória. Como mencionado, há negócios que pela forma podem parecer simulados, mas em verdade não o são, caso de certos contratos de leasing, em que o referido conteúdo pode ser caracterizado em uns casos como arrendamento mercantil, em outros como uma compra e venda. Como se verifica a simulação em um caso desses, considerando que a lei determina para desconsideração o cometimento de um ato comissivo de simulação? Entende-se que o grande problema da norma do artigo 116, parágrafo único, do CTN, é que o seu uso pela administração fiscal possa se prestar a abusos, como a desconsideração de atos cuja finalidade não era simulação, embora haja gerado para o cidadão economia de tributos. Isso porque se faz necessária incursão pelos anseios íntimos do contribuinte para poder-se aferir qual a razão determinante do negócio sob suspeitas de elisão, sendo tal empreitada deveras dificultosa dentro do sistema normativo vigente. Não custa lembrar que o auge da utilização da norma antielisiva no país onde foi criada, Alemanha, se deu no governo do Terceiro Reich alemão, sob a batuta do Partido Nazista, em que a vontade do Estado estava acima de qualquer interesse individual. Se o Estado apenas deseja manter ou incrementar arrecadação, evitar a falta de lealdade do cidadão para com o Fisco, deve atuar em outros campos, na questão da obediência tributária e dos deveres de cidadania. Porém, se almeja usar o instrumento da desconsideração com finalidade de garantir princípios constitucionais como da Capacidade Contributiva e Isonomia, suas intenções serão válidas. O que não pode ocorrer com o instituto do artigo 116, parágrafo único, do CTN, é o que diz Piero Villani[26], apud Cassone , ao analisar o art. 51 da Lei 7.450/1985: “O único problema é: é provável que a Administração Fazendária tente fazer do artigo um princípio geral, aplicável além dos próprios limites fisiológicos, com o fim de, nos casos de dificuldades, atingir os efeitos econômicos dos negócios jurídicos, para além do que permite o ordenamento.” A violação da autonomia da vontade do indivíduo exercida licitamente dentro das regras do sistema jurídico, por mais que exercida de forma moralmente reprovável, não pode ocorrer automaticamente. De outra banda, se a tendência de aplicação futura da norma antielisiva, pendente de lei regulamentadora, seguir a linha de pensamento atual dos órgãos fazendários, será aplicada em clara ofensa ao disposto no próprio texto da norma complementar, além de infringir o Princípio (regra, como preferem alguns) da Legalidade, consagrado pelo artigo 5° da Constituição Federal, possibilitando desprezível margem de atuação extremamente subjetiva e carecedora de regras limitadoras ao Fisco. Soa evidente que embora de fato haja casos de efetivo abuso do planejamento tributário, a lei deve antes pensar nos diversos negócios que não foram realizados com finalidade dissimulatória, mas deixam dúvida quanto a isto. Portanto, deve ser produzida norma regulamentadora que garanta o respeito aos ditames constitucionais, fazendo com que a aplicação do artigo 116, parágrafo único, do CTN, se torne viável dentro do sistema jurídico brasileiro, criando-se procedimento administrativo garantidor do devido processo legal, com todos os meios inerentes a este postos em favor do contribuinte.
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Da suspensão da exigibilidade dos créditos fazendários
Os instrumentos utilizados para que o Estado capte recursos a fim de financiar seus projetos e atividades são vários, como, por exemplo, aluguéis ou taxas de ocupação, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, doações recebidas, imposição de multas e cobrança de tributos. Sendo assim, é de extrema importância que o Estado cobre os seus créditos com a máxima eficiência e os aplique de forma adequada para melhor promover o bem comum. Todavia, a cobrança de tributos não pode mais ser feita de forma abusiva ou extorsiva como realizada na Idade Média. As leis e o devido processo legal devem ser observados e respeitados. Sob o princípio da legalidade, destaca-se que no Código Tributário Nacional há algumas situações nas quais a Fazenda Pública fica impedida de cobrar dos contribuintes os seus créditos, a saber: exclusão, extinção e suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Por mais que as causas de suspensão da exigibilidade já acompanhem o CTN desde o seu nascimento em 25 de outubro de 1966, com exceção dos incisos V e VI do art. 151, incluídos pela Lei Complementar n° 104/2001, há ainda muitas dúvidas e divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. Inclui-se, também, nessa problemática a ausência de previsão legal para a suspensão da exigibilidade dos créditos denominados de não-tributários. E é acerca dessas hipóteses de suspensão do crédito tributário e da possibilidade de utilizá-las analogicamente para os não-tributários que se ocupa este trabalho científico.
Direito Tributário
Introdução A garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das desigualdades sociais e regionais são alguns dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, segundo a leitura do art. 3° e de seus incisos na CRFB/88. Destarte, investimentos em educação, saúde e moradia aos necessitados, serviços públicos de qualidade, dentre outros, devem ser feitos para que aqueles objetivos e muitos outros sejam alcançados. Entretanto, para isso, é necessário que o Estado capte recursos para financiar seus projetos e atividades. Os instrumentos utilizados para essa arrecadação são vários, como, por exemplo, aluguéis ou taxas de ocupação, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, doações recebidas, imposição de multas e cobrança de tributos. Sendo assim, é de extrema importância que o Estado cobre os seus créditos com a máxima eficiência e os aplique de forma adequada para melhor promover o bem comum. Todavia, a cobrança de tributos não pode mais ser feita de forma abusiva ou extorsiva como realizada na Idade Média. As leis e o devido processo legal devem ser observados e respeitados. Sob o princípio da legalidade, destaca-se que no Código Tributário Nacional há algumas situações nas quais a Fazenda Pública fica impedida de cobrar dos contribuintes os seus créditos, a saber: exclusão, extinção e suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Por mais que as causas de suspensão da exigibilidade já acompanhem o CTN desde o seu nascimento em 25 de outubro de 1966, com exceção dos incisos V e VI do art. 151, incluídos pela Lei Complementar n° 104/2001, há ainda muitas dúvidas e divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema. Inclui-se, também, nessa problemática a ausência de previsão legal para a suspensão da exigibilidade dos créditos denominados de não-tributários. E é acerca dessas hipóteses de suspensão do crédito tributário e da possibilidade de utilizá-las analogicamente para os não-tributários que se ocupa este trabalho científico. 1. Dos Créditos Fazendários Os créditos fazendários são importância em dinheiro devida à Fazenda Pública e classificam-se em tributários e não-tributários. Detalhadamente, o art. 39, § 2° da Lei n° 4.320/64 define essas duas espécies de créditos fazendários que constituem a Dívida Ativa, in verbis: “Art. 39. Os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, serão escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias. § 1º – (…) § 2º – Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.” 1.1. Dos Créditos Tributários 1.1.1. Conceito Os créditos tributários são aqueles oriundos de tributos, prestações pecuniárias compulsórias lícitas, conforme art. 3° do CTN: “Art. 3° – Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” CARVALHO (1996, p. 253) define crédito tributário “como o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro.” Para MACHADO (1997, p. 119) o crédito tributário “É o vínculo jurídico, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional).” No entendimento de NOGUEIRA (1995, p. 291), “tem [o crédito tributário] a mesma natureza da obrigação, porque ele é a própria obrigação depois de apurada e matematicamente expressa em conceito absolutamente determinado, ou seja, em quantia.” BALEEIRO (1992, p. 497), em sua doutrina, assinala a diferença entre crédito tributário e obrigação tributária: “Uma e outra nascem do fato gerador que coloca o sujeito passivo na posição de devedor do Fisco. Resulta daí o crédito tributário, que se reveste da mesma natureza jurídica daquela obrigação. Vale dizer, o crédito tributário nasce da obrigação e é conseqüência dela. O Título III do CTN regula esse crédito tributário em sua essência e formação em todas as suas etapas. A obrigação principal é a de pagar o tributo ou pena pecuniária, em princípio. O crédito tributário converte essa obrigação ilíquida em líquida e certa, exigível na data ou no prazo da lei, inclusive por execução expedita.” Observa-se que, em todas as citações doutrinárias feitas, a distinção entre crédito tributário e obrigação tributária é destacada. O art. 140 do CTN reforça a autonomia do crédito tributário em relação à obrigação tributária, já que havendo qualquer vício formal no lançamento, a obrigação tributária não será afetada, uma vez que um novo lançamento poderá ser refeito, desde que dentro do prazo decadencial. “Art. 140. As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem.” Na verdade, o crédito tributário é a obrigação tributária após lançamento previsto no art. 142 do CTN. “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.” 1.1.2. Nascimento dos Créditos Tributários Com a subsunção do fato à norma, isto é, com a ocorrência no mundo real do fato hipoteticamente previsto na norma, surge a obrigação tributária principal (art. 113, §1º do CTN) que visa ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Entretanto, essa obrigação só poderá ser exigida com a sua constituição em crédito tributário, a qual se dá pelo lançamento, conforme art. 142 do CTN. Desta forma, o crédito tributário nasce com a sua constituição por ato administrativo vinculado e privativo da autoridade administrativa. Observa-se, então, que o lançamento tem natureza jurídica mista: uma é constitutiva do crédito tributário e outra, declaratória da obrigação tributária, pois a obrigação é anterior ao lançamento. Contudo, TORRES (2008, p. 271) diverge desse entendimento por vislumbrar que o crédito tributário nasce e extingue-se juntamente com a obrigação tributária, ou seja, no momento da ocorrência do fato gerador (art. 114 do CTN). Por tanto, para esse autor a natureza do lançamento é meramente declaratória. O STF[1] já se manifestou diversas vezes sobre essa divergência e afirma que “o crédito tributário não surge com o fato gerador. Ele é constituído com o lançamento”. Constituído o crédito tributário, o fisco poderá exigir administrativamente ou judicialmente o seu pagamento e a inscrição do não-pagador na Dívida Ativa. 1.2. Do Crédito Não-tributário 1.2.1. Conceito Os créditos não-tributários, como o próprio nome assinala, são todos aqueles créditos não provenientes da atividade tributária do Ente federativo, tais como, multas administrativas e custas processuais. 1.2.2. Do Nascimento dos Créditos Não-Tributários Como o crédito não-tributário é qualquer crédito não proveniente de obrigações tributárias, seria bastante exaustivo, quiçá inviável definir o momento exato do nascimento de tais créditos fazendários. Ao se tratar, porém, daqueles oriundos de imposição de multa administrativa, não há dúvidas de que esses créditos nascem do descumprimento voluntário de uma norma administrativa. Ilustra-se, então, com a seguinte situação: quando um condutor de um automóvel é multado pelo guarda de trânsito por dirigir veículo com carteira de habilitação vencida há mais de trinta dias – art. 162, V, do Código de Trânsito Brasileiro – nasce, neste momento, para o Estado um crédito não-tributário decorrente de multa administrativa. 2. Multas Administrativas e Tributos Os conceitos de multa administrativa e tributo possuem características bastante próximas, já que este é toda prestação compulsória, instituída em lei, que não constitui sanção de ato ilícito, e aquela se define por sanção pecuniária, instituída em lei, ao violador de norma administrativa. Assim, é fácil observar que a diferença existente entre multa administrativa e tributo está, essencialmente, na natureza jurídica de sanção daquela. 3. Suspensão da exigibilidade dos Créditos Fazendários 3.1. Suspensão da exigibilidade dos Créditos Tributários O curso natural dos créditos tributários é a sua extinção pelo pagamento. Entretanto, existem situações em que a exigibilidade do crédito tributário é suspensa por um determinado lapso temporal. Dessa forma, o sujeito ativo – Estado – fica impedido de cobrar tais créditos ao sujeito passivo – contribuinte. CARVALHO (1993, p. 288) acentua que só existe suspensão da exigibilidade do crédito tributário depois dele já lançado: “Por exigibilidade do crédito tributário havemos de compreender o direito que o credor tem de postular, efetivamente, o objeto da obrigação, e isto só ocorre, como é óbvio, depois de tomadas todas as providências necessárias à formalização da dívida, com a lavratura do ato de lançamento tributário.” No mesmo sentido é o entendimento de TORRES (2008, p. 231), pois “a suspensão só vai operar após a data em que o crédito se tornar exigível.” Já MACHADO (1993, p. 123) afirma que a causa de suspensão antes da constituição do crédito tributário não é, na realidade, suspensão, mas sim impedimento. Diversamente, são os ensinamentos de AMARO (2010, p. 404), com os quais este trabalho compartilha: “As causas de suspensão do crédito tributário (inclusive a moratória, incluída como tal pelo CTN) podem ocorrer mesmo antes do lançamento e, portanto, não pressupõem a existência de ‘crédito tributário’ no sentido que lhe deu o código (de entidade que só se constituiria pelo lançamento)”. ÁVILA (2009, p. 314) apóia a tese de possibilidade de suspensão do crédito tributário antes do lançamento: “Embora o Código Tributário Nacional faça referência ao crédito tributário, supondo-se já ter havido o lançamento, em muitos casos a suspensão opera-se em momento anterior à própria constituição do crédito tributário. Nestes casos, as causas suspensivas servirão para momentaneamente dispensar o contribuinte do cumprimento da obrigação tributária, seja principal ou acessória, mas jamais poderão impedir que a Autoridade administrativa proceda o lançamento, sobretudo porque a Fazenda Pública poderá decair do direito de constituir o crédito tributário.” São seis as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a saber: a moratória; o depósito do seu montante integral; as reclamações e os recursos administrativos; a concessão de medida liminar em mandado de segurança; a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial, e o parcelamento. Todas elas estão dispostas nos incisos do art. 151 do Código Tributário Nacional e serão analisadas no decorrer deste trabalho. Mas antes, é importante diferenciar os institutos da suspensão, extinção e exclusão do crédito tributário, pois não é raro eles causarem certa confusão. Pelo exposto neste item, depreende-se que suspensão é a impossibilidade da Fazenda Pública exigir, por meio de execução fiscal, o seu crédito enquanto qualquer uma das circunstâncias do art. 151 do CTN persistir. Já a extinção do crédito tributário faz desaparecer a obrigação tributária e as suas causas são: pagamento do crédito tributário; compensação; transação; remissão; decadência; prescrição; conversão do depósito em renda; pagamento antecipado; consignação em pagamento; decisão administrativa irrevogável; decisão judicial transitada em julgado e dação em pagamento de bens imóveis. Quanto à exclusão, essa ocorre quando a lei determina a não-exigibilidade do crédito tributário pela Fazenda Pública, ou seja, o lançamento não poderá ser efetuado. O crédito tributário sequer será constituído. O CTN, em seu art. 175, enumera a isenção e a anistia como causas de exclusão do crédito tributário. 3.1.1. Natureza Jurídica do Art. 151 do CTN O Capítulo III do Livro Segundo do Código Tributário Brasileiro apresenta-se como suspensão do crédito tributário. Entretanto, o art. 151 desse mesmo código assinala que os seus seis incisos são causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. “CAPÍTULO III Suspensão do Crédito Tributário Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I – moratória; II – o depósito do seu montante integral; III – as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança. V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI – o parcelamento. Parágrafo único. O disposto neste artigo não dispensa o cumprimento das obrigações assessórios dependentes da obrigação principal cujo crédito seja suspenso, ou dela conseqüentes.” Por esta dualidade, a doutrina pátria diverge acerca do tema. Sendo que para o posicionamento majoritário, o art. 151 do CTN suspende a exigibilidade do crédito tributário. CARVALHO (2009, p. 475) corrobora tal entendimento ao afirmar que “ocorrendo alguma das hipóteses previstas no art. 151 da Lei nº 5172/66, aquilo que se opera, na verdade, é a suspensão do teor da exigibilidade do crédito, não do próprio crédito que continua existindo tal qual nascera”. Já para o ilustre doutrinador MACHADO (1993) tal artigo tem natureza híbrida, pois há tanto hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário – art. 151, I, II e VI – quanto de suspensão do crédito tributário propriamente dito – art. 151, I, IV e V –. É importante esclarecer a pertinência do questionamento acerca da natureza jurídica do art. 151 do CTN, visto que a dinâmica do crédito tributário apresentar-se-á com diferenças significativas entre os dois posicionamentos doutrinários. Para aqueles que tratam os incisos art. 151 do CTN como causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a dinâmica será: “1. Ocorre o fato gerador; 2. Nasce a obrigação tributária; 3. Formaliza-se o crédito tributário pelo lançamento. Entretanto, tal crédito não poderá ser exigido pela Fazenda Pública.” Já para aqueles que visualizam no art. 151 do CTN hipóteses de suspensão do próprio crédito tributário, a dinâmica é outra: “1. Ocorre o fato gerador; 2. Nasce a obrigação tributária, porém o Fisco estará impedido de promover o lançamento. Desta forma, o crédito tributário não será formado.” Ressalta-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não se posicionou acerca dessa temática. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF) tende a seguir o posicionamento doutrinário de Hugo de Brito Machado. Além dessa celeuma, discute-se se, ainda, as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário elencadas nos incisos do art. 151 do CTN são taxativas ou exemplificativas. Para a doutrina não há dúvidas de que o rol do art. 151 do CTN é taxativo, sob o fundamento do inciso I do art. 111 do CTN que exige interpretação literal da legislação tributária que disponha sobre suspensão do crédito tributário. Todavia, pragmaticamente, é fácil observar o caráter exemplificativo deste artigo, pois o próprio CTN tem institutos com efeitos equiparados, como, por exemplo, o art. 161, § 2º. Por fim, antes de se apresentar as causas de suspensão do crédito tributário, é oportuno relembrar que mesmo suspenso o crédito tributário, o cumprimento de sua obrigação acessória não é dispensável (art. 151, parágrafo único do CTN) e que a obrigação tributária que o originou não será afetada, conforme o art. 140 do CTN. Possibilitando-se, assim, exigência imediata do crédito tributário quando extinta a causa da sua suspensão. 3.1.2. Hipóteses de Suspensão de Exigibilidade do Crédito Tributário 3.1.2.1. Da Moratória Elencada no inciso I do art. 151 e disciplinada nos arts. 152 a 155, todos do CTN, a moratória é a única causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário tratada de forma detalhada pelo CTN. Entretanto, faltou-lhe a sua conceituação, a qual é tradicionalmente definida pela doutrina como a prorrogação do prazo para o pagamento do crédito tributário. CARVALHO (2009, p. 508) conceitua moratória como “a dilação do intervalo de tempo, estipulado para o implemento de uma prestação, por convenção das partes, que podem fazê-lo tendo em vista uma execução unitária ou parcelada.” Acepção semelhante é a de AMARO (2010, p. 405), já que a trata como “prorrogação do prazo (ou na concessão de novo prazo, se já vencido o prazo original) para o cumprimento da obrigação”. Já ÁVILA (2009, p. 316) a compara com o parcelamento para diferenciá-la e melhor defini-la: “A moratória e o parcelamento são institutos jurídicos interligados. As disposições relativas à moratória são aplicadas subsidiariamente ao parcelamento (art. 155-A, §2°). A moratória consiste na concessão de um novo prazo para o pagamento do tributo, enquanto o parcelamento é a decomposição do crédito tributário em prestações.” Esse alargamento do prazo para o pagamento do tributo devido não é concedido aleatoriamente pela autoridade administrativa, pois a moratória, como todas as causas de suspensão do crédito tributário, deve ser estabelecida em lei, conforme leitura do art. 97, VI do CTN. Segundo doutrina abalizada de CARVALHO (2009, p. 508): “Modificar o prazo de implemento das prestações tributárias, ampliando-o, não é um ato discricionário que a autoridade administrativa celebre de acordo com critérios de conveniência ou oportunidade. Não. Trata-se de um ato vinculado que há de ser presidido pelos ditames da lei, quer na moratória de caráter geral, que na de caráter individual.”  Contudo, para a sua concessão, não há exigência de lei específica, uma vez que ela não está disciplinada no rol do art. 150, §6º da CRFB/88. Bastando-se, portanto, lei ordinária para a concessão de tal benefício fiscal. Essa lei, necessariamente, deverá tratar do prazo de duração do favor, das condições da concessão do favor em caráter individual, dos tributos em que ela se aplica, do número de prestações e de seus vencimentos, além das garantias que devem ser fornecidas pelo beneficiado no caso de concessão em caráter individual. Segundo o art. 152 do CTN, a moratória pode ser de caráter geral ou individual. A primeira é concedida diretamente por lei, independente de autorização da autoridade administrativa. Já a segunda, é concedida caso a caso por despacho da autoridade administrativa, mediante lei autorizadora. A lei que concede a moratória em caráter geral ou que autorize a sua concessão em caráter individual poderá ser expedida pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo a que se refere. Todavia se deve atentar, ao tratar de moratória de caráter geral, para as chamadas moratórias heterônomas – art. 152, I, ‘b’, do CTN –, que são aquelas concedidas pela União a tributos estaduais, distritais ou municipais, desde que haja concessão simultânea quanto aos tributos federais. Embora ainda não haja decisão judicial acerca da recepção desse dispositivo, observa-se flagrante inconstitucionalidade e ofensa ao pacto federativo, art. 150, §6º da CRFB/88. A moratória individual não gera direito adquirido e poderá ser revogada de ofício quando o beneficiário não satisfazia ou não mais satisfaz as condições ou quando o sujeito passivo não cumpria ou deixou de cumprir os requisitos para sua concessão. Por último, assinala-se que apenas, salvo dispositivo legal em contrário, os créditos tributários definitivamente constituídos à data da lei – no caso das moratórias de caráter geral – ou do despacho que conceder a moratória individual ou cujo lançamento já tenha sido iniciado àquela data por ato regularmente notificado ao sujeito passivo poderão ser beneficiados pelo instituto em análise. 3.1.2.2. Do Depósito no seu Montante Integral O contribuinte, ao propor ação judicial em face da Fazenda Pública para questionar o valor do crédito tributário cobrado ou para anulá-lo, poderá realizar depósito judicial, em dinheiro e no valor integral, com intuito de impedir o ajuizamento da ação de execução pela Fazenda Pública e evitar a correção monetária. Não há dúvidas de que o depósito também poderá ser utilizado nos processos administrativos, porém seus efeitos apenas prevenirão a mora, uma vez que a exigibilidade do crédito tributário já estará suspensa em função da impugnação ou do recurso administrativos. Deste modo também são os ensinamentos de CARVALHO (2009, p. 513): “É somente quando efetuado na esfera judiciária que surge o depósito no seu montante integral como causa suspensiva da exigibilidade, posto que feito perante a Administração, seja ao impugnar o lançamento, seja ao interpor recurso aos órgãos superiores, a virtude suspensiva já está assegurada por tais expedientes.” SOUZA (2007, p. 168) aponta que a finalidade do depósito no seu montante integral é de impedir a incidência de juros, além de suspender a exigibilidade do crédito tributário: “O depósito do montante integral do tributo é medida que visa suspender a exigibilidade do crédito tributário e elidir a incidência de acréscimos moratórios. O contribuinte ou responsável pode depositar (não é pagar) o montante que está sendo cobrada, e, quando isso ocorrer, sempre o faz com segunda intenção, que é, invariavelmente, questionar o depósito. Ou seja, o sujeito passivo deposita o valor que está sendo cobrado, para suspender a exigibilidade desse valor e para estancar a incidência de acréscimos moratórios, enquanto discute o crédito tributário. O depósito pode ser administrativo ou judicial.” É importante esclarecer que esse depósito não se confunde com a consignação em pagamento, que consiste no depósito, pelo devedor, da coisa devida, com o objetivo de liberar-se da obrigação. No depósito do art. 151, II do CTN, o contribuinte não deseja realizar o pagamento, enquanto que na consignação em pagamento o devedor quer realizar o pagamento, mas o devedor não o aceita por motivos outros. Assim, por não se tratar de hipótese de consignação em pagamento, o termo montante integral diz respeito ao valor apontado pela Fazenda Pública. Não havendo a possibilidade de o depositante impugnar esse valor. Conjugando dessa idéia, é a doutrina de MACHADO (2007, p. 213): “Para suspender a exigibilidade do crédito tributário, o depósito deve corresponder ao valor deste tal como pretendido pela Fazenda Pública, e não aquele efetivamente devido. O depósito é feito exatamente nos casos em que o contribuinte entende não ser devido o tributo. Se entende que o valor devido é menor, correto será pagar o que considera devido e depositar apenas o que entende ser indevido.” ÁVILA (2009, p. 320) também ressalta a necessidade de depósito ser em dinheiro e no valor integral para que a exigibilidade do crédito tributário seja efetivamente suspensa: “O depósito sempre deve ser em dinheiro e no valor integral. Não é possível, portanto, que o contribuinte ofereça caução ou outra forma de garantia do crédito tributário, a fim de obter a suspensão da sua exigibilidade.” Na jurisprudência, a Súmula nº 112 do STJ assinala que o depósito deverá ser integral e em dinheiro. Quanto à exigência de o depósito ser no seu montante integral não há qualquer problema, uma vez que tal requisito está insculpido no art. 151, II do CTN. Além de ele ter também a função de garantia para a Fazenda Pública. No entanto, o CTN não faz qualquer menção de que o depósito deva ser feito somente em dinheiro. A exigência extra legem de depósito somente em dinheiro traz enorme prejuízo aos contribuintes hipossuficientes economicamente, pois estes não conseguem suspender o crédito tributário for falta de dinheiro. O mesmo não acontece com os abastados, pois não encontram dificuldades para suspendê-lo. Há, sem dúvidas, uma flagrante violação ao princípio da isonomia. Diante dessa situação, o STJ deveria mitigar o conteúdo desta Súmula, já que, sob o fundamento do princípio do acesso à Justiça, poderia aceitar garantias diferentes de dinheiro para a suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Aplicando-se, por analogia, a LEF que aceita bens diferentes de dinheiro na penhora. Efetuar o depósito é direito subjetivo do contribuinte, isto é, trata-se de faculdade do sujeito passivo da obrigação tributária. Assim sendo, o contribuinte poderá a qualquer momento requerer, por meio de uma petição singela, o depósito, desde que não haja o trânsito em julgado da decisão. A jurisprudência pátria comunga dessa assertiva: “DEPÓSITO JUDICIAL. ART. 151, II, DO CTN. O depósito previsto no art. 151, II, do Código Tributário Nacional é um direito do contribuinte. O juiz não pode ordenar o depósito, nem o indeferir.” (STJ – REsp 324.012/RS – 1ª Turma – Relator Ministro Humberto Gomes de Barros – DJ 05/11/2001) “TRIBUTÁRIO. CPMF. DEPÓSITO JUDICIAL. É direito do sujeito passivo da obrigação tributária suspender a exigibilidade do crédito tributário mediante depósito do seu montante integral.” (TRF 4ª Região – AI 97.04.03108-4/RS – 1ª Turma – Relator Desembargador Gilson Langaro Dipp – DJ 27/08/1997) Diante disso, resta claro que o art. 38 da Lei nº 6.830/80 – Lei de Execução Fiscal – está eivado pela inconstitucionalidade, já que exige o depósito no valor do débito para a propositura de ação anulatória de crédito tributário. “Art. 38 – A discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública só é admissível em execução, na forma desta Lei, salvo as hipóteses de mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos.” Há muito tempo a jurisprudência entende que o depósito do art. 151, II do CTN não é pressuposto da ação anulatória: “TFR[2] Súmula nº 247 – 13-10-1987 – DJ 20-10-87 Ação Anulatória do Débito Fiscal – Depósito Não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o Art. 38 da Lei 6.830, de 1980.” Embora o depósito seja uma faculdade do contribuinte, os valores não poderão ser levantados pelo depositante, muito menos convertido em renda pela Fazenda Pública, antes do trânsito em julgado, conforme súmula do TRF da 4ª Região: “Súmula nº 18 – O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.DJ (Seção II) de 02-12-93, p.52558.”
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O art. 185 do CTN em confronto com a súmula n. 375 do STJ – Atual posicionamento jurisprudencial
Este artigo traz considerações relacionadas ao instituto da fraude à execução fiscal, previsto no art. 185 do CTN, confrontando-o com o enunciado da Súmula n. 375, do STJ. Objetiva-se demonstrar que a decretação da fraude à execução fiscal prescinde da demonstração de má-fé do adquirente de bem garantidor da satisfação do crédito tributário. Será abordada também a evolução jurisprudencial do STJ sobre o tema, demonstrando que seu posicionamento evoluiu para adequar as especificidades da execução fiscal à súmula em questão.
Direito Tributário
1. Considerações iniciais O processo de execução, regulado pelo Livro II do Código de Processo Civil, está suscetível a atos perpetrados pelo sujeito passivo (devedor) cuja objetivo repercutirá negativamente na satisfação do crédito pelo sujeito ativo (credor). Tais atos comumente implicam no desfazimento de seu patrimônio, ou melhor, na sua alienação a terceiros. Se esse desfazimento ocorre durante o curso do processo de execução forçada, o credor pode requerer a decretação de fraude à execução, cujo efeito principal será a declaração da ineficácia do ato de alienação do patrimônio do devedor. 2. A fraude à execução fiscal: exegese do art. 185 do CTN A fraude à execução, na seara tributária, tem inequívoco regramento conferido pelo art. 185 do CTN, com redação modificada pela Lei Complementar n. 118/2005, cuja redação se transcreve: “Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.” Sabe-se que o cumprimento das obrigações assumidas pelo devedor é garantida pelo seu patrimônio. O autor Ricardo Alexandre, citando a definição de “obrigação” dada por Washington de Barros Monteiro, dá a exata dimensão do que ora se afirma: “Obrigação é uma relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio.” (ALEXANDRE, 2007, p. 255). Assim, tem-se que a alienação do patrimônio pode frustrar o direito do credor seu crédito satisfeito. Não é nenhuma novidade que a relação tributária é eminentemente obrigacional, assumindo o ente tributante o papel de credor, e o sujeito de direitos realizador do fato gerador previsto em lei o papel de devedor. Na ocasião em que o fato gerador é realizado, surge o dever jurídico de pagamento da obrigação tributária, cujo adimplemento é garantido pelo patrimônio do devedor. Quando da inocorrência do pagamento do tributo, iniciam-se procedimentos administrativos que culminarão na propositura de execução fiscal contra o sujeito passivo da obrigação. Essa execução baseia-se num título executivo extrajudicial denominado “certidão de dívida ativa”, sendo que o processo para execução forçada do patrimônio do devedor é regulado principalmente pela Lei n. 6.830/80, com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Se o devedor fiscal, ainda durante os procedimentos administrativos para a cobrança judicial de seu débito, pratica atos tendentes a diminuir seu patrimônio, mostra-se perfeitamente cabível a decretação da fraude à execução fiscal, independentemente da intenção do terceiro que adquire o bem garantidor da dívida fiscal. Em outras palavras, mostra-se desnecessário a comprovação de má-fé do adquirente de bem cujo alienante é devedor fiscal. Isso porque os requisitos para reconhecimento da fraude à execução fiscal são diferentes dos requisitos para se reconhecer a fraude à execução pura e simples. Como é notório, há um divisor de águas entre a fraude à execução fiscal e fraude à execução comum, regida pelo Código de Processo Civil; enquanto na execução comum aplicam-se somente os princípios do Código de Processo Civil, especialmente o art. 593, na execução fiscal há normas próprias, traçadas pelo Código Tributário Nacional e pela Lei de Execuções Fiscais, apenas com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Nesse sentido, o art. 185 do Código Tributário Nacional, com a redação dada pela Lei Complementar 118/05 presume fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito em dívida ativa. Obviamente que a aplicação do instituto da fraude à execução fiscal deverá ter um marco temporal, caso contrário o devedor tributário jamais poderá alienar seu patrimônio, sob pena de ter essa transação declarada ineficaz. Assim, entendemos que o devedor fiscal somente poderá ter contra si declarada a fraude à execução fiscal caso aliene seu patrimônio após ter ciência inequívoca da existência de regular inscrição em dívida ativa, devendo, portanto, haver uma comunicação formal acerca da inscrição (ALEXANDRE, 2007, p. 456). Observar que, verificada a situação acima descrita, surge a presunção de alienação fraudulenta, o que autoriza que o MM. Juízo onde se processa a execução fiscal declare a ineficácia da alienação perante a Fazenda Pública credora. Essa presunção de fraude é juris et de jure. Não importa, portanto, a data do fato gerador, do lançamento ou da propositura da execução fiscal. Inscrito o crédito em dívida ativa, haverá presunção absoluta de fraude quando os atos de alienação ou oneração, ou mesmo seu começo, caso ocorreram após o crédito tributário ter sido regularmente inscrito em dívida ativa. No mesmo sentido, eis a lição de Ricardo Alexandre: “Se no passado era necessária a ciência oficial do processo de execução (citação), hoje deve ser considerada indispensável comunicação formal da inscrição em dívida ativa. Comprovada a ciência, a presunção será de natureza absoluta, não se aceitando qualquer prova em sentido contrário” (ALEXANDRE, 2007, p. 456). Da doutrina de Helena Delgado Ramos Fialho Moreira (em trabalho que analisou pormenorizadamente as alterações trazidas pela Lei Complementar n. 118/2005), pode-se concluir inequivocamente que a fraude à execução fiscal enseja presunção absoluta: “Com a nova disciplina dada ao art. 185 do CTN – em que foi suprimida do caput, quanto ao crédito tributário regularmente inscrito, a expressão ‘em fase de execução’ – , observa-se um sensível endurecimento no trato da presunção de fraude quando da alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito com a Fazenda Pública. Para chegar a tal conclusão, deve-se primeiramente atentar para a circunstância de que a norma em comento veicula uma presunção absoluta de fraude, a subsistir ainda que evidenciada a boa-fé do desavisado adquirente, na ausência de outros bens do patrimônio do vendedor que sejam hábeis a responder pelo crédito tributário (exceção subsistente no parágrafo único do art. 185 do CTN)”. (MOREIRA, 2005, grifamos). Assim, tem-se uma presunção absoluta de fraude, tendo como único argumento cabível para seu afastamento a reserva, pelo devedor, de bens ou rendas suficientes para total pagamento da dívida inscrita, conforme preceitua o parágrafo único do art. 185 do CTN. Percebe-se que o dispositivo ora analisado não prevê como requisito necessário para a decretação da fraude a má-fé do terceiro que adquire o patrimônio do devedor fiscal. 3. A prescindibilidade da boa-fé do adquirente Dessa forma, pode-se concluir que o ordenamento jurídico não exige, para reconhecimento de fraude à execução fiscal, a má-fé do adquirente; se a má-fé fosse imprescindível, facilitar-ser-ia sobremaneira a frustração da busca pelo crédito tributário que, dada sua característica de ser público, deve prevalecer sobre o interesse particular. Afirma-se isto porque, dada a dificuldade de se comprovar a má-fé das partes em qualquer caso, bastaria que o devedor, ciente da existência de demandas fiscais contra ele, iniciasse a alienação de seus bens, em conluio com os adquirentes, desfazendo-se do patrimônio necessário para o cumprimento de suas obrigações tributárias, o que em último caso significa descumprimento de suas obrigações para com a sociedade. Verificada hipótese de fraude à execução fiscal, não se perquire acerca da boa-fé do adquirente; a boa-fé é parâmetro cuja aplicabilidade deve ser restrita às execuções comuns, havidas entre particulares, cujos interesses estão na mesma hierarquia. Na seara fiscal, na qual a responsabilidade dos devedores é muito mais rigorosa (tendo em vista a natureza do crédito perseguido), a norma (art. 185 do CTN) determina apenas requisitos objetivos para a caracterização da fraude à execução, quais sejam: a) débito inscrito em dívida ativa; b) alienação ou oneração do patrimônio do devedor; e c) inexistência de remanescente patrimonial para pagamento da dívida inscrita. Verificados os requisitos acima, tem-se uma presunção absoluta de fraude à execução, como visto acima, sem que se perquire acerca da intenção das partes pactuantes da alienação ou oneração patrimonial. Corolário lógico do regime jurídico de direito público, para decretação de fraude à execução, no bojo de um processo de execução fiscal, o Fisco está sujeito a requisitos outros que um credor “normal”, em uma execução proposta em estrita observância à legislação ordinária. Nesse sentido, devemos lembrar que tais prerrogativas são atribuídas à Fazenda Pública pela legislação especial tendo em vista a supremacia do interesse público ao interesse privado. Dessa forma, já que a Fazenda Pública atua preponderantemente na execução de créditos tributários, e que tais recursos ingressam nos cofres públicos para o cumprimento de metas estatais previamente fixadas, sendo as válvulas motrizes dos recursos públicos, a cobrança dos créditos tributários devem ser realizadas com observância de normas próprias. Tais cautelas têm como fundamento primeiro a proteção da sociedade como um todo, haja vista que o inadimplemento do crédito tributário redundará em menos recursos em “caixa” para construção de hospitais, escolas, estradas. Quando um crédito tributário não é quitado, não é um credor isolado que deixa ter seu direito satisfeito, mas sim a população como toda é prejudicada. 4. A súmula n. 375 do STJ A despeito do que ora se argumenta, o Superior Tribunal de Justiça editou o verbete sumular n. 375, que contém os exatos dizeres: “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.” Não há como negar que esse enunciado contraria a dicção legal do art. 185 do CTN, pois, como visto acima, a lei indaga a intenção do adquirente para caracterizar a fraude à execução fiscal. Imperioso frisar que a outra exigência da súmula, qual seja, o registro da penhora do bem alienado, também contraria o CTN, na medida em que a publicidade conferida à contrição serve para prevenir terceiros de boa-fé, ou ainda mais, caracterizar a má-fé do adquirente. Mas repete-se: desnecessária é a aferição da intenção do adquirente quando se está diante de uma fraude à execução fiscal, cujos requisitos para configuração são apenas objetivos. Num primeiro momento, dada a flagrante contrariedade ao CTN, cogitou-se que a súmula tinha como precedentes apenas execuções de títulos judiciais e extrajudiciais havidas entre particulares, sem a concorrência de crédito público. Mas não: da leitura detalhada dos precedentes que culminaram da edição do verbete, percebe-se a existência também de execuções de créditos tributários[1]. Entretanto, entendemos, a teor do disposto nos itens anteriores, que a Súmula n. 375 não poderia ser aplicada às execuções fiscais. 5. Posterior adequação ao disciplinado pelo art. 185 do CTN O Superior Tribunal de Justiça, após a edição da referida súmula, vem evoluindo seu entendimento de forma a adequar o seu enunciado à determinação constante no Código Tributário Nacional. Desta feita, verifica-se que a literalidade da súmula não é pura e simplesmente aplicada aos casos de execução fiscal. Já em alguns julgados contemporâneos à edição da súmula os Ministros apresentam ressalvas de posicionamentos, entendendo necessário o registro da penhora apenas para fins da presunção absoluta de fraude. A presunção relativa, por sua vez, é extraída da simples alienação patrimonial após a inscrição do crédito tributário em dívida ativa. Veja-se, por exemplo, ementa do REsp. 726.323/SP, publicado no DJe de 17.08.2009, relatado pelo Ministro Mauro Campbell Marques que, apesar de curvar-se à jurisprudência da casa, ressalvou seu ponto de vista quanto ao teor da súmula ora comentada: “PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 185, DO CTN. BEM ALIENADO APÓS A CITAÇÃO VÁLIDA E ANTES DO REGISTRO DA PENHORA. APLICAÇÃO DO ENUNCIADO DA SÚMULA N. 375, DO STJ. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. 1. “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Enunciado n. 375 da Súmula do STJ, Rel. Min. Fernando Gonçalves, em 18⁄3⁄2009). 2. Ressalva do ponto de vista do relator que tem a seguinte compreensão sobre o tema: a) Na redação anterior do art. 185 do CTN, exigia-se apenas a citação válida em processo de execução fiscal prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorriam o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas até 8.6.2005); b) Na redação atual do art. 185 do CTN, exige-se apenas a inscrição em dívida ativa prévia à alienação para caracterizar a presunção relativa de fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente (regra aplicável às alienações ocorridas após 9.6.2005); c) A averbação no registro de imóveis da certidão de inscrição em dívida ativa, ou da certidão comprobatória do ajuizamento da execução, ou da penhora cria a presunção absoluta de que a alienação posterior se dá em fraude à execução em que incorrem o alienante e o adquirente; (…)” (grifamos) Importante observar que a ressalva de posicionamento já externava certa contrariedade, por Ministro pertencente à 1ª. Seção do STJ (compostas pela 1ª. e 2ª. turmas, responsáveis pela matéria tributária julgada na corte), relativamente ao teor da súmula 375, que não se refere às presunções relativas ou absolutas de fraude à execução. Observa-se então que as decisões do STJ, notadamente provenientes da 1ª. Seção, foram conformando a dicção da súmula aos requisitos do art. 185 do CTN. Assim, gradativamente os julgados passaram a atribuir mais responsabilidades ao terceiro adquirente do bem que, a despeito da inexistência de registro da penhora, deveria comprovar que procedeu a consultas simples para verificação acerca da litigiosidade do bem que estava transacionando. Assim, o STJ passou a acolher tese propagada pelas Fazendas Públicas no sentido de que apenas a verificação acerca de existência de penhoras eventualmente registradas não poderiam ser a única forma de se verificar a idoneidade dos vendedores do imóvel. Isso porque existem outras diligências, perfeitamente exigíveis do homem médio, no sentido de se verificar a idoneidade do alienante do imóvel – a exigência de uma simples certidão de regularidade fiscal (conhecida como CND), emitida através da Internet no site da Receita Federal do Brasil, seria capaz de identificar a possibilidade de perda futura do imóvel em razão da alienação fraudulenta. Além disso, uma simples certidão emitida pelo cartório distribuidor de feitos executivos, muitas vezes obtida também pela internet, já seria suficiente para dar ao adquirente indícios de fraude à execução. Para confirmar o que se afirma, imprescindível mencionar recente julgado do Superior Tribunal de Justiça[2], no qual se decidiu que, na alienação de imóveis litigiosos, ainda que não haja averbação dessa circunstância na matrícula, subsiste a presunção relativa de ciência do terceiro adquirente acerca da pendência judicial, pois é impossível ignorar a publicidade do processo. Ainda prosseguiu o tribunal no sentido de que, em razão da publicidade do processo, o terceiro adquirente deve acautelar-se, obtendo certidões dos distribuidores judiciais para fins de verificar a existência de processos de alienante que, por sua vez, possam acarretar riscos de perda futura do bem transacionado. Por fim, o aresto foi taxativo: somente se pode considerar de boa-fé o comprador que toma mínimas cautelas para a segurança jurídica de sua aquisição. Sobre essas cautelas, bem explicita a Relatora do acórdão, Ministra Nancy Andrighi: “O adquirente de qualquer imóvel deve acautelar-se, obtendo certidões dos cartórios distribuidores judiciais que lhe permitam verificar a existência de processos envolvendo o vendedor, dos quais possam decorrer ônus (ainda que potenciais) sobre o imóvel negociado.” Em artigo que abordou o tema sob um enfoque diferente, Daniel Amorim Assunção Neves afirmou que o posicionamento exarado no RMS 27.358/RJ foi inovador no sentido de que contrariou posicionamento sumulado pelo próprio Tribunal, o que teria causado estranheza no mundo jurídico (NEVES, 2010). Ora, respeitada a posição do professor, ante a dicção do art. 185 do CTN, o entendimento exarado no julgado não poderia causar estranheza no mundo jurídico; o que seria apto a causar estranheza no mundo jurídico (o que efetivamente ocorreu) nem foi a edição da Súmula n. 375, mas sim a sua aplicação indiscriminada às execuções fiscais, em manifesta inobservância ao regramento previsto pelo CTN. Observa-se que essa aplicação indiscriminada vem sendo mitigada pelo próprio STJ, adequando o conteúdo de sua súmula às especificidades que a execução fiscal exige. A relativização do teor da súmula para as execuções fiscais foi sacramentada em comento ganhou contornos mais nítidos com o recente julgamento do Recurso Especial n. 1.140.990/PR, resolvido sob a sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), no qual se decidiu que a Súmula n. 375 não se aplica às execuções fiscais. Pela relevância do julgado, transcrevem-se alguns trechos de sua ementa, alertando que a sua leitura integral é fundamental: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC.  DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. ALIENAÇÃO DE BEM POSTERIOR À CITAÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE REGISTRO NO DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO – DETRAN. INEFICÁCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. ARTIGO 185 DO CTN, COM A REDAÇÃO DADA PELA LC N.º 118⁄2005. SÚMULA 375⁄STJ. INAPLICABILIDADE. 1. A lei especial prevalece sobre a lei geral (lex specialis derrogat lex generalis), por isso que a Súmula n.º 375 do Egrégio STJ não se aplica às execuções fiscais. (…) 5. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas. (…) 9. Conclusivamente: (a) a natureza jurídica tributária do crédito conduz a que a simples alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, pelo sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito, gera presunção absoluta (jure et de jure) de fraude à execução (lei especial que se sobrepõe ao regime do direito processual civil); (…) (c) a fraude de execução prevista no artigo 185 do CTN encerra presunção jure et de jure, conquanto componente do elenco das “garantias do crédito tributário”; (…) 11. Recurso especial conhecido e provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08⁄2008.” 6. Conclusão Considerando todo o discorrido, pode-se inferir que o instituto da fraude à execução possui regramentos diversos quando se está diante da satisfação de crédito público ou privado, justificando-se essa diferença em virtude da natureza do direito perseguido. A prevalência do interesse público sobre o particular, pilar do Direito Administrativo, deve ser considerado no âmbito tributário para diminuir as execuções frustradas pela conduta dos devedores, de modo que eventual prejuízo do terceiro adquirente deve ser resolvido em ação de perdas e danos contra o alienante (devedor fiscal), em vez de ser distribuída por toda a sociedade. A fraude à execução fiscal está disciplinada que art. 185 do CTN, que dispõe sobre requisitos objetivos para caracterização da alienação fraudulenta, sendo certo que não se perquire a respeito da intenção do adquirente. A despeito do teor da norma, o STJ utilizou execuções fiscais como precedentes para a elaboração da sua súmula n. 375. Assim, a aplicação do entendimento sintetizado no verbete em execuções fiscais contraria frontalmente o regramento da fraude previsto no CTN. Diante dessa contrariedade, o próprio STJ, inicialmente através de suas turmas responsáveis pelo julgamento da matéria tributária, evoluiu seu entendimento no sendo de adequar o enunciado da súmula ao teor do art. 185 do codex tributário. A evolução jurisprudencial caminhou para a mitigação da aplicação da súmula aos executivos fiscais; após, finalmente, culminou em julgamento representativo de controvérsia que determinou a inaplicabilidade da Súmula n. 375 à decretação de fraude à execução fiscal. Assim, entendemos que o atual estágio da jurisprudência do STJ repara entendimento equivocado originado na época da edição da súmula, posto que este verbete jamais poderia ser aplicado à execução forçada de créditos tributários.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/o-art-185-do-ctn-em-confronto-com-a-sumula-n-375-do-stj-atual-posicionamento-jurisprudencial/
Breves apontamentos sobre a obrigação de utilizar o Sistema de Controle de Produção de Bebidas – SICOBE
O artigo analisa a natureza jurídica da obrigação de utilização do Sistema de Controle de Produção Bebidas, tal qual previsto na Lei nº. 11.827, de 2008.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O Sistema de Controle de Produção de Bebidas – SICOBE é um complexo sistema de controle de produção industrial, composto de equipamentos de contagem e identificação de imagens, geradores e leitores de códigos eletrônicos, sistemas de comunicação e transmissão de dados, hardware e software específicos e dispositivos de integração. O sistema foi desenvolvido conjuntamente pela Receita Federal do Brasil – RFB e pela Casa da Moeda do Brasil – CMB, e é de utilização compulsória pelas pessoas jurídicas que industrializem os produtos classificados nos códigos 21.06.90.10 Ex 02, 22.01, 22.02 (exceto os Ex 01 e Ex 02 do código 22.02.90.00) e 22.03, da Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – Tipi, (Decreto nº 6.006/06). Grosso modo: os fabricantes de águas, refrigerantes e cervejas. O SICOBE é regido, basicamente, pela Lei nº. 11.827/08, que acrescentou dispositivos à Lei nº. 10.833/03. Por remissão, também rege o instituto a Lei nº. 11.488/07. A fim de regulamentar os dispositivos legais, foi editada a Instrução Normativa RFB nº. 869/2008, posteriormente alterada pelas instruções normativas nºs. 931/2009 e 972/2009. O valor do ressarcimento devido à Casa da Moeda pela utilização do sistema é previsto no Ato Declaratório Executivo RFB nº. 61/2008. Por fim, os estabelecimentos obrigados a utilizar o sistema são discriminados em Ato Declaratório Executivo editado pela Coordenação-Geral de Fiscalização da RFB. 2. OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS PRINCIPAIS E ACESSÓRIAS: BREVE RECAPITULAÇÃO Numa simplificação um tanto acanhada, pode-se dizer que classificar um instituto segundo sua natureza jurídica é enquadrá-lo em uma das categorias de estudo da Ciência do Direito. Nossa abordagem se dará dentro da ciência do Direito Tributário. O direito tributário positivo brasileiro impõe às pessoas que se relacionem com os fatos jurídicos tributários duas categorias de deveres jurídicos, que chama de “obrigações tributárias”: as principais e as acessórias (Código Tributário Nacional, art. 113). A caracterização da “obrigação tributária principal” não oferece maiores dificuldades (ainda que se venha a questionar a dicotomia obrigação tributária/créditos tributário ou mesmo o agrupamento de deveres diversos sob a rubrica de “obrigações”): é a obrigação de pagamento do tributo ou de penalidade pecuniária (art. 113, §1º, CTN). A “obrigação tributária acessória”, por sua vez, consiste num dever de fazer, não fazer ou tolerar [algo], a fim de auxiliar o ente tributante na fiscalização e arrecadação de tributos (art. 113, § 2º, CTN). A abertura da Lei – que se encontra consubstanciada tanto na expressão “prestações positivas ou negativas” quanto na expressão “qualquer situação”, do art. 115 do CTN – como se observa, permite classificar como “obrigação tributária acessória” praticamente qualquer conduta imposta aos sujeitos passivos, desde que conexas com a fiscalização e arrecadação de tributos. Em oposição, no entanto, com a obrigação tributária principal, costuma-se qualificar as obrigações tributárias acessórias como não-patrimoniais. Isso quer dizer que o objeto da obrigação, isto é, o conteúdo da prestação, analisado apenas o liame jurídico entre o sujeito ativo e ao sujeito passivo, não possui conteúdo patrimonial. A conduta imposta ao sujeito passivo, pela obrigação acessória, quando analisada a relação jurídica obrigacional, não denota conteúdo patrimonial direto. Não há dever de prestar, ao ente tributante, algo que se possa exprimir em dinheiro. Isso não quer dizer, contudo, que as obrigações acessórias não criem ônus financeiro ao contribuinte. Bem o oposto: não raras vezes é o sujeito passivo obrigado a arcar com ônus financeiro a fim de cumprir a obrigação tributária acessória. É preciso diferenciar entre a conduta de caráter intrinsecamente patrimonial de “dar dinheiro ou algo equivalente” ao ente tributante (corriqueiramente, pagar o tributo), e fazer, deixar de fazer ou tolerar que faça algo no interesse deste ente tributante, assumindo, com isso, certo ônus financeiro. Não há, na obrigação acessória, a transferência de riqueza própria da obrigação principal entre o contribuinte e o ente tributante. Esse ônus financeiro em que o sujeito passivo pode incorrer se trata de um dispêndio acidental para atender um dever outro que não o de pagar o tributo. O conteúdo da prestação da obrigação acessória é sempre diverso do simples “dar quantia”: pode ser um “emitir nota fiscal de venda”, “escriturar as receitas e despesas segundo os princípios aceitos de contabilidade”, ou mesmo um “permitir a fiscalização do local de produção”. O conteúdo dessas obrigações, à evidência, não é patrimonial, ainda que, para cumpri-las, deva o sujeito passivo efetuar gastos (seguindo um dos exemplos anteriores: adquirindo os formulários seriados para emissão de notas fiscais). Assim leciona, sobre o ponto, ROQUE ANTONIO CARRAZZA: “De regra, para cumprir seus deveres instrumentais, o contribuinte, ou o terceiro a ele ligado, precisa mobilizar pessoal, efetuar gastos (adquirindo livros, mandando imprimir notas fiscais etc.), dispor de espaço (para acondicionar as guias de recolhimento, para possibilitar, aos agentes do Fisco, o exame da documentação etc.), contratar mão-de-obra especializada (contadores, advogados, economistas etc.), e assim por diante. Tais providências demandam, indubitavelmente, tempo e dinheiro.” [1] O que se disse não se altera mesmo no caso de eventual dispêndio ter como beneficiário o próprio ente tributante (o que ocorreria, p. ex., se um Estado Federado fornecesse onerosamente os talonários para emissão de nota fiscal). Isso porque, mesmo nessa hipótese, o objeto da obrigação acessória permanece inalterado, figurando, ainda, o ente tributante na dada relação obrigacional secundária (a obrigação referente à aquisição do objeto móvel – os formulários) como mero elemento acidental (é irrelevante, para a caracterização desta segunda obrigação, a presença ou ausência do ente público em qualquer dos pólos da relação jurídica). Não sem razão, portanto, vê JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES um caráter “ad hoc” na tese da patrimonalidade das obrigações acessórias, que manipularia esse elemento meramente externo (eventual dispêndio necessário para seu cumprimento) a fim de tratá-lo como elemento constitutivo do instituto[2]. 3. A NATUREZA JURÍDICA DO DEVER DE UTILIZAÇÃO DO SICOBE O SICOBE, o próprio nome o diz, é um sistema, isto é, um conjunto de mecanismos ordenados sob uma idéia reitora (controlar a produção de bebidas), e sua utilização é feita pelo próprio particular, ainda que para tanto obrigado por norma estatal. Vejamos o dispositivo legal que trouxe a obrigação de utilização do SICOBE: “Art. 58-T. As pessoas jurídicas que industrializam os produtos de que trata o art. 58-A desta Lei ficam obrigadas a instalar equipamentos contadores de produção, que possibilitem, ainda, a identificação do tipo de produto, de embalagem e sua marca comercial, aplicando-se, no que couber, as disposições contidas nos arts. 27 a 30 da Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007. § 1º A Secretaria da Receita Federal do Brasil estabelecerá a forma, limites, condições e prazos para a aplicação da obrigatoriedade de que trata o caput deste artigo, sem prejuízo do disposto no art. 36 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001. § 2º As pessoas jurídicas de que trata o caput deste artigo poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep ou da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido correspondente ao ressarcimento de que trata o § 3º do art. 28 da Lei nº 11.488, de 15 de junho de 2007, efetivamente pago no mesmo período.” Transcreva-se também, a fim de facilitar a exposição, o art. 28 da Lei nº. 11.488/07: “Art. 28. Os equipamentos contadores de produção de que trata o art. 27 desta Lei deverão ser instalados em todas as linhas de produção existentes nos estabelecimentos industriais fabricantes de cigarros, em local correspondente ao da aplicação do selo de controle de que trata o art. 46 da Lei no 4.502, de 30 de novembro de 1964. § 1º O selo de controle será confeccionado pela Casa da Moeda do Brasil e conterá dispositivos de segurança aprovados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil que possibilitem, ainda, a verificação de sua autenticidade no momento da aplicação no estabelecimento industrial fabricante de cigarros. § 2º Fica atribuída à Casa da Moeda do Brasil a responsabilidade pela integração, instalação e manutenção preventiva e corretiva de todos os equipamentos de que trata o art. 27 desta Lei nos estabelecimentos industriais fabricantes de cigarros, sob supervisão e acompanhamento da Secretaria da Receita Federal do Brasil e observância aos requisitos de segurança e controle fiscal por ela estabelecidos. § 3º Fica a cargo do estabelecimento industrial fabricante de cigarros o ressarcimento à Casa da Moeda do Brasil pela execução dos procedimentos de que trata o § 2o deste artigo, bem como pela adequação necessária à instalação dos equipamentos de que trata o art. 27 desta Lei em cada linha de produção. § 4º Os valores do ressarcimento de que trata o § 3o deste artigo serão estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e deverão ser proporcionais à capacidade produtiva do estabelecimento industrial fabricante de cigarros, podendo ser deduzidos do valor correspondente ao ressarcimento de que trata o art. 3o do Decreto-Lei no 1.437, de 17 de dezembro de 1975. § 5º Na hipótese de existência de saldo após a dedução de que trata o § 4o deste artigo, os valores remanescentes do ressarcimento de que trata o § 3o deste artigo poderão ser deduzidos da Contribuição para o PIS/Pasep ou da Cofins, devidas em cada período de apuração. (Incluído pela Lei nº 11.933, de 2009)” A lei determina, portanto, a obrigação de instalar equipamentos, pelo que se tem, na espécie, a instituição de uma obrigação tributária acessória: trata-se, o dever de instalação do sistema (e de sua utilização, naturalmente), de uma obrigação de fazer, conforme se depreende do próprio verbo núcleo da norma. A lei deixa transparecer, de modo cristalino, a finalidade da referida obrigação, que é a facilitação da fiscalização tributária. Ora, já restou definido alhures, são consideradas obrigações acessórias aquelas cujo conteúdo seja o de uma obrigação de fazer, não fazer ou suportar, direcionado a auxiliar a fiscalização tributária (art. 113, §2º, do CTN). A utilização do SICOBE em nada difere, no particular, do dever de emitir notas fiscais ou de manter escrituração contábil, exemplos antes dados como de obrigações acessórias (aliás, os sistemas contábeis atuais demandam não só capacitação técnica especializada como também aparelhamento específico). Poder-se-ia cogitar, à vista da circunstância de a utilização do SICOBE ser onerosa, e que a lei prevê o dever de ressarcir a Casa da Moeda do Brasil dos custos de utilização do sistema, de que se teria, no caso, a instituição de uma taxa. A teoria, contudo, não convence. Ora, a hipótese de incidência da taxa, no que aqui importa, é o exercício do poder de polícia (pois não há como se cogitar de serviço público na espécie), que só pode ser atividade estatal. Isso não se coaduna com a natureza do dever imposto pela norma do art. 58-T da Lei nº. 10.833/03: instalar e utilizar. A ação, aqui, é do sujeito passivo o qual, na hipótese da taxa, é paciente da atividade fiscalizadora estatal. Na taxa, quem age é o Estado: “Noutras palavras, o fato jurígeno das taxas é uma atuação do Estado relativa à pessoa do obrigado, que a frui, por isso mesmo, em caráter pessoal, aí residindo o sinalagma.”[3] Tampouco parece ser possível falar-se em preço público, pois ausente a voluntariedade na assunção da obrigação (este critério diferenciador, aliás, parece já ser pacífico entre nós; vide, por exemplo, a Súmula 545/STF). O custo de utilização do SICOBE não passa, assim, de uma despesa qualquer, dentre as várias que os sujeitos passivos têm de incorrer para cumprir as obrigações acessórias. A patrimonialidade, justamente por se tratar de obrigação acessória, lhe é acidental. Cumpre citar, no ponto, a opinião de IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, que, em parecer publicado em 2004, defende a natureza de obrigação acessória da obrigação de instalar medidores de vazão (sistema precursor do atual SICOBE), criada pelos arts. 36 e 37 da MP nº. 2.158-35/01: “Nitidamente, impõem obrigação acessória, que é fundamental para o setor, visto que não tem, a Receita, possibilidade de controlar, com eficácia, a produção dos produtos classificados nas posições 2202 e 2203 do Regulamento do IPI – RIPI, pois é insuficiente o controle exclusivamente pela documentação fiscal. […] Nada mais justo que, nos exatos termos do artigo 113, § 2º do CTN e do § 1º do artigo 145 da Constituição Federal, institua-se sistema de controle de medição capaz de refletir a verdade material, evitando a evasão fiscal e a concorrência desleal, no setor de bebidas”. [4] Vale lembrar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido a natureza de obrigação acessória no dever de aquisição e utilização de selos de controle de IPI. Adotando tal entendimento, foi julgado o Recurso Especial nº. 836.277/PR, que pode ser considerado paradigma sobre a matéria. Confira-se a ementa: “TRIBUTÁRIO. SELO DE CONTROLE DE IPI. NATUREZA JURÍDICA. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. COBRANÇA PELA RECEITA. POSSIBILIDADE. I – A natureza jurídica do selo para controle do IPI é de obrigação acessória, porquanto visa facilitar a fiscalização e arrecadação do tributo principal, conforme previsão contida no artigo 113, §2º, do CTN. II – A cobrança pela confecção e fornecimento dos selos amparada pelo Decreto-Lei 1.437/75, nada mais é do que o ressarcimento aos cofres públicos do seu custo, não configurando taxa ou preço público. III – Recurso especial improvido.” (REsp 836277/PR, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2007, DJ 20/09/2007, p. 233) Exatamente no mesmo sentido: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. SELO DE CONTROLE DE IPI. NATUREZA JURÍDICA. OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. REFLEXO PECUNIÁRIO NO CUSTO DE PRODUÇÃO. INCLUSÃO NA BASE DE CÁLCULO DO ICMS. 1. A ausência de debate, na instância recorrida, dos dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai a incidência da Súmula 282/STF. 2. A aquisição de selo para controle do IPI tem natureza jurídica de obrigação acessória, porquanto visa a facilitar a fiscalização e arrecadação do tributo principal, conforme previsão contida no artigo 113, § 2º, do CTN. A cobrança pela confecção e fornecimento dos selos, amparada pelo Decreto-Lei 1.437/75, nada mais é do que o ressarcimento aos cofres públicos do seu custo, não configurando taxa ou preço público. Precedente: REsp 836277, 1ª Turma, Min.Francisco Falcão, DJ de 20.09.07 3. O custo com a aquisição dos selos de controle de IPI, portanto, integra o preço final da mercadoria comercializada e, dessa forma, está compreendido no “valor da operação”, que vem a ser a base de cálculo do ICMS, nos termos do art. 13, § 1º, da LC 87/96. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (REsp 732.617/MG, Rel. Ministro  TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 28/09/2009) Há outros precedentes, por exemplo: REsp 1008030/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/03/2008, DJe 28/04/2008 e  REsp 881.528/PB, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe 18/06/2008. Destarte, ante o quanto exposto alhures, não parece equivocado estender o tratamento dispensado ao selo de controle do IPI ao SICOBE. Isso porque em ambos se vê uma obrigação de fazer, instituída no interesse da fiscalização tributária, que cria um ônus financeiro ao contribuinte. Vale lembrar que também no caso dos selos de controle do IPI é devido ao Estado o ressarcimento pelo seu fornecimento. Ora, o sistema aqui em análise nada mais é do que uma versão tecnologicamente avançada da secular prática de “selar” as mercadorias para controle fiscal. O que há é a alteração do mecanismo de controle: em vez da utilização do selo, a mercadoria é marcada diretamente, por um processo especial. E o mecanismo responsável pelo procedimento já registra referida marcação e registra os dados da produção. Nada de especial se tem, além de uma selagem automática, que traz a vantagem da contagem da produção em tempo real. Parece ser lícito, portanto, concluir pela natureza de obrigação tributária acessória da obrigação de utilização do SICOBE, quer se parta de um raciocínio sistemático-dedutivo, utilizando-se as categorias da dogmática do Direito Tributário como premissas, quer se parta de um raciocínio por semelhança, fundado na analogia e na aproximação entre dois institutos (a obrigação de utilização do SICOBE e a obrigação de utilização dos selos de controle do IPI). Conclui-se, ainda, que o dever de ressarcir o Estado dos custos de utilização do sistema não desnatura a obrigação do seu caráter de acessória, e que semelhante regramento, entre nós, já vige há muito tempo.
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Tributação no estado democrático de direito: Apontamentos sobre os impostos federais
O presente estudo trata da tributação no Estado Democrático de Direito, paradigma no qual são analisados os impostos federais como o IR, IPI, IOF, ITR dentre outros. Busca-se formar uma opinião crítica acerca de tal tema de Direito Tributário. Sumário: 1. Introdução 2. Tributação no Estado Democrático de Direito 3. Impostos federais em espécie.
Direito Tributário
I – INTRODUÇÃO
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Tratados internacionais concessivos de isenção tributária heterônoma
O presente estudo apresenta discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da real possibilidade da União conceder, por meio de tratados internacionais, isenção de tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios. A análise desta problemática exige avaliação de entendimentos diversos acerca da aplicação da vedação contida no artigo 151, inciso III, da Constituição Federal, da questionável constitucionalidade do artigo 98 do Código Tributário Nacional, e finalmente, do entendimento dos tribunais, expresso na jurisprudência assente sobre a temática enfocada. Pode-se afirmar, apesar de toda controvérsia alimentada no mundo jurídico e em especial pelos entes federados que questionam a matéria, que é perfeitamente possível à União, através de tratados internacionais, conceder isenção de tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, mais conhecida como isenção heterônoma, utilizando, para tanto, a legislação pátria, o entendimento doutrinário e, principalmente, a construção jurisprudencial, e, finalmente, o enfoque especial gerado pelo crescimento econômico do país.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O presente estudo tem grande importância tanto internamente quanto no âmbito internacional, pois gera discussão acerca da constitucionalidade de dispositivos legais, da relevância de preceitos constitucionais, além de interferir sobremaneira na internacionalização das relações com outros Estados de Direito. Há muita divergência na jurisprudência e principalmente na doutrina, sem mencionar artigos constitucionais e infraconstitucionais que muitas vezes divergem entre si quanto ao conteúdo deste tema. Estudou-se também, os efeitos internos destes tratados internacionais, haja vista que a legislação no Brasil é muito dificultosa para viabilizar a perfectibilização dos tratados internacionais nesta seara (soberania fiscal de cada ente federado). A maior dificuldade é gerada pela repartição de competências prevista constitucionalmente, que gera obstáculos à União na celebração de tratado para concessão de isenção de tributos atribuídos aos demais entre federados. Visando dirimir as inúmeras discussões envolvendo esta matéria, pretende-se examinar cada opinião e entendimento que divide os doutrinadores e juristas. Além de comentar o grande cerne da problemática da celebração destes tratados, que seria a vedação contida no artigo 151, inciso III, da Constituição Federal, e a constitucionalidade do artigo 98, do Código Tributário Nacional, ao final, será realizada uma avaliação acerca da possibilidade da União conceder isenções tributárias heterônomas através de tratados internacionais. 2. OS TRATADOS INTERNACIONAIS E AS ISENÇÕES HETERÔNOMAS – POSSIBILIDADE DE A UNIÃO CONCEDER, ATRAVÉS DE TRATADOS INTERNACIONAIS, ISENÇÕES DE TRIBUTOS DE COMPETÊNCIA DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS No federalismo brasileiro, há a união de pessoas jurídicas de direito público interno, quais sejam, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, tendo, cada qual, sua competência e limitação constitucionalmente definidas.  Como bem explica Patrícia Gutjahr (2001): “A República Federativa do Brasil, ao teor do art. 1º da Constituição Federal de 1988, é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios, e do Distrito Federal. Em outras palavras, dispõe a Carta Magna que o Estado brasileiro consiste na junção de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o que os torna, destarte, pessoas jurídicas de direito público interno, ou entes federados. Pode-se dizer, igualmente, seguindo o ensinamento de Hans Kelsen, que o Estado brasileiro é a ordem jurídica global, composta por ordens jurídicas parciais: central (União) e periféricas (Estados e municípios).” Trazendo especificamente tal lição ao tema em comento, cumpre observar a previsão constitucional do federalismo fiscal, a qual diz respeito à atribuição e divisão de competências tributárias e autonomia de cada um dos entes federados para tanto. Oportunamente, José Afonso da Silva (2004:476-477) ensina que, “a discriminação de rendas constitui um dos aspectos nucleares da disciplina jurídica do Estado Federal. É elemento da divisão territorial do poder político. Insere-se na técnica constitucional de repartição de competência”. No mesmo norte, Antonio Tide Tenório Albuquerque Madruga Godoi (2004): “Destarte, na federação brasileira, o fato dos entes possuírem autonomia interferiu em todo sistema tributário pátrio uma vez que deve-se obedecer à distinção contida na Constituição Federal das competências reservadas a cada ente da federação. Além disso, a repartição constitucional da competência tributária é a base do principio federativo, vez que só se pode falar em autonomia real dos entes federativo se eles detiverem o controle de suas receitas.” Assim, cada ente federativo possui sua autonomia e competência definida constitucionalmente, porém não são dotados de soberania, inerente somente a República Federativa do Brasil. Portanto, os entes federados não podem relacionar-se com outros Estados soberanos internacionalmente, devendo ser representados pela União, conforme prevê o artigo 21 da Constituição Federal, que confere à União a competência para manter relações com Estados estrangeiros através de acordos/tratados internacionais. (Patrícia Gutjahr, 2001). Sob este enfoque, tratando-se de isenção concedida por tratado internacional em relação a tributo de competência da União, não há problema algum. Porém, a grande controvérsia reside na concessão de isenção, através de tratados internacionais, de tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, pois como afirma Gabriel Pithan Daudt (2006:55-84) “nenhum de tais membros da federação tem poder de decisão com relação aos tratados internacionais. Tais atos são de competência exclusiva da Presidência da República, sendo, posteriormente, aprovados pelo Congresso Nacional.” Portanto, tendo em vista que a celebração de tratados internacionais é feita pela União, adiante será feita uma detalhada análise de como é aceita no Brasil a isenção tributária concedida através de tratados internacionais tendo como objeto tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, mais conhecidas como isenções heterônomas. 2.1. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL À CONCESSÃO DAS ISENÇÕES HETERÔNOMAS Antes de adentrar na seara da vedação constitucional, cumpre avaliar disposições contidas na Carta Constitucional, que traz lições gerais sobre o tema: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (…) VII – manter relações com os estados Estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; (BRASIL. Código Tributário Nacional). Art. 21. Compete à União: I – manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais; (BRASIL. Código Tributário Nacional). Art. 49. É de competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;” (BRASIL. Código Tributário Nacional). Além disso, observa-se que cada ente federado tem sua competência tributária determinada pela Constituição da República, tendo também assegurada sua autonomia. Porém, importante registrar a vedação constitucional para a ocorrência da isenção heterônoma que, efetivamente, se trata da isenção concedida por pessoa política diversa daquela realmente competente para fazê-lo.  O impedimento acima mencionado está expresso no artigo 151, inciso III, da Constituição Federal de 1988, ao determinar que “é vedado à União instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios”. (BRASIL. Código Tributário Nacional). E como o Presidente da República é quem firma os tratados, após aprovação do Congresso Nacional, há grande discussão acerca da possibilidade de concessão de isenção heterônoma através dos tratados internacionais. “Através deste dispositivo, o legislador constitucional fez apenas ratificar o princípio federativo, diante do qual União, Estados e Municípios convivem harmonicamente e ocupam a mesma ordem hierárquica, não podendo um ente federado interferir nos assuntos de competência de outro, especialmente, neste caso, nos de ordem tributária.” (Patricia Gutjahr, 2001).  Diante da vedação constitucional em questão, tem-se que estudar até que ponto esta vedação tem o condão de interferir e obstar a concessão através de tratado internacional de isenção de tributo de competência de outro ente federado que não a União.  Como já afirmado, os entes federados tem autonomia, mas não tem soberania, pois só a República Federativa a detém. Assim, a celebração de tratados concessivos de isenção heterônoma nada afeta a autonomia dos entes federados, pois os mesmos são representados pela União como República Federativa para celebração de tratados, já que eles por si só não podem representar internacionalmente a Nação. Conforme oportuna observação de Gabriel Pithan Daudt (2006:55-84), o impasse sobre a validade destes tratados concessivos de isenção heterônoma surge da seguinte forma: “Se, por um lado, apenas o Presidente da República tem poderes para firmar tratados internacionais; por outro, podem os tratados internacionais versar sobre qualquer matéria, inclusive aquelas de competência estadual, o que representaria uma agressão ao princípio federativ”o. Exposto isso, cabe ressaltar as principais idéias acerca desta controvérsia, começando por aqueles que defendem a possibilidade da União, através de tratados internacionais, conceder isenções sobre os tributos Estaduais, Distritais e Municipais. O foco de destaque desta primeira corrente é que a União tem atuação dupla no cenário pátrio, pois ora atua como ente federativo, outrora, como representante da República Federativa do Brasil. E frisa-se que na celebração dos tratados internacionais, a União tem sua atuação delimitada a representante da República Federativa, que é integrada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Sendo que, de forma alguma, haverá a quebra de autonomia dos entes federados, posto que a União é constitucionalmente competente para representá-los na seara internacional.  Como afirma Patricia Gutjahr (2001), a União, quando da celebração de tratados internacionais concessivos de isenção heterônoma, atua não como ente federado, mas como representante da República Federativa do Brasil: “Nas relações internacionais, a União não atua como ente federado parcial, como componente da federação brasileira, mas congrega todos os demais entes federados para representar a República Federativa do Brasil. Configura-se, assim, no dizer de José Souto Maior Borges, o ‘caráter bifronte da União’, que ora atua como ordem jurídica global, representando o Estado brasileiro, ora como ente federado, como pessoa jurídica de direito público interno.” No mesmo norte: “A discussão pode ser introduzida dizendo que não é a União, compreendida apenas como um dos entes políticos da organização político-administrativa brasileira (art. 18 da CF), quem celebra os tratados, mas sim a República Federativa do Brasil, que comporta a União, mas também os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios”. (Paulo Sérgio de Moura Franco, 2002). Nesta mesma trilha de raciocínio, Heleno Tôrres (2001:585) afirma que a União, quando atua como representante da República Federativa do Brasil (pessoa jurídica de direito público internacional), não pode ser confundida com a União que integra a organização político-administrativa brasileira, na forma federativa (pessoa jurídica de direito público interno). Ainda, referindo-se à forma federativa, o mesmo autor distingue a ordem jurídica global (inerente à República Federativa do Brasil), e as ordens jurídicas internas definidas na Constituição (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), divisão de competência que somente tem relevância no âmbito nacional, pois internacionalmente não tem razão de ser haja vista que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não têm legitimidade para comprometer o Estado brasileiro na seara internacional. De igual posicionamento, José Souto Maior Borges, conforme descreve o autor Paulo Sérgio de Moura Franco (2002): “(…) na mesma linha, entende que seria um equívoco elementar transportar os critérios constitucionais de repartição das competências para o plano das relações interestatais. Essas reclamam paradigma diverso de análise. Nesse campo, como já o fizera dantes com as leis nacionais, a CF dá à União competência para vincular o Estado brasileiro em nome dela e também dos Estados-membros e Municípios. A procedência dessa ponderação é corroborada pelo art.52, § 2ª, da CF, in fine, ao referir expressamente os ´tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil (sic: não a União Federal) é parte’. São, pois, áreas diversas e autônomas de vinculação jurídica. (…) Não se nega, com isso, a autonomia decorrente do Estado Federativo. No entanto, os entes federados não possuem personalidade jurídica internacional, não podendo se relacionar com outros Estados soberanos neste cenário. Somente a República Federativa é que pode, no Direito das Gentes, assumir compromissos decorrentes de tratados e acordos internacionais. Assim, quando assume compromissos em tratados, a União não atua como ente federado da divisão político-administratativa, mas congrega toda a Nação. É o que Souto Maior chama de caráter bifronte da União.” Cabe transcrever também a didática lição de Patrícia Gutjahr (2001): “Ora, parece ter sido suficientemente explicitado que, ao manter relações com outros Estados soberanos, a União o faz em nome do Estado brasileiro, em não como ente federado. Destarte, nenhum impedimento se faz presente para que tais isenções ou benefícios sejam concedidos por meio de tratado internacional. Diante da atual conjuntura, em que os Estados buscam, cada vez mais, a cooperação e a integração econômica, o que fazem, principalmente, através de acordos de ordem tributária, submeter a eficácia destes à existência de uma norma interna que dê respaldo ao que foi acordado seria ameaçar o próprio processo integracionista. Isto porque permitiria aos Estados descumprir unilateralmente uma norma internacional, sob o argumento de ser esta incompatível com a legislação interna, dos Estados e Municípios. A própria Constituição Federal, em seu art. 4º, parágrafo único, dispõe como objetivo da República Federativa do Brasil a integração econômica, política e social no âmbito internacional, no caso expressamente com os povos da América Latina. Portanto, mais uma vez, da interpretação sistêmica depreende-se a possibilidade de acordos internacionais concederem isenções ou benefícios em tributos estaduais ou municipais, posto que o processo integracionista, objetivo constitucional do Estado brasileiro, não pode ficar condicionado à anuência dos Estados e Municípios quanto às normas provindas de avenças internacionais.” Assim leciona Alberto Xavier (2005:152-153): “A voz da União, nas relações internacionais, não é a voz de uma entidade com interesses próprios e específicos, potencialmente conflitantes com os dos Estados e dos Municípios, mas a voz de uma entidade que a todos eles engloba – a República Federativa do Brasil. E é assim, porque, por razões de unidade do sistema federativo, a Constituição vedou aos Estados e Municípios, privados de personalidade jurídica de direito internacional, a possibilidade de manterem relações com Estados soberanos e organizações internacionais, atribuindo a representação dos seus interesses, no plano internacional, à União. Com toda coerência, o art. 5º, § 2º, da Constituição reconhece a qualidade de parte dos tratados internacionais à República Federativa do Brasil e não à União, revelando que esta atua como mero órgão da pessoa jurídica de direito internacional público, que é a República Federativa do Brasil. (…) As limitações do poder de tributar e de isentar, como as do art. 151, inc. III, só devem (…) operar no âmbito das relações internas entre os elementos componentes da Federação, por via de lei federal, mas não assim no âmbito das relações internacionais, por via de tratado.” Compartilha de seu entendimento, Clélio Chiesa (2002:67): “Não se pode alegar que o princípio federativo e da autonomia dos Municípios é violado quando a União, enquanto órgão representativo da República Federativa do Brasil, celebra tratado internacional desonerando os contribuintes do pagamento de tributos de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, pois trata-se de competência excepcional outorgada ao Estado brasileiro com vistas a atender interesses supraregionais.” Ainda, conforme Luciano Amaro (1998:178): “Em suma, não vemos no inc. III do art. 151 nem nos demais preceitos constitucionais examinados fundamento que sustente a inconstitucionalidade, na matéria em causa, de tratados internacionais que só a União tem autoridade para firmar, em nome do Estado brasileiro. Se a norma de um tratado afasta, reduz ou condiciona a aplicação de norma tributária estadual ou municipal, vale, pois, o preceito do tratado e não o da lei do Estado ou do Município. Não é válida a lei (estadual ou municipal) que pretender afastar as disposições do tratado; o tratado, por sua vez, anterior ou posterior à lei estadual ou municipal definidora da incidência, aplica-se às situações nele previstas, excepcionando, afastando ou limitando a aplicação da lei local.” Por fim, Marcos da Costa e Paulo Lucena de Menezes (1997:526) trazem à tona a proposta da Reforma Tributária pelo Governo, a fim de conferir nova redação ao artigo 151, inciso III, da Constituição Federal, conforme segue abaixo: “Releva sublinhar (…) que a matéria em pauta é objeto da Reforma Tributária proposta pelo Governo, que, por intermédio de Emenda Constitucional, propõe a seguinte redação para o dispositivo: ‘Art. 151. É vedado à União: (…) III – instituir isenção de tributo da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, salvo quando prevista em tratado, convenção ou ato internacional do qual o Brasil seja signatário’. A aprovação de referida Emenda Constitucional, ante o exposto, apenas viria a ratificar a situação existente, sem afrontar, todavia, a Constituição Federal, especialmente no que se refere à disposição vertente do art. 60, § 4º, inc. I”. Por outro lado, cabe transcrever algumas opiniões firmadas acerca da impossibilidade de se conceder isenção heterônoma através de tratados internacionais. Baseado no principio federativo, Roque Antônio Carrazza (2003:552) defende a autonomia municipal e distrital, nos seguintes termos: “Diferentemente de algumas Constituições tais como a norte-americana, mexicana e argentina, a Constituição Federal brasileira, não prescreve a supremacia dos tratados internacionais sobre as leis estaduais, municipais e distritais. E, em face dos princípios federativo, da autonomia municipal e da autonomia distrital, nem esta supremacia pode ser inferida. A nosso juízo, pois, o tratado internacional não pode obrigar os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a abrirem mão de parte ou da totalidade de suas competências tributárias.” Na mesma direção, Pinto Ferreira citado por Francesco Conte (1998:34): “A CF de 1969 (art. 19, § 2°) determinava que a lei complementar podia conceder isenções de impostos estaduais ou municipais, atendendo ao interesse social ou econômico nacional, em favor de empresa ou determinadas empresas. Pela Constituição Federal vigente é vedado à União instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, contrariando e revogando o dispositivo de direito constitucional anterior. Só pode isentar quem pode tributar, quem possui o direito de exigir o tributo, isto é, só o sujeito afim da relação tributária pode conceder isenções. A União não pode isentar tributos estaduais, do Distrito Federal ou dos Municípios. Tais isenções apenas podem ser concedidas por meio de lei do Legislativo competente: lei estadual para os tributos estaduais; lei municipal para os tributos municipais.” Continua Conte (1998:34), citando José Cretella Júnior, que nessa mesma senda leciona: “A isenção é feita, na respectiva esfera, por lei estadual, lei municipal ou lei distrital; na área da União, por lei federal. Cada pessoa política tem competência para instituir isenção de tributo, em sua própria área. O contrário seria invasão indébita ou usurpação de competência de uma pessoa política na área de outra.” Corrobora o entendimento supra, Sasha Calmon Navarro Coelho (2002:305): “A vedação das isenções heterônomas como principio é bem vinda ao federalismo e as exceções são justificáveis tendo em vista o necessário controle do export drive (esforço de exportação pela União Federal). Desta feita, percebe-se que a hipótese de concessão mediante tratado internacional não está inserida na exceção. Além do mais, a União está sempre submetida às determinações constitucionais, sendo inconstitucional o referendo do Congresso Nacional que através de decreto legislativo conceder isenção heterônoma, já que há que se respeitar a repartição constitucional de competências.” E, para finalizar, traz-se entendimento de Antonio Tide Tenório Albuquerque Madruga Godoi (2004): “Assim, mesmo admitindo-se a União, apenas como hipótese, representando a Federação, essa não poderia celebrar tratados isentando tributos estaduais e municipais, uma vez que deve-se respeitar, como foi dito, a competência dos Estados para legislar sobre certas matérias, sob o mesmo argumento é vedada a tributação recíproca entre os entes, somando-se a isso o fato da competência para tributar ser indelegável segundo prescrição constitucional, não havendo hierarquia entre as leis estadual e federal. Isto posto, mesmo se admitindo que os defensores da tese que a União como mandatária do Estado brasileiro pode celebrar tratados internacionais livre das limitações constitucionais, não têm conhecimento ou o que é pior tentam subverter o ordenamento jurídico brasileiro, dando prevalência ao capitalismo selvagem, que desconhece o processo legislativo de incorporação dos tratados ao direito interno, bem como o sistema de competências. Assim, o princípio da razoabilidade parece ser o instrumento a ser utilizado nessa circunstância, vez que Francesco Conte entende que: não tem o mais tênue sentido que os Estados-membros (entes dotados de autonomia, a teor da norma cristalizada no art. 25, da CF) pudessem ficar, prisioneiros, sob o pálio das deliberações que um terceiro esculpe sobre tributação”. Brevemente concluindo, com o devido respeito às opiniões contrárias e sem a pretensão de esgotar esta discussão, tem-se que é plenamente possível a celebração de tratados internacionais concessivos de isenção tributária heterônoma, posto que a União, constitucionalmente definida como representante da República Federativa do Brasil, atua em nome de todos os entes federados, já que estes não detêm competência para tanto, nada interferindo na autonomia de cada um destes. Além do que, esta vedação somente deve ser aplicada na órbita nacional, pois nas relações internacionais, a União não atua como pessoa jurídica de direito público interno, mas como representante da República Federativa do Brasil. Sem mencionar que a aplicação desta vedação é inviável na seara internacional, ainda mais hodiernamente onde a cooperação internacional está mais viva e mais necessária do que nunca. 2.2. DISCUSSÃO ACERCA DO ARTIGO 98 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Para a finalização e completa elucidação do tema objeto do presente trabalho, oportuno analisar as diversas opiniões acerca da duvidosa constitucionalidade do artigo 98, do Código Tributário Nacional, que assim reza, “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha”. (BRASIL. Código Tributário Nacional). A grande preocupação dos juristas em relação a esta ordem legal se dá pelo fato de trazer à tona discussões sobre prevalência do direito internacional sobre o nacional, lei posterior que derroga lei anterior, e a dimensão interna e externa da União. Ainda, a constitucionalidade deste artigo é questionada haja vista que seu conteúdo tem cunho constitucional, pois delimita temas tratados somente pelo âmbito da Constituição Federal, e o ordenamento jurídico que este artigo 98 está inserido é apenas uma lei ordinária, recepcionada pela Constituição Federal como lei complementar. Ou seja, o artigo do CTN em discussão dispõe de matéria que extravasa sua competência legislativa, pois é unicamente atribuída à Constituição Federal tratar desta seara. Conforme Antonio Tide Tenório Albuquerque Madruga Godoi (2004): “Na doutrina pátria vários autores citados ao longo desta monografia consideram que o precitado artigo 98 do CTN foi recepcionado apenas em sua parte inicial podendo os Estados e Municípios legislar de forma confrontante com os tratados isentivos de tributos no âmbito de suas respectivas competências, já que esses, bem como a segunda parte do artigo 98 são considerados, por parte considerável da doutrina, inconstitucionais de pleno direito.” De acordo com Natanael Martins (1995:195), os principais argumentos que causam a dúvida quanto a constitucionalidade deste artigo do CTN são: “1.Tal artigo estaria ofendendo uma das Cláusulas Pétreas, qual seja o princípio federativo; 2.Em caso de antinomia entre lei interna e lei oriunda de tratados internacionais, o litígio deve ser solucionado utilizando-se o principio da lei posterior derroga a anterior, como forma de assegurar-se a segurança jurídica; 3.E porque fere frontalmente a disposição do texto constitucional do Artigo 151, III, que veda à União instituir isenção de tributo da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.” Valioso comentário traz Betina Treiger Grupenmacher (1999:113), de acordo com vários doutrinadores, acerca do equívoco do legislador quando referiu-se em revogação da norma interna pela internacional. Pois a autora afirma que não se trata de revogação, sendo a idéia mais acertada de que a norma de direito interno continua válida, contudo sua vigência paralisa-se quanto ao disposto e disciplinado no tratado internacional. E quando não há conflito com os tratados, a norma interna continua a ser válida. Nesse mesmo sentido, Alberto Xavier (1993:102-103). Importante comentar brevemente a idéia de um dos doutrinadores que entende pela inconstitucionalidade deste artigo de lei. Roque Antônio Carrazza (1993:182-191) afirma que tal artigo é tido como inconstitucional, pois simplesmente inexiste supremacia jurídica dos decretos legislativos que ratificam tratados internacionais, tributários ou não tributários, sobre as leis federais estaduais, municipais ou distritais. Já para Natanael Martins (1995:195), o artigo 98 do CTN é constitucional, pois buscou disciplinar redação à legislação infraconstitucional de matéria tributária, bem como trouxe materialidade ao princípio da prevalência dos tratados internacionais (princípio defendido pelo monismo absoluto). A fim de delimitar o estudo sobre o fundamento da prevalência referida no artigo 98 do CTN, Luciano Amaro (1998:178) traz a seguinte lição: “O fundamento da prevalência da norma do tratado sobre a lei interna estadual ou municipal não é o primado dos tratados sobre a lei interna, mas a eficácia natural dos tratados, enquanto único modelo legislativo idôneo para firmar normas de conduta (e, portanto, também para revogá-las) entre o Estado brasileiro e outros Estados soberanos. Os tratados internacionais são atos de competência da União, única pessoa política a quem a Constituição confere poder para firmá-los. Os Estados-membros e os Municípios não possuem soberania, de tal sorte que, no plano das relações com outros Estados soberanos, quem legisla (ratificando os tratados) é o Congresso Nacional, editando normas que integram o direito tributário brasileiro e não, restritamente, o direito sobre tributos federais”.  Definem Welber Barral e Tatiana Lacerda Prazeres (2001:149) que: “Outro argumento, no mesmo sentido, é o de que os tratados em matéria de isenção tributária são normas especiais em relação às normas internas. Se se aceitar este argumento, nem mesmo se precisaria recorrer ao art. 98 do CTN para se comprovar a superioridade da norma convencional, a prevalecer pelo critério de especialidade de solução de antinomias jurídicas. A norma de direito internacional que cria a isenção seria norma de caráter especial em relação à norma de direito interno que prevê a incidência tributária, e por isso seria aplicável. Deste modo, não verificada a sua inconstitucionalidade, a validade dos tratados em matéria de isenção tributária estaria justificada, diante da legislação infraconstitucional, tanto pelo princípio da hierarquia, quanto pelo princípio da especialidade”. Em relação ao princípio geral da lex posteriori derogat anteriori, adverte José Souto Maior Borges, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello (1997:174-175): “Porque (…) é plurilateral em sua origem, o tratado não pode ser unilateralmente desfeito em decorrência da insubmissão eventual de Estados-membros ou Municípios. Note-se que o desfazimento de um tratado somente pode ocorrer pela denúncia de uma das partes contratantes, se assim dispuser o próprio tratado, ou pela superveniência de outro acordo, pela adoção de decisão que as altas partes contratantes considerem conveniente. Logo, há de ser o tratado observado pela legislação federal, estadual ou municipal superveniente. Que confiabilidade mútua (assente necessariamente na boa-fé das partes contratantes) poderia ter um tratado em que uma das partes (ou, pior: uma entidade federada interna), sequer pessoa de direito internacional, pudesse desfazer a seu talante o vínculo convencional?” Assim sendo, como decorrência temos o principio do pacta sunt servanda, como bem descreve Fernando de Oliveira Marques, mencionado por Ives Granda da Silva Martins (1997:340): “O país se obriga no âmbito externo, estando sujeito ao princípio do pacta sunt servanda, devendo honrar os compromissos assumidos e adaptar sua legislação interna para a efetivação do acordo. Assim, um tratado que legisle sobre isenções de impostos estaduais, distritais ou municipais pode e deve ser convalidado.” Para finalizar, Aliomar Baleeiro (1999:643), referindo-se a alguns mestres, conclui o pensamento: “O conteúdo material dos atos internacionais passa a integrar o direito interno brasileiro, pela promulgação dos decretos-legislativos que os aprovam. Esses são materialmente leis internas, que revogam a legislação existente. Só o Congresso tem competência constitucional para editar leis nacionais e federais. Não pode legislar sobre matérias reservadas aos Estados e Municípios. Exatamente por isso não pode emitir decretos legislativos válidos nessas matérias. Disso decorre que a eficácia dos tratados sobre a integração econômica será prejudicada sempre que envolva sua competência. Dado o caráter de supraconstitucionalidade do principio federal, nem mesmo emenda constitucional pode reduzir as atribuições dos Estados Federados”. Diante disso, pode-se denotar que o artigo 98 do CTN tem que ser interpretado de maneira que os tratados internacionais devam conviver harmoniosamente com a lei interna, no sentido de que, obviamente, caso devidamente incorporado ao direito interno, o tratado internacional deve ser respeitado pela legislação interna como tal. Porém, não se pode interpretar de forma rigorosa o final deste artigo (tratados serão observados pela lei que lhes sobrevenha), pois como o tratado, após recepcionado, vira lei interna, em uma circunstância excepcional, uma lei pode trazer ao tratado internacional sua inaplicabilidade ou alteração, mediante adoção do devido processo legislativo para tanto. 2.3. ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS A RESPEITO DAS QUESTÕES POLÊMICAS SUSCITADAS Com a finalidade de dirimir as discussões estabelecidas neste Capítulo, cumpre relatar também o assente entendimento jurisprudencial sobre estes temas polêmicos. A priori, colhe-se do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (BRASIL. AI 261.822-2, 2005): “Agravo de instrumento. Mandado de segurança preventivo. Direito tributário. Execução fiscal de Município cobrando ISS. Cabível o mandado de segurança por ser meio apto à defesa em execução fiscal. Tratado internacional que isenta empresa de pagamento de tributos estaduais e municipais. União tem dupla personalidade (interna e externa). Quando o Presidente da República age como chefe de Estado este representa os interesses nacionais subordinando os interesses locais e regionais. Tratado internacional realizado pela União não se submete ao disposto no art. 151, inc. III, da Constituição. Possibilidade da União realizar tratados internacionais e isentar impostos federais, estaduais e municipais quando há interesse nacional. Negado provimento ao recurso”. O mesmo acórdão, embasando-se no entendimento doutrinário acerca do tema, discorre sobre a possibilidade da União conceder isenções heterônomas através de tratados internacionais: “Pelo exposto, percebe-se que fica claro que a postura de adotar qualquer tipo de entendimento que impossibilite a União de exercitar suas funções de autonomia internacional não será vantagem para o todo, sendo que este interesse estará subordinado aos interesses locais ou estaduais. O entendimento de que a União pode celebrar tratados internacionais isentando de impostos municipais e estaduais deve prevalecer porque o crescimento econômico do País não pode ser obstado, ainda mais porque podem-se tratar de negócios de importância primordial para o Estado. O que poderia obstar a realização deste tipo de tratado internacional é o disposto no art. 151, inc. III, da Constituição Federal, em razão da autonomia dos entes federados. Todavia, o fato da União realizar contratos internacionais neste sentido não fere a autonomia dos Estados-membros e Municípios, pois a União tem dupla personalidade (interna e externa), conforme já demonstrado. Primeiramente deve-se analisar que a União é ente soberano e único que pode celebrar tratados internacionais, sendo este o representante dos Estados-membros e dos Municípios em contexto internacional. Este também é o entendimento de José Souto Maior Borges (…). É importante lembrar que a isenção se faz em vista do interesse social ou econômico nacional e os Estados-membros e Municípios não possuem competência para determinar qual interesse pode ser nacionalmente relevante. Desta forma, as isenções de tributos decorrentes de tratados internacionais são constitucionais, pois a União tem dupla personalidade, e quando a União celebra tratados internacionais esta age em nome de toda a Nação (dotada de personalidade externa), em vista do interesse social e/ou econômico nacional, devendo este interesse preponderar sobre os interesses locais e estaduais. Concluindo, proponho que seja negado provimento ao agravo, para o fim de manter a decisão agravada, em razão de ser admissível em determinados casos de tratados internacionais que a União possa isentar de tributos estaduais e municipais, por ser dotada de dupla personalidade, e por não ferir a autonomia estadual e municipal”.                  Como contribuição para a compreensão da matéria, é prudente trazer em comento o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (BRASIL. REsp 228.324, 2005), através de excertos de julgados sobre a prevalência dos tratados internacionais quanto à norma interna posterior ou anterior aos mesmos: “Em se tratando de matéria tributária, a superveniência de legislação nacional não revoga disposição contida em tratado internacional contratual, consoante dispõe o art. 98 do CTN. O art. 98 do CTN não admite a revogação de tratado pela legislação tributária antecedente ou superveniente. (BRASIL. REsp 209.526, 2000). Há de ser observado o comando do art. 98 do CTN, que não admite a revogação de tratado pela legislação tributária antecedente ou superveniente.” (BRASIL. REsp 104.566, 1999). No mesmo norte: REsp 196.560/RJ; Agravo no REsp 147.250/RJ; REsp 642.663/RS; REsp 1.966/SP. Ainda, emprestando credibilidade à norma estabelecida no artigo 98 do CTN, cabe transcrever parte do julgado do Recurso Extraordinário 90.824/SP (BRASIL, 1980): “De feito, em matéria tributária, independentemente da natureza do tratado internacional, observa-se o princípio contido no art. 98 do CTN.“ Corroborando este posicionamento, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Federal: RExt 76.099/SP; RExt 87.704/SP; RExt 92.982/SP; RExt 97.088/RJ. Além disso, quanto à inaplicabilidade da vedação prevista no artigo 151, inciso III, da Constituição Federal, cumpre destacar: “Âmbito de aplicação do art. 151 da CF é o das relações das entidades federadas entre si. Não tem por objeto a União quando esta se apresenta na ordem externa.” (BRASIL. ADIn 1.600, 2003). 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto, conclui-se que é perfeitamente aceita e válida a isenção de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (isenções heterônomas) pela União (representando a República Federativa do Brasil), através de tratados internacionais. O processo avançado de globalização, que exige a integração entre as nações, para o crescimento da economia interna de cada país é a mola que impulsiona a visão não radical dos estudiosos da matéria. A situação fáctica deve merecer ótica mais flexível e benevolente. Fica evidente que os tratados internacionais, quando incorporados ao ordenamento jurídico interno, são tidos como lei ordinária federal, sendo-lhe aplicado, para resolução de seus conflitos, o princípio segundo o qual a lei posterior revoga a anterior (entendimento assente no Supremo Tribunal Federal). A partir do entendimento de que a União, quando celebra um tratado internacional, o faz como pessoa jurídica de Direito Público, representando a República Federativa do Brasil, e não como ente jurídico de direito público interno, tem-se que a vedação contida no artigo 151, inciso III, da Constituição Federal, não se aplica às isenções heterônomas concedidas através de tratados internacionais, pois este dispositivo somente tem eficácia quando aplicado internamente, entre os entes federados, e não internacionalmente quando a União está representando a ela mesma, ao Estado, Distrito Federal e Município como Estado brasileiro. Já no que respeita ao artigo 98, do Código Tributário Nacional, sua primeira parte está em consonância com o direito pátrio, posto que os tratados e convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna; porém, a sua parte final deve ser cuidadosamente delineada em cada caso específico, pois a maioria dos doutrinadores a consideram inconstitucional. Destas razões, resulta que é plenamente válida a isenção de tributo heterônomo pela União através de tratados internacionais, não afetando a competência e autonomia dos entes federados, nem mesmo transgredindo disposições legais.
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Irreformabilidade das decisões administrativas fiscais favoráveis ao contribuinte
Muito se discute quanto à possibilidade da fazenda pública recorrer ao judiciário para reformar decisões administrativas fiscais favoráveis ao contribuinte. Nesse sentido, são apresentados alguns aspectos que corroboram nessa impossibilidade.
Direito Tributário
1. O PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL: Inicialmente, com uma simples e rápida leitura do Código Tributário Nacional, devemos ressaltar, com especial relevo, que será extinto o crédito tributário com a decisão administrativa irreformável, ou seja, aquela que não mais possa ser objeto de ação anulatória, vide Art. 156, IX. Nessa passo, questiona-se a existência da coisa julgada nos processos administrativos fiscais. Para o Ilustre Tributarista Eduardo Sabbag, o artigo citado emana o seguinte entendimento: “Esta causa extintiva se refere às decisões administrativas favoráveis ao contribuinte, uma vez que, se contrárias, não terão o condão de extinguir o crédito tributário, haja vista restar ao sujeito passivo a possibilidade de reforma na via judicial, na tentativa de impor sua argumentação desconstitutiva da relação jurídico-tributária”.[1] Na maioria dos casos, o contribuinte quando autuado, recorre à via administrativa para que suspenda a exigibilidade do crédito que representa o tributo fruto da autuação. Dessa forma, de acordo com a legislação federal, primeiramente, o contribuinte poderá apresentar defesa preliminar à autuação. Posteriormente, poderá apresentar recurso administrativo. Após o julgamento do recurso do contribuinte, sendo o mesmo rejeitado, poderá o contribuinte se valer da via judicial, conforme lhe assegura a Constituição Federal no Art. 5º, XXXV. 2. AS DECISÕES ADMINISTRATIVAS DESFAVORÁVEIS À FAZENDA PÚBLICA: O que muito se discute é o fato de uma decisão administrativa desfavorável à fazenda pública, que tenha tomado força de irreformável, fundamentar ação judicial com fins de desconstituí-la. Permitir que a fazenda pública recorra à via judicial com tal finalidade é desacreditar na própria efetividade de suas decisões, o que coaduna no menosprezo dos Princípios da Segurança Jurídica e da boa fé, conforme assevera MELLO (1998)[2]. Para TORRES (2002)[3] não existe previsão legal no que tange a uma possível ação da fazenda pública recorrer ao judiciário para desconstituir sua própria decisão. Já para MARTINS (2002)[4], garantir à fazenda pública o direito de se “autocontestar” por suposta lesão que teria quando reconheceu que não sofria nenhum dano, é garantir extrema insegurança jurídica ao contribuinte. Adiante, o professor Eduardo Sabbag menciona que a fazenda pública não poderá se valer de ação anulatória pelos seguintes motivos: “A máquina judiciária pode ser movimentada pelo contribuinte que se mostre irresignado diante dos atos praticados pelo Fisco, por meio de um processo judicial (conhecimento), ainda que já tenha ocorrido processo administrativo. Por sua vez, o Fisco pode buscar a tutela judicial quando detentor de crédito, utilizando-se do processo de execução ou do processo cautelar, visando assegurar o pagamento posterior”.[5] Corroborando com o posicionamento do professor Eduardo Sabbag, Dejalma Campos afirma que se o Fisco vencido na esfera administrativa não poderá contestar na via judicial o crédito fruto da contenda, podendo somente exigi-lo, caso vencedor na esfera administrativa, conforme podemos ver: “Mesmo vencido na fase administrativa o contencioso fiscal, o sujeito passivo da obrigação tributária (contribuinte ou responsável) pode impetrar judicialmente ações para garantia de seus direitos. Já o sujeito ativo dessa mesma obrigação (o Estado), tendo sido vencido na fase administrativa, não mais pode pleitear o crédito fruto da contenda. Se vencedor, vai utilizar-se do Judiciário para recebê-lo”.[6] É válido ressaltar que para Eduardo Sabbag, “configuram ações exclusivas do Fisco: a execução fiscal e a cautelar fiscal. Em contraponto, configuram ações exclusivas do contribuinte: a ação anulatória de lançamento tributário (ou de débito fiscal), a ação declaratória de inexistência de relação jurídico tributária, a ação de consignação em pagamento, a ação de repetição de indébito e o mandado de segurança”.[7] Imaginando a remota possibilidade do Fisco contestar judicialmente sua própria decisão, urge ressaltar o problema inicial à propositura de sua ação, indicar quem seria o réu. Compartilho do entendimento do professor Hugo de Brito Machado, vejamos: “É sabido que o réu é aquele que resiste à pretensão do autor, fazendo nascer a lide. A pretensão, no caso, é a anulação da decisão administrativa. Assim, se a ação proposta contra o contribuinte favorecido com a decisão administrativa, poderá este alegar ilegitimidade passiva, porque não está resistindo à pretensão da Fazenda – vale dizer, nada está fazendo para impedir a anulação daquela decisão. E o Conselho de Contribuintes também não poderá ser o réu, porque sequer tem personalidade jurídica”.[8] Outrossim, devemos ressaltar que o inciso XXXV, do art. 5°, da Constituição Federal não respalda a administração pública, tendo em vista que este se encontra inserido no Título que trata dos direitos e das garantias fundamentais individuais, ou seja, não abrangeria o Fisco. 3. CONCLUSÃO: Desse modo, com a leitura dos dispositivos citados e dos conceitos lançados, conclui-se que é inadmissível o Fisco recorrer à via judiciária com o objetivo de anular decisão proferida por ele mesmo e que seja favorável ao contribuinte. Admitir essa possibilidade seria sufragar o perene da segurança jurídica e da boa fé, pois é um tamanho contra-senso a Administração contestar uma decisão que ela mesma proferiu, coadunando em verdadeira falta de interesse de agir, haja vista que ninguém poderá recorrer ao judiciário para impugnar ato próprio. Nesse sentido, salienta-se que a administração pública já possui meio próprio de julgar definitivamente suas decisões. Permitir-lhe revisar judicialmente suas decisões definitivas seria lhe outorgar privilégios demasiados, podendo até mesmo contrariar o princípio da isonomia.
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O local de incidência tributária do imposto sobre serviços no arrendamento mercantil
Este artigo tem o objetivo de analisar o conflito prático existente quanto à competência para arrecadação do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISSQN) no arrendamento mercantil. O foco refere-se especialmente a competência do ente federativo mirim em legislar sobre o assunto sem se imiscuir de atender aspectos técnicos e jurídicos da norma maior. Debate-se ainda a evolução jurisprudencial em razão da discussão acerca da incidência ou não do ISSQN sobre o arrendamento mercantil e sua confirmação em julgados recentes. Agora o conflito de competência territorial traz à tona a necessidade de aplicação de critérios jurídicos corretos, definindo, assim, onde incide a tributação, se na sede da arrendadora ou no local da entrega efetiva do bem. Conceitos jurídicos amplos são debatidos, como prestação de serviço, obrigação de fazer, obrigação de dar, arrendamento mercantil, para que se chegue a uma conclusão prática, buscando nortear esse tema de grande destaque e enorme importância no cenário econômico atual.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O imposto sobre serviços de qualquer natureza, conhecido comumente como ISS ou ISSQN, é tributo de competência municipal, conforme disposição do art. 156, inciso III, da Carta Magna de 1988. A natureza de Direito Público do Sistema Jurídico Tributário conecta-se neste caso com o Direito Privado, afinal a relação entre o prestador e o tomador do serviço é do segundo campo. A prestação de serviço que enseja a tributação pelo ISSQN deve ser relação jurídica bilateral e remunerada, e toma como referência o conceito de serviço disposto no art. 3º, §2º do Código de Defesa do Consumidor, e, assim sendo, é tida como “obrigação de fazer”. Com o cumprimento da obrigação contraída, ou seja, a efetiva prestação dos serviços, nasce o vínculo material a ensejar a tributação pelo ISS, e, por isso, tem natureza de Direito Público, sendo obrigatória. Esse vínculo jurídico tributário tem como sujeito ativo a edilidade, com competência restrita a área do município e como sujeito passivo o prestador de serviços, salvo nos casos de substituição tributária. Nesse momento surge a controvérsia relativa à competência municipal para a exigência do tributo, tendo em vista, que hodiernamente o Superior Tribunal de Justiça, em sua jurisprudência dominante, entende como município competente para exigir o pagamento do imposto sobre serviços o local onde ocorreu a prestação dos serviços, no caso a entrega do bem arrendado, e não na sede da prestadora, aplicando o princípio da territorialidade no critério espacial de incidência tributária.  O entendimento jurisprudencial domina as relações jurídicas, preenchendo a lacuna deixada pela ineficiência legislativa quanto ao Direito Tributário, causando inúmeros casos de bitributação, levando a insegurança jurídica sobre o local correto para o recolhimento do tributo, deixando o prestador de serviços a mercê da guerra entre municípios. O legislador, tentando solucionar o conflito de competência e regulamentar o ISSQN, promulgou a Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003, repetindo o disposto na legislação antepassada (Decreto Lei nº 406/68), definindo em seu art. 3º o local onde é devido o imposto como o estabelecimento do prestador, ou na falta deste, no domicílio do prestador, salvo as exceções previstas nos incisos do artigo supracitado. Neste diapasão surge a problemática com relação ao arrendamento mercantil, internacionalmente conhecido com leasing, serviço que é divido em diversas partes, gerando divergências quanto à incidência do ISSQN, e via de conseqüência, aos que afirmam haver obrigação jurídico tributária referente ao imposto sobre serviços, onde o tributo deve ser recolhido, na sede do prestador de serviços, ou no município onde o bem arrendado foi entregue. A falta de doutrina especializada no que concerne ao ISSQN, a impressionante diversidade de normas tributárias vigentes, e o controle preponderante da jurisprudência com relação ao Direito Tributário, cria o ambiente favorável as diversas discussões e conflitos jurídicos, ocasionando a insegurança jurídica e conseqüentemente a necessidade de lidar com os problemas com dedicação técnica. O ajuste deve ser dado pela Ciência do Direito, utilizando-se de técnicas científicas para se chegar à melhor conclusão sobre o tema em quadro. A aplicação da regra matriz de incidência tributária, em especial o seu critério espacial, objetiva dar maior capacidade a todos os sujeitos do Direito Tributário a elevar a segurança jurídica de suas relações, principalmente os contribuintes no momento da quitação da obrigação tributária. A importância do assunto fundamenta-se na segurança jurídica, princípio basilar do Direito como ciência e como fator social preponderante para que tenhamos o controle do Estado em busca de maior proteção aos contribuintes que já se sujeitam a imensa tributação, uma das maiores do mundo, não podendo ainda estar diante da insegurança quanto a forma correta de quitação das suas obrigações frente a incapacidade legislativa e a demora jurisprudencial em solucionar a problemática exposta. O objetivo mor do presente trabalho é o exame conceitual dos termos ora telados, enfocando na aplicação do instituto da regra matriz de incidência tributária, com latente atenção em seu critério espacial, procurando trazer à baila da discussão a matriz constitucional, a legislação infraconstitucional e a jurisprudência pertinente ao caso. A conclusão que se busca é a efetividade do princípio da segurança jurídica, utilizando-se do critério espacial não para examinar uma base legal em específico, mas para trazer os requisitos e os elementos basilares a compor as possibilidades a serem observadas pelos operadores do direito. Por todo o exposto, trataremos do tema abordando os conceitos lingüísticos do arrendamento mercantil, realizando um breve estudo sobre o instituto e sua formalização empresarial e legal no Brasil, e, ato contínuo, estudar-se-á o ISS quanto à sua incidência no leasing, bem como, neste sentido, aplicar-se-á a regra matriz de incidência tributária, com foco no critério espacial para extrair dados necessários a conclusão. 2 O ARRENDAMENTO MERCANTIL A origem histórica do arrendamento mercantil é conturbada, não se sabe exatamente o período de sua criação. Isto se dá, em tese, pela dificuldade em sua definição, bem como sobre a natureza jurídica do instituto por suas semelhanças com diversos outros institutos jurídicos. Nas palavras de GICO[1], temos que a origem do arrendamento mercantil deu-se no Lend and Lease Act americano de 1941, vejamos: “Em geral, atribui-se o arrendamento mercantil primeiro ao Lend and Lease Act americano de 1941, quando, em plena Segunda Guerra Mundial, o então presidente Roosevelt determinou o empréstimo de equipamentos bélicos aos países aliados, sob condição de, finda a guerra, estes comprarem ou devolverem aqueles[…]” Apesar de não haver precisão na data em que foi implantado o instituto sob comento em nosso país, a evolução do leasing aliada ao crescimento da atividade industrial na década de 60 trouxe a solução mercantil sem que houvesse legislação a organizá-la. Apenas em 12 de setembro de 1974 foi sancionada a Lei 6.099 que veio dispor sobre o tratamento tributário a ser dado ao leasing, chamando-o de arrendamento mercantil. Assim, tem-se como data oficial do reconhecimento do leasing no Brasil o dia 12 de setembro de 1974, com a regulação de seus efeitos tributários, haja vista que se fazia necessário a regulamentação do que já era utilizado pelo comércio desde a década de 60, em pleno regime militar. No Brasil, consoante supracitado, a Lei nº 6.099/74 denominou o instituto como arrendamento mercantil, inspirado na velha locação mercantil disposta no art. 228 do antigo Código Comercial. A professora Maria Helena Diniz[2] ao conceituar o arrendamento mercantil afirma: “É o contrato pela qual uma pessoa jurídica, pretendendo utilizar determinado equipamento, comercial ou industrial, ou um certo imóvel, consegue que uma instituição financeira o adquira, arrendando-o ao interessado por tempo determinado, possibilitando-se ao arrendatário, findo tal prazo, optar entre a devolução do bem, a renovação do arrendamento, ou a aquisição do bem arrendado mediante um preço residual previamente fixado no contrato, isto é, o que fica após a dedução das prestações até então pagas.” Vê-se que a estrutura conceitual do arrendamento mercantil formulada pelos doutrinadores dispõe acerca de alguns elementos inerentes ao instituto jurídico, o que se coaduna com a conceituação legislativa presente na lei 6.099/74 no parágrafo único do art. 1º: “Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.” Assim sendo, o leasing envolve três sujeitos partícipes, quais sejam, o arrendador, o arrendatário e o fornecedor do bem. Conclui-se, portanto, que o arrendamento mercantil é contrato atípico e complexo pelo qual se estabelece um pacto entre o arrendador e o arrendatário, onde o primeiro cede ao segundo o uso e o gozo da posse direta de determinado bem, móvel ou imóvel, para sua utilização por prazo certo e determinado, recebendo em troca a contraprestação, podendo, ao fim do contrato o arrendatário adquirir a propriedade do bem por valor anteriormente pactuado, renovar a contratação por novo prazo ou realizar a devolução do bem ao arrendador. 3 A INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS NO ARRENDAMENTO MERCANTIL O imposto sobre serviços é consagrado em nossa Carta Magna de 1988 em seu artigo 156, inciso III, consagrando toda a história evolutiva do tributo e confirmando suas características básicas, ou seja, a competência municipal, definido em lei complementar, tendo como fato gerador a prestação do serviço, como base de cálculo o preço do serviço, como contribuinte o prestador do serviço e em conformidade com o inciso I do parágrafo 3º do artigo 156 a lei complementar que instituir o imposto deverá limitar sua alíquota máxima e mínima. ACQUAVIVA[3] conceitua o imposto sobre serviços de qualquer natureza como o “imposto de competência dos municípios cujo fato gerador é a prestação, por empresa ou profissional autônomo, com ou sem estabelecimento fixo, de serviço. A base de cálculo do imposto é o preço do serviço”. Mas o que é serviço? O art. 3º da Lei 8.078/90 em seu parágrafo 2º conceitua serviço como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Serviço, portanto, tem três características fundamentais: a) é obrigação de fazer; b) para terceiros; e, c) mediante remuneração. Diante desses elementos, podemos conceituar serviço claramente e de forma simples como a realização de uma obrigação de fazer para terceiros mediante remuneração, excetuando-se às de caráter trabalhista. Pontue-se que a concepção civilista disciplina a prestação de serviços como uma obrigação de fazer, e em conformidade com o art. 110 do CTN a lei tributária não pode restringir ou aumentar o alcance dos conceitos de direito privado. Diante desses aspectos, o nosso entendimento jurisprudencial em torno da incidência do imposto sobre serviços no arrendamento mercantil evoluiu até o tema tornar-se objeto da Súmula nº 138 do STJ[4]. Constata-se que o entendimento da Corte Superior tem como data liame 01 de janeiro de 1987, pois a partir desse momento, com a vigência da Lei Complementar nº 56/87, o arrendamento mercantil passou a fazer parte do rol de serviços tributáveis pelo ISSQN. A discussão então chegou ao Supremo Tribunal Federal que no Informativo 570 declarou sob o título “Leasing” e Incidência do ISS – 2  haver a incidência do tributo sobre o instituto. “O Tribunal concluiu julgamento de dois recursos extraordinários em que se discutia a constitucionalidade, ou não, da incidência do Imposto sobre Serviços de qualquer Natureza – ISS sobre operações de arrendamento mercantil (leasing) — v. Informativo 534. Deu-se provimento ao RE 547245/SC, interposto pelo Município de Itajaí, e negou-se provimento ao RE 592905/SC, interposto por instituição financeira. Afirmou-se, quanto ao caráter jurídico do contrato de arrendamento mercantil, que ele seria contrato autônomo que compreenderia 3 modalidades: 1) o leasing operacional; 2) o leasing financeiro e 3) o chamado lease-back (Resolução 2.309/96 do BACEN, artigos 5º, 6º e 23, e Lei 6.099/74, art. 9º, na redação dada pela Lei 7.132/83). Asseverou-se que, no primeiro caso, haveria locação, e, nos outros dois, serviço. Ressaltou-se que o leasing financeiro seria modalidade clássica ou pura de leasing e, na prática, a mais utilizada, sendo a espécie tratada nos recursos examinados. Esclareceu-se que, nessa modalidade, a arrendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor e entrega seu uso e gozo ao arrendatário, mediante pagamento de uma contraprestação periódica, ao final da locação abrindo-se a este a possibilidade de devolver o bem à arrendadora, renovar a locação ou adquiri-lo pelo preço residual combinado no contrato. Observou-se que preponderaria, no leasing financeiro, portanto, o caráter de financiamento e nele a arrendadora, que desempenha função de locadora, surgiria como intermediária entre o fornecedor e arrendatário. Após salientar que a lei complementar não define o que é serviço, mas apenas o declara, para os fins do inciso III do art. 156 da CF, concluiu-se que, no arrendamento mercantil (leasing financeiro) — contrato autônomo que não é contrato misto, cujo núcleo é o financiamento e não uma prestação de dar —, por ser financiamento serviço, poderia sobre ele incidir o ISS, resultando irrelevante a existência de uma compra. Vencido o Min. Marco Aurélio, que, por reputar que locação gênero não é serviço, considerava inconstitucional a incidência do tributo, reportando-se ao voto que proferira no julgamento do RE 116121/SP” (DJU de 25.5.2001). Humildemente, registre-se que o entendimento da presente trabalho é pela incidência do ISSQN sobre o arrendamento mercantil por estarem dispostos todos os elementos que ensejam a subsunção na hipótese de incidência do tributo, sendo uma prestação de serviços constante do rol taxativo da Lei Complementar nº 116 de 31 de julho de 2003. Ora, sendo o arrendamento mercantil uma obrigação de fazer em razão da finalidade de utilização do bem arrendado para fins mercantis, ou seja, obtenção de lucro, realizada para terceiros e com remuneração, temos os três elementos formadores de uma prestação de serviço. Num segundo momento, apresenta-se disposto em diversos itens da Lista de Serviços anexa a Lei Complementar nº 116/03, e assim, não se vislumbra outra tese que não seja a incidência do tributo telado no instituto em quadro. O debate que agora se trava é acerca do local onde incide o tributo, ou seja, quanto à aplicação do critério espacial da regra matriz de incidência tributária com relação ao imposto sobre serviços de qualquer natureza no arrendamento mercantil, âmago do trabalho. 4 A DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA TERRITORIAL Inicialmente, mister destacar as duas teses adotadas pela doutrina. Uma afirma que a incidência do tributo com relação ao arrendamento mercantil é na sede da arrendadora, outra parte afirma ser o local onde efetivamente realizou-se a prestação de serviços ou o da entrega do bem, como queira. 4.1 A tese da incidência na sede da arrendadora Sinteticamente, a tese pela incidência na sede da arrendadora tem base na aplicação do art. 4º da Lei Complementar nº 116/03, ou seja, a tributação do arrendamento mercantil se daria em conformidade com a regra geral. O art. 3º da Lei Complementar nº 116/03 que baliza o imposto sobre serviços de qualquer natureza expressa que “o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador[…]”. Como vemos, a legislação tem como regra geral o município da sede como o local onde é devido o imposto. Tal afirmação em conjunto com o art. 4º da LC 116/03 dá a base da tese defendida pela incidência na sede da arredadora, in verbis: “Art. 4º. Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.” Esse não é o entendimento do presente trabalho conforme se argumentará, traduzido na jurisprudência do STJ. “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ISS. COMPETÊNCIA. LOCAL DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. PRECEDENTES. I – Para fins de incidência do ISS – Imposto Sobre Serviços -, importa o local onde foi concretizado o fato gerador, como critério de fixação de competência do Município arrecadador e exigibilidade do crédito tributário, ainda que se releve o teor do art. 12, alínea “a” do Decreto-Lei n.º 406/68. II – Embargos rejeitados. (EREsp 130792/CE, Rel. Ministro  ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministra  NANCY ANDRIGHI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 07/04/2000, DJ 12/06/2000 p. 66) 4.2 A autonomia municipal Com vistas a delimitar a questão em foco, é válido destacar a autonomia municipal para que depois possamos realizar o exame do conflito de competência, tanto no seu aspecto heterogêneo como também o homogêneo. VALE, em apertada síntese, diz que autonomia “é a faculdade de se governar por si mesmo ou um direito de se reger por leis próprias”. Com espeque no contexto exposto pelos artigos dispostos no Capítulo IV da Constituição Federal, evidencia-se a autonomia municipal, inclusive para legislar sobre assuntos de interesse local e instituir e arrecadar os tributos de sua competência. A competência tributária é clarificada no art. 156 de nossa Carta Magna. É que sem arrecadação a autonomia municipal estaria mitigada, sendo inclusive inconstitucional qualquer lei de outro ente federativo que retire a autonomia da urbe. Cumpre ressaltar as palavras de GALVÃO[5] informando que “mais por tradição histórica, a autonomia municipal está, amplamente, assegurada no Texto Magno, despontando, dalí, como um dos mais importantes princípios jurídico-constitucionais”. Ora, claro se faz que a União ao legislar sobre o local de incidência do imposto sobre serviços não poderia negar a autonomia municipal para dispor sobre a questão, pois, assim, estaria menoscabada a competência delimitada no Texto Maior. Neste diapasão, com fulcro na autonomia municipal, razoável se faz o estudo do conflito de competência, com sede no conflito homogêneo. 4.3 O conflito de competência O conflito de competência se afirma em dois tipos, o heterogêneo e o homogêneo, sendo o primeiro relativo a dúvidas com relação a subsunção de um fato concreto na hipótese de incidência de mais de um tributo de competências diversas, por exemplo, ISS e ICMS. O segundo – conflito de competência homogêneo, diz respeito ao debate ora traçado, e refere-se a titularidade do ente federativo onde é devido o imposto, quando duas ou mais pessoas políticas de mesmo patamar, in casu, mais de um município, exigem a exação fiscal de um mesmo tributo ocasionado por um idêntico fato gerador. O conflito homogêneo tem dimensão espacial, pois tem base na vigência e na validade de uma lei no espaço. Quanto à questão, expressa com maestria BARROS[6]: “Recolhido o fato de ser o Brasil juridicamente, uma Federação, e o de haver Municípios dotados de autonomia, a vigência das normas tributárias ganha especial e relevante importância. Vê-se, na disciplina do Texto Constitucional, a preocupação sempre presente de evitar que a atividade legislativa de cada uma das pessoas políticas interfira nas demais, realizando a harmonia que o constituinte concebeu. É a razão de ter-se firmado a diretriz segundo a qual a legislação produzida pelo ente político vigora no seu território e, fora dele, tão-somente nos estritos limites em que lhe reconheçam extraterritorialidade os convênios de que participem. Nessa linha de raciocínio, as normas jurídicas editadas por um Estado são vigentes para colher os fatos que aconteçam dentro de seus limites geográficos, o mesmo ocorrendo com os Municípios e com a própria União. Todavia, desde que se celebrem convênios entre os Estados e entre os Municípios, alguns princípios da extraterritorialidade podem ser eleitos e, nessa estrita dimensão, as normas de um serão vigentes no território do outro. Passa-se o mesmo com a União, quer na sua qualidade de pessoa política de direito constitucional interno, quer como pessoa no direito das gentes. Participando no concerto das nações, assina tratados e convenções internacionais que têm o condão de imprimir vigência às suas normas, mesmo em território estrangeiro”. Nesse sentido, a legislação municipal erguerá a hipótese de incidência tributária, argüindo os critérios material, temporal e espacial a concretizar o fato gerador. Destaque-se que a prestação de serviços é o fato concreto que se subsume a hipótese de incidência delineada no imposto sobre serviços de qualquer natureza. Nesse esteio, a completa realização do serviço concernente às operações de arrendamento mercantil se dá no local onde efetivamente se entrega o bem arrendado para sua utilização com fito mercantil. Essa é a primeira argumentação a abraçar a tese de que a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza no arrendamento mercantil ocorre no local da prestação do serviço, ou seja, no município onde o bem foi entregue. Incumbe mencionar as palavras de VALE[7] no que compete ao entendimento jurisprudencial adotado pelo STJ. “No entanto, o Superior Tribunal de Justiça tem decidido que a tributação do imposto municipal é imponível no local onde ocorre a prestação do serviço e não no estabelecimento ou domicílio do prestador. Uma ementa exemplar: “Tributário. ISS. Sua exigência pelo Município em cujo território se verificou o fato gerador. Interpretação do art. 12 do Decreto-lei nº 406/68. Embora a lei considere local da prestação do serviço, o do estabelecimento prestador (art. 12 do Decreto-lei nº 406/68), ela pretende que o ISS pertença ao Município em cujo território se realizou o fato gerador. É o local da prestação do serviço que indica o Município competente para a imposição do tributo (ISS), para que se não vulnere o princípio constitucional implícito que atribui àquele (município) o poder de tributar as prestações ocorridas em seu território. A lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não pode ter voga. Recurso a que se nega provimento, indiscrepantemente” (STJ – 1º T – Resp 54.002-0/PE – j. em 5.4.95 – DJU  de 1 de 8.5.85). O conflito de competência ocorre quando uma edilidade entende ser no local da sede da arrendadora, enquanto outro município argumenta que é no território da efetiva prestação do serviço. Contudo, não pode haver exigência de tributo em fato gerador ocorrido em território alheio. Acompanha a tese o mestre BARRETO[8]: “Como toda outorga de competência envolve uma autorização e uma limitação, tem-se que, de um lado, a Constituição confere aos Municípios competência para exigir ISS relativamente a fatos ocorridos em qualquer lugar dentro de seus respectivos territórios; mas, de outro, proíbe-lhes a cobrança desse imposto fora desses limites. Ora, como o território nacional está integralmente segmentado em Estados e Distrito Federal e aqueles estão divididos em Municípios, o certo é que não há espaços que não pertençam a este ou àquele Município (ou ao Distrito Federal). Logo, nenhum Município (nem o Distrito Federal) pode, sob pena de invasão de competência alheia, pretender ISS sobre fatos ocorridos fora de seu território.” Isso só acontece quando há diferença entre o local da atividade-meio e da atividade-fim. Ora atividade-meio apenas diz respeito a serviços internos, normalmente fruto de relação trabalhista que tem o fito de tornar possível a realização da atividade-fim. Por outro lado, a atividade-fim é o objeto final da prestação de serviço contratado, é o interesse que o destinatário da prestação deseja na contratação. Relativamente ao arrendamento mercantil, a sede fica responsável pela formatação dos contratos, gerenciamento financeiro e contábil, dentre outras atividades claramente destinadas a oportunizar a realização da atividade-fim que ocorre em local diverso. É que a entrega do material arrendado, objetivo final do arrendatário dá-se, muitas vezes, em município distinto daquele que realizou a atividade-meio, e, portanto, a titularidade do tributo telado recai no segundo, na urbe onde se deu a efetiva prestação do serviço. Conclui-se que quando houver conflito de competência entre dois ou mais municípios o que deve ser analisado é a consecução da atividade-fim, determinando em qual edilidade se deu a prestação do serviço, diferenciado esta daquela onde se realizou apenas atividade-meio. A divergência ora apontada deve ser examinada com base em dois aspectos: o princípio da territorialidade e a aplicação do critério espacial de incidência tributária constante da regra matriz. 4.4 O princípio da territorialidade De início compete diferenciar o âmbito de vigência da lei no espaço e o critério espacial de incidência tributária. O primeiro diz respeito ao espaço territorial onde a norma editada pelo ente competente tem eficácia, assim, configurando-se o princípio da territorialidade. O segundo, como supra transcrito, informa o local da ocorrência do fato concreto que se subsume a hipótese abstrata delineada pelo legislador tributário. Apesar de quase sempre coincidirem, faz-se necessária a separação dos institutos para que se entenda de forma clara a argumentação que ora se estabelecerá. O princípio da territorialidade tem o fito de delimitar a convivência harmônica dos vários entes federativos, sendo corolário do nosso Estado Democrático de Direito, afeito ao sistema republicano e federativo, elevado a cláusula pétrea, conforme predileção do art. 60, §4º, inciso I, do Texto Magno. A nossa Constituição impôs limitações a circunscrição ou âmbito de validade de uma lei num dado território, e em via de consequência, não apenas deve ser examinado o critério material de incidência tributária. O debate ora levantado se resolve quando da aplicação do princípio da territorialidade, utilizando-se do critério temporal para delimitar o local onde efetivamente foi prestado o serviço, e, com isso, aonde é devido o imposto telado. A questão que ora se coloca diz respeito também a subsunção aos outros dois critérios existentes na regra-matriz de incidência tributária. 4.5 O critério espacial O critério espacial de incidência tributária da regra matriz de incidência tributária exposta por Paulo de Barros, por raciocínio lógico desemboca na definição de que ocorre o fato gerador do tributo no local onde expressa ou implicitamente nasce o laço obrigacional. Sobre o exposto aduz BARROS[9]: “Acreditamos que os elementos indicadores da condição de espaço, nos supostos das normas tributárias, hão de guardar uma dessas três formas compositivas, diretriz que nos conduz a classificar o gênero tributo na conformidade do grau de elaboração do critério espacial da respectiva hipótese tributária: a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver geograficamente contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares.” No caso específico do imposto sobre serviços ele suporta duas situações, uma de estipulação de critério espacial genérica e outra específica, subsumida a ocorrência do fato gerador apenas em dada circunstância territorial. Nas palavras de BARRETO[10]: O aspecto espacial desse imposto comporta duas vertentes. Uma, genérica, que se confunde com o próprio âmbito de validade da lei o qual não pode ser ampliado por iniciativa do legislador municipal, embora possa ser reduzido. A segunda, específica, diz respeito ao compromisso que a lei estabelece entre o fato imponível a uma determinada circunstância de lugar. Por exemplo, um município entende que o pagamento do tributo deve ser realizado sob sua competência arrecadatória, em razão da sede do prestador ser ali, enquanto que outro abraça a idéia de que em razão do local da efetiva prestação de serviços ser o seu território, logicamente a arrecadação do tributo é de sua competência. É o que ocorre no caso das operações de arrendamento mercantil. Relembrando conceitos de âmbito de validade da lei, princípio da territorialidade e agora o debate relativo a coadunação tempo-espaço, chega-se a assaz clara cognição de que o local onde deve ser quitado o tributo é onde efetivamente ocorreu a subsunção aos três critérios da hipótese dispostos na regra matriz de incidência tributária: material, espacial e temporal. No caso da sede não ocorre sequer a subsunção ao critério material, haja vista atividade-meio não ser tributável pelo ISSQN, enquanto que no município onde acontece a entrega do bem arrendado sim, existe a exação fiscal por submeter-se o fato concreto a todas as hipóteses. Senão, vejamos. A prestação do serviço divide-se em obrigação de fazer remunerada para terceiros, no primeiro caso – tributo na sede – não existe obrigação de fazer a terceiros, tendo em vista que as prestações realizadas visam apenas oportunizar a consecução da atividade-fim. D’outra banda, com relação ao município de entrega do bem, há a subsunção a todos os elementos da prestação de serviços – critério material de incidência tributária, ou seja, existe a obrigação de fazer que é a entrega do material para utilização e não propriedade, ocorre remuneração em razão da onerosidade do contrato de leasing, e logicamente se faz a terceiros, por claro raciocínio em razão da bilateralidade do contrato. No que concerne ao critério espacial deve ser levada em consideração também o aspecto temporal. É que o local onde se extingue a obrigação de fazer do arrendador para com o arrendatário logicamente será o município competente para arrecadar o tributo. Para que se verifique a completitude da obrigação de fazer deve ser levado em conta o tempo, ou seja, o exato momento onde ocorreu a subsunção ao critério material, configurando-se assim os outros dois critérios. Coaduna com a fundamentação ora traçada BARRETO[11]: “Impõe-se, pois a urgente reposição do único critério que parece prestigiado pela Constituição, qual seja, o de que o local da prestação é o do Município onde se conclui, onde se consuma o fato tributário, é dizer, onde se produzirem os resultados da prestação do serviço. Se o fato tributável só ocorre no momento da consumação do serviço, ou seja, no átimo da produção dos efeitos que lhe são próprios, parece ser necessário concluir que o Município competente seja o do lugar onde forem eles produzidos, executados, consumados. É fazer prevalecer só o que diz o art. 12, b (deveria ser a única regra, sem contemplar exceção): deve-se o ISS no lugar onde se efetuar a prestação”. Conclui-se, finalmente, que a prestação de serviços (critério material) é finalizada com a entrega efetiva do bem (critério temporal), objetivo final do arrendatário, e nesse momento, oportuniza-se a configuração do último elemento da regra-matriz, qual seja, no local informado pelo arrendatário (critério espacial). Nesse sentido, deve ser afastada a pressão dos Municípios de grandeza maior que se utilizam de sua influência política para angariar ainda mais tributos, ampliando sua área de competência além de seus territórios. Ora, se houve prestação de serviço num dado momento, num dado território, ali se subsume todas as hipóteses de incidência que dispõe a regra matriz, e, assim sendo, deve ser esse o município competente para arrecadar o tributo instituído mediante legislação própria e com base nas leis de hierarquia superior, respeitados os limites constitucionais. 5 CONCLUSÃO Por todo o exposto, por hialina cognição, defende-se a tese da incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza no arrendamento mercantil no local onde se efetiva a prestação do serviço (entrega do bem arrendado), sendo objetivo primordial do presente estudo dar base a fundamentações futuras acerca do tema tratado, conquanto, sobre o enfoque constitucional, não se pode mitigar a autonomia municipal, afastando-se o princípio da territorialidade, pois esse é o meio ideal para solução dos conflitos de competência homogênea.
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Garantias e privilégios do crédito tributário
Ressalta-se que a garantia assegura o exercício do direito de receber o crédito e o privilégio se refere à ordem de pagamento em relação a outros credores,  é o modo de assegurar o direito, de dar eficácia ao cumprimento de uma obrigação. Confere segurança e estabilidade ao crédito tributário, ou regularidade ou comodidade ao recebimento do tributo.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO  A Garantia é o modo de assegurar o direito, de dar eficácia ao cumprimento de uma obrigação. Confere segurança e estabilidade ao crédito tributário, ou regularidade ou comodidade ao recebimento do tributo. Segundo alguns doutrinadores, somente a Lei Complementar Federal pode instituir garantias e privilégios do crédito tributário. Outros entendem que, com base em sua competência complementar, os Estados e Municípios podem legislar sobre a matéria. Todos os bens e as rendas do sujeito passivo servem de garantia para o Fisco, ou seja, respondem pelo crédito tributário. As garantias reais mais comuns são a hipoteca e o penhor. Somente prevalecem sobre o crédito tributário os bens e rendas que a lei declare absolutamente impenhoráveis. São absolutamente impenhoráveis (art. 649 do CPC): a) os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; b) as provisões de alimentos e combustíveis necessários à manutenção do devedor e de sua família durante um mês; c) o anel nupcial e os retratos de família; d) os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de pensão alimentícia; e) os equipamentos militares; f) os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos, necessários ou úteis para o exercício de qualquer profissão; g) as pensões, as tenças, ou os montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de liberdade de terceiros, quando destinados ao sustento do devedor ou da sua família; h) os materiais necessários para obras em andamento, salvo se estas forem penhoradas; i) o seguro de vida. Também é impenhorável o bem de família (Lei 8009/90). O  Privilégio – deve ser entendido como regalia que a lei concede a determinado crédito de ser pago com preferência dos outros.
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Do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza e suas particularidades
O escopo do presente trabalho é discutir sobre as principais características do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza – Pessoa Física, bem como os aspectos controversos de tal tributo.
Direito Tributário
1 – Introdução Como é notório, para compor a regra matriz de incidência tributária de qualquer tributo, o intérprete do Direito deve partir do texto do Direito Positivo. Nesse sentido, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 43, ao estabelecer normas jurídicas sobre tal tributo, dispõe que: “Art. 43-  O imposto de renda e qualquer proveitos terá como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica. I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II- de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no item anterior.” Com base no artigo acima transcrito, infere-se que o critério material da regra matriz de incidência do imposto de renda é o verbo auferir, ao qual se agrega o complemento “renda e proventos de qualquer natureza”. Nesse ínterim, ressalte que renda é todo acréscimo patrimonial, todo ingresso líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em dinheiro, periódico, transitório ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que importe um incremento líquido do patrimônio de determinado individuo, em certo período de tempo. Face ao exposto, é natural inferir que na hipótese da regra matriz de incidência do imposto sobre a renda – pessoa física (descritor), encontraremos um critério material (comportamento de uma pessoa, que no caso em epígrafe será auferir renda) condicionada no tempo, ou seja, no final do exercício financeiro (critério temporal), e no espaço (critério espacial), que para o Imposto de Renda – Pessoa Física será qualquer lugar do mundo, devido ao princípio da tributação universal. Na conseqüência (prescritor), depararemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). Logo, a regra matriz de incidência tributária do imposto sobre a renda, poderia ser sistematizada da seguinte forma: Antecedente – Critério material: adquirir a disponibilidade econômica e jurídica de renda e proventos de qualquer natureza; – Critério espacial: a renda ou provento percebido no território nacional, por residentes e não residentes no país e no exterior – Critério temporal: até 31 de dezembro de cada ano. Conseqüente – Critério pessoal: União Federal (sujeito ativo da relação jurídica tributária), sujeito passivo é a pessoa física que adquire renda ou proventos. – Critério quantitativo: total de rendimentos percebidos, menos as despesas necessárias à produção de rendimentos, bem como as deduções legalmente previstas. – Alíquota: – tabela progressiva – 7,5% a 27, 5%. Feita a delimitação da regra matriz de incidência tributária que será estudada, esclarece-se que objetivo deste trabalho é submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese do Imposto sobre a Renda – Pessoa Física, apontando posições de alguns respeitáveis juristas sobre o tema, com o intuito de esboçar um posicionamento tímido sobre o tema. 2 – Da importância dos princípios da generalidade, universalidade e progressividade na conformação da regra matriz de incidência desse imposto Conforme dispõe o artigo 153, § 2º, inciso I da Constituição Federal, o imposto sobre a renda será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei. Dessa forma, segundo a Carta Magna, os referidos princípios devem informar a produção normativa atinente ao imposto sobre a renda. Logo, para atender o princípio da generalidade, o imposto deve incidir sobre todas as espécies de renda, isto é, todo acréscimo patrimonial deve ser submetido ao mesmo tratamento. Infere-se, deste modo, que o imposto sobre a renda não pode ser seletivo, onerando mais algumas espécies de acréscimos patrimoniais e menos em outras. Em razão de tal princípio, a renda deve ser considerada como um todo, impedindo que venha a incidir o imposto sobre certas espécies de renda, desconsiderando-se outras. Pelo princípio da universalidade, deverão ser tributadas todas as rendas do contribuinte, independentemente do local em que foram geradas. Em razão de tal princípio, aplica-se a tabela de alíquotas crescentes uma única vez sobre a totalidade do acréscimo patrimonial, e pela generalidade, também se aplica a mesma tabela uma única vez, de forma indistinta sobre todo o aumento patrimonial, quaisquer que tenham sido suas fontes produtoras. Por último, pelo princípio da progressividade, as alíquotas devem ser tanto maiores quanto mais significativa for a renda passível de tributação pelo Imposto sobre a Renda. Para que se verifique o pleno atendimento ao princípio da progressividade, todo acréscimo patrimonial deverá ser considerado, aplicando a esse aumento, uma única vez. Em suma, a regra matriz de incidência tributária do imposto de renda, que tem como antecedente “auferir renda e proventos de qualquer natureza” como fato de possível ocorrência deverá estabelecer que todo o patrimônio do sujeito passivo da obrigação tributária seja considerado, que todo acréscimo patrimonial seja verificado e submetido ao mesmo tratamento, e que o imposto se dê de forma progressiva, sendo maior a alíquota quanto maior a base tributável. 3 – Do conceito de “renda” e de sua definição Primeiramente, insta ressaltar que, o conceito renda não está explicitado no texto constitucional. Contudo, existem conceitos que se aproximam ou influem no conceito de renda.  São esses conceitos o faturamento, patrimônio, capital, lucro, resultado e ganho. Tais conceitos estão previstos em diversos dispositivos constitucionais e dão ao intérprete parâmetros mínimos para constituir o conteúdo semântico mínimo do conceito constitucionalmente pressuposto de renda. Conforme leciona o Professor Paulo de Barros Carvalho, existem três correntes doutrinárias que conceituam “renda”: a Teoria da Fonte, a Teoria Legalista, e a Teoria do Acréscimo Patrimonial. Prevalece no Direito brasileiro a Teoria do Acréscimo Patrimonial, segundo o qual a “renda é todo acréscimo patrimonial, todo ingresso líquido, em bens materiais, imateriais ou serviços avaliáveis em dinheiro, periódico, transitório ou acidental, de caráter oneroso ou gratuito, que importe um incremento líquido do patrimônio de determinado individuo, em certo período de tempo.” Provento, por sua vez, significa o resultado, lucro, crédito. É o lucro ganho ou obtido em um negócio, e tem sentido análogo a proveito ou resultado obtido. O termo proveito também pode significar uma forma específica de rendimento tributável, tecnicamente, compreendida como o fruto não da realização imediata e simultânea de um patrimônio, mas sim o acréscimo patrimonial resultante de uma atividade que já cessou, mas que ainda produz rendimentos, como os benefícios de origem previdenciária, pensões e aposentadoria. Já proventos em acepção mais ampla, podem ser considerados todos os acréscimos patrimoniais não resultantes do capital ou do trabalho. A importância da delimitação de tais conceitos reside na definição do que é acréscimo patrimonial pra fins de tributação. Nesse sentido, vale lembrar que o Imposto sobre a Renda não é uma exação sobre o patrimônio, mas sobre o acréscimo, isto é, sobre a riqueza nova ser incorporada. Ao conferir significados mais restritivos ao conceito “renda” ou mesmo “proventos” estaremos modificando a renda matriz de incidência tributária, principalmente seu critério material e a base de cálculo. Estaremos, assim, transformando Imposto Sobre a Renda em Imposto Sobre o Patrimônio resultando na bitributação vedada pela Lei Maior. 4 – Da diferenciação da disponibilidade econômica e disponibilidade jurídica O imposto sobre a renda, de longa tradição na história brasileira e na mundial -desde William Pitt, que desenhou seu perfil moderno, na Inglaterra, em 1799, para financiar a guerra contra a França- é, de rigor, um imposto incidente sobre o acréscimo patrimonial, bem definido pelo legislador complementar como a “aquisição de disponibilidade jurídica e econômica de renda ou de proventos de qualquer natureza. Incide, pois, sobre a renda e sobre proventos, desde que representem, uns e outros, aquisição de disponibilidade econômica e jurídica. Dessa forma, a disponibilidade econômica se dará quando a renda auferida tiver sido efetivamente recebida pelo titular. A aquisição se dá pelo fato material, independentemente da legalidade, ou do modo da obtenção. Dessa forma, a disponibilidade econômica pode ocorrer de forma ilícita, isto é, não acolhida pelo Direito. Assim sendo, de acordo com a Jurisprudência dominante, pode ser considerada renda, decorrente de disponibilidade econômica e passível de tributação, valores provenientes de atividades como prostituição, corrupção, jogo do bicho. Por sua vez, haverá disponibilidade jurídica no exato momento em que a renda for auferida, isto é, produzida, independentemente de sua efetiva percepção em dinheiro. Podemos também entender a disponibilidade jurídica a aquisição por meio de formas legais e legítimas. Assim, para grande parte dos doutrinadores, o elemento distintivo entre a disponibilidade jurídica e disponibilidade econômica é a circunstância do fato causador do aumento patrimonial ser ou não regido pelo Direito. Logo, no caso de fatos não regidos pelo Direito, haveria disponibilidade econômica, sendo que os fatos regulados pelo Direito originariam recursos cuja disponibilidade seria jurídica. 5 – Das verbas indenizatórias e a discussão sobre sua inclusão na base de cálculo do imposto sobre a renda O art. 153, inciso III, da Constituição Federal, determina a competência da União Federal para a instituição de imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. De acordo com o art. 43, do Código Tributário Nacional, renda seria o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Já proventos de qualquer natureza seriam os acréscimos patrimoniais não compreendidos entre aqueles derivados do produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Face ao teor do artigo supramencionado, questionamos: é possível a tributação de verbas indenizatórias? Entendo que a resposta deva ser não. Eduardo Gomes Philippsen, preleciona que: “Indenizar é tornar indene, isto é , sem dado. Indenizar, portanto, é retirar o dano. A indenização pode se dar de diversas formas. Não há uma única espécie de indenização, pelo simples fato de que não há uma única espécie de dano. Relevante distinção a ser feita funda-se no objeto jurídico lesado, que deve ser reparado pela indenização. Se a lesão ocorreu em bem jurídico de natureza patrimonial, teremos uma espécie de indenização; ao contrário, se o bem lesado é extrapatrimonial, a indenização terá natureza distinta.”[1] Assim, é natural inferir que as verbas indenizatórias, via de regra, não podem ser consideradas renda, entendida como acréscimo patrimonial, eis que a indenização visa recompor o patrimônio do contribuinte, fazer com que seja recobrado o status quo ante.   Segundo o entendimento dominante na Jurisprudência pátria, enquandram-se na situação acima exposta os valores relativos a férias não gozadas, licenças-prêmio convertidas em pecúnia, gratificação de Plano de Demissão Voluntária ( PDV), dentre outros. Contudo, se a verba paga por ocasião do encerramento do contrato de trabalho tiver natureza salarial, tais valores não estarão albergados na isenção prevista do art. 6º, V da Lei n° 7.713/88 e no art. 39 do Decreto n° 3.000/99. Logo, sofrerão incidência do referido tributo. Nesse ínterim, podemos elencar como verbas passíveis de incidência de Imposto sobre a Renda: adicional de 1/3 sobre férias gozadas, adicional noturno, complementação temporária de proventos, décimo terceiro salário, gratificação de produtividade, gratificação por liberalidade e horas extras. Nesse sentido, colaciona-se a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça- STJ, que pacificou a questão: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. VERBAS REMUNERATÓRIAS. IMPOSTO DE RENDA. “INDENIZAÇÃO ESPECIAL”. NATUREZA SALARIAL. INCIDÊNCIA. 1. É cediço na Corte que têm natureza indenizatória, a fortiori afastando a incidência do Imposto de Renda: a) o abono de parcela de férias não-gozadas (art. 143 da CLT), mercê da inexistência de previsão legal, na forma da aplicação analógica da Súmulas 125⁄STJ, verbis: “O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência  do Imposto de Renda.”, e da Súmula 136⁄STJ, verbis: “O pagamento de licença-prêmio não gozada, por necessidade do serviço, não está sujeito ao Imposto de Renda.” (Precedentes: REsp 706.880⁄CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 17.10.2005; REsp 769.817⁄PB, Rel. Min. Castro Meira, DJ 03.10.2005; REsp 499.552⁄AL, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ 19.09.2005; REsp 320.601⁄DF, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 30.05.2005; REsp 685.332⁄SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 14.02.2005; AgRg no AG 625.651⁄RJ, Rel. Min. José Delgado, DJ 11.04.2005); b) as férias não-gozadas, indenizadas na vigência do contrato de trabalho, bem como as licenças-prêmio convertidas em pecúnia, sendo prescindível se ocorreram ou não por necessidade do serviço, nos termos da Súmula 125⁄STJ (Precedentes: REsp 701.415⁄SE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 04.10.2005; AgRg no REsp 736.790⁄PR, Rel. Min. José Delgado, DJ 15.05.2005; AgRg no AG 643.687⁄SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 27.06.2005); c) as férias não-gozadas, licenças-prêmio convertidas em pecúnia, irrelevante se decorreram ou não por necessidade do serviço, férias proporcionais, respectivos adicionais de 1⁄3 sobre as férias, gratificação de Plano de Demissão Voluntária (PDV), todos percebidos por ocasião da extinção do contrato de trabalho, por força da previsão isencional encartada no art. 6º, V, da Lei 7.713⁄88 e no art. 39, XX, do RIR (aprovado pelo Decreto 3.000⁄99) c⁄c art. 146, caput, da CLT (Precedentes: REsp 743.214⁄SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 17.10.2005; AgRg no AG 672.779⁄SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 26.09.2005; AgRg no REsp 678.638⁄SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 03.10.2005; REsp 753.614⁄SP, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ 26.09.2005; REsp 698.722⁄SP, Rel. Min. Castro Meira, DJ 18.04.2005; AgRg no AG 599.930⁄SP, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 07.03.2005; REsp 675.994⁄CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 01.08.2005; AgRg no AG 672.779⁄SP, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 26.09.2005; REsp 331.664⁄SP, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 25.04.2005). 2. Deveras, em face de sua natureza salarial, incide a referida exação: a) sobre o adicional de 1⁄3 sobre férias gozadas (Precedentes: REsp 763.086⁄PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 03.10.2005; REsp 663.396⁄CE, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 14.03.2005); b) sobre o adicional noturno (Precedente: REsp 674.392⁄SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 06.06.2005); c) sobre a complementação temporária de proventos (Precedentes: REsp 705.265⁄RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 26.09.2005; REsp 503.906⁄MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 13.09.2005); d) sobre o décimo-terceiro salário (Precedentes: REsp 645.536⁄RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 07.03.2005; EREsp 476.178⁄RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 28.06.2004); sobre a gratificação de produtividade (Precedente: REsp 735.866⁄PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 01.07.2005); e) sobre a gratificação por liberalidade da empresa, paga por ocasião da extinção do contrato de trabalho (Precedentes: REsp 742.848⁄SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27.06.2005; REsp 644.840⁄SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 01.07.2005); f) sobre horas-extras (Precedentes: REsp 626.482⁄RS, Rel. Min. Castro Meira, DJ 23.08.2005; REsp 678.471⁄RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 15.08.2005; REsp 674.392⁄SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 06.06.2005) 3. In casu, o pagamento feito pelo empregador a seu empregado, a título de “indenização especial”, em reconhecimento por relevantes serviços prestados à empresa, não tem natureza indenizatória, sujeitando-se, assim, a incidência do Imposto de Renda. 4. Embargos de Divergência rejeitados, divergindo do E. Relator.” Conclui-se, dessa forma, que o imposto de renda e proventos de qualquer natureza somente pode incidir sobre verbas que possuam natureza salarial, uma vez que estas representam acréscimo patrimonial. Admitir exegese contrária ao entendimento ora esposado, resulta em macular o conceito de renda e o transmutar a tributação sobre a renda em tributação sobre patrimônio. 6 – Conclusão Em síntese, vale ressaltar que o Imposto Sobre a Renda é de grande importância na vida econômica moderna como fonte de arrecadação e como função econômico-social a cumprir. Trata-se de um imposto que resulta do próprio desenvolvimento da economia capitalista. Neste sentido, José Afonso da Silva, assevera que o imposto sobre a renda “É o imposto mais importante e é o mais rentável do sistema tributário nacional; na sua concepção entram toda disponibilidade econômica ou jurídica proveniente do rendimento do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, assim como todo acréscimo ao patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas; ´é um imposto que, além de captar receita adequada para os cofres públicos, é capaz, graças à flexibilidade de sua incidência, de promover a expansão econômica e corrigir as desigualdades da distribuição da renda social entre os indivíduos e entre as regiões do país´, mas não tem sido assim entre nós, pois sua administração fá-lo incidir mais onerosamente sobre as classes média-baixa e média-alta do que sobre as classes de rendas mais elevadas. É informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, e não incidirá nos termos e limites fixados em lei”.[2] Contudo, não possui o legislador infra-constitucional liberdade ampla e irrestrita para tributar todo e qualquer ingresso financeira como renda. Embora não haja consenso doutrinário sobre o conceito “renda”, o Supremo Tribunal Federal –STF, decidiu no RE 346.084 a necessidade de incorporação dos conceitos infra-legais pela Constituição Federal: “Como já exposto, não há, na Constituição Federal, prescrição de significado do termo faturamento. Se se escusou a Constituição de o definir, tem o intérprete de verificar, primeiro, se, no próprio ordenamento, havia então algum valor semântico a que pudesse filiar-se o uso constitucional do vocábulo, sem explicitação de sentido particular, nem necessidade de futura regulamentação por lei inferior. É que, se há correspondente semântico na ordem jurídica, a presunção é de que a ele se refere o uso constitucional. Quando uma mesma palavra, usada pela Constituição sem definição expressa nem contextual, guarde dois ou mais sentidos, um dos quais já incorporado ao ordenamento jurídico, será esse, não outro, seu conteúdo semântico, porque seria despropositado super que o texto normativo esteja aludindo a objeto extrajurídico.”[3] Assim, o legislador infraconstitucional está atrelado aos ditames estabelecidos pela Carta Magna, bem como ao princípio da Legalidade, do Mínimo Existencial, da Proporcionalidade, Capacidade Contributiva (dentre outros), que servem como “freio” a fim de evitar exações inconstitucionais, bem como ampliações de bases de cálculo que visem a tributar o patrimônio do contribuinte e não sua renda propriamente dita.
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O FUNRURAL entendido a partir do julgamento do RE 363.852/MG: A contribuição previdenciária devida pelo empregador rural, pessoa física
As considerações aqui apostas partem do julgamento proferido pelo STF no RE 363.852/MG, que decidiu pela inconstitucionalidade da contribuição previdenciária prevista pela Lei nº 8.540/92, que tinha como base de cálculo o valor da comercialização da produção rural do empregador rural, pessoa natural. Não se objetiva manifestar-se sobre o acerto da referida decisão, mas sim evidenciar pontos não abordados expressamente pela Suprema Corte, primeiramente no tocante à terminologia adotada na designação da exação, tecendo considerações acerca das contribuições dirigidas à Previdência Social, antes e depois da vigência da Constituição de 1988 para, ao final, indicar exatamente qual tributo foi declarado inconstitucional pelo STF no recurso acima referido.
Direito Tributário
1. Considerações Iniciais O presente artigo traz breves considerações envolvendo importante precedente jurisprudencial relativo à decisão proferida pelo E. STF no RE 363.852/MG, com sucinta abordagem histórica sobre as contribuições destinadas ao financiamento da previdência social dos trabalhadores rurais, esclarecendo-se imprecisão terminológica que acabou tomando conta das discussões jurídicas sobre o tema. 2. O FUNRURAL: imprecisão terminológica Primeiramente, necessário esclarecer confusão terminológica havida já no julgamento do citado RE 363.852/MG, imprecisão essa que pode confundir o leitor do voto condutor dessa decisão. Objetivamente falando: não existe mais a contribuição para o FUNRURAL, de modo que ninguém mais contribui com esse tributo, tal como ele foi criado, pois esta exação não existe mais. O denominado FUNRURAL, contribuição social que visava a custear a previdência social dos trabalhadores rurais, foi criado no longínquo ano de 1955, através da Lei nº 2.613, instituidora da Exação para o Custeio da Previdência Rural, tendo como fato gerador a subsistência de relação de emprego rural, tendo como base de cálculo a folha de salários, à alíquota de 3% (três por cento). Em 1970, por meio de Decreto-lei nº 1.146, reduziu-se a alíquota da contribuição para 2,5% (dois vírgula cinco por cento). Posteriormente, a Lei Complementar nº 11, de 25.5.1971, instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRORURAL, de modo que os recursos para o custeio do programa proviriam apenas da contribuição a cargo do produtor rural, por meio da incidência de alíquota de 2% sobre o valor da venda dos produtos rurais e mais 2,6% sobre a folha de salários. Veja-se a redação de seu artigo 15: “Art. 15 – Os recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural provirão das seguintes fontes: I – da contribuição de 2% (dois por cento) devida pelo produtor, sobre o valor comercial dos produtos rurais, e recolhida: a) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa que ficam sub-rogados, para esse fim, em todas as obrigações do produtor; b) pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos ou vendê-los, no varejo, diretamente ao consumidor. II – da contribuição de que trata o artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.146, de 31 de dezembro de 1970, a qual fica elevada para 2,6% (dois e seis décimos por cento), cabendo 2,4% (dois e quatro décimos por cento) ao FUNRURAL.” (g.n.) Não se pode esquecer que naquele momento estava-se sob a égide da Constituição Federal de 1967, alterada pela EC nº 1/69; assim, o custeio da previdência social “rural” era feito apenas por meio de contribuições exigidas dos empregadores – na verdade, uma mesma contribuição com duas bases de cálculo diferentes. Além do mais, claramente dividia-se o financiamento da Previdência Social urbana – esta a cargo dos empregadores e empregados – e a Previdência Social rural – a cargo somente dos produtores rurais/empregadores, sem qualquer contribuição devida pelos empregados rurais. Como reforça Ionas Deda Gonçalves: “Em 1971, a Lei Complementar nº 11, de 25 de maio, instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – PRORURAL – , nova tentativa de equacionar o problema da proteção social dos trabalhadores do campo, que passou a ser administrado pelo FUNRURAL. Observa-se, portanto, que o trabalhador rural ainda tinha um sistema de proteção diferenciado em relação ao trabalhador urbano”. (GONÇALVES, 2007, p. 4) Portanto, durante todo o período anterior à 5 de outubro de 1988, existiam no Brasil dois “Sistemas Previdenciários”, um rural e outro urbano. Mas, como se sabe, com o advento da Carta Política de 1988, instituiu-se um único “Sistema Previdenciário”, independentemente do trabalhador ser urbano ou rural. Em síntese, o art. 194 da Constituição determinou caber ao Poder Público e à Sociedade (sem fazer qualquer distinção) agir de forma integrada para assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social – estes os três pilares da Seguridade Social[1]. Dessa forma, a previdência social, espécie do gênero seguridade social, ganhou da Constituição contornos de unicidade e uniformidade, sem distinguir aquela destinada aos trabalhadores urbanos daquela referente aos rurais. Portanto, a partir de 1988, com a unificação (leia-se ‘ausência de distinção’) dos Sistemas Previdenciários dos trabalhadores rurais e urbanos, presume-se proibida a existência de quaisquer normas diferenciadoras. Nesse sentido, pode-se dizer com absoluta certeza que a Lei Complementar nº 11/71 (que foi o primeiro instrumento normativo a instituir contribuição sobre a venda dos produtos rurais) não foi recepcionada pela Carta de 1988, pelo menos até a promulgação das leis reguladores do novo sistema previdenciário. Ato contínuo, imbuída deste mandamento constitucional, a Lei nº 7.787/89 suprime a contribuição destinada ao FUNRURAL, anteriormente prevista no citado art. 15 da Lei Complementar 11/71, e determina que a contribuição devida pelos empregadores rurais será a mesma dos empregadores urbanos, conforme dispõe o art. 3º da mencionada Lei, in verbis: “Art. 3º A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será: I – de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores; II – de 2% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e avulsos, para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho. § 1º A alíquota de que trata o inciso I abrange as contribuições para o salário-família, para o salário-maternidade, para o abono anual e para o PRORURAL, que ficam suprimidas a partir de 1º de setembro, assim como a contribuição básica para a Previdência Social.” Também, nessa esteira de pensamento, a Lei nº 8.213/91 extingue o tratamento previdenciário diversamente outorgado ao empregado rural e ao urbano, lhe assegurando tratamento igualitário, no que se refere aos benefícios previdenciários. Vejamos: “Art. 138. Ficam extintos os regimes de Previdência Social instituídos pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, e pela Lei nº 6.260, de 6 de novembro de 1975, sendo mantidos, com valor não inferior ao do salário mínimo, os benefícios concedidos até a vigência desta Lei.” Sobre o tema, interessante a leitura da seguinte ementa, extraída de julgado relatado pelo jurista e desembargador federal Leandro Paulsen: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE A PROCUÇÃO AGRÍCOLA. FUNRURAL. RECEPÇÃO PELA CRFB/88. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. LEIS 8.212/91, 8.540/92, 9.528/97 E 10.256/2001. 1. É assente o entendimento de que a Constituição Federal de 1988 recepcionou as fontes de custeio do PRORURAL como formuladas na LC nº 11/71, até a implantação do novo sistema de custeio. 2. A contribuição ao PRORURAL incidente sobre a comercialização de produtos agrícolas (art. 15, I, “a” e “b”, da LC nº 11/71: permaneceu incólume até a edição da Lei nº 8.213/91, em 24/10/91. (…)” (TRF-4ª Região, AMS 2004.72.02.004103-2, Segunda Turma, Relator Leandro Paulsen, D.E. 13/12/2006) – negritos nossos  Note-se que a LC 11/71 impunha apenas ao empregador o ônus de custeio da seguridade social rural; por sua vez, a CRFB/88 determina que toda a Sociedade, trabalhadores e empregadores, financiam uma seguridade social (conseqüentemente uma previdência social) única. Assim, verifica-se que o FUNRURAL sequer foi recepcionado pela CF/88, não havendo como confundir a contribuições ora discutidas com essa exação que financiava a seguridade social apenas dos trabalhadores rurais. Entretanto, essa confusão ocorreu perante o STF no julgamento do RE 363.852/MG, levando alguns ministros a entenderem que o FUNRURAL ainda é cobrado, o que levaria à dupla tributação em decorrência da exigência fiscal contida na Lei nº 8.212/91. Mas frise-se: o STF declarou inconstitucional a contribuição previdenciária incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa natural (ou pessoa física, como deixa consignado a legislação fiscal), exigida primeiramente pela Lei nº 8.540/92, que nada tem a ver com o FUNRURAL original. 3. A contribuição previdenciária devida pelos empregadores rurais, pessoas naturais Este artigo (importante repisar) aborda as contribuições para o financiamento da Seguridade Social, dirigidas à Previdência Social, a cargo dos empregadores rurais, pessoas naturais (ou físicas), tal como foram objeto da decisão no RE 363.852/MG. Ocorre que essas contribuições receberam o “apelido” equivocado de FUNRURAL, como visto acima, e como admitido erroneamente pelo STF. Desde que não haja a confusão com o verdadeiro FUNRURAL, nada impede que a nomenclatura seja utilizada, o que se fará neste texto, em algumas ocasiões, para fins de simplificação da expressão. Pois bem. Com a mudança de paradigma relativamente ao custeio da Seguridade Social – toda a sociedade também sendo responsável, indistintamente – editaram-se leis para implementação do novo sistema. Dessa forma, a Lei nº 8.212/91, em sua redação original, determinou que os empregadores, sem qualquer distinção, contribuiriam para a seguridade social mediante alíquota de 20% incidente sobre a sua folha de salários – cf. art. 22, inc. I, lido em conjunto com o art. 15, inc. I, da mesma norma. O artigo 25 dessa lei determinava, em consonância com o art. 195, § 8º., da CF/88, que os segurados especiais recolheriam a contribuição (devida para a Seguridade Social, dirigida para a Previdência Social[2]) tendo como base de cálculo o resultado da comercialização de sua produção, à alíquota de 3%. Assim, os empregadores rurais, pessoas naturais, contribuíam para a seguridade social como todo empregador, ou seja, com base na sua folha de salários, à alíquota de 20%. Entretanto, com o advento da Lei nº 8.540/92, houve uma alteração na forma de recolhimento desses empregadores rurais, substituindo-se a folha de salários pelo resultado da comercialização da produção. Não se pode determinar, com rigor, os motivos que determinaram essa alteração, mas pode-se depreender ser esta uma técnica de arrecadação mais adequada à grande informalidade do setor, bem como aos grandes custos concernentes à sua fiscalização (razões particulares à Administração Pública). Também se deve admitir ser essa técnica mais adequada às peculiaridades do setor rural, por ser segmento bastante suscetível à variáveis imprevisíveis, tais como intempéries climáticas e humores do mercado, haja vista a grande variação, ano a ano, das comoditties vinculadas aos produtos rurais. Exemplificando: a queda na procura mundial pelo café não influenciaria o produtor rural, pois a diminuição de sua venda diminuiria a contribuição previdenciária devida. Ao contrário, se uma geada dizimasse a plantação de café, a contribuição previdenciária anterior à Lei nº 8.540/92 (que considerava a folha de salários) seria a mesma, apesar dele não conseguir colher para ter produção comercializada. Veja-se que, inequivocamente, o raciocínio acima explicita uma das nuances do princípio da capacidade contributiva. Com efeito, a Lei nº 8.540/92, confirmando a idéia de substituição da técnica de incidência tributária, incluiu o § 5º. no art. 22 da Lei nº 8.212/91, determinando que a contribuição devida com base na folha de salários não seria exigida da pessoa física prevista pela alínea “a” do inciso V do art. 12 da mesma lei, pois destes passaria a ser exigida a contribuição com base no art. 25, alterado por aquela norma – alíquota de 2,1% incidente sobre o resultado da comercialização da produção. Veja-se o exato teor da legislação que envolve a matéria: “Lei nº 8.212/91 Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 8.540, de 1992). I – dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Incluído pela Lei nº 8.540, de 1992). II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento de complementação das prestações por acidente de trabalho. (Incluído pela Lei nº 8.540, de 1992). Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (…) V – como equiparado a trabalhador autônomo, além dos casos previstos em legislação específica: (Vide Lei nº 8.540, de 1992). a) a pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária ou pesqueira, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos e com auxílio de empregados, utilizados a qualquer título, ainda que de forma não contínua; (Redação dada pela Lei nº 8.540, de 1992). (…) VII – como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam essas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de quatorze anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I – 20% (vinte por cento) sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, empresários, trabalhadores avulsos e autônomos que lhe prestem serviços; (…) 5º O disposto neste artigo não se aplica à pessoa física de que trata a alínea a do inciso V do art. 12 desta lei. (Incluído pela Lei nº 8.540, de 1992).” Deve-se restar bem vincado que, para fins da legislação previdenciária, ante o teor do art. 15, inc. I da Lei nº 8.212/91, o produtor rural pessoa física, que explora sua atividade com o auxílio de empregados, equipara-se à empresa, para fins da incidência da contribuição previdenciária. Frise, por oportuno: a alteração legislativa trazida pela Lei nº 8.540/92 não trouxe aos empregadores naturais outra contribuição previdenciária (incidente sobre o resultado da comercialização da produção) a par da que já existia (folha de salários); o que houve foi a substituição da base de cálculo antes existente, com consequente alteração na alíquota, sendo a técnica de arrecadação substituidora mais adequada às peculiaridades do setor rural. 4. Conclusão Assim, alterou-se a sistemática de arrecadação, mas não o tributo: continuava a ser a contribuição previdenciária apelidada pelos tribunais de FUNRURAL, em alusão ao tributo vigente antes da Constituição de 1988. Contudo, analisando-se o voto condutor do RE 363.852/MG, percebe-se que o Excelso Pretório manifestou, por vezes, entendimento equivocado no sentido de existirem atualmente duas contribuições previdenciárias a cargo do empregador rural pessoa física. Entretanto, como visto acima, a Lei nº 8.540/92, tida como inconstitucional pelo STF, não introduziu nova contribuição, mas apenas alterou a base de cálculo e a alíquota da contribuição previdenciária antes exigida dos produtores rurais, pessoas naturais, que exploram sua atividade mediante auxílio de empregados. Dessa forma, os contribuintes que se enquadram no acórdão paradigma acima tiveram para si uma decisão capaz de revigorar a técnica de arrecadação vigente antes da Lei nº 8.540/92, ou seja, com a contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários, a alíquota de 20%.
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Restituição de indébito tributário nos tributos sujeitos a lançamento por homologação: Cinco ou dez anos? A controvérsia chega ao Supremo
O presente artigo trata de uma grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial que há anos perdura em nosso ordenamento: qual é o prazo para que se pleiteie a restituição de indébitos referentes a tributos sujeitos a lançamento por homologação, cinco ou dez anos? Buscou-se demonstrar ambas as teses, destacando os pontos mais relevantes de cada uma, analisando-se, ainda, os impactos da LC 118/05 sobre o tema. Ao final, tratou-se do julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, o qual promete colocar fim em uma das maiores e mais longas controvérsias jurisprudenciais do ordenamento pátrio.Sumário:  1.Introdução.  2.Art. 3º da Lei Complementar 118: Interpretação ou mudança do dispositivo legal? 3.Interpretação autêntica e Irretroatividade das Leis. 4.A tese pacificada na Corte Especial do STJ x tese da Fazenda Pública. 5.Decisão parcial do Supremo (RE-566.621).
Direito Tributário
Resumo: O presente artigo trata de uma grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial que há anos perdura em nosso ordenamento: qual é o prazo para que se pleiteie a restituição de indébitos referentes a tributos sujeitos a lançamento por homologação, cinco ou dez anos? Buscou-se demonstrar ambas as teses, destacando os pontos mais relevantes de cada uma, analisando-se, ainda, os impactos da LC 118/05 sobre o tema. Ao final, tratou-se do julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, o qual promete colocar fim em uma das maiores e mais longas controvérsias jurisprudenciais do ordenamento pátrio.Sumário:  1.Introdução.  2.Art. 3º da Lei Complementar 118: Interpretação ou mudança do dispositivo legal? 3.Interpretação autêntica e Irretroatividade das Leis. 4.A tese pacificada na Corte Especial do STJ x tese da Fazenda Pública. 5.Decisão parcial do Supremo (RE-566.621). 1.Introdução Após anos de controvérsia judicial acerca do prazo de que gozaria o contribuinte para restituição de tributos pagos indevidamente, foi editada a Lei Complementar 118 de 2005, que tentou colocar uma pá de cal na discussão, fixando que o prazo de cinco anos mencionado pelo art. 168 do Código Tributário Nacional (prazo para restituição do indébito) iniciar-se-ia do pagamento antecipado (art. 150, §1º, CTN), no caso dos tributos sujeitos a lançamento por homologação. Todavia, longe de pacificar a questão, a LC 118/05 atraiu críticas severas de grande parte da doutrina pátria, vez que, à época de sua edição, já prevalecia no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a interpretação segundo a qual o prazo de cinco anos fixados pelo art. 168 do CTN para que se pleiteasse a restituição do indébito, no caso de tributos sujeitos a lançamento por homologação (inciso I do dispositivo legal), apenas teria início após a homologação do lançamento pelo Fisco. A tese respaldava-se na expressão utilizada pelo inciso I como marco do termo a quo do prazo de restituição: a extinção do crédito tributário. Entendendo o Superior Tribunal de Justiça que apenas a homologação tácita ou expressa do lançamento extinguia definitivamente o crédito tributário, o termo inicial do prazo de restituição seria a data da homologação. Como, em regra, a homologação se dá de maneira tácita após o transcurso do quinquênio fixado no §4º do art. 150 do CTN, a tese prevalecente no STJ acabou por consagrar, por via indireta, o prazo de 10 anos para que o contribuinte requeresse a restituição de tributos por homologação. Era a pacificação da chamada tese dos “cinco mais cinco” – cinco anos referentes ao prazo de homologação, aos quais se somavam mais cinco anos do prazo para que se pleiteasse a restituição. A grande polêmica trazida pela Lei Complementar 118 está em seu art. 4º, que, ao expressamente se referir ao dispositivo do CTN que trata de leis interpretativas, teve como objetivo implementar a interpretação do legislador acerca do art. 168, I, do CTN retroativamente. É dizer, após os 120 dias de vacatio legis da Lei, a Administração Pública e o Poder Judiciário deveriam considerar como termo a quo do prazo de cinco anos para a restituição a data do pagamento antecipado realizado nos moldes do §1º do art. 150 do CTN, sendo irrelevante, para tanto, a data da homologação – tácita ou expressa. Como efeito prático, caso levada a efeito a Lei em sua integralidade, o prazo para restituição do indébito em caso de tributos sujeitos ao lançamento por homologação seria de cinco anos do pagamento (fim da tese dos “cinco mais cinco”), aplicando-se a interpretação, inclusive, às ações judiciais em curso, desde que ainda não transitadas em julgado. Alega a doutrina, em tese já confirmada pela Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, que o Congresso Nacional, ao editar a LC 118, teria violado o inciso XXXVI do art. 5º da CRFB (“a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”). Afirmou-se que não se trataria de lei verdadeiramente interpretativa, mas que, ao contrário, teria trazido modificação da regra de restituição de indébito, sendo vedada sua aplicação retroativa em virtude do princípio da irretroatividade das leis. A tese defendida pela Fazenda Pública há muito – segundo a qual o prazo para a restituição sempre teve como termo a quo a data do pagamento antecipado, no caso de tributos sujeitos a lançamento por homologação, razão pela qual a LC 118/05 apenas teria assentado a interpretação mais adequada do art. 168, I, do CTN, sem alterações substanciais –, vinha sendo amplamente rejeitada, como se adiantou, por quase a totalidade da doutrina e da jurisprudência. Ocorre que, recentemente, a submissão da questão ao Supremo Tribunal Federal demonstrou a complexidade da questão, sendo que a tese defendida, no caso, pela União teve quatro votos favoráveis em um julgamento parcial em que já proferidos nove votos. Não obstante a tese dos contribuintes conte com um voto a mais, começa a ser delineada uma decisão final que, ainda que decida pela inconstitucionalidade da LC 118/05 (caso mantida a maioria até agora configurada), não a pronunciará com a mesma extensão que fez o Superior Tribunal de Justiça. O objetivo do presente artigo é justamente analisar a questão mais de perto, fugindo do lugar-comum que se limita a repetir a natureza modificativa e a inconstitucionalidade da LC 118/05, sem ponderar diversos fatos relevantes para a solução da controvérsia e sem cotejar o rigor técnico de ambas as teses. 2. Art. 3º da Lei Complementar 118: Interpretação ou mudança do dispositivo legal?     A primeira grande controvérsia acerca da disposição contida no art. 3º da LC 118 se refere à sua natureza. É que, não obstante o art. 4º se refira a ele como norma interpretativa, grande parte da doutrina lhe atribui caráter inovador e modificativo do ordenamento jurídico, o que inviabilizaria a aplicação do art. 106, I, do CTN, que assim dispõe: “Art. 106. A lei aplica-se ao ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;” Não obstante a força do argumento – vez que, de fato, considerando-se o entendimento do E. STJ à época da edição da Lei, o prazo aplicado pelo Judiciário passaria de dez anos a cinco –, entende-se que a LC 118 limitou-se sim a trazer apenas uma interpretação de normas do CTN. Na verdade, a análise dos argumentos apresentados pelos críticos da Lei Complementar revela que o que se combate não é o seu caráter interpretativo, e sim a possibilidade de uma nova interpretação trazida pelo legislador (a chamada interpretação autêntica) modificar direito que os contribuintes entendiam deter em virtude de pacificação da jurisprudência no âmbito da Corte Superior de Justiça. É que, analisando-se o dispositivo, chega-se à conclusão que ele não traz qualquer alteração ao texto do CTN. É dizer, não houve alteração dos dispositivos, mas tão-somente consolidação da leitura conjunta que se faz dos art. 168, I, e 150 §§1º e 4º do CTN. Tornando ainda mais clara a questão, o art. 168, desde a publicação do CTN, em outubro de 1966, estabelece que o “direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de cinco anos, contados: I – nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;”. O texto continua o mesmo; o que vinha ocorrendo desde a década dos noventas é que a Administração interpretava o dispositivo de uma forma, enquanto o Judiciário de outra. Assim, havia divergência de interpretações sobre qual seria o termo inicial, pois o prazo, como se frisou, sempre foi de cinco anos. Portanto, a LC 118, ao explicitar que o termo inicial seria o dia do pagamento antecipado, apenas empregou força normativa à interpretação já consolidada no âmbito administrativo e que, diga-se de passagem, prevaleceu no Judiciário até os anos noventa. Uma crítica a posição ora defendida – natureza interpretativa da LC 118 –, que se põe ao lado do argumento de que teria havido modificação de direitos dos contribuintes, é a de que leis interpretativas não poderiam inovar o ordenamento. Segundo essa doutrina, às leis desta espécie apenas seria permitido explicitar pontos controversos e obscuros de outras leis, sem que, com isto, se introduza modificações no ordenamento. Em face dessa última característica – inaptidão para modificar o direito positivo – é que se permitiria a retroação da interpretação autêntica. Problema decorrente desta tese é que ela se espelhava em uma visão positivista do direito, segundo a qual ao intérprete não era reservado nenhum espaço criativo. Cabendo ao aplicador da lei unicamente a atividade de declarar o direito posto aplicável à espécie, não haveria espaço para inovação na atividade de interpretação das normas. Porém, com a consagração do modelo pós-positivista, abriram-se os olhos para o mundo jurídico como ele realmente é: o intérprete, ao aplicar o dispositivo legal ao caso concreto, participa da criação da norma jurídica. Sobre o tema, Humberto Ávila, em sua festejada obra “Teoria dos Princípios”, deixa bem assentado que: “É preciso substituir a convicção de que o dispositivo identifica-se com a norma, pela constatação de que o dispositivo é o ponto de partida da interpretação; é necessário ultrapassar a crendice de que a função do intérprete é meramente descrever significados, em favor da compreensão de que o intérprete reconstrói sentidos, que o cientista, pela construção de conexões sintáticas e semânticas, que o aplicador, que soma àquelas conexões as circunstâncias do caso a julgar; importa deixar de lado a opinião de que o Poder Judiciário só exerce a função de legislador negativo, para compreender que ele concretiza o ordenamento jurídico diante do caso concreto.” [i] O trecho demonstra claramente que a atividade interpretativa tem uma carga criativa na medida em que promove a integração do dispositivo legal, fazendo surgir uma norma (regra ou princípio). Portanto, não se pode negar que a interpretação pode sim trazer alterações normativas, visto que, de um mesmo dispositivo, podem surgir normas diversas. É justamente este fenômeno que justifica as mudanças na jurisprudência. Por vezes verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, intérprete máximo da Constituição, substitui entendimentos vetustos e consolidados de um mesmo dispositivo por releituras que modificam substancialmente as consequências jurídicas de um texto legal imodificado. Como se admitir, sem alteração de texto, as mudanças trazidas pela Corte Maior? A única resposta possível é aquela esposada no trecho transcrito: a (re)leitura dos dispositivos legais, a interpretação, auxilia na criação da norma. Exemplo marcante é o da prisão do depositário infiel que, apesar de prevista expressamente na Constituição e ter sua aceitação pacificada durante anos na jurisprudência, a partir de uma releitura do ordenamento pátrio – abrangendo-se, no termo, os tratados internacionais incorporados – pelo STF, foi banida do Direito brasileiro. Frise-se que não se discute, neste momento, a possibilidade de a alteração de interpretação ser aplicada a fatos pretéritos. O que se busca demonstrar é que a LC 118/05, de fato, apenas tentou consolidar uma das interpretações possíveis do art. 168, I, do CTN. Ainda que se possa questionar a abrangência da interpretação adotada pela Lei (se atingiria fatos anteriores ou não), não se pode negar que esta não trouxe qualquer alteração aos dispositivos do CTN. Da mesma forma, e por consequência lógica, se não houve alteração do dispositivo, não existiu alteração do prazo previsto no Código Tributário Nacional. O que houve, isto sim, foi a sedimentação da leitura acerca do termo inicial do prazo para se pleitear a restituição. Portanto, levou-se a efeito uma interpretação autêntica – porque realizada pelo legislador – acerca do termo inicial do prazo quinquenal. Prova maior do que se defende, é que o próprio Judiciário, interpretando o mesmo dispositivo ora em comento (art. 168, I, CTN), até o final da década de noventa, sempre entendeu que o prazo de cinco anos para a restituição do indébito se iniciava da data do pagamento indevido – e não da data da homologação. Nesse sentido confira-se: “TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE  SOBRE  A REMUNERAÇÃO   PAGA   A   AUTÔNOMOS,  AVULSOS  E ADMINISTRADORES – COMPENSAÇÃO COM A CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS – POSSIBILIDADE,    OBSERVADA A DECADÊNCIA QUINQUENAL – INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 8º DA LEI 8.212/91. 1. Sendo inconstitucional a contribuição previdenciária prevista no art. 3º, inciso I, da Lei 7.787/89, correta a sentença que determinou a restituição dos valores indevidamente recolhidos, sendo cabível a utilização do instituto da compensação com outra contribuição previdenciária a cargo do contribuinte. 2.  Por tratar-se de ação de repetição de indébito, ainda que processada mediante compensação, aplicável à espécie o disposto no art. 168 do CTN, contando-se o prazo decadencial da data do pagamento, ainda que sujeito este à condição resolutória de posterior homologação pela autoridade fiscal. 3.  (…) 5.  Recurso  do  INSS  parcialmente  provido.  Remessa  oficial não conhecida.” (AC 96.01.48983-5/MG, Rel. Juiz Osmar Tognolo, Terceira Turma,DJ p.46197 de 20/06/1997) “EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FINSOCIAL. ACORDÃO OMISSO QUANTO AS PARCELAS ALCANÇADAS PELA DECADENCIA. RECONHECIMENTO. 1. O PRAZO PARA PLEITEAR A RESTITUIÇÃO, QUE E DE DECADENCIA, COMEÇA A CORRER DO PAGAMENTO INDEVIDO (ARTIGO-168, INCISO-1, CTN), NÃO PODENDO SER REPETIDOS OS VALORES, CUJO RECOLHIMENTO SE VERIFICOU EM DATA ANTERIOR A CINCO ANOS DA PROPOSITURA DA AÇÃO. 2. EMBARGOS ACOLHIDOS”. (TRF4, EDAC 89.04.16825-2, Segunda Turma, Relator Rubens Raimundo Hadad Vianna, DJ 03/06/1992) Também no âmbito do próprio STJ, prevalecia o entendimento: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATORIOS (ART. 535, CPC). EMPRESTIMO COMPULSORIO SOBRE AQUISIÇÃO DE COMBUSTIVEIS. DIREITO A RESTITUIÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. CTN, ARTS. 165 E 168. DECRETO-LEI 2.288/86. 1. O PRAZO DECADENCIAL CONTA-SE A PARTIR DO PAGAMENTO INDEVIDO, EXCLUIDAS AS PARCELAS ANTERIORES AO QUINQUENIO DECORRIDO DA PROMOÇÃO JUDICIAL DA AÇÃO DE RESTITUIÇÃO. 2. EMBARGOS ACOLHIDOS.” (EDcl nos EDcl no REsp 43.562/PR, Rel. Ministro  MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/08/1994, DJ 19/09/1994 p. 24656) A demonstrar que o entendimento encontrava-se pacificado na jurisprudência da época, no mesmo sentido, os julgados do TRF da 1ª Região (AC 94.01.20814-0/BA de 22/09/1994, EDAC 96.01.26255-5/MG de 29/11/1996), do TRF da 4ª Região (AC 90.04.22782-2 – DJ 11/11/1992 e AC 90.04.08742-7 – DJ 17/07/1991) e do STJ (REsp 44.278/RS – DJ 27/06/1994 e REsp 50.400/SP – DJ 22/05/1995). Apenas a partir de 1995 é que ganhou força na 2ª Turma do STJ a tese que, anos mais tarde, viria a ser sedimentada pela Corte Especial do mesmo STJ, segundo a qual, o prazo para a restituição do indébito conta-se não do pagamento, mas sim da sua homologação (tácita ou expressa), vez que seria esta a data da extinção definitiva do crédito tributário. Como se nota – ainda antes de se adentrar no mérito de ambas as teses – a LC 118 apenas fez o caminho inverso realizado anos antes pelo STJ: enquanto nos anos noventa, o STJ modificou a tese pacífica de que o termo inicial da restituição era a data do pagamento antecipado descrito no §1º do art. 150, o legislador, em 2005, visou a restaurar a interpretação que vigeu do advento do Código Tributário Nacional, em 1966, até meados da década de 1990. Diante do exposto, conclui-se, inexoravelmente, que a LC 118/05 tem nítido caráter interpretativo. Concluir de forma diversa seria o mesmo que admitir que o STJ, ao dar abrigo à tese dos “cinco mais cinco”, não teria exercido sua atividade de intérprete da legislação infraconstitucional, mas sim papel de legislador positivo – o que não se admite, ao menos nesta extensão, ao Judiciário. Demonstrada natureza interpretativa do art. 3º da LC 118/05, passa-se à análise da admissibilidade da interpretação autêntica no ordenamento brasileiro, bem como dos limites a ela impostos. 3. Interpretação autêntica e Irretroatividade das Leis. Analisando-se o voto condutor do eminente Ministro Teori Zavascki constata-se que a linha de pensamento adotada concluiu que a inconstitucionalidade do art. 4º da LC 118/05 (que determina a aplicação da Lei a fatos pretéritos) decorre da natureza inovadora de seu art. 3º. Destarte, segundo o STJ, a pretexto de ser interpretativa, a Lei Complementar modificou a norma vigente, vez que retirou no mundo jurídico uma das interpretações possíveis do art. 168, I, CTN, sendo esta justamente aquela consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça. O grande obstáculo apontado seria a tentativa de se alterar a jurisprudência por lei; tal expediente implicaria violação à separação de poderes consagrada no art. 2º da Constituição da República. Assim, concluiu a decisão: “Em outras palavras: não pode ser considerada interpretativa a lei que tem o evidente objetivo de modificar a jurisprudência dos Tribunais. Somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência.”[ii] Em que pese a força da argumentação, entende-se que a própria conclusão do voto contraria a ideia central de que apenas a jurisprudência possa rever o posicionamento adotado pelos tribunais. É que, se ao legislador fosse vedado editar norma tendente a modificar a forma de aplicação de dispositivo contido no ordenamento, é dizer, se ao Legislativo fosse vedada a atividade de interpretar as leis, deveria o julgamento do STJ concluir não apenas pela inconstitucionalidade do art. 4º da LC 118, mas também de seu art. 3º. Diz-se isso porque o art. 4º apenas explicitou o caráter interpretativo da norma, estendendo a sua aplicação a fatos pretéritos; o dispositivo que realmente introduziu mudança na leitura do art. 168, I, fixando qual deveria ser o termo a quo do prazo prescricional, foi o art. 3º da Lei Complementar 118. Portanto, o art. 3º fez justamente aquilo que o voto condutor do Ministro Zavascki estatuiu que o ordenamento proíbe: restabeleceu o entendimento pretérito, segundo o qual o prazo para que se pleiteie a restituição do indébito é de cinco anos, contados do pagamento, e não de “cinco mais cinco” como interpretava o STJ. Ou seja, a lei modificou o entendimento jurisprudencial, resgatando a interpretação dada pelo Judiciário até os anos noventa, sem alterar um só prazo ou dispositivo estabelecido no CTN. Quer se mostrar, com a argumentação aqui exposta, que, na verdade, a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo E. STJ não se fundamenta na impossibilidade de o Legislativo editar texto de lei tendente a interpretar outro dispositivo legal. O que se entendeu inconstitucional foi a tentativa de o legislador alterar o entendimento jurisdicional, aplicando a nova interpretação a fatos pretéritos (no caso, pagamentos pretéritos). Portanto, a controvérsia não gravita em torno da possibilidade da interpretação autêntica, mas sim da viabilidade de esta atingir fatos ocorridos antes da edição da norma interpretativa. Até porque, a interpretação de um dispositivo legal por outro de mesmo patamar jamais poderia configurar uma afronta à Constituição, pois, como leciona Canotilho acerca do papel do legislador: “Neste caso, ele é seu criador, admitindo-se que, se ele pode criar e revogar uma lei, por maioria de razão a poderá interpretar”[iii]. No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal já externou a admissibilidade da interpretação autêntica no ordenamento pátrio: “É plausível, em face do ordenamento jurídico constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica. As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nosso direito positivo – não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder”. (STF, ADIn 605-3 DF- rel. Min. Celso de Mello) Nada mais natural: se ao legislador confere-se a competência de alterar os dispositivos legais que integram o direito positivo, não se poderia admitir que a fixação de interpretação a ser seguida por meio lei fosse considerada, a priori, inconstitucional, mormente quando presente relevante controvérsia. Disso não decorre a violação do princípio da separação de poderes, visto que, ao Judiciário, sempre caberá a atividade de controle da norma produzida (ainda que interpretativa). Demonstrado o cabimento de norma interpretativa, ainda que altere posição prevalente na jurisprudência, resta analisar o ponto crítico da controvérsia, qual seja, a possibilidade de a interpretação autêntica trazida no art. 3º ser estendida a todos os pagamentos indevidos, ainda que efetivados em data anterior à edição da LC 118/05. A premissa básica estabelecida pelo acórdão do STJ é a de que ao legislador não foi atribuído o poder de legislar para o passado. Destarte, a intepretação legislativa, ao modificar o entendimento jurisprudencial consolidado no âmbito do STJ, teria violado o princípio da irretroatividade das normas, o qual estaria previsto no inciso XXXVI do art. 5º da CRFB/88 (a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada). Nessa esteira, assentou a Corte Superior de Justiça: “A atividade legislativa está submetida à cláusula constitucional do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI), razão pela qual as modificações do ordenamento jurídico, impostas pelo Legislativo, têm, em princípio, apenas eficácia prospectiva, não podendo ser aplicadas retroativamente”[iv]. A propósito do tema – aplicação da lei no tempo – Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald elucidam as hipóteses em que se admite a retroatividade da lei: “A partir da intelecção do preceito legal [art. 6º da LICC] – agasalhado constitucionalmente – é possível afirmar, seguramente, que as leis não têm retroatividade. Assim sendo, a lei nova é aplicável aos casos pendentes e futuros. Excepcionalmente, no entanto, admitir-se-á a aplicação da lei nova aos casos passados (a retroatividade) quando: a) houver expressa previsão na lei, determinando a sua aplicação aos casos pretéritos (ou seja, no silêncio da lei, prevalece a irretroatividade) e b) desde que essa retroatividade não ofenda o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada[v].” No mesmo sentido, confira-se trecho do voto proferido pelo eminente Ministro Celso de Melo, relator na ADI 605: “Cumpre assinalar, desde logo, que os sucessivos ordenamentos constitucionais brasileiros – com a ressalva da Carta Política do Império do Brasil e da Constituição Republicana de 1891 – jamais proclamaram, em nosso sistema jurídico, de modo absoluto e incondicional, o princípio da irretroatividade. (…) A Constituição Federal de 1988, fiel à tradição surgida com a Constituição de 1934 – só rompida com a Carta autoritária de 1937 – institucionalizou, em seu art. 5o, XXXVI, norma de sobredireito, destinada a compor regra de solução dos conflitos de leis no tempo. Ao tornar intangíveis à ação normativa do Estado apenas as situações jurídicas definitivamente consolidadas – tais as emergentes da coisa julgada, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito -, o legislador constituinte admitiu, por implicitude, ainda que em caráter excepcional, a projeção retroeficaz das leis”. No caso da Lei Complementar 118/05, verifica-se que o seu art. 4º preenche o primeiro dos requisitos exigidos, uma vez que ao se referir ao art. 106, I, do CTN, prevê expressamente a sua aplicação aos fatos pretéritos. Isso posto, resta definir se o segundo requisito também estaria presente, ou seja, se haveria respeito ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada e ao direito adquirido. De início já se descarta a ofensa à coisa julgada, uma vez que todos os processos transitados em julgado, nos quais se aplicou a tese dos “cinco mais cinco”, não seriam atingidos pela interpretação trazida pela LC 118/05. Da mesma forma, como bem salientou a União, em Memorial apresentado ao Supremo Tribunal Federal, não há ofensa ao ato jurídico perfeito, in verbis: “Por certo, a Lei Complementar 118/2005 não ofende o ato jurídico perfeito, posto que, in casu, não se cuida de ato jurídico perfeito e acabado, apto a gerar eventual direito adquirido. No presente caso, trata-se de eventual direito subjetivo regido diretamente por lei, e não de um negócio jurídico, como bem explicita o mestre José Afonso da Silva, in Curso de Direito Constitucional Positivo, 23ª edição, Malheiros Editores, 2003: `O ato jurídico perfeito, a que se refere o art. 153, § 3º [agora, art. 5º, XXXVI], é o negócio jurídico, ou o ato jurídico stricto sensu; portanto, assim as declarações unilaterais da vontade como os negócios jurídicos bilaterais, assim os negócios jurídicos, como as reclamações, interpretações, a fixação de prazo para aceitação de doação, as comunicações, a constituição de domicílio, as notificações, o reconhecimento para interromper a prescrição ou com sua eficácia (ato jurídico strictu sensu)´.” Por derradeiro, também não se entende existir, no caso, ofensa ao direito adquirido, vez que não se pode alegar direito adquirido à determinada interpretação jurídica. Prova disso é que nada impedia que, antes do advento da LC 118, o próprio STJ revisasse sua jurisprudência, retomando o entendimento que prevaleceu na Corte Superior até o final do século passado, ou seja, de que o prazo para restituição se inicia do pagamento antecipado. Nessa situação hipotética, tornar-se-ia a aplicar o prazo de cinco anos, em substituição à tese dos “cinco mais cinco”, a todos os processos em curso, sem que se cogitasse eventual ofensa ao direito adquirido dos litigantes à interpretação jurisprudencial anterior. Da mesma forma, ainda que tivesse havido efetiva alteração do prazo previsto no art. 168, I, do CTN (e não mera interpretação acerca de seu termo a quo), não se poderia falar em violação a direito adquirido. É que não existe direito adquirido em relação a um prazo prescricional em curso, vez que este configura mera expectativa de direito. A própria Ministra Ellen Graice, na relatoria do RE 566621/RS (julgamento parcial), que discute a constitucionalidade da LC 118/2005, não obstante conclua pela aplicação do art 3º tão somente às ações ajuizadas posteriormente à vacatio legis da referida Lei Complementar, esclarece que não, in casu, violação a direito adquirido: “Info 585 – Prazo para Repetição ou Compensação de Indébito Tributário e Art. 4º da LC 118/2005 – 2 (…) Afirmou que a alteração de prazos não ofenderia direito adquirido, por inexistir direito adquirido a regime jurídico, conforme reiterada jurisprudência da Corte. Em razão disso, não haveria como se advogar suposto direito de quem pagou indevidamente um tributo a poder buscar ressarcimento no prazo estabelecido pelo CTN por ocasião do indébito.” (…)RE 566621/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 5.5.2010. (RE-566621) Destarte, havendo expressa previsão na Lei Complementar 118 acerca de sua retroatividade e não havendo ofensa ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido ou à coisa julgada, entende-se que a sedimentação da interpretação do art. 168, I, do CTN, por ela trazida não ofende direito subjetivo dos contribuintes protegido constitucionalmente, razão pela qual, data venia, os fundamentos adotados pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça não se mostram suficientes para a declaração de inconstitucionalidade do art. 4º da LC 118/2005. 4. A tese pacificada na Corte Especial do STJ x tese da Fazenda Pública A inconstitucionalidade do art. 4º da LC 118/05 foi declarada pela Corte Especial do STJ em decisão assim ementada: “CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO, NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. 1. Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação – expressa ou tácita – do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador. 2. Esse entendimento, embora não tenha a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes, é o que legitimamente define o conteúdo e o sentido das normas que disciplinam a matéria, já que se trata do entendimento emanado do órgão do Poder Judiciário que tem a atribuição constitucional de interpretá-las. 3. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a ‘interpretação’ dada,  não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. 4. Assim, tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência. 5. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). 6. Argüição de inconstitucionalidade acolhida.” (AI nos EREsp 644.736/PE, Rel. Ministro  TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 06/06/2007, DJ 27/08/2007 p. 170) Conforme exposto no tópico anterior, a análise detida do voto condutor, proferida pelo ínclito Ministro Teori Albino Zavascki, revela que o ponto nevrálgico da discussão não foi a precisão técnica da tese prevalecente no STJ (termo inicial da contagem do prazo de restituição iniciado a partir da homologação do lançamento), mas sim a possibilidade de o legislador dar ao dispositivo “um sentido e um alcance diferente daquele atribuído pelo Judiciário”. Diz-se isso com tranquilidade, porquanto o próprio Ministro Relator ressalvou o seu entendimento de que a melhor interpretação seria aquela dada pela LC 118/05 e defendida pelo Fisco. Não obstante, reconhecendo que o entendimento predominante no STJ indicava a primazia da tese dos “cinco mais cinco”, o ilustre Ministro Zavascki entendeu que não poderia o legislador tentar substituir a função constitucional do STJ de interpretar, definitivamente, os dispositivos infraconstitucionais. Defendendo a vedação constitucional ao que se considerou uma violação da separação de poderes pelo Legislativo, concluiu o voto condutor: “Ainda que defensável a ‘interpretação’ dada, não há como negar que a lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições normativas interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Se, como se disse, a norma é aquilo que o Judiciário, como seu intérprete, diz que é, não pode ser considerada simplesmente interpretativa a lei que atribui a ela outro significado. Em outras palavras: não pode ser considerada interpretativa a lei que tem o evidente objetivo de modificar a jurisprudência dos Tribunais. Somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência.”[vi] Tal ponto – possibilidade de interpretação pelo legislador e seus limites – foi tratado no tópico anterior, cabendo agora uma breve análise sobre a coesão técnica do posicionamento adotado pelo E. STJ e daquele defendido pelo Fisco. O entendimento adotado pela Colenda Corte Superior de Justiça apoiava-se no seguinte raciocínio:  “a) o art. 168, I, do CTN prevê que o prazo para a restituição do indébito tributário inicia-se a partir da extinção do crédito tributário; b) No caso dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, o pagamento antecipado (art. 150, §1º, CTN) extingue o crédito tributário com condição resolutória, que consistiria na homologação do lançamento pelo Fisco, expressa ou tacitamente; c) o art. 156, VII, do CTN exigiria, para extinção definitiva do crédito tributário, a conjugação do pagamento com a homologação do lançamento; d) considerado extinto o crédito apenas nessa data (da homologação que segue o pagamento), aí se encontraria o termo a quo do prazo para que se pleiteasse a restituição (lembrando que o art. 168, I, determina a contagem do prazo a partir da extinção do crédito).” Objetivando reforçar a tese, os Ministros, ainda em 1995, utilizavam-se de engenhoso raciocínio. Segundo eles, sendo o lançamento atividade privativa da autoridade administrativa, apenas a partir dele é que se poderia falar em crédito tributário definitivamente constituído. Portanto, se nos casos do art. 150, o lançamento decorre da homologação tácita ou expressa do pagamento antecipado, como se admitir que o crédito tivesse sido extinto por tal pagamento antes mesmo de ser constituído? No entendimento dos eminentes Ministros, até a atividade de homologação pelo Fisco, não haveria a constituição do crédito (vez que esta decorreria exclusivamente do lançamento), razão pela qual não se poderia falar em início do prazo para que pleiteasse a restituição. A tese foi repetida ao longo dos anos, perdendo-se de vista a fundamentação que lhe deu origem. Isso porque o entendimento claramente não acompanhou a evolução jurisprudencial do próprio STJ no que diz respeito à constituição do crédito tributário. É que, quando da sua criação, prevalecia a posição de que o lançamento era o meio único de constituição do crédito tributário. Logo, se apenas o ato vinculado do lançamento constitui o crédito e, no caso dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, tal atividade só ocorre após o pagamento antecipado, a homologação teria o condão de, confirmando o pagamento, constituir e extinguir o crédito tributário. Tratava-se de verdadeira ficção que buscava adequar a realidade fática à redação do CTN. Não obstante, com o decorrer dos anos, o Superior Tribunal de Justiça passou a entender o lançamento apenas como meio por qual se chega à constituição do crédito tributário. É dizer, a constituição do crédito, não obstante usualmente seja atingida pela atividade vinculada do lançamento, prescinde deste no caso dos tributos sujeitos à homologação. Nessas hipóteses (tributos sujeitos a declaração do sujeito passivo e pagamento antecipado – art. 150 do CTN), passou a entender o STJ que a declaração prestada pelo contribuinte tem a natureza de confissão de dívida, constituindo definitivamente o crédito tributário (independentemente de lançamento pela autoridade), ensejando a sua cobrança imediata nos casos em que não haja pagamento. Em outras palavras, o lançamento é ato privativo da autoridade fiscal, sendo atividade vinculada que visa à apuração dos elementos que constituem a obrigação tributária. Apesar disso, doutrina e jurisprudência passaram a admitir, pacificamente, que o lançamento tributário não é a única forma de constituição do crédito tributário, o qual pode ser constituído por confissão do sujeito passivo. Sobre os efeitos da entrega da declaração pelo sujeito passivo, confira-se decisão recente do Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTÁRIO – PRAZO PRESCRICIONAL – PARCELAMENTO DEFERIDO PELO FISCO – INADIMPLÊNCIA NA 3ª PRESTAÇÃO. 1. “A apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF (instituída pela IN-SRF 129/86, atualmente regulada pela IN8 SRF 395/2004, editada com base no art.5º do DL 2.124/84 e art. 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de constituição do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco. A falta de recolhimento, no devido prazo, do valor correspondente ao crédito tributário assim regularmente constituído acarreta, entre outras conseqüências, as de (a) autorizar a sua inscrição em dívida ativa; (b) fixar o termo a quo do prazo de prescrição para a sua cobrança; (c) inibir a expedição de certidão negativa do débito; (d) afastar a possibilidade de denúncia espontânea.” (REsp 671.219/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 19.6.2008, DJ 30.6.2008.). 2. [transcrito abaixo] 3. (…) Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 732.845/SP, Rel. Ministro  HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 17/03/2009) Como fica claro, sem que a Corte notasse, seu posicionamento posterior condenou a fundamentação de que o prazo de restituição não poderia ser contado do pagamento antecipado porquanto o crédito só restaria constituído após o lançamento por homologação pelo Fisco. Ora, se o crédito é constituído pela declaração do sujeito passivo, o pagamento antecipado extingue este mesmo crédito que já existe desde a apresentação da declaração. A homologação posterior – tácita ou expressa – apenas confirma a correspondência entre o tributo constituído pela declaração e o pagamento realizado, colocando fim à possibilidade de o Fisco constituir (aí sim, por lançamento) eventuais diferenças não declaradas pelo sujeito passivo. É justamente em função deste entendimento que o STJ entende que, a partir da entrega da declaração pelo contribuinte, deixa de incidir o prazo decadencial sobre a parcela declarada, falando-se apenas na fluência de prazo prescricional para a cobrança do crédito. Apresentada a declaração, o prazo de cinco anos contados do fato gerador (§4º do art. 150) representaria o prazo decadencial para lançamento de tributo não declarado (e, portanto, não constituído pelo sujeito passivo). O item “2”, extraído do julgado acima, bem esclarece o ponto: “2.No caso dos autos, tendo a empresa declarado sua dívida de ICMS em 14.8.1990 referente aos meses 3 e 7/90, nesta data constituiu-se o crédito tributário, dispensando o lançamento por parte da Fazenda (exceto se o contribuinte declarou a menor, necessitando de lançamento suplementar por parte do Fisco). Assim, não há que falar em prazo decadencial, pois o crédito tributário já foi constituído pela entrega da declaração. A contribuinte pleiteou, ainda, o parcelamento do débito sendo-lhe deferido em set/90, começando a pagar a primeira das 24 parcelas em out/90”. Como o pagamento antecipado se destina à quitação do crédito constituído pela declaração do sujeito passivo, cai por terra um dos argumentos centrais da tese dos “cinco mais cinco” na repetição do indébito: a de que o pagamento antecipado não poderia extinguir um crédito que apenas se constituiria com a homologação tácita posterior (ressalte-se que tal entendimento foi defendido, inclusive, na decisão da Corte Especial ementada no início do tópico, pelo Ministro Francisco Peçanha Martins). Superado o óbice, passa-se a fundamentar porque se entende que o prazo para a restituição deva ser contado da data do pagamento antecipado. A União – maior litigante na seara tributária do país – sempre defendeu que o prazo de cinco anos, no caso dos tributos sujeitos à atividade de homologação, contar-se-ia do pagamento antecipado, utilizando-se, para lastrear sua fundamentação, da interpretação dos dispositivos trazidos pelo próprio Código Tributário Nacional, quais sejam, artigos 165, I; 168, I; 156, I; 150, § 1º; 117, II, in verbis: “Art. 165 – O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do art.162, nos seguintes casos: I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido. Art. 168 – O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: I – nas hipóteses dos incisos I e II do art.165, da data da extinção do crédito tributário. Art. 156 – Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento. Art. 150 – O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento. Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados: (…) II – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.” Consoante a disciplina inserta nos supracitados artigos, conclui-se que o termo a quo da prescrição é a data da extinção do crédito tributário, o qual é extinto, pela redação do artigo 150, §1º, do CTN, com o pagamento antecipado.  Tem-se, portanto, a consagração do princípio da actio nata, segundo o qual a contagem do prazo prescricional se inicia com o nascimento da pretensão, no caso, a de exigir a restituição dos valores pagos indevidamente. Tal entendimento, como já adiantado, é exposto de forma brilhante pelo eminente Ministro Zavascki no voto condutor do julgamento da Corte Especial que concluiu pela inconstitucionalidade do art 4º da Lei Complementar 118/05: “Essa jurisprudência [referindo-se à jurisprudência sedimentada no STJ] certamente não tem a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes. Em muitos casos, eu mesmo já manifestei minha discordância pessoal em relação a ela, como, vg., no voto vista proferido no ERESP 423.994, 1ª Seção, rel. Min. Peçanha Martins, onde apontei sua fragilidade por desconsiderar inteiramente “um princípio universal em matéria de prescrição: o princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Bookseller Editora, 2.000, p. 332)”. “Realmente”, sustentei, “ocorrendo o pagamento indevido, nasce desde logo o direito a haver a repetição do respectivo valor, e, se for o caso, a pretensão e a correspondente ação para a sua tutela jurisdicional. Direito, pretensão e ação são incondicionados, não estando subordinados a qualquer ato do Fisco ou a decurso de tempo. Mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o direito, a pretensão e a ação nascem tão pronto ocorra o fato objetivo do pagamento indevido. Sob este aspecto, pareceria mais adequado ao princípio da actio nata aplicar, inclusive em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o disposto art. 168, I, combinado com o art. 156, I, do CTN, ou seja: o prazo prescricional (ou decadencial) para a repetição do indébito conta-se da extinção do crédito (art. 168, I), que, por sua vez, ocorre com o pagamento (art. 156, I). Observe-se que, mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o pagamento antecipado também extingue o crédito, ainda que sob condição resolutória (CTN, 150, § 1º).”[vii] A condição resolutória imposta ao pagamento antecipado (150, §1º,CTN) em nada afeta o raciocínio aqui exposto. É que, nessa condição, o fato jurídico produz efeitos desde a sua implementação, ou seja, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, os efeitos da extinção do crédito tributário se produzem desde o pagamento antecipado. Apenas ulterior acontecimento é que poderia desfazer os efeitos já existentes do pagamento, ou seja, a não homologação do crédito apurado pelo contribuinte teria o condão de desfazer os efeitos do pagamento antecipado. Não se pode confundir pagamento antecipado previsto para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, nos quais a constituição decorre de atividade do sujeito passivo (declaração), com pagamento provisório em que inexiste a produção dos efeitos do pagamento. Os efeitos da condição resolutiva foram confundidos com o de condição suspensiva, como se a ocorrência da homologação fosse pressuposto para o início dos efeitos do pagamento. Ora, realizado o pagamento antecipado, este já produz todos os seus efeitos jurídicos (como é natural das condições resolutórias e previsto pelo inciso II do art. 117 do CTN), inclusive a extinção do crédito tributário, marco inicial do prazo da ação de repetição de indébito.  Com efeito, após o pagamento, o crédito já é considerado como quitado, gerando, inclusive, o direito do contribuinte de obter certidões de regularidade fiscal, sem qualquer ressalva. Apenas a apuração de eventual irregularidade no prazo previsto para homologação terá o condão de impugnar a suficiência do pagamento para extinção do crédito devido, resolvendo, ainda que parcialmente, os efeitos até então produzidos pelo pagamento antecipado. Ora se tal pagamento tem o condão de produzir todos os efeitos a ele inerentes, mormente os relativos à extinção do crédito, natural que o prazo para que se pleiteie a restituição se inicie da data de sua realização, e não cinco anos depois, com a sua provável homologação tácita. Por tudo que se expôs, entende-se demonstrada a maior solidez da argumentação jurídica que defende que a contagem do prazo para que se pleiteie a restituição a partir do pagamento antecipado pelo sujeito passivo. Caberá ao Supremo Tribunal Federal, na decisão definitiva do processo relatado no tópico abaixo, decidir se a tese encampada pela Lei Complementar 118/05 atingirá os fatos pretéritos (pagamentos anteriores à vigência da lei) ou não. 5. Decisão parcial do Supremo (RE-566.621) Conforme se adiantou, não obstante os argumentos em contrário, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu pela inconstitucionalidade do art. 4º da Lei Complementar 118/05. No voto do Ministro Zavascki, consignou-se a forma de contagem do prazo para restituição de indébito relativo a tributo sujeito a lançamento por homologação: “Assim, na hipótese em exame, com o advento da LC 118/05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição do indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova.”[viii] Destarte, pragmaticamente falando, decidiu-se que as ações ajuizadas até 08.6.2010 estariam sujeitas ao prazo prescricional de 10 (dez) anos. Isso porque, quanto aos pagamentos anteriores ao vigor da LC 118/05, haveria a incidência da tese dos “cinco mais cinco”, aplicando-se, aos pagamentos realizados posteriormente a 09.6.2005 (data da vigência da LC 118), a forma de contagem trazida pela referida Lei Complementar, ou seja, cinco anos contados da data do pagamento antecipado. Por sua vez, as ações ajuizadas posteriormente a 08.6.2010 sofreriam a total incidência da LC 118/05, com aplicação do prazo prescricional de cinco anos, quaisquer que sejam as datas dos pagamentos antecipados. Para chegar à referida fórmula, o STJ aplicou, analogicamente, o disposto no art. 2.028 do Código Civil, que assim dispõe: “Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.” A questão parecia estar pacificada, conferindo aos contribuintes a aplicação do prazo de dez anos por longos cinco anos após a vigência da LC 118. Portanto, apesar de a referida Lei Complementar prever que o prazo de cinco anos se iniciasse da data do pagamento antecipado, a decisão do STJ garantiu que a contagem do prazo apenas se iniciasse a partir da homologação (tácita ou expressa) para todas as demandas propostas até 08.6.2010. Dessa forma definiu-se que, por cinco anos – entre 09.6.2005 e 08.6.2010 –, deveria prevalecer a interpretação até então acolhida pela jurisprudência do STJ, mesmo que contra legem. Ocorre que, com a submissão de Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, a questão ganhou novos contornos. É que, não obstante o julgamento pelo Excelso Pretório ainda seja parcial, já se demonstrou, no RE 566.621, que a tese prevalecente no C. STJ provavelmente não subsistirá, vez que, dos nove votos proferidos, apenas o do E. Ministro Celso de Mello respalda a tese de que todos os pagamentos anteriores à vigência da LC 118/05 estariam sujeitos à tese dos “cinco mais cinco”. Diz-se provavelmente porquanto sempre há a possibilidade de os Ministros retratarem seus votos, modificando-os. Todavia, a prática demonstra que raras são as vezes em que isso acontece. Continuando, dos outros 08 (oito) votos, quatro acolheram a tese da Fazenda Nacional de que a LC 118/05, longe de trazer novo prazo, apenas realizou interpretação autêntica para confirmar aquilo que o CTN já estabelecia desde a sua edição: o prazo para que se pleiteie a restituição é de cinco anos e deve ser contado da data do pagamento antecipado. Ressalte-se, de passagem, que a tese era albergada pelo próprio STJ até 1995. Os outros quatro votos, entre os quais se inclui o da eminente Relatora, Ministra Ellen Gracie, não obstante confirmem a tese da inconstitucionalidade da retroatividade da LC 118/05, reconhecem que o prazo de cinco anos, contado do pagamento antecipado, deva incidir em relação a todas as demandas ajuizadas após o período de 120 dias de vacatio legis da Lei Complementar 118, ou seja, 09/6/2005. Entendeu a Relatora que o período de 120 dias de vacância teria sido suficiente para que os contribuintes, tomando ciência da nova Lei, ajuizassem suas demandas, interrompendo o prazo prescricional. Assim, o prazo de cinco anos contados do pagamento antecipado deve ser aplicado a todas as demandas ajuizadas após 09 de junho de 2005. No voto, aplicou-se o Enunciado da Súmula 445 do STF (“A Lei nº 2.437, de 7-3-55, que reduz prazo prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (1º-1-56), salvo quanto aos processos então pendentes”). Portanto, restando apenas dois votos a serem proferidos, parece que, mesmo na hipótese de a Fazenda Pública não ter sua tese totalmente acolhida, o entendimento do Supremo Tribunal Federal será no sentido de que a tese dos “cinco mais cinco” apenas é aplicável às ações ajuizadas até 09 de junho de 2005. A fim de melhor se elucidar a questão, transcreve-se parte do informativo 585 do STF, que trouxe os votos supracitados: “Prazo para Repetição ou Compensação de Indébito Tributário e Art. 4º da LC 118/2005 – 1 a 4 O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pela União contra decisão do TRF da 4ª Região que reputara inconstitucional o art. 4º da Lei Complementar 118/2005 na parte em que determinaria a aplicação retroativa do novo prazo para repetição ou compensação do indébito tributário [LC 118/2005: “Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei. Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.”; CTN: “Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;”]. A Min. Ellen Gracie, relatora, reconhecendo a inconstitucionalidade do art. 4º, segunda parte, da LC 118/2005, por violação ao princípio da segurança jurídica, nos seus conteúdos de proteção da confiança e de acesso à Justiça, com suporte implícito e expresso nos artigos 1º e 5º, XXXV, da CF, e considerando válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9.6.2005, desproveu o recurso. Asseverou, inicialmente, que a Lei Complementar 118/2005, não obstante expressamente se autoproclamar interpretativa, não seria uma lei materialmente interpretativa, mas constituiria lei nova, haja vista que a interpretação por ela imposta implicara redução do prazo de 10 anos — jurisprudencialmente fixado pelo STJ para repetição ou compensação de indébito tributário, e contados do fato gerador quando se tratasse de tributo sujeito a lançamento por homologação — para 5 anos, estando sujeita, assim, ao controle judicial. Em seguida, reputou que a retroatividade determinada pela lei em questão não seria válida. Afirmou que a alteração de prazos não ofenderia direito adquirido, por inexistir direito adquirido a regime jurídico, conforme reiterada jurisprudência da Corte. Em razão disso, não haveria como se advogar suposto direito de quem pagou indevidamente um tributo a poder buscar ressarcimento no prazo estabelecido pelo CTN por ocasião do indébito. Ressaltou, contudo, que a redução de prazo não poderia retroagir para fulminar, de imediato, pretensões que ainda poderiam ser deduzidas no prazo vigente quando da modificação legislativa. Ou seja, não se poderia entender que o legislador pudesse determinar que pretensões já ajuizadas ou por ajuizar estivessem submetidas, de imediato, ao prazo reduzido, sem qualquer regra de transição, sob pena de ofensa a conteúdos do princípio da segurança jurídica. Explicou que, se, de um lado, não haveria dúvida de que a proteção das situações jurídicas consolidadas em ato jurídico perfeito, direito adquirido ou coisa julgada constituiria imperativo de segurança jurídica, concretizando o valor inerente a tal princípio, de outro, também seria certo que teria este abrangência maior e que implicaria resguardo da certeza do direito, da estabilidade das situações jurídicas, da confiança no tráfego jurídico e do acesso à Justiça. Assim, o julgamento de preliminar de prescrição relativamente a ações já ajuizadas, tendo como referência novo prazo reduzido por lei posterior, sem qualquer regra de transição, atentaria, indiscutivelmente, contra, ao menos, dois desses conteúdos, quais sejam: a confiança no tráfego jurídico e o acesso à Justiça. Frisou que, estando um direito sujeito a exercício em determinado prazo, seja mediante requerimento administrativo ou, se necessário, ajuizamento de ação judicial, haver-se-ia de reconhecer eficácia à iniciativa tempestiva tomada pelo seu titular nesse sentido, pois tal restaria resguardado pela proteção à confiança. De igual modo, não seria possível fulminar, de imediato, prazos então em curso, sob pena de patente e direta violação à garantia de acesso ao Judiciário. Considerou, diante do reconhecimento da inconstitucionalidade, que o novo prazo só poderia ser validamente aplicado após o decurso da vacatio legis de 120 dias. Reportou-se ao Enunciado da Súmula 445 do STF [“A Lei nº 2.437, de 7-3-55, que reduz prazo prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência (1º-1-56), salvo quanto aos processos então pendentes”], e relembrou que, nos precedentes que lhe deram origem, a Corte entendera que, tendo havido uma vacatio legis alargada, de 10 meses entre a publicação da lei e a vigência do novo prazo, tal fato teria dado oportunidade aos interessados para ajuizarem suas ações, interrompendo os prazos prescricionais em curso, sendo certo que, a partir da vigência, em 1º.1.56, o novo prazo seria aplicável a qualquer caso ainda não ajuizado. Tal solução deveria ser a mesma para o presente caso, a despeito da existência do art. 2.028 do Código Civil – CC, haja vista que este seria regra interna daquela codificação, limitando-se a resolver os conflitos no tempo relativos às reduções de prazos impostas pelo novo CC de 2002 relativamente aos prazos maiores constantes do CC de 1916. Registrou que o legislador, ao aprovar a LC 118/2005 não teria pretendido aderir à regra de transição do art. 2.028 do CC. Somente se tivesse estabelecido o novo prazo para repetição e compensação de tributos sem determinar sua aplicação retroativa, quedando silente no ponto, é que seria permitida a aplicação do art. 2.028 do CC por analogia. Afirmou que, ainda que a vacatio legis estabelecida pela LC 118/2005 fosse menor do que a prevista na Lei 2.437/55, objeto da Súmula 445, ter-se-ia de levar em conta a facilidade de acesso, nos dias de hoje, à informação quanto às inovações legislativas e repercussões, sobretudo, via internet. Por fim, citou a LC 95/98 que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, nos termos do art. 59 da CF, cujo art. 8º prevê que a lei deve contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” para as leis de pequena repercussão. Concluiu que o art. 4º da LC 118/2005, na parte que em estabeleceu vacatio legis alargada de 120 dias teria cumprido com essa função, concedendo prazo suficiente para que os contribuintes tomassem conhecimento do novo prazo e pudessem agir, ajuizando ações necessárias à tutela dos seus direitos. Assim, vencida a vacatio legis de 120 dias, seria válida a aplicação do prazo de 5 anos às ações ajuizadas a partir de então, restando inconstitucional apenas sua aplicação às ações ajuizadas anteriormente a essa data. No caso concreto, reputou correta a aplicação, pelo tribunal de origem, do prazo de 10 anos anteriormente vigente, por ter sido a ação ajuizada antes da vigência da LC 118/2005. Os Ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Celso de Mello e Cezar Peluso acompanharam a relatora, tendo o Min. Celso de Mello dissentido apenas num ponto, qual seja, o de que o art. 3º da LC 118/2005 só seria aplicável não às ações ajuizadas posteriormente ao término do período de vacatio legis, mas, na verdade, aos próprios fatos ocorridos após esse momento. Em divergência, o Min. Marco Aurélio deu provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelos Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Entendeu que o art. 3º não inovou, mas repetiu rigorosamente o que contido no Código Tributário Nacional. Afirmou se tratar de dispositivo meramente interpretativo, que buscou redirecionar a jurisprudência equivocada do STJ. O Min. Dias Toffoli, por sua vez, acrescentou não vislumbrar na lei atentado contra o direito adquirido, o ato jurídico perfeito, ou a coisa julgada. Observou que a lei pode retroagir, respeitando esses princípios.  Em seguida, o julgamento foi suspenso para aguardar-se o voto do Min. Eros Grau. RE 566621/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 5.5.2010.”  (RE-566621) Quanto às duas principais teses desenvolvidas nos votos de oito dos nove Ministros, tecem-se breves considerações. No que tange àquela capitaneada pelo Ministro Marco Aurélio, desnecessários maiores esclarecimentos, porquanto, correspondendo à posição defendida pela Fazenda Pública perante o STJ, já se trouxeram, nos tópicos anteriores, os pontos considerados relevantes. Com efeito, tratando-se de divergência acerca da interpretação de normas federais (ainda que ocorrida no âmbito jurisprudencial), não haveria inconstitucionalidade na LC 118/05, em face da admissão, pelo nosso ordenamento, de leis meramente interpretativas. Ademais, como se demonstrou em tópico anterior e bem apontou o Ministro Toffoli, ao contrário do que entendeu a Corte Especial do STJ, não houve ofensa a direito adquirido, ato jurídico perfeito, ou a coisa julgada, restando imaculada a norma que emana do inciso XXXVI do art. 5º da CRFB/88. Quanto ao defendido pela Relatora, Ministra Ellen Gracie, entende-se que o entendimento perfilhado dá maior solidez à tese da inconstitucionalidade da retroatividade da LC 118/05. Isso porque, mesmo sem o acesso ao inteiro teor do voto, tem-se, pelas transcrições trazidas pelo informativo de jurisprudência do STF, que os dois, data venia, frágeis fundamentos fixados na decisão da Corte Especial do STJ não foram acolhidos (impossibilidade de modificação de interpretação jurisprudencial por lei e ofensa ao inciso XXXVI do art. 5º da CRFB).  As falhas de ambos os fundamentos foram demonstradas no bojo do presente artigo, razão pela qual se discordou da decisão proferida pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça. Não obstante, os fundamentos trazidos pela Ministra Ellen Gracie – necessidade de observância do princípio da segurança jurídica e da confiança no tráfego jurídico e do acesso à justiça –, por certo ensejam maior reflexão, dando à tese da inconstitucionalidade do art. 4º maior fôlego e solidez jurídica. De outro lado, a regra de transição estabelecida no voto da Relatora indubitavelmente melhor coaduna os interesses das partes envolvidas. Ao contribuinte teria se garantido o prazo de 120 dias, após a entrada em vigor da LC 118/05, para propositura da demanda de restituição, respeitando, portanto, as expectativas existentes até a edição da referida Lei Complementar. À Fazenda Pública – responsável, lembre-se, pela gestão do interesse da coletividade –, por sua vez, garantiu-se a aplicação de idêntico prazo prescricional por ela adotado na cobrança de seus créditos para o caso de restituição do indébito ao contribuinte. Dessa forma, buscou-se consagrar a isonomia na relação entre Fisco e contribuinte, tendo-se em mente o princípio da legalidade, já que a posição adotada pela Ministra Ellen Gracie, ao contrário daquela fixada no âmbito do STJ, garantiu a aplicação imediata (e não retroativa) da Lei Complementar 118/05. Assim, afastou-se a interpretação contra legem de todas as ações ajuizadas após a entrada em vigor da LC 118. Cabe agora aguardar os dois votos remanescentes, a fim de que se obtenha o posicionamento final da jurisprudência pátria acerca do prazo prescricional de restituição do indébito referente a tributos sujeitos a lançamento por homologação, cujos pagamentos tenham ocorrido até a edição da LC 118/05. Não obstante, ressalvada improvável hipótese de reviravolta no julgamento parcial do Supremo, tudo indica que a tese do STJ será suplantada, prevalecendo ou a total constitucionalidade da LC 118/05 (aplicando-se o prazo de cinco anos a todas as ações pendentes), ou a inconstitucionalidade da retroatividade prevista em seu art. 4º, a qual implicaria a aplicação da tese dos “cinco mais cinco” apenas às demandas propostas até a data de entrada em vigor da citada Lei Complementar (09.6.2005). Aguarda-se, ansiosamente, o desfecho de uma das maiores e mais longas controvérsias de nosso ordenamento.   Referências ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário esquematizado. 4. ed. São Paulo: Método, 2010. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição a aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. CANOTILHO, J.J. Gomes: Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5ª Ed. Coimbra: Almedina. CHAVES, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Direito Civil – Teoria Geral. 4.a ed., atual., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. Memorial apresentado pela União no RE-566621, subscrito pelos Procuradores da Fazenda Nacional Fabrício Sarmanho de Albuquerque e Cláudia Aparecida de Souza Trindade. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 11ª. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. STF – Informativo 585, referente a 3 a 7 de maio de 2010. Disponível no sítio: http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo585.htm.  STJ – AI nos EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 644.736 – PE (2005/0055112-1) – Voto do Relator Ministro Teori Albino Zavascki e do Ministro Francisco Peçanha Martins no incidente de inconstitucionalidade sobre a LC 118/05.   Notas: [i] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição a aplicação dos princípios jurídicos. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p.34. [ii] Voto do Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI no AI nos EREsp 644.736/PE, julgado em 06/06/2007, DJ 27/08/2007 p. 170. [iii] CANOTILHO, J.J. Gomes: Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Editora: Almedina. 5ª Ed.. p. 1215. [iv] Voto do Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI no AI nos EREsp 644.736/PE, julgado em 06/06/2007, DJ 27/08/2007 p. 170. [v] Direito Civil – Teoria Geral. 4.a ed., atual., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 65/66 [vi] Voto do Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI no AI nos EREsp 644.736/PE, julgado em 06/06/2007, DJ 27/08/2007 p. 170. [vii] Idem. [viii] Ibidem. Especialista em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Procurador da Fazenda Nacional lotado em Varginha/MG. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado de Minas Gerais (UFMG).
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O lançamento tributário decorrente da declaração de vício formal
O trabalho destina-se a investigar as repercussões e hipóteses pelas quais a administração pública pode efetuar novo lançamento tributário após o ato administrativo originário ter sido declarado nulo por vício formal.
Direito Tributário
Resumo: O trabalho destina-se a investigar as repercussões e hipóteses pelas quais a administração pública pode efetuar novo lançamento tributário após o ato administrativo originário ter sido declarado nulo por vício formal. Palavras-chave: Nulidade. Vício formal. Lançamento. Implicações. Abstract: The work aims to investigate the implications and assumptions by which the government can make new tax assessment after the originating administrative act has been declared invalid because of procedural defect. Keywords: Invalidity. Vice formal. Launch. Implications. O Código Tributário Nacional trata de pelo menos duas hipóteses de extinção da possibilidade de o ente público efetuar lançamentos em face do decurso do prazo legal. O Código do Contribuinte também regula, em caráter de exceção, as hipóteses em que se torna viável para administração proceder à lavratura de auto de infração ou de notificação de lançamento por Ter se deparado por uma das situações que ensejem as declarações de nulidades sob título de vícios formais desses atos. A propósito, o princípio “pas de nullité sans grief” conduz a julgar que as irregularidades formais, sanadas de algum modo, ou irrelevantes pela sua extensão natureza, via de regra, não devem anular o ato de lançamento. O saneamento das irregularidades produz, ordinariamente, efeitos retroativos. Com efeito, os vício formais abarcam as inexatidões e as insuficiências de forma do ato, podendo contemplar o seu conteúdo, além das incorreções ou omissões quanto às exegeses que precisam ser preservadas por ocasião das auditorias que impliquem em obrigações tributárias. Importante dispositivo para o tema em tela é aquele gizado no art. 173, II, do Código Fiscal. Esse dispositivo legal estabelece que o direito de o ente público constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos, contados da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado por vício formal o lançamento anteriormente efetuado. Logicamente, aqui se trata de exceção à regra. Como se percebe, o reinício da contagem do prazo fatal para se poder lançar apenas ocorre quando a declaração de nulidade for originária de sentença administrativa, como se deduz da expressão “decisão definitiva”, prevista na lei. Veja-se que o legislador não se utilizou do jargão “decisão passada em julgado”, como efetivamente procedeu em artigos outros, como o 156 e 168 da Lei n. 5.172/66. Caracterizada ou declarada a existência de vício formal, surge a possibilidade, durante um lustro, para a administração reformar o lançamento, substituindo-o, sob pena da perda do direito de o fazê-lo.   Nesta seara, a legislação que rege o Processo Administrativo Tributário federal nos dá um rol, “numerus apertus”, acerca de hipóteses de nulidade. Para Marcelo Caetano (in Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, Tomo I, Lisboa), formalidade é todo o ato ou o fato, ainda que meramente ritualístico, exigido pela lei para tornar segura a formação ou a expressão da vontade de um órgão de uma pessoa coletiva. Sendo assim, só dá ensejo à revisão “ex officio” do ato de lançamento com a conseqüente feitura de novo ato administrativo aquelas fórmulas legais nucleares para o instrumento, segundo as diretrizes do art. 149 do Código Fiscal. Infere-se, assim, que a mera inexatidão do ato, sem maiores conseqüências, ainda que desrespeite regras, que não se desvirtuem da finalidade dos atos, se estiverem em consonância com os princípios fundamentais que regem o microssistema, não padecem de ineficácia. Em suma, não se invalida um procedimento presumidamente constitucional tendo em vista prismas exclusivamente acessórios ou de controle interno, não dirigidos a terceiros, que não a administração afetados pelo ato público. As hipóteses nas quais as balizas legais e principiológicas forem afetadas no seu núcleo essencial, indo de encontro às finalidades de garantia constitucional dos cidadãos, gerando lesões aos indivíduos, devem ser chanceladas com o rótulo de nulidade insanável. Às vezes, a substância dos atos confunde-se com a própria formalidade criada pelo legislador garantista. Exemplificativamente, a falta de indicação do alvo do lançamento tributário certamente implica na nulidade do instrumento público dirigido a conferir liquidez e certeza ao crédito tributário. Fato corriqueiro na seara de julgamento tributário é a insuficiência na descrição dos fatos típicos ou a contradição com os elementos de fato trazidos aos autos, provocando perplexidade ao contribuinte acerca da matéria de defesa que deve ser deduzida, desembocando na necessidade de declaração de nulidade por cerceamento do direito constitucional à ampla defesa. Parece que essa hipótese não autoriza ao ente público se utilizar da regra contida no art. 173, inciso II, do Código Fiscal. Isso porque as normas positivadas só dizem respeito às impropriedades formais e não àquelas que dizem respeito à má apreciação do conteúdo do fato imponível. De igual modo, não conseguimos conceber que a violação ao devido processo legal substancial permita a aplicação do art. 173, II, do Código Fiscal, ainda que seja resultante da ocorrência de um mero vício formal. A solução para estes casos é a administração utilizar-se do restante do lustro que lhe restar após a apreciação da matéria pelo julgador em processo judicial ou administrativo, sem abrir (ou interromper) novo prazo para a constituição de novo ato fiscal dirigido a acertamento da relação jurídica tributária. O Mestre Sacha Calmon Navarro Coelho[i] perfilha o entendimento que, embora anômalo em relação à teoria geral da decadência, que não admite interrupções, pois que sua marcha é fatal e peremptória, o sistema do Código Tributário Nacional adotou uma hipótese de interrupção da caducidade. Para este jurista, deve-se entender a regra com temperamentos porque, em rigor, já teria ocorrido um lançamento e o crédito da Fazenda já estaria formalizado, não se devendo falar mais em decadência. Para ele, quando se anula o lançamento por vício formal estar-se-ia substituindo um ato inaproveitável pela possibilidade de haver outro despido de mácula, como é o caso de uma autoridade incompetente ter procedido ao lançamento. O professor Luciano da Silva Amaro[ii] não destoa do pensamento descrito, ao considerar que o art. 173, II, do Código Tributário Nacional, trata de situação particular, hipótese em que tenha sido efetuado um lançamento defeituoso quanto à forma e este venha a ser anulado ou declarado nulo, por decisão administrativa ou judicial definitiva, considerando-se a diferença clássica entre o grau de comprometimento da idoneidade do ato. Para este doutrinador, nestes casos, a autoridade administrativa teria o prazo de cinco anos, contados da data em que se tornasse a decisão definitiva para efetuar novo lançamento despido do vício. Ele enxerga o enunciado legal como um equívoco do legislador porque, ao mesmo tempo, cria causa de interrupção e de suspensão do prazo decadencial, ao contrário das teorias doutrinárias clássicas. Explica o citado mestre que a suspensão ocorreria porque o prazo não estaria fluindo na pendência do processo em que se discute a nulidade do lançamento por vício formal. A interrupção surgiria dado que o prazo recomeça a correr do início e não a partir do lapso temporal já atingido no momento em que ocorreu o lançamento nulo. Finalmente, o lançamento nulo aumentaria o prazo para efetuar-se um novo ato, premiando o sujeito ativo por ter praticado uma conduta sua equivocada.  O problema recorrente é que prazo fatal para um novo ato tributário a partir da constatação da nulidade formal pode resultar de diversas interpretações. O professor Ives Gandra da Silva Martins giza que a solução adotada pelo legislador não foi feliz ao permitir excessiva elasticidade temporal, beneficiando o ente público com os seus próprios erros, premiando a sua culpa ou a omissão estatal. Para ele, o legislador permitiu um novo lançamento não formalmente viciado sobre a obrigação tributária já definida no ato mal elaborado, eis que claramente conhecida a obrigação tributária por parte de ambos os sujeitos, tendendo a preservar um direito já qualificado, mas inexeqüível pelo vício formal detectado. Nota-se que o ato saneador só pode ser admissível se houver uma obrigação tributária caracterizada pelo lançamento imperfeito, sendo proscrito inovar no que tange ao aspecto subjetivo, ao tempo dos fatos imponíveis ou de mérito um novo procedimento após a fluência do lustro ordinário. Com essa garantia, a administração não poderia ter um “laissez faire” para se proceder a um novo ato, sem se balizar pelos verdadeiros fatos que gizaram o lançamento defeituoso, que foi visto como nulo por questões de natureza formal. A “mens legis” do art. 172, II, do Código Fiscal visa a proteger o contribuinte e garantir à administração acerca do conteúdo substancial do lançamento primitivo, em detrimento da forma indevida por meio do qual se tentou caracterizá-lo. Isso é positivo para ambas as partes, considerando-se que obrigação não surge da vontade do agente público mas, sim, da hipótese prevista na lei específica. Com o amadurecimento da idéia, a Receita Federal do Brasil passou a disciplinar o tema a partir do ano de 1997, por meio de Instruções Normativas (54 e 94). Corajosamente, aqueles atos autorizaram os órgãos de julgamento a declarar a nulidade das notificações com o fito de se prevenir a União dos efeitos indesejáveis da sucumbência decorrente de ações judiciais desenvolvidas pelo rito processual ordinário. A Receita Federal do Brasil, agora, possui um “check list” (exemplificativo para nós, estudiosos) dos aspectos que redundam na invalidade formal do lançamento, servindo de lição aos seus servidores a respeito da necessidade mínima de respeito aos ditames do art. 142, II, do Código Fiscal. Como vimos, nem toda exoneração da obrigação tributária redundam dos defeitos de natureza formalística. Classicamente, a jurisprudência administrativa fiscal declara que a insuficiência na descrição dos fatos por parte do auditor está dirigida à norma ampliativa do prazo para se proceder a novo lançamento. Entretanto, veja que a Receita Federal não assume tal vicissitude em seu rol de nulidades formais, talvez por ser um conceito jurídico indeterminado ou por ser uma cláusula geral que poderia ser utilizada por razões não descortináveis pelos agentes. De qualquer sorte o Código Fiscal foi prudente ao engessar o elemento volitivo do ato público. Considera-se o lançamento como um procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência da hipótese de incidência da obrigação legal tributária correspondente, determinando o escopo tributável, calculando-se o montante do acerto tributário devido, identificando o sujeito passivo e, eventualmente, aplicando a sanção cabível, tendo como agente capaz certas autoridades administrativas (art. 142 – com temperamentos). Esse conceito legal reafirma a nossa tese de que nem toda hipótese de nulidade é resultante de aspectos puramente formalísticos. Como vimos, o saneamento de vícios formais, por meio de novo ato, não autoriza à administração dispor de um cheque em branco para se devassar ou ampliar os aspectos obrigacionais diversos daqueles que circundaram o conteúdo material daquele período de tempo do sujeito passivo que esteve sob auditoria governamental. O quase cinqüentenário Código Fiscal protege o sujeito passivo contra novas inserções fiscais sobre o mesmo período-base, ainda que a declaração de nulidade seja detectada e declarada “ex officio”, considerando-se que não houve ta diferenciação pelo legislador. Pelo lado da administração, o art. 173, II, do Código Fiscal dirige-se ao efetivo resguardo temporal da obrigação legal tributária surgida dentro de certas balizas. Insubsistente o conteúdo tributário no lançamento primitivo, ainda que sejam abonadas as nulidades formais, descabe a pretensão administrativa de se inovar no novo ato, considerando-se que tal escopo é norma excepcional, de interpretação estrita. Conclui-se, diante de tudo isso, que a lei só permitiu à administração curar os defeitos de forma dos seus atos e não as características de fundo, como aqueles provenientes do erro substancial ou da interpretação errônea das conseqüências jurídicas dos fatos com repercussão tributária.    Referências bibliográficas AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário Brasileiro, Ed. Saraiva, p. 381. CAETANO, Marcelo.  Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, Tomo I, Lisboa. COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, Forense, p. 722. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Código Tributário Nacional Comentado, coord. Vladimir Passos de Freitas, Revista dos Tribunais, p. 664. XAVIER, Alberto. Do Lançamento Teoria Geral do Ato do Procedimento e do Processo Tributário, Forense. Membro do Ministério Público junto ao TCE/GO. Especialista em Direito (UnB, UGF e Emab)
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Súmula 239 do STF e a coisa julgada no âmbito tributário
O presente artigo trata do controverso enunciado 239 da súmula da jurisprudência do STF. Para muitos, o verbete teria relativizado a coisa julgada na seara tributária. O objetivo do presente artigo é justamente analisar o âmbito de incidência do enunciado, explicitando sua real relação com o instituto da coisa julgada.
Direito Tributário
Resumo: O presente artigo trata do controverso enunciado 239 da súmula da jurisprudência do STF. Para muitos, o verbete teria relativizado a coisa julgada na seara tributária. O objetivo do presente artigo é justamente analisar o âmbito de incidência do enunciado, explicitando sua real relação com o instituto da coisa julgada. Palavras-chave: Súmula 239 – STF – Tributário – Coisa julgada. Há muito o Supremo Tribunal Federal editou o enunciado 239 da súmula de sua jurisprudência, cujo texto dispõe: “decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”. A redação dada ao dispositivo fez com que muitos alegassem que a Corte Suprema do país teria consagrado a relativização da coisa julgada na seara tributária, atentando de forma perigosa contra a segurança jurídica, pedra angular do Estado de Direito. Não obstante a força das vozes que carregam as críticas ao enunciado 239, uma análise detida da redação e da forma como a jurisprudência tem aplicado o verbete demonstra, sem sombra de dúvidas, que o entendimento nela carreado não importa qualquer ofensa ou mitigação da coisa julgada. Inicialmente, cumpre esclarecer que as relações tributárias são em sua grande parte continuativas, é dizer, são obrigações que surgem periodicamente; uma cadeia periódica de fatos geradores decorrentes de uma mesma norma jurídica. Diante dessa premissa, surgiu um grande debate sobre a abrangência do enunciado 239. Questionou-se se o contribuinte seria compelido, a cada ocorrência de um novo fato gerador relativo a um mesmo tributo, a contestar a validade da obrigação tributária tão somente quanto aquele fato específico que ensejou a cobrança do tributo. A prevalecer esse entendimento ocorreria o absurdo de, v.g., a cada ano, um sujeito passivo de determinado imposto anual ser obrigado a promover demanda idêntica, com os mesmos fundamentos deduzidos em ano anterior, contra o mesmo imposto já declarado ilegal. Nesse caso, cada declaração de invalidade de um tributo periódico só abrangeria um fato gerador. Por óbvio, essa não é a interpretação que a Corte Suprema, pelo enunciado 239, buscou dar em sede de discussão de tributos periódicos. Para se chegar ao alcance do verbete, primeiro deve-se entender a natureza das relações tributárias continuativas. Cleide Previtalli[i], citando o professor Arruda Alvim elucida a questão afirmando: “pode-se entender por continuativa a relação tributária que seja una, projetando-se, contudo, para o futuro”. Assim, a norma que fundamenta a exigência de tributos periódicos é única e apenas seus efeitos – nascimento de obrigações tributárias futuras em razão da ocorrência de novos fatos geradores – é que se projetam no futuro. Dessa forma, a relação tributária é complexa: uma norma legal dá fundamentação para que obrigações tributárias específicas surjam com a realização das hipóteses de incidência previstas. Destarte, a obrigação tributária se apoia em dois pilares, quais sejam, a validade da norma que previu sua hipótese de incidência e a efetiva configuração do fato gerador por meio de alguma atividade do sujeito passivo que realize o fato descrito na norma. Se o sujeito passivo, ao contestar a validade de determinado tributo, ataca a obrigação específica, contestando a efetiva realização do fato gerador, a decisão que reconhece indevida a cobrança em razão da não ocorrência da hipótese de incidência só atingirá aquela obrigação específica, não tendo quaisquer efeitos sobre obrigações futuras, pois o fundamento de validade do tributo em questão – sua norma de regência – permanece inatacado e eficaz. É justamente essa a situação tratada pelo enunciado 239 da súmula do STF: como o sujeito passivo atacou tão somente a realização do fato gerador naquele período, e, repita-se, não a validade do tributo abstratamente considerado, não há que se cogitar a eficácia da sentença contra fatos geradores futuros.  Por essa razão a Súmula afirma, com clareza solar, que a declaração de invalidade de imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores. A decisão apenas tratou do fato gerador do exercício em questão e em relação a este fato gerador ocorrerão normalmente os efeitos da coisa julgada. O que não acontece é a afetação de fatos geradores futuros, pois estes são fatos diversos, não abarcados pela decisão judicial. Outra será a solução para os casos em que o sujeito passivo ataca a própria norma que fundamenta a exigência do tributo. Nessa hipótese, declarada a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma do tributo, não haverá a incidência do enunciado 239, pois não se atacou o fato gerador da obrigação, mas a própria norma base, que sustenta todos os fatos geradores do tributo, sejam eles futuros ou passados. Assim, perdendo a sua sustentação legal, não há como qualquer obrigação tributária se forme e a decisão judicial que reconheça essa invalidade impedirá a exação do tributo em todos os exercícios seguintes, ensejando, inclusive, a possibilidade de restituição dos valores indevidamente recolhidos, respeitado o prazo prescricional. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça parece ter adotado essa diferenciação, conforme se depreende dos seguintes julgados: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – ALCANCE DA SÚMULA 239/STF – COISA JULGADA: VIOLAÇÃO – ART. 471, I DO CPC NÃO CONTRARIADO. 1. A Súmula 239/STF, segundo a qual “decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício, não faz coisa julgada em relação aos posteriores“, aplica-se tão-somente no plano do direito tributário formal porque são independentes os lançamentos em cada exercício financeiro. Não se aplica, entretanto, se a decisão tratou da relação de direito material, declarando a inexistência de relação jurídico-tributária. 2. A coisa julgada afastando a cobrança do tributo produz efeitos até que sobrevenha legislação a estabelecer nova relação jurídico-tributária. 3. Hipótese dos autos em que a decisão transitada em julgado afastou a cobrança da contribuição social das Leis 7.689/88 e 7.787/89 por inconstitucionalidade (ofensa aos arts. 146, III, 154, I, 165, § 5º, III, 195, §§ 4º e 6º, todos da CF/88). 4. As Leis 7.856/89 e 8.034/90, a LC 70/91 e as Leis 8.383/91 e 8.541/92 apenas modificaram a alíquota e a base de cálculo da contribuição instituída pela Lei 7.689/88, ou dispuseram sobre a forma de pagamento, alterações que não criaram nova relação jurídico-tributária. Por isso, está impedido o Fisco cobrar a exação relativamente aos exercícios de 1991 e 1992 em respeito à coisa julgada material. 5. Violação ao art. 471, I do CPC que se afasta. 6. Recurso especial improvido.” (REsp 731.250/PE, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJ 30/04/2007 p. 301) (grifou-se) “AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CSLL. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE QUE NÃO CRIA NOVA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. ALCANCE DA COISA JULGADA. 1. Afirmada a inconstitucionalidade material da cobrança da CSLL, não tem aplicação o enunciado nº 239 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual a “Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores.” 2. A lei posterior que se limita a modificar as alíquotas e a base de cálculo de tributo declarado inconstitucional viola a coisa julgada. 3. Precedente (EREsp nº 731.250/PE, Relator Ministro José Delgado, in DJe 16/6/2008). 4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AgRg nos EREsp 885.763/GO, Rel. Ministro  HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2010, DJe 24/02/2010) (grifou-se) Portanto, não há diferenças entre a coisa julgada aplicável aos demais ramos do direito e aquela formada em relação à matéria tributária. E nem poderia haver, pois a coisa julgada tributária apenas dá nome a um mesmo fenômeno jurídico, ocorrido no âmbito tributário. A coisa julgada sempre se formará, mesmo em relação a tributos periódicos, variando seus efeitos de acordo com a causa de pedir e pedido da demanda: se o sujeito passivo requereu o reconhecimento da invalidade ou não ocorrência do fato gerador de um determinado exercício, a decisão que acolhe este pedido só cobrirá com o manto da coisa julgada a inexigibilidade daquele fato gerador específico (enunciado 239 da súmula do STF); se, de outro lado, o pedido se dirigiu para a declaração de invalidade da norma instituidora do tributo, os efeitos da coisa julgada da decisão que o julga procedente abrangerão todos os fatos geradores futuros decorrentes dessa norma. Como bem assentou a sempre festejada Ada Pellegrine Grinover: “A questão da coisa julgada no âmbito tributário, como dito, deve reger-se pelos mesmos princípios e pelas mesmas regras gerais aplicáveis às demais controvérsias. Dessa forma, os limites objetivos da coisa julgada, como também já realçado, devem ser fixados a partir do objeto do processo e do objeto da resposta do órgão judicial à demanda”[ii]. Destarte, o enunciado em questão não traz qualquer hipótese excepcional de relativização da coisa julgada, aplicável restritamente no âmbito tributário. A formação da coisa julgada tributária se dará nos mesmos moldes dos outros ramos do Direito, sendo que apenas situações excepcionalíssimas justificam sua relativização.   Referências CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário – 5. ed. Ver., ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v.22 – coordenação Arruda Alvim). GRINOVER, Ada Pellegrini. A Marcha do Processo. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2000, páginas 310-337. Material da 2ª aula da Disciplina Processo Tributário: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Tributário – UNISUL – REDE LFG.   Notas: [i] CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário – 5. ed. Ver., ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v.22 – coordenação Arruda Alvim) p. 360.  [ii] GRINOVER, Ada Pellegrini. A Marcha do Processo. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2000, páginas 310-337. Material da 2ª aula da Disciplina Processo Tributário: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Tributário – UNISUL – REDE LFG Especialista em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Procurador da Fazenda Nacional lotado em Varginha/MG. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado de Minas Gerais (UFMG).
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A compensação de tributos por precatórios: O problema das entidades que compõem a Fazenda Pública
A compensação de tributos seguiu um ritmo lento e gradual de desenvolvimento. Por outro lado, a possibilidade de compensação de precatórios com tributos devidos à fazenda pública. foi recentemente alçada a nível constitucional com a promulgação da Emenda Constitucional nº 62, de 2009. No entanto, há atual e fundada dúvida acerca da autorização para compensação em relação a entidades pertencentes a fazenda pública, mas que não integraram a relação jurídica que originou o precatório. O objetivo do presente trabalho, desse modo, se direciona ao exame da divergência existente entre o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal e o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, à luz do princípio da celeridade processual e moralidade, tendo como foco os postulados da justiça tributária.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO A possibilidade de compensação de créditos e débitos decorre da reciprocidade entre o direito do credor e do devedor, fazendo-se com que um anule, total ou parcialmente, o outro, extinguindo a obrigação, na medida da compensação efetivada. No campo do direito civil, essa noção já se encontra há muito sedimentada. Nesse sentido, o art. 1.009 do Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916) já fixava que “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. O dispositivo foi reproduzido no art. 368 do Código Civil vigente (Lei nº 10.476, de 10 de janeiro de 2002). Na seara tributária, contudo, a evolução desse instituto foi lenta e gradual, de acordo com a legislação infraconstitucional anteriormente editada atingindo o ápice com a promulgação da Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, com alteração da redação conferida ao art. 100 da Constituição da República de 1988. Mesmo com a edição da referida alteração constitucional, renovou-se a discussão sobre a compensação entre precatórios, representativos de crédito com uma determinada entidade, e débitos com outras entidades jurídicas, ambas pertencentes à mesma fazenda pública. O presente trabalho, dessa forma, avalia a divergência jurisprudencial existente entre o entendimento inicialmente fixado pelo Supremo Tribunal Federal e o posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do assunto. 2.O PROBLEMA DA COMPENSAÇÃO DE TRIBUTOS DECORRENTES DE PRECATÓRIOS DE PESSOAS JURÍDICAS DIVERSAS O Código Tributário Nacional (CTN, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) consignou no seu art. 170 que “a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública”. É, por isso mesmo, modalidade de extinção do crédito tributário (art. 156, inciso II, do CTN). Essa regra de compensação de tributos, de acordo com CARVALHO (2008, p. 496) está radicada no princípio da indisponibilidade dos bens públicos. O tema era tratado no art. 7º do Decreto-Lei nº 2.287, de 23 de julho de 1986, que determinava à antiga Secretaria da Receita Federal, nas hipóteses de restituição ou ressarcimento de tributos, que “existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito”. A Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, por sua vez, previu no seu art. 66 a possibilidade de compensação de tributos, a despeito da vedação contida no seu §1º: “Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos e contribuições federais, inclusive previdenciárias, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a períodos subseqüentes. § 1° A compensação só poderá ser efetuada entre tributos e contribuições da mesma espécie.” Observa-se que a compensação foi restrita a tributos (a menção a contribuições é redundante, considerando ser espécie de tributo) da mesma espécie. Sobre esse aspecto, colhe-se análise de ÁLVARES (2004. p. 685): “A regra inserta no §1º do art. 66 da Lei nº 8.383/91 limitou a possibilidade da compensação entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie. Tem-se entendido que o dispositivo permite a compensação de imposto com imposto, taxa com taxa, contribuição social co contribuição social e assim por diante. De outra parte, interpretação mais restrita leva à conclusão de que tributos da mesma espécie são aqueles que têm o mesmo fato gerador.” (itálicos originais) Essa solução foi modificada com a promulgação da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, que definiu no seu art. 74 a compensação de créditos e débitos no âmbito da Secretaria da Receita Federal: “Art. 74. Observado o disposto no artigo anterior, a Secretaria da Receita Federal, atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar a utilização de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer tributos e contribuições sob sua administração.” Essa norma, contudo, foi alterada pela Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002: “Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com trânsito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão.” Com a nova redação, verifica-se que foram estabelecidos quatro requisitos expressos para a compensação: a) existência de crédito e débito de tributos (aí consideradas as contribuições); b) administração dos tributos envolvidos pela Secretaria da Receita Federal; c) compensação em proveito do próprio contribuinte; e d) requerimento do contribuinte. Implicitamente, tem-se que o débito deve ser exigível. Constata-se, desse modo, que, no âmbito da União Federal, a compensação estava restrita aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal. Se um contribuinte, por exemplo, possuísse créditos junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não poderia compensá-los com débitos junto a um Conselho Federal de Medicina, uma vez que são tributos administrados por entidades diversas, a despeito de integrarem a União Federal (Administração Direta, no caso da SRF e Indireta, na hipótese dos Conselhos Federais). Para PAULSEN (2003, p. 1002), a identidade subjetiva é requisito lógico da compensação, pelo que “deve haver, necessariamente, identidade entre os sujeitos da relação”. O debate doutrinário foi levado ao Poder Judiciário. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o tema foi discutido no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 550400/MS (Diário de Justiça, edição de 18.09.2007, p. 80). O núcleo da decisão combatida pode ser extraída do seguinte trecho: “3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado [Lei n. 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei [artigo 78, caput e § 2º, do ADCT à CB/88].” O julgamento foi afeto ao plenário, diante do acolhimento da proposta do Min. Eros Grau, então relator do processo. Com a aposentadoria do Ministro Relator, o julgamento ainda não foi finalizado. O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, possui posicionamento diametralmente oposto, como se constata do seguinte precedente, representativo do entendimento da Corte: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. COMPENSAÇÃO. DÉBITO DE ICMS. CRÉDITOS DECORRENTES DE AUTARQUIA. PRECATÓRIO DEVIDO POR PESSOA JURÍDICA DISTINTA. IMPOSSIBILIDADE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE LEI ESTADUAL. ART. 78, § 2º, DO ADCT. PRECEDENTES. 1. A compensação de débito fiscal estadual (ICMS) com crédito de precatório de natureza distinta e entre pessoas jurídicas diversas não é possível quando não previsto em legislação especial. 2. O art. 78, § 2º, do ADCT, é expresso ao referir-se a “tributos da entidade devedora”. A inexistência de identidade entre o devedor do precatório (DER) e o credor do tributo (Estado) afasta a aplicabilidade do dispositivo constitucional. 3. Precedentes: AgRg no RMS 29.939/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 20/10/2009, DJe 29/10/2009;AgRg no Ag 1174142/RS, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Primeira Turma, julgado em 15/10/2009, DJe 28/10/2009; RMS 28.500/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/09/2009, DJe 23/09/2009; RMS 30.229/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, julgado em 17/12/2009, DJe 18/02/2010; RMS 28.942/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, julgado em 2/6/2009, DJe 12/6/2009; AgRg no REsp 1.089.665/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 24/3/2009, DJe 20/4/2009; RMS 24.450/MG, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, Primeira Turma, julgado em 8/4/2008, DJe 24/4/2008. 4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no RMS 28.983/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 17/08/2010, DJe 27/08/2010) Com o advento da Emenda Constitucional nº 62/2009, contudo, o art. 100 da Constituição teve sua redação alterada, pelo que se incluiu o §9º, assim redigido: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim(…) § 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.” Observa-se que a modificação do texto constitucional não fixou limites ou restrições para a compensação de tributos, não sendo razoável diminuir o alcance do texto constitucional, notadamente diante do princípio da celeridade processual que ilumina a questão e tendo em conta, ainda, o princípio da máxima efetividade da Constituição. Dentro desse contexto, não se pode ignorar a lição de TORRES (2005, p. 24) quando reflete: “Prática altamente comprometedora do princípio da moralidade fiscal é a de retardar a Administração financeira a restituição dos tributos indevidamente pagos”. Sem dúvida, o contribuinte percorre uma verdadeira via crucis para conseguir obter o direito ao seu crédito e, assim, a impossibilidade de compensação com eventuais débitos se revela inconcebível. Transportando o entendimento doutrinário acima transcrito ao exame da matéria, conclui-se que não se justifica a restrição da compensação apenas de forma recíproca entre o credor e aquela entidade que figurou na correspondente relação jurídica na qual se formou o crédito do contribuinte. A compensação deve abranger todas as entidades que integram a fazenda pública correspondente, como medida de de atendimento ao ideal de justiça, objetivo fundamental da República (art. 3º, inciso I, da Constituição de 1988), no campo tributário. 3. CONCLUSÕES A compensação de tributos, inicialmente, foi restrita às hipóteses de anulação, total ou parcial, relativamente a exações da mesma espécie. Progrediu-se para a compensação entre tributos arrecadados pelo mesmo ente. Atualmente, reside divergência jurisprudencial entre o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. No STF, por meio do julgamento do AgR 550400/MS, afastou-se, em medida liminar, a restrição de compensação entre crédito e débito mesmo que relativamente a entidades jurídicas diversas, sendo ambas da integrantes da mesma fazenda pública. A decisão foi submetida ao plenário da Corte mas ainda não julgada, diante da aposentadoria do Ministro Relator. O STJ, por seu turno, caminha em sentido diverso. Pensamos que o princípio da celeridade processual, aliado ao princípio da moralidade no âmbito fiscal autorizam a compensação de créditos com débitos tributários mesmo que de espécies distintas e alusivos a pessoas jurídicas distintas, devendo, contudo, integrarem a mesma fazenda pública.
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Da inclusão do ICMS na base de cálculo das contribuições para o PIS/PASEP e COFINS
O escopo do presente trabalho é discutir a validade da inclusão do valor do ICMS na base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS, bem como demonstrar a viabilidade da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 18, em trâmite no Supremo Tribunal Federal, cujo objeto é a declaração de constitucionalidade do art. 3º, § 2º, I, da Lei n. 9.718, de 27.11.1998.
Direito Tributário
1 – Introdução Em 13 de agosto de 2008, foi deferida cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 18, na forma do artigo 21 da Lei nº 9.868/98[1]. “EMENTA Medida cautelar. Ação declaratória de constitucionalidade. Art. 3º, § 2º, inciso I, da Lei nº 9.718/98. COFINS e PIS/PASEP. Base de cálculo. Faturamento (art. 195, inciso I, alínea “b”, da CF). Exclusão do valor relativo ao ICMS. 1. O controle direto de constitucionalidade precede o controle difuso, não obstando o ajuizamento da ação direta o curso do julgamento do recurso extraordinário. 2. Comprovada a divergência jurisprudencial entre Juízes e Tribunais pátrios relativamente à possibilidade de incluir o valor do ICMS na base de cálculo da COFINS e do PIS/PASEP, cabe deferir a medida cautelar para suspender o julgamento das demandas que envolvam a aplicação do art. 3º, § 2º, inciso I, da Lei nº 9.718/98. 3. Medida cautelar deferida, excluídos desta os processos em andamentos no Supremo Tribunal Federal.” (ADC 18 MC, Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO, Tribunal Pleno, julgado em 13/08/2008, DJe-202 DIVULG 23-10-2008 PUBLIC 24-10-2008 EMENT VOL-02338-01 PP-00001) Com base em tal decisão, suspendeu-se, portanto, o julgamento de todas as demandas que envolvessem a aplicação do art. 3º, § 2º, inciso I, da Lei nº 9.718/98, até o julgamento definitivo da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 18. Contudo, a controvérsia sobre o assunto continua pulsante, de modo que, o objetivo do presente artigo é submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese sobre o problema, apontando posições de alguns respeitáveis juristas sobre o tema, com o intuito de esboçar um posicionamento tímido sobre o tema. 2. Do ICMS como custo repassado para o preço final do produto ou serviço Discute-se a validade da inclusão do valor do ICMS na base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS.  Trata-se questão relevante, não só pelo impacto financeiro que trará aos cofres da União, mas, principalmente, pelos reflexos relevantes em outras matérias. Com efeito, o fundamento constitucional da COFINS tem sede no art. 195, inciso I da Constituição da República. Nele encontra-se que a seguridade social será financiada, dentre outras fontes, por contribuições sociais incidentes sobre o faturamento – ou a receita, na redação determinada pela Emenda Constitucional nº 20/98. É o caso da COFINS e do PIS. Importa transcrever a legislação de regência dessas contribuições, atentando-se que as Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 tratam do regime não cumulativo, que alcança as pessoas jurídicas sujeitas à tributação pelo imposto de renda com base no lucro real. “Lei nº 9.718/98 Art. 2° As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei. Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. § 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas. § 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta:  I – as vendas canceladas, os descontos incondicionais concedidos, o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, quando cobrado pelo vendedor dos bens ou prestador dos serviços na condição de substituto tributário; (…) Lei nº 10.637/2002 Art. 1o A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas ela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. § 1o Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica. § 2o A base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep é o valor do faturamento, conforme definido no caput. § 3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo, as receitas: I – decorrentes de saídas isentas da contribuição ou sujeitas à alíquota zero; II – (VETADO) III – auferidas pela pessoa jurídica revendedora, na revenda de mercadorias em relação às quais a contribuição seja exigida da empresa vendedora, na condição de substituta tributária; IV – de venda de álcool para fins carburantes; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004) V – referentes a: a) vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos; b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo de aquisição, que tenham sido computados como receita. VI – não operacionais, decorrentes da venda de ativo imobilizado. (Incluído pela Lei nº 10.684, de 30.5.2003) Lei nº 10.833/2003 Art. 1o A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, com a incidência não-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. § 1o Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica.  § 2o A base de cálculo da contribuição é o valor do faturamento, conforme definido no caput.  § 3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas:  I – isentas ou não alcançadas pela incidência da contribuição ou sujeitas à alíquota 0 (zero);  II – não-operacionais, decorrentes da venda de ativo permanente;  III – auferidas pela pessoa jurídica revendedora, na revenda de mercadorias em relação às quais a contribuição seja exigida da empresa vendedora, na condição de substituta tributária;  IV – de venda de álcool para fins carburantes; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)  V – referentes a: a) vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos; b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de investimentos avaliados pelo custo de aquisição que tenham sido computados como receita.” Percebe-se que o legislador ordinário previu algumas exclusões nessa base de cálculo, nas quais não incluiu o valor do ICMS referente à operação na qual foi contabilizada a receita da venda da mercadoria ou da prestação de serviço. No entanto, o legislador ordinário estabeleceu como base de cálculo da COFINS e do PIS a receita bruta e não a receita líquida ou algo que ficasse no meio do caminho entre esses dois conceitos. No conceito de receita bruta não está somente a receita líquida, isto é, a renda, mas todos os custos que compõem o valor da operação que gerou a receita contabilizada por um dado contribuinte. Nestes custos encontram-se o valor dos salários pagos, despesas com o FGTS, o valor pago a título de energia elétrica, despesas com segurança, propaganda, planejamento, custo da matéria-prima, etc, e, inclusive, os tributos pagos pelo contribuinte e que oneram o valor do produto ou do serviço, eis que repassados ao consumidor no preço, tais como todos os outros custos citados anteriormente. Entre esses tributos têm-se as mais diversas taxas, impostos e contribuições, e, obviamente, o ICMS, eis que, como os demais, são repassados para o preço final do produto ou do serviço, e cuja receita é justamente o fato econômico definido pelo legislador como a base de cálculo da COFINS. O que se pretende demonstrar é que pouco importa qual a natureza do custo que compôs o valor da mercadoria vendida ou do serviço prestado. Todos os custos irão compor esse valor, e esse valor é justamente aquele que deve ser considerado como a base de cálculo da COFINS, porquanto a mesma foi definida pelo legislador como sendo a receita bruta. Não se compreende por que somente o ICMS deveria ser excluído da base de cálculo da COFINS, sob a alegação de que o mesmo é recolhido aos cofres públicos estaduais, não ficando com o contribuinte. E os demais custos que ficam com a empresa ou são recolhidos a terceiros (empregados, companhia de energia elétrica, FGTS, fornecedores, empresas contratadas para a prestação de serviços, entes estatais)? É obvio que, ressalvadas situações específicas, à exceção do lucro também os demais elementos componentes do custo não ficam com o contribuinte e são recolhidos a terceiros, por força de obrigações legais ou volitivas (mas ainda assim obrigações), tanto quanto o ICMS. Pergunta-se: o fato do ICMS ser recolhido para um Estado-membro, enquanto que grande parte dos demais custos são recolhidos para pessoas jurídicas de direito privado ou pessoas físicas, desnatura a sua condição de custo que compõe o valor da venda da mercadoria ou da prestação do serviço, a ponto de excluí-lo da receita bruta? É impossível encontrar um único argumento sólido a embasar esse discrímen. Da mesma forma, para se ficar somente nos custos resultantes dos tributos, os quais são recolhidos ao respectivo ente tributante e repassados ao preço do produto vendido ou do serviço prestado, qual o motivo de se pretender somente a exclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS? O que o diferencia dos demais tributos a justificar a sua exclusão como custo contido no preço e que se converterá em receita? Aqui novamente não se encontra nenhuma resposta sólida a essas indagações. Registre-se que o fato do ICMS ser destacado na própria operação não o desnatura da condição de custo repassado no preço da mercadoria ou do serviço. Aliás, se este critério formal, e juridicamente decorrente apenas da disciplina da matéria na respectiva legislação estadual, pudesse alterar a condição de incidência de um tributo federal, ademais da usurpação de competência da União ter-se-ia que todos os custos decorrentes de obrigações com terceiros, simplesmente porque discriminados na nota fiscal ou em outro documento válido da operação de compra e venda, seriam excluídos da base de cálculo da exação. No julgamento do RE 212.209/RS (apreciado em 23/06/1999), o Plenário do Supremo Tribunal Federal se posicionou quase à unanimidade, vencido apenas o Ministro Marco Aurélio, no sentido de que não há nenhuma inconstitucionalidade no fato do valor de um determinado tributo fazer parte da base de cálculo do mesmo tributo ou de outro. Na ocasião, entendeu-se não ser inconstitucional a inclusão na base de cálculo do ICMS do valor do próprio ICMS, naquilo que se convencionou chamar de “cálculo por dentro”. Infere-se do voto do Ministro Ilmar Galvão que o fato do ICMS ser recolhido aos cofres públicos estaduais não impede o seu montante de permanecer como um dos valores componentes do preço da mercadoria ou serviço, base de cálculo do tributo. Veja-se: “Em votos anteriores, tenho assinalado que o sistema tributário brasileiro não repele a incidência de tributo sobre tributo. Não há norma constitucional ou legal que vede a presença, na formação da base de cálculo de qualquer imposto, de parcela resultante do mesmo ou de outro tributo, salvo a exceção, que é a única, do inciso XI do parágrafo 2º do art. 155 da Constituição, onde está disposto que o ICMS não compreenderá, em sua base de cálculo, o montante do imposto sobre produtos industrializados, quando a operação, realizada entre contribuintes e relativa a produto destinado à industrialização ou à comercialização, configure fato gerador dos dois impostos. (…) Por que então, o problema em torno do ICMS sobre o ICMS e não do ICMS sobre o IPI, sobre as contribuições (COFINS, PIS)? Na verdade, o preço da mercadoria, que serve de base de cálculo ao ICMS, é formado por uma série de fatores: o custo; as despesas com aluguel, empregados, energia elétrica; o lucro; e, obviamente, o imposto pago anteriormente” (grifou-se). Note-se que o Ministro Ilmar Galvão percebeu com muita clareza a inexistência de preceito constitucional que impeça o legislador ordinário de incluir na base de cálculo de um dado tributo o valor pago a título do mesmo tributo (caso do ICMS) ou de um outro tributo (caso da COFINS). Efetivamente, a importância daquele julgamento sobressai pela definição nele contida de que o valor relativo ao ICMS faz parte do valor do produto, devendo ser considerado, como conseqüência lógica, no valor da operação, base de cálculo do próprio ICMS, ou na receita bruta, base de cálculo da COFINS. Também da lavra do Ministro Ilmar Galvão traz-se trecho do voto proferido no REsp 8.541/SP, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 22/05/1991, exemplar no tratamento da matéria objeto dos presentes embargos: “De outra parte, não havendo na lei em tela qualquer referência a faturamento líquido – o que importaria na necessidade de serem especificadas as parcelas a serem excluídas do montante – não há como fugir-se à conclusão de que o faturamento, no caso, deve corresponder à soma das vendas, sem qualquer consideração a impostos ou outras despesas nela incluídas. Ora, é sabido que o ICM – diferentemente do que ocorre com o IPI – encontra-se incluído no preço de venda das mercadorias, contribuindo para a sua formação, ao lado do custo, das despesas de seguro, de transporte, etc., que também constituem encargos do produtor ou distribuidor. Na verdade, a vingar a tese de que o faturamento deve corresponder tão-somente à receita própria da empresa – como defende a Autora – haveria de excluir-se ao seu somatório não apenas o ICM, mas também aquelas outras parcelas indicadas, restando apenas o lucro líquido, o que, em absoluto, não está no propósito da lei.” Por fim, esclareça-se que caso abordado neste artigo não guarda nenhuma relação com os precedentes em que o STF considerou inconstitucional o § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98. Com efeito, enquanto naquele caso havia um efetivo confronto de um dispositivo legal com a Constituição, o qual, (i) ao lado das receitas advindas da venda de mercadorias e da prestação de serviços (ou seja, das receitas operacionais da pessoa jurídica), incluía (ii) as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica (isto é, as suas receitas não operacionais) na base de cálculo da COFINS, na presente situação o que se pretende saber é se um dos custos que compõe o valor da mercadoria ou do serviço deve ser desconsiderado para fins de cálculo da receita bruta. Ou seja, não se está diante de uma ampliação da base de cálculo da contribuição para se incluir novas receitas (item “ii”), como naquele caso, mas sim de interpretar se o próprio item “i” deve ser restringido. 3- Conclusão Em síntese, o valor do ICMS como custo que é na formação do preço da mercadoria ou do serviço deve compor o cálculo da receita bruta, base de cálculo da COFINS. Nesse ínterim, ressalte-se que o fato do ICMS ser recolhido aos cofres públicos estaduais não desnatura a sua condição de custo componente do preço da mercadoria ou do serviço, eis que os demais custos também não são, em regra, destinados ao contribuinte, mas sim a terceiros. Outrossim, não há nenhuma relevância jurídica no fato do ICMS ser destinado aos cofres públicos estaduais enquanto grande parte dos demais custos é destinado a pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. Ademais, outros tributos que também compõem os custos da mercadoria ou do serviço são destinados a pessoas jurídicas de direito público, e nem por isso deixam de ser considerados custos e deixam de ser contabilizados no valor da receita bruta. Saliente-se, ainda que no julgamento do RE 212.209/MG o STF definiu que um tributo pode fazer parte da base de cálculo do mesmo tributo ou de outro tributo, eis que se trata de custo que compõe o valor da mercadoria ou da prestação do serviço. Logo, não há nenhuma relação do julgamento que em novembro de 2005 considerou inconstitucional a ampliação da base de cálculo da COFINS pela Lei nº 9.718/98 com o presente caso, pois enquanto naquele caso se tratava da ampliação da base de cálculo, neste se trata de restringir a base de cálculo existente desde a LC 70/91.
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Privilégios tributários aos livros e periódicos: Fomento à cultural e à concretização das bases educacionais
O presente ensaio tem por finalidade tratar das imunidades tributárias, enfatizando que o intuito é salvaguardar bens intrínsecos aos princípios constitucionais. Para tanto, analisar-se-à a importância da educação e do acesso a cultura como direitos fundamentais, bem como os dispositivos constitucionais que dizem respeito à matéria. Não bastasse isso, buscar-se-à o reconhecimento das imunidades tributárias, que ocorreu já na Constituição de 1946 ao estabelecer a não-incidência em favor da imprensa. Adiante, realizar-se-à a contextualização das imunidades tributárias disposta no artigo 150, inciso VI, alínea “d” da Constituição Federal, quais sejam: livros, jornais e periódicos, bem como o papel destinado a sua impressão, ressaltando que são exonerados de parte da tributação, ou seja, não sofrem a incidência de impostos. A escolha do tema tem como justificativa permitir uma interpretação mais abrangente, de modo que englobe além dos meios impressos, também os eletrônicos, visto que a imunidade está ligada a um ideal e não ao papel, e visa consagrar a liberdade para divulgar o conhecimento e ideias, o acesso à informação e à cultura, e consolidar as bases educacionais da sociedade. Para a realização deste ensaio, utilizar-se-à o método de abordagem dedutivo e o método de procedimento bibliográfico.
Direito Tributário
1. Considerações iniciais Este ensaio procura analisar a justificação das imunidades tributárias, especificamente as previstas no artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal, quais sejam: imunidades dos livros, jornais, periódicos e do papel destinado a sua impressão, com ênfase no papel da exoneração tributária no acesso à informação, à cultura e à educação, estendendo-se aos livros eletrônicos e CD-ROM, bem como da tinta utilizada na impressão de livros, jornais e periódicos, já que o legislador apenas fez menção ao papel. Partindo-se do pressuposto que a educação é de fundamental importância para a formação de todo complexo de vontades que constituem a personalidade, cumpre falar que as imunidades tributárias buscam salvaguardar bens maiores intrínsecos aos princípios constitucionais, a saber, a liberdade para divulgar o conhecimento e idéias, visando, assim, proteger o direito à informação e à cultura, a fim de consolidar as bases educacionais da sociedade. Notadamente o direito ao acesso à informação, à cultura e à educação tem estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, que é concebido como cláusula integradora do Estado Democrático de Direito e será invocado sempre que necessário para promover o bem de todos, a manutenção da vida em patamares que permitam o amplo desenvolvimento das capacidades das pessoas, assegurando tutela aos meios necessários para a redução das desigualdades sociais. Deste modo, evidencia-se a importância da análise do tema proposto, haja vista que pretende contribuir para o desenvolvimento da sociedade, uma vez que o direito à informação nos leva a ter conhecimento, obtendo conhecimento saberemos sobre a nossa cultura, e sabendo de nossa cultura estaremos atingindo o nível de maior superação de qualquer cidadão, qual seja, o direito à educação, concretizadora da cidadania. 2. O fomento à educação e acesso a cultura como direitos fundamentais   A educação assume papel essencial no pleno desenvolvimento da personalidade humana e para a concreção da cidadania. Com ela “o indivíduo compreende o alcance de suas liberdades, a forma de exercício de seus direitos e a importância de seus deveres, permitindo a sua integração em uma democracia efetivamente participativa.”[1] Por meio da educação assegura-se a prerrogativa de efetivação do exercício da cidadania, com a formação de sujeitos críticos e atuantes. Verifica-se a relevância da educação presente nos contornos constitucionais do artigo 6º.,  como direito social (direito por meio do Estado). Nos artigos 205 e seguintes, reafirma-se “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família” e estabelece os princípios que regem a educação brasileira, entre os quais, a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais (artigo 206) e a garantia de todo o cidadão brasileiro, mesmo que de forma subjetiva, de exigir do Estado o cumprimento da prestação educacional, independentemente de vaga, sem seleção, conforme predisposto na norma constitucional. Assim, o direito à educação está intimamente ligado ao acesso aos livros, pois a leitura é um dos elementos do processo do conhecimento. Portanto, toda medida no sentido de reduzir o custo da aquisição desse material, é merecedora de respaldo e justifica-se com tratamento privilegiado em matéria tributária, concretizando-se em ações públicas que traduzem os valores da sociedade brasileira. Tal observação nos faz refletir acerca do indivíduo, que a fim de desempenhar seu papel de cidadão, com deveres e não apenas direitos a serem cumpridos, necessita do acesso às informações, adquirindo o conhecimento necessário com as trocas de experiências, interagindo com o meio e com a sociedade em que vive. Ou seja, coloca-se “a pessoa sintonizada com o mundo que a rodeia (…), para que possa desenvolver toda a potencialidade da sua personalidade e, assim, possa tomar as decisões que a comunidade exige de cada integrante”[2]. Para se concretizar a “plenitude da formação da personalidade”, são imprescindíveis a disponibilidade “de meios para conhecer a realidade e as suas interpretações, e isso como pressuposto mesmo para que se possa participar de debates e para que se tomem decisões relevantes”[3]. Igualmente, a manifestação de pensamento, o direito à informação e a liberdade de criação de obras também se encontram protegidos, pois mediante a supressão do imposto sobre as formas de materialização, consegue-se alcançar um maior número de pessoas. Em relação aos direitos culturais, constata-se que os mesmos encontram-se assegurados constitucionalmente, nos artigos 215 e 216, nos quais está impregnada a noção de cultura como a identidade de cada um e de todos, e como tal merecedora de especial atenção tanto no campo pedagógico quanto no legal, neste último, inclusive, servindo de referencial fonte jurídica. Em suma, busca-se a satisfação geral da cidadania e não apenas de um indivíduo. A propagação da cultura está intimamente ligada à educação, tornando-se a soma desses componentes, processo fundamental para que a pessoa adquira plena capacidade para realizar os atos da vida civil com dignidade, exercer a sua cidadania, podendo assim gozar de seus direitos, uma vez que terá maior acesso aos instrumentos, quais sejam jornais, livros e periódicos, gerando desenvolvimento para a sociedade. Por conseguinte, a cultura perpetua-se no presente e no futuro, pois o passado já não responde suficientemente, contudo não é nossa idéia desprezá-lo, muito pelo contrário, uma vez que a cultura é um conjunto de artefatos e ideias elaborados pelo homem no passado, seguindo determinados valores na busca de determinado fim, ou seja, é a reprodução e persistência de toda uma sociedade no tempo. A difusão da cultura e a promoção da ciência e da tecnologia também se correlacionam com a imunidade tributária, pois a ciência pressupõe intenso trabalho intelectual e de pesquisa, e caso não houvesse meios de garantir a reprodução desses materiais e acesso a todos, de nada adiantaria a pesquisa, pois não haveria a propagação do conhecimento, o que dificultaria um maior desenvolvimento dos campos científicos, além de que ao se permitir o acesso a ela, com o surgimento de novos nichos de pesquisa e pólos tecnológicos, se permitiria um maior desenvolvimento nacional. Todas essas observações remetem à análise da trajetória do reconhecimento das Imunidades Tributárias, tema do próximo item, ressaltando que as mesmas se justificam como formas de acesso ao direito à educação, informação e cultura. 3. O reconhecimento das Imunidades Tributárias As transformações ocorridas, tanto em nível social, cultural, quanto político, não podem ser compreendidas sem o conhecimento de como funcionam os meios de comunicação, uma vez que exercem forte poder sobre as escolhas e rumos da sociedade. Faz-se uma pausa neste momento para frisar que o maior meio propagador das informações é a imprensa, por seus diversos veículos impressos (livros, jornais e periódicos) ou eletrônicos (rádio, televisão, internet). Sabe-se que, em relação a outros países, a implantação da imprensa brasileira é vista com um atraso de três séculos, devendo ser considerado o descaso da Coroa Portuguesa, que se atinha a inibir qualquer propagação de informação que representasse possibilidade de crítica ao seu governo. O jornal ‘A Gazeta do Rio de Janeiro’ foi o primeiro publicado oficialmente no território nacional, em setembro de 1808. Na seqüência, o jornal A Idade d’ Ouro começou a ser publicado em Salvador, no ano de 1811. Em 1812 foi lançada pela maçonaria a primeira revista brasileira, denominada ‘As Variedades’, que tratava de obras literárias. [4] Com a Proclamação da República[5], coube à imprensa explicar ao povo que não se tratava de ditadura militar[6], mas as críticas à República não tardaram. A imprensa[7], que tivera um papel significativo na mudança do regime, passa a apresentar descontentamentos; dos elogios, cedem lugar às críticas. O principal argumento era que o projeto republicano não havia se concretizado democraticamente. Sob uma perspectiva histórica, é importante salientar que algumas de nossas Constituições corroboraram para a implantação do instituto das imunidades tributárias em nosso país, mas antes ressalta-se, a título ilustrativo, “que não se encontra no direito comparado exemplo de imunidade nem de não-incidência constitucional de imunidades de livros e jornais”. [8] A Constituição de 1946 estabeleceu a não-incidência em favor da imprensa, “como reação contra as medidas restritivas às importações de papel e à livre manifestação de pensamento adotadas no Estado Novo” [9]. A garantia da imunidade tributária desde a Constituição de 1946, nas observações de Baleeiro[10], “se fundamenta na proteção da liberdade de expressão, de idéias, de conhecimento e de cultura, e vem sendo viabilizada com base em duas justificações que, tecnicamente, têm norteado sua extensão e seus limites”. Essa mesma justificativa garantiu a previsão da imunidade tributária na Constituição de 1988, agora “voltada à efetividade e à concreção do Estado Democrático de Direito”. Percebe-se que houve um acréscimo às justificativas que amparavam classicamente “a meta de neutralidade da imunidade, de tal forma que ela não resulte em eliminação dos grupos de informação economicamente mais fracos, em reforço de grupos monopolísticos poderosos, que controlem a produção e a comercialização de jornais, livros e periódicos”. Na elaboração do Código Tributário Nacional, em 1965, estabeleceu-se a imunidade “do papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros” (art. 9º, inc. IV, letra “d”). Esse preceito foi alterado pelo texto da CF de 1967 e pela Emenda de 1969, que inseriu a “proibição de instituir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”. O texto de 1988 recepcionou a exoneração vedando a incidência de impostos sobre “livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”, ficando expresso esse privilégio, que tem por fim proteger valores sociais, culturais, religiosos, políticos, dentre outros. 4. Contextualização das Imunidades Tributárias Muitas são as conceituações trazidas pelos tributaristas ao instituto das imunidades. Carvalho[11] elucida imunidade como a normas jurídicas que estabelecem “de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributo que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas”. No mesmo sentido, é a abordagem de Machado[12], que considera as imunidades como “obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica de tributação. O que é imune não pode ser tributado”. Igualmente, bem ilustra Baleeiro[13], expondo que “as imunidades não norteiam o bom exercício da competência tributária, mas denegam o poder tributário, limitando-o relativamente a certos fatos”. A partir da análise conceitual, é possível distinguir a dupla natureza das imunidades, pois, segundo Sabbag[14] “de um lado, mostra-se como norma constitucional que demarca a competência tributária, ao apresentar fatos que não são tributáveis, no bojo do aspecto formal da imunidade” o que pode ser somado a outra natureza do  “direito público subjetivo das pessoas que, direta ou indiretamente, usufruem os seus benefícios, à luz do aspecto substancial ou material da norma.’’ Como direito subjetivo “a imunidade visa a baratear o acesso à cultura e, por facilitar a livre manifestação do pensamento, a liberdade de atividade intelectual, artística, científica e da comunicação e o acesso à informação, todos os direitos e garantias individuais constitucionalmente protegidos (…), configura, também, cláusula pétrea”[15], pois a justificativa da “intributabilidade dos livros, jornais e periódicos é a idéia de justiça fiscal, nela incluída a de utilidade social, consubstanciada na necessidade de baratear o custo dos livros e das publicações”. [16] Além disso, a exoneração tributária ao passo que retira os impostos “dos veículos de educação, cultura e saber para livrá-los, de sobredobro, das influências políticas para que, através do livro, da imprensa, das revistas, possa-se criticar livremente os governos sem interferências fiscais”. [17] Quanto à abrangência da limitação ao poder de tributar, compreende a importação de livros, jornais, periódicos e papel de imprensa, não incidindo Imposto de Importação (II), e na comercialização interna o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS). Relativamente à incidência do Imposto sobre Serviços (ISS) sobre as receitas de publicidade há divergência entre os doutrinadores, pois “o ISS, porque não grava os objetos imunes, senão a receita bruta de pessoas físicas e jurídicas incidente sobre serviços de qualquer natureza (art. 156, III) sem exceções” [18].  Todavia Torres[19] expõe que “o ISS não incide sobre a publicidade em jornais nem, segundo a jurisprudência do STF, sobre as fases intermediárias de confecção de livros e periódicos”. Além disso, o STF considerou as listas telefônicas imunes ao ISS, ressaltando o cumprimento do papel de utilidade social. Essa controvérsia a respeito do expresso na lei pode ser compreendida na exposição de Baleeiro[20], segundo o qual “na jurisprudência, prevalece ainda o entendimento de que a publicidade paga, veiculada em jornais, livros e periódicos, está abrangida pela imunidade em relação ao ISS, de competência dos Municípios.” Verifica-se que predomina a “tese da imunidade ampla. Ela abrange todo o conjunto de serviços que realizam o livro, como a redação, a revisão da obra, a parte editorial, como também de publicidade de anunciantes.” A respeito do Imposto de Renda a imunidade “não alcança a empresa jornalística, a empresa editorial, o livreiro, o auto etc., que, por exemplo, deverão pagar o imposto sobre os rendimentos que obtiverem com o livro, o jornal, o periódico e o papel destinado à sua impressão” [21], pois a exoneração tributária tem critérios objetivos aplicando-se a coisas e não a pessoas. Mesmo assim, a imunidade deve ser compreendida amplamente, “sem quaisquer reduções e de forma a ser economicamente neutra, sem beneficiar mais a uns – especialmente os grupos econômicos jornalísticos poderosos e monopolísticos – do que a outros – as empresas de imprensa dissidentes, minoritárias e economicamente mais fracas (os jornais de opinião p. ex.)”[22]. E com esse propósito, é necessário que se compreenda a distinção entre a cultura tipográfica da eletrônica, assim como o espaço público do cibernético, para que possamos num momento posterior entender a extensão dada às imunidades tributárias. Os avanços da ciência e da tecnologia são uma forma de exercício da cidadania, comprovando que a ciência e evolução tecnológica não são atividades à parte, autônomas, mas estão atreladas a fatores econômicos, políticos, históricos, sociais e ideológicos da sociedade. Esse novo paradigma[23] expressa outra forma de comunicação de “idéias, que exige a reformulação das velhas figuras constitucionais e legais que surgiram para a proteção de relações jurídicas formadas em ambiente cultural diverso”. Portanto, uma nova configuração da visão atual suportada por tecnologias pode transformar a nossa forma de trabalhar, viver e conviver. Isso porque a tecnologia deve constituir-se como elemento em função do homem, para ajudar e facilitar sua vida, propiciando mais conforto, qualidade de vida, preservando sua energia e melhorando o uso de seu tempo. Quando se faz menção a espaço público, a imprensa escrita, que aqui pode ser manifestada pelos jornais, livros e periódicos, se traduz no instrumento para comunicação no mesmo. Já o espaço cibernético[24] “é aquele no qual se dá o relacionamento fundado na troca de informações transmitidas pelos servo-mecanismos. É um espaço virtual, um ‘fantasma’ que não existe fisicamente, mas que produz o espaço existencial”. Assim, configura-se a distinção entre espaço público e cibernético, trazendo conseqüências de relevância apresentadas por Torres[25]: “a) valor preponderante no espaço cibernético é a liberdade, e não a justiça, como ocorre no espaço público e b) a internacionalização das auto-estradas da informática leva à erosão do próprio conceito de Estado Nacional.” Desse modo, a era da informação, da imagem, do satélite, da fibra ótica, da Internet, repercute na interpretação e aplicação do direito relativamente à previsão do artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal, bem como as demais controvérsias implantadas pela doutrina, referente, por exemplo, aos livros eletrônicos, CD-ROM e a tinta, o que será objeto de análise no próximo item. 5. A extensão da Imunidade Tributária prevista no artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal Sabe-se que as imunidades previstas no artigo 150, VI, “d” da Constituição Federal dizem respeito a livros, jornais, periódicos e ao papel que se destina a sua impressão, e o objetivo neste momento é elencar as situações que foram ou não abarcadas pelo constituinte. O efeito do reconhecimento da garantia constitucional do conceito de livro é marcado por uma complexa e ambígua discussão doutrinária. O conceito de livro, inicialmente, como o resultado da impressão, em papel, de ideias, doutrinas ou informações com finalidade cultural, cuja “base física constituída por impressão em papel e a finalidade espiritual de criação de bem cultural ou educativo” [26], atualmente abarca também a possibilidade de ser ‘virtual’, disponível “no espaço cibernético; pode conter folhas soltas ou cosidas; pode vir com capa flexível ou dura; pode conter informação científica ou leviana; entre outras tantas multifacetadas possibilidades”. [27]        Notadamente, o conceito de livro, para fins de imunidade, ampliou-se, passando a significar “qualquer objeto que transmita conhecimentos (idéias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias etc.), pouco importando se isto se faz por caracteres alfabéticos, por imagens, por sons, por signos Braille, por impulsos magnéticos etc” [28], desse modo as publicações em meios eletrônicos, estariam divulgando cultura, portanto abrangidas pela imunidade. Como refere Torres[29] em relação aos livros produtos da evolução tecnológica “constituem transposição para CD-Rom, a ser utilizado em computador, do livro originariamente impresso em papel”. Acompanha esse posicionamento, Paulsen[30], afirmando que tanto CD-ROM como a revista eletrônica são alcançados pela imunidade, pois, segundo o autor, “não há que se entender tal referência como limitativa da imunidade, ou seja, como impeditiva da imunidade dos livros, jornais e periódicos gravados ou divulgados por outro meio. A essa conclusão se chega analisando os direitos fundamentais a que a Constituição visou proteger com a norma em questão.” Há um entendimento por parte dos doutrinadores da possibilidade das publicações virem acompanhadas de CDs ou videocassetes. Nesse sentido, Torres[31] inclui essas mercadorias como imunes “desde que haja a preponderância econômica e intelectual do texto sobre o disco compacto”. Na mesma senda são equiparados ao livro, para fins imunidade, “os veículos de idéias, que hoje lhe fazem as vezes (livros eletrônicos) ou, até, o substituem. Tal é o caso – desde que didáticos ou científicos – dos discos, dos disquetes de computador, dos CD-Roms, dos slides, dos videocassetes, dos filmes etc”[32]. Os jornais também gozam de amplo privilégio fiscal, referindo-se à mídia escrita apenas, ou seja, “excluem-se do campo do privilégio constitucional os veículos de radiodifusão, neles compreendidos os “jornais da tela” ou os “jornais da televisão”, que apenas metaforicamente podem ser considerados jornais”[33]. Naturalmente que as diversas propagandas veiculadas em jornais e periódicos são importantes fontes de rendas, por isso não correspondem aos objetos tutelados pelo preceito imunizante, obtendo normal incidência tributária. Porém, o periódico propriamente dito é amparado pela norma imunizatória e sua conceituação se traduz em: “Revistas, técnicas ou não, e os impressos que se editam repetidamente dentro de certos intervalos de tempo. O seu conceito é amplo e abrange até mesmo as revistas pornográficas, tendo em vista que a acusação de pornografia sempre serviu de base à opressão da livre manifestação do pensamento e às discriminações no campo da literatura”[34]. Ainda, o Supremo Tribunal Federal para abarcar os periódicos valeu-se de uma interpretação extensiva, buscando saber se o objeto impresso busca disseminar pensamentos e idéias, não estando incluídos, os calendários comerciais[35], mas as revistas médicas[36], listas telefônicas[37] e álbuns de figurinhas sim. Sobre este último: “não se concebe qualquer distinção – para fins de imunidade – entre um livro que tenha estampado figuras de esportistas, artistas etc. e um álbum em que tais imagens (cromos) sejam adquiridas em separados, para serem coladas, como apontado que a “venda de um opúsculo ilustre a ser completado por ‘figurinhas’ periodicamente distribuídas pelas bancas, que podem ser adquiridas diretamente da editora, se assim o desejar a criança, em técnica de indiscutível atração não distinta daquela outra de venda de fascículos semanais, que terminam por formar um livro, embora objetivando a disputa de mercado é algo incensurável do ponto de vista ético-social, e não vedado pela imunidade constitucional, que, como já se disse, por ser objetiva, protege o veículo de expressão escrita, independente das intenções, difusão de idéias ou de imoralidades”[38]. A análise do papel destinado a impressão é o assunto de maior controvérsia, revelando-se problemático. A Constituição de 1948 continha a seguinte previsão: “são muito variáveis os produtos da imprensa: livros, jornais, circulares, cartazes, brochuras, gravuras. Pouco importa igualmente a substância ou matéria empregada: papel, pergaminho, tela, cartão, madeira, papelão ou metal”. [39] Com isso, percebe-se que já naquela época o papel era um dos suportes do livro, mas não o único. Conforme o mesmo autor[40] tem-se que “inventado pelos chineses e trazido para a Europa nos fins da Idade Média, o papel, sendo muito mais barato, veio a substituir, com vantagens, o papiro, dos antigos egípcios”. Necessário faz-se esclarecer que apenas o papel destinado aos livros, jornais ou periódicos, ou seja, o papel de imprensa é que estão abarcados pela imunidade, não estando incluso, por exemplo, o papel de embrulho[41]. Os materiais que se mostrem assimiláveis ao papel, abrangendo, em conseqüência, para esse efeito o papel para telefoto, o papel fotográfico e os filmes fotográficos também estarão imunes[42]. A Súmula nº 657 do STF vem para confirmar o exposto, “a imunidade prevista no art. 150, VI, ‘d’, da CF abrange os filmes e papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos”. Desse modo, de todos os insumos necessários para a fabricação de um livro, de um jornal ou de um periódico, tais como máquinas, aparelhos, tinta[43], cola, linha e papel[44], apenas este último ficou imune. Mas, há uma tendência a dar uma abrnagência mais ampla a norma. Sabbag[45] apresenta que “os Tribunais vêm entendendo que a imunidade deve ser estendida, por exemplo, à tinta destinada à impressão dos livros, jornais e periódicos, com fundamento de que é um insumo imprescindível para a publicação daqueles”[46]. Assim, percebe-se a vulnerabilidade da temática “diante da jurisprudência, que ainda oscila, e da doutrina, que também se movimenta”[47]. 6. Considerações finais Pelo estudo realizado, verifica-se que a minimização da incidência tributária, como no caso das imunidades tributárias, insere-se como salvaguardas de bens maiores intrínsecos aos princípios constitucionais, a saber, a liberdade para divulgar o conhecimento e ideias, visando, assim, proteger a cultura, a fim de consolidar as bases educacionais da sociedade. Procurou-se apresentar as imunidades tributárias concedidas aos jornais, periódicos, livros, bem como o papel destinado a sua impressão, restando claro o posicionamento da maioria dos doutrinadores, os quais entendem que o instituto em análise não deve ser interpretado de maneira literal, sendo que existem princípios constitucionais que recebem proteção da Constituição Federal. Logo, caberia a sua aplicação toda vez que se ameaçasse a divulgação do conhecimento mediante a cobrança de preços elevados. Ante o exposto, fica evidente a possibilidade de uma interpretação mais abrangente das imunidades, de sorte que hoje já é unanimidade, por parte dos doutrinadores, a imunidade tanto dos livros eletrônicos quanto do seu meio de suporte (cd-rom), mas o mesmo não pode se afirmar quanto aos instrumentos que são utilizados para impressão dos livros, jornais e periódicos, tratando-se da tinta, maquinários e outros. Conclui-se ser necessário ampliar ainda mais a exoneração tributária, pois as imunidades tributárias estão ligadas a um ideal, qual seja a propagação da cultura e esta será alcançada plenamente, quando todos tiverem acesso à informação, que formam as bases da educação e da concretização da dignidade da pessoa, reduzindo desigualdades e exclusão social.
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Elisão e evasão fiscal: Os limites do planejamento tributário
O presente estudo visa analisar os limites do planejamento tributário, especialmente suas formas, evasão e elisão fiscal, assim como criticar a norma antielisiva, disposta no art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional. Trata, preliminarmente, dos princípios constitucionais, aborda o nascimento e concretização da relação jurídico-tributária, por fim, passa a criticar a norma antielisiva (art. 116, parágrafo único do CTN).
Direito Tributário
1. O PODER DE TRIBUTAR DElimitaDO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL 1.1 Considerações Iniciais O professor Eduardo Sabbag[1] introduz a matéria direito tributário, em sua obra “Elementos do Direito”, dispondo: “O direito tributário é uma disciplina componente do direito público, tendo natureza obrigacional, pois se refere à relação de crédito e débito que nasce entre sujeitos da relação jurídica. Por essa razão, ganha o Direito Tributário o rótulo de ramo do Direito das Obrigações. Tal relação jurídica é polarizada, destacando-se no pólo ativo (credor) os entes tributantes: pessoas jurídicas de Direito Público interno, também conhecidas como Fiscos, isto é, União, Estados, Municípios e o Distrito Federal. No pólo passivo (credor), encontra-se a figura do contribuinte representado pelas pessoas físicas ou jurídicas. Dessa forma, cria-se o cenário afeto à natural invasão patrimonial, caracterizadora do mister tributacional, em que o credor (Fisco) avança em direção ao patrimônio do devedor (Contribuinte) de maneira compulsória, a fim de que logre retirar valores, que denominamos tributos, carreando-os para os seus cofres. Tal invasão é inexorável, não havendo como dela se furtar, exceto se o tributo apresentar-se ilegítimo, i.e., fora dos parâmetros impostos pela Constituição Federal, o que poderá ensejar a provocação do Poder Judiciário, no intuito de que se proceda à correção da situação jurídica. A Constituição Federal impõe limites ao poder de tributar, ou seja, limites ao poder de invadir o patrimônio do contribuinte. […].” Dessa forma, o contribuinte, frente à fúria arrecadatória dos entes tributantes, deve analisar a atividade estatal considerando os limites do poder de tributar (especialmente os princípios constitucionais), como forma de defender seu patrimônio e gerenciar seus custos. Nesse sentido, o planejamento tributário visa à diminuição de gastos através da redução da carga tributária. Contudo, para o estudo da matéria, faz-se necessário verificar os princípios constitucionais, que, além de serem norteadores do direito material, são aliados do contribuinte no projeto de redução fiscal. Por conseguinte, passa-se a discutir os princípios constitucionais assecuratórios do planejamento tributário. 1.2 Princípios Constitucionais 1.2.1 Legalidade e Tipicidade O princípio da legalidade garante aos cidadãos a concretização dos ideais de justiça e segurança jurídica, pois, em regras, os tributos devem ser instituídos ou aumentados em virtude de lei. A legalidade tributária não permite a mera autorização de lei para a instituição de tributos. Ao contrário, exige-se que a norma defina todos os elementos da regra matriz de incidência tributária, ou seja, descrição do fato tributável, definição da base de cálculo e da alíquota, ou critérios para o estabelecimento do valor do tributo, identificação dos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária. O art. 150, I, da Constituição assim dispõe: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; […]” Dessa forma, não terá a autoridade administrativa discricionariedade para definir a incidência e aplicação do tributo. Então, diante da obrigatoriedade do legislador em fixar todos os pontos essenciais à norma tributária, Luciano Amaro (2003, p. 113), destaca o princípio da tipicidade tributária, como derivação da legalidade: “Isso leva a uma expressão da legalidade dos tributos, que é o princípio da tipicidade tributária, dirigido ao legislador e ao aplicador da lei. Deve o legislador, ao formular a lei, definir, de modo taxativo (numerus clausus) e completo, as situações (tipos) tributáveis, cuja ocorrência será necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, bem como os critérios de quantificação (medida) do tributo. Por outro lado, ao aplicador da lei veda-se a interpretação extensiva e a analogia, incompatível com a taxatividade e determinação dos tipos tributários.” A obrigatoriedade de lei para disciplinar a incidência de tributos impõe sua plenitude, ou seja, lei material e formal. A legalidade não se contenta com a simples existência do comando abstrato, geral e impessoal (lei material), na valoração dos fatos. A segurança jurídica exige lei formal, ou melhor, obriga-se que aquele comando, além de abstrato, geral e impessoal (reserva de lei material), seja formulado por órgão do poder legislativo. A fim de enfatizar a correlação entre a segurança jurídica e o princípio da legalidade, cumpre transcrever o entendimento do doutrinador Hugo de Brito Machado, ao comentar o art. 150, I da Constituição Federal[2]: “Legalidade e Segurança Jurídica […] Sendo a lei a manifestação legitima da vontade do povo, por seus representantes e parlamentares, entende-se que o ser instituído em lei significa ser o tributo consentido. O povo consente que o Estado invada seu patrimônio para dele retirar os meios indispensáveis a satisfação das necessidades coletivas. Mas não é só isto. Mesmo não sendo a lei, em certos casos, uma expressão desse consentimento popular, presta-se o princípio da legalidade para garantir a segurança nas relações do particular (contribuinte) com Estado (fisco), as quais devem ser inteiramente disciplinadas, em lei, que obriga tanto o sujeito passivo como o sujeito ativo da relação obrigacional tributária. Não é necessário discorrer a respeito da importância da segurança jurídica como valor fundamental a ser preservado pelo Direito. Sabemos todos que a segurança, além de ser importante para viabilizar as atividades econômicas, é essencial para a vida do cidadão. Nem é necessário demonstrar a importância do princípio da legalidade como instrumento de realização da segurança jurídica. Ela é evidente. E qualquer amesquinhamento do princípio da legalidade implica sacrificar a segurança. Por tais razões o princípio da legalidade tem sido concebido pela doutrina como uma exigência de previsão legal específica das hipóteses de incidência tributária, tendo essa concepção doutrinaria sido incorporada pelo Código Tributário Nacional, que explicitou em seu art. 97, estabelecendo que somente a lei pode estabelecer, entre outros elementos essenciais nas relação tributária, a definição do fato gerador da obrigação principal, vale dizer, o fato gerador do dever jurídico de pagar tributo. Isso que dizer que temos em nosso sistema jurídico o princípio da legalidade a exigir tipos tributários, tal como no direito penal existem os tipos penais. Ao legislador cabe, para preservação a segurança jurídica propiciada pelo princípio da legalidade é a esta diretamente proporcional. Como assevera João Dácio Rolim, com inteira propriedade, “Quanto maior a precisão desse tipos, menor a margem de incerteza e a possibilidade de arbitrariedade por parte do interprete da lei ou das próprias regras surgidas pela jurisprudência.” Embora, o absolutismo do princípio da legalidade, a Constituição Federal, em determinados casos, o excepciona, no que tange a certos impostos e contribuições de intervenção no domínio econômico. Nesses casos, é facultado ao Poder Executivo, somente, a alteração de alíquotas legalmente fixadas. O doutrinador Leandro Paulsen (2005, p. 184) expõe os tributos que rompem com a restritividade legislativa: “A legalidade tributária constitui direito fundamental do contribuinte, sendo, portanto, cláusula pétrea, conforme destacado em nota introdutória às limitações ao poder de tributar. As atenuações à legalidade (autorizações para que o Executivo altere alíquotas) são apenas as expressas no art. 153, §3°, 1°, da CF. A referência a tal dispositivo, ao II, IE, IPI e IOF é taxativa, não admitindo ampliação sequer por Emenda Constitucional. […]” Como se verifica, o princípio da legalidade é regra essencial ao sistema tributário. Historicamente foi uma das primeiras garantias a surgir em favor do contribuinte, contudo, figurando hoje como um importante instrumento de limitação ao poder de tributar. Salienta-se que no decorrer do estudo será abordado o princípio da legalidade negativa em conjunto com a livre iniciativa, já que garantem ao cidadão ampla liberdade de agir e empreender, excepcionada apenas por lei específica. Demonstrada, então, a importância da legalidade, passa-se a enfocar o Princípio da Isonomia Tributária, como forma de preservar a retidão na cobrança de tributos. 1.2.2 Isonomia ou Igualdade Tributária O princípio da isonomia está inserido, primeiramente, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos da Carta Magna (artigo 5°, caput,), assegurando que todos são iguais. Assim, em diversos outros pontos do dispositivo constitucional, de forma incessante o legislador originário dispôs sobre o tema. Dessa forma, o princípio da igualdade é novamente assegurado, mas agora, exigindo isonomia na cobrança de tributos, como dispõe o artigo 150, II da Constituição Federal: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] I-     instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; […]” Em regra, o princípio da igualdade determina que todo o contribuinte que se enquadre na hipótese legalmente descrita estará sujeito ao mandamento legal. Nesse caso, a isonomia dedica-se ao aplicador da lei, ou seja, não poderá o administrador diferenciar os indivíduos para efeito de submetê-lo ou não ao mandamento legal. Contudo, o princípio é mais amplo ainda, pois veda ao legislador que disponha sobre tratamentos diversos para situações iguais ou similares. O princípio da isonomia possui como objetivo direto a afirmação de que todos são iguais, sendo proibidas quaisquer discriminações. Já de forma indireta, o preceito visa garantir aos indivíduos perseguições e favoritismos de determinados setores, particularmente, no campo tributário. O doutrinador Luciano Amaro (2003, p. 134) discute, aproveitando-se do pensamento de Celso Antonio Bandeira de Mello, a efetivação do princípio da igualdade tributária e a sua íntima relação com o princípio da capacidade contributiva: “Tem-se de pôr, agora, outra face do princípio, segundo a lição clássica de que a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Celso Antônio Bandeira de Mello, reconhecendo a procedência dessa assertiva, coloca a questão de identificar quem são os iguais e quem são os desiguais, ou seja, “que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade faculta a discriminação de situações e pessoas sem quebrar a agressão aos objetivos transfundidos no princípio constitucional da isonomia?” O problema – parece-nos – deve ser colocado em termos mais amplos: além de saber qual a desigualdade que faculta, é imperioso perquirir a desigualdade que obriga a discriminação, pois o tratamento diferenciado de situações que apresentem certo grau de dessemelhança, sobre decorrer do próprio enunciado do princípio da isonomia, pode ser exigido por outros postulados constitucionais, como se dá, no campo dos tributos, à vista do princípio da capacidade contributiva, com o qual se entrelaça o enunciado constitucional da igualdade. Deve ser diferenciado (com isenções ou com incidência tributária menos gravosa) o tratamento de situações que não revelem capacidade contributiva ou que mereçam um tratamento fiscal ajustado à sua menor expressão econômica. Hão de ser tratados, pois, como igualdade aqueles que tiverem igual capacidade contributiva, e com desigualdade os que revelem riquezas diferentes e, portanto,diferentes capacidade de contribuir.” Por certo, o princípio da igualdade tributária é pressuposto essencial do ordenamento jurídico, no entanto, no que tange a incidência de tributos, o princípio da capacidade tributária, de certa forma, efetiva o ajuste da igualdade ao mundo dos fatos. Portanto, diante da grande importância do princípio da capacidade contributiva para operacionalizar o principio da igualdade, bem como para promover o equilíbrio social, será, a seguir, melhor detalhado. 1.2.3 Capacidade Tributária    O princípio da capacidade contributiva operacionaliza, em matéria tributária, os valores de “solidariedade” e “justiça”, que constituem objetivos fundamentais da República[3]. (Moschetti, apud SCHOUERI, 2005, p. 281) Assim dispõe o artigo 145, §1° da Constituição Federal: “Art. 145- A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […] §1° Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” O princípio da capacidade contributiva baseia-se, fundamentalmente, na ordem natural dos acontecimentos, ou seja, onde não houver riqueza é inútil instituir impostos. Contudo, o princípio visa, não só preservar a eficácia da lei de incidência, mas também preservar o contribuinte, buscando evitar uma tributação excessiva (incoerente com sua capacidade contributiva) que inviabilize sua subsistência econômica. Cumpre distinguir, no entanto, os termos “capacidade contributiva” e “capacidade econômica”, utilizado este no §1° do referido dispositivo constitucional. Para tanto, destaca-se as conclusões de José Maurício Conti, citado por Edílson Pereira Nobre Júnior (2001, p. 33) quando promoveu a diferenciação desses dois institutos: “A capacidade econômica é aquela que todos- ou quase todos- têm.   É a aptidão dos indivíduos de obter riquezas- exteriorizada sob a forma de renda, consumo ou patrimônio. Já a capacidade contributiva- fazemos a análise aqui apenas quanto ao seu aspecto subjetivo, que dá origem às diversas interpretações- refere-se à capacidade dos indivíduos de arcar com os ônus tributários, de pagar tributos. A capacidade contributiva é, pois, uma capacidade econômica específica- refere-se à aptidão para suportar determinada carga tributária.” O princípio da capacidade contributiva, inserido no contexto econômico, instrumentaliza-se através da progressividade e da seletividade, considerados, por alguns doutrinadores, como princípios. A progressividade ocorre quando o imposto possui sua alíquota majorada, na medida em que aumenta sua base tributável, de forma a onerar aquele que possui maior riqueza. Já a seletividade acontece quando as alíquotas dos impostos são diferentes, tendo em vista o objeto tributável. Assim, passa-se a análise do princípio da irretroatividade da lei tributária, intimamente relacionado à segurança jurídica. 1.2.4 Irretroatividade da Lei Tributária A norma jurídica, normalmente, projeta sua eficácia para o futuro. A própria Lei de Introdução ao Código Civil[4] dispõe que a lei em vigor terá efeito imediato e geral. No entanto, em muitos casos, de forma expressa, pode a lei referir-se a fatos pretéritos atribuindo-lhes ou modificando-lhes efeitos jurídicos. A Constituição Federal estabelece a irretroatividade relativa da lei ao expor que está não poderá atingir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, como dispõe o artigo 5°, XXXVI. Então, obedecidas às restrições, a lei poderá, em princípio, voltar-se para o passado, se o disser expressamente ou se isso decorrer da própria natureza da lei; contudo se nada disso ocorrer ela vigorará para o futuro. Nesse sentido, a Carta Magna consagra no artigo 150, III, “a” o princípio da irretroatividade da lei tributária: “Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] II- cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituídos ou aumentados; […]” Por certo, o princípio da irretroatividade da lei tributária constitui um dos marcos de preservação do contribuinte contra o arbítrio do Estado, por assegurar o conhecimento prévio, da carga tributária a que está sujeito. A cláusula de irretroatividade está baseada no princípio da segurança jurídica, o qual deve nortear a atuação do legislador e do aplicador do direito. Humberto Bergamnn Ávila citado por Leandro Paulsen (2005, p. 221), trata da importância do princípio da segurança jurídica na sociedade: “O principio da segurança jurídica (CF: preâmbulo, art. 5°, caput; art. 6°, caput) tem por finalidade garantir estabilidade aos direitos estabelecidos em nível constitucional e previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos dos atos normativos, razão pela qual é exteriorizado, particularmente, por meio de normas específicas que instituam garantias: irretroatividade (CF: art. 5°, XXXVI e XL; art. 150, III, ‘a’), legalidade (CF: art. 5°, II, e art. 150, I) e anterioridade tributária (CF: art 150, III, ‘b’).” Em síntese, o princípio da irretroatividade da lei tributária veda a aplicação da lei nova que crie ou aumente tributo relativo a fato pretérito. Tal preceito, em nome da segurança jurídica e da igualdade, é dirigido, não só ao aplicador da lei, lhe sendo vedado fazer incidir sobre fatos pretéritos, mas também ao legislador, a quem fica proibido de estabelecer normas de tributação de fatos passados ou para majorar tributos já existentes. Contudo, passa-se a analisar o princípio da anterioridade da lei tributária, norma de suma importância para a estabilidade do ordenamento jurídico no que tange a cobrança de tributos. 1.2.5 Anterioridade da Lei Tributária A anterioridade de exercício, disposta no artigo 150, III, “b” da Constituição Federal, soma-se à irretroatividade, já analisada, bem como à anterioridade mínima de 90 dias, estabelecida pela alínea “c”, inciso III do mesmo dispositivo constitucional, como forma de garantir ao contribuinte segurança jurídica. Para verificar a vigência de uma norma tributária, em regra, não bastará, apenas, a obediência a anterioridade de exercício, mas, cumulativamente, o interstício mínimo de 90 dias desde a sua publicação. Primeiramente, passa-se a análise da anterioridade de exercício determinada no art. 150, III, “b” da Constituição Federal: “Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] III – cobrar tributos: […] b) no mesmo exercício financeiros em que haja sido publicado a lei que os instituiu ou aumentou; […]” O texto garante, em princípio, que o contribuinte somente estará sujeito, no que tange à instituição e majoração de tributos, às leis publicadas até 31 de dezembro do ano anterior. Para tanto, a anterioridade visa proteger o contribuinte contra eventuais surpresas de alterações tributárias, ao longo do exercício financeiro que se encontre, situação que afetaria o planejamento de suas atividades. Em observância a esse princípio, sabe-se, ao início de cada exercício, quais as normas que serão aplicadas ao longo do exercício. No entanto, a fim de atender as necessidades do contribuinte, assegurando a segurança jurídica em matéria tributária, foi acrescido ao texto constitucional, através da Emenda Constitucional n.° 42/2003, a alínea “c” do artigo 150, III. A anterioridade mínima determina a impossibilidade de ocorrer alterações na legislação, por exemplo, em 31 de dezembro, instituindo ou majorando tributos, para começarem a viger a partir de 1° de janeiro do exercício seguinte, como forma evidente de burlar a legislação[5]. Assim trata o referido disposto constitucional: “Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] III- cobrar tributos: […] c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea “b”; […]” O doutrinador Leandro Paulsen (2005, p. 235-236), em sua obra, Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, expõe, com propriedade, a anterioridade mínima associando-a com a anterioridade de exercício: “Denominamos esta nova garantia de ‘anterioridade mínima’ justamente porque estabelece o prazo mínimo a ser observado; antes do seu decurso, não mais é possível a vigência válida da lei que aumente a carga tributária, salvo exceções constitucionalmente previstas. A anterioridade mínima vem reforçar a garantia da anterioridade de exercício. Os tributos em geral continuam sujeitos à anterioridade de exercício (a lei publicada num ano só pode incidir a partir do ano seguinte), mas não haverá incidência antes de decorridos, no mínimo, 90 dias da publicação da lei instituidora ou majoradora. Assim, e.g., publicada a lei majoradora em março de um ano, só a partir de 1° de janeiro é que poderá incidir, pois observadas cumulativamente a anterioridade de exercício (publicação num ano para incidência no exercício seguinte) e a anterioridade mínima (decurso de 90 dias desde a publicação). Publicada, contudo, no final de dezembro de determinado ano, não poderá incidir já a partir de 1° de janeiro (o que atenderia à anterioridade de exercício mas não à anterioridade mínima), tendo, sim, que aguardar o interstício de 90 dias incidindo, então, a partir do 90° dia, que se completará no final de março; publicada a lei em novembro, apenas em fevereiro, satisfeitas cumulativamente a anterioridade de exercício e a anterioridade mínima de 90 dias, é que poderá incidir, gerando obrigações tributárias. A aliena “c” traz regra que se aplicará, pois, cumulativamente à anterioridade de exercício, reforçando a garantia de previsibilidade concedida ao contribuinte.” Apesar da severidade da anterioridade de exercício associada à anterioridade mínima, a própria Constituição Federal dispõe sobre exceções ao referido preceito. Contudo, no mesmo dispositivo legal (artigo 150), no parágrafo 1°, são elencados tributos que pelo seu caráter excepcional não obedecem à anterioridade de exercício e/ou a mínima, note-se que o rol é taxativo e específico para o assunto: “§1° A vedação do inciso III, “b”, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, III; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos Impostos previstos nos art. 155, III, e 156, I.” Portanto, verifica-se que o princípio da anterioridade, lato sensu, é de grande valia para a organização e estruturação do ordenamento jurídico tributário, assim como o princípio do não confisco, que será a seguir mais bem estudado. 1.2.6 Vedação de Tributo Confiscatório O texto constitucional, nos artigos 5°, XXIV e artigo 170, II, garante o direito de propriedade e coíbe o confisco, ao estabelecer prévia e justa indenização nos casos que permite a desapropriação Dessa forma, a fim de vedar a cobrança de tributos de maneira excessiva, comprometendo o patrimônio do contribuinte, a Constituição Federal reafirmou o princípio econômico da propriedade, proibindo a tributação confiscatória junto ao artigo 150, IV: “Art. 150- Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […] III- utilizar tributo com efeito de confisco; […]” Por certo, a cobrança de tributos traduz transferências compulsórias de valores individuais para o Estado, a fim de que esse possa reafirmar-se em seus propósitos sociais, econômicos e políticos. Assim, desde de que a tributação se faça nos limites autorizados pela Carta Magna, a mudança de propriedade será legitima e não confiscatória. Em síntese, tal preceito objetiva evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada. Para tanto, utiliza-se do princípio da capacidade contributiva, já mencionado, para conservar a capacidade econômica do indivíduo. Antonio Roque Carraza, citado por Leandro Paulsen (2005, p. 237), discute o princípio do não-confisco como fundamento da capacidade contributiva: ‘Estamos também convencidos de que o princípio da não-confiscatoriedade… deriva do princípio da capacidade contributiva. Realmente, as leis que criam impostos, a levarem em conta a capacidade econômica dos contribuintes não podem compeli-los a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades. Estamos vendo que é confiscatório o impostos que, por assim dizer, esgotar a riqueza tributável das pessoas, isto é, que não leva em conta suas capacidades contributivas.’ Entretanto, em muitos casos, os tributos poderão aparentar caráter confiscatório, tendo em vista sua natureza não apenas tributária, mas também econômica. Igualmente, tratando dos fundamentos do Estado Brasileiro, cumpre expor o princípio da livre iniciativa associado a legalidade negativa. 1.2.7 Livre Iniciativa e a Legalidade Negativa A livre-iniciativa constitui um dos pilares do liberalismo tanto que o art. 170 da Constituição Federal a define como fundamento da República Federativa do Brasil, como se verifica: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes: […] Parágrafo Único: É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.” A livre-iniciativa permite aos indivíduos ousarem na criação de produtos, idéias ou serviços, a fim de conquistarem o maior número de adeptos. Conforme Gilvanci Antonio de Oliveira Sousa[6]: “A livre iniciativa e o planejamento tributário se relacionam na medida em que ambos decorrem do exercício de liberdade no contexto de uma atividade empresarial, na escolha de um procedimento ou forma de negócio menos onerosa, do ponto de vista impositivo, do que se realiza de outro modo, no exercício da atividade econômica particular. Tais procedimento são realizados com base no direito de o empresário auto organizar-se, procurando sempre uma melhor eficiência administrativa, o que inclui a tributária, e que se submete apenas à Lei . Assim na ausência de dispositivo legal em contrário, o planejamento tributário é garantido como corolário da livre iniciativa, já que sempre buscará um incremento de resultados econômicos, ainda que decorrentes da redução da carga tributária.” O princípio da livre iniciativa encontra-se intimamente relacionado com o princípio da legalidade negativa, garantido no a art. 5°, inciso II da Constituição Federal, já que ambos conferem autonomia ao cidadão, como se verifica: “Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos: […] II- ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. […]” O princípio da legalidade negativa garante a todos os cidadãos liberdade de agir na sociedade, não podendo qualquer atividade ser obstada pelo Estado, sem prévia legislação proibitiva. Como se verifica, a legalidade negativa apresenta-se como a outra face da legalidade tributária, anteriormente abordada. Assim, o contribuinte não terá seu patrimônio invadido pelo Estado, através da cobrança de tributos, se não pela autorização expressa de lei. Para muitos, talvez a legalidade negativa não necessitasse ser abordado, já que a temática é inversa a do princípio da legalidade tributária. Contudo é primordial ao estudo do planejamento tributário sua especificação, pois é ele, associado à livre iniciativa que garantem ao contribuinte projetar a redução fiscal, mediante a visualização da legislação e dos possíveis negócios jurídicos lícitos. Por conseguinte, após a análise dos princípios constitucionais delimitadores do poder de tributar do Estado e, em contrapartida, asseguradores do patrimônio particular do contribuinte, prossegue-se o estudo com os elementos essenciais da relação jurídico-tributária. 2. RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA 2.1 Generalidades  O direito surgiu como forma de ordenar a vida social dos seres humanos, disciplinando seus comportamentos e suas relações interpessoais, através da instituição de direitos e obrigações, assegurados por uma relação jurídica legalmente prevista.  Segundo Paulo de Barros Carvalho a relação jurídica “é definida como o vínculo abstrato, segundo o qual, por força da imputação normativa, uma pessoa, chamada de sujeito ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, denominada sujeito passivo, o cumprimento de certa prestação.”[7] Transpondo tal conceito para o direito tributário, verifica-se que a relação jurídico-tributária apresenta-se como o vínculo legal e abstrato no qual o Fisco, sujeito ativo, possui a prerrogativa de exigir do contribuinte, sujeito passivo, o pagamento do tributo ou algum fazer ou deixar de fazer. Dessa forma, são elementos da relação jurídico-tributária a hipótese de incidência (mandamento legal abstrato), o fato gerador (concretização no mundo dos fatos da abstração legal), a obrigação tributária (direitos e deveres resultantes após a subsunção do fato a norma abstrata) e o crédito tributário (momento em que a obrigação tributária passa a ser exigível pelo Fisco). 2.2 Hipótese de Incidência A hipótese de incidência tributária consiste no momento abstrato, previsto em lei, capaz de desencadear a relação jurídica. Apresenta-se como a abstração definida em lei de fatos e atos capazes de ensejar o nascimento da relação jurídica, momento em que direitos e deveres estarão determinados[8]. Apesar da aparente sinonímia entre hipótese de incidência e fato gerador, cumpre diferenciar tais institutos já que representam individualmente fases de concretização da relação jurídico-tributária. Para tanto, transcrever-se parte dos ensinamentos do Ilustre Juiz Federal Leandro Paulsen[9] sobre o assunto: “Hipótese de incidência X fato gerador. A melhor técnica aconselha que façamos a exata diferenciação entre hipótese de incidência e fato gerador. Aquela, a hipótese de incidência, corresponde à previsão em lei, abstrata, da situação que implica a incidência da norma tributária; este, o fato gerador, é a própria concretização da hipótese de incidência prevista na norma tributária, chama-se de fato gerador, pois, ao sofrer a incidência prevista na norma tributária, dá origem a obrigação tributária. A hipótese de incidência constitui o antecedente ou pressuposto da norma tributária impositiva.” Dessa forma, a fim de avançar no estudo da relação jurídico-tributária passa-se a análise do fato gerador da obrigação tributária. 2.3 Fato Gerador 2.3.1 Considerações Iniciais O Código Tributário Nacional conceitua e diferencia o fato gerador da obrigação tributária. O fato gerador da obrigação principal é a situação descrita em lei como indispensável a sua ocorrência (art. 114 do CTN). Já o fato gerador da obrigação acessória apresenta-se como qualquer situação que imponha a pratica ou abstenção de atos que não configure a obrigação principal (art. 115 do CTN). O fato gerador, então, é a materialização da hipótese de incidência, ou seja, o indivíduo realiza um fato que se adapta (subsume) ao comando da lei. A partir desse momento o cidadão, passa a condição de “obrigado” ao pagamento de determinada quantia ou a prática ou a abstenção de determinados atos. Para Amilcar Falcão[10] citado por Leandro Paulsen “o fato gerador é, pois, o fato, o conjunto de fatos ou o estado de fatos, a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar um tributo determinado”. É importante enaltecer que o fato gerador, nos termos do art. 4° do CTN, define a natureza jurídica do tributo (taxas, impostos, contribuições de melhoria), valendo lembrar a irrelevância para qualificá-lo do nome e da definição expressa em lei e da destinação legal do produto de sua arrecadação. Cabe ressaltar, ainda, que o fato gerador ganha expressivo destaque por definir a lei (no tempo) a ser aplicada no momento da cobrança do tributo, em respeito ao Princípio da Irretroatividade da Tributária (art. 150, III, “a”, da CF). Nota-se que em uma autuação fiscal, deve a fiscalização valer-se da lei contemporânea ao fato gerador, sob pena de veicular uma retroatividade legal, o que é expressamente proibido pela Constituição Federal. Por conseguinte, passa-se a análise dos elementos, também chamados de aspectos ou critérios, do fato gerador, essenciais ao estudo da obrigação tributária e conseqüentemente do planejamento tributário. 2.3.2 Elementos do Fato Gerador Como estudado, o fato gerador nasce de uma situação material concreta prevista em lei; como por exemplo, adquirir renda diz-se que é o fato gerador do imposto de renda; exportar mercadorias constitui-se o fato gerador do imposto de exportação; e a industrialização de produtos define-se como o fato gerador do imposto sobre produtos industrializados. Nota-se que o núcleo do fato gerador é a ação ou situação prevista em lei, também chamada de elemento material. Contudo, em torno desse núcleo existem diversas circunstâncias também essenciais para a identificação da obrigação tributária, tais como elementos subjetivos, quantificativos, temporais e espaciais. O elemento subjetivo se desdobra na análise dos sujeitos da relação jurídico-tributária. O sujeito ativo é a pessoa (Estatal ou não) que ocupa a condição de credora da obrigação tributária. O sujeito passivo é o devedor da obrigação, é identificável geralmente pela sua vinculação ao critério material. Para tanto, destaca-se que a situação concreta “auferir renda”, gera ao adquirente o dever de pagar o imposto de renda (sujeito passivo) e ao Fisco o direito de “impor”[11] o pagamento do tributo. Já o “quantum debeatur” (elemento quantificativo) possui suas premissas na lei criadora do tributo. Nas situações mais singelas, o valor do tributo já vem estabelecido na própria norma, é o caso de muitas taxas. Contudo, em diversas situações, a fim de obter a justiça fiscal conciliada aos princípios constitucionais, a legislação utiliza-se de outros critérios para a quantificação do tributo, a base de cálculo e a alíquota. Chama-se de base de cálculo a medida de grandeza do fato gerador, seja o número de unidades de mercadorias, o peso, a metragem, o valor, o preço e etc. Já a alíquota é representada por um percentual que aplicado sobre a base de cálculo determina o valor do tributo. Outrossim, o aspecto espacial do fato gerador do tributo determina o lugar que nasceu a obrigação tributária. É importante tal critério, pois a mesma situação material na cidade de Rio Grande/RS pode não ser na cidade de Pelotas/RS, vizinhas geograficamente. Finalmente, analisa-se o elemento temporal, para tanto cumpre transcrever parte dos ensinamentos de Luciano Amaro (2003. p.259) sobre o tema: “O fato ocorre no tempo. O referido aspecto é relevante para efeito, em primeiro lugar, de identificação da lei aplicável: se o fato ocorreu antes do início da vigência da lei, ele não se qualifica sequer como gerador; se já era à vista da lei anterior (sob cuja vigência ocorreu), ele estará submetido, em regra, às disposições daquela lei, e não às da nova; se o fato ocorreu no período de vigência de uma isenção, ele é um fato isento, e não um fato gerador de obrigação. Deve-se, ainda destacar, o relevo das coordenadas de tempo do fato gerador do tributo à vista da existência de uma série de prazos para cumprimento de obrigações, ou exercício de direitos, que se contam a partir (ou em função) do momento em que ocorre o fato gerador do tributo.” Após a decomposição do fato gerador em seus critérios, especialmente o temporal, faz-se necessário estudar as formas de concretização do fato gerador apoiadas pela doutrina. 2.3.4 Fatos Geradores Instantâneos, Periódicos e Continuados A distinção doutrinária das formas de concretização do fato gerador é de significativo relevo, pois permite ao jurista focalizar, dentro os tantos fatos que envolvem o surgimento do tributo, o que realmente desencadeia o seu nascimento. O fato gerador do tributo é considerado instantâneo quando sua concretização se dá em um determinado momento do tempo, sendo caracterizado por um ato ou negócio jurídico singular, que cada vez que é realizado, implica no nascimento do fato gerador e conseqüentemente da obrigação tributária. Exemplo típico é o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, o qual advém da simples saída da mercadoria do local de armazenagem. Outrossim, o fato gerador do tributo pode ser, ainda, periódico, ou seja, quando sua realização se põe ao longo de um determinado espaço de tempo. Como explica Luciano Amaro (2003. p.260): “Não ocorre hoje ou amanhã, mas sim ao longo de um período de tempo, ao término do qual se valorizam ‘n’ fatos isolados que, somados, aperfeiçoam o fato gerador do tributo. É tipicamente o caso do imposto sobre a renda periodicamente apurado, à vista de fatos (ingressos financeiros, despesas etc.) que, no conjunto realizam o fato gerador. […] o fato gerador periódico é um acontecimento que se desenrola ao logo de um lapso de tempo, tal qual um peça de teatro, em relação à qual não se pode afirmar que ocorra no fim do último ato; ela se completa nesse instante, mas ocorre ao longo do tempo, sendo inegável o relevo das várias situações desenvolvidas durante o espetáculo.” Por fim, o fato gerador pode ser igualmente continuado, quando é representado por um evento que se perpetua no tempo e que é avaliado em cortes temporais. Luciano Amaro[12] com propriedade compara o fato gerador continuado com os demais (periódico e instantâneo), como se verifica: “Esse fato (continuado) tem em comum como o instantâneo a circunstancia de ser aferido e qualificado para fins de determinação da obrigação tributária, num determinado momento de tempo (p. ex., todo dia “x” de cada ano); e tem em comum com o fato gerador periódico a circunstancia de incidir por períodos de tempo. […] Observe-se que, diferentemente do fato gerador periódico, não se busca computar fatos isolados ocorridos ao longo do tempo, para agregá-los num todo idealmente orgânicos. O fato gerador dito continuado considera-se ocorrido, tal qual o fato gerador instantâneo, num determinado dia, sem indagar se as características da situação alteram ao longo do tempo; importam as características presentes no dia em que o fato se considera ocorrido. […]” Após a análise das formas de concretização do fato gerador (instantâneos, periódicos e continuados), criados pela doutrina, passa-se ao estudo do momento da ocorrência do fato gerador disciplinado pelo art. 116 do CTN. 2.3.5 Momento da Ocorrência do Fato Gerador O art. 116 do Código Tributário Nacional visa disciplinar o momento da ocorrência do fato gerador, como se verifica: “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I- tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstancias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II- tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.” Nota-se que o código preocupa-se em asseverar que situações de fato e jurídicas são capazes de proporcionarem o nascimento do fato gerador. Na verdade sua intenção é pontuar que determinados fatos (ou circunstâncias fáticas), que não tenham relevância jurídica para outras áreas do direito, possam ser eleita para fixar o tempo do fato gerador do tributo. Exemplo característico é o ICMS, normalmente o seu fato gerador é à saída da mercadoria do estabelecimento comercial, não obstante essa exata situação não produza efeitos na esfera comercial. Dessa forma, o fato gerador ocorrerá a partir de uma situação material, quando ocorrer no mundo dos fatos à exata descrição da lei. No citado exemplo do ICMS, a legislação impõe a saída da mercadoria do estabelecimento comercial. Já o fato gerador nascido a partir de uma situação jurídica, se concretiza quando o ato tornou-se perfeito ao direito, ou seja, capaz de produzir efeitos. Paulo de Barros Carvalho[13] cita como exemplo: “Auferir renda líquida tributável (isto é, acima do limite anualmente estipulado) é fato jurídico, enquanto disciplinado normativamente, mas não consubstancia em si mesmo, um instituto jurídico, assim compreendido o plexo de disposições legais, reunidas pela ação de um fator aglutinante. […] No primeiro exemplo, havemos de perquirir se os efeitos próprios foram alcançados, examinando como se processou a percepção da renda líquida oferecida a tributação. […]” Salienta-se, ainda, a preocupação Código Tributário Nacional com a identificação do fato gerador quando esse provenha de uma situação jurídica. O art. 117, nesse sentido, vem supletivamente regulamentar, que os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados, quando provenientes de condição suspensivas, desde o momento de seu implemento, e quando originários de condição resolutória, a partir do momento da prática do ato ou da celebração do negocio. Pontuado o momento da ocorrência do fato gerador, passa-se a análise da forma, determinada pela legislação, de definição e interpretação do fato gerador. 2.3.6 Tributação de Atos Ilícitos e Ineficazes O art. 118 do Código Tributário dispõe: “Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretado abstraindo-se: I- da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem com da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II- dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.” Dessa forma, são irrelevantes para a ocorrência do fato gerador, a natureza do objeto dos atos praticados e os efeitos desses atos. Por conseguinte, haverá a incidência de imposto de renda sobre os proventos gerados pelo tráfico de drogas, por exemplo. Nota-se que para análise do fato gerador deve prevalecer à interpretação objetivo (arts. 118 c/c 126 do CTN), ou seja, pontua-se a “fria” concretização do fato gerador, desconsiderando, para tanto, os aspectos subjetivos atinentes ao destinatário do tributário. O professor Eduardo Sabbag[14] expõe didaticamente o tema: “A guisa de curiosidade, diga-se que a máxima “tributo ‘non olet’”, na acepção de “tributo não tem cheiro”, deriva, historicamente, do diálogo entre o Imperador Vespasiano e seu filho Tito, em que este, indagando o pai sobre o porquê da tributação dos banheiros ou mictórios públicos, na Roma Antiga, foi levado a crer pelo Imperador que a moeda não exalava odor, como as cloacas, e, portanto, não se devia levar em conta aspectos extrínsecos ao fato gerador. Por essa razão todos que realizarem o fato gerador deverão, em princípio, pagar o tributo. Não se avaliam dessarte, a nulidade ou anulabilidade do ato jurídico do ato jurídico, a incapacidade civil do sujeito passivo, ou mesmo a ilicitude do ato que gera o fato presuntivo de riqueza tributável; prevalece, sim, em caráter exclusivo, a análise do aspecto objetivo do fato gerador, em abono da equivalência necessária à sustentação do postulado da isonomia tributária.” Frente a necessidade de uma interpretação restritiva do fato gerador, a fim de, até mesmo, preservar o princípio da igualdade, passa-se ao estudo da obrigação tributária. 2.4 Obrigação Tributária 2.4.1 Definição Após a concretização da norma abstrata (hipótese de incidência) a um fato legalmente previsto (fato gerador), o contribuinte passa a compor uma relação jurídico-tributária (obrigação tributária), ocupando a condição de devedor e o Fisco a qualidade de credor. Contudo, até o momento, o Estado não tem condições de exigir o pagamento forçado, situação que ocorrerá com a constituição do crédito tributário mediante o lançamento. Nos termos do art. 113 do CTN, a obrigação tributária será principal ou acessória. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tendo como objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se junto com o crédito dela decorrente (§1°). Já a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto prestações, positivas ou negativas nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos (§2°). O código ainda ressalta que pela simples inobservância da obrigação acessória, converte-se essa em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária (§3°). Segundo Hugo de Brito Machado, citado por Leandro Paulsen (2005. p. 935) a obrigação e o crédito tributário são figuras distintas no direito tributário: “Obrigação e crédito tributário. “É sabido que obrigação e credito, no Direito privada, são dois aspectos da mesma relação. Não é assim, porém, no direito tributário brasileiro. O CTN distinguiu a obrigação (art. 113) do crédito (art. 139). A obrigação é um primeiro momento na relação tributária. Seu conteúdo ainda é determinado e o seu sujeito passivo ainda não esta formalmente identificado. Por isto mesmo a prestação respectiva ainda não é exigível. Já o crédito tributário é um segundo momento na relação de tributação. No dizer do CTN, ele decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta (art. 139). Surge com o lançamento que confere à relação jurídica liquidez e certeza. À obrigação corresponde não o crédito, mas o direito de lançar. […] ressalta, ainda, que a obrigação tributária corresponde não o credito, mas o direito do Fisco lançar.” Dessa forma, a fim de aprofundar o estuda da obrigação tributária, ressaltam-se seus elementos. 2.4.2 Elementos da Obrigação Tributária Conforme dispõe o professor Eduardo Sabbag[15] são elementos da obrigação tributária: 1) Sujeito ativo; 2) Sujeito passivo; 3) Objeto e; 4)Causa. 2.4.2.1 Sujeito Ativo O sujeito ativo da obrigação tributária é pessoa jurídica de Direito Público titular da competência para exigir o seu cumprimento (art. 119 do CTN). A sujeição ativa refere-se ao pólo ativo da relação jurídica. É afeto ao lado credor da relação intersubjetiva tributária, formada pelos entes que devem realizar a invasão patrimonial para a cobrança do tributo. Nos termos do art. 7° do CTN, pessoas jurídicas, de Direito Público ou não, também podem ocupar a sujeição ativa na relação jurídico-tributária, nesses casos atuam por delegação, podendo ser titulares das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos (parafiscalidade), executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária. Dessa forma, existem duas possíveis categorias de sujeitos ativos: – Sujeito Ativo Direito: São os entes tributantes detentores da competência tributária- União, Estados, Distrito Federal e Municípios; – Sujeito Ativo Indireto: São os entes parafiscais, possuindo a capacidade tributaria ativa, representativa do poder de arrecadação e fiscalização de tributo).- OAB, CREA, CRM, CRC e etc. Já a sujeição passiva mostra-se como a outra face da relação jurídico-tributária, como se passa a observar. 2.4.2.2 Sujeito Passivo Em contrapartida, o sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária (art.121 do CTN). A sujeição passiva refere-se ao pólo passivo da relação jurídica. É afeto ao lado do devedor da relação intersubjetiva tributária, formado pelos destinatários da invasão patrimonial na retirada compulsória de valores, a título de tributos. Para tanto, existem dois tipos de sujeitos passivos: o Direto (o contribuinte propriamente dito) e o Indireto (terceira pessoa escolhida pela legislação para pagar o tributo). – Sujeito Passivo Direito- Contribuinte (art. 121, parágrafo único, I do CTN): O contribuinte consiste na pessoa física ou jurídica que possui uma relação pessoal e direta com o fato gerador. Sobre o tema, Luciano Amaro[16] dispõe: “O contribuinte, numa noção rigorosamente técnica, pode ser identificado como a pessoa que realiza o fato gerador da obrigação tributária principal. Essa noção não é precisa, porquanto o fato gerador muitas vezes não corresponde a um ato do contribuinte, mas a uma simples situação na qual se encontra (ou com a qual se relaciona) o contribuinte. É por isso que a figura do contribuinte (como devedor de tributo) é geralmente identificável à vista da simples descrição da materialidade do fato gerador. Assim, “auferir renda” conduz à pessoa que aufere renda; “serviços”leva ao prestador dos serviços; “importar” bens evidencia a figura do importador etc. Posto o fato, ele é atribuído a alguém, que o tenha “realizado” ou “praticado”. Essa pessoa, via de regra, é o contribuinte.” – Sujeito Passivo Indireto- Responsável (art. 121, parágrafo único, II do CTN) A responsabilidade tributária ocorre quando a pessoa física ou jurídica ocupa a condição de contribuinte em virtude de lei. Destaca-se que ele não realizou o fato gerador da obrigação tributária. Nota-se que a presença do responsável como devedor da obrigação tributária representa uma modificação subjetiva do pólo passivo da obrigação, já que tal posição seria ocupada pelo contribuinte. Sendo assim, passa-se ao estudo doutrinário das espécies de responsabilidade tributária: – Responsabilidade por Substituição: Sua ocorrência se dá no momento em que a lei coloca como sujeito passivo da relação tributária uma pessoa qualquer, diversa daquela de cuja capacidade contributiva o fato tributável é indicador (contribuinte)[17]. A fim de ilustrar o tema cumpre citar alguns exemplos: – Imóvel alienado com dívidas de IPTU (art. 130 do CTN): O adquirente do imóvel ocupara o pólo passivo da relação jurídico-tributária, sendo para tanto responsável pelo pagamento. Salienta-se que o adquirente não possui qualquer vinculação com o fato gerador que ocasionou o tributo. – Retenção e recolhimentos pelo empregador do imposto de renda do funcionário: A lei confere ao empregador a obrigação de reter, no momento do pagamento da remuneração do empregado, o imposto de renda, assim como recolher aos cofres públicos a quantia, sob pena de o Fisco exigir daquele os valores (art. 7°, I da Lei n.° 7.713/1988). – Responsabilidade por Transferência: Sua ocorrência se dá no momento em que existe legalmente o contribuinte e, mesmo assim, o legislador, sem ignorá-lo, atribui a outrem o dever de pagar o tributo, tendo em vista eventos posteriores ao surgimento da obrigação tributária[18]. A lei, levando em conta um evento posterior à ocorrência do fato gerador (morte do contribuinte, aquisição de bens, compra do fundo de comércio e etc.), desloca para terceiro a obrigação de pagar o tributo, o qual até então recaia sobre o contribuinte. A responsabilidade tributária por transferência divide-se ainda em: por solidariedade, dos sucessores e de terceiros. – Responsabilidade por Solidariedade: Dá-se quando cada um dos devedores solidários responde pela obrigação tributária, apesar de mais de uma pessoas estarem vinculados ao seu pagamento. Como dispõe o art. 124 do CTN, ocorrerá quando existam pessoas que tenham interesse em comum na situação que constitua fato gerador da obrigação principal ou quando a lei expressamente designar. Sendo a solidariedade um instituto característico do direito civil, o Código Tributário obrigou-se em elencar seus efeitos: o pagamento do tributo efetuado por um dos obrigados aproveita aos demais; a isenção ou remissão do crédito exonera todos os obrigados, salvo se outorgada pessoalmente a um deles, momento em que subsistirá a solidariedade entre os demais sobre o saldo; a interrupção da prescrição, em favor ou contra um dos obrigados, favorece ou prejudica aos demais (art. 125 do CTN). Salienta-se, outrossim, que inexiste no direito tributário a solidariedade no pólo ativo, pois somente se paga tributo a um único ente credor, sob pena de se deparar o contribuinte com o fenômeno da bitributação. – Responsabilidade dos Sucessores: Ocorre quando a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do devedor originário deixar de existir. Esse desaparecimento do primeiro devedor pode ser por morte, momento em que os herdeiros o substituíram (art. Art.131, II e III do CTN) ou por venda do imóvel, bem como do estabelecimento comercial, nesse caso a obrigação se transfere ao novo proprietário (arts. 130, 131, I, 132 e 133 do CTN). – Responsabilidade de Terceiros: Tal instituto não se prende à transmissão patrimonial, como se estudou na responsabilidade dos sucessores, mas no dever de zelo, contratual ou legal, que certas pessoas devem ter com relação ao patrimônio de outros indivíduos, os quais geralmente são pessoas físicas incapazes ou entes despidos de personalidade Os terceiros são, na maioria das vezes, administradores ou gestores da vida patrimonial de determinados contribuintes. Então, após o estudo do devedor da relação jurídico-tributária, faz-se necessário o estudo do objeto da obrigação tributária, como um de seus elementos. 2.4.2.3 Objeto O objeto da obrigação tributária consiste na prestação que deve ser submetido o contribuinte e/ou o responsável. Conforme explanado sobre o fato gerador, a prestação poderá ser de cunho pecuniário ou não pecuniário. Dessa forma, a obrigação principal consiste no ato de pagar (tributo ou multa), sendo, por conseguinte, uma obrigação de dar, com cunho eminentemente patrimonial. Já a obrigação acessória refere-se ao ato de fazer ou de não fazer, despido de qualquer conotação patrimonial. Salienta-se que o descumprimento do dever acessório poderá converter-se no pagamento de pecúnia. Prosseguindo ao estudo dos elementos da obrigação tributária, afere-se em seguida a sua causa. 2.4.2.4 Causa Em atenção ao princípio da legalidade, a causa da obrigação tributária motivadora do liame jurídico entre sujeito ativo e passivo é a legislação tributária, seja quando estatui a hipótese de incidência, prevê o fato gerador e consagra a obrigatoriedade do pagamento do tributo. Encerrando o instituto da obrigação tributária, infere-se a importância do crédito tributário junto à relação jurídico-tributária e conseqüentemente ao planejamento tributário. 2.5 Crédito Tributário 2.5.1 Definição O crédito tributário representa o momento em que a obrigação tributária passa a ser exigível pelo Fisco. Seu nascimento ocorre com o lançamento tributário, situação que permite definir o crédito tributário como uma obrigação tributária lançada ou obrigação tributária em estado ativo.[19] Paulo de Barros Carvalho, citado por Leandro Paulsen (2005. p. 1029), define o crédito tributário “como o direito subjetivo de que é portador o sujeito ativo de uma obrigação tributária e que lhe permite exigir o objeto prestacional, representado por uma importância em dinheiro”. Já Hugo de Brito Machado[20] pontua que o crédito tributário “é o vinculo, de natureza obrigacional, por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir do particular, o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), o pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária (objeto da relação obrigacional)”. O Código Tributário Nacional dispõe no art. 139 que “o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta”. Nota-se que a relação jurídico-tributária, analisada sob a órbita do contribuinte, ganha status de obrigação tributária. Contudo, se vista pelo enfoque do Fisco, passa a chamar-se crédito tributário. Por conseguinte, o lançamento é o instrumento apto a conferir ao Fisco a exigibilidade do tributo, em face da ocorrência do fato gerador. 2.5.2. Constituição do Crédito Tributário – Lançamento O art. 142 do CTN define o lançamento tributário como forma de constituição do credito tributário, como se verifica: “Art. 142- Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo, e sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” Através do lançamento o crédito tributário é constituído apontando o montante devido correspondente à obrigação tributária principal, o que abrange não somente o tributo, mas também eventual penalidade pecuniária pelo descumprimento do dever tributário (principal ou acessório). Paulo de Barros Carvalho (2007, p.423) define o lançamento tributário como: “Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como conseqüente, a formalização do vinculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido.” Nota-se que nessa fase a obrigação tributária adquire status de dever para o contribuinte e direito para o Fisco. Como exposto, o lançamento tributário é um ato privativo do Fisco. Contudo, em seu processamento, pode haver um auxilio maior ou menor do contribuinte no ato de lançar, situação que muitas vezes é confundida por alguns especialistas e taxadas como contraditórias ao mandamento do CTN. Dessa forma, são espécies de lançamento determinadas pelo CTN: – Lançamento Direto, de Ofício ou ex officio (art. 149, I do CTN): Dá-se quando o Fisco possui todos os dados para proceder à apuração e conseqüente cobrança do tributo, dispensando do auxílio do contribuinte. São exemplos IPTU, IPVA, taxas e contribuições de melhoria; – Lançamento Misto ou “Por Declaração” (art. 147 do CTN): Ocorre quando Fisco e contribuinte procedem à ação conjunta, restando ao sujeito ativo o trabalho de lançar. Por exemplo, o imposto de importação e o imposto de exportação. – Lançamento por Homologação ou Autolançamento (art. 150 do CTN): Acontece quando o contribuinte auxilia ostensivamente ao Fisco na atividade de lançar, cabendo ao ente competente, realizá-lo e homologá-lo, conferindo sua exatidão. Essa modalidade de lançamento quase que impera entre os tributos brasileiros, para tanto se destaca ICMS, IR, IPI, PIS, COFINS e CSLL. Nota-se que, apesar de em alguns momentos o contribuinte auxiliar o Fisco no fornecimento de dados, a atividade de constituir o crédito tributário é privativa da Fazenda Pública, não merecendo opiniões contrárias. Salienta-se que o ato jurídico administrativo confere ao crédito tributário certeza, liquidez e exigibilidade, dessa forma o não pagamento pelo sujeito passivo da quantia apurada ocasiona na inscrição em dívida ativa (arts. 201/204 do CTN) e na propositura da respectiva ação de execução fiscal (Lei n.° 6.830/1980). Por conseguinte, o estudo da relação jurídico-tributária, apesar da abordagem sintética no presente trabalho, mostra-se de extrema importância ao trabalho de delimitar o poder de tributar e, em fim, permitir o planejamento tributário. Nesse sentido, após o estudo preliminar das garantias do contribuinte e propriamente da formação do crédito tributário, passa-se à pontuar o planejamento tributário. 3. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO 3.1 Generalidades O crescente aumento da carga tributária nos últimos anos tem obrigado as empresas a organizarem-se internamente de forma a assegurar sua competitividade no mercado. Conforme pontua o site Gestão e Liderança[21] “Em média, 33% do faturamento empresarial é dirigido ao pagamento de tributos. Do lucro, até 34% vai para o governo. Da somatória dos custos e despesas, mais da metade do valor é representado pelos tributos.” Diante do exposto, a redução dos custos tributários mostra-se uma questão de sobrevivência a qualquer empresa que almeje progredir, dessa forma a busca de permissivos na legislação tributária que diminuam, zerem ou posterguem o pagamento de determinados tributos é medida que se impõe. Conforme abordado no primeiro capítulo, os princípios constitucionais autorizam o contribuinte a planejar e a realizar práticas que não gerem ou que reduzam o pagamento de tributos, assim como a abster-se de práticas que importem no adimplemento tributário. A estrita observância das normas tributárias, sem qualquer estudo ou planejamento, tem prejudicado seriamente a competitividade dos empreendedores, ocasionando, em muitos casos, a falência e o fechamento de muitos deles. Portanto, o planejamento tributário, também denominado de gestão tributária, elisão fiscal, planejamento fiscal, surge como uma alternativa ao empresário para tentar manter a carga tributária global em patamares aceitáveis e racionalizando os procedimentos fiscais, sem, contudo, incorrer em práticas criminosas. Em síntese, o planejamento consiste na reorganização dos negócios de forma a evitar, reduzir ou postergar o pagamento de tributos, sem infringir dispositivo legal. Segundo o site Gestão e Liderança[22]são três as finalidades do planejamento tributário: “1) Evitar a incidência do fato gerador do tributo. Exemplo: substituir a maior parte do pró-labore dos sócios de uma empresa, por distribuição de lucros, pois a partir de janeiro de/1996 eles não sofrem incidência do IR nem na fonte nem na declaração. Dessa forma, evita-se a incidência do INSS (20%) e do IR na Fonte (até 27,5%) sobre o valor retirado como lucros em substituição do pró-labore. 2) Reduzir o montante do tributo, sua alíquota ou reduzir a base de calculo do tributo. Exemplo: ao preencher sua Declaração de Renda, você pode optar por deduzir até 20% da renda tributável como desconto padrão (limitado a R$ 9.400,00) ou efetuar as deduções de dependentes, despesas, plano de previdência privada, etc. Você certamente escolherá o valor maior, que lhe permitirá uma maior dedução da base de calculo, para gerar um menor Imposto de Renda a pagar (ou maior valor a restituir). 3) Retardar o pagamento do tributo, postergando (adiando) o seu pagamento, sem a ocorrência da multa. Exemplo: transferir faturamento da empresa do dia 30 (ou 31) para o 1° dia do mês subseqüente. Com isto, ganha-se 30 dias adicionais para pagamento do PIS, COFINS, SIMPLES, ICMS, ISS, IRPJ e CSLL (lucro real por estimativa), se for final de trimestre até 90 dias de IRPJ e CSLL (Lucro presumido ou lucro real trimestral) e 10 a 30 dias se a empresa pagar IPI.” Outrossim, cabe salientar que o planejamento tributário deixa de ser uma faculdade do bom administrador, mas sim uma obrigação. A Lei n.° 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas) prevê a obrigatoriedade do planejamento tributário por parte dos administradores, como se verifica pela leitura do seu art. 153: “O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligencia que todo o homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.” Nesse sentido, recapitulando o estudo da relação jurídico-tributária (capítulo 2), verifica-se que o fato gerador consiste na materialização da hipótese de incidência, ou seja, o indivíduo realiza um fato que se adapta ao comando da lei. Nesse momento o cidadão, passa a condição de contribuinte “obrigado” ao pagamento do tributo. Assim, a operacionalização do planejamento tributário está condicionada a, após a análise da legislação, evitar a ocorrência do fato gerador. Então, a partir do nascimento do fato gerador, via de regra, está o diferencial entre a elisão e a evasão fiscal, temas a seguir estudados. 3.2 Evasão Fiscal A evasão fiscal ocorre quando o contribuinte realiza atos ilegais ou fraudulentos após a concretização do fato gerador, visando suprimir, reduzir ou retardar o cumprimento da obrigação tributária. Dificilmente, encontra-se na doutrina uma abordagem exclusiva da evasão fiscal, já que a elisão mostra-se como o contraponto da ilegalidade, dessa forma cumpre transcrever o entendimento de Hermes Macedo Huck, citado por Leandro Paulsen (2005. p.949): “Evasão é sempre ilegal; a elisão é lícita. “Evasão é sempre ilegal. A fuga do imposto devido, manifestada sob a forma de fraude, simulação ou embuste de qualquer natureza, sofre condenação em todos os sistemas jurídicos nacionais. Elisão, elusão ou evasão lícita é a subtração ao tributo de manifestações de capacidade contributiva originalmente sujeitas a ele, mediante a utilização de atos lícitos, ainda que não congruentes com o objetivo da lei. Em essência, surge como uma forma jurídica alternativa, não prevista na lei tributaria, de alcançar o mesmo resultado negocial originalmente previsto, sem o ônus do tributo. Em principio, é licita a elisão. São tênues e difusos os limites que separam a evasão ilegal da elisão lícita. Distingui-los é tão difícil quanto defini-los. Várias tentativas de distinção surgem na doutrina. A mais freqüente delas fala no fator tempo. Ainda que sujeita a exceções, os autores procuram estabelecer a elisão como a manobra do particular praticada antes do surgimento do fato gerador, evitando exatamente que este apareça. Evasão é o procedimento destinado à fuga tributária, cujos atos constitutivos foram praticados após a ocorrência do fato imponível. O imposto já é devido e o contribuinte deixa de recolhê-lo. Em resumo, segundo essa orientação, elisão é tentar não entrar na relação tributária e evasão é tentar sair dela, como sintetizava Narciso Amorós. Essa distinção cronológica, ainda que bem concebida, não responde a todas as hipóteses de elisão e evasão, pois são freqüentes os casos nitidamente evasivos detectados antes da ocorrência do fato gerador. A fraude à lei, de forma genérica, está incluída na hipótese de evasão, e sua prática consiste em evitar ardilosamente, consciente e dolosamente o surgimento do fato gerador do tributo.” Dessa maneira, a evasão fiscal possui caráter ilícito, o contribuinte de maneira ardilosa visa o não pagamento do tributo, mesmo após o nascimento da obrigação tributária. Já a elisão fiscal consiste nas escolhas preliminares autorizadas pela legislação, ou não proibidas por esta, que evitam, diminuem ou protelam o pagamento do tributo. Contudo, como demonstrado pelo autor, à distinção entre elisão e evasão fiscal, apenas, sob o enfoque do momento da concretização do fato gerador, torna-se, em muitas vezes falha, assim, associado ao critério cronológico, faz-se necessária a analise da situação sob o enfoque dos meios utilizados no “planejamento tributário”. Na elisão fiscal são utilizados meios sempre lícitos, entretanto na evasão empregam-se meios ilegítimos, como a fraude, sonegação e simulação. Nota-se que os princípios da legalidade negativa cumulado com o da livre iniciativa asseveram que toda a atividade do contribuinte, buscando a economia tributária é autorizada, desde que não seja expressamente vedada pelo legislador. Pontuado o conceito da evasão fiscal, bem como suas principais diferenças entre com a elisão fiscal, passa-se a detalhar as espécies do “planejamento ilícito”. 3.2.1 Espécies de Evasão Fiscal Antônio Roberto Sampaio Dória citado por Miguel Delgado Gutierrez[23]foi um dos primeiros doutrinadores do país a construir uma classificação sistêmica do fenômeno da evasão fiscal, contudo para esse autor a evasão não possui apenas a face ilegal do planejamento tributário. Diante dessa situação, o jurista distinguiu a evasão em dois grandes grupos (evasão omissiva e a evasão comissiva). 3.2.1.1 Evasão Omissiva A evasão omissiva ocorre quando o contribuinte deixa de realizar uma ação. Dessa forma se subdivide em imprópria e por inação: – Evasão Imprópria: Nessa espécie de evasão o contribuinte se abstém do comportamento fiscalmente relevante no país, devido à alta carga tributária. Assim, passa a exercê-lo em outro país que tenha uma retenção fiscal menor. A modalidade é chamada imprópria, segundo Sampaio Doria, pois o sujeito não chega a praticar a situação geradora do tributo, dessa forma não incorrendo em qualquer ilegalidade. – Evasão por Inação: Resulta de uma negativa do contribuinte ao pagamento do tributo depois de ocorrido o fato gerador, situação que causa prejuízo ao erário. Contudo, a omissão pode ocorrer por ignorância do contribuinte (diante da complexidade da legislação tributária, é quase impossível efetivamente conhecer todas as normas) ou de forma intencional (ocorre quando o contribuinte/devedor voluntariamente não salda no prazo legal as obrigações fiscais ou quando se abstém de fornecer elementos às autoridades para que procedam ao lançamento tributário). Essa última espécie, para o autor, constitui sonegação[24], podendo, de acordo com a gravidade, ser tipificada como crime ou contravenção, desde que a lei defina como tal. 3.2.1.2 Evasão Comissiva Por fim, Sampaio Doria expõe a evasão comissiva, ou seja, quando o contribuinte efetivamente pratica determinados atos, os quais poderão ser lícitos ou ilícitos. – Evasão Ilícita: O individuo consciente e voluntariamente procura eliminar, reduzir ou protelar o pagamento do tributo devido, por meios ilícitos. Essa forma de evasão, também designada pelo autor, como fraude fiscal foi por ele subdividida em fraude[25], simulação e conluio fiscal. – Evasão legítima: Igualmente denominada como elisão ou economia fiscal, nessa situação o contribuinte também visa à diminuição da carga tributária, contudo utilizava, para tanto, meios permitidos pelo ordenamento jurídico. Nesse caso, não existe qualquer infração ou ilegalidade. Nota-se que entre a evasão ilícita e a evasão legítima (elisão fiscal) existe uma linha tênue de distinção, dessa forma cabe ao aplicador do direito apontar os limites do planejamento tributário, ou seja, as fronteiras entre a licitude e a ilicitude da conduta do contribuinte em tentar reduzir o ônus fiscal. A partir dessa percepção pode-se apontar os limites da Fiscalização quando desconsidera atos do contribuinte por supor serem esses ilegais. Diante da complexidade do tema, importante adentrar da elisão fiscal, preliminarmente já tratada nesse capitulo, contudo merecendo maior destaque. 3.3 Elisão Fiscal No direito tributário, a palavra elisão, como salientado anteriormente, tem sido utilizada para representar a forma legitima de evitar, retardar ou diminuir o adimplemento de tributos, antes, em regra, da ocorrência do fato gerador e conseqüentemente do nascimento da obrigação tributária. Inclusive, tal prática é autorizada pelo ordenamento jurídico, especialmente, pelos princípios constitucionais. Diante do exposto, torna-se importante enaltecer as espécies de elisão fiscal criadas, igualmente, por Sampaio Doria.[26] 3.3.1 Espécies de Elisão Fiscal 3.3.1.1 Elisão Induzida pela Lei Na elisão induzida pela lei o próprio ordenamento jurídico dispõe no sentido de diminuir a tributação suportada pelo contribuinte, para tanto, normalmente, requer, para o gozo do benefício, o preenchimento de certos requisitos em prol do interesse nacional ou regional. Essas regras são chamadas por Luis Eduardo Schouer (2005. p.43) de normas tributárias indutoras. O Estado, visando estimular determinados setores da economia, reduz a carga tributária ou, até mesmo, isenta contribuintes do pagamento de tributos. Salienta-se que, atualmente, o Governo Brasileiro em função da crise econômica mundial, reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados dos automóveis e de determinados eletrônicos de uso doméstico, tudo isso para estimular o consumo e, finalmente, evitar a demissão de funcionários desses setores. Nota-se que a elisão fiscal por indução tem um caráter de extrafiscalidade, não se caracterizando como planejamento tributário, o que efetivamente ocorre com existe lacuna na lei. 3.3.1.2 Elisão por Lacuna na Lei A elisão por lacuna na lei ocorre em função do princípio da legalidade negativa associado à livre iniciativa. Ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei que expressamente a proíba. Dessa forma, poderá o contribuinte escolher a melhor forma de administrar seus negócios e, portanto, de reduzir seus gastos tributários. Essa forma de elisão é extremamente combatida pelo Fisco, pois foge ao seu controle a possibilidade de impor ao contribuinte o pagamento do tributo, já que pelo princípio da legalidade a Administração Publica não poderá realizar atos que não sejam determinados pela legislação. Miguel Delgado Gutirrez (2006. p. 73) explicando o entendimento de Sampaio Doria pontua: “Para o autor, a verdadeira elisão tributária é a que resulta de lacunas ou imperfeições da lei tributária. Por mais previdente que se demonstre o legislador, sempre existiram lacunas e fissuras no sistema tributário, das quais os contribuintes e seus assessores se aproveitam para, de forma criativa, escapar da tributação, moldando juridicamente os fatos com o intuito de serem tributados da forma mais benéfica possível, sem, no entanto, desnaturá-los a tal ponto que não mais produzam os efeitos econômicos ou possuam a utilidade negocial que incita à sua realização. Com efeito, o contribuinte tem a liberdade de optar, entre duas ou mais formas jurídicas disponíveis, por aquela que lhe seja fiscalmente menos onerosa. Não existe preceito legal que proíba ao contribuinte a escolha do caminho fiscalmente menos oneroso dentre as várias possibilidades que o ordenamento jurídico oferece para a realização de um ato ou negocio jurídico. Assim, se o legislador deixou de tributar determinados fatos ou os tributou de forma menos gravosa, o contribuinte pode optar por realizá-los, ao invés de praticar outros fatos que o legislador escolheu como hipótese de incidência tributária.” Entretanto, é importante destacar que a elisão fiscal por abuso, poderá ser tornar ilegal. Nota-se, para tanto o entendimento de Hermes Marcelo Huck citado por Leandro Paulsen[27]: “Nada deve impedir o individuo de, dentro dos limites da lei planejar adequadamente seus negócios, ordenando-os de forma a pagar menos impostos. Não lhe proíbe a lei, nem tampouco se lhe opõe razões de ordem social ou patriótica. Entretanto, essa formula de liberdade não pode ser levada ao paradoxismo, permitindo-se a simulação e o abuso de direito. A elisão abusiva deve ser coibida, pois o uso de formas jurídicas com à única finalidade de fugir ao imposto  ofende a um sistema criado sobre as bases constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia tributária. … uma relação jurídica sem qualquer objetivo econômico, cuja única finalidade seja de natureza tributária, não pode ser considerado como comportamento licito. Seria fechar os olhos à realidade e desconsiderar a presença do fato econômico na racionalidade da norma tributária. Uma interpretação jurídica atenta a realidade econômica subjacente ao fato ou negocio jurídico, para efeitos de tributação, é a resposta justa, equitativa e pragmática. […]” Nota-se que a simulação fiscal consiste em uma das técnicas mais utilizadas pelos contribuintes na busca da redução fiscal, situação que deve ser totalmente combatida pelos operadores do direito, assim como pela fiscalização. 3.3.2 Elisão e Simulação Fiscal A simulação ocorre quando existe um desacordo entre a vontade interna e a exteriorizada pelo individuo, fazendo, assim, nascer um negócio jurídico que somente existe na aparência, sem qualquer correspondência com a realidade, ou ocultando o negócio almejado através da declaração de vontade enganosa. A partir dessa conceituação é fácil entender a intima relação entre a elisão e a simulação, assim como a opção de muitos contribuintes em optarem por essa ilicitude no momento de realizarem o planejamento tributário. Porém, o Código Civil, de forma geral, desconsidera os negócios jurídicos simulados, como se verifica: “Art. 167- É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que dissimulou, se válido for na substancia e na forma. §1° Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I- aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II- contiverem declaração, confissão, condição ou clausula não verdadeira; III- os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós datados. § 2° Ressaltam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. Art. 169- O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso de tempo.” Verifica-se que o legislador pátrio considerou três espécies de simulação, as quais culminou com a nulidade. A primeira, simulação por interposta pessoa, ocorre quando a pessoa que deve aproveitar os resultados do negócio jurídico não participa da operação, já que pretende esconder-se de terceiros. A segunda, a simulação por ocultação da verdade na declaração, apresenta-se quando o negocio jurídico apresentar declaração, confissão, condição ou clausula inverídica. Já a terceira, simulação por falsidade da data, há premeditada divergência nas datas apostas nos documentos, considerando o momento em que foram realizados. A doutrina[28] caracteriza a simulação, ainda, como absoluta e relativa: – Simulação Absoluta: Ocorre quando o ato simulado não encontra qualquer relação com o ato efetivamente desejado pelos indivíduos, pode-se dizer, figuradamente, que se está diante de um fantasma. O ato jurídico praticado inexiste no mundo jurídico. – Simulação Relativa: Nesse caso apresentam-se dois negócios: um simulado, aparente, que não representa a verdadeira vontade das partes e o dissimulado, oculto, que justamente constitui a exata relação jurídica. Aqui, ao contrário da simulação absoluta, está-se diante de uma mascara que só encobre a verdadeira intenção das partes. Silvio Rodrigues (2002, p. 296) ao tratar sobre a simulação exalta a necessidade, para configurá-la, dos seguintes requisitos: “a) acordo entre os contratantes, que no mais das vezes se apresenta por meio de uma declaração bilateral de vontade; b) desconformidade conscientes entre a vontade e a declaração, pois as partes não querem o negocio declarado, mas tão-somente fazê-lo aparecer como querido; c) propósito de enganar terceiros, …” Diante do exposto, destaca-se que na elisão fiscal deverá haver unicidade das vontades subjetiva (intrínseca ao pensamento) e objetiva (aquela efetivamente expressada), caso contrário estar-se-ia frente à evasão fiscal, punível pelo ordenamento jurídico. Outrossim, retomando a teoria da relação jurídico-tributária, na elisão evita-se o nascimento da obrigação tributária, mediante a fuga do fato gerador. Já na simulação, mesmo que mascarado por outro negócio jurídico, o fato gerador é concretizado, por conseguinte devido o tributo pelo contribuinte. Outra importante peculiaridade sobre a simulação é sobre o ônus da prova. Apesar da simulação constitui-se em uma ilegalidade, o ônus da prova cabe a quem a alega, já que se presume a boa-fé dos contratantes. Sob o enfoque do direito tributário, ficará a cargo da Fazenda Pública provar que houve simulação do negócio jurídico, principalmente, pois incumbe a essa constituir as provas que embasam o lançamento tributário. Por conseguinte, como a simulação apresenta-se por um vicio de caráter subjetivo, torna-se mais difícil ao Fisco percebê-lo, dessa forma, com freqüência são criadas regras genéricas proibindo todas as formas de planejamento tributário. 3.4 Norma Antielisiva 3.4.1 Considerações Iniciais O art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, introduzido pela Lei Complementar n.° 104/2001 é um exemplo do “desespero” do governo em aumentar a sua arrecadação. Para tanto, cumpre transcrevê-lo: “Art. 116- Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I- tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstancias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II- tratando-se da situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável. Parágrafo Único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.” (grifado) Como já abordado no segundo capítulo (2.3.5) o “caput” e os incisos do art. 116 referem-se ao momento do nascimento do fato gerador. Contudo, nesse tópico será analisada propriamente a norma antielisiva, disposta no parágrafo único, assim como seus reflexos no ordenamento jurídicos.         Preliminarmente, cumpre salientar que tal dispositivo não é auto-aplicável, ou seja, necessita de lei ordinária específica que trate dos procedimentos utilizados pelo Fisco na desconstituição dos atos ou negócios jurídicos celebrados pelo contribuinte. Entretanto, a contestação da norma, pelos aplicadores do direito, é de suma importância, a fim de alertar a violação de diversos princípios e garantias fundamentais, não permitindo a normatização do dispositivo e até mesmo a sua declaração de constitucionalidade. 3.4.2 Violação à Separação dos Poderes A Constituição Federal, no art. 2°, determinou a independência e harmonia entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, apontando tal principio como clausula pétrea (art. 60, §4°). Como é sabido, via de regra, ao poder legislativo incumbe a criação de lei, ao executivo, a execução dessas, e ao judiciário, a sua aplicação no mundo jurídico. Entretanto, o parágrafo único do art. 116 do CTN, autoriza ao agente fiscal (representante do poder executivo) criar leis e a deixar aplicá-las, situação que exorbita sua competência constitucional. Para tanto, transcreve-se o entendimento de Ives Gandra da Silva Martins apud Leandro Paulsen (2005. p. 948): “… o referido dispositivo… despoja o Congresso Nacional do poder de produzir e transforma o agente fiscal em verdadeiro legislador, para cada caso aplicando-o, não a lei parlamentar, mas aquela que escolher. Afeta, o artigo 116, uma outra clausula pétrea (artigo 60, §4°, inciso II), que é a separação dos poderes, pois autoriza o representante do Fisco a deixar de aplicar a lei ao fato a que se destina, e a escolher, no arsenal de dispositivos legais, aquele que resulte mais oneroso, a partir presunção de que o contribuinte pretendeu utilizar-se da ‘lei’ para pagar menos tributos. Como pelo novo artigo 116, não é a lei que deverá ser aplicada à hipótese impositiva, mas sim a intenção do agente de obter mais tributos, qualquer lei, apesar de rigorosamente seguida pelo contribuinte poderá ser desconsiderada, para dar lugar à aplicação daquela que representar  a maior incidência. A figura da ‘elisão’, diversa da ‘evasão’- aquela objetivando a economia legal de tributos e esta a ilegal- deixa de existir o direito brasileiro. Pela nova forma, nenhum contribuinte terá qualquer garantia, em qualquer operação que fizer, pois, mesmo que siga rigorosamente a lei, sempre poderá o agente fiscal, a luz do despótico dispositivo, entender que aquela lei não vale e que o contribuinte pretendeu valer-se de uma ‘brecha legal’ para pagar menos tributos, razão pela qual, mais do que a lei, a sua opinião prevalecerá. Se não vier a ser suspensa a eficácia dessa norma pelo STF, em eventual exercício  de controle concentrado, o direito tributário brasileiro não mais se regerá pelo principio da legalidade, mas pelo princípio do ‘palpite fiscal’.” Nota-se que o parágrafo único do art. 116 do CTN, alem de violar a separação dos poderes, também contraria os princípios da legalidade e da segurança jurídica, situação totalmente refutável. 3.4.3 Crítica ao Parágrafo Único do art. 116 do CTN Conforme exposto, o dispositivo confere ao fiscal de tributos total liberdade para, de acordo, com sua percepção desconsidera atos ou negócios jurídicos que “palpite” serem simulados. Nota-se que a legislação conferiu ao agente público largo poder discricionário, esse, de acordo com seus pré-conceitos, poderá entender pela ilegalidade de determinados atos sem, contudo, ter provas suficientes. Outra questão criticável no dispositivo é a inversão do ônus da prova. Normalmente, a comprovação do negócio jurídico simulado, considerando as regras do Código Civil, deve ser alegada em ação própria, cabendo ao requerente a comprovação da simulação. Entretanto, o parágrafo único do art. 116 do CTN, permite, ao servidor público, deliberadamente, anular ato jurídicos “viciados”, incumbindo, em contrapartida, ao contribuinte comprovar que não houve ilegalidade. Infere-se que a Administração Pública, na tentativa de cobrir suas despesas, avança contra o contribuinte, a fim de obter uma maior arrecadação. Dessa forma, o tributo deixa de ter uma natureza razoável de sustento dos serviços públicos, passando a uma grosseira invasão do patrimônio do cidadão, situação contrária aos princípios constitucionais. Em contrapartida, o Poder Legislativo, apesar de independente, por pressões políticas, acaba por, cada vez mais, aprovando normas, leis ordinárias, leis complementares e até emendas constitucionais, que conferem legitimidade a fúria arrecadatória do governo. Salienta-se que não se está defendendo a evasão fiscal, mas sim alertando para o risco que corre o contribuinte em praticar a elisão fiscal. Nota-se que, nos termos do art. 116 do CTN, poderá a fiscalização, após analisar a documentação da empresa, supor ilegalidades que simplesmente colocaram o contribuinte na condição de “acusado”, devendo, esse, comprovar a legalidade de seus atos. Diante do exposto, pretende-se com o presente estudo, após analisar os princípios constitucionais e a formação da relação jurídico-tributária, verificar os limites do planejamento tributário e até mesmo da fiscalização. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O contribuinte, considerando os direitos e garantias expostos na Constituição Federal, possui total liberdade de agir na sociedade, excepcionada, apenas, quando lei específica dispuser de forma contrária. Dessa forma, é natural e salutar que os empresários, especialmente no campo do direito tributário, utilizem-se de todas as “brechas” da legislação para, fugindo do fato gerador do tributo, reduzam sua carga tributária. Nota-se que é de suma importância o conhecimento dos princípios constitucionais tributários, assim como do nascimento e formação da relação jurídico-tributário, já que protegem e asseguram o contribuinte contra a invasão patrimonial arbitraria do Fisco. Por conseguinte, nos dois primeiros capítulos tentou-se, sinteticamente, abordar essas temáticas, permitindo ao leitor uma visão propedêutica do direito tributário e conseqüentemente do planejamento tributário. Nesse sentido, verificou-se que a distinção entre um planejamento tributário lícito (elisão fiscal) e ilícito (evasão fiscal) está, justamente, na legitima fuga da concretização, no mundo dos fatos, da hipótese de incidência, ou seja, do nascimento do fato gerador. Como elucidado, durante o presente trabalho, o planejamento tributário lícito é direito constitucional do contribuinte, não cabendo qualquer restrição do Estado. Contudo, diante do aumento das despesas governamentáveis, cresce a fúria arrecadatória do Fisco, bem como a pressão sobre o contribuinte ao pagamento, cada vez maior, de tributos, chegando ao ponto de proibir, até mesmo, a elisão fiscal. O art. 116, parágrafo único do CTN, acrescido pela Lei Complementar n.° 104/2001, chamada de norma antielisa, permite ao Fisco desconsiderar atos ou negócios jurídicos que visem dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo. Notem a discricionariedade que a legislação confere ao agente público, pois o permite, de acordo com seus pré-conceitos, desconsiderar e punir o contribuinte sem provas concretas, considerando apenas indícios. Pontua-se que essa insegurança é totalmente rechaçável pelo ordenamento jurídico, devendo Poder Judiciário decretar a sua inconstitucionalidade. Entretanto, infelizmente, normas antielisivas se tornarão, cada vez mais, comuns em nosso ordenamento jurídico, assim como a violação dos direitos constitucionais, caso não ocorra uma mudança de pensamento dos dirigentes, já que o Estado “tem como fundamento o povo e foi criado para o povo” (cidadão).
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Incentivos fiscais às instituições educacionais privadas de ensino superior e o PROUNI
Destina-se o presente artigo à análise dos incentivos fiscais previstos às instituições educacionais de ensino superior, suas previsões, requisitos e concessões. Em especial, suscitam-se as reais vantagens do benefício federal do Programa Universidade para Todos, seja às educacionais sem finalidade lucrativa bem como as particulares com finalidade lucrativa. Por fim, relaciona-se a abordagem com as instituições privadas do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.
Direito Tributário
1. Introdução A educação é um dos “direitos sociais” consagrados pela Constituição Federal de 1988 (art. 6º), que dedicou o Título VIII para disciplinar a “Ordem Social”, que tem por base o primado do trabalho e por objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193). Nesse universo insere-se a educação como “direito de todos e dever do Estado e da família”, a ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, objetivando o pleno desenvolvimento da pessoa, preparando-a para o exercício da cidadania e qualificando-a para o trabalho (art. 205)[1].  O tratamento da educação em âmbito constitucional não é novidade em nosso país. Ressalvadas as omissões das duas primeiras Cartas (1824 e 1891 – em que a palavra “educação” não aparece nenhuma vez), a partir de 1934 o tema vem recebendo tratamento cuidadoso. Obviamente, o momento político vivido pelo país acarretou avanços e retrocessos, mas a omissão inicial do Constituinte não se repetiu desde então[2]. Além dos comandos constitucionais, a educação brasileira recebe disciplina no âmbito infraconstitucional através da Lei nº 9.394/96 – conhecida como LDB, que fixa diretrizes e bases para a educação nacional[3]. Nela encontram-se disposições relativas aos princípios e fins da educação nacional, de sua organização, níveis e modalidades de educação e ensino. Em seu art. 19, estabelece as categorias em que se enquadram as instituições privadas de ensino. Partindo da importância fundamental da educação para o país, bem como do papel das instituições educacionais privadas, o presente artigo analisará a contrapartida estatal existente através de benefícios fiscais que permitam o incentivo à atividade educacional. Para tanto, serão identificadas as instituições educacionais em sua natureza jurídica, definindo suas atividades e incentivos fiscais contemplados na legislação tributária em vigor. Finalmente, será analisado o Programa Universidade para Todos – PROUNI, apresentando sua relação com as instituições educacionais privadas de ensino superior, com e sem finalidade lucrativa. 2. Instituições educacionais Visando contextualizar a temática apresentada neste trabalho, procurou-se demonstrar a realidade das instituições de ensino superior nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, considerando as escolas com sede no estado de Minas Gerais, excluídas aquelas que mantêm apenas pólos de educação à distância nos municípios considerados. Segundo informações obtidas junto ao INEP[4], há instituições de ensino superior nos municípios de Araguari, Araxá, Campina Verde, Conceição das Alagoas, Coromandel, Estrela do Sul, Frutal, Ituiutaba, Iturama, João Pinheiro, Monte Carmelo, Paracatu, Patos de Minas, Patrocínio, Pedrinópolis, Sacramento, Santa Juliana, Tupaciguara, Uberaba, Uberlândia e Vazante, totalizando 35 (trinta e cinco) instituições. 2.1. Definição de instituições educacionais de ensino superior Na consagração de suas construções doutrinárias e contribuição à pedagogia, atribuem a Paulo Freire o conceito que Educação em sendo “processo contínuo que orienta e conduz o indivíduo a novas descobertas a fim de tomar suas próprias decisões, dentro de suas capacidades” (FREIRE, 2008, p.25). Por conseguinte, busca-se o conceito de instituição nos ensinamentos de Vicente Ráo quem, acompanhando lições de Maurice Hauriou, confirma  tratar-se a instituição de organismo social, equipamento material organizado em torno de um interesse socialmente reconhecido (RÁO, 1991, p.673)[5]. São as instituições, organizadas em interesse social, que se incumbem na atividade da Educação, sacramentada na Carta Constitucional, em seu artigo 205, como sendo direito de todos e dever do Estado e da família, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho[6]. As instituições educacionais constituem pessoas jurídicas, a serem consideradas sujeitos de direitos, ou seja, dotadas de personalidade jurídica na titularidade de direitos e obrigações. Em qualquer de seus níveis (ensino fundamental, médio ou superior), as instituições de ensino enquadram-se em duas categorias administrativas: a) instituições públicas, assim entendidas as criadas ou incorporadas, mantidas e administradas pelo Poder Público; b) instituições privadas, assim entendidas as mantidas e administradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado (art. 19, da Lei n° 9.394/96)[7]. Indaga-se, contudo, qual seria a espécie de pessoa jurídica que caracterizaria a instituição educacional privada, dentre as possíveis do art. 44 do Código Civil. Resposta facilmente evidenciada pelo fato de que o caráter “educacional” da instituição consubstancia atividade, e não estrutura de pessoa jurídica. Portanto, a atividade educacional de pessoa privada poderá ser constituída por pessoa jurídica na forma de fundações, associações ou sociedades. Severamente, é vedada a atividade educacional diretamente por organizações religiosas ou partidos políticos, por fugir de suas finalidades essenciais (AMARAL, 2006, p. 296). Permite-se, todavia, que organizações religiosas e partidos políticos constituam outras pessoas jurídicas para atividade educacional. Inclusive, suscitada a possibilidade de pessoa natural registrar-se para a atividade educacional, mediante firma individual (art.19, inciso II da Lei n° 9.394/96). A LDB (Lei nº 9.394/96), que estabeleceu o “plano nacional de educação” conforme determinou o art. 214 da Constituição Federal, tratou de definir quatro possíveis categorias para as instituições de ensino, a saber: instituições particulares em sentido estrito, instituições comunitárias, instituições confessionais e instituições filantrópicas (art. 20). As instituições comunitárias são instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora representantes da comunidade (art.20, inciso II). As instituições confessionais são as instituídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e ideologia específicas, bem como aos quesitos das instituições comunitárias (art.20, inciso III)[8]. Afora as instituições comunitárias e confessionais, importa distinguir as instituições educacionais particulares em sentido estrito e as filantrópicas. A lei define serem instituições educacionais particulares em sentido estrito as instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, que não apresentem características das outras instituições, mormente a ausência de filantropia (art.20, inciso I). Quanto às instituições filantrópicas, menciona lei que estas devem atender à legislação especial (art.20, inciso IV). Assim, as instituições de ensino superior devem atender às especificações previstas na lei 9.131/95, cujos artigos 7º-B e 7º-C determinam seus requisitos e obrigações para seu status de filantropia, conforme se explicitará adiante. Da conceituação de filantropia, identifica-se do grego philos (φίλος), e antropos (άνθρωπος), no sentido de “afeição” ao ser humano ou à humanidade. Da evolução terminológica, destaca-se o trabalho e desempenho de atividades sociais, cuja caracterização se filia às instituições educacionais sem finalidade lucrativa, nos termos da própria constituição, a exemplo do art. 150, inciso VI, alínea “c”, a ser também comentada no presente trabalho. 2.2. Finalidade lucrativa e econômica A correta definição de finalidade lucrativa por vezes se perde na ponderação científica, tanto jurídica quanto financeira. Consagrado seu uso na terminologia legislativa, a própria Constituição Federal por vezes trata das denominadas entidades ou instituições sem fins lucrativos, deixando de conceituá-las, incumbência dada à legislação infraconstitucional. Conceito de entidade sem finalidade lucrativa está previsto na lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), Lei nº 9.790/1990, que prevê no art. 1º, §1º que: “sem fins lucrativos” é a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social (DINIZ, 2008, p.242)[9]. Em avanço conceitual histórico, a legislação adotou terminologia mais adequada, denominando “entidades sem finalidade econômica”, como se vê do art. 53, do Código Civil, na definição das associações. Do referido conceito, a ausência de finalidade econômica é traduzida na previsão de não distribuição dos resultados financeiros positivos (excedentes operacionais) entre os integrantes da instituição, figurando exatamente a antiga definição de entidade sem finalidade lucrativa (GAGLIANO, 2007, p.208). Inclusive, registra-se que as sociedades civis foram substituídas pelas sociedades simples (AMARAL, 2006, p.292), cuja estrutura naturalmente prevê distribuição de resultados, conforme art. 981 do Código Civil. Permite-se a estas optar pela não distribuição de resultados aos sócios, mantendo-se em vigor a mencionada Lei nº 9.790/90, na constituição de organizações da sociedade civil de interesse público. 2.3. Instituições educacionais privadas sem finalidade lucrativa A previsão de instituição filantrópica prevista no art. 20, inciso IV da LDB refere-se exatamente à instituição educacional sem finalidade lucrativa, ou conforme denominação hodierna, sem finalidade econômica. Conforme mencionado na própria LDB, a filantropia ou status de não-finalidade lucrativa é atribuído nos termos da lei. Para tanto, deverá a instituição educacional, cuja estrutura poderá optar na constituição de associação, fundação, sociedade simples e até sociedade cooperativa, atender aos requisitos legais, estes previstos no artigo 12 da Lei nº 9.532/97, requisitos anteriormente exigidos pelo art.7º-B da lei 9.131/95 (MELO, 2005, p.156). Referido dispositivo acompanha a previsão geral de exigência às entidades sem finalidade lucrativa, tradicionalmente disposta no art.14 do Código Tributário Nacional, mas amplia o rol de requisitos, exigindo: a) não remunerar, por qualquer forma, seus dirigentes pelos serviços prestados; ]b) aplicar integralmente seus recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais; c) manter escrituração completa de suas receitas e despesas em livros revestidos das formalidades que assegurem a respectiva exatidão; d) conservar em boa ordem, pelo prazo de cinco anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem de suas receitas e a efetivação de suas despesas, bem assim a realização de quaisquer outros atos ou operações que venham a modificar sua situação patrimonial; e) apresentar, anualmente, Declaração de Rendimentos, em conformidade com o disposto em ato da Secretaria da Receita Federal; f) recolher os tributos retidos sobre os rendimentos por elas pagos ou creditados e a contribuição para a seguridade social relativa aos empregados, bem assim cumprir as obrigações acessórias daí decorrentes; g) assegurar a destinação de seu patrimônio a outra instituição que atenda às condições para gozo da imunidade, no caso de incorporação, fusão, cisão ou de encerramento de suas atividades, ou a órgão público; e h) demais requisitos, estabelecidos em lei específica, relacionados com o funcionamento das entidades a que se refere o mesmo artigo 12. Atendidos os requisitos mencionados, a qualidade de filantropia deve ser legitimada pelo Poder Público, seja municipal, estadual ou federal, no seu reconhecimento de utilidade pública (FRAUCHES, 2007, p.60); destacando-se atualmente a certificação do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS, órgão despersonalizado federal vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social. A certificação do CNAS tem validade de 03 (três) anos, exigindo-se a renovação e comprovação dos requisitos documentais exigidos pelo órgão (conforme art.2º, inciso IV, da Resolução CNAS n°53/2008). Comenta-se a importância da certificação e fiscalização da administração pública as denominadas entidades sem fins lucrativos e de utilidade pública, dada a possibilidade de pleitearem subvenções sociais[10] dos entes políticos municipal, estadual ou federal, para o custeio de sua própria atividade. 3. Incentivos fiscais 3.1. Incentivos ou Benefícios fiscais Configura a tributação na atividade de arrecadação de riqueza contra o particular, ou contribuinte, que tem o dever de realizar a prestação compulsória de tributo em benefício do erário, na qualidade de receita derivada, para sua administração pública (CARVALHO, 2007, p. 20).   A tributação tem como finalidade principal a arrecadação, tratando-se de natureza meramente fiscal, mas permite a sistemática tributária que o tributo seja utilizado com fins extrafiscais, a exemplo para o controle de mercado, ou para o fomento de determinados setores da economia, dada a natureza parafiscal de alguns tributos (MACHADO, 2006, p. 88). Em complementação, é possível à própria Constituição Federal prever limitações ao poder de tributar, firmando mandamento constitucional negativo de competência para a tributação, ou mesmo a possibilidade do próprio Ente Fiscal renunciar à tributação de determinado contribuinte ou situações específicas (SILVA, 2009, p.712). Desta forma, os incentivos fiscais prestam exatamente à concessão de benefícios para o fomento, ao desenvolvimento de certas atividades da iniciativa privada, mormente as associadas à utilidade pública, ou mesmo à própria vedação de tributar imposta ao Ente Fiscal. 3.2. Distinção entre imunidades e isenções tributárias Na razão dos incentivos ou benefícios fiscais, cabe distinguir duas importantes modalidades destes: a imunidade e a isenção. Ensina a doutrina ser a imunidade exclusão de competência tributária em relação a certos bens, pessoas e fatos; atribuída pela própria Constituição Federal (BARRETO; BARRETO, 2001, p. 11). Por seu turno, a isenção constitui exceção criada pela lei ordinária (MACHADO, 1998, p. 67). Assim, enquanto a imunidade constitui técnica no plano de competência, a isenção se coloca no plano de definição da incidência do tributo, a ser implementada pela lei ordinária (AMARO, 2006, p. 281). A confusão entre os dois institutos se presta comumente pelo fato da Constituição Federal utilizar o termo “isenção” em várias oportunidades, como acontece na previsão de ação popular (art. 5º, inciso LXXIII), nas desapropriações para fins de reforma agrária (art. 184, §5º) ou às contribuições sociais de entidades beneficentes de assistência social (art. 195,  §7º). Trata-se de simples atecnia do legislador constituinte, tanto originário quanto reformador, ao confundir a denominação dos institutos na redação legislativa (COSTA, 2001, p.208). Importa reconhecer que, mesmo quando denominada “isenção”, deve-se observar a condição de imunidade da previsão constitucional, por determinar mandamento negativo de competência ao Ente Fiscal, determinando-se a matéria ou pessoa imune fora do campo de incidência. Por seu turno, a isenção configura verdadeira renúncia fiscal do próprio ente, assim como a anistia, estabelecida sua precariedade legal, ante a possibilidade de revogação da lei que concedeu o benefício isencional. 4. Imunidade das instituições educacionais 4.1. Imunidade de impostos Definida a conceituação de imunidade, tratando-se de mandamento constitucional de competência negativa, vinculada à limitação ao poder de tributar e ao princípio da segurança jurídica, vale reconhecer a previsão constitucional às entidades educacionais sem finalidade lucrativa. A previsão de imunidade se verifica no artigo 150, inciso VI, alínea “c”, da Constituição Federal, que veda à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos. Iminente destacar que a imunidade das instituições educacionais não presta a totalidades de tributos, mas somente a impostos, conforme a previsão constitucional (CARRAZZA, 2004, p.666). É comum a ilação que a imunidade se daria a todas as espécies de tributos, quando em verdade é possível a instituição e exigência dos demais tributos: taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais ou empréstimos compulsórios. Situação que permite a cobrança de taxas de alvará pelo Município, ou a taxa de incêndio predial pelo Estado-membro, por exemplo. Logo, a proteção constitucional de imunidade atinge somente os impostos relativos a patrimônio, renda e serviços, destacando-se o imposto sobre renda de pessoa jurídica (IRPJ), o imposto predial e territorial urbano (IPTU), o imposto sobre propriedade de veículos automotores (IPVA) e o imposto sobre serviços (ISS) (CARRAZZA, 2004, p.713). Vale registrar que o art. 150, §4º, da CF, limita que as imunidades compreendem somente o patrimônio, a renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades mencionadas. Desta forma, o imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS) sobre operações realizadas pelas entidades somente terá imunidade se vinculado às finalidades essenciais destas (BARRETO; BARRETO, 2001, p.74). Lembrando que a imunidade de impostos destina-se exclusivamente à entidade educacional sem finalidade lucrativa, não atendendo o benefício às entidades educacionais privadas em sentido estrito, estas dotadas de finalidade lucrativa. 4.2. Imunidade e isenção de contribuições sociais Ainda em discussão às previsões de imunidade, indaga-se a validade de imunidade quanto às contribuições sociais, na qualidade de benefício das instituições educacionais sem finalidade lucrativa. As contribuições sociais, previstas no art. 149 da Constituição Federal, constituem espécie de tributo de natureza fiscal, com especial destinação do produto da arrecadação para o custeio da Seguridade Social, por sua vez concernente à assistência social, saúde e previdência social. A previsão de imunidade de contribuições sociais se faz no art. 195, §7º, ao definir que “são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendem às exigências estabelecidas em lei”. Conforme já comentado, onde se lê “isenção”, deve-se entender “imunidade”, por se tratar de mandamento constitucional negativo de competência. A consideração de possibilidade de imunidade de contribuições sociais firma do entendimento por parte da doutrina que as entidades educacionais estariam incluídas no grupo de “entidades beneficentes de assistência social”, previsto no artigo (TAVARES, 2008, p. 326). Todavia, destaque-se que a interpretação extensiva estaria equivocada, exatamente pelo fato que a própria Constituição Federal distinguiu entidades de assistência social e entidades de educação sem fins lucrativos na alínea “c”, do inciso VI, do art. 150, fazendo constar as duas instituições na mesma norma (CARRAZZA, 2004, p.767). Afastada a possibilidade de interpretação extensiva da norma constitucional (art. 195, §7º), a discussão prossegue no campo normativo infraconstitucional, mediante a lei que institui as contribuições sociais. A lei de Previdência Social, Lei nº 8.212/91, prevê em seu artigo 55 a “isenção” de contribuições sociais – quais sejam a contribuição de empregador (art. 22, o INSS de empregador e FAT – fator acidentário de prevenção) e contribuições da empresa proveniente do faturamento e do lucro (art. 23, a CSLL – contribuição sobre o lucro líquido), para entidades beneficentes de assistência social. Para o atendimento da norma de imunidade condicionada (TAVARES, 2008, p. 325), cumulam-se com o artigo 12 da Lei n° 9.532/97, os requisitos daquele mesmo artigo da lei previdenciária: 1) o reconhecimento da entidade beneficente de assistência social como utilidade pública federal e estadual, ou distrital ou municipal; 2) a certificação de registro de Entidade Beneficente de Assistência Social atribuída pelo CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social; 3) exercício de atividade gratuita e em caráter exclusivo da assistência social beneficente a pessoas carentes, especialmente a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência (previsão suspensa liminarmente pela ADI n° 2.028-DF); 4) a inexistência de remuneração, vantagens ou benefícios de quaisquer títulos aos diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores da instituição; e 5) a aplicação integral do eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de objetivos institucionais, formalizada a apresentação anual junto ao INSS de relatório circunstanciado das atividades. No mesmo sentido é o art. 206, do atual Regulamento da Seguridade Social, Decreto n° 3.048/99. Exatamente em razão da exigência de atividade exclusiva em assistência social, conforme mencionado acima, tramita no Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade em desfavor da norma que define a isenção somente para entidades beneficentes de assistência social, determinando a relatoria pelo Min. Moreira Alves, cuja liminar concedeu extensão às entidades de saúde (ADI n° 2.028/DF)[11]. Desta forma, deve-se reconhecer incabível a consideração de imunidade nos termos do art. 195, §7º, da Constituição Federal às entidades educacionais, mas é reconhecida a isenção das mesmas contribuições sociais, sendo regra prevista em Decreto regulamentar n°3.048/99,  conforme visto a seguir. 5. Isenção de contribuições sociais Reconhecidamente, é afastada a interpretação extensiva da norma constitucional quanto à imunidade de contribuição social das instituições educacionais sem finalidade lucrativa. Contudo, coube à União Federal prever o benefício fiscal na forma de isenção, ante a regulamentação da própria lei ordinária federal que institui as contribuições.  Reitera ser isenção como modalidade de renúncia fiscal, na competência do próprio Ente Fiscal de prever em lei infraconstitucional a não-tributação de determinados contribuintes ou situações específicas. A Lei Federal n° 8.212/91, previu no artigo 55 a isenção de contribuições sociais para as entidades beneficentes de assistência social. Entretanto, o próprio Poder Executivo Federal, através de Decretos, fez interpretação extensiva na concessão do benefício de isenção para as entidades educacionais sem finalidade lucrativa. Com o advento da Lei nº 8.212/91, foi editado o Regulamento da Seguridade Social pelo Decreto n° 356/91 que mencionava às entidades beneficentes de assistência social o serviço de educação, conforme art. 33, inciso III. Neste caso, era flagrante a interpretação extensiva da norma previdenciária. Em seguida, com a edição do Decreto n° 2.173/97, não havia menção das entidades educacionais sem fins lucrativos até a edição do Decreto n° 3.039/99, que alterou a redação do art. 31, prevendo a isenção específica às instituições educacionais das contribuições sociais. De forma curiosa, o Decreto n° 2.173/97 foi reformado em 28 de abril de 1999, para ser revogado poucos dias depois, em 06 de maio de 1999, pelo Decreto n° 3.048. Este, o atual Regulamento da Previdência Social. A previsão hodierna de isenção de contribuições sociais às instituições educacionais sem fins lucrativos está no artigo 207 do Regulamento da Previdência Social, Decreto n° 3.048/99. Prevê a norma regulamentar que a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos que exerce atividade educacional nos termos da LDB gozará da isenção das contribuições previstas nos artigos 201, 202 e 204 do mesmo Decreto. A isenção prevista no regulamento concerne à contribuição social de empregador (art. 201), a contribuição de empregador destinada ao financiamento da aposentadoria especial (art. 202) e as contribuições provenientes do faturamento e do lucro (art. 204). O benefício é estipulado na proporção do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente a alunos carentes, desde que também atendidos os requisitos do art. 206, mencionados no item 4.2. Ainda, o artigo 17 da Medida Provisória n° 2.158-35/01 previu que aplicam-se às entidades filantrópicas e beneficentes de assistência social, para efeito de pagamento da contribuição para o PIS/Pasep e de gozo da isenção da Cofins, o disposto no art. 55 da Lei no 8.212, de 1991. O Regulamento estabeleceu também que o valor da isenção, a ser usufruída pela beneficiária, corresponde: ao percentual resultante da relação existente entre o valor efetivo total das vagas cedidas, integral e gratuitamente, e a receita bruta mensal proveniente da venda de serviços e de bens não integrantes do ativo imobilizado, acrescida da receita decorrente de doações particulares; a ser aplicado sobre o total das contribuições sociais devidas. Inclusive, estabelece que, para os fins do cálculo da isenção, não será considerado o valor das vagas cedidas com gratuidade parcial, nem cedidas a alunos não carentes. E o cálculo do percentual de isenção a ser utilizado mês a mês será efetuado tomando-se por base as receitas de serviços e contribuições relativas ao mês anterior ao da competência. Por conseguinte, foi editada a lei nº 12.101/09, de 27 de novembro de 2009, a qual dispôs efetivamente sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social, regulando o procedimento de isenção das contribuições para a seguridade social. Nesta, fizeram-se incluídas as entidades na área da saúde e, especialmente para este estudo, da educação. Conforme o art.1º da Lei 12.101/09, as concessões de isenção serão serão concedidas às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como entidades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social com a finalidade de prestação de serviços nas áreas de assistência social, saúde ou educação, e que atendam ao disposto nesta lei. O dispositivo citado no final do artigo refere-se justamente ao artigo 29 da mesma lei, o qual especificou as contribuições sociais que serão contempladas pela isenção remetendo aos artigos 22 e 23 da lei 8212/91, qual seja a contribuição de empregador e o FAT (Fator Acidentário de Presenção), bem como as contribuições a cargo da empresa provenientes do faturamento e do lucro (a contribuição sobre o lucro líquido – CSLL). Além da previsão, a nova lei 12.101/09 repetiu os requisitos antes exigidos, destacando-se somente a exigência regular de certidões negativas, conforme transcrito em seu artigo 29: “Art. 29.  A entidade beneficente certificada na forma do Capítulo II fará jus à isenção do pagamento das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, desde que atenda, cumulativamente, aos seguintes requisitos: I – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos; II – aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais; III – apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS; IV – mantenha escrituração contábil regular que registre as eeceitas e despesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Contabilidade; V – não distribua resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto; VI – conserve em boa ordem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impliquem modificação da situação patrimonial; VII – cumpra as obrigações acessórias estabelecidas na legislação tributária; VIII – apresente as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.” Inclusive, destacou a legislação, em seu artigo 30, não caber o entendimento de estensão da isenção a outra entidade com personalidade jurídica própria enventualmente constituída e mantida pela entidade à qual a isenção foi concedida. Cada entidade deverá requerer sua certificação e isenção própria.  Em relevante questão, vale ressaltar que às entidades educacionais que pretendam a isenção de contribuições sociais, houve a partir da lei 12.101/09 a imposição de atendimento de quesitos semelhantes ao PROUNI, em se tratando do oferecimento de bolsas estudantis. Conforme o art.13 da lei 12.101/09, ao menos 20% (vinte por cento) da receita anual da entidade deverá ser aplicada em gratuidade, observando-se as regras do art.13, §1º: “§ 1o  Para o cumprimento do disposto no caput, a entidade deverá: I – demonstrar adequação às diretrizes e metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação – PNE, na forma do art. 214 da Constituição Federal; II – atender a padrões mínimos de qualidade, aferidos pelos processos de avaliação conduzidos pelo Ministério da Educação; e III – oferecer bolsas de estudo nas seguintes proporções: a) no mínimo, uma bolsa de estudo integral para cada 9 (nove) alunos pagantes da educação básica; b) bolsas parciais de 50% (cinquenta por cento), quando necessário para o alcance do número mínimo exigido.” Vê-se que as atuais imposições legais passaram a se assemelhar ao PROUNI, Programa Univerdade para Todos, criado pela União Federal, donde se destacam importantes distinções conforme se explicita a seguir. 6. Programa Universidade para Todos – PROUNI O Programa Universidade para Todos, denominado PROUNI, foi criado pela Medida Provisória n° 213/04, que foi convertida na Lei n°11.096, que institui o referido programa. O PROUNI foi criado com finalidade de estabelecer a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais em cursos de graduação ou cursos sequenciais de formação específica a estudantes de baixa renda; portadores de deficiência, nos termos da lei; e professores da rede pública de ensino, em cursos de licenciatura, normal superior e pedagogia, destinados ao magistério da educação básica e independentemente de renda (art.2º. da Lei n °11.096/05). Da iniciativa de disponibilização de bolsas de estudos integrais e parciais em instituições de ensino superior em todo o Brasil, a União Federal previu no PROUNI a isenção nos mesmos termos do art. 55 da Lei nº 8.212/91. Contudo, o grande destaque é a aplicação ampliativa, para com outras contribuições e o próprio imposto sobre a renda de pessoa jurídica. Registre distinguir-se o PROUNI do FIES, na razão daquele constituir instituto de isenção e compensações de tributos, enquanto este, Financiamento Estudantil, configura programa de concessão de mútuo no financiamento de graduação em ensino superior para estudantes que atendam aos requisitos legais. Criado em 1999, em substituição ao anterior Crédito Educativo – PCE/Creduc, o FIES é disciplinado pela Lei nº 10.260/01. Sua concessão ocorre mediante contrato celebrado com o próprio estudante e os recursos a serem encaminhados às instituições provêm de dotações orçamentárias do MEC, de concursos de prognósticos administrados pela Caixa Econômica Federal (loterias), e demais formas de custeio previstas no art. 2º daquela lei. Ponto relevante de convergência entre os dois programas, é que as instituições de ensino superior que são aderidas ao PROUNI têm prioridade na distribuição dos recursos disponíveis do FIES (FRAUCHES, 2007, p.302). Destaca-se que no PROUNI, contrariamente à previsão do art. 55 da lei previdenciária e art. 207 do Regulamento da Previdência Social, a isenção de contribuições não é prevista somente às instituições de educação sem finalidade lucrativa, mas também às instituições com finalidade lucrativa. Antes da conversão da medida provisória em lei ordinária federal, a Receita Federal do Brasil regulamentou o benefício fiscal mediante a Instrução Normativa n° 456 de 05 de outubro de 2004, ainda em vigor. Conforme art.1º da IN SRF n°456/04 e art. 8º da Lei n° 11.096/05, as instituições educacionais de ensino superior  participantes do PROUNI terão como benefício fiscal a isenção dos seguintes tributos: a) Imposto sobre renda de pessoas jurídicas (IRPJ); b) Contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL); c) Contribuição social para o financiamento da seguridade social (Cofins); e d) Contribuição para o programa de integração social (PIS). Conforme Regulamento do PROUNI (Decreto n° 5.493/05), a integração da instituição beneficiária participante do programa se faz mediante assinatura de Termo de Adesão com vigência de 10 (dez) anos, junto ao Ministério da Educação, observando-se procedimentos operacionais de adesão e seleção semestral de bolsistas, conforme portarias ministeriais do próprio MEC. Da adesão da instituição educacional, firma o dever de oferecer, no mínimo, 1 (uma) bolsa integral para o equivalente a 10,7 (dez inteiros e sete décimos) estudantes regularmente pagantes do período letivo anterior. Para as instituições sem finalidade lucrativa, a exigência é do art. 11 da Lei n° 11.096, com no mínimo 20% (vinte por cento) de gratuidade da receita anual efetiva. A legislação permite a conversão de até dez por cento das bolsas parciais de cinqüenta por cento, vinculadas ao PROUNI, em bolsas parciais de vinte e cinco por cento; à razão de duas bolsas parciais de vinte e cinco por cento, para cada bolsa parcial de cinqüenta por cento. A conversão é possível para cursos de graduação ou sequenciais de formação específica, estabelecido limite da parcela da anualidade ou da semestralidade efetivamente cobrada. É também permitido o oferecimento de bolsas adicionais, para integração no cálculo do benefício fiscal, ao qual será considerada a média aritmética das anualidades ou semestralidades efetivamente cobradas dos alunos pagantes, excluídos os alunos beneficiários de bolsas integrais, parciais e adicionais, para a compensação dos tributos acima mencionados. Inclusive, permite a lei o oferecimento de bolsas a trabalhadores da própria instituição financeira, conforme art.12 (FRAUCHES, 2007, p.301). A compensação isencional se faz na apuração do lucro e da receita auferida pela instituição, ante o lançamento por homologação dos tributos de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Relativo à fiscalização das instituições beneficiárias, destaca-se a exigência de apresentação semestral ao MEC de controle de freqüência mínima obrigatória dos bolsistas, aproveitamento no curso e controle de evasão de alunos dos cursos e respectivos turnos. Ainda, para as entidades beneficentes de assistência social, caberá o encaminhamento de relatório de atividades e gastos em assistência social, com prazo de 60 (sessenta) dias após o encerramento do exercício fiscal. Em destaque, firma-se que a certificação digital em muito auxilia na apresentação de documentos e fiscalização das instituições de ensino credenciadas (FRAUCHES, 2007, p.302). Ao se aplicar tanto às instituições educacionais de ensino superior, sejam lucrativas e sem finalidade lucrativa, a legislação do PROUNI não veda que as instituições educacionais sem finalidade lucrativa possam cumular os benefícios de isenção com os previstos no art. 55 da Lei nº 8.212/91. Prova para tanto é a previsão de conversão em finalidade lucrativa do art. 13 da Lei nº 11.096/05. Portanto, cumpre denotar que às instituições educacionais de ensino superior sem finalidade lucrativa, o PROUNI nada acrescentou de benefícios fiscais, atendo-se somente ao incremento de exigências para com o MEC. Identifica-se que as entidades já são beneficiárias de imunidade de impostos sobre renda, bens e serviços (art.150, VI, “c”, da CF), da isenção de contribuições sociais do art.55 da lei 8.212/91, de até mesmo da isenção de Cofins e PIS nos termos do art. 17 da Medida Provisória n° 2.158-35/01. Destarte, todos os benefícios fiscais eram garantidos às instituições educacionais sem finalidade lucrativa antes da instituição do PROUNI. Em seu turno, o PROUNI firmou-se como importante vantagem às instituições com finalidade lucrativa que aderirem ao programa, exatamente por não serem estas até então beneficiárias de imunidades ou isenções, sendo-lhes passível a isenção dos tributos de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. 7. Considerações finais Insta reconhecer o contínuo esforço da União Federal, especialmente do Ministério da Educação, em desenvolver programas para o fomento e acesso à educação a todo brasileiro. São programas que permitem maior inclusão de estudantes de situação econômico-financeira hipossuficiente, dada a limitação de oferecimento de vagas pelas instituições públicas no ensino superior. Proposta a indagação sobre a efetividade dos programas governamentais para as instituições de ensino superior, mormente na concessão de incentivos fiscais, conclui-se que o  Programa Universidade para Todos – PROUNI não trouxe nenhum incentivo real às instituições educacionais sem finalidade lucrativa. Aliás, assemelham-se as exigências de incentivo e bolsas de estudos da lei 12.101/09, às instituições educacionais sem fins lucrativos. Inexiste benefício que já não fosse anteriormente previsto na legislação tributária em vigor, sejam imunidades ou isenções, fazendo somente exigir novas obrigações acessórias junto ao Ministério da Educação, conforme art. 14 do Regulamento do PROUNI. Focando esta análise nas IES do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, temos o seguinte quadro: das 35 (trinta e cinco) instituições analisadas, distribuídas em 21 (vinte e uma) cidades da região, temos 32 (trinta e duas) instituições privadas, sendo 23 (vinte e três) particulares em sentido estrito, 4 (quatro) filantrópicas, 3 (três) comunitárias, 1 (uma) confessional e 1 (uma) confessional e filantrópica[12]. Das instituições 32 (trinta e duas) instituições privadas da região, apenas 13 (treze) aderiram e são cadastradas ao PROUNI. Das cadastradas, especifica-se que 10 são particulares no sentido estrito, 1 (uma) é confessional, 2 (duas) são filantrópicas (sem finalidade lucrativa). Portanto, o quadro regional revela que são exatamente as instituições de ensino superior particulares no sentido estrito que estão se beneficiando do PROUNI, posto ser vantagem somente a estas, e não às instituições sem finalidade lucrativa. Deste modo, compreende-se a razão de muitas instituições de ensino superior não optarem pelo Programa Universidade para Todos, posto nem sempre vantajoso àquelas. Suscita-se, por derradeiro, a necessária a reflexão para a propositura de novos programas e maiores incentivos e contrapartidas da administração pública às instituições de ensino superior sem finalidade lucrativa, com fins de propiciar a atividade de educar, na nobre promoção do pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o mercado de trabalho.
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A progressividade do imposto territorial urbano e sua incidência na efetivação da função social da propriedade
O presente artigo analisa a questão do IPTU e o seu envolvimento com a questão da função social da propriedade urbana. Centra-se a sua problemática na análise de que se o IPTU com seu fato gerador contribui positivamente ou negativamente para a concretização da função social da propriedade urbana. Entre a ênfase de análise está a do problema que o presente trabalho apresenta no que se refere ao imposto predial e territorial urbano, uma vez que este possui sim, segundo a Constituição Federal, Estatuto da Cidade e legislação especial o condão de garantir a função social da propriedade. Essa função social da propriedade representa um compromisso entre a ordem liberal e social, de modo a equiparar práticas e conceitos, visando, sobretudo, à sobrevivência da espécie humana que atualmente subtrai os problemas de forma individual, uma vez que estes se traduzem no acúmulo da coletividade refletindo a expressão do que se denomina ordem urbanística, direito difuso, a teor do que dispõe o Estatuto da Cidade. Objetiva-se com este artigo, entender se esta função social da propriedade, principalmente a urbana, tem ligação com a questão do imposto territorial urbano e se esta função social é ou não uma contraposição ao direito de propriedade.
Direito Tributário
1. Considerações iniciais A questão do IPTU e a busca pela função social da propriedade urbana, é uma problemática que se centra na análise desse imposto e ao seu fato gerador contribuir efetivamente para a concretização da função social da propriedade urbana. Objetiva-se com este artigo apresentar a questão do IPTU e o seu envolvimento com a questão da função social da propriedade urbana. Sua problemática centra-se na análise de que se o IPTU com seu fato gerador contribui positivamente ou negativamente para a concretização da função social da propriedade urbana. Diante da problemática apresentada tem-se que o imposto predial e territorial urbano possui ligação com a questão da função social da propriedade, segundo a Constituição Federal, e ainda com menção ao Estatuto da Cidade e legislação especial a força de garantir a função social da propriedade. Também chama-se atenção a questão que envolve a súmula 668 do STF que dispõe ser inconstitucional a lei municipal que antes da Emenda 29/2000 estabelecia alíquotas progressivas para o Imposto Territorial urbano, mas estabelece que a exceção está na questão da progressividade caso seja destinada para assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.   A atual Constituição em sua estrutura dispõe sobre a competência tributária dos entes da federação e traz ainda a previsão de que o Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU é da competência dos Municípios, como dispõe em seu artigo 156, inc. I. O referido diploma legal também expressa a questão da possibilidade de progressão do IPTU, no caso de haver a efetivação dos aspectos da função social da propriedade urbana, como trata a súmula 668 do Supremo Tribunal Federal, mas o tema é tratado de forma não unânime, tendo em vista que nem mesmo o conceito, estruturação e efetividade da função social da propriedade urbana são tidos como pacifica diante da doutrina e da jurisprudência, o que demonstra a importância do tema. 2. Aspectos conceituais e caracterizadores da propriedade A Constituição alemã apresenta um conceito de propriedade dado em Weimar[1] de 1919, que registrou, pioneiramente tal entendimento destacado no artigo 153 – última alínea que estabeleceu: “a propriedade é garantida pela constituição. Seu conteúdo e seus limites resultam das disposições legais. A propriedade obriga. Seu uso deve, ademais, servir ao bem comum”. Já o artigo 1.228 do Código Civil[2] não demonstra de forma efetiva o conceito de propriedade, apenas menciona os requisitos no que refere o poder do proprietário, que são compreendidos dentro do artigo como: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou a detenha”. Explica de forma sábia a questão dos elementos que caracterizam e formam o direito a propriedade, mencionando Carlos Roberto Gonçalves[3]: “O primeiro elemento constitutivo da propriedade é o direito de usar, que consiste na faculdade de o dono servir-se da coisa e de utilizá-la da maneira que entender mais conveniente, podendo excluir terceiros de igual uso. O segundo elemento é o direito de gozar ou usufruir que compreende o poder de perceber os frutos naturais e civis da coisa e de aproveitar economicamente os seus produtos. O terceiro é o direito de dispor da coisa, de transferi-la, de aliená-la a outrem a qualquer título. Envolve a faculdade de consumir o bem, de dividi-lo ou de gravá-lo. Não significa, prerrogativa de abusar da coisa destruindo-a gratuitamente, pois a própria Constituição Federal prescreve que o uso da propriedade deve ser condicionado ao bem-estar social.”        Vislumbra-se desta forma que a propriedade não é unanimemente conceituada, mas, no artigo acima citado, ficam claro quais são os seus elementos com relação ao direito do proprietário, ressalvando o que é um dos objetos deste trabalho, que é o uso consciente da propriedade, não podendo seu possuidor utilizar-se de forma abusiva, tendo em vista a sua função social e o bem estar da coletividade, como no caso do estudo em tela da propriedade localizada em zona urbana. Silvio Rodrigues[4] aponta de forma descritiva conceito de propriedade, explicitando que: “Trata-se por óbvio, de um direito real, ou seja, de um direito que recai diretamente sobre a coisa e que independe, para o seu exercício, de prestação de quem quer que seja. Ao titular de tal direito é conferida a prerrogativa de usar, gozar e dispor da coisa, bem como de reivindicá-la de quem quer que injustamente a detenha. Aliás esse é o conceito civilista que constitui a propriedade.”       José Afonso da Silva[5] menciona interessantes aspectos no que diz respeito ao direito de propriedade, tendo em vista a questão da propriedade e pela sua importância no contexto social e pelos direitos que são dispostos ao proprietário da mesma: “O direito de propriedade foi concebido como uma relação entre uma pessoa e uma coisa, de caráter absoluto, natural e imprescritível. Verificou-se que tal caráter absoluto sofreu evolução que implicou também a superação da concepção de propriedade como direito natural, pois não há de confundir a faculdade que tem todo indivíduo de chegar a ser sujeito desse direito, que é potencial, como o direito de propriedade sobre um bem, que só existe enquanto é atribuído a uma pessoa e é sempre direito atual, cuja característica é a faculdade de usar, gozar, e dispor dos bens.”  Dessa forma, pode-se mencionar que o conceito de propriedade[6] pode ser expresso atualmente como “direito que permite a um titular usar, gozar e dispor de certos bens, desde que ele o faça de modo a realizar a dignidade de pessoa humana.”[7] Já o autor Celso Antonio Bandeira de Mello[8] leciona com relação ao direito de propriedade: “Direito de propriedade é a expressão juridicamente reconhecida à propriedade. É o perfil jurídico da propriedade. É a propriedade, tal como configurada em dada ordenação normativa. É, em suma, a dimensão ou o âmbito de expressão legítima da propriedade: aquilo que o direito considera como tal. Donde, as limitações ou sujeições de poderes do proprietário impostas por um sistema normativo não se constituem em limitações de direitos, pois não comprimem nem deprimem o direito de propriedade, mas, pelo contrário, consistem na própria definição destes direitos, compõem seu delineamento e, deste modo, lhe desenham os contornos. Na Constituição – e nas leis que lhe estejam conformadas – reside o traçado da compostura daquilo que chamamos direitos de propriedade em tal ou qual país, na época tal ou qual.” Com relação à presunção da propriedade, o art. 1.231 do Código Civil diz: “A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário.” Então, existe uma presunção relativa, uma presunção juris tantum de que a propriedade é uma propriedade plena e exclusiva, menciona-se, assim, a noção de exclusividade do domínio choca-se, pelo menos aparentemente com a de condomínio. Todavia, a contradição é eliminada ao se entender que o direito de propriedade é um só, que se subdivide entre vários consortes, no caso de comunhão[9].  Atento as questões inerentes às características da propriedade Washington de Barros Monteiro[10] comenta a respeito, mencionando quer realmente num certo sentido, o direito de propriedade é de fato absoluto, não só porque oponível erga omnes, como também porque apresenta caráter de plenitude, sendo, incontestavelmente, o mais extenso e o mais completo de todos os direitos reais. Comenta ainda o referido autor que a propriedade é a aparte nuclear ou central dos demais direitos reais, que pressupõem, necessariamente, o direito de propriedade, do qual modificações ou limitações, ao passo que o direito de propriedade pode existir independentemente de outro direito real em particular. Dessa forma pode-se, ao direito de propriedade atribuir, em primeiro lugar, caráter absoluto, uma vez que o proprietário pode dispor da coisa como entender, sujeito apenas a determinadas limitações, impostas no interesse público ou pela coexistência do direito de propriedade dos demais indivíduos. O segundo atributo desse direito é ser exclusivo. A mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas. O direito de um sobre determinada coisa exclui o direito de outro sobre essa mesma coisa. O proprietário pode excluir da coisa, objeto de seu direito, a ação de outrem. Desses dois caracteres essenciais da propriedade, absoluto e exclusivo, decorre que ela é também irrevogável. Nessas condições, por ser absoluta, tudo o que o proprietário legalmente dispuser sobre a coisa deve ser mantido e produzir os efeitos desajeitados; por ser exclusiva, segue-se que não pode estar na vontade de quem quer que seja fazê-la cessar contra intento do proprietário. Assim, uma vez adquirida, a propriedade em regra não pode ser perdida senão pela vontade do proprietário.      Conforme determina o artigo 1.228, do Código Civil. A propriedade faz parte do direito real, onde é conferido ao titular os poderes de usar, gozar e dispor da coisa, bem como de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. Maria Helena Diniz[11] salienta a respeito dos caracteres da propriedade: “Pode–se atribuir num certo sentido, ao direito de propriedade, caráter absoluto não só devido a sua oponibilidade erga omnes, mas também por ser o mais completo de todos os direitos reais, que dele se desmembram e pelo fato de que o seu titular pode desfrutar e dispor do bem como quiser, sujeitando-se apenas às limitações impostas em razão do interesse público ou de coexistência do direito de propriedade de outros titulares. Esse mesmo dispositivo legal nos dá o outro caráter do domínio: sua exclusividade, em virtude do principio de que a mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas. O direito de um sobre determinado bem excluí o direito de outro sobre o mesmo bem. A característica da perpetuidade do domínio resulta do fato de que ele subsiste independentemente de exercício, enquanto não sobrevier causa extintiva legal oriunda da própria vontade do titular, não se extinguindo, portanto, pelo não uso.”     Assim, a propriedade é uma noção plural, uma noção fragmentada. Existem dezenas de hipóteses de propriedade, entre elas a chamada propriedade plena, que está em contraposição à chamada propriedade limitada ou propriedade restrita. Propriedade plena é também conhecida como propriedade alodial. Como se pode observar o conceito de propriedade demonstra a existência de um determinado titular com direitos e também com obrigações e que depende também de observar as questões inerentes a função social da propriedade. 3. A propriedade na atualidade diante da evolução social A evolução social trouxe para dentro do universo do direito das coisas e mais restritamente para dentro das questões que envolvem os bens imóveis, significativas mudanças, como a propriedade e a função social que transforma a riqueza e o poder do imóvel num dever. Um exemplo disso é justamente o que se trata neste artigo a respeito da possibilidade da progressividade do IPTU, tendo em vista a questão da propriedade urbana e a sua função social[12]. A função social tem-se como um conceito fluído, um conceito indeterminado, uma cláusula geral que o operador do Direito, no caso concreto, vai dizer se presente ou não. A função social da propriedade integra o próprio conteúdo do direito de propriedade. A noção de função social penetra e integra o próprio conceito de direito de propriedade. Então, percebe-se que a propriedade é, ao mesmo tempo, um direito subjetivo, patrimonial e também é uma obrigação. Hoje, o direito de propriedade é um direito função, da mesma forma o direito de propriedade não tem mais aquele caráter absoluto, aquele caráter ilimitado, é um direito com finalidade social. A respeito deste direito de propriedade Augusto Zimmermann[13], expõe: “O estímulo à aquisição da propriedade produz consideráveis vantagens para a sociedade, porque induz os seus membros à responsabilidade individual e à busca pelo esforço próprio. Entretanto, o direito à propriedade não pode ser compreendido como um valor absoluto. Em nome deste direito fundamental, ninguém pode se considerar alheio ou indiferente às necessidades dos demais membros da coletividade. Assim, o direito a propriedade não justificaria os abusos perpetrados em seu nome. Não se permite, sob a invocação da mesma, sob a invocação da mesma, que o indivíduo prejudique os interesses da coletividade; até porque, ao fim das contas, seria um tremendo egoísmo querer prevalecer a vontade de uma única pessoa sobre a de todos os demais componentes da sociedade.”     Aponta José Afonso da Silva[14] para o fato da função social da propriedade não se confundir com limitação da propriedade, nas suas palavras amplia a questão, uma vez que “a norma que contém o princípio da função social da propriedade incide imediatamente, é de aplicabilidade imediata, como o são todos os princípios constitucionais”. Augusto Zimmermann[15] entende que a chamada função social da propriedade deve ser considerada como a defesa de sua utilização racional e não nociva ao bem – estar geral. De maneira concreta, a expressão denotaria todo o conjunto de medidas adotadas pela Constituição, para que a utilização da propriedade siga o seu curso normal, em benefício do proprietário, mas sem prejudicar os direitos da coletividade. Para Orlando Gomes[16] a noção de propriedade tem um conteúdo positivo e um conteúdo negativo, assim o conteúdo positivo do direito de propriedade retira-se da cabeça do art. 1.228 do Código Civil Brasileiro, que dispõe: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha” A respeito da natureza jurídica da propriedade os autores Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery[17] comentam: “A natureza jurídica da função social da propriedade é princípio de ordem pública, que não pode ser derrogado por vontade das partes, conforme previsão descrita no parágrafo único do art. 2.035 do CC, consoante rege que nenhuma convenção pode prevalecer se contrariar preceitos de ordem pública. Nota-se que a propriedade, antes tida como quase que absoluta, atualmente encontra-se com seu conceito mais roto, mais flexibilizado, dado que o proprietário está sujeito a restrições não só de caráter privado (direito de vizinhança, como exemplo), mas, também e principalmente, de ordem pública, que é a função social da propriedade, bem presente no § 1o do art. 1.228 do CC.” Já o parágrafo 2º do art. 1.228 é uma limitação de ordem privada. Neste caso, se houver o descumprimento desta cláusula pelo proprietário, pode ele ser chamado à responsabilização civil, nos moldes do art. 187 do Código Civil. Tal dispositivo trata da noção de abuso de direito no exercício da propriedade. Diz o § 2º: “São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”. Assim prevalece o interesse público sobre o interesse particular, sobre o interesse individual. São as hipóteses de desapropriação com previsão na Carta Política, que agora também estão previstas no § 3º. Esta é uma noção que prevê o exercício do direito de propriedade, onde é possível que o proprietário, exercer a propriedade sem qualquer utilidade ou com ânimo de prejudicar outrem, possa ser chamado à responsabilização civil. Já o § 3º do art. 1.228 traz uma limitação de ordem administrativa. Neste dispositivo tem-se uma intervenção administrativa na seara civil. Já o que se apresenta no § 3º é a concretização[18] de um mandamento constitucional previsto no art. 5º, incs. XXIV e XXV, da Carta Política, que autorizam o ente público a desapropriar quando presente a necessidade, a utilidade pública, o interesse social, bem como, diz a lei, no caso de requisição na hipótese de perigo público iminente. Assim, tem-se que no § 1º, há prevalência do interesse individual sobre o interesse particular, no § 2º, nós temos uma limitação de ordem privada, e, no § 3º,  existe uma limitação de ordem administrativa, a qual prepondera o interesse público em prejuízo do interesse particular, quando a falta de utilização e atribuição de função social estejam ameaçando a utilidade pública urbana, no caso do tema estudado.  4. Aspectos conceituais acerca do IPTU e a sua progressividade diante da função social da propriedade Em relação ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) tem-se que é de competência dos municípios e como fato gerador a propriedade, bem como domínio útil ou a posse do bem imóvel por natureza ou por acessão física, que se localize em zona urbana. Conforme Walter Paldes Valério[19] tem-se que o imposto sobre propriedade predial e territorial urbana é o tributo, de competência municipal, que recai sobre a propriedade, domínio útil ou a posse, a qualquer título, de imóvel com edificação ou sem ela, localizado na zona citadina é o mesmo que se abstrai do art. 32 do código tributário nacional, CTN, quando este se refere ao fato gerador deste tributo. Essa é a tendência do IPTU, inclusive consagrada no Supremo Tribunal Federal (STF)[20]. Embora o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, conhecido pela sigla IPTU, seja tratado em situação de unidade, cumpre fazermos um primeiro esclarecimento, no sentido de que são dois tributos diversos, abraçados pelo mesmo nome. Trata-se do imposto sobre a propriedade predial urbana e do imposto sobre a propriedade territorial urbana. Essa distinção é necessária tendo em vista a previsão de hipóteses de incidência, que justifica uma cobrança separada de cada qual[21]. O IPTU, desta forma, é tido como imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, é tributo, não vinculado a uma atuação de Estado, de competência privativa dos Municípios e do Distrito Federal (Constituição, art. 156, I, c/c. art. 147, in fine).  Importante salientar que excepcionalmente, a União pode instituí-lo e cobrá-lo sobre os imóveis situados em Território Federal não dividido em Municípios, conforme a Constituição Federal, art. 147[22]. O CTN, em seu art. 114, é claro ao mencionar que “fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”, e ainda menciona como já ressaltado que o fato gerador do IPTU consiste principalmente na questão da propriedade urbana  e seu domínio útil, o que pode também ser entendido como aquele que cumpre a função social.   A respeito de uso consciente da função social da propriedade urbana, salienta-se, que a propriedade cumprirá sua função social quando atender às diretrizes e exigências do desenvolvimento e expansão urbanas, as quais objetivam o uso efetivo da terra e da infra-estrutura instalada, a otimização dos recursos naturais e a contenção do crescimento urbano em direção à periferia e às áreas ambientalmente vulneráveis. Os critérios que definem os imóveis não edificados, subutilizados e não utilizados e as normas que determinam o cumprimento de sua função social, constantes, são aplicáveis aos imóveis do município, os quais ficam também sujeitos à edificação e ao parcelamento compulsório, ao imposto predial e territorial progressivo no tempo. Inicialmente importante definir as competências dos Municípios no campo tributário o que vislumbra do art. 156 da Constituição Federal, como sendo a instituição de impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana, sendo que o § 1º, dispõe que o imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Desta forma encontra-se a chave para resolução da questão, uma vez que legalmente e constitucionalmente interpretado a partir da EC 29/00 o IPTU pode ser progressivo, desde que cumpra a sua função social.  Da análise das competências constitucionalmente estabelecidas, principalmente no que atine àquelas afetas aos municípios, o art. 30, item III, da Constituição Federal dispõe, competir aos Municípios a instituição e arrecadação dos tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei.” Neste sentido verifica-se que o IPTU poderá ser dado de forma progressiva desde que para o atendimento da função social da propriedade, no mesmo contexto[23] sendo que, aos municípios é expressamente atribuída pela Constituição Federal, portanto, exclusiva competência para instituir e arrecadar os tributos a ele adstritos e, especificamente em razão do teor do art. 156 daquele Estatuto Político, a este ente federado está afeta a competência para instituir e cobrar imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, podendo torná-lo progressivo com o escopo de assegurar o cumprimento da função social da propriedade (art. 156, § 1º)[24]. A utilização do instituto do IPTU progressivo definido no § 1º, do art. 156 da Constituição está apto para concretização no teor do que dispõe o art. 182, § 4º. Do mesmo diploma legal, e que estabelece a política de desenvolvimento urbano[25].  O preceito normativo albergado no art. 30, item III, da Constituição[26] comenta as competências constitucionalmente estabelecidas, principalmente àquelas pretendidas aos municípios no que tange instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei. Assim, os municípios em relação a competência, esta é expressamente atribuída pela Constituição Federal, portanto, exclusiva competência para instituir e arrecadar os tributos a ele adstritos e, especificamente em razão do teor do art. 156, que menciona e determina que o ente federado está apto para instituir e cobrar imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana, podendo torná-lo progressivo com o escopo de assegurar o cumprimento da função social da propriedade[27]. Assim a progressividade do IPTU prevista no § 4º. do art. 182, como veremos na secção seguinte, é a progressividade específica para ordenamento das funções sociais da cidade, só podendo ser exercitada através da modalidade ali prevista: a progressividade no tempo. Já aquela referida no § 1º do art. 156 é a progressividade genérica, podendo ser exercitada através de qualquer das modalidades retro-analisadas para assegurar o cumprimento da função social da propriedade, bem como para regular qualquer matéria que se insira no âmbito das atribuições do Município, como já era pacífico na doutrina e jurisprudência.  Positivamente, não há como condicionar o exercício da extrafiscalidade genérica (§ 1º. do art. 156) ao exercício da extrafiscalidade específica (§ 4º. do art. 182)[28]. Já José Souto Maior Borges complementa com a posição de sua obra: “Condicionar o exercício da lei municipal à preexistência de lei federal, sobre implicar a invalidação do princípio da autonomia municipal, inviabilizará, pondo-a em suspenso, a vinculação do IPTU à sua característica mais eminente, porque desvinculada da mera percepção de recursos financeiros, a de assegurar a função social da propriedade (art. 156, § 1º).”[29] Dessa forma a função do IPTU pode ser observada e compreendida como, indiscutivelmente uma função fiscal, porém com a entrada em vigor do Estatuto da Cidade e a possibilidade da alíquota progressiva no tempo para os imóveis urbanos que não estão cumprindo sua função social, passou a ter por exceção função extrafiscal. No caso prático para saber a função do IPTU em cada caso é necessário perquirir se o imóvel tributado está cumprindo ou não sua função social, uma vez que se estiver segue-se a regra- função fiscal, se não a exceção – função  extrafiscal[30]. Desta forma o IPTU, com o advento do Estatuto da Cidade sofreu uma ampliação de sua função, visto a possibilidade de ser utilizado com finalidade extrafiscal, para através de sua alíquota progressiva, para assim compelir ao proprietário de imóvel urbano compreendido dentro dos limites do plano diretor da cidade a exercer a função social da propriedade, sob pena até de desapropriação[31]. 5. Conclusão O tema proposto teve como objetivo analisar a questão do IPTU na forma progressiva e a busca pela função social na propriedade urbana, sendo que foi trabalhada a questão inicialmente da propriedade e do IPTU, com o fim de garantir o entendimento didático do trabalho. Observou-se também que a propriedade na atualidade e evolução social deve cumprir com a sua função social, exercendo na prática com o cuidado aprimorado do bem de sua titularidade. A função social da propriedade urbana tem como intenção e objetivo harmonizar os interesses sociais e privados de seu titular, tal direito individual, no entanto fica subordinado ao interesse da coletividade no que tange uma boa urbanização, sendo que o direito do proprietário está submetido à apreciação da Administração Pública. O IPTU como determina a Constituição atual, possui um papel de destaque como instrumento de concretização de política urbana nacional, tendo em vista que pode ser utilizado para estimular os proprietários, e demais possuidores de imóveis urbanos, a cumprir o estabelecido no plano diretor do Município e, fazer com que se atenda o princípio da função social da propriedade. Importante ainda mencionar que a progressividade advém da Emenda Constitucional 29/2000, progressividade, tendo em vista o valor do imóvel. Sendo que a Emenda citada observa também a capacidade de contribuição pela capacidade econômica do contribuinte, mas no entendimento particular deste estudo a função social da propriedade também deveria absorver grande parte do fato gerador do IPTU. No que tange o IPTU progressivo existe uma diferenciação, sendo que os efeitos buscados consistem na concreção do que preceitua a Constituição, isto é, que a propriedade cumpra sua função social. O Estado exerce um papel decisivo e insubstituível na aplicação normativa.
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A incidência de imposto de renda nas horas extras e o Enunciado nº 463 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça
As parcelas de caráter indenizatório escapam à incidência do imposto de renda, uma vez que não se caracterizam como acréscimo patrimonial. O presente trabalho procura examinar essa questão com relação ao enunciado nº 463 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, recentemente editada, considerando-se a disposição constitucional que determina a incidência de um acréscimo percentual mínimo de cinquenta por cento sobre a parcela remuneratória. A legislação atualmente aplicável à matéria não contribui para a solução do problema, diante da inexatidão dos termos utilizados. Desse modo, procurou-se decompor as parcelas que integram o pagamento das horas extras para identificar sua natureza jurídica, sugerindo-se, ao final, alteração legislativa objetivando a superação definitiva do problema.
Direito Tributário
1.  INTRODUÇÃO O ideal de justiça previsto no art. 3º, inciso I, da Constituição da República de 1988 aplica-se também no campo tributário, motivo pelo qual situações fáticas que não possam ser alvo de incidência tributária não devem interpretadas de modo a ensejar indevida burla ao texto constitucional. Nesse sentido, procura-se examinar o recente enunciado nº 463 da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em relação à incidência do IR (Imposto de Renda), previsto nos artigos 153, inciso III, da Constituição e 43 do Código Tributário Nacional. Ao final, de acordo com a ótica defendida, sugere-se alteração legislativa, objetivando melhor compatibilizar a legislação de regência e o texto constitucional, à luz do entendimento jurisprudencial atualmente em vigor. 2. O ENUNCIADO Nº 463 DA SÚMULA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A Constituição da República de 1988 fixou, por meio do seu artigo 7º, inciso XVI, que a remuneração do trabalho extraordinário deverá ser paga com acréscimo de, no mínimo, cinquenta por cento. Confira-se, por pertinente, a sua correspondente redação: “XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;” Da simples leitura do texto constitucional, percebe-se que, diante da utilização do vocábulo “superior”, as horas extras são formadas pela conjugação de duas parcelas distintas: a) a primeira, formada pela equilavência remuneratória do serviço realizado; e b) uma segunda porção acrescida, correspondente a, no mínimo, cinquenta por cento do valor correspondente à primeira parcela. Superada a composição das horas extras, percebe-se que os tribunais pátrios, por sua vez, tem entendimento majoritário no sentido de que as horas extras agregam-se ao patrimônio do trabalhador (e também do servidor, por força do §3º do artigo 39 da Constituição), configurando, por isso mesmo, fato gerador do imposto de renda, nos termos do art. 43, incisos I e II, do Código Tributário Nacional: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.” O entendimento restou recentemente alvo do enunciado nº 463, da súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, redigido nos seguintes termos: “Incide imposto de renda sobre os valores percebidos a título de indenização por horas extraordinárias trabalhadas, ainda que decorrentes de acordo coletivo.” O enunciado, contudo, não deve ser interpretado literalmente, comportando algum exame adicional. Ao comentar o referido enunciado, HARADA (2010) assim concluiu: “Por isso, a súmula deve ser interpretada no sentido de que os valores pagos a título de remuneração por horas extraordinárias trabalhadas, ainda que decorrentes de acordo coletivo, sujeita-se à incidência do imposto de renda. Se lhe conferir natureza indenizatória afastada ficaria a incidência do imposto de renda.” Com efeito, como visto acima, o pagamento das horas extraordinárias compõem-se de duas parcelas, sendo a primeira decorrente do próprio trabalho e outra, proporcional à primeira, em percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento). Em relação à primeira parcela não se identifica problema em relação à incidência de imposto de renda, uma vez que diz respeito à correlação entre trabalho e remuneração, sendo plenamente devida a exação conforme artigo 43, inciso I, acima transcrito. No que toca à segunda parcela, todavia, a incidência do imposto de renda não parece tão simples. Realmente, não se justifica a incidência do IR em relação a esse acréscimo pecuniário. É que essa segunda parcela possui natureza de indenização, já que se constitui compensação pela perda de lazer, descanso e sacrifício do convívio familiar. Essa natureza indenizatória encontra-se implícita na Constituição, senão vejamos. Suponha-se que um trabalhador exerça durante a semana uma determinada atividade X numa indústria. Percebe ele, por isso, um valor Y. Imagine-se, então que, devido a necessidades de mercado, a empresa para a qual labore necessite realizar aumento da sua produção industrial e convoque o trabalhador para exercer esse mesmo serviço num domingo, ou fora do horário habitual de serviço. Nessa segunda hipótese, perceberá o trabalhador a quantia Y + Z, sendo Y a parcela correspondente à remuneração habitual da atividade exercida e Z a porção correspondente ao acréscimo de que cogita o inciso XVI do art. 7º da Constituição. Resta evidente que não há correlação direta entre o valor Z e o serviço realizado, já que a correspondência entre a remuneração e o serviço diz respeito a X e Y. A parcela Z, portanto, foi agregada como forma de compensar a privação do lazer, descanso e contato familiar, diante daqueles momentos em que deveria estar em casa. Diante da impossibilidade de se calcular individualmente a forma de cálculo dessa perda, decidiu-se fixar um percentual que se entendesse razoável a essa compensação, tendo-se como parâmetro a primeira parcela devida. Observe-se que a parcela Z não diz respeito à atividade exercida X, pois em condições normais a remuneração pelo serviço corresponde à prestação denominada Y. Extrai-se daí a natureza eminentemente indenizatória da parcela Z, razão pela qual, em relação a essa parcela, não há acréscimo patrimonial algum, mas simplesmente a compensação pela privação pessoal, não devendo ser, portanto, alvo da incidência do imposto de renda. Observa-se, assim, que a base de cálculo do imposto de renda no exemplo acima corresponde somente à parcela Y, já que a parcela Z, possuindo natureza indenizatória, escapa à incidência do imposto de renda, já que não se correlaciona diretamente ao serviço executado. Registre-se que o entendimento acerca dessa natureza jurídica encontra-se implícito no texto constitucional, não podendo o legislador ordinário ampliar indevidamente seu alcance, de acordo com a proibição contida no art. 110 do Código Tributário Nacional: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” Evidentemente, a natureza jurídica independe do nomem júris atribuído à parcela, não se devendo incidir o imposto de renda toda vez que se identificar a inclusão de parcela de caráter indenizatório. Ademais, o singelo fato de se somar as parcelas unindo-as sob a rubrica de “horas extras”, não conduz à conclusão de que se trata de parcelas de mesma natureza jurídica. O próprio Superior Tribunal de Justiça, em relação à incidência do IR sobre danos morais, assim entendeu: “TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL – ART. 43 DO CTN – VERBAS INDENIZATÓRIAS – DANOS MORAIS E MATERIAIS – AUSÊNCIA DE ACRÉSCIMO PATRIMONIAL – IMPOSTO DE RENDA – NÃO INCIDÊNCIA. 1. O fato gerador do imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica decorrente de acréscimo patrimonial (art. 43 do CTN). 2. Não incide imposto de renda sobre as verbas recebidas a título de indenização quando inexistente acréscimo patrimonial. 3. Recurso especial não provido.” (REsp 1150020/RS, Rel. MIN. ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 17/08/2010) A mesma lógica jurídica que presidiu o julgamento do precedente acima transcrito merece ser aplicado no caso ora tratado, uma vez que, em ambos os casos, trata-se de uma compensação decorrente de uma supressão: a) com relação aos danos morais, pela compensação à agressão a sua dignidade; b) no que toca às horas extras, diante da privação de uma situação de descanso e convívio familiar. O enunciado da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nº 463, portanto, deve ser interpretada no sentido de que é devido o imposto de renda sobre horas extraordinárias, somente no que se refere à parcela correspondente à remuneração pelo serviço executado. O espectro de incidência do citado imposto de renda é delimitado pelo art. 7º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988. O seu inciso I, que trata da incidência em relação ao rendimento do trabalho assalariado, encontra-se assim redigido: “Art. 7º Ficam sujeito à incidência do imposto de renda na fonte, calculado de acordo com o disposto no art. 25 desta Lei:   I – os rendimentos do trabalho assalariado, pagos ou creditados por pessoas físicas ou jurídicas;” Nesse passo, de acordo com a perspectiva jurídica aqui defendida, sugere-se a alteração da redação conferida ao art. 7º, inciso I, da Lei nº 7.713, de 1988, objetivando o correto atendimento à Constituição e ao Código Tributário Nacional, pela aposição de ressalva à incidência da parcela correspondente ao acréscimo determinado pelo inciso XVI do art. 7º do texto constitucional. 3. CONCLUSÕES O pagamento de horas extraordinariamente trabalhadas compõe-se de duas parcelas com naturezas jurídicas distintas: uma correspondente à remuneração do serviço executado e outra de natureza indenizatória. Com relação à segunda parcela, verifica-se que não incide o imposto de renda, uma vez que se traduz em compensação pelo sacrifício pessoal prestado em virtude da privação do lazer, descanso e contato familiar, inerentes a uma qualidade de vida digna. Desse modo, o imposto de renda somente deve incidir sobre a primeira parcela, não devendo o enunciado nº 463 do Superior Tribunal de Justiça ser interpretado de modo a albergar também a segunda parcela do pagamento. Sugere-se, então, uma alteração da redação conferida ao art. 7º, inciso I, da Lei nº 7.713/66, para que se ressalve a parcela referente ao acréscimo de que trata o inciso XVI do art. 7º da Constituição da República de 1988, devido a sua natureza indenizatória.
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As Súmulas 237 e 350, do STJ: As vendas a prazo, as vendas financiadas e o ICMS
O principal objetivo deste trabalho é explicitar as diferenças entre vendas a prazo e vendas financiadas para fins de incidência ou não do ICMS. Tomando como ponto de partida artigo clássico da lavra de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino e a conceituação de contrato bancário, mais especificamente de contrato de financiamento, de Fábio Ulhoa Coelho, chega-se às Súmulas 237 e 350 do Superior Tribunal de Justiça que pacificaram o tema.
Direito Tributário
1 – Introdução Entre os impostos de competência dos Estados e do Distrito Federal, insere-se o imposto sobre circulação de mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), nos termos do art. 155, II, da Carta Magna, cujos balizamentos encontram-se previstos, sobretudo no seu § 2º, destacando-se, para o tema abordado, o fato de  que certas matérias sejam disciplinadas por lei complementar, entre elas a base de cálculo (XII, alínea i). Tal diploma é a Lei Complementar n. 87/96, que trata, em seu art. 13, da base de cálculo do ICMS nas operações normais, o qual prescreve que devem integrá-la “todas as importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como os descontos concedidos sob condição”, sendo citado, a título meramente exemplificativo, as verbas a título de seguros e juros. Cada unidade da Federação, ao exercer a parcela do seu poder de tributar, institui o ICMS através de lei ordinária, a qual, em razão do princípio da supremacia da Constituição, deve necessariamente respeitar as diretrizes emanadas desta e da Lei Complementar n. 87/96. Assim, embora já existisse desde 2000 enunciado de súmula do C. Superior Tribunal de Justiça a respeito da não-inclusão dos encargos financeiros em venda parcelada mediante cartão de crédito, o fato é que, em razão de julgamento de recurso especial, sob a sistemática do art. 543-C, do Código de Processo Civil, em 2009, nova súmula foi editada, desta vez  especificamente sobre a inclusão de encargos financeiros na base de cálculo do ICMS nas vendas a prazo. Interessante assim, explicitar a diferenciação entre vendas a prazo e vendas financiadas, à luz das Súmulas 237 e 350, do C. Superior Tribunal de Justiça, sob o enfoque da doutrina de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino e de alguns dos precedentes deste último verbete. 2 – Da Venda a Prazo ou a Crédito e da Venda Financiada Em clássico parecer, exarado em 1981, mas ainda atual e sempre citado pelos Tribunais e pela doutrina, Ataliba e Giardino enfrentam o tema da compra e venda a prazo e da financiada, para fins de incidência do ICM (naquela época, a EC-1/69 só outorgava competência aos Estados para instituir imposto sobre circulação de mercadorias).[1] Trata-se de consulta solicitada pela empresa Mesbla SA que então fornecia a clientes previamente selecionados, de acordo com sua idoneidade financeira, um cartão de credenciamento, denominado “cartão de crédito especial Mesbla”, mediante um contrato-padrão, chamado de “contrato cartão de crédito especial”.[2] Ocorre que o fisco do Estado do Rio Grande do Sul entendeu que os encargos financeiros decorrentes de operações com tal cartão deviam compor a base de cálculo do ICM e passou a autuar a consulente.[3] Em certo ponto de sua explanação, Ataliba e Giardino explicitam as cinco modalidades de compra e venda utilizadas pela Mesbla SA, merecendo destaque suas considerações sobre a “venda a prestação” e a “venda com o cartão de crédito especial Mesbla”.[4] O procedimento da denominada “venda a prestação” é assim sintetizado:[5] “É pressuposto desse regime […] – a prévia oferta de venda, sua aceitação pelo consumidor e a concomitante entrega da mercadoria, pela consulente, à vista do compromisso do cliente em saldar o preço, no futuro, em prestações de valores certos e determinados, vencíveis em datas preestabelecidas.” (destaques nossos.) Acrescentam que o quê normalmente ocorre na prática dessa modalidade de venda é que o preço da mercadoria é normalmente acrescido em relação ao preço à vista, como contrapartida do favorecimento financeiro que o contrato oferece.[6] Infere-se, pois, que entre o vendedor e o consumidor não existem intermediários, sendo, portanto, o próprio alienante quem financia o preço final, incluídos os eventuais encargos financeiros da operação, razão pela qual, nesses casos, tais encargos integrarão a base de cálculo do ICMS. Com relação à “venda com cartão de crédito especial Mesbla SA”, o procedimento é assim descrito:[7] “a) a consulente oferece suas mercadorias e o cliente aceita a oferta, aperfeiçoando-se o contrato; b) a entrega dos bens ocorre nesse mesmo momento; c) o preço, por outro lado, e da perspectiva jurídica, é imediatamente liquidado pelo comprador, no próprio ato da venda. Isso se dá mediante a exibição e apresentação de um “cartão” que cumpre a função de atribuir à consulente o direito de haver o preço, diretamente da instituição financeira da qual o cliente, previamente à compra, já obteve promessa de financiamento.” Da exposição fica claro, em outro trecho, que tanto o credenciamento do cliente junto a uma instituição financeira, que lhe promete a outorga de crédito, como a entrega do cartão, são serviços gratuitos prestados pela consulente.[8] Os consultores afirmam, então, que “todavia, esse credenciamento e entrega [do cartão] nada têm a ver com a operação mercantil de compra e venda. Diz com outra relação – o negócio de financiamento – do qual a consulente é mera intermediária (e não parte interveniente)”.[9] (destaques nossos.) Mais à frente, explicitam que, para fazer jus ao cartão, o cliente adere a um instrumento contratual, celebrado com a consulente, cujas cláusulas facultam-lhe o financiamento automático da compra, bastando para isso a exibição daquele. Por obra desse contrato de adesão, a consulente, na qualidade de procuradora do cliente, em razão de cláusula de mandato nele inserta, já obteve, até previamente à compra, o financiamento em nome do consumidor com uma instituição financeira. Apenas se por algum motivo tal promessa de financiamento se frustrar, a consulente financiará a venda com recursos próprios.[10] Afimam que nesta modalidade existem dois negócios jurídicos distintos: a compra e venda e o financiamento. Dessa forma, o preço, na operação de compra e venda, é da venda à vista; os acréscimos que onerarão o cliente são custos financeiros, já que correspondem ao preço do dinheiro mutuado, decorrentes do contrato de financiamento.[11] Ressaltam ainda que, dada a repartição constitucional de competência tributária, sobre a operação de compra e venda mercantil incide o ICM, destinado ao Estado; ao passo que sobre a operação de financiamento incide o IOF, de competência da União.[12] Conclui-se, assim, que, quando entre o alienante e o consumidor houver a intermediação de uma instituição financeira, a qual, por força de contrato previamente firmado, empreste numerário suficiente para que o adquirente quite o preço como se à vista fosse junto ao vendedor, os encargos financeiros decorrentes desse financiamento não comporão a base de cálculo do ICMS, mas remunerarão o capital mutuado, podendo sobre eles incidir o IOF, de competência da União. A diferença entre venda a crédito e venda financiada é posta nos mesmos termos pelo Ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça Ruy Rosado Aguiar Júnior:[13] “a venda a crédito é o negócio de compra e venda em que o comerciante, entregando o bem, oferece diretamente ao seu cliente certo prazo para o pagamento. Se houver financiamento por financeira dedicada ao atendimento do consumidor, muitas vezes com posto de atendimento na própria loja, então o contrato será bancário. Se a relação é apenas entre fornecedor e comprador, não há mútuo, mas simples crédito concedido pelo comerciante. Nesse caso, o comerciante, que não realiza financiamento, nem é uma instituição financeira, pode cobrar juro.” (destaques nossos.) 3 – Dos Contratos Bancários: do Financiamento Neste ponto, e a fim de que fique bem demarcada a questão da venda financiada, são importantes algumas considerações sobre os contratos bancários e, mais especificamente, sobre o de financiamento. A atividade típica bancária é a intermediação de recursos monetários, ou seja, dinheiro. Em outros termos, a função dos bancos é captar, no mercado, o excedente das unidades superavitárias e disponibilizá-lo às unidades deficitárias. A Lei n. 4.595/64, que dispõe sobre o sistema financeiro nacional, prescreve que este é constituído pelas seguintes instituições: Conselho Monetário Nacional, Banco Central do Brasil, Banco do Brasil SA, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e demais instituições financeiras públicas e privadas (art. 1º). Referida lei define instituições financeiras e estabelece normas para seu funcionamento, especialmente em seus arts. 17 e 18: “Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual. Art. 18. As instituições  financeiras  somente poderão  funcionar  no País  mediante  prévia autorização do Banco Central  da República do Brasil ou decreto do  Poder  Executivo, quando forem estrangeiras. § 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras. […]” (Destaques nossos.) Segundo Fábio Ulhoa Coelho, decorre da lei que “a atividade de intermediação de moeda é exclusiva de sociedades empresárias revestidas da forma de companhias e especificamente autorizadas a operar pelo Banco Central, se nacionais, ou pelo Presidente da República, quando estrangeiras”.[14] Do exposto, pode-se definir contratos bancários como sendo:[15] “os veículos jurídicos da atividade econômica de intermediação monetária, encontrados tanto no pólo de captação (recolhimento de superávits) como no de fornecimento (cobertura de déficits). Em outros termos, são os contratos que só podem ser celebrados por um banco. Qualquer pessoa física ou jurídica, que, não estando autorizada a operar na atividade bancária, realiza contratos de intermediação de dinheiro incorre em conduta ilícita. A participação necessária de um banco em pelo menos um dos pólos da relação contratual é, assim, da essência do contrato bancário.” Dentre os contratos bancários, o mais usual é o de mútuo, que pode ser compreendido como “o contrato pelo qual o banco empresta certa quantia de dinheiro ao cliente, que se obriga a pagá-la, com os acréscimos remuneratórios, no prazo contratado”.[16] Diga-se, também, que uma das várias espécies de contrato de mútuo bancário é o de financiamento, que pode ser definido como “o mútuo bancário em que o mutuário tem a obrigação de conferir ao dinheiro emprestado determinada finalidade.” Assim, o mutuário não é inteiramente livre para dar o destino que entender aos recursos, devendo sujeitar-se aos balizamentos da operação, podendo o banco, inclusive, em razão de cláusula contratual proceder a vistorias ou entregar o valor emprestado diretamente a terceiro.[17] 4 – Do Julgamento do Recurso Especial 1.106.462/SP, Representativo de Controvérsia A propósito das diferenciações acima expostas entre venda a prazo e venda financiada, cumpre destacar que, em setembro de 2009, a 1ª Seção do C. Superior Tribunal de Justiça julgou recurso especial representativo de controvérsia, nos termos do art. 543-C, do Código de Processo Civil, o qual restou assim ementado: “TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ICMS. ENCARGOS DECORRENTES DE FINANCIAMENTO. SÚMULA 237 DO STJ. ENCARGOS DECORRENTES DE “VENDA A PRAZO” PROPRIAMENTE DITA. INCIDÊNCIA. BASE DE CÁLCULO. VALOR TOTAL DA VENDA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO C. STF. 1.  A “venda financiada” e a “venda a prazo” são figuras distintas para o fim de encerrar a base de cálculo de incidência do ICMS, sendo certo que, sobre a venda a prazo, que ocorre sem a intermediação de instituição financeira, incide ICMS. 2.  A “venda a prazo” revela modalidade de negócio jurídico único, cognominado compra e venda, no qual o vendedor oferece ao comprador o pagamento parcelado do produto, acrescendo-lhe um plus ao preço final, razão pela qual o valor desta operação integra a base de cálculo do ICMS, na qual se incorpora, assim, o preço “normal” da mercadoria (preço de venda à vista) e o acréscimo decorrente do parcelamento. (Precedentes desta Corte e do Eg. STF: AgR no RE n.º 228.242/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 22/10/2004; REsp 1087230/RS, Rel. Ministro  HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 20/08/2009; AgRg no REsp 480.275/SP, Rel. Ministro  Herman Benjamin, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/04/2008, DJe 04/03/2009; AgRg no REsp 743.717/SP, Rel. Ministro  HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/03/2008, DJe 18/03/2008; EREsp 215.849/SP, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/06/2008, DJe 12/08/2008;  AgRg no REsp 848.723/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/10/2008, DJe 10/11/2008; REsp n.º 677.870/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 28/02/05). 3. A venda financiada, ao revés, depende de duas operações distintas para a efetiva “saída da mercadoria” do estabelecimento (art. 2º do DL 406/68), quais sejam, uma compra e venda e outra de financiamento, em que há a intermediação de instituição financeira, aplicando-se-lhe o enunciado da Súmula 237 do STJ: “Nas operações com cartão de crédito, os encargos relativos ao financiamento não são considerados no cálculo do ICMS.” 4. In casu, dessume-se do voto condutor do aresto recorrido hipótese de venda a prazo, em que o financiamento foi feito pelo próprio vendedor, razão pela qual a base de cálculo do ICMS é o valor total da venda. 5. A questão relativa à inaplicabilidade do art. 166 do CTN ao caso sub judice resta prejudicada, em face da incidência do ICMS sobre as vendas a prazo. […] 8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008. Proposição de verbete sumular. (REsp 1106462/SP, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2009, DJe 13/10/2009. Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=1106462&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=7#. Acesso em 01/07/10)”. (Destaques nossos.) O ponto que torna o caso singular, conforme se verifica do voto condutor do julgamento, é o fato de que o consumidor efetuava o pagamento de suas compras com cartão de crédito emitido pelo próprio fornecedor, o qual contratara previamente uma linha de crédito com instituição financeira, de forma que aquele, isto é, o próprio alienante, lastreado nesses recursos, parcelava as vendas realizadas a seus clientes. Transcreve-se trecho do acórdão combatido, citado no referido voto, extremamente elucidativo da operação:[18] “Fica claro que nas vendas através do ‘Cartão ENY CDCI’ ocorre um único negócio jurídico, o de compra e venda entre o cliente e a Empresa. Posteriormente a empresa negocia, através de uma linha de crédito específica, com o sistema bancário, parte dos títulos originados por estas vendas.[…] O crédito, conforme cláusula primeira do contrato, é aberto pela financiadora à Empresa para que esta facilite a venda de mercadorias a seus clientes. Não se trata, portanto, de contrato de financiamento entre o consumidor e a financeira.” Esclareça-se que, embora aparentemente similar à venda com cartão de crédito especial Mesbla SA, nos termos do parecer apresentado por Ataliba e Giardino, são situações muito diversas, porque ali a Mesbla era simples intermediária, mediante serviço inteiramente gratuito, sendo que os recursos ofertados aos consumidores eram oriundos de instituição financeira, enquanto que aqui, o fornecedor vendia e parcelava o preço com seus próprios meios, buscando, depois, crédito para si (e não para o consumidor), junto à instituição financeira. 6 – CONCLUSÃO De tais breves considerações extraem-se as seguintes conclusões: a) de fato, não há que se confundir venda a prazo com venda financiada, residindo a principal diferença entre ambas na circunstância de haver envolvida nesta, efetivamente, a figura de um terceiro, no caso a instituição financeira, que disponibiliza recursos para que o consumidor pague o preço da mercadoria ou do serviço; b) bem por isso, não faz diferença se a compra é realizada com cartão de crédito ou mediante recursos captados através da instituição financeira por meio de linhas de créditos ofertadas ao público. Isso explica o fato de a Súmula n. 237/STJ ser aplicada às vendas financiadas por analogia; c) não obstante isso, não podem receber o tratamento de vendas financiadas, para fins de não-inclusão do ICMS na base de cálculo, operações apenas aparentemente feitas com cartão de crédito. É imprescindível que, ao fim e ao cabo, existam efetivamente duas operações distintas: a de compra e venda entre o fornecedor e o consumidor e a de financiamento entre a financeira e o consumidor; d) de forma que, em não havendo a efetiva intermediação da financeira, os encargos devidos, por força do arcabouço constitucional do ICMS, configurado também pela Lei Complementar n. 87/96, comporão a base de cálculo sobre a qual o imposto em questão incidirá, nos exatos termos da Súmula n. 350/STJ.
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Equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa humana
Trata-se de um estudo sobre o equilíbrio entre a instituição de tributos e a dignidade da pessoa humana. O Estado não suportaria os gastos que lhe foram impostos pela manifestação do Poder Constituinte de 1988 se não fosse a existência do tributo. Porém tal cobrança deve ser justa, taxativa e moderada, para que não fira a dignidade humana de ninguém. Procurou-se demonstrar que o tributo é completamente essencial para nosso país, mas, claro, devendo ser cobrado de acordo com os dispositivos da Constituição Federal de 1988 para que possibilite a existência digna do cidadão.
Direito Tributário
1. Considerações Iniciais O presente artigo traz breves considerações sobre o equilíbrio entre a instituição de tributos e a dignidade da pessoa humana, com uma sucinta abordagem histórica sobre o tema, confrontando-o com alguns aspectos do Sistema Tributário Nacional. Busca-se a defesa da tributação razoável, demonstrando-se que se houver equilíbrio, responsabilidade fiscal e legalidade, o tributo não será abusivo, mas sim essencial para a sociedade como um todo pois, como se sabe, o Estado não suportaria os gastos que lhe foram impostos pela manifestação do Poder Constituinte de 1988 se não fosse a existência do tributo. Porém, a sua instituição deve ser justa e moderada, para que não fira a dignidade humana dos cidadãos. Faz-se, portanto, a defesa de que o tributo é completamente essencial para todo e qualquer Estado, notadamente a República Federativa do Brasil, balizado pela Constituição Federal de 1988.   A Constituição Federal de 1988 constitui um marco na história tributária do Brasil, uma vez que foi a primeira a consagrar logo em seu primeiro artigo os fundamentos da República Federativa do Brasil – a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Todo o texto político, portanto, busca orientação nesses fundamentos, inclusive o capítulo que trata do Sistema Tributário Nacional. Desde que a instituição de um tributo respeite a Constituição Federal e, consequentemente, a dignidade da pessoa humana, ele não será abusivo, tampouco inconstitucional, mas sim essencial à coletividade. É de grande valia mencionar que o tributo existe para que se atinja o bem comum, mostrando-se extremamente necessário ao país, na medida em que possibilita que as condições para satisfação dos interesses de toda a comunidade; por tal motivo o tributo, necessário como tal, tem que ser proporcional, não podendo de forma alguma ferir o mínimo existencial do ser humano. Todo ser humano é dotado de dignidade e respeito. O Estado existe em razão do ser humano, devendo atender as necessidades da população, de modo que o recolhimento tributário não pode de forma alguma afetar o mínimo existencial do contribuinte, quiçá lhe ferir a dignidade. Se houver equilíbrio entre a dignidade humana e o tributo, este terá por finalidade e objetivo primordial o bem comum. 2. O Sistema Tributário Nacional A Carta Política de 1988 traz, a partir do seu artigo 145, um capítulo específico sobre o Sistema Tributário Nacional, apresentado como um sistema quadripartite, versando sobre (i) o poder de tributar, (ii) a competência tributária, (iii) as limitações ao poder de tributar (princípios + imunidades) e (iv) a repartição das receitas tributárias. Essa estrutura existe para viabilizar o arcabouço do Estado Administrador. Ora, para que o Estado “funcione” é preciso que alguém o “financie”. Se os cidadãos fossem consultados sobre a possibilidade de financiamento do Estado, provavelmente os recursos seriam escassos, daí a necessidade de imposição legal. Por isso mostra-se necessário dotar o Estado do poder de tributar para que possa exercer sua atividade fim. O Estado, na acepção de gestor dos recursos públicos, representa sua atividade-fim enquanto o Estado-fiscal representa uma de suas atividades-meio. O Estado-fiscal, portanto, capta recursos para que seja possível administrar e prestar serviços públicos essenciais que garantam a concretude dos direitos fundamentais, dentre eles a existência com uma vida digna. Da divisão do poder de tributar, que é do Estado como um todo, surge a competência tributária. Ter competência tributária significa, portanto, ter parcela do poder de tributar. Quanto às limitações ao poder de tributar, este visa proteger dois institutos, por meio de dois instrumentos, quais sejam: proteção do federalismo e proteção dos direitos fundamentais. O pacto federativo constitui uma das cláusulas pétreas da vigente Constituição brasileira. Isso equivale dizer que a Federação não pode ser abolida, nem mesmo por meio de Emenda Constitucional, uma vez que o legislador constituinte elevou a forma federativa de Estado à condição de elemento indispensável para a estabilidade da nação. Dentro da proteção ao federalismo está incluída ainda a repartição das receitas tributárias, na medida em que, estabelecidas as autonomias política, administrativa e financeira dos entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), devem a eles ser concedidas também fontes para custeio de suas próprias atividades, o que significa ter competência para instituir alguns tributos e atribuição para receber parcelas decorrentes de tributos arrecadados por outros. Mais interessante, porém, são as limitações ao poder de tributar que visam à proteção dos direitos fundamentais, notadamente da dignidade da pessoa humana, o cerne deste trabalho. 3. O equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa humana O “tributo”, em sentido amplo, existe há muitos e muitos anos. Não se pode negar que ele é extremamente necessário em nosso ordenamento constitucional. Seria ingenuidade esperar que o cidadão comum simplesmente optasse em recolher uma carga tributária se esta fosse meramente facultativa. Entretanto, a instituição do tributo deve seguir normas expressas em nossa atual Constituição Federal, de sorte que havendo equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa humana, esta tributação será eminentemente eficaz e necessária em nossa sociedade. 3.1 Tributo X bem comum O Brasil é uma República, definido como Estado amplo, onde o poder constituído é exercido pelo através de seus governantes e representantes eleitos. Possui caráter federativo, uma vez que o poder é distribuído entre os entes autônomos que compõem a República, de sorte a existirem diferentes centros emanadores do poder político (Poderes Legislativos próprios de cada ente federado), nos termos da Constituição Federal de 1988. A República Federativa do Brasil é Estado de Direito (obediência à lei) e democrático (poder exercido pelo povo, considerada a vontade de sua maioria) na medida em que deve preservar e respeitar direitos fundamentais e garantir a participação na ordem jurídica-política-financeira e social dos cidadãos, com implantação dos seus objetivos republicanos descritos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988. No caso do tributo, o Estado Democrático de Direito depende da justiça e da eficiência da carga fiscal, que por sua vez é implementada pelo princípio da capacidade contributiva. O tributo não deve sacrificar o mínimo essencial para uma existência digna da pessoa humana. É de grande valia repetir que o tributo existe para que se atinja o bem comum, de forma a possibilitar que o Estado se desincumba dos objetivos fundamentais pré-determinados pelo artigo 3º da Constituição de 1988; dessa forma, a tributação é imprescindível, pois sem ela o Estado não suportaria os gastos advindos do cumprimento daqueles objetivos que lhe impôs o Poder Constituinte. Se o tributo existe para satisfazer o bem comum, ele tem que atender a proporcionalidade e o mínimo existencial de cada ser humano. Se o tributo se torna abusivo e desproporcional, obviamente que ele se torna também inconstitucional. 3.2 O contribuinte e a capacidade contributiva Definir claramente a figura do contribuinte é uma tarefa complexa, vez que é necessário se atentar para vários requisitos. O contribuinte pode ser identificado como a pessoa que realiza o fato gerador da obrigação tributária. Essa noção não é precisa, porquanto o fato gerador muitas vezes não corresponde a um ato do contribuinte, mas sim a uma situação na qual se encontra ou com a qual se relaciona o contribuinte – caso do responsável tributário previsto no inciso II do parágrafo único do art. 121 do CTN (AMARO, 2001, p. 289). Posto isto, pode-se dizer que a figura do contribuinte é geralmente identificável à vista da simples descrição da materialidade do fato gerador. Sendo assim, é contribuinte quem a lei identificar como tal, observados os parâmetros que decorrem da Constituição Federal e do próprio Código Tributário Nacional. Em regra, o contribuinte é, na situação material descrita como fato gerador, a pessoa que manifesta a capacidade contributiva, como por exemplo a obtenção de renda, a titularidade de patrimônio etc. Assim, quem aufere renda é o contribuinte do imposto respectivo; o titular do imóvel é contribuinte do imposto territorial (AMARO, 2001, p. 290). Porém isso nem sempre ocorre. Mesmo que os juristas repugnem a noção de impostos indiretos, não se tem como evitá-los, vez que eles estão expressamente previstos em nossa legislação. No caso destes tributos, quem demonstra a capacidade contributiva não é necessariamente a pessoa que a lei escolhe para figurar como contribuinte. Se alguém adquire um bem de consumo, e a lei define essa operação como fato gerador de tributo, elegendo o comerciante como contribuinte, a lei não pode deixar de considerar, por expresso mandamento constitucional, a capacidade econômica do comprador. Dessa forma, no exemplo de uma sociedade empresária que vende produtos de primeira necessidade, a tributação não deve levar em conta a capacidade econômica da sociedade, mas sim a do consumidor, ao definir a eventual tributação desses bens. Com isso, embora legalmente o vendedor possa ser definido como contribuinte (de direito), a capacidade econômica do consumidor (contribuinte de fato) é que precisa ser ponderada para efeito da definição do eventual ônus fiscal. Segundo o mandamento constitucional previsto no art. 145, parágrafo único, a capacidade contributiva se manifesta a partir da maior exigência fiscal daqueles contribuintes identificados como mais capazes de contribuir. Entretanto, sabe-se do grande desafio que é a correta identificação desses cidadãos. 3.3 Conflito entre a regra da tipicidade e o princípio da capacidade contributiva Primeiramente, é de grande valia mencionar que a pretensa qualidade ou eficácia positiva do princípio da capacidade contributiva, limitativo permanente do direito de auto-organização dos cidadãos, não pode servir de justificativa para a atuação desmesurada do poder tributante, pois inexiste respaldo constitucional para essa conduta, já que os direitos e garantias fundamentais – e o princípio da capacidade contributiva insere-se neste contexto – não podem de forma alguma sofrer quaisquer limitações. Ou seja, eles são soberanos e não podem ser prejudicados ou diminuídos. Entretanto, tem-se de forma clara a divergência de funções entre o conhecido princípio da tipicidade ou da estrita legalidade (tido como regra) e o princípio da capacidade contributiva (acolhido como princípio, somente), tornando impossível a prevalência da teoria da eficácia positiva do princípio da capacidade contributiva como limitadora dos efeitos da tipicidade cerrada (XAVIER, 2002, p. 104). Esclarece-se: os chamados “princípios”, quando insertos no sistema jurídico, podem apresentar-se na forma de princípios propriamente ditos ou constituírem-se em regras – o que não significa dizer que o princípio se transformou em regra, mas apenas que coexistem o princípio e a regra que dele se originou. Princípios e regras são espécies do gênero norma, como afirma José Joaquim Gomes Canotilho, ao sugerir o abandono da já ultrapassada distinção entre normas e princípios, substituindo pelas premissas: “as regras e princípios são duas espécies de normas; a distinção entre regras e princípios é uma distinção entre duas espécies de normas” (CANOTILHO, 1999, p. 1144). A distinção entre o princípio e a regra é tarefa particularmente complexa, pelo grande número de critérios e diversos pontos de referência sugeridos pela doutrina. Ao se buscar a distinção entre princípio e regra, deve se esclarecer duas questões fundamentais: a) saber qual a função dos princípios, ou seja, se são apenas normas de conduta; b) saber se entre princípios e regras há apenas uma diferença de grau na abordagem dos temas, possuindo, o princípio um grau de abstração maior que a regra, ou c) se as diferenças são em função da qualidade, distinção essa somente qualitativa. No que tange ao primeiro problema, deve-se distinguir entre princípios hermenêuticos e princípios jurídicos. Os princípios hermenêuticos possuem uma função argumentativa, explicitam a ratio legis de uma disposição, que não está expressa por disposição alguma; contudo, essa mera afirmação não é o bastante para descortinar o problema (CANOTILHO, 1999, p. 1144). No geral, a principal distinção entre a regra e o princípio é de ordem qualitativa. Os princípios são normas de otimização do sistema, compatíveis com diferentes graus de aplicação, de concretização, conforme os casos se apresentem no mundo fenomênico, podendo-se aplicá-las em maior ou menor grau; as regras são normas cogentes, de forma que uma vez preenchidos seus pressupostos sua aplicação mostra-se como necessária, pois contém um imperativo que é cumprido ou não. A relação entre os princípios nunca é conflitante, pois permitem um balanceamento de valores e interesses, podendo ser aplicados em menor ou maior grau; já as regras são excludentes, de sorte que, se duas regras conflitam, uma deve ser expurgada do sistema, e a outra deve ser cumprida na exata medida de seu mandamento, nem mais nem menos. Como reforça José Joaquim Gomes Canotilho: “[…]os princípios coexistem, as regras antinômicas excluem-se. […]em caso de ‘conflito entre normas e princípios’, estes podem ser objecto de ponderação e de harmonização, pois eles contêm apenas ‘exigências’ ou ‘standards’ que, em ‘primeira linha’ (‘prima facie’), devem ser realizados; as regras contêm ‘fixações normativas’ definitivas, sendo insustentável a validade simultânea de regras contraditórias” (CANOTILHO, 1999, p. 1145). Quando em conflito, as regras suscitam problemas de validade, se são aplicáveis integralmente ou não, excluindo-se necessariamente uma delas; os princípios suscitam problemas de validade, como as regras, e, particularmente, de peso, onde se pondera um maior alcance ou importância de um princípio sobre outro, harmonizando-os sem a necessária exclusão de algum. Em diversas oportunidades o ordenamento pátrio apresenta esta dicotomia, sendo que em muitos casos falta sensibilidade à doutrina e à jurisprudência a qual categoria a norma interpretada pertence: se é norma-princípio ou norma-regra. Como exemplo, cite-se a prevalência (equivocada) do princípio da capacidade contributiva em detrimento do princípio da tipicidade fechada. Ora, o que se tem, na realidade, não é conflito entre princípios, mas sim entre um princípio (o primeiro) e uma regra (o segundo dito “princípio). O princípio da tipicidade fechada apresenta-se no ordenamento como regra, já que prescreve um imperativo, como expresso está no artigo 150, inciso I, da Constituição de 1988, “é vedado exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça”, ou no artigo 97 e incisos do Código Tributário Nacional, somente a lei pode estabelecer a definição de fato gerador da obrigação principal, a fixação de alíquota e a base de cálculo. As regras são cogentes, caso possuam validade devem ser aplicadas integralmente ou excluídas do sistema. O princípio da capacidade contributiva, ao revés, não se mostra como regra, já que, por força da própria natureza de princípio o ordenamento não lhe impôs um imperativo, mas sim uma “reserva do possível” (XAVIER, 2002, p. 126). Como está expresso no artigo 145 § 1º da Constituição Federal, sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Diante desta diferença de natureza e de exigibilidade, impossível é o sobrepujamento da regra da tipicidade fechada pelo princípio da capacidade contributiva. Para a regra é tudo ou nada, ou existe ou deve ser excluída, a tipicidade fechada é uma regra, denota um imperativo; os princípios são ajustáveis, inclui-se o fator peso para sua harmonização; o princípio da capacidade contributiva é propriamente um princípio, norteador de uma conduta, gravado pelo “sempre que possível”, ou “na medida do possível”, da Constituição Federal. Já a regra, categórica e definitiva, nunca pode ser excluída do sistema ao colidir com um princípio. Ambos devem coexistir harmonicamente: o princípio cedendo força para que a regra extravase e exija o cumprimento do seu operador deôntico, verdadeiro imperativo jurídico. 3.4 Princípio de vedação de tributos com efeitos confiscatórios Para Fábio Brun Goldschmidt, o conceito de confisco é “O ato de apreender a propriedade em prol do Fisco, sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer compensação em troca. Por isso, o confisco apresenta o caráter de penalização, resultante da prática de algum ato contrário à lei” (GOLDSCHMIDT, 2003, p. 46). O artigo 150, IV, da Constituição Federal de 1988 estabelece a vedação à utilização do tributo com efeito confiscatório. Sobre o dispositivo, o mestre José Afonso da Silva nos explica que há regra que veda utilizar tributo com efeitos de confisco. Isso, na verdade, significa que o tributo não deve subtrair mais do que uma parte razoável do patrimônio ou da renda do contribuinte (SILVA, 2000, p. 695). Indo um pouco mais além deste autor, e utilizando-se de interpretação em sentido contrário, o referido princípio visa a garantir que remanesça ao contribuinte/cidadão patrimônio ou renda suficiente para obtenção do mínimo essencial para uma vida digna. Luciano Amaro assinala, de modo importante, que: “É óbvio que os tributos (de modo mais ostensivo, os impostos) traduzem transferências compulsórias (não voluntárias) de recursos do indivíduo para o Estado. Desde que a tributação se faça nos limites autorizados pela Constituição, a transferência de riqueza do contribuinte para o Estado é legítima e não confiscatória. Portanto, não se quer, com a vedação do confisco, outorgar à propriedade uma proteção absoluta contra a incidência do tributo, o que anularia totalmente o poder de tributar. O que se objetiva é evitar que, por meio do tributo, o Estado anule a riqueza privada” (AMARO, 2001, p. 143). Dessa forma, pode-se inferir que o princípio da vedação ao confisco consiste em uma imunidade, na salvaguarda do mínimo vital necessário ao desenvolvimento da personalidade humana, bem como principalmente assegurar a sua dignidade. Importante ressaltar que o confisco, no direito brasileiro, é permitido apenas em uma hipótese, a saber: a do artigo 243 da Constituição Federal de 1988, que determina: “As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei. Parágrafo único – Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado e reverterá em benefício de instituições e pessoal especializados no tratamento e recuperação de viciados e no aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e repressão do crime de tráfico dessas substâncias.” Observe-se que essa forma confiscatória não se assemelha ao confisco tributário aqui tratado, onde este significa a instituição de imposição pecuniária irrazoável sobre a fonte tributável do contribuinte. Mas mesmo que por hipótese se considerem assemelhados, faz-se a ressalva de que o artigo 243 da Carta Política deve ser interpretado de modo restritivo, limitando-se o confisco à hipótese penalmente aventada, não cabendo aqui qualquer discussão acerca de eventual confisco amparado em normas de direito tributário. 3.5 Tributo e a Dignidade da Pessoa Humana Todo ser humano, pelo simples fato de existir, merece ser tratado dignamente. Disto se conclui que a dignidade é atributo de todo ser humano, e não mera característica dele. Como já visto, a dignidade da pessoa humana é verdadeiro fundamento da República Federativa do Brasil, conforme dispõe o primeiro artigo da Constituição de 1988, do que também se conclui que o Estado existe em razão do ser humano, e não o inverso. Por isso as ações governamentais devem ter a intenção precípua de preservar a sua dignidade. Apesar de constar no Texto, essa dignidade não é conferida por ele, mas sim a todo ser humano, pelo simples fato de existir, é reconhecido o direito de ter uma vida digna. Para Luís Roberto Barroso (2001) o núcleo material elementar do princípio da dignidade humana “é composto do mínimo existencial, que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade”. Na seara tributária, a mensuração do “mínimo existencial” depende da justiça da repartição da carga fiscal, que por sua vez é implementada pelo princípio da capacidade contributiva. Segundo Manoel Lourenço dos Santos (1970, p. 93) “o imposto não deve sacrificar o necessário físico ou mínimo de existência da pessoa, nem o seu nível de vida compatível com a dignidade humana”. Dessa forma, o princípio da capacidade contributiva deve servir como balizador da imposição fiscal, tendo como uma das finalidades a garantia do mínimo existencial, em prol da dignidade humana. Nesse sentido diz Guillermo Ahumada que: “el concepto de capacidad contributiva, que es un producto de elaboración jurídicopolítico- económica, admite y defiende la exención de las rentas inferiores indispensables para la vida”9 e complementa que “el mínimo varía de país a país, en función de índices económicos, valorados políticamente, que tienen por finalidade assegurar el bienestar y la dignidad de la vida humana” (AHUMADA, 1956 apud TAKOI, 2007) E mais: os cálculos utilitaristas dos custos econômicos de políticas sociais, que são geralmente levados em conta pelo legislador na aplicação de regimes tributários, não podem, em hipótese alguma, suplantar o mínimo existencial e vital, que é identificado como o cerne da dignidade humana. Sendo assim, como já foi dito, a tributação, mesmo sendo tão imprescindível como antes sustentado, não pode ferir de forma alguma as necessidades de cada ser humano, e muito menos ferir a dignidade da pessoa humana, jamais podendo retirar do contribuinte valores monetários tamanhos que impossibilite a manutenção de uma vida digna. CONCLUSÃO Diante de tudo que foi exposto, pode-se dizer que o poder de tributar, na Constituição Federal de 1988, é regulado segundo rígidos princípios que se baseiam nas próprias origens históricas e políticas do regime democrático por ela adotado. Embora a tributação seja obrigatória e vinculada pelos entes políticos através de leis, estas, como qualquer forma de manifestação de Poder do Estado, estão sujeitas à contestação quando em desacordo com a Constituição Federal de 1988 e seus fundamentos. O tributo também é contestado quando fere a dignidade humana e quando fere o mínimo existencial do cidadão, caracterizado contribuinte na seara fiscal. Pode ocorrer o caso em que embora a lei tributária seja formalmente constitucional, subsista uma inconstitucionalidade material decorrente do desrespeito à principiologia contida na Carta Magna. O dispositivo seco da lei comum pode estar em contradição com os resplandecentes e reluzentes fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito que protegem todas as pessoas, pessoas estas que possuem o atributo da dignidade pelo simples fato de existirem. O Poder Público, ao tributar, deve respeitar os princípios específicos contidos nos artigos 145 a 162 da Constituição Federal (que cuida do Sistema Tributário Nacional), e os fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, I, II, III e IV da Constituição Federal de 1988). Em havendo tal respeito, pode-se dizer que existe equilíbrio entre o tributo e a dignidade da pessoa humana, e da mesma forma pode-se dizer que a tributação existe e é imprescindível para dar ao Estado condições para o alcance do bem comum para toda a sociedade. Num cenário como este, pode-se acreditar que se estará caminhando ao encontro dos tão almejados objetivos de nosso Estado: ao respeito da dignidade humana, a construção de uma sociedade mais livre, mais justa e mais solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, erradicando a marginalização e as desigualdades sociais, promovendo o bem de todas os cidadãos (artigo 3º, I, II, III e IV da Constituição Federal de 1988) e claro, lutando contra a corrupção e o abuso de poder dos que o detêm.
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A inconstitucionalidade na fixação de alíquotas progressivas para o Imposto sobre transmissão causa mortis e doação
Atualmente muitos contribuintes realizam o pagamento dos tributos sem saber realmente o que estão pagando e a forma pela qual o tributo foi calculado. Nesse passo, inúmeros municípios aproveitam para instituir alíquotas progressivas para determinados impostos, inclusive aqueles de caráter real. Dessa forma o presente artigo tem por finalidade apresentar a inconstitucionalidade relativa a fixação de alíquotas progressivas para o ITCMD, um imposto de caráter real.
Direito Tributário
Resumo: Atualmente muitos contribuintes realizam o pagamento dos tributos sem saber realmente o que estão pagando e a forma pela qual o tributo foi calculado. Nesse passo, inúmeros municípios aproveitam para instituir alíquotas progressivas para determinados impostos, inclusive aqueles de caráter real. Dessa forma o presente artigo tem por finalidade apresentar a inconstitucionalidade relativa a fixação de alíquotas progressivas para o ITCMD, um imposto de caráter real. Palavras-chave: ITCMD, Alíquota progressiva, Inconstitucionalidade, Imposto de caráter real. Sumário: 1. Conceito e previsão legal do imposto sobre transmissão causa mortis e doação. 2. Base de cálculo e alíquota do ITCMD. 3. Progressividade nas alíquotas do Itcmd. 4. Conclusão. Referências bibliográficas. 1. CONCEITO E PREVISÃO LEGAL DO IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO. Ante o compulsar do texto da Constituição Federal de 1988, trata-se de fácil percepção que em seu Art. 155, I, restou consignado que é de competência dos Estados e do Distrito Federal instituir impostos sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos. Nesse passo nos deparamos do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD, onde é necessário asseverar que o seu fato gerador será determinado sempre em razão da transmissão da propriedade de qualquer bem ou direito em razão da morte de alguém ou em razão de doação, conforme muito bem aborda o Professor Eduardo Sabbag, vejamos: “A transmissão é a passagem jurídica da propriedade ou de bens e direitos de uma pessoa para outra. Ocorre em caráter não oneroso, seja pela ocorrência da morte (transmissão causa mortis), ainda ou doação (ato de liberalidade)”.[1] 2. BASE DE CÁLCULO E ALÍQUOTA DO ITCMD. Ato contínuo, apresenta-se como fato essencial a delineação da base de cálculo do imposto em comento. Nesse toque, o Art. 35 do Código Tributário Nacional veio a esclarecer tal ponto, fixando como base de cálculo o valor venal dos bens ou direitos transmitidos e da doação. Adiante, chega-se ao ponto mais importante, a alíquota atinente a esse imposto de competência dos Estados e Distrito Feral. Objetivando impor um limite para alíquotas máximas, a Constituição Federal em seu Art. 155, §1°, IV consignou que estas serão estabelecidas pelo Senado Federal, in verbis: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:  I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; § 1.º O imposto previsto no inciso I:  IV – terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal;” Buscando dar o fiel cumprimento do dispositivo constitucional citado acima, o Senado Federal editou a Resolução nº. 9/92, fixando como alíquota máxima o percentual de 8% (oito por cento). Nesse diapasão, Hugo de Brito Machado esclarece que “[…] salvo esta limitação, prevalece a liberdade dos Estados e do Distrito Federal para o estabelecimento de tais alíquotas”.[2] 3. PROGRESSIVIDADE NAS ALÍQUOTAS DO ITCMD. Ainda comentando a Resolução nº. 9/92 do Senado Federal, a mesma foi muito além daquilo que deveria disciplinar, a mesma disciplinou em seu Art. 2º que “as alíquotas dos impostos, fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal”. Diante do artigo apresentado, passa-se a tecer comentários importantes a respeito da possibilidade do ente tributante fixar alíquotas progressivas. Inicialmente, tem-se que a citada Resolução vai além da competência que lhe fora outorgada pela Constituição Federal, ou seja, disciplinar somente sobre alíquotas máximas, o que é amplamente defendido por TORRES (2002, p. 344), alegando ser inconstitucional tal imposição. Por conseguinte, é importante abordar que a Constituição Federal autoriza a progressividade somente nas alíquotas dos impostos de caráter pessoal, de acordo com o seu Art. 145, §1º. No entanto, há de ser ressaltado aqui que o ITCMD não se apresenta como um imposto de caráter pessoal, mas sim como um imposto de caráter real, na medida em que sua base de cálculo considera o valor venal do bem ou direito e não a capacidade econômica do contribuinte, conforme Art. 35, do Código Tributário Nacional. Diante da aplicação de alíquotas progressivas nos impostos de caráter real, o Supremo Tribunal Federal já assentou seu posicionamento afirmando ser inconstitucional tal prática, vejamos: “EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE IMÓVEIS, INTER VIVOS – ITBI. ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS. C.F., art. 156, II, § 2º. Lei nº 11.154, de 30.12.91, do Município de São Paulo, SP. I. – Imposto de transmissão de imóveis, inter vivos – ITBI: alíquotas progressivas: a Constituição Federal não autoriza a progressividade das alíquotas, realizando-se o princípio da capacidade contributiva proporcionalmente ao preço da venda. II. – R.E. conhecido e provido”.[3] “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPTU. ALÍQUOTA PROGRESSIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. IPTU. Não se admite a progressividade fiscal decorrente da capacidade econômica do contribuinte, dada a natureza real do imposto. 2. A progressividade da alíquota do IPTU, com base no valor venal do imóvel, só é admissível para o fim extrafiscal de assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana (art. 156, I, § 1º e art. 182, § 4º, II, CF). 3. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento”.[4] Adiante, destaca-se a Súmula nº. 656 do Supremo Tribunal Federal – STF, asseverando ser inconstitucional as alíquotas progressivas para o ITBI, imposto de caráter real, vejamos: “É INCONSTITUCIONAL A LEI QUE ESTABELECE ALÍQUOTAS PROGRESSIVAS PARA O IMPOSTO DE TRANSMISSÃO “INTER VIVOS” DE BENS IMÓVEIS – ITBI COM BASE NO VALOR VENAL DO IMÓVEL”.[5] Insta salientar que o Professor Eduardo Sabbag afirma que realmente é inconstitucional a fixação de alíquotas progressivas até mesmo para o ITBI, outro imposto de caráter real. Comparando tal fato com o ITCMD, este lastreou o seguinte entendimento: “Em idêntica trilha, veda-se, à luz do entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, a progressividade para o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)”.[6] Naquilo que concerne ao ITCMD, o Supremo Tribunal Federal ainda não consolidou seu posicionamento, eis que se encontra pendente o julgamento do Recurso Extraordinário nº 562045 / RS. Embora o julgamento se encontre suspenso, o feito já apresenta votação parcial, indicando quatro votos pela constitucionalidade e apenas um pela inconstitucionalidade. Por fim, mesmo diante do posicionamento parcial do STF, conclui-se que a imposição de alíquotas progressivas para o ITCMD deve ser considerada inconstitucional, eis que tal imposição é autorizada pela Constituição Federal somente em casos de impostos com caráter pessoal. No mesmo vetor, não prospera a possibilidade da instituição de alíquota progressiva prevista no Art. 2º, da Resolução n. 9/92 do Senado Federal, eis que fere de pronto a competência que lhe fora atribuída pelo Art. 155, §1°, IV, da Constituição Federal, sendo portanto inconstitucional, também, nesse ponto. 4. CONCLUSÃO. Por fim, conclui-se que a imposição de alíquotas progressivas para o Imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos deve ser considerada inconstitucional, eis que tal imposição é autorizada pela Constituição Federal somente em casos de impostos com caráter pessoal. No mesmo vetor, não prospera a possibilidade da instituição de alíquota progressiva prevista no Art. 2º, da Resolução n. 9/92 do Senado Federal, eis que fere de pronto a competência que lhe fora atribuída pelo Art. 155, §1°, IV, da Constituição Federal, sendo portanto inconstitucional, também, nesse ponto.   Referências bibliográficas. BRASIL. Código Tributário Nacional. In: Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009. 1904p. ______. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). In: Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2009. 1904p. ______. Supremo Tribunal Federal, Primeira Turma. Tributário. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 463679 / MG. Município de Ipatinga e José Faria Soares. Relator: Min. Eros Grau. 21 set. 2004. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 03 ago. 2010. ______. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno. Tributário. Recurso Extraordinário nº 234105 / SP. Adolfo Carlos Canan e Município de São Paulo. Relator: Min. Carlos Velloso. 08 abr. 1999. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 03 ago. 2010. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.   Notas: [1] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1017. [2] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 342. [3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno. Tributário. Recurso Extraordinário nº 234105 / SP. Adolfo Carlos Canan e Município de São Paulo. Relator: Min. Carlos Velloso. 08 abr. 1999. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 03 ago. 2010. [4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Primeira Turma. Tributário. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 463679 / MG. Município de Ipatinga e José Faria Soares. Relator: Min. Eros Grau. 21 set. 2004. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 03 ago. 2010. [5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 656. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 03 ago. 2010. [6] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 157. Advogado e Pós-graduando em Direito Tributário
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Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza e suas particularidades
O escopo do presente trabalho é discutir sobre as principais características do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, bem como os aspectos controversos de tal tributo.
Direito Tributário
1 – Introdução Como é notório, para compor a regra matriz de incidência tributária de qualquer tributo, o intérprete do Direito deve partir do texto do Direito Positivo. Nesse sentido, a Lei Complementar n° 116/03, em seu artigo 1º, ao estabelecer normas jurídicas sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, dispõe que: “ Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. § 1o O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País. § 2o Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias. § 3o O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço. § 4o A incidência do imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado.” Com base no artigo acima transcrito, infere-se que o critério material da regra matriz de incidência do ISSQN é o verbo prestar, ao qual se agrega o complemento “serviços de qualquer natureza”. Nesse ínterim, ressalte que no conceito de serviços de qualquer natureza, não estão englobados os serviços de transporte estadual e intermunicipal de comunicação, por expressa previsão do art. 156, III da Carta Magna, bem como aqueles que integram o âmbito de competência dos Estados e do Distrito Federal. Estudando, ainda, o conteúdo da expressão serviços de qualquer natureza, percebe-se que não estão incluídos no rol de serviços tributáveis pelo ISSQN o serviço público, em razão de ser imune, nos termos do art. 150, IV da CF; o trabalho realizado para si próprio, eis que é despido de natureza econômica; o trabalho efetuado em relação de subordinação, isto é, vinculo empregatício, os serviços sem conteúdo econômico e os serviços compreendidos no âmbito do ICMS. Face ao exposto, é natural inferir que na hipótese da regra matriz de incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza (descritor), encontraremos um critério material (comportamento de uma pessoa, que no caso em epígrafe será prestar serviços) condicionada no tempo (critério temporal), e no espaço (critério espacial). Na conseqüência (prescritor), depararemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota). Logo, a regra matriz de incidência tributária do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza poderia ser sistematizada da seguinte forma: Antecedente – Critério material: prestar serviços de qualquer natureza, excetuando-se os serviços compreendidos na competência da União Federal e dos estados membros e aqueles não previstos na Lei Complementar n° 116/03. – Critério espacial: âmbito territorial do município. – Critério temporal: momento da prestação dos serviços. Conseqüente – Critério pessoal: sujeito ativo é o Município e o Distrito Federal (art. 32, §1º e 147 da CF); sujeito passivo é o prestador de serviços, pessoa física ou jurídica, com ou sem estabelecimento fixo. – Critério quantitativo: base de cálculo é o preço final do serviço prestado e as alíquotas estão expressamente previstas na legislação instituidora. Feita a delimitação da regra matriz de incidência tributária que será estudada, esclarece-se que objetivo deste trabalho é submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese sobre o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, apontando posições de alguns respeitáveis juristas sobre o tema, com o intuito de esboçar um posicionamento tímido sobre o tema. 2 – Da problemática envolvendo as alterações de alíquotas promovidas pela Lei Complementar n° 116/03. A Lei Complementar nº 116, de 31.7.2003, que, em seu art. 8º, estabeleceu alíquota máxima de 5 (cinco) % para todos os serviços passíveis de incidência do ISSQN, cuja produção de efeitos jurídicos deveria ser para fatos geradores ocorridos a partir de 1º.8.2003. Nesse sentido, colaciona-se o texto da lei: “Art. 8º As alíquotas máximas do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza são as seguintes: I (VETADO) II demais serviços, 5% (cinco por cento).        Art. 9º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.”. Da breve leitura do dispositivo legal supramencionado, conclui-se que a Lei Complementar nº 116/03 tem fundamento de validade no art. 156, § 3º, I, da Carta Magna, enquanto que a lei do município, que instituí sua competência para tributar serviços a título de ISSQN, fundamenta-se no art. 156, III, da CF de 1988. Assim, é natural inferir que a lei complementar está direcionada ao legislador ordinário local, impondo-lhe determinada restrição, enquanto a lei local tem âmbito de incidência dirigida à relação tributária entre o contribuinte e o Município, quando da subsunção da norma ao fato concreto. Dessa forma, tem entendido a doutrina e os Tribunais pátrios que há necessidade de a lei municipal fixar a alíquota máxima, respeitando o percentual estabelecido na lei complementa quer trouxe normas gerais sobre o assunto: Nesse sentido, colaciona-se posição do professor Roque Carrazza: “É evidente que as alíquotas do ISSQN são estabelecidas pelo legislador ordinário de cada Município. Apenas, a Constituição deu à União a possibilidade de, para evitar eventuais abusos, estabelecer parâmetros máximos e mínimos, que a legislação municipal deverá observar: I – No caso das alíquotas máximas esta verdadeira “válvula de escape” do sistema foi concebida para ser utilizada se houver interesse nacional em evitar grandes disparidades entre os Municípios na tributação das prestações de serviços de qualquer natureza ou, ainda, no caso de eles virem a se exceder na fixação das alíquotas deste imposto.”[1] (1) Face ao exposto, conclui-se que, em casos de serviços tributados a alíquotas superiores àquela estabelecida na Lei Complementar nº 116/03, há necessidade de os Municípios e o Distrito Federal publicarem leis locais reduzindo a alíquota de ISSQN para no máximo 5 (cinco)%, sob pena de ilegalidade da lei local, por faltar a ela um dos componentes do aspecto quantitativo do imposto – a alíquota -, mutilando a hipótese de incidência do tributo, o que inviabiliza a exigência de ISSQN por parte dos Municípios e do Distrito Federal, sujeitos ativos da relação jurídico-obrigacional-tributária. Dessa forma, as alterações promovidas pela LC 116/03 necessitam ser incorporadas às milhares de leis ordinárias municipais que instituem o ISSQN (princípio da autonomia), obedecida a anterioridade tributária (artigo 150, III, b, da Constituição Federal), de forma que a majoração do ISSQN e os novos fatos geradores trazidos pela LC 116/03 somente sejam aplicáveis no exercício subseqüente ao da publicação da lei ordinária municipal. 3 – Do conceito de serviços e da taxatividade da lista No caso do ISSQN, o núcleo do critério material é representado pelo verbo prestar, acompanhado do complemento serviços de qualquer natureza, fazendo-se necessário consignar que não estão englobados nesse conceito os serviços de transporte estadual e intermunicipal de comunicação, por expressa previsão do art. 156, III da Carta Magna, bem como aqueles que integram o âmbito de competência dos Estados e do Distrito Federal. Estudando, ainda, o conteúdo da expressão serviços de qualquer natureza, percebe-se que ainda que não estão incluídos nesse significado o serviço público, uma vez que este é imune, nos termos do art. 150 , IV da CF; o trabalho realizado para si próprio, eis que é despido de natureza econômica e o trabalho efetuado em relação de subordinação, isto é, vinculo empregatício, os serviços sem conteúdo econômico e os serviços compreendidos no âmbito do ICMS. Ademais, é necessário que a atividade realizada pelo prestador de serviços se apresente na forma de obrigação de fazer. Assim, só será possível haver incidência de ISSQN se houver negócio jurídico mediante o qual uma das partes se obrigue a praticar certa atividade, de natureza física ou intelectual mediante remuneração. Logo, não são todos e quaisquer serviços que podem ser tributados pelo ISSQN e, para caracterizar “serviços de qualquer natureza”, a prestação deve atender, simultaneamente, a dois requisitos: ser serviço e estar indicado em lei complementar. No tocante ao termo “serviços”, insta ressaltar que compete à legislação federal auxiliar na delimitação do critério material do ISSQN, indicando quais atividades se inserem nos limites de competência do Município. Em razão de a lei federal relacionar expressa e extensiva todos os serviços passíveis de tributação por meio do ISSQN, o Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento acerca da taxatividade da lista de serviços introduzida por lei complementar, contudo admitiu interpretação analógica da lista ( RDA, 118:155). O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, admitiu a interpretação extensiva e analógica da lista de serviços, mas vedou a aplicação de analogia. Nesse sentido, colaciona-se parte de um julgado: “admite-se uma leitura extensiva de cada item, a fim de enquadrar-se serviços correlatos àqueles previstos expressamente, uma vez que, se assim não fosse, ter-se-ia, pela simples mudança de nomenclatura de um serviço, a incidência ou não do ISSQN”. Logo, embora a lista seja taxativa, os Tribunais tem admitido a tributação de outros serviços, embora não constantes, expressamente, na lista de serviço. Segundo a jurisprudência de tais tribunais, tal prática é autorizada em razão de não ser possível ao legislador prever as derivações de serviços hoje existentes. Ademais, há expressa previsão no art. 1º, §1 º da LC 116/2003, no sentido de que a incidência de imposto não depende da denominação dada ao serviço prestado. Em suma, podem os municípios tributar serviços que não estejam na lista, desde que essa tributação se dê com base na interpretação analógica ou extensiva de serviços equiparados aos previstos na lista anexa à Lei Complementar n° 116/03. 4 – Das alíquotas aplicáveis às sociedades civis A Constituição de 1967 exigia lei complementar para determinar quais eram os serviços passíveis de serem tributados pelo ISSQN sendo à época editado o Decreto-Lei n.º 406/1968, que estabelecia normas gerais de direito financeiro, aplicáveis aos impostos… sobre serviços de qualquer natureza. Neste Decreto foram definidos todos os componentes da obrigação tributária, quais sejam: fato gerador, sujeito ativo, sujeito passivo, bem como os critérios definidores de competência tributária e do local de recolhimento. Ao tratar de tributação de serviços prestados por sociedades civis, art. 9º, §§1º e 3º do Decreto-Lei 406, estabelecia que: “Art 9º A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. §3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável.” Posteriormente, foi editada a Lei Complementar nº 116/03, que revogou o referido Decreto-lei. Nesse ínterim, cabe consignar que ao demarcar no art. 7º as bases de cálculo possíveis, a Lei Complementar nº 116/03 não contemplou a possibilidade de os Municípios exigirem o ISSQN mediante a cobrança de um valor fixo. Contudo, o fato da Lei Complementar nº 116/08 não ter mencionado expressamente a revogação geral da lei anterior, ou mesmo do art. 9º, não leva à conclusão de que teria sido mantido o privilégio para as categorias profissionais contempladas no §3º do art. 9º do Decreto-Lei supramencionado. Tal sistemática choca-se frontalmente com os princípios da isonomia, capacidade contributiva e do não confisco. Assim, a nova lei, ao tratar da base de cálculo do ISSQN devido pelos autônomos e pelas sociedades de profissionais, o faz de forma geral, estabelecendo no artigo 7º que “a base de cálculo do imposto é o preço do serviço”. Logo, as sociedades civis deveriam ser tributadas no percentual previsto nas leis municipais sobre o preço do serviço prestado. Contudo, este não é o entendimento do STJ que, em diversos julgados consignou a posição de que o art. 9, §3º do Decreto-Lei 406/68 não foi revogado pela Lei Complementar 116. : “TRIBUTÁRIO – SOCIEDADES UNIPROFISSQNIONAIS – ISSQN FIXO. 1. O art. 9º, §§ 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68, que assegura a incidência do ISSQN fixo sobre a prestação de serviços por sociedades civis profissionais, não foi revogado pelo art. 10 da LC 116/2003. 2. Eventual verificação do atendimento aos requisitos da tributação diferenciada demandaria incursão na seara probatória dos autos, expediente inviável em sede de recurso especial. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1132752/PB, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/05/2010, DJe 13/05/2010) Dessa forma, embora as leis municipais tenham sido editadas tendo como fundamento de validade a Lei Complementar nº 116/08, que traz regras gerais sobre o ISSQN, os tribunais pátrios continuam aplicando o disposto no art. 9º, §§1º e 3º do Decreto-Lei 406, em frontal afronta aos princípios da isonomia, capacidade contributiva e do não confisco. 5 – Do Critério Espacial e suas implicações Como é notório, o sistema tributário brasileiro, como estruturado pela Constituição Federal, obriga que a competência dos municípios, em matéria tributária, seja qualificada por critério territorial. Assim, vinculam-se à competência de cada município os fatos específicos em que se traduz a materialidade do Imposto sobre Serviços (a dizer, o desempenho concreto de atos materiais definíveis como de execução de contratos de serviços) ocorridos em seu respectivo território. Logo, o local da prestação de serviços é aquele onde materialmente é executado o serviço. Outrossim, o município competente para tributar essa prestação de serviços será sempre e exclusivamente aquele em cujo território foram os serviços executados. Dessa forma a Lei complementar 116/2003 e o Decreto-Lei 406 – embora sejam lei complementares- não inaplicáveis no que veiculam fórmula legislativa incompatível com os princípios postos pelo Texto Constitucional, isto é, desvirtuem a competência territorial expressamente definida pela Constituição. Ademais, a lei municipal não pode ser dotada de extraterritorialidade, de modo a irradiar efeitos sobre um fato ocorrido no território de município onde não se pode ter voga. Em suma, o art. 4 º da LC 116/2003, somados aos incisos I a XXII do art. 3º do mesmo diploma legal, levam à conclusão de que o ISSQN é devido ao Município em cujo território o serviço é realizado.        6 – Conclusão Em síntese, vale ressaltar que o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza é de grande importância na vida econômica moderna como fonte de arrecadação e como função econômico-social a cumprir. Trata-se de um imposto que resulta do próprio desenvolvimento da economia capitalista. Como explicitamos no item n° 1, para compor a regra matriz de incidência tributária do ISSQN, o intérprete do Direito deve partir do texto do Direito Positivo. Nesse sentido, a Lei Complementar n° 116/2003. No que se refere, especificamente, a Lei Complementar n° 116/03, esta trouxe normas gerais sobre o tributo em estudo. Assim, a partir da edição da referida lei, as alterações promovidas por ela tiveram que ser incorporadas às milhares de leis ordinárias municipais que instituem o ISSQN (princípio da autonomia), obedecida a anterioridade tributária (artigo 150, III, b, da Constituição Federal), de forma que a majoração do ISSQN e os novos fatos geradores trazidos pela LC 116/2003 somente fossem aplicáveis no exercício subseqüente ao da publicação da lei ordinária municipal. Contudo, nem todos os problemas envolvendo o tributo ora estudado foram resolvidos com a promulgação Lei Complementar n° 116/03. Ressalte-se, por exemplo, a questão da tributação das sociedades civis, e o entendimento do STJ de que o art. 9, §3º do Decreto-Lei 406/68 não foi revogado pela Lei Complementar 116/2003. Isso, sem contar as inúmeras guerras fiscais envolvendo o tributo ora estudado. Contudo, sem embargos das inovações trazidas pela LC 116/2203, salientamos ainda a necessidade de mudança da norma no tema relativo ao local da prestação de serviços para efeito de recolhimento do imposto, no qual a regra geral a ser proclamada, deveria ser a do recolhimento do imposto ao Município onde o serviço foi efetivamente prestado, deixando como regra excepcional, a incidência do imposto no estabelecimento ou domicílio do prestador. Isso, por ser uma questão de segurança jurídica e necessidade social, para que se possa fazer a verdadeira justiça e colocar um fim às prolongadas demandas. Dessa forma, acreditamos estar participando ativamente da luta pela justiça e pelo direito, até que a Suprema Corte de Justiça do nosso País, exercendo sua função precípua, resolva pôr um ponto final nesta situação controvertida, de modo que nem os contribuintes, e nem os Municípios, sejam prejudicados.
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Da inconstitucionalidade da apreensão do veículo automotor em virtude do inadimplemento do IPVA
abordará a natureza de institutos tributários, na aplicação do IPVA, assim como a origem histórica desse imposto, a fim de questionar a constitucionalidade da apreensão de veículo automotor, por inadimplemento de obrigação tributária, por mera fiscalização administrativa, sem o devido processo legal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A ordem constitucional brasileira consagra direitos como os de propriedade, liberdade de locomoção e do devido processo legal. À contramão desses valores encartados na Carta Magna, o Código de Trânsito Brasileiro, assim como particularmente a legislação paranaense sobre o IPVA, autorizam a apreensão e remoção de veículo automotor, no caso de, em fiscalização estatal, se verifique que há débitos tributários sobre a propriedade o veículo. Busca-se uma visão positivista, teleológica e sistêmica da questão, a qual demonstra a inconstitucionalidade no procedimento dispensado pelo aparato policial do Estado. 1 TRIBUTO Segundo Carrazza[1], tributo “é a relação jurídica que se estabelece entre o Fisco e o contribuinte (pessoa colhida pelo direito positivo), tendo por base a lei, em moeda, igualitária e decorrente de um fato lícito qualquer”. Dentre o gênero tributo, encontra-se a espécie imposto. Para Geraldo Ataliba[2], imposto “é uma modalidade de tributo que tem por hipótese de incidência um fato qualquer, não consistente numa atuação estatal”. Não se atendo a essas definições, que nos fornecem grande substrato, deve-se operar essa relação jurídica com o olhar voltado a princípios do direito tributário. Como exemplos, temos o princípio republicano, que nos remete à igualdade material dos indivíduos, e seus reflexos tributários, e o princípio federativo, que nos apresenta a forma de nosso Estado, e destinado a dar corpo à distribuição da atuação do Fisco. Outros princípios, não de menor importância, como o princípio do não-confisco, compõem o rol delineado pela doutrina tributária, e que se mostrarão de grande relevância ao tema abordado. 1.1. HISTÓRICO DO IPVA – IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES No decorrer do tempo, o IPVA surgiu como imposto, ou seja, desvinculado de atividade estatal específica. Outra opinião salutar, ainda que não acolhida pelo STF, é a de que a expressão veículo automotor abrange embarcações e aeronaves. O Estado Social e Republicano prima pela igualdade material e o bem estar de seus contribuintes, e desonerar quem possui maior capacidade contributiva é ignorar todo um sistema jurídico, infelizmente. Relacionada a essa questão, a história dos tributos que antecederam o IPVA explica essa celeuma. Ainda sob a égide constitucional de 1967, existiam taxas em nível federal, estadual e municipal, destinadas à conservação das estradas de rodagem, cobradas exclusivamente sobre automóveis. Posteriormente, dada à cobrança cumulativa dos dois entes do pacto federativo e do município, a União, em substituição àquelas, criou a Taxa Rodoviária Única.  Deve-se notar que o legislador errou ao definir esses tributos como taxas. Tal espécie de tributo é destinada à prestação de serviço público ou ao exercício do poder de polícia do Estado. No entanto, anota Roque Carraza[3], que, “(…) no Brasil, ao contrário do que se dá em outros países, a utilização de bens de domínio público não é uma das hipóteses de incidência possíveis das taxas.” Assim, as estradas de rodagens deveriam ser objeto de outra modalidade de tributo. Sob a atual ordem constitucional, a espécie de tributo que mais se aproxima é a de contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. No entanto, o incremento imobiliário, constante do texto constitucional de 1967[4], e implícito no de 1988, não se coaduna com a cobrança dos proprietários de veículos automotores. Assim, a coadunação existente é da cobrança da contribuição em virtude de obra pública. A título de esclarecimento, voltando à decisão pela não incidência de IPVA sobre embarcações e aeronaves, o STF dispensou de interpretação histórica ao embasamento de sua tese. Ou seja, infelizmente, baseou-se em tributo definido erroneamente e que em verdade não relegou a atribuída herança ao novo tributo, insculpido constitucionalmente. 1.2. CRITÉRIO MATERIAL      A conduta ou ação inserida na órbita de incidência do imposto, representada pela junção de um verbo e seu complemento, é a representação do critério material da hipótese de incidência tributária. Carvalho[5] explica acerca do critério material: “[…] há referências a um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e de tempo.” Dentre o vasto número de critérios materiais insertos no ordenamento jurídico brasileiro, o atinente ao IPVA finda dessa maneira: ser proprietário de veículo automotor.[6] 1.3. SANÇÕES PELO INADIMPLEMENTO DO IPVA Delineado o critério material, cabe aos estados-membros da federação e ao Distrito Federal esmiuçarem a matéria, através de sua competência legislativa, atribuída constitucionalmente. Dentre os comandos legais dispostos, estão os de caráter sancionador. Ou seja, a lei deve prever punição a quem não cumpra com os deveres decorrentes da constituição do critério material de hipótese tributária. No caso do IPVA, o contribuinte deve estar atento às obrigações documentais e de segurança que o Estado institui, para que possa se locomover com o seu veículo automotor de maneira regular pelas vias públicas. As punições vão das de caráter pecuniário e administrativo, às de viés restritivo de circulação, não do contribuinte, mas sim do veículo que o mesmo possui. Uma delas é a proibição de licenciamento ou transferência de propriedade de veículos automotores, em caso de pendência de quitação integral do imposto devido nos exercícios anteriores e do exercício corrente[7]. Assim, a falta de pagamento do IPVA impede que o proprietário do veículo, ainda que novo, em decorrência de transferência de propriedade de outrem, realize o registro do veículo em seu nome. O reflexo prático é o de que, no banco de dados do DETRAN, o antigo dono irá permanecer como proprietário do veículo até que sejam pagos todos os impostos e demais obrigações tributárias pendentes. Outra punição ao proprietário de veículo automotor que não cumpra com os deveres instrumentais a ele ligados, ou seja, que não cumpra os procedimentos administrativos previstos à regulamentação da propriedade desse bem, é a da apreensão do veículo. O Código de Trânsito Brasileiro considera falta gravíssima do proprietário, conduzir ou deixar que conduzam seu veículo automotor sem o devido registro e licenciamento. A natureza da falta se revela nas suas punições: imposição multa de 180 UFIR(s), sete pontos na carteira nacional de habilitação, apreensão e remoção do veículo para o DETRAN, ou outro órgão competente.[8] 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL Este tópico visa conceituar os direitos fundamentais à liberdade locomoção e ao devido processo legal, analisando sua pertinência no presente feito. 2.1 DIREITO À LOCOMOÇÃO É consagrada constitucionalmente no art. 5º, XV, a liberdade de locomoção, o direito de ir e vir, com a previsão de que todo cidadão, poderia se locomover, entrar, sair e permanecer no país com seus próprios bens. Pimenta Bueno[9] (apud MORAES. 2006, p. 112), grande constitucionalista, comenta, acerca da liberdade de locomoção: “posto que o homem seja membro de uma nacionalidade, ele não renuncia por isso suas condições de liberdade, nem os meios racionais de satisfazer a suas necessidades ou gozos. Não se obriga ou reduz à vida vegetativa, não tem raízes, nem se prende à terra como escravo do solo. A faculdade de levar consigo seus bens é um respeito devido ao direito de propriedade.” José Afonso da Silva[10] (2004) o considera o centro gravitacional da liberdade da pessoa física no ordenamento jurídico. Alexandre de Moraes[11] (2006, p.112) divide em quatro vertentes o citado direito: “a) direito de acesso e ingresso no território nacional b) direito de saída do território nacional c) direito de permanência no território nacional d) direito de deslocamento dentro do território nacional” Para os fins do presente estudo, considera-se que a,b e c não são de interesse para o deslinde da questão abordada, restando então a análise do direito de deslocamento dentro do território nacional, que para José Afonso da Silva de trata da liberdade de circulação[12]. Acerca do direito à livre circulação dentro de um território cabe aqui citar o renomado autor espanhol Pedro Collado[13]: “[…] independentemente do meio através do qual se circula por uma via pública, o transeunte terá um direito de passagem e de deslocamento por ela, por constituir esta forma de deslocamento a manifestação primária e elementar do direito de uso de uma via.” Ou seja, pode-se inferir do apresentado até aqui que o direito à livre locomoção e conseqüentemente sua espécie, o direito à livre circulação, são garantias fundamentais do cidadão, oponíveis erga omnes. Cabe aqui, também, lembrar o entendimento abarcado pelo Superior Tribunal de Justiça[14] de que a liberdade é indisponível no Estado de Direito Democrático. Também neste diapasão, vale lembrar que a via correta para proteção ao direito de locomoção do cidadão jurisdicionado é a via do habeas corpus, o chamado remédio heróico, que agora é constitucionalmente tutelado, dentro do art. 5º, LXVIII. Não se olvide também, que o inc. constitucional citado, trata-se de norma de eficácia contida, uma vez que prevê uma lei infraconstitucional para regular a matéria, de maneira mais extensa. Frise-se que o fato do mandamento constitucional ter eficácia contida o permite ter aplicabilidade imediata, apenas abrindo espaço para que a lei ordinária estabeleça os regulamentos necessários. 2.2 DIREITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL O direito ao devido processo legal é consagrado pela Constituição Federal em seu art. 5º, LIV e LV, que dispõem que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e ao garantir a qualquer acusado em processo judicial o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Todas estas garantias estão estabelecidas taxativamente no texto constitucional, algumas com ressalvas, evidentemente. Assim, sob a égide constitucional o devido processo legal pressupõe o contraditório (paridade de armas, inafastabilidade do controle jurisidicional, etc), a garantia da ampla defesa (defesa técnica e autodefesa), o duplo grau de jurisdição, a proibição das provas ilícitas, etc., 3 PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO NÃO CONFISCO Antes de adentrar o tópico supra cabe análise sobre a quem compete legislar e tributar nas questões observadas no presente estudo. 3.1 REPARTIÇÃO CONSTITUCIONAL DE COMPETÊNCIAS A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988 remontou o Estado Federal, como se lê no art. 18, abaixo transcrito: “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” No sistema federativo, como o brasileiro, por não existir um Estado central, que detém todos os poderes da nação, torna-se necessária a repartição de competências, para fins de melhor administrar a coisa pública. Na problemática apresentada (que será atacada adiante) exsurge a questão da divisão das competências legislativas e tributárias. Conforme o art. 22 da Carta Magna, que estabelece as competências legislativas privativas[15] da União, esta será competente para legislar sobre as diretrizes da política nacional de transportes, nos termos do inc. IX. Em virtude de ter recebido esta competência, a União editou a norma 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro. A competência para instituição do tributo sobre a propriedade de veículos automotores também nasce da Constituição. Em seu art. 155, III a Lei Maior estabelece que caberá aos Estados Federados e ao Distrito Federal a instituição de imposto sobre a propriedade de veículos automotores Trocando em miúdos a competência legislativa sobre o trânsito será privativa da União, podendo ser delegada aos Estados e a competência tributária em relação à propriedade de veículos automotores será dos Estados ou do Distrito Federal. 3.2 PREVISÃO CONSTITUCIONAL DO PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO A proibição ao Estado de utilizar-se dos  tributos como efeito de confisco contra seus súditos, é no ordenamento jurídico pátrio considerada como verdadeiro princípio que rege o sistema constitucional tributário, estando positivado em nossa Carta Magna: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV – utilizar tributo com efeito de confisco;” Portanto, o legislador constituinte originário, com o fim de evitar arbítrio do Estado em relação ao cidadão, decidiu limitar o poder de tributar do Estado. O constitucionalista José Afonso da Silva[16] chama este corolário de princípio da proporcionalidade razoável, salientando que o Estado não pode retirar do contribuinte mais do que o razoável, ou de seu patrimônio, ou de sua renda. Roque Carrazza[17], de maneira díspare porém complementar, associa o princípio do impedimento da tributação para efeito de confisco com o princípio da capacidade contributiva, salientando que tal princípio exige do legislador equilíbrio quando da edição de norma tributária, com vias de evitar injustiças. Cabe aqui pinçar trecho do renomado tributarista: “[…] os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades básicas das pessoas (mínimo vital), garantidas pela Constituição, especialmente nos seus arts. 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação, transporte etc), não podem ser alcançados pelos impostos.” Hugo Brito Machado[18] (2004), estudioso do tema tributário, assevera que cabe ao Poder Judiciário verificar, quando provocado, a ocorrência de confisco ou não, frisando ainda que o princípio não deveria ser aplicado no caso das multas por inadimplemento. Paulo de Barros Carvalho (2004, p. 162), com seu já tradicional ceticismo, observa que há extrema dificuldade na identificação dos casos onde o tributo tem efeito de confisco. Sua observação colacionada a seguir ilustra um pouco essa posição adotada: “Intricado e embaraçoso, o objeto da regulação do referido art. 150, IV, da CF, acaba por oferecer unicamente um rumo axiológico, tênue e confuso, cuja nota principal repousa na simples advertência ao legislador dos tributos, no sentido de comunicar-lhes que existe limite para carga tributária.” Fica então o questionamento: como, quando e de que maneira ocorre o confisco como efeito da tributação? Difícil dizer. Todavia, como pudemos ver anteriormente, o Código de Trânsito Brasileiro, em seu art. 230[19], dita que a condução do veículo sem este estar devidamente licenciado acarreta apreensão do veículo. Pois bem, o que isso teria a ver com nossa discussão presente aqui? O professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Gladston Mamede[20], em sua obra sobre o IPVA – Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores, pode ajudar na resolução da questão: “A rigor, portanto, o tráfego pelas vias terrestres depende de licença anual, e essa, por seu turno, está vinculada ao recolhimento do IPVA – Imposto Sobre Propriedade De Veículos Automotores. […] as disposições anotadas no Código de Trânsito Brasileiro possuem fins tributários. Afinal, para além da inspeção veicular, disposta no art. 104 do Código de Trânsito Brasileiro, não há na renovação do licenciamento mais do que uma conseqüência do recolhimento do IPVA – Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores. Questionável, portanto, a disposição, na medida em que revela a intenção do legislador de forçar o recolhimento do imposto por vias outras que não as próprias e permitidas.” Começa a delinear-se a inconstitucionalidade da norma que ordena apreensão do veículo não licenciado, questão esta que será analisada mais à frente. 3.3 INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 230, III DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO A punição de apreensão do veículo, dentre as indicadas pela lei no caso de inadimplemento do licenciamento e registro do veículo automotor, a priori, é um erro, no que se refere à correspondência da infração e da pena. Isso por que, a infração possui natureza tributária. Assim sendo, a medida cabível é a cobrança do débito tributário, pelos meios legais de execução fiscal, respeitando o devido processo legal. Essa distorção constritiva desrespeita de forma flagrante princípios constitucionais, como o da razoabilidade, do devido processo legal, propriedade [21], e comandos da Carta Maior, tais quais, os insertos nos arts. 150, IV e V [22], que regem a atuação fiscal do Estado. De modo que essa apreensão, procedida em seara administrativa, sem o devido processo legal garantido a todo indivíduo e seus bens, é inconstitucional. A respeito de eventual justificativa do Estado, de que a apreensão do veículo é necessária, pois ele estaria sem o devido licenciamento, e portanto sem a respectiva vistoria de segurança, tornando-se perigo aos demais condutores de veículos, há que se observar a seguinte realidade: o licenciamento de qualquer veículo automotor somente se dá com o devido pagamento do IPVA do mesmo. No entanto, a feitura daquele se dá em data diferente do pagamento desse. Assim, caso o licenciamento não haja vencido, e o IPVA sim, essa justificativa cairia por terra, demonstrando o excesso do aparato fiscal do Estado. Em questão com algumas similaridades, pôde o Supremo Tribunal Federal se manifestar. Em síntese, tratava-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 1.654-7 AP) que questionava inconstitucionalidade, por falta de competência legislativa estadual sobre trânsito, de norma do Código Tributário do Amapá que impedia a apreensão do veículo por falta de pagamento do IPVA, apenas não autorizando o licenciamento. Sendo relator o Ministro Maurício Corrêa, este aduziu que a norma estadual não invadiu a competência privativa da União de legislar sobre trânsito, sendo a votação unânime. O trecho a seguir é de muita utilidade para deslinde da problemática. “Inaceitável, como visto, que o simples débito tributário implique apreensão do bem, em clara atuação coercitiva para obrigar o proprietário do veículo a saldar o débito. O ordenamento positivo disciplina as formas em que se procede à execução fiscal, não prevendo, para isso, a possibilidade de retenção forçada do bem. Correta a lei, portanto, ao obstar a ação estatal que claramente seria abusiva, ilimitando a sanção ao não licenciamento, tema afeto à regularidade do veículo para fins de circulação e regulado por lei federal.” Pois bem, nota-se que o próprio Supremo Tribunal Federal observa que é inaceitável que o débito tributário implique na apreensão do bem. Entretanto, mesmo com este entendimento, segue-se ocorrendo o confisco do veículo automotor devido à existência de débito tributário (de maneira indireta[23]). Trata-se do mais óbvio abuso estatal. O art. 230, III fere, letalmente, o princípio constitucional do não confisco e também do devido processo legal, uma vez que condiciona um direito (direito à livre circulação) à quitação de um tributo, possibilitando, para piorar ainda mais, a apreensão da propriedade caso o citado tributo não se encontre em dia. A sanção para o contribuinte deveria consistir apenas na impossibilidade da Administração Pública expedir a Certidão Negativa de Débitos e a inscrição em dívida ativa do montante devido, com a posterior execução fiscal por título executivo extrajudicial, ficando claro que qualquer forma diferente dessa implica em arbítrio estatal, violando os preceitos constitucionais, CONCLUSÃO Conforme exposto, o IPVA é tributo previsto constitucionalmente, cabendo a competência tributária aos Estados-membros da Federação e ao Distrito Federal. Foi precedido pela TRU no ordenamento pátrio. Após tal breve explanação, foi abordado, tangencialmente, o critério material da regra-matriz de incidência do IPVA e as sanções previstas no caso de inadimplemento. Buscando já a solução da problemática, foram apresentados dois direitos fundamentais previstos na Carta Magna, o direito à livre locomoção e o direito ao devido processo legal. Com isto, viu-se o princípio do não confisco. Conforme o exposto pôde-se notar que o art. 230, III do Código de Trânsito Brasileiro está eivado de inconstitucionalidade, uma vez que força o contribuinte a pagar o tributo, sob pena de confisco do bem tributado, ferindo assim diversos princípios constitucionais.
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A alteração da data de pagamento de um tributo frente ao princípio da estrita legalidade tributária
O presente artigo tem por finalidade esclarecer a dúvida existente no sistema tributário nacional quanto à necessidade do ente tributante respeitar o princípio da estrita legalidade tributária, em caso de alteração da data de pagamento de um tributo.
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1. O PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. Ante o compulsar do texto da Constituição Federal de 1988, trata-se de fácil percepção o Princípio da Legalidade, vide Art. 5°, inc. II. Sentindo a necessidade de regular a mesma questão da legalidade nas obrigações tributárias, o legislador constituinte apresentou um princípio fundante dentro do direito tributário, o Princípio da Legalidade Tributária, insculpido no Art. 150, inc. I, da Constituição federal de 1988. Tomando como base tal dispositivo constitucional, o Código Tributário Nacional contemplou em uma lista taxativa (numerus clausus) os elementos obrigatórios que a lei tributária necessita conter, bem como o que a lei tributária pode regulamentar. 2. ALTERAÇÃO DA DATA DE PAGAMENTO DE UM TRIBUTO. Conforme consta no Art. 97 do CTN, consignou-se que a lei tributária pode instituir/extinguir e majorar/reduzir um tributo, bem como trouxe os pontos mais importantes que devem constar na lei tributária como a alíquota, base de cálculo, sujeito passivo, multa e fato gerador. Desse modo, com a leitura do Art. 97 do CTN pôde ser notado que não existe nenhuma referência quanto à alteração da data de pagamento do tributo, o que nos engaja em uma calorosa discussão a respeito do tema. O Supremo Tribunal Federal – STF têm entendido que o prazo para pagamento do tributo não necessita estar definido em lei no sentido formal, ou seja, não é passível de obediência ao Princípio da Estrita Legalidade Tributária. Vejamos entendimento que repousa nesse sentido: “(…) Improcedência da alegação, tendo em vista não se encontrar sob o princípio da legalidade estrita e da anterioridade a fixação do vencimento da obrigação tributária; já se assentado no STF, de outra parte, o entendimento de que a atualização monetária do débito de ICMS vencido não afronta o princípio da não cumulatividade (RE 172.394). Recurso não conhecido.” [1] Em sentido oposto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, Marco Aurélio lança no mundo jurídico o entendimento que nos parece ser o mais adequado para a solução da temática proposta, veja: “(…) A cobrança do tributo é uma atividade vinculada à lei, razão pela qual se mostra descabida constitucionalmente delegação que implique a possibilidade de, conforme a situação do caixa, vir a ser fixado, por ato do Ministro de Estado da Fazenda, este ou aquele prazo (…)”. [2] Para o renomado jurista Paulo de Barros Carvalho, o Princípio da Estrita Legalidade se manifesta no campo do direito tributário da seguinte forma: “O veículo introdutor da regra tributária no ordenamento há de ser sempre a lei (sentido lato), porém o princípio da estrita legalidade diz mais do que isso, estabelecendo a necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo os elementos descritores do fato jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional”. [3] Ao compulsar do trecho acima delineado, pode-se inferir que a alteração da data de pagamento do tributo necessitaria de uma definição em lei, pois seria elemento prescritor da relação obrigacional. No mesmo passo, o Professor e Advogado Eduardo Sabbag, afirma que o prazo para recolhimento do tributo, mesmo ausente na lista exauriente do CTN, apresenta-se como fator essencial para complementação da lei tributária: “Deixar tal determinação ao alvedrio do Poder Executivo, ao sabor da discricionariedade, é sufragar o perene estado de insegurança jurídica, acintosa ao elemento axiológico justificador do postulado da estrita legalidade”. [4] Em linhas gerais, conclui-se que em prol da segurança jurídica, o posicionamento mais correto a ser fixado é o de que a alteração do prazo de pagamento para determinado tributo é questão que necessita estar previamente definida em lei, pois a obrigação tributária, conforme é notório, jamais pode onerar demasiadamente e infundadamente o contribuinte.
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A análise constitucional das taxas de coleta domiciliar de lixo e de limpeza pública
O presente artigo tem por finalidade abordar a temática constitucional que envolve as taxas de coleta domiciliar de lixo e de limpeza pública, tendo como amparo a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, bem como a doutrina.
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1. CONCEITO E PREVISÃO LEGAL DAS TAXAS. Inicialmente, para que se chegue a uma conclusão clara e evidente, faz-se necessário explanar a previsão legal da taxa, bem como seu conceito. Nesse passo, à luz do Sistema Tributário Nacional, a previsão legal da taxa é encontrada no Art. 145, II, da Constituição Federal de 1988, in verbis: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;” Para o Ilustre Tributarista Paulo de Barros Carvalho, a taxa é conceituada da seguinte forma: “Taxas são tributos que se caracterizam por apresentarem, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de uma atividade estatal, direta e especificadamente dirigida ao contribuinte. Nisso diferem dos impostos, e a análise de suas bases de cálculo deverá exibir, forçosamente, a medida da intensidade da participação do Estado”.[1] Desse modo, com a leitura do dispositivo constitucional citado e do conceito lançado pelo Ilustre Professor, o direito positivo nos propõe duas espécies de taxas. A primeira espécie diz respeito àquelas taxas cobradas em razão do poder de polícia estatal. A segunda espécie trata das taxas cobradas pela prestação de serviços públicos. Diante da questão proposta, devemos nos restringir à análise da segunda espécie de taxa, ou seja, aquelas cobradas pela prestação de serviços públicos, que para o Professor Eduardo Sabbag, “será cobrada em razão da prestação estatal de um serviço público específico e divisível”.[2] Nota-se que o principal fator das taxas de serviços públicos estão localizados nos serviços específicos e divisíveis, os chamados serviços uti singuli. Para uma maior clareza, o Código Tributário Nacional trouxe em seu Art. 79, II e III os citados requisitos cumulativos das taxas de serviço, vejamos: “Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se: II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade, ou de necessidades públicas; III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.” 2. A ANÁLISE CONSTITUCIONAL DAS TAXAS. À guiza da base conceitual proposta, resta-nos muito mais prática a análise do tema. De acordo com o Sistema Tributário Nacional e a jurisprudência do STF, as taxas cobradas em razão exclusivamente dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis são tidas como constitucionais. Tal questão é fácil de ser constatada, vez que tais serviços são exclusivamente específicos e divisíveis, conforme afirma Eduardo Sabbag, “pois tendente a beneficiar unidades mobiliárias autônomas, de propriedade de diferentes lindeiros das vias públicas servidas, além de serem suscetíveis de utilização, de modo separado, por parte de cada usuário” [3]. Vale ressaltar que a respeito da constitucionalidade da taxa referenciada, o próprio Supremo Tribunal Federal já sumulou a matéria, conforme segue no texto da Súmula Vinculante n° 19, vejamos: “A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal.” [4] Já com relação à taxa de serviços de conservação e limpeza de logradouros e bens públicos, percebe-se sua inconstitucionalidade por ferir de pronto o Art. 145, II, da Constituição Federal, eis que não trata de serviço específico e divisível, conforme é exigido. Para Eduardo Sabbag a inconstitucionalidade da taxa de limpeza pública é dada em razão dos seguintes fatores: “Trata-se de taxa que, de qualquer modo, tem por fato gerador prestação de serviço inespecífico, indivisível, não mensurável ou insuscetível de ser referido a determinado contribuinte, não podendo ser custeado senão por meio do produto de arrecadação dos impostos gerais”.[5] Vale ressaltar que já faz um bom tempo que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a taxa de limpeza pública, tendo em vista a dissonância com o Art. 145, II, a Constituição Federal, vejamos: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. ILEGALIDADE DA TAXA DE COLETA DE LIXO E LIMPEZA PÚBLICA. ART. 145, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (…) hipótese em que os serviços são executados em benefício da população em geral (uti universi), sem possibilidade de individualização dos respectivos usuários e, consequentemente, da referibilidade a contribuintes determinados (…)” [6] Por fim, nota-se que o fator determinante para configurar a constitucionalidade das referidas taxas está localizado na possibilidade de ser “uti singuli”, ou seja, ser específica e divisível, sendo possível especificar o serviço prestado, bem como o usuário, o que é perceptível na taxa de coleta domiciliar de lixo e imperceptível na taxa de limpeza pública.
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Da natureza jurídica do lançamento por homologação
O escopo do presente trabalho é discutir as peculiaridades do autolançamento, bem como a natureza jurídica desse ato que introduz no mundo fático a norma individual e concreta que constitui o tributo.
Direito Tributário
1. Introdução Quando falamos em lançamento tributário, isto é, a expedição de uma norma jurídica individual e concreta que cria o crédito tributário, logo relacionamos o ato de lançar ao desempenho de uma atividade administrativa realizada, normalmente, pela Administração Tributária de um ente Federativo. Contudo, a realidade empírica nos mostra que tal premissa está equivocada. Em breve consulta à legislação pátria, verificamos que ela está repleta de dispositivos legais que prevêem a atribuição da competência de constituição de crédito tributário pelo administrado. Assim, qual seria a natureza jurídica desse ato do particular de produção de normas individuais e concretas instituidoras de crédito tributário? Qual é a natureza jurídica do ato de homologação tributário?  Há necessidade de processo administrativo para imposição de penalidades pecuniárias, tais como multas e juros? O objetivo deste trabalho é apenas e tão-somente submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese do problema, apontando posições de alguns respeitáveis juristas sobre o tema, com o intuito de esboçar um posicionamento tímido sobre o tema. 2. Do conceito de lançamento tributário A definição do conceito de lançamento tributário, como de qualquer outro instituto jurídico, passa necessária por um problema semântico. Em razão de serem muitas as possibilidades de sentido, impõe-se consulta ao teor do art. 142 do Código Tributário Nacional, o qual dispõe: “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.” Da breve leitura do artigo supra mencionado, infere-se que o legislador originário concebeu o instituto do lançamento como procedimento administrativo, considerando inclusive como atividade administrativa vinculada. Assim, segundo o Código Tributário, lançamento é atividade privativa de autoridades administrativas. O professor Paulo de Barros Carvalho, ao se debruçar sobre o assunto, entendeu que: “Lançamento tributário é ato jurídico administrativo, da categoria simples, constitutivos, vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira u’a norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e como conseqüente a formalização do vinculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço temporais em que o crédito há de ser exigido.”[1] Logo, segundo o renomado professor, o lançamento é um ato jurídico (não um procedimento como consigna o art. 142 do Código Tributário Nacional), praticado pela Administração Pública, no exercício da função administrativa. Como um ato jurídico administrativo, possui todos os requisitos de essência do gênero atos jurídicos, ou seja, agente capaz, objeto lícito, possível determinado ou determinável, e forma prescrita e não defesa em lei, além dos cinco elementos integrativos da estrutura de todo ato administrativo: motivo, finalidade, objeto, agente competente e forma prescrita em lei. Sacha Calmon, ao apreciar a questão, expôs que: “Não basta a lei – ente legislativo – norma abstrata e impessoal, prescrever que os proprietários de imóveis urbanos paguem anualmente IPTU ao município da situação das propriedades. É necessário que um agente da administração pratique atos de individualização da norma ( ato administrativo de aplicação da lei), subsumindo o fato à norma, determinando os contribuintes e quantificando o que devem pagar(…)”[2] Assim, tendo em vista o teor o art 142 do Código Tributário Nacional, bem como a posição doutrinária dominante sobre o assunto, é natural inferir que o lançamento tributário, por se tratar de ato jurídico administrativo, somente poderia ser praticado pela Administração Tributária. Logo, a rigor, teríamos apenas duas espécies de lançamento tributário: o lançamento de ofício e o lançamento por declaração, sendo o lançamento por homologação um outro gênero de instituição de norma individual e concreta no campo dos tributos. 3. Da natureza jurídica do lançamento por homologação Vimos no item anterior que há consenso na doutrina, bem como disposição expressa de lei, no sentido de que o lançamento tributário é um ato jurídico administrativo praticado somente pela Administração Tributaria (e não pelo particular). Qual seria então a natureza jurídica da norma individual e concreta produzida pelo administrado no campo dos tributos? Ora, conforme o professor Paulo de Barros Carvalho, o chamado “lançamento por homologação” é um ato de introdução de norma jurídica, individual e concreta produzida pelo administrado em decorrência de autorização legal que dá competência ao contribuinte para constituição do crédito tributário. Logo, no sistema legislativo pátrio, a constituição do credito tributário não aconteceria apenas por obra de graça da Administração Pública. Assim, quando expressamente autorizado por lei, ao administrado seria possível individualizar o evento tributário, “estruturar, denotativamente, todos os elementos integrantes da relação jurídica do tributo”.[3] Nesse sentido, não haveria diferença jurídica quanto ao ato praticado pela administração, no tocante ao lançamento tributário, bem como o ato praticado pelo contribuinte na constituição do crédito. O entendimento de que é possível ao administrado constituir crédito tributário, e que tal crédito possui a mesma forma e validade do que o ato de lançamento emitido pelo Fisco, possui guarita em nossos Tribunais Superiores, sendo inclusive, pacífico, a desnecessidade de constituição do crédito por parte da Administração Tributária, quando este já foi validamente criado pelo administrado: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. OMISSÃO DE JULGADO. INOCORRÊNCIA. (…) 2. Nos casos em que o contribuinte entrega a Declaração Anual de Rendimentos, considera-se constituído definitivamente o crédito tributário a partir da apresentação dessa declaração perante o Fisco. A partir de então, inicia-se a contagem do prazo de cinco anos para a propositura da execução fiscal. Precedentes: REsp 413457/RS, 1ª T., Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 19.12.2003; REsp 510588/MG.  2ª T., Min. Franciulli Netto, DJ de 25.04.2005 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 642.477/PR, Rel. Ministro  TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09.03.2006, DJ 27.03.2006 p. 166) Face ao exposto, conclui-se que o lançamento por homologação nada mais é que uma forma válida de constituição de crédito tributário pelo administrado, que não se confunde com o lançamento tributário, em razão de ser praticado pelo administrado em função de autorização legal. 4. Do ato da homologação do crédito constituído pelo particular Como expusemos no item anterior, no lançamento por homologação a constituição do tributo nasce por obra do administrado, sem qualquer participação do Estado-Administração. Nesse ínterim, ressalte-se que para validade do ato, o particular terá que seguir os comandos legais, implementando os deveres instrumentais previstos, tais como preenchimento de formulários e documentos específicos. Embora haja, juridicamente, paridade entre o ato praticado pela administração e o ato praticado pelo particular no exercício de atividade administrativa delegada, nosso sistema instituiu um “ato confirmatório” por parte do Estado (a chamada homologação). Logo, a homologação, nada mais é que do que um ato administrativo, vinculado, de cunho fiscalizatório, por meio do qual a Fazenda Pública acompanha o comportamento dos administrados zelando pela observância das obrigações a que estão submetidos, manifestando-se expressa ou tacitamente sobre a norma individual e concreta já editada. Deste modo, a homologação não é um ato pelo qual a Fazenda Pública constitui o crédito tributário a partir dos dados informados pelo administrado, mais sim um procedimento administrativo criado para a fiscalização dos atos já praticados pelos particulares. Por meio desse processo administrativo, o Estado Administração verifica o cumprimento das obrigações tributárias pelo administrado, assim como o pagamento do crédito tributário criado pelo particular. Eventualmente, a Administração poderá valer-se desse procedimento para emitir novo ato administrativo, a fim de “complementar o ato já praticado” (lançamento suplementar). Nesse sentido, colaciona-se o seguinte julgado: “TRIBUTÁRIO. DECLARAÇÃO DO DÉBITO PELO CONTRIBUINTE. FORMA DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO, INDEPENDENTE DE QUALQUER OUTRA PROVIDÊNCIA DO FISCO. COMPENSAÇÃO. MODALIDADE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO (CTN, ART. 156, II). NECESSIDADE DE INFORMAÇÃO À ADMINISTRAÇÃO SOBRE O PROCEDIMENTO, PARA VIABILIZAR O EXERCÍCIO DO DIREITO DE FISCALIZAÇÃO. 1. A apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF (instituída pela IN SRF 129/86, atualmente regulada pela IN SRF 395/04, editada com base nos arts. 5º do DL 2.124/84 e 16 da Lei 9.779/99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de formalizar a existência (= constituir) do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco. Precedentes da 1ª Seção: AgRg nos ERESP 638.069/SC, DJ de 13.06.2005; AgRg nos ERESP 509.950/PR, DJ de 13.06.2005. (..)” (RESP 200401600909, JOSÉ DELGADO, STJ – PRIMEIRA TURMA, 06/03/2006) Em suma, ao fiscalizar a norma individual e concreta emitida pelo administrado (diga-se, “homologar” no entendimento do Código Tributário Nacional), o Estado-Administração não emite um ato administrado que vise atribuir eficácia ao ato praticado pelo particular, mas sim verifica o cumprimento das obrigações tributárias por parte deste. Logo, a natureza jurídica do ato de “homologação” praticado pelo Fisco é de fiscalização (ou ratificação, como entendem alguns doutrinadores) não sendo, via de regra, constitutivo da dívida tributária. 5. Da desnecessidade de procedimento administrativo para imposição de juros e multas Seguindo o entendimento acima explicitado, entende-se ser desnecessário procedimento administrativo para lançamento do crédito (uma vez que já foi constituído pelo contribuinte) ou mesmo para imposição de multas e demais penalidades cominadas em lei.  A propósito: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. OMISSÃO DE JULGADO. INOCORRÊNCIA. (…) 2. Nos casos em que o contribuinte entrega a Declaração Anual de Rendimentos, considera-se constituído definitivamente o crédito tributário a partir da apresentação dessa declaração perante o Fisco. A partir de então, inicia-se a contagem do prazo de cinco anos para a propositura da execução fiscal. Precedentes: REsp 413457/RS, 1ª T., Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 19.12.2003; REsp 510588/MG.  2ª T., Min. Franciulli Netto, DJ de 25.04.2005 3. Recurso especial a que se nega provimento.” (REsp 642.477/PR, Rel. Ministro  TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09.03.2006, DJ 27.03.2006 p. 166) A doutrina segue a mesma orientação. Alexandre Ávila, ao tratar do lançamento por homologação, assevera que: “Em todos estes documentos é o próprio contribuinte que examina e aplica a legislação tributária, verificando a ocorrência do fato gerador, a base de cálculo, alíquota, etc., e informa a Fazenda Pública o valor que será recolhido. O contribuinte e a Fazenda Pública, que recebeu as informações prestadas, já estão cientes do valor do tributo.A Fazenda fica inerte, aguardando a iniciativa do contribuinte. Se após essa declaração de apuração e quantificação do crédito tributário o devedor permanecer omisso, seja porque nada pagou, seja porque o pagamento foi parcial, é evidente que não haverá a menor necessidade de instaurar-se um procedimento administrativo para constituir o crédito tributário mediante o lançamento de ofício. O lançamento existe para que o contribuinte saiba quanto deve pagar. Se ele próprio apurou o valor do crédito tributário, mas não efetuou o pagamento no prazo previsto em lei, resta à administração encaminhar o crédito, ou o que sobra dele, para inscrição em dívida ativa, a fim de aparelhar futura execução fiscal.”[4] (grifei)    Assim, emitida a norma individual e concreta pelo contribuinte e não pago o tributo no vencimento, o crédito tributário já estará constituído – dispensados o procedimento administrativo e a notificação do devedor –, promovendo-se então a inscrição em dívida ativa e a execução fiscal, com a exigência dos consectários legais. A imposição da multa e dos juros, em nosso entendimento, decorre de determinação legal, devendo-se destacar que o contribuinte tinha ciência de que se sujeitaria a esses encargos se não pagasse o tributo no prazo definido na legislação tributária. Veja-se, a propósito, a jurisprudência do STJ: “TRIBUTÁRIO – DEBITO FISCAL – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – MULTA E JUROS – INDICE DE CORREÇÃO MONETARIA – UFESP – IPC/FIPE. I – Tratando-se de débito declarado e não pago, caso típico de autolançamento, não tem lugar a homologação formal. II – A multa imposta pelo não pagamento do credito à época do vencimento está sujeita à correção monetária, dispensado o procedimento administrativo. III – Os juros serão contados a partir da data do vencimento da obrigação, consoante iterativa jurisprudência do STJ. IV – Não é licita a utilização de ipc-fipe como índice de correção de créditos fiscais. Com a extinção do ipc-ibge, a ufesp deve ser atualizada pelo inpc.” (REsp. 85.080/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 10/06/1996, DJ 1º/07/1996, p. 24.002). (grifei)     6. Da conclusão Face ao exposto, conclui-se que “lançamento por homologação” é um ato de introdução de norma jurídica, individual e concreta produzida pelo administrado em decorrência de autorização legal que dá competência ao contribuinte para constituição do crédito tributário. Por ser constitutivo de crédito tributário, e de não haver diferença jurídica quanto ao ato praticado pela administração e o ato praticado pelo particular, a constituição de crédito realizada pelo administrado possui validade e eficácia imediata, não sendo necessária a convalidação por parte do Estado- Administração. Assim, ao “homologar” a constituição a norma individual e concreta que institui o tributo, o Fisco nada mais faz do que verificar se o ato do particular foi editado em estrita observância com os comandos legais, bem como o pagamento dos débitos. Em razão disso, emitida a norma individual e concreta pelo contribuinte e não pago o tributo no vencimento, o crédito tributário já estará constituído – dispensados o procedimento administrativo e a notificação do devedor –, promovendo-se então a inscrição em dívida ativa e a execução fiscal, com a exigência dos consectários legais. Em suma, a constituição do crédito tributário por parte dos administrados não se confunde com lançamento tributário propriamente dito – a rigor do disposto no art. 142 do Código Tributário-. Contudo, é uma outra forma de instituição de norma individual e concreta no campo dos tributos, legalmente prevista em lei, e que possui em nosso sistema jurídico, sendo apta à criação de relações jurídicas tributárias.
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A inconstitucionalidade da apreensão de mercadorias pelo fisco após a lavratura do respectivo auto de infração
O objetivo da apreensão de mercadorias pelo Fisco, mesmo quando desacompanhadas de documento fiscal idôneo, uma vez lavrado o respectivo auto de infração, é identificar o contribuinte para que se proceda ao lançamento do tributo em débito, se for o caso. Este artigo visa contribuir para delimitação do legítimo exercício do poder de polícia da Administração Fazendária, quando ao momento que esta apreende mercadorias do particular, evitando as notórias sanções políticas. As sanções políticas constituem meios coercitivos indiretos de cobrança de tributo, prática esta coibida pelos tribunais pátrios. Por isso, a apreensão de mercadorias pelos agentes fiscais só podem perdurar o tempo necessário para que se identifique o sujeito passivo da relação tributária, não podendo ser utilizada como sanção política, uma vez que o Estado dispõe de uma via adequada para realização de tal cobrança. Diante da inconstitucionalidade dessa apreensão, para se coibir a prática reiterada desse ato pelo Fisco, deve o contribuinte-lesado ingressar com ação indenizatória contra o Estado, responsabilizando pessoalmente a autoridade coatora.*
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente artigo visa estudar o controvertido limite da atuação do Estado quando no seu exercício de poder de polícia administrativo e a prática de meios coercitivos indiretos de cobrança de tributos nas apreensões de mercadorias. Hodiernamente, a expressão “poder de polícia” é utilizada no Direito Brasileiro como atividade administrativa limitadora de direitos e liberdades individuais em favor do interesse público adequado. Nesse mister, a atividade fiscalizatória do Fisco – exemplo da atuação do Estado no exercício do regular poder de polícia – tem o intuito de estimular o cumprimento espontâneo das obrigações tributárias. Assim, importando o poder de polícia em restrições a direitos individuais, a sua utilização não deve ser excessiva ou desnecessária para que não se configure o “abuso de poder”. Com efeito, sabe-se que a apreensão de mercadorias pelo Fisco, em alguns casos, é um ato tradicionalmente descrito como medida decorrente do poder de polícia. É questionável, no entanto, a constitucionalidade de tal prática, se o Fisco mantém a apreensão dessas mercadorias, mesmo quando desacompanhadas de documento fiscal idôneo, após a lavratura do respectivo auto de infração e lançamento do tributo em débito, o que já identificaria o contribuinte, com o evidente intuito de “executar” a cobrança do respectivo tributo em aberto. Neste sentido, inúmeros litígios chegaram aos Tribunais pátrios que têm entendido, em conformidade com alguns doutrinadores, que a perpetuação da apreensão de mercadorias pela Administração Fazendária pode se caracterizar uma sanção política, prática repudiada em nosso sistema jurídico. Assim, a importância do presente trabalho destaca-se no âmbito tributário e administrativo, confrontando entendimentos que norteiam a abrangência do poder de polícia do Estado, mais especificamente da Administração Fazendária. Dessa forma, a coexistência da liberdade individual e do poder público repousa na conciliação entre a necessidade de respeitar essa liberdade e a de assegurar a ordem social, sem infringir os direitos constitucionalmente garantidos. 2  LIMITES E O ABUSO DO PODER FISCALIZATÓRIO TRIBUTÁRIO O Código Tributário Nacional (CTN), no seu artigo 78, prevê o conceito legal de poder de polícia nos seguintes termos: “Atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” Pode-se dizer a partir do conceito exposto acima que o que se busca, em última análise, é o equilíbrio entre a fruição dos direitos individuais e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. Ou seja, o que se procura é a harmonia necessária para assegurar a coexistência da liberdade individual e o Poder Público, coexistência essa que torna necessário o respeito à referida liberdade, porém assegurando a ordem social.  Destarte, observa-se que não existe qualquer incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites a eles opostos pelo poder de polícia, pois sua utilização não deve ser excessiva ou desnecessária para que não se configure o “abuso de poder”, como bem leciona Cretella Jr. (2002, p. 551). Nesse sentido, o poder fiscalizatório tributário traduz-se no exercício do poder de polícia do Estado por meio da atuação de agentes do Fisco na conduta dos indivíduos. Em respeito à primazia do interesse público sobre o privado, não cabe ao particular se opor à fiscalização, desde que essa seja conduzida de forma lícita e regular. Ademais, o exercício do Poder de Fiscalizar pode ser efetivado sem necessidade de autorização judicial, existindo, pois, executoriedade para as decisões de fiscalizar, respeitados os direitos fundamentais. A relação entre fisco e contribuinte, no que tange à fiscalização que o primeiro pode e deve exercer sobre o segundo, vem explanada, sucintamente, nos artigos 194 a 200 do CTN. Depreende SABBAG (2008, p.348), da dicção do artigo 194 do CTN[1], que “a competência e os poderes das autoridades administrativas, que laboram no mister fiscalizatório, estão adstritos a regramentos estipulados pela legislação tributária”. Assim, tratando-se de competências das autoridades fiscais, o poder é conferido na exata medida que o legislador considerar necessária para o eficiente exercício das atividades de fiscalização e arrecadação, levando em consideração as peculiaridades de cada tributo administrado (ALEXANDRE, 2007, p.471). Infere-se, a partir daí, que a especificidade presente para cada tributo tornou necessária a existência de legislações específicas para cada um destes, o que, em contrapartida, justificaria a ausência, em nível nacional, de uma legislação que norteie a relação fisco-contribuinte, a qual possa tratar de assuntos diversos, dentre os quais os limites da atividade de fiscalização, evitando dubiedade de entendimentos e coibindo abusos, quer do contribuinte, quer do Fisco. Importando, portanto, o poder de polícia tributário em restrições a direitos individuais, a sua utilização não deve ser excessiva ou desnecessária, ultrapassando os limites legais assinalados para o campo de seu exercício, para que não se configure o “abuso de poder” por parte do Fisco (CRETELLA Jr. 2002, p. 551). 3 SANÇÕES POLÍTICAS COMO MEIO INDIRETO DE COBRANÇA DE TRIBUTOS Em decorrência do famigerado excesso de tributação, os contribuintes, muitas vezes, não suportam a carga tributária que lhes é imposta, tornando-se inadimplentes com o Estado. Geralmente alegando a necessidade de combater essa inadimplência, o Estado, por inúmeras vezes, abusa de seu poder ao instituir as denominadas sanções políticas aos contribuintes, como forma indireta de coibi-los ao pagamento dos tributos. De forma resumida, consistiriam as sanções políticas na imposição de medidas coercitivas pela própria Administração no intuito de compelir o contribuinte a efetuar o pagamento de obrigações fiscais. Tal mecanismo é previsto em alguns atos normativos infralegais, embora sua invalidade seja reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência (BARROSO e BARCELLOS, 2007, p. 235-236). Segundo Bim (2004, p.68), “a constante nas sanções políticas é a utilização de meios diversos, sempre restritivos ou impeditivos de aquisição de algum direito, que impeçam ou dificultem a atividade do contribuinte para obrigá-lo a pagar o tributo. O meio é variável, mas o fim é constante: garantir o adimplemento fiscal.” Sabe-se que ao Fisco é conferido um plexo de poderes para a persecução dos objetivos arrecadatórios, visando um aumento das riquezas do estado e a manutenção da máquina pública, em benefício do interesse comum. Por sua vez, estes poderes, embora de faculdade discricionária, encontram sua linha limítrofe na Constituição Federal, como já afirmado anteriormente, já que os atos administrativos fiscais que não atendam os princípios basilares do Estado Democrático de Direito, por ilegais, desarrazoados, desproporcionais ou sem motivação adequada, configuram abuso de poder, sendo passível de correção pelo Poder Judiciário, o qual pode declará-los nulos (RAMOS, 2005, p. 507). O Superior Tribunal de Justiça, reiterada vezes, admitiu a possibilidade do Poder Judiciário exercer determinado controle do ato administrativo discricionário, como no julgado adiante colacionado: “(I) ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO: NOVA VISÃO. 1. Na atualidade, o império da lei e o seu controle, a cargo do Judiciário, autoriza que se examinem, inclusive, as razões de conveniência e oportunidade do administrador.” […][2] Portanto, infere-se de tais decisões que é necessário estabelecer um efetivo controle do ato administrativo discricionário, não se invadindo o raio de competência do Poder Executivo, visto que caberá ao Judiciário manter a eficácia dos princípios e garantias fundamentais, evitando possíveis abusos de poder pelo Fisco. 3.1 INCONSTITUCIONALIDADE DAS SANÇÕES POLÍTICAS Apesar de inconstitucionais, as sanções políticas são hoje largamente praticadas, muitas vezes por puro comodismo das autoridades da Administração Tributária, que nelas encontram um meio fácil de fazer a cobrança de tributos. Nesse sentido, afirma Machado (1998, p.46): “Não obstante inconstitucionais, as sanções políticas vêm se tornando a cada dia mais numerosas e arbitrárias, consubstanciando as mais diversas formas de restrições a direitos do contribuinte, como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento de tributos, ou às vezes como forma de retaliação contra o contribuinte que vai a Juízo pedir proteção contra cobranças ilegais.” As sanções políticas possibilitam, desta forma, ao Fisco compelir o sujeito passivo que possua débitos a quitá-los, sem que seja utilizada a via adequada, qual seja a da cobrança administrativa ou judicial (execução fiscal). 3.1.1 Violação de princípios e direitos constitucionais 3.1.1.1 Direito à propriedade, liberdade e o devido processo legal Inicialmente, cabe observar aqui as lições do ilustre mestre Machado (1998, p.48): “A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal.” Mesmo sendo o poder de tributar irrenunciável e indelegável, sabe-se que ele não é absoluto. A vedação a essas sanções políticas configura, assim, uma limitação geral ao poder de tributar, ou, mais precisamente, ao poder de cobrar tributos. Como é uma restrição imposta ao próprio legislador, ela se fundamenta em princípios mais amplos, especialmente no princípio do devido processo legal, (artigo 5°, inciso LIV, Constituição da República Federativa do Brasil – CF)[3], inclusive em sua acepção substantiva, traduzida no postulado da proporcionalidade e da razoabilidade. Em um plano mais próximo, conforme aborda Barros (2004), a inconstitucionalidade das sanções políticas é evidente porque implica em indevida restrição aos direitos fundamentais de propriedade (artigo 5°, inciso XXII, CF)[4] e de liberdade, este último quando se trata da garantia do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5°, inciso XIII, CF)[5]; da garantia da livre iniciativa (artigo 170, caput, CF)[6]; e da garantia do livre exercício de qualquer atividade econômica (artigo 170, §° único)[7]. O Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles – e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional – constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso. Assim, a prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental, constitucionalmente assegurados ao contribuinte. Destarte, quanto a acepção substantiva do due process of law (devido processo legal), tratando-se aqui da não só da forma (legalidade), mas sim do conteúdo das medidas aplicadas pelo Poder Público, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade torna inconstitucional grande parte das sanções políticas impostas pelo Estado sobre os sujeitos passivos que se encontrem em estado de impontualidade com os seus deveres tributários (NOGUEIRA, 2005). Com efeito, se com a imposição de sanções menos gravosas (como a propositura de medida cautelar fiscal e ação de execução fiscal), pode o Estado realizar o seu direito à percepção da receita pública tributária, nada justifica validamente a imposições de sanções políticas, como a apreensão de mercadorias. Nesse sentido, já decidiu o STF, com maestria: “EMENTA: SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO “SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW”. IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO[…].” (grifos nosso)[8] Continua o relator, no mesmo julgado: “DECISÃO: O litígio em causa envolve discussão em torno da possibilidade constitucional de o Poder Público impor restrições, ainda que fundadas em lei, destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo e que culminam, quase sempre, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, por inviabilizar o exercício, pela empresa devedora, de atividade econômica lícita. […] Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro – e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários -, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas.” Firma-se, então, segundo Bim (2004, p.76), que as sanções políticas, por serem meios oblíquos de cobrança dos tributos, “são autênticos atos praticados com desvio de poder, ferindo o princípio do devido processo legal (material), desrespeitando o Estado de Direito”. Por isso, pode-se afirmar que as sanções políticas constituem uma das mais autênticas formas de desvio de finalidade, pois toda competência discricionária tem como limite a observância da finalidade que lhe é própria. O executivo fiscal não é meio subsidiário para a cobrança de débitos tributários, é o meio adequado, correto. Por esse motivo é desarrazoado substituir o processo de execução fiscal por outras medidas, sejam legislativas sejam administrativas, para conseguir o adimplemento tributário (HARADA, 2009). Como se sabe, a auto-executoriedade dos atos administrativos se liga à sua função de promover o interesse público e zelar por sua preservação. Trata-se, porém, do interesse público primário, isto é, do interesse da coletividade. Nada justifica, porém, a auto-executoriedade da cobrança de tributos pelo Fisco ou a utilização de outros meios coativos com a mesma finalidade, cuja relação direta é com o interesse patrimonial, pecuniário do ente público – o interesse público secundário – e não com o interesse público primário (BARROSO e BARCELLOS, 2007, p. 242). 3.1.1.2 Devido processo legal administrativo A Constituição da República Federativa do Brasil consagra expressamente o devido processo legal em âmbito administrativo, estatuindo-o no artigo 5°, inciso LV, a saber: “aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e os recursos a ela inerentes”(grifo nosso). Assim, qualquer medida que vise coagir o contribuinte a cumprir obrigação tributária sem que tenha havido decisão definitiva em processo administrativo ou judicial, torna-se inconstitucional, e de modo algum é admissível no atual ordenamento jurídico nacional. Nesse sentido, confirma o acórdão do STF que segue: “PROCESSO ADMINISTRATIVO – RESTRIÇÃO DE DIREITOS – OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DO “DUE PROCESS OF LAW” (CF, ART. 5º, LV) […] – O Estado, em tema de punições disciplinares ou de restrição a direitos, qualquer que seja o destinatário de tais medidas, não pode exercer a sua autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de qualquer medida estatal – que importe em punição disciplinar ou em limitação de direitos – exige, ainda que se cuide de procedimento meramente administrativo (CF, art. 5º, LV), a fiel observância do princípio do devido processo legal.” (grifos nossos) […][9] A inobservância do devido processo legal pela Administração é hipótese de exercício arbitrário do poder, viola a Constituição e conduz à invalidade do ato praticado. A partir daí tem-se que o processo administrativo fiscal e o executivo fiscal são os meios adequados para o Estado cobrar seus tributos, intimidando o contribuinte a cumprir voluntariamente a obrigação tributária. Utilizar outros meios, como as sanções políticas, seria chamar a si, Estado-administração, o exercício da jurisdição, transformando-se em juiz em causa própria, violando a feição processual e material do devido processo legal (BIM, 2004, p.80). 3.2 A SÚMULA 323 DO STF Como já explanado alhures, as sanções políticas são inconstitucionais porque não constituem o meio adequado para a cobrança de débitos tributários, que deve ocorrer pelo processo administrativo ou judicial (execução fiscal), e também por implicarem em cerceamento da liberdade de exercer atividades lícitas, como as previstas nos anteriormente citados artigos 5°, inciso XIII, e 170, parágrafo único, do Estatuto Maior do País. Nesse raciocínio, o Supremo Tribunal Federal – STF – buscou vedar a existência das sanções políticas editando, em 1963, a seguinte súmula, no tocante aos atos de apreensão mercadorias: Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”. Ao contrário do que se poderia imaginar, a tentativa de impor sanções políticas aos contribuintes não foi erradicada da prática administrativa brasileira. Ao invés, a quantidade de decisões que continuam a ser proferidas pelo STF, STJ e Tribunais Regionais Federais sobre o mesmo ponto – todas declarando a invalidade das sanções políticas e reafirmando a tese pacífica há décadas na jurisprudência e na doutrina- ilustram a atualidade do tema e a dificuldade de a administração se conformar aos padrões constitucionais (BARROSO e BARCELLOS, 2007, p. 242-243). Muitas vezes, o Fisco federal, estadual e municipal, apesar da pacífica jurisprudência do STF, cristalizada na súmula anteriormente citada, continua insistindo em suas práticas arbitrárias, alegando a necessidade de combater as fraudes dos contribuintes (LIMA, 2000). 4 APREENSÃO DE MERCADORIAS PELO FISCO 4.1 APREENSÃO LÍCITA DE MERCADORIAS O poder de polícia tributário, vale dizer, o poder de polícia que embasa as atividades administrativas da Fazenda, tem múltiplas facetas, visto que se revela em variado conjunto de medidas que objetivam viabilizar de forma eficaz os procedimentos de fiscalização e apuração dos tributos. Para Mezzomo (2005), uma das manifestações deste poder de polícia reside na possibilidade de apreensão de mercadorias sob as quais exista pendência tributária. Por conseguinte, dessume-se que a já citada súmula 323 do STF não está vedando a apreensão de mercadorias, mais sim afastando a possibilidade de se utilizar deste procedimento para coagir o contribuinte ao pagamento do tributo. Não implica, portanto, em permitir que circulem mercadorias em situação irregular, como pode ser o caso da ausência de documentação fiscal própria; impossibilidade de identificação do contribuinte responsável pelo tributo devido na operação; presença de indícios veementes de fraude; entre outros. Tem-se, assim, que nos casos em que não haja outra maneira de se comprovar a ocorrência da operação considerada irregular, não existam condições para se apurar o montante de tributo devido, ou não seja identificado o contribuinte, é lícito à autoridade administrativa proceder a apreensão para apurar tais fatos (MACHADO SEGUNDO, 2000). Com efeito, ausentes tais informações, o Fisco não tem condições de constituir o crédito tributário e proceder a respectiva cobrança. Depois de verificados aqueles fatos e lavrado o respectivo auto de infração, entretanto, não há razão para que as mercadorias permaneçam na repartição fazendária. A apreensão por período superior constitui sanção política, maneira oblíqua de coagir o contribuinte ao pagamento do tributo, claramente inconstitucional. Nesse sentido, temos o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal, que gerou inúmeras e calorosas discussões doutrinárias: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 163, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO DE SÃO PAULO: INOCORRÊNCIA DE SANÇÕES POLÍTICAS. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 5º, INC. XIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. A retenção da mercadoria, até a comprovação da posse legítima daquele que a transporta, não constitui coação imposta em desrespeito ao princípio do devido processo legal tributário. 2. Ao garantir o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, o art. 5º, inc. XIII, da Constituição da República não o faz de forma absoluta, pelo que a observância dos recolhimentos tributários no desempenho dessas atividades impõe-se legal e legitimamente. 3. A hipótese de retenção temporária de mercadorias prevista no art. 163, § 7º, da Constituição de São Paulo, é providência para a fiscalização do cumprimento da legislação tributária nesse território e consubstancia exercício do poder de polícia da Administração Pública Fazendária, estabelecida legalmente para os casos de ilícito tributário. Inexiste, por isso mesmo, a alegada coação indireta do contribuinte para satisfazer débitos com a Fazenda Pública. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (grifo nosso).[10] Logo em seu primeiro item, essa ementa fixa uma limitação temporal para a retenção da mercadoria, que é indicativa de sua finalidade. Deixa claro que a retenção da mercadoria somente é válida até a comprovação da posse legítima daquele que a transporta, pois é somente até aí que a retenção não constitui coação imposta em desrespeito ao princípio do devido processo legal tributário. Para análise do seu terceiro item faz por necessário colacionar-se, aqui, o artigo 163, inciso V e o parágrafo 7°, da Constituição do Estado de São Paulo, a que se fez referência: “Artigo 163: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado: […] V – estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributo, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público Estadual; […] § 7º – Para os efeitos do inciso V, não se compreende como limitação ao tráfego de bens a apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de documentação fiscal idônea, hipótese em que ficarão retidas até a comprovação da legitimidade de sua posse pelo proprietário.” (grifo nosso). Dessa forma, afirma a relatora que na norma cuja constitucionalidade é questionada inexiste a alegada coação indireta do contribuinte para satisfazer débitos com a Fazenda Pública, deixando de fora qualquer dúvida razoável que está se considerando a limitação temporal, estabelecida na citada norma, ao poder da autoridade administrativa que somente pode reter as mercadorias até a comprovação da legitimidade de sua posse pelo proprietário (MACHADO, 2007, p.103). É de suma importância ressaltar, também, o que viria ser a “documentação fiscal idônea”, presente nesta norma. Para Machado (2007, p.104), o documento fiscal a que se refere a norma tida como constitucional é destinado apenas a comprovar a posse legítima das mercadorias, em favor de quem as transporta. Como se observa, a norma em questão indica, com clareza vítrea, que a finalidade da documentação fiscal que a qualifica como idônea é fazer a prova da posse legítima das mercadorias. Corroboram, neste sentido, as lições do professor Janczeski (2008): “Havendo documento fiscal idôneo para comprovar a posse legítima, a apreensão da mercadoria não se justifica, da mesma forma que não se justifica a retenção da mercadoria após a apresentação de documento fiscal que comprove a posse legítima. O documento fiscal deve ser idôneo para comprovar a posse legítima, não necessariamente idôneo para outros fins. Documento fiscal tido como inidôneo pela fiscalização para comprovar a regularidade fiscal, desde que comprove a posse legítima da mercadoria, será idôneo para liberar ou impedir a apreensão. Comprovado pelo documento fiscal a identificação do possuidor, a apreensão será inconstitucional, mesmo que a fazenda Pública discorde do modelo de nota fiscal adotada, preço da mercadoria transportada ou outro ponto qualquer que, no entender do Fisco, gere obrigação não cumprida pelo contribuinte principal ou pelo transportador.” Na prática, é freqüente a apreensão de mercadorias acompanhadas de nota fiscal na qual existe algum elemento com o qual a fiscalização não concorda. Questionamentos a respeito de elementos como o preço das mercadorias, a indicação de que a operação é isenta de imposto, o modelo da nota fiscal, são razões alegadas pela fiscalização para justificar a apreensão de mercadorias (BARROS, 2004). Desta forma, tem-se como lícita a apreensão de mercadorias desacompanhadas de documentação fiscal idônea, ou quando não existem condições para se apurar o montante do tributo devido, e sua retenção, até a identificação do contribuinte e lavratura do respectivo auto de infração (limite temporal). 4.2 APREENSÃO DE MERCADORIAS COMO SANÇÃO POLÍTICA Como já vergastado, as sanções políticas não constituem o meio juridicamente idôneo para expropriar o patrimônio do devedor. É preciso, portanto, afastar-se a idéia de que em alguma situação é válida a apreensão de mercadorias pelo Fisco como meio de coerção contra o contribuinte, para obrigá-lo a pagar seus débitos tributários.  A apreensão na verdade somente se justifica como forma de viabilizar para a Fazenda os meios de que necessita para lançar o tributo, pois a cobrança deste há de ser feita, sempre, por via do processo administrativo ou judicial, este último mediante a propositura de competente execução fiscal (MACHADO, 2007, p.107). Ademais, princípios e direitos constitucionais coadunam-se contra a apreensão de mercadorias em decorrência de autuação fiscal, dentre os quais se destacam o direito à propriedade (artigo 5°, inciso XXII, CF), vedando práticas abusivas que possam ter efeito de confisco, e a necessidade de obediência ao devido processo legal (artigo 5°, inciso LIV, CF). Esse último, afirma que a apreensão é medida administrativa de direito tributário e, portanto, está adstrita à sua observância. Como seus corolários têm-se a ampla defesa e o contraditório (artigo 5°, inciso LV, CF), que também são exigidos no processo administrativo e que, por uma ilação lógica, devem estar presentes previamente à medida de restrição de direitos. Portanto, seguindo o raciocínio travado a partir do acórdão da ADIn n° 395-0, anteriormente colacionado, estando o contribuinte de qualquer forma identificado e o lavrado o auto da suposta infração, não há motivo lícito para apreensão das mercadorias ou para sua retenção na repartição fazendária. Nesse sentido, o acórdão que julgou o agravo regimental no recurso extraordinário, interposto pelo Estado do Rio Grande do Norte: “1. Apreensão de mercadorias como forma de coerção ao pagamento de tributos: impossibilidade. É da jurisprudência do Supremo Tribunal que não é dado à Fazenda Pública obstaculizar a atividade empresarial com a imposição de penalidades no intuito de receber imposto atrasado (RE 413.782, 17.03.2005, Marco Aurélio). 2. Recurso extraordinário: inadmissibilidade para rever os fatos da causa que devem ser considerados “na versão do acórdão recorrido”. Precedentes.” (grifo nosso)[11] No relatório do acórdão, informa o relator que o agravante alegou em seu recurso que as agravadas transportavam mercadorias sem a documentação fiscal necessária, cometendo crime e violando legislação tributária pertinente, motivo pela qual seria cabível a apreensão com o objetivo de regularizar a situação fiscal. Ora, da análise dos julgados presentes até aqui resta de forma indubitável que para o STF uma vez identificado o sujeito passivo, a apreensão de mercadorias não pode ser utilizada como sanção política porque privaria o contribuinte do devido processo legal, constituindo-se, assim, meio jurídico inidôneo para alcançar o adimplemento fiscal. A apreensão de mercadorias somente seria admissível para que se apure o quantum devido e o impute a alguém, ou seja, para que se promova o lançamento (BIM, 2004, p.84). Mantendo essa linha, colaciona-se aqui, também, o seguinte julgado: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ICMS. REGIME ESPECIAL. RESTRIÇÕES DE CARÁTER PUNITIVO. LIBERDADE DE TRABALHO. Inadmissível a apreensão de mercadorias com o propósito de coagir o contribuinte ao pagamento de tributos, em face da incidência do enunciado da Súmula n. 323 do Supremo Tribunal Federal. Violação da garantia constitucional da liberdade de trabalho. Agravo regimental a que se nega provimento.” (grifo nosso).[12] Condicionar a liberação da mercadoria ao pagamento de tributos é uma sanção indireta tributária e viola a menor ingerência possível nas atividades econômicas, interferindo de maneira desarrazoada na livre iniciativa. 4.2.1 Manutenção da Apreensão após Lavrado Auto de Infração Ressalte-se, mais uma vez, que ao momento que a autoridade apreende mercadorias para auferir ilícitos, esta age dentro dos limites de atuação; porém, depois de verificados a presença ou não destas irregularidades, não há razão para subsistir a apreensão. Assim, o agente fiscal, dentro de suas atribuições, após apreender a mercadoria e auferir qualquer irregularidade que seja, pode e deve, se for o caso, lavrar o respectivo auto de infração. Oportunamente, apresenta-se o julgado a seguir transcrito: “TRIBUTÁRIO. MERCADORIA SEM NOTA FISCAL. LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO. LANÇAMENTO DO TRIBUTO DEVIDO. ILEGALIDADE. APREENSÃO. 1. É ilegal a apreensão de mercadoria, ainda que desacompanhada da respectiva nota fiscal, após a lavratura do auto de infração e lançamento do tributo devido. 2. Recurso ordinário provido.” (grifo nosso).[13] Continuou o ilustre relator, em seu voto, no mesmo julgado: “Embora a apreensão de mercadorias seja admitida para averiguação de eventual infração, não se justifica a continuidade da apreensão depois de lavrado o Autor de Infração. No caso sob exame, a apreensão foi realizada para ‘averiguação de mercadorias desacompanhadas de documentação fiscal […]. Pois bem, A partir do momento em que o fisco sergipano identificou o contribuinte, avaliou a mercadoria e lavrou o Auto de Infração respectivo, constituindo o crédito tributário e, conseqüentemente, formalizando o regular Processo Administrativo Fiscal, não mais se justifica a apreensão da mercadoria. Sim, porque a partir daquele momento a Fazenda Pública passou a dispor de meios legais específicos para a cobrança e execução do crédito tributário. No presente feito, a continuidade da apreensão das mercadorias, depois de lavrado o Auto de Infração, configura inadmissível meio coercitivo para pagamento de tributos. Tal procedimento não vem sendo permitido por nossos Tribunais Superiores, conforme entendimento expresso através da Súmula nº 323, do STF […]” Perfeito o que traz em seu bojo o voto no acórdão supra colacionado com o que aqui se pretende firmar: não há motivo para que, depois de lavrado o auto de infração, a mercadoria permaneça apreendida, o que configura afronta à súmula 323 do STF, pois, tal apreensão existe apenas para coibir o contribuinte ao pagamento do tributo, que nem sempre é devido.  Nessa mesma acepção, têm-se, adiante, mais dois julgados do STJ: “(I) TRIBUTÁRIO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – APREENSÃO DE MERCADORIAS – AUSÊNCIA DE NOTA FISCAL – AUTO DE AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO – ILEGALIDADE. 1. “É ilegal a apreensão de mercadoria, ainda que desacompanhada da respectiva nota fiscal, após a lavratura do auto de infração e lançamento do tributo devido” (RMS 21489/SE, Min. João Otávio de Noronha). 2. Recurso ordinário provido. (grifo nosso).[14] (II) TRIBUTÁRIO. APREENSÃO DE MERCADORIAS TRANSPORTADAS SEM NOTA FISCAL. MANUTENÇÃO APÓS A LAVRATURA DE AUTO DE INFRAÇÃO. ILEGALIDADE. RECURSO ORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.” (grifo nosso).[15] Ex vi, a jurisprudência é pacífica no entendimento que ainda quando se admita a apreensão, esta se limita ao tempo exclusivamente necessário à lavratura do auto de infração. 5 MEDIDAS JUDICIAIS DE COMBATE A INCONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO DE MERCADORIAS PELO FISCO 5.1 O PEDIDO DE LIMINAR NO MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA É cediço que o mandado de segurança é o remédio constitucional[16] que visa assegurar a proteção do direito líquido e certo quando houver ilegalidade ou abuso de poder por autoridade pública ou pelo agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. Hoje não restam quaisquer dúvidas quanto à possibilidade da utilização do mandado de segurança em matéria tributária, tendo o próprio Código Tributário Nacional previsto a utilização deste remédio constitucional no âmbito tributário, ao dispor, no seu inciso IV do artigo 151, que a concessão da medida liminar em mandado de segurança suspende a exigibilidade do crédito tributário. A medida liminar em mandado de segurança é um importante instrumento para dar agilidade ao processo e evitar danos, muitas vezes, irreparáveis aos contribuintes que necessitam de uma tutela de urgência para a garantia e preservação dos seus direitos, como nos casos das apreensões de mercadorias pelo Fisco com desiderato de cobrança indireta de tributos. O inciso III do artigo 7º da Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/2009) prevê que o juiz ao despachar a inicial ordenará “que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica”.  Como exposto, a possibilidade da concessão da medida liminar no mandado de segurança é um meio eficaz para que o ato abusivo praticado pela Administração Pública, ilegal ou inconstitucional, seja suspenso de imediato. 5.2 DIREITO DO CONTRIBUINTE DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS Mesmo com o deferimento do pedido de liminar no mandado de segurança, nenhuma conseqüência decorre capaz de inibir as práticas abusivas do Fisco. Por isto proliferam, e se repetem, até para o mesmo beneficiário da ordem judicial, que tem de ser repetida em todos os casos, gerando enorme encargo para o Judiciário (BARROS, 2004). Com efeito, os casos levados ao conhecimento do Judiciário têm como solução a mera liberação das mercadorias abusivamente apreendidas. Nesses casos, após obter a liberação das mercadorias, mediante medida liminar em mandado de segurança, o contribuinte deve apurar os prejuízos sofridos e ajuizar ação ordinária de indenização, pleiteando ressarcimento de danos materiais, lucros cessantes e eventuais danos morais sofridos. Desta maneira, o caminho para inibir as sanções políticas é a ação de indenização por perdas e danos, contra a entidade pública, com pedido de citação também da autoridade responsável pela ilegalidade, tudo com fundamento no art. 37 e seu § 6º, da vigente Constituição Federal[17] (MACHADO, 2005, p.488). A sanção política, conforme o caso, pode causar dano moral, dano material, e lucros cessantes, tudo a comportar a respectiva indenização, desde que devidamente demonstrados. Cuida-se, então, de reação legítima do cidadão contra os freqüentes abusos do Fisco, que se não reprimidos poderão provocar grande e indesejável retrocesso na relação tributária, que de relação jurídica poderá voltar a ser relação simplesmente de poder. 5.3 POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIDADE PESSOAL DO AGENTE PÚBLICO Segundo Machado (2005, p. 489), “enquanto ninguém for responsabilizado pelas práticas ilegais, o fisco vai continuar agindo de forma arbitrária, porque as autoridades não estão preocupadas de nenhum modo coma legalidade”. Nesse sentido, faz-se por necessária, além do ajuizamento da ação ordinária de indenização, a responsabilização pessoal da autoridade que praticou a arbitrariedade. A responsabilidade do agente público (autoridade coatora) só será a final reconhecida e afirmada na sentença que condenar o Estado ao pagamento da indenização, se o juiz restar convencido de que realmente configurou-se sua culpa ou dolo. È de suma importância, desta forma, que o contribuinte indique como litisconsórcio passivo a autoridade coatora responsável pelo ato abusivo, para que o Estado exerça o direito de regresso e os cofres públicos sejam desde logo ressarcidos (MACHADO SEGUNDO, 2000). 6 CONCLUSÃO O poder de polícia tributário que embasa as atividades administrativas da Fazenda se revela em um variado conjunto de medidas que objetivam viabilizar de forma eficaz os procedimentos de fiscalização e apuração dos tributos, implicando na imposição de diversos atos auto-executórios. Contudo, o Estado, por inúmeras vezes, abusa de seu poder ao instituir as denominadas sanções políticas aos contribuintes, como forma indireta de coibi-los ao pagamento dos tributos. A inconstitucionalidade das sanções políticas é evidente porque implica em indevida restrição aos direitos fundamentais de propriedade (artigo 5°, inciso XXII, CF) e de liberdade, este último quando se trata da garantia do livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (artigo 5°, inciso XIII, CF); da garantia da livre iniciativa (artigo 170, caput, CF); e da garantia do livre exercício de qualquer atividade econômica (artigo 170, §° único). As sanções políticas são também inconstitucionais por corresponderem a restrição ao princípio do devido processo legal (artigo 5°, inciso LIV, CF), pois não se admite que o Fisco, dispondo de meios legais para a cobrança de seus créditos, o que deve ser feito através do processo administrativo ou judicial (execução fiscal), pretenda utilizar esses meios coercitivos indiretos. Assim, a apreensão de mercadorias acompanhadas de documento fiscal idôneo hábil para comprovar a posse legítima das mercadorias, embora desatenda alguma exigência da legislação tributária, é ato arbitrário não admitido pela jurisprudência do STF, pois funciona como sanção política. Da mesma forma, mesmo que as mercadorias estejam desacompanhadas de documentação fiscal idônea, a apreensão só pode perdurar até o momento que seja feita a prova da posse legítima das mercadorias e se lavre o respectivo auto de infração. A apreensão de mercadorias, como delineado, somente é admissível para que se apure o quantum devido e o impute a alguém, ou seja, até que se identifique o sujeito passivo da relação tributária. Lavrado o auto de infração e, por conseguinte, feita a prova da posse legítima das mercadorias, devem ser estas liberadas, pois do contrário estará caracterizado o uso da apreensão com instrumento coercitivo na cobrança de tributo. Para se livrar de restrições arbitrárias que as autoridades fazendárias teimam em impor aos contribuintes, como a apreensão de mercadorias nos casos explicitados, estes têm recorrido constantemente ao Judiciário através da impetração de mandados de segurança para garantir a prática da atividade econômica. Como afirmado, mesmo com o deferimento do pedido de liminar no mandado de segurança, nenhuma conseqüência decorre capaz de inibir as práticas abusivas do Fisco. Por isto estes se proliferam, gerando enorme encargo para o Judiciário. Por este motivo, acredita-se que o caminho para inibir as sanções políticas é a ação de indenização por perdas e danos, contra a entidade pública, com pedido de citação também da autoridade responsável pela ilegalidade, para que assim ocorra também a responsabilização pessoal da autoridade que praticou a arbitrariedade.
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Aspectos relevantes da Lei de Execuções Fiscais à luz da jurisprudência
As Execuções Fiscais são submetidas a uma disciplina própria, veiculada na Lei 6.830/1980. É intuito de esse ensaio analisar alguns aspectos peculiares, tais como o sujeito passivo e a penhora nos executivos fiscais à luz da jurisprudência pátria, em especial do Superior Tribunal de Justiça.
Direito Tributário
Resumo: As Execuções Fiscais são submetidas a uma disciplina própria, veiculada na Lei 6.830/1980. É intuito de esse ensaio analisar alguns aspectos peculiares, tais como o sujeito passivo e a penhora nos executivos fiscais à luz da jurisprudência pátria, em especial do Superior Tribunal de Justiça. Palavras-chaves: Execução Fiscal. Sujeito Passivo. Penhora. STJ. Sumário: 1. Noções Gerais sobre o Executivo Fiscal. 2. O Sujeito Passivo da Execução Fiscal. 3. A Penhora via BACEN-JUD. 4. A Penhora de faturamento. 1. Noções Gerais sobre o Executivo FiscalO intuito desse ensaio é analisar aspectos da Lei 6.830/1980 ainda controvertidos na doutrina e jurisprudência ou com recente uniformização jurisprudencial, em especial aqueles afetos ao sujeito passivo e à penhora levada a efeito nesse rito processual. Embora tal instrumento normativo tenha sido editado há quase trinta anos, há ainda uma zona cinzenta com a qual se depara o operador do direito que atua nos executivos fiscais. É bem verdade que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 5.080, de 20.04.2009, que dispõe a respeito da denominada “Execução Fiscal Administrativa”. Dada a complexidade do tema e, sobretudo, às inconstitucionalidades existentes no referido Projeto, tenho que a Lei 6830/1980 ainda perdurará por um bom tempo no cenário jurídico nacional. Atualmente, pois, a execução fiscal promovida pela União e pelos Estados e Municípios é regida pela Lei 6.830/1980. Essa produção legislativa detém dispositivos de natureza material e também processual. Nesse diapasão, o Código de Processo Civil também rege os executivos fiscais naquilo que a lei mencionada for omissa. Podemos, em apertada síntese, definir execução fiscal como o processo no qual os entes federativos buscam a satisfação do crédito público. Ademais, as autarquias e fundações públicas, que detenham natureza de direito público, tambêm podem executar os seus devedores sob o rito previsto na LEF (Lei de Execução Fiscal), assim como os Conselhos Regionais de Profissão (também criados por leis e com natureza de direito público). A OAB, embora seja entidade de direito privado (assim se pronuncia a jurisprudência majoritária mais recente), também se utiliza da execução fiscal para, exempli gratia, executar as anuidades devidas pelos advogados. Não se pode olvidar que a execução fiscal é uma modalidade de execução de título extrajudicial. A Certidão de Dívida Ativa nada mais é do que título extrajudicial líquido, certo e exigível. Os requisitos aos quais devem obedecer as CDA’s estão insertos no artigo 202 do Código Tributário Nacional. Ou seja, depois de constituído o crédito público (seja ele tributário ou não) e não efetuado o pagamento no tempo devido (nem impugnada a exigência na esfera administrativa), nasce para a Administração Pública o direito (na acepção de dever) de inscrever o débito administrativo e, após, persistindo a inércia do devedor quanto à satisfação do débito, inscreve-o em dívida ativa. A dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez. É o que dispõe o artigo 3º da Lei 6830/1980. E não poderia ser diferente, até porque este atributo deriva da presunção de legitimidade de que gozam os atos administrativos. A presunção de legitimidade e de legalidade dos atos administrativos faz com que o ônus da prova em contrário seja do contribuinte. Tal presunção, como é cediço, é de natureza relativa, iuris tantum, devendo, entretanto, ser combatida com provas robustas. Meras alegações de fato, sem os correspectivos fatos comprobatórios, não elidem a presunção de certeza e liquidez de que desfruta a Certidão de Dívida Ativa. O artigo 204, parágrafo único, do Código Tributário Nacional usa a expressão “prova inequívoca”. 2. O Sujeito Passivo da Execução Fiscal O artigo 4º da LEF esclarece contra quem pode ser proposta a execução fiscal. E, nesse cenário, sobretudo na prática forense, nos deparamos com tema de grande relevo. O dispositivo, singelamente, em seu inciso V, afirma que a execução pode ser proposta em face do responsável. Tema pacificado na doutrina e na jurisprudência é que as pessoas jurídicas detêm personalidade própria, distinta da dos seus sócios ou representantes legais. Logo, o débito constituído e inscrito em face de uma empresa, em linha de princípio, não é de responsabilidade de seus sócios. A questão, entretanto, a nosso ver, deve ser tratada sob o ponto de vista do direito tributário (embora as execuções fiscais possam ter como objeto créditos de natureza não tributária, é possível afirmar, com razoável segurança, que mais de 90% dos executivos públicos que tramitam no Poder Judiciário pátrio perseguem a satisfação de crédito tributário). Preleciona o artigo 135 do Código Tributário Nacional: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: (…). II– os mandatários, prepostos e empregados; III– os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”. A jurisprudência, anteriormente, tinha firmado entendimento no sentido de que constituía “infração de lei” prevista no caput do art. 135 a mera falta de pagamento do tributo na data do vencimento. Este entendimento foi adotado pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça em inúmeros precedentes, como se pode observar nas seguintes decisões judiciais: “TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DA EMPRESA. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS SÓCIOS-GERENTES. No sistema jurídico-tributário vigente, o sócio-gerente é responsável – por substituição – pelas obrigações tributárias resultantes de atos praticados com infração à lei ou cláusulas do contrato social (CTN, art. 135). Obrigação essencial a todo administrador é a observância do pagamento dos tributos, no prazo consignado na legislação pertinente. (…) É jurisprudência assente na Corte que as pessoas enumeradas no art. 135, III, do CTN, são sujeitos passivos da obrigação tributária (por substituição), podendo ser citados, com penhora de seus bens, ainda que os seus nomes não constem no respectivo título extrajudicial. Recurso provido. Decisão unânime” (STJ, 1ª T, Resp 95.0068408/RS, rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJ de 24.06.96, p. 22736)”. “Processual Civil – Tributário – Responsabilidade do Sócio-Gerente pelo não recolhimento de ICMS – Inteligência do art. 135, Inciso III do CTN – Recurso Especial – Divergência não comprovada. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que os diretores, gerentes, são pessoalmente responsáveis pelos impostos devidos pela empresa da qual eram sócios, com fatos geradores da época em que pertenciam à sociedade, e a falta de recolhimento de tributos constituiu infração à lei. (…) Agravo Regimental 314.836-RS, Relator Min. Garcia Vieira, D.J.U. 1-E de 30.10.2000, p. 135, in Revista Dialética de Direito Tributário, 64/224”. Nessa mesma senda caminhou o Supremo Tribunal Federal: “As pessoas referidas no inciso III, do artigo 135 do CTN são sujeitos passivos da obrigação tributária, na qualidade de responsáveis por substituição, e, assim sendo, aplica-se-lhes o disposto no artigo 568, V, do CPC, apesar de seus nomes não constarem no título extrajudicial. Assim sendo, podem ser citadas e terem seus bens penhorados, independente de processo judicial prévio para verificação de ocorrência inequívoca das circunstâncias de fato, aludidas no artigo 135, caput, do CTN (art.745, parte final, do “CPC”). (STF, RTJ 106/878)”. O argumento de fundo das referidas judiciais era de que, dissipando todo o patrimônio da empresa e não tendo quitado seus débitos fiscais, cometeu o sócio-gerente, à primeira vista, infração à lei, podendo ser incluído no pólo passivo da demanda independente de comprovação prévia e inequívoca dessa situação. Outra argumentação era de que o inadimplemento de tributos, a priori, constituiria infração à lei, máxime na hipótese de empresa que não detinha patrimônio desembaraçado, justificando a legitimidade passiva do administrador. A inobservância do recolhimento de tributos pela empresa, assim, ofenderia a ordem econômica traçada pela Constituição. Nesse sentido, o administrador da sociedade que não cumpre a dívida fiscal é responsável por uma infração à lei. Sustenta tal linha de raciocínio o Novo Código Civil ao dispor que o administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que o homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios (art. 1.011), respondendo este pelo saldo, se os bens da sociedade não cobrirem as dívidas da pessoa jurídica (art. 1.023). Incidiria, portanto, o que contido no inciso III do art. 135 do Código Tributário Nacional, no sentido de serem os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Ora, considerando que a obrigação tributária não é voluntaria, ou seja, prescinde da vontade do contribuinte, porquanto deriva de lei, forçoso reconhecer que ao deixar de pagar o tributo na data do vencimento  a empresa viola a lei (que, in genere,  obriga todo contribuinte a saldar o tributo devido na data prevista). Ocorre que, recentemente, o STJ alterou a sua jurisprudência ao afirmar que o mero inadimplemento de tributos não constituía em causa suficiente para o redirecionamento da execução fiscal. A argumentação precípua é a de que, se se considerar o não-pagamento de tributos como infração à lei, ao cabo todos os sócios-gerentes, nas execuções fiscais tributárias, seriam responsáveis solidários pelo débito da empresa, em flagrante ofensa ao princípio de que as pessoas jurídicas detêm personalidade jurídica própria e distinta da dos seus componentes. Tanto que, recentemente, aquela Corte Superior editou a Súmula 430, dispondo que o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. Tal posicionamento, entretanto, não significa que a Fazenda Pública ficará a descoberto nas hipóteses (aliás, quem atua nas execuções fiscais sabe que essa situação é muito frequente) em que a empresa é dissolvida sem deixar bens para o pagamento dos tributos. Assim, atualmente, a jurisprudência também caminha no sentido de que constitui infração de lei prevista no caput do art. 135 a dissolução irregular da empresa. Neste sentido transcreve acórdão modelo do Superior Tribunal de Justiça:“AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO GERENTE. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. POSSIBILIDADE. 1. “(…) 3. A jurisprudência da Primeira Seção firmou-se no sentido de que não se admite a responsabilidade objetiva, mas subjetiva do sócio, não constituindo infração à lei o não-recolhimento de tributo, sendo necessária a prova de que adiu o mesmo dolosamente, com fraude ou excesso de poderes, excepcionando-se a hipótese de dissolução irregular da sociedade comercial. 4. Havendo indícios de que a empresa encerrou irregularmente suas atividades, é possível redirecionar a execução ao sócio, a quem cabe provar o contrário em sede de embargos à execução”. (RESP 474105 / SP; Relator Min. ELIANA CALMON; Fonte DJ DATA:19/12/2003 PG:00414) “2. É inviável o trânsito do Recurso Especial quando a jurisprudência do STJ firmou-se no sentido da decisão recorrida. Súmula 83/STJ. 3. Ausência de motivos suficientes para a modificação do julgado. Manutenção da decisão agravada. 4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no Ag 543.821/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01.06.2004, DJ 28.06.2004 p. 195. Grifo nosso)”. Deste modo, a dissolução irregular da sociedade é situação fática suficiente para propiciar a inclusão do sócio-gerente no pólo passivo do executivo fiscal. Esta dissolução irregular, sem deixar bens suficientes para garantia dos débitos fiscais, é igualmente caracterizadora de infração à lei, gerando a responsabilização dos sócios-gerentes, que por isso podem ser incluídos no pólo passivo do processo de execução e ter seus bens pessoais penhorados. Eis os seguintes arestos: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL -REDIRECIONAMENTO – CITAÇÃO NA PESSOA DO SÓCIO-GERENTE – ART. 135, III, DO CTN – DISSOLUÇÃO IRREGULAR. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração à lei. 2. Em matéria de responsabilidade dos sócios de sociedade limitada, é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve irregularmente daquela que continua a funcionar. 3. Em se tratando de sociedade que se extingue irregularmente, cabe a responsabilização dos sócios-gerentes se constatado pela diligência do oficial de justiça que a empresa deixou de funcionar no endereço fornecido como domicílio fiscal sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário. Caberá, então, àqueles provar não terem agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder. 4. Recurso especial improvido. (REsp 667.406/PR, Relatora Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma do STJ. D.J. 14.11.2005)” “Esta Corte fixou o entendimento que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal capaz de ensejar a responsabilidade prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. Entretanto, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração de lei, contrato social ou estatutos. (trecho do Voto do Min. Castro Meira no julgamento do RESP n° 826.971/RS, de 16.05.2006)” De acordo com o STJ, a mera existência de indícios de infração à lei autoriza o redirecionamento da execução fiscal, como se depreende da seguinte decisão: “RECURSO ESPECIAL – ALÍNEA “A” – TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA – REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES. A responsabilidade do sócio-gerente, em relação às dívidas fiscais contraídas por esta, somente se afirma se aquele, no exercício da gerência ou de outro cargo na empresa, abusou do poder ou infringiu a lei, o contrato social ou estatuto, a teor do que dispõe a lei tributária (artigo 135 do Código Tributário Nacional), ou, ainda, se a sociedade foi dissolvida irregularmente. “Havendo indícios de que a empresa encerrou irregularmente suas atividades, é possível redirecionar a execução ao sócio, a quem cabe provar o contrário em sede de embargos à execução, e não pela estreita via da exceção de pré-executividade” (AGA 561854/SP, Teori Albino Zavascki, DJU 19/04/2004). Vide também: REsp 474.105/SP, Relator Min. Eliana Calmon, DJU 19/12/2003”. Essa responsabilidade, entretanto, não é de índole subjetiva. Assim, o redirecionamento tendo como base a dissolução irregular da empresa não alberga os créditos tributários cujos fatos geradores precedem oingresso do sócio gerente na sociedade.A questão posta atualmente, ressalte-se, é quais são os indícios que permitem concluir, em exame primário, que houve a dissolução irregular de uma empresa. Recentemente, pacificando a questão, o STJ, por intermédio da Súmula de n. 435, asseverou que se presume dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.Novamente aqui a presunção é relativa, cabendo, eventualmente, ao sócio-gerente, por meio de embargos à execução fiscal, demonstrar, por intermédio de documentos comprobatórios, que a empresaatendeu aos ditames da legislação civil no que tange à dissolução da sociedade e, neste caso, afastada estaria a infração à lei exigida pelo artigo 135 do CTN para o redirecionamento do feito executivo.3. A Penhora via BACEN-JUDOutro tema de enorme relevo na jurisprudência pátria é a interpretação a que se dá ao artigo 11 da Lei de Execução Fiscais em cotejo com demais dispositivos processuais, o que nos leva a afirmar que a penhora em execução fiscal submete-se a uma disciplina própria, particular. Em conformidade com o mencionado dispositivo legal, sendo possível a penhora sobre dinheiro, a eventual existência de outros bens dos devedores não obsta a constrição sobre o numerário encontrado pelo exeqüente. A gradação legal estabelecida pelo art. 11 da Lei de Execuções Fiscais tem como objetivo priorizar a penhora sobre bens de reconhecida liquidez e fácil alienação, em atenção ao princípio de que o processo de execução deve ser eficaz e útil ao credor. Exemplo desse tratamento próprio a que está submetida a penhora na execução fiscal é a redação da Súmula de n. 417 do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que “na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto”. Interpretação a contrário sensu do referido entendimento jurisprudencial nos leva à conclusão de que o dinheiro, na execução fiscal, tem prevalência quase absoluta quando da nomeação de bens – é evidente que o próprio STJ, em um ou outro caso, principalmente naqueles em que a retirada de numerário da empresa pode acarretar o não pagamento de seus empregados, tem minimizado tal postulado. Atualmente, a penhora de dinheiro, por excelência, pode ser alcançada por intermédio do Sistema BACEN-JUD. De utilização quase exclusiva, antigamente, na Justiça Laboral, a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira tem grande aplicação, hodiernamente, nos executivos fiscais. Vejamos o que diz o CPC, in verbis: “Art. 655-A.  Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006). § 1o As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006)”.  Portanto, dúvidas não há de que o Sistema BACEN-JUD merece aplicação na execução fiscal. A controvérsia se instaura, entretanto, quanto à possibilidade dessa modalidade de penhora ser levada a efeito de forma prioritária ou se é necessário o prévio esgotamento de bens do devedor. Podemos afirmar que até meados de 2008 o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça era pacífico quanto à obrigatoriedade de se exaurirem todos os meios possíveis para se requerer a penhora de numerário em depósitos bancários. Para aquela Corte Superior, deveria a Fazenda Pública diligenciar de forma exaustiva a fim de que, apenas em último caso, a constrição do dinheiro fosse possível.Entretanto, forçoso salientar que a Lei n. 11.382/2006, que modificou diversos dispositivos do Código de Processo Civil, alterou o entendimento que prevalecia outrora, equacionando de forma diversa a questão.O novo instrumento normativo consagrou o dinheiro como forma prioritária de satisfação do débito , onde quer que ele esteja. Ou seja, a natureza da preferência por dinheiro não se modifica pelo local onde esse numerário se encontre. Ele pode estar em conta bancária, em fundo de investimento ou na casa do devedor e mesmo assim continuará sendo dinheiro.Na realidade, a penhora de numerário, ao final, preserva o próprio patrimônio do devedor. Quem atua nas execuções que tramitam perante o Poder Judiciário pátrio sabe que, na maioria das vezes, os bens levados à hasta pública são arrematados por valor em muito inferior ao da avaliação judicial, próximo ao percentual mínimo de 50% atualmente fixado pela jurisprudência sob pena de alienação forçada irrisória. Some-se a isso o fato de que muitos bens sofrem deterioração no curso de uma execução fiscal longa (não se olvide que, em média, uma execução fiscal proposta pela Fazenda Nacional demora mais de 10 anos para ser finalizada), às vezes sem o necessário cuidado nos depósitos do leiloeiro oficial.  Nesse diapasão, tenho que a penhora em dinheiro, possível de ser veiculada por intermédio do Sistema BACEN-JUD, observa dois postulados que, em linha de princípio, seriam quase contraditórios. O primeiro é aquele segundo o qual a execução se processa em prol do devedor (uma vez que, à evidência, a Fazenda Pública quer ver os seus créditos saldados mediante dinheiro). E a penhora via BACEN-JUD está em consonância com o princípio que preleciona que ela deve se processar da forma menos onerosa ao devedor. Isto porque, de regra, qualquer outro bem do contribuinte, quando levado à hasta pública, será arrematado por valor inferior ao da avaliação, às vezes já defasada, importando em diminuição quantitativa do seu patrimônio além daquela estritamente necessária para a satisfação do crédito fazendário.Por outro lado, a penhora via Sistema BACEN-JUD não ofende o princípio constitucional que garante a proteção ao sigilo bancário. É porque a penhora prevista no artigo 655-A do CPC apenas atesta a existência ou inexistência e, em caso positivo, bloqueia dinheiro dos devedores depositados em instituições bancárias ou financeiras, não havendo qualquer espécie de investigação a respeito de sua origem, movimentação ou destino a ser conferido. A jurisprudência do Egrégio STJ já adotou a tese aqui detalhada, no sentido de que a Lei 11.382/06 é o marco que separa a possibilidade de utilização do Bacen-jud como forma prioritária de penhora, porque tem por objeto a constrição de dinheiro. Nesse sentido: “EXECUÇÃO FISCAL. ESGOTAMENTO DOS MEIOS PARA LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. PRESCINDIBILIDADE. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. SISTEMA BACEN JUD. PENHORA DE DINHEIRO. ORDEM LEGAL DE PREFERÊNCIA. LEI 6.830/1980. I – A despeito de não terem sido esgotados todos os meios para que a Fazenda obtivesse informações sobre bens penhoráveis, faz-se impositiva a obediência à ordem de preferência estabelecida no artigo 11 da Lei nº 6.830/1980, que indica o dinheiro como o primeiro bem a ser objeto de penhora. II – Nesse panorama, objetivando cumprir a lei de execuções fiscais, é válida a utilização do sistema BACEN JUD para viabilizar a localização do bem (dinheiro) em instituição financeira. III – Observe-se ademais que, de acordo com o artigo 15 da Lei de Execuções Fiscais, a Fazenda Pública pode a qualquer tempo substituir os bens penhorados por outros, não sendo obrigada a preferir imóveis, veículos ou outros bens, o que realça o pedido de quebra de sigilo, indo ao encontro do princípio da celeridade processual. Precedente: REsp 984.210/MT, Rel. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO, julgado em 06/11/2007.” (REsp 1.009.363/BA, Min. Francisco Falcão, DJ de 16.04.2008) – Grifos Nossos “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CONVÊNIO BACEN JUD. INDISPONIBILIDADE DE BENS E ATIVOS FINANCEIROS. NÃO-ESGOTAMENTO DAS VIAS ORDINÁRIAS PARA A LOCALIZAÇÃO DE BENS PASSÍVEIS DE PENHORA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. EXECUÇÃO ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.382/2006. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, antes das modificações introduzidas pela Lei nº 11.382/06, somente se admite o bloqueio de ativos financeiros pelo Sistema Bacen Jud quando esgotados todos os meios necessários à localização de outros bens passíveis de penhora.” (AgRg no Ag 992590 / BA Data da Publicação/Fonte DJe 03.09.2008) – Grifos Nossos “PENHORA SOBRE A CONTA BANCÁRIA DO DEVEDOR. SISTEMA BACEN JUD. ORDEM LEGAL DE PREFERÊNCIA. VIABILIDADE. MEDIDA CAUTELAR. CONJUGAÇÃO DOS REQUISITOS. AUSÊNCIA.  I – A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça tem o mesmo posicionamento apresentado pelo Tribunal a quo, ou seja, de que a execução é feita no interesse do credor e que é viável a substituição do bem indicado pelo exeqüente, por outro com maior liquidez, in casu, dinheiro, através do sistema BACEN JUD.” (AgRg na MC 14302 / RJ Data da Publicação/Fonte DJe 27.08.2008) 4. A Penhora de FaturamentoE, para finalizar, cabem algumas observações a respeito da penhora de faturamento, agora prevista no artigo 655, VII, do Código de Processo Civil.A Jurisprudência vem entendendo que os requisitos autorizadores dessa forma coercitiva de invasão do patrimônio da pessoa jurídica são a inexistência de bens livres e desembaraçados e a fixação de percentual que não venha, ao cabo, acarretar a inviabilidade da atividade empresarial. “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE FATURAMENTO. POSSIBILIDADE, PELAS PECULIARIDADES DA ESPÉCIE. Pelas peculiaridades da espécie, é válida a penhora sobre cinco por cento do faturamento bruto da executada, ora recorrente, pela ausência de outros bens, certo que o bem imóvel anteriormente apresentado estava hipotecado a terceiro e os veículos que haviam sido dados em penhor mercantil em favor da exeqüente foram alienados pela devedora. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido.”[i] “PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO LÍQUIDO DA EMPRESA. AUSÊNCIA DE OUTROS BENS PASSÍVEIS DE CONSTRIÇÃO EFICAZ. POSSIBILIDADE. PERCENTUAL ELEVADO. COMPROMETIMENTO DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS. REDUÇÃO. CPC, ART. 620. I. Conquanto possível a penhora sobre o faturamento da devedora, quando inexistentes bens disponíveis de fácil liquidação, deve ela observar percentual que não comprometa a higidez financeira, ameaçando o prosseguimento das atividades empresariais. II. Recurso especial conhecido e parcialmente provido, para redução do percentual da penhora incidente sobre o faturamento a patamar razoável”. [ii] De fato, constatada a inexistência de bens passíveis de constrição judicial, seja em diligências na esfera administrativa que a Fazenda Pública empreendeu, seja em investigações promovidas pelo Oficial de Justiça, resta possível a penhora de faturamento bruto mensal da empresa. De regra, o percentual deferido pela jurisprudência não supera a 5% do faturamento. Isto porque, nos termos da jurisprudência dominante, a penhora de faturamento não se constitui em penhora de direito, não podendo, portanto, ser a ela aplicadas as mesmas disposições que regem a penhora via BACEN-JUD.   Bibliografia Alves, Renato de Oliveira. Execução Fiscal. Comentários à Lei n. 6.830, de 22/09/1980. 1ª Edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2008. Alvim, Arruda. Manual de Direito Processual Civil. 8ª Edição, São Paulo: RT, 2003. Silva, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. 2ª Edição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991. Pausen, Leandro. Direito Processual Tributário – PAF e LEF à Luz da Doutrina e da Jurisprudência. 6ª Edição. Livraria do Advogado, 2010.   Notas: [i] STJ, 4ª Turma, REsp 453860/SP, Relator Ministro César Asfor Rocha, ac. un., DJU, I, de 30.06.2003, p. 258. [ii] STJ, 4ª Turma, REsp 485512/SP, Relator Ministro Aldir Passarinho Jr., ac. un., DJU, I, de 25.02.2004, p. 182. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Brasília – UnB. Procurador da Fazenda Nacional e Parecerista nos processos administrativos de responsabilidade da Receita Federal do Brasil em Blumenau/SC.
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Ação anulatória de lançamento fiscal e suas especificidades
O escopo do presente trabalho é discutir as principais características da Ação Anulatória de Lançamento Fiscal, bem como os aspectos controversos de tal medida judicial.
Direito Tributário
1 – Introdução Em contraponto aos processos exacionais, que têm como objetivo a veiculação de uma norma individual e concreta que efetive, no plano fático, a obrigação tributária, encontramos na legislação e na práxis pátria, alguns tipos de processos judiciais, instaurados pelos contribuintes, que visam obstar o desenvolvimento do ciclo de posivitação do Direito Tributário. Mais especificamente, no âmbito do processo repressivo, deparamo-nos com a ação anulatória de lançamento fiscal, que, conforme Cleide Previtalli Caís “pode ser promovida pelo contribuinte contra o Poder Público tendo como pressuposto a preexistência de uma lançamento fiscal cuja anulação se pretenda pela procedência da ação descontituindo-o”.[1] Embora seja um tipo de ação comumente empregada no dia-a-dia forense pelos causídicos, tal ação sofreu algumas mudanças, nos últimos tempos, em seu conceito e na forma de sua utilização. O objetivo deste trabalho é apenas e tão-somente submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese do problema, apontando posições de alguns respeitáveis juristas sobre o tema, com o intuito de esboçar um posicionamento tímido sobre o assunto. 2- Definição de Ação Anulatória de Lançamento Fiscal Primeiramente, insta ressaltar que a ação anulatória em matéria tributária é uma modalidade processual antiexacional que sucede a constituição da obrigação tributária. Tal ação tem como objetivo primeiro a produção de uma norma concreta e individual que desconstitua a eficácia da anterior norma tributária (o lançamento efetuado pelo Fisco). Desta forma, o Estado-Juiz ao julgar o pleito do contribuinte, emite uma sentença que possui eficácia desconstitutiva da obrigação tributária. Embora a carga principal da sentença da ação anulatória seja desconstitutiva, uma vez que a sentença funciona como veículo introdutor de uma norma que leva a extinção da obrigação tributária, também possui carga declaratória, eis que ao julgar a questão, o Estado-juiz além de desconstituir a normal individual e concreta já produzida, proíbe o Fisco de, em condições fáticas e jurídicas idênticas, efetuar o lançamento novos tributos. Dessa forma, a sentença judicial produzirá efeitos não só sobre a obrigação anteriormente posta, mas também sobre todas as situações futuras, que se enquadrem no mesmo lineamento enfrentado pela Judiciário. Em síntese, a sentença da ação anulatória retroage ao passado, reformando o débito anteriormente constituído, além de constituir novo fato jurídico, eis que extingue a obrigação posta e, em conseqüência de tais fatos, regula conduta das partes litigantes em situações futuras. 3- Momento da propositura da ação Conforme expusemos no item anterior, a ação anulatória é processo antiexacional que sucede a constituição da obrigação tributária. Assim, diferentemente da ação declaratória (que visa a edição de norma individual e concreta que elimine a incerteza quanto à existência de um vinculo jurídico), a ação anulatória pressupõe o lançamento tributário. Logo, o termo inicial para propositura de tal instrumento antiexacional é a notificação da constituição do crédito tributário. A questão que se coloca nesse trabalho é, até que momento poderá ser proposta tal ação? Entendiam os tribunais, com fundamento nos artigos 5º e 16 da Lei de Execuções, que a ação anulatória somente poderia ser proposta até o ajuizamento da execução fiscal. Após, faleceria ao contribuinte interesse de agir, devendo, assim, alegar, por meio de Embargos à Execução toda matéria útil à sua defesa. Contudo, tal entendimento encontra-se superado, eis que, conforme dispõe o art. 585, §1ª, IV do Código de Processo Civil, a propositura de qualquer ação relativa ao débito constante do título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução. Nesse sentido, ensina o Professor Araken de Assis “a ação anulatória é cabível antes, durante e no curso da execução fiscal. Na pendência desta – já se realçou – não induz litispendência e, supervenientemente à extinção do processo executivo, não afronta a autoridade da coisa julgada”[2]. Ademais, já ficou consolidado no Egrégio Superior Tribunal de Justiça que: “IPTU. AÇÃO ANULATÓRIA AJUIZADA NO CURSO DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. 1. Esta Corte possui entendimento pacífico no sentido de que a ação executiva em curso não impede a propositura de ação desconstitutiva pelo executado. Precedentes: REsp 937.416/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 16.6.2008; AgRg no Ag 774.671/RJ, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ de 1.3.2007.2. Agravo regimental não-provido.” (AgRg no REsp 866.054/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 03/02/2009) Nesse ínterim, insta ressaltar que a ação anulatória é prejudicial à execução fiscal, visto que, quando for julgada procedente, será criada uma norma individual e concreta, que se projetará em direção ao passado, indo ao tempo da constituição da obrigação tributária para ali encontrar seu fundamento. Dessa forma, proposta a ação anulatória após o ajuizamento da execução fiscal, aquela passa a exercer perante esta inegável influência prejudicial a recomendar o simultaneus processus, como expediente apto a evitar decisões inconciliáveis. Logo, o juízo único é o que guarda a mais significativa competência funcional para verificar a verossimilhança do alegado na ação de conhecimento e permitir prossiga o processo satisfativo ou se suspenda o mesmo. Quanto à possibilidade de conexão entre a ação anulatória e a execução fiscal, ressalte-se ainda que o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que pode haver conexão da ação anulatória não só com os Embargos à Execução, quando existentes, mas também com a própria execução fiscal, ainda que sem embargos, hipótese em que, a ação anulatória pode passar a fazer vezes dos embargos, suspendendo a execução fiscal quando garantido o juízo. Nesses casos, reunidos os efeitos no Juízo da execução fiscal, este terá competência não apenas para processar o processo executivo, mas também para processar e julgar a ação anulatória. 4- Ação Anulatória e autolançamento Como é notório, o lançamento tributário, previsto no art. 142 do Código Tributário Nacional não representa a única forma de se constituir norma individual e concreta que instaure a obrigações tributárias. No sistema legislativo pátrio, o contribuinte é dotado do mesmo poder constitutivo de créditos tributários que o Estado-Fisco, eis que a lei dá competência ao contribuinte para constituir o fato jurídico e a obrigação tributária. Assim, no chamado lançamento por homologação, cabe ao administrado individualizar o evento tributário, constituindo-o como fato jurídico e estruturar “denotativamente, todos os elementos integrantes da relação jurídica do tributo”[3]. Graças a esse procedimento do administrado, é que se torna possível o recolhimento do tributo devido, sem qualquer interferência do Estado-Administração. Logo, a constituição do crédito é efetuada pelo administrado, sendo a “homologação”, apenas uma providencia de cunho meramente fiscalizatório, cujo objetivo maior é zelar pelos interesses da Administração Pública. Feitas tais considerações, devemos recordar que as ações anulatórias de débito fiscal reportam-se têm por objetivo desconstituir a norma constitutiva da obrigação tributária, gênero do qual são espécies o lançamento tributário e o autolançamento. Aliás, insta ressaltar que o artigo 156 do Código Tributário Nacional, quando se refere ao veículo introdutor da norma da obrigação tributária, não fez qualquer distinção entre as obrigações constituídas por lançamento ou autolançamento. Dessa forma, não há óbice legal para que a ação anulatória pode ser proposta para anular atos praticados pelo próprio contribuinte. Nesse ponto ressalte-se que a praxis tem demonstrado a predominância quase que absoluta de tributos construídos a partir de documentos, informes e livros dos contribuintes. Considerando, portanto, que em grande parte dos casos a norma individual e concreta da obrigação tributária é constituída pelo próprio administrado, deve o interprete repensar a finalidade da ação anulatória, não só como processo antiexacional de anulação de ato administrativo (lançamento), mas sim, também como a possibilidade de anulação do tributo constituído pelo próprio contribuinte. No nosso entender, a ação anulatória prescindirá da existência de qualquer ato homologatório por parte dos agentes da administração pública, eis que, conforme expusemos acima, a norma individual e concreta instituidora da obrigação tributário é criada exclusivamente pelo administrado, cabendo ao Estado-Fisco a simples fiscalização do ato já prático (perfeito e acabado, diga-se de passagem). No sentido de que o crédito tributário é constituído pelo próprio administrado, sem participação do Estado-Administração, colaciona-se o seguinte julgado: “TRIBUTÁRIO. ICMS. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE DESACOMPANHADA DO PAGAMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO. 1. A entrega da declaração, seja DCTF, GIA, ou outra dessa natureza, constitui o crédito tributário, sem a necessidade de qualquer outro tipo de providência por parte do Fisco. Precedentes. 2. Em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação declarado e não pago, o Fisco dispõe de cinco anos para a cobrança do crédito, contados do dia seguinte ao vencimento da exação ou da entrega da declaração pelo contribuinte, o que for posterior. Só a partir desse momento, o crédito torna-se constituído e exigível pela Fazenda pública. 3. Na hipótese dos autos, deve ser reconhecida a prescrição, pois o crédito tributário venceu em 25.09.89 e a citação da recorrente somente ocorreu em 31.10.95. 4. Recurso especial provido.” (REsp 1127224/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/08/2010, DJe 17/08/2010) Logo, negar ao contribuinte a possibilidade ingressar com ação anulatória a fim de questionar, por exemplo, a inconstitucionalidade de lei que fixa a regra-matriz de incidência de certo tributo, padece de fundamento jurídico, isso sem falar na gritante afronta ao princípio da ampla defesa. 5- Do prazo prescricional Firmou-se, em nossa jurisprudência o entendimento de que o prazo prescricional para propositura da ação anulatória do lançamento é qüinqüenal nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, contado a partir da notificação fiscal do ato administrativo do lançamento. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. IPTU, TIP E TCLLP. AÇÃO ANULATÓRIA. PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/32. 1. Esta Corte já se pronunciou no sentido de que o prazo prescricional adotado na ação declaratória de nulidade de lançamentos tributários é qüinqüenal, nos termos do art. 1º do Decreto 20.910/32, contado a partir da notificação fiscal do ato administrativo do lançamento. Precedentes: REsp 894.981/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJ de 18.6.2008; REsp 892.828/RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 11.6.2007. 2. Na espécie, constatado o decurso de cinco anos entre a notificação do lançamento e o ajuizamento da ação, há de se reconhecer a prescrição em relação aos lançamentos referentes ao exercício de 1999 e anteriores. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg nos EDcl no REsp 975.651/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2009, DJe 15/05/2009) Todavia, não podemos esquecer de duas exceções à regra geral acima esboçada. A primeira exceção está prevista no artigo 169 do Código Tributário Nacional, eis que quando a ação anulatória for precedida de decisão administrativa que denegar a restituição do indébito, o prazo prescricional para a propositura de ação anulatório no âmbito judicial será de dois anos. A segunda exceção tem por base a tese esboçada no item anterior do presente trabalho. Isto é, quando a ação anulatória tiver por objeto a norma individual e concreta emitida pelo próprio contribuinte, qual será o termo inicial do lustro prescricional? Para responder tal pergunta, temos que ter em mente o momento em que se perfectibiliza a constituição da obrigação tributária pelo próprio contribuinte. No chamado lançamento por homologação, cabe ao administrado individualizar o evento tributário, constituindo-o como fato jurídico e estruturar denotativamente, todos os elementos integrantes da relação jurídica do tributo. Após, deve o contribuinte enviar ao Estado-Fisco o suporte físico no qual está estrutura a norma individual e concreta da constituição do crédito (que poderá ser representado por DCTF, GIA, GFIP, dentre outras). Entregue o “suporte-físico” da obrigação tributária constituída por autolançamento, tem-se por perfeita e acabada a constituição do crédito tributário. Ora, se a entrega da declaração é o termo inicial para propositura de execução fiscal por parte do Estado Fisco (a fim de que seja emitida providência judicial no sentido de que a norma individual e concreta que efetive no plano fático), tal marco temporal deve ser utilizado também como termo inicial do prazo prescricional para propositura de ação anulatória. Em suma, a ação anulatória poderá ter três termos iniciais para cômputo do prazo prescricional: 1- a notificação do lançamento tributário; 2- data da ciência da notificação da decisão administrativa que denegar a restituição do indébito; 3- data da entrega das declarações constitutivas de crédito tributário ( DCTF, GFIP, GIA, dentre outras), nos casos de tributos constituídos por lançamento por homologação. 6- Conclusão Feitas essas considerações, percebe-se que a ação anulatória não é um simples processo antiexacional, que sucede a constituição da obrigação tributária. É um instrumento valioso no dia-a-dia do causídico, que permite ao aplicador do Direito não só questionar ato administrativo de constituição de crédito editado pelo Estado-Fisco, mas também o crédito constituído pelo próprio contribuinte. Ademais, tal ação possibilita amplo espectro de atuações, eis que pode ser proposta antes da execução fiscal, durante ou até mesmo após o encerramento do processo executivo. Nesse ponto, não podemos de deixar de levar em conta as preocupações que assombram os advogados tributaristas sobre eventuais efeitos que a execução fiscal já em curso geraria em detrimento do contribuinte. Contudo, lembramos que o sistema não fecha ao sujeito passivo da administração tributária a possibilidade de obter provimento extravagante que venha a suspender a exigibilidade da obrigação tributária. Encontramos, assim, na literalidade do art. 151 do Código Tributário Nacional, três diferentes formas de suspensão da exigibilidade da obrigação tributária: tutela cautelar, tutela antecipada e o depósito de montante integral da dívida, todos fadados a suspender a exigibilidade do crédito. Dessa forma, mesmo a propositura tardia da ação anulatória resguarda, sim, direitos dos administrados, sendo, em suma, uma forte garantia ao contribuinte do exercício do seu direito de ampla defesa na esfera tributária.
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Denúncia espontânea e pagamento parcelado da dívida
trata-se de um breve estudo sobre o instituto da denúncia espontânea, onde analisaremos de forma mais pontual a possibilidade ou não, de haver o parcelamento da dívida quando da citada revelação. [1]
Direito Tributário
1. Introdução O objetivo primordial das penalidades tributárias é evitar condutas que levem à elisão da obrigação tributária ou que dificultem a ação fiscalizadora do órgão responsável que visa fundamentalmente o recebimento do tributo.  O ideal seria que o contribuinte viesse espontaneamente cumprir com sua obrigação tributária, de maneira que não houvesse necessidade de sanção. O infrator que, por qualquer motivo deixe de pagar um tributo, pode se arrepender desta conduta, seja ela dolosa ou não, e vir ao Fisco anunciar o fato, desde que o faça antes de ser fiscalizado. Diante disso, primeiramente, este trabalho analisará a questão da conceituação, pressupostos e formalidade do instituto da denúncia espontânea. Em um segundo momento, cuidará dos efeitos do instituto frente à responsabilidade penal para, por fim, proceder a análise da jurisprudência, onde pretenderá inferir a possibilidade ou não do parcelamento da dívida frente a denúncia espontânea. 2. Conceito de Denúncia Espontânea A denúncia espontânea é a confissão por parte do contribuinte, frente à administração pública fiscal, de que cometeu infração tributária, seja principal ou acessória, com o intuito de livrar-se da responsabilidade por tal transgressão. O instituto da denúncia espontânea está previsto no artigo 138 do Código Tributário Nacional, sendo este que rege o seguinte: “Art. 138. A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. Parágrafo único. Não se considera espontânea a denúncia apresentada após o inicio de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” Nas palavras de Castro (2007), a denúncia espontânea é uma modalidade do procedimento administrativo preventivo, onde o contribuinte informa ao fisco o cometimento de infração tributária, denunciando-se e assim excluindo sua responsabilidade tributária com o competente pagamento. Em outras palavras: “[…] é modo de exclusão de responsabilidade por infração à legislação tributária, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, dependa de apuração” (CARVALHO, 2002, p. 509). Percuciente se mostra ainda a conceituação apresentada por Maia Filho (2008, p.01): “A denúncia espontânea de infração fiscal significa a prática, pelo contribuinte, de ato de vontade pelo qual informa, por própria iniciativa, à Autoridade Administrativa Fiscal competente, a existência de fatos imponíveis objetivos e concretos, até então desconhecidos da Administração, e ensejadores de exigência tributária ou constitutivos de infração acessória, seguindo-se a essa comunicação, se for o caso, o pagamento do tributo devido, mas se excluindo a responsabilidade pela infração, ou seja, excluindo-se a multa” (art.138 do CTN). No dizer de Baleeiro (2001), a denúncia espontânea ocorre concomitantemente com a confissão e desistência do proveito da infração, podendo-se comparar ao instituto penal do arrependimento eficaz. Entretanto a condição espontaneamente vem bem esclarecida no sentido de ser somente aquela oferecida antes do início de qualquer procedimento administrativo referente à infração. Amaro (2006) entende a espontaneidade da mesma forma, acrescentando que as motivações da autodenúncia não têm relevância para o seu resultado, mesmo que nasçam de uma motivação pouco nobre como a notícia na imprensa de aumento de alíquota de certo tributo, ensejando o contribuinte a se antecipar ao aumento ou o conhecimento de fiscalização em empresas próximas ou do mesmo ramo. Não importam quais sejam os motivadores da denúncia, se ela cumprir os pressupostos e a forma, será válida.  Isto posto, vê-se que a denúncia espontânea nada mais é do que procedimento administrativo preventivo em que o contribuinte se antecipa ao Fisco e confessa o cometimento de infração, libertando-se, assim, de qualquer responsabilidade tributária pela prática da conduta reprovável. 3. Função e Efeitos Jurídicos da Denúncia Espontânea Todas as normas possuem uma função, sem a qual não haveria razão de mantê-las inseridas no ordenamento, pois se nada têm a acrescentar, são palavras vazias, destituídas de significado jurídico. No que se refere ao instituto da denúncia espontânea, pode-se dizer que, seguindo a linha de raciocínio acima, esta contém em seu bojo normativo uma função dúplice. A função primária visa exonerar o Fisco de sua atividade de fiscalização, dispensando-se assim, a inspeção por parte da Administração Tributária. A função secundária, por sua vez, quer a exclusão da multa, favorecendo o contribuinte que, espontaneamente, declara-se irregular perante o Fisco. Seguindo esta linha de ensinamento: “No que interessa a este estudo, pode-se dizer que é dúplice a função da denúncia espontânea de acordo com as normas que estruturam e regem a aplicação desse relevante instituto jurídico, na via administrativa: A) a sua função primária ou a sua essencial utilidade, do ponto de vista do Fisco, é a de tornar dispensável a atividade administrativa fiscal relativamente à infração tributária ou, sendo o caso, ao tributo ou à situação jurídica denunciada ou confessada pelo contribuinte: a denúncia espontânea produz resultados imediatos em favor do Fisco, que se exonera do dever de fiscalização dos atos infracionais comunicados e, dessa forma, te a oportunidade de prover a arrecadação do tributo, quando devido, de modo mais célere, sendo visível o proveito assim obtido; B) a outra função estratégica desse instituto (denúncia espontânea), do ponto de vista do contribuinte que a realiza, é a de favorecê-lo com a exclusão da multa, em face da própria comunicação da infração: a denúncia espontânea produz a exoneração do pagamento da multa que decorre do descumprimento da obrigação, suprido pela comunicação, mas a obrigação confessada resta absolutamente incólume, não sendo de qualquer modo afetada pela confissão” (MAIA FILHO, 2008, p. 06/07).    Isto posto, vê-se que a duplicidade da função da denúncia espontânea vem, de um lado, para beneficiar o Fisco, que pode deixar de fiscalizar o contribuinte e, de outro, beneficia o próprio contribuinte, pois delatando a sua situação irregular de forma espontânea, fica desobrigado no que tange a responsabilidade tributária por infração. No que pertine aos efeitos jurídicos, podem ser distintos, dependendo da conduta adotada pelo contribuinte. Assim vejamos. Se o contribuinte, depois de feita a denúncia, realiza prontamente o pagamento do valor devido e dos seus acréscimos, coincidindo este com o momento da confissão, está excluído do pagamento de multa, conforme rege o artigo 138 do Código Tributário Nacional. Porém, se efetivando a denúncia, o contribuinte não realiza o pagamento do montante devido, nem adota providências que garantam sua intenção em adimplir a dívida, a confissão da infração perde seu sentido de ser, desaproveitando assim sua eficácia e deixando de produzir a exclusão da multa, eis que frustrada está a função do instituto. Em relação a esse segundo efeito cabe salientar que, mesmo não sendo beneficiado com a exclusão da multa, o contribuinte guarda em seu favor a confissão, por consequência, o Fisco pode valer-se da mesma sem restrição (MAIA FILHO, 2008). 4. Formalismo do ato O instituto da denúncia espontânea, assim como prescrito no Código Tributário Nacional não traduz uma forma solene ou específica, nas palavras de Amaro (1998, p.427), “a denúncia espontânea de infração não é ato solene, nem a lei exige que ela se faça desta ou daquela forma. A forma irá depender da natureza e dos efeitos da infração”.       Nos ensinamentos de Carvalho (2002), a forma da confissão tem a ver com o momento em que é formulada, sendo que deverá ser feita antes que tenha início qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização que se vincule com o fato ilícito, pelo risco de perder seu teor de espontaneidade. A iniciativa do contribuinte, dentro da observância desses pressupostos tem o condão de evitar a aplicação de multas de natureza punitiva, porém não afasta os juros de mora e a chamada multa de mora, que serve apenas para indenizar o órgão arrecadador e não possui caráter punitivo. O Código Tributário Nacional, aparentemente, descreve uma formalidade para que a denúncia espontânea gere seus efeitos, sendo que parece indispensável que esta venha acompanhada do pagamento do tributo, se for o caso, ou do depósito do montante arbitrado pela autoridade fiscal, no caso de faltar a apuração do real montante devido. Nos dizeres de Paulsen (2002, p. 681): “Como os pagamentos de tributos são efetuados através de guias em que contam expressamente o código da receita (qual o tributo pago), a competência, o valor principal e de juros, o simples recolhimento a destempo, desde que verificada a espontaneidade, implica a incidência do art. 138 do CTN, não se fazendo necessária comunicação especial ao Fisco, eis que este tomará conhecimento naturalmente. De fato, não havendo a exigência por lei, de forma especial e contendo, a guia, os elementos necessários à identificação do tributo pago, restam satisfeitos os requisitos: informação e satisfação do débito”.  Barros (2003) ensina que, mesmo não existindo regra que prescreva qualquer tipo de procedimento solene e formal ao instituto, o contribuinte necessariamente deverá atentar para que o ato seja praticado a fim de deixar claro aos agentes fazendários a comunicação do pagamento da importância devida. Em seu entender, é necessário que ocorra a formalização de uma peça denunciatória. Por fim, vê-se que não existe uma forma taxativa prevista em lei para que a denúncia espontânea seja efetiva, sendo que é inevitável que a mesma chegue, de forma clara e atendendo o requisito do artigo que a rege, ao Fisco, no intuito de identificar quem se autodenunciou. 5. Pressupostos da Denúncia Espontânea Para a doutrina majoritária, dois são os pressupostos de admissibilidade da denúncia espontânea. O primeiro que importa salientar é o pressuposto da tempestividade da denúncia, ou seja, em que momento poderá o contribuinte exercer a autodenúncia. Será tempestiva então, a denúncia espontânea, sempre que ocorrida antes de qualquer procedimento administrativo fiscalizatório da infração. Sendo que neste sentido, havendo qualquer ação inequívoca do Fisco, no intuito de localizar infratores fiscais, afastar-se-á a possibilidade do benefício acarretado pelo instituto da confissão. Nas palavras de Hugo de Brito Machado Segundo (2009, p. 66): “O inicio do procedimento de fiscalização, do qual o sujeito passivo tenha sido validamente cientificado, a teor do que dispõe o art. 138 do CTN, devidamente explicitado no art. 7°, § 1°, do Decreto n° 70.235/72, exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores. Isso que dizer que todas as infrações eventualmente praticadas antes de iniciada a fiscalização não mais podem ser objeto de denuncia espontânea e conseqüente pagamento sem imposição de multas”. Assim, vê-se que somente ocorrerá a invalidade da denúncia espontânea se o sujeito já estiver sendo investigado pelo Fisco quanto ao acontecimento daquela infração. No entanto, importante se mostra frisar, que mesmo estando o sujeito sob fiscalização por determinado ato, pode confessar outro, que não guarde cumplicidade com aquele e, assim, ser beneficiado com a denúncia espontânea. Neste sentido, Tavares (2002, p.83) assevera: “[…] não é qualquer fiscalização indiscriminada e imprecisa – sem objetivo individualizado ou à mercê de futura individualização, ou até mesmo quaisquer comunicados genéricos (notificação e intimação) – que terá força suficiente para fulminar o direito potestativo à confissão espontânea consagrada pelo art. 138 do CTN. A especificidade do procedimento administrativo fazendário é conditio sine qua non à pretensa desconfiguração da espontaneidade, fim inspirador da norma introdutora de conduta prevista no art. 138 do CTN.”  Como segundo pressuposto, cita-se o pagamento do tributo devido ou o depósito da importância arbitrada pela administração fiscal. Nesse ínterim, surgem três problemáticas, conforme se verá. A primeira problemática é a interpretação da expressão “se for o caso”, contida no caput do artigo 138 do Código Tributário Nacional. Segundo ponto de vista de Barros (2003), duas são as interpretações possíveis, na primeira, não apenas infrações pendentes de pagamento podem ser denunciadas espontaneamente, mas também aquelas referentes às obrigações acessórias, deveres instrumentais ou formais. De acordo com a outra interpretação, se a lei dispuser que a obrigação possa ser elidida sem o pagamento da infração, a confissão afastará de forma hábil a responsabilidade do contribuinte. Nesse sentido menciona-se: “Como a lei diz que a denúncia há de ser acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido, resta induvidoso que a exclusão da responsabilidade tanto se refere a infrações das quais decorra o não pagamento do tributo como a infrações meramente formais, vale dizer, infrações das quais não decorra o não pagamento do tributo. Inadimplemento das obrigações tributárias meramente acessórias” (MACHADO, 2005, p.173). Para Martins (1998) a expressão “se for o caso” autoriza que a denúncia espontânea seja efetivada sem o pagamento integral da dívida, podendo este ser parcelado, a luz do princípio da legalidade, desde que haja norma autorizadora neste sentido. Para finalizar a discussão, acerca da expressão, sábios se mostram os ensinamentos de Paulsen (2002, p. 681): “Até pouco tempo […] a expressão “se for o caso” diria respeito às obrigações acessórias, cuja denúncia de descumprimento, sem razão da sua própria natureza, dispensaria qualquer pagamento, exigindo, sim, a regularização da situação do contribuinte relativamente às suas obrigações de fazer. Mais recentemente, porém, foi acolhida, no âmbito do STJ, a tese de que o art. 138 é inaplicável às obrigações acessórias, por serem estas meramente formais, sendo que a expressão “se for o caso” comporta a hipótese do parcelamento, de maneira que o pedido de parcelamento seria suficiente para atrair a incidência do art. 138 do CTN. “ Neste sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça:
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A imunidade constitucional aos templos de qualquer culto e sua interpretação nos municípios
Este estudo faz uma retrospectiva da interpretação da imunidade constitucional gozada pelos templos de qualquer culto, insculpida na Constituição Federal, a partir da legislação tributária das capitais dos estados brasileiros e traça uma comparação entre os institutos da isenção e da imunidade, mostrando que apesar de serem inconfundíveis, seus conceitos são erroneamente aplicados pelo ordenamento tributário municipal.
Direito Tributário
1. Introdução A imunidade é uma forma de intributabilidade absoluta que garante às liberdades de exercício aos direitos fundamentais, limitando o Estado Fiscal e garantindo valores considerados como direitos inerentes ao ser humano. Entre eles a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias (C. Federal de 1988, artigo 5.o, inciso VI). Ou seja, o fundamento da imunidade para os “templos de qualquer culto” é a liberdade de religião. Faz-se mister distinguir imunidade de isenção, confusão que se faz desde outrora, como relata PONTES DE MIRANDA (1970/408): “Há, às vezes , na lei, erro de terminologia; falar-se de isenção quando, em verdade, é de imunidade que se trata. Se a lei chama imunidade ao que imunidade é, o bis in idem é perfeito. Tal coincidência entre as duas regras jurídicas não pode ocorrer”. RICARDO LOBO TORRES (2009/84-85), discorrendo sobre as diferenças entre a isenção e a imunidade, constrói um quadro sinóptico das distinções, entre outras: Imunidade: natureza de limitação do poder fiscal, incompetência absoluta do poder de tributar, tem como fundamento a liberdade, como fonte a Constituição, sua eficácia é declaratória, é irrevogável e atinge a obrigação principal e acessória. Acrescentamos que a imunidade é deôntico vedacional, ou seja, uma vedação. Isenção: natureza de autolimitação do poder fiscal, derrogação da incidência, tem como fundamento a justiça, como fonte a Lei ordinária, sua eficácia é constitutiva, é revogável (restaurando a incidência) e atinge somente a obrigação principal. Acrescentamos que a isenção é deôntico concedível, ou seja, uma concessão. Necessário se fez esta comparação/diferenciação porque ainda se confunde, e muito, os dois institutos, ora se chamando imunidade o que é vera isenção, ora, in totum, o reverso. Outro aspecto da imunidade é que ela pode ser objetiva, quando alcance os objetos ou as coisas, ou subjetiva, quando alcance a proteção da pessoa de seu beneficiário. Neste diapasão temos que a imunidade que atinge os “templos de qualquer culto” não se refere aos prédios, conforme ensinamento de ALIOMAR BALEEIRO (1991/311): “O “templo de qualquer culto” não é apenas a materialidade do edifício, que estaria sujeito tão-só ao imposto predial do Município, ou o de transmissão inter vivos, se não existisse a franquia inserta na Lei Máxima. Um edifício só é templo se o completam as instalações ou pertenças adequadas àquele fim, ou se o utilizam efetivamente no culto ou prática religiosa.” A imunidade é concedida para a entidade religiosa, pessoa jurídica, em virtude da realização de seu culto, ou seja, a subjetividade deixa clara a interpretação de que, independentemente do culto ser realizado em um prédio de propriedade ou não da entidade religiosa, estando este abrigando a realização do culto sob forma material de templo, sobre ele não haverá norma tributária aplicável no sentido de cobrança de impostos, e o culto, que pode ser realizado em espaços livres, praças, estádios, entre outros, é blindado em sua essência e materialidade, não decorrendo impostos sobre a estrutura que o abriga, denominado de templo (prédio, casa, tenda, lona, etc.), estrutura esta compreendida em espaço físico e operacional, incluindo-se seus anexos, não decorrendo impostos sobre os seus rendimentos, investimentos ou aplicações, uma vez que seja provado serem reutilizados em prol da continuidade e expansão da atividade religiosa, dentro de seus preceitos fundamentais e suas finalidades essenciais, tais como, cultos e liturgias, educação religiosa, culturismo religioso, auxílio e caridade às pessoas carentes, disseminação de campanhas de apoio as causas humanitárias, manutenção de institutos de assistência social e científica, como hospitais, asilos, cemitérios, creches, núcleos de atendimento e apoio psicológicos, colégios, universidades, gráficas, entre tantos, e não podendo ser confundido ou separado o culto do templo, posto que ambos são incindíveis, já que uma vez realizado um deles o outro estará compreendido. Assim, encontraremos decisões na Suprema Corte (STF) que corroboram com as nossas afirmações: “Recurso extraordinário. Constitucional. Imunidade Tributária. IPTU. Artigo 150, VI, b, CF/88. Cemitério. Extensão de entidade de cunho religioso. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas.” (RE 578.562, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 21-5-08, DJE de 12-9-08) “Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. A imunidade prevista no art. 150, VI, b, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços ‘relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas’. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas.” (RE 325.822, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 15-12-02, DJ de 14-5-04). No mesmo sentido: AI 651.138-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 26-6-07, DJ de 17-8-07. É necessário que se aja com extrema cautela ao se delimitar a amplitude das prerrogativas da imunidade, sopesando o conceito de liberdade religiosa com o de atividades essenciais, caso contrário estar-se-á transformando imunidade em privilégio odioso. Pois, a realidade nos mostra alguns casos de entidades religiosas, através de seus representantes, enviando malas de dinheiro para outros locais, em território nacional ou estrangeiro, sem a respectiva declaração de sua origem ou existência. PONTES DE MIRANDA (1970/425) advertia sobre o mau uso da interpretação constitucional: “A Constituição de 1967 foi explícita; não criemos, com interpretações criminosas, problemas graves, que, em vez de servirem à espiritualidade, a porão em xeque e risco”. O governo americano passa por uma situação delicada, pois ao abrir espaço para as mais diversas culturas religiosas, por conta da exegese da primeira emenda[1], sofre pressões da população contra certas entidades que de religiosidade nada possuem, como é o caso da “Cientologia” [2] que, entre outras façanhas, comercializa seu material de dogma, ou seja, coloca a “cura” no mercado a preço justo com a promessa das bênçãos. Logo, templo é o espaço físico genérico em que o culto é realizado. Ou seja, o templo não é somente o prédio de propriedade da entidade religiosa, senão qualquer prédio que ela ocupe ou utilize para realizar suas atividades desde que essas sejam àquelas consideradas essenciais a sua natureza. Embora isso pareça claro não é bem assim que funciona na prática, pois não raro as entidades religiosas minoritárias e, consequentemente, de menor poder econômico, muitas vezes não possuem renda suficiente para adquirir sua sede, ou templo, como se queira, tendo que recorrer ao aluguel de um imóvel. Pois aí que está a questão controversa, a entidade religiosa não sendo proprietária de imóvel não deixa de ter um templo quando este é estruturado em um imóvel alugado para exercer suas atividades essenciais, entre elas o culto e as liturgias. Não fosse assim teríamos que dizer que a entidade religiosa que é proprietária tem um templo e a entidade religiosa que é locatária tem uma sede. Por isso é que reafirmamos que o templo é o local físico aonde se realiza as atividades essenciais da entidade religiosa, entre elas o culto e as liturgias, logo, independentemente de ser de propriedade ou não da entidade, deve ser considerado imune aos impostos, conforme determina a letra b, do inciso VI, do artigo 150 da Constituição Federal de 1988. Na doutrina de TORRES (1999/241) encontramos a síntese da conclusão tirada acima em concordância com o que afirmamos: “Templo de qualquer culto é conceito espiritual. Não significa apenas o prédio onde se pratica o culto, senão que se identifica com a própria religião. A proteção se estende ao exercício do culto em todas as suas manifestações, bem como aos locais em que é praticado”. (grifos no original) Mas, veremos que nas principais capitais dos estados brasileiros não basta que se interprete corretamente este conceito de templo de qualquer culto, é necessária uma positivação do comando que conceda essa imunidade por dois caminhos: a) diretamente à entidade religiosa que ocupe o imóvel alugado, ou b) diretamente ao locatário. Antes é necessário partir das seguintes premissas: 1. O contrato de locação é um negócio jurídico celebrado entre uma pessoa jurídica, entidade religiosa, e um particular, pessoa física, ou pessoa jurídica, proprietário do imóvel, este locatário, aquela locadora. Tal contrato se subsume a Lei Federal n. 8.245/1991 (Lei das locações dos imóveis urbanos). Neste tipo de contrato se transfere à posse do imóvel, não a propriedade, e todos os efeitos jurídicos desta relação são obrigacionais, ou por força da lei ou por força do estipulado no contrato conforme a lei permita ou não vede. 2. Assim, está contido na Lei Federal n. 8.245/1991 (Lei das locações dos imóveis urbanos) no seu art. 22, que o locador é “obrigado a”, entre outras, inciso oito (VIII), pagar os impostos e taxas, e ainda o prêmio de seguro complementar contra fogo, que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário no contrato. 3. Deste modo, a lei deixou a questão aberta ao consenso, se caso o locador e o locatário não estipularem nada em contrato, quem pagará os impostos e taxas será o locador, que não goza de imunidade, caso contrário se estipularem que os impostos e taxas ficam ao encargo do locatário, entidade religiosa, restará a esta o pagamento daqueles. 4. Sobre a validade legal da relação contratual frente ao Código Tributário Nacional, “salvo disposição expressa em contrário no contrato”, não pode se opor à Fazenda, como veda o art. 123 do CTN[3], uma vez que o sujeito passivo[4] será o locador, proprietário, que promove a transferência de alguns direitos da propriedade, quais sejam, o uso e o gozo mediante certa retribuição[5], ou seja, como dito anteriormente, uma transferência de posse[6], com direito de uso e gozo no que consiste aos direitos da propriedade, contudo, ele se não se tornará compatível com o conceito de contribuinte (inciso I, art. 121, CTN, referência 2) ou responsável (inciso II, art. 121, CTN, referência 2), p. ex., do IPTU[7], visto que ele se não se relaciona com o fato gerador pela “posse de bem imóvel”, porque o CTN ao atribuir a condição de contribuinte[8] deste imposto, na qualidade de “seu possuidor a qualquer título”, deixou de definir que a posse que se refere é a que se efetiva com ânimo de se tornar proprietário, na jurisprudência é assente este pensamento, exposto de modo inequívoco[9] no REsp n. 661.238/RJ, Relatora a Min. Denise Arruda, in verbis: “STJ, REsp 661238, Relator: Ministra DENISE ARRUDA, j. 06.08.2007, Publicação: 29/08/2007. EMENTA: PROCESSUAL CIVIL.TRIBUTÁRIO.RECURSO ESPECIAL. IPTU. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. LOCATÁRIO. ILEGITIMIDADE ATIVA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 34 E 123 DO CTN. RECURSO PROVIDO. 5. Desta maneira, de nada adiantará tentar transferir o ônus do imposto através de cláusula contratual para o locatário e se locupletar do fato deste ser imune, pois tal transferência não se opera para a Fazenda como demonstrado acima, logo, não será na seara contratual que se irá resolver, mas na seara tributária propriamente dita ou judiciária. 6. Conforme definido na Constituição Federal o detentor da competência para instituir o imposto, IPTU, é o município (art. 156, I, CF) aonde o imóvel se encontra localizado, posto assim, somente este ente poderá ou não decidir as hipóteses de sua incidência ou não-incidência e conceder isenção ou remissão, e, sempre, respeitando as limitações impostas pela Constituição Federal, como é o caso das imunidades. 7. Dispondo de tal prerrogativa o município pode interpretar a imunidade constitucional de modo restritivo ou extensivo ao aplicá-la na incidência do imposto, o que poderá ser discutido nas vias judiciais, através de ação de reconhecimento de imunidade. Acertadas as premissas podemos realizar um panorama verificando como é que ocorre a interpretação da imunidade pelas regiões brasileiras e suas principais capitais. 2. Legislação tributária das capitais dos estados brasileiros. Região Centro-Oeste: GOIÁS, Goiânia; MATO GROSSO, Cuiabá; MATO GROSSO DO SUL, Campo Grande. No município de Goiânia, capital do Estado de GOIÁS, através da Lei no 5.040, de 20 de novembro de 1975, declara-se a imunidade constitucional das entidades religiosas e concede-se isenção do IPTU aos imóveis pertencentes às lojas e templos destinados as reuniões maçônicas: “Art. 7º. Por força de disposições constitucionais, são imunes aos impostos municipais: II – Os templos de qualquer culto; § 4º. A imunidade de bens imóveis dos templos compreende: a) a igreja, a sinagoga ou o edifício principal onde se celebra a cerimônia pública; b) o convento, a escola paroquial, a escola dominical, os anexos, por força de compreensão, inclusive a casa ou residência especial do pároco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregados para fins econômicos. (Alínea “b”, com redação da Lei n°. 6.361, de 26/12/1985) Art. 11. São isentos do imposto: VIII – Os imóveis pertencentes às lojas e templos destinados às reuniões maçônicas;” (Inciso VIII, com redação da Lei Complementar n°. 042, de 26/12/1995) No município de Cuiabá, capital do Estado de MATO GROSSO, o Código Tributário Municipal, Lei Complementar no 043, de 23 de dezembro de 1997, declara a imunidade constitucional e concede-se isenção do IPTU e da taxa de lixo – essa aos templos de qualquer culto (que já são imunes ao IPTU) -, aos imóveis cedidos em regime de “comodato” às entidades que gozam de imunidade constitucional, entre elas os templos de qualquer culto: “Art. 361 – Gozam de Imunidade Constitucional, decorrentes das limitações ao Poder de Tributar, as pessoas físicas ou jurídicas que se incluam entre aquelas determinadas no artigo 150, inciso VI, alíneas “a” a “d” da Constituição Federal de 1988. §1º – A Imunidade Constitucional apenas atinge os impostos, não abrangendo as taxas e as contribuições, que constarão apenas com as isenções previstas neste Código e em leis subsequentes. §2º – O reconhecimento da imunidade deverá ser requerida na forma e prazo estipulado em regulamento, para apreciação quanto ao cumprimento dos requisitos legais. Art. 362 – São isentos: II – DO IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL E TERRITORIAL URBANA E DA TAXA DE COLETA DE LIXO. (Redação dada pelo art. 1º da  Lei Complementar 127, de 21-10-2005, publicada na Gazeta Municipal nº 761, de 21-10-2005): b). os templos de qualquer culto; c). os imóveis cedidos gratuitamente em sua totalidade para uso exclusivo do objetivo social das entidades imunes pela Constituição Federal, quando em regime de comodato devidamente registrado no Cartório competente, dentro da vigência do mesmo, e mediante verificação “in loco” pelo Órgão Municipal competente.” No município de Campo Grande, capital do Estado de MATO GROSSO DO SUL, o Código Tributário Municipal, Lei nº 1.466 de 26 de outubro de 1973, determina a “vedação” da cobrança de impostos sobre os templos de qualquer culto e logo após declara a imunidade em relação ao IPTU destes. Note-se que ao explicar o objeto da imunidade (§3º) se referindo a bens imóveis, deixou-se claro que deve se tratar de imóveis de propriedade da entidade religiosa, uma vez que quem aluga alguma coisa não adquire nem dispõe da coisa, logo não possui um bem: “Art. 64 – E vedado ao Município cobrar impostos sobre: II – templos de qualquer culto; § 3º – A imunidade tributária de bens imóveis dos templos se restringe àqueles destinados ao exercício do culto. Art. 145 – São imunes do imposto predial e territorial urbano: III – O imóvel onde está construído templo de qualquer culto e demais construções existentes no mesmo imóvel, desde que relacionados com as finalidades essenciais dos referidos templos; § 3º – Sempre que uma entidade religiosa, legalmente constituída, construir um templo em seu imóvel, a mesma para gozar da imunidade deverá requerer a mesma até 60 (sessenta) dias após o “habite-se”, fazendo depois a renovação conforme disposto nos parágrafos anteriores.” Região Nordeste: ALAGOAS, Maceió; BAHIA, Salvador; CEARÁ, Fortaleza; MARANHÃO, São Luís; PARAÍBA, João Pessoa; PERNAMBUCO, Recife; PIAUÍ, Teresina; RIO GRANDE DO NORTE, Natal; SERGIPE, Aracaju. No município de Aracaju, capital do Estado de SERGIPE, o Código Tributário, Lei n.º 1.547, de 20 de dezembro de 1989, é declarada a imunidade constitucional e, logo após, concedida isenção: “Art. 92. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Município de Aracaju: VI – instituir impostos sobre: b ) templos de qualquer culto; § 3.o As vedações expressas no inciso VI “b” e “c” compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas relacionadas.” Declarada a imunidade constitucional, arremata-se com o seguinte: “Art. 164. São isentos do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana: i) o imóvel pertencente a entidade religiosa para prédios de culto ou de escolas que dêem, no todo ou em parte, assistência gratuita;” Concede isenção do IPTU aos prédios dos quais declarou serem imunes, conseguindo ao mesmo tempo confundir imunidade (vedação) com isenção (concessão) e prédios de culto (templos) com templos de qualquer culto (prédios de culto). No município de Fortaleza, capital do Estado do CEARÁ, o Código Tributário, Lei nº 4.144 de 27 de dezembro de 1972, declara a imunidade constitucional e concede isenção do IPTU aos imóveis que sejam ocupados por entidades religiosas para servirem de templo do culto, independentemente destes serem ou não alugados: “Art. 32. É vedado ao Município lançar impostos sobre: II – templos de qualquer culto; Art. 35. São isentos do pagamento do imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU): (Art. 7º da Lei Complementar nº 33, de 18.12.2006). I – os imóveis que servem exclusivamente de sede a templos religiosos, independentemente da condição de locatário ou proprietário do imóvel;” No município de João Pessoa, capital do Estado da PARAÍBA, o Código Tributário Municipal, Lei Complementar nº 053, de 23 de dezembro de 2008, declara a imunidade constitucional e no artigo seguinte faz uma série de exigências que, pelo menos, em um inciso invade a competência da União, artigo 8o, inciso III, “aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais”: “Art. 7º Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Município de João Pessoa: VII – instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto; § 5º As vedações expressas no inciso VII, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados exclusivamente com os objetivos institucionais das entidades referidas, previstos nos respectivos estatutos ou atos constitutivos. Art. 8º O disposto no artigo 7º, inciso VII, alíneas “b” e “c”, é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – comprovarem a regularidade de sua constituição e cadastro, nos termos da respectiva legislação federal, estadual ou municipal, que regule sua atividade, quando houver; II – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; III – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; (grifei) IV – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão; V – comprovarem, para o exercício determinado, o cumprimento dos requisitos reciprocamente exigidos pela União e, sendo o caso, Estado da Paraíba, para o gozo do benefício; e VI – tratando-se de imunidade de ISS, que os serviços abrangidos pelo benefício sejam exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais previstos nos respectivos estatutos e atos constitutivos. Parágrafo único. A autoridade competente poderá desconsiderar a aplicação do benefício, mediante o lançamento de todo o crédito tributário relativo ao(s) exercício(s) em que constatado que a entidade descumpriu os requisitos legais, sobretudo o § 6º do artigo 7º, ou praticou ilícitos fiscais.” No município de Maceió, capital do Estado de ALAGOAS, o Código Tributário, Lei n.º 4.486, de 28 de fevereiro de 1996 (com as alterações da Lei nº 5.677 de 11 de Janeiro de 2008), não se reporta às imunidades constitucionais ou a qualquer tipo de isenção em relação às entidades religiosas, assim como não há legislação específica que se reporte. No município de Natal, capital do Estado do RIO GRANDE DO NORTE, o Código Tributário, Lei n.º 3.882, de 11 de dezembro de 1989, somente declara a imunidade constitucional e não se reporta a qualquer isenção em relação às entidades religiosas: “Art. 3º – São imunes dos impostos municipais: II – os templos de qualquer culto;” No município de Recife, capital do Estado de PERNAMBUCO, o Código Tributário Municipal, Lei 15.563/1191, acertadamente, declara a imunidade constitucional e concede isenção do IPTU para os imóveis, sejam eles alugados ou cedidos, utilizados por entidades religiosas para a prática de seus cultos, ou seja, utilizado como templo: “Art. 5º. Ao Município é vedado: V – instituir impostos sobre: b) os templos de qualquer culto; Art. 17. São isentos do imposto: VII – os imóveis utilizados como templo religioso de qualquer culto, desde que: a) comprovada a atividade religiosa na data do fato gerador ; b) apresentado contrato de locação, cessão ou comodato ou equivalente; c) o responsável declare, sob as penas de lei, que o imóvel será usado, exclusivamente, como templo.” No município de Salvador, capital do Estado da BAHIA, o Código Tributário e de Rendas do Município, Lei nº 7.186, de 27 de dezembro de 2006 (Alterada pelas Leis nº 7.235/2007 e nº 7.611/2008), não se reporta expressamente às imunidades constitucionais, senão para regulá-las quanto à fiscalização municipal e concede isenção ao imóvel cedido, alugado ou arrendado para instituição religiosa de qualquer culto enquanto nela funcionar um templo: “Art. 58. As condições constitucionais e os requisitos estabelecidos em Lei Complementar para gozo do benefício da imunidade serão verificados pela fiscalização municipal. Art. 83. Será concedida isenção do imposto em relação ao imóvel: VIII – cedido, a título gratuito, pelo prazo mínimo de cinco anos ininterruptos, locado ou arrendado ao Município do Salvador ou a instituição religiosa de qualquer culto, legalmente constituída, e enquanto nele estiver funcionando um templo.” No município de São Luis, capital do Estado do MARANHÃO, a Consolidação das Leis Tributárias, Decreto no 26.957, de 04 de novembro de 2004, somente declara a imunidade constitucional e não se reporta a qualquer isenção em relação às entidades religiosas: “Art. 122. É vedado ao Município: VI – cobrar imposto sobre: c) templos de qualquer culto; §3o. As vedações expressas no inciso VI, alíneas “b” e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.” No município de Teresina, capital do Estado do PIAUÍ, o Código Tributário do Município, Lei Complementar nº 3.606, de 29 de dezembro de 2006, somente declara a imunidade constitucional e não se reporta a qualquer isenção em relação às entidades religiosas: “Art. 6o. É vedado ao Município de Teresina, além de outras garantias asseguradas ao contribuinte: VI – instituir impostos sobre templos de qualquer culto, no que compreende, somente, o patrimônio e os serviços relacionados com as suas finalidades essenciais;” Região Norte: ACRE, Rio Branco; AMAPÁ, Macapá; AMAZONAS, Manaus; PARÁ, Belém; RONDÔNIA, Porto Velho; RORAIMA, Boa Vista; TOCANTIS, Palmas. No município de Rio Branco, capital do Estado do ACRE, o Código Tributário, Lei nº1.491 de 27 de dezembro de 2002, declara a imunidade constitucional e concede isenção do IPTU e da taxa de lixo aos imóveis cedidos em regime de “comodato” às entidades que gozam de imunidade constitucional, entre elas os templos de qualquer culto: “Art. 4º. São imunes dos impostos municipais: II – Os templos de qualquer culto; Art. 25. São isentos do imposto os imóveis: I – cedidos gratuitamente em sua totalidade para uso exclusivo do objetivo social das entidades imunes pela Constituição Federal, quando em regime de comodato devidamente comprovado, dentro da vigência do mesmo, e mediante verificação “in loco” pelo Órgão Municipal competente”; No município de Macapá, capital do Estado de ALAGOAS, o Código Tributário está em fase de elaboração, de modo que a legislação sobre IPTU é esparsa e sem divulgação, pelo que não temos elementos para se comentar. No município de Manaus, capital do Estado da AMAZÔNIA, a imunidade constitucional é declarada por lei, Lei no 956, de 23 de março de 2006: “Art. 1° Ficam imunes de pagamento de Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) templos religiosos de qualquer culto, desde que o imóvel esteja comprovadamente na propriedade ou posse das igrejas ou templos e seja usado para a prática religiosa. Parágrafo único. Nos casos em que o imóvel não for próprio, a comprovação do funcionamento deverá se dar por meio de contrato de locação ou comodato devidamente registrado ou ainda da justificativa de posse judicial.” E reconhece a imunidade do IPTU para as entidades religiosas que ocuparem os imóveis para funcionamento de cultos, sejam eles de sua propriedade ou alugados de terceiros: “DECRETO N° 9.207, DE 09 DE AGOSTO DE 2007 – REGULAMENTA a Lei n° 956, de 23 de março de 2006, que imuniza de pagamento de IPTU os templos religiosos de qualquer culto: Art. 1° Este Decreto regulamenta a Lei n° 956, de 23 de março de 2006, que dispõe sobre a imunidade tributária dos templos religiosos de qualquer culto. Art. 2° Ficam imunes ao pagamento do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU os templos religiosos de qualquer culto, desde que o imóvel esteja comprovadamente na propriedade ou posse das igrejas ou templos e seja usado para a prática religiosa. Parágrafo único. Nos casos em que o imóvel não for próprio, a comprovação do funcionamento deverá se dar por meio de contrato de locação ou comodato devidamente registrado ou ainda da justificativa de posse judicial.” No município de Belém, capital do Estado do PARÁ, o Código Tributário, Lei Ordinária nº 7056, de dezembro de 1977, declara a imunidade constitucional, mas faz uma restrição não aceita pela interpretação constitucional: “Art. 3º É vedado o lançamento de impostos municipais sobre: II – os templos de qualquer culto; § 2º O disposto no inciso II deste artigo se restringe aos bens imóveis destinados ao exercício do culto.” Através da Lei nº 7.933, de 29 de dezembro de 1998, concede-se isenção do IPTU para imóveis de propriedade de instituições religiosas que não possuam finalidade lucrativa: “Art. 1º Estão isentos do pagamento do Imposto Predial e Territorial Urbano: III – Os imóveis de propriedade: b) de instituição exclusivamente religiosa, cultural, artística e científica, quando utilizadas em seus próprios serviços, desde que não possuam finalidade lucrativa;” Comete-se aqui o mesmo erro de alhures, confunde-se imunidade (vedação) com isenção (concessão) sem nenhum apelo à técnica legislativa, posto que os imóveis de propriedade de instituições religiosas possuem a imunidade constitucional, não podendo ser isentos de pagamento de impostos. No município de Boa Vista, capital do Estado de RORAIMA, o Código Tributário, Lei Complementar no 459/1998, somente declara a imunidade constitucional e não se reporta a qualquer isenção em relação às entidades religiosas: “Art. 107. É vedado o lançamento dos impostos instituídos neste Código sobre: II – templos de qualquer culto.” No município de Palmas, capital do estado de TOCANTINS, o Código Tributário, Lei Complementar nº 107, de 30 de setembro de 2005 (com as alterações da Lei Complementar n° 170, de 31 de dezembro de 2008), comete o grave erro de confundir, e ter como certo que significa a mesma coisa, a vedação imposta pela imunidade com a outorga ou concessão da isenção: “Art. 52. São isentos do IPTU, observado o disposto em regulamento: IV – os imóveis destinados aos templos de qualquer culto; (Inciso incluído pela Lei Complementar n° 125, de 06 de setembro de 2006 – redação anterior)” No município de Porto Velho, capital do Estado de RONDÔNIA, o Código tributário Municipal, Lei Complementar no 199, de 21 de dezembro de 2004,  somente declara a imunidade constitucional e não se reporta a qualquer isenção em relação às entidades religiosas, mas faz restrições não aceitas pela interpretação constitucional: “Art. 5º – Os impostos municipais não incidem sobre: II – templos de qualquer culto; § 3º. As vedações dos incisos II e III compreendem somente o patrimônio, a renda ou os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades neles mencionadas, observando-se: I – que a imunidade dos bens imóveis dos templos restringe-se àqueles destinados ao exercício do culto;” Além disso, ainda faz confusão entre o imóvel que abriga o templo de qualquer culto e os imóveis de entidades religiosas. Região Sudeste: ESPÍRITO SANTO, Vitória; MINAS GERAIS, Belo Horizonte; RIO DE JANEIRO, Rio de Janeiro; SÃO PAULO, São Paulo. No município de Vitória, capital do Estado do ESPÍRITO SANTO, a Lei no 4.476/1997, dispõe sobre o IPTU, declarando a imunidade constitucional e não se reporta a qualquer isenção em relação às entidades religiosas: “Art. 5º – São imunes ao lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbano, na forma da Lei Orgânica Municipal, art. 121, os imóveis vinculados às finalidades essenciais: II. dos templos de qualquer culto;” No município de Belo Horizonte, capital do Estado de MINAS GERAIS, o IPTU é regido por leis, Lei nº 1.310, de 31 de dezembro de 1966, nº 5.641, de 22 de dezembro de 1989, nº 5.839, de 28 de dezembro de 1990, nº 7.633, de 30 de dezembro de 1998, nº 8.147, de 29 de dezembro de 2000, nº 8.291, de 29 de dezembro de 2001, e Lei no 9.795, de 28 de dezembro de 2009, que não se reportam à imunidade constitucional, havendo um decreto, Decreto no 13.003, de 26 de dezembro de 2007, que regulamenta o IPTU do exercício de 2008, que dispõe sobre a concessão de isenção do IPTU para o imóvel de terceiro ocupado como templo de qualquer culto: “Art. 7º – Ficam isentos do IPTU do exercício de 2008: VII – imóvel de terceiro efetivamente ocupado como templo de qualquer culto, cuja entidade religiosa tenha obtido o reconhecimento de imunidade pela Gerência de Legislação e Consultoria da Secretaria Municipal Adjunta de Arrecadações, e que comprove a promoção de ações de assistência social, consoante o disposto no art. 4º da Lei nº 8.291/01;” No município do Rio de Janeiro, capital do Estado do RIO DE JANEIRO, a Lei Complementar no 04, de 28 de janeiro de 1991, Lei Orgânica Tributária do Município, declara a imunidade constitucional e concede isenção do IPTU aos imóveis ocupados por templos religiosos, centros e tendas espíritas: “Art. 4º – Não há incidência dos impostos municipais nas hipóteses de imunidade previstas na Constituição da República, observado o disposto em lei complementar. § 1º – As entidades alcançadas pela imunidade não ficam excluídas da condição de responsáveis pelos tributos que lhes caiba reter na fonte e nem dispensadas da prática de atos assecuratórios do cumprimento de obrigações tributárias por terceiros. § 2º – A falta de cumprimento dos requisitos condicionadores da imunidade ou do disposto no § 1º deste artigo implicará a suspensão do beneficio. Art. 61 – Estão isentos do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana: (Redação dada pela Lei nº 3.256 de 27.07.2001). XXII – os imóveis efetivamente ocupados por templos religiosos, centros e tendas espíritas (Lei n. 1.936 de 30.12.92 – retificação 22.01.93). XXVII – as casas paroquiais e/ou construções anexas situadas nos mesmos terrenos dos templos, diretamente relacionadas às atividades religiosas ou à prestação de serviços sociais (Lei 2.687 de 26.11.98)” No município de São Paulo, capital do Estado de SÃO PAULO, o Decreto no 50.500, de 16 de março de 2009, regulamenta a Consolidação das Legislações Tributárias, declara a imunidade constitucional e concede isenção do IPTU para imóveis utilizados como templos de qualquer culto: “CAPÍTULO I – Imposto Predial Art. 6.º O imposto não incide: (Art. 6.º da Lei n.º 6.989, de 29/12/66) I – nas hipóteses de imunidade previstas na Constituição Federal, observado, sendo o caso, o disposto em lei complementar; Capítulo IV – Imposto Predial e Territorial Urbano Art. 19. São isentos do imposto: V – os imóveis utilizados como templo de qualquer culto, desde que: (Art. 7.º da Lei nº 13.250, de 27/12/01.) a) comprovada a atividade religiosa no imóvel na data do fato gerador, conforme regulamento; b) apresentado contrato de locação ou instrumento de cessão, comodato ou equivalente.” Região Sul: PARANÁ, Curitiba; RIO GRANDE DO SUL, Porto Alegre; SANTA CATARINA, Florianópolis. No município de Curitiba, capital do Estado do PARANÁ, o Código Tributário Municipal, Lei Complementar nº 40 , de 18 de dezembro de 2001, nada dispõe sobre imunidade constitucional ou sobre isenções para as entidades religiosas. No município de Porto Alegre, capital do Estado do RIO GRANDE DO SUL, o Código Tributário Municipal, Lei Complementar no 07, de 07 de dezembro de 1973, concede isenção do IPTU para os imóveis aonde seja instalada a “sede” ou a “filial” de entidade religiosa ou maçônica, independente de serem próprios, alugados ou cedidos: “Art. 70 – Ficam isentos do pagamento do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana as seguintes pessoas físicas e jurídicas: I – os imóveis, ou parte deles, onde esteja instalada a sede ou a filial de entidade religiosa ou maçônica, sem fins lucrativos, próprios, alugados ou cedidos, para uso freqüente da entidade.” No município de Florianópolis, capital do Estado de SANTA CATARINA, a Consolidação das Leis Tributárias, Lei Complementar no 07/1997, concede isenção aos imóveis ocupados por Entidades reconhecidas como de utilidade pública, conceito que resta excluído para as entidades religiosas como se depreende do art. 479, I, abaixo: “Art. 225. São isentos do imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana: V – O imóvel de propriedade, alugado ou cedido em Comodato gratuito a Entidades Comunitárias, reconhecidas de Utilidade Pública pelo Município de Florianópolis, desde que ocupado pela Entidade ou sublocado, no caso de Comodato Gratuito. (Redação dada pela Lei Complementar nº 21/1998) Art. 479. Ficam dispensados do pagamento das taxas adjetas à propriedade, lançadas no carnet de cobrança do IPTU, enquanto mantiverem as condições próprias de cada situação: I – Os imóveis referidos nos incisos I, III, IV, V, VI, VIII, IX, X e XI do artigo 225 desta Consolidação; (Redação dada pela Lei Complementar nº 21/1998) II – os templos de qualquer culto religioso, quando destinados exclusivamente ao próprio uso;” Existe um diploma legal de 1952, Lei no 147/1952, que concede isenção de impostos e taxas às entidades religiosas: “LEI Nº 147/52 CONCEDE ISENÇÃO DE TRIBUTOS ÀS ENTIDADES RELIGIOSAS. Art. 1º – É concedida isenção de impostos e taxas não remuneratórias às Entidades Religiosas, bem assim aos bens ou serviços que forem adquiridos ou instalados pelas mesmas, o desde que mantenham culto religioso e prestem assistência social e recreativa cultural aos seus membros. Art. 2º – A isenção será concedida mediante requerimento da Entidade interessada, independente de quaisquer outras formalidades. Art. 3º – A isenção cessará automaticamente seja pelo desvirtuamento das finalidades previstas nesta lei, como pela perda dos direitos civis constitucionais. Parágrafo Único – Nas hipóteses prevista neste artigo, caberá à Prefeitura o direito de exigir da Entidade beneficiada o que deixou de perceber, na forma da legislação vigente.” 3. Conclusão 1. Conforme colocado e exposto pelos diplomas legais dos municípios ainda se confunde o que é imunidade com o que é isenção e em alguns casos tem-se por certo que imunidade e isenção são conceitos idênticos. 2. A imunidade relativa aos impostos, de que gozam as entidades religiosas, é de caráter subjetivo, ou seja, concedida à entidade religiosa, contudo ainda se mistura confusamente a interpretação, e, como demonstrado, a legislação se reporta à imunidade objetiva, fazendo-se incidi-la sobre o prédio que abriga o templo ou o imóvel que pertence à entidade religiosa. 3.  Há casos de grave erro com invasão de competência e de restrição aos comandos constitucionais, frutos de um ordenamento jurídico lotado de diplomas legais com excessivas normas que se repetem, mas que, no entanto, ora não são cumpridas ou extrapolam os seus limites legislativos, ora se atropelam umas com as outras se contradizendo. 4. Já foi colocado que a imunidade em relação às entidades religiosas é inerente à liberdade de religião, assim, é fato que as entidades religiosas sem poder econômico para adquirir imóvel, ou seja, as minoritárias, são as que mais necessitam dessa prerrogativa constitucional, por outro lado, é fato que na prática elas são as que ficam “de fora” desse contexto, pois ao alugarem um imóvel para constituir seu templo só contam com duas alternativas: ou escolhem um município para se instalar aonde a legislação tributária local concede, muitas vezes por isenção, o benefício para o IPTU, ou então, lhes resta pagar o imposto do imóvel alugado, seja “embutido” no preço do aluguel ou arcando com a sua responsabilidade, nas regras do mercado imobiliário. Restando a via judicial, que nem sempre será satisfatória, por conta das interpretações restritivas. 5. Quem concede a imunidade é a Constituição Federal, logo não faz diferença se o município dispõe ou não dispõe esta prerrogativa em seu texto legal, pois os efeitos serão os mesmos, seja naqueles diplomas em que está explicito, seja naqueles em que se omitiram. O município embora seja competente para legislar sobre o imposto não detém competência para suprimir ou alterar a prerrogativa constitucional da imunidade, assim como não pode lhe dar tratamento igual à da isenção, posto que são institutos completamente antagônicos.
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ICMS Ecológico – Aspectos legais e doutrinários acerca deste instrumento tributário para incremento socioambiental e sua aplicabilidade no Estado do Pará segundo casos concretos de outros estados membros da Federação
A competente elaboração de novos critérios para repasse do ICMS não vinculado constitui-se em um forte incremento valorativo ao Estado do Pará, principalmente para as regiões que contenham em sua circunscrição territorial áreas de unidades de conservação ambiental, contribuindo assim, para uma melhor e mais sadia qualidade de vida da população, além do acautelamento ambiental para as futuras gerações, no que diz respeito aos mais diversos ecossistemas existentes no segundo maior estado da Federação, através de um correto manejo para com as florestas e o desenvolvimento sustentável. Para tanto, procurou-se concentrar as linhas de estudo da presente monografia, na função social exercida pelo Estado, no que se refere à aplicabilidade dos recursos oriundos do tributo, de maneira estrita, o imposto que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, doravante chamado de ICMS. Ressalte-se que, jamais os estudos sobre tal instituto chegarão ao exaurimento.
Direito Tributário
1 – INTRODUÇÃO Em sede de introito, o objeto do presente, é despertar o olhar sociopolítico e ambiental, no que tange ao Instituto constitucional do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS Ecológico, já amparado por eminentes doutrinadores e dotado de pacífico entendimento dentre seus estudiosos, haja vista o sucesso de vários Estados brasileiros com a aprovação, sanção e posterior vigor das leis que se dignam a mudar os critérios da cota-parte aos Municípios. Como objetivo geral procura-se aqui demonstrar a evolução histórica da civilização, na tangência dos principais acontecimentos humanos que contribuíram de forma maciça com a degradação do meio ambiente, ou seja, no lapso temporal concernente ao século XVIII ao início do século XXI. Com efeito, será exposta as principais ideias e comentários sobre o ICMS Ecológico, como forma de contribuição para com o Desenvolvimento Sustentável e os incentivos gerados a partir da concepção de preservação conservação, traçando um paralelo entre os artigos 3º, II, III e V; 5º § 6º; 13 § 2º; 17, V, VI, VII, IX, X; 18; 56, IX; 91, I; 225; 230 da Constituição do Estado do Pará, bem como os artigos 3º, II e III; 23; 170, VI, VII; 196; 205; 218; 225 e 231 da Magna Carta de 1988. Isto posto, é também objeto demonstrar a real necessidade que o segundo maior Estado do Brasil possui, de maneira urgente, se livrar dos laços legais (Lei que não contempla a atual realidade), já em total desatualização com o mundo globalizado moderno, bem como as sistematizações constitucionais hodiernas, fazendo valer seu dever de defensor do meio ambiente ecologicamente equilibrado, para futuras gerações, sendo este um bem de uso comum, através da preocupação com os direitos difusos estabelecidos pelo legislador constituinte de 1988, onde estar-se-ia seguindo os termos exarados na Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, das Organizações das Nações Unidas – ONU, ocorrida na Suécia, no início da década de 1970, sendo este, o objetivo específico deste trabalho. O Estado do Pará encontra-se em situação contrária aos demais Estados- Membros desta Federação. Não consiste o ICMS Ecológico, em um novo tributo a ser imposto para a sociedade, trata-se da mudança de uma Lei, a qual hodiernamente vigora no Estado do Pará sob o nº 5.645 de 11 de janeiro de 1991, com redação dada pela Lei nº 6.276 de 29 de dezembro de 1999 regulando sobre ¼ dos 25% repassados para os municípios, conforme artigo 158, inciso IV. Parágrafo único da Constituição Federal. Com a promulgação da Constituição de 1988, os Municípios passaram a auferir mais renda, no que tange a receitas oriundas de impostos, através do instituto da transferência tributária, onde o Estado é legitimo para arrecadar o ICMS e repassar aos Municípios de acordo com o que dispuser lei estadual, ressalvado o artigo 158, inciso IV. Parágrafo único da Lei Maior. O Estado do Pará necessita da mudança da norma acima descrita, pois se assim não for, este estaria em retrocesso, ao invés de seguir adiante, em busca de uma melhor qualidade de vida para seus jurisdicionados, e, em linguagem tributária e até mesmo constitucional, contribuintes. Isto posto, demonstrar-se-á a evolução com a preocupação ambiental, tendo como escopo primário, uma melhor e mais sadia qualidade de vida, através da proteção do meio ambiente, bem como, da conservação e preservação deste. 2 – EVOLUÇÃO HISTÓRICO-CONSTITUCIONAL DO TRIBUTO, O ATUAL ICMS: Com a necessidade do sistema tributário nacional aperfeiçoar o antigo IVC (Imposto sobre Vendas e Consignações), surgiu o ICM, tendo como principal característica a incidência sobre o consumo e sobre o valor adicionado – VAF. De maneira que, a incidência sobre o consumo era tangenciada pelo consumidor final, ou seja, quando o produto chegara ao varejo. Já o valor adicionado, consiste no lapso existente entre o preço da compra e o valor da venda de um determinado produto, onde, será apresentado exemplificadamente em posteriores linhas. O IVC fora criado na Constituição Federal de 1946, no governo do General Eurico Gaspar Dutra, na quarta constituição da república e quinta do Brasil em sentido geral. Esta nascera através de um movimento de redemocratização instaurado no país, dando maior controle ao Poder Executivo, através do instituto do controle de constitucionalidade. Tal Carta Política, de forma expressa, dispôs o art. 19, inciso IV que os Estados teriam competência de criação de impostos que incidissem sobre as consignações e as vendas, in literis: “Art. 19. Compete aos Estados decretar impostos sobre: (…) omissis IV – vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores, inclusive industriais, isenta, porém, a primeira operação do pequeno produtor, conforme o definir a lei estadual”; Com o passar dos anos, a Constituição de 1967 consagrou o ICM, em substituição (instituto da substituição tributária) ao IVC. Destarte, os Estados ficariam legitimados à instituir impostos relativos à circulação de mercadorias, conforme se vê, in verbis, o art. 24, II §§ 4º ao 7º  daquela Carta: “Art. 24. Compete aos Estados e ao Distrito Federal decretar impostos sobre: I – omissis; II – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos, na forma do art. 22, § 6º, realizadas por produtores, industriais e comerciantes; (…) § 4º. A alíquota do imposto a que se refere o nº II será uniforme para todas as mercadorias nas operações internas e Interestaduais, e não excederá, naquelas que se destinem a outro Estado e ao exterior, os limites fixados em resolução do Senado, nos termos do disposto em lei complementar. § 5º. O imposto sobre circulação de mercadorias é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos termos do disposto em lei, o montante cobrado nas anteriores, pelo mesmo ou outro Estado, e não incidirá sobre produtos industrializados e outros que a lei determinar, destinados ao exterior. § 6º. Os Estados isentarão do imposto sobre circulação de mercadorias a venda a varejo, diretamente ao consumidor, dos gêneros de primeira necessidade que especificarem, não podendo estabelecer diferença em função dos que participam da operação tributada § 7º – Do produto da arrecadação do imposto a que se refere o item II, oitenta por cento constituirão receita dos Estados e vinte por cento, dos Municípios. As parcelas pertencentes aos Municípios serão creditadas em contas especiais, abertas em estabelecimentos oficiais de crédito, na forma e nos prazos fixados em lei federal.”      Dois anos após a promulgação da Constituição de 1967, em outubro de 1969, os Ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica, através das atribuições a eles conferidas pelo art. 3º do AI (Ato Institucional) nº 16 de 14 de outubro de 69 c/c art. 2º, § 1º do AI nº 5 de 13 de dezembro de 1968, ocorreu a primeira emenda à Carta de 1967, a EC nº 01 de 17 de outubro de 1969, a qual trouxe para o ora ICM, outras categorias de contribuintes, mediante o art. 23, § 4º, conforme adiante se segue: “Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sôbre: II – operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes. § 4º Lei complementar poderá instituir, além das mencionadas no item II, outras categorias de contribuintes daquele impôsto.” Hodiernamente, o ICM virou ICMS, salvaguardado na Magna Carta de 1988, precisamente em seu art. 158, onde Borba (2006, p. 01) ensina: “O ICMS é o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se incidam no exterior, foi criado pela atual Constituição, onde surgiu de uma unificação de seis outros existentes no ordenamento constitucional anterior.” Não obstante, Borba (2006, p. 01) explica: “Este imposto (o ICMS), criado pela atual Constituição, surgiu de uma unificação de seis outros existentes no ordenamento constitucional anterior, conforme demonstrado a seguir: (parênteses nosso). – Imposto sobre circulação de mercadorias; – Imposto único sobre minerais; – Imposto único sobre combustíveis líquidos e gasosos; – Imposto único sobre energia elétrica; – Imposto sobre transportes; – Imposto sobre comunicações.” Na doutrina tributária e constitucional, o ICMS é um imposto, espécie do gênero tributo. Em outras palavras, o ICMS nada mais é do que uma espécie de tributo. Com efeito, conforme o art. 16 do Código Tributário Nacional, imposto é um tributo que tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, assim, independendo de contraprestação específica, conforme as palavras de Chimenti (2008, p. 466): “Por isso costuma-se afirmar que o imposto é uma exação (exigência) não vinculada, uma exigência cujo fato gerador não se liga a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte ou por ele provocada.” Sobre a definição de ICMS: “É um imposto estadual que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, previsto no art. 155 da Constituição Federal, e regulamentado pela LC. N.º 87/96”(FARAGE; FILHO, 2007, p. 06). No âmbito estadual, esse tributo foi instituído pela Lei nº 5.530 de 13 de janeiro de 1989 e regulamentado através do Decreto n.º 4.676 de 18 de junho de 2001. Pelo exposto, a Magna Carta de 1988 preleciona, em seu art. 158, inciso IV, parágrafo único, sobre o poder que os Estados possuem, em legislar a cerca do valor que é repassado aos seus Municípios, conforme abaixo: “Art. 158. Pertencem aos Municípios: IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. (grifo nosso) Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios: I – três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; (grifo nosso) II – até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.” (grifo nosso) É nesse segundo inciso, que há a possibilidade de os Estados modificarem a forma como o repasse é feito ao Municípios, e, é nesse ponto que começa a surgir o primeiros resquícios do ICMS Ecológico.  A variação restante é denominada de valor adicionado, que corresponde ao montante de 75% (setenta e cinco por cento) do repasse aos municípios, é o chamado ICMS vinculado, haja vista seu caráter eminentemente legal, não comportando aqui, quaisquer tipos de discricionariedade legislativa, por ser dispositivo constitucional. Tal questão encontra base legal no art. 158, inciso I da Carta supra. De forma estrita, no Estado do Pará, quem realiza os trabalhos de cálculo para apuração do valor adicionado fiscal é o Grupo de Trabalho da Cota-Parte, que, dentre tal função, realiza a execução das tarefas inerentes à fixação do repasse do ICMS aos municípios paraenses, em inteligência ao Decreto Estadual nº 2.057 de 29 de novembro de 1993, alterado pelo Decreto nº 2.737 de 16 de agosto de 1994. Para apuração do VAF, o Estado acaba por utilizar-se dos seguintes documentos: DIEF (Declaração de Informações Econômico Fiscais); notas fiscais avulsas; conhecimento avulso de transporte rodoviário e aquaviário cargueiros; AINF (Auto de Infração e Notificação Fiscal); documentação que caracteriza declaração espontânea de débito para com a fazenda estadual e informações disponibilizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).   O ICMS é regulamentado pela Lei Complementar nº 87 de 13 de setembro de 1996, a chamada “Lei Kandir”. Cada Estado possui autonomia para estabelecer o valor da alíquota a ser taxada sobre o ICMS, todavia, o contribuinte sempre irá se deparar com o caráter compensatório de tal imposto, visto que, mesmo que este venha a adquirir um produto em um Estado que majore uma alíquota para ICMS menor que seu Estado, o instituto da compensação equiparará o valor desse produto, restando o desconto prejudicado, conforme preleciona o art. 155, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, com redação acrescentada pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, in verbis: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”; (negrito nosso) Inobstante, a Lei Complementar nº 87 de 13 de setembro de 1996, estabelece em seus arts. 19 e 20: “Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.”  Para melhor elucidação da questão, referente à incidência desse imposto, Borba (2006, p. 02), partindo de uma alíquota de 10% (dez por cento), e fazendo um paralelo ao retro dispositivo, cria a seguinte situação hipotética: “Como exemplo deste dispositivo, vamos apresentar uma indústria vendendo para outra indústria um produto pó R$ 1.000,00 que, por sua vez, venda para um varejista por R$ 1.300,00 que, finalmente, vende para o consumidor final por R$ 1.700,00, tendo todas estas operações incidências do ICMS à alíquota de 10%: a indústria vendendo para outra indústria ao valor de RS 1.000,00 terá uma carga de ICMS de R$ 100,00 → a segunda indústria, ao vender para o mercado de varejo ao preço de R$ 1.300,00 gerará um débito de R$ 130,00, um crédito de R$ 100,00 e o valor do ICMS será de R$ 30,00 → o varejista, por sua vez, repassará para o consumidor final, o produto já manufaturado, ao valor global de R$ 1.700,00, que por sua vez, vai gerar o débito de R$ 170,00, um crédito de R$ 130,00 e o valor do ICMS será de R$ 40,00” As questões relativas aos fatos geradores, bem como as incidências do ICMS são bastante complexas, para tanto, o legislador trabalhou realizando especial atenção sobre tal imposto, elencando tal assunto, art. 155, parágrafo 2º e seus incisos.  No tocante, a ‘Lei Kandir’ regulou em seu art. 12, o fato gerador desse imposto, considerando-se os seguintes fatos, os quais são os incisos o artigo retromencionado: saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, mesmo que seja para outro estabelecimento do mesmo titular; fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por quaisquer estabelecimentos; transmissão da mercadoria à terceiro, depositada em armazém geral ou depósito fechado, no Estado de quem transferiu; transmissão da propriedade da mercadoria, ou de seu título representativo, desde que tal mercadoria não tenha transitado pelo estabelecimento de quem está transmitindo; início da prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de qualquer natureza (seja cargueiro, frete simples ou transporte de passageiros); findo transporte que teve inicio no exterior; prestações de serviços de comunicação, desde que onerosas; fornecimento de mercadoria com serviços prestados, desde que não percebidos na competência tributária municipal e se percebidos, que haja indicação da incidência do imposto na competência estadual; quando da chegada à aduana, de produtos importados; quando do recebimento pelo destinatário de serviço prestado no exterior; aquisição mediante licitação de mercadorias ou bens importados; entrada no território estadual, de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos, desde que derivados do petróleo; e quando o contribuinte utiliza-se de serviços cuja prestação inicie-se em outro Estado, desde que não esteja vinculada a outra operação. Para pacificar o entendimento sobre a base de cálculo do ICMS, o legislador, através da norma infraconstitucional supra, dedicou os arts. 13 a 18 da ‘Lei Kandir’, para tal, segue o art. 13, e incisos até o 9º, in literis: “Art. 13. A base de cálculo do imposto é: I – na saída de mercadoria prevista nos incisos I, III e IV do art. 12, o valor da operação; II – na hipótese do inciso II do art. 12, o valor da operação, compreendendo mercadoria e serviço; III – na prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, o preço do serviço; IV – no fornecimento de que trata o inciso VIII do art. 12; a) o valor da operação, na hipótese da alínea a; b) o preço corrente da mercadoria fornecida ou empregada, na hipótese da alínea b; V – na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas: a) o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, observado o disposto no art. 14; b) imposto de importação; c) imposto sobre produtos industrializados; d) imposto sobre operações de câmbio; e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras; VI – na hipótese do inciso X do art. 12, o valor da prestação do serviço, acrescido, se for o caso, de todos os encargos relacionados com a sua utilização; VII – no caso do inciso XI do art. 12, o valor da operação acrescido do valor dos impostos de importação e sobre produtos industrializados e de todas as despesas cobradas ou debitadas ao adquirente; VIII – na hipótese do inciso XII do art. 12, o valor da operação de que decorrer a entrada; IX – na hipótese do inciso XIII do art. 12, o valor da prestação no Estado de origem.” Não obstante, e adentrando na seara sistêmica do presente trabalho de conclusão de curso, em sede de monografia, a Constituição de 1988 aduz que do total da arrecadação do ICMS, 25% pertencem às municipalidades de cada Estado-membro da Federação. Desses 25%, três quartos (3/4) remetido ao valor adicionado fiscal (VAF) e o restante, estipulado por Lei estadual (votada na Assembleia Legislativa do Estado). Desta forma, (FARAGE; FILHO, 2007, p. 06) ainda expõe: “A Lei estadual n.º 5.645 de 11.01.91, alterada pela Lei estadual n.º 6.276, de 29.12.99, dispõe sobre os critérios e prazos para fins do disposto no artigo 158, Parágrafo Único, item II da Constituição Federal que estabelece que os 25% do índice deve ser apurado com base nas seguintes variáveis: 5% na proporção da população de cada município; 5% na proporção da área de cada município; e 15% distribuído em partes iguais a todos os municípios.” O legislativo, por sua vez, disciplinar a redistribuição retro, por meio de lei específica. 3 – FUNÇÃO SOCIAL DO ESTADO NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS: Quando se fala em função social estatal, está se referindo ao bem-estar e na justiça social, no objeto que o Estado pretende alcançar mediante concretas políticas públicas, conforme Lenza (2009, p. 815): “Nos termos do art. 193, a ordem social tem como base o primado do trabalho e, como objetivo, o bem-estar e a justiça sociais, estabelecendo perfeita harmonia com a ordem econômica, que se funda, também, nos termos do art. 170, caput, na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. A ordem econômica tem por fim (objetivo), em igual medida, assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social”. (negrito nosso). Com o modo de “crescimento” deplorável que existe no Estado do Pará, pouco se tem de acreditar, que civilizações posteriores irão ser consagradas com a outrora inacabável beleza natural que este Estado possui, bem como os benefícios que esta traz consigo. De modo que, ao aplicar modos de extração de elementos da natureza de maneira desordenada, desorganizada e despreparada, constatar-se-ia um descumprimento ao art. 170, inciso VI, (com redação dada em 2003, pela EC nº 42 de 19 de dezembro de 2003), bem como art. 225, ambos da Magna Carta de 1988, in verbis: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (grifo nosso). Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” (grifo acrescentado). Com efeito, nota-se que o art. 170 da Lei Maior, estando no Título VII que trata da Ordem Econômica e Financeira, não esqueceu a questão relativa ao meio ambiente, onde, nas ricas palavras de Lenza (2009, p.846) “Conclui-se então, que o direito ao desenvolvimento deve observar a questão ambiental (…)”. Isto posto, a palavra que soluciona esse conflito de direitos assegurados pela Carta de 1988 é, sustentabilidade, que nas palavras de Lenza (2009, p.846): “A sustentabilidade apresenta-se, então, como a chave para a solução desse aparente conflito de valores constitucionalizados, seja mediante a garantia do direito ao desenvolvimento, seja prestigiando a preservação do ser humano e seus direitos fundamentais.” Não obstante, cabe realce do art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981, que dispõe em seu preâmbulo, sobre a Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA, in verbis: “Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;” (negrito nosso). Nesse sentido, de maneira clara aufere-se que o disposto acima, vem para assegurar segurança jurídica, estabelecendo o real e normativo significado de meio ambiente. Lenza (2009, p. 844) estabelece quatro pontos de vista para meio ambiente, quais sejam: maio ambiente natural ou físico, meio ambiente cultural, meio ambiente artificial ou humano e meio ambiente do trabalho, outrossim, para este trabalho de conclusão de curso, utilizar-se-á somente os três primeiros critérios, que adiante se seguem: “Meio ambiente natural ou físico: (…) o meio ambiente natural ou físico é constituído pelo solo, água, ar atmosférico, energia, flora, fauna, qual seja, a correlação entre os seres vivos e o meio em que vivem (cf. art. 225, caput e § 1.º, I e VII). Meio ambiente cultural: aponta a história e a cultura de um povo, as suas raízes e identidade, sendo integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagismo e turístico. (cf. art. 225, caput, 215 e 216). Meio ambiente artificial ou humano: materializa-se no espaço urbano construído, destacando-se as edificações (espaço urbano fechado) e também os equipamentos públicos, como as ruas, espaços livres, parques, áreas verdes, praças, et. (espaço urbano aberto) (cf., entre outros, os arts. 225, caput, 5.º, XXIII, 182 e segs, etc.)”.  Desde o ano de 1972, as nações começaram a olhar de uma outra maneira para o planeta, haja vista a Conferencia das Nações Unidas para com o Meio Ambiente ocorrida em Estocolmo na Suécia[1], cuja Declaração, disponível na internet, em www.mma.gov.br/estruturas/agenda21 /_arquivos/ estocolmo.doc, acessado em 05 de maio de 2009, destaca: “Declaração da Conferência da ONU no Ambiente Humano, Estocolmo, 5-16 de junho de 1972 (tradução livre)  A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, reunida em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, e, atenta à necessidade de um critério e de princípios comuns que ofereçam aos povos do mundo inspiração e guia para preservar e melhorar o meio ambiente humano, proclama que: 1. O homem é ao mesmo tempo obra e construtor do meio ambiente que o cerca, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente. Em larga e tortuosa evolução da raça humana neste planeta chegou-se a uma etapa em que, graças à rápida aceleração da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu o poder de transformar, de inúmeras maneiras e em uma escala sem precedentes, tudo que o cerca. Os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma. (negritos nossos) 2. A proteção e o melhoramento do meio ambiente humano é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro, um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos.” (nossas sublinhagens) Nesse sentido, compreende-se de maneira inequívoca, que a Constituição Federal Pátria promulgada no fim da década de 1980, contemplou a Conferência de Estocolmo, ratificando-a em seus artigos, principalmente os que falam sobre meio ambiente e ecologia. A partir disso, entende-se que é dever do Estado, exercendo sua soberania territorial e tributária, aplicar os recursos provenientes dos tributos, sejam eles impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições especiais ou empréstimos compulsórios, em prol da sociedade e da melhoria do modo de vida coletivo, jamais esquecendo o meio ambiente, haja vista que se este estiver em desequilíbrio, a saúde social certamente restará abalada. Isto posto, o legislador constituinte acabou por amparar o meio ambiente, como função social estatal, como se observa no Título VIII da Carta de 1988, em seu capítulo VI. Destarte, é também dever de cada cidadão trabalhar em prol de um mundo mais sustentável, onde de maneira ininterrupta deverá estar envolto em constantes ações de invenções, criações e progressões, na tangencia de sua capacidade de criar elementos para um mundo mais justo e mais equilibrado. Durante a década de 1970, e até mesmo nas duas décadas que a antecederam, estudiosos já elaboravam pareceres atinentes à precária condição dos países em subdesenvolvimento ou emergentes, em que se amolda perfeitamente nesta condição, o Brasil. Sendo uma preocupação latente a problemática socioambiental conforme assevera os itens quatro e cinco da Declaração de Estocolmo:    “4. Nos países em desenvolvimento, a maioria dos problemas ambientais estão motivados pelo subdesenvolvimento. Milhões de pessoas seguem vivendo muito abaixo dos níveis mínimos necessários para uma existência humana digna, privada de alimentação e vestuário, de habitação e educação, de condições de saúde e de higiene adequadas. Assim, os países em desenvolvimento devem dirigir seus esforços para o desenvolvimento, tendo presente suas prioridades e a necessidade de salvaguardar e melhorar o meio ambiente. Com o mesmo fim, os países industrializados devem esforçar-se para reduzir a distância que os separa dos países em desenvolvimento. Nos países industrializados, os problemas ambientais estão geralmente relacionados com a industrialização e o desenvolvimento tecnológico. 5. O crescimento natural da população coloca continuamente, problemas relativos à preservação do meio ambiente, e devem-se adotar as normas e medidas apropriadas para enfrentar esses problemas. De todas as coisas do mundo, os seres humanos são a mais valiosa. Eles são os que promovem o progresso social, criam riqueza social, desenvolvem a ciência e a tecnologia e, com seu árduo trabalho, transformam continuamente o meio ambiente humano. Com o progresso social e os avanços da produção, da ciência e da tecnologia, a capacidade do homem de melhorar o meio ambiente aumenta a cada dia que passa.” Dessa maneira, entende-se que também é dever do poder público salvaguardar os direitos consagrados na Carta Constitucional de 1988, bem como legislação infraconstitucional, conforme os dispositivos que amparam a proteção, conservação e preservação do meio ambiente, com o escopo de uma sadia qualidade de vida para a população, conforme o item 7 da Convenção de Estocolmo preleciona:   “7. Para se chegar a esta meta será necessário que cidadãos e comunidades, empresas e instituições, em todos os planos, aceitem as responsabilidades que possuem e que todos eles participem eqüitativamente, nesse esforço comum. Homens de toda condição e organizações de diferentes tipos plasmarão o meio ambiente do futuro, integrando seus próprios valores e a soma de suas atividades. As administrações locais e nacionais, e suas respectivas jurisdições são as responsáveis pela maior parte do estabelecimento de normas e aplicações de medidas em grande escala sobre o meio ambiente. Também se requer a cooperação internacional com o fim de conseguir recursos que ajudem aos países em desenvolvimento a cumprir sua parte nesta esfera. Há um número cada vez maior de problemas relativos ao meio ambiente que, por ser de alcance regional ou mundial ou por repercutir no âmbito internacional comum, exigem uma ampla colaboração entre as nações e a adoção de medidas para as organizações internacionais, no interesse de todos. A Conferência encarece aos governos e aos povos que unam esforços para preservar e melhorar o meio ambiente humano em benefício do homem e de sua posteridade.” (negritos nossos) Com a implementação de uma Lei do ICMS Ecológico no Estado do Pará, este passará a entrar no conjunto de estados brasileiros preocupados com a questão socioambiental, onde de maneira inobscura, tal atitude legislativa contemplará uma ótima sistematização de idéias na sociedade paraense, principalmente os mais jovens. Assim, haveria a disseminação de idéias construtivas para com a tutela ambiental, consagrada pelo Legislador Constituinte de 1988, conforme o Princípio nº 19 da Convenção de Estocolmo, conforme se segue: “Princípio 19 É indispensável um esforço para a educação em questões ambientais, dirigida tanto às gerações jovens como aos adultos e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiado, para fundamentar as bases de uma opinião pública bem informada, e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e das coletividades inspirada no sentido de sua responsabilidade sobre a proteção e melhoramento do meio ambiente em toda sua dimensão humana. É igualmente essencial que os meios de comunicação de massas evitem contribuir para a deterioração do meio ambiente humano e, ao contrário, difundam informação de caráter educativo sobre a necessidade de protegê-lo e melhorá-lo, a fim de que o homem possa desenvolver-se em todos os aspectos.” (grifo nosso) É nesse contexto que se adentra no instituto constante do direito ambiental constitucional, que é o do desenvolvimento sustentável, previsto no art. 225 da Constituição, conforme Carrazza (2007, p. 680) fazendo um paralelo entre direito ambiental constitucional com o tributário, preleciona a lição, de que “São infinitas as possibilidades de utilização de instrumentos tributários, para com a melhoria do meio ambiente”. O desenvolvimento sustentável está infimamente ligado aos direitos sociais coletivos, acautelados pela Carta Constitucional de 1988, através da participação igualitária da sociedade no desenvolvimento econômico, social, político e cultural, sendo dever de cada pessoa, contribuir e desfrutar destes, valendo lembrar que tal direito é indisponível. Sobre o “desenvolvimentismo” ambiental, Milaré (1992, p. 57) destaca: “É por isso que hoje se fala com tanta insistência em desenvolvimento sustentado ou ecodesenvolvimento, cuja característica consiste na possível conciliação entre o desenvolvimento, a preservação ecológica e a melhoria da qualidade de vida do homem. É falso o dilema ‘ou desenvolvimento ou meio ambiente’, na medida em que, sendo uma fonte de recursos para o outro, devem harmonizar-se e complementar-se. Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo continuo de planejamento, atendendo-se adequadamente à exigência de ambos, e observando-se as suas inte-relações particulares a cada contexto sócio-culural, político, econômico e ecológico dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto significa dizer que a política ambiental não deve constituir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao proporcionar a gestão racional dos recursos naturais, os quais constituem a sua base material.”   Nesse sentido, alguns artigos da Constituição Federal poderão servir como base para repasse da cota-parte, conforme o exemplo a seguir: o Título VIII – “Da Ordem Social”, bem como seus vetores: Cap. II, Seção II – “Da Saúde”, onde é dever do Estado zelar pela saúde de seus administrados, segundo políticas públicas, sejam elas sociais ou econômicas que visem à redução do risco de doença, endemias, epidemias e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, em inteligência ao art. 196 da Constituição. Ainda no assunto, sub oculis, o Cap. III do Título retro, “Da Educação”, “Da Cultura” e “Do Desporto”, em suas Seções I, II e III, também poderá ser usado como base de repasse, haja vista o incentivo a Municípios que garantam uma sólida educação fundamental contribuam para a cultura, bem como a valorização do desporto incentivando o lazer como promoção social, na tangencia dos artis. 205, 215 e 217 da Constituição Federal de 1988, ou seja, tais dispositivos possuem ínfima ligação com a qualidade de vida e o bem-estar social da população. Outrossim, este trabalho procura uma saída para a problemática em destaque, a parir da seara ambiental, por entender que sem um meio ambiente saudável e equilibrado, o Estado não poderá garantir outros tipos de prestação (poder/dever) para com a sociedade. Partindo do seguinte caso hipotético: se, em uma dada cidade ‘X’ do Estado do Pará, a beira do rio ‘Y’, com aproximadamente 600.000 (seiscentos mil) habitantes, e uma economia industrial forte, através da chegada de uma grande empresa ‘Z’, estiver sofrendo com o pó gerado pela indústria, haja vista a falta de filtros decantadores, bem como, o despejamento de resíduos no rio que banha tal município. De nada adiantará esta cidade ser dotada de um bom sistema de saúde, através de um hospital regional, construído pelo Governo do Estado, como também, não adiantará haver investimentos em educação, pois os alunos ficariam adoentados e não frequentariam as salas de aula. Posto isso, a saída para a situação elucidada acima, seria totalmente voltada para o meio ambiente.  No art. 218 da Magna Carta votada na redemocratização brasileira em 1988, é dever do Estado promover e incentivar o desenvolvimento cientifico, bem como, as pesquisas e a capacitação tecnológicas. Nesse diapasão, tal dispositivo também, poderá ser amparado pela uma Lei de cota-parte. Não obstante, afirma o princípio nº 18 Da Conferência de Estocolmo: “Princípio 18 Como parte de sua contribuição ao desenvolvimento econômico e social deve-se utilizar a ciência e a tecnologia para descobrir, evitar e combater os riscos que ameaçam o meio ambiente, para solucionar os problemas ambientais e para o bem comum da humanidade.” Lenza (2009, p. 833) enriquece o debate, relatando os significados de promoção e incentivo, in literis: “Promover deve ser entendido como o dever do Estado de, por si, realizar as tarefas derivadas da ciência e tecnologia, destacando-se aqui o papel das Universidades e Institutos de Pesquisa. Incentivar significa que o Estado deverá estimular a produção cientifica, a pesquisa, a tecnologia e, para tanto, deverá estabelecer incentivos, inclusive para as instituições privadas.” Diante do exposto, nota-se que diversas são as maneiras de repasse que a legislação poderá trazer em seu bojo, em virtude da ampla gama de bens tutelados pelo Estado, a serem trazidos para a sociedade de forma a beneficiá-la. Nesse sentido, somando-se aos dispositivos já citados, importante se faz o realce de outros seguintes: arts. 3º, II, III e V; 5º § 6º; 13 § 2º; 17, V, VI, VII, IX, X; 18; 56, IX; 91, I; 225; 230 da Constituição do Estado do Pará, bem como os artigos 3º, II e III; 23; 170, VI, VII; 196; 205; 225 e 231 da Magna Carta de 1988. Onde, todos acabam por ser auto explicativos para com o objeto do presente estudo monográfico. Destarte, Bonavides (2007, p. 46) dispõe que a seara tributária possui ínfima ligação com o Direito Constitucional, haja vista que este é o norteador (através do estudo sistemático da própria Constituição) de suas normas, in verbis: “A esfera do Direito Financeiro e Tributário também não ignora o Direito Constitucional, que ali se faz presente com suas normas básicas de administração das finanças e distribuição da competência tributária no organismo estatal. Já houve quem afirmasse que “as novas Constituições são verdadeiros planos de política econômica”, o que demonstra a excepcional importância atribuída pelo constitucionalismo moderno a uma organização sólida das finanças públicas.” Assevera ainda Bonavides (2007, apud Gonzáles, p. 46/47) que: “As Constituições tendem mais a ser Cartas econômico-sociais do que políticas, como havia sido em épocas passadas”, descreve Mario Gonzáles, acrescentando que, no Estado moderno, a política clássica, de “caráter teórico-especulativo”, se transformou, essencialmente, numa política prática, de critério econômico-social.” Inobstante e com relação ao que já foi aqui ressaltado, mister se faz salientar que a lei de ICMS Ecológico poderá conter em seu bojo determinações de repasse à Municípios não só sobre a seara ambiental, mas dispor sobre educação, saúde, saneamento básico, além da natureza (meio ambiente) propriamente dita, como reservas biológicas, indígenas, Parques estaduais ou nacionais bem como áreas de proteção ambiental como um todo. É uma realidade no mundo, no País, e, no Estado do Pará não poderia ser diferente nem será diferente, visto a necessidade deste na elaboração de políticas voltadas para as questões suscitadas no bojo deste parágrafo.       Na mesma sistemática, compete a cada Estado da Federação, legislar sobre seu próprio sistema tributário, para satisfação das próprias necessidades, para assim garantir seu regular exercício estatal. Nesse sentido, Moraes (2007, p. 814) enriquece a doutrina constitucional tributária, in verbis: “A adoção do modelo federativo pela Constituição de 1988 consagrou o estabelecimento de vários princípios, entre eles a necessidade de cada ente federativo possuir uma esfera de competência tributária que lhe garanta renda própria, para o pleno exercício de suas autonomias política e administrativa.” Nesse diapasão, Chimenti (2008, p. 485), no realce da competência para legislar, assevera: “Os Estados receberam competência para instituir imposto sobre circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”. Posto tal entendimento, o art. 222 da Constituição do Estado do Pará preleciona que compete ao Estado instituir impostos relativos a operações tangenciadas à circulação de mercadorias e prestação de serviços, conforme abaixo encontra-se: “Art. 222 – Compete ao Estado instituir: I – impostos sobre: a) omissis; b) operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;” Destarte, conforme o disposto acima, mesmo que o fato gerador do tributo inicie-se fora do território nacional, nada obsta da cobrança do mesmo, na sua entrada em território paraense. Em tal hipótese, o ICMS será não cumulativo, sendo admissível sua seletividade em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, conforme o § 4º do art. 222 da Constituição Estadual do Pará.  É oportuno salientar a Seção III do Capítulo III da Constituição paraense, figurada em todos os parágrafos, incisos e alíneas do art. 222. Certo é que desde os primórdios da humanidade, o homem aprendeu que entre ele e a natureza existe uma relação de interdependência fortíssima, onde para aquele conseguir sua subsistência, necessário se faz extrair da natureza tudo o que ela poderá fornecer. A natureza é a própria base de sobrevivência, haja vista que todos os seres retiram desta, tudo aquilo que necessitam para sobreviver, sejam animais ou vegetais. Helmut Blöbaum (1997 apud Derani, p. 70), disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revistaartigos_leitura& arti goid=1506, acessado aos 31 de março de 2009, assevera que: “Ecologia e Economia são dois conceitos, um formado pelos radicais oikos e logos, enquanto que o outro é constituído pelos radicais oikos e nomos. Ambos tratam da casa (oikos). Sobre uma casa deixa-se informar, observar. Sobre a outra trata-se de analisar as regras e inter-relações a que está submetida introduzindo-lhe as leis que são capazes de traduzir seu comportamento. A casa reconhecida pela razão é a casa da natureza, a outra casa por outro lado relaciona-se puramente com o homem, o qual inserido nela necessita de regras e normas, a fim de obter, com o mínimo de dispêndio, o máximo de qualidade.” Derani, (1997, p. 70), afirma ainda, que: “(…) o conceito de Economia reporta-se a uma vida parcimoniosa do homem, este visando tão somente poupar, pensando na economia, na contenção de despesas (gastos de maneira geral, seja de mão-de-obra – energia humana, seja de objetos e/ou utensílios utilizados por aquele. Enquanto que o conceito de Ecologia, por sua vez, envolve toda essência do ser humano, o conhecimento do ser vivo por assim dizer. De maneira que para o homem viver (sobreviver) de forma sadia para com a natureza, este não precisa degradá-la, pois há a plena possibilidade de retirar da natureza tudo o que se precisa, sem prejudicá-la totalmente, sem devastar, sem poluir, sem extinguir.” Silva (2002, p. 20/21) assevera que a palavra “ambiente” indica a esfera, o círculo, o âmbito que nos cerca, em que vivemos, diz ainda, que esse ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que se vive, conforme o destaque, ipsis literis: “O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A interação básica assume uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recursos naturais e culturais.” É certo afirmar que sob o prisma do mundo primitivo, cada cidadão preocupava-se tão somente com sua subsistência, ou de sua família. Não, havia ainda a extração de elementos da natureza para sua potencial venda, com o sentido de auferir lucro (relação de comércio). Não havia a conotação de lucro, nas coisas retiradas daquela, haja vista ser outro modelo de vida, somado-se a outro modo de pensar, além de costumes totalmente díspares, aos vividos em civilizações mais recentes. Com o passar dos séculos, o homem começou a conceber o lucro nas atividades por ele exercidas, juntamente com as mudanças nas relações laborais, desde a era da escravidão, servidão e vassalagem, a Revolução Francesa com um novo conceito de poder político e jurídico emanado da vontade geral da Nação, bem como do liberalismo econômico, na tangência do surgimento do modo de vida capitalista, com a industrialização. Assim, houve a aparição da figura do trabalhador fabril, aquele que trabalha no interior das fábricas, através da Revolução Industrial do século XVIII, ocorrida primariamente na Inglaterra. Destarte, o mundo como um todo, iniciou um processo de inserção nesta concepção, ou seja, na concepção de riqueza e lucro acima de tudo, onde os ideais de Maquiavel, no caso os ideais renascentistas, estavam bem aflorados na mente dos burgueses (nova classe dominante) desta transição, caracterizando-se como principal pensador desta era, Adan Smith. O lema era: “laissez faire, laissez aller, laissez passer“, que traduzido para a língua portuguesa, significa: “deixar fazer, deixar ir, deixar passar”. Tais palavras caracterizavam os anseios econômicos da época, em que o Estado não deveria praticar intromissão na economia e nas regras do comércio, bem como atividades mercantis, onde pensava-se que os recursos naturais seriam infinitos e jamais esgotados. De acordo com o pensamento de Machiavel (2007), não importa o que o governante faça em seus domínios, desde que seja para manter sua autoridade, tudo é válido para dessa forma, realizar um ‘bom governo’, onde a partir daqui, por analogia, isto foi trazido para as empresas, para as manufaturas, por melhor empregar. Foi neste contexto, neste novo modo de produção, que a sociedade entrou e não saiu até os dias atuais, onde se vive no chamado mundo capitalista, hoje globalizado. Segundo Dallari (2008, p. 51), descrevendo o entendimento de Machiavel, as formas de governo e de Estado eram cíclicas, ou seja eram mutáveis, seja ela monarquia, oligarquia, tirania, aristocracia, democracia, etc. Partindo desta premissa, não se pode conceber a onipresença do modo capitalista, ou sua imortalidade, como forma de vivência de uma sociedade, haja vista que este algum dia entrará em colapso, como todos os outros, vez que os modelos de produção empregados, bem como a insubordinação da classe miserável e o proletariado, estes acabam por mais sofrer no mundo atual. Todavia, não é objeto para, aqui, ter profunda discussão. O que é preocupante, e um dos objetos do presente trabalho de conclusão de curso, é justamente o que as fábricas fazem para conseguir gerar lucro. Quando se fala no substantivo fábrica, refere-se em sentido amplo (latu), no prisma de empresa propriamente dito. Entende-se que, com a implementação do ICMS Ecológico no Pará, far-se-á cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana, salvaguardado na Constituição de 1988, posto que, é dever do Estado, zelar para que seu povo tenha uma sadia qualidade de vida, mediante a difusa conservação da gradativa melhoria e preservação do meio ambiente. Nesta linha de raciocínio, Tupiassu (2006, p. 238/239) expõe: “(…) de acordo com os mandamentos básicos de nossa Carta Constitucional, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa brasileira e princípio da ordem econômica e social, não havendo desenvolvimento sem que isso seja observado. Portanto, o Estado, enquanto idealizador de políticas públicas, deve atuar de modo positivo, visando realizar substancialmente tal principio, fornecendo meios para sua concretização. A repartição de receitas tributárias presta-se a este objetivo, sendo o ICMS Ecológico, “uma tentativa de estabelecer uma função social e ambiental à arrecadação tributária aos municípios.” Diante disso, o mundo, e estritamente o Estado do Pará, necessitam de mecanismos capazes de suprir as necessidades do meio ambiente, ou seja, de preservação e conservação, de sorte que, a sociedade possa viver de maneira mais saudável, retirando da natureza quase tudo o que ela o fornece, entretanto de maneira correta, sustentável, diferente do modo de exploração que hodiernamente vigora, abaixo da linha da mediocridade, onde o Poder Público, seja na esfera Executiva ou Legislativa, seja na Federal ou Estadual, acaba por fazer ‘vistas grossas’ para a vergonhosa degradação ambiental decorrente da exploração econômica dos recursos naturais em solo paraense. 4 – O CASO DO PARANÁ E SUA EVOLUÇÃO (18 ANOS DA LEI COMPLEMENTAR nº 59/1991) E A EXPERIÊNCIA DE OUTROS ESTADOS MEMBROS (ESTRICTO SENSU) 4.1 PARANÁ O Instituto do ICMS Ecológico surgiu em 1991, no estado do Paraná, através da Lei nº 9.491 de 1990, e posteriormente regulamentado pela Lei Complementar nº 059 de 01 de outubro de 1991 (ambas em anexo, findo presente trabalho monográfico), e Decreto Estadual nº 974/1991, bem como art. 132 da Constituição Estadual, apoiado por pessoas preocupadas com a causa ambiental e a problemática mundial sobre a degradação ininterrupta do meio ambiente. Segundo LOUREIRO, (Internet  http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base= ./snuc/index.html&conteudo=./snuc/artigos/icmsm.html: acesso em 22 de novembro de 2008) Coordenador do ICMS Ecológico por biodiversidade no Estado do Paraná e Engenheiro agrônomo por graduação relata em uma de suas valiosas publicações: “No caso paranaense, cabe realce que entre 1992 e 2000 houve um incremento de 1.894,94 por cento em superfície de das unidades de conservação municipais, de 681,03 por cento nas unidades de conservação estaduais, 30,50 por cento nas unidades de conservação federais e terras indígenas e de 100 por cento em relação as RPPN estaduais. Houve ainda melhoria na qualidade da conservação dos parques municipais, estaduais e das RPPN.” Nesse contexto, cabe ressaltar que a sigla RPPN é dada para Reservas Particulares de Patrimônio Natural, onde constituem-se em unidades de conservação em área privada, gravada em caráter de perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. A criação de RPPN é um ato voluntário do proprietário, que decide constituir sua propriedade, ou parte dela, em uma RPPN, sem prejuízo de seu direito de propriedade, disponível em http://www.ibama.gov.br/siucweb/rppn/, acesso em 10 de maio de 2009. Loureiro preleciona ainda: “Trata da utilização de uma possibilidade aberta pelo artigo 158 da Constituição Federal brasileira que permite aos Estados definir em legislação específica, parte dos critérios para o repasse de recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, que os municípios tem direito. Neste caso a denominação ICMS Ecológico faz jus na utilização de critérios que focam temas ambientais. Nascido sob o argumento da compensação financeira aos municípios que possuíam restrição do uso do solo em seus territórios para o desenvolvimento de atividades econômicas clássicas, o ICMS Ecológico tinha tudo para se transformar numa ferramenta estéril, acrítica, uma espécie de “chancelador” puro e simples para o repasse dos recursos, mas felizmente foi, e está sendo possível transformá-lo em muito mais do que isto. O ICMS Ecológico tem representado um instrumento de compensação, mas acima de tudo “incentivo” e em alguns casos, como “contribuição” complementar à conservação ambiental. Incentivo porque têm, por força da metodologia adotada, especialmente no Paraná, estimulado os municípios que não possuem unidades de conservação a criar ou defender a criação destas, ou ainda aqueles municípios que já possuem unidades de conservação em seu território, que tomem parte de iniciativas relacionadas à regularização fundiária, planejamento, implementação e manutenção das unidades de conservação.” No Estado do Paraná, antes da implementação da Lei Complementar Estadual nº 9.491/1990, muitos municípios estavam perdendo receita, haja vista que tinham, em partes de sua jurisdição áreas de preservação, mananciais de abastecimento, parques biológicos, etc. ou seja, tais zonas de acordo com a lei que antes vigorava, não tinham direito a entrar no repasse da quarta parte dos 25% previstos na Constituição Federal de 1988, em seu 158º artigo, mais precisamente no inciso IV, Parágrafo único. Posto isso, muitos municípios acabam por não gerar receita proveniente do cota-parte, haja vista não se enquadrarem na Lei que hodiernamente vigora no Estado. Não obstante, muitas dessas municipalidades possuem grande contingente populacional e necessitam com urgência de verbas para preservação do meio ambiente ou até mesmo o bem estar social, pois não possuem rede de esgoto, estação de tratamento de água, fazendo aumentar os já alarmantes índices de doenças entre os habitantes Após o estado do Paraná legislar sobre os ¼ dos 25% do ICMS que os municípios possuem direito (assegurado pela Constituição Federal de 1998, conforme linhas anteriores), vários outros estados da Federação começaram à apoiar esta idéia, onde São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais (Lei Robin Hood), Rondônia, Mato Grosso, etc. já possuem lei específica para tratar do assunto supra. Além disto, vários outros estados também já estão se movimentando para a implementação do ICMS Econômico, onde um deles é o Estado do Pará, que através o Deputado Estadual Airton Faleiro propôs em 2007 um projeto de lei (ainda em trâmite legislativo para posterior aprovação) para legalizar a distribuição sobre o valor concernente à cota municipal. Disponivel no sítio da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, em: (http://www.alepa.pa.gov.br/alepa/lernoticia.php?id noticia=2282) acesso em 19 de abril de 2008. No Paraná, a divisão do cota-parte obedece dois critérios, o qualitativo e o quantitativo, sendo que aquele primeiro critério abrange os insumos das áreas de proteção, para que, com isso, tal área continue seu processo de manutenção preservatória. Insumos são bens ou serviços, que serão utilizados na produção de outro bem ou serviço, em outras palavras, insumo é um paralelo criado entre fatores de produção, sejam eles diretos ou indiretos. LOUREIRO (Internet, disponível em: http://www.ambientebrasil.com.br/composer.php3?base=./snuc/index.html&conteudo=./snuc/artigos/icmsm.html) preleciona o conjunto a serem levados em conta, no momento de se estabelecer variáveis qualitativas: “- Qualidade física da Unidade de Conservação; – Qualidade biológica da Unidade de Conservação; – Qualidade dos recursos hídricos da Unidade de Conservação e seu entorno; – Representatividade física da Unidade de Conservação; – Qualidade do Planejamento, Implementação, Manutenção e Gestão da Unidade de Conservação: – Planejamento; – Infra-estrutura; – Equipamentos; – Equipamentos de audiovisual; – Equipamentos de apoio; – Pessoal e capacitação; – Pesquisa nas Unidades de Conservação; – Legitimidade da Unidade de Conservação para a comunidade; – Excedente dos Termos de Compromisso em relação ao conjunto de variáveis de determinada Unidade de Conservação; – Desenvolvimento de variáveis específicas para a Unidade de Conservação; – Análise suplementar das ações do município prioritariamente nas funções: habitação e urbanismo, agricultura e saúde e saneamento; – Apoio aos agricultores e comunidades locais; – Evolução do nível de penalidades (diminuição), no âmbito do município, pelos Poderes Públicos; – Variáveis especiais relacionadas ao tema e a área protegida.” O critério quantitativo estabelece uma comparação da área que será protegida com a superfície total do município. A tabela abaixo, melhor mostrará a mutação do repasse do ICMS aos municípios paranaenses:[2] Assim, dos 5% (cinco por cento) em que fora reduzido o Valor Adicionado Fiscal, passando este a ser de 75% (setenta e cinco por cento), tal redução se mostrou hibrida, contemplando duas necessidades, quais eram a distribuição aos municípios que detinham Unidades de conservação, sejam elas municipais, estaduais ou federais, enquanto que a outra parte seria repassada de acordo com os municípios que possuíam mananciais de abastecimento, que acabavam por servirem de combustível de água potável para outros municípios. Vale salientar que, os municípios que possuíam os dois critérios, unidade de conservação e manancial, acabavam por auferir duplamente o repasse do ICMS. Isto posto, aos municípios caberiam realizar competente cadastro no IAP – Instituto Ambiental do Paraná, caso tivessem em sua circunscrição unidades de conservação, tanto particulares quanto públicas, federais, estaduais ou municipais. Com a mudança do critério de repasse, os municípios que se amoldavam na nova lei, perceberam meteoricamente a melhoria nos cofres, conforme Tupiassu (2006, p. 209), em comparação a um município com grande carga industrial:     “Um dos grandes exemplos é o município de Piraquara, cuja quase totalidade do território abrange os mananciais de abastecimento para a cidade de Curitiba, sendo o restante ocupado por unidades de conservação. Antes de 1992, o município recebia apenas 40 mil reais mensais de repasses do ICMS (enquanto o município industrializado de Araucária recebia 3,5 milhões de reais por mês). Com a introdução do critério ecológico, Piraquara passou a receber quase 10 vezes mais (340 mil reais por mês), sendo o ICMS Ecológico responsável por 84% (oitenta e quatro por cento) do total de repasses obtidos pelo município”. Com efeito, a implementação do ICMS Ecológico no Estado do Paraná, trouxe para aquele Estado inúmeros ganhos, haja vista a preservação de áreas naturais, bem como a otimização do sistema de distribuição de água potável para as cidades e a população como um todo, preservação das unidades de conservação, e como resultado imediato, a melhoria da qualidade de vida dos que lá vivem, através de um equilibrado meio ambiente. Tal conduta, qual seja a mudança do critério de repasse de determinada verba aos municípios, através do ICMS, amolda-se perfeitamente ao art. 225 da Magna Carta de 1988. 4.2 – MINAS GERAIS Outro exemplo de êxito na elaboração de lei para com o cota-parte no Brasil confere ao estado de Minas Gerais, com a lei Robin Hood, ou simplesmente Lei nº 12.040 de 28 de dezembro de 1995. Inicialmente, Minas Gerais repassava os 25% (vinte e cinco por cento) para os municípios de acordo com o Decreto-Lei nº 32.771 de julho de 1991, ficando até então, estabelecido somente três critérios para repasse das verbas, quais eram, o próprio VAF ou valor adicionado, municípios mineradores e compensação financeira por desdobramento de distrito. Contudo, a latente necessidade de outros municípios tivessem maior participação no repasse do dinheiro do ICMS, contribuiu para diversas discussões acerca da implementação de uma nova lei, que descentralizasse o repasse, criando novíssimos critérios para tal. Surgira assim, a Lei Robin Hood, sob a numeração 12.040/1995. Tal denominação normativa, fazia alusão ao desenho animado, em que falava-se que a nova lei “tirava dos ricos, para dar aos pobres”.  O objeto da norma acima referida era (e é) desconcentração de renda, bem como a transferência de recursos para regiões mais pobres do estado, através de uma novíssima política de incentivo aos municípios, para que estes acabem por dar maior valor aos recursos percebidos, em outras palavras, os municípios teriam de realizar melhor aplicabilidade da renda auferida com os 5% dos 25% a serem repassados. Um ano após, em dezembro de 1996, surgiu a Lei nº 12.428, alterando a anterior, criando assim novos critérios de repasse, tais como: saúde, educação, meio ambiente, 50 municipalidades mais populosas, população e área geográfica, além de produção de alimentos, receita própria e patrimônio cultural. Hodiernamente, a norma que vigora, na tangência do cota-parte é a Lei nº 13.803 de 27 de dezembro de 2000, onde os critérios da Lei inicial, de 1996 foram mantidos. Vale ressaltar que, através do Projeto de Lei nº 23/2003, que orbitou na Assembleia Legislativa mineira durante quase seis anos, em que fora aprovado e publicado em 12 de janeiro do corrente ano (2009), virando a Lei nº 18.030/2009. Tal legislação contemplará, a partir de sua entrada no Ordenamento estadual, novos critérios para repassar o cota-parte: mata seca, turismo, esportes, municípios sede de estabelecimentos penitenciários, recursos hídricos, ICMS solidário e mínimo per capita.     Destarte, os quase cinqüenta municípios que pertencem à circunscrição do Vale do Jequitinhonha (uma das 12 maiores regiões do estado de Minas Gerais) tiveram grande arrecadação, visto a redistribuição dos valores auferidos com o ICMS pelo Estado. O Vale do Jequitinhonha situa-se a nordeste do estado de Minas, onde possui característica marcante nos baixos indicadores sociais, outrossim, é uma região contemplada por voluptuosas belezas naturais. 4.3 – SÃO PAULO No estado de São Paulo, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente – SMA, publicou que o montante de 169 municípios paulistas que contemplam áreas de proteção ambiental, parques estaduais, estações ecológicas, acabaram por auferirem valoração concernente a R$ 43.511.444,19 (quarenta e três milhões, quinhentos e onze mil, quatrocentos e quarenta e quatro reais e dezenove centavos), haja vista tais novos critérios de repasse, na tangencia da Lei estadual nº 8.510/1993. O valor mencionado acima, corresponde a cerca de 0,5% dos 25% direcionados legalmente aos municípios. Desta maneira, percebe-se a exorbitância de valores, aqui, discutidos, somado ao grande potencial industrial e comercial que detém este estado. Não é discutível ser este o maior PIB estadual do Brasil. Segundo o sitio http://www.ambiente.sp.gov.br/destaque/2004/ junho/21_ICMS.htm com visita realizada aos 12 de maio de 2009, os dez municípios mais beneficiados com o repasse no ano de 2003, no estado de São Paulo, foram:   “Município Valor do ICMS Ecológico em 2003 1. Iguape R$ 2.195.037,41 2. Barra do Turvo R$ 2006.794,65 3. Eldorado R$ 1.919.357,28 4. Iporanga R$ 1.750.190,79 5. Ubatuba R$ 1.560.186,53 6. Cananéia R$ 1.273.798,53 7. Pedro de Toledo R$ 1.222.527,93 8. São Paulo R$ 1.185.457,10 9. Caraguatatuba R$ 1.169.661,25 10. Miracatu R$ 1.001.817,22”     O Estado de São Paulo foi o segundo estado da Federação a adotar o instituto do ICMS Ecológico, para repasse da cota-parte aos municípios, através da destinação concernente à valoração de meio por cento para áreas de proteção ambiental. Vários foram os ganhos dos municípios que adentraram no novo sistema de distribuição do ICMS não vinculado, utilizando-se de tal compensação, para a prática do ecoturismo, como por exemplo, o Vale do Ribeira. Essa região é contemplada com cerca de 60% (sessenta por cento) de mata atlântica, localiza-se ao norte do Paraná e ao sul de São Paulo, ademais, o Vale do Ribeira, possui enorme ecossistema, tanto aquático quanto terrestre. Apesar do enorme ganho, de muitos municípios, o legislador paulista é alvo de severas criticas, haja vista que, de acordo com a Lei do ICMS Ecológico, para validar o repasse das verbas, o município deverá possuir em sua circunscrição, áreas de preservação, tão somente, estaduais. Gerando assim, um impacto de melhoria para com o meio ambiente, bem menor, se fossem consideradas também, as áreas federais de preservação ambiental. Isto posto, há um novo projeto, envolto através da aliança feita entre a Secretaria de Estado de Meio Ambiente – SEMA de São Paulo, e os Organismos, SOS Mata Atlântica, Conservação Internacional, The Nature Cosnervancy, FREPESP  e WWF. Tal projeto procura estabelecer critérios para as RPPN`s – Reservas Particulares de Patrimônios Naturais (outrora já salientadas na presente monografia, na tangência do Paraná) e a entrada nesse índice de apuração, das áreas de proteção ambiental pertencentes à esfera federal.  4.4 – RIO GRANDE DO SUL      Através da Lei Estadual nº 9.860 datada de 20/04/1993, adentrava como terceiro Estado brasileiro a implementar o ICMS Ecológico em seu ordenamento tributário, o Rio Grande do Sul. Outrossim, esta norma jamais vigorou, e, somente em 1998, os novos critérios de repasse começaram a ser utilizados, através da entrada em vigor da Lei nº 11.038 de 14 de novembro de 1997, todavia, somente no ano de 2000, tais critérios foram efetivados. Neste Estado, somado-se aos critérios de repasse tangentes às áreas de proteção ambiental federais, estaduais e municipais (diferentemente de São Paulo), há também, outros critérios, conforme Tupiassu (2006, p. 217), in verbis: “Além da tradicional proteção às unidades de conservação federais, estaduais e municipais, tem-se como critério de repasse a detenção de áreas inundadas por barragens (beneficiando apenas os municípios que não têm hidrelétricas). Ademais, a lei em vigor no Rio Grande do Sul privilegia os municípios com menor taxa de evasão escolar e menor coeficiente de mortalidade infantil, enfatizando a questão da qualidade de vida da população como preceito fundamental.” 4.5 – RONDÔNIA O Estado de Rondônia foi o primeiro Estado da região amazônica a legislar a cerca do ICMS Ecológico, através da Lei Complementar nº 147 de 15 de janeiro de 1996. Rondônia possui grande caráter compensatório, na distribuição do repasse do cota-parte, a seus municípios, haja vista que, prioriza os municípios que detêm áreas de conservação. O repasse se deu da seguinte maneira. Antes da implementação do ICMS Ecológico, o rateio entre todos os municípios obedecia a seguinte variante, 19% (dezenove por cento), enquanto que após a vigência da referida norma, houve uma redução de 5% (cinco por cento), passando esse critério para 14% (quatorze por cento).   O cálculo a ser realizado para percepção do valor a ser auferido pelos municípios dava-se pela relação de sua área de proteção ambiental com o total desta mesma, no Estado todo. Destarte, este Estado acabou por ser exemplo para toda a Amazônia, diante da fauna e da flora atinentes à região. 4.6 – MATO GROSSO DO SUL Neste Estado, a realidade da nova compensação financeira, só foi factual a partir do inicio do ano de 2002, com a Lei Complementar nº 2.193/2000, e sua posterior regulamentação pelo Decreto nº 10.478 de 31 de agosto de 2001, apesar do ICMS Ecológico ter surgido por lá, em 1994, mediante a Lei Complementar nº 77. Os critérios para repartição das receitas oriundas do ICMS contemplaram os seguintes critérios ecológicos: unidades de conservação municipais, estaduais e federais, bem como mananciais de abastecimento, até a variante de 5% (cinco por cento). Nas palavras de Tupiassu (2006, p. 229), na tangência dos fatos obtidos com o novo incremento da repartição de tal receita: “Já em seu primeiro ano, o ICMS ecológico garantiu a cerca de 47 municípios com áreas de conservação ou reservas indígenas o direito de ratear R$ 118.940,16 por mês. Os municípios com maiores índices ecológicos, ou seja, os que mais são beneficiados com a distribuição, são: Jateí, com 15,8%; Alcinópolis, com 12,7%; e Porto Murtinho, com 11,2%.” 4.7 – MATO GROSSO Começou a vigorar o ICMS Ecológico no Mato Grosso, precisamente, no início de 2002, fruto da movimentação legislativa, no que tange primariamente, à Lei Complementar nº 73 de 07 de dezembro de 2000, juntamente com os Decretos que a regulamentaram sob as seguintes numerações: 2.580 e 2.758, ambos de 2001. Em Mato Grosso, após a promulgação da Carta Magna de 1988, até o ano de 1993, a base de cálculo para repasse do ICMS não vinculado era a seguinte: 80% para o VAF; 08% de acordo com a capacidade produtiva de cada municipalidade; 07% tangente à população; 03% de acordo com a área de cada município; e 02% rateado de forma igualitária. Percebe-se que não havia, até então, nenhum critério ambiental ou social para repasse de tais valores. Entre os anos de 1994 e 2000, houve redução do Valor Adicionado em 03%, passando este para 77%, bem como os critérios ‘população’, ‘área’ e ‘cota-igual’, que passaram a ser, respectivamente, 04, 02 e 09%, permanecendo inalterado o critério “receita própria’ de cada município. A partir de 2002, o VAF teve uma aguda redução, passando de 77 para 65%; população para 02%; área, apenas 01%; rateio igualitário permaneceu inalterado; e a grande novidade, o surgimento de dois novos critérios, quais sejam o saneamento e as unidades de conservação, que passaram a ser de 02% e 05% respectivamente. 4.8 – PERNAMBUCO Nascera o Instituto do ICMS Ecológico em Pernambuco em 2002, com a Lei nº 11.899 de 21 de dezembro de 2000, somado à sua regulamentação, através do Decreto nº 23.473 de 10 de agosto de 2001. O que é interessante na lei pernambucana é a adoção do sistema progressivo, parecido com o de Minas Gerais. Em 2002, ao entrar em vigor a norma supramencionada, o valor adicionado foi de 75%, onde o mesmo caiu 15%, haja vista que anterior à essa norma, seu valor era a enorme variante de 90%. Municípios com unidades de conservação passaram a ganhar 01%, bem como os que detinham unidades de compostagem e aterro ganhariam 04%. Outra inovação do legislador foi a contemplação da saúde dos municípios, beneficiando o Estado inteiro, no valor de 02% e por ultimo, a quantia de 01% de ¼ repassados para as cidades eram divididos de acordo com a receita própria de cada. A partir de 2003, os critérios Valor Adicionado e unidades de conservação permaneceram sem alterações. Por outro lado, os índices relativos às unidades de compostagem e aterros sanitários tiveram aumento de 01%, passando para 05%; saúde para 03% e receita própria para 03%. Posto isso, de forma clara percebe-se que o ICMS Ecológico é uma realidade vitoriosa no Brasil, onde são poucos os Estados da Federação que vergonhosamente ainda não possuem tal norma em vigor, seja por inércia legislativa e/ou confronto de interesses entre municípios que não querem perder receita.  5 – A PROBLEMÁTICA PARAENSE Muitas são as discussões acerca da implementação do ICMS Ecológico no Pará, principalmente porque este Estado lidera o ranking de desmatamento no Brasil, somando-se a isso, a ausência de instrução da sociedade local.  In casu, Tupiassu (2006, p. 238), preleciona: “O modelo de crescimento ainda em vigor acopla-se a uma necessidade de exploração desregrada dos recursos naturais, o que leva muitos administradores à irresistível tentação de relegar o valor estático do meio ambiente preservado, em nome da suposta riqueza dinâmica da sua destruição. No entanto, o ponto mais relevante deste desenvolvimento insustentável na Amazônia é a desvalorização do homem que lá vive. Muito pouco dos resultados econômicos obtidos na região retornam em benefícios à população local”. O Estado do Pará se encontra em situação de desigualdade perante outros estados desta Federação, haja vista que em muitos, a lei fora votada em plenário nas respectivas Assembleias Legislativas (ALEPAS) e se encontram em pleno vigor. A causa ambiental, educacional e social como um todo precisa ser reparada e melhor vista pelo poder público.  Apesar de o Estado do Pará, viver na realidade fática que se presencia, com o aumento significativo dos focos de queimadas, do crescimento absurdo da pecuária e da exploração de vários povos terra a dentro, a população sofre com a inércia do Legislativo, onde para isso, só possui uma explicação relevante, qual seja, divergências político partidárias. O Legislativo ainda não compreendeu, que manter a vinculação aos critérios de produtividade, população e território, a respeito da repartição das receitas estaduais destinadas aos Municípios, acaba por atrasar muito o Estado, bem como adiar benefícios que estão nos anseios da sociedade. As palavras do Dep. Faleiro, disponível em http://www.alepa.pa.gov.br/ alepa/lernoticia.php?idnoticia=2282, acessado aos 04 de setembro de 2009, alertam o êxito conseguido, nos locais em que o ICMS Ecológico foi implementado, in verbis: “Nos locais onde já foi instituído, o ICMS Ecológico tem representado um avanço na busca de um modelo de gestão ambiental compartilhada entre os Estados e municípios do Brasil, com reflexos objetivos em vários temas, em especial, na conservação da biodiversidade.  “ Com efeito, a Constituição do Estado do Pará, em seu art. 91, inciso I, estabelece que a Assembleia Legislativa Estadual legislará, especialmente, sobre o sistema tributário estadual. No conforme, entende-se que é de competência da própria Assembleia a aprovação de projeto de Lei, que garanta em seu bojo, o novo repasse do cota-parte para os Municípios paraenses, conforme abaixo: “Art. 91. Cabe à Assembleia Legislativa, com a sanção do Governador, não exigida esta para o especificado no art. 92, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, especialmente sobre: I – Sistema tributário estadual, arrecadação e distribuição de rendas, concessão de anistia e incentivos fiscais, instituição de impostos, taxas, contribuição de melhoria e contribuição social” (negrito nosso) Parte-se da seguinte premissa para atingir a problemática envolvida: como o Estado do Pará, o segundo maior da Federação, dotado de faraônicas fontes naturais, minerais, animais e vegetais consegue ser o mais degradado e ainda por cima, é um dos únicos que não possui o ICMS Ecológico vigorando. Atualmente, conforme já foi dito em anteriores linhas, a norma em vigor destina os 25% (vinte e cinco por cento) a que os Municípios têm direito, da seguinte forma: 15% (quinze por cento) rateados de maneira igual para cada município; 5% (cinco por cento) de acordo com o número de habitantes e outros 5% (cinco por cento) tangente ao espaço territorial (área) de cada municipalidade. Destarte, percebe-se a desatualização normativa da legislação em vigor, necessitando, o Estado do Pará, de uma mudança drástica nesse cenário, através da incessante busca da prática de políticas públicas voltadas para a melhoria ambiental, jamais esquecendo a questão social e cultural de cada região do Estado. Para tanto, necessário é, realizar um competente estudo de georeferenciamento, mapeando via satélite, toda a área do Estado, abrangendo também as áreas insulares, como por exemplo, a ilha do Marajó. Através de georeferenciamento, as autoridades legalmente investidas, poderão ter a real e exata noção da magnitude terrestre do Estado do Pará, somando-se a isso, os índices apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE para alcançar-se o tão esperado êxito na legislação sobre o ICMS Ecológico.   Diretamente ligado ao assunto sub oculis, FARAGE, Edna; FILHO, Rivail (2007, p. 06), este Coordenador do Grupo de Trabalho Cota-Parte, da Obra ICMS Cota-Parte 2007 da Secretaria de Estado da Fazenda- SEFA transpõe o seguinte caso hipotético, para melhor elucidação: “Uma indústria siderúrgica situada em um determinado município adquire minério de ferro, proveniente de ouro município, para transformação, em determinado ano, por R$ 10.000,00 (dez mil reais). Para transformar o minério de ferro em produto acabado, necessita de insumos como carvão, ao preço de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), energia elétrica, ao preço de R$ 400,00 (quatrocentos reais) e efetua ainda, desembolsos com serviços de transporte, no valor de R$ 1.600,00 (hum mil e seiscentos reais). Todos esses componentes, fazem parte dos custos de produção que perfazem em R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais). Considerando-se vendida toda a produção, no mesmo ano, por R$ 36.000,00 (trinta e seis mil reais) tem-se o valor adicionado de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme demonstração a seguir, onde VA = 36.000 – 16.000 = 20.000”   Vale ressaltar as palavras de Tupiassu (2006, p. 238), ainda, em competente estudo realizado na tangência ao Estado do Pará, in literis: “O estado é o segundo maior da região norte, tendo um território de 1.253.164,5 km2 – equivalente a mais de duas vezes o território da França –, sendo conhecido como a porta de entrada da Amazônia. No entanto, hoje em dia, é um dos recordistas em desmatamento florestal e sofre incessantemente os problemas deixados pelas diversas políticas de desenvolvimento malogradas”. Com efeito, é indiscutível que a sociedade está mudando, os valores que antes eram tidos como imutáveis e corretos, hoje são repudiados pela nova geração. Diversas são as Organizações Não Governamentais – ONG`s que atuam na proteção e preservação da fauna e da flora amazônicas, bem como dos povos indígenas e suas respectivas culturas, que habitam nesta região. Nesse sentido, vale realçar dos seguintes organismos, prelecionados no sítio: http://portalamazonia.globo.com/pscript/amazoniadeaaz/artigoAZ.php?idAz=256, acessado aos 18 de setembro de 2008: Amazônia, Conservation, Socioambiental, Greenpeace, GTA, Imazon, WWF e FVA. Sobre tal questão, Milaré (1992, p. 57-58) enriquece: “Hoje as coisas estão mudando. A consciência do mundo está despertando para o problema do meio ambiente. Há crescente percepção de que o progresso a qualquer preço não é sustentável a longo prazo e que os investimentos “curativos” da poluição são mais caros que os investimentos “preventivos”. Qualquer visão de desenvolvimento econômico distorcida pelo imediatismo, afora ser anti-social, por deteriorar a qualidade de vida dos seres humanos e a sobrevivência de todos os demais seres vivos, também será antieconômica, não só a longo prazo mas já a médio prazo. O mau aproveitamento dos recursos naturais acabará por liquidar as potencialidades de desenvolvimento oferecido pela base territorial levando a um esgotamento e a uma esterilização feitos ao maior custo e ao menor benefício”. Destarte, com criação do presente instituto constitucional tributário Ambiental, a sociedade deste Estado irá ser contemplada com inúmeros ganhos, haja vista os incentivos e a política pública propriamente dita, tangente aos municípios. Posto isso, assistência à educação, saúde, lazer, turismo, ecoturismo e saneamento básico serão imediatamente realizadas. Para tanto, os administradores deverão obedecer aos institutos jurídicos mais inteligentes ao caso, como o da prevenção e precaução, aliado ao da preservação ambiental, na tangência do desenvolvimento de forma Sustentável, como garantia de um futuro melhor para as gerações que ainda virão. Desta forma, a latente possibilidade de implementação da lei do ICMS Ecológico constitui em um incremento valorativo social de suma importância para o Estado do Pará, visto o contexto em que este está inserido, paralelo às suas mazelas, em estrito sentido, as chagas de seus municípios. Conforme já fora disponibilizado em anteriores linhas, nos atuais dias, o repasse é feito da seguinte maneira, em inteligência à Lei estadual nº Lei estadual n.º 5.645 de 11.01.91, alterada pela Lei estadual n.º 6.276, de 29.12.99, dos 25 por cento que os municípios possuem direito, 15 por cento é rateado de maneira igualitária entre todos os 143 (cento e quarenta e três) municípios, outros cinco por cento de acordo com o número de habitantes e os últimos cinco por cento, respeitando a área territorial. De acordo com o sitio da Federação das Associações de Municípios do Estado do Pará, disponível em: http://www.famep.com.br/famep/, acesso aos 17 de setembro de 2009. Isto posto, inúmeros são, os Municípios que irão ser contemplados com a nova linha de repartição da receita auferida com o ICMS. Vários são os municípios do Pará, que possuem índice de qualidade de vida abaixo do aceitável, onde populações sofrem em demasia, com o caos gerado pela inércia do legislador, somado com a falta de atuação do executivo municipal, fazendo assim, uma afronta à dignidade da pessoa humana, bem como os direitos difusamente acautelados que cada cidadão tem. Não é novidade, que a Região do Marajó, em toda sua extensão insular, possui uma dos mais baixos IDH do país. A partir da problemática exaltada, percebe-se a enorme necessidade que esta região possui, através de seus municípios, em adentrar no conjunto que irá ter maior percepção de valores, quando vigorar a nova lei. A grande esperança, é que seja enaltecido o ecoturismo amazônico em determinadas áreas do Estado, como por exemplo a própria região do arquipélago marajoara, com seus mais de 104.600 (cento e quatro mil e seiscentos) Km² divididos entre 16 municípios (Afuá, Anajás, Bagre, Breves, Cachoeira do Arari, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Muaná, Ponta de Pedras, Portel, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, São Sebastião da Boa Vista e Soure), conforme o sitio: http://www.territoriosdacidadania.gov.br/dotlrn/clubs/territriosrurais/marajpa/onecommunity?page_num=0, acessado em 25 de setembro de 2009, juntamente com a melhoria da qualidade de vida mediante um maior sistema de saneamento básico na região do salgado paraense, em que muitos municípios são banhados pelo Oceano Atlântico, bem como cidades do leste e centro-sul do Pará. A respeito de tal indagação, Derani (1997, p. 71) expõe: “o conceito de meio ambiente não se reduz a ar, água, terra, mas deve ser definido como o conjunto das condições de existência humana que integra e influencia o relacionamento entre os homens, sua saúde e seu desenvolvimento”. Em cada região que o ICMS Ecológico é implantado, visa a norma, corrigir erros e tentar alcançar uma melhoria na qualidade de vida da população, tanto para quem vive na capital, quanto os interiores mais longínquos. Destarte, cabe à presente monografia, em forma de um de seus objetos, destacar os principais problemas enfrentados pelo Estado do Pará atualmente (forma de expressar, pois os problemas já são velhos conhecidos de toda sociedade paraense). Tais como: conservação e preservação da mata amazônica, através de políticas que incentivem o anti-desmatamento e culminem na redução dos crescentes focos de queimadas registradas pelos satélites; melhoria na qualidade do saneamento público e rede de esgotos; saúde e população indígena (ou demais povos que habitam o Estado, como quilombolas). Nesse sentido, o objeto da lei do ICMS Não Vinculado, nada mais é, do que contemplar os municípios que priorizam a melhoria do meio ambiente, através de uma nova política de incentivos fiscais (no caso, contemplando o Instituto da Extrafiscalidade do tributo), constitucionalmente acautelada, onde Modé (2004, p. 83) ressalta: “(…) a razão motivadora da tributação ambiental não é a mesma sobre as quais se fundam as sanções. A aplicação da tributação ambiental não tem por objetivo punir o descumprimento de um comando normativo (proibitivo); ao contrário, a partir do reconhecimento de uma atividade econômica e necessária à sociedade (seja por fornecer produtos indispensáveis à vida social, seja por garantir empregos e renda a determinada comunidade, ou por outra razão qualquer) busca ajustá-la a uma realização mais adequada do ponto de vista ambiental, desincentivando (pelo reflexo econômico negativo que impõe) que o comportamento de um determinado agente econômico ou conjunto de agentes, se modifique para o que tenha por ambientalmente correto”. (grifo nosso). O intuito é ‘proar’ o rumo ambiental do Estado do Pará, para um norte qualitativo, no que tange a melhoria da qualidade de vida dos diferentes povos que habitam nesse Estado, contemplando todas as regiões do Estado, como a Calha Norte, Marajó, Costa Atlântica, Tocantins e Araguaia, Xingu, Baixo Amazonas e Tapajós, desse imenso país chamado Pará. Admitir um novo vetor para as políticas públicas que tenham em seu bojo, interesses sociais, garantindo a prestação estatal acautelando o meio ambiente, através de uma nova política tributária constitucional compensatória, sem o aparecimento de quaisquer novos tributos ou imposto, através da melhoria significativa dos gastos e arrecadação existentes, é fazer valer o interesse e obrigação do Poder Público para com a melhoria social. Essa deverá ser a nova realidade do Estado do Pará. 6. CONCLUSÃO Pelo exposto, conclui-se de maneira clara e concisa, que grande maioria dos municípios que mais poluem e mais degradam o meio ambiente, haja vista a grande capacidade comercial e/ou industrial, acabam por auferir maior repasse, quando no momento da distribuição da cota municipal, Lei Complementar. Assim, nota-se que vários municípios com grande contingente populacional que não possuem indústrias arrecadam menos, enquanto que muitos outros possuem número de habitantes pequeno e renda hipertrofiada, haja vista sua grande capacidade de geração de valor adicionado fiscal – VAF. Posto isso, os Estados do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Amapá, Tocantins, Acre, Rio de Janeiro e Ceará já possuem norma que dispõe sobre o repasse cota-parte aos municípios de maneira a contemplar a preocupação socioambiental prelecionada na “Constituição Verde” de 1988. Todavia, é objeto de estudo aprofundado no terceiro capítulo desta monografia, em conjunto com os projetos de lei que hodiernamente tramitam em alguns legislativos estaduais. Concebe-se o Instituto Constitucional-tributário do ICMS Ecológico, como uma saída para diversos problemas vivenciados hoje. Principalmente no que diz respeito ao processo de retirada de insumos e matérias-primas do meio ambiente, juntamente com o “incentivo” dos Agentes-Políticos para contribuição a um meio ambiente mais saudável e próspero para as gerações futuras, pois sabe-se que de onde se tira e não se põe, nada restará.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/icms-ecologico-aspectos-legais-e-doutrinarios-acerca-deste-instrumento-tributario-para-incremento-socioambiental-e-sua-aplicabilidade-no-estado-do-para-segundo-casos-concretos-de-outros-estados-membro/
As obrigações tributárias acessórias e o princípio da legalidade
O escopo deste trabalho é discutir a possibilidade de instituição de obrigações acessórias por meio de normas editadas pelo Executivo na seara tributária.Palavras-chave: obrigação acessória, normas complementares, legalidade. Abstract: The main goal of this issue is to discuss the possibility of accessory obligations, concerning to taxes, bein instituted by Executive rules. Keywords: accessory obligation, complementar rules, legality. Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da Legalidade. 3. Obrigação Tributária Acessória. 4. Um julgado interessante do Superior Tribunal de Justiça. 5. Conclusão. 1 – Introdução É antigo o debate doutrinário sobre o alcance do princípio da legalidade no que tange às obrigações tributárias acessórias. O objetivo deste trabalho é apenas e tão-somente submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese do problema, apontando posições de alguns respeitáveis doutrinadores sobre o tema, todas muito bem fundamentadas, para esboçar um posicionamento que se reconhece tímido. A questão central é refletir sobre a pertinência ou não de poderem normas editadas pelos Executivos das três esferas instituir obrigações tributárias acessórias. 2 – Princípio da Legalidade Nos termos do art. 5º, II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Está aí positivado o princípio da legalidade no ordenamento jurídico brasileiro, a espraiar sua normatividade para todos os ramos do Direito. O constituinte, todavia, no intuito de legar à sociedade um verdadeiro estatuto do contribuinte, reforçando ainda mais a prescrição do referido dispositivo, fê-lo inserir de forma específica no rol do art. 150, da seção que trata das “limitações ao poder de tributar” (II), no capítulo sobre o “sistema tributário nacional” (I), do título atinente à tributação e ao orçamento (VI). Assim, é expressamente vedado aos entes tributantes “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça” (art. 150, I). Reflexões acerca da interpretação que se deve dar ao vocábulo “lei” remetem às origens históricas do princípio, gerado a partir da reação dos barões feudais às obrigações exorbitantes que lhes vinham sendo impostas pelo soberano, fato que culminou com a Carga Magna de 1215, através da qual ficou estabelecido que somente os tributos autorizados poderiam ser cobrados.[1] Assim, deve-se perquirir sobre o assentimento da classe representativa do povo para que um tributo seja validamente exigido.[2] Destarte, apenas a lei, geralmente ordinária, pode instituir ou aumentar tributos no Brasil. De ser ressaltado que a própria Constituição, no entanto, prescreve a necessidade de lei complementar para algumas espécies, tais como, o empréstimo compulsório (art, 148) e o imposto extraordinário residual (art. 154, I). Nestes dois casos é notório também o intuito de dar maior proteção ao contribuinte, tendo em vista o quorum de maioria absoluta necessário para a aprovação da lei complementar.[3] A medida provisória, atendidos seus requisitos de relevância e urgência, uma vez convertida em lei, pode também instituir ou aumentar tributos, observadas as regras de eficácia previstas no art. 62, da CF/88. Atendendo ao comando do art. 146, III, da Carta Magna, a Lei n. 5.172/66 foi recepcionada com status de lei complementar. Assim, cumprindo seu objetivo de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, explicita o art. 97, do Código Tributário Nacional: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo. IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção dos créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1º Equipara-se à majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.” § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.” (destaques nossos) Tem-se, então, delimitado de forma bastante sintética, o princípio da legalidade em matéria tributária no ordenamento jurídico brasileiro. 3 – Obrigação Tributária Acessória Embora o tributo, mais especificamente o imposto, decorra da necessidade de prover o Estado de recursos para a consecução do bem comum, não se pode perder de vista, como já realçado acima, a necessidade de assentimento dos representantes do povo para sua instituição. Destarte, à concepção de relação de poder entre o Estado e o súdito, que imperava no Estado Absolutista, seguiu-se a da assimilação da relação entre Estado e contribuinte à relação obrigacional, conceito haurido no Direito Privado.[4] Como leciona Machado[5]: “A relação tributária, como qualquer outra relação jurídica, surge da ocorrência de um fato previsto em uma norma como capaz de produzir esse efeito. […] A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária).” (destaques no original) A obrigação tributária pode ser principal ou acessória. A primeira tem como objeto, isto é, como prestação, a de adimplir o tributo ou a penalidade pecuniária. Na terminologia do Direito Privado, é uma obrigação de dar, portanto, tem natureza patrimonial.[6] Já a obrigação acessória corresponde a uma obrigação de fazer em sentido amplo (fazer, não fazer ou tolerar) algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos. Não possui, assim, natureza patrimonial.[7] Vêm definidas do seguinte modo pelo Código Tributário Nacional: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.” (destaques nossos) Carrazza aponta crítica recorrente na doutrina quanto à denominação “obrigação acessória”:[8] “A relação jurídica tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu, como ao plexo de deveres instrumentais (positivos ou negativos) que gravitam em torno do tributo, colimando facilitar a aplicação exata da norma jurídica que o previu. É desses deveres, de índole administrativa, que a doutrina tradicional, seguindo a traça do Código Tributário Nacional, chama, impropriamente, de “obrigações acessórias”[…] Ressalta esse doutrinador que tais deveres não têm cunho patrimonial, tanto assim é que, uma vez descumpridos, continuam com objeto irredutível em moeda.[9] Neste sentido também é a lição de Carvalho:[10] “No conjunto de prescrições normativas que interessam ao Direito Tributário, vamos encontrar os dois tipos de relações: as de substância patrimonial e os vínculos que fazem irromper meros deveres administrativos. As primeiras, previstas no núcleo da norma que define o fenômeno da incidência – regra-matriz – e as outras, circumpostas a ela, para tornar possível a operatividade da instituição tributária: são os deveres instrumentais ou formais.” Machado, fiel à denominação do Código, aduz que o sujeito ativo não pode exigir um comportamento do sujeito passivo, mas tem o poder de criar contra este um crédito, correspondente à penalidade pecuniária, nos termos do § 3º, do art. 113, acima transcrito, salientando, também, que não é da substância da obrigação, como gênero, o conteúdo patrimonial.[11] Aduz ainda que o adjetivo “acessória”, que qualifica tais obrigações, tem sentido diverso do Direito Privado. Neste, “o caráter de acessoriedade manifesta-se entre uma determinada obrigação, dita principal, e uma outra, também determinada, dita acessória”. No Direito Tributário, todavia, tal termo tem outra conotação, qual seja a de só existirem em função da obrigação principal. Confira-se:[12] “Realmente, em Direito Tributário as obrigações acessórias não precisariam existir se não existissem as obrigações principais. São acessórias, pois, neste sentido. Só existem em função das principais, embora não exista necessariamente um liame entre determinada obrigação principal e determinada obrigação acessória. Todo o conjunto de obrigações acessórias existe para viabilizar o cumprimento das obrigações principais.” No mesmo passo é a doutrina de Amaro:[13] “É nesse sentido que as obrigações tributárias formais são apelidadas de “acessórias”; embora não dependam da efetiva existência de uma obrigação principal, elas se atrelam à possibilidade ou probabilidade de existência de obrigações principais (não obstante, em grande número de situações, se alinhem com uma obrigação principal efetiva).” Esboçados esses comentários, convém adentrar o ponto mais polêmico em torno das obrigações acessórias, que é o de apontar os dissentimentos encontrados na doutrina no que concerne à possibilidade de as mesmas poderem ou não ser instituídas através das denominadas “normas complementares”, elencadas no 100, do Código Tributário Nacional.[14] Estão estas divididas em quatro grupos e que, conforme Corrêa e Rezek, correspondem:[15] “a) aos atos normativos das autoridades administrativas (portarias, avisos, circulares e, presentemente, em grande número, os pareceres normativos etc.); b) à jurisprudência administrativa a que a lei dê força normativa; c) aos usos e costumes; e d) aos convênios.” Para Machado, partindo do conteúdo abrangente da expressão “legislação tributária”, extraído do art. 96, e da delimitação do fato gerador da obrigação tributária, veiculado no art. 115, ambos do Código Tributário Nacional, a conclusão é a de que as obrigações acessórias podem ser instituídas por normas complementares.[16] Ademais, se fosse intenção do legislador excluir a possibilidade de instituição de obrigação acessória por norma complementar, certamente teria omitido o adjetivo “principal” para a qualificação da obrigação, na dicção do inciso III, do art. 97.[17] Já Carrazza entende que também as obrigações acessórias só podem ser criadas por lei em sentido material e formal, à vista do princípio da legalidade. Além disso, as normas do art. 100, do Código Tributário Nacional, têm por função a complementação das leis, tratados e decretos, ressaltando que o cumprimento de tais deveres instrumentais exigem dispêndio de tempo e dinheiro e que sua inobservância resolve-se em sanções de várias espécies, inclusive pecuniárias.[18] 4 – Um julgado interessante do Superior Tribunal de Justiça No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, colhe-se interessante julgado – o do REsp n. 1.105.947/PR -, em que se discutiu a legalidade  de instituição de obrigação acessória por meio de Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal para imobiliárias e incorporadoras, qual seja, a entrega da DIMOB (“declaração de informação sobre atividades imobiliárias”).  Embora não tenha enfrentado o âmago da questão, porque a obrigação acessória decorria do art. 16, Lei n. 9.779/99, apenas complementado pela Instrução Normativa, a 2ª Turma daquela Corte sintetizou de forma lapidar a contemporânea realidade das atividades desenvolvidas em prol da arrecadação de tributos no Brasil. Transcreve-se abaixo trecho da ementa:  “TRIBUTÁRIO. DECLARAÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE ATIVIDADES IMOBILIÁRIAS – DIMOB. IN SRF 304/2003. FUNDAMENTO LEGAL. ART. 16 DA LEI 9.779/1999 E ART. 197 DO CTN. EXIGÊNCIA DE MULTA. ART. 57 DA MP 2.158-35/2001. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 182/STJ. 1. Hipótese em que se impugna a exigência da Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias – Dimob, nos termos da IN SRF 304/2003, pela qual construtoras, incorporadoras, imobiliárias e administradoras devem prestar informações anualmente sobre as operações de compra e venda e de aluguel de imóveis. 2. O antigo debate doutrinário a respeito do alcance do princípio da legalidade, no que se refere às obrigações acessórias (art. 155 c/c o art. 96 do CTN), é insignificante no caso, pois há fundamento legal para a exigência. 3. A Lei 9.779/1999 prevê a instituição de obrigações acessórias pela Secretaria da Receita Federal. Essa norma deve ser interpretada em consonância com o art. 197 do CTN, que autoriza a requisição de informações relevantes para a fiscalização tributária. 4. Não há falar em inexistência de dever de prestar informações relativas a operações de compra e venda e aluguel de imóveis, já que as administradoras de bens e os corretores são obrigados, nos termos do art. 197, III e IV, do CTN. Nessa situação encontram-se as administradoras, imobiliárias, corretoras, construtoras e incorporadoras quando atuam como intermediárias na consecução dos negócios de compra e venda e aluguel. 5. No mundo atual, em que as declarações fiscais são enviadas quase que exclusivamente por meio eletrônico, pela rede mundial de computadores, seria inadequado interpretar o vetusto art. 197 do CTN no sentido de que a Secretaria da Receita Federal deveria solicitar informações individualmente, por intimações escritas em papel. 6. Interpreta-se a norma jurídica à luz de seu tempo. A administração tributária deve pautar sua atuação no princípio da eficiência. 7. O sistema tributário moderno baseia-se nas informações prestadas pelo próprio contribuinte e por terceiros envolvidos com as operações e situações tributadas, posteriormente verificadas pela Administração. As relações de massa exigem essa sistemática para garantir a eficiência da arrecadação e a Justiça Fiscal. Não fosse assim, seria necessária uma superestrutura fiscalizatória, em cada esfera de governo, capaz de auditar individualmente milhões de contribuintes a cada ano, o que é irreal, antieconômico, ineficiente e contraria o princípio da boa-fé objetiva. 8. A IN SRF 304/2003 atendeu a essas diretrizes ao exigir informações por sistema informatizado disponibilizado pela própria Receita Federal (art. 2º). […] 13. Recurso Especial não provido.”  (REsp 1.105.947/PR, 2. T., v. u., j. em 23/06/09, rel. Min. Herman Benjamin.  Disponível em:  <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=1105947>. Acesso em 16/06/10. g.n.) 5 – Conclusão Feitas essas considerações, no âmbito deste trabalho, prefere-se o entendimento dos que defendem a possibilidade de instituição de obrigações acessórias através das normas complementares delineadas no Código Tributário. As razões esposadas por Machado, com o devido respeito dos que não comungam delas, estão em consonância com a determinação traçada na própria Constituição Federal, que remete à lei complementar, no caso a Lei n. 5.172/66, o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária. Nesse particular, referido diploma legal é muito claro quando determina que o fato gerador da obrigação acessória decorre da “legislação tributária”, a qual, por definição, engloba também as normas complementares (arts. 115 e 100). Quando o legislador complementar pretendeu limitar o assunto à lei em sentido material e formal, fê-lo expressamente, como ao prescrever que o fato gerador da obrigação principal decorre de lei e ao qualificar a “obrigação” como sendo “principal” para fins da reserva legal (arts. 97, III, 103, § 2º e 115). Além disso, como visto, a obrigação acessória impõe apenas um dever de fazer, não fazer ou tolerar, não podendo o Estado compelir o contribuinte à prestação in natura, mas apenas sancionar o descumprimento com pena pecuniária. Ora, tal pena sim é obrigação principal, conforme art. 103, § 2º e, portanto, deve decorrer de lei stricto sensu, o que também está expressamente previsto no art. 97, V. Não se pode olvidar também que o fato de que se vive numa sociedade de massa e as implicações daí decorrentes, muito bem explanadas no REsp n. 1.105.947. Assim, tendo em vista o caráter de generalidade e abstração inerente a lei stricto sensu, é bastante razoável que os órgãos competentes do Poder Executivo das três esferas possam editar atos que complementem aquela, através dos quais os contribuintes e terceiros envolvidos em situações tributadas sejam  chamados a prestar informações e manter controles de suas atividades e bens, em benefício do próprio Estado. Tal entendimento, que se submete à crítica, não malfere o princípio da legalidade, mas, sopesado a outros, também basilares do nosso Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, o da livre concorrência e o da eficiência administrativa, é consentâneo com a realidade contemporânea, à qual se deve ajustar a hermenêutica das normas.      Referências bibliográficas AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. ver., ampl. E atual. São Paulo: Brasil, 2009. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14. ed. rev. e atual.  São Paulo: Saraiva, 2002. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006. ________. Fato gerador da obrigação tributária. In: Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 96, p. 31-33, set. 03. MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. REsp 1.105.947/PR, 2. T., v. u., j. em 23/06/09, rel. Min. Herman Benjamin.  Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?newsession=yes&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&livre=1105947>. Acesso em 16/06/10.   Notas: [1] CORRÊA, Walter Barbosa; REZEK, Francisco José de Castro (atual.). Fontes do direito tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 81. [2] Ibid., p. 81. [3] Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b.[…] Art. 154 – A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição. Art. 69 – As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.  [4] COSTA, Alcides Jorge. Obrigação tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 209. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 140. [5] MACHADO, op. cit., p. 140. [6] Ibid., p. 141. [7] Ibid., p. 141. [8] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. ver., ampl. E atual. São Paulo: Brasil, 2009. p. 346. [9] Ibid., p. 347. [10] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 14. ed. rev. e atual.  São Paulo: Saraiva, 2002. p. 284. [11] MACHADO, op. cit., p. 142. [12] Ibid., p. 143. [13] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 250. [14] Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas; II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa a que a lei atribua eficácia normativa; III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo. [15] CORRÊA, Walter Barbosa; REZEK, Francisco José de Castro (atual.). Fontes do direito tributário. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 209. [16] MACHADO, op. cit., p. 142 e 146. Prescrevem os arts. 96 e 115, do Código Tributário Nacional: Art. 96. A expressão “legislação tributária” compreende as leis, os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes. (destaques nossos) Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou abstenção de ato que não configure obrigação principal. (destaques nossos) [17] MACHADO, Hugo de Brito. Fato gerador da obrigação tributária. In: Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 96, p. 31-33, set. 03. [18] CARRAZZA, op. cit., p. 347-350.
Direito Tributário
1 – Introdução É antigo o debate doutrinário sobre o alcance do princípio da legalidade no que tange às obrigações tributárias acessórias. O objetivo deste trabalho é apenas e tão-somente submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese do problema, apontando posições de alguns respeitáveis doutrinadores sobre o tema, todas muito bem fundamentadas, para esboçar um posicionamento que se reconhece tímido. A questão central é refletir sobre a pertinência ou não de poderem normas editadas pelos Executivos das três esferas instituir obrigações tributárias acessórias. 2 – Princípio da Legalidade Nos termos do art. 5º, II, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Está aí positivado o princípio da legalidade no ordenamento jurídico brasileiro, a espraiar sua normatividade para todos os ramos do Direito. O constituinte, todavia, no intuito de legar à sociedade um verdadeiro estatuto do contribuinte, reforçando ainda mais a prescrição do referido dispositivo, fê-lo inserir de forma específica no rol do art. 150, da seção que trata das “limitações ao poder de tributar” (II), no capítulo sobre o “sistema tributário nacional” (I), do título atinente à tributação e ao orçamento (VI). Assim, é expressamente vedado aos entes tributantes “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça” (art. 150, I). Reflexões acerca da interpretação que se deve dar ao vocábulo “lei” remetem às origens históricas do princípio, gerado a partir da reação dos barões feudais às obrigações exorbitantes que lhes vinham sendo impostas pelo soberano, fato que culminou com a Carga Magna de 1215, através da qual ficou estabelecido que somente os tributos autorizados poderiam ser cobrados.[1] Assim, deve-se perquirir sobre o assentimento da classe representativa do povo para que um tributo seja validamente exigido.[2] Destarte, apenas a lei, geralmente ordinária, pode instituir ou aumentar tributos no Brasil. De ser ressaltado que a própria Constituição, no entanto, prescreve a necessidade de lei complementar para algumas espécies, tais como, o empréstimo compulsório (art, 148) e o imposto extraordinário residual (art. 154, I). Nestes dois casos é notório também o intuito de dar maior proteção ao contribuinte, tendo em vista o quorum de maioria absoluta necessário para a aprovação da lei complementar.[3] A medida provisória, atendidos seus requisitos de relevância e urgência, uma vez convertida em lei, pode também instituir ou aumentar tributos, observadas as regras de eficácia previstas no art. 62, da CF/88. Atendendo ao comando do art. 146, III, da Carta Magna, a Lei n. 5.172/66 foi recepcionada com status de lei complementar. Assim, cumprindo seu objetivo de estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, explicita o art. 97, do Código Tributário Nacional: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou sua extinção; II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo. IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65; V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção dos créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. § 1º Equipara-se à majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.” § 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.” (destaques nossos) Tem-se, então, delimitado de forma bastante sintética, o princípio da legalidade em matéria tributária no ordenamento jurídico brasileiro. 3 – Obrigação Tributária Acessória Embora o tributo, mais especificamente o imposto, decorra da necessidade de prover o Estado de recursos para a consecução do bem comum, não se pode perder de vista, como já realçado acima, a necessidade de assentimento dos representantes do povo para sua instituição. Destarte, à concepção de relação de poder entre o Estado e o súdito, que imperava no Estado Absolutista, seguiu-se a da assimilação da relação entre Estado e contribuinte à relação obrigacional, conceito haurido no Direito Privado.[4] Como leciona Machado[5]: “A relação tributária, como qualquer outra relação jurídica, surge da ocorrência de um fato previsto em uma norma como capaz de produzir esse efeito. […] A lei descreve um fato e atribui a este o efeito de criar uma relação entre alguém e o Estado. Ocorrido o fato, que em Direito Tributário denomina-se fato gerador, ou fato imponível, nasce a relação tributária, que compreende o dever de alguém (sujeito passivo da obrigação tributária) e o direito do Estado (sujeito ativo da obrigação tributária).” (destaques no original) A obrigação tributária pode ser principal ou acessória. A primeira tem como objeto, isto é, como prestação, a de adimplir o tributo ou a penalidade pecuniária. Na terminologia do Direito Privado, é uma obrigação de dar, portanto, tem natureza patrimonial.[6] Já a obrigação acessória corresponde a uma obrigação de fazer em sentido amplo (fazer, não fazer ou tolerar) algo no interesse da arrecadação ou da fiscalização de tributos. Não possui, assim, natureza patrimonial.[7] Vêm definidas do seguinte modo pelo Código Tributário Nacional: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária.” (destaques nossos) Carrazza aponta crítica recorrente na doutrina quanto à denominação “obrigação acessória”:[8] “A relação jurídica tributária refere-se não só à obrigação tributária stricto sensu, como ao plexo de deveres instrumentais (positivos ou negativos) que gravitam em torno do tributo, colimando facilitar a aplicação exata da norma jurídica que o previu. É desses deveres, de índole administrativa, que a doutrina tradicional, seguindo a traça do Código Tributário Nacional, chama, impropriamente, de “obrigações acessórias”[…] Ressalta esse doutrinador que tais deveres não têm cunho patrimonial, tanto assim é que, uma vez descumpridos, continuam com objeto irredutível em moeda.[9] Neste sentido também é a lição de Carvalho:[10] “No conjunto de prescrições normativas que interessam ao Direito Tributário, vamos encontrar os dois tipos de relações: as de substância patrimonial e os vínculos que fazem irromper meros deveres administrativos. As primeiras, previstas no núcleo da norma que define o fenômeno da incidência – regra-matriz – e as outras, circumpostas a ela, para tornar possível a operatividade da instituição tributária: são os deveres instrumentais ou formais.” Machado, fiel à denominação do Código, aduz que o sujeito ativo não pode exigir um comportamento do sujeito passivo, mas tem o poder de criar contra este um crédito, correspondente à penalidade pecuniária, nos termos do § 3º, do art. 113, acima transcrito, salientando, também, que não é da substância da obrigação, como gênero, o conteúdo patrimonial.[11] Aduz ainda que o adjetivo “acessória”, que qualifica tais obrigações, tem sentido diverso do Direito Privado. Neste, “o caráter de acessoriedade manifesta-se entre uma determinada obrigação, dita principal, e uma outra, também determinada, dita acessória”. No Direito Tributário, todavia, tal termo tem outra conotação, qual seja a de só existirem em função da obrigação principal. Confira-se:[12] “Realmente, em Direito Tributário as obrigações acessórias não precisariam existir se não existissem as obrigações principais. São acessórias, pois, neste sentido. Só existem em função das principais, embora não exista necessariamente um liame entre determinada obrigação principal e determinada obrigação acessória. Todo o conjunto de obrigações acessórias existe para viabilizar o cumprimento das obrigações principais.” No mesmo passo é a doutrina de Amaro:[13] “É nesse sentido que as obrigações tributárias formais são apelidadas de “acessórias”; embora não dependam da efetiva existência de uma obrigação principal, elas se atrelam à possibilidade ou probabilidade de existência de obrigações principais (não obstante, em grande número de situações, se alinhem com uma obrigação principal efetiva).” Esboçados esses comentários, convém adentrar o ponto mais polêmico em torno das obrigações acessórias, que é o de apontar os dissentimentos encontrados na doutrina no que concerne à possibilidade de as mesmas poderem ou não ser instituídas através das denominadas “normas complementares”, elencadas no 100, do Código Tributário Nacional.[14] Estão estas divididas em quatro grupos e que, conforme Corrêa e Rezek, correspondem:[15] “a) aos atos normativos das autoridades administrativas (portarias, avisos, circulares e, presentemente, em grande número, os pareceres normativos etc.); b) à jurisprudência administrativa a que a lei dê força normativa; c) aos usos e costumes; e d) aos convênios.” Para Machado, partindo do conteúdo abrangente da expressão “legislação tributária”, extraído do art. 96, e da delimitação do fato gerador da obrigação tributária, veiculado no art. 115, ambos do Código Tributário Nacional, a conclusão é a de que as obrigações acessórias podem ser instituídas por normas complementares.[16] Ademais, se fosse intenção do legislador excluir a possibilidade de instituição de obrigação acessória por norma complementar, certamente teria omitido o adjetivo “principal” para a qualificação da obrigação, na dicção do inciso III, do art. 97.[17] Já Carrazza entende que também as obrigações acessórias só podem ser criadas por lei em sentido material e formal, à vista do princípio da legalidade. Além disso, as normas do art. 100, do Código Tributário Nacional, têm por função a complementação das leis, tratados e decretos, ressaltando que o cumprimento de tais deveres instrumentais exigem dispêndio de tempo e dinheiro e que sua inobservância resolve-se em sanções de várias espécies, inclusive pecuniárias.[18] 4 – Um julgado interessante do Superior Tribunal de Justiça No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, colhe-se interessante julgado – o do REsp n. 1.105.947/PR -, em que se discutiu a legalidade  de instituição de obrigação acessória por meio de Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal para imobiliárias e incorporadoras, qual seja, a entrega da DIMOB (“declaração de informação sobre atividades imobiliárias”).  Embora não tenha enfrentado o âmago da questão, porque a obrigação acessória decorria do art. 16, Lei n. 9.779/99, apenas complementado pela Instrução Normativa, a 2ª Turma daquela Corte sintetizou de forma lapidar a contemporânea realidade das atividades desenvolvidas em prol da arrecadação de tributos no Brasil. Transcreve-se abaixo trecho da ementa: 5 – Conclusão Feitas essas considerações, no âmbito deste trabalho, prefere-se o entendimento dos que defendem a possibilidade de instituição de obrigações acessórias através das normas complementares delineadas no Código Tributário. As razões esposadas por Machado, com o devido respeito dos que não comungam delas, estão em consonância com a determinação traçada na própria Constituição Federal, que remete à lei complementar, no caso a Lei n. 5.172/66, o estabelecimento de normas gerais em matéria de legislação tributária. Nesse particular, referido diploma legal é muito claro quando determina que o fato gerador da obrigação acessória decorre da “legislação tributária”, a qual, por definição, engloba também as normas complementares (arts. 115 e 100). Quando o legislador complementar pretendeu limitar o assunto à lei em sentido material e formal, fê-lo expressamente, como ao prescrever que o fato gerador da obrigação principal decorre de lei e ao qualificar a “obrigação” como sendo “principal” para fins da reserva legal (arts. 97, III, 103, § 2º e 115). Além disso, como visto, a obrigação acessória impõe apenas um dever de fazer, não fazer ou tolerar, não podendo o Estado compelir o contribuinte à prestação in natura, mas apenas sancionar o descumprimento com pena pecuniária. Ora, tal pena sim é obrigação principal, conforme art. 103, § 2º e, portanto, deve decorrer de lei stricto sensu, o que também está expressamente previsto no art. 97, V. Não se pode olvidar também que o fato de que se vive numa sociedade de massa e as implicações daí decorrentes, muito bem explanadas no REsp n. 1.105.947. Assim, tendo em vista o caráter de generalidade e abstração inerente a lei stricto sensu, é bastante razoável que os órgãos competentes do Poder Executivo das três esferas possam editar atos que complementem aquela, através dos quais os contribuintes e terceiros envolvidos em situações tributadas sejam  chamados a prestar informações e manter controles de suas atividades e bens, em benefício do próprio Estado. Tal entendimento, que se submete à crítica, não malfere o princípio da legalidade, mas, sopesado a outros, também basilares do nosso Estado Democrático de Direito, como, por exemplo, o da livre concorrência e o da eficiência administrativa, é consentâneo com a realidade contemporânea, à qual se deve ajustar a hermenêutica das normas.
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Imunidade dos templos: Um julgamento paradigmático do Supremo Tribunal Federal
O objetivo desse trabalho é, após tecer algumas considerações sobre a imunidade dos templos e das instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos, discorrer sobre o julgamento do RE n. 325.822-2, para enunciar algumas críticas.
Direito Tributário
1 – Introdução As imunidades tributárias constituem limitações impostas pelo constituinte originário ao poder de tributar. Embora se encontrem outras prescrições de imunidade espalhadas pelo texto constitucional, inclusive referidas como se fossem isenções (art. 195, § 7º), o foco desse modesto trabalho são as imunidades referidas no art. 150, VI, alíneas b e c, última parte, ou seja, as que impedem a União, Estados, Distrito Federal e Municípios de cobrarem impostos sobre (i)“templos de qualquer culto” e (ii) “patrimônio, renda ou serviços  […] das instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”. O que se pretende é uma breve explanação sobre o julgamento do RE n. 325.822-2 no Supremo Tribunal, em que a Corte Suprema enfrentou diretamente a questão da imunidade de dos templos. 2 – A Imunidade Tributária dos Templos Segundo Carrazza[1], “A imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.” Através dela, o constituinte quis prestigiar alguns valores fundantes do ordenamento jurídico brasileiro. Tal assertiva é recorrente na doutrina. Por muito elucidativo, transcreve-se trecho da lavra de Neves da Silva:[2] “As imunidades foram criadas estribadas em considerações extrajurídicas, atendendo à orientação do poder constituinte em função das idéias políticas vigentes, preservando determinados valores políticos, religiosos, educacionais, sociais, culturais e econômicos, todos eles fundamentais à sociedade brasileira. Dessa forma assegura-se, retirando das mãos do legislador infraconstitucional, a possibilidade de, por meio da exação imposta, atingi-los.” Assim, no caso da imunidade de templos pretendeu-se colocar em relevo a liberdade de crença religiosa, ainda mais diante do fato de ser a República Federativa do Brasil um Estado laico (art. 5º, VI, e 19, CF/88).[3] Perquirindo a respeito do significado do vocábulo “templo”, Carrazza informa que o mesmo vem sendo entendido com certa dose de liberalidade. Assim, são templos não apenas os edifícios onde o culto se professa, mas também seus “anexos”, os quais variam conforme a religião. Desse modo, a título exemplificativo, são “anexos dos templos”, na religião católica, “a casa paroquial, o seminário, o convento, a abadia, o cemitério”, entre outros; na religião protestante, “a casa do pastor, o centro de formação de pastores, etc”.[4] Isso, todavia, segundo tal doutrinador, não significa que a imunidade possa se estender[5] “às rendas provenientes de alugueres, de imóveis, da locação do salão de festas da paróquia, da venda de objetos sacros, da exploração de estacionamentos, da venda de licores, etc, ainda que os rendimentos assim obtidos revertam em benefício do culto. […] Simplesmente porque estas não são funções essenciais de nenhum culto. […] As atividades espirituais não se coadunam com tais práticas, que, posto lícitas, têm objetivos nitidamente temporais.” Manifestando-se sobre a amplitude semântica dos vocábulos “culto” e “templo”, Carvalho confere-lhes a seguinte interpretação:[6] “Somos por uma interpretação extremamente lassa da locução culto religioso. Cabem no campo de sua irradiação semântica todas as formas racionalmente possíveis de manifestação organizada da religiosidade, por mais estrambóticas, extravagantes ou exóticas que sejam. E as edificações onde se realizarem esses rituais haverão de ser consideradas templos. Prescindível dizer que o interesse da coletividade e todos os valores fundamentais tutelados pela ordem jurídica concorrem para estabelecer os limites de efusão da fé religiosa e a devida utilização dos templos onde se realize.” (destaques no original) Quanto ao alcance da imunidade, prescreve que “deve prevalecer uma exegese bem larga, atentando-se, apenas, para os fins específicos de sua utilização”.[7] Machado entende também que “templo não significa apenas a edificação, mas tudo quanto seja ligado ao exercício da atividade religiosa”.[8] Por isso, é partidário da interpretação de que não pode haver impostos sobre missas, batizados, ou outro ato religioso, assim como sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto, mas podem incidir sobre bens pertencentes a ele que não sejam instrumentos deste.[9] E continua:[10] “A imunidade concerne ao que seja necessário para o exercício do culto. Nem se deve restringir seu alcance, de sorte que o tributo constitua um obstáculo, nem se deve ampliá-lo, de sorte que a imunidade constitua um estímulo à prática de culto religioso.” Por fim, posiciona-se desfavoravelmente ao entendimento de que os rendimentos de imóveis alugados pelos templos são imunes, desde que destinados à manutenção do culto. Conclui, dizendo que:[11] “A ser assim, as entidades religiosas poderiam também, ao abrigo da imunidade, desenvolver atividades industriais e comerciais quaisquer, a pretexto de angariar meios financeiros para a manutenção do culto, e ao abrigo da imunidade estariam praticando verdadeira concorrência desleal, em detrimento da livre iniciativa e, assim, impondo maus tratos ao art. 170, inciso IV, da Constituição”. Já Amaro, não vê razão para a distinção de tratamento entre os templos e as instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos, em vista da uniformidade de tratamento conferido a eles pelo § 4º, do art. 150, da CF/88, afirmando, por isso, que não se justifica que tenham sido arrolados em alíneas diferentes (b e c).[12] E acrescenta:[13] “Não há, em relação aos templos e às entidades mencionadas na alínea c, previsão análoga à do § 3º (que exclui da imunidade recíproca a “exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário”). Uma entidade assistencial pode, por exemplo, explorar um bazar, vendendo mercadorias, e nem por isso ficará sujeita ao imposto de renda”. Depreende-se das opiniões expostas que não há consenso sobre se a imunidade de templos deve abranger também os prédios ou as rendas deles decorrentes que não sejam utilizados para a expressão da fé, mas cujos rendimentos sejam convertidos às finalidades da entidade religiosa. 3 – A imunidade das Instituições de Educação e Assistência Social Aqui também a imunidade pretende dar concretização a valores positivados na Constituição, como os direitos sociais (arts. 6º).[14] No que diz respeito à educação, deve-se ter presente também o disposto no art. 205, da CF/88: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (destaques nossos) Carrazza assevera que o significado do vocábulo “educação” ultrapassa a transmissão convencional de conhecimentos, abrangendo toda e qualquer forma de acesso à cultura e à ciência, referindo-se ao art. 23, V, da CF/88.[15] Já no que pertine à assistência social, é relevante a prescrição do art. 203, da Carta Magna: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II – o amparo às crianças e adolescentes carentes; III – a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. Quanto à extensão semântica da locução “assistência social”, Melo explica que abrange diversas instituições que integram o terceiro setor, tais como, as organizações sociais (Lei n. 9.637/98), as organizações da sociedade civil de interesse público (Lei n. 9.790/99), as organizações não governamentais, as escolas comunitárias (Lei n. 9.394/96), as escolas confessionais e as escolas filantrópicas, entre outras, desde que vocacionadas à concretização dos direitos sociais e sem fins lucrativos.[16] Vê-se que, no que diz respeito à educação e à assistência social, não se está diante de um dever de mera tolerância, como ocorre em relação aos templos, mas frente a uma obrigação positiva do Estado, que, sabendo-se deficiente para tanto, autoriza que tais atividades sejam prestadas também por instituições privadas, desde que o façam sem finalidade lucrativa.[17] Por isso é que, em relação a tais entidades, desde que obedeçam aos comandos prescritos no art. 14, do Código Tributário Nacional, o qual, por sua vez, atende ao determinado pelo art. 146, II, da Carta Magna, são abrangidas pela imunidade suas atividades-meio, isto é, “as medidas, inclusive financeiras, que tenham por escopo carrear-lhes novos recursos, para o melhor atingimento de seus fins”, mesmo porque isso é dever do bom administrador.[18] Machado esclarece bem a condição para o gozo da imunidade nestes casos:[19] “Não ter fins lucrativos não significa, de modo algum, ter receitas limitadas aos custos operacionais. Elas (as instituições) na verdade podem e devem ter sobras financeiras, até para que possam progredir, modernizando e ampliando suas instalações. O que não podem é distribuir lucros. São obrigadas a aplicar todas as suas disponibilidades na manutenção dos seus objetivos.” Aqui, ao contrário do demonstrado no tópico anterior, não há mais dissenso quanto à possibilidade de fruição da imunidade em relação a prédios alugados ou rendas deles decorrentes, desde que revertidos para as finalidades essenciais das instituições. O tema inclusive é objeto da Súmula n. 724, do Supremo Tribunal Federal: “Súmula 724. Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, c, da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades essenciais de tais entidades.” 4 – Decisões nos RREE 237.718 e 325.822-2 Visto isso, cabe agora discorrer sobre a fundamentação adotada no julgamento de dois recursos extraordinários, que abordaram o tema da imunidade de sociedades religiosas. No RE n. 237.718, interposto pela PROVÍNCIA DOS CAPUCHINHOS DE SÃO PAULO, discutiu-se se a imunidade de sociedade religiosa que se dedicava a atividades de assistência social alcançava o IPTU incidente sobre imóvel alugado a terceiro. Veja-se:[20] “EMENTA: Imunidade tributária do patrimônio das instituições de assistência social (CF, art. 150, VI, c): sua aplicabilidade de modo a preexcluir a incidência do IPTU sobre imóvel de propriedade da entidade imune, ainda quando alugado a terceiro, sempre que a renda dos aluguéis seja aplicada em suas finalidades institucionais.” O relator Ministro Sepúlveda Pertence defendeu a tese, já esposada por aquela Corte sob a égide do regime constitucional anterior (RE 97.708), no sentido de que a imunidade deveria ser mantida, tal como reconhecida pelo Tribunal a quo, porque referido instituto merecia uma interpretação teleológica, notadamente no que dizia respeito à questão da “destinação das rendas” (§ 4º, do art. 150, CF/88), que, in casu, eram aplicadas em fins filantrópicos e de assistência social. Transcrevendo trecho de seu voto proferido na ADI n. 939, julgada em 15/12/93, observou que a imunidade visa à concretização de valores consubstanciados em princípios constitucionais. Assim, a imunidade dos “templos de qualquer culto”, “do patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos” e a dos ‘livros, jornais periódicos e o papel destinado a sua impressão’ visam a salvaguardar respectivamente a liberdade religiosa, o pluralismo político, a liberdade sindical e de associação, a solidariedade social, o direito à educação e a liberdade de manifestação de pensamento, entre outros valores. Explicou, referindo-se a Aliomar Baleeiro, que, além disso, a norma do art. 150, VI, c, garantidora da imunidade para as instituições filantrópicas de educação ou assistência social é também norma de estímulo, visando à promoção de atividades privadas de interesse público que suprem as deficiências do Estado. Por isso mesmo, o foco da questão não estaria em se perquirir da natureza das rendas – se produzidas pelo objeto social da entidade, por exemplo – mas de se analisar se as mesmas eram destinadas às suas atividades essenciais. Critério diverso aduziu para restringir a imunidade dos templos de qualquer culto. Considerou que o Brasil é um Estado laico, de maneira que, neste caso, a imunidade visa apenas a assegurar e não obstaculizar a liberdade de culto. Não pode, pois, ser interpretada como norma de incentivo. Para arrematar seu voto, transcreveu trecho da lavra de Sacha Calmon, em que este, tratando da mesma questão, qual seja, imunidade de IPTU de imóvel pertencente a entidade religiosa que o alugava, empregando a renda daí proveniente em atividades filantrópicas, asseverou que o caso se subsumia à alínea c, do inciso VI, do art. 150, da CF/88, e não à alínea b, do mesmo inciso. Concluindo, a despeito da divergência do Min. Carlos Velloso, Presidente, o recurso não foi conhecido, prevalecendo o voto do Relator. Note-se que a imunidade foi reconhecida aqui com fulcro alínea c (e não b), do inciso VI, do art. 150, da CF/88, porquanto, embora religiosa, a sociedade tinha fins assistenciais não lucrativos.  Já o acórdão proferido no RE n. 325.822-2 está assim ementado:[21] “EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, “b” e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, “b”, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b” e “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido.” Nele foi apreciada a insurgência da MITRA DIOCESANA DE JALES em relação à decisão que não reconhecera a imunidade quanto ao IPTU de vários imóveis de sua propriedade, os quais eram alugados, e cujas rendas eram utilizadas nas atividades essenciais da recorrente, ou seja, nas de cunho religioso. O Ministro Ilmar Galvão, inicialmente a Relator, que afinal restou vencido, enfocou bem a questão ao salientar que a imunidade era sustentada com base no art. 150, VI, b, da CF/88 (“templos de qualquer culto”). Nesse passo, fundamentou seu voto no sentido de que não era possível dar a mesma interpretação ampliativa que aquela Corte vinha imprimindo no caso das imunidades fundadas na alínea c, porque considerava difícil identificar o conceito de templo com “lotes vagos e prédios comerciais dados em locação’. O Ministro Gilmar Mendes, na esteira de raciocínio esboçado pelo Ministro Moreira Alves nos debates, inaugurou a divergência. Argumentou que a despeito de a alínea b só se referir a “templos de qualquer culto”, enquanto que a alínea c fazia menção a “patrimônio, renda ou serviços” de entidades de educação e assistência social, sem finalidade lucrativa”, dever-se-ia fazer um interpretação sistemática da Constituição, tendo em visto que o § 4º, do mesmo art. 150, havia equiparado a ambas, ao fazer menção expressa a elas, referindo-se a “patrimônio, renda ou serviços” e prescrevendo que a imunidade se circunscreveria ao que dissesse respeito às suas atividades essenciais. O Ministro Marco Aurélio salientou, em abono desta tese, que a prescrição do art. 19, da CF/88, no sentido de que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios subvencionar cultos, “pressupõe um ato positivo, um aporte”, inexistente no que tange à imunidade. Tal tese sagrou-se vencedora, tendo o recurso extraordinário sido conhecido e provido e, desde então, é a que vem prevalecendo: “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, “B”, CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”. 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido.”[22] 5 – Conclusão No âmbito deste trabalho, com todo o respeito que merece o entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, de resto a Corte encarregada da guarda da Constituição, entende-se que deve haver duplicidade de critérios para aferição de imunidade em relação aos templos de qualquer culto (alínea b) e instituições de ensino e de assistência social, sem fins lucrativos (alínea c), pelos seguintes motivos: a) cada imunidade teve uma inspiração teleológica, conforme exposto acima; b) as instituições de educação e assistência social têm por objetivo desenvolver atividades para as quais o Estado é manifestamente deficiente. Em tais casos, a imunidade, além de ser uma limitação ao poder de tributar, é também uma norma de estímulo; c) o Brasil é um país laico: não pode estimular qualquer forma de culto religioso, apenas tem que tolerar as diversas manifestações, de forma que, a despeito da interpretação restritiva conferida ao art. 19, da CF/88, pelo Min. Marco Aurélio, exposta acima, entende-se que se pode subvencionar os templos com a imunidade de impostos, que, em última análise, representa menos desembolso de numerário; d) não se pode olvidar do comando inserto nos arts. 1º e 170, da CF/88, que informam a livre concorrência como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e da ordem econômica, de sorte a se beneficiar instituições dedicadas à expressão da religiosidade; d) se fosse intenção do constituinte originário dar aos templos o mesmo tratamento ofertado às instituições de educação e assistência social, não haveria necessidade de inserir as imunidades respectivas em alíneas diferentes; e) de fato há uma incoerência no § 4°, do art. 150, da CF/88, que deve ser atribuída à tensão entre os vários grupos representados na Constituinte, devendo prevalecer interpretação que se coadune com a secularidade do Estado brasileiro.
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Princípios do Direito Tributário
O presente artigo tem como finalidade uma análise breve dos princípios tributários, os quais mais do que alicerces do sistema tributário pátrio, são autenticas limitações ao poder de tributar, muitos dos quais com expressa previsão constitucional
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO Os princípios orientam na interpretação das normas jurídicas, são vetores que norteiam sua aplicação e âmbito de abrangência. Princípio é o alicerce, o pilar que fundamenta as demais normas jurídicas positivas que compõem o sistema. Neste sentido, trago à colação o ensinamento do professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.” Curso de Direito Administrativo, 12a edição, Malheiros, 2000, p. 748. Os princípios tributários que passaremos a estudar, mais do que alicerces do sistema tributário pátrio, são autenticas limitações ao poder de tributar, muitos dos quais com expressa previsão constitucional. Assim, de uma forma geral, os princípios tributários apresentam-se como garantias ao contribuinte em contraposição ao poder do Estado de coercitivamente investir no patrimônio particular para angariar receitas públicas. 2. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE O art. 5°, II da Constituição Federal traz o princípio da legalidade de forma a contemplar o Estado Democrático de Direito, ao dispor que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, base da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, consignou em seu texto o princípio da legalidade, ao dispor que as balizas do direito natural só podem ser determinadas pela lei. O princípio da legalidade quando dirigido ao particular deve ser entendido dentro da autonomia da vontade, onde está a afirmar que o particular pode fazer tudo que não for proibido por lei; e sob o prisma da Administração Pública, onde está a estabelecer que esta só pode fazer o que a lei permitir. Com esta preocupação de delimitar o poder do Estado, sobretudo quando estamos a tratar do poder de tributar que se apresenta de forma compulsória ao particular e limitadora de seu patrimônio, o Poder Constituinte Originário reforçou o princípio ao repeti-lo no capítulo das limitações ao poder de tributar. O art. 150, I da Carta Magna estabelece vedação aos entes políticos, titulares da competência tributária, consistente em “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. A doutrina convencionou chamar este mandamento constitucional de princípio da legalidade tributária, e com este nome é cobrado em concursos e exames da ordem. O princípio da legalidade tributária está a impor ao Estado a sua atuação incondicionalmente baseada na lei, é o que damos o nome de reserva legal. Neste contexto o artigo 97 do Código Tributário Nacional estabelece as matérias sujeitas à reserva legal, quais sejam: a instituição de tributo ou a sua extinção; a majoração de tributos ou a sua redução; a definição do fato gerador da obrigação tributária principal e do seu sujeito passivo; a fixação de alíquota e da base de cálculo; a cominação de penalidades e as hipóteses de extinção, exclusão, suspensão do crédito tributário ou de dispensa ou redução de penalidades. O princípio da legalidade ao impor a exigência de lei para exigir ou aumentar tributo, está a falar da lei ordinária ou lei complementar, pois está a dispor sobre a lei em seu sentido estrito. O leitor está a perguntar qual a diferença da lei complementar para a lei ordinária. Existem duas diferenças principais entre a lei complementar e a lei ordinária, uma no seu aspecto material e a outra em seu aspecto formal. No aspecto material a lei ordinária se diferencia da lei complementar pelo fato de esta vir taxativamente prevista no texto constitucional, sempre que a Constituição quiser que determinado assunto seja tratado por lei complementar fará menção expressa “lei complementar”, quando assim não o fizer estará tratando da lei ordinária. Exemplo claro é o art. 146 da Carta Magna que tratou em dispor as matérias tributárias que exigem lei complementar: “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais e simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13 e da contribuição a que se refere o art. 239.” Observe, igualmente, que a Constituição Federal ao dispor sobre o Imposto Sobre Grandes Fortunas (art. 153, VII), a Competência Residual da União para a criação de outros tributos não previstos no texto constitucional (art. 154, I) e sobre o empréstimo compulsório (art. 148), exigiu expressamente a necessidade da lei complementar. Nos casos, por exemplo, dos demais impostos da União, dos Estados e dos Municípios a Carta Magna não está a exigir lei complementar, o que indica o tratamento da matéria por lei ordinária. No aspecto formal a lei ordinária se diferencia da lei complementar quanto a quórum de votação exigido para a sua aprovação. Enquanto que para a lei ordinária ser aprovada se exige apenas o quorum de maioria simples (maioria dos presentes na sessão de votação); para a lei complementar ser aprovada é necessária a maioria absoluta (maioria do total dos membros que compõem a Casa). Assim, vamos imaginar a seguinte situação hipotética: Em uma determinada sessão do Senado Federal temos a presença de 60 (sessenta) senadores, dos 81 (oitenta e um) que compõem a casa. Se nesta sessão for colocada em votação a instituição do Imposto Sobre Grandes Fortunas (que exige lei complementar) e a instituição do Imposto Extraordinário de Guerra (que exige lei ordinária), para o primeiro precisaremos do voto favorável de 41 (quarenta e um) senadores (maioria absoluta), enquanto que para o segundo precisaremos do voto favorável de 31 (trinta e um) senadores (maioria simples). EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE A primeira exceção ao princípio da legalidade está esculpida no artigo 97, § 2° do CTN, que dispõe não constituir majoração de tributo a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo. Observe que o dispositivo está a tratar de atualização, e não em aumento da base de cálculo. Para a compreensão desta primeira exceção vamos utilizar como exemplo a atualização da base de cálculo do IPTU. O valor venal do imóvel obedece a uma tabela de valores disposta pelo Município a indicar o valor da área construída em determinada região, é claro que este valor com o passar do tempo sofre uma depreciação em razão da inflação, razão pela qual é necessária a atualização monetária. Esta atualização monetária realizada pelo Município não representa um aumento real da base de cálculo, mas apenas um aumento nominal, facultando ao Município realizar esta atualização por meio de Decreto do Prefeito. Contudo, esta atualização deve ter limites, de forma a não configurar um aumento de base de cálculo revestido de atualização monetária, com esta preocupação firmou-se o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça: “Súmula 160 – É defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.” A segunda exceção ao princípio da legalidade está plasmada no artigo 153, § 1° da CF ao facultar ao Poder Executivo alterar as alíquotas do Imposto sobre Importação (II), Imposto sobre Exportação (IE), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O ato normativo é o decreto presidencial ou Portaria do Ministro da Fazenda, utilizada na prática para os impostos aduaneiros (II e IE). Esta exceção está baseada no caráter extrafiscal destes impostos, vale dizer, são cobrados com a finalidade precípua de regular determinado setor da economia, exigindo maior dinamismo na alteração das alíquotas a fim de se adequar às rápidas variações da economia. A terceira exceção ao princípio da legalidade está encartada no art. 177 § 4°, I, “b” da Constituição Federal, consistente na possibilidade de o Poder Executivo reduzir ou restabelecer a alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível. Esta exceção se materializa por decreto presidencial, e passou a ter previsão no texto Constitucional com a Emenda Constitucional n° 33/2001. A quarta exceção, também inovação trazida pela Emenda Constitucional n° 33/2001, é a do art. 155, § 4°, IV da CF, permitindo aos Estados e Distrito Federal definir as alíquotas do ICMS monofásico incidente sobre combustíveis. O instrumento normativo utilizado no presente caso é o convênio do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária). Ainda em relação às duas últimas exceções inseridas pela Emenda Constitucional n° 33/01, cabe grifar que enquanto na CIDE as alíquotas podem ser reduzidas ou restabelecidas (retornar ao patamar inicial); no ICMS monofásico incidente sobre combustíveis o texto normativo utiliza a expressão “definir”, o que está a demonstrar uma amplitude maior de poder conferido aos Estados e Municípios que reunidos no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) poderão não só restabelecer, mas aumentar a alíquota. MEDIDA PROVISÓRIA (ART. 62, § 2° CF) Inicialmente, cabe advertir que não nos cabe aqui tecer críticas ao funcionamento da medida provisória e ao número exorbitante de edições destas medidas pelo Poder Executivo. O fato é que, bem ou mal, esta espécie normativa assume relevante papel no cenário jurídico brasileiro, e com a Emenda Constitucional n° 32/01 passou definitivamente a integrar o estudo do Direito Tributário. A medida provisória é ato normativo, com força de lei, a ser adotado pelo Presidente da República em casos de relevância e urgência, nos limites estabelecidos pelo artigo 62 da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de admitir a edição de medidas provisórias por Governadores de Estado e Prefeitos, quando autorizados pela Constituição Estadual e Lei Orgânica Municipal, respectivamente. Cumpre registrar que um dos fundamentos para este entendimento foi encontrado no próprio texto constitucional que em seu art. 25, § 2° indicou a possibilidade de sua utilização pelo Estado ao prever a vedação de sua edição para a regulamentação da exploração de serviços locais de gás canalizado. (ADINS 425 E 812 e Informativos 280, 289 e 433 do STF). O processo legislativo da medida provisória consiste em ato singular a ser praticado pelo Chefe do Poder Executivo e submetido à apreciação posterior do Congresso Nacional. Ao editar a medida provisória o chefe do Poder Executivo deve observar os requisitos constitucionais de relevância e urgência. A medida provisória é submetida ao Congresso Nacional para a sua conversão em lei ordinária, todo o trâmite deve durar 60 (sessenta) dias, podendo ser prorrogado por igual período uma única vez. Se neste período de 120 (cento e vinte) dias não for convertida em lei perde a sua eficácia desde a sua edição, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. Considerando a urgência da matéria tratada pela medida provisória, se esta não for apreciada no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias contados de sua publicação, passa a tramitar em regime de urgência, sobrestando todas as demais deliberações legislativas até que esta seja apreciada, é o que se chama de trancamento de pauta e cria grande celeuma entre o poder legislativo e executivo, recebendo severas críticas por parte de deputados e senadores, muitas das quais facilmente presenciadas em veículos de informação, dentre os quais a TV Câmara dos Deputados e TV Senado. Antes da Emenda Constitucional n° 32/01 a medida provisória era reeditada por um número ilimitado de vezes, com a nova redação passou a ser vedada a reedição de medida provisória, na mesma sessão legislativa que tenha sido rejeitada expressa ou tacitamente. A rejeição expressa se dá com a sua apreciação e não conversão pelos membros do Congresso Nacional através de decreto legislativo; a rejeição tácita ocorre com a não-apreciação no prazo assinalado de sessenta dias, prorrogável por mais sessenta.  Antes da edição desta Emenda Constitucional certa corrente doutrinária advogava a tese de que o princípio da legalidade tributária deveria ser interpretado estritamente, de forma a não admitir o uso de medidas provisórias em matéria tributária, apenas a lei ordinária e complementar, ressalvando as exceções expressamente previstas no texto constitucional. A Emenda Constitucional n° 32/2001 pacificou a discussão acerca da possibilidade de a medida provisória disciplinar matéria tributária, corroborando o entendimento do Supremo Tribunal Federal. O artigo 62, § 2° da Constituição Federal, prevê a possibilidade de edição de medida provisória para a instituição ou majoração de impostos, condicionando a produção de seus efeitos no exercício financeiro seguinte, desde que tenha sido convertida em lei até o último dia daquele que foi editada. Com a presente previsão a medida provisória que verse, por exemplo, acerca da majoração de uma alíquota de um imposto, deverá ser apreciada e convertida em lei no mesmo exercício financeiro que tenha sido editada e só produzirá seus efeitos no exercício financeiro seguinte. Este condicionamento constitucional tem ressalvas, previstas no próprio dispositivo, em relação aos Impostos de Importação (II), Exportação (IE), Sobre Produtos Industrializados (IPI), Sobre Operações Financeiras (IOF) e os Impostos Extraordinários de Guerra, os quais não precisam se submeter ao princípio da anterioridade, como mais adiante se verá. O princípio da anterioridade nonagesimal, ou reforçada, também deve ser observado pela medida provisória naqueles casos em que a instituição do tributo ou majoração da alíquota deve obediência. Cumpre registrar, por necessário, que as vedações constantes no § 1° do art. 62 da CF também se aplicam à matéria tributária, dentre as quais grifamos a vedação de edição de medidas provisórias sobre matéria reservada à lei complementar.  Assim, a título de exemplo, o Imposto Sobre Grandes Fortunas, os Empréstimos Compulsórios, a Competência Residual da União para criar impostos, bem como as matérias disciplinadas no art. 146 da Constituição Federal não poderão ser objeto de medida provisória, pois, por expressa previsão constitucional, devem ser disciplinadas por lei complementar. 2.PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA TRIBUTÁRIA O princípio da igualdade, por muitos doutrinadores é considerado sinônimo do princípio da isonomia, pois este etimologicamente analisado advém do grego e significa igual (ísos) e lei (nómos), igualdade perante a lei. Não desconheço o esforço de muitos doutrinadores de peso em traçar a diferenciação entre a igualdade e isonomia, mas ingressar nesta seara fugiria do objetivo deste artigo, razão pela qual trataremos os dois princípios como sinônimos. O princípio da igualdade encontra-se positivado no campo do direito tributário com o disposto no art. 150, II da CF, ao prescrever a vedação de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibindo qualquer forma de distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. Antes da previsão deste princípio no artigo 150, II da Constituição Federal, verificamos a sua presença em várias passagens da Constituição, a começar pelo preâmbulo que aponta a igualdade como valor supremo de nossa sociedade, logo após encontramos o princípio da igualdade no artigo 5°, “caput” da Carta Magna ao dispor que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, o que faz o art. 150, II é reforçar este princípio maior. Sabemos que os princípios são vetores de direção das demais normas que compõem o nosso sistema jurídico, estes princípios devem coexistir sem que possamos falar em sobreposição de um em relação a outro. Contudo, o princípio da igualdade, independente das menções expressas no texto constitucional a indicar a sua relevância, é um dos maiores princípios a compor e orientar o nosso sistema jurídico, pois está a assegurar uma política democrática. Ao falar do princípio da igualdade não podemos de deixar de trazer à colação a célebre frase de um dos maiores juristas de todos os tempos, Rui Barbosa: “A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade… Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” O artigo 150, II ao vedar tratamento desigual para contribuintes que se encontrem em situação equivalente, implicitamente também veda tratamento igual para aqueles que se encontrem em situação de desigualdade, de tal forma a contemplar em sua plenitude o princípio da igualdade. Neste ponto o constituinte adverte que esta desigualdade, a ensejar tratamento desigual, não pode ser considerada no campo da ocupação profissional ou função exercida, assim, uma determinada classe profissional não pode ser tratada de forma diferenciada em relação à outra, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos. Esta preocupação remonta de nossa primeira Constituição de 1824 ao dispor em seu artigo 179, item 15, que “ninguém será isento de contribuir com as despesas do Estado na proporção dos seus haveres”. O presente dispositivo constitucional de nossa Carta Constitucional outorgada tinha como finalidade acabar com os privilégios da nobreza e atender aos preceitos da capacidade contributiva. SUB-PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA O princípio da capacidade contributiva apresenta-se como um dos desdobramentos do princípio da igualdade. O artigo 145, § 1° da Constituição Federal dispõe que “sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte…”. Em uma linguagem simples podemos traduzir no seguinte jargão: “quem pode mais paga mais, quem pode menos paga menos”. Uma das formas de se atender a este princípio é a progressividade das alíquotas de acordo com a capacidade econômica do sujeito passivo. Exemplo desta progressividade de alíquotas é o Imposto de Renda, com as seguintes faixas: isenção, 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%.  O próprio dispositivo faculta à Administração, com a finalidade de dar maior efetividade ao cumprimento deste princípio, “identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Neste diapasão, apresenta-se a Lei Complementar n° 105/2001 que em seu artigo 6° autoriza as autoridades e os agentes tributários dos entes políticos a examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, sem necessidade de autorização judicial. Cumpre registrar que o dispositivo em comento condiciona esta autorização à existência de processo administrativo fiscal em curso e à indispensabilidade da medida, a critério da autoridade administrativa competente. 3.PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA A preocupação com a irretroatividade das normas tem como fundamento jurídico a segurança jurídica que deve reger as relações jurídicas, dentre as quais a do Estado com o particular. Com esta preocupação o poder constituinte originário alçou este princípio como cláusula pétrea, situando-o no art. 5°, XXXVI da Constituição Federal, ao dispor que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” Encontramos, igualmente, o princípio da irretroatividade em leis infraconstitucionais, tais como a Lei de Introdução ao Código Civil (art. 6°) e o Código Penal (art. 2°), este último admitindo a retroatividade em favor do réu. Em matéria tributária, o princípio da irretroatividade tributária está contemplado no art. 150, III, “a” da Constituição Federal, que veda a cobrança de tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”. O Código Tributário Nacional consignou este princípio ao dispor em seu art. 105 que “a legislação tributária aplica-se aos fatos geradores futuros e aos pendentes”, implicitamente exclui da aplicação os fatos geradores passados. Contudo, em dispositivo posterior, art. 106 do CTN, encontramos exceções ao princípio da irretroatividade, que admitem a retroatividade nos casos em que a lei seja expressamente interpretativa ou em se tratando de ato não definitivamente julgado, lei posterior venha a beneficiar o contribuinte deixando de defini-lo como crime, deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão ou lhe comine penalidade menos severa. Observe que o fato gerador instantâneo não traz grandes dúvidas, pois se uma lei vem a aumentar uma alíquota do ICMS em 10 de julho de 2009, ou instituir um tributo nesta mesma data, até o dia 09 de julho de 2009 não teremos a incidência desta. Por outro lado, o fato gerador prolongado é objeto de discussão na doutrina e jurisprudência, e tem sido objeto de perguntas em concurso público, razão pela qual merece ser apreciado. Um dos grandes exemplos de fato gerador prolongado é o do Imposto de Renda. Neste caso não temos o fato gerador ocorrendo em um momento isolado, mas sim durante todo o ano-base, que no caso do Imposto de Renda é qualquer forma de ganho patrimonial auferido ao longo do ano, a isto damos o nome de “fato gerador complexivo”. O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 584 acerca do tema, dispondo que “aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração”. Entendeu a Suprema Corte que o fato gerador do imposto de renda se consuma no último dia do ano (31 de dezembro). No sentido da súmula, vejamos decisões do Supremo Tribunal Federal: “AI-AgR Nº 333.209 / PR RELATOR: MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE (DOU de 6/8/2004) EMENTA: Imposto de renda: correção monetária: atualização pela UFIR: constitucionalidade do art. 79 da L. 8383, de 30.12.91: precedentes. Se o fato gerador da obrigação tributária relativa ao imposto de renda reputa-se ocorrido em 31 de dezembro, conforme a orientação do STF, a lei que esteja em vigor nessa data é aplicável imediatamente, sem contrariedade ao art. 5°, XXXVI, da Constituição.” RE N 199.352 / PR – RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO (DOU de 9/8/2002) EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DECRETO-LEI Nº 2.462/88. ADICIONAL DE IMPOSTO DE RENDA. OBEDECIDOS OS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE E DA ANTERIORIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA. O fato gerador do imposto de renda é aquele apurado no balanço que se encerra em 31 de dezembro de cada ano. O Decreto-lei 2.462 foi publicado em 31 de agosto de 1988. Foi respeitado o princípio da anterioridade da lei tributária. Recurso não conhecido.” No que pese o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do tema, este entendimento afronta o princípio da anterioridade a que o imposto de renda está submetido. Por este princípio, o qual iremos estudar mais a frente, a lei só passa a produzir efeitos no exercício financeiro seguinte a sua edição. No que pese a edição da súmula, ainda em vigor, o Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando de forma diversa, de forma a contemplar o princípio da anterioridade e a segurança das relações jurídicas, posicionamento que vem sendo seguido por provas de concurso, tais como a ESAF. Contudo, cabe alertar ao leitor que se na prova for cobrado o entendimento do Supremo Tribunal Federal a resposta deve ser de acordo com a súmula 584. Outro tributo que merece análise, quando falamos em fato gerador prolongado, é a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL). Esta se diferencia do Imposto de Renda, pois não se submete ao princípio da anterioridade do exercício financeiro, apenas ao princípio da irretroatividade e da anterioridade nonagesimal, ou noventena. Assim, se uma lei aumentar a alíquota desta contribuição em agosto terá aplicabilidade por todo o ano, sem que possamos falar em ofensa ao princípio da irretroatividade.  Ocorre que, como já visto, o Supremo Tribunal Federal entende que o fato gerador destes tributos de efeito prolongado ocorre no último dia do exercício financeiro. Recentemente o Governo Federal editou a medida provisória n° 413/2008, importando em majoração da alíquota da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido de 9% (nove por cento) para 15% (quinze por cento).  O Partido Democratas – DEM propôs Ação Direita de Inconstitucionalidade arguindo que a Medida Provisória iria incidir sobre fatos geradores ocorridos desde 01 de janeiro de 2008, ferindo o princípio da irretroatividade e anterioridade nonagesimal. (ADIN de nº 4003, Relatora Ministra Ellen Gracie) O entendimento da Corte Suprema não deve ser destoante do entendimento consolidado de que o fato gerador deste tributo ocorre no último dia do exercício financeiro, razão pela qual não se verifica a ofensa aos princípios da anterioridade nonagesimal e ao princípio da irretroatividade. Cumpre observar que neste caso não temos a ofensa ao princípio da anterioridade do exercício financeiro, como é o caso do Imposto de Renda, razão pela qual o este é o entendimento a ser adotado em provas de concurso. Sobre o assunto ler AI-AgR-ED 333.209/PR – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – julgado em 02.03.2007 e RE 197790-6/MG – DJ 21.11.97, Rel. Min. Ilmar Galvão. 4.PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE O artigo 150, III, “b” da Constituição Federal veda a cobrança de tributos “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. O princípio da anterioridade do exercício financeiro predica, tão-somente, que se uma lei vier a aumentar ou criar um tributo, ela deverá ser anterior ao exercício financeiro em que o tributo será cobrado. O exercício financeiro corresponde ao ano civil (01 de janeiro a 31 de dezembro). Assim, se quiser aumentar a alíquota do ICMS para o ano de 2015, a lei deverá ser publicada no ano de 2014. Da mesma forma, se quiser instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) em 2010, a lei deverá vir em 2009. O fundamento deste princípio é a não surpresa. Explico: o escopo da norma é evitar que o contribuinte seja surpreendido com a cobrança de um determinado tributo do dia para a noite, dando tempo para ele se programar para a nova exação que será cobrada. Observe que este princípio vem a reforçar o princípio da irretroatividade, pois além de o legislador vedar a aplicabilidade da lei a fatos anteriores à sua edição, ele também veda que a lei que crie ou aumente tributo venha a ser aplicada no mesmo exercício financeiro. Este princípio constitucional, assim como o princípio da irretroatividade, é considerado cláusula pétrea, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADIN 939-7 DF, Rel. Min. Sydney Sanches. EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE O próprio artigo 150 traz as exceções ao princípio da anterioridade do exercício financeiro em seu § 1°, quais sejam: 1. Imposto sobre a importação de produtos estrangeiros – II; (art. 153, I da CF) 2. Imposto sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados – IE; (art. 153, II da CF) 3. Imposto sobre produtos industrializados – IPI; (art. 153, IV da CF) 4. Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários – IOF; (art. 153, V da CF) O fundamento destas exceções ao princípio da anterioridade está no caráter extrafiscal destes tributos, que são instrumentos reguladores da economia e da política monetária e fiscal do país. Não pode o Poder Executivo aguardar a virada do exercício financeiro para colocar em prática iniciativas tendentes a amenizar ou contornar crises de setores da economia, sobretudo em um mundo globalizado. Ex: frente a um desabastecimento de feijão, em razão de um problema climático, a fim de evitar a sua falta e o aumento de preço, aumento a alíquota do imposto de exportação; (regular a oferta de bens no país) Ex: frente a uma crise na indústria de calçados, a fim de evitar o desemprego no mercado de calçados, aumento a alíquota do imposto de importação; (proteção do mercado interno) Outro exemplo recente é o da redução do IPI para automóveis, com a finalidade de amenizar os efeitos da crise mundial e evitar demissões na indústria automobilística. (fomentar a economia) 5. Empréstimo Compulsório para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; (art. 148, I da CF) 6. Impostos Extraordinários de Guerra; (art. 154, II da CF) Fundamento: A própria excepcionalidade do tributo está a indicar a necessidade de sua não submissão ao princípio da anterioridade. Não tem como o país entrar em guerra no mês de março e aguardar até janeiro do ano seguinte para angariar os recursos necessários para o custeio das despesas que devam ser realizadas, como compra de armamento, deslocamento de tropas, medicamentos, etc. Além das exceções plasmadas no art. 150, I da Constituição Federal, temos outras três exceções esparsas no texto constitucional, a saber: A prevista no artigo 195, § 6º da Constituição Federal: 1. Contribuições de seguridade social, incluídas a contribuição para o PIS/PASEP e a CONFINS. (art. 195 da CF) A prevista no artigo 177, § 4°, I “b” da Constituição Federal: 2. Contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível – CIDE, no caso de redução ou restabelecimento de sua alíquota por ato do Poder Executivo;  A prevista no artigo 155, § 4º, IV, “c” da Constituição Federal: 3. Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS, incidente em etapa única sobre combustíveis e lubrificantes, no caso de redução e restabelecimento da alíquota mediante convênios de ICMS, celebrados no âmbito do CONFAZ. Das nove exceções apresentadas, as oito primeiras estão incluídas na Competência da União, sendo que a última está a tratar de imposto de competência estadual. Destas oito de competência da União verificamos que dos impostos deste ente político apenas o IR, ITR e o IGF são os que não constam nesta lista. Outrossim, no que pertine às duas últimas (CIDE e ICMS), a excepcionalidade está apenas na redução e restabelecimento da alíquota. Desta forma, a exceção ao princípio da anterioridade não está autorizando que se ultrapasse o teto da alíquota fixada anteriormente à redução, razão pela qual se fala em restabelecimento e não em aumento de alíquota. 5.PRINCÍPIO DA NOVENTENA O princípio da noventena é também conhecido como princípio da anterioridade nonagesimal ou princípio da anterioridade reforçada. Este último nome se explica pela razão de que este princípio foi acrescentado pela Emenda Constitucional n° 42/2003, de forma a reforçar o princípio da anterioridade do exercício financeiro. Ocorre que apenas o princípio da anterioridade do exercício financeiro não era o bastante para assegurar a não-surpresa do contribuinte na publicação de leis que viessem a instituir ou aumentar tributo. Por algumas vezes os contribuintes foram surpreendidos com o aumento e instituição de tributos nos últimos dias do ano, sem que esta lei estivesse a desobedecer ao princípio da anterioridade comum, pois o Estado estava a cobrar o tributo horas depois, contudo, em outro exercício financeiro. Assim, a fim de coibir que um tributo fosse criado ou tivesse a sua alíquota aumentada no dia 31 de dezembro e passasse a ser cobrado no dia 01 de janeiro, horas depois, o princípio da noventena veio para reforçar o princípio da anterioridade do exercício financeiro, exigindo a observância do prazo de 90 (noventa dias) da data em que haja sido publicada a lei que instituiu ou aumentou o tributo. EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA NOVENTENA O mesmo artigo 150 que contempla este princípio, em seu § 1° aponta exceções, quais sejam: 1. Imposto sobre a importação de produtos estrangeiros – II; (art. 153, I da CF) 2. Imposto sobre a exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados – IE; (art. 153, II da CF) 3. Imposto de Renda – IR; (art. 153, III da CF) 4. Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários – IOF; (art. 153, V da CF) Chamo a atenção do leitor, neste ponto, para apontar que no lugar do Imposto sobre produtos industrializados – IPI, que se encontrava no item 3, quando falamos da anterioridade do exercício financeiro, agora temos o Imposto de Renda – IR. 5. Empréstimo Compulsório para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; (art. 148, I da CF) 7. Impostos Extraordinários de Guerra; (art. 154, II da CF) Ademais, quanto à fixação da base de cálculo não se submetem ao princípio da noventena os seguintes impostos: 8. Imposto sobre propriedade de veículo automotor – IPVA; (art. 155, III) 9. Imposto sobre propriedade territorial urbana – IPTU. (art. 156, I) Podemos notar que o princípio da noventena não é aplicado sempre em conjunto com o princípio da anterioridade do exercício financeiro, existindo situações em que apenas um deles é aplicado, uma vez que as exceções destoam de um para outro princípio. Até o item 6 temos apenas a alteração do Imposto sobre produtos industrializados – IPI (exceção ao princípio da anterioridade do exercício financeiro) para o Imposto de Renda – IR (exceção ao princípio da noventena). Temos assim, o II, IE, IOF, Empréstimo Compulsório decorrente de guerra externa ou sua iminência e o Imposto Extraordinário de Guerra como exceções comuns aos dois princípios. Por outro lado, as exceções do princípio da anterioridade do exercício financeiro dos itens 7, 8 e 9 (contribuição de seguridade social, CIDE e o ICMS) não se repetem no princípio da noventena, dando lugar ao IPVA e IPTU. Cumpre registrar que estas duas últimas exceções ao princípio da noventena dizem respeito, apenas, à fixação da base de cálculo. Por fim, e não menos importante, a contribuição de seguridade social está a se submeter ao princípio da anterioridade nonagesimal de acordo com o art. 195 § 6° da Constituição Federal que dispõe que “só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado”. No que pese a expressão “modificado”, no lugar de “aumentado” do art. 150, I, “c”, o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento que a expressão modificado tem o mesmo significado que aumentado. 6.PRINCÍPIO DO NÃO – CONFISCO O artigo 150, IV da Constituição Federal veda a utilização de tributo para fins confiscatórios. A perda de bens tem previsão na Carta Constitucional em seu art. 5° XLVI, “b”, o que faz o dispositivo em análise é vedar que o tributo seja utilizado como instrumento a alcançar este objetivo, sobretudo porque tributo não é pena. Não existe um critério predeterminado a apontar o que seja confisco, necessitando da análise do caso concreto. Nesta análise nos valemos do princípio da razoabilidade, verificando se aquela tributação é razoável e proporcional, este último se verifica com o confronto entre o patrimônio tributável e o tributo cobrado. No que pese a ausência de uma definição legal do que seja confisco, é claro que certas circunstâncias configuram claramente o efeito confiscatório de determinado tributo. Exemplo claro seria a tributação de determinado imposto com uma alíquota de 100% (cem por cento) ou próxima deste patamar. A vedação do efeito confiscatório também se estende às multas, no que pese a vedação do art. 150, IV fazer menção apenas a tributos. Neste sentido trazemos à colação entendimento da Corte Suprema: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2.º E 3.º DO ART. 57 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente. – STF – ADI 551 / RJ – DJ 14-02-2003 PP-00058.”  “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI Nº 8.846/94 EDITADA PELA UNIÃO FEDERAL -… A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. – É cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição da República. Hipótese que versa o exame de diploma legislativo (Lei 8.846/94, art. 3º e seu parágrafo único) que instituiu multa fiscal de 300% (trezentos por cento). – A proibição constitucional do confisco em matéria tributária – ainda que se trate de multa fiscal resultante do inadimplemento, pelo contribuinte, de suas obrigações tributárias – nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas. – O Poder Público, especialmente em sede de tributação (mesmo tratando-se da definição do “quantum” pertinente ao valor das multas fiscais), não pode agir imoderadamente, pois a atividade governamental acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade que se qualifica como verdadeiro parâmetro de aferição da constitucionalidade material dos atos estatais. … STF – ADI-MC 1075 / DF – DJ 24-11-2006 PP-00059.” O Supremo Tribunal Federal tem entendido que para análise do efeito confiscatório deve ser considerada toda a carga tributária a incidir sobre determinado patrimônio do contribuinte. Contudo, com o escopo de assegurar a manutenção do pacto federativo, a carga tributária a ser considerada é a de um único ente isoladamente. Desta forma, não levaremos em consideração a carga tributária da União e do Estado em conjunto, mas sim a totalidade da carga tributária de cada um destes entes. ADInMC 2.010-DF Em síntese, esta vedação constitucional dirigida ao legislador em um primeiro momento e ao intérprete e aplicador da norma, o Poder Judiciário, em um segundo momento, deve ser analisada à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, com a perspectiva de que a tributação atinja o seu fim sem comprometer o exercício de direitos individuais e sociais plasmados no texto constitucional, garantindo uma existência digna. 7. PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE TRÁFEGO DE PESSOAS OU BENS O artigo 150, V da Constituição Federal veda a cobrança de tributos com a finalidade de limitar o tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais. A presente vedação vem em atendimento ao prescrito no art. 5° XV da CF que assegura a liberdade de locomoção no território nacional. A norma tem como destinatário principal o legislador, o qual pode criar tributos com a intenção de limitar a passagem de pessoas e bens entre Municípios ou entre Estados. Observe que a norma está a vedar que o fato gerador seja a simples passagem de pessoas ou bens de um Estado para o outro ou de um Município para o outro, preservando o direito de ir e vir. Ao falarmos deste princípio, devemos enfrentar a questão do Imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS) interestadual e o pedágio. Ambos se afiguram como exceções a esta vedação constitucional. O ICMS estadual é admitido, no que pese a vedação da norma, uma vez que a vedação se dirige à circulação territorial e não à circulação negocial. Assim, como já dito, o que a norma quer impedir é a criação de tributo com a finalidade única de impedir simplesmente o tráfego de pessoas ou bens, mas quando este tráfego se reveste de finalidade econômica, admitida se torna a sua exação. Neste sentido ficamos com os ensinamentos de Roberto Wagner Lima Nogueira: “É importante esclarecer que essa regra não impede a cobrança de impostos sobre a circulação econômica em operações interestaduais ou intermunicipais. O que ela proíbe é a instituição de tributo em cuja hipótese de incidência seja elemento essencial a TRANSPOSIÇÃO (TRÁFEGO) DE FRONTEIRA interestadual ou intermunicipal. Preserva-se assim a LIBERDADE DE IR-E-VIR, aquela liberdade desvinculada de qualquer ato negocial. Imuniza a circulação territorial e não a circulação econômica.” (Notas a Propósito das Imunidades Tributárias, fonte: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5955). Quanto ao pedágio, esta exceção já vem prevista no próprio art. 150, V que ressalva da vedação “a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público”. Assim, para a conservação de vias públicas é admitida a cobrança de pedágio pelo Estado, diretamente, ou por particulares na qualidade de delegatários de serviços públicos. 8.PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE TRIBUTÁRIA O princípio da uniformidade tributária encontra previsão no art. 151 da Constituição Federal e tem como fundamento o pacto federativo. Podemos dividi-lo em quatro partes, a saber: 8.1.Uniformidade Geográfica; O princípio da uniformidade geográfica está previsto no artigo 151, I da Constituição Federal, o qual veda a instituição de “tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro…”. O presente princípio além de cumprir o pacto federativo, obedece ao princípio da isonomia, ao exigir tratamento uniforme para os entes federados. Cumpre consignar que nesta observância ao princípio da isonomia, admite-se tratamento distinto para aqueles que se encontre em situação desigual, de tal forma a contemplar em sua plenitude o princípio da igualdade. Neste diapasão a parte final do inciso em comento admite a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio sócio-econômico entre as diferentes regiões do País. Observe que a possibilidade de concessão de incentivos e benefícios fiscais não é uma exceção ao princípio da isonomia, mas o seu cumprimento como instrumento para atingir a igualdade social e econômica de todas as regiões do país. Repetindo o ensinamento de Rui Barbosa “tratar desiguais com igualdade seria desigualdade flagrante e não igualdade real”, daí o fundamento para a admissão destes incentivos e benefícios fiscais. Assim, os benefícios fiscais dirigidos às regiões norte e nordeste, sobretudo para aquelas áreas de difícil acesso ou de seca, são atos admitidos pelo ordenamento jurídico e necessários a atingir o ideal de justiça e igualdade real, exemplo disto é a área de livre comércio de Manaus – Zona Franca de Manaus. 8.2.Uniformidade na Tributação das Rendas das Obrigações da Dívida Pública; O princípio da Uniformidade na Tributação das Rendas das Obrigações da Dívida Pública está plasmado no art. 151, II, primeira parte, ao vedar a União a tributação da renda das obrigações da dívida pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em níveis superiores aos fixados para as suas obrigações.   O particular torna-se credor da União, do Estado, do Distrito Federal ou Município, ao adquirir títulos da dívida pública, dos quais recebe juros. Contudo, se estes juros forem tributados pela União, em relação às rendas (juros) do Estado e Município, de forma mais gravosa do que os seus, qualquer particular vai preferir adquirir os títulos da União. Basicamente este princípio prevê o tratamento isonômico das rendas das obrigações da dívida pública, fazendo com que não haja este privilégio dos títulos da União em relação aos dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios. 8.3.Uniformidade na Tributação da Remuneração e Proventos dos Agentes Públicos; Este princípio encontra previsão no art. 151, II, segunda parte, ao vedar a tributação pela União da remuneração e dos proventos dos agentes públicos dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em níveis superiores aos que fixar para seus agentes. Com finalidade evitar tratamento tributário diferenciado entre servidores da União e servidores dos Estados, Distrito Federal e Municípios. A discriminação só é autorizada para atingir a real igualdade, o que não ocorre no presente caso, pois o fato de ser servidor público de um ou de outro ente não é, por si só, fator autorizador de diferenciação tributária. O artigo 150, II da Constituição Federal, já é norma de proibição suficiente para proibir este tipo de conduta da União em relação aos Estados, Distrito Federal e Municípios.   8.4.Vedação de Isenções Heterônomas. A presente vedação está no artigo 151, III ao proibir a União “instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.” A presente vedação tem como escopo o atendimento do princípio do pacto federativo. A isenção está insitamente ligada ao Poder de Tributar, de tal forma que aquele que detém a competência tributária para instituir determinado tributo, também o tem para isentar. Neste diapasão, a possibilidade de dispor acerca da isenção de IPTU é do Município, bem como ao Estado cabe dispor acerca da isenção de IPVA e à União a isenção acerca do IR, pois os mesmos detêm a competência tributária destes impostos.  Assim, a regra é a “isenção homônima” uma vez que o ente político que detém a competência para instituir o tributo é o mesmo que tem poder para isentar. O artigo 151, III veda que a União isente tributo que não seja de sua competência tributária, ressalvadas as exceções constitucionais. A primeira exceção constitucional está no seu art. 155, § 2°, XII, “e” que possibilita a União, por meio de lei complementar, a excluir da incidência do ICMS serviços e outros produtos destinados à exportação para o exterior. Esta isenção tem como escopo possibilitar ao país maior competitividade de seus produtos e serviços no exterior. No que pese esta previsão constitucional, o mesmo parágrafo em seu inciso “X” teve a sua redação modificada pela Emenda Constitucional n° 42/2003, para contemplar a imunidade das operações que destinem mercadorias e serviços para o exterior. Desta forma, a presente isenção perdeu a sua aplicabilidade prática. A segunda possibilidade de isenção heterônoma está plasmada no art. 156, § 3°, II que autoriza a União, por meio de lei complementar, a excluir da incidência do ISS as exportações de serviços para o exterior. A União concretizou a presente isenção com a Lei Complementar n° 116/2003. Outra possibilidade de isenção heterônoma não prevista no texto constitucional, mas admitida pelo Supremo Tribunal Federal, é a isenção prevista em tratados internacionais em relação a tributos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. No que pese os tratados internacionais serem assinados pela União, esta o faz não como ente federativo, mas como representante da República Federativa do Brasil, no exercício de sua soberania. Para o Supremo Tribunal Federal a presente vedação se dirige à União em relação às suas relações internas, no exercício de sua autonomia como ente federativo. Contudo, quando a União está a representar o Brasil, na ordem externa, age no exercício de sua soberania, razão pela qual não se aplica a presente vedação. (Supremo Tribunal Federal, Adin n° 1600). 9. PRINCÍPIO DA NÃO – DIFERENCIAÇÃO TRIBUTÁRIA O art. 152 da Constituição Federal veda “aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino”. Assim como o princípio da uniformidade tributária, este princípio vem atender aos mandamentos do pacto federativo, proibindo discriminação entre os entes federativos. Observe que ao contrário das demais vedações acima estudadas, esta vedação tem como destinatários os Estados, Distrito Federal e os Municípios. A União pode fazer diferenciação tributária para diminuir desigualdades sociais e econômicas, como já visto no item anterior. Desta forma, é proibido ao Estado de Alagoas impor uma alíquota maior aos produtos fabricados em São Paulo, ou ao Estado de São Paulo impor uma alíquota maior ao produto que saia de seu Estado e se destine ao Estado de Minas Gerais. CONCLUSÃO Os princípios em sede tributária assumem relevante papel, pois limitam o poder de tributar do Estado, sendo verdadeiros instrumentos colocados à disposição do particular. O poder constituinte originário preocupou-se em consigná-los expressamente no texto constitucional, servindo como baliza de orientação do legislador e como salvaguarda de direitos do contribuinte. Qualquer análise da estrutura tributária deve ser iniciada pelo estudo dos princípios, os quais ganham papel de destaque em uma ciência onde o poder de império do Estado é constantemente exercido. Não se está a negar a necessidade de o Estado obter recursos para a consecução de suas atividades, o que se visa garantir é um leque de direitos mínimos ao particular a serem observados todas as vezes que este Poder de Tributar é exercido, pois nenhum Poder legalizado é ilimitado. Dos diversos princípios acima tratados, observa-se que os Tribunais Superiores sempre se valem da interpretação de cada um deles para a solução de litígios que lhes são submetidos, e esta forma de atuar deve ser seguida por todo operador do direito. Ao trabalhar bem com os princípios consegue-se chegar a uma solução mais justa e de acordo com a realidade social que vivemos, esta sensibilidade e desenvoltura faz do operador do direito um profissional mais completo e pronto para resolver qualquer situação que seja chamado a enfrentar. A leitura de textos de lei divorciada de uma visão sistemática do sistema jurídico em que ela está contida nos leva a uma interpretação pobre e, por muitas vezes, equivocada. Caminhar baseado em princípios é dar passos em terreno seguro, certo de que poderemos neles avançar e edificar o conhecimento necessário para trabalhar neste universo de normas ao qual damos o nome de direito, no presente caso, mais especificamente, direito tributário.
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Deve a alteração da data de pagamento do tributo, respeitar o princípio da estrita legalidade tributária?
Sendo o princípio da legalidade um prisma central em nosso ordenamento previsto constitucionalmente, poderá haver casos de excessões em sede tributária? O artigo passa por essas vertentes trazendo ainda a visão do STF, da doutrina e do autor do artigo quanto a temática com relação específica quanto a alteração do prazo para o pagamento dos tributos e o princípio da legalidade.
Direito Tributário
1 – O Princípio da Legalidade : Suas atenuações exceções. Assevera o doutrinador Ives Gandra da Silva Martins que o princípio da legalidade é acima de tudo uma limitação ao poder de tributar, encontrado na Constituição Federal em seu artigo 150, I e que na medida em que reserva de modo exclusivo à lei escrita por meio de atos do legislativo a criação ou majoração de tributos, resulta em consequente direito individual do contribuinte (MARTINS, 1994 p.141) ratificando o tema da seguinte forma: “E com este mesmo enunciado continua a existir na Constituição de 1988, como direito individual decorrente do princípio da legalidade, ex vi do §2º do seu art.5º (ressalva outros direitos e garantias decorrentes dos princípios adotados pela Carta Magna). Com efeito, as duas limitações constitucionais do poder de tributar estão correlacionadas. Se o princípio da legalidade limita o poder tributário, colocando sob monopólio da lei escrita, proveniente do Legislativo, a criação e majoração dos tributos, faz nascer o direito público subjetivo do cidadão contribuinte – exigir que os demais entes do governo somente interfiram na sua área particular de ação, criando ou aumentando tributos, através da lei.” (MARTINS, 1994, p.141-142). Nesse diapasão, encontra-se estampado também no CTN em seu artigo 97, a alusão de tal princípio da legalidade em sede do campo do Direito Tributário especificamente, quando este artigo expõe as matérias que ficam reservadas ao Direito tributário regular: instituição de tributos ou a sua extinção, sua majoração ou redução, a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, da fixação da alíquota do tributo, da base de cálculo do tributo, das penalidades bem como das hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários. Tomando por base essa premissa pode-se concluir como se demonstrará, que na visão do STF, as matérias não regulamentadas no artigo 97 do CTN não necessariamente precisam passar pelo crivo da estrita legalidade do legislativo para sua criação ou alteração, podendo ter seu corpo alterado conseqüentemente por ato do Poder Executivo. Cabe nesse ponto entretanto, uma ponderação nas palavras de MARTINS: “O judiciário ainda que enfrente caso de lacuna legal, jamais cria ou aumenta tributos.” (MARTINS, 1994, p. 142). Nessa toada, pode-se destacar, como ressalva o doutrinador Eduardo Sabbag, que existem atenuações ao princípio da legalidade que poderão ser feitas por via de ato do Executivo (SABBAG, 2010, p.68). Cumpre expor também o posicionamento dos doutrinadores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo em sua obra quanto a temática, pois, eles elencam esses atos que poderão ser alterados por atos do Executivo por meio dessas atenuações ao princípio da estrita legalidade, como os do parágrafo primeiro do art. 153 da CF do Executivo em alterar alíquotas do II, IE, IPI, IOF; do art. 177, parágrafo quarto, inciso I, alínea b da CF (reduzir e restabelecer alíquotas da cidecombustível) e também do art. 155, parágrafo quarto, inciso seis da CF (alteração das alíquotas do icms combustível mediante convênio dos Estados e Distrito Federal). (ALEXANDRINO & PAULO, 2007, p. 21-23). Portanto, como se pode concluir com as informações supramencionadas, existem duas realidades distintas que versam para a temática: as atenuações a estrita legalidade no Direito Tributário (que permitem por meio de atos do Executivo alteração da matéria tributária); bem como situações em que por não se ter previsão expressa no artigo 97 do CTN quanto a reserva legal da matéria, possibilita – se seu uso por meio de atos do Executivo também. Uma vez construído tal raciocínio e já expostas as atenuações a legalidade, faz-se necessário relatar as hipóteses em que por não haver expressa previsão legal do art. 97 do CTN; tem-se permitido com aval do STF o uso de atos do Poder Executivo para definirem seus valores como a mera atualização e correção da base de cálculo dos tributos (conforme criva o art. 97, parágrafo segundo do CTN), a fixação de obrigação tributária acessória (nos moldes do art. 113, parágrafo segundo do CTN) e a norma que altera o prazo para recolhimento da obrigação tributária (nos termos da súmula número 669 do STF). 2 – A alteração da data de pagamento e o Princípio da Legalidade: uma abordagem doutrinária e do STF Concentrando-se em ponto mais central da discussão mister se faz a leitura da supracitada súmula número 669 do STF que aborda a temática da alteração dos prazos para o pagamento da obrigação tributária:“Norma legal que altera o prazo para recolhimento da obrigação tributária não se sujeita ao princípio da anterioridade”. Convém argumentar, que apesar da supracitada súmula elucidar que ela não desrespeita a anterioridade, também não irá ferir o princípio da legalidade, pela sua ausência nas matérias de reserva legal do artigo 97 do CTN. Ratificando tal raciocínio, argui o seguinte sobre o tema os doutrinadores Alexandrino e Paulo em outra obra sua sob o enfoque do Direito Tributário dessa vez especificamente na Constituição e no STF: “O STF já firmou posição de que o prazo para vencimento dos tributos é passível de instituição por norma infralegal (decreto), visto que o art.97 do CTN relaciona taxativamente as matérias submetidas à reserva legal, dentre as quais não se inclui a fixação do prazo para recolhimento de tributos (RREE 182.971;193.531)”. (ALEXANDRINO E PAULO, 2006, p.85). Pode-se encontrar mais bases para tal interpretação do STF quanto a temática, na obra de SABBAG, quando este cita alguns julgados proferidos por este Órgão com o mesmo entendimento: RE número 140.669/PE, relator Ministro Ilmar Galvão; 2008, RE número 172.394/SP, relator Ministro Marco Aurélio; 1995 e RE número 195.218/MG, relator Ministro Ilmar Galvão, 2002. (SABBAG, 2010, p.64). Nesses termos, estabelece o doutrinador SABBAG seu posicionamento quanto a discussão: “De nossa parte, estamos que o prazo para recolhimento do tributo, conquanto ausente da lista exaustiva dos elmentos configuradores da reserva legal, consoante do art. 97 do CTN, apresenta-se como rudimento substancial para a completude da lei tributária, ao indicar o átiom de tempo em que se deve adimplir, com pontualidade, a obrigação tributária. Deixar tal determinação ao alvedrio do Poder Executivo, ao sabor da discricionariedade, é sufragar o perene estádio de insegurança jurídica, acinstosa ao elemento axiológico justificador do postulado da estrita legalidade”. (SABBAG, 2010, p.65). Assim sendo na visão do STF, uma vez que não há reserva legal para a alteração dos prazos nos termos de previsão expressa do artigo 97 do CTN, é plenamente válida sua alteração por via de ato do Executivo, entretanto, como a própria doutrina ressalva e alerta, não necessariamente é preciso que todas as matérias que sejam de caractere de ser legislada por ato do Legislativo deverá estar expressamente mencionado em reserva legal. Dessa forma concordo com tal posicionamento da doutrina, na figura do doutrinador Sabbag, até porque acreditar que uma ciência social como o direito, deve estar limitada a um rol de situações que permitam sua ação é algo incontroverso e desafiador ao cientista jurídico e muito mais ao julgador do Direito, pois, quem regula o Direito é a sociedade, a qual,  representada por meio do Legislativo freqüentemente muda e varia seus conceitos e conseqüentes normas, criando conceitos novos e extinguindo antigos. Nesse contexto, acaso tomássemos como parâmetro o posicionamento do STF quanto alteração de prazo para pagamento das obrigações tributárias, estaríamos, por exemplo, congelando as ações dos juízes, os quais, mediante o novo e inexistente no campo legal não poderia agir. Portanto, compreendo que a alteração dos prazos para o pagamento das obrigações tributárias sem exame prévio de ato do Legislativo fere a segurança jurídica das relações jurídicas existentes bem como das futuras, além de que passa ao executivo um poder que não lhe seria capaz, ferindo conseqüentemente a cláusula pétrea da separação dos poderes estampada na CF, em seu artigo 60, parágrafo quarto, inciso terceiro.         Advogado, pós-graduado em Direito Tributário e Direito de família e sucessões; mestrando em direito pela PUC/RS
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Artigo 78 do ADCT e Emenda Constitucional Nº 62/2009, mais um capítulo na eterna disputa entre Estado e contribuinte
A EC nº62/2009 não derrogou o artigo 78 do ADCT, uma vez que não há menção expressa e tampouco incompatibilidade absoluta dos dois diplomas legais.Sumário: 1. Introdução; 2. A antinomia aparente e parcial entre a norma contida no artigo 78 do ADCT e as disposições da Emenda Constitucional nº 62/2009 3. A posição do Supremo Tribunal Federal em casos análogos – a questão do art. 33 do ADCT 4. As disposições da Emenda Constitucional nº 62/2009 e sua omissão com relação ao poder liberatório de pagamento 5. Conclusão.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Com a edição da Emenda Constitucional nº. 62/2009, que instituiu um novo regime de pagamento dos precatórios, as Autoridades Públicas, sobejadamente as estaduais, apressaram-se em sobrelevar a teoria (e que somente será pacificada em âmbito do Supremo Tribunal Federal) de que a EC 62/2009, ao estabelecer uma nova moratória para os Estados devedores, teria revogado tacitamente as disposições do artigo 78 do ADCT, infirmando tratar-se de uma antinomia. Segunda a Fazenda Pública, o regime previsto no artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), seria incompatível com o estabelecido pela EC 62/2009 e, desta feita, por força do critério cronológico de harmonização da incompatibilidade das leis (que é a antinomia), a norma posterior teria revogado a anterior. No entanto, a discussão que deverá pautar os tribunais de todo o país sobre a matéria irá girar em torno da seguinte questão: houve uma antinomia de normas ou somente a instituição de um novo regime jurídico a ser interpretado de acordo com o já existente? Em um pequeno esforço filosófico, eis que “a Filosofia tem como problema central o problema do valor”, conforme noção ditada por Miguel Reale[1], é esse o dilema que se pretende elucidar no presente artigo. A ANTINOMIA APARENTE E PARCIAL ENTRE A NORMA CONTIDA NO ARTIGO 78 DO ADCT E AS DISPOSIÇÕES DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009 É preciso uma digressão nos fundamentos da hermenêutica jurídica, extraída na teoria geral da norma, para bem elucidar o fato de que não houve revogação da norma prevista no artigo 78 do ADCT com as disposições trazidas pela Emenda Constitucional nº 62/2009. Conforme as lições trazidas por Norberto Bobbio[2], Miguel Reale[3], Friede Reis[4], Maria Helena Diniz[5] e João Baptista Machado[6], o direito brasileiro, a partir do momento em que partiu para a lógica positivista, impôs uma estrutura jurídica única e rígida, disposta em textos escritos, denotando como válido aquilo que está vigente, desde que integrado com as noções de validade e eficácia social da norma. Obedecida esta premissa, estabeleceu-se um sistema permeado pela inexistência de lacunas ou contradições e, quando estas surgissem, a aplicação de princípios e analogias supriria por completo estas omissões. Esses princípios, como bem enunciou Norberto Bobbio[7], advém da norma fundamental, “que é o termo unificador das normas que compõem um ordenamento jurídico”. A essência da relevância do princípio da unicidade, também chamado de princípio da não contradição, para o direito é configurada no momento em que o sistema jurídico normatiza, em sua totalidade, o fato, e não apenas uma lei em específico. Assim, em estrita obediência aos ditames constitucionais, aliada a coerência do sistema jurídico nacional, havendo qualquer dúvida na aplicação de Lei (ou, no caso, de Emendas Constitucionais), há que se harmonizar tais discrepâncias pelas regras da antinomia jurídica, classificado por Maria Helena Diniz[8] como o “fenômeno muito comum entre nós ante a incrível multiplicação das leis”. Mas ressalta-se: as regras de antinomia aplicam-se somente para casos em que haja efetivamente uma antinomia, e não apenas em situações de aparente contradição e que podem ser relevadas ante a simples aplicação da norma vigente. Hans Kelsen[9] já advertia para esta suposição, ao enunciar que existem situações em que “os conflitos normativos podem e devem ser resolvidos pela via interpretativa”. E é aí que se encaixa a questão envolvendo o caso em comento, cuja disputa entre as disposições da norma prevista no artigo 78 do ADCT, em especial o poder liberatório de pagamento, com as disposições trazidas pela Emenda Constitucional nº 62/2009, não caracteriza uma antinomia jurídica. Não havendo esse conflito de leis no tempo, não há que se valer dos critérios clássicos adotados pelos juristas, como a regra da lex posterior derogat legi priori (lei posterior derroga a lei anterior). Isso porque, na definição de Tércio Sampaio Ferraz Junior[10], a configuração de uma antinomia somente ocorre quando “a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias, emanadas de autoridade competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado”. Por isso, a conclusão a que se chega é que, somente em ultima ratio é que se aplicam as regras de antinomia, uma vez que o sistema jurídico pátrio é, por excelência do positivismo, único e coerente, não admitindo lacunas ou imperfeições. Somente haveria antinomia se houvesse total incompatibilidade entre as normas, a indecibilidade do sujeito e a necessidade de decidir qual norma a ser aplicada. Tecidas estas considerações, a única conclusão que o direito admite com relação o art. 78 do ADCT e a Emenda Constitucional nº 62/2009 é o de que foram prolongadas e alteradas as formas de pagamento dos precatórios (aí sim uma antinomia), mas com relação ao poder liberatório de pagamento (§2º do art. 78 do ADCT) não houve qualquer menção na EC 62/2009, o que fundamenta, inequivocadamente, a perpetuação de seus efeitos, como se verá no tópico abaixo. Isso porque, dada a presunção de validade das normas jurídicas, em especial a Emenda Constitucional nº 30/2000, somente haveria uma antinomia quando uma norma é a negação de outra, o que não ocorre no caso em comento. A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM CASOS ANÁLOGOS – A QUESTÃO DO ART. 33 DO ADCT Ante o curto espaço de vigência da Emenda Constitucional n° 62/2009, por certo que o Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou oficialmente sobre a validade, aplicabilidade, revogação ou convalidação dos termos do artigo 78 do ADCT, em especial o §2º. Mas é certo que, em casos muito semelhantes, a Corte Máxima sempre optou por manter a efetividade de dispositivos que não foram expressamente derrogados. Veja-se abaixo um exemplo: “EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONJECTURAS. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. INSUBSISTÊNCIA. PRISÃO EM FLAGRANTE. ÓBICE AO APELO EM LIBERDADE. INCONSTITUCIONALIDADE: NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DO PRECEITO VEICULADO PELO ARTIGO 44 DA LEI 11.343/06 E DO ARTIGO 5º, INCISO XLII AOS ARTIGOS 1º, INCISO III, E 5º, INCISOS LIV E LVII DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Garantia da ordem pública fundada em conjecturas a respeito da gravidade e das consequências do crime. Inidoneidade. 2. Conveniência da instrução criminal tendo em conta o temor das testemunhas. Superveniência de sentença penal condenatória. Fundamento insubsistente. 3. Apelação em liberdade negada sob o fundamento de que o artigo 44 da Lei n. 11.343/06 veda a liberdade provisória ao preso em flagrante por tráfico de entorpecentes. Entendimento respaldado na inafiançabilidade desse crime, estabelecida no artigo 5º, inciso XLIII da Constituição do Brasil. Afronta escancarada aos princípios da presunção de inocência, do devido processo legal e da dignidade da pessoa humana. 4. Inexistência de antinomias na Constituição. Necessidade de adequação, a esses princípios, da norma infraconstitucional e da veiculada no artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição do Brasil. A regra estabelecida na Constituição, bem assim na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, de modo que, a admitir-se que o artigo 5º, inciso XLIII estabelece, além das restrições nele contidas, vedação à liberdade provisória, o conflito entre normas estaria instalado. 5. A inafiançabilidade não pode e não deve — considerados os princípios da presunção de inocência, da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do devido processo legal — constituir causa impeditiva da liberdade provisória. 6. Não se nega a acentuada nocividade da conduta do traficante de entorpecentes. Nocividade aferível pelos malefícios provocados no que concerne à saúde pública, exposta a sociedade a danos concretos e a riscos iminentes. Não obstante, a regra consagrada no ordenamento jurídico brasileiro é a liberdade; a prisão, a exceção. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade da segregação ante tempus. Impõe-se porém ao Juiz, nesse caso o dever de explicitar as razões pelas quais alguém deva ser preso cautelarmente, assim permanecendo. Ordem concedida.” (HC 101505, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 15/12/2009, DJe-027 DIVULG 11-02-2010 PUBLIC 12-02-2010 EMENT VOL-02389-03 PP-00597) Acerca dos precatórios pendentes de pagamento, essa mesma discussão, rememore-se, ocorreu quando da edição do próprio artigo 78 do ADCT, com a edição da Emenda Constitucional n° 30/2000, momento aquele em que as Fazendas Públicas Estaduais apressaram-se em lançar a tese da antinomia total daquelas normas e inferindo no sentido da revogação do artigo 33 do ADCT. Certamente, e pelos mesmos motivos aqui delineados, não foi esta a interpretação do Supremo Tribunal Federal, veja-se: “PRECATÓRIO – PAGAMENTO PARCELADO – ADCT, ART. 33 – NATUREZA JURÍDICA DAS NORMAS INTEGRANTES DO ADCT – RELAÇÕES ENTRE O ADCT E AS DISPOSIÇÕES PERMANENTES DA CONSTITUIÇÃO – ANTINOMIA APARENTE – A QUESTÃO DA COERÊNCIA DO ORDENAMENTO POSITIVO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – Os postulados que informam a teoria do ordenamento jurídico e que lhe dão o necessário substrato doutrinário assentam-se na premissa fundamental de que o sistema de direito positivo, além de caracterizar uma unidade institucional, constitui um complexo normativo cujas partes integrantes devem manter, entre si, um vínculo de essencial coerência. – O Ato das Disposições Transitórias, promulgado em 1988 pelo legislador constituinte, qualifica-se, juridicamente, como estatuto de índole constitucional (RTJ 172/226-227). A estrutura normativa que nele se acha consubstanciada ostenta, em conseqüência, a rigidez peculiar às regras inscritas no texto básico da Lei Fundamental da República. Disso decorre o reconhecimento de que inexistem, entre as normas inscritas no ADCT e os preceitos constantes da Carta Política, quaisquer desníveis ou desigualdades quanto à intensidade de sua eficácia ou à prevalência de sua autoridade. Situam-se, ambos, no mais elevado grau de positividade jurídica, impondo-se, no plano do ordenamento estatal, enquanto categorias normativas subordinantes, à observância compulsória de todos, especialmente dos órgãos que integram o aparelho de Estado (RTJ 160/992-993). – Inexiste qualquer relação de antinomia real ou insuperável entre a norma inscrita no art. 33 do ADCT e os postulados da isonomia, da justa indenização, do direito adquirido e do pagamento mediante precatórios, consagrados pelas disposições permanentes da Constituição da República, eis que todas essas cláusulas normativas, inclusive aquelas de índole transitória, ostentam grau idêntico de eficácia e de autoridade jurídicas (RTJ 161/341-342). – O preceito consubstanciado no art. 33 do ADCT – que não se estende aos créditos de natureza alimentar – compreende todos os precatórios judiciais pendentes de pagamento em 05/10/88, inclusive aqueles relativos a valores decorrentes de desapropriações efetivadas pelo Poder Público. Precedentes.” (RE 215107 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 21/11/2006, DJ 02-02-2007 PP-00138 EMENT VOL-02262-06 PP-01083) Ressalta-se aqui as afirmações do Ministro Celso de Mello, no julgamento do RE 215107 (em 21.11.2006), corroborando e repetindo a tese ora lançada, no sentido de que não há antinomia alguma no caso em apreço, pois “Inexiste qualquer relação de antinomia real ou insuperável entre a norma inscrita no art. 33 do ADCT e os postulados da isonomia, da justa indenização, do direito adquirido e do pagamento mediante precatórios, consagrados pelas disposições permanentes da Constituição da República”. Assim, até hoje perduram válidos os créditos de precatórios denominados popularmente de “oitavos”, incluídos no artigo 33 do ADCT. Ora, o raciocínio é deveras simples, no sentido de que tais créditos jamais deixaram a condição de enquadrarem-se no parcelamento em 08 (oito) parcelas, assim como acontece com o créditos que, até a edição da Emenda Constitucional n° 62/2009, enquadraram-se como “décimos”. Sendo assim, por uma verificação histórica e axiológica do STF, aliada às considerações acima, é certo que as disposições do artigo 78 do ADCT permearão válidas e, principalmente, com plena aplicação do poder liberatório de pagamento, auxiliando o Estado a desmantelar o vergonhoso calote estatal, até mesmo porque não houve qualquer disposição expressa derrogando tal norma, conforme detalhado no tópico abaixo. AS DISPOSIÇÕES DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009 E SUA OMISSÃO COM RELAÇÃO AO PODER LIBERATÓRIO DE PAGAMENTO Realizadas estas premissas, e desvendado o fato de que não houve a supressão integral do artigo 78 do ADCT, é preciso asseverar que, minimamente, o §2º deste dispositivo permanece válido, vigente e inalterado pela EC 62/2009. Instituiu-se, tão somente, uma nova moratória, mas não se sufragaram os precatórios vencidos e não pagos. E com relação a estes precatórios, o poder liberatório de pagamento jamais deixou de existir. Traçar um paralelo entre os dois dispositivos constitucionais enaltece o ora afirmado, sempre lembrando que somente haverá revogação da lei quando ela for totalmente incompatível com a anterior, veja-se:   Perceba que a única referência que a Emenda Constitucional 62/2009 trouxe acerca do artigo 78 do ADCT é sua inclusão no regime especial de pagamento, isto é, permitiu que o Estado devedor efetue o leilão “às avessas” ou parcele o débito em mais sofríveis 15 (quinze) anos. Mas com relação ao “poder liberatório de pagamento”, previsto no §2º do art. 78 do ADCT, não há qualquer referência, isto é, remanesce a total compatibilidade daquele dispositivo com a novel redação constitucional. Como já disposto, não se trata de um caso de antinomia, conforme bem alertou Norberto Bobbio[11], mas apenas de uma interpretação conforme a Constituição. Ou melhor, a própria Emenda Constitucional nº 62/2009 reconhece expressamente a validade e constitucionalidade do “poder liberatório de pagamento” dos precatórios não pagos, eis que convalida todos os procedimentos até então realizados. Até mesmo porque, nas afirmações de Luiz Flávio Gomes[12], “de acordo com a lógica positivista clássica (Kelsen, Hart etc.), lei vigente é lei válida e mesmo quando incompatível com a Constituição ela (lei vigente) continuaria válida até que fosse revogada por outra lei”. Como se vê, no presente caso, não há revogação alguma, seja ela expressa ou tácita. É preciso enaltecer aqueles fundamentos mais elementares, muito bem expostos por Jorge de Oliveira Vargas[13], renomado e célebre Desembargador do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que redigiu brilhante estudo sobre o papel dos precatórios e chegou a conclusão de que “a atribuição de poder liberatório aos precatórios, para pagamento de tributos, lhes confere natureza de moeda de curso legal, para tal finalidade”. Roberto Ferraz[14] padece de idêntico entendimento, e enuncia claramente que “de fato, sempre que o contribuinte for titular de precatórios vencidos e não pagos, na forma do parágrafo 2º do art. 78 das ADCT, e pretender com esses créditos pagar tributo da entidade que os deve, estará promovendo o seu pagamento em moeda corrente”. “O Estado não pode se valer de meios indiretos de coerção para criar óbices ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional, constrangendo o contribuinte a pagar seus débitos tributários em hipóteses em que legalmente não deveria fazê-lo”, conclui a professora Betina Treiger Grupenmacher[15]. Fazer prevalecer a tese de que os créditos oriundos de precatórios não possuem qualquer valor na atividade mercantil é desnaturar a própria essência do Estado, tornando o fraco e submisso. Por isso, Fernando Facury Scaff[16] bem enuncia que “a racionalidade jurídica criou um mecanismo legal e seguro para o credor e planejado para os dispêndios públicos. A racionalidade política permitiu a transformação do mecanismo jurídico em um engodo”. CONCLUSÃO Se a filosofia tem por “objeto indagar dos pressupostos ou condições de possibilidade de todas as ciências particulares”, nas palavras de Miguel Reale[17], a resposta para a questão fundamental do presente ensaio passa por este prisma: ora, se a intenção do legislador fosse derrogar o artigo 78 do ADCT, em especial o §2º e o seu poder liberatório de pagamento, não teria ele feito expressamente? O certo é que, pela técnica jurídica e no rigor da doutrina, não houve antinomia total do artigo 78 do ADCT com a EC 62/2009, em especial no poder liberatório de pagamento (§2º) e, por isso, deve o jurista aplicar e adaptar a norma nova de acordo com a anterior, e não excluí-la do ordenamento. Novamente, deixou-se uma ampla e inequívoca margem de discussão para abarrotar os já abarrotados tribunais nacionais. Se a finalidade da EC 62/2009 era acabar com as compensações de débitos tributários com precatórios vencidos e não-pagos, por certo, ela fracassou. Caberá ao STF, enfim, dar palavra final sobre o assunto.
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A perspectiva atual da ação civil pública como meio de defesa dos contribuintes. A perspectiva futura das ações coletivas no direito tributário ante o Projeto de Lei Complementar n° 38/2007
A tutela jurisdicional de defesa dos direitos do contribuinte resta muito prejudicada quando se deslegitima o Ministério Público para impetrar ação civil pública contra ilegalidades e abusos perpetrados pelo Fisco. Atualmente, a única defesa do contribuinte contra eventuais ilegalidades encontra-se na Constituição Federal, os chamados princípios constitucionais tributários. Muito embora o rol de princípios não seja exíguo, necessário seguir países como Estados Unidos da América e Espanha, os quais já prevêem mecanismos legais específicos. O Projeto de Lei Complementar n° 38/2007, traz ao direito tributário a noção de ações coletivas e legitima o Ministério Público e associações a ingressar em juízo na defesa de contribuintes lesados. Inova e sobreleva a cidadania, tornando mais proba a relação com o Fisco. Aguarda-se, enfim, sua conversão em lei complementar.
Direito Tributário
1-INTRODUÇÃO Este trabalho busca analisar os novos direitos agasalhados no Código dos Direitos ou de Defesa do Contribuinte, Projeto de Lei Complementar N° 38/2007, o qual tornando-se lei, traria uma maior igualdade na relação fisco/contribuinte. Dividiremos nosso estudo em partes. Iniciaremos apresentando os limites ao poder estatal de tributar, os chamados princípios constitucionais tributários. Hodiernamente estes princípios configuram-se a tábua de salvação do cidadão contra o assédio fiscal. A Constituição Federal, que é quem os apresenta ao meio jurídico, assegura no “caput” do artigo 150, que além dos limites principiológicos outras garantias podem ser asseguradas aos contribuintes, e vemos aí a grande oportunidade do Código de Defesa dos Contribuintes. Em momento seguinte, estudaremos as ações coletivas e seu uso na seara tributária, debatendo, também, a legitimidade do Ministério Público para propor tais demandas. Os direitos do cidadão contribuinte e os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Onde se insere o direito do sujeito passivo da relação tributária? Na terceira parte enfocar-se-á o Projeto de Lei Complementar N° 38/2007 e as inovações que se pretende injetar no direito tributário com a sua transformação em lei, como as ações coletivas nos moldes do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). O Projeto passa a assegurar as garantias dos contribuintes enquanto direitos transindividuais. 2-PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS Os princípios tributários previstos na Constituição Federal, funcionam verdadeiramente como mecanismos de defesa do contribuinte frente a voracidade do Estado no campo tributário. Para Hugo de Brito Machado[1]: “Tais princípios existem para proteger o cidadão contra os abusos do Poder. Em face do elemento teleológico, portanto, o intérprete, que tem consciência dessa finalidade, busca nesses princípios a efetiva proteção do contribuinte.” Eduardo Pessôa[2], alinhavando o que se entende por princípio narra que princípio é uma proposição, verdade geral, em que se apóiam outras verdades. A constitucionalidade de um tributo, enfim, deve seguir todos os princípios elencados na Constituição, sob pena de serem eliminados pelo Supremo tribunal Federal por serem inconstitucionais. 2.1- PRINCÍPIO DA LEGALIDADE(Art.150,I,CF) Segundo Luciano Amaro[3], esse princípio é multissecular, tendo sido consagrado na Inglaterra, na Magna Carta de 1215, do Rei João Sem Terra, a quem os barões ingleses impuseram a necessidade de obtenção prévia de aprovação dos súditos para a cobrança de tributos (no taxation without representation).  A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal somente poderão exigir ou aumentar tributo através de lei. A lei que exigir o tributo deve mencionar, segundo o artigo 146,III,”a”,CF[4]: a) o fato tributável; b) a base de cálculo; c) a alíquota; d) os critérios para a identificação do sujeito passivo da obrigação tributária; e) o sujeito passivo. A lei mencionada pela Constituição é a lei ordinária, salvo se explicitamente for fixada a exigência de lei complementar. Existem impostos que excepcionam o princípio em comento, a saber: 1) Imposto de Importação(II) 2) Imposto de Exportação(IE) 3) Imposto sobre operações financeiras(IOF) 4) Imposto sobre produtos industrializados(IPI)  Esses impostos podem ser aumentados por meio de ato do Poder Executivo, ou seja, por meio de decreto, sempre respeitando, porém, os limites estabelecidos pela lei. A Emenda Constitucional nº 33/2001 também excepcionou o princípio em dois momentos, onde a determinação de alíquotas é possível por ato do Executivo. O primeiro é em relação a CIDE- Combustíveis(art. 149, §2º,II, c/c art. 177, §4º,I,b, CF/88), o segundo é em relação ao ICMS sobre combustíveis.(artigo 155, §4º, IV, c, CF/88)  As medidas provisórias podem criar e aumentar impostos que não sejam privativos de lei complementar. Para tanto, deverão ser convertidas em lei dentro do prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60.(art. 62, §7º,CF) 2.2- PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE(Art. 150,III, “b”, CF/88) Este princípio estabelece que os entes tributantes não podem exigir tributos no mesmo exercício financeiro em que estes foram criados ou majorados.  Para Eduardo de Moraes Sabbag[5], “a verdadeira lógica do princípio da anterioridade é preservar a segurança jurídica, postulado doutrinário que irradia efeitos a todos os ramos do Direito, vindo a calhar na disciplina ora em estudo, quando o assunto é anterioridade tributária.”  A anterioridade não é respeitada, entretanto, nos seguintes casos: a) Imposto de importação(II) b) Imposto de exportação c) Imposto sobre produtos industrializados(IPI) d) Imposto sobre operações financeiras(IOF) e) CIDE petróleo f) Empréstimo compulsório para casos de calamidade pública ou guerra externa g) Imposto extraordinário de guerra h) Contribuições sociais, que obedecem à anterioridade nonagesimal ou mitigada  A Emenda Constitucional nº 42/03, introduziu ao artigo 150,III, CF, a alínea “c”, a qual exige que se respeite um período de 90 dias entre a data que criou ou aumentou o tributo e sua efetiva cobrança. Exceções a essa regra, são os empréstimos compulsórios para os casos de calamidade pública ou guerra externa, os impostos de importação, de exportação, sobre operações financeiras, sobre a renda, extraordinário de guerra e a fixação da base de cálculo do IPVA e do IPTU. 2.3- PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE(Art. 150,III, “a”,CF)  Conforme leciona Ricardo Cunha Chimenti[6], “os fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que houver instituído ou aumentado os tributos (estabelecida a hipótese de incidência ou a alíquota maior) não acarretam obrigações. A lei nova não se aplica aos fatos geradores já consumados”.(art.105 CTN) O Código tributário nacional permite a retroatividade em seu artigo 106, quando a lei: I- em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, ou II- tratando-se de ato não definitivamente julgado a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente à época do fato gerador ou da prática do ato.  Trata-se da retroação benéfica para multas tributárias, segundo lição de Eduardo de Moraes Sabbag[7].  Em síntese, é vedada a incidência de tributos sobre fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei. 2.4- PRINCÍPIO DA IGUALDADE OU ISONOMIA TRIBUTÁRIA (Art. 150,II, CF/88)  O princípio da igualdade tributária proíbe distinções arbitrárias, entre contribuintes que se encontrem em situações semelhantes. Luciano Amaro[8] relata que “nem pode o aplicador, diante da lei, discriminar, nem se autoriza o legislador, ao ditar a lei a fazer discriminações. Visa o princípio à garantia do indivíduo, evitando perseguições e favoritismos.”  Para contribuintes que estão em situações distintas é permitido tratamento tributário diferenciado, como ensina Hugo de Brito Machado[9]: “Não fere o princípio da igualdade, antes o realiza com absoluta adequação, o imposto progressivo. Realmente, aquele que tem maior capacidade contributiva deve pagar imposto maior, pois só assim estará sendo igualmente tributado. A igualdade consiste, no caso, na proporcionalidade da incidência à capacidade contributiva, em função da utilidade marginal da riqueza.” 2.5- PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO CONFISCO(Art. 150,IV,CF/88)  A cobrança de tributos deve se pautar dentro de um critério de razoabilidade, não podendo ser excessiva, antieconômica.  O Supremo Tribunal Federal entende que o princípio da vedação ao confisco também se estende às multas, conforme julgamento da ADI 551/RJ, cujo relator foi o ministro Ilmar Galvão, decisão de 24 de outubro de 2002.  Não se aplica o princípio em relação aos impostos extrafiscais, que poderão trazer em seu bojo alíquotas pesadas, regulando a economia.  O Imposto sobre produtos industrializados também não sofre a aplicação do princípio em estudo. Produtos supérfluos podem ter tributação excessiva, como os cigarros e as bebidas alcoólicas. 2.6- PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE TRÁFEGO(Art. 150,V,CF/88) O tráfego de pessoas ou de bens não pode ser limitado pela cobrança de tributos, quando estas ultrapassam as fronteiras dos Estados ou Municípios. Este princípio tributário está em consonância com o artigo 5º,LXVIII, CF/88, direito à livre locomoção. A cobrança de pedágios pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público, é considerada pela doutrina exceção ao princípio.  2.7-PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE GEOGRÁFICA(Art. 151,I, CF/88) Este princípio proíbe que a União institua tributo de forma não uniforme em todo o país, ou dê preferência a Estado, Município ou ao Distrito Federal em detrimento de outro ente federativo. Permite-se, entretanto, a diferenciação, se favorecer regiões menos desenvolvidas. Visa promover o equilíbrio social e econômico entre as regiões brasileiras. Exemplo tradicionalmente citado é a Zona Franca de Manaus.  2.8-PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA(Art. 145,§1º,CF/88)  Existem autores que colocam este princípio como um subprincípio do princípio da igualdade ou isonomia tributária. Reza o texto constitucional que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte.  Aplicação prática deste princípio encontra-se na alíquota progressiva, presente no imposto de renda, no imposto sobre a propriedade territorial urbana, no imposto sobre a propriedade territorial rural, etc.  2.9-PRINCÍPIO DA VINCULABILIDADE DA TRIBUTAÇÃO O magistério dominante inclina-se, segundo o ensino de Paulo de Barros Carvalho[10], por entender que, nos confins da estância tributária, hão de existir somente atos vinculados( e não atos discricionários) fundamento do princípio em tela. 2.10-PRINCÍPIO DA NÃO SURPRESA DO CONTRIBUINTE (ANUALIDADE, ANTERIORIDADE, LAPSOS TEMPORAIS PREDEFINIDOS) Para Sacha Calmon Navarro Coêlho[11], o princípio da não surpresa do contribuinte é de fundo axiológico. É valor nascido da aspiração dos povos de conhecerem com razoável antecedência o teor e o quantum dos tributos a que estariam sujeitos no futuro imediato, de modo a poderem planejar as suas atividades levando em conta os referenciais da lei. 2.11-PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA DOS IMPOSTOS OU DA TRANSPARÊNCIA FISCAL O artigo 150, § 5º, CF/88, reza que a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços.  As denominações deste princípio são utilizadas, respectivamente, pelos mestres Luciano Amaro e Ricardo Lobo Torres, segundo magistério de Fábio Periandro.[12] 2.12-PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE (Arts. 155, §2º,I; art. 153, §3º,II,; art. 154,I, CF/88)  Este princípio refere-se a três impostos: ICMS, IPI e impostos residuais da União. Deve-se compensar o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. 2.13- PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE (Art. 153, §3º,CF) Visa tributar mais fortemente produtos menos essenciais. Já produtos essenciais terão alíquotas menores. No IPI sua aplicação é obrigatória, para o ICMS e o IPVA sua aplicação é facultativa.  2.14-PRINCÍPIO DA NÃO DIFERENCIAÇÃO TRIBUTÁRIA (Art. 152,CF/88) O texto constitucional é auto explicativo. Os Estados, Municípios e o Distrito Federal estão proibidos de estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino.  2.15-PRINCÍPIO DA TIPICIDADE  Alguns estudiosos inserem este princípio dentro da legalidade tributária.  A tipicidade tributária, semelhantemente à penal, quer dizer que o tributo somente será devido se o fato concreto se enquadrar exatamente na previsão da lei tributária, assim como o fato criminoso tem que se enquadrar na lei penal. 2.16-PRINCÍPIO DA IMUNIDADE(Art. 150,VI, “a”, CF)  A imunidade é uma hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada, que diz respeito, em regra, aos impostos. Possuem imunidade os entes federativos reciprocamente e em relação a impostos sobre patrimônio, renda e serviços; os templos de qualquer culto(art. 150,VI,”b”,CF); os partidos políticos, as entidades sindicais de trabalhadores, as instituições de educação ou de assistência social sem fins lucrativos, desde que observados os requisitos legais(art. 150,VI,”c”,CF) e os livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão(art. 150,VI,”d”,CF).  Estudar os princípios constitucionais tributários é descobrir que o Estado sofre limitações no seu poder dever de instituir e cobrar tributos. Não fossem essas limitações, a vida social tornar-se-ia insuportável. Com todos esses bloqueios, a sanha fiscal estatal é voraz, imagine-se sem elas. 3- AS AÇÕES COLETIVAS NA SEARA TRIBUTÁRIA. DIREITOS INDIVIDUAIS, COLETIVOS E DIFUSOS.  Ensina Kazuo Watanabe[13] que as ações coletivas são derivadas das “class actions” do direito norte-americano. O autor de tais ações, ingressa em juízo, defendo os chamados interesses difusos ou coletivos, evitando assim, decisões judiciais díspares e enaltecendo o princípio da economia processual. São exemplos destas ações a ação civil pública, a ação popular, o mandado de segurança coletivo.  O Código de Defesa do Consumidor[14], em seu artigo 81, define interesses difusos como os “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.” Já os interesses coletivos são assim estatuídos pelo estatuto consumerista: “transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo , categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.” Finalmente são interesses individuais homogêneos “os decorrentes de origem comum.” Os direitos do contribuinte seriam melhor enquadrados nesta terceira categoria, visto que são divisíveis e seus titulares podem ser determinados ou determináveis e entre eles existe uma relação jurídica-base que surge após o dano.  Hugo Nigro Mazzilli[15], pontua sobre os interesses individuais homogêneos, narrando que seus “titulares são determinados ou determináveis, e o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável.” 3.1- CABE AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA? Existe intensa discussão doutrinária a respeito da possibilidade de uso da ação civil pública neste campo de atuação jurídica. A ação civil pública está prevista na Lei n° 7.347/85. A doutrina e a jurisprudência prevalentes atuais, infelizmente, tendem a considerar incabível a ação civil pública cujo objeto seja a defesa dos contribuintes. De acordo com a doutrina do Professor Ricardo Lobo Torres[16], a relação jurídica tributária “é a que, estabelecida por lei, une o sujeito ativo (Fazenda Pública) ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável) em torno da prestação pecuniária (tributo) ou não pecuniária (deveres instrumentais).” Notamos que a relação jurídica tributária não é uma relação de consumo. Na relação de consumo há a aquisição ou utilização de produto ou serviço como destinatário final. Por seu turno a relação tributária opera diretamente da lei, independentemente da aquisição ou utilização de produto ou serviço.  Cleide Previtalli Cais[17], rechaça o uso da ação civil pública na área em comento: “por sua própria natureza, caracterizados pela indivisibilidade, indeterminação dos indivíduos e indisponibilidade, os direitos difusos jamais compreenderão temas tributários, marcados pela divisibilidade, identificação do titular e disponibilidade, posto que de cunho eminentemente patrimonial. Como a ação civil pública se presta para a defesa de interesses difusos e coletivos restaria inviável sua utilização.  Ricardo Lobo Torres[18], listando as possíveis ações a serem utilizadas pelos contribuintes, elenca entre elas a ação civil pública.  O Supremo Tribunal Federal tem compreendido que o Ministério Público possui legitimidade ativa para defender interesses individuais homogêneos em juízo, quando “impregnados de relevante natureza social[19]”, ou “dotados de alto relevo social[20]”. O juiz federal Antônio de Souza Prudente[21] é ferrenho defensor da legitimação constitucional do Ministério Público para ação civil pública em matéria tributária na defesa dos direitos individuais homogêneos. Para o juiz, “a Constituição Federal e a Lei Complementar n° 75, de maio de 1993, traçam, dentre outras, a função institucional do Ministério Público como legitimado a propor ação civil pública para defender os interesses sociais, individuais indisponíveis, bem como os chamados interesses individuais homogêneos”.  A Lei Complementar n° 75 de 1993[22], a qual dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, traz em seu bojo dispositivos favoráveis à tese da ação civil pública tributária. No artigo 5°, inciso II está assentado que é função institucional do Ministério Público da União, zelar pela observância dos princípios constitucionais relativos ao sistema tributário, às limitações do poder de tributar, à repartição do poder impositivo e das receitas tributárias e aos direitos do contribuinte. (grifei). No artigo 6°, VII, a supracitada Lei descreve que compete ao Ministério Público da União, promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a defesa de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.  O Colendo Superior Tribunal de Justiça, em julgado (AgRg 98.286- DJU de 23/03/98), relatado pelo Ministro José Delgado, assim capitaneou seu entendimento sobre o assunto: “PROCESSUAL CIVIL. MINISTERIO PUBLICO. LEGITIMIDADE. AÇÃO COLETIVA. TAXA DE ILUMINAÇÃO. 1. – CONFORME DISPOSTO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988, A ATUAÇÃO DO MINISTERIO PUBLICO FOI AMPLIADA PARA ABRANGER A SUA LEGITIMIDADE NO SENTIDO DE PROMOVER AÇÃO CIVIL PUBLICA PARA PROTEGER INTERESSES COLETIVOS. NÃO HA MAIS AMBIENTE JURIDICO PARA SE APLICAR, EM TAL CAMPO, A RESTRIÇÃO IMPOSTA PELO ART. 1., DA LEI NUM. 7.347/1985. 2. – EM SE TRATANDO DE PRETENSÃO DE UMA COLETIVIDADE QUE SE INSURGE PARA NÃO PAGAR TAXA DE ILUMINAÇÃO PUBLICA, POR ENTENDÊ-LA INDEVIDA, NÃO HÁ QUE SE NEGAR A LEGITIMIDADE DO MINISTERIO PUBLICO PARA, POR VIA DE AÇÃO CIVIL PUBLICA, ATUAR COMO SUJEITO ATIVO DA DEMANDA. HA SITUAÇÕES EM QUE, MUITO EMBORA OS INTERESSES SEJAM PERTINENTES A PESSOAS IDENTIFICADAS, ELES, CONTUDO, PELAS CARACTERISTICAS DE UNIVERSIDADE QUE POSSUEM, ATINGINDO A VARIOS ESTAMENTOS SOCIAIS, TRANSCENDEM A ESFERA INDIVIDUAL E PASSAM A SER INTERESSE DA COLETIVIDADE. (grifei) 3. – O DIREITO PROCESSUAL CIVIL MODERNO, AO AGASALHAR A AÇÃO CIVIL PUBLICA, VISOU CONTRIBUIR PARA O ACELERAMENTO DA ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL, PERMITINDO QUE, POR VIA DE UMA SÓ AÇÃO, MUITOS INTERESSES DE IGUAL CATEGORIA SEJAM SOLUCIONADOS, PELA AUTUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.  4. – AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.” Depreende-se que o entendimento esposado foi no sentido de legitimar o “Parquet” para, por via de ação civil pública, atuar como sujeito ativo da demanda, demanda esta na qual uma coletividade de pessoas se insurgia contra a cobrança de taxa de iluminação pública, por reputá-la indevida.  Atualmente o entendimento no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o Ministério Público não tem legitimidade para ajuizar ação civil pública em matéria tributária nas questões cuja tese jurídica não tem repercussão para a sociedade. Conclui-se, em sentido contrário, que se houver repercussão para a sociedade haverá legitimidade.  O Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo[23], editou a Súmula 07, cuja cópia integral necessária se faz. Súmula nº 7 – “O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade (v.g., dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g., dano de massa); c) quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à coletividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suas perspectivas econômica, social e tributária.” (grifei) Fundamento para o item “c” – Quando, pela via da defesa de interesses e direitos individuais homogêneos, o que pretende o Ministério Público é zelar pelo respeito à ordem jurídica em vigor, levando aos tribunais violações que, de outra parte, dificilmente a eles chegariam, o que poderia, em conseqüência, desacreditar o ordenamento econômico, social ou tributário. Temos, aí, relevância social alicerçada em ratio pragmática (grifei)  As vantagens da ação civil pública são muito bem alinhadas por Carreira Alvim[24]: (…) a grande vantagem da ação civil pública é evitar as inúmeras demandas judiciais (economia processual), vulgarmente denominadas “ações múltiplas”, e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas, com o que cumpre a sua função de proporcionar o máximo de resultado (jurisdicional) com o mínimo de esforço (processual). Dessa forma, impede a obstrução das vias judiciais, proporcionando com um só processo e uma única sentença (genérica) a satisfação de incontáveis pretensões substanciais, para o que seriam necessários incontáveis processos. Infelizmente essa vantagem não tem sido notada pelos juízes e tribunais, que, sem qualquer constrangimento, limitam o alcance da ação coletiva.  O alhures citado juiz federal Antônio Souza Prudente[25] é lapidar na conclusão de seu artigo: De ver-se, assim, que, em matéria tributária, os interesses individuais homogêneos, legalmente definidos, como aqueles decorrentes de origem comum, uma vez agredidos, coletivamente, em seu núcleo originário (hipótese de incidência tributária e conseqüente fato gerador, de natureza homogênea, a gestar obrigações tributárias e resultantes interesses individuais também homogêneos), sofrem, por força do impacto agressor, o fenômeno da atomização processual, em defesa de interesse coletivo e social, relevantes a legitimar a pronta atuação do Ministério Público, na linha de determinação institucional dos arts. 127, caput e 129, III, da Constituição da República, traduzidos nas disposições dos arts. 5º, II, a e 6º, incs. VII, a e d e XII, da Lei Complementar n. 75/93, mediante as garantias instrumentais da ação civil pública, evitando, assim, a pulverização dos litígios, com o conseqüente acúmulo de feitos judiciais nos tribunais do País, nessa seara histórica de abusos tributários, onde o contribuinte, individualmente considerado, sem recursos e órfão da assistência judiciária do Estado, queda-se inerte e vitimado, sem qualquer defesa, ante a brutal arrogância do Fisco. Com o devido respeito às opiniões contrárias, entendo que a única interpretação válida, nesse contexto, é aquela que brota do tecido constitucional e se mantém fiel e conforme a Constituição, no corpo da normativa legal, a ponto de não frustrar a vocação institucional do Ministério Público, essencial à função jurisdicional do Estado, feito guardião da ordem jurídica, do regime democrático, do sistema tributário nacional e dos interesses individuais homogêneos, coletivos e sociais, no espaço tributário. A hermenêutica gestada nas entranhas da legislação ordinária, sem força bastante para alcançar os comandos constitucionais em referência, afigura-se insuficiente à garantia plena dos direitos do contribuinte e da Justiça, no Estado democrático de Direito. Também James Marins[26] defende o uso da ação civil pública em causas tributárias: “Sem dúvida os danos tributários causados na esfera econômica dos contribuintes, através de atos de arrecadação pública ilegais ou inconstitucionais, são espécies de interesse coletivo, mais especificamente, na maioria das hipóteses, interesses individuais homogêneos, perfeitamente tuteláveis, portanto, através da ação civil pública.” 3.2- NOSSO ENTENDIMENTO A Medida Provisória n° 2.180-35, de 24/08/2001, acrescentou o parágrafo único ao artigo 1º da Lei n° 7.347/85[27], o qual reza que: Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.  O citado parágrafo é de duvidosa constitucionalidade, vez que afronta o preceito constitucional insculpido no inciso XXXV do artigo 5°, o qual veda a lei de excluir de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.  Entendemos perfeitamente cabível a ação civil pública em causas tributárias, vez que a Lei Complementar n° 75/1993 a permite, e da mesma forma a Constituição Federal, ao proibir que lei exclua da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, ao consagrar como base do sistema jurídico o princípio da dignidade da pessoa humana, além de uma série de preceitos morais e processuais a exigir economia processual e duração razoável dos processos, decisões judiciais harmônicas, ética e probidade nas relações entre o Fisco e o contribuinte.  O contribuinte tem o dever de pagar à Fazenda tudo que se lhe deve, vez que as receitas tributárias são parte integrante do patrimônio público e, caso o patrimônio público seja lesado por atos ilegais ou inconstitucionais, o Ministério Público terá, com o apoio unívoco da jurisprudência, legitimidade para defendê-lo. Porque, então, quando o Fisco cobra um tributo violando a Constituição e as leis, prejudicando o cidadão-contribuinte, não se permite ao Ministério Público agir em defesa dos cidadãos? Não estaria o Estado favorecendo de forma desproporcional o Fisco em detrimento do contribuinte? Não restaria violado de forma cabal o princípio da isonomia? Dois pesos e duas medidas?  A moralidade administrativa, princípio estrutural da Administração Pública, deve se sentir desprestigiada quando, o mesmo Estado que cobra um tributo indevido, proíbe o uso das ações civis públicas em defesa dos contribuintes lesados. Como bem assenta Hely Lopes Meirelles[28]: O certo é que a moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos de validade, sem os quais toda atividade pública será ilegítima.  Reputo, ainda, forma de enriquecimento sem causa, indevido, a restrição imposta pelo Estado através da Medida Provisória n° 2.180-35, de 24/08/2001, vez muitos cidadãos não buscarão seus direitos, e o recurso auferido com o tributo indevido não retornará ao bolso do cidadão, precipuamente do cidadão de parcos recursos. 4- O PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR N° 38/2007 O Código de Defesa do Contribuinte guarda muita semelhança com o Código de Defesa do Consumidor e com o Estatuto da Criança e do Adolescente, leis que vieram ao mundo jurídico em 1990. Sua aprovação seria um repente de cidadania desde então adormecida.  A idéia de um Código de Defesa do Contribuinte nasceu com o projeto de Lei Complementar n° 646/99 no Senado Federal, e continuou na Câmara com os Projetos n° 70/2003 e 231/2005.  Nos Estados Unidos e na Espanha existem leis que defendem os direitos fundamentais dos contribuintes. Nos EUA temos o Taxpayer Bill of Rights II de 1996, e na Espanha a Ley de Derechos y Garantias de los Contribuyentes de 1998. Passaremos, agora, a explicitar algumas inovações que se pretendem inserir no cenário das leis brasileiras. O Projeto está disponível no portal direitosdocontribuinte.com.br/código_defesa_contribuinte_2007.htm. O Código, uma vez transformado em lei complementar, será válido para as administrações fazendárias da União, do Distrito Federal e dos Municípios. Repetindo muitos dos princípios constitucionais existentes, considera justa a tributação (artigo 2°) que contemple os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da eqüitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não-confiscatoriedade. Tem a lei a intenção de reunir toda a legislação esparsa que existe, republicando os direitos do contribuinte, para assim criar um código/estatuto especializado.  No capítulo II, das normas fundamentais, mencionem-se três artigos. O artigo 10 garante o direito de acesso a certidões independentemente de se estar em dia com o Fisco; o artigo 14 veda a prática de sanções políticas como meio extrajudicial de cobrança de tributos; finalmente o artigo 18, § 1° inexige qualquer depósito, fiança, caução, aval ou qualquer outro ônus para a admissibilidade de defesa ou recurso no processo tributário-administrativo ou no processo judicial.  O capítulo III do Código traz em seu bojo os direitos do contribuinte.  Interessante apontar o artigo 34 do Código, que guarda semelhança com o processo de execução cível ao impor à Administração Fazendária, no desempenho de suas atribuições, que atue de forma a impor o menor ônus possível aos contribuintes, assim no procedimento e no processo administrativo, como no processo judicial.  Sobre parcelamento dispõe o artigo 36, ao referendar que este implica novação, fazendo com que o contribuinte retorne, a este título, ao pleno estado de adimplência, inclusive para fins de obtenção de certidões negativas de débitos fiscais.  Repetindo muitos dos princípios referentes à Administração Pública existentes no caput do artigo 37 da Constituição Federal, reza o artigo 39 que a Administração fazendária obedecerá, dentre outros aos princípios da justiça, legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.  Impende ressaltar, ainda, dois artigos, antes de entrarmos no capítulo VI, da defesa do contribuinte. O artigo 43 ordena que a ação penal contra o contribuinte, pela eventual prática de crime contra a ordem tributária, assim como a ação de quebra de sigilo, só poderão ser propostas após o encerramento do processo administrativo que comprove a irregularidade fiscal. O§ 2° do mesmo artigo considera circunstância atenuante para os fins do processo penal e definição de tipo penal, o histórico do contribuinte quanto à geração de empregos e benefícios sociais, e o volume de impostos e/ou contribuições que até hoje o contribuinte tenha recolhido e realizado a favor do Estado e da sociedade, desde o início de sua atividade produtiva.  Necessário deixar claro o Código não busca deixar impune a sonegação fiscal que assola o país, mas antes, tornar mais cristalina a relação Fisco/cidadão. Necessário, da mesma maneira, que a Administração Pública atue com ética em suas relações com o cidadão. Como aceitar o calote velado relativo aos precatórios? Como aceitar que a Administração postergue a devolução de restituições de impostos porque está sem dinheiro? Cabe assinalar, também, que no ano de 2008, segundo o portal oficial da Receita Federal do Brasil, a arrecadação federal alcançou a soma de R$ 685.675.000.000,00 (seiscentos e oitenta e cinco bilhões e seiscentos e setenta e cinco milhões de reais), o que convenhamos, é soma suficiente para proporcionar saúde e educação da mais alta qualidade à população. O capítulo IV do Projeto de Lei Complementar, relativo à defesa do contribuinte, guarda muita semelhança com o Código de Defesa do Consumidor. Referido capítulo amplia as defesas do contribuinte nas suas relações com o Fisco. O artigo 47 narra que a defesa dos direitos e garantias dos contribuintes poderá ser exercida administrativamente ou em juízo, individualmente ou a título coletivo. O § 3°, diz que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, e repete os conceitos esposados no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. O § 4° legitima o Ministério Público e as associações legalmente constituída há pelo menos um ano, a exercerem a defesa coletiva proposta. Finalmente o artigo 48 torna possível, para a defesa dos direitos previstos na Lei, o uso de qualquer tipo de ação, desde que apta a proporcionar a efetiva tutela. 5- CONCLUSÃO  Procuramos com este trabalho, defender o uso da ação civil pública em matéria tributária, e destacar a importância da aprovação de um Código de Defesa do Contribuinte, mecanismo apto a clarificar a relação desigual existente entre o Fisco e o sujeito passivo da relação obrigacional tributária. Não se sabe exatamente o motivo pelo qual os Projetos que tentam implementar tais regras sucumbem, quais são os interesses que vedam o nascimento no seio da sociedade de tal conjunto leis. Certamente, dentro de um conceito amplo de moralidade administrativa, de ética e probidade nas relações entre o Estado e o cidadão, tal Código já deveria ser realidade entre nós.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-perspectiva-atual-da-acao-civil-publica-como-meio-de-defesa-dos-contribuintes-a-perspectiva-futura-das-acoes-coletivas-no-direito-tributario-ante-o-projeto-de-lei-complementar-n-38-2007/
A lesão aos direitos individuais homogênios com a supressão do estatuto do contribuinte. Estatuto do Contribuinte: utopia ou necessidade jurídica
Este trabalho é um Artigo científico de cunho original para publicação. Visa demonstrar a necessidade da criação de um ordenamento que vise esclarecer e cristalizar direitos e garantias dos contribuintes na seara tributária. Assunto de grande importância na proteção do consumidor e fomentador da carga tributária no país. Embora existam regras protetivas dispostas em diversos ordenamentos jurídicos Brasileiros, no afã de difundir o princípio da publicidade e da transparência na administração pública, se faz mister uma codificação corroborada com todas as temáticas protetivas do contribuinte visando sobretudo facilitar o alcance protetivo do direito e a busca da igualdade social no trato com os entes públicos. O tema aborda legislações em outros países, legislações já existentes no Brasil, e a necessidade de uma regra centralizada nesta seara visando evitar atrocidades jurídicas como o contribuinte e além de tudo capacitando-o para o cumprimento de suas obrigações tributárias e a busca de seus direitos jurídicos.
Direito Tributário
Resumo: Este trabalho é um Artigo científico de cunho original para publicação. Visa demonstrar a necessidade da criação de um ordenamento que vise esclarecer e cristalizar direitos e garantias dos contribuintes na seara tributária. Assunto de grande importância na proteção do consumidor e fomentador da carga tributária no país. Embora existam regras protetivas dispostas em diversos ordenamentos jurídicos Brasileiros, no afã de difundir o princípio da publicidade e da transparência na administração pública, se faz mister uma codificação corroborada com todas as temáticas protetivas do contribuinte visando sobretudo facilitar o alcance protetivo do direito e a busca da igualdade social no trato com os entes públicos. O tema aborda legislações em outros países, legislações já existentes no Brasil, e a necessidade de uma regra centralizada nesta seara visando evitar atrocidades jurídicas como o contribuinte e além de tudo capacitando-o para o cumprimento de suas obrigações tributárias e a busca de seus direitos jurídicos. Palavras-chave: código de defesa do contribuinte, proteção ao contribuinte, direito do contribuinte, direitos individuais homogêneos do contribuinte. Abstrct: This work is a hallmark of the original scientific article for publication. Aims to demonstrate the necessity of creating a legal system that seeks to crystallize and clarify the rights and guarantees for taxpayers in the tax field. Matter of great importance in protecting consumer and promoter of the tax burden in the country. While there are protective procedures in various jurisdictions willing Brazilians, in their eagerness to spread the principle of publicity and transparency in public administration, a coding is done mister corroborated with all the issues protective of the taxpayer intended rather to facilitate the protective scope of the law and the pursuit of social equity in dealing with public entities. The theme deals with legislation in other countries, laws already exist in Brazil, and the need for a centralized rule in this realm, aiming to prevent atrocities such as the legal taxpayer and above all enabling them to fulfill their tax obligations and the pursuit of their legal rights. Keywords: defense code taxpayer protection to the taxpayer, taxpayer’s right, homogeneous individual rights of the taxpayer. Sumário: I. Historicidade. II. A Constituição Democrática e Social de 1988, o Código Tributário Nacional e a proteção ao contribuinte. III. O direito de tributar e os direitos fundamentais do contribuinte. III.1. Direito tributário “por princípios” e Sistema Constitucional Tributário. IV. Brasil – direitos humanos – tributação e constituição. IV.1 – Direitos Humanos Explícitos E Implícitos. IV.2 – A Tributação e os Direitos Humanos na Constituição de 1988. V. Os códigos estaduais de defesa dos contribuintes. V.1 – Minas Gerais: a Lei 13.515 de 07/04/2000. V.2 – São Paulo: Lei Complementar nº. 939 de 3 de abril de 2003. VI. O Projeto de Lei do Senado 646/99 – COMPLEMENTAR. VI.1 – principais disposições do projeto. VII. Estatuto do contribuinte: utopia ou necessidade jurídica. VIII. Os direitos dos contribuintes e a aplicação heterônoma por influência dos pactos internacionais. VIII.1 – A Convenção Europeia Dos Direitos Humanos – CEDH. VIII.2 – O Pacto De San José Da Costa Rica (1969). IX – O Estatuto do Contribuinte em outros países.9.1 – Canadá – Declaration Of Taxpayer Rights.9.2 – E.U.A. – taxpayer bill of rights (1998). 9.3 – Espanha – Ley De Derechos Y Garantias De Los Contribuyentes (Lei 1/98 De 26 De Fevereiro De 1998). 9.4 – Itália – Statuto Dei Diritti Del Contribuente (Lei 212/2000). X. O papel do estatuto do contribuinte no sistema jurídico tributário brasileiro. X.1.Decisões e disposições dos Tribunais acerca da defesa do contribuinte no Estado brasileiro. Conclusão. Referências bibliográficas. I -HISTORICIDADE O direito tributário passou a fazer parte do cotidiano, mormente, no período da Realeza Romana quando Sérvio Túlio, percebendo que os plebeus eram em maior número do que os patrícios, resolveu tributá-los – antes só os patrícios eram tributados – com essa novidade jurídica da época, Sérvio Túlio não estava só tirando Roma do caos financeiro mas também eclodiria para o mundo jurídico a melhor e maior modalidade de arrecadação de proventos no afã de financiar o Estado, a receita derivada. Em tempos mais remotos os direitos individuais do homem estavam em segundo plano, sobrepujados sempre pelo poder Estatal. Esta opressão foi causa da revolução Francesa e da primeira geração dos direitos Humanos que primava pela liberdade individual e o rechaço ao abuso Estatal.  A sociedade humana nasceu tendo como primazia a coletividade aonde havia um “chefe” para todo um grupo de pessoas – paterfamilis – este era responsável por toda sua clã e pelos bens, não havia bem privado, o bem era do grupo ou da clã que, usava sobretudo, sua autopreservação. O grupo tinha a importância superior e o indivíduo tinha relevância apenas enquanto parte funcional do todo. Com efeito, cabe destacar que o primeiro povo a democratizar as leis foram os Gregos no qual, as leis eram estabelecidas pelo povo em assembléia. Somente com o advento das primeiras Declarações e sua materialização interna em Constituições é que o poder do Estado começou a encontrar seus primeiros limites. Dá-se nesse momento o acontecimento da gestão não de homens mas sim de leis tão perseguida por Aristóteles. Após a Declaração Francesa de 1789 e a de Virgínia de 1776, a visão jurídica em relação a proteção pessoal individual começou a tomar formato de regra fundamental. A primeira Constituição de 1215 da Inglaterra – Rei João Sem Terra – com a imposição, de obtenção prévia, da aprovação dos súditos à cobrança de tributos, trouxe e seu bojo uma nova concepção de gestão Estatal e depois outras vieram, a Constituição Americana (independência dos Estados Unidos da América) e da Declaração dos Direitos do homem e do cidadão (Revolução Francesa). E com a evolução dos Estados Republicanos e a consagração dos Governos Democráticos, já nos Séculos XIX e XX, passou-se a tutelar com mais rigor ainda os direitos do indivíduo em face do Estado. A norma constitucional previa proteção individual contra os atos atentatórios praticados pelo Estado, mormente em relação a imposições onerosas. Todo e qualquer ato do ente público deveria estar em consonância com uma norma positivada. Certas garantias dos cidadãos não poderiam ser contrariadas. O direito deixava de servir exclusivamente ao Estado e passava definitivamente a tutelar o indivíduo. Contudo, num primeiro momento foram garantidos constitucionalmente apenas certos direitos básicos do cidadão, tais como o direito à vida, o direito à liberdade, o direito de propriedade, o direito ao livre pensamento e o direito de ser julgado perante um tribunal legitimamente constituído, são como acima disposto a primeira geração dos direitos.   Mas, afora o advento das sucessivas ondas de direitos, acima referidas, atualmente fala-se ainda no fenômeno da especificação de direitos, onde um direito já existente desdobra-se em novos direitos, conforme a necessidade social reclame. Assim, por exemplo, onde antes havia apenas os direitos do homem, agora podem ser encontrados os direitos da criança, os direitos do portador de necessidades especiais, os direitos do idoso, etc. O Brasil, já na sua primeira Carta política – ainda sob a regência do príncipe – previa direitos individuais. A Constituição Política do Império do Brasil, outorgada e jurada a 25 de março de 1824, por D. Pedro I, Imperador do Brasil, previa em seu Título VIII – Das disposições geraes, e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brazileiros – extenso rol de direitos humanos fundamentais, em seu artigo 179, que possuía 35 incisos, consagrando direitos e garantias individuais, tais como: princípios da igualdade, legalidade, livre manifestação de pensamento, impossibilidade de censura prévia, liberdade religiosa, liberdade de locomoção, inviolabilidade de domicílio, possibilidade de prisão somente em flagrante delito ou por ordem da autoridade competente, fiança, princípio da reserva legal e anterioridade da lei penal,independência judicial, princípio do Juiz natural, livre acesso aos cargos públicos, abolição dos açoites, da tortura, da marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis, individualização da pena, respeito à dignidade do preso, direito de propriedade, liberdade de expressão, direito de invenção, inviolabilidade das correspondências, responsabilidade civil do Estado por ato dos funcionários públicos, direito de petição, gratuidade do ensino público primário. A Constituição Republicana de 1891, em seu Título III – Seção II, previa a Declaração de Direitos, além dos tradicionais direitos e garantias individuais que já haviam sido consagrados pela Constituição anterior, podemos destacar as seguintes previsões estabelecidas pelo artigo 72: gratuidade do casamento civil, ensino leigo, direitos de reunião e associação, ampla defesa (§ 16 – Aos accusados se assegurará na lei a mais plena defesa, com todos os recursos e meios essenciaes a ella, desde a nota de culpa, entregue em vinte e quatro horas ao preso e assignada pela autoridade competente, com os nomes do accusador e das testemunhas), abolição das penas das galés e do banimento judicial, abolição da pena de morte, reservadas as disposições da legislação militar em tempo de guerra, habeas-corpus, propriedade de marcas de fábrica, Instituição do Júri. Com Constituição de 1934, a tradição das Constituições brasileiras preverem um capítulo sobre direitos e garantias foi  mantida pela Constituição de 16 de julho de 1934, que repetiu – em seu artigo 113 e seus 38 incisos – o extenso rol de direitos humanos fundamentais, acrescentando: consagração do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada; escusa de consciência, direitos do autor e a reprodução de obras literárias, artísticas e científicas; irretroatividade da lei penal; impossibilidade de prisão civil por dívidas, multas ou custas; impossibilidade de concessão de extradição de estrangeiro em virtude de crimes políticos ou de opinião e impossibilidade absoluta de extradição de brasileiro; assistência jurídica gratuita;mandado de segurança; ação popular (artigo 113, inciso 38 – Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atas lesivos do patrimônio da União, dos Estados ou dos Municípios).A Constituição de 10 de novembro de 1937, apesar das características políticas preponderantes à época, também consagrou extenso rol de direitos e garantias individuais, prevendo 17 incisos em seu artigo 122. Além da tradicional repetição dos direitos humanos fundamentais clássicos, trouxe como novidades constitucionais os seguintes preceitos: impossibilidade de aplicação de penas perpétuas;  maior possibilidade de aplicação da pena de morte, além dos casos militares (inciso 13, alíneas a até f) ; criação de um Tribunal especial com competência para o processo e julgamento dos crimes que atentarem contra a existência, a segurança e a integridade do Estado,  a guarda e o emprego da economia popular. A Constituição de 18 de setembro de 1946, além de prever um capítulo específico para os direitos e garantias individuais (Título IV, Capítulo II), estabeleceu em seu artigo 157 diversos direitos sociais relativos aos trabalhadores e empregados seguindo, pois, uma tendência da época. Além disso, previu títulos especiais para a proteção à família, educação e cultura (Título VI). O artigo 141 da referida Constituição passou a utilizar-se de nova redação, posteriormente seguida pelas demais Constituições, inclusive a atual. Assim, em seu caput proclamava:  A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes (…). Após essa enunciação, trazia um rol de 38 parágrafos com previsões específicas sobre os direitos e garantias individuais. Além das tradicionais previsões já constantes nas demais Constituições, podemos ressaltar as seguintes:  A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual; para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, conceder-se-á mandado de segurança, seja qual for a autoridade responsável pela ilegalidade ou abuso de poder;  contraditório; sigilo das votações, plenitude de defesa e soberania dos veredictos do Tribunal do Júri; reserva legal em relação a tributos; direito de certidão. A Constituição de 24 de janeiro de 1967 igualmente previa um capítulo de direitos e garantias individuais em um artigo (158) prevendo direitos sociais aos trabalhadores, visando à melhoria de sua condição social. Seguindo a tradição brasileira de enumeração exemplificativa, a redação do artigo 150 muito se assemelhava à redação da Constituição anterior e trouxe como novidades:  sigilo das comunicações telefônicas e telegráficas;  respeito à integridade física e moral do detento e do presidiário;  previsão de competência mínima para o Tribunal do Júri (crimes dolosos contra a vida); previsão de regulamentação da sucessão de bens de estrangeiros situados no Brasil pela lei brasileira, em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que lhes seja mais favorável a lei nacional do “de cujus”. A Emenda Constitucional n.º 1, de 17 de outubro de 1969, que produziu inúmeras e profundas alterações na Constituição de 1967, inclusive em relação à possibilidade de excepcionais restrições aos direitos e garantias individuais, não trouxe nenhuma substancial alteração formal na enumeração dos direitos humanos fundamentais. 2. A CONSTITUIÇÃO DEMOCRÁRICA E SOCIAL DE 1988, O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL E A PROTEÇÃO AO CONTRIBUINTE. A Carta Democrática e Social de 1988 trouxe em seu Título II os direitos e garantias fundamentais, subdividindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; nacionalidade; direitos políticos e partidos políticos. Assim, a classificação adotada pelo legislador constituinte estabeleceu cinco espécies ao gênero Direitos e Garantias Fundamentais em relação ao contribuinte, a atual Carta Política Brasileira de 1988, considerada exemplar em suas disposições acerca das mais variadas matérias, não deixou a mercê a  proteção do contribuinte. abrangendo as garantias básicas do contribuinte e os limites da tributação. Não constitui novidade, estão elencadas no Arts. 150 e 151 do texto Constitucional, portanto, o que se busca é a efetividade formal destes ditames no desaguar de um código de defesa do contribuinte. Seria portanto de importância fundamental a concretização prática e real destes direitos, tal como só ocorrer quando cristalizados no ordenamento sob a forma de uma verdadeira lei ou estatuto, a ser rigorosamente elaborado. Até mesmo em razão do momento histórico em que foi discutida e confeccionada a Constituição brasileira não se amesquinhou na tarefa de resguardar direitos e garantias individuais. Ao contrário, a Magna Carta estabelece expressamente uma série de princípios e garantias aos indivíduos e aos contribuintes. No artigo 5º da Carta Constitucional estão consagrados os direitos individuais básicos, tais como os direitos à isonomia, à igualdade, à legalidade, à liberdade de pensamento, à liberdade religiosa, à intimidade, à liberdade de locomoção, de profissão, o direito à propriedade, o direito de amplo acesso ao judiciário, o direito à observância do devido processo legal, os direitos políticos, o direito de petição, o direito de ação, entre outros. E, no que se refere à figura específica do contribuinte, a Carta Maior relacionou em seu artigo 150 alguns direitos e garantias fundamentais, sob a forma de vedação ao poder de tributar, estão ali previstos os princípios da legalidade, da isonomia, da irretroatividade da lei tributária, da anterioridade, da uniformidade em todo o território nacional e da vedação do confisco, entre outros. Outrossim, o Código Tributário Nacional, recepcionado pela atual Constituição, também impõe limitações ao direito estatal de tributar. Tais como a garantia mais específicas à matéria fiscal. A discriminação do sujeito passivo da obrigação tributária, por exemplo. A previsão da extinção do crédito tributário pela homologação automática do auto-lançamento, pela decadência do direito à sua constituição, ou pela prescrição do direito à cobrança. Ou ainda, o direito à repetição do indébito tributário. São estes alguns exemplos de garantias contidas no Código Tributário. Com efeito, por estes dois diplomas legais (Constituição e Código Tributário) que viria a se inserir mais uma norma, o Estatuto do Contribuinte. Entrementes, com observância ao artigo 146, II e III, da Constituição Federal, necessariamente uma lei complementar, que teria por objeto regular com mais precisão, sem extrapolar, obviamente, os limites da tributação e os direitos do contribuinte. 3. O DIREITO DE TRIBUTAR E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE. Confrontados o direito do fisco de tributar e um direito fundamental do contribuinte, qual deles deve prevalecer? Os direitos fundamentais do contribuinte podem ser limitados pelas necessidades do fisco?  Aliás, os direitos fundamentais, qualquer que seja a hipótese, podem ser limitados? Lançando-se na busca de respostas para estas perguntas, inicia-se por analisar a possibilidade de imposição de limites aos direitos fundamentais. Com amparo na doutrina, impõe-se responder afirmativamente à última pergunta formulada. Isto porque sempre existirão (na Constituição ou fora dela) direitos diversos e conflitantes entre si, de modo que a solução do intérprete será confrontá-los e, conforme os bens jurídicos por eles tutelados, encontrar o ponto de equilíbrio, ora sacrificando totalmente algum deles, ora sacrificando parcialmente a ambos os direitos. Quanto à situação tributária, por conseguinte, partindo dessa premissa, conclui-se que a contraposição entre direitos opostos (o direito do fisco de tributar e os direitos fundamentais do contribuinte) deverá ser realizada de modo harmônico, sem a preponderância ou supremacia de um sobre outro, até mesmo porque são direitos que se encontram em mesmo grau hierárquico (constitucional). Como frisa BEREIJO: “La posible colisión o conflicto  entre bienes constitucionalmente protegidos, singularmente el deber    de contribuir y los derechos fundamentales ha de resolverse mediante una adecuada ponderación sin que, en cada caso, la prevalencia de uno vacíe de contenido al otro”. Destarte o fisco não pode, sob a guarida do direito constitucional de tributar, violar impunemente os direitos do contribuinte ao sigilo, à inviolabilidade de domicílio, ao contraditório, entre outros. Na forma defendida por Roque Antônio Carrazza, não se permite que, em nome da comodidade e do aumento da arrecadação do Poder Público, se faça ouvidos moucos aos reclamos dos direitos subjetivos dos contribuintes. Igualmente não podem ser ilimitados os direitos fundamentais do contribuinte, de modo que ao fisco se torne impossível a efetivação de suas atividades. Convém, portanto, que estes direitos opostos sejam cuidadosamente sopesados em cada caso concreto, para que o intérprete ou aplicador da lei possa verificar o grau de prevalência de cada um deles sobre o outro. Logo se pode ter por certo que o ordenamento não confere ao fisco faculdades ilimitadas na sua atividade fiscalizadora e cobradora. Ao contrário, os poderes do fisco são limitados segundo o critério de razoabilidade e finalidade das medidas por ele adotadas. Assim, será razoável e perfeitamente admissível o ato praticado pela administração tributária que estiver dentro da legalidade, que for essencial à consecução da atividade fiscal, e que ocasionar a menor lesão possível ao direito individual do contribuinte. Estará todavia a infringir a Constituição se, podendo ser realizado de forma menos lesiva aos direitos fundamentais do contribuinte, adotar arbitraria ou desnecessariamente o modo mais lesivo. CARIBÉ, em artigo onde analisa o projeto do estatuto do contribuinte, propõe que o procedimento tributário (…) deve ser considerado de modo a assegurar o direito do contribuinte e, de outro, não facilitar a prática de atos lesivos à administração tributária. A solução, portanto, encontra-se na ponderação. 3.1. Direito tributário “por princípios” e Sistema Constitucional Tributário Com advento da evolução do Estado e do Novo Constitucionalismo (neoconstitucionalismo), a própria teoria do direito modifica-se diante da insuficiência da teoria positivista. O positivismo tornou-se fadado em face dos novos desafios que a ciência do direito enfrenta (BARROSO, Luís Roberto. 2008).  Nesse contexto, os princípios, como espécies normativas que são, revelam-se como importantes ferramentas de interpretação e aplicação da norma constitucional. Ancorando-se na teoria dos princípios, tecendo crítica construtiva acerca do modismo que se tornou a discussão em torno dos princípios e seu confronto com as regras, ÁVILA introduz na doutrina nacional terceira espécie normativa. “interpretação de qualquer objeto cultural submete-se a algumas condições essenciais, sem as quais o objeto não pode sequer ser apreendido. A essas condições especiais dá-se o nome de postulados.” O autor aponta duas espécies de postulados: os postulados normativos hermenêuticos, que são destinados à compreensão em geral do direito, e os postulados normativos aplicativos, cuja função é estruturar a sua aplicação concreta. A fim de extirpar-se qualquer dúvida conceitual acerca do que consiste tal espécie normativa, oportuna é a transcrição de conclusão de ÁVILA: “Os postulados normativos são normas imediatamente metódicas, que estruturam a interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos específica, de relações entre elementos com base em critérios”. Superada essa abordagem teórica essencial é condensarmos tais ensinamentos ao campo prático, que se revelam precipuamente no campo dos direitos fundamentais do contribuinte, seja nos princípios de segurança: legalidade (art.150, I), irretroatividade (art.150, III, a), anterioridade (art.150,III, b), anterioridade nonagesimal (art.150, III, c); seja nos princípios de justiça tributária: isonomia (art.150, II), capacidade contributiva (art.145, §1º), não-diferença tributária (art. 152), vedação à isenção heterônoma (art.151, III), uniformidade (151, I e II). Tais princípios são norteadores da proteção positivada do contribuinte em face do Estado e, neste mister, os postulados subsistem no afã de corporificar a proteção de forma mais abrangente tanto na compreensão quanto na aplicação. 4 – BRASIL – DIREITOS HUMANOS – TRIBUTAÇÃO E CONSTITUIÇÃO 4.1 – Direitos Humanos Explícitos E Implícitos Em nosso país, temos compendiado os direitos humanos na Lei Magna, ao longo de toda ela, dando-se destaque aos preceitos do art. 5º, que MANOEL GONÇALVES FERREIRA enumera como explícitos, a saber: “I – Direitos cujo objeto imediato é a “liberdade” 1 – de locomoção – art. 5º, LXVIII; 2 – de pensamento – art. 5º, IV, VI, VII, VIII, IX; 3 – de reunião – art. 5º, XVI; 4 – de associação – art. 5º, XVII a XXI; 5– de profissão – art. 5º, XIII; 6 – de ação – art. 5º – II; 7 – liberdade sindical – art. 8º; 8 – direito de greve – art. 9º. II – Direitos cujo objeto imediato é a “segurança” 1 – dos direitos subjetivos em geral – art. 5º, XXXVI; 2 – em matéria penal – art. 5º, XXXVII a LXVII; 3 – do domicílio – art. 5º, XI. III – Direitos cujo objeto imediato é a “propriedade” 1 – em geral– art. 5º, XXII; 2 – artística, literária e científica – art. 5º, XXVII a XXIX; 3 – hereditária – art. 5º, XXX e XXXV.” 4.2 – A Tributação e os Direitos Humanos na Constituição de 1988 Lembrando o célebre frase do Chief Justice MARSHALL, em seu voto em McCulloch v. Maryland afirmando que “the power to tax involves the power to destroy”, temos oportunidade de ver, no curso dos eventos da história da humanidade que não poucas vezes foi esse poder exercido, seja para restringir a liberdade de religião e de culto, seja para restringir o direito de locomoção, sabido que em vários países se criaram tributos extorsivos sobre a saída de seus habitantes do território nacional, seja para coibir o livre exercício de determinadas profissões ou dificultar o comercio de certos produtos, seja para impedir a livre expressão do pensamento (a imunidade tributária dos livros, jornais, periódicos e papel de imprensa aí encontra sua razão , pois no regime do Estado Novo imposto ao Brasil pela ditadura Vargas (1937/1945) assim se procurou, ao lado da censura do DIP manietar a liberdade de imprensa 17, conforme escreveu ALIOMAR BALEEIRO) Razão, em nosso entender, assiste a CONDORCET REZENDE , que vê na tributação da propriedade, “como transferência compulsória de uma parcela do patrimônio particular para os cofres públicos” do ponto de vista jurídico, uma verdadeira “agressão ao direito de propriedade” Para a defesa dos direitos humanos dos contribuintes quanto à tributação erige o texto constitucional muralha de limitações ao poder de tributar, em cujas ameias despontam: “a) Art. 150, I – ao princípio de tributação somente com representação ou, no sentido negativo (“no taxation without representation”) da Magna Carta de 1215 – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, pois a lei é elaborada pelo consentimento dos representantes do povo; b) Art. 150, II – ao princípio da isonomia – proibido tratamento desigual entre contribuintes na mesma situação; c) Art. 150, III, “a” e “b” – aos princípios da legalidade e anterioridade; d) Art. 150, IV – ao direito de propriedade, proibindo a utilização de tributos com efeito de confisco.” Sobre confisco matéria tão eloqüente e transcendental cujo a lei ainda não determinou o que vem a ser confisco sobrando inúmeras dificuldades para a sua caracterização, que, no Projeto de Lei Complementar 173/99, do então Senador Fernando Henrique Cardoso, caracteriza-se o confisco “sempre que seu valor, na mesma incidência ou em incidências sucessivas, superar o valor normal de mercado dos bens, direitos ou serviços envolvidos no respectivo fato gerador ou ultrapassar 50% do valor das rendas geradas na mesma incidência”, expondo Ricardo Lobo Torres que os princípios da razoabilidade e da econimicidade, bem manejados, têm a aptidão de modular o efeito confiscatório 20; “e) Art. 150, V – à liberdade de ir e vir – direito de locomoção, proibindo a limitação ao tráfego de pessoas e de bens; f)Art. 150, VI, “b” – à liberdade de pensamento e religião – proibindo instituir impostos sobre templo de qualquer culto; g) Art. 150, VI, “d” – à liberdade de pensamento, proibindo impostos sobre patrimônio, renda ou serviços de partidos políticos, entidades sindicais de trabalhadores, instituições de educação e assistenciais sem fins lucrativos; h) Art. 150, VI, “d” – à liberdade de pensamento e de palavra – proibindo impostos sobre livros, jornais, periódicos e papel destinado à sua impressão.” 5– OS CÓDIGOS ESTADUAIS DE DEFESA DOS CONTRIBUINTES No Brasil vemos que os contribuintes, por seus representantes no legislativo dos estados , vêm se preocupando em ver assegurados seus direitos, através de diplomas específicos, não obstante as disposições constitucionais precitadas, havendo editado seus código de defesa dos contribuintes os estados de Minas Gerais e São Paulo. 5.1 – MINAS GERAIS: A LEI 13.515 DE 07/04/2000 Nas Alterosas estatui a Lei 13515/2000 o Código de Defesa do Contribuinte do Estado de Minas Gerais, contendo 41 artigos, divididos em 7 seções : Seção II – Dos Direitos Do Contribuinte (arts. 4º a 11) – Onde se relacionam em 18 itens esses direitos, dos quais cabe alinhar em breve e não exaustiva notícia: “a) igualdade de tratamento em qualquer repartição administrativa; b) acesso a dados e informações de seu interesse e obtenção de certidões no prazo de 15 dias; c) educação tributária e orientação sobre procedimentos administrativos; d) recusa a prestar informações por requisição verbal,quando preferir intimação por escrito; e) exigir mandado judicial para busca em local que não contenha mercadoria ou documento de interesse da fiscalização, que poderá lacrar o móvel ou depósito em que acredite estejam os bens ou documentos, lavrando termo próprio e entregando-o ao contribuinte, solicitando de imediato ao seu superior a obtenção de ordem judicial; f) amplo direito de defesa; g) observância pela Administração dos princípios da legalidade, igualdade, anterioridade, irretroatividade, publicidade, capacidade contributiva, impessoalidade, uniformidade, não – diferenciação e vedação de confisco. h) gerência de seu próprio negócio, vedada à divulgação de quaisquer informações obtidas por razões de ofício, sobre a sua situação econômico ou financeira ou de terceiro, e sobre a natureza e estado de seus negócios.; i) não ser cobrado de obrigações prescritas; j) ver excluídas dos sistemas das repartições fazendárias referências a débitos prescritos, tributários ou não.” Seção V – Das Normas E Das Práticas Abusivas (arts. 20 a 22) – Nesta Seção define-se como abusiva a exigência de obrigações incompatíveis com a boa-fé, a equidade e os bons costumes, que ofenda os princípios fundamentais do sistema jurídico, e que seja excessivamente onerosa para o contribuinte ultrapassando sua capacidade econômica e financeira e reduzindo sua competitividade no seu ramo de atividades. Finalmente ali se veda à autoridade administrativa , sob pena de responsabilidade , a prática de atos como por exemplo condicionar a prestação de serviço ao cumprimento de obrigação sem base legal , negar ao contribuinte a autorização para impressão de documentos fiscais, com fundamento na existência de debito; fazer-se acompanhar de força policial apenas para efeito coativo; etc. Seção VI – Do Sistema Estadual De Defesa Do Contribuinte ( arts. 23 a 26) – Onde se institui o SISTEMA ESTADUAL DE DEFESA DO CONTRIBUINTE – SISDECON, composto pela Câmara de Defesa do Contribuinte – CADECON e pelos Serviços de Proteção dos Direitos do Contribuinte – DECON, cabendo a CADECON o planejamento, elaboração , proposição, coordenação da política estadual de proteção ao contribuinte, sendo órgão de composição mista (representantes do governo e entidades privadas), Seção VII – Das Sanções (arts. 27 a 29) –Onde se atribui ao CADECON e aos DECONS receber reclamações dos contribuintes, facultado ao CADECON , no caso de reclamação procedente, representar contra o servidor responsável, devendo imediatamente ser aberta sindicância ou processo administrativo disciplinar, ou dar conhecimento à autoridade competente das irregularidades apuradas, que deverá suspender os efeitos dela decorrentes até que seja sanada., estabelecendo-se ainda que a iniciativa das ações judiciais será sempre do contribuinte , possibilitado ao DECON intervir no processo como assistente, iniciativa essa que se defere também às entidades de classe, associações e cooperativas de contribuintes. Observação que se nos parece imperativa é a de que a norma estadual, neste caso, há de necessariamente conformar-se com a legislação processual federal, eis que privativa a competência da União para legislar sobre direito processual a teor do art. 22, I, da Carta Magna. 5.2 – SÃO PAULO: LEI COMPLEMENTAR nº. 939 DE 3 DE ABRIL DE 2003 A lei complementar supra, que “Institui o código de direitos, garantias e obrigações do contribuinte no Estado de São Paulo”, contendo 25 artigos e um artigo único de disposição final e transitória, dividido em 5 capítulos: Capítulo II – Dos Direitos, Garantias E Obrigações Dos Contribuintes (arts. 4º a 7º) – Aqui se apresenta o rol de direitos dos contribuintes, onde cumpre colocar em relevo: “a) adequado e eficaz atendimento pela Secretaria da Fazenda; b) igualdade de tratamento, respeito e urbanidade, nas repartições públicas do Estado; c) a ciência formal da tramitação do processo administrativo-fiscal, vistas e obtenção de cópias; d) preservação do sigilo de seus negócios; e) a faculdade de cumprir as obrigações acessórias por meios eletrônicos; f) o exercício do direito de defesa; g) obtenção de certidões, a serem fornecidas dentro do prazo de 10 dias úteis; h) o exercício do direito de petição; i) o ressarcimento de danos causados por agente da Administração Tributária.” Especifica ainda o capítulo as obrigações do contribuinte, dentre elas o fornecimento de condições de segurança e local adequado em seu estabelecimento para a execução dos procedimentos de fiscalização. Capítulo III – Dos Deveres Da Administração Fazendária (arts. 8º a 20) Este capítula, trata da atividade fiscalizatória da Fazenda, desde a emissão de ordem de fiscalização, notificação ou outro ato administrativo autorizando a execução de quaisquer procedimentos fiscais, exceto nos casos de extrema urgência que a lei exemplifica (flagrante infracional, continuidade de ação fiscal iniciada em outro contribuinte, apuração de denúncia),, prazo de 180 dias para devolução de bens e documentos apreendidos, salvo quando prova de infração, necessidade de fundamentação da decisão de julgamento, resposta à consulta no prazo de 30 dias , a vedação de emissão de ordem de fiscalização ou equivalente no caso de denúncia anônima que não preencha os requisitos que enumera. Capítulo IV – Do Sistema Estadual De Defesa Do Contribuinte ( arts. 21 a 250 É instituído o Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte – CODECON, de composição paritária integrado por representantes do poder publico, e entidades empresariais e de classe, cabendo-lhe planejar, elaborar, propor coordenar e executar a política estadual de proteção ao contribuinte, recebendo e analisando consultas, sugestões e reclamações dos contribuintes, representando quando for o caso contra o servidor responsável, devendo ser aberta imediatamente sindicância ou processo administrativo disciplinar. 6 – O PROJETO DE LEI DO SENADO 646/99 – COMPLEMENTAR O Senador JORGE BORNHAUSEN apresentou o projeto de lei complementar supra em 25/11/1999, onde ainda se encontra na CAE – Comissão de Assuntos Econômicos, Relator Sem. ROMERO JUCÁ Tem o projeto como ementa “Dispõe sobre os direitos e garantias dos contribuintes e dá outras providências”, disciplinando a matéria em 53 artigos , divididos em 7 capítulos, a saber; Capítulo I – Das Disposições Preliminares Capítulo II – Das Normas Fundamentais Capítulo III – Dos Direitos do Contribuinte Capítulo IV – Das Consultas em Matéria Tributária Capítulo V – Dos Deveres da Administração Fazendária Capítulo VI – Da Defesa do Contribuinte Capítulo VII – Das Disposições Finais 6.1 – principais disposições do projeto De se ceder, aqui , a palavra ao autor do projeto, que nos itens 7 a 21 de sua justificação relaciona os pontos que vê como de maior relevância de sua proposição: “7 – Destaque-se, de início, algumas disposições que, no projeto, mais afetam a relação do cidadão-contribuinte com Fisco e mais de mandam o repensar de práticas consagradas no nosso direito público. A cláusula que conceitua justiça tributária como aquela que “atenda aos princípios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva, da eqüitativa distribuição da carga tributária, da generalidade, da progressividade e da não confiscatoriedade (art. 2º, parágrafo único). São parâmetros para a validade dos tributos, tanto para o Fisco que o institua, quanto para o contribuinte que o conteste. Sua abstração cederá à eficácia no exame de cada caso concreto, seja no plano administrativo ou no processo judicial. Tal norma, em combinação com aquelas que dispõem sobre o processo administrativo-tributário e a fundamentação dos atos da Administração Fazendária, abre campo novo à relação do cidadão com o agente estatal. 8 – A explicitação de que o exigir ou aumentar tributo somente se dará mediante lei (Const. Fed., art. 150, inciso I) “pressupõe a estipulação expressa de todos os elementos indispensáveis à incidência, quais sejam, descrição objetiva da materialidade do fato gerador, a indicação dos sujeitos do vínculo obrigacional, da base de cálculo e da alíquota, bem como dos aspectos temporal e espacial da obrigação tributária” (art. 4º). Mas do que a legalidade formal, também a transparência, a moralidade e a economicidade (Const. Fed., art. 37, caput) na relação de direito entre os sujeitos ativo e passivo da relação tributária. 9 – O respeito à anualidade (Const. Fed., art. 150, inciso III, alínea b) mediante publicidade que se dê, efetivamente, dentro do ano civil anterior ao da exigibilidade, mediante circulação dos diários oficiais até 31 de dezembro, com acesso aos assinantes e ao público em geral, donde inválidas as ficções de circulação com data retroativa do periódico (arts. 5º e 9º). 10 – A identificação diferenciada dos fatos geradores e das bases de cálculo dos impostos atribuídos à competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de sorte a evidenciar a inexistência, ainda que indireta, da bi-tributação (art. 7º). 11 – A explicitação do serviço prestado ou posto à disposição do obrigado e do exercício do poder de polícia que justifiquem a criação de taxas (art. 6º). 12 – Crucial à nova cidadania e à construção constitucional é à disposição de que “os efeitos da decisão transitada em julgado, em controle difuso ou em ação direta proclamando a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, não implicarão exigência de complementação, no âmbito administrativo ou judicial, do valor do crédito tributário extinto anteriormente à vigência da decisão” (art. 15.) Cuida-se de conferir estabilidade e previsibilidade à relação jurídica já consolidada entre o contribuinte e o Fisco. Vale dizer, extinto embora o crédito tributário, ou usufruída uma vantagem fiscal qualquer, estará o contribuinte sujeito a ter que pagar a mais, ou a se desfazer e a compensar monetariamente a vantagem fiscal, se, a qualquer momento, em futuro incerto, vier o Judiciário a declarar inconstitucional a lei vigente ao tempo de consolidação da relação tributária.” 7 – ESTATUTO DO CONTRIBUINTE: UTOPIA OU NECESSIDADE JURÍDICA O Estatuto do Contribuinte ainda não é uma realidade no Brasil. E nem se pode afirmar que o venha a ser em breve, apesar dos projetos de lei em tramitação no Senado e na Câmara Federal. Isso porque, desde a primeira votação de emendas ao Projeto de Lei Complementar nº 646/99 nas mesas das comissões do Senado, já se revelou que não há consenso em relação à matéria a uns, seria desnecessário face estar disposto na Carta Republicana os direitos do cidadão, a outros, seria fundamental no afã de elidir qualquer manobra futura visando reduzir ou minimizar a proteção do contribuinte em relação aos atos praticados pelo Estado. Aliás, durante as discussões e votações, a principal polêmica entre os Senadores favoráveis e os contrários à aprovação do projeto consiste na questão da conveniência de o Brasil adotar um Código de Defesa do Contribuinte. Destarte destacar o enfraquecimento dos direitos individuais homogêneos a lei no 7.347, de 24 de julho de 1985 em seu Artigo 1º, parágrafo único que trata da ação civil pública, descreve real flagrante a pujança governamental no afã de dificultar o exercício dos direitos do contribuinte, pois vejamos: “Art. 1º – Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados Parágrafo único.  Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)(g.n.) Esta regra deixa claro a intenção em cercear o direito do contribuinte mormente quando amparado pelo Ministério Público, tirando força institucional na busca da defesa do contribuinte. 8 – OS DIREITOS DOS CONTRIBUINTES E A APLICAÇÃO HETERÔNOMA POR INFLUÊNCIA DOS PACTOS INTERNACIONAIS Dos pactos internacionais citados, dois deles mereceram a atenção da doutrina e dos tribunais quanto à abrangência dos direitos dos contribuintes : a Convenção Européia dos Direitos Humanos (CEDH), do Conselho da Europa e a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica). 8.1 – A Convenção Européia Dos Direitos Humanos – CEDH A CEDH, de 4 de novembro de 1950, embora a critique COMPARATO por se ater aos direitos individuais clássicos, apresentou evolução em sua trajetória, que culminou com a inclusão, sob seu pálio, dos direitos econômicos, vale dizer, também dos direitos dos contribuintes, com supedâneo em seu art. 6º, § 1º, que assim dispõe: “Article 6 – Right to a fair trial 1 . In the determination of his civil rights and obligations or of any criminal charge against him , everyone is entitled to a fair and public hearing within a reasonable time by an independent and impartial tribunal established by law… Como aponta MASSON historiando que o Conselho de Estado francês negou a aplicação da CEDH em matéria fiscal, havendo se pronunciado em sentido contrario a Corte de Cassação (Câmara Comercial e Financeira), vindo a Comissão Corte Européia dos Direitos do Homem a se definir também no mesmo sentido, admitindo a aplicação da CEDH também em matéria impositiva Do texto o § 1º deflue ainda o direito do contribuinte de ver seu litígio julgado dentro de um prazo razoável 10, havendo já sido obrigada a Itália a indenizar um contribuinte por haver demorado 8 anos um processo de seu interesse. 8.2 – O Pacto De San José Da Costa Rica (1969) O Pacto de San José da Costa Rica, promulgado em nosso país pelo decreto no. 678, de 06.11.1992 , ao determinar as garantias judiciais é , como salientou RAMÓN VALDES COSTA 11 o primeiro documento internacional que expressamente inclui os direitos de natureza fiscal dentre os por ele garantidos , na forma de seu § 1º, “verbis”: “Art. 8º – Garantias judiciais. § 1º – Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente,independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.” Destarte, recebido o Pacto em nosso direito,aqui deverão ter suas normas, em nosso entender , plena aplicação, ingressando em nosso direito com a força e vigor que lhe empresta o art. 5º, § 2º da Constituição Federal. julgado do STF sobre o Tratado de Viena em relação a sua aplicabilidade heterônoma no direito pátrio da seguinte forma: “Salienta-se que o Ministro Relator Ilmar Galvão, entendeu, perfeitamente cabível a isenção pela União, através de tratado internacional, não somente de tributos estaduais, mas, também, dos municipais. Embora o julgamento acima referido está ainda em seu início, o Supremo Tribunal Federal, através de seu Pleno, já exarou sua interpretação sobre o artigo 151, III, da Constituição da República, mesmo que de forma incidental.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade  1.600-8, proposta pelo Procurador-Geral da República). 9 – O ESTATUTO DO CONTRIBUINTE EM OUTROS PAÍSES Buscando consolidar o quadro dos direitos do contribuinte face à administração fiscal, assistimos no último quarto do século que passou e no início deste século XXI à introdução, em vários países, de normas codificadas de direitos do contribuinte, dando o seu ESTATUTO. Assim é que dentre outras podemos enumerar:- CANADÁ – Declaration of Taxpayer Rights – 1985;- ESTADOS UNIDOS – Taxpayer Bill of Rights – 1998;- ESPANHA – LEY DE DERECHOS Y GARANTIAS DE LOS CONTRIBUYENTES – 1998;- ITÁLIA – STATUTO DEL DIRITTI DEL CONTRIBUENTE – 2000. 9.1 – Canadá – Declaration Of Taxpayer Rights Primazia, sem dúvida, cabe ao Canadá, cuja Declaration 12 se fez em 2002 objeto de projeto de emenda da House of Commons (Bill C-332 primeira leitura de 10/12/2002) , visando confirmar os direitos dos contribuintes e criar o Bureau de Proteção dos Contribuintes, emendando também o Income Tax Act a fim de determinar que o ônus da prova incumbe ao Ministro, ao pretender exigir imposto do contribuinte, se este colaborou plenamente com o ministério fornecendo todos os documentos razoavelmente necessários pelo ministério exigidos e deu uma explicação razoável das operações financeiras praticadas. Os direitos constantes da Declaração original são os direitos á informação, cortesia e consideração, imparcialidade, presunção de honestidade, tratamento justo, privacidade e confidencialidade, recurso, audiência antes do pagamento, arranjar seus negócios de modo a pagar o menor imposto . 9.2 – E.U.A. – taxpayer bill of rights (1998) O bill of rights americano, consubstanciado como titulo III do Internal Revenue Service Reestructuring and Reform Act de 1998, alinha regras gerais e também casuísmos em benefício dos contribuintes, cabendo apontar, dentre outros, os seguintes aspectos: “a) Ônus da prova incumbente à Administração Fiscal, desde que preenchidas as condições que menciona; b) Confidencialidade nas relações do contribuinte com seu representante autorizado perante o IRS; c) Possibilidade de pagamento em prestações do tributo exigido; d) Possibilidade de recuperar custos e despesas (inclusive honorários de advogado ou auditor) de defesa em processos administrativos ou judiciais em caso de vitória; e) Penhora da residência principal do contribuinte somente permitida em casos excepcionais; f) Penhora de contas bancárias sujeitas a aviso prévio de 30 dias ao contribuinte, a fim de que este possa apresentar defesa ou requerer pagamento parcelado; g) Proibição de penhora de propriedade quando as despesas de penhora e venda do bem excederem o seu valor de mercado; h) Criação do “Office for Taxpayer Services”. Cabe ainda apontar que inúmeros estados americanos já possuem ou estão em vias de possuir seus estatutos dos contribuintes, como por exemplo: Alabama, Arkansas, Califórnia, Colorado, Florida, Geórgia, Hawaii, Indiana, Kentucky, Minnesota, Montana, Nebraska , New Hampshire, North Carolina, North Dakota, South Dakota, Virginia e Wisconsin. 9.3 – Espanha – Ley De Derechos Y Garantias De Los Contribuyentes (Lei 1/98 De 26 De Fevereiro De 1998) Enumera a lei espanhola como direitos gerais dos contribuintes: “a)Observância da capacidade econômica e dos princípios de justiça, generalidade, igualdade, progressividade, equitativa distribuição da carga tributária e proibição do confisco; b) Aplicação do sistema tributário basear-se-á nos princípios da generalidade, proporcionalidade, eficácia e limitação dos custos indiretos do cumprimento das obrigações acessória; c) Direito de informação e assistência pela Administração Fiscal; d) Direito a conhecer o estado dos procedimentos de que seja parte; e) Direito a certidões e copias das declarações apresentadas; f) Direito de não apresentar documentados já apresentados e que estejam em poder da Administração; g) Confidencialidade; h) Respeito e consideração por parte da Administração; i) Consulta; j) Prazo máximo de decisão dos procedimentos de seis meses, salvo disposição legal distinta; k) Prescrição : 4 anos; l) Prazo de duração da fiscalização de 12 meses, prorrogável por mais 12, nos casos que menciona; m) Recurso.” 9.4 – Itália – Statuto Dei Diritti Del Contribuente (Lei 212/2000) A lei italiana se apresenta como relatam BUSCEMA. FORTE e SANTILLI  como marco da renovação e modernização da obrigação tributária, sempre mais semelhante à obrigação do código civil, posicionando o contribuinte, não mais como súdito, mas como cidadão , em situação paritária com o fisco, caracterizando-se por abandonar a ultrapassada visão do fisco como inimigo do contribuinte, por ser não uma mera carta de intenções, mas sim o ponto de chegada da evolução do direito tributário, inspirado não no autoritarismo mas na cooperação e respeito recíproco, dando como missão estratégica da administração fiscal favorecer o adimplemento espontâneo da obrigação fiscal, Destruindo o mito de ser o estatuto idealizado contra a administração tributária.VICTOR UCKMAR , ao dissertar sobre o estatuto “in fieri”, então aprovado somente pelo Senado, lembra que já em 1991 havia proposto na assembléia do Conselho Nacional de Economia e do Trabalho (órgão constitucional consultor do governo italiano) a edição de uma carta de direitos do contribuinte, sublinhando, ao referir o então projeto, que não obstante tratar-se de lei ordinária, sua derrogação, segundo seu artigo 1º, constante da lei aprovada, somente se pode fazer através de norma expressa, proibida também a criação de novos tributos ou a extensão dos tributos existentes a outros contribuintes por decreto-lei (art. 4º). 10. O PAPEL DO ESTATUTO DO CONTRIBUINTE NO SISTEMA JURÍDICO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO. Há quem diga que não há qualquer inovação no projeto de lei do Estatuto do Contribuinte, uma vez que os direitos ali enumerados já estão expressa ou tacitamente previstos na Constituição. Em defesa desta tese, MESQUITA proclama que o cidadão-contribuinte já existe, não precisando, pois, ser recriado, e, comentando o projeto do Estatuto, afirma: “(…) entre ‘os direitos do contribuinte’ enumerados em um total de 14 itens, 8 deles – portanto em torno de 60% (sessenta por cento) – já estão expressa ou tacitamente absorvidos pelo texto constitucional (…) os demais, na verdade, tratam de pretendidos direitos junto à administração fazendária, que, apesar de serem direitos, nada engrandecem o contribuinte, em relação à cidadania”. É cediço que o Estatuto viria a lume para atribuir eficácia aos preceitos constitucionais fundamentais que, apesar de inscritos na Lei Maior da nação, não podem, sem auxílio de norma especial, atingir todo o seu âmbito de abrangência ou, indo mais além, teria o Estatuto o desiderato maior de, desdobrando os princípios constitucionais e tornando-os mais específicos, verdadeiramente trazer à superfície alguns direitos cuja inteligência ainda não esteja devidamente compreendida. 10.1. Decisões e disposições dos Tribunais acerca da defesa do contribuinte no Estado brasileiro “SÚMULA VINCULANTE Nº 8 SÃO INCONSTITUCIONAIS O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 5º DO DECRETO-LEI Nº 1.569/1977 E OS ARTIGOS 45 E 46 DA LEI Nº 8.212/1991, QUE TRATAM DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO.” (Publicação: DJe nº 112/2008, p. 1, em 20/6/2008 – DOU de 20/6/2008, p. 1) Os ministros do Supremo Tribunal Federal sumularam o entendimento de que os dispositivos que tratam dos prazos de prescrição e decadência em matéria tributária são inconstitucionais. Esse posicionamento determina que a Fazenda Pública não pode exigir as contribuições sociais com o aproveitamento dos prazos de 10 anos previstos nos dispositivos declarados inconstitucionais. “Art. 45. O direito da Seguridade Social apurar e constituir seus créditos extingue-se após 10 (dez) anos contados: I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o crédito poderia ter sido constituído; II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, a constituição de crédito anteriormente efetuada. Art. 46. O direito de cobrar os créditos da Seguridade Social, constituídos na forma do artigo anterior, prescreve em 10 (dez) anos.” A Constituição Brasileira sendo rígida, opção feita pelo Constituinte Originário, ao estabelecer no art. 60, §4º, as chamadas cláusulas pétreas, com o intuito de que a ordem constitucional primária fosse respeitada e mantida, evitando-se, assim, um esfacelamento da Constituição original, condicionou os jurisconsultos (Ministros do Supremo) a editar a súmula vinculante n.° 8 tem como fundamento que apenas lei complementar pode dispor sobre normas gerais em matéria tributária: “Art. 146. Cabe à lei complementar: I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; II – regular as limitações constitucionais ao poder de tributar; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (g.n.) a) (…) b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;” (g.n) Desse modo, evidentemente inconstitucional os artigos da Lei Ordinária n.° 8.212/91 que determinaram os prazos decadenciais e prescricionais das contribuições da seguridade social. Ademais, incompatível também com o artigo 146, III, “b”, CF. O parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei 1.569/77 que determinava causa suspensiva da prescrição: “Art 5º Sem prejuízo da incidência da atualização monetária e dos juros de mora, bem como da exigência da prova de quitação para com a Fazenda Nacional, o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor. Parágrafo único – A aplicação do disposto neste artigo suspende a prescrição dos créditos a que se refere”. (g.n.) 11. CONCLUSÃO No Brasil clama-se atualmente por um estatuto que atenda aos direitos do contribuinte. É polêmica a questão da necessidade e conveniência de o Brasil adotar um Estatuto do Contribuinte. Os defensores da idéia, entre políticos estudiosos do direito tributário, entendem que o Estatuto se revelaria um instrumento contra as arbitrariedades perpetradas pelo Estado em matéria tributária. Entretanto, outros entendem que as disposições constitucionais já bastam à tutela do contribuinte, sendo desnecessária a criação de nova norma para este fim.   A Constituição Federal de 1988 prevê os direitos e garantias individuais e, entre estes, há clara proteção ao contribuinte. As previsões constitucionais nem sempre são suficientes à garantia dos direitos por ela previstos. Muitas vezes é necessária uma norma que venha instrumentalizar e trazer eficácia ao dispositivo constitucional.O Código Tributário Nacional, por sua vez, complementando a Constituição, prevê as normas gerais de direito tributário. O Estatuto do Contribuinte, positivando-se, viria a se juntar a esses dois diplomas (Constituição Federal e Código Tributário Nacional) que hoje constituem a base do sistema tributário brasileiro, para formar uma tríade onde estariam contidos os direitos e garantias do contribuinte.O papel do Estatuto do Contribuinte seria o de aplicar e tornar eficazes as garantias constitucionais.   Rerências bibliográficas BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e Aplicação Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2004. ____________________. Direito Constitucional Contemporâneo. 1 ed. 3 tiragem. São Paulo: Saraiva. 2009 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 10 ed. São Paulo. Saraiva. 2008 BEREJO, Álvaro Rodriguez. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação História dos Direitos Humanos. 6 ed. São Paulo. Saraiva. 2008 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao Poder de Tributar. Rio de Janeiro. Forense 7 ed. 2006 SABBAG. Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo. Saraiva. 2009 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e Tributário. 17 ed. São Paulo. Atlas. 2008 BULOS, Ualdi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva. 2007 LENZA, Pedro. Direito constitucional Esquematizado. 12 ed. São Paulo: Saraiva. 2008 FREITAS, Vladimir Passo de. Código Tributário Nacional Comentado. 4 ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2008. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Saraiva.2009 Referências gerais Site: WWW.google. Com.br – consulta na data de 25, 26, 30 de novembro de 2009 Mestre em Direito: Direitos Sociais e Cidadania pela UNISAL (Universidade Salesiano – Lorena – SP); Pós-Graduado em Direito Processual pela PUC-MG; Graduado em Direito pela CUMSB (Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos/RJ). Graduado em Administração de Empresas pela FIS (Faculdades Integradas Simonsen/RJ); Advogado (licenciado); Professor Universitário em curso de graduação e Pós-graduação; Servidor público do Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJMG
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O processo administrativo tributário: fases e dinâmica
O presente trabalho intenta abordar sobre o processo administrativo tributário, conceituando-o, nem como apresentar as suas fases e dinâmica.
Direito Tributário
1.Processo administrativo tributário O processo administrativo tributário, também denominado de ação fiscal, ou processo administrativo fiscal, caracteriza-se pelo conjunto de atos interligados, vinculados, nos quais o agente administrativo fica obrigado a agir de acordo com o que determina a legislação que trata da matéria. Segundo ensinamento de Ricardo J. Ferreira, o “Processo administrativo-tributário é o conjunto de atos necessários à solução, na instância administrativa, de questões relativas à aplicação ou interpretação da legislação tributária.” Para o referido autor, o processo administrativo tributário versa sobre a aplicação ou a interpretação da legislação tributária. Logo, o processo administrativo tributário destina-se “a regular a prática dos atos da administração e do contribuinte no que se pode chamar de acertamento da relação tributária”, nas palavras de Raphael Peixoto de Paula Marques. Por isso a ação fiscal é diferente do processo judicial. No primeiro, busca-se o pronunciamento de uma autoridade, que deve decidir ou homologar determinado ato, e no segundo, busca-se a sentença. O processo administrativo fiscal tem seu fundamento no art. 5º, LV da Constituição Federal, no Código Tributário Nacional e na legislação específica de cada ente. Assim sendo, e usando a explicação de Maria do Socorro Carvalho Brito,  “Sempre que houver uma obrigação tributária, seja ela principal ou acessória, que espontaneamente não tenha sido satisfeita pelo contribuinte, ou por aquelas pessoas a quem a lei transfere ou incumbe essas obrigações, pode ser exigido pelo Fisco o pagamento do tributo ou a penalidade pecuniária decorrente, mediante o seu lançamento, o que poderá dar ensejo a um conflito e nascimento do processo administrativo.” O processo administrativo fiscal engloba duas etapas, ou fases, a saber: a etapa não contenciosa e a etapa contenciosa. 2. A PRIMEIRA FASE A primeira fase da ação fiscal, de caráter não contencioso e unilateral, é caracterizada pela necessidade do lançamento tributário para existir. Por isso, é um processo necessariamente escrito. A primeira etapa inicia-se com o lançamento tributário, que divide-se em três grupos: a) Lançamento direto ou de ofício: ocorre quando o Fisco age por iniciativa própria, pelo fato de dispor de todas as informações necessárias, procedendo, portanto de forma direta. b) Lançamento por declaração ou misto: ocorre quando o Fisco recebe informações do contribuinte, o qual tem obrigação legal de prestar estas informações, para que se opere o lançamento. c) Lançamento por homologação ou autolançamento: ocorre quando o próprio contribuinte opera o lançamento e antecipa o pagamento, sob o controle genérico de fiscalização e da condição da homologação pela Fazenda Pública. Segundo ensina Hugo de Brito Machado, “o que caracteriza essa modalidade de lançamento é a exigência legal de pagamento antecipado. Não o efetivo pagamento antecipado”. Assim, é nessa etapa que o sujeito ativo – por meio de suas autoridades competentes – dá conhecimento ao sujeito passivo do crédito tributário de que este é devedor. A fase não contenciosa, em geral, inicia-se com a lavratura do Termo de Início de Fiscalização. É por meio desse documento que os agentes administrativos dão início à verificação dos livros e demais documentos fiscais do contribuinte para averiguar se ele está agindo nos moldes determinados pela legislação pertinente. O principal efeito do início da ação fiscal é a exclusão da espontaneidade do sujeito passivo prevista no art. 138 do CTN. Em outras palavras, o sujeito passivo perde a possibilidade de pagar o valor devido ao sujeito ativo sem incorrer em sanções tributárias, quais sejam, juros de mora e multa. Se optasse pela denúncia espontânea, teria ele a exclusão de responsabilidade por infrações de caráter tributário. A denúncia espontânea confere ao contribuinte vários benefícios. Todavia, segundo a Súmula 360 do STJ, tais benefícios não se aplicam aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a tempo. A fase não contenciosa termina com o termo de encerramento de fiscalização que será acompanhado por um auto de infração, nos casos em que tiver sido cometida alguma infração. 3. A SEGUNDA FASE A segunda etapa da ação fiscal é a contenciosa. Conforme apontado anteriormente, a primeira fase inicia-se com o lançamento tributário, que pode ser de três tipos: a) direto ou de ofício; b) por declaração ou misto; e c) por homologação ou autolançamento. Os dois primeiros casos de lançamento asseguram ao contribuinte a faculdade de opor-se ao lançamento. É essa faculdade que permite surgir a fase contenciosa do processo de lançamento tributário. Logo, sempre que o contribuinte achar injusta a exigência de um crédito fiscal pode tentar as vias administrativas ou fiscais, dando início ao contencioso administrativo fiscal. Maria do Socorro, ao tratar do tema, invoca os ensinamentos de James Marins: “(…) a etapa contenciosa (processual) caracteriza-se pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses, isto é, transmuda-se a atividade administrativa de procedimento para processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato que, no seu entender, lhe cause gravame, como a aplicação de multa por suposto incumprimento de dever instrumental. A mera bilateralidade do procedimento não é suficiente para caracterizá-lo como processo. Pode haver participação do contribuinte na atividade formalizadora do tributo e isso se dá, por exemplo, quando este junta documentos contábeis que lhe foram solicitados ou quando comparece ao procedimento para esclarecer esta ou aquela conduta ou procedimento fiscal que tenha adotado na sua atividade privada. Até esse ponto não se fala em litigiosidade ou em conflito de interesse, até porque o Estado ainda não formalizou sua pretensão tributária. Há mero procedimento que apenas se encaminha para a formalização de determinada obrigação tributária (ato de lançamento). Após essa etapa, que se pode mostrar mais ou menos complexa, praticado o ato de lançamento e portanto, formalizada a pretensão fiscal do Estado, abre-se ao contribuinte a oportunidade de insurgência, momento em que, no prazo legalmente fixado, pode manifestar seu inconformismo com o ato exacional oferecendo sua impugnação, que é o ato formal do contribuinte em que este resiste administrativamente à pretensão tributária do fisco. A partir daí instaura-se verdadeiro processo informado por seus peculiares princípios (que são desdobramentos do due process of law) e delimita-se o instante, o momento em que se dá a alomorfia procedimento processo modificando a natureza jurídica do atuar administrativo.” Importante esclarecer que o processo administrativo tributário tem seu fundamento na Constituição Federal (art. 5º LV) e no Código Tributário Nacional (art. 145), que delimitam a constituição, cabendo aos entes da federação, obedecidos os ditames da Magna Carta, estipular as demais condições ou “ritos” procedimentais. Essa fase tem seu início com a impugnação da exigência formulada no auto de infração. Fabrícia Daniele Soeiro Rodrigues explica que o “auto de infração é o documento no qual o agente da autoridade administrativa narra a infração da legislação tributária atribuídas por ele ao sujeito passivo no período da ação fiscal.” Em relação ao prazo para o sujeito passivo impugnar, Ricardo Lobo Torres explica que “O contribuinte pode impugnar, no prazo de 30 dias, o auto de infração ou o lançamento notificado. Instaura-se assim o processo administrativo tributário, de rito contencioso, durante o qual se realizarão as perícias e provas necessárias à ampla defesa.” Para o sujeito passivo, não há necessidade de se esgotar a via administrativa para o acesso ao Poder Judiciário. Dessa forma, o contribuinte pode escolher entre a impugnação administrativa e a judicial. Quando é a via administrativa a escolhida, em geral, cabe a um julgador singular promover o julgamento monocrático da impugnação, sobre questões por esta suscitadas. O contribuinte pode vir a não concordar com a decisão, e então, apresentar recurso, e o órgão julgador deverá apreciar a decisão monocrática de primeira instância. Caso a decisão seja desfavorável ao contribuinte, quer seja proferida por autoridade singular, quer emanada de órgão colegiado, mesmo em grau de recurso, não produz caráter definitivo para este, e se quiser, pode procurar a via judicial. Todavia, para a Fazenda, o efeito é vinculante, com as seguintes conseqüências: a)Impossibilidade de revisão judicial dos atos por iniciativa da própria Administração; e b)O dever de execução de tais decisões. Na fase contenciosa, o ônus da prova no processo administrativo fiscal é sempre do sujeito ativo e não do contribuinte. Aliás, um requisito imprescindível no auto de infração é a descrição do fato, que no entender do autuante configura a infração. Justamente por isso é imprescindível a descrição clara e objetiva da infração contida no auto de infração, para não ensejar dúvidas acerca do lançamento pois, sendo obscura, deverá o processo ser julgado em favor do contribuinte. Sobre a segunda etapa do processo administrativo tributário, Ricardo Lobo Torres explica: “Com efeito, pelo lançamento, como já vimos, declara-se o nascimento da obrigação tributária e constitui-se o crédito respectivo, instrumentalizado no documento expedido pela autoridade administrativa. O contribuinte, notificado, pode impugnar o lançamento, em busca da verdade material e da integral obediência à lei tributária. Pelo processo administrativo assim instaurado, compete à Administração Judicante: 1) anular o lançamento, se verificar a sua ilegalidade; b) ou rejeitar a impugnação do contribuinte, se tiver sido regular a exigência fiscal, com o que se tornará definitivo o lançamento. Anulado o lançamento por erro formal ou verificado a insuficiência do quantum debeatur, não poderá a instância julgadora constituir o crédito, ato que só a Administração ativa poderá praticar pelo lançamento.”. Como apontado anteriormente, o contribuinte, caso tenha obtido uma decisão desfavorável do órgão julgador administrativo, pode procurar a via judicial. Fabrícia Daniele Soeiro Rodrigues explica que existem determinadas situações em que a decisão em esfera administrativa será tida como definitiva, quais sejam: a) De primeira instância, esgotado o prazo pra recurso voluntário, sem que este tenha sido interposto dentro do prazo de trinta dias seguintes à ciência, pelo sujeito passivo. b) De segunda instância de que não caiba recurso ou, se cabível, quando decorrido o prazo de trinta dias sem sua interposição. A não-interposição de recurso pode ser decorrência do não cabimento de tal expediente, ou da falta de interesse da parte que poderia ter recorrido. De qualquer maneira, cabível o recurso e decorrido o prazo que o mesmo deveria ter sido interposto sem que isto aconteça, é definitiva a decisão de segunda instância. c) De decisão da instância especial não cabe qualquer espécie de recurso produzindo, desde logo, sua eficácia. O processo administrativo tributário culmina com a inscrição da dívida apurada no livro da dívida ativa. Sobre a inscrição da dívida em livro da dívida ativa, Fabrícia Daniele Soeiro Rodrigues explica que “nas três esferas [federal, estadual ou municipal], o processo administrativo fiscal culmina com a inscrição da dívida (quando a decisão, lógico, for desfavorável ao Contribuinte) apurada no Livro da Dívida Ativa. A dívida regularmente inscrita goza de presunção relativa de certeza e liquidez. Presunção relativa é a que pode ser tacada ou eliminada pela prova em contrário. A Certidão de Dívida Ativa constitui título executivo, habilitando a Fazenda a ingressar em juízo, com ação de execução fiscal, para expropriar bens do devedor, tantos quantos bastem à satisfação do crédito tributário.” 4. dINÂMICA DO PROCESSO a) Alguns apontamentos O processo administrativo tributário tem seu fundamento na Magna Carta e na legislação tributária, em especial, o Código Tributário Nacional. A legalidade é um princípio inerente à ação fiscal, haja vista que o princípio da legalidade é um dos pilares estruturais de um Estado de Direito. Por força dele, a Administração deve se submeter à vontade da lei, de forma que sua atuação está vinculada a ela. Além do princípio da legalidade, outros são os princípios que norteiam o processo administrativo tributário. Sobre o processo administrativo, Carlos Eduardo Faraco Braga entende que ele “(…) deve ser considerado como instrumento de garantias à efetivação de direitos fundamentais num Estado Democrático de Direito e, também, como instrumento de garantias do cidadão, relacionadas à Administração Pública, para solucionar os conflitos de interesses entre ambos. Essa nova concepção do Direito Administrativo é fruto de um processo de evolução da própria concepção de Estado, que no Brasil consagrou-se de forma cristalina com a Constituição de 1988. Dentro desse processo, os princípios fundamentadores e informadores do Direito Administrativo migraram sua atenção (e existência) das prerrogativas que a Administração possuía, tais como, supremacia do interesse público, importância do ato administrativo como manifestação unilateral de vontade e poder discricionário, para as garantias do cidadão em relação à Administração, tais como, processo administrativo e controle da Administração, ou seja, um Direito Administrativo que impõe limitações ao poder.” Com base em tais argumentos, o autor salienta a existência de novos princípios de Direito Administrativo com base na atual matriz constitucional. Assim sendo, em relação ao processo administrativo, a Constituição Federal consagra como princípios fundamentais, nos moldes do artigo 5º, incisos LIV, LV e LXXVIII: a)O devido processo legal; b)A ampla defesa; c)O contraditório; e d)A duração razoável. Ainda, a Constituição contempla os princípios da Administração Pública em geral, contidos no artigo 37, “caput”, são eles: e)Princípio da legalidade f)Princípio da impessoalidade, g)Princípio da moralidade, h)Princípio da publicidade, e i)Princípio da eficiência. E na seara de princípios processuais específicos do direito administrativo, existem: j)Princípio da Oficialidade k)Princípio da Verdade Material l)Princípio do Formalismo Moderado m)Princípio da Pluralidade de Instâncias (duplo grau decisório) No caso da ação fiscal, o princípio bem interessante a ser tratado é o da verdade material, haja vista que ele é peculiar e traz vantagem para o sujeito passivo. Segundo definição de Odete Medauar, citada por Carlos Eduardo Faraco Braga, “O princípio da verdade material ou real, vinculado ao princípio da oficialidade, exprime que a Administração deve tomar as decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos considerados pelos sujeitos. Assim, no tocante a provas, desde que obtidas por meios lícitos (como impõe o inciso LVI do art. 5º da CF), a Administração detém liberdade plena de produzi-las.” Interessante é a definição dada por Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari: “Em oposição ao princípio da verdade formal, inerente aos processos judiciais, no processo administrativo se impõe o princípio da verdade material. O significado deste princípio pode ser compreendido por comparação: no processo judicial normalmente se tem entendido que aquilo que não consta nos autos não pode ser considerado pelo juiz, cuja decisão fica adstrita às provas produzidas nos autos; no processo administrativo o julgador deve sempre buscar a verdade, ainda que, para isso, tenha que se valer de outros elementos além daqueles trazidos aos autos pelos interessados.” Assim sendo, o excesso de formalidade pode prejudicar o contribuinte, e por isso, o princípio da verdade material deve ser usado para nortear o julgador em decisões oriundas da Administração Pública. É essa a vantagem que o contribuinte tem, na ação fiscal, que não encontra no processo judicial. No primeiro, qualquer elemento que possa servir de prova, mesmo sem pertencer ao processo em si, pode ser usado com intuito de buscar a verdade e, consequentemente, ensejar em uma decisão justa; no segundo, apenas o que consta nos autos deve ser levado em consideração pelo julgador. Logo, no processo administrativo predomina o princípio da verdade material, pois a finalidade é descobrir se realmente ocorreu ou não o fato gerador, pois o que está em jogo é a legalidade da tributação. b) Dinâmica Na seara federal, o processo administrativo tributário é regido pelo Decreto nº 70.235/1972. Nesta esfera o contribuinte tem o prazo de 30 dias, do recebimento do auto de infração, para fazer a impugnação encaminhá-la as Delegacias da Receita Federal, em que se fará o julgamento de primeira instância. A decisão desse órgão pode extinguir totalmente, manter parcialmente ou totalmente os tributos reclamados no auto de infração. Caso a decisão seja desfavorável ao sujeito passivo, este possui 30 dias da ciência da decisão para recorrer à segunda instância para pleitear a modificação da decisão. Na fase recursal, existem os Conselhos de Contribuintes, órgãos colegiados de composição paritária que decidem controvérsias sobre tributos federais. Assim sendo, tanto o recurso voluntário (oferecido pelo sujeito passivo) como o recurso de ofício (oferecido pela Fazenda Pública), são julgados em segunda instância por estes conselhos. As decisões dos Conselhos de Contribuintes não tem caráter definitivo, haja vista que cabe sempre revisão judicial do que decidirem. A Fazenda Pública não tem faculdade de ingressar em juízo para pleitear a revisão das decisões dos Conselhos que são finais quando lhes sejam desfavoráveis. Fabrícia Daniele Soeiro Rodrigues explica que existem três conselhos, possuindo competência em função de espécie tributária: “O primeiro tem por finalidade o julgamento administrativo, em segunda instância dos recursos e decisões de primeira instância sobre a aplicação da legislação referente ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, adicionais e empréstimos compulsórios a ele vinculados, PIS, Finsocial e Cofins. O segundo conselho tem por finalidade o julgamento administrativo, em segunda instância, dos recursos voluntários sobre a aplicação de legislação referente ao IPI, Imposto sobre operações de crédito, Câmbio e Seguro e sobre operações relativas a Títulos e Valores Imobiliários, Imposto sobre Propriedade Territorial Rural e tributos estaduais e municipais que competem à União nos territórios, aos demais tributos e contribuições federais e empréstimos compulsórios a eles vinculados, bem como à matéria correlata vinculada à administração tributária não incluída na competência julgadora dos demais Conselhos ou de outros órgãos da administração federal. O terceiro Conselho de Contribuintes tem por finalidade o julgamento administrativo, em segunda instância, dos recursos voluntários de decisões de primeira instância sobre Impostos sobre importação e exportação, impostos sobre produtos industrializados no caso de importação e contribuições, taxas e infrações cambiais relacionadas com importação e exportação. Quando a decisão for desfavorável ao sujeito passivo, cabe a este o pagamento e caso este não se manifeste, será declarada a revelia e permanecerá o processo no órgão preparador. Existe ainda o recurso especial a disposição do Contribuinte quando a decisão não-unânime do Conselho de Contribuintes for contrária a lei ou à evidência da prova dos autos ou sobre a decisão que der à lei tributária interpretação diferente da que lhe tenha dado outro Conselho de Contribuintes ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais. Se ainda assim, a decisão for desfavorável ao Contribuinte, este pode recorrer a “justiça comum”, onde se iniciará todo o processo novamente.” 5. CONCLUSÃO O processo administrativo tributário possui duas fases. A primeira fase é a não contenciosa, caracterizando-se por ser unilateral, por parte do Fisco. Nessa fase é essencial o lançamento de ofício de qualquer tributo por parte da autoridade competente. Tal ato há de ser escrito, e dele ter conhecimento o sujeito passivo da obrigação tributária correspondente. O início dessa etapa é marcada pela lavratura de um termo chamado de “termo de início de fiscalização”, com a faculdade de iniciar-se por outros atos, tais como a apreensão de mercadorias. E termina com a expedição do termo de encerramento de fiscalização, acompanhado do auto de infração, nos casos em que tiver sido cometida uma infração. O principal efeito do início da ação fiscal é a exclusão da espontaneidade do sujeito passivo, nos moldes do artigo 138 do CTN. A segunda etapa do processo administrativo tributário tem seu início com a impugnação da exigência formulada no auto de infração, que deve conter a descrição do fato, que no entender do autuante, configura a infração. O término do  processo administrativo tributário culmina com a inscrição da dívida apurada no livro da dívida ativa. É importante salientar que, ao longo do estudo, ficou visível que o processo administrativo tributário é um instrumento de grande valor no que se refere a solução de conflitos, pois é mais célere e menos dispendiosa, tanto para o contribuinte como para o próprio Fisco. O contribuinte tem como vantagem a aplicação do princípio da verdade material, no qual qualquer elemento de prova deve ser levado em conta pelo órgão decisório. Trata-se de uma peculiaridade que não existe na “justiça comum”, pois apenas as provas apresentadas nos autos em momentos oportunos, nos moldes legais, é que podem ser objeto de apreciação pelo julgador da demanda. Ainda, caso não se satisfaça com a decisão na seara do processo administrativo tributário, pode o contribuinte procurar a Justiça para pleitear a revisão do que achar que lhe é de direito, haja vista que no processo administrativo, a decisão, em relação ao sujeito passivo, não tem caráter definitivo.
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O estado fiscal na era da cidadania fiscal
A problemática existente é a de acomodar o Estado Fiscal, talvez ainda não muito acostumado a ser Democrático, aos comandos de nossa moderna Constituição, que apregoa verdadeiro estatuto da cidadania, mas que nem sempre é cumprido pela Administração Pública no dia-a-dia de suas atividades. Assim é que perquirir sobre a natureza da cidadania fiscal torna-se importante para a partir daí impor limites ao Estado Fiscal, bem como cobrar ações positivas quando necessárias, e ainda, apontar caminhos para o desempenho da cidadania fiscal, que para ser exercida deve ser auto-reconhecida pelos contribuintes.
Direito Tributário
Introdução: Com a passagem do Estado Patrimonialista para o Estado Fiscal Liberal, e mais modernamente com o remodelamento para o Estado Fiscal Democrático, não se pode mais conceber determinados comportamentos advindos dos entes estatais e manifestados nas relações com os contribuintes. No Estado Fiscal moderno, convivente com direitos e garantias mais do que cristalizados na sociedade, tais como a liberdade e a igualdade, a atividade estatal no que tange à instituição de tributos, arrecadação e administração das contas públicas devem dar conta de assegurar a observância da nova faceta da cidadania que se desdobra, qual seja a cidadania fiscal. Nesse sentido é de grande valia a passagem de Ricardo Lobo Torres a seguir transcrita: “A cidadania em sua expressão moderna tem, entre os seus desdobramentos, o de ser cidadania fiscal. O deve/direito de pagar impostos se coloca no vértice da multiplicidade de enfoques que a idéia de cidadania exibe. Cidadão e contribuinte são conceitos coexistentes desde o inicio do liberalismo.” (1999, p. 460) E o autor então arremata: “Registre-se que cuidaremos aqui da cidadania fiscal em seu sentido amplo, que abrange, além da problemática do estatuto do contribuinte, os aspectos mais largos da cidadania financeira, que, compreendendo a vertente da despesa pública, envolve as prestações positivas de proteção aos direitos fundamentais e aos direitos sociais e as escolhas orçamentárias, questões que apresentam o maior déficit de reflexão teórica no campo da cidadania.” (Ibid Idem) Diante dessas afirmações, a problemática existente é a de acomodar o Estado Fiscal, talvez ainda não muito acostumado a ser Democrático, aos comandos de nossa moderna Constituição, que apregoa verdadeiro estatuto da cidadania, mas que nem sempre é cumprido pela Administração Pública no dia-a-dia de suas atividades. Assim é que perquirir sobre a natureza da cidadania fiscal torna-se importante para a partir daí impor limites ao Estado Fiscal, bem como cobrar ações positivas quando necessárias, e ainda, apontar caminhos para o desempenho da cidadania fiscal, que para ser exercida deve ser auto-reconhecida pelos contribuintes. 1. O Estado Fiscal 1.1. Conceito de Estado Fiscal: Com a extinção histórica do ancien régime e o desfazimento do patrimônio do príncipe, como decorrência natural do nascimento do estado de direito, há o nascimento da Fazenda Pública, em substituição à Fazenda Real. Como conseqüência o Estado precisa buscar outras fontes de receitas que não mais o patrimônio do príncipe. A solução encontrada é a retirada de parcela do patrimônio dos cidadãos para custear a atividade estatal, na figura dos impostos, filosoficamente justificados como o preço da liberdade, seguindo a linha dos filósofos do pacto social e muito bem ilustrado por Ricardo Lobo Torres, em textual: “Com o advento do Estado Fiscal de Direito, que centraliza a fiscalidade, tornam-se, e até hoje se mantêm, absolutamente essenciais as relações entre liberdade e tributos: o tributo nasce no espaço aberto pela autolimitação da liberdade e constitui o preço da liberdade, mas por ela se limita e pode chegar a oprimi-la, se o não contiver a legalidade.” (2005, p. 3) Pode-se afirmar então que o estado fiscal é uma faceta do Estado Democrático de Direito e depende da existência de um estado liberal e democrático para se estabelecer. Com o florescimento das atividades mercantis, propiciado pela liberdade que a burguesia passou a desfrutar com a extinção da centralização do poder e dos interesses pessoais da Corte, o Estado Fiscal é marcado por uma verdadeira revolução no sistema financeiro e tributário. Com a redução das despesas do Estado, marcada pela extinção de benefícios e isenções indiscriminadas concedidas pelo príncipe e pela redução da intervenção estatal na sociedade e o surgimento do capitalismo, houve uma melhora significativa na maquina fiscal. 1.2. Configurações históricas: Historicamente o Estado Fiscal conheceu basicamente três modalidades distinguíveis: o Estado Fiscal Minimalista; Estado Fiscal Social; e o Estado Fiscal Democrático e Social. a) O Estado Minimalista ou Liberal coincide com o surgimento do próprio Estado Fiscal. É a faceta econômica do Estado Liberal Clássico. Nessa sua formatação o Estado Fiscal não exige uma estrutura muito complexa de arrecadação, pois por sua própria natureza não é o Estado Liberal responsável por prover as necessidades dos cidadãos, limitando-se basicamente a exercer o poder de policia para garantir a liberdade individual. Reflexo perceptível se dá na seguridade social, em que na fase do Estado Liberal socorre-se apenas os miseráveis, deixando-se as demais classes por conta do núcleo familiar e da iniciativa privada. b) O Estado Fiscal Social nasce no berço do Estado do Welfare-State, cuja existência substitui o Estado Liberal, justificada com a quase falência do sistema liberal por força da Primeira Guerra Mundial, com a percepção de necessária intervenção estatal para proteger os cidadãos e prover suas necessidades de seguro social, de saúde e educação, bem como de regulação do mercado. A atividade estatal continua a ser financiada pelos impostos, porém sua existência é impregnada por sua finalidade social (garantidora de serviços públicos) ou extrafiscal (regulação da economia). c) O Estado Fiscal Democrático e Social nasce do Estado Fiscal Social e em decorrência da falência do Estado do Bem-Estar Social, cuja dimensão e despesas acabou por se tornar insustentável. Como marco histórico de seu surgimento pode-se entender o ano de 1989, com a queda do muro de Berlim, que simboliza o inasfatável fenômeno da Globalização. O Estado Fiscal Democrático e Social é marcado pelo ingresso derivado dos impostos, porém com o enxugamento do patrimônio do Estado marcado pelas privatizações, direcionando as atenções do Estado à garantia das garantias sociais e da educação e, na seara econômica, limitando-se a regulação. c.1) Inicialmente conviveu com o Estado Fiscal Democrático o Estado Socialista, cuja característica é uma estrutura neopatrimonialista, com grande valorização da propriedade estatal. Pretendia ser uma evolução do sistema liberal, porém seu declínio econômico, decorrente do fechamento de suas economias e custo do aparelho burocrático estatal, dá novamente lugar também nos países que a adotaram, reaproxima-se do Estado Fiscal. 1.3. Estado Fiscal e Estado Patrimonial: O Estado Patrimonial define-se pelo agigantamento do patrimônio do Estado, centrado na figura do monarca, e tem nele sua fonte precípua de receita. Também se pode encontrar reflexos do pensamento do modelo de Estado Patrimonial quando há larga estatização da economia interna, com as empresas publicas. Já o Estado Fiscal caracteriza-se pelo desmantelamento da organização absolutista, originado normalmente pelo descontentamento das classes burguesas ou populares com o excesso de controle e limitações de suas liberdades, bem como com os favores concedidos pelo Poder Central a determinados estamentos por mera liberalidade. Tem-se assim que o Estado Fiscal possui a necessidade de buscar como fonte de receitas para manutenção de suas atividades os impostos, posto que houve a separação do patrimônio do Estado e do Príncipe. Historicamente surge com o Estado Fiscal, vez que nascido com o Estado Liberal, uma série de limitações ao Poder Estatal, bem como declarações de determinadas garantias e direitos dos cidadãos. Surge aí então as limitações ao poder de tributar, que no seu antecessor Estado Patrimonial era ilimitado ou limitado apenas e tão-somente pelos interesses políticos ou valores religiosos e costumeiros da sua época. O estado fiscal social é uma faceta do estado de bem-estar social. Surge basicamente em razão das guerras mundiais que naturalmente atraiu uma maior atuação do Estado para proteção dos cidadãos que se encontravam em completa pobreza e a economia desestruturada. O estado do bem estar social, por outro lado, encontra sua crise máxima em 1989, com a queda do Muro de Berlim como marco da globalização econômica que não permite um Estado com estrutura inchada e altamente interventor. É preciso retomar um modelo mais liberal para permitir a economia acompanhar o mercado global altamente volátil. 2. A Cidadania Fiscal 2.1. O Conceito Jurídico de Cidadania Fiscal: O Conceito de cidadania remonta à Antiguidade, onde este conceito se traduzia no reconhecimento de direitos que os indivíduos com status de cidadão (naquele tempo assim entendido como o pertencente ao complexo político-social de determinada Cidade) gozavam perante o Estado. Estes cidadãos também se reconheciam como devedores de determinadas obrigações decorrentes de sua condição, especialmente obrigações militares e políticas. No Estado patrimonial a idéia de cidadania liga-se mais a privilégios estamentais, reconhecidos principalmente ao Clero e à Nobreza. Com o fim dos regimes absolutistas, notadamente após a Revolução Francesa, a cidadania ganha maior abrangência e reconhecimento. Passa-se então a se reconhecer e aplicar noções, não só de liberdade, mas principalmente de igualdade e justiça, como corolário do pensamento revolucionário da época traduzido e eternizado pela tríade “liberdade, igualdade e fraternidade”. Aqui, aliás, merece destaque o art. 13 da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão: “Art. 13. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.” Com o fim do Estado Patrimonial surge o Estado Fiscal e, por conseqüência, une-se ao conceito de cidadania lato senso, de forma indissociável, uma nova faceta da cidadania, qual seja a de cidadania fiscal. Antes de analisar as múltiplas cidadanias o prof. Ricardo Lobo Torres entende em seu “Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário” que se deve justificar o conceito de cidadania atualmente utilizado. Tem-se então duas teorias clássicas para justificar a noção de cidadania: a calcada no status, própria do patrimonialismo para justificar direitos a determinados estamentos; e uma outra fundada na noção de contrato, que teria sido empregada pelos iluministas na derrocada do antigo regime para justificar o Estado, o qual adviria de um contrato social. No entanto, a teoria calcada no contrato modernamente recebe objeções, notadamente quanto ao fato de que a relação entre os cidadãos e o Estado não é equilibrada, o que contraria a idéia de igualdade das partes própria dos contratos. Além disso, há o fato de que a idéia de cidadania não cria direitos e deveres apenas contra o Estado, mas também contra os demais cidadãos, o que não encontra eco na idéia de vinculação entre as partes que os contratos exibem. Ainda que possa não ser a melhor denominação, pois dá a idéia de aplicação do estatuto da cidadania de forma vertical, o que não se compagina com o Estado Democrático de Direito, a teoria do status, que pode ser denominada também por standing, sem duvidas é a que melhor explica as relações entre os cidadãos-contribuintes e o Estado Democrático Social de Direito. Para Jellinek, que construiu a teoria do status para identificar as diversas relações do cidadão com o Estado e os direitos e garantias aplicáveis a cada uma delas, existiriam quatro status: I) Status subiectionis: nessa situação é excluída qualquer possibilidade de autodeterminação do individuo, havendo limitação e relativização da personalidade. II) Status libertatis: aqui o individuo é senhor absoluto de suas ações, livre do poder de imperium do Estado; III) Status civitatis: onde o individuo tem a seu lado uma gama de deveres prestacionais do Estado para si; IV) Status activae civitatis: nessa faceta é autorizado ao individuo exercitar seus direitos políticos. (Apud TORRES, 1999, p. 461) Em conclusão, para Jellinek os status exibem os aspectos passivo, negativo, positivo e ativo das relações entre os indivíduos e o Estado (Ibid Idem). 2.2. As Diversas Dimensões da Cidadania Fiscal: Dentro dessa ótica é que a teoria do status justifica e explica o que denominamos cidadania fiscal, a qual é exercitada em diversas dimensões, a saber: A. Dimensão Temporal A dimensão temporal da cidadania fiscal é dada pelo reconhecimento histórico de determinados direitos e garantias. Aqui estão contemplados os direitos e garantias fundamentais, os direitos políticos, sociais, econômicos e difusos. B. Dimensão Espacial Na dimensão espacial tem-se o exercício da cidadania fiscal em diversas esferas, seja na local (no âmbito do município ou do estado-membro), seja na esfera nacional (na relação com o Estado Federal), internacional e já inclusive, no cyber espaço. Em todos esses espaços a garantia dos direitos inerentes ao status de cidadania se faz presente. C. Dimensão Bilateral A dimensão bilateral da cidadania fiscal guarda relação com o reconhecimento de deveres inerentes ao status de cidadão. Assim é que, ainda que assimétrica, posto que as garantias fundamentais não dependem do pagamento dos tributos para serem exercidas, a cidadania fiscal impõe deveres e direitos ao cidadão, bem assim como impõe deveres e direitos ao Estado. D. Dimensão Processual A cidadania fiscal em sua dimensão processual é a renovação e afirmação dos direitos e garantias por meio dos processos legislativo, administrativo e judicial. Atua no controle do orçamento como da justiça da tributação. Apontadas as diversas dimensões da cidadania fiscal, pode-se visualizar com maior eficiência os pontos de contato entre as garantias fundamentais dos cidadãos e a política tributária, desde sua elaboração e principalmente em sua execução pelos órgãos de controle e fiscalização, que deverão pautar-se pela realização dos preceitos que integram a cidadania fiscal, bem assim como explicita a necessidade de postura ativa do contribuinte, inclusive com o fiel cumprimento de suas obrigações fiscais – todos esses são elementos indissociáveis na atual Era da cidadania fiscal. 3. O Estatuto do Contribuinte Na esteira da teoria do status, ou se se preferir, do standing, é preciso levar em conta a situação brasileira, na qual princípios e garantias modernas foram positivadas na Constituição Federal de 88, promovendo aqui a dimensão temporal da cidadania fiscal, convivem com um sistema tributário de 1966, marcado por uma visão altamente antidemocrática e patrimonialista que, ainda por cima, afeta profundamente a estrutura dos Órgãos Fazendários e seu modus operandi até os dias atuais. Aqui abro parêntese para transcrever a prova de que ainda hoje sentimos os efeitos históricos como contado por Ruy Barbosa Nogueira, ao transcrever instrução normativa expedida pela Fazenda Estadual de São Paulo sobre os procedimentos a serem observados pelos Fiscais de Rendas: “Da Estratégia: Para se alcançar os objetivos visados, dentro da metodologia adotada, não basta a maleabilidade dos critérios utilizados. É preciso também o emprego de uma estratégia que, apropriada ao tipo e à natureza da Operação, seja capaz de sempre causar surpresa e estabelecer confusão ao espírito do contribuinte fiscalizado, de forma a que ele permanece em perene estado de expectativa, não só quanto ao momento e à maneira como deverá se dar a ação fiscal, como ainda com relação aos resultados desta e às conseqüências que dela poderão lhe advir.” (Apud REZENDE, 1999, p. 183) Todavia, esses dilemas não são privilégios brasileiros. Veja a exemplo a passagem do autor francês Robert Matthieu ao se referir sobre seu sistema tributário: “Fichado, extorquido, humilhado…caído na armadilha de textos obscuros – quando não são completamente incompreensíveis – e numa multidão de impostos e taxas visíveis e invisíveis … apanhado nas malhas de fios urdidos com arbitrariedades, injustiças e perniciosos atentados às liberdades … o contribuinte, vítima apesar de sua resistência das caçadas do Conde Zaroff, corre a perder o fôlego. Corrida desenfreada para respeitar os prazos, juntar fundos, acessar os textos e perambular de tribunal a tribunal. Às vezes mesmo, sofrendo o último ultraje, que é o da violação das liberdades. Vítima escolhida de um implacável postulado: todo o contribuinte é, salvo prova em contrário, um fraudador. O pretexto da fraude fiscal justifica todas as perversões.” (Apud NOGUEIRA, p. 61) Portanto, agora adentrando à Dimensão Bilateral da cidadania fiscal, tem-se por impositiva a criação de um Estatuto do Contribuinte, em contraposição ao CTN, verdadeiro Estatuto da Fazenda, no qual os cidadãos-contribuintes só têm deveres. E mais, para se evitar as injustiças e violações às liberdades, exercitando-se a Dimensão Processual, notadamente na esfera administrativa de controle, é que se defende a importância da criação do Advogado do Contribuinte, que por sua proximidade com as relações concretas poderá evitar, corrigir e prevenir as rotineiras violações aos direitos fundamentais garantidos pela moderna cidadania fiscal. E por fim, e talvez mais importante, é a ação positiva e transformadora do contribuinte bem informado, o qual deveria passar a atuar ativamente na fiscalização das contas públicas e na implementação das políticas fiscais. A esse propósito é de se trazer à lume as palavras de Luiz Roberto Nascimento Silva, que com originalidade expõe a ferida: “Talvez fosse o momento de recorrer não a um jurista, mas a um poeta para sintetizar a questão. Com a palavra um poeta de tempos sóbrios: “Na primeira noite / eles se aproximaram / e colhem uma flor de nosso jardim, / E não dizemos nada. / Na segunda noite, / já não se escondem: / pisam as flores, / matam nosso cão, / e não dizemos nada. / Até que um dia / o mais frágil deles / entra sozinho em nossa casa, / rouba-nos a lua e, / conhecendo o nosso medo, / arranca-nos a voz da garganta. / E porque não dissemos nada, / já não podemos dizer nada.”” (1999, p. 416). Nada obstante o dever do Estado em observar e respeitar os direitos e as garantias fundamentais do cidadão, para o qual serve afinal, em tempos de transição, que ainda vivemos, é imprescindível a voz do cidadão, a utilização dos meios democráticos postos à disposição, valendo aí desde o pode judiciário, os meios de comunicação, o direito de petição. Mas nem só, há também o direito de associação, por meio do qual grupos de cidadãos exercendo sua cidadania local e de forma mais fortalecida, começarão a transformação tão desejada. 4. Conclusão: Nada obstante a positivação de garantias e declarações de direitos dos cidadãos-contribuintes em nosso ordenamento, inclusive em nível constitucional, na prática diária da vida, muitas lesões aos direitos individuais não são possíveis de se evitar. Ainda que se busque a proteção, a posteriori, no judiciário, situações há em que já se terá experimentado a violação ao direito individual. Tal complacência, todavia, não deve ser tolerada. Não se pode esquecer que o Brasil foi uma colônia em sua formação e, assim, possui valores atemporais arraigados tanto na estrutura fazendária como nos próprios cidadãos-contribuintes. Disso decorre, p. ex., talvez como uma das origens do sentimento de repulsa a pagar impostos e a sonegação generalizada entre os contribuintes brasileiros, o fato de que originalmente a Fazenda era a Fazenda portuguesa e os contribuintes brasileiros eram forçados a pagar tributos que obviamente entendiam extorsivos e arbitrários. E mais, já aí os resultados da arrecadação não eram necessariamente revertidos em benefícios da nação, senão em proveito da metrópole ultramarina. As instituições fazendárias, por sua vez, também sofrem do mesmo mal, na medida em que ainda possuem fortes traços de idéias patrimonialistas, e ainda hoje negam aos contribuintes direitos fundamentais, como se o produto da arrecadação pertencesse ao Estado, como antes pertencia à Portugal. A negação de cidadania aos contribuintes é a prova de que ainda hoje sentimos os efeitos históricos. Em que pese ser longa, é altamente ilustrativa e esclarecedora as lições de Condorcet Rezende, razão pela qual se justifica a citação de algumas passagens, que ilustram os principais pontos sensíveis ainda hoje entre o Estado e o cidadão-contribuinte. Veja-se: “Nesse núcleo ou complexo de direitos fundamentais a que denominamos de liberdade, acha-se ínsito um direito fundamentalíssimo para todos nós, que é altamente perecível e absolutamente irrecuperável: o nosso tempo. (…) São de todos conhecidas as notificações para que o contribuinte compareça à repartição fiscal a fim de tomar conhecimento do teor de um despacho, de um parecer ou de uma decisão. Ora, para que tirar o contribuinte de seus afazeres para comparecer a uma repartição fiscal, onde irá certamente perder horas em filas, quando, no lugar de uma simples notificação, já lhe poderia ter enviado o teor do tal despacho, parecer ou decisão? (…) Impedir que o contribuinte produza, obrigando-o a interromper suas atividades para perder tempo na repartição fiscal é contribuir para a queda da arrecadação, o que constitui desserviço à causa do próprio fisco. Mas o tempo do contribuinte não é apenas violado com seu chamamento à repartição fiscal. Também o aumento progressivo dos encargos burocráticos a ele cometidos tem sido uma constante, não apenas em nosso país, mas mundo afora. (…) Mas o tempo do contribuinte também é afetado pelo volume e pela velocidade de alteração da legislação tributária. (…) Outro aspecto da atividade fiscal que merece atenção no contexto dos direitos fundamentais do contribuinte é do exercício da fiscalização. Toma-se tempo do contribuinte com solicitações de documentos, livros e esclarecimentos e depois, nada acontece. (…) Entendo inaceitável essa postura. Sustento que o exame de livros pela fiscalização deve, necessariamente, levar a um de dois resultados: ou o contribuinte está em débito e o agente lavra o competente auto de infração, ou o contribuinte pagou corretamente o imposto e o pagamento deve ser expressamente homologado.” (REZENDE, 1999, p. 173-177) E por aí vai entre outras violações aos direitos fundamentais do cidadão-contribuinte. Esta é uma prova de que a Fazenda Pública é ainda hoje um ser autônomo e totalmente dissociado das finalidades e princípios que regem a comunidade e o regime democrático adotado no Brasil, para os quais deveria servir o Estado. Ou seja, em contrasenso ao momento histórico da humanidade em termos de evolução dos direitos humanos, tem-se ainda hoje instalada verdadeira guerra fiscal, na qual Fisco e Contribuinte são inimigos, e como em toda guerra, não há vencedores. Ficam prejudicados, tanto o contribuinte com os altos custos operacionais, como o Fisco com os problemas na arrecadação decorrentes da sonegação. Enfim, perde o país com o entrave no desenvolvimento econômico e social daí decorrente.
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Caução antecipatória para obter certidão de regularidade fiscal e exclusão do CADIN
O presente estudo apresenta uma breve análise sobre a possibilidade de oferecimento de caução visando antecipar os efeitos da constrição judicial a ser realizada no executivo fiscal e autorizar a determinação, em sede de provimento liminar, para a expedição de certidão de regularidade fiscal prevista no art. 206, do CTN, e evitar inclusão no CADIN de acordo com o art. 7.º, I, da Lei n.º 10.522/02.
Direito Tributário
Introdução O artigo 206, do Código Tributário Nacional – CTN permite a expedição de Certidão de Regularidade Fiscal na hipótese em que o crédito tributário não esteja vencido, em curso de cobrança executiva garantida pela penhora efetivada ou, cuja exigibilidade esteja suspensa, na seguinte redação, verbis: “Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.” E a teor do disposto no artigo 7.º, inciso I, da Lei n.º 10.522/02, o ajuizamento de ação com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou seu valor, com oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, como no procedimento cautelar de caução, assegura a suspensão do registro junto ao CADIN, verbis: “Art. 7.º. Será suspenso o registro no Cadin quando o devedor comprove que: I – tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei;” Nessa linha de entendimento temos que um crédito tributário exigível, oriundo de divergências de GFIP’s, de diferenças relativas a parcelamentos, ou simplesmente declarados em DCTF como devidos e não pagos no vencimento, sendo objeto de “pré-inscrição” e/ou apenas “em aberto” que estejam a impedir a expedição da Certidão de Regularidade Fiscal podem ser objeto de garantia ou penhora. Os permissivos legais dos artigos 827 e 828, ambos do Código de Processo Civil, arrolam a possibilidade da prestação de caução mediante papéis de crédito, títulos da União ou dos Estados, a ser prestada pelo interessado ou por terceiro. Sendo a Ação Cautelar de Caução processo com nítido caráter satisfativo, nada impede a promoção de medida cautelar incidental a um processo principal que esteja discutido eventual lançamento, ante a previsão do artigo 796 e seguintes do CPC. Entretanto, embora não se possa suspender a exigibilidade do crédito tributário através da prestação ou extensão dos efeitos da caução oferecida, por não ser hipótese prevista no artigo 151, do CTN, pode-se, através de uma medida cautelar, se antecipar os efeitos da penhora a ser prestada no juízo de uma futura execução fiscal, a fim de permitir a expedição da Certidão Positiva, com Efeitos de Negativa CPD-EN, prevista no artigo 206, do CTN. Esse entendimento é pacífico no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, não só para permitir a expedição de CPD-EN, mas também evitando a inscrição no CADIN da interessada a teor do disposto no artigo 7.º, inciso I, da Lei n.º 10.522/2002, conforme se verifica, exemplificativamente, nas ementas a ser colacionadas, verbis: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CAUÇÃO PARA GARANTIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA (ARTIGO 206, CTN). POSSIBILIDADE.1. Perfeitamente cabível o procedimento do devedor que, em face de crédito tributário contra si lançado, mas ainda não objeto de executivo fiscal em que se possa perfectibilizar a penhora, propõe, em antecipação de tutela nos autos da ação anulatória, caucionar aquele crédito e, à semelhança dos efeitos que gerariam a penhora, permitir a concessão da certidão positiva com efeitos de negativa estampada no artigo 206, CTN.2. A teor do disposto no artigo 7.º, inciso I, da Lei n.º 10.522/2002, o procedimento assegura, igualmente, a suspensão do registro junto ao CADIN.3. Concretizada a medida no bojo de ação ordinária, nada obsta venha o credor, fundamentadamente, opor-se ao valor de avaliação do bem, requerendo a complementação da garantia.” [1]“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERTIDÃO DE REGULARIDADE FISCAL. CAUÇÃO. POSSIBILIDADE. DESMEMBRAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. 1. É admissível o oferecimento de caução em favor da Fazenda Pública como forma de antecipar os efeitos que decorreriam da penhora e de obter certidão positiva com efeitos de negativa (artigo 206 do CTN). Precedentes do STJ e desta Corte.2. Inexiste previsão legal autorizando o Poder Judiciário a interferir na administração pública para o fim de determinar o desmembramento do lançamento tributário. 3. Agravo de instrumento improvido.”[2] O próprio Superior Tribunal de Justiça possui precedentes, tanto nas 1.ª e na 2.ª Turmas, como na 1.ª Seção, favoráveis ao oferecimento de caução dado por terceiro a fim de garantir o juízo, permitindo assim a expedição de Certidão de Regularidade Fiscal, verbis: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL.  DÉBITO PREVIDENCIÁRIO. BEM DE TERCEIRO DADO EM CAUÇÃO. JUÍZO GARANTIDO. POSSIBILIDADE. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA. PRECEDENTES.1. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento ao recurso especial da agravante.2. É possível a obtenção de Certidão Positiva, com efeito de Negativa, de Débito – CND (art. 205 c/c o art. 206 do CTN).3. É plenamente cabível a oferta de bem de terceiro para caucionar a expedição de certidão negativa de débito em nome da devedora, mormente ante a autorização expressa do proprietário do imóvel para tanto.4. Se o credor não exige garantia para a celebração do acordo de parcelamento, não pode, no curso do negócio jurídico firmado, inovar. Inexistência de crédito tributário definitivamente constituído que impeça o fornecimento da CND requerida, mormente quando o débito encontra-se com o parcelamento em dia.5. O entendimento que prevalece na doutrina e na jurisprudência, após alongada discussão sobre a matéria, é o de que o seu efeito é simplesmente declaratório. Essa posição determinou o assentamento doutrinário e jurisprudencial na linha de que só surge o direito ao crédito tributário após o lançamento definitivo, isto é, o formado por decisão administrativa trânsita em julgado e não-impugnada pela via judicial.6. Analisando-se a sistemática do CTN, tem-se o seguinte raciocínio: a moratória suspende a exigibilidade do crédito tributário; a certidão em que consta a suspensão do crédito tributário equipara-se, “ou tem os mesmos efeitos”, à CND (art. 206 c/c o art. 205) culminando na inarredável conclusão, que se aplica ao caso em apreço, de que quem obteve parcelamento de seus débitos tem direito à obtenção de certidão, nos termos do art. 206 do CTN.7. “A Certidão Negativa de Débito só pode ser negada se houver crédito definitivamente constituído. Mesmo que, na esfera administrativa, esteja em discussão se o contribuinte tem ou não direito de compensação, se a contribuição previdenciária comporta ou não repercussão, a certidão deve ser expedida” (REsp nº 195667/SC, 1ª Turma, DJ de 26/04/1999, Rel. Min. GARCIA VIEIRA).8. Com relação à possibilidade de se garantir o crédito por meio da ação cautelar, não visualizo óbice para tanto, visto que, pela necessidade premente da obtenção da CND, a via escolhida é de toda adequada, encontrando respaldo no ordenamento jurídico.9. Precedentes das 1ª e 2ª Turmas e 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.10. Agravo regimental não-conhecido.” [3] Dessa forma, plenamente demonstrado que existe relevância na fundamentação apresentada, autorizando a determinação judicial até mesmo em sede de liminar para expedição de Certidão de Regularidade Fiscal aos interessados que anteciparem garantias de créditos tributários sob exigência. Para tanto, deve restar comprovada a idoneidade e suficiência da caução ofertada, respaldados em documentos comprobatórios. Ilustrativamente, apresentamos recente julgado do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, aonde aceito bem oferecido pela empresa no intuito de possibilitar a expedição de sua Certidão de Regularidade Fiscal, in verbis: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. ART. 206 DO CTN. DÉBITO GARANTIDO POR CAUÇÃO. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA. EXPEDIÇÃO. 1. Na falta do crédito regularmente constituído, não pode ser negada a certidão negativa de débito. No caso concreto, o lançamento ocorreu, mas não se procedeu à execução fiscal. 2. Nos termos do art. 206 do CTN, é possível a expedição da certidão positiva, desde que os débitos estejam garantidos ou com exigibilidade suspensa. No caso dos autos o oferecimento de caução na ação cautelar demonstra que o devedor sinaliza no sentido de disponibilizar parte do seu patrimônio com o objetivo de garantir o débito existente. 3. Agravo provido parcialmente para garantir a expedição de certidão de regularidade fiscal, até ulterior deliberação do juízo de primeiro grau quanto à idoneidade e suficiência da caução ofertada.”[4] Assim, devidamente oferecido bem ao gravame que seja suficiente para futura garantia de instância do juízo executório, restará ao representante legal da interessada assumir a responsabilidade ex vi legis, cabendo-lhe a guarda do bem e o dever de apresentá-lo quando intimado para tanto, mantendo-se a responsabilidade necessária para garantir a suficiência e idoneidade da caução ofertada. CONCLUSÃO Segundo a atual jurisprudência, antes do ajuizamento da Execução Fiscal é possível buscar a antecipação dos efeitos da penhora através do oferecimento de caução a fim de possibilitar a expedição de Certidão de Regularidade Fiscal à empresa interessada.
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Novas tecnologias e a sustentabilidade do sistema tributário
A partir do momento em que a sociedade se conscientizar acerca do real potencial da internet, o Sistema Tributário Nacional sofrerá um duro golpe na arrecadação.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O Estado Brasileiro opta por um sistema rígido e tradicional de tributação. São conceitos formados e consolidados ao longo do Século XX que sustentam toda a estrutura fiscal do país. O atual modelo tributário fora concebido sobre o texto constitucional de 1988, época em que o Estado se reestruturou sobre a forma democrática e passou a ter como objetivo a dignidade da pessoa humana. Os tributos também passam a fazer parte deste contexto, possuindo igualmente a função maior de garantir o bem-estar social. Para que isso ocorresse, foram delimitados diversos limites à atuação do Fisco, bem como foi estabelecido um modo de estruturação, em tese, almejando favorecer o contribuinte. Dentro deste cenário foram surgindo, ao longo dos últimos 80 anos, inovações tecnológicas que colocaram em xeque conceitos e definições já consolidadas. Assim foi com a energia elétrica, logo após com as comunicações e telecomunicações, e, mais recentemente, com os computadores. Entretanto, o sistema tributário sempre foi se adaptando às inovações, absorvendo-as com os tributos já existentes e conseguindo manter as sua unidade estrutural. Ocorre que surge uma invenção tecnológica capaz de transformar não somente conceitos, mas também os modos de operação, as formas de agir e as maneiras de se interar, que é a internet. Devido à rapidez com que fora introduzida no mercado, ou talvez por ignorância do legislador brasileiro, o sistema legal brasileiro não se adequou para esta nova realidade, denominada por alguns de virtual. E o direito tributário também se enquadra nesta perspectiva, não tendo aprovado, até o momento, medidas de grande relevância mesmo depois de 15 anos de implantação da internet no país. Daí surge o problema fundamental analisado neste trabalho. Será que o atual modelo de tributação, calcado em conceitos tradicionais e limitado pelos mais diversos fatores será capaz de absorver tamanhas mudanças? Conseguirá o modelo vigente sustentar-se em face das inovações? A necessidade de arrecadação é cada vez maior pelo Estado, mas a internet, indo de encontro com esta tendência, cria situações que o rígido sistema dos tributos não pode abarcar. Tais situações, que somente tendem a crescer, precisam ser logo avaliadas pelo legislador nacional, sob pena de fugirem do controle normativo. Sem jamais pretender exaurir os assuntos descritos ao longo do texto, o presente trabalho pretende introduzir, de maneira breve, como é o atual modelo tributário, suas limitações, as influências internacionais e, principalmente, o impacto que a internet tem sobre ele. De posse destes dados, comparando-se com os modelos adotados em outros países, serão expostas a dificuldades de adaptação e, por fim, serão difundidas as três soluções apontadas pelos especialistas sobre o tema. Desta forma, este estudo tenta demonstrar como a rigidez de princípios e regras, os obstáculos internacionais, os direitos fundamentais e, principalmente, a internet, podem comprometer ainda mais rapidamente a sustentabilidade do sistema tributário. 2 NECESSIDADE DE TRIBUTAR O homem é um ser social. Necessita, para se desenvolver e sobreviver, conviver uns com os outros. Essa concentração de pessoas forma a sociedade. Porém, esta mesma sociedade precisou, para que se desenvolvesse, organizar-se. A solução encontrada foi a criação de um ente superior, denominado posteriormente de Estado. Conforme leciona Machado (2007, p. 55), “para viver em sociedade, necessitou o homem de uma entidade com força superior, bastante para fazer as regras de conduta, para construir o direito positivo”, nascendo então o Estado. E assim este ente adquiriu o direito de regular a vida das pessoas. Da mesma maneira possui tal direito hoje. Entretanto, acumulou muitas outras funções, como a de estruturar, organizar e propiciar o denominado Estado Social de Direito. O Estado desenvolve, atualmente, atividades políticas, econômicas, sociais, administrativas, financeiras, educacionais, policiais, entre outras, estruturando e regulando a vida em sociedade. Ocorre que, para tanto, é primordial que este detenha recursos suficientes para atingir seus objetivos. Qualquer que seja a concepção de Estado que se venha a adotar, afirma Machado (2007, p. 55-56), “é inegável que ele desenvolve atividade financeira”, para atingir seus objetivos, precisa de recursos para obter, gerir e aplicar seu poder-dever. Já se foi o tempo em que o Estado supria suas necessidades financeiras por meio de guerras e conquistas, doações ou vendas de bens de seu patrimônio. Por isso, o instrumento utilizado pelo Estado para adquirir recursos é o tributo. Legitimado pelo poder popular, consubstanciado pela Constituição da República, o tributo é previsto abstratamente na Lei Maior. O poder de tributar justifica a própria concepção de Estado. Os indivíduos, por seus representantes, consentem na instituição do tributo, como na elaboração de todas as regras jurídicas que regem a nação, a fim de propiciar meios de sobrevivência. Sendo assim, o tributo é quem financia o Estado a agir. Devido sua importância, possui um sistema próprio de organização, com princípios e normas peculiaridades, o qual será estudado nos tópicos a seguir. Da mesma forma entende Ataliba (2006, p. 30), uma vez que: “As normas tributárias, portanto, atribuem dinheiro ao estado e ordenam comportamentos, dos agentes públicos, de contribuintes e de terceiros, tendentes a levar (em tempo oportuno, pela forma correta, segundo os critérios previamente estabelecidos e em quantia legalmente fixada) dinheiro dos particulares para os cofres públicos.” É por meio do tributo que o Estado arrecada dinheiro para manter suas funções. Funções estas que não são poucas, ou fáceis de alcançar. De acordo com Lanari (2005, p. 09-10), as atribuições estatais ultrapassaram o campo das atividades básicas, fundamentais, essenciais, não delegáveis aos particulares, abrangendo toda uma cadeia de investimentos. É verdade que recentemente o Estado vem buscando delegar este importante papel também para a iniciativa privada, como é possível verificar no instituto da função social da propriedade, bem como nas Parcerias Público-Privadas. No entanto, ainda cabe ao Governo a função primordial de estruturar o país, uma vez que é ele, ainda, o detentor do poder-dever de manejar os rumos da economia nacional. O próprio Preâmbulo da Constituição da República assim determina, criando essa obrigação objetiva de fazer, veja: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. (grifamos) Além de ajudar o Estado a cumprir seu papel constitucionalmente previsto, infelizmente o tributo serve também, nas palavras de Silva Martins (1995, p. 20), para “sustentar os desperdícios, as mordomias, o empreguismo dos detentores do poder. Esta realidade é maior ou menor, conforme o período histórico ou o espaço geográfico”. Inobstante seja indiscriminada e notória a corrupção, os desperdícios e a desfaçatez do administrador público, é preciso sempre partir do pressuposto de que a regra é a boa-fé, e não ao contrário, sob pena de se punir injustamente aqueles que laboram com sacrifício no bem-estar social, tentando satisfazer a população. Conforme afirma Ferraz (in SCHOUERI, 2005, p. 222), “a sociedade espera mais dos tributos, espera que sejam instrumentos efetivos de ação solidária, isto é, que cumpram integralmente com seus objetivos de promoção do bem comum”. Portanto, inegável a importância do tributo. Mas, da forma que fora concebido, está cercado de limites e restrições legais e, com as mudança da tecnologia, todo esse sistema está enfrentando situações que necessitam de uma reavaliação de seus pilares fundamentais. 2.1 FONTES DE ARRECADAÇÃO: A IMPORTÂNCIA DOS IMPOSTOS Embora exista uma grande divergência doutrinária sobre a quantidade de tributos existentes no ordenamento nacional, todos concordam que os impostos são as fontes mais significativas de arrecadação. São eles os grandes financiadores do Governo Brasileiro e, portanto, merecem atenção especial neste estudo. Conforme afirma Barros (2003, p. 79), “nos países em desenvolvimento os impostos indiretos são responsáveis pela maior parcela da arrecadação do governo”. Tal conclusão é também notória, pois todo brasileiro percebe muito mais a carga tributária que lhe é imposta quando este deve quitar seus impostos, enquanto que as taxas e contribuições afetam de forma mais reduzida o orçamento do contribuinte. Sendo assim, na eventual caso de extinção de algum imposto acarreta em um rombo significativo no orçamento do Estado. Ainda mais se este corte for sobre um imposto que tradicionalmente o sustenta, como o ICMS, nos Estados, o ISS, nos Municípios, e os Impostos sobre a Renda, Importação e Exportação, que são de competência da União. E são estes que sofrerão com maior intensidade os efeitos das relações virtuais, pois muitos especialistas consideram o advento do comércio eletrônico uma oportunidade de retirar os impostos indiretos e aumentar os diretos. Porém, afora o surgimento da internet, o sistema tributário, consubstanciado principalmente pelos impostos, já apresenta sinais de que precisa de uma reforma, pois em um futuro não muito recente, já é prevista sua falência. A internet somente incrementará os problemas que o sistema já enfrenta, acelerando o colapso na arrecadação. 2.2 SUSTENTABILIDADE DESTE SISTEMA Primeiramente, é preciso definir o termo sustentabilidade. De acordo com a enciclopédia virtual WIKIPEDIA, é “um conceito sistêmico, relacionado com a continuidade dos aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana”. CAMARGO (2007, p.357), também assim enuncia, explicando que a definição de sustentabilidade é um complexo que envolve questões financeiras, econômicas, sociais e ambientais, mas que atualmente o conceito está muito mais ligado a aspectos naturais, uma vez que “Algumas pessoas relacionam sustentabilidade a resultado econômico financeiro, outras entendem como necessidade de auto-sustentação pela limitação da produção à disponibilidade dos recursos naturais, não permitindo nada além desses limites. Outras ainda reconhecem a sua complexidade, porém, na prática das decisões humanas acreditam como imponderáveis tais medições, o que resultará numa simples equação de que só haverá sustentabilidade quando a exploração dos recursos naturais for menor que o potencial de recuperação da natureza.” Desta forma, sustentável pode ser resumido na idéia de algo que perdure no tempo e seja capaz de existir em face das gerações vindouras. Aplicado na área tributária, a sustentabilidade refere-se a um ciclo relativamente constante e duradouro, assentado em bases consideradas estáveis e seguras. Ocorre que o sistema tributário atual, mesmo se desconsiderado o avanço da internet, já sofre com uma crise de arrecadação, de corrupção e má aplicação do dinheiro público. Não é de hoje que a sociedade sofre com uma pesada carga tributária, que estimula o informalismo, o desvio de recursos e as fraudes fiscais. Apesar de tudo, cresce a cada dia a sede do Fisco, aumentando alíquotas, estabelecendo limites de deduções, vedações às compensações fiscais, imunidades, etc., sempre visando arrecadar mais e mais. Não é de hoje que o sistema tributário, da forma que está concebido, “sofre de tão profunda crise que mostra-se antiquado e impraticável”, nas palavras de Becker (2002, p. 214). Segundo o autor, é necessária uma radical modificação na estrutura jurídica do orçamento público, porém, esta modificação não pode jamais consistir na renúncia ao jurídico, mas sim na construção de novo instrumental jurídico a serviço do Estado. Isso porque os fatores sociais estão em constante mudança e o sistema já não comporta novas situações, como as tecnologias que surgem a cada dia. O Estado está calcado em formas e situações abstratamente previstas em décadas passadas e não é capaz de absorver novas situações, face a rigidez do sistema, como vimos acima. Diante disso, ainda que de maneira superficial, já é possível extrair a conclusão de o modelo tributário não possui bases capazes de perdurar por muito tempo da maneira que foi concebido. É provável uma falência do sistema, mesmo sem levar em consideração a nova tendência de relações virtuais, que somente ajudará a piorar este quadro. A seguir, ver-se-á como o sistema já padece de problemas estruturais gravíssimos, que somente serão agravados pela internet, fenômeno este analisado nos capítulos posteriores. 2.2.1 Globalização Um dos problemas que o sistema tributário atual vem enfrentando concentra-se na denominada globalização do mercado mundial. Ocorre que o planeta tornou-se uma só economia, e qualquer abalo em uma de suas extremidades resulta em conseqüências para todos os países. Empresas passam a conhecer novos mercados e começam a estudar vantagens em outros países. Fronteiras físicas são abolidas. A soberania das nações sofre um duro golpe e é necessário que estas se enquadrem no novo cenário a fim de garantir o avanço econômico, social e político. É preciso atrair estas empresas, agora transnacionais, para que possam gerar renda e trabalho aos cidadãos. Conforme enuncia Castro (in MARTINS, 2005, p. 29), “a globalização desferiu um poderoso golpe na dinâmica dos institutos jurídicos tradicionais ao reduzir o espaço público de atuação política na medida em que alargou a importância do mercado”. Surgem assim os novos atores globais, isto é, entidades capazes de ditarem regras e especularem no mercado financeiro, devido ao seu porte econômico. Atraí-las ao seu território passa a ser uma forma de garantir investimentos e a confiança do mercado especulativo. No entanto, tudo tem seu preço. É preciso conceder-lhes também benefícios.Assim, acomete-se o sistema tributário com uma situação distinta da até então prevista. “A redução ou perda da soberania fiscal pelos Estados modernos apresenta-se como a marca mais significativa neste campo de considerações. O enfraquecimento do Estado-nação manifesta-se cores muito peculiares no universo tributário. Com efeito, a pressão direta e indireta das empresas transnacionais pela adoção de ambientes fiscais mais favorecidos estão na base de uma série de movimentos relevantes relacionados com a tributação.” (CASTRO, in MARTINS, 2005, p. 17) Ocorre que o Estado, ao conceder benefícios para que determinada empresa se instale no país, estará deixando de prover vultuosas quantias de tributos. Ainda, muitas vezes os lucros da empresa serão investidos em outras nações, destruindo assim a idéia do benefício social indireto que esta poderia trazer. As empresas globalizadas, pelo uso dos mais variados expedientes suportam uma tributação menor que os atores não globalizados, sujeito, ademais, ao controle mais restrito dos Estados nacionais. Disto resulta que ao consumidor e produtor interno caberá suportar os tributos que o ente global não pagará, sobrecarregando-os. Um dos principais e mais perversos traços é a crescente injustiça do sistema tributário. Considerando-se que este cenário tende somente a aumentar, é fácil prever o colapso do sistema. 2.2.2 Projeções estatísticas Uma análise histórica e uma projeção futura podem demonstrar o quanto o contribuinte brasileiro pagará ao Fisco, demonstrando a insustentabilidade do sistema, o qual se tornará por demais oneroso ao cidadão, impedindo-o de adimplir seus tributos. A arrecadação tributária é diretamente proporcional ao número de contribuintes e ao nível de renda dos mesmos, uma vez que o sistema tributário se baseia na capacidade contributiva do cidadão. Assim, quanto maior a população economicamente ativa, maior o número de contribuintes. Veja o histórico de crescimento da arrecadação e do número de pessoas nos últimos 14 anos[1]: De posse destes números é possível elaborar um gráfico com o padrão de crescimento da arrecadação brasileira, ou seja, da carga tributária brasileira: Gráfico 1: Crescimento na arrecadação de tributos no Brasil Tal crescimento apresenta uma média anual de 16,64%. Se for considerada a hipótese que cada habitante atual contribuiu com todos os tributos acima durante o período de 14 anos, é possível concluir que cada habitante brasileiro pagou, no período de 1992 a 2006, a quantia de R$ 1.472,11. De posse do índice médio de aumento da carga tributária, é possível também realizar uma projeção futura da arrecadação nacional: ARRECADAÇÃO (estimativa em milhões de R$)   Combinando a projeção acima com a média de crescimento da população brasileira, tem-se que, em 2016, se cada habitante daquela época contribuir com os 10 anos do período pesquisado, este terá gasto aproximadamente R$ 5.000,00 em tributos, o que demonstra uma excessiva onerosidade sobre o cidadão brasileiro. Há que se ressaltar ainda o aumento das alíquotas, outro grande agente responsável pelo aumento da carga tributária e que não foi considerado nos números acima citados. No Brasil, a carga tributária incidente sobre o consumo é altíssima, notadamente quando comparada com outros países ou conjunto de países. Conforme afirma Castro (in MARTINS. 2005, p. 23), “as classes médias e populares e os trabalhadores arcam com a maior parte do ônus fiscal”. A excessiva tributação sobre o consumo implica na oneração do produto, redução da demanda, restrição à produção, redução da oferta de empregos e prejuízo ao crescimento econômico. Tais números corroboram o entendimento da doutrina sobre uma previsível e breve falência de todo o sistema tributário brasileiro, fatos estes que podem ser antecipados em face do advento das relações jurídicas pela internet, como será visto nos capítulos seguintes. 3 NOVAS TECNOLOGIAS 3.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA Tudo que é inédito é novo. Tudo o que não possui precedente é novo. Sendo assim, em uma análise superficial, tudo pode ser novo. Portanto, podemos dizer que as novas tecnologias são as implementações tecnológicas que de alguma forma influenciaram o cotidiano das pessoas e passaram a integrar seu modo de vida. Assim foi com o telefone, rádio, energia elétrica, plástico, geladeira, televisão, etc., no qual todos passaram a integrar o lar das pessoas (tanto físicas quanto jurídicas) de tal forma que sua aquisição tornou-se essencial a sua sobrevivência. Entretanto, necessário se faz acrescentar um substantivo ao termo “novas tecnologias” e, ainda, delimitar um espaço de tempo, sob pena de vagarmos ao infinito. Desta forma, este estudo situar-se-á no período compreendido entre o final do século XX até a presente data, apresentando apenas os casos mais influentes e de relevância jurídica, principalmente no campo do direito tributário. Atualmente, a nova onda tecnológica está intimamente ligada à internet, pois é dela que derivam os novos modos de vida da sociedade. Por isso, é dela que surgem os novos paradigmas com os quais o direito deve se preocupar. De todas as inovações, nenhuma delas pode ser comparada ao que ocorre nas redes de comunicações e na internet. Esta tecnologia está gerando um desenvolvimento extremamente acelerado nos negócios globais e, ainda mais, na área de serviços. Conforme afirma Emerenciano (2003, p. 22), esses negócios mundiais envolvem computadores, softwares, serviços de entretenimento (filmes e vídeos, jogos eletrônicos, música), serviço de informação como banco de dados, jornais eletrônicos e, ainda, o campo da informação técnica. Estenderam-se até a medicina, a produtos sujeitos a licenças, a serviços financeiros e profissionais como consultoria técnica, contabilidade, arquitetura, designer, consultoria legal, serviços de viagem, etc. Sendo assim, advém da internet as novas peculiaridades e situações que causam grande impacto no Direito, como se verá abaixo. 3.2 CARACTERÍSTICAS DAS RELAÇÕES VIRTUAIS A internet é, de forma resumida, uma rede internacional de computadores interconectados, que permite a comunicação e interação de dezenas de milhões de pessoas, permitindo o acesso a uma imensa quantidade de informações, de forma instantânea e, em geral, gratuita, em um ambiente sem barreiras físicas. Ela foi criada com fins militares, durante a Guerra Fria, nos Estados Unidos da América, visando impedir que o ataque a um local específico destruísse todo o sistema de comunicação e informação dos militares. Por isso, foi estruturada de forma aberta, para que não se perdesse conteúdo. Também, por causa disso, a internet foi configurada de forma que fosse praticamente impossível ser controlada por um único agente. Sendo assim, a internet adquiriu peculiaridades únicas, exclusivas, que podem ser resumidas da seguinte forma[2]: 1. é uma rede, em geral, aberta a todos os usuários; 2. é interativa; 3. é internacional, não possuindo barreiras físicas; 4. operada por uma multiplicidade de agentes; 5. não possui autoridade; 6. é descentralizada; 7. cria limites a partir dos costumes de uso; 8. acelera a relação tempo-espaço; 9. diminui os custos de transação; O modo operacional, estrutural e conceitual de interação criado pelo internet entre pessoas surge como uma revolução, tal como aquelas vivenciadas nos séculos XVIII e XIX. É certo que em um tempo futuro, os dias atuais receberão uma nova divisão, denominada, talvez, de Era da Informação. Tais mudanças justificam-se devido ao grande impacto sofrido pela sociedade, como se verá abaixo. 3.3 IMPACTO NA SOCIEDADE Toda mudança histórica causa grande impacto no cotidiano das pessoas. Assim foi ao longo da história, com as revoluções Francesa e Industrial, com as grandes guerras mundiais e, atualmente, o está sendo devido ao surgimento da sociedade da informação. Revolução esta que foi iniciada por Gutemberg, no século XVI, com a massificação dos livros. Posteriormente com o surgimento dos periódicos e jornais. Já no século XX, pelo rádio, pelo telefone, televisão e, hoje, culminada pela internet.  Surge a Sociedade da Informação. De acordo com Guerra (2004, p. 23), esta nova modalidade é a “corporificação de um processo continuado de destruição das fronteiras físicas traçadas no nível jurídico-político pelo imperativo de uma ordem econômica nova que tornou transnacional o fluxo internacional de capitais”. A sociedade da informação não significa ter conhecimento de tudo, estudar todas as ciências e obter uma sabedoria vasta da humanidade. Esta sociedade se caracteriza pelo rápido e fácil acesso a conteúdos, conquista de notícias antes mesmo delas forem difundidas, organização e arquivamento das informações, enfim, controle sobre o conhecimento. Nas explicações de Wachowicz (2004, p. 227) e Lorenzetti (2004, p. 55), na economia da informação, não se valora a informação somente levando em consideração o grau de conhecimento que deve ser posto ao alcance das partes no processo de contratação, mas também como bem comercializável, num mercado em que os sujeitos não são contratantes informados e não informados, mas apenas produtor de informação e adquirente desta. Ela não é instrumento. É um bem em si mesmo. Pode-se afirmar, sem dúvida, que a internet está no centro destas mudanças. A nova economia propiciada pela internet trouxe novos modelos organizacionais com novos processos de negócios para produção ou circulação de bens e serviços no ciberespaço. Novas profissões, novas técnicas, novos produtos, novos mercados, novas sociedades surgem pela internet. Não se quer afirmar que estas máquinas estariam a substituir o ser humano, mas, conforme afirma Vicente (2005, p. 106), “à medida que nossa sociedade é cada vez mais dominada pela economia da informação, o trabalho que realizamos se apóia cada vez mais no nosso conhecimento do que na força ou destreza física”. A OECD[3] organizou um quadro comparativo no qual contrasta o atual sistema financeiro, baseado em transações bancárias e no dinheiro em espécie, que facilita a fiscalização das unidades arrecadadoras, com os desafios que o comércio eletrônico está difundido, principalmente com o advento do de sistemas eletrônicos de pagamento:   O impacto social e econômico do comércio eletrônico, segundo esta mesma entidade, em 1995, era praticamente zero. Em 1997, o volume negociado foi de 25 milhões de dólares. Já em 2005 esse número chegou próximo a um trilhão de dólares. Também há os aspectos negativos, como o perecimento de certas atividades, produtos e, talvez a pior face da Sociedade da Informação, a exclusão digital. A tendência é que seja cada vez maior o abismo entre os dois extremos da nova sociedade. Dentro destes aspectos negativos, está também o impacto no direito tributário, pois situações atípicas se proliferam e, a cada dia, mais pessoas utilizam a internet visando diminuir a carga tributária. “Ocorre que, atualmente, é preciso que seja vencido um novo desafio jurídico, que foi lançado pelo advento da tecnologia da informação: caberá ao direito em sua regulamentação propiciar o desenvolvimento pleno desta nova Sociedade Informacional, equalizando toda uma gama de interesses, preservando a liberdade de iniciativa da atividade econômica e o aperfeiçoamento do conhecimento do ser humano.” (WACHOWICZ, 2004, p. 231) Caberá ao Direito assegurar proteção e segurança aos que dela utilizam. Porém, são inúmeras as mudanças, que ocorrem de forma cada vez mais dinâmica, e todo o sistema jurídico precisa se adequar a tais mudanças, sob pena de perecer e tornar-se ultrapassado, mesmo estando em vigor. O problema é que, em face da novidade do negócio, não se sabe exatamente a forma pela qual o Direito deva intervir no comércio eletrônico. Finkelstein (2004, p. 17) afirma que o desenvolvimento da sociedade, de novas formas de relacionamento, “sempre é mais rápido do que o desenvolvimento do Direito”. Talvez seja culpa do rigoroso e estanque processo legislativo a que todas normas são submetidas antes de entrarem em vigor. Quiçá os culpados sejam os parlamentares, que pouca ou nenhuma preocupação tem com as mudanças. Ou também da sociedade em geral, que insiste em julgar a internet apenas como mais um meio de comunicação. “O Direito Tributário não escapa a esta realidade. Ao contrário, a História mostra que, nos momentos de profunda transformações da sociedade, é este ramo do Direito um dos primeiros a sofrer os impactos do “novo”. Assim é, pois ele corresponde a um dos mais sensíveis campos do relacionamento entre cidadão e Estado, nele se configurando o contexto em que diretamente é necessário buscar o ponto de equilíbrio do binômio autoridade/liberdade”. (GRECO, Marco Aurélio. in Direito & Internet. 2005, p. 377) Mas já existe, tanto na doutrina, cada vez mais vasta, como do Poder Judiciário, uma amostra de que aos poucos o direito e a internet começam a se interagir. Tanto é que as mais recentes leis em vigor tratam em grande número de situações advindas da internet, como é o caso das recentes alterações do Código de Processo Civil, o qual passou a admitir a prova por meio eletrônicos, bem como o processamento de autos via internet. O Direito Tributário, por sua vez, cada vez mais vem se preocupando com a atual estrutura de incidência dos tributos, sendo que, nesta área, a preocupação maior está em financiar formas eletrônicas de prestação de contas ao Fisco. 3.4 RELAÇÕES VIRTUAIS E O DIREITO Sem dúvida, o maior impacto que o Direito sofreu, e vem sofrendo, é o advento da internet e da popularmente chamada de sociedade virtual. Seres humanos, representados por bits, ou seja, números binários, criam, modificam e extinguem direitos a todo momento. O crescimento explosivo da internet é um fenômeno revolucionário em computação e telecomunicações. Conforme diz O`Brien (2004, p. 169), a internet se converteu hoje “na maior e mais importante rede de redes e está evoluindo para a supervia de informações de amanhã”. Milhares de redes comerciais, educacionais e de pesquisa agora conectam entre si milhões de sistemas e usuários de computadores em mais de 200 países. Relações jurídicas são formadas com máquinas, sem origem ou face, sem documento ou assinatura. Essa é a sociedade virtual, onde o elemento físico é deixado totalmente a margem.Mas, primeiramente, esclarecer-se-á a respeito do termo “sociedade virtual”. Muito se discute na doutrina o emprego errôneo desta nomeclatura. O vocábulo virtual opõe-se ao atual, e não ao real, como muitos imaginam. Ainda, outra crítica efetuada é que a sociedade não foi “virtualizada”, mas que esta apenas utiliza da rede de computadores para se comunicar. Sendo assim, para facilitar este estudo, e sem se aprofundar na discussão, o que se entende por virtual são as relações jurídicas realizadas, por isso justifica-se o emprego do termo relações virtuais. Afora isso, é inegável sua influência no Direito e, conforme afirma Bifano (2004, p. 36) e Lorenzetti (2004, p. 27), uma análise, ainda que simplória, do negócio eletrônico, demonstra que ele vem modificando conceitos, procedimentos, cautelas, materiais, logística, enfim, tudo o que respeita à comunicação entre homens, conseqüentemente, suas relações. A internet apresenta regras de diferenciação que também influenciam os conceitos e regras jurídicas, criando novos limites, princípios e definições que passam a nortear o Direito como um todo. A preocupação do Direito com a internet ocorre no mesmo período histórico em que acontece a massificação desta tecnologia, no início dos anos 90, quando o acesso discado permitia uma fácil, mas ainda cara, forma de acesso às informações. As primeiras discussões que surgiram envolveram, principalmente, os problemas relacionados aos conflitos de jurisdição no espaço virtual. Dada a possibilidade de pessoas acessarem, pela internet, web sites localizados em outros países e praticarem atos jurídicos, tais como jogos em cassinos, o problema da jurisdição foi o mais estudado e analisado em artigos jurídicos no início daquela década. Aos poucos a norma está incluindo em seu corpo legislativo noções de documentos eletrônicos, softwares, criptografia, privacidade, etc. No campo fiscal, o Governo preocupou-se primeiramente em organizar formas de declaração de renda ou circulação de mercadorias on line. Porém, o Direito Tributário está consciente que mudanças deverão ocorrer, tanto nas proposições abstratas (hipóteses de incidência) quanto no modo de fiscalização e arrecadação dos tributos. “Cumpre salientar que as funcionalidades empresariais na internet serão cada vez mais ampliadas com os avanços da tecnologia da criptografia, que protege a confidencialidade dos dados transmitidos pelas redes de computadores. Ou seja, mais e mais negócios migrarão para o ciberespaço, ocasionando efeitos devastadores para a arrecadação e, assim, para os orçamentos nacionais”. (LANARI, 2005, p. 127) Diante desta perspectiva, necessário se faz analisar todos os aspectos que a internet causa nas relações jurídicas por ela efetivadas. A partir daí, será possível, em comparação com o atual sistema tributário, verificar quais são os problemas que o Fisco terá em tributar operações sobre a internet. Vale ressaltar que existem duas categorias de comércio eletrônico. A primeira delas é a indireta, a qual gera menos preocupação e influência sobre o direito. No comércio eletrônico indireto a internet é usada apenas como meio de contato entre o vendedor e comprador para promoção, oferta e, mesmo, a aceitação de produtos e serviços que são despachados de modo convencional e recebidos em formato tangível. Já a segunda forma de negociação, denominada de direta, e que estrutura este estudo, é aquela em que não existe um bem tangível, existem apenas bits, que são enviados on line para outro computador. Este fenômeno representa a grande mudança trazida pela internet, sendo que seus principais efeitos em face do direito estão abaixo relacionados. 3.4.1 Desterritorialização e espaço virtual A internet, como se sabe, cria uma ambiente virtual, ou seja, um espaço comum intangível, onde as pessoas se interagem. É nesse “lugar” que ocorrem as situações de interesse jurídico. Ocorre que esse ambiente não possui localização geográfica. Conforme afirma Lorenzetti (2004, p. 30), a “internet tem uma natureza não territorial e comunicativa, um espaço movimento, no qual tudo muda a respeito de tudo”, ou seja, o espaço virtual, não é sequer assemelhado ao espaço real, porque não está fixo, nem é localizável mediante o sentido empírico como, por exemplo, o tato. Ou seja, não é possível determinar onde se situa a internet, por ser impossível sua delimitação geográfica. 3.4.2 Tempo virtual Fato inegável é que as novas tecnologias vêm, a cada nova invenção, encurtando o tempo. Isto é, os aviões diminuíram obstáculos para a viagens de longa distância, a televisão permitiu o acesso instantâneo às notícias e o celular permite que pessoas se comuniquem a qualquer hora e lugar umas com as outras. Assim está sendo com a internet, na qual é possível “baixar” tecnologia, informação ou estabelecer uma relação jurídica, em qualquer lugar, de forma instantânea. A tecnologia acentua essa tendência e permite uma vida no presente. O cidadão do século XIX que quisesse visitar um amigo ou contratar com determinada empresa de um país distante deveria depender de um recurso escasso: o tempo. As viagens demoravam meses. Atualmente, a tecnologia permite a comunicação instantânea com qualquer parte do mundo; já não se consome o recurso escasso, e, portanto, acentuam-se as trocas, independentemente das distâncias. Mas esta facilidade de contato virtual, ocasionado principalmente com o advento da internet, afasta cada vez mais os vínculos físicos, sendo raras as famílias que podem se reunir para almoçar no dia-a-dia. Tais contatos, realizados constantemente via celular ou internet, fomentam o surgimento de comunidades virtuais e, conseqüentemente, as relações jurídicas sem o contato físico. 3.4.3 Domicílio privado Essas comunidades, uma vez que não possuem contato físico em suas relações, acabam por criar um ambiente virtual, sem qualquer menção ou definição de um espaço fisicamente localizável. Acontece a denominada desterritorialização, onde não é possível identificar a jurisdição aplicável. Por exemplo, uma pessoa pode adentrar em uma lan-house em Cingapura, mandar um e-mail por um provedor gratuito com sede nos Estados Unidos, para um destinatário que se utiliza de um notebook para acessar suas correspondências eletrônicas aqui no Brasil. Conforme enuncia Lorenzetti (2004, p. 36), “no campo da atividade empresarial se observa que o domicilio dos negócios não coincide com o lugar onde está situado o sistema de informática” e, para solucionar esta discrepância, tem-se dado primazia ao lugar dos negócios. Sendo assim, torna-se indeterminável o domicílio dos sujeitos e, em muitos casos, impossível de definir o local em que se encontram os agentes da relação jurídica. 3.4.4 Barreiras nacionais Como se sabe, o Estado está intimamente ligado à noção de território. Dentro deste espaço geográfico determinado, exerce sua soberania, jurisdição. A internet, como visto acima, possibilita o envio de informações a nível global sem qualquer restrição ou controle. Não existem mais barreiras alfandegárias, ou fiscalização, pois estes downloads são feitos diretamente entre as partes contratantes. É o que afirma Lorenzetti (2004, p. 37), expondo que “se uma tecnologia consegue adentrar na jurisdição estatal sem passar pelas barreiras estabelecidas para o espaço físico, estaremos diante de problemas”. 3.4.5 Privatização do tempo e espaço Antes do advento da internet, todas as relações jurídicas estabelecidas necessitavam que o outro contratante estivesse disponível para tal. O mercado deveria estar aberto, o banco tinha que estar em funcionamento, ou seja, não bastava ter vontade, era preciso estar disponível. Sendo assim, as pessoas ficavam adstritas a horários pré-determinados, reféns de horários e agendas pré-estabelecidos. Com a internet, o cidadão faz o seu próprio itinerário. É possível que compras sejam efetuadas de madrugada, as vendas de ações podem ocorrer a qualquer horário, pagamentos podem ser efetuadas até mesmo nos feriados. Isto é, o tempo e espaço são dispostos de acordo com a vontade unilateral da parte. 3.4.6 Segmentação de conceitos Todo o Direito está calcado em conceitos e elementos tradicionais da sociedade. São cláusulas gerais que o legislador cria em observância a fatos da sociedade que vive e balizam as decisões nos tribunais. Daí que a clausula é geral ao permitir que num caso concreto o juiz possa aceitar diversas interpretações de regras de conduta. Ocorre que o juiz que tem de solucionar um caso relacionado à Internet pode ver-se obrigado a considerar costumes muitos distintos, de países e culturas estranhas a sua região. É nesse ponto que o Direito encontrará o desafio de julgar, pois estará diante de jurisdições com normas e costumes distintos, na qual a cláusula prevista em lei contraria disposições expressas em códigos estrangeiros. 3.4.7 Sujeitos Todos que se utilizam da internet são, na prática, capazes de firmar relações jurídicas. Uma vez que o acesso à Rede não exige qualquer qualificação ou habilitação, não existe impedimento para a fruição da internet. Crianças, idosos, adultos, civilmente incapazes, menores, indígenas, estrangeiros, enfim, todos podem contratar e realizar negócios on-line. Ocorre que, como executar ou punir um sujeito que realizou um negócio on-line mas não possui capacidade civil pra sofrer tais sanções, como é o caso dos menores? É neste diapasão jurídico que surge uma grande oportunidade para a ocorrência de fraudes e/ou crimes, e o Direito passa ao lado, vendo quem e o que foi realizado, mas impossibilitado de agir. Também, outro problema que surge, diz respeito à identificação do sujeito. O uso anônimo da internet é algo simples de fazer e, uma vez anônimo, fácil é cometer ilícitos sem ser identificado. 4 SISTEMA TRIBUTÁRIO FRENTE ÀS NOVAS TECNOLOGIAS Como já visto, a cobrança moderada de tributos sustenta a sociedade civilizada. Essa política fiscal, desde que devidamente manejada, encoraja determinadas atividades, penaliza comportamentos sociais indesejados, promove inversões básicas diretas em diversos setores e redistribui os recursos nacionais e as riquezas. A tributação é um importante instrumento de equilíbrio social e de homogeneização das estruturas econômicas. Por isso, a manutenção deste sistema é primordial para garantir a evolução do bem-estar social, objetivo este tão almejado pela Constituição da República. Mesmo que de maneira lenta, burocrática e tímida, a história mostra que o Fisco vem se adaptando as novas tecnologias. Melhor dizendo, o sistema vem lentamente evoluindo. Ocorre que a dinâmica do mercado não pode esperar esta morosidade, sob pena de brecar o seu desenvolvimento. Nas palavras de Lanari (2005, p. 144), o “novo século reclama uma abordagem tributária diferenciada, capaz de acolher as novas tendências empresariais e de promover os direitos humanos, para que não se interrompa a marcha desenvolvimentista”. É certo que a vontade política pode acelerar esta adaptação ao novo. Tal interação com as novas tecnologias é questão de sobrevivência do atual sistema tributário, pois a cada dia os números comprovam que o Estado possui mais e mais despesas, principalmente com a previdência. Porém, exemplos históricos mostram como o legislador conseguiu inserir novos produtos à hipótese de incidência, podendo então cobrar tributos sobre eles. Tal adequação demandou, muitas vezes, grandes manobras legislativas, que culminaram até mesma com emendas constitucionais. Estas adequações podem servir de exemplo de como prosseguir com as inovações trazidas pela internet e, por isso, é essencial fazer um breve retrospecto sobre como o sistema tributário foi adaptado em face das recentes ondas tecnológicas. 4.1 PRECEDENTES HISTÓRICOS Sempre que o Direito percebe uma mudança social, mesmo que lentamente, este procura adequar-se a nova realidade. Assim, as normas conseguem manter a ordem interna e absorver novas tendências, anseios sociais e tecnologias. Mesmo com um sistema burocrático, a história comprova que sempre foi possível evoluir no campo jurídico, atualizando-o e mantendo-o hígido. Esta adequação que ocorreu ao longo dos tempos foi auxiliada pela lentidão com que a sociedade evoluía. Uma invenção tecnológica aparentemente revolucionária, como a televisão, rádio, computador, etc., demoravam anos e anos para serem implantados definitivamente à população. A televisão, por exemplo, após ser massificada nos EUA durante a década de 50, demorou quase 10 anos para cair no gosto dos brasileiros. Desta forma, o legislador já possuía modelos internacionais, teorias sólidas, preparando-se pela absorção pelo mercado interno. Essa “demora” proporcionava tempo mais que suficiente para um planejamento em longo prazo, deixando certo conforto ao trabalho de regulamentar tais tecnologias. Porém, atualmente, as mudanças ocorrem a nível global em questão de dias, e o tempo virou o maior inimigo do ser humano, inclusive do legislador. As pessoas vivem sob pressão. A internet possui um papel fundamental nesse aspecto e, por isso, ao legislador cabe o papel de analisar o passado para que, com base nos resultados, possa aplicar novas regras às novas tendências sociais, sem cometer vícios e omissões anteriormente percebidas. 4.1.1 Iluminação Pública Até o advento da Constituição de 1988, a iluminação pública, no Brasil, era custeada pelo extinto Fundo Nacional de Energia, controlado pela União por intermédio das concessionárias de energia. Desta forma, o pagamento das contas de energia elétrica destinada à iluminação pública não constituía problema de gestão financeira aos municípios brasileiros. Com a extinção deste Fundo em 1988, todas as despesas com o custeio da iluminação pública foram repassadas para o Município. Este, por sua, vez, onerado por uma nova despesa e sem a prévia e necessária definição das fontes de receita necessárias ao adimplemento de tal encargo, sofreu sérios problemas de ordem financeira. Visando então repassar estes gastos para o contribuinte, o legislador municipal, em seus lapsos criativos, não demorou para instituir a Taxa de Iluminação Pública – TIP –, com base no art. 145, inc. II da Constituição Federal e no artigo 77 do Código Tributário Nacional. Porém, uma vez revestido da denominação de taxa, este deveria possuir como característica a especificidade e a divisibilidade. Por motivos óbvios, o serviço de iluminação pública não tem estas peculiaridades. Portanto, com o objetivo de corrigir a flagrante inconstitucionalidade cometida pelos municípios, foi apresentado um Projeto de Emenda à Constituição Federal (PEC), em 2002, que ganhou o n.º 39, instituindo a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP –, que foi aprovada, introduzindo, assim, o art. 149-A da Magna Carta, que disciplinou a instituição da referida contribuição no ordenamento jurídico pátrio, que vigora até os dias atuais O legislador, vendo-se acuado pelos conceitos tradicionais do sistema tributário, fundamentados nos aspectos físicos das relações sociais, teve que alterar a Lei Maior para poder tributar a iluminação pública. Agora constitucionalmente prevista, não há que se discutir sua validade. Porém, são severas as críticas formuladas pela doutrina acerca de tal contribuição, pois, segundo Machado (2007, p. 441), o corte do fornecimento face o não pagamento “exclui o devido processo legal e atropela o direito de defesa do contribuinte contra eventual cobrança indevida”. Harada (2007, p. 347), por sua vez, afirma que “falta o pressuposto básico da contribuição, que é exatamente o benefício diferenciado dos demais (não contribuinte)”. A idéia do autor resume-se no fato de que a iluminação pública, quando implantada em determinado local, pode constituir-se em fato gerador da contribuição de melhoria, jamais de contribuição social. O que define o tributo não é sua nomeclatura, mas sim sua hipótese de incidência. Sendo assim, apesar das incorreções técnicas, o importante para este trabalho é perceber que a iluminação pública, logo que fora passada ao poder municipal, não demorou em ser tributada. Será que com o comércio eletrônico também será assim? 4.1.2 Telecomunicações O Brasil pratica a maior tributação sobre os serviços de telecomunicações do mundo. Além das altas alíquotas do ICMS, de competência estadual, a União cobra contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e taxas. As telecomunicações são um exemplo claro de como o Fisco logo percebeu o potencial de arrecadação do meio. As comunicações foram percebidas pelo legislador logo que surgiu no mercado brasileiro, recebendo uma menção específica no ICMS, sendo instituído logo na entrada em vigor do atual Código Tributário Nacional, na década de 60. Ainda, tal imposto foi repassado à competência dos Estados, que se aproveitaram da situação em passaram a impor alíquotas de até 25%. O serviço de comunicação não foi de difícil introdução no sistema tributário, pois sua característica peculiar, a transmissão de mensagens à distância, não deixou dúvidas da incidência ao fato concreto. Isso facilitou a fiscalização, bem como a adequação ao modelo tradicional. Ocorre que não bastou um só tributo incidir sobre o meio. Uma vez que as empresas do setor já estavam estabelecidas no mercado, com bases sólidas e lucros exorbitantes, o legislador percebeu que o potencial de arrecadação poderia ser ainda maior. A União criou então, no ano 2000, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) e o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel). Isso sem falar nos tributos não específicos para o meio, como o PIS (Programa de Integração Social) e o COFINS (Contribuição sobre Remuneração dos Empregados Contribuintes Individuais). A pesada carga tributária sobre estas empresas são repassadas ao consumidor, obviamente. Em um exemplo prático, se a conta telefônica soma um total de R$ 788,29, verifica-se que, deste montante, R$ 566,15 são pagos pelos serviços efetivamente prestados. Todo o restante é reservado ao Fisco, sendo: R$ 197,06 de ICMS, com uma alíquota de 25% calculada, e mais PIS e Cofins, no valor R$ 25,08. Total de tributos repassados diretamente ao consumidor chega a 39,24%. Afora estes números, a concessionária deve recolher valores para os Fundos acima citados (Fust, Fistel e Funtell). Não é a toa que a conta telefônica seja tão elevada. Essa carga tributária pode ilidir o desenvolvimento do meio, e somente não é rechaçada pela população por ser um artigo de grande utilidade no dia-a-dia. 4.1.3 Softwares O software foi desde logo abarcado pelo Direito Industrial e pelos Direitos Autorais, deixando a questão da tributação de lado. Desta forma, está situado entre os bens intelectuais, mais especificamente, os bens informáticos, sendo tutelado pelo Direito Autoral outorgando proteção jurídica ao seu criador. A grande divergência sobre seu enquadramento jurídico está na sua intangibilidade, pois o que se está comercializando não é o suporte físico, mas sim os dados, ou melhor, o conjunto de bits que estão nele inseridos. Conforme afirma Wachowicz (2004, p. 255), “o programa de computador não está adstrito a um meio físico determinado, mas resguarda sua utilidade e funcionabilidade para além das corporificações várias que podem revestir”. Em face do modo de desenvolvimento do software, existem duas situações de interesse para o Direito Tributário. A primeira delas diz respeito àquele profissional autônomo que presta um serviço a uma empresa e desenvolve um programa, mas continua a receber seus “royalties” pela criação intelectual. A segunda refere-se à produção em massa de softwares e que são vendidos em lojas como mercadorias, no qual o autor cede sua criação e não permite que determinada empresa explore o conteúdo do software (exemplar de prateleira). O legislador não criou, tampouco adequou, o modelo tributário atual para enquadrar estas situações, que vieram a se massificar ao longo dos anos 90. Desta forma, coube a doutrina e a jurisprudência[4] classificar e imputar o tributo cabível a cada um dos casos, lembrando-se que ainda existem outras teorias sobre o tema. Na primeira situação, a doutrina dominante tem entendido que há a ocorrência de uma prestação de serviços, sendo então tributada pelo imposto denominado de ISS, de competência municipal. No segundo caso, quando o elemento caracterizador dessa cessão é o pagamento pelo direito de reproduzir a obra, nas palavras de Cezaroti (2005, p. 119), “estaremos diante de uma transferência jurídica da titularidade de uma mercadoria, tributável pelo ICMS”. Ressalta-se que estas operações independem do formato em que são transmitidas. Seja com um suporte físico, seja via download, teoricamente ambas deveriam ser tributadas. Há também os defensores do livre comércio, que afirmam e inventam teorias que justificariam a não incidência de qualquer tributo sobre o comércio de softwares. Porém, uma vez que são de pouca relevância, é válido apenas mencionar que elas existem. 4.1.4 Provedores de Internet A questão acerca de qual tributo deveria incidir sobre os provedores de internet era acirrada ao longo dos anos 90. De um lado, os empresários, alegando que estes não prestavam serviços de comunicação, mas sim um serviço de valor adicionado. Do outro, de forma ferrenha, o Fisco argumentava e redigia portarias e pareceres concluindo que se tratava sim de um serviço de comunicação, sendo então tributado pelo ICMS. Em face da omissão do legislador, essa calorosa discussão teve que ser pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça conforme decisão no Recurso Especial nº 456.650/PR, da Rel. Min. Eliana Calmom, que assim determinou: “a) o provedor de serviço de rede internacional de computadores é tão usuário dos serviços de comunicação quanto aqueles que a ele recorrem para obter a conexão à rede maior; b) o provedor de serviço de internet propõe-se a estabelecer a comunicação entre o usuário e a rede, em processo de comunicação, segundo a Lei 9.472/97 (art. 60, §1º); c) o serviço prestado pelos provedores de comunicação enquadra-se, segundo as regras da lei específica (art. 61), no chamado serviço de valor adicionado; d) o referido serviço é desclassificado como sendo serviço de telecomunicações (art. 61, §1º da Lei 9.472/97); e) se a lei específica retira da rubrica serviço de telecomunicação, o serviço de valor adicionado, não poderá o intérprete alterar sua natureza jurídica para enquadra-lo na Lei Complementar 87, de 13/9/96, em cujo art. 2º está explicitado que o ICMS incidirá sobre (…).” A decisão da Min. Eliana Calmom deu um ponto final a esta batalha. Com respaldo na melhor doutrina, conclui-se que não incidem quaisquer tributos sobre os provedores de internet puros, isto é, sobre as empresas que prestam unicamente este serviço. Oliveira (2001, p. 146) enuncia que “resta evidenciado que os Estados e o Distrito Federal não detêm competência tributária para instituir imposto sobre prestação de serviço de comunicação que incida sobre a prestação de serviço de acesso à internet. Tal entendimento é corroborado por vários autores, como Sacha Calmom Navarro Coelho, Newton de Lucca, Francisco de Assis Alves, Kiyoshi Harada, entre outros (al in MARTINS, 2001, p. 104, 141, 174, 222). Sendo assim, pacificada a idéia de não-incidência, o Fisco sofre uma grande derrota em sua intenção sedenta de arrecadação. 4.2 MODELOS INTERNACIONAIS Analisando-se as tendências e modelos internacionais é possível extrair uma base capaz de definir prováveis rumos que a política nacional irá adotar sobre o tema “tributação na internet”.  É notório que as economias mundiais estão interligadas, os números de dada economia são capazes de afetar todo um continente de nações. A influência externa é cada vez maior. As adequações às exigências internacionais se tornaram a essência para o crescimento e o desenvolvimento sustentável. Não é mais possível crescer isoladamente. Tudo dependerá de um conjunto de fatores equilibrados. De acordo com Finkelstein (2004, p. 128), “é notório que divergências entre as legislações podem constituir verdadeiro óbice ao desenvolvimento do comércio”, por isso existem as organizações internacionais, que tentam uniformizar esses conflitos sem ofender suas soberanias. Assim, se faz necessário estudar e implantar métodos e modelos internacionais, sob pena de cair-se no isolamento e, conseqüentemente, na estagnação tecnológica, política e econômica. E, desta maneira, também se encaixa a legislação tributária, principalmente em um meio que inexistem barreiras físicas.  Internet pressupõe a quebra de barreiras e a expansão do mercado para além dos limites físicos. Porém, por ser interesse comum de todos os mercados mundiais, há uma peculiaridade sobre o assunto. Definições e modelos apresentados por organizações internacionais sobrepõem-se às propostas apresentadas pelos países, pois geralmente tais propostas não possuem uma visão universal do tema, privilegiando-se sempre aquele que a elabora. Portanto, conforme enuncia Barros (2003, p. 77), “as organizações internacionais de ação direta são organismos que buscam o consenso em matérias políticas e econômicas em torno da globalização”, possuindo um interesse além do país de sua origem, por isso a grande força de influência de tais entidades. Em âmbito global, as mais influentes são a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento (OECD), vinculado a Organização Mundial do Comércio, e a United Nations Comissions on Internacional Trade Law (Uncitral), cujas propostas serão melhores analisadas abaixo. Existem outras de menor expressão, que atuam em níveis regionais, mas que merecem ser destacadas: World Wide Web Consortium (W3C), Internacional Engineering Task Force (IETF) e a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann). De comum entre todos eles, resultam cinco princípios básicos que todas as nações devem aplicar na tributação sobre o comércio eletrônico e, segundo Portella (2007, p. 117), são assim delineados: i. Neutralidade: os negócios teleinformáticos que sejam substancialmente similares àqueles que se realizam de forma comercial tradicional devem ser tributados de maneira igualmente similar. A função deste princípio é garantir a máxima paridade entre os custos indiretos que recaem sobre os agentes que atuam no âmbito do comércio tradicional e os custos que pesam sobre aqueles que desempenham suas atividades mercantis pela internet; ii. Simplicidade: devem ser aplicados às novas formas de relações jurídicas os mesmos princípios de fiscalidade internacional. A criação de novos princípios deve se dar apenas em casos extremos. Segundo posicionamento oficial da OECD e da União Européia, o legislador deve regular o controle tributário de modo a não prejudicar o desenvolvimento do comércio eletrônico, devendo garantir que os deveres tributários formais não minorem as perspectivas que oferece a Internet para o desenvolvimento de seus negócios; iii. Flexibilidade: a legislação implementada deve ser flexível e geral, propiciando o pleno desenvolvimento do meio. As regras que determinam a sujeição de ditas operações não devem ser aplicáveis somente sobre situações pontuais, e sim abarcar o maior número possível de supostos que possam surgir; iv. Eficiência: as medidas propostas para o controle tributário da internet necessitam possuir meios técnicos de fazê-lo. A qualidade dos procedimentos dependerá da eficiência que os mesmos possuem, ou possam vir a possuir, com respeito aos ingressos tributários, o que se traduz em uma busca constante de otimização do sistema de arrecadação e minoração da fraude e evasão fiscal; v. Coordenação e cooperação: devido a facilidade de troca de informação, o comércio eletrônico opera-se entre pessoas de lugares distintos e remotos. Diante disso, dados tributários relevantes encontram-se em poder de autoridades localizadas fora do âmbito geográfico de atuação dos entres competentes para tributar. Por isso, necessário se faz estreitar os vínculos e compartilhar as tarefas de busca e tratamento das informações tanto em nível nacional como internacional. Disto resulta que a política internacional dominante no tema da tributação do comércio eletrônico privilegia a adequação das formas tradicionais, mas sempre permitindo que a carga tributária não acarrete em um obstáculo à evolução da internet. 4.2.1 UNCITRAL A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral) foi uma das primeiras organizações internacionais a tratar do tema comércio eletrônico, tendo adotado, em 1996, um modelo de lei sobre as alternativas de intercâmbio e informações digitais. Muito embora a referida Lei Modelo tenha seu foco voltado para as relações de consumo e a segurança jurídica do meio, buscando a adaptação da legislação interna de vários países, visando regular e fiscalizar as operações, ela também apresenta um esboço sobre a tributação na internet. Os principais pontos da Lei Modelo da Uncitral sobre o comércio eletrônico são: a) a definição de vários conceitos, incluindo o de mensagem eletrônica, b) a regulação das formalidades legais para as mensagens eletrônicas e c) a regulamentação da comunicação via mensagens eletrônicas. O maior avanço da entidade no direito tributário refere-se a estipulação de princípios que norteiam o legislador a regular as transações virtuais. Os principais podem ser abaixo descritos: i. facilitar o comércio; ii. convalidar as operações realizadas por meio de novas tecnologias; iii. incentivar a aplicação dos novos meios de comunicação; iv. promover a uniformidade do direito aplicável à matéria e; v. apoiar novas práticas comerciais Importante ressaltar que a Uncitral, a todo momento, preza pela boa-fé e também pela uniformização das leis sobre a matéria, evidenciando que a internet é um meio global, sem pertencer a nenhuma nação ou grupo econômico, e por isso é preciso um esforço conjunto de cooperação para o seu desenvolvimento sustentável. 4.2.2 OECD O modelo proposto pela OECD tem sido a base sobre a qual a maioria dos países está consolidando sua base tributária. Na convenção de Ottawa, em 1998, chegou-se a conclusão de que não é necessária a criação de um novo sistema tributário, devendo ser aplicado ao comércio eletrônico os mesmos princípios convencionais de tributação. Segundo a Organização, devem ser aplicados os princípios usuais da tributação ótima. O Imposto ótimo seria aquele que permite ao governo alcançar seus objetivos ao menor custo possível em termos de eficiência. Seus atributos podem ser resumidos em eficiência, equidade, simplicidade, flexibilidade e efetividade. Tais considerações são primordiais e de fácil aplicação no comércio de bens tangíveis. Porém ainda existem inúmeros debates sobre como se dará esta tributação sobre os bens intangíveis. Segundo Barros (2003, p .80) a discussão na entidade ainda perdura, mas já foram dados alguns passos a respeito. “O primeiro deles foi definir o consumo de serviços intangíveis como aquele realizado no local em que o consumidor efetivamente utiliza o serviço”, afirma o autor. Para piorar, além da dificuldade de definição do tributo, outro problema enfrentado pela OECD refere-se à forma de coleta dos impostos sobre bens intangíveis. Existem, até o momento, vagas recomendações sobre como o Fisco deve proceder, mas não há um consenso sobre o assunto, comprovando a necessidade de discussão e elaboração de soluções para os referidos problemas. 4.2.3 União Européia Percebendo o surgimento da Sociedade da Informação e prevendo que a inclusão digital é fundamental para o sucesso no futuro, a União Européia optou por não criar tributos específicos para as relações realizadas pela internet. Apenas adaptou o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) para algumas situações envolvendo o novo meio. O raciocínio é bastante lógico. A tributação das relações virtuais poderia afugentar investimentos e novos consumidores, atravancando a evolução e desenvolvimento. Tal cenário poderia comprometer a inserção da sociedade na era da Informação, causando um atraso histórico na evolução social e econômica do bloco. Sendo assim, a Comissão Européia, e com o apoio da Organização Mundial do Comércio, lançou, em 1999, as diretrizes básicas para os países do bloco organizarem as relações virtuais. Dentre outros, ficou estabelecido que as normas sobre o comércio digital deveriam ser claras, coerentes, neutras e não-discriminatórias. Com relação aos tributos, ficou estabelecido a norma da mínima intervenção, objetivando sempre o crescimento deste mercado. Olivo (2001, p. 26) afirma que o objetivo da Comissão foi o de “garantir que este tipo de comércio possa desenvolver-se num ambiente fiscal com um mínimo de encargos”, isto é, caso seja necessário proceder alterações legislativas, estas não deverão beneficiar ou prejudicar o comércio eletrônico relativamente às outras formas de comércio. A União Européia decidiu tributar o comércio eletrônico de bens da mesma maneira que os tradicionais, utilizando-se a sistemática do valor agregado, que permite alíquotas nominais mais baixas e redução dos efeitos da evasão. Nesse sistema, o número de transações a serem fiscalizadas é menor, o que permite uma economia administrativa no monitoramento. 4.2.4 Estados Unidos da América Nos Estados Unidos criou-se a noção de não criação de novos impostos para a internet, sempre objetivando incentivar a evolução do meio. Esse princípio de não tributar surgiu por meio de uma lei que vigorou de 1998 até 2006, criada pelo Congresso americano, visando alavancar os investimentos no setor. Essa Lei de Liberdade Tributária na Internet ajudou o país a manter-se como o líder mundial em investimento e utilização do meio. Conforme afirma Barros (2003, p. 64), como as vendas pelo comércio eletrônico são amparadas pela não tributação, os Estados atacaram então no acesso à internet, aumentando taxas para provedores e para compras interestaduais baseadas nas vendas por catálogo. Afora isso, foi definido pela Suprema Corte que os Estados em que se faz a compra não podem exigir de outros Estados a coleta de impostos sobre vendas, a não ser que haja representação da empresa nesse Estado, desonerando ainda mais o contribuinte. No entanto, essa lei de “não tributar” teve vigência somente até 2006 e, com sua extinção, já surgem várias propostas ao Congresso americano buscando uma solução para a tributação do comércio eletrônico. Porém, tendo em vista que os legisladores americanos são adeptos dos princípios da neutralidade, aplicação e flexibilidade, conforme afirma Emerenciano (2003, p. 71), é possível prever que o futuro daquele país está na adequação dos meios tradicionais para as novas realidades. 5 QUESTÃO FUNDAMENTAL Tudo o que é novo causa certa apreensão e cautela por parte das pessoas. Principalmente quando a mudança é substancial. Assim deve ser encarado o surgimento da internet. Ocorre que a internet não está nascendo, mas já está amplamente difundida e, por parte do legislador, pouco foi feito. Em matéria tributária, quase nada. Assim, uma vez que o sistema atual (rígido e tradicional) em nada se atualizou, é certo que este estará cercado de dificuldades, tanto em qualificar, quantificar, identificar e fiscalizar a arrecadação de tributos originados no comércio eletrônico. Especialistas já apontam, com bastante clareza, que diversos impostos sofrerão problemas “preocupantes” no momento da subsunção do fato a norma. Segundo Portella (2007, p. 67), os tributos desvinculados como o IR, PIS, COFINS, ICMS, ISS, II, IE, IPI e IOF apresentarão dificuldades de especificar a natureza do bem, a quantia recebida, o momento do pagamento, o lugar, etc. Em suma, de acordo com o mesmo autor: “O estudo do controle tributário do comércio eletrônico encontra-se em uma encruzilhada de dilemas que envolve a otimização dos procedimentos tributários, a luta contra a potenciação dos métodos de evasão fiscal, a garantia de desenvolvimento da internet e das práticas mercantis que a mesma abarca, assim como a aquisição dos meios para o financiamento dos gastos públicos”. (PORTELLA, 2007, p. 67) Portanto, não é simples o desafio de adaptar o modelo atual ao comércio eletrônico. Trata-se da necessidade de remodelar um sistema rígido, burocrático e tradicional, que morosamente se adapta as novidades tecnológicas. As questões levantadas pela internet originam uma série de novas perspectivas para a aplicação dos regimes fiscais. Infelizmente, para a maioria dos doutrinadores, tais mudanças são encaradas apenas como o levantamento de problemas já existentes, apenas enfatizados com o surgimento da internet, e que não merecem muita atenção. Porém, é consenso dos estudiosos do tema que existem três situações importantes que surgem com o novo meio: a) detecção das operações telemáticas, b) identificação dos fatores que participam em tais operações e c) arrecadação dos tributos. 5.1 LIMITES DE ADEQUAÇÃO O Fisco está, em virtude dos mais diversos fatores, cercado de limites à sua vontade de arrecadar. A internet veio aumentar essas limitações ao poder tributar. Conjugando-se o modelo do sistema tributário tradicional em contraposição com a onda de novidades que a internet está inserindo no dia-a-dia da sociedade, é de se verificar que o Estado terá sérias restrições e dificuldades em manter seu sistema equilibrado, comprometendo ainda mais as bases do já frágil e decadente modelo atual. A arquitetura aberta e global da internet e o potencial de não identificação dos sujeitos envolvidos são empecilhos ao controle desse meio, resultando em sérios riscos e problemas jurídicos, principalmente relacionados ao Direito Tributário. Conforme Emerenciano (2003, p. 66), são inúmeras as novas questões no campo da tributação, “geradas pela inadequação dos conceitos legais existentes, diante das novas realidades fruto das operações possíveis de serem realizadas pela internet”. Segundo ele, já existe uma preocupação bastante relevante acerca das transações virtuais relativas a produtos físicos e digitais, dos serviços específicos baseados na internet, da localização do servidor, do lucro obtido no exterior, da dupla tributação e do futuro do ICMS, ISSQN e no Imposto sobre a Exportação e Importação. “De acordo com alguns analistas, o comércio eletrônico e a prestação de serviços realizados via internet podem, no futuro, via a colocar significativas dificuldades para os sistemas tributários nacionais. Isso ocorreria porque a expansão do comércio eletrônico tende a tornar mais difícil e complexa a arrecadação de impostos pelos governos” (BARROS, 2003, p.37) Cumpre destacar que a grande dificuldade da doutrina refere-se ao comércio de bens digitais, intangíveis, que circulam por meio de bits. É certo que os bens tangíveis, materiais, negociados com o auxílio da rede em pouco alteram os conceitos até hoje existentes. 5.1.1 Desenvolvimento do meio É notório e de fácil percepção que a internet é um conglomerado internacional de relações jurídicas entre pessoas ligadas mediante o uso de uma rede de computadores. Sendo de abrangência global, ao legislador brasileiro cabe também a tarefa de seguir as tendências internacionais, sob pena de ficar excluído deste novo nicho de mercado. Como já visto acima, ao contrário da tendência histórica brasileira, a União Européia, bem como os Estados Unidos da América, optaram por um modelo de relaxar a carga tributária sobre este setor, a fim de proporcionar mais rapidamente sua evolução. Tal isenção tem um objetivo lógico e extremamente essencial no futuro da sociedade globalizada, que é a de propiciar que seu povo esteja inserido na Sociedade da Informação e seja capaz de nele atuar. Se o futuro do planeta é a informação, é fundamental incentivar as pessoas a mergulhar neste novo mundo. Assim também dispõe Olivo (2001, p. 27), enunciando que: “no processo de crescimento e expansão do comércio eletrônico é fundamental que a fiscalidade seja aplicada para garantir que o comércio eletrônico possa evoluir e atingir o seu pleno potencial em benefício da economia comunitária e promover níveis mais elevados de emprego.” É neste mesmo sentido que deve agir a sociedade brasileira, evitando a imposição de uma carga tributária que afaste investimentos e oportunidades de expansão na área. Em um estudo realizado por Goolsbee (PORTELLA, 2007, p. 56), conclui-se que “a aplicação do regime de imposição sobre compras eletrônicas reduziria o número de consumidores de bens virtuais em até 24%.” Ainda, não se pode ignorar que o Brasil necessita seguir as tendências internacionais para não se isolar e ficar defasado no mercado. Como o fenômeno da globalização prevê a união de todas as economias mundiais, é corrolário básico para o sucesso do meio a adoção das exigências mundiais sobre o tema. Sendo assim, uma vez que as organizações internacionais privilegiam uma tributação moderada sobre a internet, sempre objetivando seu pleno desenvolvimento, tais enunciados também constituem um empecilho ao poder do Fisco. Afora isso, é dispositivo expresso da Constituição que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico (art. 218), isto é, um dos deveres governamentais é apoiar os novos meios. Tal preceito é fundamental para inserir o povo brasileiro na era da Informação, meta esta almejada pelas grandes potências mundiais. 5.1.2 Direitos Fundamentais Os direitos fundamentais são algumas das ferramentas que os contribuintes têm para repelir a obrigação tributária. Portanto, o Fisco não pode ignorar que os direitos fundamentais são imperativos e devem ser observados. “As regras dos sigilos fiscais e bancários, da correspondência, das comunicações, dos profissionais, da privacidade, do domicílio, do direito de não produzir prova contra a sua pessoa, da alegação de constrangimento ilegal, etc., são algumas das hipóteses que limitam o poder de fiscalizar, muitas delas colocadas como direitos fundamentais do indivíduo e da coletividade (CF/88, art. 5).” (ICHIHARA in FOLMANN, 2006, p .332) Antes de o legislador partir para a tributação sistemática do comércio eletrônico, ele precisa sempre lembrar-se da função essencial do tributo em um Estado Democrático de Direito: libertar o homem de toda forma de submissão e de opressão, como a pobreza econômica, fraqueza física e enfermidades, falta de acesso a serviços fundamentais, falta de informação, analfabetismo, exploração por segmentos sociais e econômicos, marginalização social e cultural, exclusão digital, falta segurança e educação, etc. O homem demanda por uma ordem tributária humanística, baseada nos mandamentos constitucionais de bem-estar e vida digna. Conforma afirma Lanari (2005, p. 150), “na estruturação desse novo direito tributário, a tributação do comércio eletrônico é um imperativo de justiça social”. Segundo a autora, a tributação justa deve sempre levar em consideração a capacidade tributária, a neutralidade econômica e a equidade. Afora esta busca pela dignidade da pessoa humana, também não pode o legislador ignorar a tendência internacional, não pode ir de encontro com os princípios e regras do atual modelo e, tampouco, impedir o desenvolvimento deste novo meio, como será visto abaixo. É dentro de todas estas limitações que caberá ao Estado a discricionariedade de optar por um modelo eficaz e justo. 5.1.3 Diretrizes internacionais De acordo com o já exposto, é possível afirmar que somente com um consenso global sobre a tributação na internet, com a conseqüente uniformização dos tributos, será possível elaborar um sistema tributário capaz de garantir a manutenção dos princípios e a aplicação ou adaptação de normas e conceitos já consagrados ao fenômeno do comércio eletrônico. Por isso, é impossível o Estado brasileiro ignorar os dispositivos internacionais, principalmente aqueles propostos por entidades como a OECD e a OMC. Ocorre que as disposições internacionais prezam pelo desenvolvimento do meio e pela justa tributação, indo de encontro com a política nacional de imposição de tributos cada vez mais onerosos. Desta forma, surgem apenas duas situações ao Estado: 1) seguir a dinâmica global e se inserir no mercado eletrônico, desonerando o contribuinte ou 2) isolar-se no desenvolvimento deste mercado e tributar de maneira pesada os internautas, desestimulando a evolução do meio. 5.1.4 Revolução de Conceitos A internet traz a tona mudanças no modus operandi do Direito, introduzindo novos modelos, conceitos e paradigmas. Em contrapartida, o Direito Tributário continua estruturado em uma base sólida, conservadora e limitado pelos mais diversos princípios do direito. As normas tributárias, como já visto, foram elaboradas sobre fatos fisicamente perceptíveis, devidamente tipificadas, estabelecendo-se sobre determinado tempo, espaço, forma e sujeitos tangíveis. Acontece que, com o surgimento de conceitos, formas de utilização e produtos não especificados em qualquer texto normativo brasileiro, deixou ao intérprete uma lacuna estrutural, que resulta em certa margem de discricionariedade. Percebe-se uma profunda inadequação dos meios em face das hipóteses de incidência, uma vez que os conceitos utilizados geram dúvidas quanto à abrangerem, ou não, o comércio eletrônico. Alguns doutrinadores, de maneira mais radical, já expõem que não há como tributar os novos modelos de comércio ditados pela internet, veja: “Quaisquer atividades e transações que hoje ocorrem no âmbito da internet não são tributáveis, no Brasil, pelos impostos ora conhecidos relativos à produção e circulação, pela falta de expressa previsão legal, importando assim em hipótese de não-incidência tributária.” (OLIVO, 2001, p. 36) Ocorre que são poucos os que assim se posicionam. Porém, é bastante difundido que, em casos não muito raros, existe a impossibilidade legal e fática de tributação nos moldes atuais. Tal ocorrência pode ser constatada, por exemplo, no download de músicas de um CD (Compact Disc). O que tradicionalmente seria tributado pelo ICMS agora não mais constitui hipótese de incidência. Em sede de comércio eletrônico direto pode não existir a transferência de mercadoria ou produto ou serviço, tampouco existir um local físico identificável. O momento da concretização da operação também é mitigado, bem como a identificação das partes envolvidas. Essa inadequação de conceitos e modos de operação prejudica a subsunção do fato à norma, pela inexatidão conceitual que a internet traz. Além do mais, ainda que em um esforço imaginário fosse possível encaixar algum tributo sobre determinada operação on line, um novo e gigantesco obstáculo surgiria: como fiscalizar e arrecadar tal tributo. 5.1.5 Rigidez do modelo tributário nacional A maior barreira que o Direito enfrenta para poder tributar as operações realizadas por meio do comércio eletrônico é o próprio Direito. Muito embora a sociedade esteja sufocada pela carga tributária, é na lei que as pessoas possuem sua maior defesa. É verdade que influências internacionais, princípios gerais e exigências do mercado constituem uma das forças adversárias do Fisco, mas é no rígido sistema legislativo que ele enfrenta seu maior percalço. A obrigação de pagar um tributo está subordinada a existência de previsão legal. Somente aquilo que está tipificado por ser tributado. Ainda, uma vez tipificado, tais mandamentos devem seguir uma série de preceitos para assegurar sua constitucionalidade. “As circunstâncias da chamada Nova Economia, mormente a definição das redes de computadores, em especial a internet, como espaço de intercâmbio e interação, com a conseqüente transposição para esse ambiente da sede do comércio internacional, ameaçam as fórmulas tradicionais de tributação, que são adequadas à economia da era industrial, de produção e consumo de bens corpóreos, de comércio realizado em local identificável. (…) Com a realização de negócios inteiramente no ciberespaço, sem recibos e sem vestígios, resta dificultado, se não impossibilitado, qualquer tipo de fiscalização, com comprometimento da eficiência do sistema e da arrecadação”. (LANARI, 2005 p. 123) De acordo com Lanari (2005, p. 243), “o Direito Tributário e os princípios gerais de tributação constituem um manto protetor dos contribuintes, que impede que o ato de soberania estatal se transforme em autoritarismo fiscal”. Como já visto, somente um fato abstratamente previsto pode ser tributado. A grande questão é que, como o modelo atual é conservador e não especifica de maneira clara as inovações trazidas pela internet, muito dos fatos oriundos do comércio eletrônico não podem ser tributados. Cada um dos aspectos da hipótese de incidência será afetado, descaracterizando muitas situações antes tributáveis. 5.1.5.1 Sujeito Passivo Novas tecnologias fazem nascer novas formas de burlar o Fisco. Assim também é com a internet. Criar pessoas virtuais anônimas, sem um correspondente físico, em cybercafés ou em lan houses é algo que qualquer adolescente pode fazer. Uma vez criada esta pessoa virtual, ela será capaz de realizar as mais diversas operações jurídicas, entre elas aquelas com relevância tributária. Este cenário é qualificado como “melindroso” por Lanari (2005, p. 129), explicando que esta questão de difícil solução “refere-se à identificação dos usuários da internet e, por conseguinte, do sujeito passivo da obrigação tributária”. Esta facilidade de “esconder-se” na internet é própria da estrutura da rede, criada de maneira aberta, a fim de que os dados contidos em um ponto não se percam para o resto dos envolvidos. Portella (2007, p. 96) afirma que o “anonimato é uma das principais características da internet”. Segundo ele, comprar, vender, realizar transações bursáteis ou prestar serviços implica, em muitos casos, “em não ter o mínimo conhecimento a respeito da identidade dos indivíduos com os quais se negocia”. Ainda, outra hipótese perfeitamente possível é uma criança se fazer passar por um sujeito capaz e realizar transações vultosas. Além da dificuldade de identificação dos sujeitos, surgem também problemas como as pessoas estabelecidas em paraísos fiscais e as técnicas de encriptação. A encriptação, em face de suas amplas possibilidades de causar danos ou crimes, é restringida em vários países, inclusive no Brasil. Porém, a pirataria permite a utilização destes meios obscuros em qualquer estabelecimento. Em suma, não identificado o sujeito passivo, não há como tributar e, novamente, o Fisco fica prejudicado. Por fim, também é possível verificar que uma das grandes conseqüências trazidas pelo comércio eletrônico é a eliminação de intermediários para a realização de negócios. Portanto, significa a eliminação de substitutos e responsáveis tributários, bem como colaboradores do Fisco. 5.1.5.2 Aspecto Temporal A determinação do tempo da operação terá conseqüências na fixação do período impositivo, como do momento do pagamento dos distintos impostos. A definição do momento da transação eletrônica é possível, mas o maior problema ocorre na manipulação destes dados. Conforme afirma Portella (2007, p. 90), “há sistemas eletrônicos que permitem informar o instante exato de uma compra e venda telemática, mas com a mesma facilidade pode-se manipulá-la”. A falta de segurança jurídica configura-se como o principal problema trazido pela internet ao aspecto temporal. A solução seria adotar um sistema global que não permita tais alterações, mas em se tratando de ambientes virtuais, descobrir uma ferramenta capaz de manipulá-la é mera questão de tempo. 5.1.5.3 Aspecto Espacial A definição do lugar onde se realiza uma determinada transação eletrônica tem sido seguramente uma das questões que mais preocupam governos e entidades internacionais. Nas palavras Cezaroti (2005, p. 140), o “primeiro problema com o qual nos deparamos é a identificação do estabelecimento onde ocorreu o fato gerador do imposto”. Da mesma forma que na determinação do sujeito passivo, a determinação do local da operação é bastante dificultada pelos meios eletrônicos. O tamanho do problema é fácil de ser identificado por um exemplo concreto: imagine-se um empresário conectado à internet por meio de seu laptop, dentro de um trem de rota internacional, fechando um negócio de prestação de serviços com um adolescente situado em uma lan house. Como se determinará o aspecto espacial desta relação? Pela legislação vigente, não há como enquadrar referida situação, pois, conforme anuncia Ataliba (2006, p. 105) “um determinado fato, ainda que revista todos os caracteres previstos na hipótese de incidência, se não se der em lugar nela previsto implícita ou explicitamente, não será fato imponível”. Resumindo, não determinará o nascimento de nenhuma obrigação tributária. Não é possível enquadrar um exemplo como este em um local físico, por isso a necessidade da legislação tributária evoluir. Tal fenômeno gera preocupação na doutrina, e logo passará a incomodar o Fisco, veja: “Certas circunstâncias relacionadas ao comércio eletrônico, em si considerados, também trazem conseqüências para a operacionalidade dos sistemas tributários. Uma delas é a identificação do lugar de ocorrência do fato gerador de uma operação tributável.” (LANARI, 2005, p. 128) A questão fundamental é saber onde se localizam os diversos fatores que interagem numa determinada transação. A Internet potencializa as possibilidades de manipulação dos requisitos normativos existentes nos distintos países para a identificação da sede da empresa.  De acordo com Portella (2007, p. 87), “tanto o critério do lugar da constituição dos bens, como o critério do domicílio social abrem grandes possibilidades para a realização de fraudes”. Para solucionar-se este problema será necessária a concentração de esforços para investigar onde estão localizados os diversos fatores que intercedem na relação, fato este que está longe de ser alcançado, pois será preciso uma cooperação internacional e uma nova rede de controle das operações eletrônicas para que seja possível a troca de informações tributárias relevantes. 5.1.5.4 Aspecto Qualitativo É neste aspecto que o Fisco enfrentará a maior dificuldade em identificar e captar o tributo. O aspecto qualitativo é o fato ou o ato que acarreta na obrigação de tributar. Ocorre que o sistema tributário está calcado em atos fisicamente perceptíveis. Em nenhum momento foi previsto a transferência on line de bens. Essa é conclusão dos mais diversos estudiosos do tema, cujas idéias podem resumidas na conclusão de Portella (2007, p. 70): “Os problemas específicos relacionados com a identificação do objeto numa relação mercantil pela internet, com explícitas implicações sobre o regime tributável aplicável, referem-se a) às dificuldades na classificação dos produtos telemáticos em bens ou serviços; b) às dificuldades relativas à natureza jurídica do software; c) às questões relativas à classificação de determinados serviços que não existiam antes da chegada da rede e que são específicos deste ambiente; d) aos problemas relativos à natureza jurídica da internet enquanto serviço de comunicação ou de informação.” São inúmeros os exemplos concretos que apresentam características inovadoras para o direito tributário. Surgem problemas na identificação do objeto da transação eletrônica, na classificação dos produtos telemáticos em bens ou serviços, natureza jurídica do software enquanto obra de arte, científica ou técnica, classificação de determinados serviços específicos do ambiente telemático, natureza jurídica da internet enquanto serviço de comunicação ou informação, natureza da contraprestação, download de produtos digitalizados e compra de produtos digitalizados para sua exploração, hospedagem de páginas virtuais e armazenamento de dados, teletrabalho, assessoramento profissional, subscrição de acesso à páginas interativas e fornecimento de informação, entre outros casos que já fazem parte do cotidiano do cidadão. Um esforço bastante grande deverá ser feito para enquadrar conceitos como gerar renda, importar, exportar, industrializar, circulação de mercadoria, etc., no âmbito virtual, pois estes estão calcados em situações fisicamente perceptíveis e palpáveis. Nas palavras de Barros (2003, p. 96), em alguns casos, “é difícil definir se o bem transacionado via Internet é uma mercadoria ou serviço ou discriminar devidamente os diferentes serviços prestados, quando a venda ser faz sob a forma de pacotes”. Um exemplo bastante atual e que já demonstra como o Fisco terá problemas para arrecadar determinados tributos pode ser visto no caso do ICMS, que supostamente incidiria sobre os Provedores de Internet. Como já visto, é um novo produto que surge, rompendo conceitos, que impede a sua tributação. Além da problemática de enquadrar as operações derivadas da internet, devido à ausência de previsão legal, a fiscalização será dificultada em face da agilidade e dinâmica do meio, que permite a realização de negócios que deixam poucos vestígios. A ausência de intermediários diminui substancialmente a possibilidade da Receita cruzar dados e identificar fraudes e sonegações fiscais. 5.1.5.5 Aspecto quantitativo Para se chegar ao aspecto quantitativo do tributo deverão ser determinados todos os aspectos acima relacionados. Uma vez identificados, será possível atribuir-lhes uma valoração econômica. Segundo Portella (2007, p. 90), é importante para a determinação do aspecto quantitativo definir a) a natureza do objeto, b) o valor efetivamente pago, c) a determinação da alíquota, d) o regime de isenção e e) o pagamento eletrônico. A relevância do objeto da transação se reflete na determinação da base de cálculo, na averiguação da alíquota e no regime de isenção. Identificar um objeto para saber se trata-se de uma consulta médica, um programa de computador ou uma obra de arte, terá repercussões na valoração do tributo. Com relação a valoração dos objetos resta dificultada em face da negociação, que é bastante comum na internet, de dois ou mais produtos complementares, pois o problema estaria em determinar qual seria a quantia paga pela aquisição de cada um dos objetos contratados. Já a definição das alíquotas passa diante da necessidade de classificar os objetos da transação eletrônica, pois serviços ou bens possuem diferentes tabelas de mensuração. O regime de isenção, além do problema de classificar a relação, tem o obstáculo da definição dos sujeitos da relação. Por fim, o pagamento eletrônico levanta outra questão relevante: em muitos casos os cartões eletrônicos não deixam margem a que se efetue o procedimento de inspeção, já que esta modalidade de pagamento nem sempre obriga o registro dos movimentos efetuados, ou o arquivamento dos dados relativos aos mesmos. Todas as questões acima se somam as demais dificuldades trazidas com o advento da internet para o Direito Tributário, que culminam na impossibilidade de identificar a obrigação tributária, constituir um crédito e exigir o tributo do cidadão. 5.2 INSUSTENTABILIDADE E NECESSIDADE DE REFORMA A arrecadação do Estado, da maneira que está estruturada, se confrontada com a definição de sustentabilidade, não possui vários de seus requisitos, entre eles as bases sólidas, estáveis, duradouras e, muito menos, seguras. É de se concluir que o modelo atual poderá sofrer um colapso, por isso é insustentável. Conforme o cenário até agora delineado, pode-se extrair algumas afirmações acerca do modelo tributário nacional: i. a carga tributária recai fortemente sobre a população consumerista; ii. os desvios de dinheiro público e a corrupção consomem parte da arrecadação; iii. existe uma necessidade cada vez maior de arrecadação; iv. o Estado deve respeito à rigidez da legislação tributária; v. e também respeito aos direitos fundamentais do cidadão; vi. o tributo deve ser utilizado na busca da dignidade da pessoa humana. O Fisco já padece de sérios problemas, como a necessidade cada vez maior de arrecadação e o sufocamento da população consumerista. Isso, por si só, já justifica a insustentabilidade. As relações virtuais apenas aceleram o comprometimento e a urgência de reforma do atual modelo. Com a internet, como já visto, é certa a queda na arrecadação, a qual será cada vez maior se considerado que o potencial do comércio eletrônico ainda não se encontra totalmente explorado. Por isso, conforme afirma Lanari (2005, p. 240), “as operações eletrônicas com intangíveis representam um grande desafio às Fazendas Públicas”. É opinião majoritária entre os doutrinadores que o Fisco terá que se adequar aos novos meios, criando novos modos de arrecadação e fiscalização, sob pena de sofrer conseqüências desastrosas nos cofres públicos. A sustentabilidade do sistema tributário, em face do comércio eletrônico direto, será agravado pelos seguintes motivos: i. o Estado deve adotar as tendências internacionais; ii. é certa a massificação da internet; iii. necessidade de estimular o desenvolvimento do meio; iv. dificuldade de adequação da relação virtual aos aspectos qualitativos, pessoais, temporais e quantitativos da norma tributária; v. impossibilidade de fiscalização sem irromper direitos fundamentais. Por tais motivos, está devidamente fundamentada a insustentabilidade do modelo atual, cujas conseqüências, embora pareçam distantes, já são sentidas em alguns setores da economia. Um exemplo gritante e capaz de bem elucidar o presente estudo está na telefonia e nos bens digitais, que serão melhores estudados abaixo. 5.2.1 Telefonia Não obstante todas as afirmações feitas até aqui parecem dar conta de um futuro não tão próximo, o cenário não muito animador prospectado neste estudo já está em pleno desenvolvimento. A diminuição na tributação logo poderá ser percebida no setor da telefonia. É sabido que estas empresas são umas das maiores arrecadadoras de ICMS dos Estados. As empresas de telecomunicações arrecadaram, somente no Estado do Paraná, quase R$ 960 milhões no ano de 2006, o que corresponde a 13,89% do total arrecadado pelo Estado, ficando atrás somente das indústrias (31,32%), comércio (22,46%) e das fornecedoras de energia (15,18%)[5]. Sendo assim, devido às vantagens da “comunicação” via internet, utilizando-se de ferramentas como o VOIP, Windows Messenger, Skype, entre outros, é certo que um número cada vez maior de pessoas, principalmente aquelas que se utilizam diariamente de ligações a longa distância, irão migrar para esse novo meio. Esta nova tecnologia proporciona, além da vantagem do uso da WebCam, ou seja, ainda que precariamente, é possível visualizar a pessoa que está no outro lado da ligação, está o fato de que é mais economicamente viável. Isso porque, uma vez que se utiliza da Internet, não constitui um serviço de comunicação, caracterizando-se apenas por uma troca de informações. Devido a esta característica, não há a incidência do ICMS, tornando-o menos oneroso. A conversa por meio da Internet nada mais é do que o envio de dados de um computador ao outro, assim como o download de arquivos. Esta característica peculiar afasta a hipótese de incidência do ICMS, pois seu critério qualitativo fora afetado, descaracterizando-o. Ainda não existe um manifesto receio por parte do Fisco, bem como das empresas de telecomunicação, devido ao baixo índice de pessoas que utilizam esta tecnologia. Mas é certo que haverá um crescimento do meio, e logo haverá um movimento para regular estas novas formas de comunicação. Enquanto isso, uma queda gradual de lucros começará a afetar os setores envolvidos com a telefonia, bem como uma diminuição, ainda que sutil, na arrecadação. 5.2.2 Bens digitais Atualmente, é comum jovens, crianças e adultos deslocarem-se até seus computadores para divertirem-se operando jogos, realizando pesquisas, ouvindo música, desenhando ou implementando atividades dessa natureza, sem receber qualquer adimplemento por estes procedimentos, não se configurando uma prestação de serviços, uma vez que não se identifica um ato positivo, material ou não, do devedor em benefício ao credor. “Nem mesmo na utilização de bases de dados encontra-se presente a prestação de serviços”, afirma Emereciano (2003, p. 172). Levando-se em comparação com o conceito de bem digital, que é um bem móvel sujeito ao regime dos direitos autorais, com o da prestação de serviços, que exige uma obrigação de fazer, conclui-se que este não pode ser tributado pelo ISS. O bem digital deve ser negociado mediante contratos de licença de uso, cessão de direitos e contrato de locação, não incidindo, assim, o imposto denominado de ISS. Tal entendimento vem sendo corroborado com a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre o conceito de prestação de serviços, conforme decisão prolatada no RE 116.121-3/SP, DJ de 25.05.2001, do Relator Ministro Celso de Mello, veja: “TRIBUTO – FIGURINO CONSTITUCIONAL.  A Supremacia da Carta Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS – CONTRATO DE LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto Sobre Serviços revela o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável – artigo 110 do Código Tributário Nacional.” Diante deste julgado pode-se chegar à conclusão de que a única possibilidade de incidência do ISS é sobre uma obrigação de fazer, vedada a ampliação por força da repartição de competências. Sendo assim, os bens digitais, da forma acima expostas, comportam apenas um “permitir”, mas nunca um “fazer”, não incidindo assim o tributo. Esta é a conclusão de Emereciano (2003, p. 175), que enuncia que é “inexorável que os bens digitais, quando objeto de cessão de uso ou em seus modos de fruição, não estão sujeitos à incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza”. Embora menos gritante que o exemplo da telefonia, acima exposto, a não incidência do ISS sobre estas relações on-line configura, na certa, uma tendência de queda da arrecadação. É certo e previsível a migração cada vez maior das pessoas para este tipo de entretenimento. Com o aumento destas atividades, a sociedade irá usufruir menos de espaços tradicionais, como cinemas, bares, parques, praças, etc., passando a consumir menos, uma vez que não estarão expostas à oferta dos mais variados produtos. Isso representará uma queda gradativa e constante na arrecadação por meio do ISS, que a longo prazo poderá comprometer o Estado, reforçando a sua insustentabilidade e necessidade de reforma do sistema tributário. 6 PROPOSTAS DE SOLUÇÕES Talvez a maior decepção para o leitor interessado no assunto da tributação das relações virtuais é, ao chegar no final de uma obra, verificar que são traçados apenas esboços sobre o assunto. São raros os doutrinadores que ousam prever ao apontar soluções para a sustentabilidade do sistema. Tal receio justifica-se pela novidade e dinâmica do tema, pois a cada instante os conceitos modificam-se, transformam-se e se reestruturam, mudando teorias e idéias antes consolidadas. Assim foi com o provedor de acesso à internet, por exemplo, o qual era dado como certa a incidência do ICMS sobre tais empresas, em face da prestação de serviços de comunicação. Porém, em um curto espaço de tempo, foram consolidadas novas teorias e, conseqüentemente, a incidência do referido imposto caiu por terra. Devido a estas evoluções, que estão cada vez mais constantes e rápidas, é praticamente impossível tecer uma linha ideal, tanto na teoria como na prática. Sendo assim, somente o tempo poderá dizer qual das correntes doutrinárias se sobressairá sobre as demais. Diante disso, o presente estudo não irá apontar a solução mais correta, mas sim apresentar as idéias mais coerentes e viáveis, deixando ao leitor tirar suas próprias conclusões. A única conclusão unânime na doutrina é enunciada por Barros (2003, p. 97) como sendo a necessidade de “formulação de novos conceitos jurídicos, adequados à também nova realidade criada pelo surgimento da Internet, e a conseqüente alteração de provisão constitucionais”. Emerenciano (2003, p. 70) enuncia que existem dois grandes grupos: um primeiro entendendo que não devem ser criadas novas figuras tributárias, mas sim preservar as estruturas existentes; e outro defendendo que é preciso revisar conceitos fiscais tradicionais, para adaptá-los a realidade emergente. Entretanto, Finkelstein (2004, p. 129), bem como Portella (2007, p. 110), apontam um terceiro grupo, que entende que o mercado se regulará sozinho, pela denominada Lex mercatoria. São essas as três principais e mais difundidas correntes doutrinárias acerca do tema, que serão descritas abaixo, sendo que todas seguem a premissa básica de que o Direito não pode ser visto como algo pronto e acabado, mas sim em constante adequação: 6.1 LEX MERCATORIA A Lex Mercatoria pode ser definida como sendo o conjunto de regras e institutos concernentes ao comércio internacional comumente aplicados pelos mercadores, conscientes de que se tratem de regras de direito ou pelo menos que os outros contraentes se comportem observando as mesmas regras. No comércio tradicional é comum a existência de organismos internacionais que passaram a ser responsáveis pela edição de regras gerais como, por exemplos, a Câmara de Comércio Internacional de Paris. Em face dos conflitos de jurisdição e soberania que as relações virtuais propiciam, seria bastante plausível que estes mesmos organismos passem a gerir tais atividades. Em um mundo globalizado e integrado pela internet, é primordial a uniformização da legislação sobre seu funcionamento. Finkelstein (2004, p. 129) afirma que a aplicação da Lex Mercatoria para solver disputas de algumas questões em operações comerciais eletrônicas “pode vir a ser uma boa opção para dirimir tais conflitos”, pois este meio está carente de regras e, face sua espantosa expansão, poderá culminar em um caos jurídico, travando a evolução do meio. Ocorre que esses organismos internacionais vêem o comércio eletrônico como formas de incrementar o mercado, expandir investimentos e atrair capital. Além do mais, a história nos lembra que as regras ditadas pela Lex Mercatoria carecem de rigor técnico, são pobres de conteúdo, de difícil acesso e falta de previsibilidade, comprometendo um dos elementos basilares do Estado Democrático de Direito, que é a segurança jurídica. Desde 1622, quando Gerald Malynes compilou a primeira definição de Lex Mercatoria, a incerteza sempre preponderou sobre as referidas regras. Mas nem por isso ela merece ser descartada. Enquanto as Organizações internacionais e as nações não chegam a um consenso, atualmente, ainda que de forma tímida, é a própria Lex Mercatoria que vem gerindo os negócios virtuais. Ora, inexistindo um código amplo e capaz de regular as situações concretas, os internautas vêm definindo os rumos do comércio eletrônico. “O comércio eletrônico já possui uma linguagem específica, é virtualmente cursado via internet, detém tecnologia própria e condições de ter amplitude muito maior que as operações comerciais internacionais. No futuro próximo, com a consolidação das atuais práticas comerciais, assim como a fixação de normas internacionais costumeiras para definir novas figuras ou normas contratuais, será possível criar pelo uso, uma e-lex-mercatoria”. (FINKELSTEIN, 2004, p. 134) Porém, no âmbito tributário, tais ponderações são preocupantes. Em troca do desenvolvimento do mercado, da evolução tecnológica e econômica, a lei do mercado minimamente irá se preocupar com a arrecadação estatal. Melhor dizendo, a tributação das relações virtuais será a última preocupação do mercado, cada vez mais consumerista. O comércio gira em torno do lucro, dos investimentos, das aplicações. O tributo é um obstáculo para seus objetivos e, por isso, é, na maioria das vezes, combatido e criticado. A consolidação da Lex mercatoria no comércio eletrônico poderá aprofundar ainda mais a previsão de colapso da arrecadação estatal. Esta teoria sofre duras críticas das demais correntes, pois é dever do Estado interferir desde já neste novo meio, a fim de manter a sustentabilidade do sistema tributário, sob pena de falência. Lanari (2005, p. 152) afirma que não cobrar tributos das operações envolvendo o comércio tributário “implicaria na chancela da velha e odiosa repartição dos encargos tributários”. Já Portella (2007, p. 129), afirma que esta teoria padece de exatidão pelo fato de que o leque de oportunidades geradas pelo meio “são suficientes para garantir um desenvolvimento satisfatório desta forma de comercializar”. Por tais motivos, não seria nesta modalidade de auto-regulamentação da internet que serão encontradas as melhores soluções para o problema da tributação na internet, pois o interesse de um será por demais preponderante sobre o do outro, desequilibrando o sistema. 6.2 FISCALIZAÇÃO E ATUAÇÃO INTENSIVA A internet, se por um lado permite o anonimato e agilidade nas transações mercantis, fornece também ao Governo uma importante ferramenta de controle financeiro. Em um mundo no qual toda a riqueza circula por meio de computadores interligados, cartões de crédito e contas on line, é fácil e simples implementar um sistema capaz de controlar toda a movimentação financeira do contribuinte e, a partir disto, tributar suas movimentações. Essa medida, por certo, iria aumentar a fama de autoritarismo e violação da privacidade das pessoas, mas iria solucionar muitos outros problemas gerados com a falta de arrecadação. Seria a flexibilização de alguns direitos em prol da sustentabilidade do sistema tributário. Mas não bastaria apenas uma rígida fiscalização, como também é necessária a previsão legal de algum tributo prevendo esta forma de tributação. Este novo tributo deverá incidir sobre as operações comerciais realizadas pela internet, atendendo os anseios sociais de equidade interpessoal e internacional, eficiência econômica, neutralidade competitiva, aceitação internacional, eficácia fiscal, simplicidade, baixo custo operacional, certeza legal e flexibilidade para adaptação ao desenvolvimento tecnológico estrutural. Esta proposta é criticada por vários autores, pois, conforme afirma Lanari (2005, p. 170), “não se deve admitir nenhum tipo de tributo exclusivamente para o ambiente da internet, em que pese a relativa facilidade de se instituir um bit tax[6]”. Portella (2007, p. 135) corrobora tal entendimento, ao afirmar que “o Bit Tax, “ademais de ineficaz, apareceria como um entrave ao desenvolvimento do comércio eletrônico”. Ocorre que, como já visto, as diretrizes internacionais repudiam a criação de um imposto exclusivo para o comércio eletrônico. Tal forma de controle da internet permitiria, ainda, o fácil desenvolvimento da censura e controle dos acessos, isso sem falar na tão temida violação da privacidade e da intimidade dos internautas. 6.3 ADEQUAÇÃO DO MODELO TRADICIONAL Aqui repousa a grande maioria da doutrina. O motivo para tal consenso reside no realismo dos estudiosos, pois é muito mais fácil acreditar na evolução progressiva da legislação do que em uma mudança radical no sistema, que é o que exigem as propostas acima elencadas. O Direito, como já visto, possui uma ampla capacidade de adequar-se as novas situações. Tal evolução, segundo Braghetta (2003, p. 73), não possui nenhuma menção explícita na Lei Maior, mas “a tributação de comércio que se dê pela forma eletrônica, per se, não motiva nem impede a arrecadação de receitas das operações oriundas dessa novel relação mercantil com base nos moldes atuais”. Portella (2007, p. 137), defende esta teoria, pois, segundo ele, é a que mais se adapta aos princípios gerais de tributação eletrônica fixadas pelos organismos internacionais. Em suas palavras, “o mais adequado é optar pela aplicação do regime tributário vigente, com adaptações potnuais quando sejam imprescindíveis”. De acordo com Lanari (2005, p. 241), “os ordenamentos tributários podem e devem ser adaptados às peculiaridades do comércio eletrônico, sem a necessidade de criação de nenhum tributo novo e exclusivo”. Braghetta (2003, p. 137) também assim conclui: “Acreditamos que tanto as normas jurídicas de direito público interno como os conceitos tradicionais de fiscalidade internacional existentes são, ressalvados um ou outro aspecto, suficientes e adequados também para a tributação dessa nova maneira de circular mercadorias”. Nesta proposta de solução, será preciso unir esforços para identificar a escolha dos critérios de residência ou fonte nas operações telemáticas de âmbito internacional, a eleição pelo critério de tributação na fonte ou na residência ou na fonte de renda, a adoção de uma política financeira que privilegie o desenvolvimento do meio em detrimento da efetividade da fiscalização. São igualmente defendidos os seguintes aspectos formais de controle tributário, sempre originados nos modelos materiais tradicionais vigentes, mas com certas adaptações: i. estruturação das autoridades de controle de forma a estarem aptas as desenvolvimento de seu labor em ambiente telemático, como, por exemplo, estruturação de uma administração pública telemática, incorporação de técnicas telemáticas aos procedimentos de controle tributário, estruturação de um amplo sistema de intercâmbio de dados e preparação de recursos humanos qualificados; ii. estabelecimento de uma sistemática de controle sobre os intermediários do comércio eletrônico, como a identificação e classificação dos intermediários e determinação das melhores estratégias de atuação sobre cada um dos grupos de indivíduos identificados. iii. Arrecadação dos tributos derivados do comércio eletrônico baseada na adoção de pagamentos eletrônicos, ampliação do sistema de contas correntes, agilização dos sistemas internacionais de transferência de fundos e no fomento e melhora dos programas inteligentes de auditoria. Como se pode perceber, mesmo nesta modalidade de solução, existem radicais transformações que devem recair sobre o modelo tradicional, sob pena do mesmo padecer. Não será preciso refazer todo o corpo normativo atual, pois em muitas situações o comércio eletrônico já é passível de ser enquadrado dentro no sistema atual, mas certos conceitos precisam ser adequados. As poucas críticas que esta teoria possui reside na rigidez e burocracia do sistema tributário atual, no qual uma mudança de tamanha monta poderá desfigurar a unidade e a ordem, criando conceitos contraditórios. Ainda, outra ferrenha crítica está no fato de que o Código Tributário Nacional não acompanha os parâmetros delineados pela Constituição de 1988, estando ultrapassado, e precisaria de uma reforma mesmo sem o surgimento e evolução da internet. 7 CONCLUSÃO Não existe ainda um movimento político, econômico e social acerca do tema internet porque grande parte da população sequer possui acesso a um computador. Sendo assim, o impacto deste novo meio em todos os setores da economia ainda é mínimo, se comparado com países como Estados Unidos e os membros da União Européia. Porém, este cenário está mudando rapidamente. Hoje, computadores estão sendo adquiridos de forma tão intensa quanto os televisores eram na década de 80. Isso resultará que, muito em breve, o computador se tornará um elemento essencial em cada lar brasileiro. Uma vez adquirido este equipamento, a massificação da internet ocorrerá de forma progressiva. Assim sendo, a partir do momento em que a sociedade se conscientizar de que um computador tem um potencial muito maior do que uma simples máquina de escrever, o Sistema Tributário Nacional sofrerá um duro golpe na arrecadação. Diante deste contexto, não existe discricionariedade suficiente do Direito Tributário capaz de abranger as novas formas de relação entre as pessoas, geradas pela internet. Portanto, a realização de mudanças é necessária. E é certo que elas ocorrerão, mais cedo ou mais tarde. Ocorre que da mesma forma que certamente o Fisco criará formas de tributar as relações virtuais, os contribuintes conseguirão arrumar formas de sonegar. A própria estrutura da internet, que foi concebida de um modo que não possa ser controlada de um único ponto, acarretará na impossibilidade de controle absoluto sobre os usuários. Aliado a isso, o Fisco fica também limitado devido aos elementos que o Direito criou, visando proteger os contribuintes. São princípios e regras que dificultam a ação do Estado sobre as pessoas. Soma-se, por fim, a influência internacional, que mitiga a soberania estatal e impede que este venha a agir da maneira que lhe convenha. O grande dilema está em como efetuar estas mudanças. Historicamente o legislador vem optando por impor pesadas cargas tributárias sobre as novas tecnologias. Assim foi com a iluminação pública e as empresas de telecomunicações. Porém, diante da internet, não é possível assim proceder. São questões internacionais que precisam ser obedecidas. Da mesma forma, o cidadão brasileiro consumerista não pode mais suportar um ônus ainda maior em matéria tributária. Criar novos tributos sobre o comércio eletrônico não resolverá o problema de arrecadação do Estado, mas somente comprometerá ainda mais o insustentável sistema tributário atual. O atual modelo é insustentável, em face da carga tributária crescente que impõe às pessoas. Por causa da redefinição dos modos de operação gerada pela internet, o perecimento do sistema será acelerado. Evoluir se torna essencial, mas esse desenvolvimento não poderá acontecer da maneira que o legislador nacional é acostumado a fazer. Não basta criar novos tributos. A escolha de um novo modelo deverá ser calcado na evolução da tecnologia, privilegiando-a. Somente assim será possível o nascimento de um sistema sustentável, sólido e eficaz.
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OMC e matéria tributária: Análise da valoração aduaneira, jurisprudência e controvérsias
Valor aduaneiro é um conceito jurídico adotado desde a Constituição Federal até simples instruções normativas. Sua definição, conteúdo e alcance, portanto, não podem oferecer – ou não deveriam oferecer – espaço para digressões (art. 110 da Lei nº 5.172/66 – Código Tributário Nacional). É comumente aceito como o valor da transação, ou seja, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas, acrescido do custo da carga, manuseio, descarga, transporte e seguro até o porto de destino. É um conceito estabelecido internacionalmente, para padronizar a base de cálculo do Imposto de Importação, refletindo na base de cálculo de todos os demais tributos incidentes sobre as operações de importação. Daí a significativa relevância da matéria. Com o objetivo de determinar, para fins de tributação, o valor no mercado internacional para uma mercadoria importada, os países-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) assinaram o Acordo para Valoração Aduaneira (AVA), válido e obrigatório para todos.
Direito Tributário
1 Considerações iniciais Esta pesquisa circunscreve-se no âmbito do Direito Tributário Internacional e tem como escopo estudar a Organização Mundial do Comércio (OMC) no referente à matéria tributária, especificamente analisando a valoração aduaneira, a jurisprudência e as controvérsias. A escolha do referido estudo deu-se, em primeiro plano, por uma afinidade pessoal às pesquisas realizadas em Direito Tributário Internacional relacionadas à matéria tributária na OMC. O esteio deste trabalho não se prende a realizar uma abordagem “manualística”, tampouco apresentar uma “confusão epistemológica” entre os temas a serem debatidos. Busca-se com esta pesquisa iniciar o debate acadêmico sobre alguns pontos que, de certa forma, são novos para a cultura jurídica brasileira, mas que têm o caráter convidativo para a sua apreciação. 2. A história da valoração aduaneira no GATT/OMC O Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), estabelecido em 1947, tinha por objetivo harmonizar as políticas aduaneiras dos Estados signatários. Está na base da criação da OMC. É um conjunto de normas e concessões tarifárias, criado com o intuito de impulsionar a liberalização comercial e combater práticas protecionistas, além de regular, provisoriamente, as relações comerciais internacionais.[1] Após a 2ª Guerra Mundial, vários países decidiram regular as relações econômicas internacionais, não apenas com o objetivo de melhorar a qualidade de vida de seus cidadãos, mas também por entenderem que os problemas econômicos influíam seriamente nas relações entre os governos. Para regular aspectos financeiros e monetários, foram criados o BIRD e o FMI; e no âmbito comercial foi discutida a criação da Organização Internacional do Comércio (OIC), que funcionaria como uma agência especializada das Nações Unidas (ROCHA, 2003, p. 23). Em 1946, visando a impulsionar a liberalização comercial, combater práticas protecionistas adotadas desde a década de 30, 23 países, posteriormente denominados fundadores, iniciaram negociações tarifárias. Essa primeira rodada resultou em 45 mil concessões e o conjunto de normas e concessões tarifárias estabelecido passou a ser denominado Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT (THORSTENSEN, 2001, p. 45). Os membros fundadores, juntamente com outros países, formaram um grupo que elaborou o projeto de criação da OIC, sendo os Estados Unidos um dos países mais atuantes no sentido de convencer os demais sobre o liberalismo comercial, regulamentado em bases multilaterais. O fórum de discussões – que se estendeu de novembro de 1947 a março de 1948 – culminou com a assinatura da Carta de Havana, na qual constava a criação da OIC. O projeto de criação da OIC era ambicioso, pois além de estabelecer disciplinas para o comércio de bens, continha normas sobre emprego, práticas comerciais restritivas, investimentos estrangeiros e serviços (ROCHA, 2003, p. 24). Apesar do papel preponderante desempenhado pelos Estados Unidos nessas negociações, questões políticas internas levaram o país a anunciar, em 1950, o não encaminhamento do projeto ao Congresso para ratificação. Sem a participação dos EUA, a criação da OIC fracassou. Assim, o GATT, um acordo criado para regular provisoriamente as relações comerciais internacionais, foi o instrumento que, de fato, regrou por mais de quatro décadas as relações comerciais entre os países (THORSTENSEN, op. cit., p. 49). Durante a Rodada do Uruguai (1994) de negociações, voltou-se a discutir a criação de um organismo internacional destinado a regulamentar o comércio internacional, não apenas de bens, mas também serviços, além de investimentos e propriedade intelectual, entre outros (WORLD TRADE ORGANIZATION, 1999). Como resultado, a Ata da Rodada do Uruguai inclui um novo Acordo de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT 94), o qual mantêm a vigência do GATT 47; o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS); o Acordo sobre Investimentos (TRIMS); o Acordo sobre direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS); além de acordos destinados a regulamentar procedimentos de solução de controvérsias, medidas antidumping, medidas de salvaguarda, medidas compensatórias, valoração aduaneira, licenciamento, procedimentos, etc. Por fim, a Ata da Rodada do Uruguai também contém o acordo constitutivo da Organização Mundial de Comércio (OMC), encarregada de efetivar e garantir a aplicação dos acordos citados (UNCTAD, 2007). Ou seja, o GATT, foi um órgão criado a fim de harmonizar a política aduaneira entre países, pois no início não tinha o poder de punir, julgar e fiscalizar países infratores, mais em 2003 em uma reunião da OMC, com a liderança do Brasil, África do Sul e Índia foi criado o G20, como o grupo de países em desenvolvimento, então a partir daí o GATT teve o poder de julgar, fiscalizar e punir países infratores (ROCHA, 2003, p. 24). 2.1 O valor aduaneiro no comercio internacional O aumento das relações comerciais internacionais e a ampliação das exportações pelas empresas trazem a necessidade de conhecer e utilizar corretamente o Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), identificar os métodos de valoração com demonstração de cálculos e reconhecer as implicações do acordo no despacho aduaneiro de importação. A valoração aduaneira é um sistema prévio de finalização de preços declarados em documentos fiscais de comércio internacional largamente utilizado (ROCHA, 2003, p. 41). A valoração aduaneira tem como objetivo determinar o valor de certa mercadoria importada, fixando um montante que servirá de base para o cálculo dos tributos e eventuais direitos aduaneiros, segundo certos princípios e critérios técnicos e legais aprovados e praticados internacionalmente. Com isso, busca-se reduzir a competição desleal entre produtos nacionais e estrangeiros (GUEDES & PINHEIRO). Utilizada segundo os critérios do Acordo de Valoração Aduaneira da Organização Mundial de Comércio (OMC), resulta na justa fixação da base de cálculo dos tributos aduaneiros. Este sistema contribui para regular mercados e constitui uma forma de controlar os preços internacionais, impedindo o sub ou o superfaturamento nas operações internacionais (ROCHA, 2003, p. 42). Essencialmente, a correta valoração aduaneira evita que as partes sejam prejudicadas em determinada operação pela imposição de eventuais “penalidades”, – ou seja, de direitos aduaneiros para correção de preços e proteção de mercado, como os direitos antidumping –, e também por garantir maior celeridade na importação e exportação nas repartições alfandegárias (ASAKURA, 2002, p. 25). Valor aduaneiro é um conceito jurídico adotado desde a Constituição Federal até simples instruções normativas. Portanto, sua definição, conteúdo e alcance não podem oferecer – ou não deveriam oferecer – espaço para digressões (art. 110 da Lei nº 5.172/66 – Código Tributário Nacional). É comumente aceito como o valor da transação, ou seja, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas – acrescido do custo da carga, manuseio, descarga, transporte e seguro até o porto de destino. Trata-se de conceito estabelecido internacionalmente, a fim de padronizar a base de cálculo do Imposto de Importação. Reflete, também, na base de cálculo dos demais tributos incidentes sobre as operações de importação (FOLLONI, 2005, p. 88). Se há relativo consenso quanto à definição, ao conteúdo e ao alcance jurídicos da expressão valor aduaneiro – consenso, todavia, corrompido pela Lei nº 10.865/04, que instituiu a contribuição para o PIS e a COFINS incidentes sobre operações de importação e tentou estender o seu alcance –, o mesmo não se pode dizer quando se vai da teoria à prática. A controvérsia ganha corpo quando a Autoridade Aduaneira levanta dúvida a respeito do valor declarado pelo contribuinte. Nasce um conflito de interesses entre a Administração Aduaneira (Estado) e o administrado (contribuinte importador), cuja solução depende de um verdadeiro processo administrativo de valoração aduaneira, que consiste na sucessão de atos da administração aduaneira, do administrado e da administração julgadora, que convergem para uma composição, revelam e declaram o valor aduaneiro, respeitados o contraditório e a ampla defesa (FOLLONI, op. cit., p. 90). Percebem-se, portanto, duas formas de valoração aduaneira: a) valoração consensual, realizada pela simples declaração do contribuinte; b) valoração contenciosa, provocada pela Administração Aduaneira, e operacionalizada mediante devido processo legal administrativo. Todavia, o procedimento e os critérios a serem adotados na hipótese de valoração contenciosa não encontram uniformização. Identifica-se, na prática, ao menos três procedimentos diferentes utilizados aleatoriamente pela Receita Federal brasileira: métodos substitutivos ou sequenciais; custo de produção; arbitramento puro.[2] O primeiro procedimento, pelos métodos substitutivos, é determinado pelo Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), fruto da Rodada do Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT, quando foi aprovado o acordo sobre a implementação do artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio de 1994. A ata final, assinada pelo Brasil, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 30/1994 e promulgada pelo Decreto nº 1.355/1994, incorporando-se ao ordenamento jurídico nacional com natureza e efeito de lei ordinária.[3] O procedimento dos métodos substitutivos foi ratificado pelo art. 76 do Decreto nº 4.543/02 (Regulamento Aduaneiro) e pela IN-SRF nº 327/03. Consiste, basicamente, na adoção de um primeiro critério de identificação do real valor aduaneiro e de outros cinco subsidiários e sequenciais: quatro deles de presunção, um de arbitramento.[4] O primeiro critério – valor real –, chamado de método 1º, é o mesmo que o contribuinte deve adotar quando realiza a valoração consensual, e assenta-se no valor da transação – que, como visto anteriormente, deve corresponder ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias acrescido do custo da carga, manuseio, descarga, transporte e seguro até o porto de destino. Esse é o valor aduaneiro por excelência, pelo que só pode ser rechaçado se a documentação apresentada pelo importador for omissa ou carente de credibilidade. Para comprovar a fé do valor aduaneiro apurado pelo referido método, primeiro devem ser necessários, mas também suficientes, os documentos exigidos do importador pela legislação aduaneira : a) conhecimento de carga; b) fatura comercial; c) romaneio de carga (packing list), desde que regularmente consularizados; d) contrato de câmbio, autenticado.[5]
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A distinção, na esfera da Administração Tributária, entre os meros procedimentos administrativos e os processos administrativos propriamente ditos
Analisa a diferenciação, no âmbito da Administração Tributária, entre os meros procedimentos administrativos e os processos administrativos propriamente ditos.
Direito Tributário
Resumo: Analisa a diferenciação, no âmbito da Administração Tributária, entre os meros procedimentos administrativos e os processos administrativos propriamente ditos. Palavras-chave: Administração Tributária. Procedimentos administrativos. Processos administrativos propriamente ditos. Ab initio, parece-nos pertinente um rápido e superficial discernimento a respeito de processo e procedimento. Procedimento advém do latim procedere (andar para frente, ir para adiante, prosseguir). Por sua vez, processo advém, pela etimologia, do latim processus, de procedere: ação de proceder, de prosseguir. O dicionário jurídico de Plácido e Silva1 explica que embora a derivação de ambos se apresente em sentido equivalente, na linguagem jurídica há distinção entre processo e procedimento: “Procedimento nos revela a ação de ir por diante, a ação de prosseguir, ou a atuação, já o processo nos fornece a ordem de coisas, que se seguem uma às outras, dá-nos a direção dessa sucessão de coisas, para o exato cumprimento do que se tem em mira. (…) Assim, processo mostra-se a reunião de todos os feitos ou atos, que se indicam necessários e assinalados em lei, para que se investigue, para que se esclareça a controvérsia, e afinal, para que se solucione a pendência.” Pois bem. No campo do direito tributário, percebe-se cizânia doutrinária no emprego da expressão procedimento administrativo fiscal. Para alguns autores, a terminologia deve ser utilizada para indicar apenas e tão somente o lançamento (por qualquer de suas modalidades) não impugnado pelo sujeito passivo, exaurindo-se com o pagamento do montante do tributo e seus acréscimos legais. Para outra corrente, procedimento administrativo fiscal é todo e qualquer conjunto de atos que precede à fase contenciosa da cobrança de tributo ou multa. Nesta esteira, a consulta tributária (procedimento pelo qual o contribuinte indaga ao fisco sobre sua situação legal diante de determinado fato, de duvidoso entendimento) e a denúncia espontânea (prevista no art. 138 do CTN) se enquadrariam como procedimento administrativo fiscal de natureza preventiva. Já a restituição, a compensação e o ressarcimento de tributos consubstanciariam em procedimentos administrativos de natureza voluntária. Já no que atine ao processo administrativo fiscal subsiste consenso doutrinário de que é aquele que se instaura no exato momento em que o lançamento é impugnado pelo sujeito passivo. JAMES MARINS2 indica a existência de três momentos no iter tributário: “i) procedimento fiscal preparatório do ato de lançamento (fiscalização e apuração); ii) ato de lançamento de tributos e/ou aplicação de penalidades administrativas (obrigação principal, multa de mora, sanção instrumental); iii) processo administrativo tributário de julgamento (julgamento de impugnação ao lançamento)”. A nosso sentir, procedimento administrativo fiscal é denominação que deve ser reservada para denominar o conjunto de atos tendentes à formalização do crédito tributário que se situam antes do momento de oportunização de impugnação do lançamento. Destarte, nos termos do Art. 7º, do Decreto n. 70.235/72, o procedimento fiscal tem início com: I – o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto; II – a apreensão de mercadorias, documentos ou livros; III – o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada; apresentando como marco final a notificação de lançamento expedida pelo órgão que administra o tributo (art.11). Daí porque na fase do lançamento não há que se falar em processo administrativo, mas sim em procedimento. Encerrado este, e demonstrado inconformismo pelo sujeito passivo da relação jurídica tributário, exsurge a etapa contenciosa (processual), denominada processo administrativo fiscal. Nesta senda, o Decreto n. 70.235/72 (com força de lei – ADIn-ml 1.922 e 1.976-7, DJU 24-11-2000) que dispõe que: “Art. 14. A impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento”. Corroborando com este entendimento, elucidativa doutrina de JAMES MARINS3: “Pode haver participação do contribuinte na atividade formalizadora do tributo e isso se dá, por exemplo, quando este junta documentos contábeis que lhe foram solicitados ou quando comparece ao procedimento para esclarecer esta ou aquela conduta ou procedimento fiscal que tenha adotado na sua atividade privada. Até esse ponto não se fala em litigiosidade ou em conflito de interesse, até porque o Estado ainda não formalizou sua pretensão tributária. Há mero procedimento que apenas se encaminha para a formalização de determinada obrigação tributária (ato de lançamento). Após essa etapa, que se pode mostrar mais ou menos complexa, praticado o ato de lançamento e portanto, formalizada a pretensão fiscal do Estado, abre-se ao contribuinte a oportunidade de insurgência, momento em que, no prazo legalmente fixado, pode manifestar seu inconformismo com o ato exacional oferecendo sua impugnação, que é o ato formal do contribuinte em que este resiste administrativamente à pretensão tributária do fisco. A partir daí instaura-se verdadeiro processo informado por seus peculiares princípios (que são desdobramentos do due process of law) e delimita-se o instante, o momento em que se dá a alomorfia procedimento processo modificando a natureza jurídica do atuar administrativo”. Impende notar, por oportuno, que a Constituição de 1988, em seu art. 5º LV, estipula que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Indene de dúvidas, pois, que ao processo administrativo fiscal se aplicam as garantias processuais de status constitucionais, a saber devido processo legal (art. 5º, LIV), contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV). Neste sentido, lição de JAMES MARINS4 que afirma que tal rol das garantias individuais: “…representa, em seu conjunto, verdadeira conditio sine qua non da validade constitucional do processo administrativo tributário brasileiro, justamente por encontrarem radicação constitucional no art. 5º, incisos LIII, LIV e LV, da CF/88: a) direito de impugnação administrativa à pretensão fiscal (art. 5º, LIV); b) direito a autoridade julgadora competente (art,. 5º, LIII); c) direito ao contraditório (art. 5º, LV),; d) direito à cognição formal e material ampla (art. 5º, LV); e) direito à produção de provas (art. 5º, LV); f) direito a recurso hierárquico (art. 5º, LV)”. O processo administrativo fiscal é, portanto, instrumento que legitima a pretensão exatória da Fazenda face ao Estado Democrático de Direito, oportunizando-se ao contribuinte o direito de opor-se à tributação, mediante o pleno exercício de seus direitos e garantias individuais (art. 5º, Cf/88).   Referências Bibliográficas MARINS, James Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1978.   Notas: 1 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1978. 2 MARINS, James Direito Processual Tributário Brasileiro. São Paulo: Dialética, 2001, p. 162. 3 Ob.cit. p. 189 4 Ob.cit. p. 189. Procurador do Estado de Goiás, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-LFG
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Substituição tributária
O presente artigo tem por fim fazer uma análise da figura da substituição tributária. O instituto em comento tem previsão constitucional no art. 150, § 7º, e sofre inúmeras críticas por parte da doutrina. De suas divergências surge a razão para aprofundar em alguns aspectos da figura, para entendê-la melhor. O trabalho abordará o equilíbrio entre as vantagens da figura para o fisco e as garantias patrimoniais do contribuinte. Trará ainda uma breve abordagem do modelo obrigacional. Por fim, por ser a substituição tributária um modelo no qual o recolhimento do tributo se dá antes da ocorrência do fato gerador se abordará os aspectos referentes a complementação e restituição, respectivamente, nos casos de recolhimento a menor e a maior. Para concluir se demonstrará algumas das principais críticas que sofre o instituto e se contestará as mesmas.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O instituto da antecipação, com ou sem substituição tem previsão expressa no art. 150, § 7º da Constituição Federal. Trata-se de dispositivo que recebe inúmeras críticas da doutrina, e daí a necessidade de um estudo para após o conhecimento das refutações ao instituto avaliar se o mesmo se coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro. Na antecipação se dá a tributação antes da ocorrência do fato gerador, o que é a maior problemática da figura, pois alegam os doutrinadores que tal instituto fere assim o princípio da legalidade e ainda, que o mesmo seria inconstitucional Na substituição um terceiro (o substituto) tem o dever legal de pagar tributo originado por fato gerador ao qual outra pessoa tenha dado causa (o substituído). As controvérsias doutrinárias a respeito do tema fazem surgir a necessidade de uma análise da substituição tributária, nos pontos em que a mesma é benéfica ou maléfica tanto para o fisco quanto para o contribuinte, e neste ponto se verifica a simplificação da arrecadação como vantagem para o fisco, e a necessidade de proteção as garantias patrimoniais do contribuinte como aspecto a ser observado. O presente trabalho, para uma melhor verificação da figura da substituição tributária fará uma breve abordagem do modelo obrigacional de tributação, para posteriormente analisar a substituição tributária, em seus aspectos mais importantes. Como no modelo da substituição tributária o dever de pagar tributo surge antes da ocorrência do fato gerador a base de cálculo presumida pode ser diferente da base de cálculo real, portanto, salutar verificar o que ocorre quando a base presumida for a maior ou a menor que a real, ou mesmo quando o fato gerador não vier a ocorrer. Conforme previsão expressa do § 7º do art. 150 da CF/88, no caso de não ocorrência do fato gerador deve haver a restituição do indébito de forma imediata e preferencial. Já no caso de ocorrer o fato gerador mas a base de cálculo estimada ser maior que a base de cálculo real há, mais uma vez, controvérsias doutrinárias a respeito. Há doutrinadores que entendem haver, nesse caso, necessidade de restituição do valor recolhido a maior, com base em garantias do contribuinte e no próprio dispositivo Constitucional (art. 150, § 7º, CF/88). Por outro lado, o Supremo Tribunal federal (STF) vem entendendo não haver direito a restituição, conforme se demonstrará, com fundamento no julgamento da ADI 1851-AL. Por outro lado, a diferença de base de cálculo real e estimada pode fazer com que se verifique a ocorrência de um recolhimento a menor. Nesse caso se verifica entendimento no sentido de não haver necessidade de complementação do valor pago a menor. Por fim, como se mencionou ser o instituto da substituição tributária muito controverso, não se omitirá uma breve análise das principais críticas apresentadas, seguidas de suas refutações. 1 Breve conceituação de antecipação e substituição tributária Na antecipação a exigência do tributo é feita antes da ocorrência do fato gerador, o que difere este modelo do obrigacional. A antecipação, com ou sem substituição, tem previsão no § 7º do art. 150 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 3/93. “Diante desse texto, basta que alguém seja sujeito passivo de uma determinada obrigação, nascida à vista da ocorrência do fato “a”, para que a lei possa impor a essa pessoa a condição de responsável por um tributo que talvez venha a ser gerado se o fato “x”, que se presume venha a ocorrer no futuro, efetivamente se realizar. Por conta do futuro, cobra-se o tributo; se o futuro for diferente do presumido, “devolve-se” o valor da exação”. (AMARO, 2006:115) A figura da substituição, inicialmente utilizada apenas para o ICMS, hoje já se estende a outros tributos. No caso do ICMS a figura da substituição tem previsão no art. 6º da Lei Complementar 87/96, que assim dispõe: “Art. 6º – lei estadual poderá atribuía contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que o contribuinte assumirá a condição de substituto tributário. § 1º – a responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas internas e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto. § 2º – a atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias ou serviços previstos em lei de cada Estado.” (VADE MECUM, 2009) A lei 4502/64 trata da substituição referente ao IPI em seu art. 35: “Art. 35 – são obrigados ao pagamento do imposto I – (…) II – como contribuinte substituto: a) o transportador com relação aos produtos tributados que transportar desacompanhados da documentação comprobatória de sua procedência; b) qualquer possuidor – com relação aos produtos tributados cuja posse mantiver para fins de venda ou industrialização , nas mesmas condições da alínea anterior. c) o industrial ou equiparado, mediante requerimento, nas operações anteriores, concomitantes ou posteriores às saídas que promover, nas hipóteses e condições estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal.” (VADE MECUM, 2009) Na substituição a responsabilidade pelo pagamento do tributo é atribuída por lei a um terceiro, que não praticou o fato gerador. A substituição tributária pode ser relativa às operações ou prestações: antecedentes, concomitantes ou subseqüentes. “Antecedentes – também chamada de substituição “para trás” ou “regressiva”, ocorre quando o imposto a ser recolhido é relativo a fato gerador passado, ou seja, a operação/prestação que já ocorreu. É o que ocorre no diferimento, em que se transfere para o adquirente da mercadoria a responsabilidade pelo recolhimento do imposto devido pelo remetente e, cumulativamente, adia-se o termo inicial do prazo de recolhimento do imposto devido. Concomitantes – dá-se a substituição tributária concomitante quando duas operações/prestações ocorrem simultaneamente e um dos sujeitos passivos substitui o outro relativamente à obrigação tributária principal. Subseqüente – também conhecida como substituição “para frente” ou “progressiva”, refere-se a operações/prestações futuras. Há uma cobrança antecipada do imposto com base em uma base de cálculo presumida.” (SECRETARIA DA FAZENDA-GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, 2008:5) Geraldo Ataliba ressalta alguns aspectos que devem ser observados na substituição: “a) a obrigação é estruturada tendo em consideração as características objetivas do fato imponível implementado pelo contribuinte. O responsável, na verdade, não realiza o fato relevante para determinar o surgimento da obrigação – tão só é posto, pela lei, no dever de prover o recolhimento de tributo decorrente de fato provocado ou produzido por outrem; b) os elementos subjetivos que eventualmente concorram na realização do fato, ou na formação da obrigação, são estabelecidos em consideração à pessoa do contribuinte (e não à pessoa do responsável ou substituto). Assim, v.g. os casos de isenções ou imunidades subjetivas, gradações pessoais do imposto de renda na fonte etc. c) a carga do tributo não pode – e não deve – ser suportada pelo terceiro responsável. Por isso é rigorosamente imperioso que lhe seja objetivamente assegurado o direito de haver (percepção) ou descontar (retenção), do contribuinte, o quantum do tributo que deverá pagar por conta daquele.” (ATALIBA, 2005:91) 2 Histórico da substituição tributária A figura da substituição tributária foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 5172/66, no já revogado art. 58, § 2º, II. (JUS NAVIGANDI, 2009) Posteriormente o Ato Complementar nº 34 substituiu o mencionado inciso II do art. 58 da Lei 5172/66. (JUS NAVIGANDI, 2009) Depois, através da Lei Complementar nº 44 de 83, acrescentaram-se parágrafos aos arts. 2º, 3º e 6º do Decreto-lei nº 406 de 68, dispondo novamente sobre a substituição tributária. (JUS NAVIGANDI, 2009) Por fim, a Emenda Constitucional nº 3 de 93 acrescentou o § 7º ao art. 150 da atual Constituição Federal, tratando da antecipação, com ou sem substituição. 3 Equilíbrio entre princípios de proteção ao contribuinte e arrecadação tributária A antecipação, com ou sem substituição, é muito discutida pelos doutrinadores, inclusive quanto à sua constitucionalidade. Greco, quando menciona que o modelo tradicional de tributação pode coexistir com a figura da substituição tributária, dispõe que para tanto é necessário que tal figura respeite as garantias ao contribuinte. Nas palavras de Greco: “A competência tributária constitucionalmente conferida comporta todos os modelos operacionais que não contrariem a sua essência, nem o conjunto de princípios do sistema e garantias asseguradas ao contribuinte.” (GRECO, 1999: 11) É fato que a figura da substituição tributária, trazida pelo art. 150, § 7º da Constituição Federal é benéfica para o fisco, no que tange a melhoria da arrecadação, por exemplo, para evitar a sonegação de tributos. Por outro lado há que se agir com cautela no que tange a proteção ao patrimônio e as garantias do contribuinte. Assim, a dificuldade é justamente encontrar o equilíbrio entre os benefícios para o fisco e as garantias patrimoniais do contribuinte, e é possível a busca por esse equilíbrio porque os princípios podem não ser aplicados sem ser violados, diferentemente das regras (GRECO, 1999:12) 4 O modelo obrigacional de arrecadação de tributos e a possibilidade de coexistência com outros modelo O direito, assim como a sociedade de forma geral, vai evoluindo no transcorrer do tempo. Assim, acreditar que um único modelo, por ser tradicional, é o que possa viger, é agir na contramão da história, e assim, do próprio direito. O direito é passível de modificações constantes, e não é diferente com o direito tributário. Em tempos remotos a tributação era uma relação de força, pela qual a autoridade impunha aos vassalos a obrigação de pagar tributo. Só no final do século XIX que a obrigação de pagar tributo deixou de ser uma relação de força para se tornar uma obrigação de direito (GRECO, 1999: 10) Portanto, só porque há tempos se fazia uso apenas do modelo obrigacional de tributação não significa que sempre assim o será, tanto que hoje já não mais o é. O que se deve avaliar para a validade da norma jurídica, inclusive aquela que traz modificações ao sistema, é sua adequação a norma superior, em outras palavras, tal norma não pode confrontar a Constituição Federal. O modelo tradicional de arrecadação tributária é o obrigacional, segundo o qual a tributação não ocorre enquanto não ocorrer o fato gerador. Partindo-se do modelo tradicional, obrigação tributária é aquela que se refere a uma relação jurídica, ou seja, um vínculo que obriga o devedor a uma prestação em favor do credor. A obrigação tributária difere da obrigação entre particulares (privada), porque a primeira existe independente da vontade do sujeito passivo (aquele que tem obrigação de pagar tributo), enquanto a segunda só se estabelece pela manifestação de vontade das partes. No entanto, conforme já mencionado, atualmente não se pode considerar que o único modelo de tributação seja o obrigacional, conforme se depreende da lição de Marco Aurélio Greco: “A Constituição Federal atribui competência (âmbito de cabimento de legislação) em matéria tributária, mas não exige que, no exercício desta competência, o modelo criado seja única e exclusivamente o obrigacional”. (GRECO, 1999:11) Assim sendo a antecipação, com ou sem substituição, se mostra como um novo modelo de tributação. Na antecipação a tributação antecede a ocorrência do fato gerador. O que a difere do modelo obrigacional, no qual a obrigação só surge após a ocorrência deste fato. O instituto da antecipação, com ou sem substituição, é trazido ao ordenamento jurídico brasileiro no art. 150, § 7º da Constituição Federal. Pela importância se colaciona o mencionado dispositivo: “Art. 150 (…) § 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.” (VADE MECUM, 2009) O dispositivo constitucional citado acima refere a possibilidade de recolhimento do tributo antes da ocorrência do fato gerador, bem como a responsabilidade pelo pagamento do tributo ser direcionada a um substituto. Conforme se depreende do art. 150, § 7º da CF/88 a substituição depende de lei. Tal lei deverá conter os elementos essenciais ao tributo, mesmo por exigência do art. 150, I, da Carta Magna. A referida lei deve definir os aspectos objetivos e subjetivos da tributação. Assim, se percebe que as mesmas garantias ao contribuinte no modelo clássico existem na substituição tributária. A Constituição Federal, ao tratar da competência tributária, descreve os pressupostos de fato que podem gerar a exigência dos tributos. Assim, para a substituição ser válida deve existir no plano fático uma conexão entre as fases de modo que se possa saber que uma é pressuposto das demais. 5 Obrigatoriedade da restituição quando não ocorrer o fato gerador ou quando o recolhimento se der a maior Como na substituição o recolhimento se dá antes da ocorrência do fato gerador não há como saber se a base de cálculo estimada corresponderá a base de cálculo real. Se o fato gerador não ocorrer deve haver a restituição do valor pago conforme prevê o art. 150, § 7º da Constituição. Já quando se trata da restituição no caso do recolhimento ter sido a maior há controvérsias. Greco entende, com amparo no que dispõe o art. 150, § 7º da CF/88 que se o fato se der em proporções menores que a prevista deve haver a restituição do indébito. “Não há uma autorização constitucional para cobrar mais do que resultaria da aplicação direta da alíquota sobre a base de cálculo existente ao ensejo da ocorrência do fato legalmente previsto (fato gerador). Antecipa-se o imposto devido; não se antecipa para arrecadar mais do que o devido. Portanto, a devolução é de rigor sempre que o fato não se realizar ou, realizando-se não se der na dimensão originalmente prevista.” Mas o STF tem entendimento diferente, no sentido de não haver direito a restituição no caso de pagamento a maior. É o que se depreende do julgamento da ADI 1851 originária do estado de Alagoas, na qual foi questionada a constitucionalidade da cláusula segunda do Convênio ICMS 013/97, § 6º e 7º do art. 498 do Decreto 35245/91, na redação do art. 1º do Decreto 37406/98,do Estado de Alagoas, que dispõe não caber restituição ou complementação no caso do valor da base de cálculo estimado não corresponder ao da base de cálculo real no caso da substituição tributária. Na referida ADI o STF julgou improcedente o pedido e declarou a constitucionalidade da cláusula contestada. Confira trecho da ementa da referida ADI: “O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação.” (STF, 2003) Harada, por sua vez, considera equivocado o entendimento do STF, pois entende que se o valor da base de cálculo presumido for diferente do valor real não ocorreu o fato gerador, pois o art. 150, § 7º do texto Constitucional trata de presunção, e não de ficção. Confira: “Decisões posteriores das Turmas do STF, por conta de interpretação casando as duas expressões antes examinadas, vêm considerando que a tributação antecipada por substituição tributária é definitiva não cabendo restituição ou cobrança complementar na operação subseqüente, ignorando por completo o disposto na parte final do § 7º, do art. 150 da CF. Isso é confundir presunção com ficção. Presunção é uma suposição baseada em probabilidades; pertence ao mundo da possibilidade e da probabilidade. Ficção pertence ao mundo da fantasia, do imaginário. O texto constitucional refere-se ao fato gerador presumido e não fictício. E ao prescrever a restituição posterior do imposto pago a mais afastou a presunção absoluta. Comprovando-se a venda do veículo pelo preço inferior ao da tabela do fabricante impõe-se a restituição da diferença”. (JUS NAVIGANDI, 2009) Como se verificou as posições sobre a restituição no caso de recolhimento a maior do tributo no caso da substituição são controvérsias. Em respeito aos princípios constitucionais, e com ênfase na proteção ao patrimônio do contribuinte, o presente trabalho filia-se a interpretação segundo a qual é devida a restituição no caso de recolhimento a maior. Ainda, no caso da restituição, quer na não ocorrência do fato gerador, quer quando o recolhimento for a maior, há controvérsias na doutrina quanto ao significado dos termos restituição imediata e preferencial do § 7º do art. 150 da Carta Maior. Para Marco Aurélio Greco, imediata não é de plano, mas em um tempo razoável, que deve ser estabelecido (não superior a 180 dias). (GRECO, 1999:23) Já Harada afirma que a LC 87/96 fixa esse prazo em 90 dias (JUS NAVIGANDI, 2009)  Quanto a preferência ela é geral e especial. Geral no sentido de que a restituição não é despesa (então não se submete a regras de empenho e orçamento), e não se submete a regras do precatório (art.100, CF), porque não depende de decisão judicial, e sim administrativa. Preferência especial em sentido de que a restituição deve ter um regime mais ágil e eficiente (prazos menores, formalidades mais simples). Há disfunção quando na substituição o tributo for constantemente cobrado em excesso. 6 A não complementação de tributo pago a menor na antecipação com substituição Conforme já demonstrado na substituição tributária o tributo é recolhido antes da ocorrência do fato gerador, o que pode fazer com que a base de cálculo estimada não coincida com a base de cálculo real. Tal diferença na base de cálculo faz necessária uma abordagem sobre qual o procedimento mais adequado no caso de recolhimento a menor. Há quem alegue haver necessidade de complementação do valor pago a menor, pois o fisco teria direito a receber o valor real, pois a arrecadação feita através da substituição, para esses doutrinadores, é provisória, pois feita com base de cálculo estimada antes da ocorrência do fato gerador. Para outros, entre os quais está Greco, não há que se falar em complementação quando o tributo for recolhido a menor, pois a figura da substituição tributária atende ao interesse do fisco, pois é opção do legislador para facilitar a arrecadação e a tributação. Confira: “Impor um recolhimento em função de um fato que se imagina venha a ocorrer posteriormente envolve sempre um risco. O risco de errar na provisão, seja da ocorrência, seja da dimensão respectiva. Este é um risco assumido pelo Fisco quando impõe compulsoriamente aos contribuintes a sistemática da antecipação. Se o Fisco pretender a certeza quanto à base, cumpre-lhe aguardar a ocorrência do fato gerador para aí, então, exigir todo o tributo”. (GRECO, 1999:27) O entendimento do STF consubstanciado na ADI 1851 – AL também é no sentido de não haver complementação no caso de recolhimento a menor. 7 Críticas ao modelo da substituição tributária e refutações a estas Eduardo de Moraes Sabbag afirma que muitos doutrinadores criticam a figura da substituição tributária por se tratar de fato gerador por ficção. (SABBAG, 2006: 182) Marco Aurélio Greco apresenta contra-argumentos a tal crítica afirmando que no tributo por ficção há exigência independente da ocorrência do fato tributável; o que não ocorre na substituição tributária. Há críticos ao instituto da substituição que alegam que a figura fere cláusula pétrea. Uma breve análise do art. 60, § 4°, da CF, permite rebater tal crítica, pois tal dispositivo constitucional menciona não ser possível abolir direitos e garantias fundamentais, e não faz referência a impossibilidade de regular a matéria. Luciano Amaro afirma que a figura do art. 150, § 7º da CF/88 fere o princípio da legalidade. Nas palavras do doutrinador: “Ora, o princípio da legalidade exige a prévia definição do fato que, se e quando ocorrer, dará nascimento ao tributo. Aquele parágrafo inverte essa fenomenologia, prevendo que a lei pode autorizar que o tributo seja exigido sem a ocorrência do fato gerador. E o objetivo (que, afinal, não ficou expresso) do legislador da Emenda é mais ainda do que isso; pretende-se autorizar a cobrança do tributo de alguém que nem sequer irá (ou poderá) realizar o ato futuro. Cobra-se de “A” o tributo que talvez venha a ser gerado pelo fato de “B”.” (AMARO, 2006:115) A crítica de Luciano Amaro não pode prevalecer, primeiro porque o dispositivo constitucional prevê a necessidade de lei para instituir a figura, segundo porque no caso de não ocorrência do fato gerador o dispositivo constitucional afirma ser direito daquele que pagou o tributo a imediata e preferencial restituição do indébito. Ainda, há quem critique a colocação da figura da substituição tributária na seção que trata das limitações constitucionais do poder de tributar, o que não pode prevalecer pois a substituição está assim localizada porque realmente limita o poder de tributar quando impõe mecanismo de restituição imediata e preferencial do indébito. Há quem alegue se tratar de norma constitucional inconstitucional, alegando os ensinamentos de Otto Bachof, o que não tem sentido porque para Otto uma norma constitucional é inconstitucional quando violar valores básicos do convívio social e da pessoa humana, o que não ocorre no caso da substituição. (GRECO, 1999:36). Também a doutrinadores que alegam a inconstitucionalidade por ser a figura da substituição um empréstimo compulsório. A natureza da substituição não é a mesma do empréstimo compulsório e o fato de haver devolução do excesso não transforma uma figura na outra. A substituição não é critério definidor de espécies tributárias (é mera técnica arrecadatória), assim as figuras da substituição e do empréstimo compulsório encontram-se em planos distintos. Ademais, a substituição pode surgir tanto em impostos como em contribuições (até mesmo para o empréstimo compulsório). Ainda, a antecipação não é um instrumento para atingir uma finalidade, como o é o empréstimo compulsório. Por fim, o perfil ideal da substituição é que não precise de devolução, diferente do empréstimo compulsório, que sempre implica em devolução de todo o valor. Ainda, há quem alegue que a substituição é inconstitucional porque se trata de cobrança por ficção. Ocorre que, na verdade, não se trata de ficção, e sim de presunção. No tributo por ficção há exigência independente da ocorrência do fato gerador, o que não ocorre na substituição, em que o fato gerador deve ocorrer posteriormente. Críticos da figura mencionam que a mesma gera insegurança jurídica. Ocorre que, de fato, a substituição não fere o princípio da segurança jurídica, conforme observa Greco: “Existir uma exigência antecipada de tributo não fere o princípio da segurança das relações jurídicas, desde que seja atendida a cláusula constitucional da vinculação. Não é qualquer exigência, a pretexto de qualquer evento futuro, que está autorizada pela Constituição. (…) Portanto, a própria Constituição veda a criação de antecipações/substituições arbitrárias.” (GRECO, 1999:56) Ainda, se a base de cálculo estimada for constantemente a maior, sem a devida restituição, a figura estará sofrendo um desvirtuamento, incorrendo em verdadeiro confisco, e neste caso, será inconstitucional. Como se pode verificar inúmeras são as críticas ao modelo da substituição tributária. Mas não menos expressivas são as refutações a tais críticas. Assim, com previsão legal e constitucional que tem a figura, parece ser viável a sua utilização desde que feita com cautela para não vir a tornar-se ilegal ou inconstitucional pela sua má-utilização. Considerações finais O modelo tradicional de tributação é o obrigacional, por meio do qual, ocorrido o fato gerador “nasce” a obrigação de pagar tributo. O decorrer do tempo traz mudanças significativas para o direito, e não é diferente no que concerne ao direito tributário, assim, se apresenta como novo modelo de recolhimento de tributo o da substituição tributária. A substituição sofre inúmeras críticas por parte da doutrina, uns alegam que a figura fere o princípio da legalidade e outros até mesmo ser ela inconstitucional. Na medida que surgem críticas aparecem também, por parte dos que acham a figura adequada, refutações às críticas. Assim, a figura da substituição tributária, que a princípio era aplicada somente ao ICMS, hoje já é utilizada também para outros tributos. Não há dúvidas de que a substituição é benéfica para o fisco, na medida em que adianta o recebimento do tributo, gerando a simplificação da arrecadação, e sendo um meio adequado para evitar a sonegação. Por outro lado, para a figura ser válida não pode se cuidar das garantias patrimoniais do contribuinte. Como na substituição a arrecadação se dá antes da ocorrência do fato gerador a base de cálculo é estimada, podendo, portanto, ser diferente da base de cálculo real (a qual se calcula com a ocorrência do fato gerador) Assim, a doutrina e jurisprudência discordam também quanto a complementação e restituição no caso do imposto ser recolhido, respectivamente, a menor ou a maior. O STF vem entendendo, conforme se depreende da ADI 1851 – AL, que não há que se falar em complementação ou restituição no caso da base de cálculo estimada ser diferente da base de cálculo real. Por sua vez, parte da doutrina, entende não ser necessária a complementação no caso de recolhimento a menor, mas ser necessário a restituição no caso do recolhimento a maior, com fulcro no § 7º do art. 150 da Constituição Federal. No caso de não ocorrência do fato gerador o art. 150, § 7º da CF/88 é claro no sentido de ser devida a restituição imediata e preferencial. Por fim, analisando os aspectos apresentados no presente trabalho entende-se viável a utilização do modelo da substituição tributária como forma de arrecadação de tributo, mas ressalta-se que a figura deve ser utilizada com cautela, de modo a não ferir direitos e garantias fundamentais do contribuinte, bem como sem desvirtuamentos na sua aplicação, tais como cobranças constantes em excesso para posterior devolução.
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IPTU em face da cidade
A Constituição Federal autorizou as cidades através de sua figura abstrata (municípios) a legislar sobre IPTU. Com a elaboração da regra matriz de incidência tributária do imposto identificamos os critérios ou aspectos normativos do imposto (materialidade, momento da incidência, espaço físico, sujeitos, base tributável e alíquota). Verificando a aplicabilidade do Estado da Cidade ao tema, podemos constatar que o critério espacial do imposto deve ser composto através de uma interpretação sistemática do artigo 225 da CF, artigo 32 do CTN e as diretrizes do Estatuto da Cidade.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO A Constituição Federal outorgou ao Distrito Federal e aos Municípios a competência para legislar sobre o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana. O imposto municipal incidirá sobre bens imóveis edificados e não-edificados. Para entendemos a incidência do imposto utilizamos o conceito de regra matriz de incidência tributária, com intuito de determinar os critérios ou aspectos matéria, temporal, espacial, pessoal e quantitativo. Destarte, o preenchimento de todos os elementos que compõe a regra padrão de incidência tributária do imposto municipal podemos identificar suas duas materialidades, o momento do nascimento da obrigação tributária, o espaço físico do território do ente tributante. In fine, o tema abordado visa demonstrar a incidência do imposto municipal através da elaboração da sua regra padrão de incidência tributária refletindo a eficácia do artigo 225 e do Estatuto da Cidade para composição do critério espacial do imposto em questão. 2. CAPACIDADE TRIBUTÁRIA 2.1 – Competência tributária: conceito Competência Tributária, na acepção legislativa em sentido estrito, é a aptidão outorgada pela Constituição Federal aos entes políticos para que possam expedir regras jurídicas tributárias, inovando o ordenamento jurídico, e assim, criar tributos em abstrato, dentro das limitações e restrições impostas pela mesma Normativa que lhes entregou tal poder. Roque Antonio Carrazza disserta sobre o assunto: “Competência tributária é a aptidão para criar, in abstracto, tributos, No Brasil, por injunção do princípio da legalidade, os tributos são criados, in abstracto, por meio de lei” (art. 150, I, da CF)[1] “A competência tributária é a habilitação ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas pessoas (as pessoas jurídicas de direito público interno) para que, por meio de lei, tributem, obviamente, quem pode tributar (criar unilateralmente o tributo, com base em normas constitucionais), pode, igualmente, aumentar a carga tributária (agravando a alíquota ou a base de cálculo do tributo, ou ambas), diminuí-la (adotando o procedimento inverso) ou, até, suprimi-la, através da não-tributação pura e simples ou do emprego de mecanismo jurídico das isenções”.[2] Paulo de Barros Carvalho conceitua competência tributária como “uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos” [3]. O instrumento de outorga de competência é a Constituição Federal, conseqüentemente, somente as pessoas jurídicas de direito público interno[4] podem receber e exercê-la através da produção de normas de condutas. 2.2 – Características da competência tributária Como bem explanado por Roque Antonio Carrazza, a competência tributária possui seis características ou qualidades: privatividade, indelegabilidade, incaducabilidade, intalterabilidade, irrenunciabilidade e facultatividade[5]. A Constituição Federal prescreve as competências tributárias privativas de cada ente federativo, objetivando atender a autonomia decorrente do pacto federativo, caracterizando a privatividade da competência impositiva. “O pacto federativo, forma de Estado que é a cláusula pétrea em nossa ordem constitucional, estabelece a autonomia entre as pessoas políticas de direito constitucional interno que juntas formam a federação brasileira: A União Federal, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Por esse prisma, é condição necessária para tal autonomia que os entes federativos tenham fontes de receita próprias e a competência tributária própria é uma das principais formas de ser alcançar isso”.[6] Deste modo, a Constituição Federal através do poder constituinte originário, outorgou competências para cada ente instituir tributos específicos, sendo vedado que outro institua tributo privativo alheio. Qualquer invasão de competência alheia, deverá ser considerada inconstitucional, pois estará ferindo o pacto federativo, de forma indireta[7]. A indelegabilidade impõe a não transferência da competência impositiva a terceiros, já que a cada ente federativo corresponde a competência legislativa estritamente demarcada pela Constituição. Neste diapasão, a competência tributária não é passível de delegação, é indisponível, visto que a Norma Maior, ao repartir as competências impositivas, o fez de maneira rígida e inflexível. “As competências tributárias são indelegáveis. Cada pessoa política recebeu da Constituição a sua, mas não o pode renunciar, nem delegar a terceiros. É livre, até, para deixar de exercitá-la; não lhe é dado, porém, permitir, mesmo que por meio de lei, que terceira pessoa a encampe”.[8] O não exercício da competência tributária não significa admitir a sua caducidade ou a sua renúncia. “A competência para instituir tributos é indelegável. A cada ente federativo cabe a competência legislativa estritamente demarcada pela Constituição Federal”.[9] O ente tributante não deixa de ser competente para instituir o tributo pelo seu não exercício, já que a Constituição não delimitou prazo para o exercício da competência tributária, caracterizando a incaducabilidade. A competência tributária é inalterável, ou seja, não pode ter suas dimensões ampliadas. Não cabe à pessoa política transbordar sua competência originariamente outorgada sob pena de padecer do vício da inconstitucionalidade. Ainda, que se tentasse ampliar a competência tributária originariamente posta através de Emenda Constitucional, estaria esbarrando em princípios constitucionais, em especial o pacto federativo.[10] Os entes tributantes não podem renunciar a competência tributária outorgada pela Constituição Federal. Por se tratar de matéria de direito público, são indisponíveis. O ente titular da competência impositiva pode não exercitá-la, porém está impedido, pelo poder constituinte originário, de renunciá-la. Por fim, a facultatividade possibilita ou não exercício da competência tributária, sem o receio de sua perda, já que não há qualquer previsão constitucional de sanção correlata pelo seu não exercício. 2.3. Capacidade tributária ativa Capacidade tributária ativa é a qualidade que determinado ente político detém de figurar como sujeito ativo da relação jurídica tributária. Tal capacidade lhe é outorgada constitucionalmente, onde a pessoa figura como componente do vínculo abstrato, que se instala quando ocorre, no mundo fenomênico, o evento descrito na hipótese normativa. Hodiernamente, a pessoa que exercita a competência tributária também figura como sujeito ativo, entretanto a capacidade tributária ativa é transferível, ou seja, a pessoa competente para instituir determinado tributo pode delegar sua capacidade tributária ativa (arrecadatória) para outro ente, que irá compor o vínculo obrigacional (com o respectivo direito subjetivo). Entretanto, como já dito, não poderá delegar sua competência tributária. Ainda, é necessário diferenciar competência tributária de capacidade tributária ativa, já que a competência impositiva outorgou o “poder” aos entes tributantes de criar normas jurídicas em matéria tributária. E, a capacidade tributária ativa é atribuição de compor o critério pessoal (pólo ativo) da regra matriz de incidência tributária[11]. 2.4 – Outorga da competência tributária do IPTU A Constituição Federal outorgou ao Distrito Federal e aos Municípios a atribuição de instituir o Impostos sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. A Constituição Federal autorizou a instituição do imposto com a seguinte materialidade: propriedade de imóvel no perímetro urbano. Ou seja, há uma única materialidade (único imposto) com complementos distintos, a saber: (i) propriedade de imóvel edificado no perímetro urbano; (ii) propriedade de imóvel não edificado no perímetro urbano; Dessa forma, a Constituição Federal prescreveu que o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir o Imposto sobre a Propriedade Territorial e Predial Urbana, podendo, ainda, utilizar-se-á de dois complementos a materialidade impositiva “propriedade de imóvel”. 3 – PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS 3.1 – Introdução: conceito de princípio Os valores integrantes do ordenamento jurídico positivado são refletidos na forma de princípios[12], o que nos autoriza a afirmar que os princípios são alicerces fundamentais do sistema jurídico dotados de valores, com força vinculada, impulsionando o ordenamento jurídico e dando suporte na criação de normas jurídicas: “Princípio é o ponto de partida do intérprete, é o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte com fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui”.[13] “Princípio […] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativa, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que já por nome sistema jurídico positivo”.[14] O signo princípio presente num enunciado prescritivo pode denotar-se como valor ou como limite objetivo, cuja distinção tem grande relevância quanto aos efeitos práticos. Para identificar um princípio como valor (objeto ideal), levamos em conta que os valores sempre excedem os bens em que se objetivam[15], transcendem, aplicando-se simultaneamente a vários objetos da vida social, não se esgotando, nem tampouco são adstritos a um único objeto. Assim, se inserem num universo subjetivo. Os limites objetivos tornam mais simples a construção do sentido dos enunciados, pois sua comprovação em linguagem competente é simples e sua verificação imediata: “os “limites objetivos” são postos para atingir certas metas, certos fins. Estes, sim, assumem o porte de valores. Aqueles limites não são valores, se os considerarmos em si mesmos, mas voltam-se para realizar valores, de forma indireta, mediata.”[16] Sendo emissores de valores ou limites os princípios espelham o conceito de normas jurídicas, explicitas ou implícitas, que atuam no campo constitucional, limitando o poder do legislador ordinário[17]. 3.2 – Legalidade A legalidade é um dos princípios basilares do Direito Tributário Constitucional, já que inibe que os entes políticos criem ou majorem tributos, sem lei anterior, ou seja, a majoração, criação ou modificação de regras tributárias somente poderão ocorrer mediante a elaboração de lei em sentido estrito. “O princípio da legalidade teve sua intensidade reforçada, no campo tributário, pelo art. 150, I, da CF. Graças a este dispositivo, a lei – e só ela – deve definir, de forma absolutamente minuciosa, os tipos tributários. Sem esta precisa tipificação de nada valem regulamentos, portarias, atos administrativos e outros atos normativos infralegais: por si sós, não têm a propriedade de criar ônus ou gravames para os contribuintes.”[18] Nesse sentido as obrigações tributárias devem ser inseridas através de veículos introdutores assim eleitos pelo Sistema. É indiscutível que o legislador municipal tem o dever de legislar a cerca do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana somente através do veículo introdutor de normas, isto é, a Fazenda Pública Municipal somente poderá exigir ou modificar regras do imposto sobre a propriedade através de lei ordinária. 3.3 – Igualdade A Constituição Federal prescreve que as normas jurídicas tributária deverão ser aplicadas de forma idênticas a todos os sujeitos passivos, desde que se encontrem em situações isonômicas. Neste mister e de acordo com o magistério Paulo de Barros Carvalho: “[…] esta contido na formulação expressa do art. 5º, caput, da Constituição e reflete uma tendência axiológica de extraordinária importância. […] Seu destinatário é o legislador, entendido aqui na sua proporção semântica mais larga possível, isto é, os órgãos da atividade legislativa e todos aqueles que expedirem normas dotas de juridicidade.”[19] Deste modo, o sistema normativo tributário não poderá discriminar qualquer individuo que se encontra em posição idêntica com outros individuo (s). 3.4 – Anterioridade O princípio da anterioridade determina que a criação ou a majoração de tributos, somente surtirá efeito a partir do exercício financeiro subseqüente ao da publicação da lei tributária, salvo as excludentes do artigo 150, §1º, da C.F./88[20]. A anterioridade tem o objetivo de garantir ao sujeito passivo da relação jurídico-tributária que majoração ou instituição de tributos somente produzirá efeitos no exercício subseqüente da publicação do veículo introdutor. A EC nº 42/03, incluindo o artigo 150, inciso III, aliena c, na C.F./88[21], que dispõe ser vedada a cobrança de tributos antes de decorridos 90 dias da data de publicação da lei que os instituiu ou aumentou, observado o princípio da anterioridade e as excludentes do artigo 150, §1º, da C.F./88. A chamada primeira etapa da reforma tributária excluiu do campo da incidência da noventena a fixação da base de cálculo do imposto sobre a propriedade. Nesta esteira, há permissão as Fazendas Públicas Municipais de fixar a base imponível do IPTU no fim do exercício, que produzirá efeitos jurídicos no primeiro dia do exercício financeiro seguinte. 3.5 – Irretroatividade O princípio da irretroatividade veda a eficácia jurídica de tributos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado – refletindo a disposição do artigo 5º, inciso XXXVI da C.F. que protege o “direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. “A irretroatividade das leis que criam direitos e obrigações é uma das principais salvaguardas à segurança jurídica e ao Estado democrático de direito. Como limite objetivo, basta verificar os termos de vigência das normas contidas na lei para constatar se as mesmas aplicam-se a fatos ocorridos antes da publicação da lei ou não”.[22] Neste mister, Hugo de Brito Machado leciona sobre o tema: “É sabido que a lei pode, em princípio, fixar as datas inicial e final de sua própria vigência. Admitir, porém, que o legislador pode fixar o início de vigência da lei e data anterior à de sua publicação equivalente a praticamente suprimir a regra pela qual o tributo não pode ser cobrado em relação a fatos anteriores à sua vigência. O legislador estaria contornando a limitação constitucional”.[23] Assim, a vedação constitucional está vinculada exclusivamente a criação ou majoração de tributos, limitando o legislador ordinário de exigir obrigações anteriores da publicação da norma introduzida no sistema. 3.6 – Não-confisco As Fazendas Públicas Federais, Estaduais, Distritais e Municipais estão proibidas de utilizar tributo com efeito confiscatório. “A Constituição Federal proibiu a utilização de qualquer tributo que tenha ‘efeito de confisco’, terminologia esta que não é fácil de conceituar. Todavia, pode-se afirmar que, sempre que um tributo se tornou excessivamente oneroso, violando o direito de propriedade, os princípios da capacidade contributiva, da razoabilidade e da igualdade, retirando o patrimônio do contribuinte, quer seja transferido ao Fisco ou reduzido em razão da exacerbada cobrança de um tributo ou da própria carga tributária, estar-se-á diante de uma situação de tributo confiscatório”[24]. Assim, o efeito confiscatório é evidenciado quando tributo é demasiadamente oneroso, capaz de mutilar o patrimônio (de forma parcial ou totalmente) do sujeito passivo da relação jurídico-tributária que conseqüentemente atacará diretamente a dignidade da pessoa humana. 3.7 – Progressividade O princípio da progressividade assenta-se na utilização crescente de alíquotas à medida que aumenta a capacidade econômica do contribuinte, o que acompanha o princípio da igualdade, que implica na idéia de que os contribuintes sejam tributados de forma idêntica, salvo os que estiverem em condições desiguais. Dessa forma, podemos afirmar que a progressividade é aplicação direta do princípio da isonomia/igualdade[25] que confere tratamento igual àqueles que se encontram na mesma situação. A progressividade opera-se com a seguinte lógica: a alíquota cresce à medida que aumenta a respectiva base de cálculo. Sobre bases de cálculo menores incidem alíquotas percentuais menores, e, à medida que cresce a base de cálculo, aumenta, conseqüentemente a alíquota aplicável. Após a conceituação de progressividade, vejamos quais formas a progressividade[26] é aplicada no imposto municipal: O imposto progressivo no tempo será aplicável ao proprietário de solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, observado o plano direito do Município quanto ao conceito da função social da propriedade (artigo 182, § 4º, inciso II, da Constituição Federal). Entretanto, a E.C. 29/2000, alterou o parágrafo 1º do artigo 156 da C.F., introduziu, diante de flagrante inconstitucionalidade, a progressividade em razão do valor do imóvel, já que a Constituição Federal, em seu artigo 145, parágrafo 1º, garante aos contribuintes o direito de só serem submetidos à progressividade de impostos pessoais[27], entretanto, o IPTU é um imposto real[28], que incide sobre um bem material, o que lhe retira a possibilidade de ser progressivo[29]. Ainda, o Poder Constituinte Originário confeccionou somente a progressividade imposta pelo artigo 182, da C.F./88, impossibilitando a alteração da progressividade pelo Poder Constituinte Derivado, a fim de garantir a isonomia. 3.8 – Dignidade da pessoa humana O princípio basilar dos direitos fundamentais, bem como do ordenamento jurídico é o da dignidade da pessoa humana prescrito expressamente no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, colocando o ser humano como fundamento nuclear do ordenamento positivado: “A dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial de todos os direitos fundamentais, o que significa que o sacrifício total de algum deles importaria uma violação ao valor da pessoa humana”[30]. Eduardo C.B. Bittar, em importante lição, disserta sobre esse mandamento nuclear: “Só há dignidade, portanto, quando a própria condição humana é entendida, compreendida e respeitada, em suas diversas dimensões, o que impõe, necessariamente, a expansão da consciência ética como prática diuturna de respeito à pessoa humana”.[31] “[a dignidade da pessoa humana é] a meta social de qualquer ordenamento que vise a alcançar e fornecer, por meio de estruturas jurídico-político-sociais, a plena satisfação de necessidades físicas, morais, psíquicas e espirituais da pessoa humana.”[32] A dignidade e uma condição concreta do ser humano, originando-se, não no ordenamento jurídico, mas sim com o nascimento humano, isto é, inerente à sua essência, implicando, infalivelmente, sua juridicidade pelo direito posto e sua efetivação pelo Estado e respeito em todas as relações intersubjetivas e intra-subjetivas (já que a ninguém é dado o direito de atentar contra a própria dignidade). O princípio exprime o mais alto valor jurídico e conseqüentemente, confirma, infirma e afirma direitos da pessoa humana. “O ser humano é aquele que possui liberdade, que tem a possibilidade de, ao menos teoricamente, determinar seu ‘deve-ser’. É essa possibilidade que deve ser levada em conta, respeitada, considerada. A essência da dignidade do ser humano é o respeito mútuo a essa possibilidade de escolha. A especificidade do ser humano é sua liberdade. A dignidade a ele inerente consistirá no respeito a essa possibilidade de escolha”.[33] Neste mister e de acordo com o magistério de Miguel Reale: “O homem, considerado na sua objetividade espiritual, enquanto ser que só se realiza no sentido de seu dever ser, é o que chamamos de pessoa. Só o homem possui a dignidade originária de ser enquanto deve ser, pondo-se essencialmente como razão determinante do processo histórico”[34]. A dignidade da pessoa humana é a razão da existência do Estado, já que é o axioma que sustenta as máquinas administrativa e arrecadatória , isto é, a dignidade impõe restrições, funcionalidade e objetividade as regras jurídicas[35] aos entes federativos. 4 – REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IPTU 4.1 – Conceito A regra-matriz de incidência é a norma jurídica tributária em sentido estrito, cuja construção é obra do cientista do direito, prestando-se a definir a incidência de determinado tributo. Sua apresentação completa é formada dos juízos hipotético-condicionais, ou seja, de uma hipótese ou antecedente que se conjuga, diretamente, a uma conseqüência. A hipótese ou antecedente é a descrição normativa abstrata do evento, trazendo a previsão de um evento, cujo acontecimento no mundo fenomênico faz irromper o vínculo da relação jurídico-tributária (prescrita no conseqüente normativo). Dentro do antecedente normativo encontramos critérios ou aspetos identificativos (material, espacial e temporal). Em outras palavras, a hipótese alude a um evento e a conseqüência prescreve os efeitos jurídicos que o acontecimento irá propagar, razão pela qual se fala em descritor e prescritor[36]. O conseqüente normativo regula a conduta abstrata, quando prescreve direitos e obrigações decorrentes do evento descrito no antecedente normativo, prevendo a estrutura da relação jurídico-tributária, que irá compor o fato jurídico. É nesse momento, que a hipótese se conjuga e identifica os sujeitos ativos e passivos da relação jurídico-tributária, fixando os direitos e obrigações dos mesmos, a partir do respectivo fato jurídico.[37] “ao preceituar a conduta, fazendo irromper direitos subjetivos e deveres jurídicos correlatos, o conseqüente normativo desenha a previsão de uma relação jurídica, que se instala, automática e infalivelmente, assim que se concretize o fato”[38]. São dois os critérios ou aspectos que possibilitam a identificação da relação jurídica, o critério pessoal e o critério quantitativo. O critério pessoal aponta quem são os sujeitos que compõem a relação jurídico-tributária, ou seja, sujeito ativo, credor ou pretensor, e sujeito passivo ou devedor. A Normativa Maior prescreve quem são os sujeitos da relação: o sujeito ativo, quando expressamente delimitada a competência tributária e, de forma abstrata, o sujeito passivo. O critério quantitativo refere-se ao objeto da prestação da regra, sendo formado pela base de cálculo e alíquota. É por meio desse critério que identificamos a dimensão numérica do objeto (tributo) da relação jurídico-tributária, para que se possa definir o quantum a que o sujeito ativo – credor – tem direito de receber, e o sujeito passivo, ora devedor, tem de adimplir. Base de Cálculo é o valor positivo, a base, o axioma (suporte econômico) sobre o qual é aplicada a alíquota para se apurar o quantum. Revela, ainda, a dimensão e quantifica a materialidade da ocorrência do fato imponível [39]. A alíquota significa o percentual com que o tributo incide sobre o valor a ser tributado. Para a quantificação aritmética do montante do debitum, a alíquota une-se à base de cálculo para fornecer o valor do tributo devido pelo sujeito detentor do dever jurídico da relação jurídico-tributária.[40] 4.2 – Critério material Prescreve o artigo 32 do CTN que a hipótese de incidência do imposto sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil: (i) propriedade: é o uso, gozo, disposição da (s) coisa (s) conferidos ao titular do bem; (ii) domínio útil: é a outorga dos direitos inerentes à propriedade a outrem: “configura-se o domínio útil quando o proprietário, despojando-se dos poderes de uso, gozo e disposição da coisa, outorga-os a outrem (denominado enfiteuta), reservando-se, tão-só, o domínio direito ou eminente. Embora o novo Código Civil não tenha previsto a enfiteuse, permanecem as existentes. Não obstante os poderes que enfeixa, de uso, gozo e disposição, o enfiteuta não configura proprietário. No aprazamento ou aforamento não há a plenitude de poderes, dentre os direitos reais, do mais amplo – o enfiteuta não recebe todos os poderes do proprietário. Falta-lhe o domínio eminente.”[41] (iii) posse: ocorre quando indivíduo reveste a roupagem de titular do domínio útil, agindo, como se proprietário fosse da coisa. Para incidência do imposto sobre a propriedade a posse deverá ser caracterizada como animuns domini, ou seja, deverá ser caracterizada como usucapionem[42]. Bem imóvel por natureza é o solo e os agregados da natureza, como árvores, por exemplo. Bem imóvel por acessão física, é tudo é incorporado artificialmente, como formação de ilhas, de aluvião, de avulsão, de abandono de álveo, de construções e edificações. Como explanado já explanado, o imposto municipal possui duas materialidades: imóvel edificado (predial) e imóvel não edificado (territorial). Pois bem, para caracterização de imóvel edificado é mister a presença de construções incorporadas de forma permanente ao solo, para residência ou fins empresarias[43]. Logo, imóvel não edificados são os terrenos, solos sem benfeitorias ou que não possuam construções concluídas ou não permanentes e que não “prestem” para residência ou fins empresariais. 4.3 – Critério temporal A definição do momento da incidência do imposto municipal depende da disposição da legislação municipal. O ordenamento jurídico vigente, em regra, elegeu que subsunção do fato à norma ocorrerá todo dia primeira de cada ano. Um dado importante é que o imposto sobre imóvel não edificado o critério temporal foi eleito como primeiro dia de cada ano, e a incidência sobre imóvel edificado deverá ocorre somente no exercício seguinte (primeiro dia do ano) do término da construção. Sejamos claros: antes do término da construção o imóvel somente poderá incidir o imposto sobre a propriedade de bens imóveis não edificado, já que a “construção” ainda não foi incorporado ao solo de modo definitivo, bem como não “presta” a moradia ou atividade mercantil. Logo após o término da obra o imóvel já poderá ser considerado “edificado”, mas como haverá incidência do imposto sobre imóveis edificado, deverá, a Fazenda Pública Municipal, aguardar o término do exercício para iniciar a “nova” cobrança, por força do princípio da anterioridade. 4.4 – Critério espacial 4.4.1 – Critério espacial: segundo regramento do CTN O Código Tributário Nacional fornece a base legal para definir a qualificação de zona rural e zona urbana[44]. O artigo 32, do C.T.N. estabelece em seu parágrafo 1º os requisitos mínimos para a definição de zona urbana por lei municipal, complementando a definição no parágrafo subseqüente. Não obstante o conceito de zona urbana ser definido por lei municipal, este veículo deverá observar os critérios delimitadores contidos na lei complementar (artigo 32, parágrafo 1º do CTN). Para definição do critério espacial do I.P.T.U. observar-se-á a presença ou não de, no mínimo, dois requisitos definidores da zona urbana contidos no descritor do artigo 32, § 1º, do C.T.N., sendo que os eventos que não estiverem contido nos limites determinados pela “legislação tributária” caracterizarão zona urbana, passível da incidência do I.T.R. [45]. Assim, a definição de zona rural se faz por exclusão”[46]. Dessa forma, normas que pretendam caracterizar imóvel rural e urbano dizem respeito a princípios gerais de direito tributário, sendo matéria reservada à lei complementar, eis que refletirão, inevitavelmente, sobre conflitos de competência entre a União Federal (a quem compete instituir o I.T.R.) e Municípios (a quem compete instituir o I.P.T.U.). Neste sentido, assevera Aires F. Barreto: “para prevenir conflitos de competência entre Município e União, a lei complementar (o CTN) definiu as zonas urbanas por natureza (§ 1º do art. 32) e as zonas urbanas por equiparação (§ 2º). As zonas urbanas, por natureza, foram conceituadas mediante a indicação dos equipamentos mínimos (dois) de que devem ser dotadas as regiões para que sejam consideradas urbanas. Dessa forma, o critério que vige, para efeitos fiscais, é o de equipamentos urbanos”[47]. Os imóveis industriais, comerciais e etc. localizados fora dos núcleos urbanos, mas que ostentem pelo menos dois requisitos contidos no artigo 32, § 1º, do C.T.N., sofrerão incidência do I.P.T.U. (por natureza). Ainda, se o bem imóvel estiver localizado em área conforme descrito no artigo 32, § 2º, do C.T.N., da mesma forma, haverá incidência do imposto municipal, isto é, se houve previsão em lei municipal, bem como loteamento aprovado, que se destine à moradia, indústria ou comércio, mesmo que servidas pelos requisitos do § 1º. (por equiparação). 4.4.2 – Critério espacial: segundo a ótica do artigo 225 da CF 4.4.2.1 – Introdução: conceito de meio ambiente artificial Segundo o artigo 3º, da Lei nº 6.938/1981 meio ambiente é o “conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Havendo harmonia entre o veículo descrito e o conteúdo estrutural normativo do artigo 225, da Constituição Federal, podemos, firmar o entendimento que o veículo em questão foi recepcionado pela ordem constitucional vigente. Assim, podemos conceituar meio ambiente como toda estrutura física ou não que influência e rege a vida em todas as suas formas. Neste contexto, meio ambiente artificial é toda manifestação (construção) humana refletiva na modificação do ambiente a quo delimitada no espaço territorial urbano[48]: “[…] o meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto). Dessa forma, todo o espaço construído, bem como todos os espaços habitáveis pela pessoa humana compõem o meio ambiente artificial”[49]. Não será compreendido nesta análise o perímetro rural como meio ambiente artificial, por ausência de aglutinação de construções humanas. O meio ambiente artificial encontra-se normatizado nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal e Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). O Estatuto prescreve condutas de ordem pública e de interesse social relacionadas ao uso da propriedade urbana, para proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado delimitado ao perímetro urbano. 4.4.2.2 – Cidade: conceito Podemos conceituar cidade como espaço físico pertinente a ofertar as condições necessárias ao ser humano, tais como: dignidade, saúde, educação, cultura, lazer e habitação. Sendo a cidade o mandamento nuclear do meio ambiente artificial, deve seguir o objetivo basilar da política de desenvolvimento urbano prescrito no artigo 182, da C.F.: “Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.” Neste mister, são objetivos da política urbana: “a) a realização do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade; e b) a garantia do bem-estar dos seus habitantes”[50] Com o exposto, a política urbana prescrita no artigo 182, da C.F. impõe ao núcleo urbano o dever de zelar pela vida, segurança, igualdade, propriedade, bem como direitos sociais, para refletir sua função social[51]. A função social da cidade é atingida “quando proporciona a seus habitantes uma vida de qualidade, satisfazendo os direitos fundamentais, em consonância com o que o art. 225 preceitua”.[52] De acordo Celso Antonio Pacheco Fiorillo a cidade possui, além das citadas, cinco principais funções sociais: “a) da habitação; b) da circulação; c) do lazer; d) do trabalho e e) do consumo”.[53] A respeito do tema, o prof. Fiorillo, entende que a função social da cidade somente será exercida quando possibilitar aos seus habitantes moradia digna, livre e tranqüila circulação e lazer[54]. A somatória de todas as funções sociais da cidade resulta na garantia do bem-estar dos seus habitantes, isto é, as regras traçadas pela Lei Maior têm por objetivo jurídico-social respeitar e garantir o sobre-princípio da dignidade da pessoa humana[55]. 4.4.2.3 – Estatuto da cidade: delimitação do critério espacial do IPTU Conforme prescreve o artigo 225 da Constituição Federal, o meio ambiente ecologicamente equilibrado está relacionado com a dignidade da pessoa humana, ou seja, o equilíbrio do meio ambiente a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Sendo o meio ambiente artificial – cidade – o espaço físico aonde a pessoa humana reside e circula o seu equilíbrio importa na sadia qualidade de vida de seus habitantes. Equilíbrio do meio ambiente artificial é cristalizado pela entrega do piso vital mínimo aos seus habitantes, bem como respeito às regras capitalistas (trabalho, comercio e etc), bem como aspectos intrínsecos (intimidade, religião, lazer e etc).[56] Neste sentido, as regras constitucionais delimitadas ao campo de incidência espacial das cidades prescreverão condutas positivas e negativas impostas aos entes federativos[57], com intuito de proteger o meio ambiente artificial para glorificação do princípio da dignidade da pessoa humana. Pois bem, tratando-se de cidade, os regramentos estatuídos nos artigos 182, 183 e 225, da Constituição Federal autorizaram o legislador ordinário a veicular o denominado Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001) com intuito de disciplinar, de forma correta, a propriedade urbana, para o equilíbrio do meio ambiente artificial. O Estatuto da Cidade vem trazendo uma carga de valor jurídico-social refletindo os ditames do artigo 225, da CF, ou seja, traz a cidade como meio ambiente, o qual, deve ser, “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Após a veiculação do Estatuto da Cidade a propriedade urbana passou a caracteriza-se como elemento ambiental e componente do meio ambiente artificial: “[…] o meio ambiente artificial passa a receber uma tutela mediata (revelada pelo art. 225 da Constituição Federal, em que encontramos a proteção geral ao meio ambiente enquanto tutela da vida em todas as suas formas, centrada na dignidade da pessoa humana) e uma tutela imediata (que passa a receber tratamento jurídico aprofundado em decorrência da regulamentação dos arts. 182 e 183), relacionando-se diretamente às cidades. É, portanto, impossível desvincular de vida, assim como o direito à satisfação dos valores da dignidade da pessoa humana e da própria vida.”[58] A norma estrutural urbana de 2001 tem por objetivo basilar prescrever princípios gerais, regras de ordem pública interesse geral, para “regular o uso da propriedade urbana em benefício da coletividade[59], da segurança e do bem-estar”[60] dos habitantes da cidade para manutenção do equilíbrio ambiental. O artigo 2º do regramento urbano prescreve as seguintes diretrizes: “I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infra-estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental;   VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência; VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais; XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resultado a valorização de imóveis urbanos; XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; XIII – audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais; XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social.” As diretrizes, bem como os demais regramentos contidos na norma estrutural urbana condicionam a propriedade ao meio ambiente como o todo, para sadia qualidade de vida das pessoas que circulam na cidade. Assim, o Estatuto da Cidade criou a obrigação da existência de cidades sustentáveis, “que deverá assegurar, como importantíssima diretriz da política urbana no Brasil, os direitos básicos de brasileiros e estrangeiros residentes no País no que se refere à relação pessoa humana/lugar onde se vive”.[61] Para concluímos, o Estatuto da Cidade, para garantia do direito a cidades sustentáveis, prescreveu as seguintes diretrizes: (i) direito à terra urbana: distribuição dos habitantes em determinado espaço territorial e a forma que serão distribuídos; (ii) direito à moradia: direito a espaço delimitado (específico) de conforto e respeito as regras constitucionais de intimidade; (iii) direito ao saneamento ambiental: vinculo o ente federativo a assegurar as condições mínimos para garantir a saúde dos habitantes da cidade; (iv) direito à infra-estrutura urbana: reflete “direito material metaindividual organizado a partir da tutela jurídica do meio ambiente artificial, revele a necessidade de uma ‘gerência’ da cidade por parte do Poder Público municipal vinculada a planejamento previamente discutido não só com o Poder Legislativo mas com a população, com a utilização dos instrumentos que garantem a gestão democrática das cidades, explicados nos arts. 43 e 45 do Estatuto da Cidade exatamente no sentido de integrar juridicamente as cidades ao Estado Democrático de Direito”.[62] (v) direito ao transporte: reflete os meios necessários para livre circulação da pessoa humana dentro do perímetro municipal; (vi) direito aos serviços públicos: humanização e isonomia na prestação de serviços públicos; (vii) direito ao trabalho: espelho nas prescrições do art. 6º da CF (piso vital mínimo); (viii) direito ao lazer: idem; Após a explanação dos conceitos de meio ambiente artificial e cidade, podemos concluir que segundo o regramento estatuído no Arrigo 225 da CF em consonância com o disposto no Estatuto da Cidade, o conceito ou delimitação do espaço de incidência tributária do IPTU passou a ser prescrito pelo para diretor no âmbito de cada cidade, sem desprezar os elementos do artigo 32 do CTN. “A par da dificuldade de utilização de tal critério, tendo em vista a realidade brasileira, na qual os chamados estabelecimentos marginais, ou bairros irregulares, “crescem com muito maior velocidade que os estabelecimentos regulares, e abrigam agora em muitos países a maioria da população”, endentemos que o Estatuto permite tal critério diferenciador. Extraímos esse raciocínio do próprio texto legal, em cujo art. 2º, I, se estabelece que a garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, vem a ser um exemplo de permissão legal em utilização de tal critério diferenciador”[63]. Neste ponto, entendemos que o critério espacial demarcador da territoriedade de incidência do IPTU deve ser interpretado ou extraído através da junção do artigo 32 do CT com as diretrizes contidas no Estatuto da Cidade que autorizará a incidência do imposto predial através de prescrição contida no plano diretor de cada cidade, devendo, ainda, o bem “cumprir função social a bem de sua população, considerada individualmente”.[64] 4.5 – Critério pessoal O sujeito ativo da relação jurídico-tributária será os Municípios e o Distrito Federal, conforme disposição do artigo 156, I, da CF. A sujeição passiva ficará a cargo do proprietário (pleno, de domínio exclusivo ou na condição de co-proprietário), titular do domínio útil (enfiteuta e usufrutuário – titular dos direitos de usar, de administrar e fluir) e o possuidor. A legislação municipal não poderá escolher qualquer possuidor, já que regra padrão do IPTU. não comporta o locatário ou comodatário no critério pessoal, pois são meros titulares de direitos pessoais limitados em relação à coisa, cujos proprietários mantém a posse indireta sobre o imóvel. O imposto incidirá na posse ad usucapionem, ou seja, aquela que exterioriza a propriedade ou o domínio (porém sem título hábil) e que, decorrido certo tempo, gera direito ao usucapião. Desse modo, é indispensável que se trate de posse que, por suas características, possa conduzir à propriedade. 4.6 – Critério quantitativo A base imponível do IPTU é o valor venal (gênero), isto é, o valor comercial ou de mercado do imóvel. Possuindo imposto municipal duas materialidades teremos duas situações ou valores que iram compor a base de cálculo do imposto. Neste emaranhado, a base imponível do imposto sobre bens imóveis edificado é composta pela somatória do valor venal do imóvel com o valor venal da construção, e por sua vez, a base de cálculo do imposto sobre bens imóveis não-edificado é composta, exclusivamente, pelo valor venal do imóvel. E mister esclarecer que qualquer modificação que implique na alteração da base de cálculo do imposto que corresponda em aumento da tributação, deve ser veiculada através de lei ordinária, seguindo o princípio da estrita legalidade tributária (150, I, da CF), já que o veículo decreto (municipal) não possui hierarquia ou força estrutural para alterar a regra padrão de incidência já definida através do veículo ordinário municipal[65] . Assim, citamos como exemplo, a modificação da planta genérica do imóvel que implique em majoração do I.P.T.U. estabelece novo valor venal, constituindo esse valor a base de cálculo daquele tributo. Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo que importe em torná-lo mais oneroso. Se somente a lei pode aumentar o tributo, conforme o inciso II, do art. 97, é evidente que apenas a lei pode tornar o tributo mais oneroso, seja por qual meio for, inclusive, pela alteração de sua base de cálculo [66]. Quanto a alíquota, a C.F. não prescreveu alíquotas mínimas ou máximas, sendo certo, que a verificação das alíquotas deverá ser “estudada” sob a olhares, subjetivos, do princípio do não-confisco. Como explanado nos itens anteriores, a atual estrutura normativa da Constituição Federal admite a progressividade do imposto municipal, o que acarretará variedade de alíquotas sobre bases (valores) diferentes. 5 – CONCLUSÃO Os municípios e o distrito federal receberam a competência impositiva de legislar a cerda de imposto sobre a propriedade de imóvel no perímetro urbano, com duas materialidades: (i) imóveis edificados e (ii) não-edificados. Para criação do imposto sobre a propriedade de imóvel no perímetro urbano a Fazenda Pública Municipal deverá verificar, antes da publicação da norma padrão de incidência, o reflexo dos princípios demarcadores do I.P.T.U.: (i) legalidade; (ii) isonomia e capacidade contributiva; (iii) anterioridade; (iv) irretroatividade; (v) não-confisco; (vi) progressividade e (v) dignidade da pessoa jurídica. Antes de adentramos a incidência do imposto municipal, procuramos conceituar a regra padrão de incidência, que demarca a incidência normativa, sendo composta por uma hipótese (descrição de um evento) e uma conseqüência normativa (prescritor). Como vimos o imposto municipal possui duas materialidades e incidindo via de regra todo dia primeiro de cada ano, com exceção da materialidade “edificado”, pois há necessidade de aguardar o início do exercício seguinte ao término da edificação (incorporação ao solo permanente que ‘preste’ para habitação ou fins empresariais). Objetivando regular o limite de incidência do imposto (critério espacial), o artigo 225, da CF, Estatuto da Cidade e o artigo 32, §1º e § 2º do CTN autorizam a cidade a verificar ou demarcar o espaço físico do imposto municipal. O sujeito ativo será o Município ou o Distrito Federal, já que somente a estes receberam a competência impositiva prescrita no artigo 156, inciso I, da Constituição Federal.A sujeição passiva será composta pelo proprietário do bem imóvel, titular do domínio útil e pelo possuidor (ad usucapionem). A base de cálculo será composta por duas situações: (i) materialidade edificação: valor venal do imóvel agregado ao valor da construção; (ii) materialidade não-edificação: valor venal do imóvel. A alíquota, após a E.C. 29, poderá incorrer na progressividade em razão do valor ou localização, bem como ser progressiva em razão da subutilização ou não utilização do bem imóvel, observados os ditames do Plano Diretor do Município.
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O imposto de renda da pessoa física e a sua efetividade em matéria constitucional
A questão do presente estudo volta-se a tributação do Imposto de Renda da Pessoa Física praticada no Brasil em face aos princípios da legalidade, da capacidade contributiva, da progressividade, da igualdade e do não-confisco, bem como, de outros relacionados à matéria. Princípios estes, positivados constitucionalmente. Abordou-se a importância do tributo como meio de sobrevivência do Estado, uma vez que sua exigência trás ao Estado recursos para atingir seus fins. O entendimento de renda é conferido para averiguar o que de fato pode ser tributado, entretanto a Constituição Federal de 1988 não trás expressamente o conceito de renda. Dá-se a renda o entendimento de “acréscimo patrimonial” ou riqueza nova. A relevância jurídica, econômica e social revela-se na relação entre a matéria tributária e a ordem econômica, no que tange mais precisamente às desigualdades sociais. Como objetivo central buscou-se demonstrar que o sistema de tributação do imposto sobre a renda não atende os preceitos capitais. O princípio da estrita legalidade assevera que para se exigir ou aumentar um tributo primeiramente a lei deve estabelecer. Foram citadas algumas receitas que não são revestidas de renda ou provento tributável. Estudou-se que os princípios da capacidade contributiva e da progressividade se pautam na análise da igualdade em matéria tributária. Enfatiza-se que o imposto sobre a renda deve ater-se a dignidade da pessoa humana e ao mínimo existencial. Utilizou-se o método dedutível e indedutível, e diversas fontes doutrinárias para sustentar que a capacidade contributiva e a progressividade não estão tendo o devido tratamento na legislação do imposto de renda da pessoa física vigente, afrontando assim, o artigo 145, § 1°, artigo 3°, inciso I, artigo 1°, inciso III, e o artigo 170, inciso VII, da Constituição Federal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Este artigo, intitulado O Imposto de Renda da Pessoa Física e a sua Efetividade em Matéria Constitucional, traça um paralelo entre o imposto de renda da pessoa física que se aplica na atualidade ao que deveria estar sendo aplicado como forma de atender a igualdade em matéria tributária. A comprovação disso está na ausência real da progressividade, da aferição da capacidade contributiva do indivíduo e na ineficiência da tabela progressiva do imposto sobre a renda, nas quais se destacam: as faixas de rendas presumidas, o mínimo isento para a incidência e as alíquotas fixas. O sistema vigente de incidência afronta não só o artigo 145, § 1°, mas o artigo 3°, inciso I, o artigo 1°, inciso III, e o artigo 170, inciso VII, da Constituição Federal de 1988. Abordou-se a necessidade da arrecadação do tributo para a gestão pública, pelas razões da própria efetivação do seu exercício. Antes de adentrar-se no imposto sobre a renda, analisou-se o que de fato é considerado renda para a incidência deste imposto. Os princípios correlatos ao imposto sobre a renda foram destacados, principalmente o princípio da progressividade e da capacidade contributiva. 1. A NOTORIEDADE DO TRIBUTO O Brasil não é diferente de outros países, quanto à prática da cobrança de tributos que se faz necessário para o exercício da gestão pública com o intuito de atingir os seus fins, seja inerente a estrutura da administração pública, ou das atividades sociais. Entretanto, não cabe ao Estado praticar a atividade econômica, sendo esta pertinente a área privada, salvo se houver questões que abranjam a segurança nacional ou de grande interesse coletivo, ambos sustentados no artigo 173, da Constituição Federal, desta forma o Estado apenas realiza a atividade financeira. É inegável a imprescindibilidade da existência do tributo, Machado[1] explica a necessidade da tributação dizendo que é um instrumento de sobrevivência no qual o Estado valida a economia capitalista, mesmo porque, na falta do tributo o Estado não conseguiria realizar seus fins sociais, a não ser que, a atividade econômica fosse por ele monopolizada, sendo assim, o tributo é um meio que impede a estatização da economia. Dentre as espécies tributárias estudar-se-á neste artigo a espécie – imposto, mais precisamente o imposto sobre a renda da pessoa física, consubstanciado aos princípios constitucionais correlatos a matéria. 2. A RENDA E SUA COMPREENSÃO JURÍDICA Entender o que é renda é de suma importância para definir o imposto sobre a renda e o objetivo é partir da própria Constituição Federal, com o intuito de analisar o objeto procurando a matriz da hipótese de incidência deste estudo. No primeiro enforque, dar-se-á atenção ao Regulamento do Imposto de Renda (RIR) – Decreto n. 3000, de 26 de março de 1999 – que em seu artigo 2º delimita o sujeito passivo apresentando a que se refere a renda e confirmando a obrigação tributária do imposto de renda. Observe-se que, in verbis: “Art. 2º As pessoas físicas domiciliadas ou residentes no Brasil, titulares de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza, inclusive rendimentos e ganhos de capital, são contribuintes do imposto de renda, sem distinção da nacionalidade, sexo, idade, estado civil ou profissão (Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964, art. 1º, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 43, e Lei nº 8.383, de 30 de dezembro de 1991, art. 4º).”[2] O sujeito passivo, no estudo em questão é a “pessoa física”, a renda é a “disponibilidade econômica” e a confirmação da obrigação tributária “são contribuintes do imposto de renda”. Porém, é no artigo 153, inciso III, § 2°, da Constituição Federal, que flagra o que de fato seria a renda. Conquanto não traga o conceito expresso de renda, trás em seu texto a delimitação do âmbito do entendimento da renda e proventos de qualquer natureza facilitando o estudo do objeto, in verbis: “Art. 153 – Compete à União instituir impostos sobre: […] III – renda e proventos de qualquer natureza; […] § 2º – O imposto previsto no inciso III: I – será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei;”[3] Esse dispositivo diz que o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza deve ser informado, nos termos da lei, pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade, consoante se encontra o ensino de Carrazza[4] que expõe em síntese: que a universalidade refere-se a todas as rendas e proventos; a generalidade relaciona-se a quaisquer pessoas; e a progressividade está para o acréscimo patrimonial, ou seja, se maior a renda, maior será a alíquota aplicável. O artigo 153, inciso III, da Constituição Federal, mostra que a incidência do imposto deve ocorrer sobre a renda e proventos de qualquer natureza, não abarcando qualquer outro elemento. A renda e proventos de qualquer natureza, para Carrazza[5] resumem-se em: “[…] ganhos econômicos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela combinação de ambos e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em seu patrimônio, num certo lapso de tempo” O Código Tributário Nacional nasceu com a Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, advindo da reforma iniciada através da Emenda Constitucional n. 18, de 1º de dezembro de 1965, surgindo o Sistema Tributário Nacional. O Código buscou definir o fato gerador e a base de cálculo de cada imposto previsto na Emenda Constitucional n. 18/1965 a fim de resultar no conceito de renda. Ao analisar a renda vê-se que nem os financistas e economistas chegam a um conceito formado de renda. No Código Tributário Nacional a renda dispõe-se como um produto ou um resultado, quais sejam do trabalho ou do capital ou ainda de ambos e com um adendo, os proventos de qualquer natureza, considerados como os demais acréscimos patrimoniais, dentro de um período de tempo (lapso temporal). Quanto ao conceito de renda e proventos de qualquer natureza não há uma consonância na doutrina, encontram-se diversas teorias, quais sejam, econômica e fiscal, entretanto há corrente divergente. A Teoria Econômica explica que a renda refere-se notavelmente sempre a uma “riqueza nova”, podendo ser material ou imaterial, provindo de uma fonte produtiva que resulta nesta riqueza. A Teoria Fiscal se subdivide em: teoria de renda e produto; teoria da renda acréscimo patrimonial; e teoria legalista.[6] A mesma autora[7], ao comentar sobre a Teoria de Renda e Produto, informa que é a riqueza de provir de fonte produtiva em que o homem a explore, porém que seja durável. Parte-se da “renda líquida”, sendo admitidas as deduções dos gastos necessários a fim de atender a conservação e reconstrução do capital, então, não cabem os gastos relacionados à aquisição deste capital. Esta renda pode ser tanto monetária quanto em espécie. Já na Teoria da Renda Acréscimo Patrimonial García Belsunce[8] salienta que esta teoria não está baseada em um conceito econômico de renda em razão de visar atender os fins fiscais levando a um conceito bastante abrangente de renda, resultando em toda entrada (consumida ou investida) desde que avaliável em moeda, inclusive os benefícios advindos de uso de bens próprios podendo ser, periódico, transitório ou excepcional, contrário sensu Gianinni[9]. A renda líquida apurar-se-á da renda bruta deduzida dos gastos para a obtenção da entrada e da manutenção da fonte. Por fim a Teoria Legalista concentra sua tese na própria lei, ou seja, renda será o que a lei estabelecer, observando os objetivos econômicos e sociais da legislação tributária. Segundo Lenke[10] esta teoria se subdivide em sentido estrito e em sentido amplo. Dando continuidade a teoria legalista, em sentido estrito oferece-se a autonomia da ordem jurídica para determinar o que é renda, em que a legislação ordinária deve estar atenta aos preceitos constitucionais. Em contrapartida, no sentido amplo exprime que a lei ordinária pode livremente determinar o que venha a indicar o que é renda para o efeito da incidência do imposto sobre a renda. Estas teorias se observadas na atualidade resumem-se na verdade, em teoria renda-produto (refere-se à utilidade econômica do bem dentro de um período) e teoria da renda acréscimo patrimonial (tem influência da prática contábil na determinação do lucro). Mosquera[11], por meio do exame da palavra “renda” e da palavra “proventos de qualquer natureza”, no qual aparecem na Constituição Federal por vinte e duas e vinte e quatro vezes, respectivamente, finaliza que o conceito constitucional de renda e proventos de qualquer natureza é “acréscimo patrimonial” apurado em um determinado lapso de tempo, nesta generalidade dever-se-á considerar as entradas (ingressos) e as saídas, apurando o saldo seja ele positivo ou negativo, enfim no acréscimo patrimonial líquido. Queiroz, L.[12] parte da premissa que a Constituição Federal é rígida no tocante às competências tributárias e suas repartições entre os entes políticos, e da declaração efetiva que a Constituição possui conceito de limites máximos no que cabe a repartição da competência tributária no qual não se confundem “rendas” de “proventos de qualquer natureza”. O autor ainda completa que é necessário interpretar a Constituição Federal observando os princípios constitucionais imprescindíveis para o conceito do objeto, cita-os, princípio da igualdade, da universalidade, da capacidade contributiva, do mínimo existencial e da vedação da utilização de tributo com efeito de confisco. Como a ausência de consenso na doutrina é visível e presente na conjuntura de renda, revela-se a renda como fonte de tributos, sendo esta a medida ideal para a capacidade contributiva. Neste estudo, entende-se ser necessária a periodicidade em decorrência de ser um acréscimo patrimonial naquilo que já era pré-existente, enfim, trata-se de riqueza nova resultante de uma variação patrimonial positiva considerando inclusive os decréscimos. Para Queiroz, M. a definição de renda e proventos mais próxima aos preceitos constitucionais se estabelece da seguinte forma: “i) Incide sobre as rendas e proventos de qualquer natureza que constituam acréscimos patrimoniais, riquezas novas, para o beneficiário (os excedentes às despesas e custos necessários para auferir os rendimentos e à manutenção da fonte produtora e da sua família), sobre os quais ele haja adquirido e detenha a respectiva posse ou propriedade e estejam à sua livre disposição, econômica ou juridicamente; ii) Deve ser dimensionada levando em consideração a periodicidade necessária à sua quantificação, por meio da progressividade, a fim de atender à pessoalidade, de modo a aferir a real capacidade contributiva de quem a lei incumbe o ônus do imposto, no sentido de que aqueles que tenham mais contribuam mais; cuja incidência deverá ser de forma igual, universal e genérica para todos; e que a tributação tributária respeite o mínimo vital necessário à sobrevivência e à dignidade humana e não produza o efeito de exaurir ou resultar no esgotamento de respectiva fonte em prestígio ao não-confisco, à legalidade, à isonomia e à segurança jurídica”.[13] O presente estudo coaduna com o pensar de Queiroz, M.[14] para esta linha conceitual, em razão de se verificar, a concretização da Constituição Federal em dar limites ao legislador infraconstitucional, vedando qualquer alegação que venha ultrapassar os princípios limitativos constitucionais, já mencionados e os decréscimos que devem ser considerados mediante as entradas. 3. RECEPÇÃO RESTRITIVA DA LEGALIDADE E AOS PRINCÍPIOS CORRELATOS O princípio da estrita legalidade tributária está tipificado no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal que reproduz o princípio da legalidade previsto no artigo 5º, inciso II, do mesmo diploma, este por sua vez visa garantir os direitos e deveres do indivíduo no âmbito individual e coletivo, pois a legalidade é um princípio fundamental do Estado de Direito. Segundo Carrazza[15] o princípio da legalidade foi reforçado na esfera tributária pelo princípio da estrita legalidade, previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, vedando à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; e de acordo com o inciso do dispositivo tem-se “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”[16]. Observa Carrazza[17] que os tributos para serem criados ou aumentados necessitam de lei ordinária exceto quanto aos empréstimos compulsórios, aos impostos residuais da União e às contribuições sociais elencadas no artigo 195, § 4º, da Constituição Federal, estas para terem validade dependem de lei complementar. Precisamente o princípio da estrita legalidade traz a garantia ao contribuinte do direito no campo tributário de não tolerar nada além do que a lei estabelecer, no mesmo sentido esse mesmo autor[18] diz que somente a lei cabe definir os tipos tributários e ainda de forma minuciosa, ou seja, para ocorrer à instituição do tributo é necessário que a lei traga em seu bojo todos os elementos e supostos da norma jurídica tributária, quais sejam, as hipóteses de incidência, os sujeitos (ativo e passivo), as bases de cálculo e as alíquotas, enfim, estabelece-se esta norma. O princípio da legalidade exige que tanto ao criar ou majorar o tributo há necessidade da existência de lei prevendo a hipótese de incidência, base de cálculo, alíquota e sujeitos. A lei que institui ou majora o tributo deve ser constitucional. Se analisar os rendimentos tributáveis que a legislação brasileira entende ser, vê-se que algumas receitas não são revestidas de renda ou de provento tributável segundo a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional. Desta forma, o princípio da legalidade não está protegido da maneira que deveria estar, esta situação de acordo com Leonetti[19] fere a atuação do imposto como um instrumento de justiça social. Em consonância ao autor, expõem-se abaixo algumas receitas que não se revestem de natureza de renda ou provento tributável: a) Férias e licenças-prêmio transformadas em pecúnia, não gozadas em razão de serviço – artigo 43, incisos II e III, da RIR/1999: “Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens percebidos, tais como (Lei nº 4.506, de 1964, art. 16, Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 4º, Lei nº 8.383, de 1991, art. 74, e Lei nº 9.317, de 1996, art. 25, e Medida Provisória nº 1.769-55, de 11 de março de 1999, arts. 1º e 2º): […] II – férias, inclusive as pagas em dobro, transformadas em pecúnia ou indenizadas, acrescidas dos respectivos abonos; III – licença especial ou licença-prêmio, inclusive quando convertida em pecúnia;”[20] Inicialmente entende ser remuneratória por trazer benefício advindo do trabalho, porém cabe observância quando o não gozo é alheio à vontade do trabalhador, ocorrendo em virtude da necessidade do próprio serviço, tornando assim, uma obrigação para o trabalhador. Neste caso é notório que o caráter é indenizatório, inclusive esta natureza foi recepcionada pela jurisprudência através das Súmulas n. 125 – “O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do Imposto de Renda” e n. 136 – “O pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade do serviço não está sujeito ao imposto de renda” do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[21]. b) Verbas, dotações ou auxílios, para representações ou custeio de despesas necessárias para o exercício de cargo, função ou emprego – artigo 43, inciso X, da RIR/1999: a natureza indenizatória é clara quanto ao seu fim, em função do emprego, do cargo ou da função. Contudo a legislação brasileira não explicita limite para a tributação, diferenciando apenas o valor recebido pelo contribuinte do valor despendido para o exercício profissional, afirma-se que é dever obrigatório excluir dos rendimentos tributáveis as despesas imprescindíveis ao resultado da renda ou proventos, sendo este um entendimento dominante nas Ciências Econômicas e no Direito. Nota-se que existe tratamento diferenciado aos contribuintes que se enquadram em “não-assalariados”, pois para estes são permitidas as deduções de despesas necessárias referente ao custeio da atividade, uma vez que forem devidamente registradas em Livro Caixa, conforme disposto no regulamento, artigo 75, inciso III, da RIR/1999. Os “assalariados” também possuem despesas que acabam por custear o resultado final de sua renda, então, fica evidente o tratamento diferenciado entre estes contribuintes. c) Atualização monetária, juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento dos rendimentos do trabalho assalariado –artigo 43, § 3º e 72, da RIR/1999: não configuram acréscimo patrimonial, seu caráter é indenizatório, pois o objetivo é ressarcir os prejuízos por não ter percebido no período correto. d) 10% do valor venal do imóvel objeto de cessão de uso gratuita, exceto se para o cônjuge ou parente do primeiro grau – artigo 49, § 1º, com concordância do artigo 39, inciso IX, da RIR/1999: é descabido esta tributação, uma vez que a cessão foi a título gratuito, desta forma, inexiste rendimento para se tributar. Para Leonetti[22] e Machado[23] “[…] a intenção do legislador foi a de desestimular a locação travestida de cessão gratuita, com o que acabou por ferir o bom senso e a Constituição […]”. e) Atualização monetária, juros de mora, multas e outras compensações pelo atraso no pagamento de alugueres – artigo 49, § 2º, da RIR/1999: neste caso, estamos diante de natureza ressarcitória, que busca em razão de recebimento atrasado de alugueres repor perdas sofridas pelo contribuinte-locador. f) Os juros compensatórios e moratórios de qualquer natureza e quaisquer outras indenizações por atraso de pagamento de rendimentos tributáveis – artigo 55, inciso XIV, da RIR/1999: possuem caráter indenizatório, buscam o ressarcimento oriundo de prejuízos pertinentes aos atrasos do pagamento, não havendo acréscimo patrimonial. g) Heranças, legados, doações em adiantamento de legítima e dissolução da sociedade conjugal – artigo 119, da RIR/1999: quando a transferência do bem ou direito para o herdeiro, legatário, donatário ou ex-cônjuge ocorrer pelo preço de mercado, a legislação estabelece que incidirá imposto sobre a diferença entre o valor declarado na declaração anual de imposto de renda da pessoa física e o valor apurado no mercado. h) Indenizações decorrentes de desapropriações, exceto se para fins de reforma agrária – artigo 120, inciso I, e 123, § 4º, da RIR/1999: também se relacionam a natureza indenizatória, visa apenas trazer o patrimônio ao status quo ante. Em virtude do artigo 184, § 5º, da Constituição Federal, a legislação retira do campo de incidência do imposto sobre a renda somente as verbas pagas em detrimento da desapropriação com fim de reforma agrária. Vale dizer que o imposto sobre a renda das pessoas físicas já teve problemas no passado com os princípios da anterioridade e da irretroatividade em razão de regência de tributo, onde boa parte da doutrina e da jurisprudência dominante entendia que a lei a ser aplicável era aquela vigente no ano em que o contribuinte deveria apresentar a declaração de rendimento. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) formalizou o entendimento por meio da Súmula n. 584: “Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração”[24]. Esta súmula violava o princípio da anterioridade, entretanto não mais é utilizada. Quanto ao princípio da irretroatividade o tratamento não era diferente, pois o problema voltava-se na determinação da ocorrência da hipótese de incidência, sabe-se que o imposto sobre a renda é periódico, sendo assim, decorre de diversos fatos que se formam no decorrer do mês ou do ano, assim, é justo que a aplicação da legislação deva ser àquela que sua vigência iniciou antes do ano-calendário que o contribuinte percebeu seus rendimentos. Critica Leonetti[25] que no passado a doutrina sustentou tese diversa amparada no artigo 105, do Código Tributário Nacional; sendo que neste dispositivo: “A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do Art. 116”[26]. Este dispositivo nunca chegou a retroagir a lei tributária. Quanto ao caráter do imposto de renda, entende-se ser pessoal, assim deve atender o princípio da pessoalidade previsto no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal, onde os impostos sempre que possível, serão graduando conforme a capacidade contributiva do contribuinte, ou seja, sobre as características pessoais do indivíduo. 4. O PERFIL DA PROGRESSIVIDADE NO IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA A tributação do imposto de renda da pessoa física será exercida sobre todos que vierem a auferir renda ou proventos de qualquer natureza, devendo obedecer a certa progressividade. Quando a Constituição Federal determina que a tributação do imposto sobre a renda deve ser progressiva, está expressamente dizendo que na medida em que a renda do contribuinte aumenta maior deverá ser a alíquota incidente do imposto, consoante previsão do artigo 153, § 2º, inciso I, da Constituição brasileira. Coelho[27] aduz neste sentido: “A progressividade é instrumento técnico e também princípio, na dicção constitucional, que conduz à elevação das alíquotas à medida que cresce o montante tributável, indicativo da capacidade econômica do contribuinte”. A bandeira defendida pelo princípio da progressividade está voltada para quanto maior a renda, maior será a alíquota do imposto, não significando prejuízo aos direitos fundamentais, contrariamente a isso, acaba por aludir o princípio da igualdade, com intuito de justificar as desigualdades econômicas existentes. O princípio da progressividade decorre do princípio da igualdade, sendo que, esta igualdade no tocante a área tributária se expressa de forma diferente, ou seja, esta igualdade não deve ser vista de forma absoluta, mas ser visualizada de modo a tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. O tratamento desigual é para àqueles considerados hipossuficientes financeiramente, levando assim, a uma igualdade real. Quanto menor a renda do indivíduo menor deve ser a sua obrigação tributária, afinal todas as pessoas que auferem renda acima da base de isenção entram no rol da obrigação tributária do imposto sobre a renda, devendo contribuir aos cofres públicos em prol da coletividade, entretanto nem todos possuem a mesma disponibilidade econômica, assim devem merecer tratamento diferenciado. Voltando a questão da progressividade, encontra-se no histórico do imposto sobre a renda na Receita Federativa do Brasil a quantidade de alíquotas existentes antes da simplificação do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF): “A tabela progressiva que no exercício de 1989, ano-base de 1988, comportava nove classes e alíquotas variáveis de 10% a 45% passou no ano seguinte para três classes, inclusive a de isenção, e duas alíquotas: 10% e 25%.”[28] As alíquotas variavam conforme o montante da renda líquida. As diversas alíquotas existentes foram substituídas com a Lei n. 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que posteriormente foi alterada pela Lei n. 9.250, de 26 de dezembro de 1995, ficando apenas duas quanto à aplicação: 15 e 25%. Além disso, houve outras alterações no regramento do imposto de renda das pessoas físicas trazidas por esta lei, em que as alterações ocorreram na intenção de simplificar o imposto de renda da pessoa física. Outrossim, as alterações contrariaram o disposto no artigo 145, parágrafo 1º, da Constituição Federal, retirando do imposto o seu caráter pessoal, bem como a sua progressividade, contradizendo igualmente o seu artigo 153, parágrafo 2º, inciso I, mas, ressalta-se que há doutrinadores que assim não entendem, como Zilveti[29] e Tipke e Yamashita[30], onde consideram a questão da progressividade na tributação da renda uma forma de política social tributária. Quando se observam as alíquotas adotadas pelo Brasil para o imposto de renda das pessoas físicas desde 1978, destacada Queiroz, M.[31], em sua obra atualizada até o dia 30 de agosto de 2009, através do quadro demonstrativo abaixo se verá impreterivelmente sua variação:   Fonte: Queiroz, M. (2004, p. 41). A progressividade andou bem até 1988, depois foi reduzida para apenas duas alíquotas, essa mudança ocorreu logo após a Constituição de 1988, sendo que esta havia estabelecido expressamente a progressividade. Este princípio vai de encontro ao da capacidade contributiva que acaba mensurando a igualdade ou desigualdade na relação tributária entre o fisco e o contribuinte. Atualmente há as alíquotas de 7,5, 15, 22,5 e 27,5%. É tão certo dizer que a progressividade brasileira da renda não atendia o preceito constitucional do imposto progressivo, que o imposto de renda da pessoa física, ano-base 2009, exercício 2010 agregou mais duas alíquotas de incidência. A tabela de incidência fora corrigida em cerca de 4,5%, esta correção está prevista na Lei n. 11.482, de 31 de maio de 2007, alterada pelo artigo 15, da Medida Provisória n. 451, de 15 de dezembro de 2008, com a inclusão de duas novas alíquotas (7,5 e 22,5%), ainda ínfima, lembrando que a tabela ora especificada ficara seis anos sem correção.[32] A inflação oficial pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), em 2007, foi de 4,46% e em 2008 foi de 5,9%, os economistas acreditam que a defasagem do imposto sobre a renda ainda está por volta de 30%.[33] A idéia de progressividade da renda é trazer benefícios para todas as classes de renda, entretanto as quatro alíquotas de incidência ainda trás uma progressividade tímida uma vez que não existem apenas quatro grupos de classes de renda no Brasil. A simplificação do imposto de renda da pessoa física facilita a vida dos contribuintes, mas compromete o caráter pessoal e a capacidade contributiva, deixando assim de aferir o imposto real daquele contribuinte em específico. Cumpre salientar que, se faz necessário que sejam criadas novas alíquotas, todavia, para que se efetive uma maior progressividade (aumento de alíquotas) o Estado deve corresponder com retorno de melhorias, na qualidade de da prestação de serviços e da assistência prestada à sociedade. Na doutrina hodierna não fora evidenciado até o presente a quantificação correta de alíquotas para o atendimento do princípio, ou seja, não há de fato um consenso entre os doutrinadores a respeito da quantidade de alíquotas que deveria existir para atender a progressividade, entretanto Queiroz, M. preleciona que: “Como parâmetro, poderia ser tomada a progressividade que existia antes do ano de 1988 (eram 9 faixas de alíquotas, que iam de 0% a 45%). Ressalta-se que tal princípio foi consagrado pela Constituição Federal de 1988 e, no ano seguinte, 1989, a lei ordinária reduziu a progressividade a somente duas alíquotas (15% e 25%, posteriormente aumentada para 27,5%). […] não há como reconhecer o caráter de progressividade, imprescindível para dar efetividade aos princípios dos quais é corolário. “[34] Atender a progressividade da pessoa física, também se faz necessário, considerar as despesas oriundas a efetivação da manutenção da produção dos rendimentos. Essa mesma autora[35] defende que a ausência de estrutura de fiscalização da máquina arrecadadora do Estado não deve servir de justificativa para a não utilização das despesas de produção. O Estado não deve apegar-se apenas a questão da diminuição da sonegação, caso contrário, manter-se-á as distorções na incidência do imposto sobre a renda da pessoa física, assim, a atual estrutura não deveria ser defendida e nem mantida, mas reestruturada, de tal forma que os bons contribuintes, em especial os assalariados não fossem mais lesados. O que se nota no Brasil é que a primeira opção do Estado está sempre no aumento da carga tributária não havendo nenhuma preocupação em reduzir custos trazendo um equilíbrio entre despesa e receita, em conseqüência desta política vê-se uma cobrança de tributos cada vez mais onerosa afetando diretamente àqueles com menor capacidade financeira haja vista que, as alíquotas existentes não atendem o verdadeiro sentido da progressividade. 5. A VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Tanto o princípio da capacidade contributiva quanto o da progressividade influenciam no imposto de renda da pessoa física, desta forma, devem ser bem interpretados para que não haja falsa direção, afinal são os princípios os norteadores de solução dos problemas jurídicos. O princípio da capacidade contributiva está previsto no texto constitucional disposto no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal vigente, in verbis: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”[36] Para Derzi[37] o artigo 145, § 1°, da Constituição trás expressamente o princípio da capacidade econômica, na qual a autora destaca que há mais de dois séculos o alemão Von Iusti já o preconizava e Adam Smith o difundia. Completa ainda que, o princípio da igualdade e da vedação do confisco são inafastáveis da capacidade econômica, sendo normas imodificáveis através de emenda constitucional, dotadas de eficácia plena e imediata. Em concordância, no Capítulo I dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, tem-se o disposto no § 1° do artigo 5° da Constituição, in verbis: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.[38] É importante registrar que o princípio da igualdade em matéria tributária, quando invocado, confere tratamento conforme o artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, significando dizer que, o tratamento igual deve ser dado para àqueles equivalentes, e tão certo dizer que, aos desiguais deve haver um tratamento desigual, com isso as desigualdades diminuem e o tratamento está sendo igualitário. Quando se observa o sistema constitucional, vê-se que o imposto de renda está plenamente condicionado aos princípios da igualdade, da pessoalidade e da capacidade contributiva. Estes três princípios estão influindo profundamente no imposto sobre a renda da pessoa física, pois o princípio da igualdade norteia o legislador quanto à pessoalidade do imposto e ao mesmo tempo invoca a questão da sua graduação que por sua vez deve estar condicionada a capacidade contributiva do contribuinte. Baseando-se no princípio da universalidade cabe ao imposto sobre a renda incidir sobre todas as rendas auferidas pelos contribuintes no período–base, com o devido respeito ao princípio da capacidade contributiva, excetuando-se os casos de isenção, pois devem ser justificados em detrimento dos próprios princípios constitucionais, haja vista que a universalidade é um princípio geral. Justamente o princípio da progressividade é que determina a existência das alíquotas para o imposto sobre a renda, onde a mesma se destacará em função da faixa de renda que o contribuinte encontra-se. De tal modo, o valor a pagar de imposto sobre a renda terá uma variabilidade não apenas em razão da base de cálculo, mas igualmente com a variação da alíquota, tem-se presente o critério quantitativo da Regra Matriz da incidência tributária. Como já afirmado as alíquotas existentes para a incidência do imposto não conseguem atender à progressividade, à pessoalidade e à finalidade de fazer incidir uma maior carga tributária perante àqueles que percebem mais, diante disto, o princípio da capacidade contributiva é afrontado, tendo em vista que aqueles que possuem mais se enquadram na mesma alíquota daqueles que se encontram com rendimentos  medianos, contudo superiores a R$ 3.582,00[39]. Alguns doutrinadores entendem que estas alíquotas não ferem o princípio da progressividade, como Zilveti[40] e Tipke e Yamashita[41] já referenciando anteriormente, conseqüentemente da capacidade contributiva, bem como os demais, dizendo que, o montante assumido por um é diferentemente de outro proporcionalmente, e que na cadeia da parcela a deduzir existem diversas alíquotas implicitamente embutidas, conhecidas como alíquotas efetivas. Destarte, há outros doutrinadores que assim não entendem como Machado[42], Carrazza[43], Queiroz, M.[44], dentre outros. Para Queiroz, M.[45],por exemplo, existe uma quebra dos princípios constitucionais, no que concerne a legalidade, a igualdade, a progressividade, a universalidade, a generalidade e a pessoalidade, dificultando a verdadeira aferição da capacidade contributiva da pessoa física. Prosseguindo, a autora assenta que, ao analisar o Imposto de Renda na Fonte (IRRF), pode-se partir de duas situações, a primeira, do trabalhador que aufere os rendimentos, está-se diante de um empréstimo compulsório, na segunda, a fonte pagadora, que possui o dever de retenção, tem-se de fato uma obrigação acessória ou simplesmente um dever instrumental, mesmo porque, a não realização da retenção ocasiona sansão. A incidência do imposto sobre a renda implica inclusive na violação da própria isonomia, principalmente quando atinge o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, enfim, a própria segurança jurídica. Para os positivistas a segurança jurídica é um ideal inatingível, abordando um conceito “relativo e de gradação”.[46] Ao ver dos positivistas, neste contexto, Adeodato enfatiza que, “[…] a perspectiva positivista implica necessariamente uma postura antiética sobre a dignidade da pessoa humana, ou mesmo o abandono definitivo dessa idéia […]”.[47] Acertadamente, Machado entende que “A segurança jurídica é um dos valores fundamentais da humanidade, que ao Direito cabe preservar. Ao lado da justiça, tem sido referida como os únicos elementos que, no Direito, escapam à relatividade no tempo e no espaço”. [48] Falar em mínimo existencial e na dignidade da pessoa humana é um tanto subjetivo, mas o direito em si é também subjetivo, inclusive na questão da justiça, que é uma grande propulsora da ciência do direito. Ao tratar de direitos e garantias fundamentais faz sentido imperar a dignidade da pessoa humana, devidamente prevista no texto constitucional, artigo 1°, inciso III, que acaba por exprimir, inclusive, a fruição do mínimo existencial. Sarlet em síntese desenvolveu o seguinte entendimento sobre a dignidade da pessoa humana: ‘Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos’. [49] Na repercussão da área tributária o princípio da dignidade da pessoa humana relaciona-se ao mínimo existencial, pode-se referir a percepção da renda, dos bens de consumo, do patrimônio necessário para se alcançar uma vida digna, respeitando a regra de imunidade tributária para àqueles que percebem somente o indispensável para sua sobrevivência. Por esta razão há previsão de isenção, que retira o contribuinte do campo da incidência do imposto sobre a renda da pessoa física. No ano-base 2009, a base de cálculo que isenta o contribuinte soma-se o montante mensal de R$ 1.434,59[50]. Entende-se que, a base de cálculo de isenção não é satisfatória, mesmo porque, a falta de correção da tabela da incidência do imposto de renda não supriu a defasagem sofrida por anos sem a correção devida. Sendo nesta ocasião, indispensável considerar que, a cada ano mais e mais pessoas físicas passam da categoria de isentos para contribuintes do imposto sobre a renda sem ao menos agregar riqueza nova ou simplesmente melhorar sua capacidade econômica, razões estas, que levam a crer, que a correção por ora, continua sendo insuficiente e ineficaz quanto à progressividade. Há violação da isonomia tributária, transgredindo a capacidade contributiva, fato este da não progressividade devida, resultando um maior ônus nos encargos tributários para àqueles com menor capacidade financeira. Outro fator de extrema relevância é a questão da vedação e a limitação da dedução de determinadas despesas, que impedem de forma grosseira a aferição do quantum real dos contribuintes. Por fim, do chamado “acréscimo patrimonial”[51]. Diante do cenário demonstrado, depara-se com o fato que a incidência do imposto de renda da pessoa física não quer e não faz menção sobre as peculiaridades pessoais, sendo assim, o que seria a Capacidade Contributiva? Nogueira aduz que: “O princípio da capacidade contributiva é um conceito econômico e de justiça social, verdadeiro pressuposto a lei tributária. Trata-se de um desdobramento do Princípio da Igualdade, aplicado no âmbito da ordem jurídica tributária, na busca de uma sociedade mais igualitária, menos injusta, impondo uma tributação mais pesada sobre aqueles que têm mais riqueza.”[52] Visto que, a incidência do imposto de renda permeia através de alíquotas fixas previstas em poucas faixas de rendas “presumidas” pelo Estado, se, considerar estas duas premissas: alíquotas fixas e faixas presumidas de rendas, como hipóteses exclusivas de análise de capacidade contributiva e da progressividade, o direito fundamental da igualdade é ferido, afinal não há possibilidade de aferir a real capacidade contributiva do indivíduo neste sistema atual, pode-se até dizer que todos estão sendo tributados de igual modo sem observar as desigualdades. O princípio da capacidade contributiva é objeto de divergências doutrinárias no tocante a sua compreensão, com duplo sentido: seja objetivo ou subjetivo, no primeiro, entende ser a caracterização da espécie tributária do imposto, e no segundo se refere ao quantum que o contribuinte pode suportar levando em conta o critério pessoal de cada um (carga tributária). No que concerne ao assunto, Coêlho discorre: “A capacidade econômica de pagar tributos […] é objetiva quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real). É objetiva quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área valorizada etc.). Aí temos “signos presuntivos de capacidade contributiva”. Ao nosso sentir, o constituinte elegeu como princípio a capacidade econômica real do contribuinte.”[53] Em observância, ao critério adotado para a análise da capacidade contributiva existente, apura-se: o valor ínfimo apresentado como mínimo isento; as alíquotas fixas insuficientes; e as poucas faixas presumidas de rendas de incidência e articuladas pela Receita Federativa do Brasil. Sob esta ótica, há literalmente afronta não só ao artigo 145, § 1°, mas inclusive ao artigo 3°, inciso I, ao artigo 1°, inciso III, e ao artigo 170, inciso VII, da Constituição Federal. Portanto, é importante frisar, que existe a necessidade de instituir leis tributárias que asseguram uma justa tributação do imposto sobre a renda da pessoa física, positivando deste modo uma redução da desigualdade social significativa para a ordem econômica, alavancando inclusive o desenvolvimento e não somente o crescimento da economia no país. 6. A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL DO NÃO-CONFISCO APLICADO AO IMPOSTO DE RENDA No texto constitucional disposto no artigo 150, inciso IV, tem-se o princípio do não-confisco, este tem a função de limitar e direcionar o legislador para que não institua norma tributária que possa resultar no exaurimento do patrimônio. Carrazza[54] diz que o tributo pode ser confiscatório quando esgota ou pode vir a esgotar a riqueza tributável das pessoas não considerando a capacidade contributiva destes contribuintes. A preocupação da Constituição foi amparar e proteger os cidadãos dos possíveis excessos do Poder Público. Este princípio trás proteção à propriedade, ao patrimônio, à ordem jurídica, bem como ao Estado de Direito. Carrazza confirma que a lei impede o efeito do confisco e assevera: “[…] em função dela, nenhuma pessoa, física ou jurídica, pode ser tributada por fatos que estão fora da regra-matriz constitucional do tributo que lhe está sendo exigido, porque isto faz perigar o direito da propriedade. Portanto, o princípio da não-confiscatoriedade exige do legislador conduta marcada pelo equilíbrio, pela moderação e pela medida na quantificação dos tributos, tudo tendo em vista um direito tributário justo”.[55] Assim, o princípio do não-confisco é na verdade uma fiscalização da tributação desmedida a ponto de engolir o bem ou a renda, desrespeitando dentre vários princípios constitucionais o da capacidade contributiva. Em razão da inteligência deste princípio Queiroz, M. ensina que: “O princípio do não-confisco, no âmbito tributário, veda que o Estado, por meio a imposição de tributos, exproprie bens da propriedade privada, ou exija imposto sobre rendas e bens além da capacidade contributiva das pessoas. O ônus tributário imposto aos cidadãos deverá obedecer a critérios de razoabilidade e não poderá implicar reduzir ou esgotar, mesmo que paulatinamente, o próprio patrimônio ou a fonte produtora dos rendimentos. Igualmente, os tributos não podem exceder a capacidade contributiva dos indivíduos, devendo ser estabelecida uma compatibilização entre a carga a ser assumida e a hipótese de incidência da lei”. [56] Destarte, para que haja uma correta incidência do imposto sobre a renda da pessoa física, mister se faz que o total das “rendas” ou “proventos” e das respectivas despesas sejam computadas no seu conjunto, no momento da ocorrência da hipótese de incidência, para que se possa aferir, com maior precisão o quantum do “acréscimo patrimonial” e determinar inclusive a inclusão do contribuinte em uma classe da progressividade averiguando sua capacidade contributiva. Um fator relevante para se apontar, tange ao Estado, que não oferece nem tão pouco garante um salário mínimo necessário para a sobrevivência digna do ser humano. Neste estudo, o Estado mostra que usurpa a cada ano mais e mais os contribuintes que acabam tendo uma menor capacidade contributiva e ainda abarca para a obrigatoriedade do imposto sobre a renda muitos outros considerados isentos anteriormente. Ressalta-se que, constitui também, um verdadeiro confisco, o que corrompe o próprio cerne do que deve ser a tributação da renda ou provento como acréscimo patrimonial, ao deparar com a vedação da dedução de certas despesas indispensáveis e essenciais à própria existência e manutenção da fonte produtora e à produção dos rendimentos. Para se ter um imposto de renda íntegro à população brasileira basta atender a Constituição Federal, pois a efetividade deste imposto está totalmente norteada na matéria constitucional. CONSIDERAÇÕES FINAIS No primeiro enfoque, apresenta que ao Estado cabe a gestão do exercício público, sendo inquestionável a necessidade do tributo, mesmo porque, através da arrecadação o Estado promove seus fins, sejam os fins da estrutura administrativa ou fins sociais. Este artigo prendeu-se a apenas uma espécie tributária denominada de imposto, mais precisamente estudou-se o imposto sobre a renda da pessoa física. O Código Tributário Nacional dispõe que a renda é o resultado do trabalho ou do capital, inclusive podendo ser a combinação de ambos, considerando ainda, os proventos de qualquer natureza como os demais acréscimos patrimoniais, respeitados dentro de um lapso temporal. Por sua vez, a Constituição Federal não trás explicitamente o que seria renda, porém esboça a delimitação do entendimento da renda e dos proventos de qualquer natureza, estes são informados pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, que significa dizer respectivamente, todas as rendas e proventos, quaisquer pessoas e acréscimo patrimonial. Este último também é denominado de riqueza nova. Os princípios basilares do imposto sobre a renda denotam proteção ao contribuinte diante do legislador e da administração pública. O princípio da estrita legalidade prevê a necessidade de lei para se criar ou majorar tributos, onde a mesma deve abarcar a hipótese de incidência, a base de cálculo, a alíquota e os sujeitos. O imposto sobre a renda é um imposto de caráter pessoal no qual é graduado conforme a capacidade contributiva do contribuinte. A graduação deve ser vislumbrada através da progressividade que conduz a elevação das alíquotas na medida em que a renda auferida é aumentada, identificando com isso a capacidade contributiva da pessoa física. A progressividade brasileira ainda não é atendida, sendo esta mínima diante de tantas desigualdades econômicas, assim, não se pode aferir a real capacidade contributiva do contribuinte que já se encontra na hipótese de incidência do imposto sobre a renda. Esta simplificação do imposto por um lado é sedutora, por facilitar a vida de todos, porém compromete o caráter pessoal e consequentemente a capacidade contributiva do indivíduo. O cenário apresentado da estrutura da incidência do imposto de renda deixa claro que a igualdade em matéria tributária não está sendo aplicada corretamente. Consubstanciado a tudo isso têm um flagrante de larga repercussão negativa na esfera da dignidade da pessoa humana que afeta inclusive o mínimo existencial, uma vez que, a base de cálculo proposta como isenta, pela legislação do imposto sobre a renda, é insatisfatória para a maioria da população brasileira. A cada ano mais e mais indivíduos se tornam contribuintes diretos do imposto sobre a renda. Não significa dizer que estes concretizaram riqueza nova, e tampouco aumento da capacidade contributiva. O fato está ligado a própria ordem da administração pública que deixou de corrigir por vários anos as bases de cálculos de incidência do imposto sobre a renda. Recentemente, a tabela de incidência sofrera correção de 4,5%, conforme Lei n. 11.482, de 31 de maio de 2007, alterada pelo artigo 15 da Medida Provisória n. 451, de 15 de dezembro de 2008, agregando inclusive mais duas alíquotas de incidência (7,5 e 22,5%). Na legislação vigente há quatro alíquotas de incidência. De uma forma geral, duas conclusões se destacam, a primeira é que o modelo de tributação do imposto de renda aplicado no Brasil não atende aos princípios constitucionais da matéria, no qual o sacrifício do pagamento deste imposto dispensado a todos os contribuintes ainda não funciona como inibidora da desigualdade, ao contrário esta desigualdade presente na população brasileira está aumentando, na medida em que o tratamento igualitário em matéria tributária não vem sendo sopesado. A segunda conclusão refere-se que a arrecadação do imposto de renda da pessoa física não apresenta uma distribuição da carga tributária adequada entre os contribuintes, haja vista que, a tabela do imposto de renda, possui poucas faixas de incidência de renda, fazendo com que a carga tributária deste imposto não seja progressiva, mas aparentemente regressiva, uma vez que, a capacidade contributiva não está sendo relevantemente considerada. Por fim, menciona-se a supremacia do não-confisco, devendo a razoabilidade estar presente quando analisada o ônus tributário do contribuinte, para isso poderia considerar que as despesas oriundas e inerentes ao resultado da renda e proventos de qualquer natureza da pessoa física, são necessárias para uma real análise de acréscimo patrimonial.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/o-imposto-de-renda-da-pessoa-fisica-e-a-sua-efetividade-em-materia-constitucional/
Figuras semelhantes à dupla tributação internacional
Trata-se de capítulo extraído da monografia intitulada “conseqüências negativas da pluritributação internacional: tratados internacionais como solução bilateral para a questão”, apresentado pelo autor como exigência para a conclusão do curso de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, sob a orientação da Prof.ª MSc. Luciani Coimbra de Carvalho, com as devidas alterações, tratando sobre as figuras semelhantes à dupla tributação internacional, a exemplo da dupla tributação internacional econômica, bitributação interna, bis in idem e dupla não tributação, mostrando suas similitudes e distinções, a fim de evidenciar com maior precisão os fenômenos tributários em questão.[1]
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Aventurando-se no estudo da dupla tributação internacional, é comum se deparar com figuras afins àquela, que podem causar confusão em uma primeira análise superficial, mas que, quando analisadas com um pouco mais de esmero, demonstram seus elementos – ou a falta destes – diferenciadores. São dignas de atenção as figuras da bitributação interna, do bis in idem tributário, da dupla tributação internacional econômica e da dupla não-tributação. O mister do estudo das referidas figuras, que serão mais bem vergastadas a seguir, repousa na busca por um entendimento uniforme da dupla tributação internacional, não podendo haver espaço para que pairem dúvidas sobre qual fenômeno está ocorrendo quando há o confronto com uma situação concreta. Logo, somente confrontando espécies semelhantes, atacando justamente os pontos diferenciadores, pode-se compreender a amplitude de um fenômeno de caráter multidisciplinar como é a dupla tributação internacional. Primeiramente, cumpre trazer à baila, ainda que de sorte perfunctória e sem adentrar as diversas doutrinas e polêmicas que cercam a matéria, a definição de dupla tributação internacional mais aceita na doutrina. A questão pode ser aclarada trazendo o estudo da dupla tributação internacional para uma composição de dois requisitos: a identidade do fato e a pluralidade de normas. Assim, como pluralidade ou concurso de normas tem-se quando o ‘mesmo fato‘ se integra na previsão de duas normas diferentes. De outra banda, a identidade de fato seria a análise de quatro elementos – ou as quatro identidades -, que seriam: sujeito passivo, elemento material, elemento temporal e tributo. Assim, a conceituação da dupla tributação internacional – entendida como fenômeno tributário pautado na licitude – pode ser extraída, em termos gerais, do contido no próprio modelo de convenção sobre dupla tributação editado pelo Comitê Fiscal da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico — OCDE[2], que discrimina aquele fenômeno tributário como sendo “a imposição de impostos comparáveis em dois (ou mais) Estados sobre o mesmo contribuinte a respeito da mesma matéria subjetiva por idênticos períodos”.[3] 2 BITRIBUTAÇÃO INTERNA A primeira figura que se deve apontar como semelhante à dupla tributação internacional diz respeito à bitributação interna.[4] A bitributação interna possui os mesmos caracteres que seu paradigma internacional, merecendo destaque a colisão de sistemas tributários distintos. Sérgio Pinto Martins explica que na “bitributação, há identidade de tributos concorrentes. O contribuinte é o mesmo. Duas entidades tributantes diversas exigem o tributo do contribuinte”.[5] Logo, o diferencial entre a dupla tributação internacional e a interna é que enquanto o confronto dos sistemas tributários ocorridos no fenômeno internacional é concernente a Estados soberanos diferentes, na bitributação interna a colisão daqueles ocorre dentro do mesmo Estado. Exemplificando a questão, Vittorio Cassone traz à baila o caso brasileiro, onde o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o caso de incidência do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) sobre os chamados “salvados de sinistros” por seguradoras, em medida cautelar, entendeu que teria havido uma concorrência de competência do Estado Federado do Rio de Janeiro, tendo em vista que a operação denominada “seguro” já estaria sujeita à aplicação do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações relativas a Título de Valores Mobiliários (IOF), de competência da União[6], havendo, in casu, na análise daquele autor, a ocorrência da bitributação interna.[7] Percebe-se, portanto, na sobredita situação narrada, a presença dos mesmos elementos da dupla tributação internacional, contudo, o choque entre sistemas tributários deu-se no âmbito interno do Estado, porquanto se chocaram o estado e a União. Conquanto o entendimento prestado por Vittorio Cassone, acima transcrito, que entende ter havido um exemplo de bitributação interna no caso narrado, mostre-se pertinente, ele não remanesce unânime. Quando da Constituição Brasileira de 1969, Bernardo Ribeiro de Moraes já entendia que frente à rígida repartição de competências tributárias[8] atribuídas aos entes políticos naquela Carta, não seria possível ocorrer a bitributação, havendo, na verdade, a invasão de competência, sendo a denominada bitributação uma mera conseqüência.[9] Ora, respeitante a discriminação de rendas tributárias, a atual Constituição de 1988 manteve a mesma linha que sua antecessora, permanecendo, em regra, uma estrita divisão de competências, em especial os tributos de competência privativa. Logo, para os que entendiam ter sido eliminada a bitributação interna na Constituição de 1969, dita regra aplicar-se-ia na hodierna Lei Maior. Outra diferenciação sobre os aludidos fenômenos análogos – bitributação interna e dupla tributação internacional -, trazida à tona pela doutrina, em particular por Antônio de Moura Borges[10], repousa nos métodos para ilidir seus efeitos negativos. Enquanto na dupla tributação internacional verifica-se principalmente a ocorrência de medidas bilaterais para tratar a questão, precipuamente por meio de convenções, a bitributação interna é resolvida por normas constitucionais ou pela própria legislação infraconstitucional.[11] Sob este pórtico pode-se utilizar como exemplo a própria Constituição brasileira, onde, via de regra, a bitributação é vedada, porquanto, segundo Leandro Paulsen, aquele fenômeno não tem lugar no sistema tributário pátrio “em função, principalmente de que a competência relativa aos impostos é distribuída de forma privativa a cada poder tributante”.[12] Contudo, deve-se destacar há ocorrência de situações que configurariam, em tese, a bitributação, não havendo, porém, óbice a sua ocorrência, porquanto seriam situações em que a própria CF, ao dispor sobre as nuances de certos tributos, acabou autorizando a verificação da “bitributação” para certos tributos já estabelecidos. Clássico exemplo seria a observância da incidência do IPI e do ICMS – o primeiro sendo imposto de competência da União, e o segundo dos Estados – na saída dos produtos do estabelecimento, sendo que haveria uma pequena sutileza no fato gerador dos impostos em voga – saída de produtos industrializados e saída de mercadorias –[13], mas que não alteraria a hipótese de uma bitributação autorizada pela Constituição. 3 BIS IN IDEM TRIBUTÁRIO Outra situação que muito se assemelha à dupla tributação internacional é o chamado bis in idem tributário. A expressão de origem latina indica na tradução lato “duas vezes a mesma coisa”.[14] É justamente a dupla cobrança que aproxima as figuras ora estudadas, mas seu diferencial repousa na ausência de elemento fundamental à existência da dupla tributação internacional, isto é, a ocorrência de múltiplas Soberanias fiscais. O bis in idem tributário pode ocorrer quando “o ‘mesmo fato jurídico’ é tributado duas ou mais vezes, pela mesma pessoa política”.[15] Portanto, no bis in idem há uma múltipla tributação de um idêntico fato jurídico tributário, contudo, a pluralidade de gravames fiscais é imposta por um só ente soberano, restando imerso dentro do ambiente interno do Estado. Sobre o bis in idem tributário interessante notar a divergência existente sobre a legalidade ou constitucionalidade do fenômeno. Autores como Bernardo Ribeiro de Moraes[16] e Vittorio Cassone[17] firmam posicionamento que, a priori, o bis in idem seria constitucional, pois constituiria a figura em questão uma pluralidade de exigências tributárias perfeitas pelo mesmo poder tributante, sendo que seria ínsita ao poder fiscal a possibilidade de majorar os tributos instituídos, logo “O segundo imposto, sendo idêntico ao primeiro, não é senão o mesmo imposto aumentado. E quem pode decretar uma vez, ‘pode decretar duas ou mais vezes’”.[18] Contudo, mesmo os filiados à tese da legalidade do bis in idem tributário entendem que haverá inconstitucionalidade se a incidência das múltiplas exigências fiscais possuírem caráter de confisco – vedado pela Constituição brasileira de 1988 – ou afetarem a capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação. De outra banda, a jurisprudência brasileira é repleta de julgados que expõe a prevalência do princípio da vedação do bis in idem, contudo, ocorre que, ante a imprecisão terminológica muitas vezes utilizada, porquanto os juízes brasileiros fazem uso dos termos bis in idem e dupla ou bi tributação concomitantemente para se referirem a mesma situação[19], resta difícil o entendimento de qual das figuras não é permitida a ocorrência. Novamente, conforme já exposto no item 1.4.1, ao tratar da bitributação interna, percebe-se a existência de hipóteses do bis in idem permitido pela CF, no caso de impostos já estipulados, como acontece com o IPI e o Imposto de Importação (II). Os esposados impostos, ambos de competência da União, no caso de importação de produtos – “operação complexa que envolve atos e fatos ocorridos desde o desembarque desses produtos até a sua entrada no estabelecimento do importador […]”[20] – possuem fatos geradores que só podem ser diferenciados buscando-se singelas nuances, mas sendo, na verdade, fatos de extrema similitude. Logo, estar-se-ia diante de uma hipótese de bis in idem tributário, porquanto o mesmo ente exige dois impostos, com o mesmo fato gerador, do mesmo sujeito passivo, sendo, no entanto, referida situação resguardada pela Constituição Federal do Brasil. 4 DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL ECONÔMICA A figura semelhante à dupla tributação internacional que mais desperta fervorosas discussões na doutrina, isto é, a dupla tributação internacional econômica ou indireta, merece alguns apontamentos. A diferenciação entre ambas as figuras repousa no fato de que a dupla tributação internacional econômica não exige a identidade de sujeitos passivos, onde, a dupla tributação internacional, também chamada de jurídica ou direta, por sua vez, mostra-se dependente do referido elemento subjetivo. Acolhendo a dicotomia firmada majoritariamente pela doutrina, os Comentários ao Modelo OCDE, no artigo 23, “a” e “b” fazem também a distinção entre a dupla tributação econômica e jurídica.[21] A econômica ocorreria quando duas pessoas diferentes fossem tributadas com relação à mesma renda ou ao mesmo capital, onde na jurídica, deve haver a identidade de sujeitos passivos. Luiz Maria Romero Flor[22] traz a dupla tributação internacional econômica a uma situação palpável, dando como exemplo o caso da tributação dos dividendos[23] de uma empresa e de seus acionistas em Estados distintos: “A dupla imposição econômica pode surgir, naqueles casos em que uma sociedade distribui dividendos a seus sócios (pessoas físicas ou jurídicas) ou outras entidades dependentes da mesma (residentes em outro território), sendo ditos dividendos gravados novamente no Estado de residência do sócio ou da entidade”.[24] Ainda que o critério subjetivo seja o de maior aceitação na doutrina, Antônio de Moura Borges aponta outros dois caracteres trazidos por estudiosos para separar os fenômenos em comento.[25] Tem-se afirmado que o que distingue a dupla tributação jurídica da econômica seria o aumento da carga fiscal. Havendo a referida majoração, estar-se-ia diante da econômica; inexistindo elevação da carga fiscal suportada pelo sujeito passivo, estar-se-ia falando da jurídica. Outro interessante ponto distintivo, por vezes vislumbrado, diz respeito à causa jurídica da dupla tributação internacional. Ao analisar o caso concreto, a depender da causa jurídica que deu ensejo à dupla tributação internacional, poder-se-ia classificá-la como jurídica ou econômica. Não obstante as esposadas distinções trazidas à baila, elas não merecem acolhimento pleno. Quanto à carga fiscal suportada, esta não pode ser utilizada como elemento caracterizador, seja da dupla tributação jurídica, seja da econômica[26]. A elevação da carga fiscal suportada pelo sujeito passivo não é causa, mas sim conseqüência do fenômeno da dupla tributação internacional. A causa jurídica como elemento distintivo também não se mostra acertada. Antônio de Moura Borges explica que “o critério causa pode gerar dificuldades, dada a imprecisão do conceito de causa”.[27] Há, ainda, doutos que negam a existência da chamada dupla tributação internacional econômica, como por exemplo Heleno Torres. Para este autor há uma série de equívocos ao se aceitar este suposto fenômeno.[28] Primeiramente a terminologia mostra-se por demais confusa[29]. O vocábulo “econômica” aparenta qualificar o gênero dupla tributação internacional, contudo, para que isto fosse possível, seria necessário que ela contivesse os mesmos elementos da dupla tributação internacional – concurso de pluralidade de normas e identidade fática -, o que de fato não ocorre, havendo, portanto, uma ambigüidade contraditória, que não tem lugar no mundo jurídico. Logo, para que a dupla tributação econômica fosse uma espécie ou qualificadora da dupla tributação internacional, não poderia lhe faltar qualquer dos elementos constituintes desta. Outro problema ventilado pelos contrários à aceitação da dupla tributação econômica é a apreciação do quadro fático preponderantemente sob o ponto de vista das conseqüências econômicas, o que desvaloriza sobejamente o aspecto jurídico que deveria ser analisado. Heleno Torres explana que: “Apreciar os tipos relativos a tal manifestação sob a égide das conseqüências econômicas relevantes faz privilegiar uma análise economicista em detrimento dos aspectos jurídicos, por valorizar a conseqüência, a afetação econômica da ocorrência do fenômeno sobre a riqueza produzida, haja vista a diversidade de sujeitos passivos, e suas influências na neutralidade fiscal”.[30] Um exemplo que aclara o entendimento da chamada dupla tributação internacional econômica, e que, para os que negam sua existência, demonstra de sorte patente a sua não ocorrência, ocorre quando há a tributação da produção do rendimento pelo Estado da fonte e, em seguida, há uma transferência do aludido rendimento a outro sujeito sito em outro Estado, decorrente de uma situação jurídica que não acarreta a tributação da própria transferência. Por fim, o Estado de residência do destinatário tributa a aquisição dos rendimentos deste.[31] Para a doutrina majoritária, ao encarar a sobredita exemplificação, se estaria diante da figura da dupla tributação internacional econômica, pois haveria a ocorrência dos elementos precípuos da dupla tributação internacional, com exceção da identidade do sujeito passivo. Por sua vez, a doutrina que prega a inexistência da dupla tributação internacional econômica enxerga o exemplo supra transcrito com um mero duplo pagamento de impostos distintos entre si, não havendo qualquer concurso de normas. 5 DUPLA NÃO-TRIBUTAÇÃO Merecedora de atenção, a dupla não-tributação possui similitude com a dupla tributação internacional no aspecto terminológico, mas, de fato, figura como um fenômeno diametralmente oposto[32]. Quem melhor explica o conceito da dupla não-tributação (double non-taxation) é o jurista Alberto Xavier, que assevera que aquele termo concerne “ao fenômeno pelo qual, nas relações entre dois ou mais Estados, cujas leis tributárias são potencialmente aplicáveis a uma certa situação da vida, esta não é efetivamente abrangida por nenhuma delas”.[33] A dupla não-tributação pode ocorrer em duas situações, sendo por meio da existência de tratados internacionais tributários, ou pelo exercício da Soberania fiscal de cada Estado. Havendo acordos tributários, pode existir a expressa concordância entre os signatários de que certas situações jurídicas não serão passíveis de imposição tributária por nenhum dos contratantes.[34] Cite-se como exemplo o tratado firmado entre Brasil e Holanda, onde as bonificações (bonus shares)[35] não são tributáveis nem pelo Estado da fonte nem pelo da residência.[36]–[37] Ademais, como esclarece Manuel Pires, além dos acordos tributários que intencionalmente prevêem hipóteses de dupla não-tributação, também ocorre a chamada dupla não-tributação não intencional ou não querida, onde a vontade das partes não se encontra expressamente clara nas negociações, ocorrendo casos de reserva mental, ocasionando futuramente situações que acabam não tributadas por nenhum dos entes contratantes.[38] Por sua vez, quando da inexistência de convenções internacionais, há a dupla não-tributação quando, embora a renda ou capital pudesse ser tributado, tendo em vista o sistema jurídico tributário dos Estados, não há normas tributárias aplicáveis àquela situação jurídica aferida. Tal situação pode se dar por meio da completa inexistência de normas tributárias, ou ainda pela aplicação de imunidades[39] ou isenções[40]. Conclui-se, portanto, que enquanto na dupla tributação internacional há um concurso de normas que sujeitam o mesmo sujeito passivo a ser multiplamente gravado de sorte fiscal pela ocorrência do mesmo fato gerador material em Estados distintos, na dupla não-tributação ocorre o oposto, onde o sujeito passivo não sofre imposições fiscais, ainda que, em tese, fosse possível haver a tributação pelos Estados onde teria ocorrido o fato gerador material, seja pela faculdade do exercício da competência tributária dos Estados, seja pela ocorrência de tratados internacionais que intencionalmente, ou não, geram esta situação. 6 CONCLUSÃO O estudo da dupla tributação internacional, por ser tema de natureza interdisciplinar e ainda pouco explorado pela doutrina (em especial a brasileira), invariavelmente despertará dúvidas e imbróglios, práticos ou teóricos, seja a especialistas, seja a iniciantes na esfera do Direito Tributário Internacional. Assim, compreender as figuras que se assemelham ao fenômeno tributário internacional em comento constitui medida imperiosa aos que não querem se encontrar presos em um enredar de situações fáticas que, a um observador desatento, pareçam todas iguais. Conhecer os traços característicos da dupla tributação internacional econômica, dupla não-tributação, bitributação interna e bis in idem tributário, é o primeiro passo para se começar a resolver as diversas conseqüências negativas advindas de todas aquelas figuras, buscando assim combatê-las, com especial ênfase na luta contra as resultantes contraproducentes da dupla tributação internacional.
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As modalidades de responsabilidade tributária: Classificação e conceito
Investiga as diversas espécies de responsabilidade tributária previstas no CTN. Apresenta classificação e distinção entre as modalidades.
Direito Tributário
Resumo: Investiga as diversas espécies de responsabilidade tributária previstas no CTN. Apresenta classificação e distinção entre as modalidades. Palavras-chave: Responsabilidade Tributária. Classificação e conceituação. A responsabilidade tributária é a obrigação legal, assumida pelo sujeito passivo da relação jurídico-tributária, não diretamente beneficiado pelo ato praticado, perante o fisco, de pagar o tributo ou a penalidade pecuniária. Com efeito, denomina-se responsável o sujeito passivo da obrigação tributária que, sem revestir a condição de contribuinte, vale dizer, sem ter relação pessoal e direta com o fato gerador respectivo, tem seu vínculo com a obrigação decorrente de dispositivo expresso em  lei. A lei pode, ao atribuir a alguém a responsabilidade tributária, liberar o contribuinte; mas pode também atribuir apenas supletiva, isto é, sem liberar o contribuinte; e tanto pode ser total, como poder ser apenas parcial (CTN, art. 128). Frise-se que o objetivo do legislador ao instituir a responsabilidade tributária, foi assegurar à Fazenda Pública o efetivo recebimento dos créditos devidos, em situações que o contribuinte se tornar pouco acessível a cobrança, ou o tributo não puder ser normalmente pago. Segundo lição de Eduardo Sabagg[1] “em princípio, o tributo deve ser cobrado da pessoa que pratica o fato gerador. Nessas condições, surge o sujeito passivo direto (contribuinte). Em certos casos, no entanto, o Estado pode ter necessidade de cobrar o tributo de uma terceira pessoa, que não o contribuinte, que será o sujeito passivo indireto (“responsável tributário”). O responsável pode assumir essa condição perante o fisco por substituição ou por transferência. Conceitua-se responsabilidade por substituição aquela em que lei tributária atribui o dever jurídico de pagar o tributo a pessoa diversa daquela que dá origem ao fato gerador, mas que com ela possui relação jurídica, assumindo o lugar do contribuinte. Exemplo era o que sucedia com a CPMF em que o contribuinte era o correntista, malgrado o dever de recolher o tributo junto ao Fisco Federal é da instituição bancária, a responsável tributária. Por sua vez, a responsabilidade por transferência ocorre quando a lei estipula que a obrigação constitui-se inicialmente em relação ao contribuinte, comunicando-se depois, porém, para o responsável. Exemplo ocorre na cobrança do IPTU, quando o contribuinte transfere o bem de que é proprietário com dívidas do referido tributo em relação a anos anteriores. Nesta hipótese, o adquirente tornar-se-á responsável tributário por tais débitos. No que concerne à responsabilidade por substituição, esta pode ocorrer de duas formas: “pra frente” ou “pra trás”. Responsabilidade por antecipação ou “para frente” é a hipótese na qual a lei impõe a responsabilidade de pagar antes mesmo do fato gerador ocorrer, daí ser denominada para frente. A lei, portanto, determina a sujeição passiva (dever de pagar) com relação a um fato gerador ainda não ocorrido, mas que, ao que tudo indica, ocorrerá em momento breve (fato gerador presumido). Ex.: utilizada nas cadeias de produção-circulação em que há grande capilaridade na ponta final. Torna eficiente o controle da produção e distribuição de bebida feito nos fabricantes e engarrafadores do que nos bares onde a bebida é vendida no varejo. Por sua vez, na substituição tributária antecedente ou “para trás” ocorre, nas palavras, de Eduardo Sabbag[2], “a postergação ou o adiamento do recolhimento do tributo com relação ao momento pretérito em que ocorre o fato gerador”. Ex.: obrigação instituída pela lei 9.826/99 que instituiu como substitutivos tributários do IPI as montadoras de automóveis, relativamente aos alienantes (substituídos) de partes, peças e componentes de veículos. Há um adiamento do pagamento do imposto, uma vez que na saída dos produtos dos estabelecimentos fabricantes de autopeças não ocorrerá recolhimento do IPI, o qual só será recolhido na saída futura, das montadoras. Estas recolherão o valor relativo a sua operação e à operação anterior (pois não há crédito relativo à operação anterior). Outra classificação no tocante ao tema de responsabilidade tributária é quanto à intensidade da vinculação do responsável à respectiva dívida. Destarte, temos a responsabilidade solidária “versus” responsabilidade subsidiária (ou supletiva). A solidariedade tributária ocorre quando duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas estiverem no mesmo pólo da obrigação perante o fisco. A solidariedade tributária abrange, além do débito referente à obrigação principal, também os deveres relativos às obrigações acessórias. Concluímos que, diferentemente do que ocorre no Direito Civil, no qual há dois tipos de solidariedade, somente existe solidariedade passiva, em matéria tributária. Neste diapasão, a solidariedade tributária passiva se consubstancia na situação em que duas ou mais pessoas se encontram, simultaneamente, obrigadas perante o fisco. Nesse caso, o fisco poderá eleger qualquer dos sujeitos passivos para proceder à arrecadação do tributo, sem beneficio de ordem. Pode ser natural ou legal (art. 124, I e II do CTN).  Natural é aquela em que os sujeitos passivos assumem simultaneamente, interesse comum na situação que dá origem ao fato gerador da obrigação principal, respondendo, cada um deles, pela totalidade da dívida. Ex.: vários irmãos, proprietários de um imóvel, são devedores solidários do IPTU. Legal é aquela em que os sujeitos passivos assumem simultaneamente, por imposição de lei, determinada obrigação tributária. Ex.: os sócios, pelo pagamento de tributos de uma sociedade de pessoas, no caso de encerramento de atividades. Por sua vez, a responsabilidade é subsidiária ou supletiva quando a exigência deve ser feita prioritariamente sobre o contribuinte, sendo possível exigir-se do responsável apenas na hipótese de a execução sobre o primeiro restar frustrada pela insuficiência de patrimônio. Estabelece-se, pois, uma ordem de exigência: primeiro, cobra-se do contribuinte, somente depois cobra-se do responsável. É o caso do CTN, art. 133, II, que estipula que na hipótese de alienação de fundo de comercio ou estabelecimento comercial ou industrial ou profissional, em que o alienante não cessa suas atividades empresariais ou, cessando, voltar a exercê-las dentro de um período de 6 meses a contar da alienação. Nesse caso, responde o alienante, eis que, presumidamente, a cobrança sobre ele será factível, já que continua a operar, reservando-se à Fazenda o direito de pleitear a execução contra o adquirente (responsável) caso se torne impossível a cobrança sobre o alienante (contribuinte). Por fim, é preciso diferençar a responsabilidade dos sucessores (ou Por Sucessão) “versus” responsabilidade de terceiros. A responsabilidade dos sucessores (art. 129 e 133 do CTN) se verifica quando há transferência, por ato negocial ou por força de lei, de direitos e obrigações, do campo tributário, a terceiros não originalmente sujeitos a determinada relação jurídica com o fisco, mas de alguma forma vinculados a seu antecessor. A sucessão tributária pode ser causa mortis, comercial, falimentar ou imobiliária. Assim, se alguém vende um terreno e estava a dever o IPTU referente ao imóvel, o adquirente fica obrigado ao respectivo pagamento, salvo se da escritura de compra e venda constar a certidão, do sujeito ativo do tributo, de que o mesmo havia sido pago A responsabilidade de terceiros, prevista nos arts. 134 e 135 do CTN. O primeiro cuida de responsabilidade por transferência que ocorre nos casos de impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, pelo que passam a responder, de forma subsidiária, os responsáveis. Exemplo: os pais, tutores e curadores respondem de forma subsidiária, respectivamente, com seus filhos, tutelados ou curatelados, nos atos em que intervierem, ou pelas omissões pelas quais forem responsáveis. Já no segundo dispositivo, há responsabilidade por substituição em que são pessoalmente responsáveis os terceiros que atuam com excesso de poder ou infração de lei, contrato ou estatuto como quando diretor de empresa adquire bem imóvel em nome da empresa sem ter poderes para tanto, sendo, portanto, pessoalmente responsável pelo pagamento do ITBI.   Referência Bibliográfica SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.   Notas: [1] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 635. [2] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 636. Procurador do Estado de Goiás, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-LFG
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A diferenciação da alíquota de ICMS e a guerra fiscal entre os estados
Trata-se o presente artigo de um breve estudo a respeito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, adentrando em suas peculiaridades. Por ser o ICMS um imposto estadual, o mesmo sofre diferenciação de alíquotas. No presente trabalho serão analisados os benefícios e os males trazidos com a diferenciação da alíquota do ICMS, gerindo propostas para solucionar a guerra fiscal criada entre os Estados.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A guerra fiscal – tema sempre atual de Direito Tributário – provocada pelos incentivos fiscais concedidos pelos Estados, tem, por vezes, sofrido um acirramento de ânimos. Isso é devido ao fato de o ICMS, principal fonte de receita dos Estados brasileiros, ser um imposto estadual e o Poder Executivo local ter como objetivo principal a atração de investimentos para o seu território. Conforme expressa a Constituição Federal no seu art. 155, § 2º, XII, “g”, “cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”. A Lei Complementar referida nesse art. 155 foi a de nº 24, de 07 de outubro de 1975, que foi recepcionada pela Carta Magna de 1988, vez que os dois diplomas são harmônicos[1]. Assentam, pois, que os benefícios fiscais relativos ao ICMS serão concedidos por decisão unânime dos Entes Federados, que será manifestada através de convênios firmados entre os Estados e pelo Distrito Federal.[2] Apesar da estipulação da obrigatoriedade de se conceder benefícios fiscais relativos ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços somente se tiver aprovação dos demais Estados, através de convênios firmados entre os mesmos, as legislações estaduais teimam em burlar o estipulado na Constituição Federal e pela Lei Complementar nº 24/75. E isso se deve à pretensão de atrair receitas e investimentos oriundos das grandes empresas, que, via de regra, buscam sempre os melhores incentivos para depois fixarem suas instalações. No capítulo inicial do presente trabalho, serão abordados aspectos inerentes ao poder estatal de tributar, observando, inclusive, o conceito de tributo, o fato gerador, os princípios gerais, a competência tributária, dentre outras peculiaridades específicas sobre o Direito Tributário. O segundo capítulo examina detalhadamente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, ponderando sobre o fato gerador, alíquota, base de cálculo, princípios peculiares e adentra nas características da guerra fiscal voltadas para o ICMS. Por fim, o terceiro capítulo dedica-se a análise minuciosa a respeito da guerra fiscal gerada face ao desrespeito de preceito constitucional. Aprecia ainda os convênios interestaduais – que são freqüentemente desrespeitados – e avalia o papel do judiciário na solução dos embates entre os entes federados. Na conclusão, são apresentas propostas de solução harmônica para o conflito gerado pela guerra fiscal. Vale destacar os benefícios e os males trazidos com a guerra fiscal. Não bastassem as condições bastante deterioradas no contorno financeiro, os Estados brasileiros insistem em conceder incentivos financeiro-fiscais relacionados ao ICMS, que resultam na redução ou devolução parcial do imposto a recolher. Isso se deve ao fato de que trazendo indústrias/investimentos para o seu território, o Estado estará trazendo desenvolvimento regional, gerando uma maior receita com o recolhimento dos impostos de empresas que antes não existiam naquele território. Inegável que para a população a guerra fiscal, no sentido do que está sendo exposto, é um enorme atrativo, pois estará gerando emprego, desenvolvimento e produtos com um custo menor, entre outras características favoráveis. Não obstante, urge observar o caos que a guerra fiscal traz no quadro federal. Em suma, é capaz de atrair empresas e indústrias radicadas em outros Estados que não concedem ou não tem condições de conceder os mesmos benefícios, além de possibilitar, a seus beneficiários, a fixação de preços das mercadorias produzidas bem mais atraentes do que aqueles estipulados por concorrentes que não gozam das mesmas benesses. A guerra fiscal resulta, pois, perda de arrecadação e acima de tudo afeta o federalismo cooperado que tentou se instituir no Brasil. Por oportuno, destaque-se ainda que o Brasil é o único país no mundo que o imposto de maior arrecadação é de competência dos Estados e não do Governo Federal, existindo, por conseqüência, 27 legislações estaduais sobre o ICMS. 1. As bases jurídicas da tributação. 1.1. O poder estatal de tributar
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Distinção de imunidade, isenção e não-incidência
O estudo visa esclarecer dúvidas sobre a diferença conceitual dos institutos da imunidade tributária, isenção e não-incidência.
Direito Tributário
Resumo: O estudo visa esclarecer dúvidas sobre a diferença conceitual dos institutos da imunidade tributária, isenção e não-incidência. DISTINÇÃO DE IMUNIDADE, ISENÇÃO E NÃO-INCIDÊNCIA O Texto Constitucional de 1988 não faz menção expressa a imunidade tributária. O Legislador Constituinte preferiu utilizar outras terminologias para indicar a existência do instituto, ainda que em vários trechos da Constituição de 1988 sejam mencionadas as seguintes terminologias: isenção, não-incidência, não incide, entre outras, para referir-se à imunidade. A imunidade tributária possui seu espaço normativo demarcado em Sede Constitucional; isto é dizer que a imunidade tributária tem sua origem e eficácia assegurada pelo Texto Constitucional[1], o que não poderia ser diferente, já que são conseqüências expressas dos direitos fundamentais, como bem salienta Paulo de Barros Carvalho: “O universo do direito positivo brasileiro abriga muitas interdições explícitas que, num instante considerado, podem ter o condão de inibir a atividade legislativa ordinária, escala hierárquica em que nascem as regras tributárias em sentido estrito. Tão-somente aquelas que irromperem do próprio texto da Lei Fundamental, entretanto, guardarão a fisionomia jurídica de normas de imunidade. O quadro das proposições normativas de nível constitucional é seu precípuo campo de eleição.”[2] Assim, quando o Legislador Constituinte se utilizou de palavras e expressões com intuito de informar que determinada situação provocará o efeito social de  não-tributação, estará invocando o instituto da imunidade tributária. O efeito social de não-tributação significa que nas situações apontadas pelo conseqüente normativo do instituto da imunidade não incidirá, somente, a obrigação de recolhimento do tributo. Nesta seara é importante destacar que a relação jurídico-tributária surge através da subsunção do fato à norma, ou melhor, de determinado enquadramento de conduta à norma jurídica tributária, o que, infalivelmente, provocará o nascimento da obrigação tributária, que por sua vez poderá ser dividida em obrigação principal e deveres instrumentais.[3] Pois bem, a obrigação principal implica na entrega de certa quantia em dinheiro aos cofres públicos a título de tributo, enquanto os deveres instrumentais têm relação com a(s) obrigação(ões) de  fazer ou não do sujeito passivo[4], sendo, assim, obrigações destituídas de cunho patrimonial, isto é, a imunidade poderá provocar somente incidência normativa em relação aos deveres instrumentais. Após essas considerações, a imunidade tributária não gera a incompetência do Ente Federativo, como já discorrido anteriormente, mas se conjuga com o Poder de Tributar para a formação da competência tributária, já que todos os fatos prescritos na Constituição de 1988 poderão provocar[5] o nascimento das respectivas obrigações tributárias (relação jurídico-tributária), mas, estando o fato protegido pelo conseqüente normativo da imunidade, inibirá o nascimento da obrigação tributária principal, entretanto autorizará o nascimento dos deveres instrumentais. Para melhor alinhar, se um templo religioso detém os efeitos jurídicos da imunidade, ou seja, está imune, logo não efetuará pagamento do imposto de renda de proventos de qualquer natureza, mas não estará livre da imposição tributária de efetuar, de acordo com a legislação federal, declaração informativa sobre a sua renda.  Assim, a imunidade é uma parcela da competência tributária, e produz efeitos jurídicos tributários, já que autoriza o Ente Federativo a impor obrigações tributárias desprovidas de cunho patrimonial, nos termos da lei. Aprofundados o conceito e efeitos jurídicos e sociais da imunidade tributária, faz-se mister distingui-la da denominada isenção, iniciando com sua conceituação. Assim como a imunidade tributária, o conceito de isenção tributária não encontra consenso entre a doutrina pátria[6]. E para efeitos deste trabalho, foi adotado o conceito dado por Paulo de Barros Carvalho: “Guardando a sua autonomia normativa, a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente. É óbvio que não pode haver supressão total do critério, porquanto equivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida no sistema. O que o preceito de isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do conseqüente. (…) Mas não o exclui totalmente, subtraindo, apenas, no domínio dos possíveis sujeitos passivos, o subdomínio dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros, e mesmo assim quanto aos rendimentos do trabalho assalariado. Houve uma diminuição do universo dos sujeitos passivos, que ficou desfalcado de uma pequena subclasse. (…) o encontro de duas normas jurídicas, sendo uma a regra-matriz de incidência tributária e outra a regra de isenção, com seu caráter supressor da área de abrangência de qualquer dos critérios da hipótese ou da conseqüência da primeira (regra-matriz).”[7]     Assim, a norma isentiva ataca um dos critérios formadores da regra padrão de incidência, logo, a isenção é criada ou formada pela legislação infraconstitucional que atua diretamente no exercício da competência tributária, já que esta somente poderá ser concedida por quem possui competência. Logo, tem-se que a isenção somente poderá ser cogitada quando o Ente Federativo detém competência tributária, o que transmite que a isenção não poderá gera a incompetência, mas sim o real e pleno exercício da competência tributária, posto, que, como dito, só isenta, quem pode tributar. A isenção é somente verificada no exercício da competência tributária, e inibe que a tributação recaia sobre os fatos escolhidos pelo detentor da competência impositiva. Neste diapasão, estando o fato abraçado pela norma isentiva, nascerá, assim como na imunidade, a relação jurídico-tributária, mas não provocará o nascimento da obrigação tributária principal e autorizará – se a lei assim prescrever – o dever de cumprir obrigações desprovidas de cunho patrimonial. Traçando um paralelo, a imunidade é referendada em Sede Constitucional, e a isenção através de normas infraconstitucionais, o que implica dizer que a imunidade não poderá ser modificada, pois trata-se de cláusula pétrea, enquanto a isenção poderá ser modificada ou revogada por outra norma infraconstitucional.[8] Deste modo, pode-se entender as diferenças entre a imunidade e a isenção tributária da seguinte forma: “1) a imunidade é, por natureza, norma constitucional, enquanto a isenção é normal legal, com ou sem suporte expresso em preceito constitucional; 2) a norma imunizante situa-se no plano da definição da competência tributária, alocando-se a isenção, por seu turno, no plano do exercício da competência tributária; 3) ainda que a isenção tenha suporte em preceito constitucional específico, a norma constitucional que a contém possui eficácia limitada, enquanto a imunidade abriga-se em norma constitucional de eficácia plena ou contida; e 4) a eliminação da norma imunizatória somente pode ser efetuada mediante o exercício do Poder Constituinte Originário, porquanto as imunidades são cláusulas pétreas, desde que não seja o caso da imunidade ontológica; uma vez eliminada a isenção, por lei, restabelece-se a eficácia da lei instituidora do tributo, observados os princípios pertinentes”.[9] Quanto à não-incidência, tem-se que é o não enquadramento normativo a uma conduta[10], isto é, quando a conduta fática não encontra respaldo ou identificação com nenhuma hipótese normativa, não provocará o nascimento de relação jurídico-tributária. Assim, na “não-incidência, o fato não pode ser contemplado legalmente como gerador de determinado tributo, como é o caso de lavagem de roupas que não constitui fato gerador do IPI”.[11] Por fim, há necessidade de destacar que a imunidade compõe competência tributária e provoca incidência normativa, já que cria relação jurídico-tributária (deveres instrumentais) e na isenção há o exercício da competência, e cria, assim como a imunidade, relação jurídico-tributária, já a não-incidência não provoca efeitos jurídicos, obrigações e deveres, pois não há enquadramento da conduta à norma padrão de incidência tributária[12]. CONCLUSÃO A imunidade é a regra que compõe a competência tributária, cujo critério espacial se encontra demarcado no âmbito constitucional, caracterizando-se, também, como cláusula pétrea, já que é uma garantia assecuratória de direitos fundamentais (direitos individuais), e a norma isentiva, por sua vez, encontra-se no território infraconstitucional e é exercitada pelo Poder de Tributar (elaboração de norma tributária). Já a não-incidência implica na não-tributação por ausência de conteúdo legal, ou seja, não há enquadramento da conduta à nenhuma norma tributária.   Bibliografia CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2008. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. MELO. José Eduardo Soares. Imunidade das contribuições sociais à seguridade social. In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005   Notas: [1]Quanto às expressões utilizadas pelo Legislador Constituinte Originário, Regina Helena Costa adverte que “em outras ocasiões, apesar de a Lei Maior empregar o vocábulo ‘isenção’, é de imunidade que se está tratando, uma vez que se reporta a situação perfeitamente caracterizada (…) no próprio constitucional”. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 107 – grifo do original. [2] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. 2 ed. São Paulo: Noeses, 2008, p. 307. [3] Também denominado como obrigação acessória. [4] CTN: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei. Art. 122. Sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto.” [5] Se ocorrer a imposição tributária, isto é, criação do tributo através de lei. [6] Não serão abrangidos todos os conceitos do instituto, para evitar desvirtuação do objeto de estudo. [7] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18 ed. rev. ampl. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 504-5. [8] Quanto à revogação da norma isentiva, Regina Helena Costa argumenta que a revogação do instituto restaura “a eficácia da lei instituidora do tributo (…) temporariamente afastado pela lei isentiva, observados os princípios constitucionais pertinentes”. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 109. [9] COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 109 – grifo do original. [10] Nesse pensar: “a ‘não-incidência’ corresponde “a inocorrência do impacto norma jurídica sobre determinado fato, vale dizer, a indiferença de determinada conduta realizada, diante da norma jurídica”. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 39. [11] MELO. José Eduardo Soares de. Imunidade das contribuições sociais à seguridade social.  In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005, p. 192 – grifo do original. [12] No mesmo sentido: MELO. José Eduardo Soares. Imunidade das contribuições sociais à seguridade social.  In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005, p 192. Mestre em Direito pela UNIFIEO; Especialista em Direito Tributário pelo IBET/SP; Professor de Direito de Direito de Administrativo e Tributário da Anhembi Morumbi; Advogado em São Paulo.
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Imunidade tributária e as cláusulas pétreas
O breve estudo aborda o conceito de cláusula pétrea e sua relação com a imunidade tributária.
Direito Tributário
Resumo: O breve estudo aborda o conceito de cláusula pétrea e sua relação com a imunidade tributária. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E AS CLÁUSULAS PÉTREAS Inicialmente, mister se faz  tratar  da analiticidade constitucional, objetivando conceituar cláusulas pétreas. Pois bem, a característica analítica da Constituição implica a abordagem exaustiva de normas de caráter fundamental. Nesta seara, Paulo Bonavides disserta com notável propriedade sobre o tema: “As Constituições se fizeram desenvolvidas, volumosas, inchadas, em conseqüência principalmente de duas causas: a preocupação de dotar certos institutos de proteção eficaz, o sentimento de que a rigidez constitucional é anteparo ao exercício discricionário da autoridade, o anseio de conferir estabilidade ao direito legislado sobre determinadas matérias e, enfim, a conveniência de atribuir ao Estado, através do mais alto instrumento jurídico que é a Constituição, os encargos indispensáveis à manutenção da paz social.”[1] O caráter analítico constitucional não escapou do crivo da doutrina de Sarlet: “O procedimento analítico do Constituinte revela certa desconfiança em relação ao legislador infraconstitucional, além de demonstrar a intenção de salvaguardar uma série de reivindicações e conquistas uma eventual erosão ou supressão pelos Poderes constituídos.”[2] A analiticidade constitucional confere ao Texto proteção sobre determinadas matérias, entre elas a tributária[3], visando à estabilidade da Ordem Jurídica Constitucional para bloquear a atuação do Legislador Infraconstitucional, “por razões de descontentamento e insegurança do povo tanto em relação àqueles que têm a função de elaborar a lei quanto àqueles que têm por função aplicá-la”.[4] A característica analítica constitucional induz à rigidez constitucional, que impõe um processo mais complexo e dificultoso se comparado à elaboração de veículos normativos infraconstitucionais, no que se refere à sua modificação. Apesar da rigidez constitucional, outra característica é a mutabilidade através de processos legislativos especiais. Versando sobre o assunto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho pondera: “[…] a doutrina polêmica da Constituição pretendia que esta fosse imutável, ou ao menos só se alterasse por um processo especial, distinto de modo ordinário do estabelecido de regras jurídicas. Assim, gozariam de uma estabilidade especial, seriam rígidas. Deveu-se reconhecer, porém, que o conceito Constituição escrita não equivalia ao de Constituição rígida. Na verdade, pôde-se notar que as Constituições escritas, como o Estatuto Albertino, Constituição do reino da Itália, eram modificáveis por meio de leis ordinárias. Desse modo, o conceito Constituição rígida teve de ser restringido, empregando-se o mesmo para designar dentre as Constituições escritas aquelas que só se alteram mediante processos especiais.”[5] José Afonso da Silva, trabalhando com a aplicabilidade das normas constitucionais, conceitua a rigidez constitucional da seguinte forma: “O conceito de rigidez, consubstanciado na imutabilidade relativa da constituição, é de fundamental importância na teoria do direito constitucional contemporâneo. Funciona como pressupostos: a) do próprio conceito de constituição em sentido formal; b) da distinção entre normas constitucionais e normas complementares e ordinárias; c) da supremacia formal das normas constitucionais. Constitui, também, suporte da própria eficácia jurídica das normas constitucionais. Se estas pudessem ser modificadas pela legislação ordinária, sua eficácia ficaria irremediavelmente comprometida.”[6] Trazendo o conceito de rigidez constitucional do Texto de 1988, Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior sustentam[7]: “A Constituição que exige para sua alteração um critério mais solene e difícil do que o processo de elaboração da lei ordinária. Exemplo de Constituição rígida é a brasileira. Essa rigidez pode ser verificada pelo contraste entre o processo legislativo da lei ordinária e da emenda constitucional. Enquanto aquele se submete às regras da iniciativa geral (art. 61 da CF) e à aprovação por maioria simples, a outra reclama iniciativa restrita (art. 60 da CF) e aprovação por maioria qualificada de três quintos. Vê-se, por esse e por outros aspectos, que é muito mais fácil aprovar uma lei ordinária do que uma emenda constitucional.”[8] Nessa seara, a rigidez constitucional celebra as chamadas cláusulas pétreas, por traduzir a impossibilidade do Poder Constituinte Derivado Reformador de alterar as disposições constitucionais que exprimam garantias fundamentais: “O poder constituinte originário também estabeleceu algumas vedações materiais, ou seja, definiu um núcleo intangível, comumente chamado pela doutrina de cláusulas pétreas.[9] (i) a forma federativa de Estado; (ii) o voto direto, secreto, universal e periódico; (iii) a separação dos Poderes; e (iv) os direitos e garantias individuais.”[10] Adriana Zawada Melo, em importante lição, assevera sobre as cláusulas pétreas: “[as] “cláusulas pétreas”, representam o núcleo intangível de uma Constituição, gravado com uma cláusula de eternidade (em alemão, ewigkeitsgarantien), a fim de conferir uma força especial, frente às eventuais reformas, aos princípios de maior importância na manutenção da decisão política fundamental, base de determinada Constituição. Essas cláusulas de garantia ou de irreversibilidade gozam, como diz Oscar Vilhena Vieira, de uma superconstitucionalidade (no sentido de possuir uma rigidez maior), o que impede que os princípios alçados à condição de cláusulas intangíveis, de serem suprimidos ou desfigurados, podendo apenas ser admitida a sua reestruturação ou ampliação”.[11] Essa imutabilidade representa uma muralha imposta pelo legislador Constituinte originário para preservar a integridade formal e material da Constituição, inibindo modificações constitucionais que possam mutilar ou diminuir a eficácia dos preceitos constitucionais garantidores da harmonia jurídico-social: “O significado último das clausulas pétreas está em prevenir um processo de erosão da Constituição. A cláusula pétrea não existe tão-só para remediar situação de destruição da Carta, mas tem a missão de inibir a mera tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução e de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro.”[12] Nessa seara, Kildare Gonçalves Carvalho disserta sobre o assunto em foco: “Constituem o chamado cerne imodificável da Constituição, suas cláusulas pétreas. Expressam as opções que o constituinte originário elegeu, traduziu nas regras estruturadoras do edifício constitucional, que tratam do conteúdo, do teor do texto constitucional. (…) A primeira limitação material, na Constituição de 1988, impede a mudança da forma federativa. Não se pode, portanto, transformar o Estado brasileiro em unitário, mesmo descentralizado. Em seguida, a Constituição coloca a salvo o voto direto, secreto, universal e periódico, expressão do princípio democrático. Constitui ainda óbice ao poder de reforma a separação de poderes. Trata-se de proibir a supressão de qualquer dos poderes do Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário, bem como de resguardar as atribuições básicas de cada um deles. Finalmente, os direitos e garantias individuais são imodificáveis por via de emenda à Constituição. Entendemos que se acham abrangidos, pela cláusula de irreformabilidade, quaisquer direitos fundamentais, como, por exemplo, os direitos sociais, bem como outros direitos fundamentais além daqueles declarados no Título II da Constituição.Também os direitos fundamentais decorrentes de tratados internacionais de que o Brasil seja parte, apesar da controvérsia doutrinária e jurisprudencial, têm, em nosso entender, eminência constitucional.”[13] As cláusulas pétreas exprimem a impossibilidade, instituída pelo legislador constituinte, de modificar regras estruturais ou garantias constitucionais. Essa impossibilidade é vislumbrada nas normas que emitem os efeitos jurídicos da imunidade tributária. As normas imunizantes possuem um antecedente normativo que contém um ou mais direitos fundamentais, e no seu conseqüente há uma garantia de não nascimento da obrigação principal (sem o dever de pagamento de tributo, mas com dever de cumprir os deveres instrumentais). Como as imunidades possuem um antecedente que veicula direitos fundamentais, há nítida relação com a rigidez constitucional, pois as normas imunizantes, ao exprimirem os valores consagrados pelos direitos fundamentais, subsumem ao conceito de cláusulas pétreas[14]. Isto quer dizer que inexiste possibilidade de o legislador ordinário restringir, modificar (diminuir) ou mutilar (totalmente ou parcialmente) os preceitos fundamentais que versam sobre imunidade tributária.  Este também é o entendimento de Roque Antônio Carrazza: “[…] temos por indisputável que desobedecer a uma regra de imunidade equivale a incidir em inconstitucionalidade. Nem a emenda constitucional pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas na Constituição. Por muito maior razão, a ação do legislador ordinário, neste campo, encontra limites insuperáveis na Constituição. Ora, se até o constituinte derivado e o legislador ordinário não podem ignorar as imunidades tributárias, por muito maior razão não poderá fazê-lo o aplicador das leis tributárias, interpretando-as, a seu talante, de modo a costeá-las. (…) Em termos mais precisos, o direito à imunidade é uma garantia fundamental constitucionalmente assegurada ao contribuinte, que nenhuma lei, poder ou autoridade pode anular.”[15] Nesta sintonia, José Souto Maior Borges aduz: “Sistematicamente, através da imunidade resguardam-se princípios, idéias-força ou postulados essências ao regime político. Consequentemente, pode-se afirmar que as imunidades representam muito mais um problema do direito constitucional do que um problema do direito tributário. Analisada sob o prisma do fim, objetivo ou escopo, a imunidade visa assegurar certos princípios fundamentais ao regime, a incolumidade de valores éticos e culturais consagrados pelo ordenamento constitucional positivo e que se pretende manter livre das interferências ou perturbações da tributação.”[16] Ainda sobre o tema em foco, Regina Helena Costa aduz: “[…] quando a exoneração tributária é outorgada por uma Constituição, pretende-se seja perene. Se a Constituição é rígida, tal perenidade está assegurada em termos mais consistentes, diante do maior grau de dificuldade estabelecido para sua modificação. (…) No caso da Constituição Brasileira, no que tange às imunidades tributárias, a rigidez constitucional atinge seu grau máximo. Isto porque as normas imunizantes são cláusulas pétreas, autênticas limitações materiais ao exercício do Poder Constituinte Derivado”[17] Entendidos os direitos fundamentais como cláusulas pétreas[18], os seus efeitos jurídicos também o serão. As imunidades tributárias são conseqüências jurídicas asseguradoras da eficácia de direitos fundamentais e também suportaram serem subsumidas ao conceito de cláusulas pétreas. Trilhando nesse caminho, o STF entendeu que há vinculação das imunidades tributárias com os direitos fundamentais, donde resulta a impossibilidade da retirada dessas garantias constitucionais do Texto de 1988. Esse entendimento considera a imunidade tributária como garantia individual do contribuinte, conforme regra do artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição de 1988. “Ementa: Direito Constitucional e Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade de Emenda Constitucional e de Lei Complementar. I.P.M.F. Imposto Provisório sobre a Movimentação ou a Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – I.P.M.F. Artigos 5., par. 2., 60, par. 4., incisos I e IV, 150, incisos III, “b”, e VI, “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição Federal. 1. Uma Emenda Constitucional, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação a Constituição originaria, pode ser declarada inconstitucional, pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua e de guarda da Constituição (art. 102, I, “a”, da C.F.). 2. A Emenda Constitucional n. 3, de 17.03.1993, que, no art. 2., autorizou a União a instituir o I.P.M.F., incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2. desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica “o art. 150, III, “b” e VI”, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): 1. – o princípio da anterioridade, que e garantia individual do contribuinte (art. 5., par. 2., art. 60, par. 4., inciso IV e art. 150, III, “b” da Constituição); 2. – o princípio da imunidade tributaria reciproca (que veda a União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns dos outros) e que e garantia da Federação (art. 60, par. 4., inciso I,e art. 150, VI, “a”, da C.F.); 3. – a norma que, estabelecendo outras imunidades impede a criação de impostos (art. 150, III) sobre: “b”): templos de qualquer culto; “c”): patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; e “d”): livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão; 3. Em consequência, e inconstitucional, também, a Lei Complementar n. 77, de 13.07.1993, sem redução de textos, nos pontos em que determinou a incidência do tributo no mesmo ano (art. 28) e deixou de reconhecer as imunidades previstas no art. 150, VI, “a”, “b”, “c” e “d” da C.F. (arts. 3., 4. e 8. do mesmo diploma, L.C. n. 77/93). 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente, em parte, para tais fins, por maioria, nos termos do voto do Relator, mantida, com relação a todos os contribuintes, em caráter definitivo, a medida cautelar, que suspendera a cobrança do tributo no ano de 1993. (…) A Emenda Constitucional nº 3, de 17/03/93, que, no art. 2º, autorizou a União a instituir o IPMF, incidiu em vício de inconstitucionalidade, ao dispor, no parágrafo 2º desse dispositivo, que, quanto a tal tributo, não se aplica ‘o art. 150, III, b e VI, da Constituição, porque, desse modo, violou os seguintes princípios e normas imutáveis (somente eles, não outros): (…). O princípio da imunidade tributária recíproca (que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, rendas ou serviços uns “dos outros) e que é garantia da Federação (art. 60, § 4º, inciso I,e art. 150, VI, a, da CF).”[19] Relacionando os direitos individuais no campo tributário, Ricardo Alexandre analisa com propriedade o julgamento mencionado: “No mesmo julgamento em que considerou o princípio da anterioridade garantia individual do contribuinte e, portanto, impossível de ser excetuado via Emenda Constitucional, o Supremo Tribunal Federal considerou também inconstitucional a previsão de que o novel Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira não seria sujeito à imunidade tributária recíproca, que impede que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam imposto sobre o patrimônio, renda ou serviços uns dos outros A Regra imunizante é verdadeiro corolário da federação, pois, a título de exemplo, se fosse lícito à União cobrar impostos sobre o patrimônio, renda ou serviço de um Estado, correr-se-ia o risco de utilizar o poder de tributar como mecanismo de pressão da União sobre o Estado, pondo em risco a autonomia, principal sustentáculo da federação, forma de Estado petrificada pelo legislador constituinte originário. Também se considerou inconstitucional a previsão de que o IPMF não obedecesse à imunidade dos templos de qualquer culto (CF, art. 150, VI, b). A imunidade, denominada religiosa, protege a liberdade de culto, que é um direito individual. Na mesma linha, também foram considerados protegidas por cláusulas pétreas a imunidade dos livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão (protegendo a livre difusão do pensamento e barateando o acesso à informação, garantias individuais), bem como a proteção a diversas instituições cujas atividades são consectários de outras garantias constitucionalmente protegidas (liberdade sindical, liberdade de criação e filiação a partidos políticos etc)”[20] Nessa mesma linha de raciocínio, Hugo de Brito Machado aduz, utilizando a imunidade recíproca, como exemplo, que “a regra da imunidade está protegida no art. 60, § 4º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual ‘não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (…) a forma federativa de Estado’”.[21] Nesse pensar, o legislador infraconstitucional está impedido de limitar os reflexos jurídicos dos direitos fundamentais (imunidades); logo, as normas definidoras de hipóteses imunizantes são imutáveis perante o Texto Supremo, por traduzirem direitos individuais da pessoa humana. Assim, não poderá ocorrer modificação na Constituição de 1988 que vise restringir, delimitar ou até mesmo retirar as imunidades tributárias, mas é viável a possibilidade do Poder Reformador de alterá-las para aumentar o seu grau de eficácia. Entretanto, essa dilação ou acréscimo de garantia constitucional ingressará no Texto Maior com status de cláusula pétrea.   Bibliografia ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 3 ed. atual. ampl. São Paulo: Método, 2009. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2008. CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: Teoria do Estado e da constituição – direito constitucional positivo. 15 ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006. ELALI, André. Sobre a imunidade tributária como garantia constitucional e como mecanismo de políticas fiscais: questões pontuais. In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2009. MELO, Adriana Zawada. A limitação material do poder constituinte derivado. Revista Mestrado em Direito, Osasco: EDIFIEO Ano: 8, n.1, (jun. 2008). MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9 ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2008.   Notas: [1] BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 74. [2] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9 ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 75. [3] Em relação à matéria tributária, Regina Helena Costa salienta que “os textos constitucionais pátrios, tradicionalmente, cuidam de quatro grande temas tributários: a previsão das regras-matrizes de incidência tributária, a classificação dos tributos, a discriminação das competências tributárias e as limitações do poder de tributar. Acresça-se, ainda, a previsão constitucional da repartição das receitas advindas do exercício da tributação – tema, este, melhor inserido no âmbito do Direito Administrativo ou Financeiro. Sendo assim, versando a Lei Maior sobre o perfil da competência tributária outorgada a cada pessoa política, explícita e enumeradamente em matéria de impostos, e explícita mas não enumeradamente no que tange a taxas e contribuições, decidiu o constituinte expressar as imunidades, no que tange aos impostos, no mesmo capítulo, prevendo imunidades relativas a outros tributos em diversas passagens do texto”. COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 65-6. [4] COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 65. [5] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 14 – grifo do original. [6] SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 40 – grifo do original. [7] Sobre a rigidez constitucional, Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior firmam o entendimento que “conforme a Emenda da Reforma do Poder Judiciário (EC n. 45/2004), os decretos legislativos aprovados em dois turnos, com quórum de três quintos, que tratem de Tratados Internacionais e Convenções de Direitos Humanos, serão equivalentes a emendas constitucionais. Assim, a Constituição brasileira poderá ser modificada pelo processo regular da emenda e pelo processo especial do decreto legislativo, respeitando os dois turnos e o quórum de emenda para sua aprovação”. ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 4. Porém tal posicionamento é inexato, já que a EC 45/2005 prescreveu que os tratados internacionais e convenções de direitos humanos poderão, se preenchidos os requisitos, produzir efeitos de norma constitucional. Assim, esses veículos internacionais, se aprovados em território nacional produzirão efeitos constitucionais, mas não detém estrutura normativa capaz de alterar o Texto Constitucional. [8] ARAUJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 4. [9] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 12 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 362 – grifo do original. [10] Artigo 60, § 4º, Constituição de 1988. [11] MELO, Adriana Zawada. A limitação material do poder constituinte derivado. Revista Mestrado em Direito, Osasco: EDIFIEO Ano: 8, n.1, (jun. 2008), p.37. [12] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 219-0. [13] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: Teoria do Estado e da constituição – direito constitucional positivo. 15 ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 270-1 – grifo do original. [14] Nesse sentido: “[…] tem-se que, em geral, as imunidades tributárias, construção política a partir de circunstâncias de um momento histórico-social, são uma espécie de tutela de direitos e garantias relacionadas à formação republicana e da democracia. Daí porque definidas, via de regra, como cláusulas pétreas”. ELALI, André. Sobre a imunidade tributária como garantia constitucional e como mecanismo de políticas fiscais: questões pontuais. In: Imunidade tributária. Coord: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; CARVALHO, Cristiano. São Paulo: MP, 2005, p. 29. [15] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 24 ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 710-1-2. [16] BORGES, José Souto Maior. Isenções tributárias. 2ª ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1980, p. 184-5. [17] COSTA, Regina Helena. Imunidade tributária: teoria e análise da Jurisprudência do STF. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 68 – grifo do original. [18] Artigo 60, § 4º, da Constituição de 1988. [19] ADIN 939-7, Rel. Min. Sidney Sanches, DJ 18-03-1994. [20] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. 3 ed. atual. ampl. São Paulo: Método, 2009, p. 100-1. [21] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 30 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 287. Mestre em Direito pela UNIFIEO; Especialista em Direito Tributário pelo IBET/SP; Professor de Direito de Direito de Administrativo e Tributário da Anhembi Morumbi; Advogado em São Paulo.
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Princípio da irretroatividade tributária
Consoante as lições de Sacha Calmon Navarro Coelho, “o poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor constituinte. A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos interesses do Estado, tanto para auferir as receitas necessárias à realização de seus fins, sempre crescentes, quanto para utilizar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é pródigo. A duas, porque tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da segurança dos cidadãos”.
Direito Tributário
Resumo: Consoante as lições de Sacha Calmon Navarro Coelho, “o poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor constituinte. A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos interesses do Estado, tanto para auferir as receitas necessárias à realização de seus fins, sempre crescentes, quanto para utilizar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é pródigo. A duas, porque tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da segurança dos cidadãos”. Sumário: I – Considerações gerais; II – Segurança jurídica e limitação ao poder de tributar; III – A irretroatividade da lei, IV – Lei interpretativa; V – Irretroatividade relativa da lei; VI – Exclusão de penalidades – retroatividade VII – Lei Complementar nº 118/2005 – inconstitucionalidade; VIII – Conclusão; IX – Bibliografia I – Considerações gerais Consoante as lições de Sacha Calmon Navarro Coelho, “o poder de tributar, modernamente, é campo predileto de labor constituinte. A uma, porque o exercício da tributação é fundamental aos interesses do Estado, tanto para auferir as receitas necessárias à realização de seus fins, sempre crescentes, quanto para utilizar o tributo como instrumento extrafiscal, técnica em que o Estado intervencionista é pródigo. A duas, porque tamanho poder há de ser disciplinado e contido em prol da segurança dos cidadãos[1]”. O inciso XXXVI do artigo 5º da Lei Maior dispõe que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esta é a forma ampla que consagra o princípio da irretroatividade como direito fundamental do cidadão. Por sua vez, em seu artigo 150 e incisos, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Temos então, de forma específica, o direito fundamental do cidadão contribuinte.[2] Infere-se que o princípio da irretroatividade possui grande relevância e é um dos princípios basilares que respaldam o exercício do poder de tributar, garantindo os direitos dos contribuintes. Tratando-se de princípios, proveitosa a lição do festejado jurista Geraldo Ataliba: “Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da administração e da jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; tem que ser prestigiados até as últimas conseqüências”.[3] II – Segurança jurídica e limitação ao poder de tributar O preceito constitucional em comento tem por base o princípio da segurança jurídica, arraigada no ordenamento jurídico pátrio, e de irrefutável valor, constituindo-se em limitação ao poder de tributar. Tal limitação assegura a promoção de sumos pilares sociais, proporcionando legislação adequada e sua saudável aplicabilidade, norteando, inclusive, toda espécie de normas do arcabouço jurídico nacional. Nessa esteira, o magistério de Roque Antonio Carrazza, versando sobre as limitações constitucionais impostas à norma infraconstitucional, assevera: “A União, os Municípios e o Distrito Federal têm competência para criar tributos. Mas, para que os contribuintes não fiquem à mercê do arbítrio destas pessoas políticas, ela deve desenvolver-se dentro de certos paradigmas, que nossa Carta Fundamental minuciosamente traçou. É ponto bem assentado que a Constituição Brasileira ocupou-se, de espaço, com a tributação, vale dizer, com a ação estatal de exigir tributos. Dito de outro modo, ela contém grande número de disposições que tratam, direta ou indiretamente, de matérias tributárias.”[4] Indubitavelmente, a exação não poderia estar desvinculada de diretrizes constitucionais, a ponto de possibilitar inúmeras ofensas aos contribuintes, mormente se considerarmos que, mesmo com o regramento da Constituição, encontram-se nos Tribunais diversos julgados que evidenciam a existência de cobranças abusivas ou contrárias aos princípios determinados aos entes tributantes. O preclaro ensino de José Eduardo Soares de Melo, com a clareza que lhe é peculiar, alteia a necessidade de que a matéria tributária tenha exegese subordinada à Constituição, uma vez que esta é a lei fundamental e suprema do Estado. Vale a transcrição: “O sistema constitucional tributário, constituído por princípio e regras específicas, é expressamente disciplinado em capítulo próprio da Constituição Federal (arts. 145-146) e demais normas esparsas (arts. 7º, III, 195, 212, § 5º, 239, §§ 1º e 4º, e 240 e ECs 21/1/1999 e 37/2002). Assim, os lineamentos, os contornos, as balizas e os limites da tributação encontram-se estatuídos na Constituição. O exame da matéria tributária impõe, necessariamente, a análise e a compreensão dos princípios e normas hauridos na Constituição, como lei fundamental e suprema do Estado, conferindo poderes, outorgando competências e estabelecendo os direitos e garantias individuais”.[5] Obviamente, não há negação da necessidade de segurança jurídica na legislação pátria. Existe, porém, dissensões geradas por diferentes prismas, mormente a existência de exceções – ou aparentes exceções – ao princípio da irretroatividade tributária e seus desdobramentos, bem como as razões expendidas acerca do caráter relativo ou absoluto da retroatividade da lei. No que diz respeito à segurança jurídica e a irretroatividade, disserta com peculiar saber, o insigne jurista Aliomar Baleeiro: “O Estado de Direito encontra na irretroatividade os necessários suportes de segurança, previsibilidade e confiança. O que a Constituição garante, por meio da irretroatividade, é a perenidade do Direito expresso em lei e, em certo momento, revelado no ato administrativo ou judicial”.[6] Resta patente que tanto os atos administrativos, como os judiciais, devem respeitar os limites delineados pela limitação que se impõe ao poder de tributar. Isso porque, a segurança jurídica consubstancia-se na previsão que o contribuinte pode ter em relação aos seus atos, aos fatos jurídicos e a lei. III – A irretroatividade da lei Como posto à vista, a Constituição Federal, objetivando a segurança jurídica, inseriu lineamentos que limitam o poder de tributar, submetendo todo o ordenamento infraconstitucional aos princípios balizadores. Dentre eles consagrou o princípio da irretroatividade da lei. Foi o que citamos inicialmente acerca da vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. (artigo 150, III, “a”). Não se pode olvidar da explanação de Aliomar Baleeiro, quanto ao termo “vigência”, já que este é frequentemente confundido com eficácia: “O termo vigência deve ser articulado ao princípio da anterioridade, uma vez que, no Direito tributário, uma lei pode estar vigente, mas ter sua eficácia por ele inibida (o que acontecia usualmente, quando existente, entre nós, o princípio da autorização orçamentária). A expressão vigência, utilizada pela Constituição, em seu art. 150, III, a e b deve ser analisada de forma desvinculada à eficácia (…)”.[7] Oportuna também a declaração de Luciano Amaro bordando a expressão “fato gerador”, contida no inciso III, alínea “a” do art. 150, CF: “O texto não é feliz ao falar em fatos geradores. O fato anterior à vigência da lei que institui tributo não era, ainda, gerador. Só pode se pode falar em fato gerador anterior à lei quando aumente (e não quando institua) tributo. O que a Constituição pretende, obviamente, é vedar a aplicação da lei nova, que criou ou aumentou tributo, ou permanece como gerador de menor tributo, segundo a lei da época de sua ocorrência[8].” Feita a ressalva e compreendida a importância dos princípios basilares, impende sobrelevar, o que dita o artigo 106, I, do Código Tributário Nacional: “A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados;” O indigitado dispositivo tem gerado desmedida celeuma jurídica, principalmente, pela defesa de teses no sentido da relatividade da retroação da lei ou quanto à lei interpretativa. Além disso, autorizados mestres defendem que nem se trata de exceção, e sim, aparente exceção. Para a análise minuciosa do artigo 106 e incisos, esmiuçaremos, separadamente, as expressões nele contidas, norteando-nos pelo exame da melhor doutrina, que, aliás, oferece farto material terminológico nesse sentido. IV – Lei interpretativa Quanto à cognominada “lei interpretativa”, por vezes, não há consenso se determinada lei é meramente interpretativa ou não. Em razão disso, concebem-se confrontos de teses jurisprudenciais e doutrinárias, como veremos. Sob os escólios do Mestre Luciano Amaro, extrai-se que “nem a pretexto de interpretar lei anterior pode uma lei tributária voltar-se para o passado, com o objetivo de “explicitar” a criação ou aumento de tributo. Ou a incidência já decorre da lei velha, ou não: no primeiro caso, a lei “interpretativa” é inócua: no segundo, é inconstitucional[9]“. A previsão de retroatividade interpretativa da lei, vai de encontro à proeminente trilha doutrinária, principalmente, pelo fato de confundir o papel dos poderes, uma vez que há a concepção de que a função de interpretar leis é cometida a seus aplicadores, basicamente ao Poder Judiciário. Destarte, imperioso fazer menção à sábia lição de Hugo de Brito Machado, em consonância com o ensino de Roque Antonio Carrazza e também encontrada na obra de coordenação de Ives Gandra Martins[10]: “É importante termos em mente que a função de interpretação das leis pertence ao Poder Judiciário. Assim, se este já fixou uma das interpretações possíveis como sendo a que se deve adotar, se a jurisprudência firmou-se proferindo determinada interpretação entre as que foram sustentadas para um dispositivo legal, já não cabe ao legislador, a pretexto de editar lei interpretativa, adotar interpretação diversa daquela já adotada pelo Judiciário.”[11] Nessa linha, insta mencionar a decisão do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Eminente Ministro João Otávio de Noronha, publicada em 11.05.2009 que versa sobre situações jurídicas, direitos subjetivos constituídos em razão da interpretação dada à Lei, antes do surgimento do dispositivo interpretativo: “(…) Lei Interpretativa. Irretroatividade. As situações jurídicas, os direitos subjetivos constituídos em função da interpretação dada à Lei, antes do dispositivo interpretativo, não podem mais ser alterados ou atingidos, ainda que a hermenêutica autêntica venha infirmar o entendimento dado à Lei interpretada. (…)” (STJ; EREsp 327.043; Proc. 2001/0188612-4; DF; Primeira Seção; Rel. Min. João Otávio de Noronha; Julg. 27/04/2005; DJE 11/05/2009) V – Irretroatividade relativa da lei A erudição de Luciano Amaro faz crédito à irretroatividade relativa da lei, haja vista que, segundo o mestre, havendo obediência às restrições, a lei pode, em princípio, voltar-se para o passado: “Como princípio geral, a Constituição prevê a irretroatividade relativa da lei, ao determinar que esta não pode atingir o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (art. 5º, XXXVI); há, ainda, outras vedações à aplicação retroativa da lei (de que é exemplo a que decorre do item XXXIX do mesmo artigo: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”). Obedecidas as restrições, a lei pode, em princípio, voltar-se para o passado, se o disser expressamente ou se isso decorrer da própria natureza da lei; se nada disso ocorrer, ela vigora para o futuro. A norma jurídica, em regra, projeta sua eficácia para o futuro. Diz a Lei de Introdução ao Código Civil que a lei em vigor terá efeito imediato e geral (art. 6º). Porém, em certas situações, e de modo expresso, pode a lei reportar-se a fatos pretéritos, dando-lhes efeitos jurídicos, ou modificando os efeitos jurídicos que decorreriam da aplicação, àqueles fatos, da lei vigente à época de sua ocorrência. Há leis que naturalmente, se vocacionam para atuar sobre fatos do passado, como se dá com as de anistia ou remissão.”[12] Por outro prisma, Aliomar Baleeiro, resguarda o caráter absoluto do princípio da irretroatividade, afastando a relatividade e ponderando o posicionamento dos textos constitucionais na trajetória do ordenamento jurídico pátrio, bem como destaca o entendimento do pretório excelso, nesse sentido. “in verbis”: “O princípio da irretroatividade no Direito positivo brasileiro não é relativo (como em outros países, em que não obteve consagração constitucional), mas absoluto e insistentemente repetido nos Textos Magnos nacionais. Mesmo antes da Constituição de 1988, na qual, pela primeira vez, o princípio da irretroatividade foi especificamente expresso para o Direito Tributário, o Supremo Tribunal Federal acolheu esse entendimento, repelindo empréstimos compulsórios retroativos, embora criados em situações excepcionais de calamidade pública ou urgente absorção temporária do poder aquisitivo (com base na Constituição de 1967/69).”[13] Nas declamações de Hugo de Brito Machado, encontramos a exortação para distinção de “anistia” e “aplicação retroativa”, prevista no art. 106, II do CTN. Impreterível sua transcrição: “Não se há de confundir aplicação “retroativa” nos termos do art. 106, II, com a anistia, regulada nos arts. 180 a 182 do Código. Embora em ambas as hipóteses ocorra aplicação da lei nova que elide efeitos da incidência de lei anterior, na anistia não se opera alteração ou revogação da lei antiga. Não ocorre mudança na qualificação jurídica do ilícito. O que era infração continua como tal. Apenas fica extinta a punibilidade relativamente a certos fatos. A anistia, portanto, não é questão pertinente ao direito intertemporal.” VI – Exclusão de penalidades – retroatividade A retroatividade tratada nesta ocasião, como já mencionamos, refere-se aos atos não definitivamente julgados. (art. 106, II). No entanto, há requisitos constantes nas alíneas “a”, “b” e c. Quais sejam: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática. Relativamente a esses requisitos Hugo de Brito Machado, comenta: “Não conseguimos ver qualquer diferença entre as hipóteses da letra a e da letra b. Na verdade, tanto faz deixar de definir um ato como infração, como deixar de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão.”[14] Ainda, consoante às palavras de Hugo de Brito Machado, a exclusão de penalidades não é absoluta, pois tal autorização refere-se à má interpretação da lei, não aos casos em que se deixou de observá-la em sua totalidade. A respeito desta exclusão, leciona: “Tal exclusão — é importante insistir neste ponto de grande relevância — não é absoluta, como poderia parecer da leitura do artigo 106 do Código. Ela diz respeito à má interpretação da lei, não à sua total inobservância. Admitindo-se, por exemplo, que em face de algum dispositivo da legislação do IPI se tenha dúvida sobre a necessidade de emitir o documento “a” ou o documento “b”, e que dispositivo novo, interpretativo, diga que no caso deve ser emitido o documento “b”, não se aplica qualquer penalidade a quem tenha emitido o documento “a”. Mas quem não emitiu documento nenhum, nem “a” nem “b”, está sujeito à penalidade, não se lhe aplicando a exclusão de que trata o artigo 106 do Código.”[15] VII – Lei Complementar nº 118/2005 – inconstitucionalidade Cumpre salientar que, não obstante o discorrido concernente ao princípio da irretroatividade, há, não raro, ofensas aos preceitos estabelecidos. Aplique-se, a título de exemplo, a declaração de inconstitucionalidade, no que se refere à prescrição tratada na Lei Complementar nº 118/2005, que alterou e acresceu dispositivos ao Código Tributário Nacional, dispondo sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma Lei. “in verbis”: “Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei. Art. 4º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”. O STJ pacificou o entendimento no sentido de não considerar como norma interpretativa o artigo 3º da referida Lei Complementar supra colacionada, negando-lhe a aplicação retroativa. Sedimentou-se o entendimento de inconstitucionalidade, pela ofensa a preceitos constitucionais, como a violação ao art. 5º – XXXVI da Constituição Federal. (ERESP 644.736/PE). Nesse sentido, editou-se a Súmula nº 52/TRF2, com o seguinte enunciado: “É inconstitucional a expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005, por violação ao art. 5º – XXXVI da Constituição Federal.” VIII – Conclusão Diante do exposto, resta patente a necessidade do exame vígil às leis insertas no ordenamento pátrio, a fim de se resguardar, diuturnamente, os princípios que regem a limitação ao poder de tributar, abrigando à imprescindível segurança jurídica.   Bibliografia COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 : sistema tributário,  Rio de Janeiro: Forense, 1998. ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª ed., 3ª tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2004. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª ed. rev. ampl. e atual., São Paulo: Malheiros, 2006. MELLO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário. 4ª edição. rev. e atua. São Paulo: Malheiros, 2009. BALEEIRO, Aliomar, Direito tributário brasileiro. 11ª edição, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 2005. AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro. – 11ª ed. rev. e atual. – São Paulo :  Saraiva, 2005. MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Curso de Direito Tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MACHADO, Hugo de Brito Curso de Direito Tributário. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009. Notas: [1] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 : sistema tributário,  Rio de Janeiro: Forense, 1998, pág. 267. [2] COÊLHO, 1998, p. 277. [3] ATALIBA, Geraldo. República e Constituição, 2ª ed., 3ª tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2004, p. 34 [4] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 22ª ed. rev. ampl. e atual., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 377 [5] MELLO, José Eduardo Soares de. Contribuições Sociais no Sistema Tributário. 4ª edição. rev. e atua. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 12 [6] BALEEIRO, Aliomar, Direito tributário brasileiro. 11ª edição, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 2005. p. 669. [7] Baleeiro, 2005, p. 665 [8] AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro. – 11ª ed. rev. e atual. – São Paulo :  Saraiva, 2005, p. 118 [9] AMARO, 2005, pág. 119. [10] MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.) Curso de Direito Tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.  p.132 [11] MACHADO, Hugo de Brito Curso de Direito Tributário. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2009. p 100. [12] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed., rev. e atual., São Paulo: Ed. Saraiva, 2005, pág. 118 [13] BALEEIRO, Aliomar, Direito tributário brasileiro. 11ª edição, atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro, Forense, 2005. p. 665 [14] HUGO, 2010, p.101 [15] ibidem, p.100 Acadêmico de Direito
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