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Regime não cumulativo compulsório do PIS/COFINS as empresas prestadoras de serviço e o princípio da isonomia tributária
O presente trabalho tem por objetivo analisar a aplicação do regime não cumulativo do PIS e da COFINS às empresas prestadoras de serviços, no caso de opção pela tributação pelo lucro real, à luz dos princípios da capacidade contributiva, da isonomia, da razoabilidade e da livre concorrência. Analisando assim a questão que gira em torno das leis nº. 10.637/02 e 10.833/03, que criaram as hipóteses não cumulativas do PIS e da COFINS. Sabendo-se que no regime cumulativo, as alíquotas dessas contribuições são de 0,65% e 3 %. E no regime não cumulativo, subiram para 1,65% e 7,6%%, mas essa elevação seria compensada com a possibilidade de o contribuinte deduzir, do tributo devido, seus créditos de PIS e COFINS embutidos no valor de bens e serviços adquiridos em suas atividades empresariais. Desse modo, a elevação da alíquota se destinou a equalizar as cargas tributárias, quanto a essas contribuições, nos dois regimes.
Direito Tributário
Introdução A questão a ser analisada no artigo não é a inconstitucionalidade das leis que fundaram os regimes não cumulativos da COFINS e do PIS, respectivamente, Leis 10.637/02 e 10.833/03; mas sim a aplicação do regime da não cumulatividade às empresas prestadoras de serviços frente aos princípios da igualdade, livre concorrência, capacidade contributiva e  razoabilidade. Nesse contexto inicial o legislador simplesmente onera as contribuições sobre o faturamento e a receita, elevando as alíquotas anteriormente estabelecidas pelo art. 1º da MP 2.158-3/01 (0,65%) e pelo art. 8º da Lei 9.718/98 (3%). Como bem julgou o TRF da 4º região em apelação cível ao entender que: “O estabelecimento dos regimes não cumulativos visou, isto sim, a melhor distribuir a carga tributária ao longo da cadeia econômica de produção e comercialização de cada produto. Daí a elevação da alíquota associada à possibilidade de apuração de créditos compensáveis para a apuração do valor efetivamente devido”. Entretanto, no caso específico, por exemplo, de empresas que tem por objetivo social a prestação de serviços de limpeza e conservação, recrutamento e treinamento de recursos humanos e administração de condomínios, a submissão ao novo regime não cumulativo implica um aumento de mais de 100% no ônus tributário decorrente da incidência do PIS e da COFINS. Por fim, o que pretendemos demonstrar neste artigo é como as prestadoras de serviço têm o direito a permanecerem vinculadas ao regime comum (não cumulativo) do PIS e da COFINS e, nos termos dos arts. 170 do CTN e 74 da Lei 9.430/96 com suas alterações posteriores, de compensar os valores pagos a maior com outros tributos administrados pela SRF, com atualização pela SELIC, nos termos do art. 39 da Lei 9.250/96, sendo o melhor meio para os princípios constitucionais da capacidade contributiva, da isonomia e livre concorrência sejam observados de forma efetiva.   1 Os princípios fundamentais do contribuinte e a questão da constitucionalidade da lei em tese Conforme os ensinamentos de Micaela Dutra (2010, p. 21) “[…] a igualdade é um conceito por meio do qual se busca alcançar a verdadeira justiça”. A igualdade é um sobreprincípio do qual deriva a isonomia que é um ideal que motiva a estipulação de regras sociais. Pensadores clássicos como Platão, São Tomáz de Aquino, Rousseau, Larenz, Kelsen, Bobbio ao abordarem o tema partem do pressuposto de que os homens são naturalmente desiguais entre si (DUTRA, 2010, p. 21). O jurista Rui Barbosa em sua obra oração aos moços, citado por Micaela, rememorando o pensamento enunciado por Aristóteles expõe (DUTRA. 2010, p. 22): “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei de igualdade. […] Tratar com desigualdade a iguais, ou a iguais com desigualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.” O princípio da igualdade é aplicado com maior relevo no setor econômico, conforme ressaltado por Francisco Campos (DUTRA, 2010, p. 23):  “O motivo que inspira a declaração nas Constituições modernas do direito à igualdade perante a lei é de outra ordem. Ela consiste na convicção de que um determinado regime econômico, precisamente o da livre concorrência constitui a categoria lógica, ética e jurídica, não poderá subsistir a não ser se ao Estado se impõe o dever de não alterar, em caso algum, as condições da concorrência, a não ser que tais alterações sejam gerais ou se apliquem indiscriminadamente a todos os concorrentes”. Corroborando com o entendimento de Francisco Campos, o professor José Maurício Conti (1996. p. 26 apud DUTRA, 2010, p. 24), reflexiona ao observar o princípio da igualdade que se dará quando: “a) adotarem as normas critérios de discriminação entre as pessoas; b) dever tal critério de discriminação adotado ter como fundamento um elemento valorado pela norma que resida em fatos; c) dever o fator de discriminação adotado guardar uma relação de pertinência lógica com a situação que deu origem ao fator de discriminação; d) dever tal fator de discriminação ter por finalidade reduzir as desigualdades existentes entre as pessoas; e) deverem os fatores de discriminação adotados estar de acordo com o estabelecido na legislação”. Assim sendo, para que o princípio da igualdade seja aplicado se faz necessário uma discriminação obtida por meio de comparação, porém para que essa diferenciação seja válida, para Gerson Sicca (2004. p. 221 apud DUTRA, 2010. p. 24) devem ser evitadas as discriminações arbitrárias, devendo-se exigir a equiparação de pessoas em situações semelhantes. Segundo José Maurício Conti (1996. p. 27 apud DUTRA, 2010, p. 25) na aplicação desse princípio, “[…] devem-se estabelecer normas que verifiquem a desigualdade relativa ente os indivíduos, a viabilidade na comparação entre os seres, segundo um determinado critério que os coloque em uma posição de igualdade, o critério de comparação deve ser explicitado na Constituição”. Nesse contexto, conforme bem colocado pela professora Micaela Dutra, que ao citar a professora Misabel de Abreu Machado Derzi (1991, p. 163 apud 2010. p. 25), expõe: “Surge o princípio da capacidade contributiva que no Direito Tributário afere o critério de igualdade ou desigualdade aplicado aos contribuintes, sendo que a capacidade contributiva é um desdobramento de um mesmo e único princípio, o da igualdade”.  Para Regina Helena Costa (DUTRA, 2010, p. 25) “A capacidade contributiva é um subprincípio do princípio da isonomia”. Assim na hierarquia do sistema tributário tem o sobreprincípio da igualdade, o princípio da isonomia e o subprincípio da capacidade contributiva como corolários da justiça fiscal. Hugo de Brito Machado e José Maurício Conti (DUTRA, 2010, p. 27) afirmam que “[…] a capacidade contributiva é um critério de valoração do princípio da isonomia e um critério capaz de realizar o princípio da justiça”. Para Conti (1996. p. 28 apud DUTRA, 2010, p. 27) “O princípio da igualdade é aplicável no Direito Tributário mediante a utilização de um critério de discriminação já definido, qual seja, a capacidade contributiva”. Assim através da análise dos critérios discriminadores utilizados pelo legislador ao regular o regime cumulativo e não cumulativo para os contribuintes do PIS/COFINS é possível concluir que a submissão de todas as empresas ao regime cumulativo, configura situação anti-isonômica. Entretanto, há empresas que, para atingir seu objeto social, adquirem bens e serviços gravados por aquelas contribuições, cujo ônus suportam na condição de contribuintes de fato. Estas empresas têm sua carga tributária real agravada, porque arcam com as contribuições ao PIS e à COFINS embutidas nos preços das mercadorias e serviços adquiridos, além da incidência que ocorre sobre seu próprio faturamento. Outras, entre as quais as prestadoras de serviços, têm pouca ou nenhuma carga tributária indireta, sendo, portanto, beneficiadas, comparativamente, pelo sistema cumulativo. Como bem expõe José Umberto Braccini Bastos (2011) em seu artigo ao falar que: “[…] de fato, implica tratamento mais oneroso relativamente aos demais contribuintes, sujeitos ou ao regime comum ou ao regime não cumulativo em atividade econômica em que a apuração de créditos é significativa”. O critério de discriminação (regime de tributação pelo Imposto de Renda, se pelo lucro real ou não), nas hipóteses relativas às prestadoras de serviços, mostra-se falho e incapaz de levar ao resultado pretendido de distribuição do ônus tributário ao longo de uma cadeia de produção e circulação. Aliás, a própria função do regime não cumulativo fica comprometida, evidenciando que a sua aplicação no caso não passa por um juízo de razoabilidade. Por fim, ao criar obstáculos à livre concorrência as empresas dedicadas à mesma atividade continuam assim submetidas ao regime comum, não sendo oneradas pelo advento do regime não cumulativo. 2 Tratamento dado pelo legislador Desta feita, a ser examinado qual o tratamento dado a essa questão pelo legislador positivo. O tema foi disciplinado de forma casuística pelo art. 8º da Lei nº 10.637/02, quanto ao PIS, e 10 da Lei nº 10.833/03, quanto à COFINS, que excluíram do regime não cumulativo, basicamente, um grande universo de empresas prestadoras de serviços, entre as quais se destaca: “Bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedade de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, empresas que tenham por objeto a securitização de créditos imobiliários e financeiros; operadoras de planos de assistência à saúde; as sociedades cooperativas, exceto as de produção agropecuária, e as de consumo; as receitas decorrentes de prestação de serviços de transporte coletivo rodoviário, metroviário, ferroviário e aquaviário de passageiros; as receitas decorrentes de serviços: a) prestados por hospital, pronto-socorro, clínica médica, odontológica, de fisioterapia e de fonoaudiologia, e laboratório de anatomia patológica, citológica ou de análises clínicas; e b) de diálise, raios X, radiodiagnóstico e radioterapia, quimioterapia e de banco de sangue; as receitas decorrentes de prestação de serviços de educação infantil, ensinos fundamental e médio e educação superior; as receitas decorrentes de prestação de serviço de transporte coletivo de passageiros, efetuado por empresas regulares de linhas aéreas domésticas, e as decorrentes da prestação de serviço de transporte de pessoas por empresas de táxi aéreo; as receitas decorrentes de prestação de serviços com aeronaves de uso agrícola inscritas no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB); as receitas decorrentes de prestação de serviços das empresas de call center, telemarketing , telecobrança e de teleatendimento em geral; as receitas decorrentes da execução por administração, empreitada ou subempreitada de obras de construção civil, até 31 de dezembro de 2008; as receitas auferidas por parques temáticos, e as decorrentes de serviços de hotelaria e de organização de feiras e eventos, conforme definido em ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e do Turismo; as receitas decorrentes da prestação de serviços postais e telegráficos prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; as receitas decorrentes de prestação de serviços públicos de concessionárias operadoras de rodovias; as receitas decorrentes da prestação de serviços das agências de viagem e de viagens e turismo; as receitas auferidas por empresas de serviços de informática, decorrentes das atividades de desenvolvimento de software e o seu licenciamento ou cessão de direito de uso, bem como de análise, programação, instalação, configuração, assessoria, consultoria, suporte técnico e manutenção ou atualização de software, compreendidas ainda como softwares as páginas eletrônicas”. O rol não pode ser taxativo, ao transcrevê-lo pode demonstrar o óbvio: empresas de prestação de serviços, em regra, não podem ser incluídas no regime não cumulativo, pois não têm créditos representativos do PIS/COFINS para compensar. Não pertencem, ontologicamente, ao universo do regime não cumulativo. No entanto, o legislador, equivocadamente, adotou um critério casuístico e empírico, cuja impropriedade é gritante e leva, necessariamente, a lacunas, tanto que o rol de empresas excluídas do regime não cumulativo foi sendo acrescido pela legislação superveniente (Leis 10.865/04, 10.925/04, 11.051/04, 11.196/05 e 11.434/06), mas sempre pelo mesmo deficiente critério casuístico. Ou seja, o legislador, à medida que ia se apercebendo das insuficiências do sistema, acrescenta a ele novas exceções, sem, no entanto, esgotar as espécies que deveriam ficar fora do regime não cumulativo.  Esse rol não é exaustivo, nem pode sê-lo, porque o universo das empresas prestadoras de serviços é crescente e quase inesgotável (é, provavelmente, o setor da economia em maior crescimento) e o critério adotado pelo legislador leva, inevitavelmente, a lacunas de regulamentação. A hipótese é da chamada lacuna oculta de regulamentação que ocorre, no dizer de Karl Larenz (1969, p. 434), naqueles casos: “[…] em que se faz sentir a falta na lei duma 'ordenação de vigência negativa', portanto, duma regra restritiva. A lacuna não é aqui patente, mas está oculta, porque existe uma regra positiva dentro da qual cabe a situação de fato; falta todavia a esperada restrição da regra, que dela excetua a situação " (em Metodologia da Ciência do Direito , Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2ª ed., 1969, p. 434). Lacuna cujo suprimento se faz por redução teleológica , "pelo aditamento da restrição postulada, de harmonia com o sentido da lei (id., p. 451)”. O sentido da lei está em equalizar o tratamento tributário das empresas cujos produtos ou serviços são onerados pela incidência do PIS e/ou da COFINS, e daquelas que não sofrem tais ônus. O regime não cumulativo é adequado para as primeiras, e deve o legislador editar a norma restritiva para que não se aplique às segundas. Se o fez de forma incompleta – por força do casuísmo da regulamentação – surge à lacuna, que deve ser integrada pelo julgador, no caso concreto, de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (DL nº 4.657, de 04/09/42, "Lei de Introdução as Normas do Códigos Brasileiro", art. 4º). E a solução é dar à empresa enquanto empresa de prestação de serviços, o mesmo tratamento dado pela lei às outras prestadoras de serviços, excluindo-as do regime não-cumulativo do PIS e da COFINS. A exclusão diz respeito apenas às receitas da prestação de serviços. No dizer de Hugo de Brito Machado (1998, p. 63), “[…] em atenção ao princípio da isonomia o melhor critério discriminador, em se tratando de estabelecer normas de tributação é a capacidade econômica”. O critério discriminador não pode ser arbitrariamente adotado pelo legislador, além de que deve existir uma justificativa racional para a vista do traço desigualador adotado atribuir um tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada. Portanto, não se cuida de negar aplicação à lei a pretexto de sua inconstitucionalidade, porque de inconstitucionalidade não se cogita, e sim de suprir a lacuna de regulamentação da lei. Mantida essa lacuna, dela resultaria, sem dúvida, tratamento anti-isonômico dessas empresas, que passariam a arcar, sem fundamento razoável, com desmedida carga tributária. 3 Inobservância ao princípio da isonomia tributária, capacidade contributiva, livre concorrência e razoabilidade Aristóteles, partindo do trabalho anterior de Platão, fez três afirmações sobre igualdade que influenciam o pensamento ocidental desde então (WESTEN, 1990, p. 187): “É justo tratar pessoas iguais igualmente; É também justo tratar pessoas desiguais desigualmente; As proposições acima são auto-explicativas, devendo ser “universalmente aceitas sem necessidade de argumentos”.  Aristóteles entendeu “[…] tratar igualmente os iguais” como sendo tratar identicamente de acordo com as regras pelas quais as pessoas são consideradas prescritivamente iguais. Ele entendia, dessa forma que “[…] pessoas que são iguais deveriam ser tratadas igualmente” e pessoas que são idênticas com referência a regras relevantes de conduta deveriam ser tratadas identicamente com referência a tais regras – significando que tudo poderia ser permitido dados os tratamentos prescritos para elas (WESTEN, 1990, p. 188). Isto explica porque Aristóteles via “tratar os iguais igualmente” não simplesmente como uma atitude justa, mas auto-evidentemente justa – como algo devendo ser “universalmente aceitas sem necessidade de argumentos”. É necessariamente justa porque é definida como sendo justa.  Por outro lado, Greenawalt (WESTEN, 1990, p. 196) acredita que a origem do conhecimento moral do juiz é o preceito “Iguais deveriam ser tratados igualmente”. Além disso, tal como vimos, dizer que duas pessoas são iguais significa que elas pertencem à uma classe de pessoas sobre as quais uma regra relevante prescreve o mesmo tratamento. Então, se os gêmeos são “iguais”, isso deve ser devido ao fato da regra prescrever tratamento idêntico para pessoas daquela descrição. Como sobreprincípio a igualdade traz em seu bojo o princípio da isonomia, sendo que no campo do Direito Tributário a capacidade contributiva é um critério de valoração do princípio da isonomia, sendo também um critério capaz de realizar o princípio da justiça. O regime cumulativo propicia tratamento desigual, antisonômico entre as empresas contribuintes do PIS/COFINS, mas é importante notar que essa desigualdade só ocorre entre empresas de segmentos econômicos diferentes. Por exemplo: todas as empresas prestadoras de serviços de limpeza têm cargas tributárias reais assemelhadas, na medida em que todas trabalham com insumos não tributados pelo PIS/COFINS. Para elas, a repercussão da cumulatividade é pouca ou nenhuma. Por outro lado, todas as empresas industriais do setor moveleiro, por exemplo, teriam carga tributária equivalente, porque obrigadas, todas, a adquirir um conjunto de insumos tributados por aquelas contribuições. As diferenças de carga tributária entre empresas do mesmo ramo negocial decorre predominantemente do seu próprio faturamento, não da cumulatividade do tributo. O regime cumulativo, como adotado, em princípio não provoca desigualdades setoriais, estimula uma igualdade de tratamento justo, considerando o setor econômico como critério de “discrimen”.  A passagem de todas as empresas para o regime não cumulativo seria a solução ideal do ponto de vista da isonomia tributária, uma vez que, pelo mecanismo de compensação do valor das contribuições suportadas no curso do processo empresarial, com aquele incidente sobre o faturamento final, todas essas empresas acabariam por contribuir ao PIS/COFINS na mesma proporção – desde que, obviamente, houvesse uma alíquota única para todas. No entanto, o elaborador da lei optou por manter dois regimes de tributação, o cumulativo e o não cumulativo. Ao fazer tal opção, teria de adotar um juízo crítico razoável de “discrimen” para motivar quais empresas incidiriam para o regime não cumulativo, quais permaneceriam no cumulativo. Como muito bem expos Daniela Angonese Kolb em seu trabalho de conclusão de especialização que aponta ao citar o trecho do voto do Desembargador Antônio Albino Ramos de Oliveira, no acordão de apelação do processo nº 2004.7.08.010633-8/RS. Julgado em abril de 2007, pela 2 turma do TRF-4 (2010, p. 20):  “A coerência lógica do sistema, aliada ao princípio da isonomia, mandava que, para o regime não-cumulativo, fossem encaminhadas aquelas empresas que acumulariam significativo volume de créditos em virtude das mercadorias e serviços adquiridos no processo produtivo, permanecendo no cumulativo as que, por sua natureza, não teriam como realizar tais créditos”. Essa lógica, aliás, encontram-se implícitas as diferenças de alíquotas adotadas para os dois regimes. No cumulativo, as alíquotas são de 0,65% (PIS) e 3 % (COFINS). No não cumulativo, 1,65% e 7,6%. Essa diferença, como alardeado pelas autoridades fazendárias que gestaram o novo regime, tinha por objetivo, exatamente, igualar as cargas tributárias dos dois regimes. Deste modo, pode-se afirmar que pertencem, ontologicamente, ao regime não cumulativo os contribuintes que arcam com o PIS/COFINS em diversas fases de seu processo empresarial; e pertencem ao regime cumulativo as quais não sofrem tal tributação indireta ao longo de seu processo empresarial, ou a sofrem de forma tão reduzida que a submissão ao regime não cumulativo lhes traria mais desvantagens que vantagens.  Ora, se assim é, viola o princípio da razoabilidade remeter obrigatoriamente para o regime não cumulativo empresas que não acumulam créditos significativos daquelas contribuições, pois passando ao novo regime, arcarão com um acréscimo despropositado de sua carga tributária, sofrendo assim uma onerosidade tributária excessiva se comparado às outras empresas do mesmo setor de atividade econômica. Muito do que é verdade no preceito “iguais devem ser tratados igualmente” é também verdadeiro em “desiguais devem ser tratados desigualmente”. Além disso, se o segundo preceito de Aristóteles é verdadeiro, então o substantivo ‘desiguais’ tem de referir-se, ao menos, a pessoas que consideradas desiguais, ou seja, a pessoas que são diferentes no que diz respeito ao tratamento que recebem (WESTEN, 1990, p. 195). Justamente por isso, se o segundo preceito é verdadeiro, o advérbio ‘desigualmente’ tem que ao menos, incorporar o mesmo padrão de tratamento pelo qual estas pessoas são precisamente consideradas desiguais. Consequentemente, para fazer algum sentido, o preceito “pessoas que são desiguais devem ser tratadas desigualmente” significa: Pessoas que são “diferentes no que diz respeito aos tratamentos que recebem” devem ser tratadas “diferentemente no que diz respeito aos tratamentos que recebem”, ou Pessoas que são “diferentes com referencia a uma relevante regra de conduta” devem ser tratadas “diferentemente com referencia a esta regra de conduta” (WESTEN, 1990, p. 197). Não é coincidência que estas duas interpretações correspondam àquelas do primeiro preceito de Aristóteles, em que “iguais devem ser tratados igualmente” necessariamente acarreta que “desiguais devem ser tratados desigualmente” (WESTEN, 1990, p. 205). O preceito antigo se vincula ao mais recente na medida em que toda regra de conduta que determina “iguais” e “desiguais” pode ser afirmada em dois níveis de generalidade (WESTEN, 1990, p. 206). Um nível diz que a regra cria subclasses de pessoas que, sendo subclasses, são “desiguais”, e, ainda, que devem ser tratadas “desigualmente”. O outro diz que a regra cria uma só classe de pessoas que, sendo designadas a se beneficiar da regra como um todo, são “iguais” e devem ser tratadas “igualmente”. Ambas afirmativas são verdadeiras, uma vez que são modos diferentes de referir-se às mesmas relações normativas. 4. Técnica constitucional da não cumulatividade Aliomar Baleeiro (2010, p. 736) nos ensina que: “[…] ao interprete não é lícito afastar-se do princípio da não cumulatividade, adotado pela Constituição, que já define a técnica de sua apropriação”.  Com efeito, o parágrafo 12 do art. 195 da Constituição, acrescentado pela EC nº 42, de 19/12/2003, tenha estabelecido: “a lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não cumulativas”. Repara-se que o critério de “discrímen” preconizado pela norma constitucional é o caráter da atividade econômica e, de conformidade com a própria lógica do sistema os "setores de atividade econômica" que deveriam ficar no regime não cumulativo seriam, necessariamente, aqueles que gerassem créditos compensáveis, porque disso é que se cuida quando se fala de cumulatividade ou não-cumulatividade. As arbitrariedades do legislador são de tal ordem que o princípio da igualdade tributária deixa de ser observado tanto no aspecto vertical, que ordena tratar desigualmente os setores econômicos desiguais, mas também no seu aspecto horizontal, segundo o qual as leis 10.637/2002 e 10.833/2003 deveriam tratar igualmente contribuintes iguais do mesmo setor econômico, ou seja, as prestadoras de serviço sem crédito relevante, sujeitas ao lucro real. Mas não é o que ocorre, pois há um universo de empresas prestadoras de serviços sujeitas a tributação do IRPJ pelo lucro real, mantidas no regime cumulativo.  Há, pois flagrante de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade tributária horizontal em função do setor econômico, conforme artigos 150 II, c/c art. 195 parágrafo 12 da CRFB que ordena tratar igualmente os membros do mesmo setor econômico, pelos artigos 2º das leis 10.637.2002 e 10.833/2003 consiste em inconstitucionalidade no caso concreto das prestadoras de serviços, sem redução de texto, dessas leis que instituíram o regime não cumulativo e especialmente de suas alíquotas. É nessa linha de raciocínio que citamos mais uma vez o julgamento do Desembargador Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira na Apelação Cível n 2004.71.08.010633-8/RS (KOLB. 2010, p. 22): “O regime cumulativo, portanto, propicia tratamento desigual entre as empresas contribuinte, mas é importante notar que essa desigualdade só ocorria entre empresas de segmentos econômicos diferentes. Por exemplo: todas as empresas prestadoras de serviço de limpeza teriam cargas tributárias reais semelhantes, na medida em que todas trabalham quase só com insumos não tributados pelo PIS/COFINS. Para elas, a repercussão da cumulatividade é pouca ou nenhuma. Por outro lado, todas as empresas industriais do setor moveleiro, por exemplo, teriam carga tributária equivalente, porque obrigadas, todas a adquirir um conjunto de insumos tributados por aquelas contribuições. As diferenças de carga tributária entre empresas do mesmo ramo negocial decorreria predominantemente do seu próprio faturamento, não da cumulatividade do tributo. O regime cumulativo, como adota não provoca desigualdade setoriais.[…] No entanto o legislador optou por dois regimes de tributação, o cumulativo e não cumulativo. Ao fazer tal opção, haveria de adotar um critério razoável de discrímen para determinar quais empresas passariam para o regime não-cumulativo, quais permaneceriam no cumulativo”. O Desembargador Antônio Albino Ramos de Oliveira (KOLB. 2010, p. 22) interpreta assim que o único critério de comparação resultante da natureza dos regimes cumulativos e não cumulativos é o critério do setor da atividade econômica, constante expressamente do citado artigo 195, parágrafo 12 da CRFB, conforme a conclusão do seu voto:  “O parágrafo 12 do artigo 195 da Constituição, acrescentado pela EC 42 de 19/12/2003, tem estabelecido: a lei definirá os setores de atividade econômica para as quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b e IV do caput, serão cumulativa. Repare-se que o critério de discrimen preconizado pela norma constitucional é o caráter da atividade econômica e, de conformidade com a própria lógica do sistema os setores de atividade econômica que deveriam ficar no regime não cumulativo seriam, necessariamente, aqueles que gerassem créditos compensáveis, porque disso é que se cuida quando fala de cumulatividade e não cumulatividade”. Não se vislumbra óbice a essa conclusão nas disposições das leis 10.637/02 e 10.833/03 que excluem do regime não cumulativo as empresas que pagam o imposto de renda pelo lucro presumido ou arbitrado (art. 8º, II, Lei 10.637/02; art. 10, II, Lei 8.033/03). Estando sujeita a regime tributário do lucro real, pelo argumento a “contrario sensu” da Receita Federal ficaria sujeita ao sistema não cumulativo do PIS e da COFINS. Trata-se, porém, de um falso argumento, em que o raciocínio a contrário é cabível. Como o setor da atividade econômica é o único critério constitucional autorizado de discriminação entre contribuintes sujeitos aos regimes cumulativos ou não cumulativos do PIS e COFINS e como o setor de prestadoras de serviço não sofre tributação indireta ao longo do processo empresarial pertencem ontologicamente ao regime cumulativo às alíquotas de 0,65% e 3%, não é outro o entendimento do Desembargador Leandro Paulsen, como relator do acórdão na Apelação Civel 2004.71.08.010633-8/RS:  “Assim, a prevalecer a interpretação a “contrario sensu”  da Receita Federal relativa ao art. 8, II, da Lei 10.637/02 e ao art. 10, II da Lei 10.833/2003, no sentido de que as pessoas jurídicas tributadas pelo Imposto de Renda com base no lucro real  estariam igualmente sujeitas ao regime não cumulativo das contribuições, tal regime de tributação do imposto de renda é um critério alheio e extravagante à questão da cumulatividade do PIS e da COFINS em razão do setor econômico( art. 195, parágrafo 13, CRFB) a denunciar o tratamento igual ( alíquotas de 1,65% e 7,6%- arts 2 das leis 10.637/2002 e 10.833/2003 de contribuintes desiguais ( prestadoras de serviço sem créditos fiscais significativos e empresas industriais e comerciais com com créditos fiscais) ( art. 150 II, da CRFB) Essa manifesta ofensa ao princípio da igualdade tributária vertical em função do setor econômico ( art., 150, II, c/c art 195, parágrafo 13 da CRFB_ que ordena tratar desigualmente os setores econômicos desiguais pelos arts 2 das leis 10.637/2001 e 10.833/2002, consiste em inconstitucionalidade no caso concreto das prestadoras de serviço, sem redução de texto dessas leis que instituíram regime não cumulativo e especialmente de suas alíquotas”. Em relação ao princípio da isonomia, um critério discriminador, em se tratando de normas tributárias, é a capacidade econômica, sendo universal o entendimento do princípio da capacidade contributiva, como norma de justiça, de forma que cada um deve contribuir de acordo com suas possibilidades financeiras, funcionando, assim, como um balizador para o poder arrecadatório do Estado. Desse modo, evitando arbitrariedades e restringindo a discricionariedade do Estado ao prescrever a tipicidade tributária, com base em hipótese normativa que expresse os signos presuntivos de riqueza tributável, do qual decorre o dever fundamental de pagar de tributos, a fim de contribuir para receita necessária à manutenção do Estado Democrático de Direito. Assim sendo, como uma garantia constitucional do contribuinte, o legislador deve observar o princípio da capacidade contributiva, como corolário da isonomia ao descrever a hipótese de incidência tributária, considerando ainda que a capacidade contributiva deve ser a do momento de incidência do tributo, efetiva, atual e real.  Na proteção do princípio da igualdade, a comparação se dá entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, mas não idêntica. Como ensina o renomado jurista alemão Klaus TipKe, citado por Douglas Yamashita (apud DUTRA. 2010, p. 43), “[…] o critério de comparação deixa de ser arbitrário apenas quando resulta da natureza das coisas comparadas”.  Ao conceituar capacidade contributiva, a professora Micaela Dutra (Op. Cit., p. 113-115 apud DUTRA. 2010, p. 40) cita a lição de José Marcos Domingues de Oliveira em assim assevera:  “[…] a capacidade contributiva, no seu aspecto objetivo, compreende a existência de uma riqueza apta a ser tributada, como um pressuposto da tributação, ao passo que no aspecto subjetivo ou relativo a parcela dessa riqueza será objeto da tributação em face de condições individuais, funcionando como critério de graduação e limite do tributo”. Hugo de Brito (DUTRA. 2010, p. 41) ao mencionar a medida da capacidade contributiva lembra que: “[…] a primeira vista pode parecer que ela deva ser dimensionada pela renda pessoal do contribuinte, mas não é tão simples, pois além do conceito de renda ser abstrato, o patrimônio e o consumo também são índices de capacidade contributiva que devem ser levados em consideração junto com a renda”. A ideia mais generalizada é de que a capacidade contributiva deve ser medida pela renda monetária líquida, assim entendida a renda monetária, deduzida da quantia considerada como o mínimo indispensável à subsistência do contribuinte e família.  A capacidade contributiva é, pois norma auto executável, de eficácia plena e aplicabilidade imediata, consistindo em garantia e direito constitucional do cidadão, erigindo-se em cláusula pétrea. Dessa forma, o juiz deve considerar inconstitucional toda norma que deixe de observá-lo. Considerando que a tributação impacta diretamente os rumos da economia de um país, sendo desenhada em termos de escolha política dos agentes políticos competentes para estruturar seu sistema operacional, bem como que a ordem econômica requer a existência de várias empresas espalhadas por diversos setores da economia, mantendo a livre concorrência, elencada no artigo 170 inciso IV da Constituição da Republica Federativa do Brasil, se faz necessário garantir o mínimo vital das empresas a salvo da tributação. A interpretação da lei tributária na sua aplicação deve se dar em consonância com os princípios constitucionais tributários, sobretudo a capacidade contributiva, corolário da isonomia e mecanismo de justiça fiscal, da legalidade ou tipicidade tributária. Na exegese dos art. 8, II, da Lei 10.637/02 e do art. 10, II da Lei 10.833/2003 é necessário e fundamental determinar o campo de aplicação dessas normas. Destinam-se elas a regular a situação de empresas que, por sua natureza, poderiam estar no regime não cumulativo, ou seja, as empresas cujo processo de produção de bens ou serviços gera créditos de PIS/COFINS, passíveis de compensação. Este é o universo de aplicação do regime não cumulativo. Assim, a empresa que pertencer naturalmente a esse universo, a norma legal pode excluí-la, desde que haja fundamento razoável. Mas se ela não pertencer, a norma legal excludente não lhe diz respeito. Ou seja, antes de se aplicar a norma excludente, deve-se indagar se a empresa estaria no âmbito da regra includente. A própria lei arrola uma série de empresas – quase todas prestadoras de serviços – que não se sujeitam ao regime não cumulativo, ainda que recolham o imposto de renda com base no lucro real. Esse rol não é exaustivo, de modo que outras empresas, que não pertençam ontologicamente ao universo do regime não cumulativo, nele não entrarão, ainda que recolham o imposto de renda pelo regime do lucro real. Segundo, é necessário compreender a razão pela qual a lei exclui da tributação não cumulativa as empresas que recolhem o imposto de renda com base no lucro presumido ou arbitrado. O regime do IR sobre o lucro presumido é aplicado, em regra, às empresas de modesto porte econômico, e tem por fim, simplificar a administração tributária, tanto para o sujeito passivo, como para o Fisco. A mesma razão levou o legislador a excluí-las do regime não cumulativo do PIS/COFINS, cuja complexidade traria inconvenientes para o próprio contribuinte. No entanto, o contribuinte não está obrigado a permanecer no regime do lucro presumido; poderá optar pelo regime do lucro real e, com isso, também passar ao sistema do PIS/COFINS não cumulativo, se lhe for mais conveniente. O inverso não é verdadeiro: as empresas tributadas pelo Lucro Real não podem optar pelo regime do lucro presumido ou arbitrado. Se estiverem, automaticamente, vinculadas ao sistema não-cumulativo do PIS/COFINS, não teriam como dele sair, por mais que lhes fosse prejudicial. Por outro lado, a adoção do raciocínio a contrário sensu levará a situação de extremada quebra da isonomia. Empresas que são semelhantes estarão sujeitas ao regime cumulativo ou não cumulativo apenas em função de seu maior ou menor faturamento. Em se tratando de empresas prestadoras de serviços, com parcos créditos a compensar, evidente que essa diferença de tratamento será extremamente discriminatória. Isso, como bem afirmam os es citados, leva a distorções da livre-concorrência: as empresas beneficiadas por uma menor carga tributária terão vantagens competitivas sobre suas concorrentes mais duramente tributadas. Em síntese: a regra do inciso II do art. 8º da Lei 10.637/02, e do inciso II do art. 10 da Lei nº 10.833/03, é unidirecional: dela só se tira que as empresas, tributadas pelo imposto de renda pelo lucro presumido ou arbitrado, ficam no regime cumulativo; mas nada se tira quanto às tributadas pelo lucro real, cujo tratamento, quanto ao PIS/COFINS, dependerá de outras regras. A submissão de prestadoras de serviço ao regime não cumulativo do PIS e COFINS às alíquotas majoradas de 1,6% e 7,6% em decorrência de sua obrigatória sujeição à tributação do IRPJ com base no lucro real, viola o princípio da isonomia tributária previsto no art. 5º, caput e art. 150, II da CRFB. Ao discriminar contribuintes não segundo o setor da atividade econômica, mas de acordo com regime alheio de tributação pelo imposto de renda com base no lucro real, as leis 10.637/2002 e 10.833/2003 violam o princípio da legalidade qualificada pelo conteúdo, sendo inconstitucionais tais leis no caso concreto das prestadoras de serviço, ou em interpretação conforme a Carta da República que são inaplicáveis as prestadoras de serviço que se mantém obrigadas tão somente ao regime cumulativo. Por outro lado a submissão de algumas prestadoras de serviço ao regime não cumulativo às exorbitantes alíquotas de 1,65% e 7,6% e mantendo outras prestadoras de serviço ao regime cumulativo ás alíquotas de 0,65% e 3% dão um tratamento desigual a empresas em situações equivalente e certamente prejudica as condições das prestadoras de serviço. Portanto, o regime não cumulativo concorrerem com outras prestadoras de serviços de idênticos serviços, no regime cumulativo, na disputa por cada espaço no mercado violando assim o princípio da liberdade de concorrência, pois as empresas beneficiadas por uma menor carga tributária terão vantagens competitivas sobre suas concorrentes mais duramente tributadas. 5. Conclusão Por fim, questão apresentada no trabalho não é de constitucionalidade ou inconstitucionalidade das disposições legais questionadas, e sim de interpretação e integração do sistema normativo aplicável, que apresenta lacuna de regulamentação, colmatável pela via da redução teleológica. E, por essa linha de raciocínio podemos concluir que a sujeição obrigatória das prestadoras de serviços aos regimes não cumulativos do PIS e da COFINS, de alíquotas majoradas, pelo fato de optar pela tributação pelo lucro real implica ofensa aos princípios da capacidade contributiva, da isonomia, da razoabilidade e da livre concorrência.
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A decadência a e prescrição nos tributos sujeitos a lançamento por homologação
Resumo:O presente trabalho trata das controvérsias existentes na doutrina e na jurisprudência pátria envolvendo a aplicação dos institutos da prescrição e decadência nos tributos sujeitos a lançamento por homologação. Analisa, em um primeiro momento, a conceituação dos institutos de direito tributário necessários para a compreensão dos problemas expostos. Ato seguinte, através de uma análise pormenorizada, coloca em destaque as celeumas jurídicas acerca do início do prazo decadencial e prescricional nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, destacando a posição dos Tribunais Superiores e da doutrina.
Direito Tributário
1.Conceitos Inicialmente, traçaremos os conceitos de lançamento por homologação, decadência e prescrição. Vejamos: 1.1. Conceito de lançamento por homologação Referida espécie de lançamento também é conhecido como “auto-lançamento”, através do qual o contribuinte presta informações ao fisco, através de declarações como DCTF (Declaração de Débitos e Créditos Tributários Fiscais), DIPJ (Declaração de Informações econômicas fiscais da Pessoa Jurídica), DIRPF (Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física), entre outras. Uma vez prestadas  as informações, o contribuinte realiza o pagamento do montante informado na declaração, em seu respectivo vencimento, conforme legislação própria de cada tributo. Hodiernamente, a maioria dos tributos enquadram-se nesta categoria de lançamento, haja vista a facilidade e conveniência gerada ao fisco, que apenas aguarda as informações e pagamento. Cite-se como exemplo de tributos sujeitos a tal espécie de lançamento o ICMS, o IPI, o Imposto de Renda e o PIS. No que se refere a tal modalidade de lançamento, sempre ocorreu, seja na doutrina, seja na jurisprudência, infindável celeuma concernente à contagem e aplicabilidade dos institutos da decadência e prescrição, que veremos mais adiante. Este tipo de lançamento tem guarida na disposição legal do artigo 150 do CTN. Vejamos: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento. § 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito. § 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação. § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação”. Assim, no lançamento em questão, ocorre a apuração e o prévio recolhimento do tributo pelo devedor, sem qualquer intervenção prévia da autoridade administrativa. Uma vez efetivada a apuração do montante devido, pode o fisco homologar o que fora declarado, ficando o declarante (sujeito passivo) no aguardo desta ulterior homologação. Esta poderá ser expressa, mediante uma fiscalização através da qual o fisco certificará a legalidade e a exatidão das apurações e recolhimentos realizados.  No entanto, em não havendo esta fiscalização pessoal, há que se observar também o lapso temporal para sua realização (homologação tácita), que será de cinco anos dispostos no §4º do artigo 150 do CTN, com ressalvas de entendimentos contrários, pela aplicabilidade do inciso I do artigo 173 do mesmo código. 1.2. Conceitos de prescrição e decadência no Direito Tributário A prescrição e a decadência, no direito tributário, estão reguladas pelo Código Tributário Nacional, sendo que a noção de lançamento está intrinsecamente ligada com os institutos da prescrição e decadência. Influenciado pelas construções teóricas formuladas sobre a prescrição e decadência, o CTN fixou dois prazos, sendo o primeiro o lapso de tempo dentro do qual deve ser constituído o crédito tributário, mediante a consecução do lançamento, e o segundo, o período no qual o sujeito ativo, se não satisfeita a obrigação tributária, deve ajuizar a ação de cobrança.[1]O código teve por bem chamar de “decadência” o primeiro prazo, designando o segundo como “prescrição”. Assim sendo, esgotado o prazo dentro do qual o sujeito ativo deve lançar, diz-se que decaiu seu direito, que fora extinto pela decadência. Se em tempo oportuno o lançamento é feito, mas o sujeito ativo, à vista do inadimplemento do devedor, deixa transcorrer o lapso de tempo que tem para ajuizar a ação de cobrança, sem promovê-la, dá-se a prescrição da ação. Doutrinariamente, a decadência é conceituada como o perecimento do direito pelo não exercício dentro de determinado prazo. Além disso, não comporta suspensão nem interrupção, é irrenunciável e deve ser pronunciado de ofício. Já a prescrição é a perda do direito à ação pelo decurso de tempo. É um prazo para o exercício do direito em juízo, comportando suspensão e interrupção. Tendo em vista que a doutrina, ao tratar como ato válido para a constituição do crédito tributário apenas a autuação fiscal, temos como entendimento consolidado através da jurisprudência que, somente após inscrito o crédito tributário em dívida ativa e emitida a CDA (certidão de dívida ativa), tem-se aí um título executivo, dotado de certeza, liquidez e exigibilidade, e neste momento não mais se fala em decadência, passando a se computar a prescrição. Assim, constituído o crédito tributário, entramos na análise de eventual prescrição. Onde termina a primeira, começa imediatamente a segunda. 2. A decadência e a prescrição nos lançamentos por homologação Nos tributos que se sujeitam a lançamento por homologação, nascem e se desenvolvem as grandes divergências no que tange à aplicação das regras concernentes à decadência e prescrição. A princípio, nos deparamos com a discussão sobre o termo inicial para a contagem do lapso decadencial. O Código Tributário Nacional contem dois mandamentos jurídicos, expressos pelo §4º do artigo 150 e artigo 173, incisos I e II: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. § 1º … § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.” “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após cinco anos contados. I – do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II – da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.” Primeiramente, o inciso II do artigo 173 não traz grandes problemas, sendo de simples e fácil aplicação. Nos casos em que, feita a autuação e “constituído o crédito tributário”, o autuado venha a opor defesa administrativa ou buscar amparo jurisdicional, obtendo a anulação do lançamento anteriormente efetuado, por vício formal, terá o fisco, a  partir  da data desta decisão ou trânsito em julgado, o prazo de cinco anos, “retroativos”, para efetuar um novo lançamento. No entanto a grande discussão está presente entre o §4º do artigo 150 e o inciso I do artigo 173. O primeiro dispõe que o prazo para a homologação do crédito tributário será de cinco anos, a contar do fato gerador, e se decorrido este prazo sem manifestação expressa da Fazenda, considera-se homologado o crédito tributário e definitivamente extinto. Já o segundo, dispõe que o prazo para Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se em cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que poderia ter sido efetuado, ou seja, a partir de primeiro de janeiro do ano subsequente à ocorrência do fato gerador do tributo. A primeira vista, os dispositivos citados poderiam parecer tratar de coisas dispares, pois um deles falar em contagem de prazos para homologação e outro em prazo para constituição do crédito tributário. No entanto, os dois termos ocupam o mesmo espaço temporal. Veja-se, ainda, que no §4º do artigo 150, se decorridos cinco anos, ocorrerá a homologação tácita e com ela a extinção definitiva do crédito, o mesmo ocorrendo no artigo 173, onde decorridos cinco anos extingue-se o direito da Fazenda Pública constituir o crédito. Uma vez, prestadas informações pelo contribuinte através de declarações e efetuado o pagamento, fica o contribuinte aguardando a homologação pelo fisco, haja vista que, nesse mesmo período, se o fisco entender que as informações prestadas não condizem com a realidade, ao invés de homologá-la, acabará por promover um lançamento ex officio, ou seja, o autuará, assim constituindo o crédito tributário a que entende devido. Os Tribunais do país sempre aplicaram divergentes entendimentos, na grande maioria das vezes, com o intuito de favorecer (de forma correta) o jus imperi do poder público, aplicando-se o disposto no inciso I do artigo 173, ao invés do §4º do artigo 150. Note-se, que se estivermos falando de um tributo que teve seu fato gerador no mês de dezembro, pouco importa, iniciar sua contagem dali ou do primeiro dia de janeiro do ano seguinte, somente se diferenciando por alguns dias. No entanto, se pensarmos em um tributo cujo fato gerador tenha ocorrido em janeiro de 2001, e aplicarmos ao mesmo o disposto no §4º do artigo 150, o direito constitutivo decairia em fevereiro de 2006, ao passo que, se considerado o inciso I do artigo 173, somente decairia em 01 jan. 2007. Dessa forma, temos que o Estado passaria a ter não apenas cinco anos para homologar o lançamento, mas cinco anos e onze meses. Daí toda a discussão sobre o tema. Para melhor demonstrar as divergências de entendimentos jurisprudenciais veja-se esta decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida no Resp 784218: “TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. 1. No lançamento por homologação, o contribuinte, ou o responsável tributário, deve realizar o pagamento antecipado do tributo, antes de qualquer procedimento administrativo, ficando a extinção do crédito condicionada à futura homologação expressa ou tácita pela autoridade fiscal competente. Havendo pagamento antecipado, o fisco dispõe do prazo decadencial de cinco anos, a contar do fato gerador, para homologar o que foi pago ou lançar a diferença acaso existente (art. 150, § 4º do CTN). 2. Se não houve pagamento antecipado pelo contribuinte, não há o que homologar nem se pode falar em lançamento por homologação. Surge a figura do lançamento direto substitutivo, previsto no art. 149, V do CTN, cujo prazo decadencial rege-se pela regra geral do art. 173, I do CTN: cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o pagamento antecipado deveria ter sido realizado. 3. Em síntese, o prazo decadencial para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário será: a) de cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado, se o tributo sujeitar-se a lançamento direto ou por declaração (regra geral do art. 173, I do CTN); b) de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador no caso de lançamento por homologação em que há pagamento antecipado pelo contribuinte (aplicação do art. 150, § 4º do CTN) e c) de cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o pagamento antecipado deveria ter sido realizado nos casos de tributo sujeito à homologação sem que nenhum pagamento tenha sido realizado pelo sujeito passivo, oportunidade em que surgirá a figura do lançamento direto substitutivo do lançamento por homologação. 4. Na hipótese, houve pagamento antecipado e pretende o fisco cobrar diferenças relacionadas à apuração a menor realizada pelo contribuinte. Aplicando-se a regra do art. 150, § 4º, do CTN, deve ser reconhecida a decadência do direito de lançar tributos cujo fato gerador tenha ocorrido em momento anterior aos cinco anos que antecedem a notificação do auto de infração ou da nota de lançamento. 5. Recurso especial provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Humberto Martins, Eliana Calmon e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. [2]  (grifei) Ainda, segundo entendimento de Luciano Amaro: “Uma observação preliminar que deve ser feita consiste em que, quando não se efetua o pagamento “antecipado” exigido pela lei, não há possibilidade de lançamento por homologação, pois simplesmente não há o que homologar; a homologação não pode operar no vazio. Tendo em vista que o art. 150 não regulou a hipótese, e o art. 149 diz apenas que cabe lançamento de ofício, enquanto, obviamente, não extinto o direito do fisco, o prazo a ser aplicado para a hipótese deve seguir a regra geral do art. 173, ou seja, cinco anos contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que (à vista da omissão do sujeito passivo) o lançamento de ofício poderia ser feito”[3] Como se pode observar, era entendimento do STJ que nos casos de tributos de lançamento por homologação, o termo inicial para contagem da decadência sofre alterações: Se o contribuinte prestou informações ao fisco e pagou antecipadamente o tributo, no entanto venha posteriormente a autoridade administrativa entender que ocorreram diferenças, aplicar-se-á o termo inicial disposto no artigo 150, §4º, ou seja, a data do fato gerador. Se prestadas, entretanto, as informações e não pago o tributo, vem entendendo a jurisprudência majoritária, pela aplicabilidade do inciso I do artigo 173 (primeiro dia do exercício seguinte), ao invés do §4º do artigo 150 do CTN. Entretanto, quando prestadas as informações ao fisco e pago parcialmente o tributo, fica ao bel prazer do entendimento do julgador, que ora entende que o termo inicial é a ocorrência do fato gerador e ora entende ser, o primeiro dia do exercício seguinte, ou seja, primeiro de janeiro do ano seguinte ao da ocorrência do fato gerador. De se ressaltar que tal celeuma jurisprudencial perdurou até o julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 973.733 – SC, que analisaremos com mais vagar linhas adiante. Entretanto, desde já adiantamos que tal RECURSO ESPECIAL colocou uma pá de cal no que se refere ao termo inicial da decadência. O que podemos afirmar, é que há quase um consenso acerca do acerto do STJ na sua interpretação, quando ocorre o pagamento integral do tributo. A grande discussão surge quando o devedor declara o tributo e nada paga. Para o caso, há três interpretações divergentes: a) Para a primeira, aplicar-se-ia exclusivamente o art. 173, I do CTN, pois sem pagamento, não há nada para homologar, pois faltaria objeto ao lançamento por homologação. Aplica-se no caso a súmula 219 do TFR; b) Para outra corrente de pensamento, deveria ocorrer a cumulação na aplicação dos arts. 150, §4º e 173, I do CTN. O dies a quo do prazo do art. 173 é o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do art. 150, §4º, do CTN.[4] c) Para esta, defendida por Hugo de Brito Machado Segundo, citado por Eduardo Sabbag[5], aplica-se exclusivamente o art. 150, §4º do CTN. O fundamento seria o de que a atividade de homologação está ligada à apuração desenvolvida pelo contribuinte, e não ao pagamento propriamente dito. Homologa-se a atividade que motivou o pagamento, e não o pagamento. Tal raciocínio teria fortes implicações no cálculo da decadência. A primeira corrente provém do entendimento mais recente do STJ, que prevê apenas a aplicação do art. 173, I, do CTN quando não ocorre o pagamento. Tal entendimento veio se desenvolvendo em referido tribunal, até o julgamento do REsp 973.733, que solidificou o pensamento. Vejamos, como exemplo, um julgamento publicado em 2008, ano em que ainda não havia consenso sobre o tema: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL DE CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO. QÜINQÜENAL. 1. A ausência de debate, na instância recorrida, sobre os dispositivos legais cuja violação se alega no recurso especial atrai, por analogia, a incidência da Súmula 282 do STF. 2. Tratando-se de tributo sujeito a lançamento por homologação, mas ausente a antecipação do pagamento, ainda que parcial, há de se aplicar a norma prevista no art. 173, I, do CTN, contando-se o prazo qüinqüenal a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao daquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, não havendo que se falar em prazo decadencial de dez anos a contar do fato gerador. Precedentes. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido”.[6] Neste caso, em não havendo qualquer pagamento, o fisco teria cinco anos, contados do primeiro do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado para verificar a exatidão do lançamento. À época, tal entendimento, em que pese prevalente, ainda encontrava certa resistência no próprio STJ e nos Tribunais de Justiça dos Estados e TRFs. No entanto, em 18.05.2009, o recurso especial 973.733-SC foi submetido ao regime previsto no artigo 543-C, do CPC (recurso representativo de controvérsia), ficando sob a égide de julgamento da Primeira Seção. Vejamos o que foi decidido: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CONTRIBUIÇÃOPREVIDENCIÁRIA. INEXISTÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE O FISCO CONSTITUIR O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TERMO INICIAL.ARTIGO 173, I, DO CTN. APLICAÇÃO CUMULATIVA DOS PRAZOS PREVISTOS NOS ARTIGOS 150, § 4º, e 173, do CTN. IMPOSSIBILIDADE. 1. O prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício) conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a despeito da previsão legal, o mesmo inocorre, sem a constatação de dolo, fraude ou simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito (Precedentes da Primeira Seção: REsp 766.050/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 28.11.2007, DJ 25.02.2008; AgRg nos EREsp 216.758/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 22.03.2006, DJ 10.04.2006; e EREsp 276.142/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 13.12.2004, DJ 28.02.2005). 2. É que a decadência ou caducidade, no âmbito do Direito Tributário, importa no perecimento do direito potestativo de o Fisco constituir o crédito tributário pelo lançamento, e, consoante doutrina abalizada, encontra-se regulada por cinco regras jurídicas gerais e abstratas, entre as quais figura a regra da decadência do direito de lançar nos casos de tributos sujeitos ao lançamento de ofício, ou nos casos dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação em que o contribuinte não efetua o pagamento antecipado (Eurico Marcos Diniz de Santi, "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 163/210). 3. O dies a quo do prazo qüinqüenal da aludida regra decadencial rege-se pelo disposto no artigo 173, I, do CTN, sendo certo que o "primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado" corresponde, iniludivelmente, ao primeiro dia do exercício seguinte à ocorrência do fato imponível, ainda que se trate de tributos sujeitos a lançamento por homologação, revelando-se inadmissível a aplicação cumulativa/concorrente dos prazos previstos nos artigos 150, § 4º, e 173, do Codex Tributário, ante a configuração de desarrazoado prazo decadencial decenal (Alberto Xavier, "Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro", 3ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2005, págs. 91/104; Luciano Amaro, "Direito Tributário Brasileiro", 10ª ed., Ed. Saraiva, 2004, págs. 396/400; e Eurico Marcos Diniz de Santi, "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 183/199). 5. In casu, consoante assente na origem: (i) cuida-se de tributo sujeito a lançamento por homologação; (ii) a obrigação ex lege de pagamento antecipado das contribuições previdenciárias não restou adimplida pelo contribuinte, no que concerne aos fatos imponíveis ocorridos no período de janeiro de 1991 a dezembro de 1994; e (iii) a constituição dos créditos tributários respectivos deu-se em 26.03.2001. 6. Destarte, revelam-se caducos os créditos tributários executados, tendo em vista o decurso do prazo decadencial qüinqüenal para que o Fisco efetuasse o lançamento de ofício substitutivo. 7. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.[7]” Logo, pela regra do § 7º do art. 543-C do CPC: “Art. 543-C. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o recurso especial será processado nos termos deste artigo. (...) § 7º Publicado o acórdão do Superior Tribunal de Justiça, os recursos especiais sobrestados na origem: I – terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do Superior Tribunal de Justiça; ou II – serão novamente examinados pelo tribunal de origem na hipótese de o acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça. Dessa forma, todos os recursos envolvendo a mesma questão poderão ter seguimento denegado ou serão monocraticamente providos, de acordo com o decidido no REsp citado. Entretanto, oportuno ressaltar que, em que pese a solidificação junto ao STJ, para parte da doutrina, tal entendimento fora afetado pela edição da Súmula 436 do STJ, trazendo insegurança ao ordenamento, por haver orientações antagônicas dentro do próprio STJ. Prescreve a Súmula 436 do STJ: “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.” Explicando o teor de referida súmula, ensina Kiyoshi Arada: “Dessa forma, com o recebimento da GIA/DCTF ou outro documento equivalente, o fisco homologa tacitamente a atividade exercida pelo contribuinte, constituindo definitivamente o crédito tributário, sem necessidade de aguardar o decurso do prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador, como dispõe o § 4°, do art. 150, do CTN. Lembre-se que a constituição do crédito tributário é ato privativo do agente administrativo (art. 142 e art. 150, do CTN). Em outras palavras, com a entrega da GIA/DCTF ao fisco dá-se, ipso fato, a constituição definitiva do crédito tributário por homologação tácita. A primeira consequência do enunciado dessa Súmula é que a homologação tácita pelo fisco não extingue o crédito tributário, senão após o seu pagamento. Assim, surgem momentos distintos para a constituição do crédito tributário e para a sua extinção, inovando a doutrina vigorante e afastando-se dos textos do CTN. O que o CTN permite é a homologação expressa do fisco no ato do recebimento da declaração do contribuinte ou poucos dias após esse recebimento. A homologação tácita pressupõe decurso do prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador. Ao teor da Súmula em questão fica o contribuinte impossibilitado de promover a denúncia espontânea da infração (art. 138 do CTN), pois não será mais possível requerer a re-ratificação das informações prestadas seguida, se for o caso, do pagamento da eventual diferença, acrescida de juros e correção monetária. Considerando que a Súmula 436 do STF foi editada e publicada em 13-5-2010 segue-se que o decidido em caráter repetitivo no Resp. n° 573.733 em 2009 não mais prevalece. Entretanto, como vimos, o Pleno do CARF está aderindo, por maioria de votos, à tese esposada naquele Resp. n° 973.733, que se acha suplantada pela Súmula 436. A confusão é generalizada, gerando insegurança jurídica. Embora o CTN fixe o prazo decadencial de 5 anos aplicável a todos os tributos na forma da Súmula vinculante nº 8 do STF, já tivemos o prazo de 5 anos, de 10 anos, de 6 anos e agora prazo zero. É muita oscilação considerando que o textos do CTN que regem a matéria em nada mudaram desde o seu advento. Tanto a tese dos 5 + 5, como a tese da aplicação do prazo do art. 173, I, do CTN, assim como a tese da constituição definitiva do crédito tributário pela entrega da declaração do contribuinte reconhecendo o débito é fruto do ativismo judicial que está se acentuando cada vez mais, nem sempre para suprir a omissão do legislador, mas para “legislar” em sentido diverso. Só a vontade imparcial da lei estável, certa ou errada, pode propiciar segurança jurídica aos contribuintes.”[8] Vemos que a edição de referida Súmula trouxe mais uma celeuma, pois pacificou entendimento de que o crédito tributário passa a ser constituído no momento da entrega da declaração. A Súmula baseou-se em votações do STJ relacionadas com o tema, sobretudo referentes à discussão do momento em que uma empresa poderia ser considerada em débito com o fisco e o prazo de prescrição para ajuizamento da ação de cobrança. O entendimento da Súmula parte do entendimento de que, se tratando de crédito tributário originado de informações do contribuinte, sua constituição definitiva deve ser considerada no momento da apresentação do documento ao fisco. Em resumo, o entendimento da Súmula acaba com o prazo decadencial, relegando toda discussão para a análise da prescrição. Além disso, usurpa competência cabente ao Fisco, na medida em que toma como “lançamento” ato realizado pelo contribuinte. Antes mesmo da edição de referida Súmula, já havia no STJ entendimento neste sentido, no qual a decadência fora expressamente afastada. Vejamos: “PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – VIOLAÇÃO DO ART 535 DO CPC – INOCORRÊNCIA – PRESCRIÇÃO – TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO – DECLARAÇÃO – AUSÊNCIA – REGRA DE CONTAGEM DO PRAZO – TERMO INICIAL – VENCIMENTO. 1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem emite juízo de valor sobre as questões suscitadas em embargos de declaração. 2. A respeito do prazo para constituição do crédito tributário, esta Corte tem firmado que em regra segue-se o disposto no art. 173, I, do CTN, ou seja, o prazo decadencial é de cinco anos contados "do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado". 3. A apresentação de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF, de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA ou de outra declaração semelhante prevista em lei é modo de constituição do crédito tributário, dispensando-se outra providência por parte do fisco. Nessa hipótese, não há decadência em relação aos valores declarados, mas apenas prescrição do direito à cobrança, cujo termo inicial do prazo quinquenal é o dia útil seguinte ao do vencimento, quando se tornam exigíveis. Pode o fisco, desde então, inscrever o débito em dívida ativa e ajuizar a ação de execução fiscal do valor informado pelo contribuinte. Além disso, a declaração prestada nesses moldes inibe a expedição de certidão negativa do débito e o reconhecimento de denúncia espontânea. 4. Recurso especial não provido.”[9] A segunda corrente sobre o prazo inicial da decadência, é oriunda do antigo entendimento do STJ, o qual, a partir de 1995, passou a entender viável a cumulação de prazos entre os artigos 150 §4º e 173, I do CTN. Para tal entendimento, os dois artigos continham normatividade concorrente. Dessa forma, o prazo decadencial passou a encontrar lastro na intitulada tese dos “cinco mais cinco”, por meio da qual, o dies a quo do prazo do artigo 173 é o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do art. 150, §4º.[10] Para o STJ à época: “TRIBUTÁRIO – TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO -DECADÊNCIA – PRAZO. Estabelece o artigo 173, inciso I do CTN que o direito da Fazenda de constituir o crédito tributário extingue-se após 05 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento por homologação poderia ter sido efetuado. Se não houve pagamento, inexiste homologação tácita. Com o encerramento do prazo para homologação (05 anos), inicia-se o prazo para a constituição do crédito tributário. Conclui-se que, quando se tratar de tributos a serem constituídos por lançamento por homologação, inexistindo pagamento, tem o fisco o prazo de 10 anos, após a ocorrência do fato gerador, para constituir o crédito tributário.”[11] Segundo o STJ, assim, no lançamento por homologação, utilizava-se o art. 150, §4º do CTN, cujo prazo é o de 5 anos, a contar do fato gerador, cumulando-o, posteriormente, com o qüinqüênio a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado. Tal entendimento garantia ao fisco o prazo de 11 anos para efetivar o lançamento, contados da data do fato gerador. Ainda, o STJ, ao considerar o dies a quo como o dia em que se deu a perda do poder de lançar, deslocava para o infinito a ocorrência da decadência, dando-se ao tempo verbal “poderia” um “poder que já não possui”, deflagrador da circularidade em “looping”. Com efeito, o próprio STJ, reconhecendo a interpretação errônea da lei, no julgamento do RESP 923.805/SC asseverou: “3. Deveras, é assente na doutrina: "a aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173, o que conduz a adicionar o prazo do artigo 173 – cinco anos a contar do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido praticado – com o prazo do artigo 150, § 4º – que define o prazo em que o lançamento poderia ter sido praticado como de cinco anos contados da data da ocorrência do fato gerador. Desta adição resulta que o dies a quo do prazo do artigo 173 é, nesta interpretação, o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do artigo 150, § 4º. A solução é deplorável do ponto de vista dos direitos do cidadão porque mais que duplica o prazo decadencial de cinco anos, arraigado na tradição jurídica brasileira como o limite tolerável da insegurança jurídica. Ela é também juridicamente insustentável, pois as normas dos artigos 150, § 4º e 173 não são de aplicação cumulativa ou concorrente, antes são reciprocamente excludentes, tendo em vista a diversidade dos pressupostos da respectiva aplicação😮 art. 150, § 4º aplica-se exclusivamente aos tributos 'cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa'; o art. 173, ao revés, aplica-se aos tributos em que o lançamento, em princípio, antecede o pagamento.(…) A ilogicidade da tese jurisprudencial no sentido da aplicação concorrente dos artigos 150, § 4º e 173 resulta ainda evidente da circunstância de o § 4º do art. 150 determinar que considera-se 'definitivamente extinto o crédito' no término do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador. Qual seria pois o sentido de acrescer a este prazo um novo prazo de decadência do direito de lançar quando o lançamento já não poderá ser efetuado em razão de já se encontrar 'definitivamente extinto o crédito'? Verificada a morte do crédito no final do primeiro quinquênio, só por milagre poderia ocorrer sua ressurreição no segundo." (Alberto Xavier, Do Lançamento. Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo Tributário, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1998, 2ª Edição, págs. 92 a 94). 5. Desta sorte, como o lançamento direto (artigo 149, do CTN) poderia ter sido efetivado desde a ocorrência do fato gerador, é do primeiro dia do exercício financeiro seguinte ao nascimento da obrigação tributária que se conta o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário, na hipótese, entre outras, da não ocorrência do pagamento antecipado de tributo sujeito a lançamento por homologação, independentemente da data extintiva do direito potestativo do o Estado rever e homologar o ato de formalização do crédito tributário efetuado pelo contribuinte.[12] No que se refere ao terceiro posicionamento, entende parte da doutrina que se aplica o art. 150 do CTN mesmo no caso de ausência de pagamento antecipado, como relatamos acima. É a tese defendida, por exemplo, por Hugo de Brito Machado Segundo e seu pai Hugo de Brito Machado. Ensina o segundo: “Em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de decadência começa da data do fato gerador respectivo. Lançar, neste caso, é simplesmente homologar a apuração que tenha sido feita pelo contribuinte, com base na qual foi antecipado o respectivo pagamento. Se não ocorreu o pagamento antecipado, mas o contribuinte prestou à autoridade a informação quanto ao montante do tributo devido, pode esta, no mesmo prazo, fazer a homologação expressa e determinar a inscrição do crédito tributário como Dívida Ativa. Se não o faz, o direito de lançar estará extinto pela decadência, nos termos do art. 150, §4º do Código Tributário Nacional.”[13] No concernente à prescrição nos lançamentos por homologação, temos que, uma vez efetuado o pagamento, sendo este suficiente e correto, ocorrerá a homologação tácita ou expressa, extinguindo-se o crédito. Inexistindo o que cobrar, não haverá que se falar em prescrição. O mesmo se pode dizer daquele que devendo declarar e pagar, nada faz. Neste caso, não houve lançamento, falando-se apenas em decadência. O problema referente à prescrição surge quando não há pagamento correspondente ao valor corretamente declarado. Neste caso, o STF e o STJ tem entendido que a constituição definitiva do débito, para fins de prescrição, ocorrerá no momento da entrega da declaração. Neste caso, o prazo de 5 anos de prescrição, previsto no art. 174 do CTN, inicia-se da data do vencimento da dívida, constante de declaração. No espaço temporal entre a data da entrega da declaração e o vencimento, não corre prazo de prescrição, consoante decidido no Resp 658.138/PR. Entende-se, neste caso, que o contribuinte declarou por conta própria o débito fiscal por ele reconhecido, por meio de procedimento não impositivo, o que à semelhança de um lançamento, dota-o de exigibilidade, tendo o condão de constituir o crédito. Em verdade, ele se “autonotifica” com a entrega da declaração, não havendo decadência. Neste sentido, decidiu o STJ no julgamento do Resp nº 764859/PR: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL. LANÇAMENTO. DCTF. DÉBITO DECLARADO E NÃO PAGO. AUTO-LANÇAMENTO. PRESCRIÇÃO. SUSPENSÃO. DESPACHO CITATÓRIO. ART. 8º, § 2º, DA LEI Nº 6830/80. ART. 219, § 4º, DO CPC. ART. 174, DO CTN. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. PRECEDENTES. 1. Agravo regimental contra decisão que desproveu agravo deinstrumento. 2. Acórdão a quo segundo o qual: “… 2. Nos casos em que o contribuinte comunica a existência de obrigação tributária, como na DCTF e na GFIP, o crédito fiscal é exigível a partir da data do vencimento, podendo ser inscrito em dívida ativa e cobrado em execução, independentemente de qualquer procedimento administrativo. 3. Considerando-se constituído o crédito tributário a partir do momento da declaração realizada (ou da data da vencimento, quando posterior), não há mais falar em prazo decadencial, incidindo a prescrição nos termos em que delineados no artigo 174, do CTN. 4.Decorridos mais de cinco anos entre a data da entrega da declaração e a citação do Executado, correto o reconhecimento da prescrição do crédito tributário. 5. A regra do art. 2º, §3º, da Lei n. 6.830/80, que determina a suspensão do prazo prescricional pela inscrição do débito em dívida ativa, resta afastada pelo art. 174 do Código Tributário Nacional, norma de hierarquia superior. 6. O art. 8º, § 2º, da LEF deve ser interpretado em harmonia com os dispositivos do Código Tributário Nacional”. 3. “O prazo prescricional da execução fiscal é de cinco anos, contados do lançamento do débito tributário. Inscrito o crédito em dívida ativa e não promovido o executivo fiscal dentro no prazo suspensivo de 180 dias, o qüinqüênio é contado computando-se o tempo transcorrido antes da inscrição, por tratar-se de suspensão e não interrupção do prazo” (REsp nº 146480/RS, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ de 21/08/2000). 4. O art. 40 da Lei nº 6.830/80, nos termos em que foi admitido no ordenamento jurídico, não tem prevalência. A sua aplicação há de sofrer os limites impostos pelo art. 174 do CTN. Repugnam os princípios informadores do nosso sistema tributário a prescrição indefinida. Após o decurso de determinado tempo sem promoção da parte interessada, deve-se estabilizar o conflito, pela via da prescrição, impondo-se segurança jurídica aos litigantes. Os casos de interrupção do prazo prescricional estão previstos no art. 174 do CTN, nele não incluídos os do art. 40 da Lei nº 6.830/80. Há de ser sempre lembrado de que o art. 174 do CTN tem natureza de Lei Complementar. 5. A mera prolação do despacho que ordena a citação do executado não produz, por si só, o efeito de interromper a prescrição, impondo-se a interpretação sistemática do art. 8º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, em combinação com o art. 219, § 4º, do CPC e com o art. 174 e seu parágrafo único do CTN. Precedentes desta Corte e do colendo STF. 6. “Considerando-se constituído o crédito tributário a partir do momento da declaração realizada, mediante a entrega da Declaração de Contribuições de Tributos Federais (DCTF), não há cogitar-se da incidência do instituto da decadência, que retrata o prazo destinado à 'constituição do crédito tributário', in casu, constituído pela DCTF aceita pelo Fisco. Destarte, não sendo o caso de homologação tácita, não se opera a incidência do instituto da decadência (artigo 150, § 4º, do CTN), incidindo a prescrição nos termos em que delineados no artigo 174, do CTN, vale dizer: no qüinqüênio subseqüente à constituição do  crédito tributário, que,  in casu, tem seu termo inicial contado a partir do momento da declaração realizada mediante a entrega da DCTF” (REsp nº 389089/RS, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 16/12/2002). 7. “A constituição definitiva do crédito tributário ocorre com o lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo. Em se tratando de débito declarado pelo próprio contribuinte e não pago, não tem lugar a homologação formal, sendo o mesmo exigível independentemente de notificação prévia ou instauração de procedimento administrativo.”(REsp nº 297885/SC, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 11/06/2001). 8. Nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, a declaração do contribuinte por meio da Declaração de Contribuições e Tributos Federais – DCTF – elide a necessidade da constituição formal do débito pelo Fisco. Há de se extinguir a execução fiscal se os débitos declarados e não pagos , através da DCTF, estão atingidos pela prescrição. 9. Precedentes desta Corte superior. 10. Agravo regimental não-provido.”[14] Entretanto, tal entendimento encontra vozes renitentes na doutrina, que entendem que se deve guardar certas restrições, pois caso contrário, estaríamos suprimindo a existência da decadência, e mais ainda, afrontando o Código Tributário Nacional, mais precisamente, seu art. 142, o qual determina que compete privativamente a autoridade administrativa constituir o crédito tributário.  Neste sentido: “TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – IMPOSTO DE RENDA – PRESCRIÇÃO – NÃO-OCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DO DÉBITO DECLARADO – INSCRIÇÃO NA DÍVIDA ATIVA – CITAÇÃO – TR E SELIC – NULIDADE DA TDA – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-DEMONSTRADA. 1. Em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, a fixação do termo a quo do prazo decadencial para a constituição do crédito deve considerar, em conjunto, os artigos 150, § 4º, e 173, inciso I, do Código Tributário Nacional. 2. In casu, o tributo restou declarado e não-pago, inserindo-se na hipótese de lançamento de ofício, pela qual o prazo de decadência passa a correr a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser realizado. (art. 173, inciso I, do CTN). 3. "Nas exações cujo lançamento se faz por homologação, havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CNT). Somente quando não há pagamento antecipado, ou há prova de fraude, dolo ou simulação é que se aplica o disposto no art. 173, I, do CTN". (Resp 183.603/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 13.8.2001). 4. Não havendo discordância da autoridade fazendária quanto ao valor declarado pelo contribuinte, o lançamento poderá ser feito com a inscrição do débito na dívida ativa, que constitui definitivamente o crédito e dá início à contagem do prazo prescricional de cinco anos, previsto no artigo 174 do CTN. 5. Na espécie, consoante consta do v. acórdão recorrido, a inscrição do débito na dívida ativa ocorreu em 24.7.1997, de modo que o ajuizamento da execução em 1.3.1999 não ultrapassou o qüinqüênio estabelecido pelo CTN para cobrança do crédito tributário pela Fazenda. Agravo regimental improvido. Acórdão – Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Eliana Calmon, João Otávio de Noronha e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator.” [15] (grifei) Neste julgado, entende o órgão colegiado, a existência do lapso decadencial e posteriormente o prescricional. Determinando a contagem inicial da prescrição após a efetiva constituição do crédito tributário e sua inscrição, não se falando no início do lustro prescricional a partir da entrega da declaração. Entretanto, observa-se que a decisão acata também a tese dos “cinco mais cinco” acima explicitada, a qual já se encontra defasada em relação ao atual entendimento do STJ. Conclusão Ante as ponderações lançadas neste trabalho, podemos concluir que a jurisprudência a doutrina sempre divergiram sobre a aplicação dos prazos de decadência e prescrição nos tributos sujeitos a lançamento por homologação. No que se refere à decadência, mais precisamente sobre o prazo inicial de sua contagem, prevalece que, uma vez declarado o tributo e pago, aplica-se ao caso o art. 150, parágrafo 4. do CTN, iniciando-se o prazo da ocorrência do fato gerador. Entretanto, caso declarado corretamente o tributo e não pago, surgem as posições divergentes, quais sejam: a)Para a primeira, tese prevalente no STJ, aplicar-se-ia exclusivamente o art. 173, I do CTN, pois sem pagamento, não há o que homologar, faltando objeto ao lançamento por homologação. b) Para outra, deveria ocorrer a cumulação na aplicação dos arts. 150, §4º e 173, I do CTN. O dies a quo do prazo do art. 173 é o primeiro dia do exercício seguinte ao do dies ad quem do prazo do art. 150, §4º, do CTN. É a tese defendida pelo Fisco, por lhe ser mais benéfica, criando a regra do “cinco mais cinco”. c) Já a última, defendida, dentre outros, por Hugo de Brito Machado Segundo, aplica-se exclusivamente o art. 150, §4º do CTN. O fundamento seria o de que a atividade de homologação está ligada à apuração desenvolvida pelo contribuinte, e não ao pagamento propriamente dito. Homologa-se a atividade que motivou o pagamento, e não o pagamento. Tal raciocínio teria fortes implicações no cálculo da decadência. No referente à prescrição, não há maiores problemas quando o contribuinte declara o tributo corretamente e o paga, haja vista que o débito extingue-se. Também não maiores suscitações quando o contribuinte nada declara e nada paga, pois, neste caso, não houve lançamento, falando-se apenas em decadência. O problema referente à prescrição surge quando não há pagamento correspondente ao valor corretamente declarado. Neste caso, o STF e o STJ tem entendido que a constituição definitiva do débito, para fins de prescrição, ocorrerá no momento da entrega da declaração. Neste caso, o prazo de 5 anos de prescrição, previsto no art. 174 do CTN, inicia-se da data do vencimento da dívida, constante de declaração. Entretanto, tal entendimento encontra divergências na doutrina. Entendem alguns, que se deve guardar certas restrições, pois caso contrário, estaríamos suprimindo a existência da decadência, e mais ainda, afrontando o Código Tributário Nacional, mais precisamente, seu art. 142, o qual determina que compete privativamente a autoridade administrativa constituir o crédito tributário.
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Desoneração da folha e oneração do tributo
Trata-se de artigo sobre a polêmica estabelecida pela instituição do regime de desoneração da folha de salários, no qual o efeito pretendido pela norma jurídico-tributária vem cumprindo o efeito contrário a razão de sua instituição, ou seja, onerar. Assim, o que se pretende mostrar são as reais consequências econômicas e sociais trazidas por este novo regime de recolhimento previdenciário, bem como os argumentos jurídicos que podem combater esta exação.
Direito Tributário
Introdução O regime da desoneração da folha de pagamento, um dos pilares defendido abertamente pelo Ministro da Fazenda, Guido Mantega, para o aumento dos investimentos e, consequentemente, dos estímulos econômicos, tem realmente cumprido com os seus objetivos? Esbarrando nas diferentes realidades e características das atividades empresariais, o novo regime de apuração da contribuição previdenciária tem trazido resultados díspares. 1. Prólogo legislativo. O regime da desoneração da folha de salários foi introduzido inicialmente no ordenamento jurídico pela Medida Provisória n. 540, de 3 de agosto de 2011, e convertida na Lei 12.546, de 14 de dezembro de 2011. Esse novo diploma legal trouxe a substituição da contribuição previdenciária patronal de 20% incidente sobre a remuneração paga aos segurados empregados, avulsos e contribuintes individuais (artigo 22, I e II, da Lei 8.212, de 24 de julho de 1991), pela contribuição incidente sobre receita bruta auferida pelas empresas de determinados ramos de atividade, identificadas simplesmente pelo código CNAE. Dessa forma, muito se vem debatendo a respeito da legalidade e constitucionalidade da nova base de cálculo e alíquotas instituídas para a contribuição previdenciária a cargo das empresas, atualmente, denominada contribuição previdenciária sobre a receita bruta ou CPRB. 2. Síntese da controvérsia – Desonerar para onerar. Trocar a famigerada alíquota de 20% por uma alíquota média de 2%, a princípio, revelou-se uma boa postura por parte do Governo Federal em termos de incentivo fiscal. Mas, como sempre, o barato está saindo caro. Muitas empresas, especialmente, àquelas do setor da construção civil e mercado varejista estão sentindo na pele o aumento da carga tributária em relação a esta contribuição. A alteração da simbólica base de calculo – folha de salários, por uma infinitamente maior – faturamento bruto, tem onerado demasiadamente esses setores, chegando ao dobro que vinham recolhendo sobre o mesmo tributo. Na construção civil, os cálculos chegam até o quíntuplo do valor que anteriormente se recolhia[1]. Fato é que este novo regime veio expressamente vinculado ao fomento da economia e à formalização das relações de trabalho, revelando seu caráter extrafiscal. Todavia, no campo prático, o resultado é totalmente contrário. E não poderia ser diferente, pois o Governo Federal insiste na fórmula paradoxal de estimular a economia e o aumento das contratações com o aumento da carga tributária. Assim, o que se vê é a utilização maquiada de uma contribuição com função extrafiscal para uma exclusiva função fiscal (arrecadatória), a qual não lhe é própria. Em sequência, sobreveio a Medida Provisória n. 610/2013, convertida na Lei 12.844/2013, e, conforme prometido pelo Ministro Guido Mantega, fez restabelecer seis ramos da construção civil, bem como introduzir outros ramos de atividade. Assim, fora esses aspectos extrínsecos ao tributo, de cunho social e econômico, existem muitos outros argumentos jurídicos que afastam a validade deste regime de tributação, tais como a violação à isonomia tributária, à capacidade contributiva, à proporcionalidade, à equidade no custeio da seguridade social, à livre concorrência, ao desvio de finalidade da lei, à ocorrência de bis in idem (identidade de base de cálculo e destinação constitucional da receita em relação à COFINS). No entanto, o Poder Judiciário Paulista vem se manifestando de modo conservador a respeito da matéria, afastando esses argumentos acima elencados, todos de cunho constitucional, sendo a maioria prevista de forma expressa na Constituição Federal. Mas por outro lado, também existe decisão exemplar por parte do Judiciário Mineiro, concedida em sede liminar e confirmada pelo TRF da 1ª Região, a qual envolve empresa da construção civil e obras de infraestrutura, que na apreciação dos mesmos argumentos refutados pela Justiça Federal de São Paulo, entendeu-se pelo afastamento dessa nova contribuição[2]. Vejamos este trecho: “Afiguram-se-se plausíveis, portanto, as alegações da impetrante voltadas para a ocorrência de ofensa à igualdade tributária e à livre concorrência, na medida em que, após as alterações introduzidas pela Lei 12.844/2013, tornou-se possível que duas pessoas jurídicas que atuem em um mesmo ramo de atividade empresarial/comercial, com faturamento absolutamente idêntico e folhas de pagamento igualmente idênticas, sejam tributadas de forma diferenciada, isso porque uma delas tem como atividade principal alguma daquelas enquadradas nos grupos de CNAE elencados no artigo 7º, enquanto a outra exerça essa mesma atividade em caráter secundário, não como atividade principal.” (grifo nosso). 3. Síntese conclusiva. Portanto, verifica-se que a questão atinente à constitucionalidade desta exação encontra-se indefinida no Poder Judiciário, mas com viés de ser reconhecida a sua inconstitucionalidade, ainda, que diante da aplicação da regra hermenêutica da interpretação conforme à Constituição (art. 28 da Lei 9.868/1999). Sendo assim, até que sobrevenha pronunciamento definitivo no STF, as empresas prejudicadas por este novo regime de tributação, e que se encontram obrigadas ao seu recolhimento, terão fortes e consistentes argumentos jurídicos para buscar o direito de permanecerem recolhendo sobre a folha de salários, assim como muitas outras empresas continuam fazendo.
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Fato gerador e hipótese de incidência tributação de atos jurídicos ilícitos
Artigo elaborado como requisito de avaliação no curso de especialização em Direito Público na instituição Anhanguera em parceira com a rede de ensino LFG. Abordagem sobre o tema com análise acerca da distinção entre os institutos jurídicos sob o enfoque normativo jurisprudencial e doutrinário. Inserção de discussões e decisões atuais sobre a temática.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO Será abordada a natureza jurídica do fato gerador e da hipótese de incidência no Direito Tributário, a distinção e/ou semelhanças entre ambos os institutos; e a existência ou não de tributação nas relações jurídicas ilícitas. 2. DESENVOLVIMENTO Deve-se esclarecer que fato gerador e hipótese de incidência são institutos do Direito Tributário que não se confundem. Apesar da discussão acadêmica existente a cerca de eventual identidade é pacifico esse entendimento na doutrina e jurisprudência. O fenômeno da incidência tributária é vislumbrado, em dois momentos, conforme se extrai da doutrina, a hipótese de incidência e o fato gerador. Hipótese de incidência é a previsão legal, abstrata e geral capaz de deflagrar àquele fenômeno. Este é o marco inicial do processo de tributação, ou seja, o primeiro requisito para que a Administração tenha legitimidade na exigibilidade de determinado tributo. Nas palavras de Eduardo Sabbag “a hipótese de incidência tributária representa o momento abstrato, previsto em lei, hábil a deflagrar a relação jurídico-tributária”. Fato gerador é a ocorrência no mundo concreto, a materialização da hipótese de incidência previamente prevista em lei. É assim considerado, o consequente da hipótese geral e abstrata, sendo a prática dele o momento do nascimento da obrigação tributária, hábil a produzir consequências no mundo jurídico. Eduardo Sabbag define fato gerador como sendo “a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede”. Para a configuração da relação jurídico-tributária deve o contribuinte praticar o fato gerador, ou seja, concretizar a hipótese de incidência. Desse modo é possível a tributação de atos jurídicos ilícitos desde que o contribuinte haja daquela forma. O sistema tributário brasileiro não se preocupa com a origem da riqueza arrecadada, se oriunda ou não de atividade contrária ao ordenamento jurídico vigente, de modo que, materializada a hipótese de incidência no mundo jurídico estará configurado o fato gerador, devendo ensejar normalmente a tributação conforme disposição legal, prevalecendo no sistema jurídico nacional o Princípio do pecúnia non olet (o dinheiro não tem cheiro). O legislador infraconstitucional previu expressamente a irrelevância da origem da renda tributável, determinado a abstração da natureza do objeto ou dos efeitos do fato gerador, assim elencado no art. 118 do CTN: “Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos”. A possibilidade de tributação de rendimentos auferidos ilicitamente também já foi enfrentada pela Suprema Corte do país, assim disposto no Informativo n. 637 do Colendo STF, referente a hipótese de tributação de renda oriunda do jogo do bicho, sendo este considerado um ilícito penal, conforme se extrai: “É possível a incidência de tributação sobre valores arrecadados em virtude de atividade ilícita, consoante o art. 118 do CTN […] o paciente fora condenado pelo crime previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137/1990 […] e sustentava a atipicidade de sua conduta, porque inexistiria obrigação tributária derivada da contravenção penal do jogo do bicho (Decreto-Lei 6.259/44, art. 58). O Min. Dias Toffoli, relator, assinalou que a definição legal do fato gerador deveria ser interpretada com abstração da validade jurídica da atividade efetivamente praticada, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos. Ressaltou que a possibilidade de tributação da renda obtida em razão de conduta ilícita consubstanciar-se-ia no princípio do non olet. […] seria contraditório o não-pagamento do imposto proveniente de ato ilegal, pois haveria locupletamento da própria torpeza em detrimento do interesse público da satisfação das necessidades coletivas, a qual se daria por meio da exação tributária”. Nesse sentido, é assegurada a observância dos princípios constitucionais da isonomia e da razoabilidade. Segundo o jurista Ricardo Lobo Torres: “Se o cidadão pratica atividades ilícitas com consistência econômica, deve pagar o tributo sobre o lucro obtido, para não ser agraciado com tratamento desigual frente às pessoas que sofrem a incidência tributária sobre os ganhos provenientes do trabalho honesto ou da propriedade legítima.” 3. CONCLUSÃO A hipótese de incidência e fato gerador são etapas distintas dentro do processo que deflagra a tributação. Sendo a primeira, prévia e abstrata, e a segunda, concreta e consequente. Basta que o sujeito pratique a hipótese de incidência, configurando o fato gerador para que a obrigação tributária exista, sendo irrelevante para o direito tributário a licitude ou não do ato praticado.
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Lançamento tributário
Seguindo os ensinamentos do Prof. Paulo de Barros Carvalho, o presente artigo visa esclarecer a natureza jurídica do lançamento tributário, se ato ou procedimento administrativo, bem como verificar quando o lançamento tributário pode ser revisto.
Direito Tributário
1. NATUREZA JURÍDICA DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO Conforme leciona o Il. Prof. Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito Tributário (fls. 370), “Lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento nos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido (termos esses últimos muitas vezes esquecidos pela doutrina). Adotando-se o conceito exposto, a classificação do lançamento em três espécies trazido pela doutrina majoritária (lançamento de ofício, lançamento por declaração e lançamento por homologação) perde sua correspondência com a realidade que pretende classificar. Sendo o lançamento um ato jurídico administrativo, na acepção material e formal, não há cogitar-se das vicissitudes que o precederem, principalmente porque não integram a composição intrínseca do ato. Os denominados lançamentos por homologação e por declaração são, na verdade, espécies de procedimentos que antecedem o lançamento. Sendo o lançamento o derradeiro ato da série de um procedimento com o escopo de formalizar o crédito tributário, temos que referidas “modalidades de lançamento” são, na verdade, singularidades procedimentais. O lançamento é, portanto, o ato administrativo que finda o procedimento realizado para efetivar referido lançamento. 2. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO Adotando-se a teoria majoritária das categorias de lançamento, a homologação seria a convalidação, por assim dizer, que a Administração Pública realiza quanto ao ato de constituição do crédito tributário praticado pelo contribuinte. Homologa-se tanto o pagamento quanto a norma individual e concreta criada pelo contribuinte. Porém, adotando-se a teoria de que o lançamento seria ato administrativo, homologa-se apenas o pagamento efetuado antecipadamente, visto que a norma individual e concreta somente surgirá após o lançamento efetuado pela Administração. A homologação poderá ser tácita, quando a Administração, após o pagamento realizado pelo contribuinte, não se manifesta no prazo decadencial, ou expressa, quando o agente administrativo edita um ato administrativo extinguindo a relação jurídica existente entre o contribuinte e a Administração. 3. REVISÃO DO LANÇAMENTO O entendimento atual da doutrina é de que apenas o erro de fato possibilitaria a revisão do lançamento. Porém, devemos também analisar os casos de erro de direito e de alteração do critério jurídico. Os conceitos de erro de direito e de alteração do critério jurídico não se confundem. Em que pese o entendimento atual da doutrina e da jurisprudência de que apenas o erro de fato possibilitaria a revisão do lançamento, verifica-se que o erro de direito também pode motivar a revisão do lançamento, pois ambos representam clara violação aos princípios da legalidade e da tipicidade. Na revisão do lançamento por erro de direito, tratando-se de erro que ocorre nas situações em que há incompatibilidade entre a regra-matriz de incidência e o relato da norma individual e concreta decorrente de sua aplicação, vedar a revisão do lançamento por erro de direito seria legitimar flagrantes violações às normas que regulam a formalização da exigência tributária, conforme expõe Marina Vieira de Figueiredo[1]. Trata-se de revisão de lançamento por erro de ato ou formalidade essencial – violação ao princípio da legalidade (art. 149, IX, CTN). Já quanto à alteração dos critérios jurídicos anteriormente adotados para efetuar o lançamento, temos não ser possível aplica-los retroativamente, conforme art. 146 do CTN, protegendo-se assim o ato jurídico perfeito e o direito adquirido. Ressalva-se, porém, quanto ao erro de direito, os casos de vício profundo, como por exemplo quando inexistir o motivo inscrito ou o sujeito passivo indicado for diferente daquele que deveria integrar a relação, casos em que o lançamento será nulo. Não se confundem, portanto, os casos de alteração do critério jurídico anteriormente adotado daqueles em que ocorrido erro de direito. 4. CONCLUSÃO Em breve síntese, verifica-se que o lançamento não se trata de procedimento, mas sim de um ato administrativo que finda esse procedimento. Outrossim, demonstramos como deve ser entendido o lançamento por homologação adotando a teoria aqui adotada e, ainda, pudemos verificar que o lançamento também pode ser revisto quando houver erro de direito, pois esse se diferencia da alteração de critérios jurídicos anteriormente adotados.
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Da não incidência de contribuições previdenciárias sobre verbas trabalhistas de natureza indenizatória e eventual. Violação ao teor do art. 195, I, “a”, CF/88, ao art. 22, I, Lei n° 8212/91 e ao art. 214, §9°, Decreto 3048/99. Aplicabilidade da súmula 213 STJ
Da não incidência de contribuição previdenciária sobre verbas trabalhistas de natureza indenizatória e eventual. Aviso prévio indenizado, 13 salário sobre aviso prévio indenizado, férias usufruídas e respectivo 1/3    constitucional, salário maternidade, salário paternidade, auxilio doença, auxilio acidente e adicional de horas extras. Violação ao teor do art. 195, i, “a”, cf/88, art. 22, i, lei n° 8212/91, art. 214, §9°, decreto 3048/99. Harmonia das decisões em face de julgamento de recurso representativo da  controvérsia. Caso hidrojet equipamentos hidráulicos. Declaração do direito a compensação por meio de mandado de segurança. Aplicabilidade da súmula 213 STJ. Precedentes do STJ, STF e TRF’s.
Direito Tributário
1. DA SEGURIDADE SOCIAL. DAS CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. NATUREZA JURÍDICA. DA NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS SOBRE VERBAS TRABALHISTAS DE NATUREZA INDENIZATÓRIA E EVENTUAL.  DA EXPRESSÃO “FOLHA DE SALÁRIOS”. VIOLAÇÃO AO TEOR DO ART. 195, I, “A”, CF/88, AO ART. 22, I, LEI N° 8212/91 E AO ART. 214, §9°, DECRETO 3048/99. Não obstante a preocupação do constituinte originário de 1988 em consolidar os direitos e garantias civis/políticos – ou na melhor concepção doutrinária, direitos fundamentais de 1° dimensão -, observa-se, igualmente, a introdução de regras e princípios que visam à promoção do denominado Estado do Bem Estar Social (Wellfare State) – direitos fundamentais de 2° dimensão -, especialmente na enumeração dos direitos sociais estampados no artigo 6°, CF/88, que destinam à redução das desigualdades sociais e regionais. Dentre eles está a seguridade social, composta pelo direito à saúde, pela assistência social e pela previdência social. Pela definição constitucional, a seguridade social compreende o direito à saúde, à assistência social e à previdência social, cada qual com disciplina constitucional e infraconstitucional. Na verdade, são normas de proteção social, com o fim de prover o mínimo necessário para a sobrevivência com dignidade (mínimo existencial), que se concretizam quando o indivíduo, acometido por doença, invalidez, desemprego, não tem condições de prover seu sustento próprio. Nesse diapasão, por meio dos instrumentos inseridos na constituição federal, dados por institutos componentes da seguridade social, garante-se o mínimo necessário à sobrevivência com dignidade, à efetividade do bem-estar e à redução das desigualdades, que conduzem à justiça social. É de se pensar que as mutações sociais e econômicas advindas do avanço tecnológico conduzem a novas situações ensejadoras de necessidades, fazendo com que a proteção social se adeque aos novos tempos. E, justamente com o entendimento trazido pelo artigo. 194[1], parágrafo único, CF, permitiu-se a expansão da proteção social, bem como o seu financiamento. Nessa linha, o sentido do Texto Maior não poderia ser outro senão a busca pela proteção social de todos, dentro dos parâmetros da seguridade social, que se consolida em razão do custeio e da necessidade. Nessa medida, quando o necessitado for segurado da previdência social, a proteção social será dada pela concessão do benefício previdenciário correspondente à restrição/necessidade em questão. Por outra banda, caso o necessitado não seja segurado de nenhum dos regimes previdenciários, desde que preenchidos os requisitos legais, terá direito à assistência social ou gozará do direito fundamental à saúde, previsto no artigo 196[2], CF. Dado que a seguridade social é categoria integrante do direito social, cujo atributo principal é a universalidade, todos os que vivem sob a égide da República Federativa do Brasil estão potencialmente protegidos pelo “manto” da seguridade social, impondo que todos usufruam do direito a determinada forma de proteção, independentemente de sua condição socioeconômica. É, pois, a seguridade social um instrumento concreto de aplicação do Bem-Estar e de Justiça Social, redutor das desigualdades sociais, que são acionados quando há carência de recursos financeiros no orçamento individual ou familiar. Pelo breve exposto, assevera-se que o direito subjetivo às prestações da seguridade social depende do preenchimento de requisitos específicos, sendo que para gozar do direito à proteção da previdência social é necessário ser segurado, isto é, contribuir para o custeio do sistema. Por outro lado, o direito subjetivo à saúde, como anteriormente dito, independe de contribuição para o custeio, adotando-se o mesmo raciocínio para as prestações de assistência social. Uma vez que a seguridade social assenta-se no tripé Previdência social, Assistência Social e direito à saúde, nota-se três tipos de relações jurídicas: relação jurídica de previdência social, relação jurídica de assistência social e relação jurídica de assistência à saúde. Nesse sentido, são sujeitos da relação jurídica de seguridade social: (i) sujeito ativo, correspondente ao particular quem dela necessitar, (ii) sujeito passivo, representado pelos poderes públicos (União, Estados e Municípios) e a sociedade como um todo. Da tripartição da seguridade social, apenas a relação jurídica previdenciária se aproxima da noção civilista de seguro[3], posto sua dependência ao pagamento de contribuições do segurado. É de se ressaltar, todavia, que não há exigência de um contrato, no aspecto jurídico-formal, mas sim, situações cuja cobertura sempre é determinada pela legislação infraconstitucional ou pela própria Constituição Federal. Destarte, o objeto da relação jurídica de seguridade social não é o risco, mas sim, a contingência produtora de uma necessidade, objeto da proteção, ou seja, a relação jurídica de seguridade social nasce após a ocorrência da contingência, para, então, reparar a necessidade advinda. Na verdade, as contingências são as regulares prestações de seguridade social, do qual são espécies os benefícios e serviços. Para tanto, o Estado, como sujeito de direitos e obrigações com seus subordinados, tendo em vista a transferência do exercício do poder soberano, adotará medidas compulsórias para a captação de recursos financeiros, que visam à promoção do desenvolvimento da sociedade como um todo. Nessa linha, imprescindível se faz a cobrança dos tributos, expressos no art. 3°[4], CTN, sendo os meios legítimos e imperativos – que não integram elementos volitivos – para o abastecimento dos cofres públicos, permitindo-se o desenvolvimento social do país. Nos termos do art. 5°[5], CTN, a classificação dos tributos abrange três espécies: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Todavia, deve-se ter reservas ao referido dispositivo, posto que impostos, taxas e contribuições de melhoria não são as únicas espécies tributárias existentes. O Texto Constitucional, no Capítulo I do Título VI, que trata do Sistema Tributário Nacional, revela outras duas espécies tributárias, quais sejam, os empréstimos compulsórias e as contribuições especiais (sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicas), nas linhas do art5. 145[6], CF/88. No caso em tela, trataremos especificamente da espécie tributária “contribuição social”, em sua modalidade previdenciária, elencada nas normas constitucionais, como meio de financiamento da seguridade social. Nessa toada, art. 195, CF/88, prevê que a seguridade social é financiada “por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do DF e dos Municípios”, e pelas contribuições sociais inseridas nos incs. I a IV. No tocante ao financiamento pela via direta, destacam-se o pagamento de contribuições sociais, igualmente articulados na legislação infraconstitucional, no art. 11[7], Lei n° 8212/91, em que, no âmbito federal o orçamento da seguridade social se dará por receitas das contribuições sociais, além de receitas da União – via indireta – e receitas de outras fontes. Para que se chegue à conclusão de que o Fisco Federal vem praticando ato ilegal, violando direito líquido e certo dos Contribuintes, necessário compreender a natureza jurídica e finalidade para a qual foi instituída a contribuição previdenciária, bem como a interpretação acerca do seu fato gerador. O art. 195[8], CF, enumera as contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social: (I) do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada; (II) do trabalhador e dos demais segurados da previdência social; (III) sobre a receita de concursos de prognósticos; (IV) e do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. Predomina na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que são tributos, mais especificamente contribuições sociais. De toda sorte, pode-se afirmar que as contribuições à seguridade social constituem um gênero, do qual as contribuições previdenciárias são espécie. Nesse sentido, as contribuições previdenciárias destinam-se ao custeio da previdência social, possuindo previsão legal no art. 195, I, a, II e III, CF. No que tange ao tratamento infraconstitucional dispensado às contribuições previdenciárias, a Lei n° 8212/91 (Plano de Custeio da Seguridade Social) estabeleceu o sujeito ativo, a base de cálculo e a alíquota, que se distingue conforme se trate da contribuição destinada ao custeio da seguridade social (gênero) ou da contribuição previdenciária (espécie). As contribuições previdenciárias eram instituídas pela União, mas arrecadadas e cobradas pelo INSS. As contribuições sociais para o financiamento da seguridade social que não fossem da espécie previdenciária tinham como sujeito ativo a União, que, por intermédio da Secretaria da Receita Federal, ficaria incumbida de arrecadar, fiscalizar, lançar e normatizar o recolhimento, nos termos do art. 33[9], caput, Lei 8212/91. Nessa linha, ocorria que as contribuições previdenciária do art. 11, parágrafo único, d e e, Lei 8212/91: as contribuições das empresas incidentes sobre o faturamento e o lucro, e as incidentes sobre a receitas dos concursos de prognósticos. Portanto, eis que o sujeito ativo das contribuições sociais era o INSS, autarquia federal, cuja criação se deu com a Lei 8.029/90, o qual possui competência para arrecadar as tais tributos. Entretanto, com a edição da Lei n° 11.457/07, tornou-se a União sujeito ativo de todas as contribuições sociais, através da Secretaria da Receita Federal do Brasil, órgão da Administração direta, subordinado ao Ministro de Estado da Fazenda, o que resultou na conjugação da Secretaria da Receita Federal com a Secretaria da Receita Previdenciária. Sendo assim, a partir de 2007 cabe à Secretaria da Receita Federal do Brasil, planejar, acompanhar e avaliar as atividades à tributação, fiscalização, arrecadação cobrança e recolhimento das contribuições sociais fixadas nas alíneas a, b, e c, parágrafo único do art. 11, Lei 8212/91. Mais adiante, com a introdução da Lei n° 11.941/09, o art. 33 da Lei 8212/91 dispôs que compete, hodiernamente, à Secretaria da Receita Federal do Brasil, a atividade de tributação das contribuições sociais e, em especial as previdenciárias. Conforme exposto alhures, o art. 195, I, CF prevê a contribuição do empregador, da empresa ou da entidade a ele equiparada. Na legislação ordinária tais tributos, estão inseridos no art. 22[10], I, III e IV, Lei 8212/91. Cada um destes incisos constitui uma modalidade de contribuição sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, mas que, na presente discussão, voltar-se-á para a discussão das contribuições previstas no inciso I. Em qualquer de suas modalidades, o fato gerador da contribuição previdenciária é dever, pagar ou creditar remuneração, a qualquer título, à pessoa física. Leia-se: o fato gerador não é o pagamento da remuneração, bastando que ela seja devida ao trabalhador. Nesse diapasão, tem-se a jurisprudência pátria do Supremo Tribunal de Justiça[11]: “TRIBUTÁRIO – PRAZO PARA RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS – 2° DIA ÚTIL APÓS O MÊS TRABALHADO. (…) 2. O aresto regional consignou que o fato gerador da contribuição em comento não é o efetivo pagamento dos salários, mas o fato de o empregador encontrar-se em débito para com seus empregados pelos serviços prestados, entendimento esse consentâneo com o assentado no STJ. Por conseguinte, o tributo deve ser recolhido à Autarquia Previdenciária até o segundo dia do mês subsequente ao mês laborado, conforme dispõe o art. 22, da Lei 8212/91”. No que se refere à base de cálculo da respectiva contribuição previdenciária, na redação original do inc. I, art. 195, CF, previa a incidência sobre a “folha de salários”, o que acabou acarretando uma incerteza acerca do conceito de salário. De um lado, havia a previsão da redação do inc. I, do art. 195, CF e, de outro, o §4°, do art. 201, em sua redação original, que utilizava os termos “salário” e “empregado”, dando porém a “salário” conceito por demais abrangente para fins de incidência da contribuição. Com efeito, entendia-se que a instituição de contribuição sobre remuneração que não se configura salário somente se daria por meio de edição de Lei complementar, nos termos do art. 195[12], §4°, CF e art. 154[13], I, CF. Todavia, com a modificação introduzida pela EC 20/98, a base de cálculo deixou de ser somente os “salários”, para abranger todos os rendimentos pagos ou creditados a qualquer título, acrescentado ao art. 201, §11, CF, para dispor que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”. Nesse passo, tem-se que após a EC 20/98 não há mais necessidade de lei complementar para a instituição da referente contribuição, que será regulada pelo art. 22, III, Lei 8212/91. De acordo com o posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal[14], a expressão “folha de salários” não é qualquer pagamento, devendo ser diferenciado da remuneração em geral. O STF em vários julgados já se manifestou no sentido de que a contribuição previdenciária só incide sobre o salário (espécie) e não sobre o total da remuneração (gênero) e expressamente exclui do seu âmbito de incidência as parcelas cuja natureza jurídica sejam indenizatórias e não habituais.  Em igual sentindo, o Ministro Marco Aurélio assentou entendimento[15] sobre a necessidade de se diferir o que realmente integra a expressão “folha de salários”, havendo a estrita necessidade de concordância com verbas trabalhistas de essência salarial, para fins de incidência da contribuição previdenciária. Portanto, afirma-se, categoricamente, que nem todas a verbas pagas a empregados ou demais pessoas a serviço do empregador, da empresa ou da entidade a ela equiparada são consideradas remuneração para fins de composição da base de cálculo da contribuição sobre a “folha de salários”. O art. 28, §9°, Lei 8212/91 expressamente indica as verbas que não integram o salário de contribuição do segurado e que não são consideradas remuneração para fins do cálculo da contribuição devida pela empresa, nos termos do art. 22, §2°, Lei 8212/91, destacando-se as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e o respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137[16], CLT; as recebidas a título da indenização; as recebidas a título de incentivo à demissão e as referentes ao abono de férias, consoante a redação do art. 143[17], 144[18], CLT. Muito embora o diploma legal traga hipóteses em que não se aplica a incidência de contribuições previdenciárias, outras verbas, ainda que não constantes no art. 28, §9º, Lei 8212/91 e art. 214, §9°, Dec. 3048/99, despontam nitidamente caráter não salarial, o que, para todos os efeitos, tornar-se-á ilícito qualquer ato do ente tributante no sentido de compelir os Contribuintes ao recolhimento do tributo. Por outro lado, a par do moderno entendimentos dos Tribunais Superiores e de juristas renomados, como Amauri Nascimento, Ives Gandra Martins, dentre outros, entende-se que as verbas que têm natureza indenizatória não integram a base de cálculo pois não estão abrangidas pela expressão “rendimentos do trabalho”. É, pois, questão de interpretação sistemática do preceito legal, traduzida no aforismo “Ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositivo” – “Onde há a mesma razão da lei, aí deve-se aplicar a mesma disposição legal.” Noutro giro verbal, toda e qualquer verba percebida em função de atividade laboral que não seja “pelo trabalho” realizado, há que estar resguardada do correlato gravame fiscal. Corroborando tais exclusões, senão adequações da base apuratória da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento dos empregadores, o entendimento uníssono dos Tribunais Superiores e da Doutrina nacionais reforçam que o Fisco Federal pratica ato manifestamente ilegal, compelindo os Contribuintes a recolherem contribuições previdenciárias sobre verbas de natureza não remuneratória, redundando em um locupletamento ilegítimo do Fisco com jactura da contribuinte requerente (Nemo potest lucupletari, jactura aliena). Eis o fundamento para a imediata cessação desta incidência e para o retroativo reconhecimento do direito à compensação em função do manifesto indébito fiscal. Nessa linha, consoante Amauri Mascaro Nascimento, não integram o salário as indenizações, visto que possuem finalidade estritamente reparatória de danos ou ressarcimento de gastos do empregado:  “Existem várias obrigações trabalhistas de natureza não salarial. A título exemplificativo enumere-se, dentre as obrigações não salariais, indenizações, ressarcimento de gastos para o exercício da atividade, diárias e ajuda de custos próprias, verbas de quilometragem e representação, participação nos lucros ou resultados desvinculada do salário, programas de alimentação e transporte, treinamento profissional, abono de férias não excedente de 20 dias, clubes de lazer, (…)”[19]. Por terem natureza jurídica indenizatória e/ou eventual, não se enquadrando no conceito de “folha de salário” stricto sensu, incabível o pagamento de contribuição previdenciária sobre as verbas trabalhistas em comento da obrigação tributária do art. 195, I, a, CF, bem como art. 22, I, Lei 8212/91, consoante as argumentações jurídicas que se seguem. No mais, imprescindível a observância ao princípio da reserva legal em matéria tributária, segundo o qual somente a lei em sentido estrito é apta à criação e majoração de tributos e, dependendo do conteúdo, somente a lei complementar será meio hábil para esta tarefa. Nota-se que a Constituição Federal descriminou os casos reservados a lei complementar, situações em que não poderá o legislador infraconstitucional regular a matéria por meio de lei ordinária, sob pena de vício de forma da norma jurídica. Dentre as hipóteses de veiculação da lei complementar, destaca-se o art. 195[20], §4°, onde cabe (exclusivamente) à lei complementar o exercício da competência tributária residual da União para instituição de novas fontes de custeio para a previdência social. Nesse sentido, ao se exigir o pagamento das contribuições previdenciárias, não sujeiras ao âmbito de incidência do art. 195, I, a, CF, estar-se-ia inovando em matéria tributária, vez que o fato gerador dessa exação não está adstrito ao conceito de salário definido pela Constituição e pela jurisprudência. Portanto, haverá de se falar em vício formal de constitucionalidade da contribuição social incidente sobre a folha de salários sobre as verbas trabalhistas abaixo aduzidas, em virtude da invasão da competência formal reservada à lei complementar. 1.1 – DO AVISO PRÉVIO INDENIZADO E DO 13° SALÁRIO PROPORCIONAL SOBRE AVISO PRÉVIO INDENIZADO. É cediço na doutrina que o aviso prévio possui a finalidade de comunicação à outra parte (empregado ou empregador) sobre a futura rescisão do pacto laboral, ou seja, vez que a relação de trabalho é regida pelo princípio da continuidade de emprego, faz-se necessário a realização de tal ato prévio, sobre a cessação da continuidade. Tal sistemática visa conceder previsibilidade tanto ao empregado quanto ao empregador, de que a relação de emprego será encerrada, conferido ao empregado tempo hábil para procura de outro posto de trabalho e ao empregador de reposição da outras fontes de mão-de-obra. O aviso prévio está regulado pelo art. 7°[21], XXI, CF e art. 487[22] e ss., CLT. Importante frisar que o art. 487, §1°, CLT, prevê expressamente que “a falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço”. Na verdade, é de se observar que a parcela referente ao aviso prévio, em sua modalidade indenizada, não possui natureza salarial, isto é, em razão de que não existe uma verdadeira contraprestação laboral, constitui-se uma indenização pela perda repentina e sem justo motivo do emprego. Por outra banda, o aviso prévio indenizado não se coaduna com o conceito de “rendimentos de qualquer natureza”, vez que não decorre de uma prestação de trabalho. Muito embora o Dec. n° 6727/09 tenha revogado o art. 214[23], §9°, V, do Dec. 3048/99, o qual acertadamente definia que o aviso prévio não compunha salário de contribuição, tal mecanismo legislativo não tem força de retirar a natureza indenizatória da rubrica em tela. De fato, evidente está a essência de reparação de dano, sem caráter de habitualidade, paga com a única finalidade de recompor o patrimônio do empregado demitido sem justa causa, ocasionando enriquecimento ilícito pela União e pagamento indevido pelo impetrante. Vindo ao encontro da tese ora argumentada, o STJ[24] segue a linha: “PREVIDENCIARIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIARIAS. FERIAS NÃO GOZADAS. I – As importâncias paga a empregados quando da resilição contratual, e por força dela, dizentes a aviso prévio, não tem color de salário por isso que se não há falar em contribuição previdenciárias. Precedentes. II – Recurso Provido.”. No mesmo sentido, outro julgado do STJ[25]: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. TRIBUTÁRIO CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DISCUSSÃO A RESPEITO DA INCIDÊNCIA OU NÃO SOBRE AS SEGUINTESVERBAS: TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS; SALÁRIO MATERNIDADE; SALÁRIO PATERNIDADE; AVISO PRÉVIO INDENIZADO; IMPORTÂNCIA PAGA NOS QUINZE DIAS QUE ANTECEDEM O AUXÍLIO DOENÇA. 1. Recurso especial de HIDRO JET EQUIPAMENTOS HIDRÁULICOS LTDA. (…). 2.2 Aviso prévio indenizado. A despeito da atual moldura legislativa (Lei 9.528/97 e Decreto 6.727/2009), as importâncias pagas a título de indenização, que não correspondam a serviços prestados nem a tempo à disposição do empregador, não ensejam a incidência de contribuição previdenciária. A CLT estabelece que, em se tratando de contrato de trabalho por prazo indeterminado, a parte que, sem justo motivo, quiser a sua rescisão, deverá comunicar a outra a sua intenção com a devida antecedência. Não concedido o aviso prévio pelo empregador, nasce para o empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração desse período no seu tempo de serviço (art. 487, § 1º, da CLT). Desse modo, o pagamento decorrente da falta de aviso prévio, isto é, o aviso prévio indenizado, visa a reparar o dano causado ao trabalhador que não fora alertado sobre a futura rescisão contratual com a antecedência mínima estipulada na Constituição Federal (atualmente regulamentada pela Lei 12.506/2011). Dessarte, não há como se conferir à referida verba o caráter remuneratório pretendido pela Fazenda Nacional, por não retribuir o trabalho, mas sim reparar um dano. Ressalte-se que, "se o aviso prévio é indenizado, no período que lhe corresponderia o empregado não presta trabalho algum, nem fica à disposição do empregador. Assim, por ser ela estranha à hipótese de incidência, é irrelevante a circunstância de não haver previsão legal de isenção em relação a tal verba" (REsp 1.221.665/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 23.2.2011). A corroborar a tese sobre a natureza indenizatória do aviso prévio indenizado, destacam-se, na doutrina, as lições de Maurício Godinho Delgado e Amauri Mascaro Nascimento. Precedentes: REsp 1.198.964/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 4.10.2010; REsp 1.213.133/SC, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 1º.12.2010; AgRg no REsp 1.205.593/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 4.2.2011; AgRg no REsp 1.218.883/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 22.2.2011; AgRg no REsp 1.220.119/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJe de 29.11.2011.” Além dos precedentes pacificados no STJ, o TRF1°[26] sempre se posicionou pela impossibilidade de incidência do referido tributo sob a parcela de aviso prévio indenizado, senão vejamos: “PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – 15 PRIMEIROS DIAS DE AFASTAMENTO POR MOTIVO DE DOENÇA – – AVISO PRÉVIO INDENIZADO – SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. PERTINÊNCIA – PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS.1. A diretriz jurisprudencial do eg. STJ consolidou-se no sentido de que a remuneração paga pelo empregador ao empregado durante os quinze primeiros dias que antecedem a concessão do auxílio-doença não tem natureza salarial, vez que tal verba não consubstancia contraprestação ao trabalho, revelando-se, por conseguinte, indevida a incidência de contribuição previdenciária. 2. Precedentes: RESP 768255/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 16/05/2006; AGA 200901940929 AGA – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – 1239115 Relator (a) HERMAN BENJAMIN Sigla do órgão STJ Órgão julgador SEGUNDA TURMA Fonte DJE DATA:30/03/2010; AGA 200901162804, AGA – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – 1209421 Relator (a) MAURO CAMPBELL MARQUES Sigla do órgão STJ Órgão julgador SEGUNDA TURMA Fonte DJE DATA:30/03/2010. 3. O aviso prévio é a notificação que uma das partes do contrato de trabalho faz á parte contrária, comunicando-lhe a intenção de rescindir o vínculo laboral, em data certa e determinada, observado o prazo determinado em lei. 4. O período em que o empregado efetivamente trabalha após ter dado ou recebido o aviso prévio é computado como tempo de serviço para efeitos de aposentadoria e remunerado de forma habitual, por meio de salário. Todavia, rescindido o contrato pelo empregador, com dispensa do trabalho inclusive, não há contraprestação de serviços. O pagamento do valor relativo ao salário correspondente ao período de aviso prévio decorre do disposto no art. 487, § 1º, da CLT, hipótese em que a importância recebida tem natureza indenizatória/compensatória. 5. O fato gerador e a base de cálculo da cota patronal da referida contribuição encontram-se previstos no art. 22 da Lei 8.212/91. Assim, "ausente previsão legal e constitucional para a incidência de contribuição previdenciária sobre importâncias de natureza indenizatória, da qual é exemplo o aviso prévio indenizado" (dispensado), "não caberia ao Poder Executivo, por meio de simples ato normativo de categoria secundária, forçar a integração de tais importâncias à base de cálculo da exação. A revogação da alíneafdo inciso V, § 9º, artigo 214, do Decreto nº 3.048/99, nos termos em que promovida pelo artigo 1º do Decreto 6.727/09, não tem o condão de autorizar a cobrança de contribuições previdenciárias calculadas sobre o valor do aviso prévio indenizado"(AI 20093000203908, Des. Federal Cotrim Guimarães, TRF3, Segunda Turma, 11/03/2010). 6. Precedentes jurisprudenciais dos cinco Tribunais Regionais Federais. Suspensão da exigibilidade do crédito previdenciário (CTN, art. 151): pertinência. 7. Agravo Regimental improvido.” Outrossim, partindo-se da premissa de que o acessório segue a sorte do principal, à parcela de 13° salário proporcional ao aviso prévio indenizado deve ser atribuída a mesma natureza jurídica, senão vejamos o entendimento do TRF 1° Região: “PREVIDENCIÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA PATRONAL – EMPREGADOS CELETISTAS – AVISO PRÉVIO INDENIZADO E SEU 13º PROPORCIONAL – ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE, PERICULOSIDADE, HORA EXTRA, NOTURNO E TRANSFERÊNCIA – PEDIDO DE COMPENSAÇÃO DAS VERBAS REFERENTES AO AVISO PRÉVIO INDENIZADO E SEU 13º PROPORCIONAL DESDE JANEIRO/2009. (…) 4. A T7/TRF1, em sua composição efetiva, fixou entendimento que a revogação pelo Decreto n. 6.727, de 12 JAN 2009, do disposto na alínea "f" do inciso V do § 9º do art. 214 do Decreto no 3.048, de 06 MAI 1999, que expressamente excetuava o aviso prévio com cumprimento dispensado do salário-contribuição não alterou a natureza indenizatória desse aviso prévio com cumprimento dispensado, permanecendo, ainda que não expressamente, excetuado do salário de contribuição. Mesmo entendimento é aplicado ao 13º proporcional ao aviso prévio indenizado. (…) (TRF1, AMS 0038344-07.2013.4.01.3500 / GO, Relator: JUIZ FEDERAL RAFAEL PAULO SOARES PINTO (CONV.), SÉTIMA TURMA, 31/10/2014 e-DJF1 P. 1274)” Portanto, depreende-se da jurisprudência moderna que as parcelas trabalhistas de aviso prévio indenizado e de décimo terceiro proporcional ao aviso prévio denotam verdadeira natureza não salarial, o que, por consequência, ocasiona a não incidência de contribuição previdenciária, mostrando-se ilícita a cobrança do referido tributo. 1.2 – DAS FÉRIAS USUFRUÍDAS E DO RESPECTIVO ADICIONAL CONSTITUCIONAL DE 1/3. Inicialmente, cabe explanar que as férias constituem um período de interrupção do contrato de trabalho, em que existe a obrigatoriedade do pagamento de remuneração e contagem do tempo de serviço. Ao trabalhador é concedido o direito ao gozo de férias após o cumprimento de seu período aquisitivo de 12 meses, visando sua recuperação física e mental, em decorrência da exposição ao cansaço no ambiente laboral. Ainda, a Constituição Federal determina que o pagamento da remuneração, durante o gozo das férias, será acrescido de gratificação compulsória, isto é, o empregado terá direito a um terço a mais na remuneração, nos termos do art. 7°[27], XVII, CF. Em que pese a análise sobre a incidência de contribuição previdenciária sobre as parcelas de férias usufruídas e do seu respectivo adicional constitucional, assevera-se que não há neste caso uma efetiva ou potencial contraprestação laboral vez que, durante o período de gozo de férias, o trabalhador não está a serviço (sobreaviso) do empregador, bem como não realiza qualquer atividade de caráter laboral a este. Destarte, não se cogita o recolhimento de contribuição previdenciária durante o período de férias dos trabalhadores, haja vista a falta do elemento contraprestação. Nesse sentido, consoante lição jurisprudencial já pacificada pelo STJ, considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração do Trabalhador, em especial as férias usufruídas e seu respectivo adicional constitucional, senão vejamos: “RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SALÁRIO-MATERNIDADE E FÉRIAS USUFRUÍDAS. AUSÊNCIA DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO EMPREGADO. NATUREZA JURÍDICA DA VERBA QUE NÃO PODE SER ALTERADA POR PRECEITO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE CARÁTER RETRIBUTIVO. AUSÊNCIA DE INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO DO TRABALHADOR. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARECER DO MPF PELO PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O SALÁRIO-MATERNIDADE E AS FÉRIAS USUFRUÍDAS.1.Conforme iterativa jurisprudência das Cortes Superiores, considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração do Trabalhador.5.O Pretório Excelso, quando do julgamento do AgRg no AI 727.958⁄MG, de relatoria do eminente Ministro EROS GRAU, DJe 27.02.2009, firmou o entendimento de que o terço constitucional de férias tem natureza indenizatória. O terço constitucional constitui verba acessória à remuneração de férias e também não se questiona que a prestação acessória segue a sorte das respectivas prestações principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional, de caráter acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal, pervertendo a regra áurea acima apontada.6.O preceito normativo não pode transmudar a natureza jurídica de uma verba. Tanto no salário-maternidade quanto nas férias usufruídas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo Trabalhador, razão pela qual, não há como entender que o pagamento de tais parcelas possuem caráter retributivo. Consequentemente, também não é devida a Contribuição Previdenciária sobre férias usufruídas.9.Recurso Especial provido para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias usufruídas.” (STJ – REsp 1322945/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/02/2013, DJe 08/03/2013). É perfeitamente plausível o argumento de que a hipótese de incidência da contribuição previdenciária é o pagamento de remunerações destinadas a retribuir o trabalho, seja pelos serviços prestados, seja pelo tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador. Nesse raciocínio, como nas férias usufruídas não há retribuição ao trabalho efetivo ou potencial, isto é, não subsiste o caráter retributivo, evidencia-se notória ofensa ao art. 22, I, Lei 8212/91 e ao art. 195, I, CF, sendo ilegítima a cobrança de contribuição previdenciária sobre esta parcela por parte da impetrada. Com o escopo de agregar maior força argumentativa e seguindo a linha acolhida pelo STJ, expõe-se que o terço constitucional constitui verba acessória à remuneração de férias não se questionando que a prestação acessória segue a sorte das respectivas prestações principais. Assim, não se pode entender que seja ilegítima a cobrança de Contribuição Previdenciária sobre o terço constitucional (posição já devidamente pacificada pelo STJ e STF –  vide decisões abaixo), de caráter acessório, e legítima sobre a remuneração de férias, prestação principal, pervertendo a regra áurea acima apontada. Nesse sentido, resta comprovado que sobre as férias usufruídas não incide a contribuição previdenciária pois: (i) não despontam o caráter retributivo, isto é, não há contraprestação pelo empregado e (ii) é ilógico adotar posição contrária entre prestações acessórias e principais, sendo que o STF e STJ já declararam pela ilegitimidade de cobrança de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, não havendo outra alternativa senão alinhar o mesmo entendimento à prestação principal, ou seja, à ilegitimidade de tributação sobre férias usufruídas. Importante aduzir que o STF, quando do julgamento do AgRg no AI 727.958/MG, tendo como relator o Ministro Eros Graus, Dje. 27/02/2009, firmou o entendimento de que o terço constitucional de férias tem natureza indenizatória. E o STJ, realinhando sua jurisprudência para acompanhar a Suprema Corte, também passou a entender que, dada a natureza indenizatória do adicional de 1/3 de férias, este não deve sofrer a incidência de contribuição previdenciária: “PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. NÃO INCIDÊNCIA. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ POR OCASIÃO DO JULGAMENTO DA PET 7.296/PE, DA RELATORIA DA  MINISTRA ELIANA CALMON. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE PLENÁRIO NÃO CONFIGURADA.1. Conforme orientação firmada na QO no REsp 1.002.932/SP, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça não precisa paralisar a análise de matéria que vem sendo enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal como repercussão geral.2. No incidente de uniformização de jurisprudência Pet 7.296/PE, da relatoria da Ministra Eliana Calmon, a Primeira Seção desta Corte, após acolher o pedido formulado pela União, manteve a decisão prolatada pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais no sentido da impossibilidade de se incluir na base de cálculo da contribuição previdenciária a parcela relativa ao terço constitucional de férias percebido por servidor público. (…) (STJ — AgRg na Pet 7193/RJ — Rel.Min. Mauro Campbell Marques — Primeira Seção — Dje 09.04.2010.)” “TRIBUTÁRIO E PREVIDENCIÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS – NATUREZA JURÍDICA – NÃO-INCIDÊNCIA DA CONTRIBUIÇÃO – ADEQUAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ AO ENTENDIMENTO FIRMADO NO PRETÓRIO EXCELSO" A Primeira Seção do STJ considera legítima a incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias. Precedentes.2. Entendimento diverso foi firmado pelo STF, a partir da compreensão da natureza jurídica do terço constitucional de férias, considerado como verba compensatória e não incorporável à remuneração do servidor para fins de aposentadoria.3. Realinhamento da jurisprudência do STJ, adequando-se à posição sedimentada no Pretório Excelso. 4. Recurso especial não provido. (STJ — Resp 11592931DF — Rel.Min. Eliana Calmon — Segunda Turma — Dje 10/03/2010)” O STF, em mais de uma oportunidade, também declarou a natureza indenizatória do terço constitucional de férias para afastar a incidência de contribuição previdenciária sobre a referida verba, senão vejamos: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA SOBRE A PARCELA DO ADICIONAL DE FÉRIAS IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I- A orientação do Tribunal é no sentido de que as contribuições previdenciárias não podem incidir em parcelas indenizatórias ou que não incorporem a remuneração do servidor.” (STF — AI 712880 AgR/MG — Rel. Min. Ricardo Lewandowski — Primeira Turma — 26/05/2009)”   “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE AS HORAS EXTRAS E O TERÇO DE FÉRIAS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. Esta Corte fixou entendimento no sentido que somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (STF – AI 727958 AgR, Relator(a): Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 16/12/2008, DJe-058 27-02-2009)” “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. PREQUESTIONAMENTO. OCORRÊNCIA. 3. SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. Incidência de contribuição previdenciária. Férias e horas extras. Verbas indenizatórias. Impossibilidade. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF — RE 545317 AgR/ DF — Rel. Min. Gilmar Mendes — Segunda Turma — 14/03/2008)” Diante de tais argumentos, amparados pela moderna orientação jurisprudencial do Pretório Excelso e do STJ, refuta-se a incidência de contribuição previdenciária sobre as parcelas de férias usufruídas e o terço constitucional sobre férias usufruídas, uma vez que apontam nítido caráter indenizatório, violando a normatização dos art. 22, I, Lei 8212/91, art. 214, §9°, Dec. 3048 e ao art. 195, I, CF. 1.3 – DO SALÁRIO MATERNIDADE E DO SALÁRIO PATERNIDADE. A Constituição Federal, em seu art. 7°[28], XVIII, elenca expressamente que a empregada gestante terá tratamento diferenciado, contando com direito a 120 dias de repouso/licença, sem prejuízo do emprego e salário. Para tanto, fica à cargo da Previdência Social o pagamento salarial (salário-maternidade), realizado neste período em que a segurada encontra-se afastada do trabalho. O art. 201[29], II, CF garante a proteção previdenciária à maternidade, especialmente à gestante. Na mesma linha, a CLT igualmente trouxe a previsão deste benefício, no art. 392[30]. Tratando do tema de forma minuciosa, a legislação específica (Plano de Benefício da Previdência Social – Lei n° 8213/91) garante, em seu art. 71, que: “O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. § 1o O salário-maternidade de que trata este artigo será pago diretamente pela Previdência Social.” A Lei n° 10.421/02, acrescentou ao PBPS o art. 71-A e estendeu o benefício à segurada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção. A Lei n° 11.770/08, institui o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da licença-maternidade previsto no art. 7°, XVIII, CF. Em que pese o sujeito passivo, responsável pelo pagamento do salário-maternidade, ser a própria Previdência Social, nos moldes do Art. 71, §1º, Lei n° 8213/91, afirma-se que esta verba trabalhista possui clara natureza de benefício, não se enquadrando, portanto, no conceito de remuneração de que trata o art. 22 da Lei n° 8.212⁄91 e impossibilitando a incidência de contribuição previdenciária. Nessa toada, argumenta-se que uma das características do benefício é o seu caráter previdenciário e, como tal, não pode ser considerado como salário, como bem explicitado pelo jurista Marcelo Tavares[31]: “O salário-maternidade, juntamente com o salário família, é um dos benefícios que visam à cobertura dos encargos familiares. Tem por objetivo a substituição da remuneração da segurada gestante durantes os centos e vinte dias de repouso, referentes à licença maternidade”. Em outra medida, admitir-se a legitimidade da cobrança da Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade seria um estímulo à combatida prática discriminatória, uma vez que a opção pela contratação de um trabalhador masculino será sobremaneira mais barata do que a de uma trabalhadora mulher, ocasionando um verdadeiro desequilíbrio na contratação trabalhista, por prevalência do gênero masculino. Atenta-se, outrossim, ao fato de que no período de licença da gestante, em que há pagamento do salário maternidade, não existe efetiva contraprestação laboral, isto é, não se faz presente o elemento retributivo. vez que a mãe ausenta-se para o cuidado da prole. A Lei n° 8213/91 entende devida a indenização por essa ausência, que deverá ser suportada pela Previdência Social, restando evidente que, nessa hipótese, não há efetiva prestação de trabalho. Nesse diapasão, uma vez inexistente a contraprestação pela trabalhadora segurada, não se enquadraria o salário-maternidade no conceito de “folha de salário”, expresso no art. 195, I, a, CF. A discussão sobre o tema já foi amplamente decidida pelo STJ, entendendo que sobre o salário maternidade não incide a contribuição previdenciária. Isto porque, o sujeito passivo da obrigação de pagar o salário maternidade é a Previdência Social, sendo o empregador simples agente pagador que adianta à trabalhadora o valor de seu salário, efetuando posteriormente a compensação quando do recolhimento de suas contribuições, nos moldes do art. 72, §1°, Lei n° 8213/91. Destarte, o STJ entende que o salário-maternidade não se harmoniza à definição de remuneração (base de cálculo da contribuição previdenciária), por não ter a natureza de contraprestação de atividade laboral, tratando-se, na verdade, de benefício de natureza previdenciária, senão vejamos: “RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. SALÁRIO-MATERNIDADE E FÉRIAS USUFRUÍDAS. AUSÊNCIA DE EFETIVA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PELO EMPREGADO. NATUREZA JURÍDICA DA VERBA QUE NÃO PODE SER ALTERADA POR PRECEITO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE CARÁTER RETRIBUTIVO. AUSÊNCIA DE INCORPORAÇÃO AO SALÁRIO DO TRABALHADOR. NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PARECER DO MPF PELOPARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA AFASTAR A INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE OS ALÁRIO-MATERNIDADE E AS FÉRIAS USUFRUÍDAS. 1. Conforme iterativa jurisprudência das Cortes Superiores, considera-se ilegítima a incidência de Contribuição Previdenciária sobre verbas indenizatórias ou que não se incorporem à remuneração do Trabalhador. 2. O salário-maternidade é um pagamento realizado no período em que a segurada encontra-se afastada do trabalho para a fruição de licença maternidade, possuindo clara natureza de benefício, a cargo e ônus da Previdência Social (arts. 71 e 72 da Lei 8.213/91), não se enquadrando, portanto, no conceito de remuneração de que trata o art. 22 da Lei 8.212/91.3. Afirmar a legitimidade da cobrança da Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade seria um estímulo à combatida prática discriminatória, uma vez que a opção pela contratação de um Trabalhador masculino será sobremaneira mais barata do que a de uma Trabalhadora mulher.4. A questão deve ser vista dentro da singularidade do trabalho feminino e da proteção da maternidade e do recém-nascido; assim, no caso, a relevância do benefício, na verdade, deve reforçar ainda mais a necessidade de sua exclusão da base de cálculo da Contribuição Previdenciária, não havendo razoabilidade para a exceção estabelecida no art. 28, § 9o., a da Lei 8.212/91. (…). Tanto no salário-maternidade quanto nas férias usufruídas, independentemente do título que lhes é conferido legalmente, não há efetiva prestação de serviço pelo Trabalhador, razão pela qual, não há como entender que o pagamento de tais parcelas possuem caráter retributivo. Consequentemente, também não é devida a Contribuição Previdenciária sobre férias usufruídas.7. Da mesma forma que só se obtém o direito a um benefício previdenciário mediante a prévia contribuição, a contribuição também só se justifica ante a perspectiva da sua retribuição futura em forma de benefício (ADI-MC 2.010, Rel. Min. CELSO DE MELLO); destarte, não há de incidir a Contribuição Previdenciária sobre tais verbas.8. Parecer do MPF pelo parcial provimento do Recurso para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade.9. Recurso Especial provido para afastar a incidência de Contribuição Previdenciária sobre o salário-maternidade e as férias usufruídas” (STJ – REsp 1322945/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 27/02/2013, DJe 08/03/2013). Sendo assim, resta comprovada a natureza indenizatória do salário-maternidade, não havendo razão jurídica para a cobrança de contribuição previdenciária, isto é, o salário-maternidade se refere ao pagamento de benefício ao segurado, por razões de compensação financeira durante o período de gestação. Não obstante o direito constitucionalmente previsto à gestante, tem-se, igualmente, em resposta ao princípio da isonomia, o direito do trabalhador à percepção do salário-paternidade, estando elencado no art. 7°[32], XIX, CF e art. 473[33], III, CLT e art. 10. §1°, ADCT. À semelhança do salário-maternidade, tal verba desponta nítida natureza indenizatória, posto que não há contraprestação de serviço no período do benefício (cinco primeiros dias de afastamento, em razão do nascimento da sua prole). Portanto, segue-se o mesmo raciocínio alhures exposto. 1.4 – DOS 15 (QUINZE) PRIMEIROS DIAS DE AFASTAMENTO. DO AUXÍLIO DOENÇA E AUXÍLIO ACIDENTE. O auxílio-doença, inserido no art. 60[34], Lei n° 8213/91, corresponde ao benefício concedido ao trabalhador após o prazo de 15 (quinze) dias, período este em que esteve afastado da atividade laboral, vez que acometido por moléstia. Ressalta-se que até os 15 (quinze) primeiros dias, a responsabilidade pelo pagamento ficará a cargo do empregador (interrupção do contrato de trabalho) e, após, caberá à Previdência Social (suspensão do contrato de trabalho). Igualmente, o auxílio-acidente, previsto no art. 86, Lei n° 8213/91, deverá ser concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia[35]. No que tange à incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos pela empresa aos empregados segurados nos 15 (quinze) dias de afastamento, anteriores ao início do pagamento pela Previdência Social do auxílio-doença ou do auxílio-acidente, infere-se que, por não consubstanciarem contraprestação a trabalho, tais pagamentos não têm natureza salarial. Segundo a consolidada jurisprudência do STJ, tais valores não apresentam natureza remuneratória, uma vez que não têm a finalidade de retribuir um trabalho prestado pelo empregado, o qual se encontra afastado, seja por doença ou acidente. A sua natureza é, portanto, meramente previdenciária e indenizatória. Assim, não é cabível a incidência da contribuição previdenciária, exatamente pela falta de ocorrência do seu fato gerador. Resta evidente que, em razão de uma enfermidade ou acidente de trabalho, o empregado fica impossibilitado da prestação de serviço, redundando na ausência do elemento retributivo, fato este que cessa a hipótese de incidência da contribuição previdenciária prevista no art. 195, I, a, CF. Frise-se: o empregado afastado não presta serviço. Por essa razão, não recebe salário de seu empregador, mas apenas uma verba de caráter previdenciário, durante os primeiros 15 (quinze) dias. Desse modo, diante da descaracterização da natureza salarial da citadas verbas, não há incidência de contribuição previdenciária. Como dantes debatido, o salário-contribuição, previsto no art. 28, I, Lei 8212/91, possui como fato gerador o pagamento de salário, stricto sensu, fruto da relação de trabalho. Eis que, o empregado afastado por motivo de doença, não presta serviço e, por isso, não recebe salário, mas sim, apenas uma verba de caráter previdenciário de seu empregador durante os primeiros 15 (quinze) dias. Portanto, a descaracterização da natureza salarial da citada verba afasta a incidência da contribuição previdenciária. Forçoso inferir que sobre esta parcela não há que se falar em incidência da contribuição previdenciária, senão vejamos o dominante e pacífico entendimento do STJ: “TRIBUTÁRIO. PREVIDÊNCIA. AFASTAMENTO POR DOENÇA AUXÍLIO-DOENÇA CONTRIBUIÇÃO SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS PRIMEIRA QUINZENA DE AFASTAMENTO. 1. A essência da controvérsia restringe-se à incidência ou não da contribuição previdenciária destinada ao INSS, sobre o pagamento efetuado pelo empregador ao empregado nos quinze primeiros dias do auxílio-doença. 2. A Primeira Seção desta Corte, por maioria, descaracterizou a natureza salarial da verba recebida pelo obreiro nos quinze primeiros dias de afastamento por motivo de doença, em face da ausência de contraprestação laboral, ficando afastada a incidência de contribuição previdenciária. Agravo regimental improvido”. (STJ – AgRg no REsp: 1087216 RS 2008/0196590-7, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 05/05/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/05/2009)” “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REMUNERAÇÃO PAGA PELO EMPREGADOR NOS PRIMEIROS QUINZE DIAS DO AUXÍLIO-DOENÇA. NÃO-INCIDÊNCIA. PRECEDENTES.1. É dominante no STJ o entendimento segundo o qual não é devida a contribuição previdenciária sobre a remuneração paga pelo empregador ao empregado, durante os primeiros dias do auxílio-doença, à consideração de que tal verba, por não consubstanciar contraprestação a trabalho, não tem natureza salarial.2. Recurso especial provido. (STJ – REsp 550.473/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13.09.2005, DJ 26.09.2005 p. 181)” 1.5 – DO ADICIONAL DE HORA EXTRA. Entende-se por jornada normal de trabalho o lapso temporal em que o empregado prestar serviço ou permanecer à disposição do empregador, sempre de forma habitual. Nos termos do art. 7°[36], XIII, CF, sua duração deverá ser de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais. Em se tratando de empregados que trabalhem em turno ininterruptos de revezamento, a jornada deverá ser de até 6 (seis) horas, salvo negociação. Em direito do trabalho, hora extra consiste no tempo laborado além da jornada diária prevista na legislação ou no contrato de trabalho. Nos moldes do art. 59[37], CLT, a hora extra corresponde ao acréscimo de tempo suplementar, em número não excedente de 2 (duas) horas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho. Nessa linha, a cada tempo extraordinário de jornada de trabalho, exige-se o pagamento do respectivo adicional de hora extra, em que pelo art. 7°[38], XVI, CF o trabalhador fará jus à percepção de no mínimo 50% sobre o valor da hora normal. Imprescindível advertir que a hora extra estende, prolonga, aumenta a jornada de trabalho e, por efeito, reflete no pagamento no dia do descanso, que normalmente recai aos domingos e feriados, nos termos do art. 7°[39], XV, CF c/c art. 67[40], CLT e Súmula n° 172 TST[41]. Insta observar que o constituinte originário expressamente determinou o pagamento do adicional de hora extra com o intuito de compensar/reparar o dano físico e mental a que o empregado esteve exposto. Ainda, atenta-se que tal verba pode ser recebida em seu caráter eventual e, portanto, não deve ser considerada para o cálculo do benefício previdenciário. Está patente a natureza indenizatória e eventual da hora extra, o que não integra a expressão “folha de salário”, expressa no art. 195, I, a, CF. Apesar do STJ possuir decisões divergentes sobre o tema[42], o STF tem firmado orientação no sentido de não incidir contribuição previdenciária sobre hora-extra, em razão de sua natureza indenizatória, senão vejamos: “CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE AS HORAS EXTRAS E O TERÇO DE FÉRIAS.IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. Esta Corte fixou entendimento no sentido que somente as parcelas incorporáveis ao salário do servidor sofrem a incidência da contribuição previdenciária. Agravo Regimental a que se. Nega provimento. (AI 727958 AgR/MG-MINAS GERAIS. AG.REG.NO AGRAVO. DE INSTRUMENTO. Relator(a): Min. EROS GRAU. Julgamento: 16/12/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma)” 2.- DA DECLARAÇÃO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO QUINQUENAL. DA APLICAÇÃO DA SÚMULA N° 213 DO STJ. DA INAPLICABILIDADE DAS SÚMULAS NS.° 269 e 271 DO STF EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA QUE VISE À DECLARAÇÃO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO. A compensação de tributos é um dos meios admitidos em direito para extinção do crédito tributário, nos moldes do art. 156, II, CTN[43] e pode ser utilizada pelo contribuinte quando a lei assim autorizar, conforme o disposto no art. 170, CTN[44]. O art. 66 da Lei n° 8383/91, com redação que lhe deu a Lei n° 9.069/95, regulamentou a compensação dos tributos na esfera federal, no seguintes termos: “Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor ao recolhimento de importância correspondente a período subsequente. §1° A compensação poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie. (…)” Posteriormente, a Lei n° 10.637/02 que modificou o art. 74 da Lei 9430/1996, permitiu a compensação de tributos federais de espécies diversas, administrados pela Secretaria da Receita Federal, mediante compensação administrativa direta, sob condição resolutória da extinção definitiva do débito compensado: “Art. 74. O sujeito passivo que apurar crédito, inclusive os judiciais com transito em julgado, relativo a tributo ou contribuição administrado pela Secretaria da Receita Federal, passível de restituição ou de ressarcimento, poderá utilizá-lo na compensação de débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão. §1° A compensação de que trata o caput será efetuada mediante a entrega, pelo sujeito passivo, de declaração na qual constarão informações relativas aos créditos utilizados e aos respectivos débitos compensados. §2° A compensação declarada à Secretaria da Receita Federal extingue o crédito tributário, sob a condição resolutória de sua ulterior homologação (…).”              Portanto, a compensação é um instituto já consolidado na legislação brasileira, como não menos consolidada é a jurisprudência que afasta a tributação pela exação previdenciária sobre a remuneração, quando o desembolso não é deste jaez. Seus contornos alcance e aplicação estão muito bem delineados, e já não há qualquer controvérsia, inclusive sendo permitida e amplamente utilizada a compensação administrativa, prescindindo da interferência prévia do Judiciário para autorizá-la. A questão é que em se tratando de verbas que, em princípio, integrariam o salário de contribuição, a fim de evitar qualquer risco de questionamento do Fisco Federal quanto ao direito de compensação destas rubricas em peculiar, suscitando entraves e obstando pretensão legítima. Nesse contexto, a medida mandamental mostra-se como meio hábil à declaração de inexistência da obrigação tributária e à declaração do direito de compensabilidade do indébito tributário recolhido nos últimos 5 (cinco) anos pelo Contribuinte.  Notório argumentar que, na maiorias das vezes, o mandado de segurança possui natureza constitutiva. Porém, a jurisprudência e a doutrina têm admitido a utilização do writ com finalidade condenatória ou meramente declaratória. Nesse sentido, a precisa lição do professor Celso Agrícola Barbi[45]: “A nosso ver, o mandado de segurança não pode, como figura geral, ser classificado, “com exclusividade”, em qualquer dos três tipos da ação que se caracterizam pela natureza da “sentença” pleiteada. Em cada caso concreto é que se poderá dizer se a ação ajuizada é condenatória, constitutiva ou declaratória”. Nesse contexto, para dirimir quaisquer dúvidas, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento através da Súmula n° 213 de que: “O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária”. Pacificou-se naquele Tribunal a posição segundo a qual, relativamente aos tributos sujeitos a lançamentos por homologação, cabe ao Judiciário, tão-somente, declarar o direito à compensação, reservando-se a apuração dos créditos à fase de liquidação de sentença ou por meio de procedimento de fiscalização da própria Receita Federal do Brasil, que, dentro do prazo que lhe faculta a lei, deverá auditar a compensação levado a cabo pelo impetrante. É, portanto, perfeitamente cabível a utilização da via mandamental para declaração do direito à compensação do indébito tributário, senão vejamos a vasta a jurisprudência do STJ e do TRF da 1° Região: “TRIBUTÁRIO.  MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO DE AMBAS AS PARTES E REMESSA NECESSÁRIA. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. LC Nº 118/2005. ENTENDIMENTO DO STF ADOTADO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 566621. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PREVISTA NO ARTIGO 22 DA LEI Nº 8.212/91. VALORES REFERENTES AOS QUINZES DIAS DE AFASTAMENTO DE EMPREGADOS ANTERIORES AO DEFERIMENTO DO AUXÍLIO-DOENÇA E DO AUXÍLIOACIDENTE. FÉRIAS INDENIZADAS. ADICIONAL DE 1/3 SOBRE AS FÉRIAS. HORAS EXTRAS. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. 13º SALÁRIO INDENIZADO. AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. AUXÍLIO CRECHE. AUXÍLIO-ACIDENTE. AUXÍLIO-TRANSPORTE. TAXA SELIC. ARTIGO 170-A DO CTN. 1. Conforme a Súmula nº 213 do STJ, o mandado de segurança é via apta para a declaração do direito do contribuinte à compensação do indébito tributário. Como não há distinção legal e a compensação se efetiva na via administrativa, conforme o artigo 74 da Lei nº 9.430/96, a declaração eventualmente obtida no provimento mandamental possibilita, também, o aproveitamento de créditos anteriores ao ajuizamento da ação, desde que não atingidos pela prescrição.  (STJ – RESP nº 1122126, rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, j. 22/06/2010)” “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA. AUXÍLIO-DOENÇA E AUXÍLIO-ACIDENTE. FOLHA DE SALÁRIOS. QUINZE PRIMEIROS DIAS. FÉRIAS E TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. AVISO PRÉVIO INDENIZADO E SEU PROPORCIONAL AO DÉCIMO TERCEIRO SALÁRIO. AUXÍLIO-CRECHE. ABONO PECUNIÁRIO DE FÉRIAS. INDENIZAÇÃO PREVISTA NO ART. 9º DA LEI N. 7.238/84. CONTRIBUIÇÃO AO SAT E DE TERCEIROS. RESTITUIÇÃO/COMPENSAÇÃO.1. Inicialmente, a via mandamental eleita, de fato, é inadequada para se obter a restituição do indébito.2. Com efeito, o mandado de segurança não pode ser utilizado como substituto da ação de cobrança, não produzindo tal via efeitos patrimoniais em relação a período pretérito (Súmulas 269 – STF e 271 – STJ)3. Por outro lado, no que tange à compensação, a via eleita é adequada, conforme já decidiu esta Corte, "o reconhecimento do direito à compensação, a se concretizar na esfera administrativa, sob o crivo do Fisco, não se confunde com pedido de repetição de indébito, nem, tampouco, configura violação à jurisprudência estabilizada: o mandado de segurança 'constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária' (SÚMULA/STJ nº 213), mas 'não é substitutivo de ação de cobrança' (SÚMULA/STF nº 269) nem ' produz efeitos patrimoniais, em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria' (SÚMULA/STF nº 271).” [AMS 2006.38.00.021698-5/MG, Rel. Desembargador Federal Reynaldo Fonseca, Conv. Juíza Federal Gilda Sigmaringa Seixas, Sétima Turma,e-DJF1 p.263 de 14/08/2009]. Possibilidade, portanto, de compensação de parcelas anteriores à impetração do writ. (AMS 0005562- 80.2010.4.01.3813/MG, Rel. Desembargador Federal Reynaldo Fonseca, Sétima Turma, e- DJF1 p. 876 de 28/10/2011). (…) (TRF1, AMS 0001144-64.2013.4.01.3823/MG, DESEMBARGADOR FEDERAL REYNALDO FONSECA, SÉTIMA TURMA, 14/11/2014 e-DJF1 P. 1179)” “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RGPS. INTERESSE PROCESSUAL E PRESCRIÇÃO. 15 PRIMEIROS DIAS DE AFASTAMENTO POR MOTIVO DE DOENÇA OU ACIDENTE. TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS. FÉRIAS INDENIZADAS. SALÁRIO-MATERNIDADE. SALÁRIO-FAMÍLIA. AUXÍLIO EDUCAÇÃO. HORAS EXTRAS. ADICIONAIS NORTURNO, DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. AVISO PRÉVIO INDENIZADO. AUXÍLIO-CRECHE. COMPENSAÇÃO. LIMITAÇÃO DO ART. 89, § 3º, DA LEI 8.212/1991. REVOGAÇÃO PELA MEDIDA PROVISÓRIA 449/2008, CONVOLADA NA LEI 11.941/2009. 1. O mandado de segurança constitui ação adequada para a declaração do direito à compensação tributária (Súmula 213 do STJ). 2. É desnecessária a prova pré-constituída do recolhimento do tributo para obtenção do provimento declaratório do direito à compensação, uma vez que referida compensação se dará em momento posterior, administrativamente. 3. Interesse processual do impetrante reconhecido: a ausência de previsão legal de contribuição previdenciária sobre férias indenizadas e salário-família não assegura que o desconto não esteja sendo efetuado. Declarado o direito à compensação, esta só ocorrerá em momento posterior, mediante encontro de contas, e somente serão devolvidos ao impetrante valores se efetivamente tiverem sido recolhidos de forma indevida. (…) (TRF1, AMS 0019232-21.2010.4.01.3900, DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, OITAVA TURMA, 26/09/2014 e-DJF1 P. 955)” Portanto, o mandado de segurança é meio cabível à declaração de compensação de créditos tributários futuros com o indébitos dos períodos pretéritos, desde que mediante prova pré-constituída. Neste diapasão, é o entendimento de Leandro Paulsen, manifestado no julgamento do TRF da 4ª Região, de que “a Súmula n° 213 do STJ admite conhecimento da matéria em mandado de segurança, tendo em conta que a tutela é para obstar a glosa de futura compensação a ser realizada pelo contribuinte, alterando, de qualquer modo, o entendimento de que o mandado de segurança não poderá ter efeito patrimonial pretérito. (Súmula n° 271 do STF) (…)” (AMS 2006.72.01.000486-2/SC, DE. 19.03.07). É inegável que a jurisprudência do STJ é no sentido de que há possibilidade de utilização do mandado de segurança para compensação do indébito pretérito, flexibilizando-se os enunciados das Súmulas ns. 269 e 271 do STF, senão vejamos as palavras do Ministro Relator Arnaldo Esteves de Lima no julgamento do MS 12397-DF (Dje 16.06.08): “Os enunciados das Súmulas ns. 269/STF e 271/STF devem ser interpretados com temperamentos. Não se pode, efetivamente, deixar de consignar que tal jurisprudência sumuladas formou-se há mais de 45 anos. Houve, em tal interstício de tempo, mudanças jurídicas, sociais e econômicas a recomendar não simplesmente o seu abandono, mas sim a sua aplicação de forma consentânea com a nova realidade superveniente. (…) De fato, na hipótese em que o servidor público deixa de auferir seus vencimentos, parcial ou integralmente, por ato ilegal ou abusivo da autoridade impetrada, os efeitos patrimoniais da concessão da ordem em mandado de segurança devem retroagir à data da prática do ato impugnado, violador de direito líquido e certo. (…) Em casos como o presente, a concessão da segurança com efeitos pecuniários pretéritos harmoniza-se inteiramente com a obstinada luta do Poder Judiciário em atender, da forma mais expedita, mais efetiva possível, os pleitos que lhes são trazidos, sem se descurar, em absoluto, das garantias constitucionais e legais das partes”. Recentemente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional editou o Parecer PGFN/CRJ/No 1.177/2013 que, de maneira auspiciosa, pretende lançar novos rumos à questão no âmbito dos mandados de segurança em matéria tributária. Em defesa dos valores constitucionais da eficiência, economia e celeridade processual, o referido parecer reconhece, in verbis, “não ser mais adequada a restrição do alcance da força mandamental de sentença de mandado de segurança, que reconhece a inexistência de relação jurídico-tributária, quanto à compensação de parcelas pretéritas ao ajuizamento do mandamus”, tornando, pois, desnecessária nova ação voltada apenas para a cobrança das parcelas vencidas antes da impetração do mandado de segurança.   2.1 –  DA RELATIVIZAÇÃO DOS EFEITOS DO ART. 170-A, CTN. DA POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA ANTES DO TRANSITO EM JULGADO, FACE AO ENTENDIMENTO DOMINANTE NO STJ. DA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C, CPC. DA HARMONIA DAS INSTÂNCIAS INFERIORES AO ENTENDIMENTO FIRMADO PELO STJ NO JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CASO HIDRO JET EQUIPAMENTOS HIDRÁULICOS LTDA. Nos moldes do art. 543-C, CPC, quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, será admitido um único recurso (recurso representativo da controvérsia), o qual servirá de parâmetro de julgamento para os demais. Nesse sentido, publicado o Acórdão do STJ, os recursos especiais sobrestados na origem (i) terão seguimento denegado na hipótese de o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ ou (ii) serão novamente examinados pelo tribunal de origem, na hipótese de o Acórdão recorrido divergir da orientação do STJ. Nessa linha, com o escopo de garantir provimento final à discussão, bem como assegurar o direito fundamental à celeridade processual, estampado no art. 5, CF, o STJ decidiu, em sede de recurso representativo da controvérsia, no Resp. 1230.957/RS, tendo como parte a sociedade empresária HidroJet Equipamentos Hidráulicos LTDA, que não haverá incidência da referida exação sobre as parcelas de aviso prévio indenizado, auxílio doença e adicional de um terço constitucional de férias (naturalmente ensejando a exclusão de todas as rubricas que não sejam estritamente remuneratórias), senão vejamos[46]: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A CARGO DA EMPRESA. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DISCUSSÃO A RESPEITO DA INCIDÊNCIA OU NÃO SOBRE AS SEGUINTES VERBAS: TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS; SALÁRIO MATERNIDADE; SALÁRIO PATERNIDADE; AVISO PRÉVIO INDENIZADO; IMPORTÂNCIA PAGA NOS QUINZE DIAS QUE ANTECEDEM O AUXÍLIO-DOENÇA. 1.Recurso especial de HIDRO JET EQUIPAMENTOS HIDRÁULICOS LTDA. (…) 1.2 Terço constitucional de férias. Em relação ao adicional de férias concernente às férias gozadas, tal importância possui natureza indenizatória/compensatória, e não constitui ganho habitual do empregado, razão pela qual sobre ela não é possível a incidência de contribuição previdenciária (a cargo da empresa). (…) 2.2 Aviso prévio indenizado. (…) Dessarte, não há como se conferir à referida verba o caráter remuneratório pretendido pela Fazenda Nacional, por não retribuir o trabalho, mas sim reparar um dano. (…)  2.3. Importância paga nos quinze dias que antecedem o auxílio-doença. (…) Nesse contexto, a orientação das Turmas que integram a Primeira Seção/STJ firmou-se no sentido de que sobre a importância paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença não incide a contribuição previdenciária, por não se enquadrar na hipótese de incidência da exação, que exige verba de natureza remuneratória.” Portanto, em obediência ao dispositivo legal do art. 543, C, CPC, outro não pode ser o entendimento, senão o de afastar a incidência de contribuição previdenciária sobre as referidas parcelas de aviso prévio indenizado, adicional de um terço constitucional sobre férias usufruídas e o auxílio doença/auxílio acidente e demais rubricas com a mesma índole, haja vista o expresso entendimento consolidado pelo STJ, em sede de julgamento do recurso representativo da controvérsia. É, pois, fato inconteste, e reconhecido pelo próprio STJ, de que sobre as rubricas de aviso prévio indenizado, adicional de um terço constitucional sobre férias usufruídas e o auxílio doença/acidente não se deve incidir a contribuição previdenciária de que trata o art. 22, da Lei n° 8.212/91, uma vez que apontam natureza de indenização. Posto isto, nada mais cabível do que, relativizar os efeitos da declaração de compensação tributária do art. 170-A, CTN, em respeito aos princípios constitucionais da celeridade processual e segurança jurídica, para que seja admitida a compensação antes do transito em julgado, face à posição dominante no STJ, que inclusive já fora alvo de julgamento de recurso representativo da controvérsia, nos moldes do art. 543-C, CPC. É notório que as recentes alterações legislativas processuais têm mostrado que nosso ordenamento caminha na direção dos valores de celeridade, uniformidade e estabilidade dos precedentes judiciais para casos que sejam fundados em idêntica controvérsia: fez-se isso em 2006 com a Lei 11.418 e a criação do regime do art. 543-B no âmbito do Supremo Tribunal Federal e, novamente, em 2008, com a Lei 11.672 e a criação do regime de recursos repetitivos na seara do Superior Tribunal de Justiça. Colocando entre parênteses as críticas quanto ao processamento e manejo de tais expedientes, é inegável que sua instituição contribui para a estabilização das expectativas do Fisco e contribuintes a respeito da legislação tributária e possibilita um ambiente de maior certeza sobre a conduta que a lei prescreve a cada um deles sendo, por isso, bem-vindas inovações legislativas. É também elogiável o esforço das instâncias administrativas para a esses entendimentos fixados pelos novos regimes e também pela Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, moldar também suas decisões. Se observados os efeitos dessas decisões e dos procedimentos até então adotados no âmbito da administração e do processo judicial no que diz respeito à compensação tributária, percebe-se a presença de alguns obstáculos à satisfação recíproca dos créditos de Fisco e contribuinte. Notadamente, comparecem como centro das preocupações mais imediatas a prescrição do art. 170-A que restringe a compensação de créditos do contribuinte constituídos pela via judicial até o trânsito em julgado da decisão que os documente. Esse dispositivo do Código Tributário produz situações de incontornável demora na prestação jurisdicional que prejudicam a dinâmica da repetição do precedente fixado nos procedimentos dos arts. 543-B e 543-C do Código de Processo Civil e, desse modo, afastam o provimento jurisdicional dos valores de celeridade e uniformidade que tanto se buscou prestigiar com a edição das recentes leis sobre a matéria. A crítica a que se faz ao disposto do art. 170-A, CTN, é a de que, ao passo que já é dominante a situação jurídica favorável ao Contribuinte, no sentido de reconhecer a impossibilidade de incidência da exação sub examine, por que adiar processamento da compensação tributária somente após o transito em julgado, já que não há possibilidade de mudança de entendimento pelos Tribunais Superiores? Com efeito, os recentes julgados dos TRF’s vêm declinando no sentido de dar uma nova leitura ao art. 170-A, CTN, no sentido de admitir a compensação, mesmo antes do trânsito em julgado, nos casos de a tese defendida pelo Contribuinte estar em consonância com a jurisprudência dominante do Tribunal Superior – o que inclui o vertente caso – competente para analisar a matéria. É, na verdade, um legítimo avanço para garantir maior celeridade e isonomia na relação entre o Fisco Federal e o Contribuinte. Nesse rumo, não se faz necessário que o tributo seja declarado inconstitucional, mas tão somente, que a tese defendida, seja aquela predominante no Tribunal Superior competente para analisar a matéria em última instância, leia-se o STJ, tudo em respeito aos princípios da celeridade processual e isonomia das relações. Neste sentido, o Tribunal Regional da Primeira Região – TRF-1, assim se manifesta, vejamos: “TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REMUNERAÇÃO PAGA PELO EMPREGADOR NOS PRIMEIROS QUINZE DIAS DE AFASTAMENTO DO EMPREGADO POR MOTIVO DE DOENÇA. UM TERÇO DE FÉRIAS. VERBAS DE NATUREZA PREVIDENCIÁRIA. EXAÇÃO INDEVIDA. COMPENSAÇÃO. SALÁRIO-MATERNIDADE E FÉRIAS. NATUREZA SALARIAL. INCIDÊNCIA DEVIDA. COMPENSAÇÃO.(…) 5. A restrição à compensação, prevista no art. 170-A do CTN, não se aplica aos autos, por ter o mandado de segurança, como garantia constitucional, caráter mandamental, que impõe à Administração uma prestação específica, material e in natura, a ser satisfeita de plano, aliado à circunstância de o direito vindicado, no plano infraconstitucional, estar reconhecido por jurisprudência dominante do STJ. Portanto, a rigor, não se pode afirmar que há tributo contestado se o tribunal superior competente já reconheceu a tese do contribuinte. (…) (Apelação/Reexame Necessário 2008.34.00.004991-5/DF, Rel. Desembargador Federal Osmane Antônio dos Santos (Conv), Oitava Turma, DJ 30/06/2009) (grifo nosso).” Percebe-se que a prospera posição adotada pelo Tribunal Federal Regional da Primeira Região vai além da declaração ou não de inconstitucionalidade do tributo. Como se verifica, a tese tratada nos dois acórdãos são matérias de cunha infraconstitucional, tendo como tribunal máximo na análise do caso concreto o Superior Tribunal de Justiça – STJ, sendo este o responsável pelo decisão final, como no caso do julgamento do Resp. 1230.957/RS. Portanto, à luz dos princípios mais comezinhos de direito (como o sobre princípio da segurança jurídica em matéria tributária), atendo-se, ainda, à interpretação conforme a constituição, bem como os métodos modernos de hermenêutica jurídica, em que se busca a adequação da norma à observação dos preceitos fundamentais de dignidade da pessoa humana e aplicação dos direitos de 1°, 2° e 3° geração, percebe-se que, como STJ já se manifestou de maneira totalmente favorável ao contribuinte (Resp. 1230.957/RS.), em relação ao gravame sub examine, defende-se a releitura do instituto da compensação tributária, isto é, a inaplicabilidade das restrições previstas no artigo 170-A do Código Tributário Nacional, vez que não mais existe possibilidade de alteração de entendimento pelo STJ, mostrando-se por demais injusto e desarrazoável ter que esperar o trânsito em julgado da decisão, para somente após proceder a aplicação prática dos direitos de Contribuinte. 3. DAS SOCIEDADES QUE ATUAM NO RAMO DA CONSTRUÇÃO CIVIL E INCORPORAÇÃO. DA VINCULAÇÃO DOS CADASTROS ESPECÍFICOS DO INSS – CEI –  AO CNPJ DO ESTABELECIMENTO MATRIZ. DA RESPONSABILIDADE DO ESTABELECIMENTO MATRIZ PELO RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO ART. 22, I, LEI N° 8.212/91 EM SUAS OBRAS DE CONSTRUÇÃO CIVIL E AS RESPECTIVAS MATRÍCULAS CEI. INSTRUÇÃO NORMATIVA RFB N° 971, DE 13 DE NOVEMBRO DE 2009. Antes de finalizarmos a discussão ora proposta, trazemos a colação interessante análise acerca das sociedades que atuam no ramo da construção civil e incorporação, vez que é recorrente a propositura de demandas judiciais na esfera Federal, seja em sede de Mandado de Segurança ou em Ação Repetitória, que buscam a compensação tributária quinquenal, com tributos vincendos, entre as várias CEI da mesma pessoa jurídica. De fato, é direito intrínseco ao Contribuinte pleitear as demandas em seu nome único e exclusivo. Todavia faz-se necessário identificar cada matrícula CEI das obras já realizadas, buscando-se os pedidos de suspensão da exigibilidade tributária, bem como o de compensação, ao responsável tributário, isto é, o Contribuinte, em seu CNPJ principal. Para tanto, não podemos deixar de aduzir a Instrução Normativa RFB n° 971, de 13 de Novembro de 2009, que traz em seu bojo um complexo de norma que definem o modus operandi da Cadastro Específico do INSS (matrícula CEI), bem como delineia a responsabilidade tributária da empresa incumbida de realizar as obras de construção civil. É, pois, dever do magistrado apreciar a matéria em questão, conferindo o pretenso direito às matrículas CEI, extensível ao Contribuinte, vez que, ao término de cada obra, extingue-se, via de regra, a competente matrícula CEI, não podendo obstaculizar seu direito à compensação e suspensão da cobrança indevida, com o aproveitamento em futuras obras, haja vista que é ele mesma, em seu CNPJ principal, que recolhe e lança os créditos tributários das contribuições previdenciárias do art. 22, I, Lei n° 8.212/91. Com efeito, seria uma verdadeira afronta aos mandamentos constitucionais do due process of law bem como da segurança jurídica, conceder o direito em análise somente a cada obra, em sua matrícula CEI respectiva, o que impediria o Contribuinte de utilizar seu direito no mais pleno e abrangente grau.  Nesse diapasão, menciona-se o teor da Instrução Normativa RFB n° 971, de 13 de Novembro de 2009, atendo-se a alguns artigos fundamentais definem e caracterizam a responsabilidade tributária da Impetrante, em cada CEI das obras já encerradas e que ainda estão em andamento. Inicialmente, o art. 17, da Instrução Normativa RFB n° 971, de 13 de Novembro de 2009, trouxe o conceito de CEI, o que se aplica ao caso em questão, vez que a Impetrante é realiza obras de construção civil, senão vejamos: Art. 17. Considera-se:(…) II – matrícula, a identificação dos sujeitos passivos perante a Previdência Social, podendo ser o número do: a) Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para empresas e equiparados a ele obrigados; ou b) Cadastro Específico do INSS (CEI) para equiparados à empresa desobrigados da inscrição no CNPJ, obra de construção civil, produtor rural contribuinte individual, segurado especial, titular de cartório, adquirente de produção rural e empregador doméstico, nos termos do art. 19; (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1453, de 24 de fevereiro de 2014)” Mais adiante, o art. 19 e 22, do mesmo diploma legal, admite que a responsabilidade pela matrícula CEI será da empresa construtora, in verbis:  “Dos Cadastros Gerais Art. 19. A inscrição ou a matrícula serão efetuadas, conforme o caso: I – simultaneamente com a inscrição no CNPJ, para as pessoas jurídicas ou equiparados; II – no CEI, no prazo de 30 (trinta) dias contados do início de suas atividades, para o equiparado à empresa, quando for o caso, o produtor rural contribuinte individual, o segurado especial e obra de construção civil, sendo responsável pela matrícula: (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1453, de 24 de fevereiro de 2014) a) o equiparado à empresa isenta de registro no CNPJ; b) o proprietário do imóvel, o dono da obra ou o incorporador de construção civil, pessoa física ou pessoa jurídica; c) a empresa construtora, quando contratada para execução de obra por empreitada total, observado o disposto no art. 27; d) a empresa líder do consórcio, no caso de contrato para execução de obra de construção civil mediante empreitada total celebrado em nome das empresas consorciadas; (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1238, de 11 de janeiro de 2012)” “Do Cadastro Específico do INSS Art. 22. A inclusão no CEI será efetuada da seguinte forma: I – verbalmente, pelo sujeito passivo, no Centro de Atendimento ao Contribuinte (CAC) ou na Agência da Receita Federal do Brasil (ARF), independente da jurisdição, exceto o disposto nos arts. 28 e 36; II – no sítio da RFB na Internet, no endereço ; III – de ofício, por servidor da RFB. § 1º Os dados identificadores de corresponsáveis deverão ser informados no ato do cadastramento. § 2º O profissional liberal responsável por mais de um estabelecimento, deverá cadastrar uma matrícula CEI para cada estabelecimento em que tenha segurados empregados a seu serviço. § 3º A obra de construção civil executada por empresas em consórcio deverá ser matriculada exclusivamente na unidade da RFB jurisdicionante do estabelecimento matriz da empresa líder ou do endereço do consórcio, na forma do art. 28. (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1238, de 11 de janeiro de 2012) § 4º A matrícula de ofício será emitida nos casos em que for constatada a não-existência de matrícula de estabelecimento ou de obra de construção civil no prazo previsto no inciso II do caput do art. 19, sem prejuízo da autuação cabível. Art. 23. As alterações no CEI serão efetuadas da seguinte forma: I – por meio do sítio da RFB na Internet, no endereço , no prazo de 24 (vinte e quatro) horas após o seu cadastramento; II – nas ARF ou nos CAC, mediante documentação; e III – de ofício. § 1º É de responsabilidade do sujeito passivo prestar informações sobre alterações cadastrais no prazo de 30 (trinta) dias após a sua ocorrência. § 2º A empresa construtora contratada mediante empreitada total para execução de obra de construção civil, deverá providenciar, no prazo de 30 (trinta) dias contados do início de execução da obra, diretamente na unidade da RFB, a alteração da matrícula cadastrada indevidamente em nome do contratante, transferindo para si a responsabilidade pela execução total da obra ou solicitar o cancelamento da mesma e efetivar nova matrícula da obra, sob sua responsabilidade, mediante apresentação do contrato de empreitada total.” Consoante as previsões do art. 24, da Instrução Normativa RFB n° 971, de 13 de Novembro de 2009, a matrícula CEI deverá ser efetuada por projeto, devendo incluir todas as obras nele previstas, ipis literris: “Subseção I  Da Matrícula de Obra de Construção Civil “Art. 24. A matrícula de obra de construção civil deverá ser efetuada por projeto, devendo incluir todas as obras nele previstas. § 1º Admitir-se-ão o fracionamento do projeto e a matrícula por contrato, quando a obra for realizada por mais de uma empresa construtora, desde que a contratação tenha sido feita diretamente pelo proprietário ou dono da obra, sendo que cada contrato será considerado como de empreitada total, nos seguintes casos: I – contratos com órgão público, vinculados aos procedimentos licitatórios previstos na Lei nº 8.666, de 1993, observado, quanto à solidariedade, o disposto no inciso IV do § 2º do art. 151; II – construção e ampliação de estações e de redes de distribuição de energia elétrica (Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 4221-9/02); III – construção e ampliação de estações e redes de telecomunicações (CNAE 4221-9/04); IV – construção e ampliação de redes de abastecimento de água, coleta de esgotos e construções correlatas, exceto obras de irrigação (CNAE 4222-7/01); V – construção e ampliação de redes de transportes por dutos, exceto para água e esgoto (CNAE 4223-5/00); VI – construção e ampliação de rodovias e ferrovias, exceto pistas de aeroportos (CNAE 4211-1/01). § 2º Admitir-se-á, ainda, o fracionamento do projeto para fins de matrícula e de regularização, quando envolver: I – a construção de mais de um bloco, conforme projeto, e o proprietário do imóvel, o dono da obra ou o incorporador contratar a execução com mais de uma empresa construtora, ficando cada contratada responsável pela execução integral e pela regularização da obra cuja matrícula seja de sua responsabilidade, sendo considerado cada contrato como de empreitada total; II – a construção de casas geminadas em terreno cujos proprietários sejam cada um responsável pela execução de sua unidade; III – a construção de conjunto habitacional horizontal em que cada adquirente ou condômino seja responsável pela execução de sua unidade, desde que as áreas comuns constem em projeto com matrícula própria. § 3º Na regularização de unidade imobiliária por coproprietário de construção em condomínio ou construção em nome coletivo, ou por adquirente de imóvel incorporado, será atribuída uma matrícula CEI em nome do coproprietário ou adquirente, com informação da área e do endereço específicos da sua unidade, distinta da matrícula efetuada para o projeto da edificação. § 4º As obras de urbanização, assim conceituadas no inciso XXXVIII do art. 322, inclusive as necessárias para a implantação de loteamento e de condomínio de edificações residenciais, deverão receber matrículas próprias, distintas da matrícula das edificações que porventura constem do mesmo projeto, exceto quando a mão-de-obra utilizada for de responsabilidade da mesma empresa ou de pessoa física, observado o disposto no art. 26. § 5º Na hipótese de contratação de cooperativa de trabalho para a execução de toda a obra, o responsável pela matrícula e pela regularização da obra será o contratante da cooperativa. § 6º Não se aplica o fracionamento previsto no inciso III do § 2º, devendo permanecer na matrícula das áreas comuns do conjunto habitacional horizontal, as áreas relativas às unidades executadas: I – pelo responsável pelo empreendimento, conforme definido nas alíneas "b", "c" e "d" do inciso II do art. 19; e II – por adquirente pessoa jurídica que tenha por objeto social a construção, a incorporação ou a comercialização de imóveis. § 7º Na hipótese de execução de obra localizada em outro Estado, a matrícula deverá ficar vinculada ao CNPJ do estabelecimento nele localizado ou, na falta deste, ao CNPJ do estabelecimento centralizador. (Incluído(a) pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1071, de 15 de setembro de 2010)”   Nesse sentido, o lição do art. 47, da Instrução Normativa RFB n° 971, de 13 de Novembro de 2009, não pode ser outra, senão a obrigar o Contribuinte à matricular suas obras de construção civil no CEI, senão vejamos: “Seção Única  Das Obrigações Art. 47. A empresa e o equiparado, sem prejuízo do cumprimento de outras obrigações acessórias previstas na legislação previdenciária, estão obrigados a: IX – matricular-se no CEI, dentro do prazo de 30 (trinta) dias contados da data do início de suas atividades, quando não inscrita no CNPJ; X – matricular no CEI obra de construção civil executada sob sua responsabilidade, dentro do prazo de 30 (trinta) dias contados do início da execução;” Na condição de sujeito responsável pelo recolhimento das contribuições previdenciárias do art. 22, I, da Lei 8.212/91, o Contribuinte é quem possui a obrigação de efetuar os recolhimentos tributáveis, respondendo diretamente pelo cumprimento de tal obrigação principal, o que, per si só, revela o caráter de amplitude de todas suas matrículas CEI ao seu CNPJ principal; vejamos o previsão do art. 78, I; art. 154, I; art. 325 a 328 , da Instrução Normativa RFB n° 971, de 13 de Novembro de 2009: Seção VII  Da Responsabilidade pelo Recolhimento das Contribuições Sociais Previdenciárias “Art. 78. A empresa é responsável: I – pelo recolhimento das contribuições previstas no art. 72; II – pela arrecadação, mediante desconto na remuneração paga, devida ou creditada, e pelo recolhimento da contribuição dos segurados empregado e trabalhador avulso a seu serviço, observado o disposto nos §§ 2º e 4º; III – pela arrecadação, mediante desconto no respectivo salário-de-contribuição, e pelo recolhimento da contribuição do segurado contribuinte individual que lhe presta serviços, prevista nos itens "2" e "3" da alínea "a" e nos itens "1" a "3" da alínea "b" do inciso II do art. 65, para fatos geradores ocorridos a partir de 1º de abril de 2003; VI – pela retenção de 11% (onze por cento) sobre o valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra ou empreitada, inclusive em regime de trabalho temporário, e pelo recolhimento do valor retido em nome da empresa contratada, conforme disposto nos arts. 112 a 150;” “Seção III  Da Solidariedade na Construção Civil Art. 154. São responsáveis solidários pelo cumprimento da obrigação previdenciária principal na construção civil: I – o proprietário do imóvel, o dono da obra, o incorporador, o condômino de unidade imobiliária, pessoa jurídica ou física, quando contratar a execução da obra mediante empreitada total com empresa construtora, definida no inciso XIX do art. 322, observado o disposto no § 3º, ressalvado o disposto no inciso IV do § 2º do art. 151; II – até a competência janeiro de 1999, o proprietário do imóvel, o dono da obra, o incorporador, o condômino de unidade imobiliária, pessoa jurídica ou física, e a empresa construtora, com a empreiteira e a subempreiteira definida no inciso XXXI do art. 322, na contratação, respectivamente, de empreitada ou de subempreitada de obra ou serviço, ressalvado o disposto no inciso IV do § 2º do art. 151; art. 322, na contratação, respectivamente, de empreitada ou de subempreitada de obra ou serviço, ressalvado o disposto no inciso IV do § 2º do art. 151;” “DAS OBRIGAÇÕES DO SUJEITO PASSIVO NA CONSTRUÇÃO CIVIL Seção I  Dos Responsáveis por Obra de Construção Civil Art. 325. São responsáveis pelas obrigações previdenciárias decorrentes de execução de obra de construção civil o proprietário do imóvel, o dono da obra, o incorporador, o condômino da unidade imobiliária não incorporada na forma da Lei nº 4.591, de 1964, e a empresa construtora. Parágrafo único. A pessoa física, dona da obra ou executora da obra de construção civil, é responsável pelo pagamento de contribuições em relação à remuneração paga, devida ou creditada aos segurados que lhe prestam serviços na obra, na mesma forma e prazos aplicados às empresas em geral. Seção II  Das Obrigações Previdenciárias na Construção Civil Art. 326. O responsável por obra de construção civil, em relação à mão-de-obra diretamente por ele contratada, está obrigado ao cumprimento das obrigações acessórias previstas no art. 47, no que couber. Art. 327. O responsável por obra de construção civil está obrigado a recolher as contribuições arrecadadas dos segurados e as contribuições a seu cargo, incidentes sobre a remuneração dos segurados utilizados na obra e por ele diretamente contratados, de forma individualizada por obra e, se for o caso, a contribuição social previdenciária incidente sobre o valor pago à cooperativa de trabalho, em documento de arrecadação identificado com o número da matrícula CEI. § 1º Se a obra for executada exclusivamente mediante contratos de empreitada parcial e subempreitada, o responsável por ela deverá emitir uma GFIP identificada com a matrícula CEI, com a informação de ausência de fato gerador (GFIP sem movimento), conforme disposto no Manual da GFIP. § 2º Sendo o responsável uma pessoa jurídica, o recolhimento das contribuições incidentes sobre a remuneração dos segurados do setor administrativo deverá ser feito em documento de arrecadação identificado com o número do CNPJ do estabelecimento em que esses segurados exercem sua atividade. Art. 328. O responsável pela obra de construção civil, pessoa jurídica, está obrigado a efetuar escrituração contábil relativa a obra, mediante lançamentos em centros de custo distintos para cada obra própria ou obra que executar mediante contrato de empreitada total, conforme disposto no inciso IV do art. 47, observado o disposto nos §§ 5º, 6º e 8º do mesmo artigo. Parágrafo único. Para os fins deste artigo, entende-se por responsáveis pela obra as pessoas jurídicas relacionadas no art. 325.” Por tudo o que foi exposto até aqui, comprova-se que o Contribuinte (empresa exploradora do ramo de construção civil e de incorporação) é a pessoa jurídica responsável pela manutenção de suas próprias matrículas CEI, referente as suas obra de construção civil, em função do que poderá efetuar os recolhimentos das contribuição previdenciárias do art. 22, I, da Lei n° 8.212/91 por meio de seu CNPJ principal, atentando-se ao fato de que a não incidência gravame sobre as verbas trabalhista de natureza indenizatória é extensível e aplicável a ele mesmo, em seu CNPJ principal.  4. DA CONCLUSÃO. A ciência do direito, em especial do direito tributário, exige notados apontamentos doutrinários acerca das reiteradas práticas de arbitrariedades por parte do Ente Administrativo Fiscal – no caso sub examine da Secretaria da Receita Federal do Brasil – o qual,  sob o pretexto de atuar na acirrada legalidade, acaba por desrespeitar a divergência entre texto (moldura)  e norma (conteúdo). Nesse diapasão, ao operador do direito cabe o exercício do poder-dever de garantir a primazia dos princípios constitucionais do devido processo legal e da estrita legalidade, traduzidos na consagrada expressão  do no taxation without representation. Neste ínterim, a cobrança de contribuições previdenciárias – tributos federais – sobre verbas trabalhistas de natureza indenizatória, inclusas na folha de salários do Contribuinte-cidadão, é vista como inconstitucional, sem qualquer tipo de amparo jurídico e, até mesmo, não coadunando-se com a curial regra matriz de incidência, precedentes amplamente pacificados pelos STJ e STF. Portanto, a par dos permissivos legais e dos argumentos alhures admitidos, refuta-se a exigência fiscal das referidas exações federais e, ainda, critica-se a intepretação meramente literal do art. 170-A, CTN, que merece um novo olhar, à luz da celeridade processual e da segurança jurídica, sobre princípio em matéria da tributação.
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A responsabilidade tributária do instituidor da EIRELI nos casos de dissolução irregular da empresa
Este artigo tem como objetivo expor o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da responsabilidade tributária de terceiros com poderes de gestão nos casos de dissolução irregular de empresa. Evidencia-se a possibilidade de responsabilização do instituidor-administrador da EIRELI naqueles casos. Para tanto, utiliza-se do método hipotético-dedutivo aplicado à revisão bibliográfica, quando da conceituação da responsabilidade tributária, que trata de suas limitações e modalidades; da abordagem do redirecionamento da execução fiscal, que cuida da sua natureza jurídica de fenômeno processual e da sua relevância para o sucesso da execução fiscal; e caracterização da EIRELI, que analisa as peculiaridades do novo instituto. Investiga-se a possibilidade de utilização das normas que preveem a responsabilidade de tributária de terceiros, no CTN, serem usadas em desfavor do instituidor-administrador da EIRELI. Restou constatado que, embora não haja consolidação doutrinária ou jurisprudencial específica sobre o tema, o iter lógico a ser seguido para responsabilizar o instituidor-administrador da EIRELI, nos casos em que atuar de maneira irregular – como na dissolução irregular da empresa – é o da utilização da legislação aplicável à responsabilidade tributária para as sociedades limitadas.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) foi instituída pela Lei 12.441/2011. Este novo instituto jurídico trouxe uma alternativa ao antigo instituto do empresário individual. Desde o seu advento, foi dada a faculdade às pessoas naturais de exercerem a atividade empresarial sem precisar se juntar a um sócio ou arriscar todo seu patrimônio pessoal. Em outras palavras, a EIRELI proporcionou ao empresário individual a possibilidade de “blindar” seu patrimônio pessoal. Sem embargo da “blindagem de patrimônio” ser o maior incentivo à constituição da EIRELI, talvez ela não prevaleça em todas as situações. Afinal, a limitação da responsabilidade a pessoa jurídica não pode dar proteção à atuação irresponsável de seu gestor. A norma reguladora da EIRELI prevê a utilização subsidiária das regras das sociedades limitadas, a fim de preencher as lacunas existentes. Com base nisso, este artigo busca demonstrar que, na seara tributária, a responsabilização do instituidor da EIRELI, nos casos de dissolução irregular, deve se dar à semelhança do que ocorre com o sócio da sociedade limitada por quotas de responsabilidade. Para tanto, abordar-se-á a responsabilidade tributária e suas limitações, principalmente no que toca à responsabilização de terceiros em virtude de atuação irregular, com enfoque especial nos casos de dissolução irregular da empresa. Outrossim, far-se-á a comparação entre a responsabilidade do sócio da sociedade de quotas e do instituidor da EIRELI, observando para este os preceitos aplicáveis àquele. 1 EIRELI (EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA) Ao longo dos anos, a ideia da existência de uma “sociedade unipessoal” foi evoluindo. De início, ela era vista como uma “verdadeira heresia jurídica” (ALMEIDA, 2012, p. 82), pois não se concebia, à época, a autonomia patrimonial do “sócio único” de uma empresa.[1] Todavia, essa posição foi, aos poucos, sendo modificada. A própria legislação brasileira já trazia em seu bojo a figura da “sociedade unipessoal” [2], quando do surgimento da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI). Importante destacar que as “sociedades unipessoais” acolhidas pelo direito pátrio não limitavam a responsabilidade do empresário individual[3]. A Lei 12.441/2011 trouxe, para o nosso ordenamento, esta possibilidade. A referida lei instituiu a EIRELI, dando segurança para qualquer pessoa que opte por exercer atividade empresária isoladamente, uma vez que a decisão não mais implicará em arriscar todo o seu patrimônio. Há divergência doutrinária no que diz respeito à opção do legislador de definir a EIRELI como uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado. Na concepção de Fábio Ulhoa Coelho, tem-se que: “Ao examinar-se a classificação das sociedades segundo a quantidade de sócios, criticou-se a opção do legislador e demonstrou-se que a interpretação sistemática do direito positivo conduz à conclusão de que não se trata de nova espécie de pessoa jurídica, mas de nomem juris dado à sociedade limitada unipessoal. (COELHO, 2012, p. 409)”. Defendendo pensamento oposto, Frederico Pinheiro leciona: “A EIRELI não tem natureza jurídica de sociedade empresária, ao contrário do que muitos ainda defendem, mas trata-se de uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado, que também se destina ao exercício da empresa. Tanto que a Lei n. 12.441/2011 incluiu “as empresas individuais de responsabilidade limitada” no rol de pessoas jurídicas de direito privado do art. 44 do Código Civil (inc. VI). […]Outrossim, também não se afigura razoável atribuir à EIRELI a natureza jurídica de ‘sociedade unipessoal’, pois só há que se falar em sociedade se houver mais de um sócio. A criação de uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado não impõe que seja classificada como ‘sociedade unipessoal’.” (PINHEIRO, 2011, p. 3). A jurisprudência pátria adota o entendimento de que a EIRELI é uma espécie nova – e distinta das demais – do gênero empresa[4]. Salienta-se que, independentemente do grupo em que seja alocada, a EIRELI se sujeitará as regras aplicáveis às sociedades limitadas[5], caso não haja determinação específica na lei que a instituiu. 1.1 Instituição por Pessoa Jurídica Haja vista as normas reguladoras da EIRELI não trazerem nenhuma restrição quanto à pessoa que poderá constituí-la, foi suscitada controvérsia sobre sua instituição por pessoa jurídica.  No ensinamento de Ulhoa (2012, p. 409): “a sociedade limitada unipessoal pode ser constituída tanto por sócio único pessoa física, como jurídica.” No mesmo caminho, Pinheiro (2011, p. 3) assevera: “a Lei n. 12.441/2011 vai além e também admite que, sob a roupagem da EIRELI, qualquer pessoa jurídica, isoladamente, constitua uma ou mais subsidiárias integrais, alargando a faculdade que já era admitida, exclusivamente, para as sociedades anônimas.” Em sentido contrário, o enunciado 468 da 5ª Jornada de Direito Civil, in verbis: “A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural.” Corroborando este entendimento, o Manual de Atos de Registros de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, regulamentado pela instrução normativa 117/2011 do Departamento Nacional de Registros de Comércio, prevê que somente pessoas naturais podem instituir EIRELI[6]. Como visto, ainda não existe consenso doutrinário sobre a instituição de EIRELI por pessoa jurídica. Todavia, não paira dúvida sobre a possibilidade de constituição por pessoa natural. Em semelhante caso, é de se observar que a pessoa natural deverá respeitar alguns requisitos para que possa instituir a empresa individual de responsabilidade limitada, os quais serão analisados no próximo tópico. 1.2 Requisitos para instituição da EIRELI Além de observar as normas gerais que cuidam da sociedade empresária[7], a EIRELI deverá obedecer a requisitos específicos previstos pelo artigo 980-A do Código Civil[8] A primeira exigência diz respeito ao capital social[9], é preciso que haja afetação de um patrimônio igual ou superior a 100 (cem salários mínimos). No tocante ao salário mínimo, Cardoso (2012, p. 1) salienta: “deve considerar o valor vigente na data da integralização, sem necessidade de aumentar o capital social a cada reajuste.” Ademais, registra-se ser mister realizar a integralização inicial de todo o capital social. Outrossim, é necessário que o nome empresarial, elemento identificador do empresário ou da sociedade empresária, traga consigo a expressão “EIRELI”. Nas palavras de Ulhoa (2012, p. 411): “No nome empresarial, a sociedade limitada unipessoal, em vez de ostentar na firma ou denominação a locução ‘limitada’, ou sua abreviação ‘ltda.’ (CC, art. 1158), deve agregar-lhe a sigla EIRELI.” Há, também, uma restrição: não é possível, para pessoa natural, participar de mais de uma EIRELI. Observe-se a lição de Fábio Ulhoa: “Se for pessoa física, só pode ser titular de apenas uma EIRELI (CC, art.980-A, §2°). Evidentemente, trata-se de uma limitação aplicável apenas no caso de o único sócio pessoa física pretender manter simultaneamente mais de uma EIRELI. Nada obsta, na verdade, que alguém que fora no passado sócio único de uma sociedade limitada possa, depois da dissolução e liquidação desta, voltar a estabelecer nova EIRELI.” (COELHO, 2012, p. 409). 1.3 Formas de Constituição da EIRELI Constitui-se empresa individual de responsabilidade limitada de três diferentes maneiras. A primeira delas é a criação originária, que se dá pela vontade do instituidor, o qual assinará o ato constitutivo, devendo observar as normas aplicáveis a sociedades limitadas pluripessoais[10]. A segunda via de instituição da EIRELI é pela concentração da totalidade de quotas sociais nas mãos de uma única pessoa[11]. Neste caso, a constituição ocorrerá através da transformação de registro de sociedade limitada em EIRELI. Cardoso (2012), ao comentar sobre esta possibilidade, assevera: “Nessas situações é possível efetuar a transformação, consistente na mudança do tipo social da empresa, ou seja, constitui-se nova sociedade sem a dissolução da anterior e sem prejuízo do direito de eventuais credores”. A última forma possível de constituição ocorre quando há incorporação de quotas, passando uma sociedade empresária a ser única titular das quotas de uma sociedade limitada, que se torna, em virtude disto, uma EIRELI. Nesta esteira, tem-se que:“A terceira via de constituição de uma sociedade limitada unipessoal é restrita à hipótese de ser o sócio único outra sociedade empresária (anônima ou limitada). Trata-se da incorporação de quotas, operação societária semelhante à incorporação de ações destinada à constituição da subsidiária integral. […] Por meio desse expediente, todas as quotas representativas do capital de uma sociedade limitada passam à titularidade as sociedade incorporadora. Esta, por sua vez, aumenta o respectivo capital social proporcionalmente ao valor das quotas incorporadas, para admitir o ingresso em seu quadro de sócios dos antigos membros daquela limitada que se torna unipessoal.” (COELHO, 2012, p. 410). 2 RESPONSABILIDADE DO INSTITUIDOR DA EIRELI O empresário individual, figura presente há anos na legislação pátria, não podia limitar sua responsabilidade no exercício de sua atividade empresarial, porquanto só podia exercê-la por meio de firma individual. Sucede que, embora possua registro no CNPJ, este empresário – representante da firma individual – não poderia afetar parte de seu patrimônio para que respondesse pelas dívidas da pessoa jurídica, pois a universalidade de seus bens deveria responder pelas obrigações da empresa. A firma individual não passa, assim, de uma mera ficção jurídica, uma vez que, na realidade, os patrimônios da empresa e do seu representante se confundem. Em virtude da impossibilidade de limitação patrimonial do empresário individual, surgiu, no Brasil, um grande número de “sociedades de fachada”, nas quais se incluíam “sócios-laranja” ou “sócios testa de ferro” – muitas vezes, familiares do empresário de fato. Estas sociedades visavam driblar a legislação, limitando o patrimônio do sócio, que realmente havia instituído e administrava aquela empresa. Gladston Mamede reflete sobre o problema, ressaltando: “[…] é preciso reconhecer haver um número expressivo das sociedades limitadas, no Brasil, que não constituem sociedades de fato, mas apenas de direito. Nelas não se afere, efetivamente, um encontro de investimentos e esforços de seus sócios; pelo contrário, tem-se um sócio majoritário, que é aquele que efetivamente investiu na constituição da pessoa jurídica e da empresa e que dela se ocupa, e um sócio minoritário (esposa, irmão, filho, primo etc.) que nada investiu de fato, que sequer se interessa pelo que se passa com a sociedade. Está ali apenas para garantir a pluralidade de pessoas que, salvo exceções específicas, é necessária para que se tenha uma sociedade (pessoa jurídica). E apenas por meio de uma sociedade o empreendedor pode se beneficiar de um limite de responsabilidade entre a atividade empresarial e o patrimônio pessoal dele.” (MAMEDE, 2007, p. 372). A fim de sanar este problema, surge a EIRELI, uma alternativa à firma individual. Através dela, a pessoa natural que desejar exercer atividade empresária, desde que atenda aos pressupostos legais, não mais precisará colocar em risco seu patrimônio individual. Assim, o representante de empresa individual prescindirá do uso de artifícios para limitar sua responsabilidade.[12] Do exposto, Cardoso (2012, p. 1) extrai a regra: “Ao contrário do empresário individual, o sócio único da EIRELI só pode ser responsabilizado até o limite do capital de sua empresa.” Importante destacar que há exceções, mormente nos casos de desconsideração da pessoa jurídica. Com fundamento na existência destas exceções é que o §4° do artigo 980-A do CC foi vetado[13]. O mencionado dispositivo previa que:“Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.” (BRASIL, 2002, p. 26). Além de desprezar a existência de exceções previstas pela lei, as quais dão direito a atingir o patrimônio dos sócios de uma pessoa jurídica em determinados casos; a expressão “em qualquer situação” daria ensejo a um tratamento diferenciado entre as empresas individuais de responsabilidade limitada e as sociedades limitadas. Dessa maneira, o dispositivo iria de encontro à regra que prevê seja dispensado àquelas o mesmo tratamento que se dá a estas.[14] 3 REGIME TRIBUTÁRIO Após sua constituição, a EIRELI poderá enquadrar-se como Microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP), bastando que preencha os requisitos exigidos pelo art. 3º da Lei Complementar n. 123/2006[15]. Assim, será beneficiada pelo SIMPLES, regime tributário dessas categorias, que “não são modalidades de sociedade empresária, mas sim de classificação para fins tributários.” (CARDOSO, 2012, p. 1). Noutro giro, é vedada a caracterização da EIRELI como microempreendedor individual (MEI), a que se refere o art. 68 da Lei Complementar n. 123/2006[16]. Isto, porque a aplicabilidade da regra se cinge a pessoas naturais, o que não corresponde à realidade da EIRELI, que é pessoa jurídica. 4 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA 4.1 Responsabilidade no Código Tributário Nacional (CTN) A responsabilidade, em sentido ordinário, é obrigação de responder por atos próprios, alheios, ou por uma coisa confiada. No direito, em sentido amplo, é tida como dever de cumprir prestação de dar, fazer ou não fazer.[17] No direito tributário, todavia, a expressão é tomada em acepção estrita. Seu sentido, haurido das lições de Harada (2010, p. 484-485) é “de atribuir, legalmente, a uma pessoa que não realizou a situação descrita na norma impositiva, o dever de efetuar a prestação”. “Diz-se que há responsabilidade tributária sempre que, pela lei, ocorrido o fato imponível, for posta no polo passivo do consequente (na qualidade de obrigado tributário, portanto) pessoa diversa do promovente ou realizador do fato que suscitou a incidência do artigo 121, parágrafo único, I, CTN (o contribuinte strictu sensu ou sujeito passivo ‘natural’ ou ‘direto’, como usualmente designado) isto é, um terceiro, expressamente referido na lei. (BARRETO, 2009, p. 133-134)”. De acordo com Fiuza (2004, p. 696), no Direito Civil também existe a possibilidade de “um indivíduo responder por danos provocados pela conduta de outra pessoa. Isso ocorrerá, sempre que faltarmos com o dever de bem vigiar ou escolher”. O Código Tributário Nacional (CTN) conceitua a sujeição passiva em seus artigos 121 e 122[18], considerando o sujeito passivo tributário como a pessoa apta a realizar a devida prestação inerente à obrigação tributária. Nesta trilha, Costa (2009, p. 190) afirma ser o sujeito passivo “aquele a quem incumbe um comportamento positivo ou negativo, estatuído no interesse da arrecadação tributária.” Impende ressaltar que a responsabilidade, nos moldes em que foi adotada pelo CTN, deu azo ao Codex para disciplinar a sujeição passiva com dois enfoques. Assim, tem-se o sujeito passivo direto, que é o contribuinte, aquele que possui relação pessoal e direta com o fato. Nas palavras de Jardim (2007, p. 266), “aquele que realiza o fato jurídico previsto em lei tributária (fato gerador).” Há também o sujeito passivo indireto, que é o responsável, um terceiro em relação ao evento descrito na hipótese de incidência, o qual é definido, ex lege [19], para responder pela obrigação tributária. O contribuinte seria o protagonista a contracenar com o Fisco, ao passo que o responsável seria o coadjuvante escolhido, pelo diretor, para atuar em seu lugar ou ao seu lado. É de se consignar que não é possível colocar em cena alguém totalmente alheio à relação Fisco-Contribuinte, sob pena de macular toda a história, tornando-a sem sentido. Neste tom, caberá ao legislador definir sujeito passivo que guarde alguma relação com a hipótese de incidência. No escólio de Amaro (2007, p. 305), “o terceiro é elegível como sujeito passivo à vista de um liame indireto com o fato gerador.” O próprio Código apresenta aquela limitação ao asseverar, em seu artigo 128: “[…] a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação.” (BRASIL, 1966, p. 23, grifou-se). De pronto se enxerga, portanto, que a legislação veda a arbitrariedade do legislador no tocante à escolha de quem figurará como responsável. Frisa-se, porém, não ser exclusividade da lei restringir a atuação do legislador, pois a Constituição Federal também o faz, como restará demonstrado a seguir. 4.2 Limitações Constitucionais A Carta Magna, como mencionado alhures, limita a atividade do legislador no tocante à eleição dos sujeitos passivos das relações obrigacionais tributárias. Nesta senda, tem-se: “[…] a Constituição tira a liberdade do legislador, em matéria de direcionamento do ônus tributário. No processo legislativo, não poderá haver eleição arbitrária ou aleatória de sujeitos passivos de tributos. Pelo contrário, o legislador deverá ater-se estritamente ao critério constitucional de eleição do sujeito passivo, que já está na ‘regra matriz’ do tributo, tal como plasmada na Constituição”. (BARRETO, 2009, p. 136). As barreiras ao poder de escolha do legislador são construídas por princípios e regras constitucionais. É de se assinalar que existem inúmeras normas que limitam o poder de tributar, mas, para fins deste artigo, estudar-se-ão apenas aquelas mais diretamente relacionadas ao tema da responsabilidade tributária. O artigo 146, III, ‘a’, da Carta Maior, afirma que cabe à lei complementar: “Estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.” (BRASIL, 1988, p. 31, grifou-se). Assim, constata-se que o texto constitucional determina ser por meio de Lei Complementar a regulamentação da matéria. Outrossim, o artigo 5°, LIV da CF exige razoabilidade na escolha do terceiro que irá figurar no polo passivo da obrigação tributária, porquanto “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (BRASIL, 1988, p. 1). Neste sentir, Luciano Amaro a seguir ensina: “Em suma, o ônus do tributo não pode ser deslocado arbitrariamente pela lei para qualquer pessoa […], ainda que vinculada ao fato gerador, se essa pessoa não puder agir no sentido de evitar esse ônus nem tiver como diligenciar no sentido de que o tributo seja recolhido à conta do indivíduo que, dado o fato gerador, seria elegível como contribuinte”. (AMARO, 2007, p. 312). Pelo mesmo iter segue Barreto, ao elencar os requisitos para que haja a responsabilização de terceiros, quais sejam: “a) a obrigação tem de ser estruturada tendo em vista as características objetivas do fato tributário implementado pelo contribuinte […]; b) os elementos subjetivos que eventualmente concorram para a realização do fato, ou para a formação da obrigação, têm de ser estabelecidos em consideração à pessoa do contribuinte ( e não à pessoa do responsável ou substituto). […]; c) não deve ser suportada pelo terceiro responsável a carga do tributo. É inafastável que lhe seja objetivamente assegurado o direito de haver (percepção) ou de descontar (retenção) do contribuinte o quantum do tributo que deverá pagar por conta daquele”. (BARRETO, 2009, p. 134, grifou-se). Demais disso, o artigo 145, §1°, da Constituição de 1988, estatui ser mister a observância do princípio da capacidade contributiva. O referido dispositivo também exige que a pessoa privada de parte do patrimônio seja aquela a qual deu ensejo à hipótese de incidência, isto é, a que foi beneficiada com a ocorrência do fato. Assim, é de se inferir que um tributo, por exigência constitucional implícita, não poderá deixar de ser cobrado de alguém – licitamente definido como sujeito passivo – para ser exigido de outra pessoa, em virtude de mera comodidade do ente estatal, no momento do seu recolhimento. Ainda em observância ao princípio da capacidade contributiva, impende destacar que cada pessoa é sujeito de direitos e obrigações particulares. Uma destas obrigações é o dever fundamental de pagar tributos[20], que se dá unicamente entre o Fisco e o contribuinte, desde revelada sua capacidade contributiva. Destarte, é de se registrar que a responsabilidade tributária não advirá simplesmente da ocorrência da hipótese de incidência tributária, mas de determinação legal que estatua a obrigação do terceiro de responder pela dívida originariamente de outrem. Não sendo por outra razão que se exige o vínculo entre o responsável e o contribuinte ou entre ele e o fato gerador. A bem da verdade, somente é possível que se caracterize a responsabilidade caso a conduta do terceiro produza danos aos interesses da Fazenda Pública. Para ilustrar o tema, remete-se à decisão do STF no RE 562276[21], na qual, acertadamente, aquela corte determinou a inconstitucionalidade do artigo 13 da Lei 8620, por violação ao artigo 146, III da CF e em virtude da irrazoabilidade do que havia sido estabelecido pelo legislador. Apesar de revogado pela Lei 11.941, o dispositivo em comento ainda era utilizado – antes da supracitada decisão –, pela Fazenda Nacional, para redirecionar as execuções fiscais em desfavor dos sócios, mesmo sem que estes se subsumissem aos requisitos para figurarem como responsáveis pela obrigação tributária. Imperioso ressaltar que, observados os pressupostos, é lícito designar pessoa como responsável para adimplir obrigação, o que é realizado, pelo CTN, de distintas maneiras. 5 MODALIDADES DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Há vários motivos pelos quais se determina um terceiro como responsável tributário. Diversas são, igualmente, as técnicas utilizadas pelo legislador para caracterizar alguém como sujeito passivo indireto da obrigação tributária. Em virtude desta multiplicidade, a doutrina pátria, observando o momento do ingresso do terceiro no polo passivo[22], classificou a responsabilidade em dois grupos: o da substituição e o da transferência. Para Luciano Amaro, tem-se que: “A diferença entre ambas estaria em que, na substituição, a lei desde logo põe o ‘terceiro’ no lugar da pessoa que naturalmente seria definível como contribuinte, ou seja, a obrigação tributária já nasce com seu polo passivo ocupado por um substituto legal tributário. Diversamente, na transferência, a obrigação de um devedor (que pode ser um contribuinte ou responsável) é deslocada para outra pessoa, em razão de algum evento”. (AMARO, 2007, p. 307). Salienta ainda Amaro (2007, p. 307), que “pode ocorrer, portanto, que a obrigação tributária de um sujeito passivo que já possua a condição de responsável se transfira para outra pessoa, que também se dirá responsável.” Importante ressaltar que, segundo lições doutrinárias, os casos de responsabilidade por sucessão, por solidariedade e de terceiros estão agasalhados pelo conceito de responsabilidade por transferência. Sousa (apud AMARO, 2007, p. 308) dispôs sobre a classificação dos modos de sujeição passiva indireta “desdobrando a transferência em três subespécies: a sucessão, a solidariedade e a responsabilidade (expressão esta que, como vimos, veio, no CTN, a ser empregada para designar genericamente todos os casos de sujeição passiva indireta).” Outrossim, segundo escólio de Alexandre (2012, p. 293) “a responsabilidade ‘por transferência’ abrange os casos de responsabilidade ‘por sucessão’, ‘por solidariedade’ e ‘de terceiros’.” O CTN, por sua vez, dispõe da matéria de forma diferente da doutrina. O Codex separa as hipóteses de responsabilidade em três modalidades: dos sucessores (artigos 129 a 133); de terceiros (artigos 134 e 135); por infrações (artigos 136 a 138). Evidente, portanto, que o diploma reserva outra seção para a solidariedade. Embora a localização da solidariedade no CTN tenha suscitado fervorosas críticas doutrinárias, entende-se acertada sua separação do tema da responsabilidade. Isto, porque “a solidariedade é instituto que implica uma corresponsabilidade, segundo a qual a obrigação é satisfeita, em sua totalidade, ou por um dos devedores, ou por alguns, ou por todos, de conformidade com o disposto em lei.” (CASSONE, 2007, p. 171). Seguindo o mesmo caminho, Alexandre (2012, p. 293) assevera: “Não obstante a lição doutrinária, agiu bem o legislador tributário ao tratar da solidariedade fora das regras sobre responsabilidade, uma vez que os devedores solidários possuem interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.” A seguir serão analisadas, pormenorizadamente, as modalidades de responsabilidade adotadas pelo CTN. Dar-se-á enfoque especial a responsabilidade de terceiro decorrente do artigo 135, posto ser a dissolução irregular tida como causa para sua aplicação. 5.1 Responsabilidade por Substituição Na lição de Alexandre (2012, p. 295), a responsabilidade por substituição se dá se “desde a ocorrência do fato gerador, a sujeição passiva recai sobre uma pessoa diferente daquela que possui relação pessoal e direta com a situação descrita em lei como fato gerador do tributo.” Para Cassone (2007, p. 169), a ocorrência se dá quando “em virtude de disposição expressa em lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, fato ou situação tributados.” Logo, na responsabilidade por substituição, desde o nascedouro, a sujeição passiva é indireta, dirigida a pessoa diversa daquela que protagonizou a situação descrita na hipótese de incidência. Subdivide-se em: substituição tributária regressiva e progressiva. Não há grande relevância, para este artigo, a análise dos mencionados institutos. Em face dos limitados objetivos deste estudo, frisar-se-á apenas o fato de que parte da doutrina considera a ocorrência deste tipo de responsabilidade nos casos em que o artigo 135 do CTN é infringido. Nesta senda, Cassone (2007, p.169), após conceituar a responsabilidade por substituição, afirma: “É o que se dá com o art. 135 (além das hipóteses previstas em lei).” E exemplifica a questão, descrevendo hipótese de dissolução irregular de pessoa jurídica, em que foi pedida a citação do sócio, para figurar no polo passivo, com base no artigo 135, III c/c artigo 4° da Lei de Execução Fiscal. Alexandre (2012, p. 332) reforça o entendimento ao prelecionar: “Como o surgimento da responsabilidade é contemporâneo ao fato gerador do tributo, não decorrendo de transferência da sujeição passiva surgida em momento anterior, tem-se que o art. 135 do CTN estatui hipótese de responsabilidade por substituição”. Para Cassone (2007, p. 170), o caso comentado pelo autor é o RE 113.853/RJ. Ressalta-se que o art. 4° da Lei 6830 traz a seguinte redação “A execução fiscal poderá ser promovida contra: […] V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado.” O art. 135 do CTN será analisado, detalhadamente, no próximo tópico. 5.2 Responsabilidade por Transferência Na responsabilidade por transferência se constata uma transmutação da sujeição subjetiva, pois, assegura Sousa (apud HELENA, 2009, p. 197), a transferência se dá sempre que “a obrigação tributária, depois de ter surgido contra uma pessoa determinada (que seria o sujeito passivo direto), em virtude de um fato posterior, transfere-se para pessoa diferente (que será o sujeito passivo indireto).” Do seu âmago surgem alguns subtipos, falando-se somente dos tratados pelo CTN na seção da responsabilidade, tem-se: a responsabilidade por sucessão e a de terceiros[23]. Em sucinta e precisa definição, Cassone (2007, p. 171) ensina: “A responsabilidade dos sucessores se dá em virtude do desparecimento do devedor originário.” Alexandre, por sua vez, é categórico: “Como já estudado, ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação tributária, que possui como sujeito passivo um contribuinte legalmente definido. Posteriormente, ocorre um evento que transfere a sujeição passiva a um responsável expressamente designado por lei. Tem-se a sucessão, pois o responsável sucede o contribuinte como sujeito passivo do tribute”. (ALEXANDRE, 2012, p. 305). Há inúmeros exemplos de ocorrência da responsabilidade por sucessão[24]. Dentre eles, escolheu-se aquele com maior interação temática com este artigo para ilustrar a questão: os casos de extinção irregular da sociedade. O artigo 132, Parágrafo único, prevê que serão responsáveis quaisquer sócios remanescentes (ou seus espólios) se continuarem a exploração da mesma atividade a que se dedicava a sociedade extinta. Alexandre (2012, p. 319), a partir daquele raciocínio, conclui: “há amparo legal para que a Administração Tributária cobre tributos nas extinções fraudulentas, ou meramente de ‘fachada’, em que a sociedade é artificiosamente extinta e os respectivos sócios continuam exercendo a mesma atividade.” De seguinte, adverte-se que, conforme será detalhado mais à frente, a responsabilidade de terceiros cuida, também, da responsabilização dos sócios em virtude de atos por eles praticados e omissões a eles imputáveis, no caso de extinção de sociedade de pessoas e no de dissolução irregular da pessoa jurídica. 6 RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS Como já mencionado acima, todo responsável, pessoa estranha à relação Fisco-Contribuinte, é tido como terceiro[25]. O CTN, porém, reserva os artigos 134 e 135[26] para tratar da responsabilidade de terceiros – como se só naqueles casos a figura do terceiro se fizesse presente. O artigo 134 traz hipóteses relacionadas a atos e omissões de terceiros, os quais acarretam a responsabilidade tributária. Da leitura do dispositivo, extrai-se ser necessária a presença de dois requisitos para que a responsabilidade seja transferida ao terceiro, quais sejam: impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte e ação ou indevida omissão imputável à pessoa designada como responsável. É manifesta a presença do benefício de ordem na cobrança do tributo, pois só responderá o responsável, caso o contribuinte não cumpra a obrigação. Infere-se, daí, ser responsabilidade subsidiária a descrita no dispositivo, e não solidária, como consta no Codex. No que diz respeito ao segundo requisito, Amaro ressalta: “Observe-se que não basta mero vínculo decorrente da relação de tutela, inventariança etc., para que se dê a eleição do terceiro como responsável; requer-se que ele tenha praticado algum ato (omissivo ou comissivo), pois sua responsabilidade se conecta com os atos em que tenha intervindo ou com as omissões pelas quais for responsável”. (AMARO, 2007, p. 326). Neste sentir, tem-se: “Mesmo com a impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, somente haverá responsabilidade dos ‘terceiros’ enumerados nas alíneas do art.134 se estes tiverem participado ativamente da situação que configura fato gerador do tributo ou tenham indevidamente se omitido”. (ALEXANDRE, 2012, p. 326). O artigo 135 estabelece a responsabilidade nos casos em que o terceiro viola a lei, o contrato social ou o estatuto, ou seja, atua de maneira irregular. Ainda à luz dos ensinamentos de Amaro (2007, p.327), para que reste configurada esta hipótese de responsabilidade, enxerga-se a necessidade de “haver prática de ato para o qual o terceiro não detinha poderes, ou de ato que tenha infringido a lei, o contrato social ou o estatuto de uma sociedade”. O dispositivo reza serem “pessoalmente responsáveis” as pessoas elencadas em seus incisos, desde que realizem a conduta supradescrita. Ao fazer uma interpretação literal, Amaro (2007, p.327) proclama: “não se trata, portanto, de responsabilidade subsidiária de terceiro, nem de responsabilidade solidária. Somente o terceiro responde, ‘pessoalmente’.” Contudo, Cassone (2007, p. 170) doutrina: “pelo que se vê, o dispositivo, indiretamente, exclui a responsabilidade da pessoa jurídica, que é desconsiderada, para atribuir a responsabilidade a pessoa física que cometeu o excesso não autorizado. Mas, em verdade, opera-se a solidariedade.” Alexandre (2012, p. 331, grifou-se) arremata afirmando que a “responsabilidade será pessoal e não apenas solidária.” Valendo-se do escólio dos mestres e do brocardo que anuncia “quem pode mais, pode menos”, conclui-se que caberá ao credor optar entre a responsabilidade solidária e a pessoal do agente do ato irregular. Os dispositivos sobre os quais foram tecidos breves comentários devem ser levados em conta como regras matrizes, bússolas da responsabilidade de terceiros. Estabelecidas todas aquelas premissas, abordar-se-á a consequência processual mais significante da responsabilização do terzo: o redirecionamento da execução fiscal. 7 REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL O redirecionamento é uma mudança dos sujeitos no polo passivo da execução, que deve ocorrer quando há “modificação subjetiva no polo passivo da obrigação” (AMARO, 2007, p. 303). Essencial à compreensão do instituto é distinguir as relações processual e de direito material. Os pressupostos desta são definidos pelas normas gerais – que tratam da responsabilidade tributária – estudadas acima, ao passo que os daquela são: o inadimplemento da obrigação e o título executivo (STJ, 2006). Em precisa lição, Arthur César afiança: “Redirecionamento é um fenômeno processual. Significa deslocar o foco do processo de execução em direção ao patrimônio de terceiro que, de alguma forma, possa ser legalmente responsabilizado pelo débito exequendo. Noutro giro, traz-se outra pessoa para o polo passivo da execução”. (PEREIRA, 2011, p. 15). Interessante rememorar que o fenômeno do redirecionamento não se cinge à seara tributária, fazendo-se presente, também, em diversos dispositivos do Código Civil[27] e da legislação extravagante[28]. Logo se vê que o instituto é amplamente adotado pela legislação pátria. Assim, garante-se ao exequente mais uma ferramenta para ver atendido seu crédito. Nos casos da execução fiscal, em especial, a recuperabilidade do crédito público é baixíssima. O estudo sobre o “Custo unitário do processo de execução fiscal na justiça federal”, produto de uma parceria entre o IPEA e o CNJ, traz diversos dados estatísticos neste sentido (2011, p. 33): “O processamento da execução fiscal é um ritual ao qual poucas ações sobrevivem. Apenas três quintos dos processos de execução fiscal vencem a etapa de citação (sendo que em 36,9% dos casos não há citação válida, e em 43,5% o devedor não é encontrado). Destes, a penhora de bens ocorre em apenas um quarto dos casos (ou seja, 15% do total), mas somente uma sexta parte das penhoras resulta em leilão. Contudo, dos 2,6% do total dos processos que chega a leilão, em apenas 0,2% o resultado satisfaz o crédito. (IPEA, 2011, p. 33)”. Ademais, outros dados corroboram o acima demonstrado, como o fato de que, em um período de dez anos (1994 a 2004), a União arrecadou pouco mais de R$ 13 bilhões. O montante, apesar de parecer alto, é uma pequena parte do todo da dívida – que, na época, era de R$ 240 bilhões (CASTRO et al., 2005, p. 10). Acresça-se ao quadro o elevadíssimo índice de mortalidade das empresas brasileiras[29], que deixam de funcionar, sem, na maioria das vezes, deixar qualquer bem para garantir seus débitos. O redirecionamento, desse modo, é um meio de remediar a situação. 7.1 Objetivos do Redirecionamento da Execução Fiscal É mais comum do que se imagina as pessoas jurídicas executadas não possuírem patrimônio algum ao tempo do ajuizamento da execução. Em decorrência disto, as execuções fiscais não logram êxito em recuperar o crédito público. De suma importância para os entes fazendários é redirecionar a execução em face dos sócios que derem azo a esta possibilidade. Nesta toada, é possível que a Fazenda Pública atinja os bens dos integrantes do quadro societário das pessoas jurídicas devedoras, desde que preenchidos os requisitos legais. A principal meta do redirecionamento é, por óbvio, ver adimplida a obrigação. Sendo assim, sua finalidade precípua é garantir a arrecadação do crédito público. Mas este é apenas um dos objetivos do redirecionamento, o de caráter fiscal. O instituto se destina a outros fins extrafiscais, como proteção ao princípio da isonomia e da livre concorrência. Explica-se. É dever constitucional de todos os cidadãos pagar tributos, sendo uma consequência do princípio da igualdade. É fácil enxergá-lo dessa forma no momento de incidência das normas tributárias, as quais, como foi visto, são instituídas em consonância com o princípio da capacidade contributiva. Na ocasião do cumprimento da lei, porém, alguns cidadãos recolhem espontaneamente o tributo, enquanto outros não. Dessa forma, é preciso compelir o devedor a pagar o tributo devido, a fim de que os efeitos da incidência da lei também sejam igualitários. Tem-se aqui o instante em que a Fazenda Pública deve se valer de todos os instrumentos que possui para cobrar o crédito e promover a justiça fiscal. É evidente que há grave prejuízo para a livre concorrência se uma empresa carreia aos cofres públicos os tributos devidos, ao passo que outra empresa, do mesmo ramo, deixa de pagá-los. Isto, porque aquela que não recolheu o tributo e, consequentemente, não foi onerada com a altíssima carga tributária nacional, poderá comercializar seus produtos e serviços por preços inferiores aos das demais. Não se deve olvidar da máxima “a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza”. Parece ser o caso. A empresa inadimplente se beneficia exatamente em virtude de sua atitude contra legem, passando a dispor de mais capacidade para investir, além de perceber maior lucro. A concorrente, por sua vez, é prejudicada mesmo tendo obedecido a seus deveres fiscais. O instrumento utilizado pela Fazenda Pública para igualar a situação da empresa contribuinte a da empresa devedora é a execução fiscal, na qual o escopo é obrigar esta a cumprir seu dever. 7.2 Redirecionamento da Execução Fiscal Decorrente de Atuação Irregular Como já mencionado, é alto o insucesso da execução fiscal em razão da inexistência de bens da pessoa jurídica. Como ninguém ignora, o patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios que a compõem não se confundem. Assim, o patrimônio dos sócios fica protegido dos atos de execução. Porém, é de se assinalar que, por vezes, os sócios responsáveis pela gestão da pessoa jurídica atuam de maneira irregular, extrapolando suas funções e dando ensejo ao nascimento ou inadimplemento de obrigações tributárias. Não seria justo, então, eles usufruírem desse patrimônio enquanto os sócios das empresas concorrentes lutam para se salvar dos prejuízos causados pela concorrência ilegal e desleal. Em razão disso, o CTN prevê, em seu artigo 135, a responsabilização dos “diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”, que atuarem com “excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.” (BRASIL, 1966, p. 21). Ao tratar do tema, em seu voto no RE 562.276, a Ex Ministra Ellen Gracie ensina: “O pressuposto de fato ou hipótese de incidência da norma de responsabilidade, no artigo 135, III, do CTN, é a prática de atos, por quem esteja na gestão ou representação da sociedade, com excesso de poder ou à infração a lei, contrato social ou estatutos e que tenham implicado, se não no surgimento, ao menos o inadimplemento de obrigações tributárias”. (BRASIL, 2010, p. 2). Extrai-se do referido dispositivo um dever implícito de, na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica, agir com esmero, observar os ditames da lei e atuar sem exploração dos poderes legais e contratuais de gestão, objetivando o não cometimento de ilícitos que acarretem o inadimplemento de obrigações tributárias. É pacífico o entendimento no sentido de que o ilícito precisa ser qualificado, ou seja, dele deve surgir a própria obrigação ou seu inadimplemento. Registre-se que o ilícito não se confunde com o mero atraso no pagamento dos tributos, possibilidade inerente ao risco do negócio. Tal pensamento foi consagrado pela Súmula STJ, enunciado 430, que reverbera: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio gerente.” O artigo 135, III regula, assim, a responsabilidade dos sócios administradores da empresa de forma geral. Possui estrutura própria e requer a existência de um fato determinado, sem o qual não é possível atribuir a responsabilidade ao terceiro. Estes fatos específicos devem ser analisados caso a caso, uma vez que o legislador não os abordou pormenorizadamente. Alguns casos, entretanto, repetem-se com tanta frequência que os Tribunais já uniformizaram a jurisprudência estabelecendo se configura ou não hipótese de atuação irregular. Dentre eles, está a dissolução irregular da empresa, que será analisada a seguir. 7.3 Redirecionamento nos casos de dissolução irregular da empresa Há divergência no que diz respeito ao dispositivo legal no qual se enquadraria a responsabilidade do sócio gerente no caso de dissolução irregular. Parte da doutrina defende que a hipótese subsumiria ao previsto no artigo 134, VIII c/c 135, III [30]; outra parcela, ao previsto no artigo 137[31]. A doutrina majoritária e os tribunais superiores, porém, entendem que a responsabilidade do sócio administrador de empresa dissolvida irregularmente advém simplesmente do artigo 135, III. Neste trabalho, adotar-se-á o último entendimento. O Superior Tribunal de Justiça, em sua Súmula, n° 435, afirma: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. O rol elencado pelo enunciado, entretanto, não exaure as hipóteses de caracterização da dissolução irregular. Essa pode ocorrer por diferentes meios, como: informações da Justiça Trabalhista de que a pessoa jurídica não cumpre as obrigações devidas a seus empregados; informações nos sistemas próprios das Procuradorias das Fazendas Públicas de que a empresa está inativa; promoção de baixa nos registros com apuração de débitos realizada posteriormente, entre outros. Salienta-se ser mister a reunião de indícios de que a pessoa jurídica encerrou suas atividades de forma irregular. Comprovada a dissolução irregular, é preciso identificar os sócios que atuavam com poderes de gerência à época em que se deu a dissolução, pois só a eles poderá ser transferida a responsabilidade. Nas palavras de Grupenmacher (2005, p. 425), “em ocorrendo encerramento irregular da empresa, com intenção de fugir ao pagamento dos débitos de natureza tributária, a responsabilidade pessoal permanece em função do encerramento fraudulento da sociedade.” Apoiando este entendimento, Ferragut a diz: “Assim, não basta indicar o nome de todos os sócios constantes do contrato social, é imperioso que se individualize o autor da dissolução irregular, demonstrando ao menos qual sócio geria a sociedade e decidia pela prática dos negócios empresariais tipificados como fatos jurídicos tributários (ou que, de alguma forma, pudessem resultar em obrigações tributárias)”. (FERRAGUT, 2006, p. 307). Desta forma, os sócios a serem responsabilizados serão aqueles cujos nomes constem dos atos constitutivos e tenham poderes de gerência à época da dissolução. Impende ressaltar que caberá ao credor comprovar que o administrador agiu com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos. Nesta linha, o STJ decidiu no AgRg REsp 276.779/SP: “Prova não feita pelo Fisco de que, na época da ocorrência do fato gerador tributável, o recorrido era sócio, da sociedade ter sido dissolvida irregularmente ou de que ele exercia função de sócio-gerente.” Tendo isto em vista, infere-se que, em regra, os sócios não respondem pelas obrigações da empresa. No entanto, esta regra, como qualquer outra, comporta exceções, dentre as quais se encontra a hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica. Neste caso, desde que a Fazenda Pública logre provar qual sócio ocupava o cargo de gerência no momento da dissolução, a execução poderá ser redirecionada em face dele. Após o redirecionamento, o patrimônio do sócio-gerente passará a também responder pela dívida. Salienta-se que o sócio-quotista não poderá ser responsabilizado, porquanto a responsabilização se dará não pelo fato do administrador ser sócio, mas sim por possuir o poder de gerir a instituição, acrescido ao mau uso deste poder. 8 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO INSTITUIDOR DA EIRELI EM CASO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA A responsabilidade do instituidor da EIRELI ocorrerá à semelhança da do sócio na sociedade de responsabilidade limitada. Depreende-se disto que o “sócio único” da EIRELI responderá, via de regra, somente pelo capital integralizado, nos termos do artigo 1052 do Código Civil: “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.” (BRASIL, 2002, p. 88). Esta limitação, contudo, não permite a irresponsabilidade relativa aos deveres de gestão, nos casos do instituidor ser também administrador da empresa – hipótese mais provável. Requião (2012, p. 600) reverbera: “desde que atue dentro da legalidade, segundo as normas do contrato ou da lei, o sócio-gerente está imune à responsabilidade. A solidariedade surge quando age ilegalmente, contra a lei ou contra o contrato.” Neste tom, tem-se que: “A limitação da responsabilidade do sócio não equivale à declaração de sua irresponsabilidade em face dos negócios sociais e de terceiros. Deve ele ater-se, naturalmente, ao estado de direito que as normas legais traçam, na disciplina do determinado tipo de sociedade de que se trate. Ultrapassando os preceitos da legalidade, praticando atos como sócio, contrários à lei ou ao contrato, tornam-se pessoal e ilimitadamente responsáveis pelas consequências de tais atos”. (REQUIÃO, 2012 apud ALMEIDA, 2012, p. 155). Nesta esteira de raciocínio, diversos dispositivos do Código Civil preveem a responsabilidade ilimitada do sócio de sociedade limitada e, por analogia, do instituidor-administrador da EIRELI. Apenas para ilustrar, transcrever-se-á o artigo 1016 do diploma, que dispõe: “Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.” (BRASIL, 2002, p. 84). Na mesma linha segue o Código Tributário Nacional, que, em seu artigo 135, determina a responsabilização do sócio-gerente nos casos em que há violação à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Destarte, entende-se ser possível a responsabilização do instituidor-administrador da EIREILI, uma vez que o próprio § 6º do art. 980-A do CC prevê a aplicação, de maneira subsidiária, das regras referentes às sociedades limitadas. Assim sendo, caberá ao instituidor-gerente responder, solidariamente com a empresa individual de responsabilidade limitada[32], pelos tributos devidos, nos casos em que atuou de maneira irregular. Um dos casos mais recorrentes de atuação irregular, como já foi dito, é o da dissolução irregular da empresa. Sobre isto, tem-se que: “A extinção da sociedade sem a observância dos requisitos legais (apuração do ativo e pagamento do passivo), por implicar em violação à lei, torna os sócios, ainda que de responsabilidade limitada, solidária e ilimitadamente responsáveis, ensejando, outrossim, a execução de seus bens particulares”. (ALMEIDA, 2012, p. 156). Naqueles casos, no tocante às execuções fiscais, existe a possibilidade de redirecionamento em face do sócio-gerente. Parece ser o caso, então, de também ser possível redirecionar para o instituidor-administrador da EIRELI. Ressalta-se que, para redirecionar a execução fiscal, caberá a Fazenda Pública confeccionar a prova de que o instituidor realmente exercia poderes de gestão à época em que a sociedade foi dissolvida irregularmente. Isto é uma das grandes diferenças com relação ao empresário individual, cujos bens se confundem com os da empresa. A jurisprudência pátria já começou a se manifestar sobre o tema. Neste sentido, excerto do STJ:  “EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. PRESCRIÇÃO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DO TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. TÍTULO HÁBIL À LASTREAR A EXECUÇÃO. I. A empresa embargante, constituída como firma individual, […] III. Irrelevantes as razões relativas aos limites do instrumento de mandato outorgado pela firma individual para conferir poderes de contrair empréstimo apenas em nome da empresa, uma vez que o patrimônio do empresário individual confunde-se com o da mesma para responder pelas dívidas existentes, posto que não constituída como empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI)”. (BRASIL, 2012, p. 2, grifou-se). Desse modo, constata-se que a responsabilidade tributária do instituidor da EIRELI o coloca na mesma posição do sócio de sociedade limitada, e, portanto, em grande vantagem se comparado ao empresário individual. Todavia, isto não o isenta de responder pelos atos que praticar com excesso de poder, ou infração à lei, ao contrato social e ao estatuto, sobretudo no caso de dissolução irregular da pessoa jurídica. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), novo instituto jurídico incrustado no ordenamento pátrio pela Lei 12.441, que modificou o Código Civil, acrescentando-lhe o artigo 980-A, teve como escopo limitar a responsabilidade do empresário individual. Em momento anterior à vigência da Lei instituidora da EIRELI, os próprios empresários buscavam limitar sua responsabilidade, por meio da criação de sociedades de fachadas, nas quais apenas um sócio era realmente atuante, o outro era um “sócio-laranja”. Tudo isto, a fim de preservar o patrimônio pessoal. Deveras, antes do nascimento da mencionada norma, o empresário individual, embora gozasse de um CNPJ para exercer sua mercancia, sofria com a insegurança jurídica de ver seu patrimônio na mira de seus credores, em especial as Fazendas Públicas, haja vista não existir qualquer distinção entre os patrimônios das pessoas física e jurídica. Logo, caso a empresa figurasse como sujeito passivo de uma obrigação tributária, o seu representante também responderia, independentemente de qualquer previsão na legislação. Como visto, na relação tributária, o sujeito passivo pode ser classificado como direto, caso em que é pessoal e diretamente ligado à situação fática geradora do tributo; ou indireto, se, por determinação legal, for incumbido de responder por obrigação tributária de outrem. Este é denominado de responsável e é um terceiro estranho ao binômio fisco-contribuinte. As hipóteses de responsabilidade são previstas em lei complementar, por determinação constitucional. Contudo, em determinados casos, a lei deixa um tipo aberto para que os julgadores o preencham. É o que ocorre no caso do artigo 135, que trata de “atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. A jurisprudência nacional considera que a dissolução irregular subsume ao prescrito pelo referido dispositivo, o que enseja a responsabilização do sócio-gerente da sociedade limitada. Com o advento da figura da EIRELI, é de se refletir também sobre a responsabilidade de seu instituidor. O presente artigo pretendeu demonstrar que a responsabilidade do instituidor da empresa individual de responsabilidade limitada corresponde a do sócio de sociedade por quotas. Assim, é plenamente possível o redirecionamento da execução fiscal em face do instituidor da EIRELI, desde que ele exerça a função de administrador. Nos casos específicos de dissolução irregular, caberá a Fazenda Pública comprovar que o instituidor-administrador exercia os poderes de gerência à época da dissolução da empresa, para, só então, requerer o redirecionamento da execução fiscal. Ressalta-se ter sido a EIRELI um grande passo para a evolução da legislação nacional, mormente no que diz respeito ao direito empresarial. É claro que toda evolução traz consigo mudanças. Este caso não difere dos demais, tendo a EIRELI proporcionado às pessoas naturais a possibilidade de exercer atividade empresária sem a necessidade da presença de sócios e sem precisar arriscar o patrimônio pessoal. Por fim, é de se notar que a EIRELI foi um incentivo ao empreendedorismo, pois, ao resguardar o patrimônio pessoal do instituidor, ela deu a ele mais segurança para investir. Não obstante seja uma iniciativa louvável, a “blindagem” do patrimônio do instituidor não pode ser absoluta. Por isso, entende-se que as normas de responsabilidade tributária dos sócios da sociedade limitada se estendem ao instituidor da EIRELI. Assim, prima-se pela preservação da livre concorrência e pelo adimplemento do crédito público.
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A responsabilidade tributária do instituidor da EIRELI nos casos de dissolução irregular da empresa
Este artigo tem como objetivo expor o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca da responsabilidade tributária de terceiros com poderes de gestão nos casos de dissolução irregular de empresa. Evidencia-se a possibilidade de responsabilização do instituidor-administrador da EIRELI naqueles casos. Para tanto, utiliza-se do método hipotético-dedutivo aplicado à revisão bibliográfica, quando da conceituação da responsabilidade tributária, que trata de suas limitações e modalidades; da abordagem do redirecionamento da execução fiscal, que cuida da sua natureza jurídica de fenômeno processual e da sua relevância para o sucesso da execução fiscal; e caracterização da EIRELI, que analisa as peculiaridades do novo instituto. Investiga-se a possibilidade de utilização das normas que preveem a responsabilidade de tributária de terceiros, no CTN, serem usadas em desfavor do instituidor-administrador da EIRELI. Restou constatado que, embora não haja consolidação doutrinária ou jurisprudencial específica sobre o tema, o iter lógico a ser seguido para responsabilizar o instituidor-administrador da EIRELI, nos casos em que atuar de maneira irregular – como na dissolução irregular da empresa – é o da utilização da legislação aplicável à responsabilidade tributária para as sociedades limitadas.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) foi instituída pela Lei 12.441/2011. Este novo instituto jurídico trouxe uma alternativa ao antigo instituto do empresário individual. Desde o seu advento, foi dada a faculdade às pessoas naturais de exercerem a atividade empresarial sem precisar se juntar a um sócio ou arriscar todo seu patrimônio pessoal. Em outras palavras, a EIRELI proporcionou ao empresário individual a possibilidade de “blindar” seu patrimônio pessoal. Sem embargo da “blindagem de patrimônio” ser o maior incentivo à constituição da EIRELI, talvez ela não prevaleça em todas as situações. Afinal, a limitação da responsabilidade a pessoa jurídica não pode dar proteção à atuação irresponsável de seu gestor. A norma reguladora da EIRELI prevê a utilização subsidiária das regras das sociedades limitadas, a fim de preencher as lacunas existentes. Com base nisso, este artigo busca demonstrar que, na seara tributária, a responsabilização do instituidor da EIRELI, nos casos de dissolução irregular, deve se dar à semelhança do que ocorre com o sócio da sociedade limitada por quotas de responsabilidade. Para tanto, abordar-se-á a responsabilidade tributária e suas limitações, principalmente no que toca à responsabilização de terceiros em virtude de atuação irregular, com enfoque especial nos casos de dissolução irregular da empresa. Outrossim, far-se-á a comparação entre a responsabilidade do sócio da sociedade de quotas e do instituidor da EIRELI, observando para este os preceitos aplicáveis àquele. 1 EIRELI (EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA) Ao longo dos anos, a ideia da existência de uma “sociedade unipessoal” foi evoluindo. De início, ela era vista como uma “verdadeira heresia jurídica” (ALMEIDA, 2012, p. 82), pois não se concebia, à época, a autonomia patrimonial do “sócio único” de uma empresa.[1] Todavia, essa posição foi, aos poucos, sendo modificada. A própria legislação brasileira já trazia em seu bojo a figura da “sociedade unipessoal” [2], quando do surgimento da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI). Importante destacar que as “sociedades unipessoais” acolhidas pelo direito pátrio não limitavam a responsabilidade do empresário individual[3]. A Lei 12.441/2011 trouxe, para o nosso ordenamento, esta possibilidade. A referida lei instituiu a EIRELI, dando segurança para qualquer pessoa que opte por exercer atividade empresária isoladamente, uma vez que a decisão não mais implicará em arriscar todo o seu patrimônio. Há divergência doutrinária no que diz respeito à opção do legislador de definir a EIRELI como uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado. Na concepção de Fábio Ulhoa Coelho, tem-se que: “Ao examinar-se a classificação das sociedades segundo a quantidade de sócios, criticou-se a opção do legislador e demonstrou-se que a interpretação sistemática do direito positivo conduz à conclusão de que não se trata de nova espécie de pessoa jurídica, mas de nomem juris dado à sociedade limitada unipessoal. (COELHO, 2012, p. 409)”. Defendendo pensamento oposto, Frederico Pinheiro leciona: “A EIRELI não tem natureza jurídica de sociedade empresária, ao contrário do que muitos ainda defendem, mas trata-se de uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado, que também se destina ao exercício da empresa. Tanto que a Lei n. 12.441/2011 incluiu “as empresas individuais de responsabilidade limitada” no rol de pessoas jurídicas de direito privado do art. 44 do Código Civil (inc. VI). […]Outrossim, também não se afigura razoável atribuir à EIRELI a natureza jurídica de ‘sociedade unipessoal’, pois só há que se falar em sociedade se houver mais de um sócio. A criação de uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado não impõe que seja classificada como ‘sociedade unipessoal’.” (PINHEIRO, 2011, p. 3). A jurisprudência pátria adota o entendimento de que a EIRELI é uma espécie nova – e distinta das demais – do gênero empresa[4]. Salienta-se que, independentemente do grupo em que seja alocada, a EIRELI se sujeitará as regras aplicáveis às sociedades limitadas[5], caso não haja determinação específica na lei que a instituiu. 1.1 Instituição por Pessoa Jurídica Haja vista as normas reguladoras da EIRELI não trazerem nenhuma restrição quanto à pessoa que poderá constituí-la, foi suscitada controvérsia sobre sua instituição por pessoa jurídica.  No ensinamento de Ulhoa (2012, p. 409): “a sociedade limitada unipessoal pode ser constituída tanto por sócio único pessoa física, como jurídica.” No mesmo caminho, Pinheiro (2011, p. 3) assevera: “a Lei n. 12.441/2011 vai além e também admite que, sob a roupagem da EIRELI, qualquer pessoa jurídica, isoladamente, constitua uma ou mais subsidiárias integrais, alargando a faculdade que já era admitida, exclusivamente, para as sociedades anônimas.” Em sentido contrário, o enunciado 468 da 5ª Jornada de Direito Civil, in verbis: “A empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural.” Corroborando este entendimento, o Manual de Atos de Registros de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, regulamentado pela instrução normativa 117/2011 do Departamento Nacional de Registros de Comércio, prevê que somente pessoas naturais podem instituir EIRELI[6]. Como visto, ainda não existe consenso doutrinário sobre a instituição de EIRELI por pessoa jurídica. Todavia, não paira dúvida sobre a possibilidade de constituição por pessoa natural. Em semelhante caso, é de se observar que a pessoa natural deverá respeitar alguns requisitos para que possa instituir a empresa individual de responsabilidade limitada, os quais serão analisados no próximo tópico. 1.2 Requisitos para instituição da EIRELI Além de observar as normas gerais que cuidam da sociedade empresária[7], a EIRELI deverá obedecer a requisitos específicos previstos pelo artigo 980-A do Código Civil[8] A primeira exigência diz respeito ao capital social[9], é preciso que haja afetação de um patrimônio igual ou superior a 100 (cem salários mínimos). No tocante ao salário mínimo, Cardoso (2012, p. 1) salienta: “deve considerar o valor vigente na data da integralização, sem necessidade de aumentar o capital social a cada reajuste.” Ademais, registra-se ser mister realizar a integralização inicial de todo o capital social. Outrossim, é necessário que o nome empresarial, elemento identificador do empresário ou da sociedade empresária, traga consigo a expressão “EIRELI”. Nas palavras de Ulhoa (2012, p. 411): “No nome empresarial, a sociedade limitada unipessoal, em vez de ostentar na firma ou denominação a locução ‘limitada’, ou sua abreviação ‘ltda.’ (CC, art. 1158), deve agregar-lhe a sigla EIRELI.” Há, também, uma restrição: não é possível, para pessoa natural, participar de mais de uma EIRELI. Observe-se a lição de Fábio Ulhoa: “Se for pessoa física, só pode ser titular de apenas uma EIRELI (CC, art.980-A, §2°). Evidentemente, trata-se de uma limitação aplicável apenas no caso de o único sócio pessoa física pretender manter simultaneamente mais de uma EIRELI. Nada obsta, na verdade, que alguém que fora no passado sócio único de uma sociedade limitada possa, depois da dissolução e liquidação desta, voltar a estabelecer nova EIRELI.” (COELHO, 2012, p. 409). 1.3 Formas de Constituição da EIRELI Constitui-se empresa individual de responsabilidade limitada de três diferentes maneiras. A primeira delas é a criação originária, que se dá pela vontade do instituidor, o qual assinará o ato constitutivo, devendo observar as normas aplicáveis a sociedades limitadas pluripessoais[10]. A segunda via de instituição da EIRELI é pela concentração da totalidade de quotas sociais nas mãos de uma única pessoa[11]. Neste caso, a constituição ocorrerá através da transformação de registro de sociedade limitada em EIRELI. Cardoso (2012), ao comentar sobre esta possibilidade, assevera: “Nessas situações é possível efetuar a transformação, consistente na mudança do tipo social da empresa, ou seja, constitui-se nova sociedade sem a dissolução da anterior e sem prejuízo do direito de eventuais credores”. A última forma possível de constituição ocorre quando há incorporação de quotas, passando uma sociedade empresária a ser única titular das quotas de uma sociedade limitada, que se torna, em virtude disto, uma EIRELI. Nesta esteira, tem-se que:“A terceira via de constituição de uma sociedade limitada unipessoal é restrita à hipótese de ser o sócio único outra sociedade empresária (anônima ou limitada). Trata-se da incorporação de quotas, operação societária semelhante à incorporação de ações destinada à constituição da subsidiária integral. […] Por meio desse expediente, todas as quotas representativas do capital de uma sociedade limitada passam à titularidade as sociedade incorporadora. Esta, por sua vez, aumenta o respectivo capital social proporcionalmente ao valor das quotas incorporadas, para admitir o ingresso em seu quadro de sócios dos antigos membros daquela limitada que se torna unipessoal.” (COELHO, 2012, p. 410). 2 RESPONSABILIDADE DO INSTITUIDOR DA EIRELI O empresário individual, figura presente há anos na legislação pátria, não podia limitar sua responsabilidade no exercício de sua atividade empresarial, porquanto só podia exercê-la por meio de firma individual. Sucede que, embora possua registro no CNPJ, este empresário – representante da firma individual – não poderia afetar parte de seu patrimônio para que respondesse pelas dívidas da pessoa jurídica, pois a universalidade de seus bens deveria responder pelas obrigações da empresa. A firma individual não passa, assim, de uma mera ficção jurídica, uma vez que, na realidade, os patrimônios da empresa e do seu representante se confundem. Em virtude da impossibilidade de limitação patrimonial do empresário individual, surgiu, no Brasil, um grande número de “sociedades de fachada”, nas quais se incluíam “sócios-laranja” ou “sócios testa de ferro” – muitas vezes, familiares do empresário de fato. Estas sociedades visavam driblar a legislação, limitando o patrimônio do sócio, que realmente havia instituído e administrava aquela empresa. Gladston Mamede reflete sobre o problema, ressaltando: “[…] é preciso reconhecer haver um número expressivo das sociedades limitadas, no Brasil, que não constituem sociedades de fato, mas apenas de direito. Nelas não se afere, efetivamente, um encontro de investimentos e esforços de seus sócios; pelo contrário, tem-se um sócio majoritário, que é aquele que efetivamente investiu na constituição da pessoa jurídica e da empresa e que dela se ocupa, e um sócio minoritário (esposa, irmão, filho, primo etc.) que nada investiu de fato, que sequer se interessa pelo que se passa com a sociedade. Está ali apenas para garantir a pluralidade de pessoas que, salvo exceções específicas, é necessária para que se tenha uma sociedade (pessoa jurídica). E apenas por meio de uma sociedade o empreendedor pode se beneficiar de um limite de responsabilidade entre a atividade empresarial e o patrimônio pessoal dele.” (MAMEDE, 2007, p. 372). A fim de sanar este problema, surge a EIRELI, uma alternativa à firma individual. Através dela, a pessoa natural que desejar exercer atividade empresária, desde que atenda aos pressupostos legais, não mais precisará colocar em risco seu patrimônio individual. Assim, o representante de empresa individual prescindirá do uso de artifícios para limitar sua responsabilidade.[12] Do exposto, Cardoso (2012, p. 1) extrai a regra: “Ao contrário do empresário individual, o sócio único da EIRELI só pode ser responsabilizado até o limite do capital de sua empresa.” Importante destacar que há exceções, mormente nos casos de desconsideração da pessoa jurídica. Com fundamento na existência destas exceções é que o §4° do artigo 980-A do CC foi vetado[13]. O mencionado dispositivo previa que:“Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.” (BRASIL, 2002, p. 26). Além de desprezar a existência de exceções previstas pela lei, as quais dão direito a atingir o patrimônio dos sócios de uma pessoa jurídica em determinados casos; a expressão “em qualquer situação” daria ensejo a um tratamento diferenciado entre as empresas individuais de responsabilidade limitada e as sociedades limitadas. Dessa maneira, o dispositivo iria de encontro à regra que prevê seja dispensado àquelas o mesmo tratamento que se dá a estas.[14] 3 REGIME TRIBUTÁRIO Após sua constituição, a EIRELI poderá enquadrar-se como Microempresa (ME) ou Empresa de Pequeno Porte (EPP), bastando que preencha os requisitos exigidos pelo art. 3º da Lei Complementar n. 123/2006[15]. Assim, será beneficiada pelo SIMPLES, regime tributário dessas categorias, que “não são modalidades de sociedade empresária, mas sim de classificação para fins tributários.” (CARDOSO, 2012, p. 1). Noutro giro, é vedada a caracterização da EIRELI como microempreendedor individual (MEI), a que se refere o art. 68 da Lei Complementar n. 123/2006[16]. Isto, porque a aplicabilidade da regra se cinge a pessoas naturais, o que não corresponde à realidade da EIRELI, que é pessoa jurídica. 4 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA 4.1 Responsabilidade no Código Tributário Nacional (CTN) A responsabilidade, em sentido ordinário, é obrigação de responder por atos próprios, alheios, ou por uma coisa confiada. No direito, em sentido amplo, é tida como dever de cumprir prestação de dar, fazer ou não fazer.[17] No direito tributário, todavia, a expressão é tomada em acepção estrita. Seu sentido, haurido das lições de Harada (2010, p. 484-485) é “de atribuir, legalmente, a uma pessoa que não realizou a situação descrita na norma impositiva, o dever de efetuar a prestação”. “Diz-se que há responsabilidade tributária sempre que, pela lei, ocorrido o fato imponível, for posta no polo passivo do consequente (na qualidade de obrigado tributário, portanto) pessoa diversa do promovente ou realizador do fato que suscitou a incidência do artigo 121, parágrafo único, I, CTN (o contribuinte strictu sensu ou sujeito passivo ‘natural’ ou ‘direto’, como usualmente designado) isto é, um terceiro, expressamente referido na lei. (BARRETO, 2009, p. 133-134)”. De acordo com Fiuza (2004, p. 696), no Direito Civil também existe a possibilidade de “um indivíduo responder por danos provocados pela conduta de outra pessoa. Isso ocorrerá, sempre que faltarmos com o dever de bem vigiar ou escolher”. O Código Tributário Nacional (CTN) conceitua a sujeição passiva em seus artigos 121 e 122[18], considerando o sujeito passivo tributário como a pessoa apta a realizar a devida prestação inerente à obrigação tributária. Nesta trilha, Costa (2009, p. 190) afirma ser o sujeito passivo “aquele a quem incumbe um comportamento positivo ou negativo, estatuído no interesse da arrecadação tributária.” Impende ressaltar que a responsabilidade, nos moldes em que foi adotada pelo CTN, deu azo ao Codex para disciplinar a sujeição passiva com dois enfoques. Assim, tem-se o sujeito passivo direto, que é o contribuinte, aquele que possui relação pessoal e direta com o fato. Nas palavras de Jardim (2007, p. 266), “aquele que realiza o fato jurídico previsto em lei tributária (fato gerador).” Há também o sujeito passivo indireto, que é o responsável, um terceiro em relação ao evento descrito na hipótese de incidência, o qual é definido, ex lege [19], para responder pela obrigação tributária. O contribuinte seria o protagonista a contracenar com o Fisco, ao passo que o responsável seria o coadjuvante escolhido, pelo diretor, para atuar em seu lugar ou ao seu lado. É de se consignar que não é possível colocar em cena alguém totalmente alheio à relação Fisco-Contribuinte, sob pena de macular toda a história, tornando-a sem sentido. Neste tom, caberá ao legislador definir sujeito passivo que guarde alguma relação com a hipótese de incidência. No escólio de Amaro (2007, p. 305), “o terceiro é elegível como sujeito passivo à vista de um liame indireto com o fato gerador.” O próprio Código apresenta aquela limitação ao asseverar, em seu artigo 128: “[…] a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação.” (BRASIL, 1966, p. 23, grifou-se). De pronto se enxerga, portanto, que a legislação veda a arbitrariedade do legislador no tocante à escolha de quem figurará como responsável. Frisa-se, porém, não ser exclusividade da lei restringir a atuação do legislador, pois a Constituição Federal também o faz, como restará demonstrado a seguir. 4.2 Limitações Constitucionais A Carta Magna, como mencionado alhures, limita a atividade do legislador no tocante à eleição dos sujeitos passivos das relações obrigacionais tributárias. Nesta senda, tem-se: “[…] a Constituição tira a liberdade do legislador, em matéria de direcionamento do ônus tributário. No processo legislativo, não poderá haver eleição arbitrária ou aleatória de sujeitos passivos de tributos. Pelo contrário, o legislador deverá ater-se estritamente ao critério constitucional de eleição do sujeito passivo, que já está na ‘regra matriz’ do tributo, tal como plasmada na Constituição”. (BARRETO, 2009, p. 136). As barreiras ao poder de escolha do legislador são construídas por princípios e regras constitucionais. É de se assinalar que existem inúmeras normas que limitam o poder de tributar, mas, para fins deste artigo, estudar-se-ão apenas aquelas mais diretamente relacionadas ao tema da responsabilidade tributária. O artigo 146, III, ‘a’, da Carta Maior, afirma que cabe à lei complementar: “Estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.” (BRASIL, 1988, p. 31, grifou-se). Assim, constata-se que o texto constitucional determina ser por meio de Lei Complementar a regulamentação da matéria. Outrossim, o artigo 5°, LIV da CF exige razoabilidade na escolha do terceiro que irá figurar no polo passivo da obrigação tributária, porquanto “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (BRASIL, 1988, p. 1). Neste sentir, Luciano Amaro a seguir ensina: “Em suma, o ônus do tributo não pode ser deslocado arbitrariamente pela lei para qualquer pessoa […], ainda que vinculada ao fato gerador, se essa pessoa não puder agir no sentido de evitar esse ônus nem tiver como diligenciar no sentido de que o tributo seja recolhido à conta do indivíduo que, dado o fato gerador, seria elegível como contribuinte”. (AMARO, 2007, p. 312). Pelo mesmo iter segue Barreto, ao elencar os requisitos para que haja a responsabilização de terceiros, quais sejam: “a) a obrigação tem de ser estruturada tendo em vista as características objetivas do fato tributário implementado pelo contribuinte […]; b) os elementos subjetivos que eventualmente concorram para a realização do fato, ou para a formação da obrigação, têm de ser estabelecidos em consideração à pessoa do contribuinte ( e não à pessoa do responsável ou substituto). […]; c) não deve ser suportada pelo terceiro responsável a carga do tributo. É inafastável que lhe seja objetivamente assegurado o direito de haver (percepção) ou de descontar (retenção) do contribuinte o quantum do tributo que deverá pagar por conta daquele”. (BARRETO, 2009, p. 134, grifou-se). Demais disso, o artigo 145, §1°, da Constituição de 1988, estatui ser mister a observância do princípio da capacidade contributiva. O referido dispositivo também exige que a pessoa privada de parte do patrimônio seja aquela a qual deu ensejo à hipótese de incidência, isto é, a que foi beneficiada com a ocorrência do fato. Assim, é de se inferir que um tributo, por exigência constitucional implícita, não poderá deixar de ser cobrado de alguém – licitamente definido como sujeito passivo – para ser exigido de outra pessoa, em virtude de mera comodidade do ente estatal, no momento do seu recolhimento. Ainda em observância ao princípio da capacidade contributiva, impende destacar que cada pessoa é sujeito de direitos e obrigações particulares. Uma destas obrigações é o dever fundamental de pagar tributos[20], que se dá unicamente entre o Fisco e o contribuinte, desde revelada sua capacidade contributiva. Destarte, é de se registrar que a responsabilidade tributária não advirá simplesmente da ocorrência da hipótese de incidência tributária, mas de determinação legal que estatua a obrigação do terceiro de responder pela dívida originariamente de outrem. Não sendo por outra razão que se exige o vínculo entre o responsável e o contribuinte ou entre ele e o fato gerador. A bem da verdade, somente é possível que se caracterize a responsabilidade caso a conduta do terceiro produza danos aos interesses da Fazenda Pública. Para ilustrar o tema, remete-se à decisão do STF no RE 562276[21], na qual, acertadamente, aquela corte determinou a inconstitucionalidade do artigo 13 da Lei 8620, por violação ao artigo 146, III da CF e em virtude da irrazoabilidade do que havia sido estabelecido pelo legislador. Apesar de revogado pela Lei 11.941, o dispositivo em comento ainda era utilizado – antes da supracitada decisão –, pela Fazenda Nacional, para redirecionar as execuções fiscais em desfavor dos sócios, mesmo sem que estes se subsumissem aos requisitos para figurarem como responsáveis pela obrigação tributária. Imperioso ressaltar que, observados os pressupostos, é lícito designar pessoa como responsável para adimplir obrigação, o que é realizado, pelo CTN, de distintas maneiras. 5 MODALIDADES DA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Há vários motivos pelos quais se determina um terceiro como responsável tributário. Diversas são, igualmente, as técnicas utilizadas pelo legislador para caracterizar alguém como sujeito passivo indireto da obrigação tributária. Em virtude desta multiplicidade, a doutrina pátria, observando o momento do ingresso do terceiro no polo passivo[22], classificou a responsabilidade em dois grupos: o da substituição e o da transferência. Para Luciano Amaro, tem-se que: “A diferença entre ambas estaria em que, na substituição, a lei desde logo põe o ‘terceiro’ no lugar da pessoa que naturalmente seria definível como contribuinte, ou seja, a obrigação tributária já nasce com seu polo passivo ocupado por um substituto legal tributário. Diversamente, na transferência, a obrigação de um devedor (que pode ser um contribuinte ou responsável) é deslocada para outra pessoa, em razão de algum evento”. (AMARO, 2007, p. 307). Salienta ainda Amaro (2007, p. 307), que “pode ocorrer, portanto, que a obrigação tributária de um sujeito passivo que já possua a condição de responsável se transfira para outra pessoa, que também se dirá responsável.” Importante ressaltar que, segundo lições doutrinárias, os casos de responsabilidade por sucessão, por solidariedade e de terceiros estão agasalhados pelo conceito de responsabilidade por transferência. Sousa (apud AMARO, 2007, p. 308) dispôs sobre a classificação dos modos de sujeição passiva indireta “desdobrando a transferência em três subespécies: a sucessão, a solidariedade e a responsabilidade (expressão esta que, como vimos, veio, no CTN, a ser empregada para designar genericamente todos os casos de sujeição passiva indireta).” Outrossim, segundo escólio de Alexandre (2012, p. 293) “a responsabilidade ‘por transferência’ abrange os casos de responsabilidade ‘por sucessão’, ‘por solidariedade’ e ‘de terceiros’.” O CTN, por sua vez, dispõe da matéria de forma diferente da doutrina. O Codex separa as hipóteses de responsabilidade em três modalidades: dos sucessores (artigos 129 a 133); de terceiros (artigos 134 e 135); por infrações (artigos 136 a 138). Evidente, portanto, que o diploma reserva outra seção para a solidariedade. Embora a localização da solidariedade no CTN tenha suscitado fervorosas críticas doutrinárias, entende-se acertada sua separação do tema da responsabilidade. Isto, porque “a solidariedade é instituto que implica uma corresponsabilidade, segundo a qual a obrigação é satisfeita, em sua totalidade, ou por um dos devedores, ou por alguns, ou por todos, de conformidade com o disposto em lei.” (CASSONE, 2007, p. 171). Seguindo o mesmo caminho, Alexandre (2012, p. 293) assevera: “Não obstante a lição doutrinária, agiu bem o legislador tributário ao tratar da solidariedade fora das regras sobre responsabilidade, uma vez que os devedores solidários possuem interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.” A seguir serão analisadas, pormenorizadamente, as modalidades de responsabilidade adotadas pelo CTN. Dar-se-á enfoque especial a responsabilidade de terceiro decorrente do artigo 135, posto ser a dissolução irregular tida como causa para sua aplicação. 5.1 Responsabilidade por Substituição Na lição de Alexandre (2012, p. 295), a responsabilidade por substituição se dá se “desde a ocorrência do fato gerador, a sujeição passiva recai sobre uma pessoa diferente daquela que possui relação pessoal e direta com a situação descrita em lei como fato gerador do tributo.” Para Cassone (2007, p. 169), a ocorrência se dá quando “em virtude de disposição expressa em lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, fato ou situação tributados.” Logo, na responsabilidade por substituição, desde o nascedouro, a sujeição passiva é indireta, dirigida a pessoa diversa daquela que protagonizou a situação descrita na hipótese de incidência. Subdivide-se em: substituição tributária regressiva e progressiva. Não há grande relevância, para este artigo, a análise dos mencionados institutos. Em face dos limitados objetivos deste estudo, frisar-se-á apenas o fato de que parte da doutrina considera a ocorrência deste tipo de responsabilidade nos casos em que o artigo 135 do CTN é infringido. Nesta senda, Cassone (2007, p.169), após conceituar a responsabilidade por substituição, afirma: “É o que se dá com o art. 135 (além das hipóteses previstas em lei).” E exemplifica a questão, descrevendo hipótese de dissolução irregular de pessoa jurídica, em que foi pedida a citação do sócio, para figurar no polo passivo, com base no artigo 135, III c/c artigo 4° da Lei de Execução Fiscal. Alexandre (2012, p. 332) reforça o entendimento ao prelecionar: “Como o surgimento da responsabilidade é contemporâneo ao fato gerador do tributo, não decorrendo de transferência da sujeição passiva surgida em momento anterior, tem-se que o art. 135 do CTN estatui hipótese de responsabilidade por substituição”. Para Cassone (2007, p. 170), o caso comentado pelo autor é o RE 113.853/RJ. Ressalta-se que o art. 4° da Lei 6830 traz a seguinte redação “A execução fiscal poderá ser promovida contra: […] V – o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado.” O art. 135 do CTN será analisado, detalhadamente, no próximo tópico. 5.2 Responsabilidade por Transferência Na responsabilidade por transferência se constata uma transmutação da sujeição subjetiva, pois, assegura Sousa (apud HELENA, 2009, p. 197), a transferência se dá sempre que “a obrigação tributária, depois de ter surgido contra uma pessoa determinada (que seria o sujeito passivo direto), em virtude de um fato posterior, transfere-se para pessoa diferente (que será o sujeito passivo indireto).” Do seu âmago surgem alguns subtipos, falando-se somente dos tratados pelo CTN na seção da responsabilidade, tem-se: a responsabilidade por sucessão e a de terceiros[23]. Em sucinta e precisa definição, Cassone (2007, p. 171) ensina: “A responsabilidade dos sucessores se dá em virtude do desparecimento do devedor originário.” Alexandre, por sua vez, é categórico: “Como já estudado, ocorrido o fato gerador, nasce a obrigação tributária, que possui como sujeito passivo um contribuinte legalmente definido. Posteriormente, ocorre um evento que transfere a sujeição passiva a um responsável expressamente designado por lei. Tem-se a sucessão, pois o responsável sucede o contribuinte como sujeito passivo do tribute”. (ALEXANDRE, 2012, p. 305). Há inúmeros exemplos de ocorrência da responsabilidade por sucessão[24]. Dentre eles, escolheu-se aquele com maior interação temática com este artigo para ilustrar a questão: os casos de extinção irregular da sociedade. O artigo 132, Parágrafo único, prevê que serão responsáveis quaisquer sócios remanescentes (ou seus espólios) se continuarem a exploração da mesma atividade a que se dedicava a sociedade extinta. Alexandre (2012, p. 319), a partir daquele raciocínio, conclui: “há amparo legal para que a Administração Tributária cobre tributos nas extinções fraudulentas, ou meramente de ‘fachada’, em que a sociedade é artificiosamente extinta e os respectivos sócios continuam exercendo a mesma atividade.” De seguinte, adverte-se que, conforme será detalhado mais à frente, a responsabilidade de terceiros cuida, também, da responsabilização dos sócios em virtude de atos por eles praticados e omissões a eles imputáveis, no caso de extinção de sociedade de pessoas e no de dissolução irregular da pessoa jurídica. 6 RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS Como já mencionado acima, todo responsável, pessoa estranha à relação Fisco-Contribuinte, é tido como terceiro[25]. O CTN, porém, reserva os artigos 134 e 135[26] para tratar da responsabilidade de terceiros – como se só naqueles casos a figura do terceiro se fizesse presente. O artigo 134 traz hipóteses relacionadas a atos e omissões de terceiros, os quais acarretam a responsabilidade tributária. Da leitura do dispositivo, extrai-se ser necessária a presença de dois requisitos para que a responsabilidade seja transferida ao terceiro, quais sejam: impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte e ação ou indevida omissão imputável à pessoa designada como responsável. É manifesta a presença do benefício de ordem na cobrança do tributo, pois só responderá o responsável, caso o contribuinte não cumpra a obrigação. Infere-se, daí, ser responsabilidade subsidiária a descrita no dispositivo, e não solidária, como consta no Codex. No que diz respeito ao segundo requisito, Amaro ressalta: “Observe-se que não basta mero vínculo decorrente da relação de tutela, inventariança etc., para que se dê a eleição do terceiro como responsável; requer-se que ele tenha praticado algum ato (omissivo ou comissivo), pois sua responsabilidade se conecta com os atos em que tenha intervindo ou com as omissões pelas quais for responsável”. (AMARO, 2007, p. 326). Neste sentir, tem-se: “Mesmo com a impossibilidade de cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, somente haverá responsabilidade dos ‘terceiros’ enumerados nas alíneas do art.134 se estes tiverem participado ativamente da situação que configura fato gerador do tributo ou tenham indevidamente se omitido”. (ALEXANDRE, 2012, p. 326). O artigo 135 estabelece a responsabilidade nos casos em que o terceiro viola a lei, o contrato social ou o estatuto, ou seja, atua de maneira irregular. Ainda à luz dos ensinamentos de Amaro (2007, p.327), para que reste configurada esta hipótese de responsabilidade, enxerga-se a necessidade de “haver prática de ato para o qual o terceiro não detinha poderes, ou de ato que tenha infringido a lei, o contrato social ou o estatuto de uma sociedade”. O dispositivo reza serem “pessoalmente responsáveis” as pessoas elencadas em seus incisos, desde que realizem a conduta supradescrita. Ao fazer uma interpretação literal, Amaro (2007, p.327) proclama: “não se trata, portanto, de responsabilidade subsidiária de terceiro, nem de responsabilidade solidária. Somente o terceiro responde, ‘pessoalmente’.” Contudo, Cassone (2007, p. 170) doutrina: “pelo que se vê, o dispositivo, indiretamente, exclui a responsabilidade da pessoa jurídica, que é desconsiderada, para atribuir a responsabilidade a pessoa física que cometeu o excesso não autorizado. Mas, em verdade, opera-se a solidariedade.” Alexandre (2012, p. 331, grifou-se) arremata afirmando que a “responsabilidade será pessoal e não apenas solidária.” Valendo-se do escólio dos mestres e do brocardo que anuncia “quem pode mais, pode menos”, conclui-se que caberá ao credor optar entre a responsabilidade solidária e a pessoal do agente do ato irregular. Os dispositivos sobre os quais foram tecidos breves comentários devem ser levados em conta como regras matrizes, bússolas da responsabilidade de terceiros. Estabelecidas todas aquelas premissas, abordar-se-á a consequência processual mais significante da responsabilização do terzo: o redirecionamento da execução fiscal. 7 REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL O redirecionamento é uma mudança dos sujeitos no polo passivo da execução, que deve ocorrer quando há “modificação subjetiva no polo passivo da obrigação” (AMARO, 2007, p. 303). Essencial à compreensão do instituto é distinguir as relações processual e de direito material. Os pressupostos desta são definidos pelas normas gerais – que tratam da responsabilidade tributária – estudadas acima, ao passo que os daquela são: o inadimplemento da obrigação e o título executivo (STJ, 2006). Em precisa lição, Arthur César afiança: “Redirecionamento é um fenômeno processual. Significa deslocar o foco do processo de execução em direção ao patrimônio de terceiro que, de alguma forma, possa ser legalmente responsabilizado pelo débito exequendo. Noutro giro, traz-se outra pessoa para o polo passivo da execução”. (PEREIRA, 2011, p. 15). Interessante rememorar que o fenômeno do redirecionamento não se cinge à seara tributária, fazendo-se presente, também, em diversos dispositivos do Código Civil[27] e da legislação extravagante[28]. Logo se vê que o instituto é amplamente adotado pela legislação pátria. Assim, garante-se ao exequente mais uma ferramenta para ver atendido seu crédito. Nos casos da execução fiscal, em especial, a recuperabilidade do crédito público é baixíssima. O estudo sobre o “Custo unitário do processo de execução fiscal na justiça federal”, produto de uma parceria entre o IPEA e o CNJ, traz diversos dados estatísticos neste sentido (2011, p. 33): “O processamento da execução fiscal é um ritual ao qual poucas ações sobrevivem. Apenas três quintos dos processos de execução fiscal vencem a etapa de citação (sendo que em 36,9% dos casos não há citação válida, e em 43,5% o devedor não é encontrado). Destes, a penhora de bens ocorre em apenas um quarto dos casos (ou seja, 15% do total), mas somente uma sexta parte das penhoras resulta em leilão. Contudo, dos 2,6% do total dos processos que chega a leilão, em apenas 0,2% o resultado satisfaz o crédito. (IPEA, 2011, p. 33)”. Ademais, outros dados corroboram o acima demonstrado, como o fato de que, em um período de dez anos (1994 a 2004), a União arrecadou pouco mais de R$ 13 bilhões. O montante, apesar de parecer alto, é uma pequena parte do todo da dívida – que, na época, era de R$ 240 bilhões (CASTRO et al., 2005, p. 10). Acresça-se ao quadro o elevadíssimo índice de mortalidade das empresas brasileiras[29], que deixam de funcionar, sem, na maioria das vezes, deixar qualquer bem para garantir seus débitos. O redirecionamento, desse modo, é um meio de remediar a situação. 7.1 Objetivos do Redirecionamento da Execução Fiscal É mais comum do que se imagina as pessoas jurídicas executadas não possuírem patrimônio algum ao tempo do ajuizamento da execução. Em decorrência disto, as execuções fiscais não logram êxito em recuperar o crédito público. De suma importância para os entes fazendários é redirecionar a execução em face dos sócios que derem azo a esta possibilidade. Nesta toada, é possível que a Fazenda Pública atinja os bens dos integrantes do quadro societário das pessoas jurídicas devedoras, desde que preenchidos os requisitos legais. A principal meta do redirecionamento é, por óbvio, ver adimplida a obrigação. Sendo assim, sua finalidade precípua é garantir a arrecadação do crédito público. Mas este é apenas um dos objetivos do redirecionamento, o de caráter fiscal. O instituto se destina a outros fins extrafiscais, como proteção ao princípio da isonomia e da livre concorrência. Explica-se. É dever constitucional de todos os cidadãos pagar tributos, sendo uma consequência do princípio da igualdade. É fácil enxergá-lo dessa forma no momento de incidência das normas tributárias, as quais, como foi visto, são instituídas em consonância com o princípio da capacidade contributiva. Na ocasião do cumprimento da lei, porém, alguns cidadãos recolhem espontaneamente o tributo, enquanto outros não. Dessa forma, é preciso compelir o devedor a pagar o tributo devido, a fim de que os efeitos da incidência da lei também sejam igualitários. Tem-se aqui o instante em que a Fazenda Pública deve se valer de todos os instrumentos que possui para cobrar o crédito e promover a justiça fiscal. É evidente que há grave prejuízo para a livre concorrência se uma empresa carreia aos cofres públicos os tributos devidos, ao passo que outra empresa, do mesmo ramo, deixa de pagá-los. Isto, porque aquela que não recolheu o tributo e, consequentemente, não foi onerada com a altíssima carga tributária nacional, poderá comercializar seus produtos e serviços por preços inferiores aos das demais. Não se deve olvidar da máxima “a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza”. Parece ser o caso. A empresa inadimplente se beneficia exatamente em virtude de sua atitude contra legem, passando a dispor de mais capacidade para investir, além de perceber maior lucro. A concorrente, por sua vez, é prejudicada mesmo tendo obedecido a seus deveres fiscais. O instrumento utilizado pela Fazenda Pública para igualar a situação da empresa contribuinte a da empresa devedora é a execução fiscal, na qual o escopo é obrigar esta a cumprir seu dever. 7.2 Redirecionamento da Execução Fiscal Decorrente de Atuação Irregular Como já mencionado, é alto o insucesso da execução fiscal em razão da inexistência de bens da pessoa jurídica. Como ninguém ignora, o patrimônio da pessoa jurídica e o dos sócios que a compõem não se confundem. Assim, o patrimônio dos sócios fica protegido dos atos de execução. Porém, é de se assinalar que, por vezes, os sócios responsáveis pela gestão da pessoa jurídica atuam de maneira irregular, extrapolando suas funções e dando ensejo ao nascimento ou inadimplemento de obrigações tributárias. Não seria justo, então, eles usufruírem desse patrimônio enquanto os sócios das empresas concorrentes lutam para se salvar dos prejuízos causados pela concorrência ilegal e desleal. Em razão disso, o CTN prevê, em seu artigo 135, a responsabilização dos “diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”, que atuarem com “excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.” (BRASIL, 1966, p. 21). Ao tratar do tema, em seu voto no RE 562.276, a Ex Ministra Ellen Gracie ensina: “O pressuposto de fato ou hipótese de incidência da norma de responsabilidade, no artigo 135, III, do CTN, é a prática de atos, por quem esteja na gestão ou representação da sociedade, com excesso de poder ou à infração a lei, contrato social ou estatutos e que tenham implicado, se não no surgimento, ao menos o inadimplemento de obrigações tributárias”. (BRASIL, 2010, p. 2). Extrai-se do referido dispositivo um dever implícito de, na direção, gerência ou representação da pessoa jurídica, agir com esmero, observar os ditames da lei e atuar sem exploração dos poderes legais e contratuais de gestão, objetivando o não cometimento de ilícitos que acarretem o inadimplemento de obrigações tributárias. É pacífico o entendimento no sentido de que o ilícito precisa ser qualificado, ou seja, dele deve surgir a própria obrigação ou seu inadimplemento. Registre-se que o ilícito não se confunde com o mero atraso no pagamento dos tributos, possibilidade inerente ao risco do negócio. Tal pensamento foi consagrado pela Súmula STJ, enunciado 430, que reverbera: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio gerente.” O artigo 135, III regula, assim, a responsabilidade dos sócios administradores da empresa de forma geral. Possui estrutura própria e requer a existência de um fato determinado, sem o qual não é possível atribuir a responsabilidade ao terceiro. Estes fatos específicos devem ser analisados caso a caso, uma vez que o legislador não os abordou pormenorizadamente. Alguns casos, entretanto, repetem-se com tanta frequência que os Tribunais já uniformizaram a jurisprudência estabelecendo se configura ou não hipótese de atuação irregular. Dentre eles, está a dissolução irregular da empresa, que será analisada a seguir. 7.3 Redirecionamento nos casos de dissolução irregular da empresa Há divergência no que diz respeito ao dispositivo legal no qual se enquadraria a responsabilidade do sócio gerente no caso de dissolução irregular. Parte da doutrina defende que a hipótese subsumiria ao previsto no artigo 134, VIII c/c 135, III [30]; outra parcela, ao previsto no artigo 137[31]. A doutrina majoritária e os tribunais superiores, porém, entendem que a responsabilidade do sócio administrador de empresa dissolvida irregularmente advém simplesmente do artigo 135, III. Neste trabalho, adotar-se-á o último entendimento. O Superior Tribunal de Justiça, em sua Súmula, n° 435, afirma: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. O rol elencado pelo enunciado, entretanto, não exaure as hipóteses de caracterização da dissolução irregular. Essa pode ocorrer por diferentes meios, como: informações da Justiça Trabalhista de que a pessoa jurídica não cumpre as obrigações devidas a seus empregados; informações nos sistemas próprios das Procuradorias das Fazendas Públicas de que a empresa está inativa; promoção de baixa nos registros com apuração de débitos realizada posteriormente, entre outros. Salienta-se ser mister a reunião de indícios de que a pessoa jurídica encerrou suas atividades de forma irregular. Comprovada a dissolução irregular, é preciso identificar os sócios que atuavam com poderes de gerência à época em que se deu a dissolução, pois só a eles poderá ser transferida a responsabilidade. Nas palavras de Grupenmacher (2005, p. 425), “em ocorrendo encerramento irregular da empresa, com intenção de fugir ao pagamento dos débitos de natureza tributária, a responsabilidade pessoal permanece em função do encerramento fraudulento da sociedade.” Apoiando este entendimento, Ferragut a diz: “Assim, não basta indicar o nome de todos os sócios constantes do contrato social, é imperioso que se individualize o autor da dissolução irregular, demonstrando ao menos qual sócio geria a sociedade e decidia pela prática dos negócios empresariais tipificados como fatos jurídicos tributários (ou que, de alguma forma, pudessem resultar em obrigações tributárias)”. (FERRAGUT, 2006, p. 307). Desta forma, os sócios a serem responsabilizados serão aqueles cujos nomes constem dos atos constitutivos e tenham poderes de gerência à época da dissolução. Impende ressaltar que caberá ao credor comprovar que o administrador agiu com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos. Nesta linha, o STJ decidiu no AgRg REsp 276.779/SP: “Prova não feita pelo Fisco de que, na época da ocorrência do fato gerador tributável, o recorrido era sócio, da sociedade ter sido dissolvida irregularmente ou de que ele exercia função de sócio-gerente.” Tendo isto em vista, infere-se que, em regra, os sócios não respondem pelas obrigações da empresa. No entanto, esta regra, como qualquer outra, comporta exceções, dentre as quais se encontra a hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica. Neste caso, desde que a Fazenda Pública logre provar qual sócio ocupava o cargo de gerência no momento da dissolução, a execução poderá ser redirecionada em face dele. Após o redirecionamento, o patrimônio do sócio-gerente passará a também responder pela dívida. Salienta-se que o sócio-quotista não poderá ser responsabilizado, porquanto a responsabilização se dará não pelo fato do administrador ser sócio, mas sim por possuir o poder de gerir a instituição, acrescido ao mau uso deste poder. 8 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO INSTITUIDOR DA EIRELI EM CASO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA A responsabilidade do instituidor da EIRELI ocorrerá à semelhança da do sócio na sociedade de responsabilidade limitada. Depreende-se disto que o “sócio único” da EIRELI responderá, via de regra, somente pelo capital integralizado, nos termos do artigo 1052 do Código Civil: “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.” (BRASIL, 2002, p. 88). Esta limitação, contudo, não permite a irresponsabilidade relativa aos deveres de gestão, nos casos do instituidor ser também administrador da empresa – hipótese mais provável. Requião (2012, p. 600) reverbera: “desde que atue dentro da legalidade, segundo as normas do contrato ou da lei, o sócio-gerente está imune à responsabilidade. A solidariedade surge quando age ilegalmente, contra a lei ou contra o contrato.” Neste tom, tem-se que: “A limitação da responsabilidade do sócio não equivale à declaração de sua irresponsabilidade em face dos negócios sociais e de terceiros. Deve ele ater-se, naturalmente, ao estado de direito que as normas legais traçam, na disciplina do determinado tipo de sociedade de que se trate. Ultrapassando os preceitos da legalidade, praticando atos como sócio, contrários à lei ou ao contrato, tornam-se pessoal e ilimitadamente responsáveis pelas consequências de tais atos”. (REQUIÃO, 2012 apud ALMEIDA, 2012, p. 155). Nesta esteira de raciocínio, diversos dispositivos do Código Civil preveem a responsabilidade ilimitada do sócio de sociedade limitada e, por analogia, do instituidor-administrador da EIRELI. Apenas para ilustrar, transcrever-se-á o artigo 1016 do diploma, que dispõe: “Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.” (BRASIL, 2002, p. 84). Na mesma linha segue o Código Tributário Nacional, que, em seu artigo 135, determina a responsabilização do sócio-gerente nos casos em que há violação à lei, ao contrato social ou ao estatuto. Destarte, entende-se ser possível a responsabilização do instituidor-administrador da EIREILI, uma vez que o próprio § 6º do art. 980-A do CC prevê a aplicação, de maneira subsidiária, das regras referentes às sociedades limitadas. Assim sendo, caberá ao instituidor-gerente responder, solidariamente com a empresa individual de responsabilidade limitada[32], pelos tributos devidos, nos casos em que atuou de maneira irregular. Um dos casos mais recorrentes de atuação irregular, como já foi dito, é o da dissolução irregular da empresa. Sobre isto, tem-se que: “A extinção da sociedade sem a observância dos requisitos legais (apuração do ativo e pagamento do passivo), por implicar em violação à lei, torna os sócios, ainda que de responsabilidade limitada, solidária e ilimitadamente responsáveis, ensejando, outrossim, a execução de seus bens particulares”. (ALMEIDA, 2012, p. 156). Naqueles casos, no tocante às execuções fiscais, existe a possibilidade de redirecionamento em face do sócio-gerente. Parece ser o caso, então, de também ser possível redirecionar para o instituidor-administrador da EIRELI. Ressalta-se que, para redirecionar a execução fiscal, caberá a Fazenda Pública confeccionar a prova de que o instituidor realmente exercia poderes de gestão à época em que a sociedade foi dissolvida irregularmente. Isto é uma das grandes diferenças com relação ao empresário individual, cujos bens se confundem com os da empresa. A jurisprudência pátria já começou a se manifestar sobre o tema. Neste sentido, excerto do STJ:  “EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. PRESCRIÇÃO. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. ASSINATURA DE DUAS TESTEMUNHAS. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONSTITUIÇÃO DO TÍTULO EXTRAJUDICIAL. NOTA PROMISSÓRIA. TÍTULO HÁBIL À LASTREAR A EXECUÇÃO. I. A empresa embargante, constituída como firma individual, […] III. Irrelevantes as razões relativas aos limites do instrumento de mandato outorgado pela firma individual para conferir poderes de contrair empréstimo apenas em nome da empresa, uma vez que o patrimônio do empresário individual confunde-se com o da mesma para responder pelas dívidas existentes, posto que não constituída como empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI)”. (BRASIL, 2012, p. 2, grifou-se). Desse modo, constata-se que a responsabilidade tributária do instituidor da EIRELI o coloca na mesma posição do sócio de sociedade limitada, e, portanto, em grande vantagem se comparado ao empresário individual. Todavia, isto não o isenta de responder pelos atos que praticar com excesso de poder, ou infração à lei, ao contrato social e ao estatuto, sobretudo no caso de dissolução irregular da pessoa jurídica. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), novo instituto jurídico incrustado no ordenamento pátrio pela Lei 12.441, que modificou o Código Civil, acrescentando-lhe o artigo 980-A, teve como escopo limitar a responsabilidade do empresário individual. Em momento anterior à vigência da Lei instituidora da EIRELI, os próprios empresários buscavam limitar sua responsabilidade, por meio da criação de sociedades de fachadas, nas quais apenas um sócio era realmente atuante, o outro era um “sócio-laranja”. Tudo isto, a fim de preservar o patrimônio pessoal. Deveras, antes do nascimento da mencionada norma, o empresário individual, embora gozasse de um CNPJ para exercer sua mercancia, sofria com a insegurança jurídica de ver seu patrimônio na mira de seus credores, em especial as Fazendas Públicas, haja vista não existir qualquer distinção entre os patrimônios das pessoas física e jurídica. Logo, caso a empresa figurasse como sujeito passivo de uma obrigação tributária, o seu representante também responderia, independentemente de qualquer previsão na legislação. Como visto, na relação tributária, o sujeito passivo pode ser classificado como direto, caso em que é pessoal e diretamente ligado à situação fática geradora do tributo; ou indireto, se, por determinação legal, for incumbido de responder por obrigação tributária de outrem. Este é denominado de responsável e é um terceiro estranho ao binômio fisco-contribuinte. As hipóteses de responsabilidade são previstas em lei complementar, por determinação constitucional. Contudo, em determinados casos, a lei deixa um tipo aberto para que os julgadores o preencham. É o que ocorre no caso do artigo 135, que trata de “atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. A jurisprudência nacional considera que a dissolução irregular subsume ao prescrito pelo referido dispositivo, o que enseja a responsabilização do sócio-gerente da sociedade limitada. Com o advento da figura da EIRELI, é de se refletir também sobre a responsabilidade de seu instituidor. O presente artigo pretendeu demonstrar que a responsabilidade do instituidor da empresa individual de responsabilidade limitada corresponde a do sócio de sociedade por quotas. Assim, é plenamente possível o redirecionamento da execução fiscal em face do instituidor da EIRELI, desde que ele exerça a função de administrador. Nos casos específicos de dissolução irregular, caberá a Fazenda Pública comprovar que o instituidor-administrador exercia os poderes de gerência à época da dissolução da empresa, para, só então, requerer o redirecionamento da execução fiscal. Ressalta-se ter sido a EIRELI um grande passo para a evolução da legislação nacional, mormente no que diz respeito ao direito empresarial. É claro que toda evolução traz consigo mudanças. Este caso não difere dos demais, tendo a EIRELI proporcionado às pessoas naturais a possibilidade de exercer atividade empresária sem a necessidade da presença de sócios e sem precisar arriscar o patrimônio pessoal. Por fim, é de se notar que a EIRELI foi um incentivo ao empreendedorismo, pois, ao resguardar o patrimônio pessoal do instituidor, ela deu a ele mais segurança para investir. Não obstante seja uma iniciativa louvável, a “blindagem” do patrimônio do instituidor não pode ser absoluta. Por isso, entende-se que as normas de responsabilidade tributária dos sócios da sociedade limitada se estendem ao instituidor da EIRELI. Assim, prima-se pela preservação da livre concorrência e pelo adimplemento do crédito público.
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O fato gerador das contribuições previdenciárias à luz da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho
Este artigo visa analisar o momento de configuração do fato gerador das contribuições previdenciárias diante da jurisprudência iterativa do Tribunal Superior do Trabalho.
Direito Tributário
Sumário: I. A contribuição previdenciária no ordenamento jurídico; II. A interpretação destes dispositivos pela Justiça Laboral; III. Da alteração legislativa advinda com a Medida Provisória nº 449, de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 2009; IV. Da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho acerca do tema; V. Conclusão. I. A contribuição previdenciária no ordenamento jurídico  Relativamente ao financiamento da seguridade social, o art. 195, inciso I, alínea a, da Constituição Federal assim determina: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) (…)” Tal norma constitucional foi regulamentada pela Lei nº 8.212, de 1991, da seguinte forma: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (…) Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição: I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;  (…) Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: I – a empresa é obrigada a: (…) a) recolher os valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência; Art. 43. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social. Parágrafo único. Nas sentenças judiciais ou nos acordos homologados em que não figurarem, discriminadamente, as parcelas legais relativas à contribuição previdenciária, esta incidirá sobre o valor total apurado em liquidação de sentença ou sobre o valor do acordo homologado”. II. Da interpretação destes dispositivos pela Justiça Laboral A Justiça do Trabalho, por vezes, tem declarado expressamente a incompatibilidade dos arts. 22, inciso I, 28, inciso I, 30, inciso I, alínea b e 43, §2º, todos da Lei nº 8.212, de 1991, com a Carta Magna; e apesar de a Fazenda Pública alegar que os dispositivos acima referidos estão de acordo com a previsão do art. 195, inciso I, alínea a, da Constituição Federal[1], eles têm tido sua vigência negada pela Justiça do Trabalho. Interpretando tais dispositivos, a Justiça Laboral entende que o fato gerador da contribuição previdenciária é a disponibilização de sua retribuição ou remuneração ao trabalhador, ou seja, o efetivo pagamento do crédito trabalhista. Assim, a despeito de a Lei nº 8.212, de 1991, ter introduzido a expressão “total das remunerações pagas, devidas ou creditadas” (art. 22, inciso I – grifei) e “totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados” (art. 28, inciso I – grifei), tais expressões não prevaleciam por serem interpretadas como contrárias ao art. 195, I, a, da Carta Magna, que faz referência à expressão “pagos ou creditados”, sem incluir os devidos. III. Da alteração legislativa advinda com a Medida Provisória nº 449, de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 2009 Com a edição da Medida Provisória nº 449, de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 2009, o parágrafo único do art. 43 da Lei nº 8.212, de 1991, foi revogado, incluindo-se o seguinte parágrafo: “Art. 43. (…) § 2o Considera-se ocorrido o fato gerador das contribuições sociais na data da prestação do serviço.” A partir da edição desta Medida Provisória, passou a constar previsão expressa quanto ao fato gerador das contribuições previdenciárias, como sendo a efetiva prestação laboral ao longo do contrato de trabalho. A alteração advinda com a inclusão dos §§ 2º e 3º, ao art. 43 da Lei de Custeio, feita pela Medida Provisória nº 449, de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 2009, não foi suficiente para superar as divergências quanto ao fato gerador das contribuições previdenciárias, não só porque ela não se aplica aos fatos ocorridos antes da sua vigência, mas também porque sua constitucionalidade estava sendo discutida pelo Pleno do TST, por meio do TST-ArgInc-95541-69.2005.5.03.0004. Contudo, com a edição desta Medida Provisória a jurisprudência sobre a matéria deixou de ser pacífica quanto ao fato gerador das contribuições previdenciárias ser o pagamento das verbas deferidas judicialmente. Assim, após a modificação legislativa, passaram a ser proferidas decisões favoráveis à tese da Fazenda Pública, no sentido de que as contribuições previdenciárias apuradas em decorrência de condenação judicial trabalhista ou acordo homologado em juízo, são devidas desde a data da prestação do serviço, desde que esta prestação seja posterior à edição da MP. Observe-se, porém, que quanto ao período anterior à edição da MP referida, o entendimento jurisprudencial está sedimentado no sentido de que o fato gerador das contribuições previdenciárias é o efetivo pagamento da remuneração ao trabalhador, como se verá a seguir. IV. Da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho acerca do tema Considerando que a matéria em questão é de competência da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, inciso VII, da Constituição Federal[2], expomos, abaixo, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho explicitado por ambas as Subseções Especializadas em Dissídios Individuais. O primeiro acórdão foi proferido no julgamento do Recurso de Embargos E-RR – 18800-88.2005.5.03.0003, pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (Relator Ministro João Batista Brito Pereira, julgado em 12/09/2013, publicado no DEJT de 27/09/2013), com a seguinte ementa: 1. Nas situações em que a prestação de serviços se deu em data anterior à edição da Medida Provisória 449/2008, convertida na Lei 11.941/2009 e que incluiu o § 2º no art. 43 da Lei 8.212/1991, como no caso destes autos, a determinação de adoção da prestação dos serviços como o fato gerador da contribuição previdenciária incidente sobre valores decorrentes de decisão judicial e como o marco inicial da incidência de juros de mora e de multa viola o art. 195, inc. I, da Constituição da República. 2. O aludido preceito constitucional, quando estabelecer que a seguridade social será financiada, também, mediante recursos provenientes das contribuições do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados à pessoa física que lhe preste serviço, indica precisamente que o fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento da remuneração pelo serviço prestado, e não a prestação dos serviços. 3. Recurso de Embargos provido para determinar que os juros e a multa moratória sobre a contribuição previdenciária incidam apenas a partir do dia dois do mês seguinte ao do cumprimento de sentença. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento”. (grifo nosso) O segundo acórdão foi proferido no julgamento do Recurso de Embargos E-RR – 117500-66.2005.5.15.0100, também pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (Relator Juiz Convocado Sebastião Geraldo de Oliveira, julgado em 15/12/2011, publicado no DEJT de 09/01/2012), nos termos da ementa abaixo: “RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007 – EXECUÇÃO – ATUALIZAÇÃO DO CRÉDITO PREVIDENCIÁRIO – FATO GERADOR – TERMO INICIAL – A Constituição da República veda expressamente a cobrança de tributos em relação aos fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado, conforme alínea a do inciso III do artigo 150 da CF. A definição, portanto, a respeito da prestação do serviço como o fato gerador da contribuição previdenciária somente tem efeito nas prestações laborais ocorridas a partir da vigência da Medida Provisória n.º 449/08, convertida na Lei 11.941/2009. No caso em tela, como a prestação de serviços que deu origem às diferenças salariais deferidas ocorreu em período anterior à vigência da referida MP n. 449/2008, o fato gerador do crédito previdenciário é a data do efetivo pagamento ao empregado dos créditos trabalhistas deferidos. Embargos conhecidos e providos.” (grifo nosso) O terceiro acórdão foi proferido no julgamento do Recurso Ordinário em Ação Rescisória ROAR – 1524056-32.2005.5.22.0900, pela Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, julgado em 18/08/2009, publicado no DEJT de 28/08/2009), com a seguinte ementa: “RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO INSS CONTRA DECISÃO QUE HOMOLOGOU ACORDO NOS AUTOS DE AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA CÁLCULADAS SOBRE AS PARCELAS DISCRIMINADAS NO ACORDO. INCIDÊNCIA.  Após a v. decisão proferida pelo TRT da 22ª Região que julgou improcedente a ação rescisória, as partes celebraram acordo, mediante o qual o Banco-reclamado se responsabilizaria, inclusive, pelas contribuições previdenciárias incidentes. Da r. decisão que homologou o acordo o INSS interpôs o presente apelo ordinário, insurgindo-se contra o montante das mencionadas contribuições recolhidas, asseverando ser o valor inferior ao devido. Ocorre que, o fato gerador da obrigação de recolher-se a contribuição previdenciária consubstancia-se no próprio pagamento do crédito trabalhista homologado em acordo, nos termos dos artigos 43 e 44 da Lei nº 8.212/91. De outro lado, dispõe o artigo 764, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho ser lícito às partes celebrar acordo que ponha termo ao processo, mesmo após a homologação da conta de liqüidação. Neste passo, não há que se falar em desconsideração do acordo no tocante a incidência das contribuições sociais sobre o total do ajuste, inclusive para os casos em que firmada a avença na fase executória, já que substituída a sentença proferida no conhecimento pelo acordo posterior entre as partes estabelecido, última decisão considerada de mérito na causa. Neste caso a base legal de incidência das contribuições previdenciárias corresponde às parcelas de natureza salarial discriminadas no acordo, e não as provenientes da fase de conhecimento. Precedentes desta Colenda Corte Superior neste sentido. Recurso ordinário não provido”. (grifo nosso) Cumpre destacar, ainda, que há precedentes de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho entendendo que, para o período anterior à vigência da MP 449/08, o fato gerador da contribuição previdenciária ocorre com o pagamento do crédito trabalhista objeto de condenação judicial ou homologação de acordo, desfavoráveis, pois, à tese da fazenda Pública. Transcreve-se, abaixo, ementas de julgados das oito Turmas do TST, cujo inteiro teor dos acórdãos encontra-se anexo: “1ª Turma: RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. ATUALIZAÇÃO DO CRÉDITO PREVIDENCIÁRIO. FATO GERADOR. TERMO INICIAL. JUROS E MULTA. 1. A e. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte Superior firmou jurisprudência no sentido de que a Constituição da República veda expressamente a cobrança de tributos em relação aos fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado, conforme alínea "a" do inciso III do artigo 150 da CF. A definição, portanto, a respeito da prestação do serviço como o fato gerador da contribuição previdenciária somente tem efeito nas prestações laborais ocorridas a partir da vigência da Medida Provisória nº 449/08, convertida na Lei 11.941/2009. 2. Acerca da incidência dos juros, a e. SBDI-1 tem entendimento sedimentado no sentido de que, nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte à liquidação da sentença. Assim, somente após tal marco poder-se-á falar em juros de mora. 3. No caso vertente, como a prestação de serviços que deu origem às parcelas salariais remuneratórias ocorreu em período anterior à vigência da MP nº 449/2008, o fato gerador do crédito previdenciário é a data do efetivo pagamento ao empregado dos créditos trabalhistas deferidos, sob pena de afronta ao princípio da irretroatividade das leis. 4. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido.” (RR-112600-09.2005.5.04.0662, 1ª Turma, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, julgado em 26/09/2012, publicado no DEJT 28/09/2012) – grifo nosso “2ª Turma: ANÁLISE CONJUNTA DOS RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS PELAS EXECUTADAS COOPERAÇÃO – COOPERATIVA DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DA ÁREA DE SAÚDE E MED-LAR INTERNAÇÕES DOMICILIARES LTDA. EXECUÇÃO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DA ALTERAÇÃO DO ARTIGO 43 DA LEI Nº 8.212/91 PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 449/08, CONVERTIDA NA LEI Nº 11.941/09. A jurisprudência majoritária desta Corte superior é de que os dispositivos introduzidos no ordenamento jurídico pela Medida Provisória nº 449/2008, convertida na Lei nº 11.941/2009, não são aplicáveis nos casos em que houve a prestação de serviços antes do início da vigência da citada medida provisória – hipótese desta demanda em que a prestação de serviços, segundo se extrai da análise dos autos, refere-se ao período compreendido entre as datas de 15/05/2001 e 16/04/2004, sob pena de ofensa aos artigos 150, incisos I e III, alínea “a”, e 195, § 6º, da Constituição Federal. Com efeito, conforme disposto no artigo 195, § 6º, da Lei Maior, as contribuições sociais só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado. Como a MP nº 449/2008 foi publicada em 04/12/2008, o marco para incidência dos acréscimos dos §§ 2º e 3º ao artigo 43 da Lei nº 8.212/91 é 05/03/2009, pelo que somente as prestações de serviços ocorridas a partir dessa data é que deverão ser consideradas como fato gerador da contribuição previdenciária para o cômputo dos juros e multa moratórios então incidentes. Assim, em face da inaplicabilidade da alteração legislativa promovida pela Medida Provisória nº 449/08, convertida na Lei nº 11.941/09, deve ser dado provimento ao recurso de revista para, reformando a decisão a quo, determinar como fato gerador da contribuição previdenciária o pagamento do crédito ao empregado e o termo inicial para a atualização do crédito previdenciário o dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença e, dessa forma, o pagamento de juros de mora e multa somente pode ser exigido caso a contribuição previdenciária não seja recolhida na época própria, nos termos do artigo 276, caput, do Decreto nº 3.048/99. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR-43200-06.2005.5.02.0033, 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, julgado em 25/06/2013, publicado no DEJT de 02/08/2013) – grifo nosso “3ª Turma: RECURSO DE REVISTA DA UNIÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA. Recurso de revista calcado em violação dos artigos 479, § 3º, da CLT, 22, I, 28, 30, I, -a-, 34, caput e 35, I, da Lei 8.212/1991 e 3º, 5º, caput, 114, II e VIII, 150, II e 195 da Constituição Federal e divergência jurisprudencial. O fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento do crédito devido à empregada e não a data da efetiva prestação dos serviços, sendo que os juros e a multa moratória incidirão apenas a partir do dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. Precedentes. Na hipótese, estando a decisão recorrida em consonância com a iterativa, notória e atual jurisprudência do TST, a cognição recursal encontra óbice no artigo 896, § 4º, da CLT e na Súmula 333 do TST. Recurso de revista não conhecido.” (RR – 132700-71.2007.5.04.0352, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, julgado em 23/10/2013, publicado no DEJT de 25/10/2013) – grifo nosso “4ª Turma: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA. Na hipótese dos autos, de fato, com relação à alteração do art. 43, § 2.º, da Lei n.º 8.212/91, a decisão embargada deveria ter observado que o marco jurídico da anterioridade nonagesimal é a data publicação da Medida Provisória n.º 449, em 4/12/2008 e não a da sua conversão na Lei n.º 11.941/2009. Embargos de Declaração providos, com efeitos modificativos, fazendo constar no julgado o provimento parcial do Recurso de Revista da União a fim de fixar – em relação ao período posterior a noventa dias da publicação da Medida Provisória n.º 449, ocorrida em 4/12/2008 – o fato gerador das contribuições sociais como sendo a data da efetiva prestação de serviços, nos moldes do art. 43, § 2.º, da Lei n.º 8.212/1991, devendo, a partir de então, 6/3/2009, serem computados os juros e a multa devidos pelo empregador. Com relação ao período anterior a esse marco, matem-se o entendimento de que o fato gerador das contribuições sociais ocorre no momento em que os rendimentos do trabalho são pagos ou creditados, a qualquer título, ao trabalhador.” (ED-RR-483-27.2011.5.06.0010, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, julgado em 19/06/2013, publicado no DEJT de 28/06/2013) – grifo nosso “5ª Turma: RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. JUROS E MULTA. FATO GERADOR. LEI Nº 11.941/09. PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ANTES DO INÍCIO DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.941/09. A redação atual do artigo 43 da Lei nº 8.212/91, alterada pela Lei nº 11.941/09, prevendo a prestação dos serviços como fato gerador das contribuições sociais, não pode prevalecer nos casos em que a prestação laboral tenha ocorrido antes da vigência da alteração legislativa, sob pena de afronta ao princípio da irretroatividade tributária (artigo 150, III, -a-, da Constituição Federal). Assim, afastada a incidência retroativa da Lei nº 11.941/09 à hipótese, aplica-se o entendimento anteriormente firmado por esta Colenda Corte Superior, no sentido de que o fato gerador da contribuição previdenciária prevista no artigo 195, I, -a-, da Constituição Federal é o efetivo pagamento do crédito devido ao empregado, e não a prestação dos serviços, incidindo os juros de mora e a multa apenas a partir do dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença, nos termos do artigo 276 do Decreto nº 3.048/99. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.” (RR – 420285-23.2009.5.12.0050, 5ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, julgado em 10/04/2013, publicado no DEJT de 19/04/2013) – grifo nosso “6ª Turma: RECURSO DE REVISTA. (…) CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. FATO GERADOR. INCIDÊNCIA DE JUROS E MULTA MORATÓRIA. TERMO INICIAL. DECISÃO JUDICIAL. ARTIGO 43 DA LEI Nº 8.212/91. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Da redação da alteração legislativa ressalta a ampliação, no § 3º do art. 43, do fato tributável da contribuição previdenciária. A norma constitucional definiu o fato tributável, devendo se proceder à leitura do dispositivo em face da Lei Maior. Se não cabe à lei infraconstitucional criar novo fato, é de se verificar que os §§ 2º e 3º da Lei nº 11.941/2009 devem ser apreciados em consonância com o que dispõe o art. 195, I, "a", da Constituição, que determina, com apoio naquela alínea, que a materialidade das contribuições instituídas seja a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. No caso de decisão judicial, é de se aplicar o entendimento de que o fato gerador é a decisão judicial que reconhece o título exequendo. Recurso de revista conhecido e provido.” (RR – 4781-70.2012.5.12.0039, 6ª Turma, Relator Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, julgado em 06/11/2013, publicado no DEJT de 08/11/2013) – grifo nosso “7ª Turma: I) AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – EXECUÇÃO –FATO GERADOR DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. Constatando-se que o agravo do Executado, no que tange ao fato gerador das contribuições previdenciárias, conseguiu demover os óbices erigidos no despacho agravado, seu provimento é medida que se impõe. Agravo provido. II) AGRAVO DE INSTRUMENTO – VIOLAÇÃO DO ART. 150, III, -A-, DA CF – PROVIMENTO. Constatada possível violação do art. 150, III, -a-, da CF, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. III) RECURSO DE REVISTA – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – INCIDÊNCIA DE JUROS DE 1. Consoante a jurisprudência majoritária desta Corte Superior, o fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento do crédito devido ao empregado e não a data da efetiva prestação dos serviços, sendo que os juros e a multa moratória incidiriam apenas a partir do dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença. 2. Entretanto, a MP 449/08, convertida posteriormente na Lei 11.941/09, alterou, dentre outros, o art. 43 da Lei 8.212/91, o qual passou a conter os §§2º e 3º, conforme os quais as contribuições previdenciárias, apuradas em decorrência de condenação judicial trabalhista ou acordo homologado em juízo, passaram a ser devidas desde a data da prestação de serviços. 3. Assim, por expressa disposição legal, não mais prevalece o entendimento de que o 4. Por outro lado, deve ser observado o princípio da irretroatividade da lei tributária contido no art. 150, III, -a-, da CF, segundo o qual é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado. Também deve ser considerado o princípio da anterioridade nonagesimal de que trata o art. 195, § 6º, da CF, segundo o qual as contribuições sociais só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, e, como a MP 449/08 foi publicada em 04/12/08, tem-se que somente as prestações de serviço havidas noventa dias após esta data é que deverão ser consideradas como fato gerador da contribuição previdenciária devida nos autos, sendo os juros e multa legalmente previstos computados desde então. 5. Na hipótese vertente, tendo em vista que a prestação dos serviços ocorreu antes da edição da MP 449/08, o que se pode verificar pelo ano de ajuizamento da reclamação trabalhista, e considerando que o Regional entendeu ser essa prestação o fato gerador das contribuições sociais, resta evidente a afronta ao mencionado art. 150, III, -a-, da CF. Recurso de revista provido.” (RR-189700-67.2007.5.04.0404, 7ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, julgado em 27/02/2013, publicado no DEJT de 01/03/2013) – grifo nosso “8ª Turma: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – FATO GERADOR DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – INCIDÊNCIA DE JUROS DE MORA E MULTA. Não há falar na incidência de juros de mora e de multa a partir da prestação dos serviços, porquanto o fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento ao empregado. Precedentes do TST. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.” (AIRR – 937-04.2011.5.03.0038, 8ª Turma, Relator Desembargador Convocado João Pedro Silvestrin, julgado em 06/11/2013, publicado no DEJT de 08/11/2013) – grifo nosso V. Conclusão Do exposto conclui-se que a jurisprudência atualmente assentada no Tribunal Superior do Trabalho tem considerado o pagamento ou a disponibilização do crédito como fato gerador da contribuição previdenciária incidente sobre condenações e acordos judiciais na Justiça do Trabalho, quando a prestação do serviço tiver ocorrido antes da edição da Medida Provisória nº 449, de 2008, convertida na Lei nº 11.941, de 2009.
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A incidência do imposto de renda sobre a pensão alimentícia x o princípio da igualdade entre os filhos
O que se pretende com o presente artigo é buscar uma interpretação objetiva sobre o regramento constitucional que assegura a igualdade entre os filhos em face da exigência de pagamento de imposto de renda incidente sobre a pensão alimentícia fixada em favor do menor/adolescente.
Direito Tributário
Introdução. A pensão alimentícia tem por objetivo assegurar àquele que não tem condições de prover o próprio sustento recursos necessários para uma sobrevivência digna. Inserido no art. 229 da Constituição Federal, o vínculo originário da obrigação alimentícia é a solidariedade familiar, motivo pelo qual não representa acréscimo patrimonial. Por outro lado, o imposto de renda incide sobre a renda e proventos de qualquer natureza (ou rendimentos), consignando expressamente que tal incidência está condicionada à geração de “acréscimo patrimonial”, sendo tal hipótese de incidência incompatível com a natureza jurídica e os fins a que se destinam os alimentos fixados para a subsistência do menor. 1. Desenvolvimento A Constituição Federal em seu artigo 5º caput preceitua que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros o direito a igualdade. Dispõe também a Carta Constitucional em seu artigo 227, § 6º, expressa e especificadamente acerca da igualdade assegurada entre os filhos: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Essa prerrogativa demonstra a preocupação do legislador constituinte em coibir qualquer tipo de diferenciação que pudesse ocorrer entre os filhos, independente de estes serem fruto de um casamento, uma união estável, uma adoção ou até mesmo aqueles havidos de uma relação extraconjugal. Corou-se o Princípio da Igualdade entre os filhos. Nesse sentido, não pode o genitor privilegiar um filho em detrimento das necessidades do outro, sob pena de responder perante o Poder Judiciário, que atuará para garantir a igualdade fincada na Carta Constitucional. Tal entendimento é assente na jurisprudência pátria. É o que se verifica nos seguintes julgados: “APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. AÇÃO DE ALIMENTOS, CUMULADA COM GUARDA E REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. FILHA MENOR. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. I – A fixação dos alimentos deve atender ao binômio necessidade do credor, que, tratando-se de menor, é presumida, e possibilidade do alimentante. Por força do princípio da igualdade entre os filhos, recomendável a equivalência na fixação do quantum alimentar, para que não haja desproporção na pensão alimentícia devida aos filhos. II – A animosidade existente entre as partes não autoriza a imposição da guarda compartilhada pleiteada.”[1](grifo nosso) “ADMINISTRATIVO – MILITAR – NETA MAIOR DE IDADE – ADOÇÃO POR AVÔ – IMPOSSIBILIDADE – ART. 227, § 6º, DA CF/88 – PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS – APLICAÇÃO DO ART. 42, § 1º, DA LEI Nº 8.069/90 – ADOÇÃO PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS – IMPOSSIBILIDADE – PRECEDENTES – PENSÃO POR MORTE – DESCABIMENTO. 1. A partir de 1988 é inadmissível qualquer forma de discriminação entre os filhos menores de idade e os maiores, diante do princípio da igualdade de direitos entre os filhos, previsto no artigo 227, § 6º, do Texto Maior. 2. Nas hipóteses de adoção de maior de idade, a partir da vigência da Carta Magna de 1988, é cabível a aplicação dos ditames do artigo 42, § 1º, da Lei nº 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente, que veda a adoção dos ascendentes e dos irmãos do adotando. 3. Os atos de adoção têm por escopo principal a prestação de assistência material e emocional àquele que necessita, não se admitindo sua utilização como manobra para se escapar das legislações previdenciárias que não lhe são favoráveis. Precedentes.. 4. Uma vez configurada a ineficácia do ato constitutivo de adoção da Autora pelo seu avô, efetivado em 2002, em relação à Administração Castrense, descabe o pedido de pensão militar por ela formulado. 5. Apelação desprovida. Sentença confirmada.”[2] . (grifo nosso) “AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ALIMENTOS CUMULADA COM MODIFICAÇÃO DE GUARDA – ALIMENTOS PROVISÓRIOS – INSURGÊNCIA COM O QUANTUM FIXADO – OBSERVÂNCIA AO BINÔMIO NECESSIDADE E POSSIBILIDADE – ORIENTAÇÃO DO ART. 1.694, § 1º, DO CÓDIGO CIVIL – PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS FILHOS – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. "[. . .] Não apontada justificativa para diferenciação entre os alimentos prestados aos dois filhos e ausente a demonstração da vontade de revisão da obrigação fixada ao filho anterior, ao menos neste momento de cognição sumária, devem as verbas alimentares ser equiparadas, diante do princípio da igualdade entre os filhos (art. 227, § 6º, da CRFB/88)”"[3] (grifo nosso) Noutro aspecto, em análise ao regramento tributário, verifica-se que o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966) preceitua em seu artigo 43, no que se refere ao Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, que este tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: “I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendido os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.” (grifo nosso) Em exercício de interpretação tem-se que o primeiro inciso pressupõe rendimentos de capital (dinheiro investido – em bens móveis ou imóveis -, que gera mais dinheiro), do trabalho (labor) ou combinação de ambos (investimentos + trabalho) e o segundo inciso abarca qualquer tipo de rendimento, com a ressalva expressa de se tratar de um rendimento capaz de gerar ACRÉSCIMO PATRIMONIAL, não compreendido no inciso I, ou seja, não proveniente de investimentos ou do trabalho. Assim, por ser a pensão alimentícia fixada apenas para garantir a manutenção do padrão de vida do menor/adolescente, reluz não se tratar de um caso de acréscimo patrimonial. Repise-se:  o menor não está a receber salário ou remuneração pelo exercício de trabalho, também não recebe lucro do capital  investido, muito menos a pensão fixada lhe trará um aumento patrimonial. O que o menor aufere é apenas o quantitativo suficiente para adimplir suas despesas e assegurar-lhe seu direito de desfrutar, além do mínimo existencial, todas as vantagens a que fazia jus enquanto residia com o genitor alimentante, ou seja, aquelas vantagens que os irmãos que permanecem sob a guarda deste usufruem. Não é este porém o entendimento do Estado, já que tributa vorazmente a verba alimentícia, por meio de uma interpretação ampliativa constante no decreto regulamentador da tributação de pessoas físicas da União de forma a permitir que o IR atinja também os valores recebidos a título de alimentos. É o que se observa no Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999. Em seu art. 5º refere-se a alimentos como "caso de rendimentos percebidos em dinheiro", in verbis: “Art. 5º No caso de rendimentos percebidos em dinheiro a título de alimentos ou pensões em cumprimento de acordo homologado judicialmente ou decisão judicial, inclusive alimentos provisionais ou provisórios, verificando-se a incapacidade civil do alimentado, a tributação far-se-á em seu nome pelo tutor, curador ou responsável por sua guarda (Decreto-Lei nº 1.301, de 1973, arts. 3º, § 1º, e 4º)”. (grifo nosso) Ora, se a fixação de alimentos se baseia no binômio necessidade-possibilidade, e os valores são fixados apenas para a manutenção de um status quo ante, não há falar em aumento patrimonial que justifique a incidência do imposto de renda. Tal cobrança pelo Estado é desarrazoada e arbitrária, uma verdadeira ameaça ao princípio da dignidade da pessoa humana. Contudo, o principal ataque que se verifica é contra o Princípio da Igualdade entre os filhos, pois se está condenando o menor que vive sob a guarda de apenas um dos genitores (geralmente a mãe), a viver de forma completamente desigual aos irmãos que residem com o genitor alimentante. É notório que no Brasil os valores fixados a título de pensão alimentícia pelo judiciário ficam sempre muito abaixo das reais necessidades do alimentado, principalmente, se tomado como paradigma o padrão de vida experimentado pelo filho que permanece residindo com o alimentante. 1.     Conclusão Portanto, a incidência do imposto de renda sobre o valor arbitrado a título de pensão alimentícia tem como consequência direta a redução considerável dos alimentos estipulados, o que afronta tanto o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana como o Princípio da Igualdade entre os Filhos, ambos protegidos pela Constituição de 1988. É uma forma inequívoca de exploração desnecessária do menor e do adolescente, uma verdadeira ameaça à seus direitos. Finalmente, com grande expectativa, informa-se que em 09 de abril de 2014, foi publicada matéria no sítio do IBDEFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) comunicando que a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado Federal vai realizar audiência pública para debater a incidência do imposto de renda sobre os alimentos fixados judicialmente para a manutenção dos filhos.
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Da incidência de ICMS nas operações que envolvem fornecimento de mercadoria
Este artigo tem por objetivo analisar a tributação incidente sobre as operações mistas, isto é, aquelas nas quais há fornecimento de mercadorias com prestação de serviços.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO E ANÁLISE DA SISTEMÁTICA DE TRIBUTAÇÃO A Constituição Federal no intuito de regulamentar, com as minudências necessárias, o Sistema Tributário Nacional, conferiu competência aos estados, para instituírem o ICMS, e aos municípios, para a instituição do ISS: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços; IV – resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação; V – é facultado ao Senado Federal: a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros; b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros; VI – salvo deliberação em contrário dos Estados e do Distrito Federal, nos termos do disposto no inciso XII, "g", as alíquotas internas, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, não poderão ser inferiores às previstas para as operações interestaduais; VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele; VIII – na hipótese da alínea "a" do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; IX – incidirá também: a)sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios; (…) Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (..) III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar § 3º Em relação ao imposto previsto no inciso III do caput deste artigo, cabe à lei complementar: I – fixar as suas alíquotas máximas e mínimas; II – excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.  III – regular a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.” (Incluído pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) Não obstante a detalhada definição constitucional dos mencionados tributos, foram editadas as Lei Complementares n° 87/1997 e n° 116/2013, relativas, respectivamente, ao ICMS e ao ISS, leis estas que têm por objeto a definição do fator gerador, sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária, alíquotas, isenções, dentre outros aspectos dos citados impostos. Do ponto de vista doutrinário, não faltam manifestações quanto aos citados tributos. Nesse sentindo, no que se refere ao ICMS, Aliomar Baleeiro define operação como "todo negócio jurídico que transfere a mercadoria desde o produtor até o consumidor final[1]". O termo "mercadoria", como explica Eduardo Sabbag "é a coisa que se constitui objeto de uma venda. O que caracteriza uma coisa como mercadoria é a destinação, uma vez que é coisa móvel com aptidão ao comércio"[2]. Contudo, não é sobre mercadorias que o ICMS incide propriamente, mas sobre as operações de circulação de mercadorias. A expressão "circulação", segundo o autor, evidencia que será a mudança de titularidade, efetuada mediante um negócio jurídico, que dará ensejo à incidência do ICMS. Com relação ao ISS, assevera Aires Fernandino Barreto que "é serviço a prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial[3]."  Ao indicar uma delimitação entre o campo de incidência do ICMS com o do ISS, esclarece o mesmo autor que "diante de operação mercantil a coisa é objeto do contrato; sua entrega é a própria finalidade da operação. No caso de prestação de serviço a coisa é simples meio para a realização de um fim. A finalidade não é mais o fornecer ou entregar uma coisa, mas, diversamente, prestar um serviço, para o qual o emprego ou aplicação de coisas (materiais) é mero meio[4]". Nesta senda, a doutrina construiu uma distinção clássica, levando em consideração se o negócio jurídico se aperfeiçoa por uma obrigação de dar ou de fazer. Esta demarcação parte do pressuposto que se a obrigação for de dar, o fato se encontra no âmbito do ICMS, ao passo que se o negócio se configurar por uma obrigação de fazer que estiver prevista na Lista de Serviços da Lei Complementar nº 116/2003, o evento se conformará ao campo de incidência do ISS. No caso em análise, a Lista de Serviços indica no item 14.01 o serviços de "manutenção" como uma operação mista, na qual o fornecimento de mercadorias estará sujeito à incidência de ICMS, enquanto que a prestação de serviços ensejará o pagamento de ISS: "Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.(…) 14.01 – Lubrificação, limpeza, lustração, revisão, carga e recarga, conserto, restauração, blindagem, manutenção e conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos, motores, elevadores ou de qualquer objeto (exceto peças e partes empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS)". Sobre essa questão, o artigo 2º da lei Complementar n° 87/1999 é claro ao prever a incidência de ICMS sobre o fornecimento de mercadorias, mesmo quando tal fornecimento é oriundo de uma prestação de serviços: “Art. 2° O imposto incide sobre: I – operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares; II – prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores; III – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza; IV – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios; V – fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.” Nesse sentido, o artigo 2 º do Regulamento do ICMS do estado de São Paulo determina o momento da ocorrência do fato gerador do referido imposto, que deverá ser a ocasião do fornecimento da mercadoria em decorrência dos serviços prestados: “Artigo 2º – Ocorre o fato gerador do imposto (Lei 6.374/89, art. 2º, na redação da Lei 10.619/00, art. 1º, II, e Lei Complementar federal 87/96, art. 12, XII, na redação da Lei Complementar 102/00, art. 1º): I – na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; II – no fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias por qualquer estabelecimento, incluídos os serviços que lhe sejam inerentes; III – no fornecimento de mercadoria com prestação de serviços: a) não compreendidos na competência tributária dos municípios; b) compreendidos na competência tributária dos municípios, mas que, por indicação expressa de lei complementar, sujeitem-se à incidência do imposto de competência estadual;” Esse, inclusive, é o teor da jurisprudência dos Tribunais Superior, in verbis: "TRIBUTÁRIO. OPERAÇÕES MISTAS. ICMS. ISS. CRITÉRIOS DE INCIDÊNCIA. SERVIÇOS DE CONSERTO E MANUTENÇÃO DE REFRIGERADORES COM FORNECIMENTO DE PEÇAS EMPREGADAS. ITEM 14.1 DA LEI COMPLEMENTAR 116/2203. […] 2. Trata-se de empresa de prestação de serviço de conserto e manutenção de refrigeradores com fornecimento das peças empregadas. 3. Hipótese prevista nos itens 69 do Decreto-Lei n. 406/68 e no item 14.1 da Lei Complementar n. 116/2003, com expressa exceção quanto ao fornecimento de peças, no qual incidirá ICMS. 4. Incidência de ISS sobre os serviços de conserto e manutenção de refrigeradores e de ICMS sobre o fornecimento de peças, desde que a base de cálculo do imposto sobre circulação de mercadorias seja o valor referente a estas, evitando-se a bitributação. (STJ, REsp 1239018/PR, Relator Humberto Martins, DJe 12/05/2011)" “EMEN: TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ISSQN. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO EM ELEVADORES E FORNECIMENTO DE MATERIAIS. OPERAÇÃO MISTA. ITEM 14.01 DA LISTA ANEXA À LC 116/03. RECURSO PROVIDO. 1. "O critério adotado por esta Corte para definir os limites entre os campos de competência tributária de Estados e Municípios relativamente ao ICMS e ISSQN, seguindo orientação traçada no Supremo Tribunal Federal, é o de que nas operações mistas há que se verificar a atividade da empresa, se esta estiver sujeita à lista do ISSQN o imposto a ser pago é o ISSQN, inclusive sobre as mercadorias envolvidas, com a exclusão do ICMS sobre elas, a não ser que conste expressamente da lista a exceção" (EDcl no AgRg no AgRg no REsp 1.168.488/SP, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Segunda Turma, DJe 21/6/10). 2. No caso dos autos, a execução de serviços de manutenção de elevadores, prevista no item 14.01 da Lista Anexa à LC 116/03, encontra previsão expressa de incidência do ICMS sobre os materiais empregados no desempenho da atividade. 3. Recurso especial provido para restabelecer a sentença de Primeira Instância, reconhecendo a não incidência de ISS sobre os valores relativos aos materiais fornecidos. ..EMEN:” (RESP 200801334085, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:25/04/2011 ..DTPB:.) “EMEN: TRIBUTÁRIO – ISSQN – OPERAÇÕES MISTAS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO COM FORNECIMENTO DE MERCADORIAS – ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADOTADA NO RESP 732.496/RS JULGADO NESTA CORTE – ATIVIDADES CONSTANTES NA LISTA DE SERVIÇOS ANEXA À LEI COMPLEMENTAR N. 116/2003 ESTÃO SUJEITAS AO ISSQN, DESDE QUE NÃO CONSTE EXPRESSAMENTE A EXCEÇÃO, COMO É O CASO DOS AUTOS. 1. Os embargos declaratórios são cabíveis para a modificação do julgado que se apresenta omisso, contraditório ou obscuro, bem como para sanar possível erro material existente no julgado. 2. O critério adotado por esta Corte para definir os limites entre os campos de competência tributária de Estados e Municípios relativamente ao ICMS e ISSQN, seguindo orientação traçada no Supremo Tribunal Federal, é o de que nas operações mistas há que se verificar a atividade da empresa, se esta estiver sujeita à lista do ISSQN o imposto a ser pago é o ISSQN, inclusive sobre as mercadorias envolvidas, com a exclusão do ICMS sobre elas, a não ser que conste expressamente da lista a exceção, como é o caso dos autos. 3. Na atividade de manutenção de elevadores (item 14.01 da Lista Anexa à LC n. 116/2003) consta, expressamente, que os materiais empregados ficam sujeitos ao ICMS. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para dar provimento ao agravo regimental e negar provimento ao recurso especial” (AgRg no AgRg no REsp 1168488 SP 2009/0208094-0). "TRIBUTÁRIO. OPERAÇÕES MISTAS. ICMS. ISS. CRITÉRIOS DE INCIDÊNCIA. SERVIÇOS DE CONSERTO E MANUTENÇÃO DE REFRIGERADORES COM FORNECIMENTO DE PEÇAS EMPREGADAS. ITEM 14.1 DA LEI COMPLEMENTAR 116/2203. […] 2. Trata-se de empresa de prestação de serviço de conserto e manutenção de refrigeradores com fornecimento das peças empregadas. 3. Hipótese prevista nos itens 69 do Decreto-Lei n. 406/68 e no item 14.1 da Lei Complementar n. 116/2003, com expressa exceção quanto ao fornecimento de peças, no qual incidirá ICMS. 4. Incidência de ISS sobre os serviços de conserto e manutenção de refrigeradores e de ICMS sobre o fornecimento de peças, desde que a base de cálculo do imposto sobre circulação de mercadorias seja o valor referente a estas, evitando-se a bitributação”. (STJ, REsp 1239018/PR, Relator Humberto Martins, DJe 12/05/2011)" Inclusive, portais de consultoria contábil[5] recomendam que, em caso de operações mistas, em que haja a prestação de serviços e o fornecimento de mercadoria, o contribuinte emita duas notas fiscais: uma, relativa à prestação de serviços propriamente dita, outra, referente ao fornecimento de mercadorias: "Os serviços de manutenção de elevadores são tributados pelo ISS, sendo devido o imposto no local do estabelecimento prestador.  Tendo em vista o disposto no art. 6º da Lei Complementar nº 116/2003, cabe observar os casos de eventual necessidade de retenção do ISS de acordo com a legislação do município.  Por outro lado, considera-se ocorrido o fato gerador do ICMS no momento do fornecimento de peças e partes, pelo prestador do serviço, na manutenção e conservação de elevadores. Assim sendo, a aplicação de partes e peças nas operações de conserto e manutenção de elevadores está sujeita à tributação do ICMS e o valor da mão-de-obra, bem como o das mercadorias que não são consideradas partes e peças, encontram-se sujeitos ao ISS.  O prestador de serviços deverá emitir Nota Fiscal, modelo 1 ou 1-A, em relação a partes e peças aplicadas tributadas pelo ICMS, e Nota Fiscal de Serviços, conforme a legislação municipal. No entanto, poderá optar por emitir a Nota Fiscal, modelo 1 ou 1-A, conjugada com a Nota Fiscal de Prestação de Serviços, caso a legislação municipal permita esse procedimento.  Esclarecemos que a empresa poderá creditar-se do ICMS apenas de partes e peças que adquirir para aplicação nos serviços, uma vez que haverá tributação por ocasião da saída do produto consertado, bem como deverá estornar o imposto referente a fios, soldas e outros materiais não enquadrados no conceito de partes e peças (Lei Complementar nº 87/1996, art. 12, VIII, “b”)". Fonte: Editorial IOB. Nessa toada, esclareça-se que, no caso em tela, na operação mercantil de compra de peças e o fornecimento dessas peças à Cliente, há ocorrência de dois fatos geradores: o primeiro, quando a empresa adquire a peça; e o segundo, no momento em que a empresa fornece o referido material à Cliente. Nesse sentido, o artigo 2°, I, do Regulamento do ICMS determina que quando da saída da mercadoria, a qualquer título, do estabelecimento comercial, há a ocorrência do fato gerador do mencionado imposto. Dessa forma, s.m.j., as operações acima descritas estarão sujeitas ao ICMS e aos demais tributos federais porventura incidentes (PIS/PASEP, COFINS, CSLL). Quanto à possibilidade de valer-se apenas da "nota fiscal de fornecimento" para efetuar a transferência da mercadoria à Cliente, sem que haja a respectiva emissão da "nota fiscal da empresa", cabem algumas ponderações. A legislação tributária (artigo 125 e seguintes do Regulamento do ICMS do estado de São Paulo) exige que a cada operação ou prestação seja emitido o correspondente documento fiscal devendo este, posteriormente, ser escriturado nos livros próprios de modo a permitir a apuração do imposto devido. Em se tratando de saída de mercadorias, por exemplo, deverá ser emitida a correspondente nota fiscal. Quando o contribuinte realiza determinada operação ou prestação (geralmente o fornecimento de mercadoria) sem a concomitante emissão do respectivo documento fiscal, estará inviabilizando que esta operação seja submetida à incidência do tributo, o que pode implicar a violação das normas tributárias: “Ementa: TRIBUTÁRIO. ICMS. MULTA. IMPOSIÇÃO DE PENALIDADE DECORRENTE DE DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. NECESSIDADE DE EMISSÃO DE NOTA FISCAL MESMO QUANDO NÃO HÁ INCIDÊNCIA DO IMPOSTO. RECURSO NÃO PROVIDO. O simples fato da apelante não ser contribuinte do ICMS não a exonera do cumprimento das obrigações acessórias estabelecidas pela legislação tributária. TJ-PR – Apelação Cível AC 6253990 PR 0625399-0 (TJ-PR). Data de publicação: 23/02/2010” 2. Conclusão Diante do quanto exposto, infere-se que as operações mistas estão sujeitas tanto ao ICMS quanto ao ISS, na forma exposta no item anterior deste artigo científico.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/da-incidencia-de-icms-nas-operacoes-que-envolvem-fornecimento-de-mercadoria/
Princípio do não confisco e capacidade contributiva
O princípio da capacidade econômica e o princípio do não confisco, com previsão expressa na Constituição Federal de 1988 respectivamente nos artigos 145, § 1º e 150, IV, têm por finalidade impedir que o Estado, em todas as suas esferas, ao criar tributos ou ao majorarem suas alíquotas, confisque bens ou diminua a capacidade econômica, por via indireta do contribuinte, tirando-lhe ou diminuindo-lhe significativamente sua condição mínima existencial. Apesar de servirem de instrumentos de defesa do contribuinte, contra os possíveis atos abusivos do Estado, não é uma tarefa fácil delimitar seus conceitos, conteúdos, assim como seus alcances, uma vez que são normas de caráter indeterminado e abstrato. Para melhor entendimento destes instrumentos, é de suma importância à análise conjunta destes com outros princípios tributários, tais como: os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, da seletividade, isonomia e da progressividade, pois assim irão compor uma defesa mais eficaz para o sujeito passivo da relação tributária. Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é demonstrar como os princípios da capacidade contributiva e do não confisco agem de forma a contribuir com o Estado para que este consiga atender as necessidades e interesses da coletividade e cobrir suas despesas.[1]
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO Estado é o poder soberano que “desenvolve atividades políticas, econômicas, sociais, administrativas, financeiras, educacionais, policiais, que têm por finalidade regular a vida humana em sociedade, por isso que a finalidade essencial do Estado é a realização do bem comum” [2]. E para custear todas estas atividades, o Estado precisa de receitas, que podem ser arrecadadas de forma originária (ou de economia privada) e de forma derivada (ou de economia pública). Como receita originária entende-se como toda “aquela que em origem no próprio patrimônio público imobiliário do Estado” [3]. “Já a receita derivada é aquela arrecadada compulsoriamente, derivando do patrimônio dos particulares” [4], como exemplo, têm-se os tributos, multas, as penalidades pecuniárias, a desapropriação confiscatória[5] e as reparações de guerra. É na receita derivada que os princípios constitucionais tributários atuam.      No presente trabalho serão abordados os princípios relacionados ao valor da justiça da tributação, com destaque ao princípio do não confisco e ao princípio da capacidade contributiva. Este extraído da parte inicial do §1º, do art. 145, da Constituição Federal de 1988: “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, e aquele do art. 150, IV, nos termos do qual “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios utilizar tributo com efeito de confisco”. 2. PRINCÍPIO: CONCEITO E SUA DIFERENÇA DE REGRA E NORMA Para que possamos formar um entendimento em torno dos princípios focados no presente trabalho, se faz necessário o entendimento do que é princípio. Em um conceito dicionarizado teremos, o princípio sendo conceituado como: “Regra, preceito, razão primária. Proposição, verdade geral, em que se apoiam outras verdades.”[6] Contudo, se buscarmos na doutrina, encontraremos como na obra ‘Os princípios jurídicos da tributação na Constituição Federal de 1988’[7], de Hugo de Brito Machado, que a concepção de princípio varia de acordo com a postura jusfilosófica de cada um. Para os jusnaturalistas, os princípios jurídicos constituem o fundamento do Direito Positivo, é algo que integra o Direito Natural. Já para os positivistas, o princípio nada mais é do que uma norma jurídica que se distingue das demais pela importância que tem no sistema jurídico, esta importância decorre de ser o princípio uma norma dotada de grande abrangência, vale dizer, de universalidade, e de perenidade. Ou então, nas palavras de Luiz Flávio Gomes “As normas se exprimem por meio de regras ou princípios. As regras disciplinam uma determinada situação; quando ocorre essa situação, a norma tem incidência; quando não ocorre, não tem incidência. Para as regras vale a lógica do tudo ou nada (Dworkin). Quando duas regras colidem, fala-se em "conflito"; ao caso concreto uma só será aplicável (uma afasta a aplicação da outra). O conflito entre regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação: a lei especial derroga a lei geral, a lei posterior afasta a anterior etc. Princípios são as diretrizes gerais de um ordenamento jurídico (ou de parte dele). Seu espectro de incidência é muito mais amplo que o das regras. Entre eles pode haver "colisão", não conflito. Quando colidem, não se excluem. Como "mandados de otimização" que são (Alexy), sempre podem ter incidência em casos concretos (às vezes, concomitantemente dois ou mais deles).”[8] 3. PRINCÍPIO DO NÃO CONFISCO 3.1) Conceito e fundamentação legal Esse princípio, cuja fundamentação legal, encontra-se no art. 150, inc. IV, da Constituição Federal de 1988, é um típico limite constitucional, pois abstém o legislador de instituir tributos, que sejam de cunho confiscatório, funcionando assim como uma garantia, que pode ser considerada como uma exigência de razoabilidade da carga tributária. Não precisaria necessariamente estar expresso, pois este princípio decorre diretamente do direito de propriedade, cujas previsões e garantias encontram-se espalhadas na Carta Magna.[9] “O conceito de confisco é indeterminado. Não existe definição do limite a partir do qual se ultrapassa o que seria uma tributação pesada e passa-se a ter uma tributação confiscatória. […] A vedação ao confisco pretende impedir que se ultrapasse, com essa carga, níveis considerados suportáveis por determinada sociedade, em certa época e sob condições conjunturas.”[10] O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADMIMC 2.010/DF (relator Celso de Mello) definiu que o efeito confiscatório não deve ser analisado levando em conta apenas um tributo, isoladamente, mas sim a partir da carga tributária total imposta ao contribuinte por determinada pessoa política: “Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou rendimentos do contribuinte”. Esta linha de pensamento foi seguida no julgamento dos RE-AgR 386.098/MT, RE-AgR 414.915/PR e RE 395.882/MT. É de grande importância mencionar que a Constituição Federal de 1988, só permite o ato confiscatório, no caso previsto no seu artigo 243.[11] 3.2) Confisco no direito tributário e seus efeitos “No Direito Tributário Brasileiro, o confisco aparece como limitação ao poder de fixar ou majorar tributos que acarretem, sobretudo, a perda da propriedade do contribuinte, já que todo tributo, a princípio, transfere parte da propriedade do particular para o Estado. A despeito de não ter sido a intenção do legislador pátrio expropriar o bem do contribuinte, o princípio do não confisco veda o efeito prático da referida exigência. É dirigido não apenas a um ente federativo, mas às esferas políticas de nossa República, quais sejam: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim sendo, de um lado, evita-se a prática de política arrecadatória devastadora e, de outro, garante-se a cobrança de tributos em patamares proporcionais e razoáveis em relação a todos os contribuintes. O princípio em comento atua como garantia material desses contra o excesso de tributação, constituindo fundamental instrumento de proteção aos direitos e às garantias individuais dos cidadãos brasileiros.”[12] Apesar de ter sua positivação na Carta Magna, é considerado um princípio valorativo, pois sua previsão é vaga e imprecisa por não conter delimitações qualitativas objetivas. Em consequencia disto, este princípio serve de paradigma com o fito de ter garantido dentre outros direitos o da propriedade e o da justiça social. Nesse sentido, Aliomar Baleeiro[13], afirma que “esse princípio é alinhado pela Carta Magna entre aqueles que configuram “limitações do poder de tributar”. É uma norma de restrição, endereçada primacialmente ao legislador, o qual, ao instituir tributos, deverá graduá-los sem expropriar”. 3.3) Conflito entre confisco e multa Inicialmente, salienta-se que multa não é uma espécie de tributo e sim “uma sanção aplicada em função de descumprimento, seja de uma obrigação principal ou de uma obrigação acessória. Uma multa excessiva poderia constituir confisco.” [14] As multas são espécies de sanção pecuniárias, que devem ser aplicadas de forma razoável, proporcional à infração, limitada, não excessiva, nem confiscatória, isto porque “uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores (…) caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco”.[15] No mesmo sentido, Ricardo Aziz Cretton, “este é, pois, um terreno, na topografia tributária, em que já se sedimentou a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, seja na revelação ou graduação das penas pecuniárias, seja na inadmissão de sanções indiretas, coercitivas, políticas, para vexar ou compelir o contribuinte a pagar a qualquer custo o tributo e acrescidos que o Fisco entende devidos, sob a ameaça de dificultar-lhe ou impedir-lhe a atividade”.[16] Cabe ressaltar uma ressalva, observada por Cláudio Carneiro, em sua obra ‘Curso de Direito Tributário e Financeiro’[17] na qual afirmou que o STF, no julgamento do RE 173.689, entendeu que a pena de perdimento de bens adotada tanto no Direito Tributário, quanto no Direito Penal, não pode ser considerada violação ao princípio do não confisco. 3.4) Extrafiscalidade e não confisco A extrafiscalidade é a política de tributação que tem por fim atingir as metas da sociedade – sejam econômicas, educacionais, políticas ou urbanísticas – através da indução dos agentes econômicos, ou seja, “é o tributo que não almeja, prioritariamente, prover o Estado de meios financeiros adequados a seu custeio, mas antes visa ordenar a propriedade de acordo com a sua função social ou a intervir em dados conjunturais ou estruturais da economia. Para isso, o ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular ou desestimular comportamentos, de acordo com os interesses prevalentes da coletividade, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefícios e incentivos fiscais”.[18] A própria Constituição Federal prevê expressamente que para alcançar a produtividade da propriedade rural, o imposto territorial rural (ITR) seja utilizado com fins extrafiscais. Assim como, prevê também que para assegurar a função social da propriedade o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) as suas alíquotas podem ser progressivas. “Considerando esses diferentes objetivos que a lei pode perseguir, vale dizer, meramente suprir as burras do Estado, ou, ao contrário, estimular ou desestimular comportamentos na extrafiscalidade, é de se consentir na maior agressividade fiscal em uma tributação que, de fato, possa acarretar desvantagens econômicas àquele que, embora não pratique ato ilícito, persiste em atuar contrariamente aos interesses políticos, sociais ou econômicos superiores da coletividade.”[19] 3.5) Estado de guerra e o não confisco A guerra é uma situação extrema e excepcional, que cabe inclusive a instituição de um imposto extraordinário conforme artigo 154, II, da Constituição Federal de 1988. “A guerra é a circunstância de gravíssima ruptura conjuntural e estrutural que solicita tratamento especial e enseja tributação mais elevada e sacrifícios de todos, maiores do que aqueles toleráveis em tempo de paz.”[20] Nesta hipótese, a incidência do princípio do não confisco quanto a sua tolerância sofrerá alterações em razão da necessidade do Estado conseguir arcar com as suas despesas extraordinárias. 4. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA 4.1) Conceito e fundamento legal “É o princípio que permite a verificação da legitimidade da imposição tributária, pois só deve sofrê-la quem possui disponibilidade para tanto. […] Representa uma evolução dos princípios mais genéricos da igualdade e generalidade. […] É constitucionalmente delimitado pelos conceitos de mínimo vital e não confiscatoriedade, que se complementam e servem tanto a limitar a tributação sobre quem pouco tem disponível quanto o exagero sobre possuidores de farta capacidade contributiva. A aplicação destes dois conceitos reduz e até afasta a tributação sobre produtos essenciais ao ser humano, evitando também que incida em excesso sobre bens supérfluos.”[21] Ao avaliar a juridicidade do princípio da capacidade contributiva constata-se que o seu conteúdo está inserido no princípio da isonomia. José Marcos Domingues de Oliveira[22] entende que no Direito Tributário, a igualdade se realiza através do princípio da capacidade contributiva, isto porque somente depois de garantida a satisfação das necessidades mínimas, comuns a todos, é que, se poderá tratar desigualmente os desiguais, discriminando-os licitamente com base nas respectivas riquezas diversas.    Este mesmo autor admite que de uma forma geral, que a doutrina é uniforme quanto à existência do conceito de capacidade contributiva, em sua obra ‘ Direito Tributário – capacidade contributiva’[23] cita o conceito criado por Vadés Costa como sendo “a possibilidade econômica que tem o indivíduo de contribuir para os gastos públicos destinados a satisfazer as necessidades coletivas”. Cita ainda Grizziotti, “capacidade econômica de pagar tributos indica a potencialidade que possuem os submetidos à soberania fiscal para contribuir para os gastos públicos sem reduzir o padrão de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econômicas”. E também Baleeiro: “a capacidade contributiva do indivíduo é denominada a sua idoneidade econômica para suportar, sem sacrifício do indispensável à vida compatível com a dignidade humana, uma fração qualquer do custo total de serviços públicos”. Dessa forma, o conteúdo isonômico do princípio da capacidade contributiva, só será revelado se preservado as necessidades de subsistência e garantia do padrão de vida, traduzindo que somente com sua tutela poder-se-á tratar desigualmente os desiguais, ou seja, quem mais tem mais contribui. O princípio da capacidade contributiva é um daqueles juízos fundamentais de valor que informam a ordem jurídica. Tutelando, e elevando ao nível de garantia constitucional os direitos à igualdade material no tributo, á liberdade de iniciativa e á propriedade privada perante ao Estado. Desta forma, pelo exposto, compreende-se que é um princípio conexo ao princípio do não confisco, “enquanto aquele impõe um limite máximo (embora indeterminado) para a tributação, o da capacidade contributiva fixa um limite mínimo de riqueza (conquanto implícito e indeterminado) para que alguém esteja sujeito à tributação, e estabelece um critério para a graduação dos impostos (note-se que o texto constitucional, ao tratar da capacidade contributiva, literalmente se refere só aos impostos: o STF, entretanto, em alguns julgados, invoca o princípio da capacidade contributiva ao tratar de outras espécies tributárias, atém mesmo das taxas)”.[24] 4.2) Capacidade contributiva e a capacidade econômica “O constituinte utilizou a expressão capacidade econômica, embora quase toda a doutrina prefira capacidade contributiva. Não há oposição entre elas, sendo razoável afirmar que a capacidade contributiva é a capacidade econômica que interessa à tributação.”[25]“Capacidade contributiva é a capacidade que o indivíduo tem de se onerar junto ao Fisco, sem que haja violação de sua dignidade, isto é, dos elementos mínimos para a sua subsistência digna. […] Costuma-se confundir capacidade contributiva e capacidade econômica. Todavia, parece correta a tese segundo a qual a capacidade contributiva é gênero que admite duas espécies: a capacidade objetiva e a subjetiva. A capacidade objetiva é aquela que se caracteriza pela mera exteriorização de riqueza, ou seja, caracteriza-se pela simples análise objetiva do aspecto econômico. […] De ouro lado, a capacidade subjetiva se caracteriza pela análise das características pessoais do contribuinte, como acontece na apuração do imposto de renda. […] Nesse sentido, podemos dizer que os impostos sem sempre podem ser dimensionados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, como é o caso dos impostos reais (IPTU, IPVA, etc.), mas, por outro lado, os impostos de caráter pessoal, sempre que possível, deverão observar essa capacidade”.[26] 4.3) Natureza jurídica da capacidade contributiva “A princípio, trata-se de uma limitação constitucional do poder de tributar. Para o Supremo Tribunal Federal, no entanto, trata-se de uma mera norma programática que pode ser suprimida através de Emenda Constitucional”.[27]    4.4) Subprincípios da Capacidade Contributiva Os subprincípios são a forma de como a exteriorização do princípio da capacidade contributiva que pode ser classificada como: 4.4.1) Progressividade A progressividade é uma importante técnica de graduação dos tributos de acordo com a capacidade contributiva, consiste na denominada tributação progressiva. O autor Hugo de Brito Machado, entende a progressividade pode ser considerada em relação a um tributo isolado, ou em relação ao sistema tributário, em sua totalidade.[28] Pois, “a elevação progressiva do ônus tributário implica contribuição crescente, provinda dos que mais proveito tiraram da sociedade organizada.”[29] Este subprincípio estabelece que o aumento da alíquota varia conforme o aumento da base de cálculo, como é o caso clássico do imposto de renda.[30] Isto é, as alíquotas são progressivas quando crescem simultaneamente ao crescimento da base de cálculo, e podem ser regressivas quando diminuem simultaneamente com o crescimento da base de cálculo do tributo. Ainda segundo Hugo de Brito Machado, “é importante notar que a progressividade verifica-se sempre em relação ao mesmo contribuinte, e ao mesmo fato tributável. Consubstanciando-se pela aplicação, no cálculo do imposto a ser pago por um mesmo contribuinte, de várias alíquotas, crescentes na medida em que aumenta o fato tributável, ou base de cálculo do imposto” [31]. Diante do exposto, pode-se extrair que a progressividade tem a função de redistribuição de riqueza, pois com um tributo progressivo, quem tem mais paga não apenas proporcionalmente mais, paga progressivamente mais. Quanto aos impostos reais, o entendimento do Supremo Tribunal Federal[32] é de que estes somente poderão ser progressivos se a Carta Magna assim determinar, ou seja, para que os impostos reais consigam atender a capacidade contributiva, devem ser proporcionais (alíquota fixa, variando a base de cálculo), se a Constituição prever e/ou autorizar. Recentemente o STF reconheceu a possibilidade de cobrança progressiva de imposto sobre transmissão por morte – “por maioria dos votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) proveu o Recurso Extraordinário (RE) 562045, julgado em conjunto com outros nove processos que tratam da progressividade na cobrança do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCD). O governo do Rio Grande do Sul, autor de todos os recursos, contestou decisão do Tribunal de Justiça do estado (TJ-RS), que entendeu inconstitucional a progressividade da alíquota do ITCD (de 1% a 8%) prevista no artigo 18, da Lei gaúcha 8.821/89, e determinou a aplicação da alíquota de 1%. O tema tem repercussão geral reconhecida. […] Na análise da matéria, os ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello uniram-se a esse entendimento. Eles concluíram que essa progressividade não é incompatível com a Constituição Federal nem fere o princípio da capacidade contributiva. A Corte aplicou o mesmo entendimento a outros nove Recursos Extraordinários. São eles: REs 544298, 544438, 551401, 552553, 552707, 552862, 553921, 555495 e 570849, todos de autoria do Estado do Rio Grande do Sul.”[33] Progressividade fiscal e extrafiscal “A primeira, relacionada ao princípio da capacidade contributiva, implica adoção, pela lei, de alíquotas progressivamente elevadas, na medida do aumento da base de cálculo. A progressividade extrafiscal não está relacionada ao princípio da capacidade contributiva, e não precisa adotar como critério de variação das alíquotas o valor da base de cálculo. Ela é usada para desestimular determinadas situações, como ocorre no caso da progressividade do ITR, destinada a desestimular a manutenção de propriedade rural improdutiva (quanto menor o grau de utilização, maiores as alíquotas), e no caso da progressividade do IPTU prevista no art. 182, §4º, inciso II, da Constituição, cujo fim é desestimular a manutenção de solo urbano não edificado ou subutilizado- progressividade no tempo, ou seja, aumentam as alíquotas a cada ano de manutenção da propriedade urbana não edificada ou subutilizada.”[34] 4.4.2) Proporcionalidade Por este princípio extrai-se que o ônus fiscal deve se dado mediante uma alíquota fixa com base de cálculo variável, ou seja, deve ser diretamente proporcional à riqueza evidenciada em cada situação. “Entendemos que a proporcionalidade seria um subprincípio da capacidade contributiva, porque tributação através de alíquota fixa para cada base de cálculo por si só diferencia os contribuinte, como por exemplo, ocorre com a regra do IPTU.” [35] 4.4.3) Seletividade “Dizer que um imposto é seletivo é apenas dizer que ele incide de forma diferente sobre os objetos tributados. A razão dessa incidência diferenciada é o que denominamos critério da seletividade.”[36] “Este princípio preceitua que a alíquota varia em função da essencialidade do produto, ou seja, o bem essencial tem uma alíquota menor do que os bens supérfluos.”[37] Este princípio não se confunde com o da progressividade, pois enquanto este se caracteriza por ter alíquotas crescentes para o a mesma base de cálculo do imposto de um mesmo imóvel, aquele se caracteriza por possuir alíquotas diferenciadas, aplicáveis para a base de cálculo do imposto de imóveis diferentes. “A seletividade está intimamente ligada ao que se tem denominado função extrafiscal do imposto. Como é sabido, os impostos podem ter função fiscal, vale dizer, função arrecadatória de recursos financeiros, e função extrafiscal, ou função de intervenção na economia. Onerando diferentemente os fatos tributáveis, o imposto exerce notável função extrafiscal. A seletividade também pode prestar-se, como já demonstramos, para realização dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, como acontece com os impostos sobre a produção, a circulação ou o consumo de bens, ou sobre a prestação de serviços que sejam seletivos em função da essencialidade dos bens, ou serviços tributados.”[38] 4.4.4) Personalização (ou personificação) Este princípio contempla a ideia da adequação do tributo às condições pessoais de cada contribuinte, ou seja, sua capacidade econômica. “Assim, diz-se que a personalização se constitui em uma das faces da capacidade contributiva relativamente aos impostos pessoais, daí a tese de que o juiz poderia declarar inconstitucional uma lei por superar a capacidade contributiva, podendo reduzir a alíquota.”[39] 4.4.5) Universalização e Generalidade A Constituição Federal de 1988, em seu art. 153, §2º, I, estabelece que o imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade, e da progressividade. O princípio da universalidade refere-se “ao objeto da tributação, devendo o imposto então recair sobre todos os rendimentos, independentemente da denominação que tiverem, da sua origem, da sua localização ou condição jurídica da respectiva fonte”[40]. Ou seja, “a tributação incidirá sobre todos os bens, independente de sua natureza ou situação.” [41] Já quanto ao princípio da generalidade defende a ideia de que o tributo deverá recair sobre todos que realizem o fato gerador sem exceção, aplicando-se e obedecendo-se assim ao princípio da isonomia. 5. OUTROS PRINCÍPIOS RELACIONADOS AO VALOR JUSTIÇA DA TRIBUTAÇÃO 5.1) Princípios da isonomia ou Igualdade Tributária Sua formulação é dividida em duas partes, uma genérica que é a que tem como fundamento legal o art. 5º, da Carta Magna, do qual se extrai que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. E uma parte mais específica, que se encontra no art. 150, II, do mesmo texto legal, segundo o qual “é vedado, à União, aos Estados, ao distrito Federal e aos Municípios instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. “O princípio da isonomia tributária não apenas ordena que se dê tratamento igual aos equivalentes, mas também que se trate desigualmente os desiguais. Assim, por exemplo, tanto fere a isonomia uma lei que pretenda isentar do imposto de renda as remunerações recebidas por uma determinada categoria profissional, como também é contrária ao princípio da igualdade uma lei que pretenda estabelecer uma alíquota única e uniforme de imposto de renda, aplicável a todas as remunerações. Nesse último caso, pessoas em situação econômica diferente estariam recebendo tratamento tributário igual e “tratar igualmente os desiguais” também fere o princípio da isonomia.”[42] Está inserido também no princípio da isonomia tributária a ideia de que ele seria mais um comando para o legislador (igualdade na lei), assim como para o aplicador (igualdade perante a lei), a Administração tributária. “Significa dizer que o princípio obriga o legislador, o qual, ao elaborar a lei tributária, comando geral e abstrato, não poderá estabelecer no seu texto tratamento anti-isonômico. De igual forma, impõe às autoridades administrativas a obrigação de, ao concretizar a aplicação da lei tributária, não dispensar tratamento discriminatório alguns de seus destinatários.”[43]        A esta última observação se faz necessário comentar que ao Judiciário, cabe somente avaliar se o legislador infringiu ou não o princípio da isonomia, decidindo com base em outro princípio, o da razoabilidade, caso contrário poderia o Poder Judiciário atuar como legislador positivo, afrontando o princípio da separação dos Poderes. 5.1.1) Destinatário do princípio da Isonomia É de suma importância destacar para quem o princípio da isonomia é destinado, assim “poderíamos afirmar que o referido princípio se destina ao aplicador da lei, mas também tem como destinatário imediato o legislador, porque este, ao editar a lei, não pode trazer tratamento, diferenciado às pessoas que se encontram em situações semelhantes”.[44] Diante do exposto pode-se afirmar que se dá de duas formas: I – Proibição de privilégios odiosos Segundo Ricardo Lobo Torres, o privilégio pode ser considerado legítimo quando se baseia na capacidade contributiva ou na extrafiscalidade do tributo, o que se condena é o privilégio chamado de odioso. Assim, temos na Constituição vários tipos de privilégios vedados, tais como: a) relativo à ocupação profissional (art. 150, II); b) privilégios geográficos federais, salvo para a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País (art. 151, I), entre outros. Vale destacar que a isonomia tem íntima relação com o princípio republicano, pois em uma verdadeira república não pode haver distinções entre pessoas, ricos e pobres. A noção de República não se coaduna com privilégios, tampouco com distinções relativas a condições sociais, econômicas e pessoais.”[45] II – Proibição de discriminação fiscal “A proibição de discriminação fiscal veda à administração fiscal dar tratamento diferenciado quanto às exigências fiscais, salvo situações excepcionais que, plenamente justificadas, as autorizem. […] Esse princípio visa garantir a integridade de um mercado comum, formado pela própria federação brasileira. Em que pese a maioria da doutrina tratar o princípio da igualdade como sinônimo do princípio da não-discrinação, corroboramos o entendimento de uqe os dois diferem entre si, ou seja, já que existe a discriminação não justificada (odiosa) e discriminação justificada, ou seja, permitida, através da observância do trinômio necessidade, adequação e ponderação, não se pode dizer que pelo simples fato de não discriminar se prestigiaria a igualdade tributária.”[46] 5.2) Princípio da Dignidade da Pessoa Humana O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais elencados no art. 1º da Carta magna, que consagra o Estado como uma organização centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial. “A dignidade da pessoa humana assenta-se no reconhecimento de duas posições jurídicas ao indivíduo. De um lado, apresenta-se como um direito de proteção individual, não só em relação ao Estado, mas também, frente aos demais indivíduos. De outro, dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes.”[47] Segundo Cláudio Carneiro, “no aspecto tributário deve-se preservar a dignidade da pessoa humana, visto que a mesma é um fundamento da República no estado democrático de direito, que não pode ser afastada pelo fisco, face à simples alegação de que a necessidade de arrecadação é imperiosa e o tributo é compulsório. Precisa preservar a justiça fiscal assegurando ao contribuinte o mínimo para uma existência digna.”[48] Ainda neste sentido, Ricardo Lobo Torres conclui, em sua obra ‘Direitos Humanos e Tributação’, que o direito às condições mínimas de existência humana digna é o mínimo existencial, e por isso deveria ser imune a tributos e ainda exigir prestações estatais positivas. 6. CONCLUSÃO Diante do exposto, conclui-se que os princípios são os mandamentos nucleares de um sistema jurídico. Os princípios tributários são classificados em modalidades de acordo com os seus valores[49]. O presente trabalho tem por escopo, abordar os que se classificam quanto ao valor justiça da tributação, tendo destaque o princípio da capacidade contributiva e o do não confisco. Em suma, se extrai que “o princípio do não confisco e o da capacidade contributiva relacionam-se, mas não se confundem. O primeiro tem fundamento precípuo no direito de propriedade e impõe um limite máximo (porém indeterminado) à carga tributária, conforme critério de razoabilidade; o segundo encontra fulcro no princípio da isonomia (e também em uma ideia geral de “justiça fiscal”), consubstanciando a regra de que devem contribuir para custear os dispêndios do Estado todos quantos possuam riqueza acima de um limite mínimo – o chamado “mínimo vital” -, e devem fazê-lo na medida de sua capacidade econômica.”[50]
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Falências e recuperações judiciais – uma nova abordagem para a recuperação do crédito público
O conteúdo do texto a seguir se alicerça não somente numa visão da prática da advocacia pública fazendária na matéria específica de que trata. Também se baseia nisso. Mas principalmente se funda numa visão de Direito como suporte de realização da fraternidade e numa concepção de processo como instrumento de construção de resultados mais nítidos e tempestivos. A propósito sob a luz da teoria dos princípios precisamos descobrir e explorar o que pode nos acrescentar de valor o princípio da fraternidade
Direito Tributário
1 DEFERIDA A RECUPERAÇÃO JUDICIAL, é momento em que se mostra altamente recomendada a realização de pesquisas a fim de se verificar a existência e a dimensão dos créditos públicos em jogo e comprovar, em sendo o caso, a presença de circunstâncias que possam atrair a responsabilidade pessoal dos sócios-gerentes ou administradores da empresa (art. 135 do CTN). Havendo créditos dignos de ação, presente ou não a responsabilidade solidária, pode ser caso de manejo de ação cautelar fiscal da Lei 8.397/92. Importante atentar para o fato de que o deferimento da recuperação judicial não suspende as execuções fiscais em curso nem impede novos ajuizamentos. Pelo contrário, deve-se atentar para o prazo prescricional das ações fiscais. Também, é recomendável a comunicação ao Juízo da Recuperação sobre o montante dos créditos públicos apurados, pois se trata de informação relevante ao plano de administração da empresa e pode dar evidência a uma eventual inviabilidade da recuperação, que poderá se convolar em falência. No processo de recuperação judicial é dever do requerente juntar a comprovação de seu conjunto econômico, de maneira a demonstrar a plausibilidade da recuperação da empresa. Tal formalidade serve à Fazenda Pública como demonstrativo claro do conjunto de bens disponíveis da empresa e de seus sócios administradores para futuras, ou atuais, penhoras ou arrestos. 2 DECRETADA A FALÊNCIA, a Fazenda Pública precisará definir, de acordo com seu ponto de vista e conforme seu estado logístico e estrutural, qual a melhor estratégia para lidar com a nova Massa Falida. Uma estratégia que é usual, podemos identificar como “padrão”, se trata da providência de movimentar as ações executivas e outras possíveis, até a fase de penhora no rosto dos autos da falência, aguardando-se, daí, o deslinde do falimentar. Outra, que temos desenvolvido, opta pela juntada aos autos falimentares do rol dos créditos públicos para inscrição pelo síndico no quadro de credores (já ajustados aos parâmetros legais e jurisprudenciais pacíficos, como separação dos valores em rubricas diferentes para multa, juros até e após a data da quebra, encargos legais, restituições, etc.), requerendo-se em paralelo que sejam sobrestados os executivos fiscais. Seja qual for o manejo, algumas providências são obrigatórias para uma atuação diligente, a começar pela realização de pesquisas que informem o montante e a natureza dos créditos públicos que têm a falida como sujeito passivo, assim como das ações já ajuizadas e ainda não ajuizadas em face da empresa agora inativa.   Se a providência de preservação cautelar de bens não foi instrumentalizada antes, este momento pode ser oportuno, especialmente com respeito aos bens dos sócios administradores. Na sentença que decreta a quebra e fixa o termo da falência, o Juízo cumprirá algumas providências fundamentais. Dentre elas: a) Nomeará o Administrador Judicial (síndico); b) Determinará a expedição de ofícios às Fazendas Públicas; c) Fará expedir ofício à Junta Comercial para que anote a circunstância; d) Ordenará outras providências úteis, como a arrecadação dos bens e documentos da massa falida e a avaliação dos seus ativos, etc; 3 AS ATIVIDADES DO ADMINISTRADOR JUDICIAL são elencadas principalmente pelo art. 22 da Lei de Recuperação Judicial e Falências. O que interessa à Fazenda Pública, no início dos trabalhos, é garantir que os créditos públicos sejam diligentemente inscritos no quadro de credores, obedecendo a ordem devida. Também, deve a Fazenda atentar para o resultado de eventuais perícias contábeis e para os termos do relatório de causas da quebra (art. 22, III, a da LFRJ), documentos de onde se extrairão, em sendo o caso, os fundamentos de fato para alicerçar um pedido de redirecionamento das execuções fiscais no rumo do patrimônio dos administradores da empresa falida, os empresários falidos que geriram a empresa quebrada. A aproximação entre o serviço jurídico do órgão fazendário e o administrador judicial (síndico), com colaborativa troca de informações, se mostra uma estratégia inteligente para lubrificar todo o trabalho que, em muitos momentos, terá um rumo comum a ambos. Traz vantagens à Fazenda e ao Síndico, e indiretamente, a todos os credores concursados e ao Juízo Falimentar. É comum diferenciarmos a execução fiscal em face de empresa ativa e de empresa falida, sob a ótica de que o trabalho da Fazenda é mais proficiente quando realizado no âmbito da massa falida, porquanto neste caso se tem no outro polo um agente que deseja efetuar os pagamentos devidos por lei e na forma da lei (o síndico), cujo trabalho é exatamente o de liquidar e pagar; enquanto que no caso das empresas em atividade e com alto grau de endividamento, esta mesma vontade (do empresário) de honrar o crédito público pode não se fazer presente. Em regra não se faz presente, por razões óbvias. RECUPERAÇÃO JUDICIAL E CRÉDITOS PÚBLICOS Um dos últimos desafios enfrentados nesta área de atuação foi o embate travado em face de uma decisão importante de um também importante Juízo especializado da comarca de Novo Hamburgo – RS. Tratou-se de decisão que desobrigava a empresa requerente de recuperação judicial, de apresentar certidões de regularidade fiscal (CND ou CPEN) para a aprovação e execução do plano de recuperação. Na prática, estava-se invertendo a ordem de preferência entre os credores, pois, num caso assim, certamente os credores privados todos seriam pagos integralmente, para somente depois, se restasse algum recurso, destiná-los aos créditos públicos. Neste caso em particular, mesmo estando arrestados cautelarmente pela Fazenda Pública, mediante cautelar fiscal, todos os bens da empresa, de seus sócios, de empresa do grupo econômico e de seus “sócios-laranjas”, o Juízo Estadual da recuperação mantinha a decisão e a atuação no sentido de alienar bens imóveis para o pagamento dos credores outros, desconsiderando por completo o crédito público, sua precedência e suas garantias. Tal decisão somente foi obstada através de agravo de instrumento junto ao Tribunal de Justiça do Estado, interposto incidentalmente ao processo de recuperação, onde a União não era parte mas ostenta legítimo interesse jurídico. No caso o relator do recurso concedeu efeito suspensivo ativo, de maneiras a proibir alienações de bens, enquanto pendente de decisão matéria correlata em julgamento no Superior Tribunal de Justiça. Bloqueados os planos do Juízo e do Administrador Judicial, criou-se um ambiente onde a Fazenda Pública passou a ter relevância nas negociações e acordos necessários ao andamento de uma situação assim tão complexa, de maneira que passou de “espectadora” a “stakeholder”. A ideia base é no sentido de que o processo de recuperação judicial é um concurso estabelecido entre os credores privados quando a empresa se mostra com viabilidade de salvamento. Não afeta, pois, os direitos da União ou dos demais entes públicos quanto a seus créditos. Logo, se a Fazenda Pública logrou arresto ou penhora de bens para garantir seus créditos, não pode o Juízo da recuperação frustra-los a fim de satisfazer credores privados, seja qual for o argumento. IMPORTÂNCIA E OPORTUNIDADE DE NOVAS ABORDAGENS NA GESTÃO Exemplos de modificação radical na abordagem de processos de trabalho, como este dado pelo trabalho especializado em falências e outros tantos que se pode identificar por todo o Brasil, servem para demonstrar de forma cada vez mais cristalina que tarda já uma modificação profunda na estrutura de gestão das procuradorias de Fazendas Públicas, que precisam rapidamente se encaminhar para um foco em processos de trabalho, de forma mais horizontal e visando o pleno atendimento das demandas da sociedade. Na forma como se organizam hoje, ao menos na fração que conhecemos, têm-se estruturas altamente verticalizadas, personalizadas em figuras-chave, num ambiente muito centrado nos meios e sem nenhuma forma estruturada de gestão de projetos. O contrapeso politico-burocrático é ainda hegemonizado pelos atores políticos. O ambiente, pois, é bastante favorável à ineficiência e a instabilidade, situações que hoje somente são superadas pelos valores pessoais que são gigantescos em todas as procuradorias deste Brasil. Portanto, dada a sua vocação ao desenvolvimento de políticas de Estado, entendemos que a tais instituições merecem a oportunidade de uma reformulação bastante significativa nas suas estruturas. Estabelecendo a gestão baseada em processos de trabalho, tirando as lideranças dos cargos hierarquizados e as colocando a frente de gerenciamento de processos, horizontalizando as responsabilidades e estruturando fluxos que melhorem a eficácia das realizações, é possível sim ganhar mais eficiência, transparência e estabilidade, independentemente da diretriz política dada pelos governos. A propósito, a função dos governos é dar direcionamento às estruturas públicas, a fim de que realizem, com mais ou menos intensidade, umas ou outras das políticas públicas legitimadas pelo voto popular. Jamais deve ser função dos governos gerir politicamente as instituições burocráticas que servem ao Estado. No micro caso, a rotina implantada para a atuação na recuperação dos créditos submetidos ao concurso de credores ou cuja empresa seja objeto de recuperação judicial, se presta com muita propriedade a um sistema horizontal de processo de trabalho, na medida em que percorre um caminho objetivo com distinção dos valores agregados em cada etapa de sua realização, supridos eventualmente por serviços auxiliares da Organização, como tecnologia da informação, manutenção dos registros de entrada e saída de processos judiciais, suprimento de pesquisas com informações primordiais (bens, endereços, etc), registros de transações nos sistemas da Dívida Ativa, formação e manutenção de dossiês, Acompanhamento Especial, etc. CONCLUSÕES Pudemos vislumbrar do trabalho desenvolvido que são viáveis e eficazes mudanças na abordagem das rotinas de trabalho a que estamos todos expostos, exercitando o desapego, a ousadia e a crença de que é possível fazer mais e melhor com o que se tem. Percebemos que a simples inversão da forma como se tratam os processos de recuperação de créditos em falências, com maior objetividade, agregando-se um maior uso de ferramentas já existentes e exercitando o relacionamento com os demais atores envolvidos nas causas, é possível aumentar a eficiência do trabalho, com resultados perceptíveis a ”olho nu”. Entendemos que o exemplo, além de servir de sugestão de atuação para outras esferas das Procuradorias da Fazenda Pública, se presta como exemplo também de como é possível horizontalizar os processos de trabalho visando obter melhores resultados. Acreditamos que a modelagem da gestão é inevitavelmente condicionada à adoção da horizontalização, da gestão por processos e do estabelecimento de núcleos de implementação e gerenciamento de projetos. Cremos que o modelo de fluxo, aplicado de forma regional a todas as ações falimentares, pode render resultados incríveis!
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Reconhecimento de inconstitucionalidade de lei por ato administrativo
No exercício de sua atividade executiva, enquanto aplicador de leis em casos concretos, o Administrador Público se verá eventualmente na condição de decidir entre aplicar uma lei ou aplicar a constituição, quando normas destas duas classes se mostrarem igualmente incidentes no caso, porém, divergentes. Busca-se aqui raciocinar se é lícito ao Administrador afastar a aplicação de uma lei imperativa quando esta se evidencie, no caso concreto, contrária a preceito ou princípio constitucional.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A prática da atividade pública oferece a todos constantes desafios, uma vez que a remansosa certeza da teoria técnica jamais é suficiente para atender as necessidades da realidade diária que enfrentam os gestores e os operadores jurídicos. Um destes desafios é responder a uma questão que sempre surge: pode o Administrador, ou mesmo um colegiado administrativo, reconhecer a inconstitucionalidade e deixar por esse fundamento de aplicar uma norma vigente? O tema não é novo e não encerra solução pacífica ainda. Há correntes doutrinárias divergentes, umas defendendo que o Administrador pode reconhecer a inconstitucionalidade de certa norma e deixar com isso de aplicá-la ao caso concreto, enquanto que outras entendem que tal atividade seria o desempenho pelo Administrador de controle de constitucionalidade de leis. Examinemos os fundamentos. REVISÃO DOUTRINÁRIA, JURISPRUDENCIAL E ANÁLISES A VISÃO RESTRITIVA Para entender o que pensam os juristas que defendem que não pode o gestor recusar a aplicação de uma lei que entenda inconstitucional, cabe referência ao item 1.25, página 57 da 9ª edição do livro Processo Tributário – Teoria e Prática, de Cassone & Cassone, editora Atlas, 2009, da qual citamos apenas um diminuto trecho, onde o Autor traz fragmento de conferência do jurista CELSO BANDEIRA DE MELLO, RT (75/12 – Malheiros): “Eis a razão – e aqui termino – pela qual entendo que (e gostaria que fosse o contrário) num processo administrativo tributário não pode ser discutida a constitucionalidade da lei: porque este tribunal é um tribunal administrativo e um tribunal administrativo se aloca no plano sublegal; e por se alocar no plano sublegal, ele não tem poderes para contender aquilo que resulta da lei.” Da mesma obra, ainda, se infere à página 57 e depois na página 59, trecho de conferência do Ministro do STF Moreira Alves, editada pela Revista dos Tribunais, SP, 2000, onde o jurista ensina: “O que sucede é isto: a Administração está sujeita ao princípio da legalidade. (…) Tudo isso está a indicar que não tem sentido admitir-se que qualquer funcionário possa deixar de aplicar a lei por entendê-la inconstitucional, até mesmo porque o que nós temos é um contencioso administrativo. E administrativo mesmo. Nós não temos um contencioso administrativo com poder jurisdicional.” Hely Lopes Meirelles, pela 30ª edição de seu Direito Administrativo Brasileiro, 2005, Malheiros, p.88, tece uma série de sentenças limitadoras da ação do administrador, referindo dentre outras coisas que o particular tudo pode, com limite na lei, enquanto que a Autoridade nada pode, exceto o permitido por lei. Antigo axioma, a propósito. Curiosamente encerra a página com a seguinte reflexão: “Cumprir simplesmente a lei na frieza de seu texto não é o mesmo que atendê-la na sua letra e no seu espírito. A Administração, por isso, deve ser orientada pelos princípios do Direito e da Moral, para que ao legal se ajunte o honesto e o conveniente aos interesses sociais.” Evidentemente o saudoso mestre abraçava nesta assertiva a visão mais larga sobre Administração Pública e supremacia do interesse público, legitimando também a mais moderna inteligência que dá conta de que os princípios são os indicadores da finalidade das normas ao mesmo tempo em que são como que o ‘colágeno’ que as flexibiliza. Contudo, toda a sustentação que erigiu linhas antes só nos permite entender da sua obra que a via da decisão administrativa é estreita e limitada na escala de legalidade. Embora com essa reflexão progressista. É de se concluir, portanto, nesta ótica, que a Autoridade Administrativa não tem o poder de julgar uma lei inconstitucional e assim deixar de aplicá-la, debate este que seria da competência exclusiva dos entes que detém Poder de Controle de Constitucionalidade, seja preventivo ou repressivo. Assim, o fundamento mais evidente desta negativa reside no fato de que o Administrador, enquanto agente executor da prescrição ou da permissão da norma positiva, não pode se atribuir poder superior ao concedido a ele pela norma, para com isso rejeitá-la e afastá-la. Também fundado no princípio da legalidade, não foi dado ao gestor público por nenhum diploma legal (notadamente pela Carta Republicana) poder expresso de controle de constitucionalidade. Neste caminho, a Administração não poderia julgar inconstitucional uma lei e deixar de aplicá-la por este fundamento, pois estaria adstrita, em plano sublegal, ao cumprimento estrito das normas vigentes, não lhe cabendo controle de constitucionalidade, afeto este ao Legislativo durante o processo de construção normativa ou no exercício de iniciativa de controle judicial (Mesa-ADI), ao Chefe do Executivo quando de sua oportunidade de sanção ou veto e de iniciativa de ação de controle abstrato, e ao Judiciário em controle posterior difuso ou concentrado; Sem esquecer, é claro, dos demais legitimados para iniciar a ADI e a ADC. A VISÃO PERMISSIVA Noutra banda há entendimento diametralmente oposto. O constitucionalista brasileiro Alexandre de Moraes, por exemplo, em sua já respeitada obra Direito Constitucional, Atlas, 24ª edição, 2009, p. 702, posiciona-se de maneira mais radical sobre o tema, entendendo que é possível sim que o Chefe do Executivo se negue, de forma lícita, a executar norma que repute inconstitucional invertendo a lógica e submetendo-se ao risco de ter que responder judicialmente pela negativa (ao invés de ir antes a Juízo questionar a lei). Defende que por ser ato de gravidade institucional, deve ser limitado ao chefe do Executivo e não aos demais servidores do ente. Chama o apoio do jurista Elival da Silva Ramos e de decisão da Suprema Corte, STF – MC na Adin 221/DF – onde se decidiu: “Os Poderes Executivo e Legislativo, por sua Chefia – e isso mesmo tem sido questionado como o alargamento da legitimação ativa na ação direta de inconstitucionalidade – podem tão-só determinar a seus órgãos subordinados que deixem de aplicar administrativamente as leis ou atos com força de lei que considerem inconstitucionais.” Alcançamos ainda a oportunidade de ouvir opiniões abalizadas no sentido de que, em seu ofício de decidir pela aplicação de normas em casos concretos, o administrador muitas vezes se verá diante de um conflito aparente de normas, sendo uma de origem constitucional e outra infraconstitucional, pelo que resolveria aplicar a norma constitucional uma vez ser esta norma de hierarquia superior à letra legal. Típico caso de conflito de normas solucionável pelo critério hierárquico. A propósito disso Maria Sylvia Zanella di Pietro, em seu Direito Administrativo, 22ª edição pela Atlas, ao estabelecer comparação entre Administração e Governo (p.50), diferencia com clareza os espectros das atividades executiva e jurisdicional, atribuindo A AMBOS, ao Judiciário e ao Executivo, a aplicação das normas aos casos concretos, sendo que no caso do JUDICIÁRIO este visa SOLUCIONAR CONFLITOS DE INTERESSES e exercer a APLICAÇÃO COATIVA DA LEI, notadamente quando esta encontra resistência no plano fático e mediante prévia provocação do interessado; enquanto que o EXECUTIVO visa a realização de ATOS CONCRETOS VOLTADOS PARA A REALIZAÇÃO DOS FINS ESTATAIS, DELIMITADOS ou determinados NA NORMA. Neste escopo ganha sentido na concretude da vida a posição que defende que o administrador, cedo ou tarde, se deparará com a incidência de duas normas escritas e contraditórias em dado caso concreto que deve este, por força das funções de seu cargo, resolver. Pelo que, exercendo a exegese de quem executa a Lei, se verá o gestor na obrigação de optar entre uma norma em detrimento de outra, usando para isso do processo de solução de conflito aparente de normas de que dispomos hoje, no caso, do critério hierárquico, quando uma norma conflitante seja de magnitude constitucional e a outra seja infraconstitucional. Já em 1999 o Procurador da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, professor Rodrigo Lopes Lourenço, na segunda edição de sua obra “Controle da Constitucionalidade à Luz da Jurisprudência do STF”, pela editora Forense, já pregava: “Depara-se, então, um órgão público, não-inves­tido na função jurisdicional do Estado, com a dificuldade decor­rente de, em determinado caso, dever ser aplicado um comando jurídico que, a seu ver, é contrário à regra constitucional. (…) Sabemos, e ninguém estranha, que os órgãos jurisdicionais, no exercício do controle concreto de constitucionalidade não só podem como devem deixar de aplicar regras infraconstitucionais que reputem contrárias à Lei Maior. A questão, no Brasil, não oferece qualquer dificuldade porque nosso método de controle concreto de constitucionalidade já é secular. As pessoas naturais e as jurídicas de direito privado, se não cumprirem um preceito legal, estarão sujeitas às respectivas san­ções, como já se afirmou. Entretanto, se estiverem absolutamente convictas da inconstitucionalidade do comando desacatado, po­derão recusar-lhe o cumprimento, porquanto, se compelidas a fazê-Io, ajuizarão ações apontando respectiva contrariedade à Lex Legum. (…). Permanece a questão: os órgãos públicos não-jurisdicio­nais dos Poderes Legislativo e Executivo podem deixar de aplicar uma norma por entenderem que a mesma contraria a Constituição? A norma contida no caput do art. 37 da Constituição da República submete a Administração Pública ao princípio da legalidade, isto é, deve a mesma obedecer ao ordenamento jurídico positivo. Entretanto, é inquestionável que, acima do dever de obedecer a regras infraconstitucionais, há a missão de acatar os princípios e comandos da Lei Maior. Em outras palavras, a ativi­dade administrativa do Estado tem a obrigação de, antes de acatar o princípio da legalidade, curvar-se ao da constitucionalidade. Aplicar preceito infraconstitucional contrário à Carta Magna apenas porque está vigendo é menoscabar a Lex Legum. Se os órgãos públicos investidos na função jurisdicional e até as pessoas naturais e jurídicas de direito privado podem desobedecer a normas inconstitucionais, as mesmas razões estão presentes para que também o façam os demais órgãos estatais. (…) Entendemos, pois, que é possível, independentemente de decisão jurisdicional, a não-aplicação de norma reputada inconstitucional por qualquer órgão estatal. Por conseguinte, são competentes todos os órgãos políticos, ainda que não integrem o Poder Judiciário, para determinarem a seus órgãos administrativos subordinados o não-cumprimento de atos normativos que reputem inconstitucionais. Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal” (Revista Trimestral de Jurisprudência 94/496 e 151/331) A atuação do administrador, neste sentido, não deixa de ser uma forma de controle concreto de constitucionalidade, só que de um tipo que parece agora aonde não se esperava encontrá-lo: na ponta da corrente estatal. Especialmente porque vão por terra, agora, os argumentos que contestavam esse poder do executor das leis. Note-se que não se trata de exercer controle concentrado e abstrato de constitucionalidade, pois o administrador não afasta a norma do cenário jurídico com efeitos erga omnes; Note-se que também não é caso de controle concreto difuso, dado ao Judiciário no julgamento das causas que lhe são submetidas, pois não se vence a inércia do Judiciário por provocação, nem se trata de caso de conflito de interesses judicializado. Trata-se de simples interpretação e aplicação, pelo gestor competente para realizar as finalidades do Estado naquele caso concreto e específico, das normas incidentes e dos princípios gerais de direito a elas afetos. E vem, a propósito, lateralmente nesse sentido, o entendimento da Suprema Corte Constitucional Brasileira, na seguinte decisão cuja emenda abaixo colamos: “RE 403205 / RS – RIO GRANDE DO SUL . RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE Julgamento:  28/03/2006 . Órgão Julgador:  Segunda Turma. Publicação: DJ 19-05-2006 PP-00043    EMENT VOL-02233-03 PP-00483, LEXSTF v. 28, n. 330, 2006, p. 254-264, RT v. 95, n. 852, 2006, p. 161-166 Ementa RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. ICMS. CONCESSÃO DE CRÉDITO PRESUMIDO. PROTOCOLO INDIVIDUAL. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA PUBLICIDADE NÃO CONFIGURADA. 1. Falta aos incisos XIII e LVII do art. 5º da Constituição Federal o devido prequestionamento (Súmulas STF nºs 282 e 356). 2. O Poder Público detém a faculdade de instituir benefícios fiscais, desde que observados determinados requisitos ou condições já definidos no texto constitucional e em legislação complementar. Precedentes do STF. 3. É dever da Administração Pública perseguir a satisfação da finalidade legal. O pleno cumprimento da norma jurídica constitui o núcleo do ato administrativo. 4. Concessão de benefício fiscal mediante ajuste entre Administração Pública e administrado. "Protocolo individual". Instrumento de intervenção econômica que impõe direitos e obrigações recíprocas. Dever jurídico da Administração Pública de atingir, da maneira mais eficaz possível, o interesse público identificado na norma. 5. Princípio da razoabilidade. Hipótese que carece de congruência lógica exigir-se o comprometimento da Administração Estadual em conceder benefício fiscal presumido, quando a requerente encontra-se inadimplente com suas obrigações tributárias. 6. Violação ao princípio da publicidade não configurada. Negativa de celebração de "protocolo individual". Incontroversa existência de autuações fiscais por prática de infrações à legislação tributária estadual. Interesse preponderante da Administração Pública. 7. Recurso extraordinário conhecido e improvido.” Interpretando a lição, queremos ler as partes acima, que grifamos, sob as luzes que ensinam que quando a Egrégia Corte diz “É dever da Administração Pública perseguir a satisfação da finalidade legal. O pleno cumprimento da norma jurídica constitui o núcleo do ato administrativo”, pressupõe (como devemos pressupor) que a lei atende à Constituição e satisfaz a sua finalidade, e também que jamais podemos conceber uma lei que busque finalidade injusta ou inconstitucional. No mesmo alcance, quando o STF escreve que é “Dever jurídico da Administração Pública de atingir, da maneira mais eficaz possível, o interesse público identificado na norma.”, pretendemos ler que jamais é “interesse público legislado” realizar atividade inconstitucional, visto que, ao contrário, legislador e gestor devem sim pautar suas condutas atuando nos limites do que a decisão soberana do povo, reunido em assembléia constituinte, estatuiu como princípios e fundamentos mínimos da República, inclusive e especialmente quando se tratar de limitação ao poder de tributar ou de impor restrições aos direitos e garantias fundamentais. Essa forma de ver tais relações normativas ao que nos parece encontra algum apoio também em José Afonso da Silva, que refletindo em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, Editora Malheiros, 22ª edição, 2003, sobre legalidade e legitimidade nos dá magistério: “Por aí se vê que legitimidade e legalidade nem sempre se confundem. Lembra bem D'Entreve: "Legalidade e legitimidade cessam de identificar-se no momento em que se admite que uma ordem pode ser legal mas injusta". Propõe, por isso, a recuperação do liame entre legalidade e legitimidade, sob bases diferentes, a partir do abandono da noção puramente formal da legalidade, definindo-a como "a realização das condições necessárias para o desenvolvimento da dignidade humana", como quer nossa Constituição (art. 1º, III), pois o "princípio da legalidade não exige somente que as regras e as decisões que compõem o sistema sejam formalmente corretas". Ele exige que elas sejam conformes a certos valores, a valores necessários "à existência de uma sociedade livre", tarefa exigida expressamente do Estado brasileiro (art. 3º, I). Enfim, no dizer ainda de D'Entreve, legalidade e legitimidade não podem identificar-se senão quando a legalidade seja a garantia do livre desenvolvimento da personalidade humana. Dentro desse contexto, cabem as observações de Norberto Bobbio, segundo o qual legalidade e legitimidade são atributos do poder, mas são duas qualidades diferentes deste: a legitimidade é a qualidade do título do poder e a legalidade a qualidade do seu exercício. "Quando se exige que um poder seja legítimo, pergunta-se se aquele que o detém possui um justo título para detê-lo; quando se invoca a legalidade de um poder, indaga-se se ele é justamente exercido, isto é, segundo as leis estabelecidas. O poder legítimo é um poder, cujo título é justo; um poder legal é um poder, cujo exercício é justo, se legítimo". Em conclusão, o princípio da legalidade de um Estado Democrático de Direito assenta numa ordem jurídica emanada de um poder legítimo, até porque, se o poder não for legítimo, o Estado não será Democrático de Direito, como proclama a Constituição (art. lº). Fora disso, teremos possivelmente uma legalidade formal, mas não a realização do princípio da legalidade.” Lilian Rosemary Weeks, em seu “O Controle da Constitucionalidade da Norma”, pela editora Lumen Juris, 2003, cita na mesma linha a lição de Bonavides: “Paulo Bonavides aborda o tema da legalidade e da legitimidade explicando que a legalidade impõe ao Poder Público um atuar em conformidade com o ordenamento jurídico, com as disposições constitucionais, com as normas vigentes, respeitando a hierarquia das leis. Já a legitimidade questiona a justificação e os valores do poder legal. A legitimidade tem inserido em seu conceito as crenças de uma sociedade, em determinado momento, que influem na sua aceitação ou repúdio de questões relacionadas à política. A legitimidade é a legalidade acrescida de sua valoração, explica o mestre. Ele ensina que a legalidade de um regime democrático … é o seu enquadramento nos moldes de uma constituição observada e praticada.” CONCLUSÃO Entendemos que não se deve nunca olvidar que, em dado caso concreto especialíssimo, a aplicação reta de determinada norma literal causará solução exatamente contrária a certa letra literal, princípio e mesmo a um “objetivo” constitucional. Negar ao Aplicador da lei a possibilidade de adequar a norma legal genérica e abstrata a certo caso concreto de sua competência, ou mesmo afastá-la por exceção, para que melhor atenda ao fim social a que se destina esta mesma norma, sob as luzes mais fortes dos princípios que a própria sociedade elegeu como basilares de sua constituição enquanto Estado e Nação, é proibir a própria essência e a razão da existência de um Estado democrático, plural, solidário e fraterno. Entendemos, também, com todas as vênias, que em muitos casos concretos a legalidade cederá lugar à razoabilidade, que como juiz do conflito de princípios aponta para a preponderância do princípio do interesse público, a reinar com maior poder no caso em concreto onde a solução primária dada por uma lei contrária à Constituição se mostre atentatória ao interesse público ou às salvaguardas individuais estabelecidas pela parte imutável do texto constitucional. De maneira que, assim posto, não assombra mais o tema e se pode afirmar com tranqüilidade e com bons fundamentos que, sempre em vistas de caso concreto, com os cuidados legais necessários, pode o Administrador afastar a incidência de uma lei que entenda inconstitucional, deixando assim de aplicá-la.
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A prescrição intercorrente no direito tributário
Este artigo tem por objetivo analisar a aplicação da Prescrição Intercorrente no Processo de Execução Fiscal e no Processo Administrativo. Abordaremos a Prescrição Intercorrente no Processo de Execução Fiscal, analisando as causas de suspensão, dentre elas, uma é a prevista no artigo 40, § 4º da Lei de Execução Fiscal, introduzida pela Lei nº 11.051 de 29/12/2004, que permite ao juiz decretar de ofício a Prescrição intercorrente na Execução Fiscal após o prazo suspensivo. Em seguida analisaremos o termo inicial estabelecido pela Súmula nº 314 do STJ, que dispensa despacho ordenando o arquivamento do processo para a contagem do prazo da Prescrição Intercorrente bastando à suspensão por um ano.  Sobre a questão polêmica em relação à Prescrição Intercorrente no Processo Administrativo, embora o Superior Tribunal de Justiça venha se manifestando em sentido contrário pela ausência de previsão normativa, há diversos posicionamentos favoráveis em admitir sua aplicação pela Administração Pública. Os argumentos defendidos são a necessidade das decisões administrativas não perdurarem por tempo indefinido face aos princípios constitucionais tais como: a necessidade de uma razoável duração do processo e o princípio da segurança jurídica.
Direito Tributário
Introdução A prescrição intercorrente na execução fiscal surgiu anteriormente na doutrina, antes de ser introduzida no ordenamento jurídico, como solução para dar celeridade aos processos judiciais que ficavam muito tempo paralisados no Poder Judiciário aguardando a localização dos executados para a penhora de bens ou citação. Com a previsão do artigo 40, § 4º, da Lei de Execução Fiscal, incluído pela Lei nº 11.051/04 ficou sedimentado que o juiz está autorizado a decretar de ofício a Prescrição Intercorrente, quando após suspenso o processo por um ano, decorra 5 (cinco) anos sem manifestação da parte interessada.  O  presente estudo se justifica pela necessidade de efetivação do princípio da celeridade processual e razoável duração do processo para dirimir gastos desnecessários do Poder Público com processos que perderam seu objeto. O intuito é desafogar um Poder Judiciário já marcado pela morosidade e burocracia. Assim, avaliaremos as teses que fundamentam a aplicação da Prescrição Intercorrente na Execução Fiscal, com as suas causas de suspensão e termo inicial, bem como a sua aplicação na seara administrativa. Esse instituto ganhou tanta relevância que tem sido utilizado pela Administração Pública o que é discutível do ponto de vista jurídico. 1. Conceito da Prescrição Intercorrente O instituto da prescrição intercorrente é muito recente no direito tributário, uma vez que a sua regulamentação adveio da Lei nº 11.051 de 29/12/2004, no art. 6º, que introduziu no artigo 40, § 4º da Lei 6830, de 22 de dezembro de 1980, a qual trata da Cobrança Judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e estabelece que: “Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.”[…] “§ 4º Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004).” Para elucidar a questão na obra Comentários a Lei de Execução Fiscal, José da Silva PACHECO[1] expõe o conceito de prescrição intercorrente: “O adjetivo usado pela Lei n. 11.051/2004, para qualificar a prescrição decretável de ofício pelo juiz no caso de transcurso do prazo de cinco anos, a partir da decisão que houver ordenado o arquivamento dos autos, exige um esclarecimento preliminar.” Sendo assim Pacheco ainda explica: “Intercorrente, em nosso léxico, é um adjetivo decorrente do latim inter (entre) e currere (correr), significando que sobrevém, ou se mete de permeio. Desse modo, prescrição intercorrente é a que sobrevém ao despacho ordenatório do arquivamento dos autos da execução fiscal, se houver inércia do titular da pretensão de cobrança do crédito fiscal, pelo prazo de mais de cinco anos.”. 2. Prescrição Intercorrente no Processo de Execução Fiscal Para entender quando a prescrição intercorrente ocorre José da Silva PACHECO[2] explica: “Ela se caracteriza pela ocorrência dos seguintes fatos: a) ter havido execução fiscal com base em certidão de dívida ativa; b) não ter sido encontrado o devedor ou seus bens para a penhora; c) suspensão do curso da execução enquanto não localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora; d) abertura de vistas dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública; e) decurso do prazo de um ano, sem que seja localizado o devedor ou seus bens penhoráveis, e, consequentemente, arquivamento dos autos, por despacho do juiz; f) permanência do processo arquivado, sem ter sido encontrado o devedor nem bens penhoráveis, por mais de cinco anos, o que implica presunção de inércia do credor e consequentemente prescrição, que pode ser reconhecida e decretada ex officio pelo juiz, após ouvida a Fazenda Pública, a fim de evitar o absurdo de tornar indefinido o prazo prescricional desse órgão.”. A inicial divergência sobre a inconstitucionalidade da Lei de Execução Fiscal necessita de esclarecimentos, logo abordaremos o posicionamento quanto da manifestação do Superior Tribunal de Justiça que afirma no artigo 40 § 4º da Lei 6830/80 tratar de matéria de natureza processual civil de aplicação imediata e, faremos uma exposição do posicionamento sobre a Súmula nº 314 do STJ. 2.1 Análise do Art. 40 da lei de Execuções Fiscais – Casos de Suspensão do Processo O legislador determinou no artigo 40 e parágrafos, da Lei de Execuções Fiscais n. 6830/80, as situações possíveis no caso de suspensão do processo na fase de cobrança judicial. “Art.40. O juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. § 1º. Suspenso o curso da execução será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública. § 2º. Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos. § 3º. Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução. § 4º. Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.” Ao lermos o art. 40 caput da Lei de Execuções Fiscais entendemos que haverá uma causa de suspensão quando não localizados o devedor ou bens penhoráveis, e neste caso não ocorrerá à prescrição. Entretanto já no § 2º do art. 40 o legislador procurou estabelecer um limite de tempo para que não fiquem suspensos os processos, estabelecendo um prazo para o arquivamento dos autos. No parágrafo 3º, do art. 40, da Lei 6830/80, o legislador trouxe a possibilidade de serem desarquivados os autos, uma vez localizado o devedor ou seus bens. Isto foi amplamente criticado pelos doutrinadores por ensejar a ideia dos processos se tornarem infindáveis e de imprescritibilidade da ação de cobrança da divida tributária. Nesse sentido, Ernesto José TONIOLO[3] aponta: “Isto significa que, para alguns, o art. 40 da LEF cria nova hipótese de suspensão ou de interrupção da prescrição, aparentemente não atendendo à reserva de lei complementar prevista no artigo 146, III, “b”, da CF, ao menos nas execuções fiscais fundadas em créditos de natureza tributária. A previsão contida no art. 40 da LEF, de que não correria a prescrição enquanto suspenso o processo, foi fortemente criticada por boa parte da doutrina, que entendia violada a reserva de lei complementar estabelecida pelo art. 146, III, “b”, da Constituição Federal. Desta forma, durante a suspensão da execução fiscal pela ausência de bens penhoráveis, fluiria o prazo prescricional, ao menos quanto aos créditos de natureza tributária. Antes de sumulada a matéria pelo STJ, já prevaleciam entendimentos nos quais, após a suspensão do processo por um ano, reiniciava-se a contagem do prazo prescricional, independentemente do arquivamento previsto no art. 40§ 3º, da LEF, se a parte não demonstrasse que estava diligenciando no intuito de tornar efetiva a execução. Desta maneira, o prazo suspenso por um ano voltaria a contar após o seu transcurso, até que se verificasse a prescrição, dentro de 5 anos.[4]“. 2.2 Análise da Prescrição Enquanto Reserva de Lei Complementar O art. 146 da Constituição Federal dispõe que: “Art. 146. Cabe à lei complementar:[…] III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:[…] b. obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;” Em recente artigo publicado, Ana Lúcia dos Santos[5] cita Calmon ao descrever sobre a divergência entre a aplicação das leis na prescrição tributária: “Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vamos encontrar acórdãos que seguem o Código de Processo Civil, outros que aplicam o Código Tributário Nacional e outros, ainda, que seguem a Lei n.6830/80. Observe-se a determinação constitucional de que as normas disciplinadoras da prescrição, decadência, etc., devem estar em lei complementar. Pergunta-se então: o CTN não é considerado lei complementar? Sim, mas a exigência constitucional só ocorreu com a Constituição de 1988. Como a Lei 6830/80 é anterior à Constituição, é ela que deve ser aplicada por ser lei especial. Entretanto, tem prevalecido na Jurisprudência da Corte, depois de muita divergência, o entendimento de que deve prevalecer, em qualquer hipótese, o art. 174 do CTN. Quando a LEF trata de matéria prescricional, invade disciplina que deve ser regulada por lei complementar, portanto, por ser lei ordinária está matéria tem seu conteúdo considerado inconstitucional.”. E acrescenta o Professor SABBAG[6] para elucidar a questão: “Ressalte-se que a recente alteração, por se referir à norma de natureza processual, com peculiar aplicação imediata, deve atingir os processos em curso – não obstante a divergência existente entre alguns Ministros do STJ –, bem como aos processos que a ela sucederem. Vale destacar, todavia que tal entendimento já se encontra chancelado pela 1ª Turma do STJ. Além disso, cremos que tais processos em curso devam ser atingidos, desde que a execução fiscal tenha sido iniciada após o referido diploma (Lei nº 11.051, de 30-12-2004). Assim tem-se posicionado o STJ: EMENTA1: A jurisprudência do STJ, no período anterior à Lei 11.051/2004, sempre foi no sentido de que a prescrição intercorrente em matéria tributária não podia ser decretada de ofício. 2 – O atual parágrafo 4º do art. 40 da LEF (Lei 6830/80), acrescentado pela Lei 11.051, de 30.12.2004 (art. 6º), viabiliza a decretação da prescrição intercorrente por iniciativa judicial, com a única condição de ser previamente ouvida a Fazenda Pública, permitindo-lhe arguir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Tratando-se de norma de natureza processual, tem aplicação imediata, alcançando inclusive os processos em curso. (…).(REsp 735.220/RS, 1ª T., rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 03-05-2005). Daí se afastar a tese de que a mencionada lei seria inconstitucional, por cuidar de matéria afeta à lei complementar (art. 146, III, ”b”, CF). Parece-nos que não é este o melhor modo de ver, pois a norma não tratou de prazo prescricional, alterando a sistemática de contagem ou o período quinquenal, por exemplo, mas se limitou a dispor sobre matéria de direito processual civil.”.   Logo, é consolidado o entendimento de que o artigo da Lei de Execuções Fiscais que trata sobre Prescrição Intercorrente é constitucional, pois não aborda matéria reservada a lei complementar, mas sim matéria de natureza processual civil, de aplicação imediata dos processos em curso. Assim corrobora com a mesma linha de entendimento Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart[7] esclarecendo sobre a suspensão da execução no Código de Processo Civil, a qual não deve perdurar por tempo indefinido e quando superar o prazo de prescrição da dívida implicará na incidência da prescrição intercorrente, conforme o artigo 40 § 4º da Lei de Execuções Fiscais. “A suspensão da execução não pode se dar por tempo indefinido. Na falta de localização de bens penhoráveis, os tribunais entendem que a suspensão da execução, por período superior ao prazo de prescrição da dívida, importa na incidência da prescrição intercorrente. A figura já foi examinada anteriormente, importando lembrar que não se trata, a rigor, de hipótese de prescrição. A prescrição intercorrente constitui hipótese de extinção da exigibilidade judicial da prestação, que ocorre pela paralização injustificada – por culpa do credor – da execução. Por não ter previsão legal[8], decorrendo de criação jurisprudencial é difícil delinear seu perfil.” Diante da difícil interpretação do artigo 40,§ 4º, da Lei 6830/80, a matéria passou a ser cada vez mais debatida entre os doutrinadores e os Tribunais e com o intuito de uniformizar o entendimento para afastar as controvérsias ocorridas foi editada a Súmula 314 do STJ, a luz dos princípios constitucionais, da razoável duração do processo previsto no artigo 5º inciso LXXVIII[9], e do princípio da segurança jurídica. 2.3 Comentários sobre a Súmula Nº 314 do STJ Em 08 de agosto de 2008 no Diário de Justiça foi publicada a Súmula 314 do STJ com o seguinte teor: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente”. Em uma breve exposição André Leri Marques SOARES[10] dispõe: “Enquanto o parágrafo 4º do artigo 40 da LEF estabelece como termo inicial da prescrição intercorrente a decisão que tiver ordenado o arquivamento dos autos da execução fiscal, a Súmula nº 314 do STJ, publicada após o advento do mencionado parágrafo 4º, assevera, em sentido diverso, que o prazo da prescrição intercorrente tem início logo em seguida à suspensão do processo executivo por um ano. Nota-se, portanto, que estamos diante de dois termos iniciais da prescrição em tela. Um legal e outro jurisprudencial. Diante deste quadro, faz-se necessário analisar se é possível a convivência harmônica entre o parágrafo 4º do artigo 40 da LEF e a Súmula nº 314/STJ.” Percebe-se que a Súmula nº 314 do STJ veio para tornar mais célere o procedimento, ou seja, finalizado o período de suspensão do processo por um ano, inicia-se o prazo de prescrição intercorrente complementa, André Leri Marques SOARES[11] em seu texto: “Segundo os defensores da aplicação da Súmula nº 314, esta nasceu do entendimento das 1ª e 2ª Turmas do STJ no sentido de que o artigo 40 da LEF deve ser interpretado em harmonia com o artigo 174 do Código Tributário Nacional, evitando-se a imprescritibilidade do crédito fiscal. Significa dizer que o verbete sumular foi editado para impedir a eternização dos executivos fiscais, objetivo este que poderia não ser satisfeito se considerado como termo inicial do prazo prescricional intercorrente o despacho que ordena o arquivamento dos autos da execução fiscal. Explica- se. Há execuções em que inexiste nos autos o aludido despacho. O magistrado, nesses processos, despacha determinando a suspensão da execução pelo período de um ano, sem ordenar, no mesmo despacho ou em despacho posterior, o arquivamento do feito. Nestas hipóteses, em virtude da ausência do termo a quo do prazo prescricional, qual seja, o despacho de arquivamento, a prescrição intercorrente jamais teria início, eternizando-se a respectiva execução fiscal. Esta perenização do processo executivo decorrente da falta de despacho de arquivamento da execução atentaria contra a segurança jurídica, porquanto a qualquer tempo, uma vez encontrado o devedor ou seus bens penhoráveis, poderia o credor prosseguir com a execução.” Logo, o entendimento é que existem dois termos a quo aceitos pela doutrina: contagem do despacho que ordena o arquivamento (art. 40, § 4º da LEF) ou início após findo o prazo de 1 ano de suspensão do processo por não localização dos bens ou devedor (art. 40 § 2º da LEF). O STJ tem adotado a última corrente de pensamento mencionada, aplicando imediatamente o teor da Súmula 314 na Corte, esta veio a ratificar que findo o prazo de suspensão do processo por um ano inicia-se o prazo de prescrição intercorrente. É sedimentado o entendimento que se faz desnecessário a intimação da Fazenda Pública e o despacho ordenando o arquivamento sem baixa de distribuição, sendo automática a suspensão do processo após o prazo de um ano. Ainda que o arquivamento do processo tenha sido respaldado por pequenos valores, não há empecilhos para a decretação da prescrição intercorrente. 3. Prescrição Intercorrente no Processo Administrativo A princípio, é preciso esclarecer que há uma diferenciação entre o momento em que ocorre a prescrição intercorrente durante a fase administrativa e a prescrição intercorrente na fase de execução fiscal. Neste tópico estaremos discorrendo sobre a possibilidade da prescrição intercorrente no processo administrativo. Partindo do conceito de processo administrativo, de forma objetiva expôs a professora Fernanda MARINELA[12]·: “O processo administrativo constitui uma sucessão formal de atos realizados por previsão legal ou pela aplicação de princípios da ciência jurídica para praticar atos administrativos. Esse instrumento indispensável ao exercício da atividade de administrar tem como objetivo dar sustentação à edição do ato administrativo, preparando-o, fundamentando-o, legitimando-lhe a conduta, uniformizando-o, enfim, possibilitando-lhe a documentação necessária para sua realização de forma válida.” E acrescentando a definição de processo administrativo tributário na concepção do professor Hely Lopes MEIRELLES[13]: “Processo administrativo tributário ou fiscal, propriamente dito, é todo aquele que se destina à determinação, exigência ou dispensa do crédito fiscal, bem como à fixação do alcance de normas de tributação em casos concretos, pelos órgãos competentes tributantes, ou à imposição de penalidade ao contribuinte. Nesse conceito amplo e genérico estão compreendidos todos os procedimentos fiscais próprios, sob as modalidades de controle (processos de lançamento e de consulta), de outorga (processos de isenção) e de punição (processos por infração fiscal), sem se falar nos processos impróprios, que são as simples autuações de expediente que tramitam pelos órgãos tributantes e repartições arrecadadoras para notificação do contribuinte, cadastramento e outros atos complementares de interesse do fisco.” De fato, se o processo administrativo tributário é o meio para o Fisco concretizar o interesse público, então, será necessário seguir os princípios constitucionais que regem o processo administrativo. Com a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, foi introduzido o inciso LXXVIII, ao artigo 5º da Constituição Federal, o qual estabelece que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Para alguns doutrinadores como Alexandre de MORAES[14] não houve alteração significativa, pois já havia previsão constitucional, como assim afirma: “A EC nº 45/2004 (Reforma do Judiciário) assegurou a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. Essas previsões – razoável duração do processo e celeridade processual -, em nosso entender, já estavam contempladas no texto constitucional, seja na consagração do princípio do devido processo legal, seja na previsão do princípio da eficiência aplicável à Administração Pública (CF, art. 37, caput).”. No âmbito da Administração Pública Federal a lei que regula o processo administrativo é a Lei n. 9784/99. Esta lei contempla os princípios no artigo 2º, tendo o seguinte teor: Art. 2ª A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Assim, Maria Sylvia Zanella Di PIETRO[15] aborda o assunto: “A lei federal contém normas sobre os Princípios da Administração Pública, direitos e deveres do administrado, competência, impedimento e suspeição, forma, tempo e lugar dos atos do processo, comunicação, instrução, decisão, motivação, anulação, revogação e convalidação, recursos administrativos e prazos. Em regra, o que a lei faz é colocar no direito positivo, conceitos, regras, princípios já amplamente defendidos pela doutrina e jurisprudência. Define algumas questões controvertidas, como a dos prazos para a Administração praticar determinados atos, proferir decisões, emitir pareceres, anular atos administrativos.” O que podemos extrair destes ensinamentos é a importância de estarmos amparados pela Lei 9784/99 para diversas questões no processo administrativo tributário. 3.1 Posicionamento Contrário à Aplicação da Prescrição Intercorrente no Processo Administrativo Fiscal Nesse tópico estaremos nos preocupando com a regulamentação para questões antes da execução fiscal, ou seja, na fase da impugnação do recurso administrativo até a constituição definitiva do crédito tributário decorrente do artigo 174, inciso I, do CTN, quando se inicia a fase de prescrição. Para isto verificamos quais prazos que a Fazenda poderia ter até a conclusão do processo administrativo. Preliminarmente verificamos que a Lei n. 9784/99, no art. 49, estabelece um prazo de 30 dias para a exequente concluir a instrução do processo administrativo, conforme transcrito: “Art. 49: Concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada”. Entretanto, posteriormente, foi publicada a Lei 11.457/07, a qual dispõe sobre a Administração Tributária Federal ampliando este prazo para 360 dias: “Art. 24. É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.” Embora previsto legalmente um prazo para proferir decisões administrativas, uma parte da doutrina defende a opinião que não há o que se falar em prescrição intercorrente a luz do artigo 151, III do Código Tributário Nacional o qual dispõe que: Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: (…) III- as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo. Marcos Rogério Lyrio PIMENTA[16] cita interessante abordagem efetuada por Eurico de Santi: “Consideramos que não pode haver prescrição intercorrente no processo administrativo porque, quando há impugnação ou recurso administrativo durante o prazo para pagamento do tributo, suspende-se a exigibilidade do crédito, o que simplesmente impede a fixação do início do prazo prescricional.” Salienta-se que o entendimento majoritário é de que: enquanto não houver a decisão do processo administrativo e até que ocorra a constituição definitiva do crédito, conforme o art. 174 I, não ocorrerá prazos de prescrição. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda em alguns casos se manifestou no sentido de não aceitar a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal. Nesse diapasão, já foi editada a Súmula Consolidada de n. 11, publicada no Diário Oficial da União de 23 de dezembro de 2010, Seção I, fls. 87 a 90, que diz que: “Não se aplica a prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”. O Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado no sentido de não aceitar a prescrição intercorrente antes da constituição definitiva do crédito tributário, pela ausência de previsão normativa. Abaixo, transcrevemos recente decisão[17] tendo como Relator o Ministro Humberto MARTINS: EMENTA “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE E DO PRAZO PRESCRICIONAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. DEMORA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. A conclusão de processo administrativo em prazo razoável é corolário dos princípios da eficiência, da moralidade e da razoabilidade. Todavia, a análise, no presente caso, de que ocorreu demora injustificada no encerramento do processo administrativo fiscal capaz de configurar prescrição intercorrente esbarra no óbice da Súmula 7/STJ. 3. Ademais, nos termos da jurisprudência do STJ, o recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário enquanto perdurar o contencioso administrativo, nos termos do art.151, III, do CTN. Assim, somente a partir da notificação do resultado do recurso tem início a contagem do prazo prescricional, afastando-se a incidência da prescrição intercorrente em sede de processo administrativo fiscal, pela ausência de previsão normativa específica. Agravo regimental improvido.” 3.2 Posicionamento Favorável à Aplicação da Prescrição Intercorrente no Processo Administrativo Fiscal Alguns doutrinadores defendem que apenas a estipulação do prazo não assegura um processo célere, logo, entendem que a demora na decisão do processo administrativo fiscal, embora inexista uma previsão legal quanto a punições, pode gerar a prescrição intercorrente. Assim faz um comentário Célio Armando JANCZESKI[18]: Alguns entendem que, por não ter estipulado sanção expressa para o descumprimento do prazo, o dispositivo seria inócuo e a sua inobservância não poderia gerar consequências jurídicas. Ou seja, a regra não seria ”bastante para a garantia de um processo administrativo fiscal com uma duração razoável, sendo necessário que se regulamente as consequências do descumprimento do prazo de 360 dias lá previsto para que seja proferida a decisão administrativa”.[19] Seria uma norma de mínima eficácia, dependente de regulamentação para surtir efeitos. Outros emprestam ao art. 24 da Lei n. 11.457/07 máxima eficácia, entendendo que “a injustificada inobservância, nesta espécie de processo, da garantia, da duração razoável, não pode deixar de gerar consequências para o Estado, a quem cabe assegurar o seu andamento. Tal consequência há de traduzir-se na perda do direito de arrecadar o crédito”.[20] No entanto, existem diversos entendimentos favoráveis quanto à existência da prescrição intercorrente antes de iniciada a fase de execução fiscal. Assim discorre Marcos Rogério Lyrio PIMENTA[21], “Primeiramente, vale ressaltar que a prescrição intercorrente, embora tenha o mesmo efeito da prescrição prevista no art. 174 do Código Tributário Nacional para a ação de cobrança do Fisco, isto é, acarreta a perda do direito da Administração em promover a exigência do seu crédito, com aquela não se confunde. Isso porque a prescrição intercorrente no processo administrativo tributário ocorre em razão da desídia da Administração em promover os atos necessários ao regular andamento do processo administrativo tributário, por um período determinado de tempo.” Há diversas decisões as quais vêm denotando a aceitação da prescrição intercorrente no processo administrativo e entre elas estaremos transcrevendo uma apelação da qual o Relator foi Genaro José Baroni Borges: APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO CURSO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE. PRAZO PARA A DECISÃO DA IMPUGNAÇÃO EXCEDIDO INJUSTIFICADAMENTE POR INÉRCIA DO CREDOR. I- Dentre os efeitos da prescrição em matéria tributária, certamente o mais relevante, está na extinção do crédito tributário (CTN – art. 156, V) e da própria obrigação que lhe dá origem (mesmo Código, artigo 113, parágrafo 1º). Portanto, mais do que extinguir o direito de ação, a prescrição tributária extingue o direito material que lhe dava substrato. II- in casu, após lavrado o auto de infração impugnado pela Contribuinte, o processo administrativo-tributário ficou paralisado por inércia da autoridade fazendária por mais de cinco anos, sem que decidido pelo segundo grau. Na soma geral, o processo tramitou administrativamente por mais de seis anos. Todo o tempo decorrido importa na extinção do direito de cobrar o débito por operada a prescrição (CTN, art. 174) já admitida pela jurisprudência deste Colendo Tribunal, posto que excedido injustificadamente o prazo para a decisão da impugnação por inércia do credor. Apelo desprovido. Unânime.[22] Diante do exposto podemos entender que para a maioria dos doutrinadores que defendem a Prescrição Intercorrente no Processo Administrativo a principal alegação é que a constituição definitiva do crédito tributário se dá com o lançamento e havendo inércia do Fisco para cobrança do crédito tributário não há o que alegar causas de suspensão decorrente do artigo 151, III, do CTN. A aplicação da Prescrição Intercorrente no Processo administrativo não pode ser justificada à luz do Princípio da legalidade que rege o regime jurídico administrativo, tendo em vista que só existe previsão legal para a Execução Fiscal. Em uma análise mais profunda, o referido artigo do CTN, estabelece que o recurso administrativo é causa de suspensão do crédito tributário, havendo sua constituição definitiva somente com o decurso do prazo da notificação do sujeito passivo no final do processo administrativo. Portanto, até este último momento não houve a constituição do crédito. Porém, o art. 24, da Lei 11.457/07, determina que a Administração Pública tem 360 dias para proferir decisão, o que pode ser considerado como marco inicial para a contagem do prazo da prescrição intercorrente, apesar de não haver nenhuma previsão na lei de penalidade pelo descumprimento do prazo. No entanto, o reconhecimento da Prescrição Intercorrente na fase administrativa se justifica ao se privilegiar aos princípios da eficiência, motivação e da razoabilidade que regem o processo administrativo. Considerações Finais  O principal tema deste estudo foi à análise do instituto da Prescrição Intercorrente previsto na Lei de Execuções Fiscais. Foi elaborado um estudo em relação às causas de suspensão previstas no artigo 40 e seus parágrafos. Com a introdução do § 4º, do art. 40, da Lei nº 6830/80, e o artigo 3º, da Lei n. 11.280/06, que alterou o § 5º, do art. 219, do CPC, possibilitando ao juiz das execuções pronunciarem-se de oficio sobre a prescrição foi introduzido no ordenamento jurídico à prescrição intercorrente para evitar a eternização das execuções fiscais. Assim, houve uma aceitação da Prescrição Intercorrente no processo de execução fiscal sendo admitido ao juiz decretar de oficio a prescrição intercorrente com a finalidade de afirmar o princípio da celeridade e a razoável duração do processo. Isto gerou um limite temporal e dado os vários entendimentos foi criada a Súmula número 314 do STJ, permitindo ao término do prazo de suspensão de um ano iniciar-se o prazo da prescrição quinquenal intercorrente trazendo uma maior segurança jurídica e agilização nos processos judiciais. A questão polêmica era sobre o termo inicial. No § 4º, do art. 40, da Lei de Execuções Fiscais, o termo a quo da prescrição intercorrente provém da decisão que ordena o arquivamento dos autos, ou seja, a prescrição ocorre ao final do quinquênio, e com a súmula 314 do STJ abrange casos em que não forem localizados bens penhoráveis o juiz poderá determinar no mesmo despacho a suspensão e o arquivamento após o período de um ano. Assim, a questão ficou pacificada no entendimento que a inércia da Fazenda Pública no quinquênio legal é motivo para a decretação da prescrição intercorrente na execução fiscal. Entretanto, ficou visível que na seara administrativa não ocorre da mesma forma o entendimento o que já demanda um maior estudo a respeito das diversas opiniões, uma vez que ela é entendida em desfavor da Administração Pública decorrente da demora nas decisões administrativas entre o lançamento do crédito tributário e a sua constituição definitiva. Embora previsto um prazo de 360 dias para a exequente concluir a instrução do processo administrativo, bem como um prazo de 30 dias para as decisões, a experiência tem mostrado que, muitas vezes, não são cumpridos tais prazos, os quais são desprovidos de sanção, o que tem levado a alguns doutrinadores e tribunais se manifestarem no sentido da admissão da ocorrência da prescrição intercorrente. Porém, ainda ocorre no processo administrativo a dificuldade de se reconhecer a prescrição intercorrente, a qual reside pela falta de interesse do Estado em admitir as dificuldades operacionais para impulsionar o processo dentro dos prazos razoáveis. Assim a prescrição intercorrente surge como uma ameaça à arrecadação. Desta forma podemos entender a necessidade de uma aceitação da prescrição intercorrente no processo administrativo com o intuito de primar pela segurança jurídica e a celeridade do processo.
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Medidas cabíveis diante da cobrança, pela União, de multas processuais impostas em decorrência de condenação judicial em desfavor de autarquias e fundações públicas federais
Este artigo visa discriminar as medidas cabíveis quando a União inscreve, em Dívida Ativa, multas processuais aplicadas a autarquias e fundações públicas federais em decorrência de condenação judicial.
Direito Tributário
Abstract: This article aims to define reasonable measures when the Union subscribe, to outstanding debt, apllied procedural fines to federal public agencies and foundations as a result of judicial sentencing. Keywords:  Union outstanding debt inscription. Procedural fines. Condemnation of federal public agencies and foundations. Reasonable measures. Por vezes, nos processos judiciais é aplicada a multa prevista no parágrafo único c/c inciso V, do art. 14, do Código de Processo Civil[1], incluídos pela Lei nº 10.358, de 2001, em razão de descumprimento reiterado de intimações para adoção de providências diversas pela autarquia ou fundação pública federal. Tais multas são revertidas em favor da União, diferentemente das previstas nos arts. 18 e 461, § 4º, do mesmo diploma legal[2], que revertem em favor da parte e, por aquelas serem de competência da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional inscreve os débitos em Dívida Ativa, notificando a entidade devedora para pagamento, sob pena de ajuizamento de ações de execução fiscal. Cumpre destacar que as consequências da inscrição do débito de autarquia ou fundação pública federal em Dívida Ativa, são graves, já que, sem certidão negativa de débito, a entidade estaria impedida de contratar com o Poder Público, receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, alienar ou onerar bens imóveis ou direitos a eles relativos, alienar ou onerar bens móveis incorporados ao ativo permanente, bem como contratar ou liberar parcelas previstas em contratos que envolvam recursos públicos. Cumpre destacar  a possibilidade de solução administrativa do conflito, por meio de petições ou recursos direcionados pela autarquia ou fundação pública, à Procuradoria da Fazenda Nacional, solicitando a reanálise da regularidade das dívidas inscritas, com base na Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal[3] e no art. 53 da Lei nº 9.784, de 1999[4]. Destaque-se que as reclamações e recursos administrativos têm o condão de suspender a exigibilidade do crédito, nos termos do inciso III do art. 151 do Código Tributário Nacional[5], o qual, entendemos, deve ser aplicado por analogia aos créditos não tributários[6]. Certamente as providências administrativas devem ser tomadas se ainda houver prazo para tanto, mas, se houver urgência, as medidas judiciais são imperiosas. Neste diapasão, o art. 38 da Lei nº 6.830, de 1980[7], permite que a discussão judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública seja feita fora do processo de execução, por mandado de segurança, ação de repetição do indébito ou ação anulatória do ato declarativo da dívida, esta precedida do depósito preparatório do valor do débito, monetariamente corrigido e acrescido dos juros e multa de mora e demais encargos. Apesar da lei exigir o depósito prévio para o ajuizamento de ação anulatória, tal exigência foi declarada inconstitucional por cercear o direito de acesso ao Poder Judiciário. Nesse sentido decidiu a Corte Suprema, culminando na edição da Súmula vinculante nº 28.[8] O grande problema reside no fato de que o ajuizamento desta ação, a menos que se obtenha a tutela antecipatória, não suspende a exigibilidade do crédito, pois a hipótese não está prevista em nenhum dos incisos do art. 151 do CTN. De qualquer forma, nada impede que ela seja ajuizada com o objetivo de impugnar o lançamento, devendo ser demonstrada a existência de fumus boni iuris e periculum in mora, essenciais para a antecipação da tutela requerida. Para tanto, os vícios da constituição do crédito (prova inequívoca do direito alegado) e as consequências gravosas da certidão positiva em nome da entidade (fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação) devem ser detalhadamente abordados na petição inicial. Relativamente a possibilidade de impetração de Mandado de Segurança contra o ato ilegal da autoridade administrativa fiscal, deve ser ressaltado que a concessão de liminar também suspende a exigibilidade do crédito, nos termos do art. 151 do CTN. Cumpre registrar que a concessão de liminar em mandado de segurança impetrado contra o lançamento ou inscrição do crédito não está condicionada ao prévio depósito dos valores discutidos, se presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora. Todavia, ressalvamos que tanto a impetração de mandado de segurança, quanto a propositura de ação anulatória, importam em renúncia ao poder de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso acaso interposto, nos termos do parágrafo único do art. 38 da Lei de Execuções Fiscais. Resta, ainda, o ajuizamento de medida cautelar. Observamos que tal ação tem sido utilizada pelos contribuintes cujos débitos tributários já estão inscritos em dívida ativa, mas que ainda não são objeto de execução fiscal, com a pretensão de oferecer garantia no importe da dívida para, assim, obterem a certidão positiva com efeitos de negativa, fazendo da garantia uma espécie de antecipação da penhora a ser realizada na futura execução fiscal. Pela leitura de decisões do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema[9], percebe-se que o ajuizamento de ação cautelar pelo sujeito passivo restou possível para, mediante oferta de caução ao débito a ser executado, obter certidão positiva de débitos com efeitos de negativa, independentemente da suspensão da exigibilidade do crédito tributário, ao fundamento de que a oferta da caução preservaria os interesses que a certidão positiva visa proteger. Ademais aquela Corte entendeu que a oferta de caução nos autos de ação cautelar anterior à execução fiscal equivale à penhora, havendo mera antecipação do ato e que a medida seria a única saída ao contribuinte necessitado da certidão de regularidade fiscal que pretendesse contestar o débito e não quisesse, ou pudesse, realizar o depósito do montante integral da dívida. Portanto, a princípio, o ajuizamento deste tipo de ação sem apresentação de garantia, seria inócua. Não obstante, entendemos que esta ação pode ser ajuizada, não como cautelar da futura execução fiscal, mas sim como cautelar de uma ação principal a ser ajuizada pela própria autarquia ou fundação pública, possibilitando a apresentação de uma garantia implícita de adimplemento futuro, que somente o ente público pode fornecer. O doutrinador Luiz Emygdio F. da Rosa Jr., ensina que não se aplica na execução contra ente público a regra do art. 8º da LEF, pela qual o executado deve ser citado para pagar ou garantir bens à execução, porque esta regra diz respeito apenas ao devedor particular, sendo despicienda esta garantia quando o devedor for ente público[10]. Defendemos que o mesmo raciocínio deve ser aplicado referente à exigência de garantia a ser prestada nas ações cautelares ajuizadas por ente público visando a concessão de certidão positiva com efeito de negativa. O fornecimento da certidão prevista no art. 206 do CTN[11] se justifica, assim, nos casos em que esteja comprovada a solvência do sujeito passivo, estando garantido o direito da Administração Tributária em caso de sucumbência do devedor nos processos judiciais e demais procedimentos questionadores da exigência fiscal. Assim, quando o devedor for autarquia ou fundação pública federal, cujo orçamento é proveniente da própria União, entendemos possa ser ajuizada a ação cautelar com intuito de suspender a exigibilidade do crédito não tributário, independentemente de oferta de caução.  Por fim, deve ser lembrado que, mesmo se tratando de  crédito não tributário, por aplicação analógica do inciso V do art. 151 do Código Tributário Nacional c/c art. 273, inciso I e § 7º do CPC[12], a liminar concedida na ação cautelar suspende a exigibilidade do crédito.
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Sanção política do estado na apreensão de mercadoria importada pelo descumprimento de obrigação tributária
O presente artigo traz ao leitor profunda abordagem sobre o direito fundamental a propriedade e seu exercício pleno amparo por norma Constitucional, bem como pela função social que todo o homem deve cumprir em sociedade ao exercer este direito, logo há claro direito de defesa constitucional contra o excesso de poder do legislador ordinário, especialmente no Regulamento Aduaneiro ao impor sanções políticas que foram convalidadas em 2009 pelo art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016, ao vedar a concessão de provimento liminar em writ quando da entrega de mercadoria importada ao Importador. Estuda-se, neste passo, sobre a inconstitucionalidade latente neste dispositivo por ofender postulados constitucionais que agem em prol da proteção ao núcleo da propriedade.
Direito Tributário
1. Introdução Cumpre, a priori, salientar que, far-se-á estudo aprofundado sobre o direito fundamental a propriedade e sua função social, encontrando amparo Constitucional ao exercer sobre o legislador ordinário conformação para ver atendido seu fito. Em seguida explicitará sobre o mandado de segurança e o provimento liminar, bem como sobre o excesso de poder exercido pelo legislador ordinário ao vedar concessão de liminar em mandado de segurança que objetiva entrega de mercadoria importada, e ao impor retenção do bem com pena de perdimento, condicionada ao pagamento de tributos e multas pecuniárias, configurando sanção política inconstitucional. Acerca da metodologia de pesquisa empregada na execução deste mister, objetivou-se pesquisa observatória, bibliográfica, consulta de acórdãos, decisões judiciais, e doutrinas. No presente trabalho, procurou-se explicitar informações concernentes ao tema, observando-se, sempre, a verossimilhança com sua respectiva presteza para o alcance do objetivo deste artigo acadêmico, contribuindo, assim, com o acervo jurídico pátrio. 2. Direito fundamental à propriedade e sua função social. Neste tópico, aludir-se-á sobre a evolução história da função social da propriedade e proteção de seu núcleo constitucional, face o caráter conformativo exercido sobre o legislador ordinário, como verdadeiro direito de defesa contra abusos, em prol da justiça social vez que estamos diante de um Estado Social Democrático de Direito, conforme se verificará avante. Inicialmente, deve-se mencionar que a função social da propriedade encontrou sua primeira disposição constitucional em 1934 no artigo 113, § 17[1]. Cumpre aduzir que os direitos e garantias individuais são direitos fundamentais[2] desde a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1.937, e àquela época já se previa em seu artigo 122, o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Estes direitos foram colocados nesta ordem para possibilitar a seguinte interpretação pelo intérprete: todo o cidadão deve exercer com plena liberdade o seu direito à propriedade, devendo ser protegido contra as injustas investidas de terceiros, face à segurança individual. Sílvio Luís Ferreira da Rocha, (2005, p. 77), aponta verdadeiro traço histórico sobre a previsão constitucional da função social da propriedade de 1946 à 1969, consoante se analisa: “A Constituição Federal de 1946, no art. 147, condicionou o uso da propriedade ao bem-estar social. Coube, no entanto, à Constituição Federal de 1967 estatuir de modo expresso a função social da propriedade, embora como princípio expresso na ordem econômica no art. 157, III, o que foi mantido na Emenda n. 1 de 1969, no art. 160, III.” “É dever do legislador ter em conta a necessidade de proteção dos direitos, liberdades e garantias nas relações jurídico-privadas.” (CANOTILHO, 2004 , p. 92) Já Duguit, (apud, ROCHA, 2005, p. 71), aduzia que a propriedade é anterior a concepção de Estado, assim todo o homem possui uma função social a cumprir, senão vejamos: “[…] o homem não tem direitos. A coletividade tampouco. Porém, todo indivíduo tem na sociedade uma certa função a cumprir, uma certa tarefa a executar. Este é precisamente o fundamento da regra de direito que se impõe a todos. Em relação à propriedade, a função assinalada é dupla: de um lado, o proprietário tem o dever e o poder de empregar a coisa que possui na satisfação das necessidades individuais e especialmente nas suas próprias, de empregar a coisa no desenvolvimento de sua atividade física, intelectual e moral. De outro lado, o proprietário tem o dever e, por conseguinte, o poder de empregar a sua coisa na satisfação de necessidades comuns, de uma coletividade nacional inteira ou de coletividades secundárias.” Neste sentido cumpre transcrever lição de José Joaquim Gomes Canotilho, (2004, p. 37) acerca da técnica de positivação aos igualmente livres, in litteris: “Nesta perspectiva, consideraremos que a técnica de positivação dos vulgarmente chamados <<direitos a prestações>> constitui uma <<eleição racional>> de <<enunciados semânticos>> ou <<ditos constitucionais>> e foi feita, quer pelos constituintes portugueses quer pelos constituintes espanhois, em situação de liberdade hipoteticamente igual.” O artigo 5º, caput, XXII, da Constituição Federal vigente, novamente traz em seu bojo a garantia do direito fundamental a propriedade; já no inciso XXIII, prevê o atendimento à função social da propriedade, a fim de que o titular deste direito possa exercê-lo livremente contra investidas ilícitas, configurando-se verdadeiro direito de defesa, proporcionado pelos status negativos e positivos dos direitos fundamentais. Neste passo, SARLET (apud, MENDES, 2006, p. 06), preleciona acerca dos status negativos e positivos dos direitos fundamentais, in verbis: “Vinculados à concepção de que o Estado incumbe, além da não-intervenção na esfera da liberdade pessoal dos indivíduos, garantida pelos direitos de defesa, a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em última análise,a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da premissa de que o indivíduo, no que concerne à conquista e manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos poderes públicos. Assim, enquanto direitos de defesa (status libertatis e status negativus) dirigem-se, em princípio, a uma posição de respeito e abstenção por parte dos poderes públicos, os direitos a prestações, que, de modo geral, reconduzidos ao status positivus de Jellinek, implicam uma postura ativa do Estado, no sentido de que este se encontra obrigado a colocar à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material.” Há uma enorme dificuldade em subjetivar um direito positivo do Estado de forma que seja preservado o núcleo do direito fundamental disposto em norma Constitucional, conforme J.J. Canotilho (2004, p. 50-51), vide: “[…] se verifica que a dificuldade de subjectivação de um direito a um facere do Estado não é apenas um fenómeno do moderno <<Estado Social>>, pois o direito à protecção jurídica através do Estado (=acesso ao direito à via judiciária) constituiu sempre um dos leit motiv fundamentais do Rechsstaat e da compreensão liberal dos direitos fundamentais.” Estas interferências do Poder Público que se pretende proteger são aquelas manifestamente ilegítimas, cujo o ato tem por fito lesar o conteúdo expresso dos direitos fundamentais constantes na Constituição Federal, especialmente o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CRFB) que é tido como autentica garantia institucional do Constituinte, portanto, é essencial que haja um dever de legislar (Verfassungsaufrag), em conformidade com o animus do Constituinte por se tratar de norma de conformação[3]. Há além da intervenção estatal uma proibição de excesso e omissão contra os atos que ferirem direitos fundamentais, vez que estes são protegidos[4] pela Constituição Federal, (CANARIS, 1989, p. 161). Esclarece-se que todo o excesso configura verdadeira ofensa ao princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, segundo preleciona Pedro Lenza, (2011, p.150), in versis: “[…] o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e, ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico”. PAPIER, (in, MAUNZ-DURIG, 1970, p. 503), aduz sobre a preservação do núcleo da garantia constitucional a propriedade, devido a sua função social, visto que é fechado, porém admite elasticidade proveniente à aplicação do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, in verbis: “A garantia constitucional da propriedade assegura uma proteção das posições privadas já configuradas, bem como dos direitos a serem eventualmente constituídos. Garante-se, outrossim, a propriedade enquanto instituto jurídico, obrigando o legislador a promulgar o complexo normativo que assegura a existência, a funcionalidade, a utilidade privada desse direito. Inexiste, todavia, um conceito constitucional fixo, estático, de propriedade, afigurando-se, fundamentalmente, legítimas não só as novas definições de conteúdo como a fixação de limites destinados a garantir a sua função social. É que, embora não aberto, o conceito constitucional de propriedade há de ser necessariamente dinâmico. […] Isso não significa, porém, que o legislador possa afastar os limites constitucionalmente estabelecidos. A definição desse conteúdo pelo legislador há de preservar o direito de propriedade enquanto garantia institucional. Ademais, as limitações impostas ou as novas conformações conferidas ao direito de propriedade hão de observar especialmente o princípio da proporcionalidade, que exige que as restrições legais adequadas, necessárias e proporcionais.” Os direitos fundamentais são verdadeiras garantias constitucionais e devem ser observados por todos, tendo em vista que todo o cidadão está inserido numa sociedade livre, justa e solidária[5] que visa promover o bem de todos, (preâmbulo e art. 3º, I, IV, da CRFB), logo todos são aptos a decidir sobre os interesses sociais, por meio de representantes elegidos, (art. 14, da CRFB), face a presença do Estado Social Democrático de Direito, bem como o direito ativo e não-ativo[6] pertencente aos cidadãos. ALEXY, (apud, MENDES, 2006, p. 27), fornece brilhante lição sobre a teoria dos princípios como reclame da sociedade em garantia aos direitos fundamentais dispostos em texto magno, ainda realiza comparação entre a teoria da regra, vide: “A grande vantagem da teoria dos princípios reside no fato de que ela pode impedir o esvaziamento dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez excessiva. […] Ela permite uma via intermediária entre vinculação e flexibilidade. A teoria da regra somente conhece a alternativa validade ou invalidade. Para uma Constituição como a brasileira, que formulou tantos princípios sociais generosos, surge, como base nesse fundamento, uma pressão forte para, desde logo, se dizer que as normas que não possam ser aplicáveis sejam declaradas como não vinculantes, isto é, como simples normas programáticas. A teoria dos princípios pode, em contrapartida, levar a sério a constituição sem exigir o impossível. Ela pode declarar que normas não executáveis são princípios que, em face de outros princípios, hão de passar por um processo de ponderação. E, assim, ‘sob a reserva do possível, examinar aquilo que razoavelmente se pode reclamar e pretender da sociedade’. Assim, a teoria dos princípios apresenta não apenas uma solução para o problema da colisão, como também para o problema da vinculação dos direitos fundamentais” Ciente do importante papel da função social da propriedade que atribui características de bem público, cuja preservação se sobreleva diante dos interesses dos particulares e entidades públicas, face a supremacia do interesse público sobre o privado, bem como pela proteção da teoria dos princípios que têm como fito precípuo a estrita observância dos direitos fundamentais. Assim, a “[…] propriedade é um direito primário ou fundamental, ao passo que os demais direitos reais nele encontram a sua essência”, (GONÇALVES, 2012, p. 242), por esta razão o direito de propriedade constitui a imanência do direito real, desta feita os demais direitos gerais circundam seu cerne, face a obediência ao seu conceito. Corroborando o acima esposado, cumpre tecer brevemente sobre a teoria da natureza humana acerca da propriedade, posto que constitui “[…] o instituto da conservação que leva o homem a se apropriar de bens seja para saciar sua fome, seja para satisfazer suas variadas necessidades de ordem física e moral.” (DINIZ, 2012, p. 127) Neste passo, cumpre explicitar os elementos constitutivos[7] da propriedade que são imanentes ao proprietário, os verbos: usar, gozar, dispor e reaver, conforme preleciona o art. 1.228, caput, do CC. Logo quando estão presentes todos estes elementos a propriedade é plena, atendendo ao previsto no artigo 1.231, do CCB; e artigo 525, do CC/16[8], desta feita a função social da propriedade “[…] é tomada como necessidade de que o uso da propriedade responda a uma plena utilização, otimizando-se ou tendendo-se a otimizar os recursos disponíveis em mãos do proprietários […]” (ROCHA, 2005, p. 76) Cumpre repisar que, a propriedade é definida como conceito, e não tipo, por se tratar de definição fechada, porém passível de elasticidade, consoante preleciona Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 229), in verbis:  “[…] o conceito de propriedade, embora não aberto, há de ser necessariamente dinâmico. Deve-se reconhecer, nesse passo, que a garantia constitucional da propriedade está submetida a um intenso processo de relativização, sendo interpretada, fundamentalmente, de acordo com parâmetros fixados pela legislação ordinária.” Assim sendo, a “[…] propriedade – instituto sobre o qual repousa a caracterização político-social do Estado – independentemente do modelo capitalista ou socialista adotado, é tida como expressão de riqueza.” (QUADROS, 1997, p. 9) Portanto, ciente de que a propriedade constitui direito fundamental e antecessora a qualquer normatização, por isso tem garantida sua proteção pelo Constituinte por meio da função social que todo o homem deve cumprir, vez que o exercício de determinado bem lhe atribui características de bem público, logo o exercício da propriedade deve ser amplo e pleno. 3. Dos procedimentos da importação e das penalidades aplicadas ao Importador. Neste item, abordar-se-á sobre o imposto de importação e seu procedimento, bem como sobre as penalidades imputadas ao importador, em especial apreensão e perdimento da mercadoria, em afronta ao Texto Constitucional por ofensa direta ao direito da propriedade e sua função social, consoante se analisa a seguir. “Imposto dos mais antigos do mundo, o de importação evolveu de receita puramente fiscal para instrumento extrafiscal destinado à proteção dos produtores nacionais e, mais tarde, também a do câmbio e do balanço de pagamentos.” (BALEEIRO, 2010, p. 212) Este imposto é incidente sobre mercadorias e serviços advindos do exterior que penetram por qualquer via de acesso de forma definitiva em nosso território nacional, nos termos do art. 1º, do Decreto-Lei n. 37/1966; art. 19, do CTN, face aspecto material da hipótese de incidência prevista no art. 153, I, da CRFB. “Mas, em seu sentido jurídico, não basta o simples ingresso físico. É imprescindível a entrada no território nacional para a incorporação do bem à economia interna”, segundo leciona Fátima Fernandes Rodrigues de Souza, (in, MARTINS, 1988, p. 166) Leandro Paulsen e Jose Eduardo Soares Melo (2011, p. 26), aduzem que o registro do bem no SISCOMEX configura declaração de importação, vide: “O recolhimento do Imposto sobre a Importação, através do SISCOMEX, constitui ato contínuo ao registro da declaração de importação, ocorrendo eletronicamente, on line, mediante débito na conta do importador. Isso porque o Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), em seu art. 107, determina que o imposto será pago na data do registro da declaração de importação. Aliás, o pagamento do Imposto sobre a Importação, assim como o de Imposto sobre Produtos Industrializados e do ICMS, é condição para o desembaraço aduaneiro do produto, sem que, com isso, haja qualquer ofensa à Súmula 323 do STF.” Neste turno, Aliomar Baleeiro, (2010, p. 213), explicita o procedimento realizado pelo importador para adquirir a mercadoria importada, in verbis: “O importador, de posse do certificado de cobertura cambial, da fatura comercial visada pelo cônsul brasileiro no país da procedência da mercadoria e do ‘conhecimento’ do transportador, propõe o despacho em cinco vias de nota de importação, por meio dum despachante aduaneiro afiançado e titulado pelo Ministério da Fazenda. Faz-se o prévio recolhimento dos direitos aduaneiros, segundo a classificação da mercadoria na tarifa, proposta pelo despachante e, em seguida, pesado o volume, é aberto e verificado pelo conferente da alfândega, examinando-se os seus característicos.” O artigo 20, III, do CTN[9], delineia a base de cálculo do imposto nos casos em que o produto é apreendido ou abandonado, levando-se a leilão para arremate do bem, e sempre quando for conhecido o importador será convidado para pagar as diferenças eventuais do valor arrematado, senão cobrir os tributos e despesas. Há casos em que pode haver aplicação da pena de perdimento, nos termos do art. 514, XVIII, do Regulamento Aduaneiro, e nestes casos é inviável a incorporação do bem importado, segundo prelecionam Leandro Paulsen e José Eduardo Soares Melo, (2011, p. 23), vide: “Cabe destacar que, quando o produto é submetido à pena de perdimento, inviabiliza-se a sua incorporação à economia nacional, de modo que a importação não chega a ser concluída, não configurando fato gerador do Imposto de Importação. Descabida, nestes casos, a cobrança do Imposto de Importação que, já tendo sido recolhido ou depositado, deve ser restituído ou liberado.” Ora, se é inviável a incorporação do bem ao cenário nacional não deveria haver apenamento ao perdimento de bens, conforme dispõe art. 689, e seguintes do Decreto n. 6.759/2009, pois configura verdadeira ofensa à função social da propriedade, bem como ao livre exercício da propriedade, conforme aduzido no item 2. Cumpre repisar mediante ensinamento de Hugo de Brito Machado, (2010), advertindo que o artigo 110, do CTN, é explicitação da Constituição Federal vigente, confirmando a conformação que o legislador ordinário deve ter em relação ao texto magno, in verbis: “Hoje já não se pode ter dúvida de que o art. 110 do Código Tributário Nacional é simples explicitação da supremacia constitucional, posto que desta é que na verdade resulta a inalterabilidade dos conceitos utilizados pela Lei Maior. Inalterabilidade que evidentemente não está restrita à matéria tributária. Nenhum conceito utilizado em norma da Constituição pode ser alterado pelo legislador ordinário para, por via oblíqua, alterar a norma de superior hierarquia.” Continua Gilmar Ferreira Mendes (206, p. 116), aduzindo sobre a vinculação do legislador ordinário aos direitos fundamentais prescritos em Constituição Federal, face o princípio da reserva legal, bem como observância dos limites dos limites, consoante se examina: “A exigência de que o âmbito de proteção de determinado direito somente pode sofrer restrição mediante lei ou com fundamento em lei (reserva legal) já seria suficiente para ressaltar a importância vital da vinculação do legislador aos direitos fundamentais. Se a ele compete, em certa medida, fixar os contornos de um direito fundamental, mediante o estabelecimento de limitações ou restrições, mister se faz que tal tarefa seja executada dentro dos limites prescritos pela própria Constituição. O legislador deve ater-se aqui não só ao estabelecido na Constituição (reserva legal simples/ reserva legal qualificada), mas também aos chamados limites dos limites (Schranken- Schranken), especialmente ao princípioda proteção do núcleo essencial (Wesensgehaltsgarantie) e ao princípio da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip).” Desta feita, se há vinculação do legislador ordinário às normas constitucionais, tendo em vista que estas configuram direitos de defesa contra a vontade do legislador não poderia haver qualquer restrição ou limite ao direito da propriedade do bem importado, face sua função social que lhe atribui características de bem público. Ainda mais quando o bem importado não é incorporado a economia interna. No entanto, este fixa no Decreto n. 6.759/2009, penalidades de perdimento da mercadoria importada juntamente com multa pecuniária calculada em 50% do valor aduaneiro da mercadoria, além de infração por dano ao erário, com esteio nos art. 689, §§ 1º a 3º, vide: “§ 1º A pena de que trata este artigo converte-se em multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria que não seja localizada ou que tenha sido consumida (Decreto-Lei no 1.455, de 1976, art. 23, § 3o, com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59).  § 2º A aplicação da multa a que se refere o § 1o não impede a apreensão da mercadoria no caso referido no inciso XX, ou quando for proibida sua importação, consumo ou circulação no território aduaneiro (Decreto-Lei no 1.455, de 1976, art. 23, § 4o, com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59).  § 3º Na hipótese prevista no § 1o, após a instauração do processo administrativo para aplicação da multa, será extinto o processo administrativo para apuração da infração capitulada como dano ao Erário (Lei no 10.833, de 2003, art. 73, caput e § 1o).”  Portanto, há verdadeiro abuso de direito liquido e certo passível de impetração de remédio constitucional (art. 5º, LXIX, CRFB; e Lei n. 12.016/2009), pois o legislador ordinário determinar aplicação penas desarrazoadas ao Importador, principalmente ao reter e restringir o direito ao exercício livre e pleno da propriedade, ferindo, consequentemente, bem público, conforme se verificará a seguir. 4. Do mandado de segurança e do provimento acautelatório. Neste tópico, abordar-se-á sobre a natureza jurídica, a finalidade, direito liquido e certo do mandado de segurança, bem como as providencias cautelares requeridas no writ e seus requisitos, dando-se continuidade ao estudo proposto acima. Impetra-se o presente remédio constitucional com o escopo de se socorrer ao Poder Judiciário a fim de ver reconhecido o abuso de direito exercido pela Autoridade Coatora, razão pela qual não pode ter a via judiciária afastada ou negada diante do caso concreto, haja vista que necessita urgentemente da concessão da liminar a fim de que seja liberada a mercadoria dando continuidade no exercício da função social da propriedade.  Ato contínuo, cumpre elucidar que o Brasil adotou o sistema de jurisdição única, cabendo, unicamente, ao Poder Judiciário, de forma definitiva, declarar o direito, diante de um caso concreto, quando provocado por alguém que se veja diante de uma pretensão resistida, especialmente nos casos em que se imprime urgência.  Significa o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional que a Constituição Federal assegura a todos a possibilidade de acesso ao Judiciário, donde, toda vez que, por algum motivo, o cidadão não conseguir obter, espontaneamente, a satisfação de um interesse, poderá socorrer-se do Poder Judiciário e deduzir pretensão.  Este direito constitucional de ação implica, ainda, como corolário lógico, o direito ao processo, ou melhor, ao devido processo constitucional, conforme EC n. 45/2004; e art. 5º, LIV, da CRFB, porque aquele que busca acesso ao Judiciário pretende, na realidade, a obtenção da prestação jurisdicional, a qual, por seu turno, atua por meio do processo, em prol da persecução da Justiça Social, (preambulo e art. 3º, I, IV, Carta Magna), neste Estado Social Democrático de Direito. Desta feita cumpre lecionar o entendimento de Hely Lopes Meirelles, (2008, p. 35), sobre a natureza jurídica do mandado de segurança, in verbis: “O mandado de segurança, como a lei regulamentar o considera, é ação civil de rito sumário especial, destinada a afastar ofensa a direito subjetivo individual ou coletivo, privado ou público, através de ordem corretiva ou impeditiva da ilegalidade, ordem, esta, a ser cumprida especificamente pela autoridade coatora, em atendimento da notificação judicial. […] Distingue-se das demais ações apenas pela especificidade de seu objeto e pela sumariedade de seu procedimento, que é próprio e só subsidiariamente aceita as regras do Código de Processo Civil.” Quanto ao fito do writ, expõe brilhante lição de Alexandre de Moraes, (2007, p. 147), que aduz sobre a proteção de direito líquido e certo, in verbis: “O mandado de segurança é uma ação constitucional, de natureza civil, cujo objeto é a proteção de direito líquido e certo, lesado ou ameaçado de lesão, por ato de omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.” Neste passo, cumpre mencionar que o direito líquido e certo[10] do mandado de segurança é aquele inequivocamente comprovado por mediante robusta prova documental, tornando o fato incontroverso[11], (art. 334, do CPC; e art. 1º, da Lei n. 12.016/2009), devido à observância da segurança jurídica, nos termos do art. 5º, XXXV, da CRFB. Quanto aos requisitos para o provimento liminar da medida, (arts. 797 e 798, do CPC), são os seguintes: a) fumus boni iuris (fumaça do bom direito), ou seja, é a plausibilidade do direito devido a análise superficial dos fatos narrados, razão pela qual deve se tratar de fato incontroverso comprovado documentalmente; e b) periculum in mora (perigo da demora) consistindo no risco da demora o que gera o justo receio a ineficácia da presente medida, face o abuso do direito de defesa exercitado pela Autoridade Coatora. Faz-se inerente transcrever o entendimento dos doutrinadores Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini, acerca da essencialidade da concessão da liminar em tela, sob pena de ineficácia do processo, senão vejamos: “[…] Trata-se de processo em que, com base na verificação de que há fumus e periculum, se preserva a parte do risco de ineficácia do processo principal. Essa preservação ocorre seja por meio da liminar […] Não há dúvidas de que existe alguma diferença entre: (i) providencias destinadas a proteger o resultado prático do pronunciamento final (principal) mediante a mera conservação de uma situação (medidas que buscam resguardar a eficácia do pronunciamento final mediante o próprio adiantamento de efeitos que, em princípio só se produziriam ao final (medida antecipatória) […] é inegável que ambas integram uma mesma categoria geral, das medidas urgentes, e têm muito mais pontos em comum do que diversidades. […] Na atividade jurisdicional urgente, cognição e execução reúnem-se no mesmo processo como reflexo de interesse de agir único e indivisível. Quem precisa de providência cautelar (e isso vale para a generalidade das medidas de urgência), necessita não apenas de provimento cognitivo reconhecendo a plausibilidade de seu direito, mas principalmente da imediata concretização da medida.” Neste sentido, expõe entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, senão vejamos: “A noção de direito líquido e certo, para efeito de impetração de mandado de segurança, ajusta-se, em seu específico sentido jurídico, ao conceito de situação que deriva de fato incontestável, vale dizer, de fato passível de comprovação documental imediata e inequívoca.” (STF – Pleno – MS n. 21.865-7/RJ, Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 1º-dez-2006, p. 66) “[…] cumpre registrar, finalmente, que já existem, em nosso sistema de direito positivo, ainda que de forma difusa, diversos mecanismos legais destinados a acelerar a prestação jurisdicional (CPC, art. 133, II e art. 198; LOMAN, art. 35, incisos II, III, VI, art. 39, art. 44 e art. 49, II), de modo a neutralizar, por parte de magistrados e Tribunais, retardamentos abusivos ou dilações indevidas na resolução dos litígios.” (STF – Mandado de Injunção n. 715/DF – Rel. Min. Celso de Mello) Alexandre de Moraes, (2007, p. 148-149), alude que a Lei n. 12.016/2009, deve ser aplicada com base no preceito constitucional (norma de conformação) para que seja realizada a proteção do direito liquido e certo, in verbis: “Ocorre que a referida lei deve, por óbvio, ser interpretada de acordo com a garantia constitucionalmente deferida à proteção do direito líquido e certo. Portanto, sempre será cabível o mandado de segurança se as três exceções previstas não forem suficientes para proteger o direito líquido e certo do impetrante.” Além disto, para colaborar com o Judiciário no atendimento ao princípio do controle ou da tutela, posto que incumbe à Administração Pública fiscalizar as atividades de todos os entes públicos e servidores investidos, com o fito de garantir suas finalidades públicas primordiais, bem como os direitos fundamentais.  Logo, o mandado de segurança deve ser manejado sempre que houver afronta a direito inequívoco de sujeito de direito, in casu o direito a propriedade, neste caso haverá a necessidade de reconhecimento do ato abusivo de direito para que a Administração Pública possa exercer o controle de todos os atos administrativos. Caso haja necessidade de provimento urgente diante do ato abusivo, v.g., perda ou retenção injusta da propriedade, roga-se a concessão de provimento liminar, a fim de salvaguardar o direito da parte, ainda que provisoriamente, sempre que presentes os requisitos liminares, conferindo-lhe prioridade no julgamento, com esteio no art. 7º, § 4º, da Lei n. 12.016/2009. 5. Da inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009 por ofensa literal à Constituição Federal. Neste tópico, explanar-se-á sobre a inconstitucionalidade do art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009 por ofensa direta a preceitos fundamentais e princípios constitucionais, entre eles função social da propriedade e o direito a propriedade por inobservância do fito do mandado de segurança pelo legislador ordinário excedendo o poder de conformação imposto pelo Constituinte. Após estudarmos o fito precípuo do mandado de segurança, bem como de seu provimento liminar acautelatório que consubstanciam atendimento de inúmeros pressupostos constitucionais, especialmente direitos fundamentais prescritos no artigo 5º, da CF/88.  Cabe narrar que o art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009, veda a concessão de liminar nos casos de entrega de mercadoria importada, segundo se examina: “Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:[…] § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes de exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.” Visto a proibição de concessão de liminar há ofensa direta a preceitos constitucionais, tais como: isonomia, proporcionalidade, razoabilidade, função social da propriedade, propriedade, justiça social, solidariedade, entre outros, logo deve ser decretada a inconstitucionalidade do parágrafo em comento. Neste caminho, José Joaquim Gomes Canotilho (1982, p. 381-382), elucida sobre a importância do princípio da isonomia, pois é injusta a negativa de concessão de medida liminar para liberar mercadoria importada, in litteris: “O princípio da isonomia pode ser visto tanto como exigência de tratamento igualitário (Gleichbehandlungsgebot) quanto como proibição de tratamento discriminatório (Ungleichbehandlungsverbot). A lesão ao princípio da isonomia oferece problemas sobretudo quando se tem a chamada exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade (willkürlicher Bergüngsausschluss).” Esta exclusão é concludente ou expressa, pois se efetivou na Lei n. 12.016/2009, em seu art. 7º, § 2º[12], ao impossibilitar o magistrado de conceder provimento liminar quando se tratar de mercadoria importada, independentemente da pena que for culminada, v.g., perda da propriedade de mercadoria importada. A Lei n. 12.016/2009, promove verdadeira ofensa a inúmeros postulados constitucionais, conforme se examina, posto que acomete o âmbito de proteção[13] das normas fundamentais previstas no art. 5º, caput, XXIII, LXIX, da CF/88. Assim cumpre transcrever entendimento de Gilmar Ferreira Mendes (2006, p. 13-14), atinente ao âmbito de proteção dos direitos fundamentais, vide: “O âmbito de proteção de um direito fundamental abrange os diferentes pressupostos fáticos (Tatbeständen) contemplados na norma jurídica (v.g., reunir-se sob determinadas condições) e a consequência comum, a proteção fundamental. Alguns chegam a afirmar que o âmbito de proteção é aquela parcela da realidade (Lebenswirklichkeit) que o constituinte houve por bem definir como objeto de proteção especial ou, se se quiser, aquela fração da vida protegida por uma garantia fundamental. Alguns direitos individuais, como o direito de propriedade e o direito à proteção judiciária, são dotados de âmbito de proteção estritamente normativo (âmbito de proteção estritamente normativo = rechs- oder norm- geprägter Schutzbereich).[…] Isso significa que o âmbito de proteção não se confunde com proteção efetiva e definitiva, garantindo-se apenas a possibilidade de que determinada situação tenha a sua legitimidade aferida em face de dado parâmetro constitucional. Na dimensão dos direitos de defesa, âmbito de proteção dos direitos individuais e restrições a esses direitos são conceitos correlatos. Quanto mais amplo for o âmbito de proteção de um direito fundamental, tanto mais se afigura possível qualificar qualquer ato do Estado como restrição. […]” Não poderia o legislador ordinário na Lei n. 12.016/2009, restringir o direito a concessão de medida liminar, porque esta somente visa proteger o âmbito do núcleo da norma constitucional (direito a propriedade) que é marcada por sua função social, este conceito jurídico indeterminado, por sua vez, constitui importante balizamento a conformação de um direito ao telos do Constituinte[14], observando-se o princípio da proporcionalidade[15]. Cumpre tecer sobre o princípio da função social da propriedade, segundo Sílvio Luís Ferreira da Rocha, (2005, p. 72), in verbis: “Como princípio normativo o princípio da função social afeta o mecanismo de atribuição do direito de propriedade e o regime de exercício. A atribuição do direito de propriedade não se efetua de modo incondicionado, mas submetida ao cumprimento, por parte do proprietário, da orientação social que contém. A função social implica que se reconheça ao direito de propriedade a ausência de determinadas faculdades, o exercício condicionado de outras e o dever de exercitar algumas livremente ou de acordo com determinados critérios.” Portanto, a “[…] função social da propriedade pode ser concebida como um poder-dever ou um dever-poder do proprietário de exercer o seu direito de propriedade sobre o bem em conformidade com o fim ou interesse coletivo[16].” (ROCHA, 2005, p. 71) Com essa injusta limitação pelo legislador ordinário na Lei em comento configura ofensa ao direito a propriedade e sua função social, bem como à separação dos poderes, logo há uma manipulação da lei pelos órgãos legislativos por encampar ato ilícito, segundo José Joaquim Gomes Canotilho (1.982, p. 614), vide: “As razões materiais desta proibição sintetizam-se da seguinte forma: (a) as leis particulares (individuais e concretas), de natureza restritiva, violam o princípio material da igualdade, discriminando, de forma arbitrária, quanto à imposição de encargos para uns cidadãos em relação aos outros; (b) as leis individuais e concretas restritivas de direitos, liberdades e garantias representam a manipulação da forma da lei pelos órgãos legislativos ao praticarem um ato administrativo individual e concreto sob as vestes legais (os autores discutem a existência, neste caso, de abuso de poder legislativo e violação do princípio da separação dos poderes;(c) as leis individuais e concretas não contêm uma normatização dos pressupostos da limitação, expressa de forma previsível e calculável e, por isso, não garantem aos cidadãos nem a proteção da confiança nem alternativas de ação e racionalidade de atuação.” Isto, outrossim, porque eventual limitação a direito fundamental deve ser expresso somente em artigo da Constituição Federal, v.g., arts. 5º, XV (reunir-se pacificamente, sem armas) e XVI (locomoção no território nacional em tempos de paz), como defesa a proteção ao núcleo de direito fundamental. Os “[…] clássicos direitos de defesa reconduziam-se a uma pretensão de omissão dos poderes públicos perante a esfera jurídica privada; os direitos a prestações postulam uma proibição de omissão […]”, (CANOTILHO, 2004, p. 52) Gilmar Ferreira Mendes (2006, p. 16), elucida que o legislador ordinário deveria atender ao fito do Constituinte, e não restringir o direito à propriedade configurando ofensa direta ao preceito fundamental por sua inconstitucionalidade direta, que é marcado por sua função social, vide: “Não raras as vezes, destinam-se as normas legais a completar, densificar e concretizar direito fundamental. É o que se verifica, v.g., em regra, na disciplina ordinária do direito de propriedade material e intelectual, do direito de sucessões (CF, art. 5º XXII – XXXI) […] Sem pressupor a existência das normas de direito privado relativas ao direito de propriedade, ao direito de propriedade intelectual e ao direito de sucessões, não haveria que se cogitar de uma efetiva garantia constitucional desses direitos. Da mesma forma, a falta de regras processuais adequadas poderia transformar o direito de proteção judiciária em simples esforço retórico. Nessa hipótese, o texto constitucional é explicito ao estabelecer que ‘a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’ (art. 5º, XXXV). Fica evidente, pois, que a intervenção legislativa não apenas se afigura inevitável, como também necessária. Veda-se, porém, aquela intervenção legislativa que possa afetar a proteção judicial efetiva. Dessarte, a simples supressão de normas integrantes da legislação ordinária sobre esses institutos pode lesar não apenas a garantia institucional objetiva, mas também direito subjetivo constitucionalmente tutelado.” Houve verdadeiro desvirtuamento da função social da propriedade ao apreender indevidamente o bem pertencente ao indivíduo e ainda por apenar o perdimento da mercadoria importada, bem como por vedar a concessão de provimento acautelatório na Lei n. 12.016/2009, segundo Francisco Eduardo Loureiro, (apud, ROCHA, 2005, p. 74), vide: “Há serio desvio de perspectiva daqueles que confundem função social da propriedade com simples limitações ou restrições. Basta lembrar que a mesma figura da função social serve para proteger com incentivos a pequena e média empresa. Serve para subsidiar a instalação de indústrias em determinadas regiões do país. Serve para isentar do pagamento de tributos propriedades de valor histórico, preservadas ou tombadas. Serve para a concessão de crédito em condições privilegiadas para a aquisição da casa própria ou para a instalação de industrias geradoras de empregos. Serve para impedir a penhora sobre imóveis residenciais e suas pertenças. Em suma, fácil perceber que a função social pode servir de incremento e de incentivo a diversas formas proprietárias, ou de estímulo a determinadas condutas socialmente relevantes.”  Isto por conta da função social da propriedade que é lecionada por Carlos Roberto Gonçalves, (2012, p. 244), ao dissertar sobre o entendimento doutrinário de Duguit, consoante se verifica abaixo: “[…] a propriedade deixou de ser o direito subjetivo do indivíduo e tende a se tornar a função social do detentor de uma riqueza a obrigação de emprega-la para o crescimento da riqueza social e para a interdependência social. Só o proprietário pode executar uma certa tarefa social. Só ele pode aumentar a riqueza geral utilizando a sua própria; […]” Deve haver uma evolução de todo o órgão jurisdicionado, elevando o Estado à função de guardião dos direitos fundamentais prescritos no art. 5º, da CF/88, porque todo cidadão se encontra numa posição jurídico-prestacional[17]. Neste passo urge colacionar o entendimento de Johannes Dietlen, (DIETLEN, 1991, p. 18), senão vejamos: “A jurisprudência da Corte Constitucional alemã acabou por consolidar entendimento no sentido de que do significado objetivo dos direitos fundamentais resulta o dever do Estado não apenas de se abster de intervir no âmbito de proteção desses direitos, mas também de proteger esses direitos contra a agressão ensejada por atos de terceiros. Tal interpretação do Bundesverfassungsgericht empresta sem dúvida uma nova dimensão aos direitos fundamentais, fazendo com que o Estado evolua da posição de adversário (Gegner) para uma função de guardião desses direitos (Grundrechtsfreund oder Grundrechtsgarant).” Nessa esteira cumpre transcrever ensinamento de Paolo Barile (1984, p. 07) sobre a evolução constitucional italiana cujas disposições foram criadas pensando no futuro da sociedade, consoante se examina: “<<La cultura dei constituenti non era una cultura del passato come qualcuno há detto, ma anzi, sorpreendentemente, del futuro. Essa li porto a scrivere una constituzione che, come Gustav Mabler diceva della sua musica, era destinata non ai contemporanei, che erano sgradevolmente colpiti dalla sua novità ma ai posteri.>>” Quando existir o descumprimento da função social da propriedade legitimando a intervenção estatal na esfera público-privada, (art. 36, II, da Carta Magna), por meio de requisição do STF ou do STJ, uma vez que os arts. 5º, XXIII, e 170, III, da Carta Republicana, conciliam a proteção do direito fundamental à propriedade com a ordem econômico-financeira[18]. Aproveita o ensejo para colacionar o entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, acerca da intervenção estatal na esfera dominial quando descumprida a função social da propriedade, vide: “O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade.” (ADI 2.213-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-4-2002, Plenário, DJ de 23-4-2004.) Cumpre denotar que estes atos da Administração Pública são conhecidos como sanção política, visto que se utiliza de meio coercitivo indireto para compelir o contribuinte ao pagamento abusivo de tributos ao apreender ilegalmente/inconstitucionalmente a mercadoria importada e ainda aplicar pena de perdimento art. 689, do Regulamento Aduaneiro, de acordo com Cleide Previtalli Cais, (2011, p. 294-295), senão vejamos: “A cobrança de tributo somente pode ser feita pela Fazenda Pública, mediante o procedimento administrativo ou pela propositura da execução fiscal, em obediência aos princípios da legalidade e do direito à jurisdição. Sanção política constitui qualquer tipo de restrição ou proibição imposta ao contribuinte, que, indiretamente, forçam-no ao recolhimento do tributo. A interdição de estabelecimento, a apreensão de mercadorias e o protesto da Certidão da Dívida Ativa da Fazenda Pública constituem modalidades de sanções políticas. […] Para que se configure como sanção política a medida adotada pela Fazenda Pública deve contrariar o inciso XIII do art. 5º. e o art. 170, CF. Constitui sanção política, medida adotada pela Administração Pública que venha a contrariar direitos assegurados pela lei e pela Constituição Federal. Exemplificando: a) ato administrativo que desrespeitando os princípios que regulam a Administração Pública (caput do art. 37, CF), venha a limitar o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, parágrafo único, CF); b) ato administrativo que cerceie o amplo acesso ao Poder Judiciário pelo contribuinte e o exercício do contraditório (incs. XXV e LV do art. 5º, da CF).” Tanto que o Supremo Tribunal Federal consagrou a proteção à propriedade, devido a sua função social, por meio da edição das Súmulas n. 323[19] e 547[20], porque ambas aduzem sobre a inadmissibilidade de qualquer apreensão de mercadoria.  Assim, deve haver uso efetivo do bem sobre o qual recai a propriedade, in casu, a mercadoria importada deve ser entregue ao Importador para que este continue exercendo sua função social em consonância com suas finalidades sócio-econômicas, nos termos do art. 1.228, § 1º, do CC[21]. Porém com a apreensão do bem e a aplicação da pena de perdimento há verdadeiro descumprimento da função social da propriedade, conforme arts. 5º, XXIII c.c. 170, III, da Carta Magna, bem como configuração de inconstitucionalidade que deve ser decretada pelas vias difusa, mediante incidente, e pela via direta analisando a Lei em tese intentada pelos legitimados no art. 2º, da Lei n. 9.868/1999.  Nesta toada, preleciona Maria Helena Diniz, (2012, p. 124), sobre o uso efetivo da propriedade como forma de cumprimento do interesse publico, sendo que este se sobreleva ao interesse dos particulares, face os reclames da justiça social que deve estar presente neste Estado Social Democrático de Direito, (preâmbulo e art. 3º, I, IV, da CF/88) consoante se verifica abaixo: “A função social da propriedade é imprescindível para que se tenha um mínimo de condições para a convivência social. […] a função social da propriedade vincula não só a produtividade do bem, como também aos reclamos da justiça social, visto que deve ser exercida em prol da coletividade. Fácil é perceber que os bens, que constituem objeto do direito de propriedade, devem ter uma utilização voltada à sua destinação socioeconômica. O princípio da função social da propriedade está atrelado, portanto, ao exercício e não ao direito de propriedade.[…] Deve haver, portanto, uso efetivo e socialmente adequado do bem sobre o qual recai a propriedade. Busca-se equilibrar o direito de propriedade como uma satisfação de interesses particulares, e sua função social, que visa atender ao interesse público e ao cumprimento de deveres para com a sociedade.” No tocante, a extensão dos efeitos da propriedade ela deve abarcar toda a amplitude do bem móvel, consecutivamente não pode a pessoa de direito (público ou privado) limitá-la por meio de seu animus (art. 1.229 c.c. 1.231, do CC), ou seja, desmembrando o uso, o gozo, etc, posto que “qui dominus est soli dominus est usque ad coelos et usque ad ínferos” (quem é dono do solo é também dono até o céu e até o inferno). Sempre que houver a ofensa à função social da propriedade com sua injusta retenção ou o descumprimento de suas finalidades sócio-econômicas, torna-se imperiosa a proteção deste direito fundamental por meio de impetração de mandado de segurança, visto que o Estado não pode lesar os direitos tutelados pela Carta Maior, segundo lição de Ary Florêncio Guimarães, (1982, p. 141), vide: “[…] decorre o instituto, em última análise, daquilo que os publiscistas chamam de obrigações negativas do Estado. O Estado como organização sociojurídica do poder não deve lesar os direitos dos que se acham sob sua tutela, respeitando, consequentemente, a lídima expressão desses mesmos direitos, por via da atividade equilibrada e sensata dos seus agentes, quer na administração direta, quer no desenvolvimento do serviço público indireto.” Ao suprimir o direito de propriedade com apenamento de possível perda do bem no decurso de 90 (noventa) dias contados da apreensão a Administração Pública está agindo de forma desarrazoada incorrendo no desatendimento ao princípio da moralidade, impessoalidade e da probidade, conforme art. 37, caput, da CRFB, posto que está agindo desonestamente, conforme preleciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2011, p. 69 e 365), in litteris: “[…] Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento.[…] O princípio da moralidade, conforme visto nos itens 3.3.11 e 18.1, exige da Administração comportamento não apenas lícito, mas também consoante com a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade. […]” Dessarte, o legislador ordinário criou parágrafo exorbitando de seu poder por inobservância das normas de conformação exercidas pelo Constituinte, em especial direito a propriedade e sua função social que não podem ser limitadas ou restringidas por ausência de previsão constitucional, havendo clara e manifesta inconstitucionalidade que deve ser declarada por meio de via difusa ou concentrada. 6. Conclusão. Este mister tem por fito demonstrar ao leitor que o indivíduo detentor de determinado bem móvel ou imóvel deve exercer o direito a propriedade de forma ampla e plena (usar, gozar, reaver e dispor), porque somente desta forma se obtém o atendimento perfeito a função social da propriedade, atribuindo características públicas ao bem sobre o qual se exerce domínio. O direito a propriedade é direito fundamental do homem e da sociedade, sendo pré-existente a qualquer disposição normativo-constitucional, tanto que só encontrou amparo em nosso ordenamento constitucional em 1934, permanecendo desde então até a Constituição vigente, logo todo o homem tem o dever de cumprir uma função social. Com a constitucionalização deste direito há a demonstração a todos os integrantes da sociedade que citado direito é fundamental à coletividade, merecendo proteção de seu núcleo ante a presença do Estado Social Democrático de Direito, por objetivar-se a justiça social. Por esta razão o legislador exacerbou seu poder ao prever no Regulamento Aduaneiro aplicação de penalidades (perdimento de bens e multa pecuniária) à mercadoria importada pelo Importador, sendo que este realizou procedimento legítimo amparado pelo art. 153, I, da CRFB, configurando-se sanção política por compelir contribuinte ao pagamento de tributo por meio coercitivo indireto. Estas penalidades denotam o torpe fito do animus do legislador ao vedar a concessão de provimento liminar em mandado de segurança quando da entrega de mercadoria importada, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei n. 12.016/2009, consolidando-se o abuso de direito e sua inconstitucionalidade pela flagrante lesão ao direito da propriedade e sua função social, (art. 5º, caput, XXII, XXIII, e 170, III, CRFB). Esta lesão ao direito da propriedade e sua função social pelo art. 7º, da Lei n. 12.016/2009, bem como pelo Regulamento Aduaneiro, são claras sanções políticas para obter do Importador arrecadação aos cofres públicos desarrazoadamente. Portanto, deve o Importador se socorrer da tutela jurisdicional para ver declarada a inconstitucionalidade pela via difusa ou aguardar pronunciamento pela via concentrada por manifestação dos legitimados, posto que pretende exercer a função social que lhe é predestinada em sua própria natureza sem qualquer restrição.
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O ICMS e o comércio eletrônico nas vendas diretas a pessoa física
O presente artigo apresenta o efeito da expansão do comércio eletrônico em relação à repartição do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidente sobre as operações e prestações realizadas de forma não presencial e que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado. O trabalho inicialmente apresenta o comércio eletrônico, em especial na sua modalidade de vendas diretas a pessoas físicas. Esta modalidade apresenta resultados de faturamento crescentes, impactando em perda de arrecadação do ICMS nos Estados destinatários destas operações. Discute a guerra fiscal travada entre os Estados por conta do atual sistema de recolhimento do ICMS nessas operações, os princípios constitucionais envolvidos, o contexto da elaboração da Constituição Federal, anterior à popularização da Internet e consequentemente do e-commerce. Conclui-se que para atender ao princípio constitucional da redução das desigualdades regionais, do desenvolvimento nacional, e ao próprio pacto federativo o Sistema tributário necessita de revisão constitucional objetivando a repartição do ICMS nas operações interestaduais de vendas pela internet destinadas a não contribuintes do Imposto.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Poucos acontecimentos tiveram tanta influência em nossa sociedade quanto o surgimento da internet. Além de tornar muito mais ágil e eficiente a forma com a qual as pessoas se comunicam, procuram por informações e adquirem conhecimento, a internet possibilitou o surgimento de um novo canal de comercialização chamado de comercio eletrônico ou e-commerce.  O Comércio Eletrônico já é uma realidade para muitas empresas nacionais e internacionais. Grandes possibilidades de realizar compras, pesquisar preços, conhecer as características dos produtos oferecidos, lojas ”abertas” vinte e quatro horas por dia, atendendo de forma personalizada cada consumidor, realizar tudo isso sem sair de casa ou da empresa e a qualquer hora do dia, entre outros benefícios proporcionados, são os grandes responsáveis pelo crescimento desse segmento. Essa nova realidade trouxe muitos benefícios para o cidadão comum, mas também muitas distorções no equilíbrio econômico entre as unidades federadas. A maioria das lojas virtuais é sediada em poucos Estados, geralmente os mais ricos e desenvolvidos, ditos produtores, que, pela sistemática atual de distribuição da arrecadação do ICMS, retêm toda a arrecadação do tributo, aumentando assim, as desigualdades regionais por gerar impacto negativo na arrecadação de ICMS na maioria dos Estados da Federação. Visando corrigir estas distorções os Estados consumidores têm adotado meios abusivos e eivados de vícios, aumentando assim, a guerra fiscal e levando a uma situação indesejada e prejudicial de "Federalismo Competitivo" que em muito destoa do Federalismo cooperativo adotado pelo Brasil. Indiscutível que o Brasil e o mundo mudaram muito desde a promulgação da Constituição de 1988, quando ela definiu como sendo integralmente do estado de origem o ICMS nas operações interestaduais a consumidor final não contribuinte do imposto, a internet era algo muito incipiente, esse tipo de comercialização praticamente não existia. Atualmente o cenário é muito diferente daquele vivenciado duas décadas atrás e a tendência, para a venda a consumidor final, é a consolidação cada vez maior da sistemática do e-commerce, em substituição ao sistema convencional de comércio, portanto nada mais justo e coerente que seja alterada a Constituição por seu instrumento apropriado (Emenda) para corrigir essas distorções, reequilibrando assim, essa relação. Por fim, promover uma redistribuição de receita pública em favor dos Estados menos desenvolvidos, se coaduna com o objetivo da República Federativa do Brasil de reduzir as desigualdades sociais e regionais, insculpido no art. 3º, III, da Carta Magna. 1 COMÉRCIO ELETRÔNICO Na definição de Guilherme Cezaroti (2005, p.23) [1]: “Comércio eletrônico é o conjunto de transações realizadas mediante técnicas e sistemas que se apoiam na utilização de computadores, que se comunicam através da Interconnected Network – popularizada como internet, que consiste em uma conexão lógica entre redes de computadores ao redor do mundo”. Já para Rob Smith (2000, p.74) [2], o Comércio Eletrônico trata-se de: “Negócios conduzidos exclusivamente através de um formato eletrônico. Sistemas que se comunicam eletronicamente uns com os outros são sistemas de e-commerce, e têm de ser capazes de funcionar normalmente com quaisquer aplicações da Internet que estiver planejando utilizar. Também se refere a quaisquer funções eletrônicas que auxiliam uma empresa na condução de seus negócios.” O comércio eletrônico pode ser dividido em três tipos, sendo o B2C, realizado entre empresas e consumidores finais, o que interessa a este estudo: – Business-to-Business (B2B): Comércio estabelecido entre empresas. Ex: fabricantes de automóveis solicitando pneus a um fornecedor; – Business-to-Consumer (B2C): Comércio eletrônico estabelecido entre empresa e consumidores. Ex: pedidos de livro on-line; – Consumer-to-Consumer (C2C): Comércio eletrônico estabelecido entre consumidores. Ex: leilões on-line, Mercado Livre; É um fato que hoje grande parte da população compra produtos pela internet. O comércio eletrônico traz para o consumidor a vantagem de acesso a um número maior de ofertas de produtos e serviços, com possibilidade rápida e fácil de comparação de preços, além de comodidade. Conforme observa José Eduardo Soares de Melo (2009, p.156) “a demanda da internet tem sido a mais ampla possível e abrange não apenas a área comercial, mas também a de segurança, educação e pesquisa”. Segundo o Ibope Media, em dezembro de 2012, já contávamos com 94,2 milhões de internautas brasileiros, sendo o Brasil o quinto país que mais se conecta a internet [ro. De acordo com a Fecomércio RJ/Ipsos, o percentual de brasileiros conectados aumentou de 27%, em 2007, para 48% em 2011, e esse número tende a aumentar [4]. Hoje no Brasil, o comércio eletrônico é, sem dúvida, um dos principais segmentos de negócios, com um faturamento que chegou a R$ 12,74 bilhões no primeiro semestre de 2013 e deve fechar o ano com movimentação de R$ 28 bilhões. De acordo com informações da 28a edição do relatório WebShoopers, apresentado no dia 21.08.2013, pela E-bit, empresa especializada em informações sobre o e-commerce [5]. O crescimento da oferta de serviços ao consumidor é manifesta. A proporção de empresas que utilizam a Internet para oferta de serviços ao consumidor aumentou de 56% em 2007 para 64% em 2008 [6]. Com isso é claro que surgem novos desafios, bem como conflitos e situações novas que, portanto, carecem de regulamentação. Foi o que aconteceu com a questão consumerista que teve uma resposta, por meio do Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013 que regulamenta a Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico. No entanto, a questão tributária ainda precisa de uma resposta, como veremos ao longo deste artigo. Uma vez que tanto as empresas físicas com as que operam através do e-commerce possuem o mesmo formato de tributação. 2 IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS SOBRE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS E TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO – ICMS Previsto no artigo 155, II da Constituição Federal[1] o imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços e Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS é um imposto Estadual incidente, principalmente, sobre operações relativas à circulação de mercadorias e regulamentado pela Lei nº 87/96 (chamada de Lei Kandir). Segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), pelo sexto ano consecutivo, a arrecadação tributária brasileira ultrapassa R$ 1.000.000.000.000,00 (Um trilhão de reais) e que individualmente o tributo de maior arrecadação é o ICMS, com 20,66% do total [7]. De acordo, com Cartilha divulgada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM, 2012, p.7) [8]: “O Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, ou simplesmente, ICMS, é o maior tributo brasileiro, e não apenas pela extensão do nome. Nenhum outro tributo (mesmo federal) arrecada tanto quanto o ICMS. Foram R$ 304 bilhões em 2011, quatro vezes mais do que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).” Consequentemente, sendo o tributo de maior arrecadação do Brasil e a principal fonte de receita dos Estados, o ICMS sempre é alvo de disputas o que enseja a chamada “guerra fiscal” e com o aumento das vendas pela internet, nessa seara não poderia deixar de ser diferente. 3 O ICMS E A GUERRA FISCAL É o termo que se utiliza para a disputa entre os Estados pela atração de novos empreendimentos por meio de concessão de benefícios fiscais do ICMS, sem estes terem sido aprovados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária – Confaz, como determina a Lei Complementar nº 24, de 1975[2] e os artigos 150, §6º[3] e 155, § 2º, XII, g[4], da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, portanto, inconstitucionais. Na guerra fiscal, o Estado que quer atrair uma empresa que, a princípio, se instalaria (ou já está instalada) em outra unidade da federação oferece um benefício fiscal, para que esta empresa se instale em seu Estado. No entanto, a concessão e revogação de benefícios fiscais do ICMS, bem como a fixação de alíquotas, quando elas não são estabelecidas pelo Senado Federal, está subordinada a deliberação prévia dos Estados e do Distrito Federal na esfera do Confaz, sendo que a concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados, já a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro quintos, pelo menos, dos representantes presentes. Portanto, a concessão de benefícios fiscais por deliberação unilateral dos Estados, afronta à Constituição, sendo, pois inconstitucionais. Visando combater a guerra fiscal o STF publicou em 24.04.2012 proposta de súmula vinculante nº 69 na qual propõe, com base no precedente das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) já julgadas, a seguinte redação: “qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do Confaz, é inconstitucional” [9]. 4 FUNCIONAMENTO DO RECOLHIMENTO DE ICMS SOBRE A VENDA PELA INTERNET As operações de circulação de mercadorias podem ocorrer no âmbito interno de cada estado, chamadas operações internas ou entre diferentes estados, que são chamadas operações interestaduais. Para as operações internas, cada estado define a alíquota do seu ICMS. Já no caso das operações interestaduais: – Quando destinada a consumidor final: aplica-se a alíquota interna; – Quando destinada a contribuinte do imposto: aplica-se a alíquota interestadual, definida por Resolução do Senado Federal, nos termos do artigo 155, §2º, IV, da Constituição Federal. Neste caso de operação interestadual destinada a contribuinte do imposto, o Estado do destinatário exige deste a diferença de alíquota entre a interestadual (menor) e a interna (maior). A Resolução nº 22/89 estabeleceu a alíquota das operações e prestações interestaduais em 12% (doze por cento). Mas, para as operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, previu alíquota de 7%. Logo, percebe-se que existem alíquotas diferenciadas para as operações e prestações destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, isso por que, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) tem em si um objetivo, que é de diminuir as desigualdades socioeconômicas entre as regiões. Ocorre que com o aumento das operações interestaduais de vendas pela internet feitas diretamente a consumidor final, surge uma distorção no sistema constitucional de divisão do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, uma vez que o imposto nestas operações se faz pela alíquota final de venda ao consumidor. Esta operação de venda se dá pela alíquota interna, e é devida integralmente ao Estado remetente, nos termos do artigo 155, § 2º, incisos VII e VIII da Constituição Federal dispõe: “Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…) § 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:(…) VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á: a)a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; b)a alíquota interna quando o destinatário não for contribuinte dele. VIII – na hipótese da alínea a do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual;"   Assim, como muitas das empresas de vendas pela Internet estão localizadas nos Estados mais desenvolvidos, estabeleceu-se hoje uma distribuição de riqueza às avessas: dos pobres para os ricos. 5 GUERRA FISCAL NO COMÉRCIO ELETRÔNICO Com efeito, a junção do imposto de maior arrecadação do país e a popularização do e-commerce, tem-se tornado uma das guerras fiscais mais acirradas atualmente. Como já exposto acima, empresa que vende produto pela internet a consumidor final localizado em Estado diverso, recolhe ICMS unicamente para o Estado onde está localizada. Exemplo: Se uma empresa comercializa determinado produto para algum contribuinte de ICMS localizado no Estado do Rio Grande do Sul, ela recolherá o devido imposto à alíquota de 18%, porque a operação toda ocorreu dentro do Rio Grande do Sul. Se a mesma empresa vende a mercadoria para Rondônia, recolherá no Rio Grande do Sul apenas a alíquota interestadual, enquanto que a diferença entre esta e a alíquota vigente no Estado de Rondônia, ficará com este último. A mesma operação de comércio eletrônico interestadual para consumidor final, o ICMS seria devido apenas no estado de origem, o Rio Grande do Sul, não sendo recolhido nada para Rondônia. Assim, constata-se que esse panorama gera uma diminuição de arrecadação para os cofres dos Estados que não tem fisicamente em seu território um número significativo de empresas que realizam operações de vendas pela internet, o que tem gerado inúmeras discussões e questionamentos entre os Estados da Federação. 5.1. Protocolo ICMS 21, de 01.04.2011 – DOU 1 de 13.04.2011 [10] Os Estados do Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe e o Distrito Federal, não satisfeitos com a atual sistemática do recolhimento de ICMS em relação a aquisição de mercadorias e bens de forma não presencial por consumidor final, assinaram em 1º de abril de 2011 o Protocolo ICMS nº 21.[5] Referido Protocolo dispõe que as unidades federadas signatárias do presente protocolo, acordam em exigir, nos termos nele previstos, a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom. Estabelece ainda que “a exigência do imposto pela unidade federada destinatária da mercadoria ou bem, aplica-se, inclusive, nas operações procedentes de unidades da Federação não signatárias deste protocolo’’. Dessa maneira, na prática, ao contrário do que se esperava, o protocolo, não só não soluciona o problema da guerra fiscal no e-commerce, como a torna ainda mais acirrada, uma vez que a maioria dos centros de distribuição de mercadorias, vinculados aos estabelecimentos virtuais, estão localizados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que não aderiram ao protocolo. Neste caso, por exemplo, uma empresa estabelecida no Rio de Janeiro, não signatária do acordo, vende mercadoria pela internet a um consumidor não contribuinte do ICMS, estabelecido no Distrito Federal, este exigirá 10% de ICMS (17% – 7%) e o Rio e Janeiro cobrará sua alíquota interna normalmente, que é de 18%. Com isso, a carga tributária global, neste caso, será de 28%. Além disto, nestes casos, a empresa poderá ter sua mercadoria retida até o pagamento do ICMS correspondente a alíquota interna do Estado destinatário, com as deduções previstas no aludido protocolo. Como se nota, tal protocolo é injusto e ilegal, e resulta em bitributação, o que produz prejuízo ao consumidor, ao empresário, ao comércio em geral e principalmente ao país. Sobremais, este Protocolo afronta diretamente o art. 155, § 2º, XII, b, da CF/1988, que determina de forma expressa obrigatoriedade da aplicação de alíquota interna em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, quando o contribuinte não for contribuinte dele, portanto inconstitucional. Esse é o entendimento de diversos Tribunais. Senão Vejamos: “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. PROTOCOLO ICMS N. 21. VIOLAÇÃO PACTO FEDERATIVO. 1. O Secretário da Fazenda do Distrito Federal é a autoridade competente para determinar o cumprimento, ou não, da exigência de recolhimento do imposto. Mostra-se legítimo para figurar no pólo passivo. 2. O PROTOCOLO ICMS nº 21 disciplinou nova incidência tributária sobre as operações interestaduais que destinem mercadoria ou bem ao consumidor final, cuja aquisição ocorrer de forma não presencial no estabelecimento remetente – denominado comércio eletrônico (internet, telemarketing ou showroom). 3. Considerando que o Protocolo não foi unânime, ou seja, não restou assinado por todos os Estados da Federação, mostra-se nítida a violação do pacto federativo. 4. Na forma do art. 155, § 2º, XII, b, da CF/1988, deve ser adotada a alíquota interna do ICMS quando o destinatário não for contribuinte do ICMS, sendo este tributo devido à unidade federada de origem e não à unidade federada destinatária. 5. Agravo Regimental não provido. Decisão. Rejeitada a preliminar, negou-se provimento ao recurso. Decisão unânime.’ (Processo nº 2011002015395-8, DJe de 11.10.2011, TJDF) “Mandado de Segurança. Protocolo ICMS 21. Decreto Estadual nº 7.303/2011. Destinatário Não Contribuinte do Imposto. Regra de Origem. Inconstitucionalidade. Ilegalidade. 1. Segundo compreensão do Supremo Tribunal Federal (Cautelar na ADI Nº 4.705), o CONFAZ e os Estados Membros não podem substituir a legitimidade democrática da Assembleia Constituinte, nem do constituinte derivado, na fixação da “regra de origem” imposta no artigo 155, § 2º, II, ‘b’, da Constituição Federal. 2. O Protocolo ICMS 21 viola o pacto federativo, na medida em que não foi firmado por todos os Estados-Membros, como também afronta o princípio da não diferenciação tributária (artigo 152, da CF). 3. A Constituição Federal reservou ao Senado Federal a definição de percentuais de alíquotas interestaduais do ICMS (artigo 155, § 2º, inciso IV), de modo que a normatização da matéria pelo Protocolo 21 viola a reserva de resolução senatorial. 4. A previsão de nova incidência de ICMS por ato infralegal, com a definição de sua destinação, alíquotas, bem como mediante a instituição da figura da substituição tributária, desrespeita o princípio da legalidade tributária. Segurança concedida”. (Proc. nº 201194762590, TJGO) O STF também já se pronunciou sobre o tema, afirmando, em sua composição plenária, a inconstitucionalidade do Protocolo-ICMS nº 21/2011, assim como da Lei Estadual/PI nº 6.041/2010 que o reproduzia, exigindo o ICMS complementar em operações de aquisição não presenciais de mercadorias por consumidores finais não contribuintes do imposto. Senão vejamos: “CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL. LEI 6.041/2010 DO ESTADO DO PIAUÍ. LIBERDADE DE TRÁFEGO DE BENS E PESSOAS (ARTS. 150, V E 152 DA CONSTITUIÇÃO). DUPLICIDADE DE INCIDÊNCIA BITRIBUTAÇÃO – ART. 155, § 2º, VII, B DA CONSTITUIÇÃO). GUERRA FISCAL VEDADA (ART. 155, § 2º, VI DA CONSTITUIÇÃO). MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. Tem densa plausibilidade o juízo de inconstitucionalidade de norma criada unilateralmente por ente federado que estabeleça tributação diferenciada de bens provenientes de outros estados da Federação, pois: (a) Há reserva de resolução do Senado Federal para determinar as alíquotas do ICMS para operações interestaduais; (b) O perfil constitucional do ICMS exige a ocorrência de operação de circulação de mercadorias (ou serviços) para que ocorra a incidência e, portanto, o tributo não pode ser cobrado sobre operações apenas porque elas têm por objeto “bens”, ou nas quais fique descaracterizada atividade mercantil-comercial; (c) No caso, a Constituição adotou como critério de partilha da competência tributária o estado de origem das mercadorias, de modo que o deslocamento da sujeição ativa para o estado de destino depende de alteração do próprio texto constitucional (reforma tributária). Opção política legítima que não pode ser substituída pelo Judiciário. Medida liminar concedida para suspender a eficácia prospectiva e retrospectiva (ex tunc) da Lei estadual 6.041/2010.” (ADI 4565; Requerente: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Requeridos: Governador do Estado do Piauí e Assembleia Legislativa do Estado do Piauí; Rel. Min. Joaquim Barbosa; DJe de 27.06.2011) Nesse sentido, diversas outras ações[6] foram impetradas, pelas mais diversas entidades, entre elas, citamos como exemplo a Confederação Nacional do Comércio de bens, serviços e turismo – CNC que fundamentou a inconstitucionalidade do referido protocolo sob o argumento de que “haveria flagrante inconstitucionalidade nas disposições do protocolo, posto que a repartição de receitas do ICMS está prevista expressamente na Constituição Federal, portanto, haveria violação à Constituição em diversos dispositivos, dentre eles, o artigo 155, parágrafo 2º, inciso VII, alíneas “a” e “b” e inciso VII, que estabelece a tributação pelo ICMS exclusivamente no estado de origem nas operações interestaduais em que o destinatário não seja o contribuinte do imposto”. Logo, apesar de justo, o pleito dos Estados consumidores, a edição deste protocolo e de qualquer outra norma que atente contra a Constituição da República Federativa do Brasil não é o meio honesto, seguro e justo para solução da repartição do ICMS no que diz respeito ao e-commerce. 5.2. Perda de arrecadação por partes dos Estados consumidores O comércio eletrônico tem sido fator de preocupação nacional, principalmente nos estados que não possuem empresas instaladas, pois elas perdem e muito com o atual regime de tributação do ICMS com relação a vendas interestaduais pela internet, cujo destinatário seja consumidor final. O Estado do Mato Grosso do Sul alegou em sede de defesa em Mandado de Segurança impetrado pela Privalia Serviços de Informação Ltda., que “a estimativa de perdas em consequência do comércio eletrônico no Estado seria de R$ 43 milhões, podendo chegar a R$ 146 milhões em 2014, sendo que a comercialização pela internet cresce 50% ao ano” [11]. Estudo levado a efeito pela Secretaria de Estado da Fazenda (SEF) de Santa Catarina (SC), nas operações ocorridas pela venda eletrônica, o Estado de Santa Catarina apresenta um volume de vendas no valor aproximado de R$ 26.000.000,00 (vinte e seis milhões de reais), enquanto que as vendas originadas de outras unidades da federação para SC perfazem o valor de R$ 371.000.000,00 (trezentos e setenta e um milhões de reais), ocasionando um déficit nas transações de R$ 345.000.000,00 (trezentos e quarenta e cinco milhões de reais) [12]. Utilizando a margem de lucro 40% (quarenta por cento), que corresponde à média estabelecida para as mercadorias sujeitas à substituição tributária, e a alíquota de 17% para as operações internas, o Estado de Santa Catarina deixou de arrecadar no ano 2010 o valor de R$ 29.000.000,00 (vinte e nove milhões de reais), caso os consumidores tivessem adquirido as mercadorias no mercado interno catarinense. Ainda, pelos gráficos acima podemos constatar que em comparação com diversos Estados, São Paulo tem a maior fatia, no que diz respeitos a vendas pela internet. Logo, mais um indício da necessidade de alterações no sentido de corrigir as distorções resultantes dessa forma de tributação. 6 O PACTO FEDERATIVO Ora, o Brasil é uma República Federativa, dessa forma, todos os Estados que fazem parte da Federação, apesar da autonomia, devem buscar o interesse comum e a redução das desigualdades regionais. Dessa forma, como explica Roque Antonio Carrazza (2000, p.89) [13]: “(…) podemos dizer que Federação (de foedus, foedoris, aliança, pacto) é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a uma novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participaram (Estados-membros)”. Ademais, como afirma Ana Maria Brasileiro (citada por Alessandra Tavares, 2009, p.21): “o federalismo cooperativo retrata a situação na qual as relações entre as três esferas de governo não podem mais ocorrer de forma isolada, ou seja, os três níveis de governo precisam agir de maneira conjunta e de forma cooperativa, tanto pelas cooperações horizontais entre as comunidades federadas, quanto pelas cooperações verticais estabelecias entre o poder federal e os poderes federados” [14]. E como destaca Pedro Lenza (2013, p.448): “o modelo brasileiro pode ser classificado como um federalismo cooperativo” [15]. Além disso, a Carta Magna em seu artigo 3º, III, define como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; ”reduzir as desigualdades sociais e regionais” e em seu inciso II; “garantir o desenvolvimento nacional”. Nesse passo, esclarece Celso Bastos (p.159.1997), falando sobre os objetivos da República Federativa do Brasil: ”quanto aos objetivos, estes consistem em algo exterior que deve ser perseguido”[16]. No mesmo sentido, disserta Alexandre de Moraes (2013, p.20) [17]: “A Constituição Federal estabelece vários objetivos fundamentais a serem seguidos pelas autoridades constituídas, no sentido de desenvolvimento e progresso da nação brasileira. A partir da definição dos objetivos, os diversos capítulos da Carta Magna passam a estabelecer regras que possibilitem seu fiel cumprimento.” Outrossim, afirma Roque Antonio Carrazza (2000, p.57):“constitucionalmente, pois, um tributo não pode ter outro escopo que o de instrumentar o Estado a alcançar o bem comum” [18]. Contudo, para que ocorra uma cooperação efetiva, há necessidade do fortalecimento da participação de cada um dos membros na Federação, de forma que todos sejam capazes de assumir responsabilidades e desempenhar a contento as ações que compete a cada um, na busca do desenvolvimento da nação. A par do exposto, fica claro que o legislador constituinte almejou em todas as normas constitucionais refletir essa cooperação, e, como não poderia deixar de ser, no que diz respeito o ICMS. Foi com essa disposição que o legislador editou a Resolução nº22/89[7], visando reduzir as desigualdades regionais e provavelmente se o legislador originário imaginasse que o e-commerce se intensificaria da maneira como vem ocorrendo nos dias atuas, teria criado uma regra diferente da que temos hoje. Portanto, atualmente com um novo contexto de fortes vendas interestaduais pela Internet destinadas a consumidores finais, parece que se faz necessário uma nova forma de repartir o ICMS decorrente do e-commerce, em obediência, dentre outros, ao mandamento Constitucional de diminuir as desigualdades. 7 CARTA DE PRINCÍPIOS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO, APROVADA PELO COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL (CGI.BR)[8]. Divulgada no dia 01.09.2010 pelo Fórum do Comércio Eletrônico a Carta de Princípios do Comércio Eletrônico [19], cujo objetivo de colaborar para a criação de um quadro jurídico seguro para o comércio eletrônico no Brasil, contribuindo para o desenvolvimento do comércio eletrônico e o fortalecimento da confiança do consumidor e das demais partes envolvidas. Criado em fevereiro em 2010, o Fórum é composto por representantes dos consumidores, das empresas, da governança da internet e do setor acadêmico e foi desenvolvido dentro das atividades Grupo de Trabalho Tecnologias da Informação e Comunicação da 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (Consumidor e Ordem Econômica). A atuação do Fórum abrange o comércio eletrônico realizado entre as empresas, entre empresas e consumidores e entre consumidores. O objetivo é contribuir para o bom funcionamento do mercado, assegurando a proteção do consumidor. Além disso, o Fórum também busca identificar as questões emergentes do comércio eletrônico e facilitar a interação entre seus atores. Foi nesse contexto que o Ministério Público Federal e o Comitê Gestor da Internet publicaram a presente Carta de Princípios do Comércio Eletrônico. Recomendando-se a sua observação aos setores privado e público, às organizações da sociedade civil e aos cidadãos. Para o setor privado ela serve como um indicador da promoção de boas práticas para o comércio eletrônico. Para o setor público ela serve como um indicador para o exercício das atividades administrativa, legislativa e judicial. Para as organizações da sociedade civil e para os cidadãos ela serve como um instrumento de promoção de direitos. E dentre as recomendações ao setor público, temos o seguinte: a) Adequar os textos legais e administrativos às novas tecnologias; b) Desenvolver a administração eletrônica e adaptar a organização do Estado aos desafios do comércio eletrônico; c) Estimular a competitividade e o crescimento das empresas do comércio eletrônico. Pelo supramencionado, mais uma vez fica demonstrada os anseios da população brasileira pela regulamentação do e-commerce. 8. NECESSIDADE DE PEC PARA ADEQUAR A CONSTITUIÇÃO AOS DIAS ATUAIS Quando a Constituição Federal foi promulgada, a internet ainda estava dando os primeiros passos e nem se imaginava que ia atingir as dimensões de hoje. A Internet no Brasil teve início em 1991, com o advento da RNP (Rede Nacional de Pesquisa), que era um sistema acadêmico ligado ao MCT (Ministério de Ciência e Tecnologia). Ainda hoje, a RNP é o "backbone" principal, e abrange instituições e centros de pesquisa, universidades e laboratórios. Com isso, a RNP se responsabiliza pela infraestrutura de interconexão e informação, controlando o “backbone” [20]. No ano de 1994, a EMBRATEL lançou, de forma experimental, o acesso online, para saber mais sobre ela. Somente em 1995 é que se deu a liberação para o setor privado ter acesso à Internet, para estudar como explorar comercialmente os seus benefícios. Essa liberação, passados 20 anos, mostra um cenário bem diferente [21]. Portanto, a legislação que trata atualmente sobre a regulamentação do ICMS contempla um período em que o volume de faturamento por e-commerce não era significativo. Dessa forma, os nossos legisladores constituintes quando da promulgação da nossa Carta Magna encontravam-se em contexto diverso do que temos atualmente, para eles a internet ainda era algo distante que não suscitava questionamentos. E como podemos extrair do preâmbulo da Constituição [22] um de seus grandes objetivo e finalidade são: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”. (grifou-se) Sobre o tema disserta Alexandre de Moraes (2013, p.17) [23]: “O preâmbulo, portanto, por não ser norma constitucional, não poderá prevalecer contra texto expresso da Constituição Federal, e tampouco poderá ser paradigma comparativo para declaração de inconstitucionalidade, porém, por traçar as diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da Constituição, será uma de suas linhas mestras interpretativas”. Por tudo isso, fica evidente a necessidade das mudanças no ICMS sobre vendas pela internet a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, com o escopo de adequar a norma a realidade atual. Como a Constituição Federal trata da matéria em seu artigo 155, § 2º, VII e VII, entendemos que o meio mais eficaz de corrigir essa situação é emendando a Constituição. A Proposta de Emenda a Constituição (PEC) é uma das propostas que exige mais tempo para preparo, elaboração e votação, uma vez que modificará a Constituição Federal. Em função disso, requer quórum quase máximo e dois turnos de votação em cada uma das Casas legislativas (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Por fim, desnecessário sublinhar que os Estados menos desenvolvidos não podem prescindir da partilha do ICMS decorrente do comércio não presencial, devido as suas debilitadas finanças e condições socioeconômicas. 8.1. Proposições sobre o tema Nesse sentido, diversas são as PEC’s que tramitam, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, visando a adequação da tributação do comércio eletrônico ou e-commerce, que com seu rápido crescimento deu início a situações não previstas na legislação existente. Entre elas citamos: – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 227/2008 [24], de autoria do Deputado Luiz Carreira, filiado ao DEM/BA, tem como pretensão modificar o regime de tributação nas operações interestaduais decorrentes de vendas para o consumidor não contribuinte do ICMS, inclusive por meio eletrônico, estabelecendo que nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 56/11 [25], de autoria do Senador Luiz Henrique e outros, acrescenta alínea c, ao inciso VII, do § 2º do art. 155 da CRFB/88 para determinara a aplicação de alíquota interestadual, em qualquer caso, quando a operação ou a prestação ocorra por meio de comércio eletrônico, bem como estabelece que nesta hipótese, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 103/2011 [26], de autoria do senador Delcídio Amaral (PT-MS), altera a Constituição Federal de 1988 para estabelecer que, uma vez ocorrida operação interestadual na modalidade não presencial, parte da arrecadação do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) caberá ao Estado de origem e outra parte ao Estado de destino da mercadoria, em percentuais a serem definidos por resolução do Senado Federal; – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 197/2012 [27], de autoria do Senador Delcídio do Amaral (PT/MS) para estabelecer que nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, aplicar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre: (i) a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual, quando o consumidor final for contribuinte do imposto; (ii) a alíquota interna do Estado remetente e a alíquota interestadual, quando o consumidor final não for contribuinte do imposto. CONCLUSÃO Com o aumento das vendas pela internet e previsões do crescimento cada vez mais intenso deste tipo de comércio, em detrimento das lojas físicas, a legislação que regulamenta esse tipo de operação se mostra inadequada. Vimos que quando a Constituição da República Federativa de 1988 foi promulgada não se vislumbrava a dimensão que a internet e o e-commerce atingiriam, por conta disso, ela determinou que nas vendas interestaduais destinadas a consumidor final contribuinte do ICMS, localizado em outro Estado, cabe a esse Estado a diferença entre a alíquota interna e a interestadual, já quando o destinatário for consumidor final, não contribuinte do ICMS, cabe ao Estado remetente a alíquota do imposto. Essa forma de tributação beneficia apenas os Estados em que estão localizadas a maioria das empresas que vendem pela internet, ou seja, os Estados ditos produtores, que são a minoria, os Estados ditos consumidores, ou seja, que compram desses estados, muito mais do que vedem. Logo, se por um alado a migração para internet de negócios visando à aquisição de mercadorias resultou em um crescimento considerável do comércio eletrônico, por outro lado, acarretou a perda de receita do ICMS por parte dos Estados em que ocorre o consumo, com consequente a diminuição de suas capacidades financeiras. Por conta disso, vintes Estados editaram e assinaram o Protocolo nº 21/2011 que resumidamente, prevê que a parcela do imposto devido ao estado destinatário será obtida pela aplicação da alíquota interna sobre o valor da operação, deduzindo-se o valor equivalente aos percentuais aplicados sobre a base de cálculo da cobrança do imposto devido na origem para operações interestaduais a contribuinte. Esse fato tem gerado inúmeros conflitos entre Estados consumidores e Estados produtores, com inúmeras ADIs impetradas, e diversas legislações sancionadas pelos Estados, fomentando, assim, a guerra fiscal e não contribuído em nada para o progresso dos Estados. Muito pelo contrário, só prejudicando consumidores, empresários e a própria Federação. E apesar de eminentemente justo o pleito, o meio utilizado pelos Estados consumidores afronta diretamente a Constituição Federal, bem como a Lei nº 24/75, conforme exposto ao longo deste trabalho. Portanto, acreditamos que a melhor forma de corrigir uma injustiça social, atender aos princípios e diretrizes constitucionais como "Federalismo Cooperativo" e “Redução das Desigualdades Regionais", buscar restituir a natureza compartilhada original do ICMS e corrigir a distorção fiscal decorrente do surgimento e popularização desta forma de comercialização, inexistente à época da redação da Constituição, seria a elaboração de uma Proposta de Emenda à Constituição. Por fim, por todo exposto o e-commerce é uma atividade que rende e ainda vai render muitos mais lucros, rixas e problemas graves, portanto deve ser tratada de forma adequada pelos nossos legisladores e julgadores, principalmente quando da sua regulamentação no que diz respeito à forma de tributa-la.
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Da recepcionalidade ou não do artigo 200 do Código Tributário Nancional pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Os tributos são pagamentos pecuniários compulsórios, decorrentes da realização de atividades abstratamente previstas em lei que objetivam adquirir receitas para que o Estado realize o bem estar social. A obrigação tributária surge com a realização do fato gerador previsto em lei e apto a provocar a incidência do dever de pagar tributos. São sujeitos ativo e passivo da relação jurídico tributária respectivamente, o Estado e o contribuinte. O sujeito passivo tem como obrigação principal o dever de pagar tributo e como obrigação acessória uma serie de condutas de fazer e não fazer previstas em lei. Para melhor efetivar a atividade fiscal o Código Tributário Nacional prevê a possibilidade dos agentes fiscais de requisitarem força pública quando sofrerem embaraço no exercício de suas funções. Nesse escopo o presente artigo visa aferir a possibilidade de violação de domicílio por parte dos agentes fiscais, sem mandado judicial em face do direito fundamental á inviolabilidade de domicílio previsto no artigo 5º da Constituição Federal. Como metodologia o artigo utilizará a pesquisa bibliográfica em documentos sobre o tema bem como a pesquisa jurisprudencial.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente artigo tem como escopo avaliar a conformidade do artigo 200 do Código Tributário Nacional com a Constituição Federal de 1988 aferindo se o citado artigo viola o direito a inviolabilidade de domicílio previsto no artigo 5º, inciso XI, ou seja, sua recepcionalidade pela constituição de 1988. O artigo 200 do CTN prevê a possibilidade das autoridades fiscais requisitarem força pública quando vítimas de embaraço no exercício de suas funções ou quando necessário à efetivação das medidas previstas na legislação tributária. Nesse escopo questiona-se se as autoridades fiscais podem violar o domicílio do contribuinte sem autorização judicial quando estes se negarem a cumprir as obrigações tributárias acessórias e principais previstas em lei. Como metodologia o artigo irá se utilizar da pesquisa bibliográfica através do estudo de livros, artigos e demais documentos, bem como a jurisprudência pátria sobre o tema em especial do Supremo Tribunal Federal. O artigo se mostra relevante aos acadêmicos de direito e à sociedade em geral devido a importância do tema que envolve o estudo da atividade fiscal e do direito fundamental à inviolabilidade de domicílio. Como objetivo geral o artigo visa aferir a possibilidade de violação de domicílio por autoridade fiscal sem mandado judicial face ao direito fundamental de inviolabilidade de domicílio previsto na Constituição Federal. Em seus objetivos específicos o artigo irá abordar o conceito de tributos, sujeitos da relação jurídico-tributária e características da obrigação tributária. Irá avaliar ainda o conceito de domicílio e as características da inviolabilidade de domicílio previsto na Constituição Federal. Por fim o artigo irá aferir a possibilidade de violação de domicílio por autoridade fiscal sem autorização judiciária em face do direito fundamental a inviolabilidade de domicílio. A atividade fiscal é imprescindível à consecução dos fins do Estado, não obstante sua relevância mostra-se necessário aferir se é possível mitigar direitos fundamentais em prol da efetivação do cumprimento da obrigação tributária diante dos preceitos constitucionais que regem o ordenamento jurídico brasileiro. Nesse ínterim o artigo visa aferir a possibilidade de violação de domicílio sem mandado judicial, por parte das autoridades fiscais visando o cumprimento de obrigações tributárias. 1. RECEPCIONALIDADE VERSUS INCONSTITUCIONALIDADE Importante clarearmos as definições de recepcionalidade e inconstitucionalidade no direito pátrio para um entendimento real e pleno do objeto do presente artigo. Sendo assim, fala-se na inconstitucionalidade das normas quando estamos diante de normas posteriores, ou seja, ulteriores a uma constituição em determinado tempo. Ainda, verifica-se a compatibilidade material ou formal de ato normativo com o texto constitucional sendo um critério de nulidade, desta forma declarando-se a nulidade do ato e a norma inconstitucional. Já fala-se em não recepção, recepcionalidade, quando estamos diante de normas editadas anteriores a uma constituição, ou ainda quando as normas editadas antes das emendas constitucionais que alterem qualquer constituição, fazendo com que determinado ato normativo, que era constitucional, se torne “inconstitucional” nesse caso, como no Brasil não há inconstitucionalidade superveniente, fala-se em recepção ou não recepção, se a norma vai de encontro à constituição. Também verifica-se a compatibilidade material de ato normativo com o texto constitucional, assim, havendo sua revogação ou não. Ex. o CTN, norma anterior a CF/88, não era lei complementar, contudo, com a recepção lhe foi dado o status de lei complementar, pois assim é a exigência da CF/88. Aqui houve uma verificação de compatibilidade material. A materialidade do CTN estava dentro dos parâmetros constitucionais, mas a forma não e, em razão disso, ele foi recepcionado com status de lei complementar. Mas não impede que algum artigo do CTN esteja carente de recepcionalidade pela constituição. Desta forma pode o CTN ser recepcionado pela constituição federal, mas, um ou mais artigos não o serem. 1.1. DA RELAÇÃO TRIBUTÁRIA Com o escopo de melhor compreender o tema proposto no presente artigo, qual seja, a inconstitucionalidade da violação de domicílio pela autoridade fiscal, mister se faz abordar o conceito de tributo, obrigação tributária e sujeitos da obrigação tributária. 1.2.  CONCEITO DE TRIBUTO A cobrança de tributos é indispensável para que o estado possa atender aos seus fins. Através da repartição das receitas tributárias entre os entes federativos do Estado, busca-se efetivar os direitos sociais com a consecução de políticas públicas em prol da coletividade. Acerca da relevância dos tributos para a consecução dos fins do Estado, Eduardo Sabbag preceitua: “O Estado necessita, em sua atividade financeira, captar recursos materiais para manter sua estrutura, disponibilizando ao cidadão-contribuinte, o serviço que lhe compete, como autentica provedor das necessidades coletivas. A cobrança de tributos se mostra como a principal fonte das receitas públicas, voltadas ao atingimento dos objetivos fundamentais, insertos no art. 3º da Constituição Federal, tais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, tendente a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem-estar da coletividade”. (2011, p.38). A cobrança dos tributos é ato de império do Estado utilizado para a realização do bem comum, interesses e políticas públicas em prol da coletividade. Devido ao seu caráter coercitivo os tributos são regulados por lei e devem obedecer a uma serie de requisitos legais em sua criação e no procedimento para a sua cobrança por parte do Estado. O sistema tributário possui suas normas principais na Constituição Federal e no Código Tributário Nacional. A Constituição apresenta regras e princípios que regem o sistema nacional tais como conceitos de limitações ao poder de tributar e repartições de receitas tributárias, já o CTN apresenta os conceitos de tributos e regula o procedimento que rege as obrigações tributárias entre outros. O Código Tributário Nacional apresenta em seu artigo 3º o conceito de tributo como “é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. O conceito de tributo traz em seu bojo os elementos necessários à existência de um tributo. A primeira característica do tributo é o fato de o mesmo ser uma prestação pecuniária. Ou seja, trata-se de uma relação jurídica tributária obrigacional que se perfaz através do pagamento em dinheiro. Acerca do elemento pecúnia preceitua Eduardo Sabbag: “O tributo e prestação pecuniária, isto e, a obrigação de prestar dinheiro ao Estado. O art. 3º do CTN, em sua parte inicial, dispõe que “o tributo e prestação pecuniária, em moeda (…)”. Não obstante redundância no dispositivo, e possível asseverar que o dispositivo objetivou evitar o tributo in natura (em bens) ou o tributo in labore (em trabalho, em serviços).” (2012, p.377). A regra geral é o pagamento do tributo em dinheiro, nesse sentido o artigo 3º é redundante ao afirmar que tributo é prestação pecuniária em moeda ou outro valor que nela possa se exprimir. Ao discorrer sobre o caráter pecuniário do tributo preleciona Ricardo Cunha Chimenti: “A lei só pode obrigar o contribuinte a pagar o tributo em moeda corrente do País (obrigação pecuniária), razão pela qual a doutrina costuma afirmar que em regra nosso direito desconhece o tributo in natura (parte da mercadoria comercializada é entregue ao Fisco a título de pagamento do tributo) ou tributo in labore (a cada Mês o sujeito passivo destinaria alguns dias de seu trabalho à entidade tributante)”. (2010, p.56) Além do caráter pecuniário, o tributo é uma obrigação compulsória, imposta pelo poder de império do Estado. Não há, portanto uma faculdade por parte do contribuinte no pagamento do tributo basta realizar o fato gerador previsto em lei que passa a ser obrigatório o pagamento do tributo a ele relacionado. Sobre o caráter compulsório dos tributos preleciona Sabbag: “O tributo e prestação compulsória, logo, não contratual, não voluntária ou não facultativa. Com efeito, o Direito Tributário pertence a seara do Direito Publico, e a supremacia do interesse publico da guarida a imposição unilateral de obrigações, independentemente da anuência do obrigado”. (2011, p.378). O tributo não constitui sanção a ato ilícito, pois este não é penalidade. Assim pode se afirmar, que este provém da incidência de situações lícitas, muita embora, às vezes, dentro de uma situação licitamente prevista em lei como fato gerador de tributo o agente possa realizar atividades ilícitas. A obrigação tributária provém da ocorrência de uma situação lícita prevista em lei como fato gerador da relação jurídico-tributária. Tributo é uma obrigação imposta pelo Estado decorrente do seu poder de império que visa auferir receitas às consecuções dos fins almejados pelo Estado. Sobre o tema preceitua Ricardo Chimenti: “Quando o art. 3º do Código Tributário Nacional afirma que o tributo não constitui sanção a ato ilícito, quer dizer que a hipótese de incidência é sempre algo lícito. Observe-se, porém, que situações como a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de rendimentos são suficientes para o nascimento de obrigação tributárias como o imposto de renda (art. 43 do CTN), ainda que tais rendimentos sejam provenientes de atividades ilícitas como o “jogo do bicho” (a hipótese de incidência é a aquisição de disponibilidade financeira e não o jogo do bicho).” (2010, p.56). O fato gerador do tributo vem previsto em lei. Trata-se de uma garantia ao cidadão que se justifica pelo caráter coercitivo que recai sobre a relação jurídico-tributária. A criação do tributo é matéria específica de lei, nesse sentido preceitua Eduardo Sabbag: “O tributo e prestação instituída por meio de lei, sendo, portanto, obrigação ex lege. Seu nascimento se da pela simples realização do fato descrito na hipótese de incidência prevista em lei, sendo a vontade das partes de todo irrelevante (ver art. 123 do CTN)”. (2011, p.380). O tributo é uma obrigação de caráter pecuniário, obrigação coercitivamente imposta pelo Estado em face dos cidadãos, decorrente de situações lícitas previamente disciplinadas em lei, que possuem como escopo auferir receitas para auxiliar o Estado na consecução de seus fins de interesse coletivo. A Constituição Federal e o Código Tributário Nacional são os principais diplomas legais em matéria tributária e apresentam princípios e regras que regem a obrigação jurídico-tributária e dispõe acerca do fato gerador e sua incidência na relação entre o Estado e o contribuinte, aptas a gerar o dever de pagar tributos. 1.3. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA A obrigação tributária principal é o dever do contribuinte de pagar tributos ao Estado diante da ocorrência de um fato gerador prevista em lei como hipótese de incidência de um tributo. A lei prevê uma serie de condutas que quando realizada pelo indivíduo gera o dever de pagar tributos, tais como auferir renda, hipótese de incidência do imposto de renda, quando o indivíduo passa a realizar uma atividade apta a auferir renda ocorre o fato gerador da conduta abstratamente prevista em lei. A hipótese de incidência é a situação em abstrato prevista em lei como apta a gerar o dever de pagar o tributo, e o fato gerador é a ocorrência em concreta da situação prevista em lei. Ao discorrer sobre o início da relação obrigacional tributária Ricardo Cunha Chimenti dispõe: “A obrigação tributária surge da ocorrência de um fato previsto (hipótese de incidência, fato tributável, fato gerador in abstrato) em lei como capaz de produzir este efeito. Ocorrido o fato gerador (fato imponível, fato gerador in concreto) previsto em lei, nasce a obrigação tributária principal, a obrigação patrimonial do sujeito passivo que tem por objeto o pagamento do tributo e/ou da penalidade pecuniária”. (2010, p.92). A obrigação tributária se perfaz com a ocorrência na realidade fática da situação prevista em lei como apta a gerar o dever de pagar o tributo. A lei prevê a hipótese em abstrato e a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador. Sobre a hipótese de incidência Eduardo Sabbag preleciona: “A hipótese de incidência tributaria representa o momento abstrato, previsto em lei, hábil a deflagrar a relação jurídico-tributária Caracteriza-se pela abstração, que se opõe a concretude fática, definindo-se pela escolha feita pelo legislador de fatos quaisquer do mundo fenomênico, propensos a ensejar o nascimento do episodio jurídico-tributário.” (2012, p.672). A hipótese de incidência são as situações em concreto descritas na lei como aptas a gerar uma relação jurídico-tributária, como por exemplo, a hipótese de auferir renda, apta a gerar o imposto de renda, quando as pessoas passam a auferir renda, surge o fato gerador e nasce a obrigação tributária. Sobre o tema Sabbag preleciona que: “Como se notou “hipótese de incidência” é a situação descrita em lei, recortada pelo legislador entre inúmeros fatos do mundo fenomênico, a qual, uma vez concretizada no fato gerador, enseja o surgimento da obrigação principal. A substancial diferença reside em que, enquanto aquela é a “descrição legal de um fato (…) a descrição de hipótese em que o tributo é devido”, esta se materializa com a efetiva ocorrência do fato legalmente previsto”. (2011, p.674). A relação tributária pode ser principal ou acessória a depender do conteúdo e da forma da prestação obrigacional. Eduardo Sabbag preceitua obrigação tributária como: “O objeto da obrigação tributaria equivale a prestação a que se submete o sujeito passivo diante do fato imponível deflagrador da obrigação tributaria. Pode se materializar em uma prestação dotada de patrimonialidade ou de instrumentalidade. A primeira, chamada “principal”, tem o objeto consubstanciado em uma “obrigação de dar”, estando definida no§1° do art. 113 do CTN. A segunda, intitulada “acessória”, revela o objeto como uma obrigação de fazer ou de não fazer, estando prevista no § 2° do art. 113 do CTN”. (2012, p.686). A obrigação principal consiste no dever de prestação pecuniária que decorre da realização do fato gerador. Já a obrigação tributária acessória é um dever de fazer ou não fazer que visa auxiliar a arrecadação ou fiscalização da obrigação tributária principal. Ao conceituar a obrigação tributária principal Edvaldo Nilo de Almeida dispõe: “A obrigação tributária principal é a prestação representante do ato de pagar (tributo ou multa), sendo, portanto, uma obrigação de dar, com cunho pecuniário (dinheiro). Ou seja, o elemento fundamental da obrigação principal é a  sua natureza pecuniária, com a consequência de ser o pagamento de determinada quantia em dinheiro”. (2011, p.210). A obrigação principal é o dever de realizar o pagamento pecuniário do tributo e surge em decorrência da realização do fato gerador previsto abstratamente em lei. A lei dispõe acerca das hipóteses de incidência aptas a gerar a obrigação tributária. Ao conceituar a obrigação principal o CTN prevê no artigo 113 parágrafo primeiro: “Art. 113… § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”. Quando o contribuinte realiza a conduta prevista em lei como hipótese de incidência do tributo, surge o fato gerador iniciando a relação jurídico-tributária. A realização do fato gerador impõe ao contribuinte o dever de pagar um tributo, na forma previamente especificada em lei. Para melhor efetivar a execução ou fiscalização da obrigação principal o Estado impõe algumas obrigações secundárias ao contribuinte são obrigações de fazer ou não fazer, tais como a emissão de notas fiscais ou declarações de rendimentos. Ricardo Chimenti (2010, p.93) conceitua dispõe que “a obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto uma obrigação de fazer ou não fazer prevista em favor da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Embora seja denominada de acessória, essa espécie de obrigação não depende da principal e pode ser realizada antes, durante, depois ou até mesmo sem que haja uma obrigação principal. Sobre o tema Edivaldo Nilo de Almeida dispõe que: “Por sua vez, a obrigação tributária acessória independe da obrigação tributária principal. Por isso a doutrina também chama as obrigações acessórias de instrumentais ou deveres formais, pois não poderia, em princípio, ser denominada de obrigação acessória se é independente da obrigação principal”. (2011, p.211). A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador e marca o inicio da relação jurídico-tributária através do dever imposto coercitivamente ao contribuinte de pagar determinado tributo previsto em lei. A obrigação acessória por seu turno visa auxiliar o Estado na efetivação da obrigação principal e consiste em obrigação de fazer ou não fazer determinadas condutas que ajudam o Fisco na cobrança e fiscalização do cumprimento da obrigação jurídico-tributária. 1.4. SUJEITOS DA RELAÇÃO TRIBUTÁRIA A relação jurídico-tributária é aquela que apresenta de um lado o ente legitimado a cobrança do tributo e de outro o sujeito compelido a pagar os tributos devidos. Tem como sujeito ativo e passivo respectivamente, o Fisco e o contribuinte. Conforme preceitua Eduardo Sabbag: “A sujeição ativa e matéria afeta ao polo ativo da relação jurídico-tributária. Refere-se, pois, ao lado credor da relação intersubjetiva tributaria, representado pelos entes que devem proceder a invasão patrimonial para a retirada compulsória de valores, a titulo de tributos”. (2012, p.679). No polo ativo da obrigação tributária está o ente estatal competente para cobrar e fiscalizar o pagamento dos tributos. Cumpre ressaltar que a legitimidade ativa do Estado de cobrar tributos advém do seu poder de império e, portanto é cercada de uma serie de prerrogativas que visam garantir a eficácia dessa atribuição. Importante diferenciar o sujeito ativo competente para criar os tributos e o sujeito ativo da obrigação tributária. São competentes para instituir tributos a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, já no que tange ao polo ativo da obrigação tributária, este pode ser ocupado por pessoas jurídicas de direito público competentes para exigir o cumprimento do crédito tributário. Nesse sentido preceitua Edvaldo Nilo de Almeida: “O sujeito ativo não é necessariamente a pessoa jurídica de direito público titular da competência legislativa para instituir o tributo, mas sim a pessoa competente para cobrar e fiscalizar o respectivo tributo. Nesse rumo, o sujeito ativo é o ente federativo competente para instituir tributo, ou outra pessoa jurídica, em razão de delegação da capacidade tributária ativa, de acordo com o art. 7º c/c 119 do CTN”. (2011, p.230). O polo ativo da obrigação tributária pode ser ocupado por pessoas jurídicas de direito público que terão competência para a cobrança e fiscalização de determinados tributos. Em relação ao polo passivo da obrigação tributária a lei diferencia o sujeito passivo da obrigação principal, que o dever de pagar o tributo, e o sujeito passivo da obrigação acessória que o dever de fazer ou deixar de fazer determinadas condutas que visam auxiliar a cobrança e fiscalização dessa obrigação. A doutrina diferencia ainda na obrigação tributária principal o sujeito passivo direto que é aquele que realiza o fato gerador, do sujeito passivo indireto que é aquele obrigado a pagar o tributo. O sujeito passivo da obrigação tributária principal é aquele que tem o dever de pagar o tributo, podendo ser dividido em sujeito passivo direto ou indireto. Ao discorrer sobre o sujeito passivo da relação principal Ricardo Chimenti preleciona que: “O sujeito passivo da obrigação tributária principal pode ser o contribuinte, normalmente denominado sujeito passivo direto, ou o responsável, também chamado de sujeito passivo indireto. As regras estão previstas nos arts. 121 e 128 do Código Tributário Nacional e a capacidade tributária passiva é de natureza objetiva, pois decorre da lei e não da vontade daquele que deve cumprir a obrigação.” (2010, p.127). O sujeito passivo direto da obrigação tributária principal é aquele que realiza o fato gerador previsto em lei como apto a gerar a obrigação jurídico-tributária. Uma vez realizado o fato gerador a lei pode atribuir a outro sujeito, denominado sujeito passivo indireto a responsabilidade por efetivar o cumprimento da obrigação tributária. Ao discorrer sobre o sujeito passivo indireto o CTN dispõe: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” O sujeito passivo indireto ou sujeito passivo responsável é aquele que sem realizar o fato gerador, tem a obrigação de cumprir a obrigação tributária. A lei dispõe as formas de obrigação indireta. Importante ressaltar ainda que a capacidade tributária passiva principal não se confunde com a capacidade para os atos da vida civil, possuindo cada uma delas características diversas. O capaz para figurar no polo passivo da obrigação tributária principal não precisa ter capacidade para os atos da vida civil. Acerca da diferença entre capacidade civil e tributária preleciona Ricardo Chimenti: “A capacidade tributária passiva independe da capacidade civil ou comercial das pessoas físicas ou jurídicas. Portanto, mesmo as pessoas naturais incapazes para os atos da vida civil (menores, alienados mentais etc.), aqueles que sofrem restrições quanto às suas atividades comerciais ou profissionais e aquelas sociedades que não estão regularmente constituídas podem ser sujeitos passivos de uma obrigação tributária (art. 126 do CTN)”. (2010, p.127). Assim pode se inferir que a capacidade passiva tributária não se confunde com a capacidade civil, sendo possível que pessoas incapazes civilmente possuam capacidade tributária passiva direta. O Código Tributário Nacional elenca as possibilidades de aplicação da capacidade tributária passiva às pessoas incapazes para os atos da vida civil ou pessoas não regularmente constituídas. Nesse sentido dispõe o CTN em seu artigo 126: “Art. 126. A capacidade tributária passiva independe: I – da capacidade civil das pessoas naturais; II – de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional.” No que se refere ao sujeito passivo da obrigação acessória, esse não se confunde com o sujeito passivo da obrigação principal. Sujeito passivo da obrigação tributária acessória é aquele obrigado por lei a realizar determinadas condutas que visam auxiliar o Estado no cumprimento da obrigação principal. Sobre o sujeito passivo da obrigação principal preceitua Edvaldo Nilo de Almeida: “O sujeito passivo da obrigação acessória é a pessoa obrigada às prestações que constituam o seu objeto. Isto é, as obrigações de fazer, não fazer ou tolerar em benefício da fiscalização e arrecadação tributária, independentemente da condição de contribuinte ou responsável tributário”. (2011, p.233). Nesse escopo o sujeito passivo da obrigação principal nem sempre será o mesmo da obrigação acessória. A obrigação acessória de fazer ou não fazer determinada conduta pode ser imposta por lei a sujeito diverso do obrigado pela obrigação principal e pode incidir até mesmo em situações em que devedor principal seja isento ou imune ao pagamento de tributos. Para melhor efetivar o cumprimento da obrigação jurídico-tributária, e em especial da obrigação acessória o Estado possui algumas prerrogativas previstas em lei. Entre essas prerrogativas se encontra a possibilidade das autoridades fiscais requisitarem o auxílio da força pública, quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação de medida prevista na lei tributária. Nesse escopo faz-se mister aferir se é possível a violação de domicílio por autoridade fiscal no exercício de sua função, em face da inviolabilidade de domicílio prevista Constituição Federal de 1988. Para melhor compreensão do tema é necessário abordar o conceito de domicílio e sua proteção constitucional. 2. DO DOMICÍLIO NA CONSTITUIÇÃO A Constituição Federal de 1988 dispõe que a casa é asilo inviolável garantindo o caráter de direito fundamental à inviolabilidade de domicílio. Nesse contexto é relevante abordar o conceito de domicílio segundo a doutrina e as recentes decisões jurisprudenciais. 2.1 DO DOMICÍLIO Domicílio para a legislação civil é o lugar aonde o indivíduo tem sua residência principal, realiza seus negócios e principais obrigações. Trata-se de um espaço que pertence á esfera intima da pessoa, pois é nele que guarda documentos, papéis e objetos de apreço e matem suas relações familiares e domésticas. Ao discorrer sobre o conceito de domicílio Cristiano Chaves de Farias e outros dispõem que: “Denomina-se domicílio o lugar que pode ser caracterizado como a sede jurídica dos negócios e interesses da pessoa. É onde ela se presume presente, pois é o espaço físico no qual habitualmente celebra atos jurídicos, encontra amigos e parentes, guarda seus pertences pessoais etc. Não é só o centro negocial, mas também familiar e social, para onde se dirigem convites, cartas, extratos bancários, revistas e contas de consumo”. (2012, p.112). Como se pode inferir da citação acima o domicílio é um âmbito que pertence à esfera íntima do indivíduo eis que é nele que se manifestam as relações familiares. No que tange aos atos negociais o domicílio passa a ser um ponto de referência para se determinar o lugar no qual o individuo pode ser encontrado para responder por suas obrigações. Ao conceituar domicílio Carlos Roberto Gonçalves dispõe: “Pode-se simplesmente dizer que domicílio é o local onde o indivíduo responde por suas obrigações ou o local em que estabelece a sede principal de sua residência e de seus negócios. È, em última análise, a sede jurídica da pessoa, onde ela se presume presente para efeitos de direito e onde pratica habitualmente seus atos e negócios jurídicos”. (2011, p.143). O domicílio é o local onde o indivíduo se estabelece e desenvolve suas relações familiares e negociais sendo considerado um lugar privado, relevante à proteção da vida privada e da esfera íntima do cidadão. Sobre o conceito de casa Kildare Gonçalves Carvalho dispõe: “O termo “casa” empregado no texto constitucional compreende qualquer compartimento habitado, aposento habitado, ou compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (Código Penal, art. 150, parágrafo 4°). É a projeção espacial da pessoa; o espaço isolado do ambiente externo utilizado para o desenvolvimento das atividades da vida e do qual a pessoa pretenda normalmente excluir a presença de terceiros. Da noção de casa fazem parte as ideias de âmbito espacial, direito de exclusividade em relação a todos, direito à privacidade e à não-intromissão. De se considerar, portanto, que nos teatros, restaurantes, mercados e lojas, desde que cerrem suas portas e neles haja domicílio, haverá a inviolabilidade por destinação, circunstância que não ocorre enquanto aberto”. (p.386, 2004). A Constituição Federal protege a casa como ambiente íntimo do indivíduo, nesse contexto casa passa a ter uma acepção lata compreendendo qualquer compartimento habitado ou espaço não aberto ao público. Sobre o conceito jurídico de casa dispõe Dirley da Cunha e Marcelo Novelino: “O conceito jurídico de casa deve ser entendido de forma bastante ampla, abrangendo não apenas a moradia, mas também qualquer espaço habitado e locais nos quais é exercida uma atividade de índole profissional com exclusão de terceiros, tais como escritórios, consultórios, estabelecimentos industriais e comerciais”. (2012, p.45). Está, portanto compreendido no conceito de casa os espaços habitados tais como quartos de hotéis e os ambientes nos quais o indivíduo realiza suas relações comerciais desde que fechados ao público. Com o escopo de melhor proteger as liberdades individuais dos cidadãos a Constituição Federal de 1988 inseriu em texto como direito fundamental da pessoa humana a inviolabilidade de domicílio. 2.2 DA INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO A inviolabilidade de domicílio é um direito fundamental de primeira dimensão inserido no texto constitucional com o escopo de ampliar a proteção à esfera íntima da pessoa humana. A inviolabilidade de domicílio é um direito fundamental de primeira dimensão caracterizado por um não fazer estatal. É um direito fundamental individual que se perfaz pela não intervenção do Estado. Acerca dos direitos fundamentais de primeira dimensão Rafael Barreto (2012, p.37) dispõe que “A característica central desses direitos é o fato de serem direitos negativos, no sentido de que negam a intervenção estatal, de que são exercidos contra o Estado, limitando o poder de atuação dos governantes”. Os direitos fundamentais apresentam ainda uma segunda dimensão formada pelos direitos sociais, econômicos e culturais e pela terceira dimensão de direitos constituída pelos direitos difusos. Cumpre ressaltar, no entanto a primeira dimensão de direitos fundamentais que apresentam os direitos civis e políticos, direitos das liberdades que se configuram pela não intervenção do Estado em direitos essenciais individuais dos cidadãos. Nesse escopo a Constituição elenca entre os direitos fundamentais o direito á inviolabilidade de domicílio. Sobre o direito a inviolabilidade de domicílio dispõe a Constituição Federal no artigo 5º: “Art. 5º… XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;” A Lei Maior garante ao indivíduo a proteção contra invasão indesejada ao seu ambiente domiciliar. Trata-se de uma extensão da tutela à intimidade da pessoa garantindo que ninguém entrará na casa de outrem sem o consentimento deste. Ao discorrer sobre o histórico da inviolabilidade de domicílio Alexandre de Moraes dispõe: “O preceito constitucional consagra a inviolabilidade do domicílio, direito fundamental enraizado mundialmente, a partir das tradições inglesas, conforme verificamos no discurso de Lord Chatham no Parlamento britânico: O homem mais pobre desafia em sua casa todas as forças da Coroa, sua cabana pode ser muito frágil, seu teto pode tremer, o vento soprar entre as portas mal ajustadas, a tormenta pode nela penetrar, mas o Rei da Inglaterra não pode nela entrar”. (2004, p.85). A casa, entendendo esta em seu conceito lato apresentado pela doutrina e jurisprudência moderna, é um espaço da esfera íntima do indivíduo, no qual este estabelece suas relações privadas, portanto acobertado pelo manto da inviolabilidade. A Constituição, no entanto, realizando uma ponderação de interesses entre direitos fundamentais elenca algumas exceções à inviolabilidade de domicílio que visam proteger um bem jurídico maior. Nesse escopo são hipóteses constitucionais de exceção á inviolabilidade de domicílio o flagrante delito, desastre, a prestação de socorro e durante o dia o cumprimento de mandado judicial. As hipóteses de flagrante delito, desastre e prestação de socorro se justificam devido á ponderação de interesses, pois nessas hipóteses ocorrem violações a outros bens jurídicos justificando a exceção taxativamente expressa no texto constitucional. No que se refere a entrada de agentes públicos no cumprimento de seus deveres funcionais a Lei Maior adotou a reserva de jurisdição, pois a entrada em domicílio sem autorização do morador só pode ocorrer de dia e com mandado judicial. Ao discorrer sobre as exceções à inviolabilidade de domicílio preceitua Dirley da Cunha e Marcelo Novelino: “Com exceção das hipóteses de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro, a invasão do domicílio somente poderá ocorrer durante o dia e por determinação judicial (reserva constitucional de jurisdição), o que impede a violação por autoridade administrativa, membros do Ministério Público ou mesmo Comissão Parlamentar de Inquérito”. (2012, p.46). A Constituição elencou de forma expressa as exceções à inviolabilidade de domicílio, portanto a regra é que o domicílio da pessoa é um lugar inviolável e qualquer pessoa nele só pode entrar com o consentimento do morador. Excepcionalmente, porém a Lei Maior dispõe taxativamente as exceções ao permitir a entrada independentemente de autorização do morador em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro, excepcionado o direito à inviolabilidade pela ponderação de direitos fundamentais. No que refere a entrado de agentes públicos no cumprimento do dever legal, deve haver autorização judicial. Nessa hipótese o juízo de valor acerca da ponderação de direitos fundamentais envolvidos será realizado pelo Magistrado que irá aferir se existem motivos aptos a fundamentar a entrada do agente público sem a autorização do morador. Para a concessão de autorização judicial aos agentes públicos, o Magistrado irá aferir se o interesse público representado no exercício do dever legal justifica a mitigação do direito fundamental á inviolabilidade de domicílio. Ou se a relevância no cumprimento de uma função de interesse público é motivação para se dispensar a autorização judicial no cumprimento da função, por parte de determinados agentes públicos e em especial as autoridades fiscais. Nesse ínterim se mostra relevante compreender as características e preceitos legais que envolvem a realização da atividade fiscal. 3. DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO POR AGENTE FISCAL A atividade fiscal decorre do desenvolvimento da relação jurídico-tributária realizada entre o Fisco, sujeito ativo da obrigação tributária e o contribuinte que é o sujeito passivo da relação. Como abordado anteriormente, a obrigação tributária decorre da realização pelo indivíduo, de um fato gerador previsto em lei como apto à incidência do dever de pagar tributos. Os tributos são fonte de receita do Estado para a consecução dos fins sociais da coletividade, motivo que justifica o caráter coercitivo do dever de pagar tributos. Trata-se de uma repartição pecuniária coercitiva realizada entre os cidadãos em prol dos interesses de ordem coletiva. Nesse sentido a atividade fiscal mostra-se como um instrumento imprescindível à consecução dos objetivos e fins previstos na Lei Maior tais como a erradicação da pobreza a construção de uma sociedade livre justa e solidária. 3.1 DA ATIVIDADE FISCAL A atividade fiscal compreende um conjunto de ações realizadas pelos agentes do Estado para efetivar a atividade da cobrança de tributos. O Fisco tem o poder de exigir tributos àqueles que pratiquem o fato gerador previsto em lei como apto a efetivar a obrigação tributária, esse poder de império advém do poder político estatal necessário para realizar os fins e objetivos em prol da coletividade. Ao conceituar fiscalização Eduardo Sabbag dispõe: “A fiscalização se materializa em atos de verificação do cumprimento de obrigações tributarias, quer sejam principais, quer sejam acessórias. São atos decorrências da faculdade outorgada pela Constituição Federal as pessoas políticas, quanto a instituição de tributos. Assim, o procedimento fiscalizatório traduz-se em um poder-dever cometido as entidades impositoras.” (2011, p.909). A atividade fiscal compreende entre suas atividades a fiscalização acerca do cumprimento das obrigações tributárias principais e acessórias. Essa tarefa de fiscalização é imprescindível para a efetividade da relação jurídico-tributária ao garantir e auxiliar desde a constituição até o cumprimento da obrigação tributária. Acerca do âmbito de desenvolvimento da atividade fiscal Eduardo Sabbag preceitua ainda: “A fiscalização deve permear seu trabalho mantendo-se fiel aos campos de interesse da Administração, sem promover a extrapolação da sua competência administrativa. Temos dito que a exigência estatal deve homenagear a parcimônia, a fim de que o cumprimento da medida pelo administrado venha a alimentar o interesse publico que a justifica. Toda exigência deve ser geral, dotada de razoabilidade e tendente a proteger os interesses públicos primários”. (2011, p.911). Para realizar a fiscalização do cumprimento da obrigação jurídico-tributária a legislação dispõe uma serie de prerrogativas aos agentes do Estado. Entre essas prerrogativas merece destaque a possibilidade das autoridades fiscais solicitarem auxílio das forças públicas, quando vítimas de embaraço ao exercício de suas funções ou quando necessário à realização das atividades tributárias. Cumpre ressaltar que as prerrogativas do Estado têm por escopo auxiliar na efetivação das políticas públicas e nas ações de interesse da coletividade. Acerca da relevância do interesse público na função Administrativa do Estado José dos Santos Carvalho dispõe: “As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado para benefício da coletividade. Mesmo quando age em vista de algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação deve ser voltado para o interesse público. E se, como visto, não estiver presente esse objetivo, a atuação estará inquinada de desvio de finalidade. Desse modo, não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social num todo. Saindo da era do individualismo exacerbado, o Estado passou a caracterizar-se como Welfare State (Estado/ bem estar), dedicado a atender o interesse público. Logicamente, as relações sociais vão ensejar, em determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o interesse privado, mas, ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público”. (1999, p.16). O interesse público justifica as prerrogativas concedidas ao Estado para realizar as atividades de cunho Administrativo, nesse sentido também a atividade fiscal compreende as funções administrativas do Estado em prol do interesse público, uma vez que os tributos são fonte para a entrada de receitas do Estado. A função administrativa referente ao desenvolvimento e fiscalização da obrigação tributária compreende as tarefas da administração tributária. Sobre a administração tributária dispõe Edvaldo Nilo de Almeida: “A administração tributária é a parte da administração pública direta que cuida da orientação do sujeito passivo, fiscalização e arrecadação do tributo, bem como do treinamento dos servidores públicos que atuam nessas áreas, sobretudo os analistas tributários e auditores fiscais.” (2011, p.389). A administração tributária tem a finalidade efetivar a relação obrigacional jurídico-tributária auxiliando na fiscalização do cumprimento da obrigação tributária acessória e principal. 3.2 DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO POR AUTORIDADE FISCAL O Código Tributário Nacional ao dispor sobre a administração tributária prevê em seu artigo 200 acerca da possibilidade das autoridades fiscais requisitarem o auxílio de força pública para melhor desempenhar a fiscalização do cumprimento da obrigação tributária. Acerca dos poderes das autoridades fiscais o CTN dispõe: “Art. 200. As autoridades administrativas federais poderão requisitar o auxílio da força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação de medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou contravenção.” Nesse mister para melhor desempenhar a fiscalização da obrigação principal e acessória da relação jurídico-tributária as autoridades fiscais possuem prerrogativas para auxiliar na efetivação do pagamento do tributo e para o desempenho das obrigações de fazer ou não fazer impostas em lei como obrigações acessórias. Na atividade de fiscalização tributária algumas vezes é necessário que os fiscais tenham acesso a livros contábeis ou outros documentos aptos a comprovar o não cumprimento de determinadas obrigações tributárias. Esses livros e documentos quando guardados no domicílio do contribuinte, devem ser por estes disponibilizados à fiscalização das autoridades fiscais. Porém quando o contribuinte se recusa a receber as autoridades fiscais em seu domicílio surge o questionamento acerca da possibilidade de requisição de força pública para adentrar no domicílio e realizar a fiscalização da relação jurídico-tributária. O CTN é anterior a Constituição Federal de 1988, portanto mostra-se imprescindível em sua aplicação avaliar se os seus dispositivos se coadunam com as normas previstas na Lei Maior. Ao aplicar as regras que regulam o exercício da administração tributária e em especial a regra que dispõe acerca da atribuição da autoridade fiscal de requisitar força pública diante de condutas que embaracem e dificultem o exercício de sua função, mister se faz analisar se este procedimento está em consonância com os preceitos previstos na Constituição Federal. Sobre a constitucionalidade da violação de domicílio pela autoridade fiscal preceitua Hugo de Brito Machado: “A requisição, quando cabível, é feita diretamente pela autoridade administrativa. Não há necessidade de intervenção judicial. Mas é necessário distinguirmos entre as hipóteses nas quais é cabível a requisição da forca pública diretamente pela autoridade administrativa daquelas nas quais se faz necessária uma decisão judicial para autorizá-la. Sem essa distinção o art. 200 do Código Tributário Nacional será inconstitucional. Com efeito, em sua expressão literal, e admitindo-se que se aplica em qualquer hipótese, a norma do art. 200 do Código Tributário Nacional coloca-se em aberto conflito com as garantias constitucionais relativas à inviolabilidade do domicílio, conceito no qual é razoável incluir-se o estabelecimento comercial na parte em que não é acessível ao público (…) No caso em que o uso da força pública possa estar em conflito com as garantias constitucionais do contribuinte deve este ser objeto de prévia autorização judicial, sem o quê as provas eventualmente colhidas não poderão ser utilizadas pela Fazenda Pública. Além disto, a conduta dos agentes fiscais pode eventualmente configurar o crime de excesso de exação”. (2002). Conforme citado acima pode se inferir que é plenamente possível a requisição por parte da autoridade fiscal de requisição de força pública para auxiliá-lo no cumprimento de sua atividade fiscal, importante ressaltar, porém que essa requisição encontra limite nas garantias constitucionais tais como a inviolabilidade de domicílio previsto no artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal. Sobre a inviolabilidade de domicílio segue posicionamento do STF: “Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5.º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de ‘casa’ revela -se abrangente e, por estender -se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4.º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes. Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5.º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito (invito domino), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes (STF)” (RHC 90.376, Rel. Min. Celso de Mello, j. 03.04.2007, DJ de 18.05.2007). A inviolabilidade de domicílio é um direito fundamental individual previsto constitucionalmente e indispensável à tutela da dignidade da pessoa humana. Nesse viés o Supremo Tribunal Federal zela pela direito à inviolabilidade de domicílio sendo vedada a entrada no domicílio sem autorização do morador, salvo as exceções taxativamente previstas no Texto Constitucional. Sobre a violação de domicílio por autoridade fiscal Dirley da Cunha e Marcelo Novelino preceituam: “A autoexecutoriedade conferida à administração tributária para invadir estabelecimentos comerciais e industriais cedeu lugar diante da consagração da inviolabilidade do domicílio. Caso não haja consentimento do proprietário, o ingresso do agente fiscal no estabelecimento dependerá de prévia autorização judicial, sob pena de serem consideradas ilícitas as provas obtidas”. (2012, p.46). A entrada sem autorização no domicílio de alguém, para não configurar crime, deve ocorrer nas hipóteses taxativamente previstas na constituição. Salvo as hipóteses de flagrante delito, desastre ou prestação socorro, a entrada forçado só é legitima se ocorrer durante o dia e com mandado judicial. O exercício da atividade fiscal não é exceção constitucional à inviolabilidade de domicílio e nesse sentido a sua ocorrência está subordinada a existência de mandado judicial autorizando a entrada coercitiva. Ao discorrer sobre a possibilidade de violação de domicílio por autoridade fiscal preceitua Eduardo Sabbag: “Assim, entende-se que os agentes da administração tributaria, ainda que acompanhados de forca policial, não podem, sem autorização judicial, ingressar em escritório de contabilidade contra a vontade de seu titular, que nele desempenhe atividade profissional, com o objetivo de apreender documentos ali existentes, como livros, registros fiscais e contábeis e memória de computadores”. (2011, p.916). Resta claro a relevância da atividade fiscal para efetivar o cumprimento das obrigações acessórias e da obrigação principal da obrigação tributária, essa atribuição, porém não pode justificar a realização de condutas de violem direitos fundamentais da pessoa humana. Importante ressaltar que segundo precedentes dos tribunais superiores o termo “casa” previsto na Constituição Federal abrange os ambientes fechados aonde se realizam atividades profissionais. Nesse sentido os escritórios e demais compartimentos fechados ao público de realização de atividades profissionais são considerados domicílio e, portanto estão acobertados pela inviolabilidade de domicílio previsto no artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal. Sobre a inviolabilidade de domicílio preceitua o Supremo Tribunal Federal: “EMENTA: FISCALIZACAO TRIBUTARIA. Apreensão de livros contábeis e documentos fiscais realizada, em escritório de contabilidade, por agentes fazendários e policiais federais, sem mandado judicial. Inadmissibilidade. Espaço privado, não aberto ao publico, sujeito a proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5o, XI). Subsunção ao conceito normativo de “casa”. Necessidade de ordem judicial. Administração publica e fiscalização tributaria. Dever de observância, por parte de seus órgãos e agentes, dos limites jurídicos impostos pela Constituição e pelas leis da Republica. Impossibilidade de utilização, pelo Ministério Publico, de prova obtida em transgressão a garantia da inviolabilidade domiciliar. Prova ilícita. Inidoneidade jurídica. Habeas corpus deferido. Administração tributaria. Fiscalização. Poderes. Necessário respeito aos direitos e garantias individuais dos contribuintes e de terceiros”. (HC 82.788/RJ, 2a T., rel. Min. Celso de Mello, j. 12-04-2005). Não obstante a relevância da tarefa de administração tributária é necessário que as autoridades fiscais realizem suas funções em consonância com os preceitos da Lei Maior. Nesse sentido, a autoridade fiscal deve atuar em conformidade com os direitos fundamentais expressamente previstos na Constituição e entre eles a inviolabilidade de domicílio. Ao discorrer sobre a atividade fiscal e os direitos fundamentais Edvaldo Nilo dispõe: “Entretanto, ressaltamos que o CTN não pode e nem exclui os direitos e garantias fundamentais estabelecidos no texto constitucional, tais como o direito à intimidade e a vida privada (art. 5º, X), a inviolabilidade do domicílio (at. 5º, XI), o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas (art. 5º, XII), o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII), dentre outros”. (2011, p.394). As autoridades fiscais possuem uma serie de prerrogativas que visam auxiliar no desempenho da fiscalização das obrigações tributárias, essa tarefa de fiscalização, no entanto não pode suprimir direitos fundamentais da pessoa humana. A inviolabilidade de domicílio só pode ser mitigada nas hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal e entre elas não há previsão para a atuação da atividade fiscal. Nesse sentido pode se inferir que para adentrar no domicílio do contribuinte sem a autorização deste para efetivar o cumprimento de atividade fiscal faz-se necessário mandado judicial. A impossibilidade de violação de domicílio por parte da autoridade fiscal, no entanto não pode justificar ações de embaraço a atividade fiscal por parte do contribuinte, pois este tem o dever de cooperar com os agentes públicos no cumprimento das atividades de administração tributária. Sobre a resistência contra a ação de autoridade fiscal preleciona Ricardo Cunha Chimenti: “Havendo expressa resistência contra a ação fiscal, a administração tributária deve requerer ao Poder Judiciário um mandado de busca e apreensão, podendo o contribuinte ser enquadrado no art. 1º, I da Lei n. 8.137/90 (que trata dos crimes contra a ordem tributária).” (2010, p.152). O contribuinte tem o dever de realizar a obrigação principal pagando seus tributos, porém tem ainda o dever de realizar as obrigações acessórias que consiste na realização de determinadas condutas aptas a auxiliar a atividade da administração tributária. Devido à relevância da obrigação tributária para a consecução dos fins almejados pelo Estado o descumprimento ou obstrução da atividade fiscal pode até mesmo configurar crime contra a ordem tributária tipificados em sua maioria na lei 8.137/90. Essa lei prevê uma serie de condutas por parte do contribuinte que configurar crime contra a ordem tributária. O artigo 1º da lei 8.137/90 dispõe: “Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: I – omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; II – fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; III – falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; IV – elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; V – negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Pena – reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.” É dever do contribuinte, prestar informações, declarações e fornecer livros e documentos que compreendam obrigações acessórias da relação jurídico-tributária, esse dever, no entanto não permite que as autoridades fiscais desrespeitem a inviolabilidade de domicílio prevista na Constituição Federal como direito fundamental. A entrada dos fiscais tributários em domicílios sem a permissão do morador se submete a exigência de mandado judicial, não sendo permitido a esses agentes adentrar em domicílios sem o consentimento dos moradores, mesmo que seja no exercício da atividade fiscal. O artigo 200 do Código Tributário Nacional deve ser interpretado conforme a Constituição no sentido de limitar a atuação da autoridade fiscal aos preceitos previstos na Lei Maior. A possibilidade das autoridades fiscais requisitarem auxílio de força policial para efetivar o exercício da atividade fiscal encontra limites nos direitos fundamentais da pessoa humana previstos na Constituição Federal sob pena de não recepção dos preceitos previstos no artigo 200 que sejam incompatíveis com a Carta Magna. A Constituição Federal de 1988 é a norma suprema do ordenamento jurídico brasileiro e todas as demais normas e decisões políticas do Estado devem estar em conformidade com a Lei Maior, assim as normas do Código Tributário Nacional só serão legitimas e terão validade se estiverem em conformidade com a Constituição Federal de 1988. CONCLUSÃO O presente artigo teve como escopo abordar a conformidade do artigo 200 do Código Tributário Nacional com a Constituição Federal de 1988 e a consequente possibilidade de violação de domicílio por parte da autoridade fiscal no cumprimento das obrigações tributárias. A atividade tributária surge do poder de império do Estado e tem por objetivo a obtenção de receitas que serão destinadas a consecução do bem estar social. A relação jurídico-tributária tem surge com a realização por parte do sujeito passivo, o contribuinte, de uma das condutas previstas em lei como hipótese de incidência apta a gerar o dever de pagar tributos. Com a ocorrência na prática da hipótese abstratamente prevista em lei surge o direito do Estado de exigir do contribuinte o pagamento do tributo previsto em lei. O tributo é um pagamento compulsório e uma vez realizado o fato gerador tem início a obrigação tributária que tem como sujeito ativo o fisco, ente estatal, e como sujeito passivo o contribuinte. Para melhor efetivar o cumprimento das obrigações tributárias acessórias e principal o Estado conta com um conjunto de prerrogativas legais que visam melhor aparelhar os agentes estatais. Algumas vezes a atividade das autoridades fiscais, no entanto entram em conflito com direitos fundamentais do contribuinte sendo necessário aferir qual interesse deve prevalecer no caso concreto. Os direitos fundamentais são um núcleo de direitos intangíveis e essenciais à dignidade da pessoa humana positivados nas Constituições Federais dos Estados. A Constituição Federal de 1988 apresenta um extenso rol de direitos fundamentais espalhados em todo seu texto legal. Entre os direitos fundamentais expressamente previstos na Lei Maior se encontra o direito fundamental á inviolabilidade de domicílio previsto no artigo 5º inciso XI que dispõe que a casa é asilo inviolável ninguém podendo nela entrar sem o consentimento do morador, salvo em flagrante delito, desastre, para prestar socorro ou durante do dia em cumprimento de mandado judicial. A inviolabilidade de domicílio é um direito que visa assegurar a casa como um espaço reservado às relações intimas e pessoais dos cidadãos, que detém o direito de permitir o negar a entrada das pessoas em seu domicílio.   Com o escopo de estender a tutela de proteção á pessoa humana a jurisprudência pátria e em especial o Supremo Tribunal Federal vem firmando entendimento no sentido de ampliar o conceito de casa que passa a compreender qualquer compartimento habitado ou espaço não aberto ao público no qual o indivíduo exerça as suas atividades profissionais.   O artigo 200 do Código Tributário Nacional preceitua que as autoridades fiscais podem requisitar força pública quando vítimas de embaraço ao exercício de suas funções ou quando necessário à efetivação de medida prevista na legislação tributária. Nesse escopo surge o questionamento acerca da possibilidade das autoridades fiscais se utilizarem de força pública para adentrar a casa ou estabelecimento comercial do contribuinte que se recuse a cumprir obrigações tributárias acessórias previstas em lei proibindo a entrada dos fiscais tributários e, portanto vedando o acesso desses agentes a documentos e livros contábeis entre outros. Instado a se manifestar sobre o tema o Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição vem decidindo no sentido de que o exercício da atividade fiscal encontra limite nos direitos e garantias fundamentais expressamente previstas na Lei Maior. No que tange a inviolabilidade de domicílio a Constituição Federal apresenta como exceções a ocorrência de flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou durante dia em cumprimento de mandado judicial. Trata-se de um rol taxativo de exceções não sendo possível sua ampliação. Diante do acima exposto pode se inferir que a atividade fiscal é relevante para a consecução dos fins do Estado, motivo pelo qual as autoridades fiscais possuem prerrogativas legais tais como a possibilidade de requisição de força pública quando se fizer necessário para o exercício de suas funções, essa prerrogativa, no entanto apresenta limitações. Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal e de ampla corrente doutrinária, a atividade fiscal encontra limites nos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Nesse escopo os agentes fiscais do Estado não podem adentrar na casa ou qualquer compartimento fechado do contribuinte sem a autorização deste, para exercer a fiscalização de atividade tributária. A entrada em domicílio sem autorização do morador se limita as exceções expressamente previstas na Constituição Federal, quais sejam flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou durante o dia em cumprimento de mandado judicial. O artigo 200 do Código Tributário Nacional deve ser interpretado conforme a Constituição, com o efetivo exercício das atividades fiscais sempre em consonância com os direitos e garantias previstas na Lei Maior. A violação de domicílio por autoridade fiscal sem mandado judicial fere o direito a inviolabilidade de domicílio expressamente previsto na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º, inciso XI. A Constituição é a norma suprema, fundamento de validade do ordenamento jurídico e todas as demais normas e decisões políticas do Estado devem apresentar conformidade com seus princípios e regras. Os direitos e garantias fundamentais são uma importante conquista a efetivação da dignidade da pessoa humana e, portanto não podem ser suprimidos sobre o pretexto de consecução dos interesses sociais, pois a dignidade da pessoa humana é o fim maior, fundamento do Estado brasileiro. Nesse ínterim pode se concluir que os agentes fiscais só podem adentrar no domicílio do contribuinte para efetivar o exercício da fiscalização tributária sem a autorização do morador se possuir mandado judicial. A interpretação ampla do artigo 200 do CTN como permissivo para violação de domicílio por autoridade fiscal sem mandado judicial viola o artigo 5º, inciso XI da Constituição Federal e, portanto enseja a não recepção do citado artigo no ordenamento jurídico brasileiro.
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Impostos e as contribuições da seguridade social: obrigação tributária e lançamento
Trata-se de estudo sobre os tributos, mais especificamente, a obrigação tributária e seu lançamento sobre os impostos e as contribuições da seguridade social. Serão analisados os direitos fundamentais dos contribuintes e os princípios constitucionais-tributários destinados a tal garantia, bem como conceito e características do fato gerador da obrigação tributária (principal/acessória). Por fim, será apresentada a divergência doutrinária sobre o lançamento e a indicação dos tributos existentes e suas modalidades de lançamento para efetiva cobrança do crédito tributário em questão.
Direito Tributário
1. Introdução No sistema capitalista a busca do crescimento econômico tem gerado uma desigualdade na distribuição de renda, proporcionando, uma diferença acentuada nas diversas classes sociais existentes, aumentando a diferença entre rico x pobre, já que não se segue tal crescimento com políticas públicas sociais (saúde e educação) adequadas para evitar-se tal alargamento. Transformando, esta parcela da sociedade em pessoas excluídas dos direitos de liberdade e igualdade, não tendo assim a garantia de uma vida digna, ou seja, a dignidade humana (direitos humanos fundamentais), já que esta parcela da sociedade clama por investimentos e atitudes do governo. Para garantia destes direitos humanos fundamentais, os teóricos da justiça envolvidos numa nova ordem jurídico-econômica internacional, e também da premência e possibilidade de organização de um sistema internacional de direitos humanos traçam os patamares de garantia dos mesmos, em sociedade, privilegiando a cidadania e a democracia. A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, segundo John RAWLS[1] apud por Flávio Quinaud Pedron[2]. Com finalidade de garantia destes direitos, Jürgen HABERMAS apud Enzo Bello[3], os sintetiza em cinco categorias que, desprovidas de qualquer hierarquia, constituem condições recíprocas para a existência de um sistema legítimo de direitos e da própria democracia. Nesse rol de direitos fundamentais estão contidos: direitos a liberdades subjetivas (direitos civis); direitos de membros de comunidades (direitos de reconhecimento); direitos de igual proteção legal; direitos políticos de participação; e direitos de bem-estar e de segurança social. Há necessidade de proteção concreta destes direitos através de realização de políticas públicas sociais (educação e saúde), para tanto, a República Federativa do Brasil, busca na tributação das pessoas naturais e jurídicas uma forma de produção de recursos financeiros para tanto. Este poder de tributar é irrenunciável e indelegável, porém não absoluto, pois a própria Constituição define o modo de exercício do mesmo, através de comandos que garantem a harmonia e o equilíbrio na relação jurídico-tributária (poder-dever). Sua finalidade consiste na regulamentação das relações de natureza tributária entre o sujeito ativo (titular da capacidade) e passivo (contribuinte e responsável tributário). A Constituição Federal não cria tributos, apenas outorga competência para que os entes políticos o façam por meio de leis próprias. Estes são distribuídos e definidos por critérios que se relacionam diretamente com os objetivos a serem alcançados, em decorrência da organização do Estado e de sua forma federativa. Cada tributo possui seu próprio fato gerador que atrelado à hipótese de incidência nasce à relação jurídica obrigacional-tributária. Para a concretividade desta relação jurídica, há necessidade do lançamento tributário. Este estudo visa apresentar um debate sobre as formas lançamento dos tributos, bem como suas principais características, com finalidade de demonstrar a participação do contribuinte em cada momento e seus direitos fundamentais. 2. A necessidade de cobrança dos tributos e os direitos fundamentais do contribuinte Hugo de Brito Machado[4] explica a necessidade do tributo, ao mencionar que, o Estado exercita apenas atividades financeiras, como tal entendido o conjunto de atos que o Estado pratica na obtenção, na gestão e na aplicação dos recursos financeiros de que necessita para atingir seus fins. Não sendo outro, o entendimento de Sacha Calmon Navarro Coêlho[5], para o eminente mestre, a tributação, é, sem sombra de dúvida, o instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ela não poderia o Estado realizar os seus fins sociais, a não ser que monopolize toda a atividade econômica. O contribuinte é o titular de direitos fundamentais, este de caráter subjetivo, onde tais direitos só podem ser relativizados em comparação com outros direitos fundamentais, ou seja, há prevalência dos mesmos em relação aos demais direitos. Significa dizer, que há ponderação entre um e outro direito fundamental, segundo Robert ALEXY apud Natália Braga Ferreira, estes possuem diferentes graus, devendo os mesmos ser analisados quando presentes ao caso concreto[6]. Desse modo, a ponderação não somente é identificada com a proporcionalidade em sentido estrito como deve também, sempre que possível, buscar atingir a concordância prática (a harmonização dos princípios que entrarem em colisão). Entretanto, HABERMAS apud Natália Braga Ferreira, afirma que a ponderação retira a força normativa dos direitos fundamentais, reduzindo-os a o plano de valores. Dessa forma, esses direitos perdem o sentido deontológico de mandamento e passam a ter um sentido teleológico daquilo que é atingível no horizonte dos nossos desejos, sob circunstâncias dadas[7]. Humberto Ávila expõe que a Constituição Federal de 1988 (adiante CF/88) estabeleceu uma gama enorme de direitos fundamentais em benefício dos contribuintes. A sua aplicação jurisprudencial tem, no entanto, criado um abismo entre aquilo que se suponha a ser garantido pela CF/88 e aquilo que terminou sendo efetivamente concretizado pelo Poder Judiciário. … O resultado disso é visível: liminares são cassadas porque sua manutenção causará danos ao erário público, efeitos de declarações de inconstitucionalidades[8] são restringidos ao período futuro[9]. Dentro destes direitos fundamentais podemos relacionar o princípio da legalidade tributária, que é um princípio, com características de regra, pois não possui relativização. Para efetivação desta garantia temos que analisar a lei, em seu sentido restrito, e que se considere nele implícita a exigência de tipicidade, como instrumento da segurança jurídica.[10] Neste princípio é delimita a criação de tributos, os quais podem ter função meramente fiscal, como também extrafiscal, já que podem atuar na atividade econômica, como, por exemplo, a restrição em determinada época de importação de certo bem. Atrelado a este temos o princípio da motivação dos atos administrativos e da irretroatividade da lei tributária[11], o qual é tido como uma garantia do indivíduo (contribuinte) contra o Estado-legislador, pois o fato gerador de determinado tributo será regido pela lei vigente na data em que acontece, conforme determina o art. 150 do CTN[12]. Por fim, acrescentamos neste rol, o princípio da isonomia, que se expressa dentro dos ditames tributários como o da capacidade tributária. Todos os princípios aqui relatados dependem para sua efetividade da efetividade do direito à jurisdição. O STF (Supremo Tribunal Federal) em matéria tributaria, já firmou entendimento que tanto os princípios constitucionais da tributação, como as limitações da competência na órbita tributária são instrumentos que são operacionalizados em favor do contribuinte[13]. 3. Fato Gerador da Obrigação Tributária: principal e acessória Os fatos (enunciados linguísticos) e objetos (emissão dos enunciados – objetos sobre nossas afirmações) da experiência traçados por HABERMAS são formulações adequadas às coisas e aos acontecimentos em sociedade. Por outro lado, Robert ALEXY, ao expor sua critica a HABERMAS, salienta que a verdade consensual é a condição para a verdade das proposições aplicadas ao objeto mencionado[14]. Este fato não é algo concreto, sensível, mas um elemento linguístico capaz de organizar uma situação existencial como realidade. Para ele, os enunciados que se projetem para o futuro, selecionando marcas, aspectos, pontos de vista, linhas, traços, caracteres, que não se refiram a um acontecimento isolado, mas se prestem a um numero indeterminado de situações[15]. No direito positivo, correspondem ao antecedente das normas individuais e concretas (concretude da experiência social), já que lidam com uma acentuada carga de indeterminação. A regra-matriz de incidência tributária é, por excelência, uma norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, deve-ser a consequência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o dever-ser modalizado[16]. Salcha Camon Navarro Coêlho[17] apresenta dois exemplos para identificação da situação acima mencionada, o primeiro, hipótese de incidência prevendo em abstrato um fato jurígeno, fenomenologia da incidência: alguém ter obtido “de fato” renda líquida como descrito na hipótese (realização do “fato gerador”) e, a segunda, comando da norma prevendo em consequência uma relação jurídica, fenomenologia da incidência: incidência do comando e instauração do vinculo obrigacional. Os sujeitos da relação jurídica, assim como a prestação, são consequências que promanam ou decorrem da realização do fato jurígeno, com este não se confundindo. Por fim, utilizando, o esquema de Ricardo Alexandre[18], hipótese de incidência mais fato gerador é igual à obrigação tributária. Este configura uma situação jurídica (há uma norma definindo-o, art. 116, I, do CTN) ou uma situação de fato (não há uma norma definidora, apenas relevância econômica, art. 116, II, do CTN). Podendo estar atrelados também a certas condições (art.117 do CTN). 3.1 .Obrigação: Principal e Acessória Como definida pelo CTN, em seu art. 113, a obrigação principal tem por objeto o dever de pagamento de certa quantia entre o sujeito passivo[19] e o sujeito ativo[20]. Realizado o pagamento correto a mesma se extingue. Seu fato gerador se divide em dois: abstrato[21] e concreto[22]. Em relação à hipótese de incidência, trabalha como mencionado por João Marcelo Rocha[23] com as expressões “se” e “então”, ou seja, “se” ela vier a se concretizar, “então” surgirá uma relação obrigacional de tais e quais características. Significa o antecedente da obrigação tributária. Podendo ser divida nos seguintes aspectos: material[24]; espacial[25]; temporal[26]; subjetivo[27].   A relação jurídica tributária é chamada de prescritor ou consequente da norma de incidência tributária, esta possui dois aspectos: subjetivo e objetivo ou quantitativo[28]. Por outro lado, a obrigação acessória, não objeto não se constitui em uma atividade pecuniária, mas, sim, nos deveres de fazer e não fazer algo. Uma vez descumprida, nascerá uma multa pelo seu descumprimento. 4. Lançamento tributário 4.1. conceito e divergência doutrinária Paulo de Barros Carvalho define o lançamento tributário como um ato jurídico administrativo, da categoria simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e, como consequente, a formalização do vinculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido[29]. Amílcar de Araújo Falcão[30] e Geraldo de Ataliba[31] salientam que o lançamento é ato declaratório e, como tal, não cria a obrigação tributária. Já, Alfredo Augusto Becker[32] e Antônio Roberto Sampaio Dória[33] adotam a concepção de procedimento. Pedimos vênia aos ilustres mestres inicialmente citados, para filiarmos a corrente dos últimos mestres aqui referidos, adotando, assim, o conceito de lançamento ser um procedimento unilateral e não contencioso, que a Fazenda Pública desenvolve no intuito de obter, ao final, o seu título executivo extrajudicial. Sua finalidade é a constituição do crédito tributário, o qual se encerra com a notificação feita ao sujeito passivo, para que promova o pagamento ou exerça seus direitos.  Podendo ser alterado, desde que haja permissão do CNT (art. 145), no controle de legalidade sobre o mesmo (diz respeito à sua validade). Envolvendo dois aspectos: formal (procedibilidade levada pela autoridade fazendária) e material (relação com a própria dívida, elementos e fato gerador). Seguindo os ditames do CTN, podemos sintetizar que hipótese de lançamento mais fato gerador é igual à obrigação tributária, esta atrelada ao lançamento forma o crédito tributário[34], dotado de liquidez e exequibilidade. Não sendo outro e entendimento do STJ[35]. As garantias (mecanismos estipulados em lei) e os privilégios ou preferências (mecanismos que o definem como prioridade de pagamento) tributários referem-se à efetivação do crédito tributário (momento posterior ao lançamento) e não há sua formalização. 4.2 – Modalidades de Lançamento Tributário O lançamento tributário possui as seguintes modalidades: – lançamento com base em declaração (art. 147, CTN). Este é efetuado com base nas declarações do sujeito passivo ou por terceiro, contendo informações relevantes sobre o fato concreto que ensejará a tributação. Esta poderá ser refeita antes da notificação do lançamento e mediante comprovação de erro material, caso não realizado, e, o fisco encontrando-os poderá retificá-los de ofício.  Não havendo a declaração, este será realizado de ofício ou direto. Podemos citar como exemplo, o ITBI. – lançamento de direto (ex officio): mediante arbitramento e nos casos previstos no CTN Este é realizado por iniciativa da Administração Fazendária (fisco), o qual independe da participação do sujeito passivo (contribuinte/responsável). A lei assim define tal procedimento, como nos casos do IPTU e IPVA, da contribuição de melhoria, taxa de coleta de lixo. Podendo ser revista antes de configurada sua decadência. Nos casos de arbitramento, segundo Mauro Luís Rocha Lopes[36], é uma técnica de apuração da base de cálculo do tributo deverá ser efetuado em processo regular, possibilitando-se a avaliação contraditória e ampla defesa, sem prejuízo de sua apreciação judicial, como prescreve a norma do art. 148 do CTN, em sua parte final. – lançamento por homologação A homologação é o ato vinculado pelo qual a Administração concorda com o ato jurídico já praticado, uma vez verificada a consonância dele com os requisitos legais condicionadores de sua válida emissão[37] ou seja, busca-se com a mesma dar validade ou eficácia ao ato praticado, além de proporcionar a concordância com o mesmo. Esta a atividade a ser exercida pelo sujeito passivo, onde determina e quantifica a prestação tributária. Esta deverá ser retroativa, pois o ato homologado é sempre um ato já praticado. Caso não realizada ou realizada com inexatidão, por parte do sujeito passivo, haverá o lançamento de ofício como substituto do lançamento em análise.   Findo o prazo de homologação, previstos no art. 150, CTN, sem o devido pronunciamento do sujeito ativo, tem-se não só a homologação ficta ou tácita, mas também a extinção definitiva do crédito tributário. Podendo, entretanto, ocorrer o lançamento de ofício, mesmo esgotado o prazo do § 4º do art. 150, mas dentro do prazo do art. 173, CTN (decadência tributária), quando não realizada pelo sujeito passivo, independentemente de dolo, fraude ou simulação por parte deste[38].  4.3 – Os tributos e sua modalidade de lançamento 4.3.1 – Lançamento por homologação 4.3.1.1 – Tributos Federais II (imposto de Importação): tributo com características extrafiscais[39], sendo considerado como real[40], direto[41], proporcional[42] e instantâneo[43]. IE (imposto de exportação): É um imposto real, direto, extrafiscal, proporcional e instantâneo. IR (imposto de renda): É um imposto pessoal, direto, fiscal, progressivo e complexivo ou periódico. Cabendo ao contribuinte apresentar declaração com informações acerca do fato gerador e todas as suas circunstâncias, calcular o montante do IR devido e antecipar o pagamento, antes de qualquer verificação da Fazenda Pública no que tange à correção deste. Entretanto, se o contribuinte não realizar as obrigações acessórias que lhe cabem, ou se faça em desacordo com a legislação, o lançamento será feito de ofício. IPI (imposto sobre produtos industrializados): Imposto indireto, extrafiscal, real, seletivo e instantâneo. Nas operações internas, relativo à saída de produto de estabelecimento industrial ou equiparado, o período de apuração é mensal; já, nas operações de importação, o pagamento deverá ser feito a cada importação. IOF (imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, e relativas a títulos ou valores mobiliários): É um imposto real, direto, extrafiscal, proporcional e instantâneo. ITR (imposto sobre a propriedade territorial rural): É um imposto real direto, extrafiscal, progressivo e complexivo. Sua periodicidade é anual. IGF (imposto sobre grandes fortunas) – não regulamentado Contribuições de Seguridade Social – Contribuições Previdenciárias dos Empregados, Empresas e Equiparados: São tributos pessoais, diretos, fiscais, proporcionais e complexivos. É uma contribuição parafiscal que utiliza o fato gerador de imposto, uma vez que não está relacionado com qualquer atividade estatal relativa ao contribuinte[44]. – Contribuições Previdenciárias dos Segurados: É um tributo pessoal, direto, fiscal, proporcional e complexivo. É uma contribuição parafiscal que utiliza o fato gerador de taxa, já que está diretamente associado à condição de segurado, o que proporciona uma série de benefícios previdenciários à pessoa do contribuinte, com base no princípio da equivalência entre beneficio/fonte de custeio, sendo este ultimo mensurado pela referibilidade individual, segundo Ricardo Lodi Ribeiro[45]. – CSLL – Contribuição sobre o lucro líquido: Possui as mesmas características do imposto de renda, sendo considerado como um tributo sobre a renda afetado à seguridade. Trata-se de verdadeira contribuição anômala ou imposto afetado[46]. É um tributo pessoal, direto, fiscal, proporcional e complexivo. – CONFIS – contribuição para o financiamento da seguridade social: A COFINS foi  criada pela Lei Complementar nº 70/1991[47], tem como antecedente histórico o FINSOCIAL, instituída pelo Decreto-lei nº 1.940/1982.  Incide sobre a receita das pessoas jurídicas, a qual possui auferimento mensal de faturamento das mesmas. É uma contribuição social, pessoal, direta, fiscal, proporcional e complexivo. Por não atender à solidariedade de grupos, diz-se ter característica de imposto. – PIS/PASEP – contribuição para o programa de integração social e para o programa de formação do patrimônio do servidor público. São contribuições de caráter pessoal, direto, fiscal, proporcional e complexivo. Possui as mesmas características do COFINS. – PIS/CONFIS Importação: Assemelha-se ao imposto de importação. Por isso, como ele, ela é tributo real, direto, extrafiscal, proporcional e instantâneo[48]. – Contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos: art. 195, II da CF/88 e Lei nº 8.212/1991. 4.3.1.2 –  Impostos Estaduais ICMS (Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação): Trata-se de um imposto real, indireto, fiscal, seletivo e instantâneo. Podendo ser alvo de substituição tributária. 4.3.1.3 – impostos Municipais ISS (imposto sobre serviços de qualquer natureza): É um tributo pessoal, direto, fiscal, proporcional e instantâneo. Regido pela Lei Complementar nº 116/2003. 4.3.2 – Lançamento de ofício 4.3.2.1 – Tributos Estaduais IPVA (Imposto sobre a propriedade de veículos automotores): Possui como caraterísticas ser um tributo: real, direto, fiscal, proporcional e complexivo. 4.3.2.2 – Tributos Municipais IPTU (Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana): É um imposto real, direto, fiscal, progressivo e complexivo. 4.3.3 – Lançamento por declaração 4.3.3.1 –  Impostos Estaduais ITD (Imposto sobre Transmissão Causas Mortis e Doação): É um imposto real, direto, fiscal, proporcional e instantâneo. O contribuinte declara a ocorrência do fato gerador, e a Fazenda Estadual calcula o montante devido e notifica o contribuinte para pagamento do imposto. 4.3.3.2 – Impostos Municipais ITBI (Imposto sobre transmissão de bens imóveis): É um imposto real, direto, fiscal, proporcional e instantâneo. Este segue a legislação municipal e geralmente seu lançamento é por declaração. 5. CONCLUSÃO O contribuinte/responsável (sujeito passivo) tributário é visto como a parte mais fraca na relação jurídica obrigacional-tributária, já haja vista o teor de normas e decisões judiciais em favor do fisco (sujeito ativo).  Aqueles possuem direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, os quais deverão ser garantidos aos mesmos, na esfera tributária, através de princípios atrelados a tais direitos. Não sendo outro caminho, inclusive, no que tange a obrigação tributaria principal/acessória decorrente da referida relação jurídica, em análise, bem como no lançamento referente ao fato jurígeno realizado em concreto. O lançamento e suas modalidades poderão ser revistos quando realizados de forma incorreta prejudicando o contribuinte/responsável tributário. Em relação a este, a doutrina discute a sua natureza jurídica, ora entendendo ser ato administrativo ora um procedimento, por outro lado, a função do mesmo, como já narrado, o qual entendermos ser um procedimento constitutivo de obrigação de dar por parte do sujeito passivo.
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O planejamento tributário na estruturação das políticas de compra e venda das empresas
As empresas se encontram em constante competição com o objetivo de aumentar sua participação no mercado e maximizar seus lucros. A sistemática adotada nos seus processos de venda, assim como nos processos de produção e compra, influência consideravelmente na competitividade das organizações. Como os encargos tributários participam de parte considerável dos preços de aquisição de matérias-prima e produtos, assim como, nos preços de venda de bens e mercadorias, não podem ser desconsiderados dos estudos que visam melhor eficiência empresarial. O planejamento tributário pode ser utilizado por várias perspectivas, como na escolha de uma ou outra forma de apuração de imposto ou na utilização de reestruturação societária, por meio de fusões, cisões, etc. O planejamento tributário também pode ser utilizado considerando a influência dos tributos na composição dos custos dos produtos adquiridos e dos preços finais ofertados aos clientes.
Direito Tributário
Introdução Vivemos em uma sociedade altamente competitiva, fato que vem se dilatando progressivamente devido à minimização das fronteiras econômicas e à evolução do conhecimento científico. As empresas lidam com custos industriais, comerciais e administrativos, cuja otimização é decisiva no sucesso do empreendimento. Presente em todas essas espécies, temos os tributos. Incluem-se nesse custo tributário, os decorrentes do cumprimento das obrigações acessórias. O peso dos tributos sobre os custos e despesas das organizações exige que estas adotem postura proativa também sobre esse aspecto, sendo indispensável a utilização do planejamento tributário como rol de ações que impeçam a estagnação da companhia. Tal aspecto não envolve, tão somente a economia de impostos sob a perspectiva de recolhimento ao erário, mas também, a necessidade de se pensar formas de reorganização empresarial, adequando-se a estrutura operacional à racionalização dos custos principiados pelo Sistema Tributário. Os processos de compra ou produção e a política de vendas das companhias podem e devem ser objeto de estudo visando a eliminação, redução ou postergação do ônus tributário.  Nesse estudo torna-se necessária a junção de conhecimentos contábeis e jurídicos. A abordagem da sistemática contábil em matéria de gerenciamento de custos e da apuração de tributos deve aliar-se ao estudo do Sistema Tributário, à doutrina e jurisprudências vigentes no ordenamento jurídico nacional. 2. O Planejamento Tributário A constante procura pela redução dos encargos tributários é um importante diferencial para alcançar uma vantagem competitiva frente aos demais concorrentes no mercado nacional e estrangeiro, pois a carga tributária inegavelmente assume cada vez maior proporção sobre a economia nacional. Essa redução dos encargos tributários pode ser alcançada por meio do planejamento tributário, que consiste no estudo sistemático de meios legais que permitam eliminar ou reduzir o ônus tributário, adiar o pagamento do tributo ou ainda reduzir os custos envolvidos nas atividades relacionadas às obrigações acessórias. Por meio do planejamento tributário procura-se a estruturação dos negócios de forma a aproveitar incentivos fiscais, a utilização de diferentes formas de tributação, a discussão no judiciário quanto à validade das leis, a adoção de procedimentos que adiem o pagamento do tributo, a escolha por segmentos operacionais com menor carga tributária e a redução dos custos dos impostos nas etapas comerciais. Encontrado o melhor caminho para o empreendimento, deve-se fazer uma análise prospectiva dos resultados das ações que serão adotadas, assim como manter o devido controle quanto aos reflexos de tais ações e a constante procura por novas oportunidades. Borges (2006, p. 36) apresenta regras práticas a serem aplicadas de forma a proporcionar uma redução dos custos tributários de maneira lícita. Tais regras são aplicáveis, segundo o autor, no planejamento tributário na área dos impostos indiretos, sendo elas: “Verificar se a economia de impostos é oriunda de ação ou omissão anterior à concretização da hipótese normativa de incidência. Examinar se a economia de impostos é decorrente de ação ou omissão legítimas. Analisar se a economia de impostos é proveniente de ação realizada por meio de formas de direito privado normais, típicas e adequadas. Investigar se a economia de impostos resultou de ação ou conduta realizada igualmente a suas formalizações nos correspondentes documentos e registros fiscais.” Uma etapa da elaboração dos projetos voltados à economia de impostos parte de estudos que visam identificar ações diversas das já adotadas e que podem levar à redução dos custos tributários. Essas possibilidades podem ser encontradas expressamente na legislação ou em lacunas na lei, e o reflexo da adoção de uma ou outra alternativa deve ser projetado de forma a se estimar o resultado da escolha. 3. A Contabilidade de Custos como instrumento gerencial Tem sido percebida, cada vez mais, a importância da contabilidade na gestão das empresas como requisito de eficiência econômico-financeira e suporte indispensável no aprimoramento operacional. Entretanto, muitos gestores ainda vêm na escrituração contábil uma obrigação a ser cumprida por determinação legal, restringindo-se apenas ao que a legislação determina. A Contabilidade de Custos é um ramo das Ciências Contábeis que pode ser utilizado como instrumento gerencial e de controle. Vale-se basicamente de dados históricos e estimados, internos e externos, monetários e físicos, que são utilizados na elaboração de estudos visando a tomada de decisões quanto ao planejamento de operações futuras, comando das operações rotineiras e desenvolvimento de estratégias relacionadas aos negócios da organização. A Contabilidade de Custos tradicionalmente possui forte ligação com a atividade industrial, porém, seus princípios e técnicas podem e devem ser utilizados em empresas de serviços, comerciais e financeiras. Warren, Reeve e Fess (2008, p. 7) definem o objetivo de um sistema de contabilidade de custos como o de acumular os custos do produto. Os autores subdividem o sistema de custos nas modalidades por ordem e por processo. “As informações sobre os custos do produto são usadas pelos gerentes para estabelecer os preços dos produtos, controlar as operações e preparar as demonstrações financeiras. Além disso, o sistema de contabilidade de custos melhora o controle ao fornecer dados sobre os custos incorridos em cada departamento ou processo de produção.” O sistema de custos por processo acumula os custos por fases do processo, por departamento ou por operação, sendo mais adequados às empresas que fabricam ou prestam serviços idênticos e que são processados continuamente. “Em alguns aspectos, o custeio por processo e o custeio por ordem são similares. Ambos acumulam custos do produto – de materiais diretos, de mão-de-obra direta e indiretos de fabricação – e alocam esses custos para as unidades produzidas. Ambos mantêm contas de inventários permanentes nos razões auxiliares de materiais, produtos em processo e produtos acabados. Ambos também fornecem dados de custo do produto para a administração planejar, dirigir, melhorar, controlar e tomar decisões. A principal diferença entre os dois sistemas é a forma pro meio da qual os custos dos produtos são acumulados e relatados.” (Warren, Reeve e Fess. 2008, p. 48) Reforçamos a importância de se estender a percepção dos ensinamentos em matéria de contabilidade de custos para além do processo de fabricação de produtos, devendo ser visualizadas as sistemáticas para acumulação de custos também nas atividades de vendas e nas prestações de serviços. 4. Os tributos formadores do preço dos produtos vendidos O Sistema Tributário Nacional apresenta cinco espécies de tributos, sendo três identificadas no art. 5º do CTN, os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. O art. 145 da Constituição Federal cita os empréstimos compulsórios e no art. 149 temos as denominadas contribuições especiais. Cada espécie tributária apresenta peculiaridades quanto à participação estatal, ao fato gerador e à vinculação da receita. Os impostos se caracterizam pelo fato gerador não vinculado à atividade estatal. Se o contribuinte realizar o fato gerador, o imposto passa a ser devido, inexistindo qualquer contraprestação estatal específica. Por isso, outra característica dos impostos é a não afetação das receitas arrecadas. As taxas possuem fato gerador vinculado a uma atividade estatal. Para que o valor da taxa seja devido, deve existir o exercício regular do poder de polícia ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico ou divisível. Assim, deve haver correlação entre o valor pago a título de taxa e o custo da atividade estatal descrita como fato gerador. As contribuições de melhoria também apresentam vinculação do fato gerador à atividade estatal, esta que consiste na realização de obra pública que resulte na valorização de imóvel do contribuinte. O valor arrecadado não pode superar o valor da obra e o limite individual do tributo é o montante que o imóvel foi valorizado. Os empréstimos compulsórios são de competência exclusiva da União e podem ser instituídos somente para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, ou ainda, no caso de investimento público de caráter urgente e relevante interesse nacional. A receita da arrecadação deve ser utilizada estritamente para os fins que ensejaram sua criação. Há ainda a obrigação de posterior devolução ao contribuinte do valor arrecadado pela União. As contribuições especiais apresentam vinculação do valor arrecadado à finalidade de sua instituição, sendo que o destino da arrecadação é relevante na estrutura que assumem. As contribuições especiais podem estar estruturadas na forma de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico, de interesse das categorias profissionais ou econômicas e a contribuição de iluminação pública. Essas cinco espécies tributárias incidem sobre diversas situações jurídicas e econômicas, como sobre os produtos fabricados, sobre as vendas e serviços prestados, sobre despesas administrativas e de vendas, sobre a renda e o lucro, sobre a propriedade e sobre a mão-de-obra. Considerando as características dos tributos, percebemos que as espécies tributárias que podem compor o preço dos produtos e serviços são os impostos, as taxas e as contribuições especiais. Os impostos de maior interesse são os impostos indiretos, que são repassados para o preço do produto ou serviço, como ICMS, IPI e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) não será abordado devido a sua incidência apenas na prestação de serviços, já que propomos analisar a atividade mercantil de compra e venda. Os impostos aduaneiros não serão considerados, pois sua abordagem exige estudo exclusivo sob pena de superficialidade, já que apresentam muitos instrumentos úteis ao planejamento tributário. A contribuições sociais do PIS/Pasep e da Cofins também oneram o preço dos produtos vendidos, sendo de maior interesse as modalidades não cumulativas. As demais contribuições e as taxas não serão consideradas devido à ocorrência em situações específicas, não sendo possível a abordagem de todas as possibilidades nesse estudo, ainda que algumas modalidades possam compor o preço dos produtos. No entanto, essas contribuições e taxas, assim como os impostos sobre o patrimônio, não prejudicam a análise das decisões de compra e venda, já que podem ser agrupadas a outros custos ou despesas sem redução, na maioria dos casos, das oportunidades em matéria tributária. Deve-se, porém, analisar caso a caso a fim de se verificar a possibilidade de situações peculiares colocarem tais tributos em evidência, como pode ocorrer com a incidência de CIDE ou de alternativa entre Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) ou Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR).   Não consideraremos como composição dos preços os tributos sobre a renda, como IR e a CSLL, pois, naturalmente não são custos de produção ou de aquisição, e sua inclusão no preço deve-se principalmente à finalidade de se estabelecer o preço de venda que poderá proporcionar aos sócios o retorno pré-estabelecido. 5. Vender a prazo ou financiado Na atividade mercantil temos a prática regular na qual o adquirente de bens ou mercadorias as recebe em um primeiro momento, sem efetuar o desembolso imediato, e posteriormente, em único ou parcelados pagamentos feitos ao estabelecimento vendedor, ou a terceiros, quita a obrigação originada pela aquisição realizada. Resume-se tal prática no oferecimento de crédito ao consumidor, o que se tornou importante ferramenta no aumento de vendas no comércio varejista. O progressivo aumento da vendas por meio de crédito ao consumidor é devido às condições favoráveis no oferecimento de crédito que vêm se apresentando, como a redução de juros e a possibilidade de pagamentos mais baixos a prazos mais longos, a acessibilidade das classes mais baixas aos bens duráveis, a evolução do emprego e a implantação de incentivos e isenções pelo governo. As principais formas de oferecimento de crédito são na forma de venda financiada e venda a prazo, o que em primeiro momento não apresenta visível diferença, mas que, juridicamente, resulta em aplicações distintas, principalmente em matéria tributária. Em julgado realizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo percebe-se que a distinção entre as vendas financiadas e as vendas a prazo afetam a incidência ou não do ICMS, sendo: “Apelação Com Revisão CR 4665335000 SP (TJSP) MANDADO DE SEGURANÇA – ICMS – Pretensão voltada ao reconhecimento do direito à exclusão da base de cálculo do ICMS de valores decorrentes de vendas a prazo (vendas financiadas) – Segurança denegada em primeiro grau – Decisório que merece subsistir – Distinção entre "vendas a prazo" e "vendas financiadas", de maneira que, dependendo do caso, o ICMS pode ou não incidir sobre os acréscimos decorrentes da operação – Impetrante que, no entanto, não identificou em qual tipo de operação pretende ver reconhecido o direito invocado na inicial, tratando-os, na verdade, como se questões idênticas fossem – De qualquer modo, ainda que se considere que a pretensão reside nas operações de "vendas financiadas", onde se admite a pretendida exclusão, o reclamo é improcedente – Inexistência de documentação inequívoca a permitir de plano o reconhecimento do direito invocado pela parte – Sentença mantida – Negado provimento ao recurso. TJSP – 17 de Dezembro de 2008” Na venda a prazo temos que o próprio vendedor oferece o crédito ao consumidor, embutindo o custo do dinheiro no preço de venda do produto.  O preço da mercadoria vendida e a quantidade de parcelas para pagamento são estabelecidos diretamente entre vendedor e comprador, sem influência de qualquer outra entidade. Consideramos que, ainda que o vendedor indiretamente custeie suas vendas a prazo com empréstimos junto a estabelecimentos financeiros, ou se utilize de operadoras de cartão de crédito como simples meio de recebimento das parcelas das vendas, sem que tal fato determine na sua relação contratual com o cliente, alterando o preço do produto e as condições de pagamento, isto é, não resultando na junção dos negócios jurídicos entre financeira e vendedor e entre vendedor e consumidor, continuamos a ter o instituto da venda a prazo. Carrazza (2002, p. 92) conceitua a vendas a prazo dissertando que:  “Com efeito, na venda a prazo (também chamada venda a crédito), deve haver, por expressa determinação legal, a declaração do preço a vista da mercadoria vendida, bem assim, do número e do valor dos pagamentos mensais a serem efetuados pelo comprador. O valor da venda é, neste caso, o somatório das prestações mensais convencionadas. No próprio contrato de compra e venda, portanto, estão especificados, de modo inequívoco, a existência de um único negócio jurídico.” Percebe-se que não é oferecida uma operação de crédito ao adquirente do bem ou mercadoria, mas uma operação mercantil. Assim, lembrando que a base de cálculo do ICMS é o valor da operação de circulação de mercadorias ou o valor do serviço prestado, o valor total da venda a prazo será utilizado no cálculo desse tributo, em contrapartida, não há que se falar em imposto sobre operação de crédito em tal negócio jurídico. Nas vendas financiadas temos o pagamento efetuado direta ou indiretamente pelo consumidor de forma a quitar a obrigação contratada, sendo o recurso utilizado para pagamento obtido por meio de contratado distinto com instituição financeira ou operadora de cartão de crédito.     Referente às vendas financiadas, Carrazza (2002, p. 93) leciona: “(…) na venda financiada, há captação de custo de financiamento, pelo vendedor ou por terceiro. Ou, se preferirmos, há uma operação de crédito, que se identifica com a troca de bens atuais por bens futuros. O financiamento nasce de um acordo de vontades entre o vendedor e o comprador, em tudo e por tudo autônomo do contrato de compra e venda que o ensejou.” Consideramos que, mesmo sendo efetivado negócio jurídico somente entre vendedor e comprador, se existir a operação de financiamento destacada do preço da venda, com a imposição de juros e outros encargos financeiros, temos uma venda financiada. Temos que o custo do financiamento não compõe o valor da operação mercantil, é operação de crédito distinta, não incidindo sobre aquele custo o ICMS. Porém, o valor financiado é objeto do IOF, ainda que o financiamento não seja efetuado por instituição financeira, já que o fato gerador do IOF é a operação de crédito realizada entre pessoas jurídicas e entre pessoa jurídica e física. O Superior Tribunal de Justiça entendeu que os encargos do financiamento não são afetados pelo ICMS, sendo: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – ICMS – COMPRA E VENDA A PRAZO – ENCARGOS DE FINANCIAMENTO – OPERAÇÕES DISTINTAS – EXCLUSÃO DOS ENCARGOS DA BASE DE CÁLCULO DO ICMS – PRECEDENTES. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que, nas vendas a prazo, não são incluídos, na base de cálculo do ICMS, os encargos decorrentes do financiamento do preço das mercadorias. Aplica-se à espécie, mutatis mutandis, o mesmo raciocínio que ensejou a edição da súmula 237 desta Corte, a qual estabelece que “nas operações com cartão de crédito, os encargos relativos ao financiamento não são considerados no cálculo do ICMS”, razão por que não prospera a pretensão da recorrente de afastar a incidência da referida súmula, ao argumento de que “no caso dos autos, não se trata de venda financiada ou com cartão de crédito, mas de venda a prazo, na qual desde já se sabe o valor que será pago em parcelas mensais" (fl. 210). Agravo não provido. (AgRg no REsp 421916/RS, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/06/2005, DJ 05/12/2005 p. 267).” Conclui-se que a principal distinção entre as vendas a prazo e as vendas financiadas, de forma a influenciar na tributação, é a existência ou não de dois negócios jurídicos. Um seria a operação mercantil com a promessa de entrega de um bem ou mercadoria em troca de pagamento em pecúnia e o outro seria uma operação de crédito, caracterizada pela antecipação de valor monetário com o compromisso de pagamento futuro, que será acrescido de encargos financeiros como juros, atualização monetária e taxas conexas.   O julgado do Superior Tribunal de Justiça reforça a existência de duas operações no caso de venda financiada e de uma única operação no caso de venda a prazo, como se segue: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL AgRg no REsp 743717 SP 2005/0064874-7 (STJ) TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – ICMS – VENDA FINANCIADA – BASE DE CÁLCULO – ENCARGOS FINANCEIROS – EXCLUSÃO – AGRAVO REGIMENTAL. 1. Na venda financiada, há duas operações: uma de compra e venda e uma de financiamento, sendo que o ICMS não incide sobre os encargos financeiros da operação; enquanto que na compra e venda a prazo, existe uma única operação na qual há incidência do ICMS sobre os encargos financeiros decorrentes. 2. In casu, houve uma venda financiada, devendo ser excluídos os encargos financeiros da operação. Precedente: REsp 739.910/SC, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 12.6.2007, DJ 29.6.2007. Agravo regimental improvido. STJ – 04 de Março de 2008” O resultado da distinção entre vendas a prazo e vendas financiadas recai principalmente sobre a aplicação ou não do IOF e a ampliação ou não da base de cálculo do ICMS e do IPI. Tal distinção também reflete no ônus decorrente das contribuições do PIS/Pasep e da COFINS. Tendo o empreendedor a possibilidade de escolher qual sistemática será adotada nas suas vendas, a de vender a prazo ou financiado, deve analisar tais reflexos sobre o preço do produto, ainda que  o imposto não componha imediatamente o preço de venda, como no caso do financiamento contratado pelo cliente diretamente com a instituição financeira.  Mesmo que o financiamento não interfira no preço de venda acordado diretamente pelo vendedor e o comprador, os custos financeiros e tributários serão suportados pelo adquirente da mercadoria, influenciado em sua decisão de compra. Analisando detidamente o assunto, sob a perspectiva do valor suportado pelo adquirente do bem ou mercadoria, temos: Nas vendas a prazo, a repercussão do IPI, ICMS, PIS/Pasep e COFINS é sobre o valor total da operação, que será o preço a vista, incluindo frete e seguro, acrescido do custo do dinheiro pelo parcelamento. Nas vendas financiadas, o IPI, ICMS, PIS/Pasep e COFINS incidem sobre o valor da operação, sendo somente o preço a vista da mercadoria, frete e seguro. Entretanto, sobre esse preço também teremos o IOF, já que este incide sobre o valor do principal emprestado. Como o valor acrescido pelo financiamento é receita financeira para a empresa que cede o crédito, não teremos a incidência dos impostos citados acima, lembrando que, sobre as receitas financeiras não incidem PIS/Pasep e Cofins (incidem sobre a receita bruta) e o IOF (incide sobre o principal emprestado). Nos casos de instituições financeiras, existe debate quanto a incidência ou não do PIS/Pasep e Cofins sobre as receitas financeiras, já que a operação de crédito é atividade corrente dessas entidades. Entretanto, consideramos nesse trabalho, ainda que aplicável essas contribuições às receitas das instituições financeiras, seu valor estará incluído no custo do financiamento, embutido na taxa de juros.  6. Comprar ou produzir Não é raro as empresas se depararem com possibilidades entre comprar ou produzir bens e materiais utilizados no processo de produção, ou entre terceirizar ou executar serviços relacionados diretamente à suas atividades ou serviços secundários.  Muitas vezes essas decisões se apresentam devido à perspectiva de expansão da produção ou da participação do mercado, ou ainda, da necessidade de acompanhar a competitividade empresarial. Para que não seja desperdiçada uma boa oportunidade, ou ainda, para que não se faça uma escolha desastrosa, é indispensável o estudo pormenorizado a fim de verificar a viabilidade de adoção de cada alternativa, sendo incluído em tal estudo o retorno projetado, a avaliação dos custos totais e o investimento total, do custo incremental e a análise de retorno sobre os investimentos realizados. Vários são os pontos a serem abordados nesse tipo de estudo, como a dispensa ou necessidade de instalações, máquinas, equipamentos e pessoas; a logística necessária e seus custos de acordo com cada alternativa e o seu resultado sobre o fluxo de produtos e serviços; a gestão de estoques e a quantidade de mercadoria necessária de acordo com a escolha; e a influência sobre processos administrativos e de vendas. A análise de custos é a base para esse tipo de decisão, e nos dias atuais, os custos tributários não devem deter menor atenção. A decisão entre comprar ou produzir parte dos produtos, ou sua totalidade, sob a perspectiva da tributação, tem efeito sobre os créditos aproveitáveis, o que influencia diretamente no custo final do produto e na margem de contribuição. As análises devem observar os créditos tributários com a aquisição do produto e os relacionados à aquisição de matérias-prima e outros insumos utilizados na produção. Deve-se observar também os créditos tributários relacionados aos custos e despesas fixos, e que estes podem aumentar ou diminuir de acordo com a decisão de comprar ou produzir. A necessidade de investimento em máquinas, instalações e equipamentos, ou a possibilidade de vender ou alugar os imobilizados dispensados, devem ser analisados utilizando o conceito de custo de oportunidade. O custo de oportunidade é o retorno que se teria se o valor aplicado em um investimento fosse utilizado em outra aplicação de igual risco. Martins (2003, p. 234) afirma que a comparação entre empreendimentos diferentes é imperfeita, já que os graus de risco são bastante diferentes, apontado como solução:  “(…) ou entendemos o custo de oportunidade em relação a outro investimento de igual risco ou tomamos sempre como base o investimento de risco zero, que seria, no caso brasileiro, em títulos do Governo Federal, ou a Caderneta de Poupança.” Conclusão Os encargos tributários, assim como os créditos recuperáveis, são componentes importantes na formação dos preços dos produtos, sendo indispensável a análise do reflexo da legislação tributária na formação do custo do produto que será vendido, assim como no preço suportado pelo cliente. Por exemplo, nas vendas a prazo e financiadas, a variação ocorre em função das taxas adotas e dos prazos, pois, enquanto na venda a prazo temos a incidência de impostos sobre o valor acrescido ao preço a vista, temos nas vendas financiadas a incidência do IOF sobre o preço a vista e o acréscimo do financiamento. Importante ressaltar que as análises na decisão de vender a prazo ou financiado não podem se limitar ao apresentado nesse trabalho. Deve-se fazer estudo a fim de verificar a ocorrência de despesas adicionais, assim como a possibilidade de eliminação de algumas despesas. Tal análise torna-se mais complexa na decisão entre comprar ou produzir determinado produto ou componente utilizado na produção de bens e produtos. Na oportunidade de aumento da produção para aproveitar o crescimento nas vendas ou apresentando-se oferta para compra de componente utilizado pela empresa, é importante observar a relação do crédito dos tributos na aquisição de produtos e de materiais utilizados no processo de produção, assim como, dos créditos sobre os custos e despesas fixos. Os créditos tributários sobre os custos e despesas fixos influenciam na quantidade necessária de produtos a serem vendidos de forma que a empresa obtenha lucro nas suas atividades. Os créditos tributários nas compras incidem, normalmente, sobre o valor total de aquisição. Na produção temos custos, como os referentes à mão-de-obra, que não geram créditos para os impostos indiretos. A relação desses custos pode resultar ainda na escolha de produzir até certo montante e ao mesmo tempo comprar certa quantidade, de forma a maximizar o aproveitamento dos créditos tributários sobre os produtos adquiridos e dos créditos decorrentes de instalações fixas e de outras despesas que não seriam eliminadas se decidida pela produção também na empresa. Outras informações são indispensáveis para a análise das alternativas entre comprar ou produzir determinado produto. Como o volume de vendas que se estima ser absorvido pelo mercado; a capacidade financeira da empresa para o aumento nas compras e vendas relacionadas aos custos de financiamentos que se tornarem necessários; a capacidade do fornecedor de atender às demandas da empresa e se os produtos adquiridos daquele são de qualidade compatível com os oferecidos por esta.  É importante ressaltar que as decisões devem se basear também em fatores e resultados projetados a longo prazo. O estudo focado nas variáveis imediatas pode levar a uma escolha aparentemente correta a curto prazo, porém, de resultados negativos ao longo do tempo. Outras formas de planejamento também são indispensáveis. É importante observar incentivos fiscais, formas alternativas de apuração dos tributos e matérias controversas passíveis de discussão no judiciário, com o objetivo de conjugar com a análise dos custos dos produtos produzidos e dos respectivos valores de venda.
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A auditoria e a perícia como instrumentos no combate aos crimes contra a ordem tributária
Os crimes tributários geram um grande efeito maléfico à sociedade, o que não é percebido diretamente, como a concorrência desleal e a majoração da carga tributária sobre o contribuinte regular. Tal fato deveria colocar os crimes tributários no rol de prioridade de combate e prevenção. Aos agentes encarregados do combate à sonegação fiscal torna-se fundamental o conhecimento dos crimes tributários conforme tipificado na Lei 8.137 de 1990, e ainda, de seus elementos caracterizadores, da qualificação de seus agentes e das formas de extinção de sua punibilidade. Também se faz necessário o conhecimento das técnicas e procedimentos de auditoria, adaptando-as para verificação da ocorrência de crime tributário, e a observação dos requisitos exigidos na perícia contábil, aplicando-os nos trabalhos de forma que os relatórios e pareceres produzidos sejam elementos importantes e válidos na comprovação da ocorrência das fraudes.
Direito Tributário
Introdução Constantemente debatida, a carga tributária brasileira é percebida pela população, dos menos favorecidos economicamente aos que detêm vultosa parcela dos recursos disponíveis, como um enorme peso a ser suportado, de tal forma que muitos procuram, de alguma maneira, afastar-se deste encargo. De elevada representatividade sobre o Produto Interno Bruto e incluída entre as maiores do mundo, a tributação no Brasil produz efeitos indesejáveis, extrapolando a real necessidade do Poder de Tributar, comprometendo a eficiência do processo de arrecadação de recursos e esculpindo uma imagem contrária à que deveria ser difundida entre a população. A desculpa dos sonegadores é a elevada carga tributária, o que não justifica o descumprimento da lei, porém não pode ser descartada. De fato, quanto mais representativo o valor pago em impostos, taxa e contribuições, mais o agente passivo da obrigação tributária sente-se tentado a minimizá-lo, principalmente considerando a economia brasileira, estigmatizada pela informalidade, pirataria e comercialização de grande monta de produtos e equipamentos que entram ilegalmente no país. O contribuinte honesto ainda compete com outros empresários que não cumprem suas obrigações tributárias, havendo uma concorrência totalmente desleal uma vez que os preços sem os impostos são mais competitivos, o lucro é maior e o retorno sobre o capital mais atrativo. Outros fatores aumentam o estímulo à sonegação, como a complexidade da legislação tributária, que prejudica o próprio Fisco no exercício de suas atividades, e as limitações técnicas e de pessoal deste relacionadas ao grande número de contribuintes. A contabilidade é utilizada pelas empresas como forma de distorcer, omitir ou gerar informações falsas objetivando burlar a legislação tributária, isso agravado pela possibilidade do próprio fisco não se utilizar de todo o potencial dessa ciência (a contabilidade) como meio de coação e identificação de fraudes. A sonegação fiscal deve ser combatida com todos os recursos disponíveis, pois prejudica a economia, promove um desequilíbrio na livre iniciativa e reduz a receita pública provocando impacto na elevação da carga tributária, o que por sua vez estimula a sonegação. No combate à sonegação, maior eficiência é alcançada no trabalho conjunto entre a Repartição Fazendária e o Ministério Público. A atuação do Fisco é a primeira e principal ferramenta de combate aos sonegadores. É importante para que os agentes fiscais não só descubram a existência das irregularidades com eficácia, como também, calculem corretamente os valores devidos e sonegados, evitando-se lançamentos incorretos e falhas no Processo Tributário Administrativo (PTA). Existindo elementos que demonstrem a ocorrência do crime tributário, o Fisco, após autuar os criminosos, deve encaminhar a representação, “notitia crimis”, ao Ministério Público, para que este ofereça a denúncia perante o Judiciário. O presente estudo tem como objetivo especificar, na auditoria contábil, ferramentas a serem utilizadas na verificação de ocorrência de fraudes, e identificar procedimentos técnicos e científicos aplicados na perícia contábil que auxiliem na formação de elementos que fortaleçam a comprovação da ocorrência do crime tributário. 2. Os crimes contra a Ordem Econômica e Tributária Os crimes contra a ordem tributária e econômica são tipificados na Lei 8.137 de 1990, sendo os crimes tributários relacionados no capítulo I e os crimes contra a ordem econômica e as relações de consumo abordados no capítulo II. Os crimes contra a ordem tributária são separados em crimes cometidos pelos particulares, arts. 1º e 2º, e praticados por funcionários públicos, art. 3º. Atenção especial será dada aos dois primeiros artigos, de forma a nos permitir um melhor entendimento dos fatos envolvidos com a sonegação fiscal, já que nosso objeto principal é a atuação do particular visando lesar o erário.  São definidos no art. 1º como crimes contra a ordem tributária, suprimir ou reduzir tributo, contribuição social e qualquer acessório, através de práticas como omitir ou prestar informações falsas; acobertar operações ou inserir elementos inexatos em documento exigido pela lei fiscal; falsificar qualquer documento relativo à operação tributável, assim como negar, deixar de fornecer, ou fornecer tal documento em desacordo com a legislação, quando obrigatório; e qualquer ato que promova a circulação de documento de que deva tomar conhecimento ser falso ou inexato. O parágrafo único do art. 1º dispõe que a falta de atendimento às autoridades fazendárias, no prazo de 10 (dez) dias, enquadra-se na recusa ou não fornecimento de documento obrigatório relativo à venda de mercadoria ou prestação de serviço. O art. 2º acrescenta como crimes tributários omitir ou fazer declaração falsa de rendas, bens ou fatos, de forma a eximir-se, ainda que parcialmente, de pagamento de tributo; não recolher aos cofres públicos, no prazo legal, tributo ou contribuição social devidos, que tenham sido descontados ou cobrados de outrem; obter vantagem, para si ou para o outro contribuinte, na forma de percentual sobre a parcela dedutível ou deduzida como incentivo fiscal. Ainda de acordo com o art. 2º, são crimes tributários descumprir o que está regulamentado quanto à aplicação de incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; e utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita a manutenção de informação contábil diversa daquela que é fornecida à autoridade fazendária. Percebe-se que os atos listados no art. 1º, crimes meios, para que configurem como crimes contra a ordem tributária, dependem da redução ou ocultação total de tributo devido, que seria o crime fim. Nos casos enumerados no art. 1º, é necessário o lançamento do crédito tributário, ou que ao menos existam provas do montante indiscutivelmente sonegado, ainda que não escrito em dívida ativa, de forma a validar a existência do ilícito penal e permitir sua denúncia ao Judiciário. É quando consumado o fato gerador que nasce o crédito tributário, independente do fisco ter tomado conhecimento da ocorrência desse evento e inscrito o valor devido como débito do contribuinte.   Já o art. 2º reflete que a ocorrência de supressão ou redução do tributo não é exigência para que os atos nele arrolados sejam tipificados como crime tributário. Basta a prática da ação tipificada, sem a necessidade de alcance do resultado. Por exemplo, o não recolhimento de valor devido ao erário descontado ou cobrado de contribuinte substituído não implica em omissão ou supressão de tributo, pois o valor devido pode não ter sido acobertado, não obstante, indevidamente apropriado pelo substituto tributário. Analisando melhor este exemplo, o ilícito estará caracterizado pela não intenção, recusa de pagamento do tributo recolhido de outrem. Decorrente de tal observação carece atenção especial o art. 83 da Lei 9.430 de 1996, pois essa exige a constituição do crédito tributário para caracterização do crime tributário, inclusive do disposto no art. 2º da Lei 8137, como verifica-se a seguir: “A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.” Tal ênfase deriva do fato de exigir, pagar ou receber porcentagem sobre parcela dedutível de imposto, aplicar indevidamente incentivo para desenvolvimento e utilizar e/ou divulgar programa de processamento de dados que vise o controle paralelo de informações legalmente exigidas, não originará, a princípio, crédito tributário quando da sua ocorrência. 2.1 Natureza e tipos dos crimes tributários Os crimes tributários tratados na Lei 8.137/90 podem ser caracterizados como crimes materiais ou formais sendo, respectivamente, os dispostos nos art. 1º e art. 2º. Nos crimes materiais temos previsão legal da ocorrência de um resultado decorrente do ato praticado, deve haver lesão ao bem jurídico tutelado, sendo no caso do art. 1º, como já abordado, para a caracterização como crime, além do ato praticado, deve ocorrer a redução ou supressão do tributo. O que se verifica pela lição Lovatto (2003, p. 90): “Não se esgota o ilícito penal tributário, portanto, na realização da conduta, pura e simplesmente, mas depende da conjugação da conduta, com a incidência ou não do tributo e com a vontade do agente. Coexistentes os três elementos, tem-se caracterizado o delito e pode-se afirmar que o dolo está no tipo nos delitos de sonegação fiscal.” Nos crimes formais não há a necessidade de consumação do resultado, basta que tais práticas ocorram e que exista o dolo específico, como no art. 2º da Lei 8.137/90, no qual, independente da supressão ou redução do tributo, o crime passa a existir quando existente é o ato. Lovatto (2003, p. 116) ensina que tanto o art. 1º quanto o art. 2º da Lei 8.137/90 têm a mesma natureza, a ordem tributária, no entanto, o art. 1º tem por objetivo proteger a ordem tributária de forma clara e direta, já no art. 2º são protegidos outros aspectos da ordem tributária, alguns não tendo relação direta com a sonegação fiscal. “Em sentido estrito, tem-se, pois, como bem jurídico protegido a veracidade das declarações (inc. I); o patrimônio público pela exigência de honestidade de entregar à pessoa jurídica de direito público aquilo que, em nome dela, cobrou ou descontou (inc. II); a finalidade do incentivo fiscal, vedando a cobrança de comissão (inc. III) e o desvio (inc. IV); a veracidade contábil, evitando programas que permitem dupla contabilidade (inc. V).” Lovatto (2003, p. 117) Importante, também, conhecermos o momento de ocorrência do crime, de sua consumação. De acordo com o art. 4º do Código Penal, “considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. Do entendimento a partir da preleção de Lovatto (2003, p. 86 e 87), o lançamento do tributo reporta-se à data da ocorrência do fato gerador e o prazo para homologação é de cinco anos a contar dessa data. Não se conta o prazo do pagamento, pois o tributo se constitui do fato gerador. Sendo assim, é da ocorrência do fato gerador que o tributo é reduzido ou suprimido resultado de condutas que omitem ou criem qualquer espécie de falsidade nos registros de fatos geradores. Lovatto (2003, p. 17) nos apresenta situação a ser observada: “Contudo, se a omissão for de recibo de prestação de serviço de um profissional liberal, em relação ao imposto de renda, há que se ter em mente que o tributo deve ser declarado no ano seguinte, sendo que o não-fornecimento de nota fiscal ou do documento equivalente, pura e simplesmente, não significa que o profissional não declare aquilo que recebeu durante o exercício anterior. Consequentemente, o tempo do ato é o momento em que se consuma o delito ou, se for o caso, em que se realiza a tentativa.” Assim, temos que o momento de ocorrência do crime tributário, em regra, é o mesmo da ocorrência do fato gerador associado à prática de um dos crimes meio informados no art. 1º da Lei 8.137/90, ainda que a data do pagamento do tributo devido seja outra. Não é possível considerar como momento de consumação do crime a data do pagamento quando o contribuinte reduz ou suprime tributo, isto porque, além do disposto anteriormente, mesmo que consideremos a hipótese do contribuinte recolher o tributo sonegado na data de pagamento, teríamos o caso de um arrependimento do agente passivo e não de uma não consumação do crime. Assim, percebe-se que o crime foi praticado e o contribuinte suprimiu ou reduziu seu débito tributário por meio da fraude, quer ocultando, quer alterando as informações referentes ao fato gerador, porém, o valor foi recolhido após ele pesar sobre os erros cometidos. Os crimes do art. 2º da Lei 8.137/90 estarão consumados quando praticada efetivamente uma das ações descritas, independente da ocorrência do fato gerador e da supressão ou redução do tributo, já que não dependem do resultado. No entanto, sempre que a legislação estipular data para cumprimento de determinada conduta, como o de recolhimento de tributo descontado ou a aplicação de incentivo fiscal, o ato ilícito estará consumado após a referida data. Já o local do crime tributário, seguindo a inteligência do art. 6º do CP, será tanto aquele em que ocorrer a ação, ou melhor, as condutas que resultam no crime, podendo assim, ser mais de um local quanto aquele no qual se produz, ou deveria ser produzido, o resultado. Em relação aos crimes tributários, temos a possibilidade de crime continuado e a ocorrência de concurso de crimes, formal ou material. Esses últimos são tratados respectivamente nos artigos 71, 70 e 69 do Código Penal. O concurso formal ocorre quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não. Nesse caso, aplicar-se-á a pena mais grave das cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, porém, aumentada. No entanto, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, isto é, quando o sujeito pretende a prática de vários crimes, as penas serão aplicadas cumulativamente, consoante o concurso material. O concurso material, de acordo com o art. 69 do CP, ocorre quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica vários crimes, com resultados idênticos ou não. Neste caso, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. As condutas tipificadas nos incisos do art. 1º da Lei 8.137/90, conforme dispõe Decomain (2008, p. 258) constituem-se em um único crime, quando apenas um tributo é sonegado. Seguindo a essencial lição de Decomain (2008, p. 261), o concurso formal ocorrerá quando o crime atingir mais de um tributo, porém, será o propósito do agente de sonegar um ou mais tributos que determinará a pena aplicável. Se o agente teve a intenção de suprimir apenas um tributo e, por decorrência, também se exime de outro tributo, sem ser esta sua vontade, será aplicada a pena mais grave (concurso formal próprio ou perfeito), se o agente tem por objetivo sonegar mais de um imposto com sua conduta, serão somadas as penas aplicadas a cada delito (concurso formal impróprio ou imperfeito). O concurso material ocorrerá quando mediante condutas distintas se pratica mais de um crime, por exemplo, se o contribuinte insere elementos inexatos suprimindo tributo e também se recusa a recolher tributo cobrado ou descontado de outrem. Deve-se observar, conforme ensina Decomain (2008, p.253), que as fraudes e falsificações previstas nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 não constituem infrações penais autônomas segundo o princípio da especialidade, e tendo em vista os crimes tributários serem crimes complexos, as fraudes e falsificações não são puníveis separadamente dos crimes dispostos naqueles artigos. Lovatto (2003, p. 77) também nos esclarece quando de condutas enquadráveis tanto no art. 1º quanto no art. 2º da Lei nº 8.137/90: “Outra observação importante em relação aos incisos diz respeito ao enquadramento possível do mesmo fato em vários incisos. Neste caso, não se pode, como já se viu, na prática, pretender capitular como se fosse concurso material ou formal de crimes. Há que se verificar qual das normas, de forma plena ou mais específica, incide sobre o fato”. De acordo com o art. 71 do CP, tem-se crime continuado: “(…) quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro.” No caso de crime continuado será aplicada a pena mais grave, aumentada. No caso de serem idênticas, será aplicada a de um só dos crimes, também aumentada. Da obra de Decomain (2008, p. 268 – 269) inferimos que não ocorre a soma das penas, no caso de mais de um crime praticado com mais de uma ação ou omissão, quando presente os elementos que caracterizam o crime continuado ou continuidade delitiva. Isto é, condutas semelhantes, previstas no mesmo tipo legal e cometidas de maneira assemelhadas, com nítida proximidade temporal, que deve ser estabelecida de acordo com a particularidade do tributo sonegado, e similaridade de local. 2.2 Os agentes dos crimes tributários Considerando a complexidade e a perspicácia com que são cometidos os crimes contra a ordem tributária, dificilmente serão praticados por uma só pessoa e nem tão simples será a identificação da responsabilidade de cada agente. Para que não se corra o risco de punir uma pessoa de menor relevância, deixando o autor principal impune, algumas considerações devem ser feitas. Primeiramente, o autor principal será, na maioria dos casos, o sujeito passivo da obrigação tributária, o qual será afetado diretamente pela carga tributária, pois a ele interessa mais do que a qualquer outro o não pagamento do tributo. O autor central é a pessoa que detém o poder de mando na empresa e que diretamente é afetado pelos recursos auferidos. Ele se utiliza de funcionários, outras pessoas e empresas, e até de agentes públicos para o cometimento do ilícito. Utiliza-se ainda do registro de pessoas físicas e jurídicas inexistentes (“fantasmas”) e sócios fantoches (“testas-de-ferro”). Outros, muitas das vezes, também estarão interessados em uma parcela da importância sonegada, ou simplesmente são incluídos por sua ingenuidade ou por coação, sendo suas participações importantes e imprescindíveis para o cometimento do fato. Agem com funções já definidas e desempenham papéis distintos na engrenagem da máquina fraudadora.  Temos, então, nos crimes tributários, as figuras do autor, do coautor e do partícipe. Para caracterização do autor nos crimes contra a ordem tributária, tomemos a teoria do domínio do fato, assim definida por Capez (2004, p. 317): “(…) partindo da teoria restritiva, adota um critério objetivo-subjetivo, segundo o qual o autor é aquele que detém o controle final do fato, dominando toda a realização delituosa, com plenos poderes para decidir sobre sua prática, interrupção e circunstâncias. Não importa se o agente pratica ou não o verbo descrito no tipo legal, pois o que a lei exige é o controle de todos os atos, desde o início da execução até a produção do resultado.” Enquadra-se neste conceito os proprietários ou acionistas, gerentes e diretores que, sem “sujar as mãos”, cometem todo o tipo de crime tributário através de interpostas pessoas. Podemos ter ainda a autoria mediata, em que o autor se utiliza de indivíduo incapaz de distinguir o ato ilícito, ou o coage de forma insuportável, física ou moralmente, para praticar o ato criminoso. A figura do coautor, tomando novamente a lição de Capez (2004, p. 289), materializa-se na realização da conduta principal, em que há a colaboração recíproca e visando o mesmo fim. A colaboração não necessita ser materialmente a mesma, podendo haver uma divisão de atos e separação dos papéis entre os coautores.  Aditando com as palavras de Lovatto (2003, p. 42), “a ação de um se completa com a ação dos demais, motivo por que todos são considerados coautores, responsáveis pelo resultado final da sonegação”. Os coautores também possuem o domínio do fato, sendo que o não envolvimento de um pode prejudicar a prática do delito. Seguindo as definições enunciadas por Capez (2004, p. 320), o partícipe será aquele que concorre para que o autor ou coautores realizem a conduta principal. Ele não pratica o ilícito tipificado, mas auxilia de algum modo no alcance do resultado. Deve existir a vontade de cooperar com a conduta principal e esta cooperação deve ser efetiva, mediante atuação acessória da conduta principal. Temos como partícipe, principalmente, os empregados utilizados como “testas-de-ferro” e o contabilista da empresa. Quando o empregado age por necessidade de manter seu emprego, assim como pela coação do proprietário, não teríamos a figura do partícipe. Tomando a lição de Decomain (2008, p. 169), o empregado deve agir com dolo de beneficiar o empregador para que haja o concurso de agentes, se ele age contra sua vontade ou simplesmente executa a tarefa material que lhe é determinada, o dolo estará ausente. Também pode agir sob pressão o responsável pela contabilidade da empresa, no entanto, de acordo com Lovatto (2003, p. 44), por ter o dever jurídico de evitar a fraude, será enquadrado como cúmplice por omissão, respondendo como partícipe. O autor informa que também responderá como partícipe se “o resultado produz-se independente da conduta do contador, porquanto outro é quem detém o domínio do fato, sendo que ele, ao ver a existência do crime, omitindo-se, infringe seu dever de evitar o resultado”. Acrescenta-se que, se o contador tiver como função dificultar a descoberta do fato delituoso ou de realizá-lo de forma mais proveitosa, estará configurada a coautoria.   3. A aplicação da Auditoria Contábil O objetivo da Auditoria Contábil é verificar a adequação dos registros e das demonstrações contábeis aos Princípios Fundamentais e Normas Brasileiras de Contabilidade e, quando imposta, à legislação específica. Isto é, confirmar se o que está sendo demonstrado corresponde à realidade e obedece às determinações legais. A adequação dos registros às normas e princípios contábeis não deve deter atenção especial na auditoria quando aplicada com o objetivo de se verificar a ocorrência de crime tributário, tendo por exceção os casos em que a não observância dos princípios e normas contábeis ensejar uma das condutas descritas na lei 8.137/98. Sendo o alvo a prática de crimes tributários, podemos definir os procedimentos de auditoria como o conjunto de técnicas que possibilitem o levantamento de indícios de irregularidades, assim como a obtenção de comprovações quanto a evidências manifestas, ou de provas suficientes da ocorrência de irregularidades.   Lopes de Sá (2002, p. 32 e 33) apresenta como fundamentos dos métodos utilizados no trabalho de auditoria, a previsão, o acompanhamento executivo, a retrospecção executiva e avaliação rigorosa. Antes de se iniciar a auditoria, inclusive a fase de planejamento, tem-se a necessidade de prever tecnicamente como serão executadas todas as fases primordiais para se atingir os objetivos, de forma a não incorrer em improvisações indesejáveis. Essa previsão apresenta-se fundamental até quando do acompanhamento executivo. O acompanhamento é a forma mais eficiente de controle de uma empresa. O monitoramento dos contribuintes funciona como medida preventiva contra os crimes tributários. Tal monitoramento pode ser feito utilizando-se do confronto de informações coletadas com tendências pré-estabelecidas para determinado grupo e porte econômico de empresa. Sempre que verificados indícios de irregularidades, proceder-se-ia com imediata fiscalização e autuação, ou mesmo, de forma mais branda, como um primeiro aviso, teríamos a convocação do contribuinte para regularizar sua situação. As verificações subsequentes acabam por ter como resultado a correção e punição dos comportamentos desviados e sua maior deficiência está no transcorrer do tempo e na correção do impacto do dano causado, pois perdem segurança à medida que distanciam da data de ocorrência dos fatos e da proporção que estes assumem. 3.1. Papéis de Trabalho Os papéis de trabalho são disciplinados por meio da Norma Brasileira de Contabilidade Técnica NBC T 11.3, sendo que, dessa norma, observamos que a documentação preparada na execução da auditoria, assim como a fornecida para a execução dos trabalhos, constitui os papéis de trabalho, nos quais deverão ser registradas todas as evidências relevantes que esclareçam ou comprovem os fatos, de forma a fundamentar o parecer final. A utilização de papéis de trabalho facilita a elaboração de relatórios e a revisão do que foi realizado, auxilia no planejamento e execução de investigações posteriores e, principalmente, é um meio de prova de indícios ou mesmo da ocorrência do ilícito, pois neles devem constar todos os elementos que sustentem o parecer ou relatório final. Ainda com base na NBC T 11.3, observamos que a elaboração, estruturação e organização dos papéis de trabalho devem atender às circunstâncias e necessidades de cada tipo de tarefa a ser realizada. Apesar de não ser possível a utilização de padrões fixos, eles podem ser padronizados de forma a atender às circunstâncias e satisfazer às necessidades de trabalhos semelhantes, observando-se que todos os papéis de trabalho devem ser claros e sucintos, porém, detalhados o suficiente para esclarecer as informações e opiniões apostas no relatório. Neles devem constar informações referentes ao planejamento dos trabalhos, a delimitação dos procedimentos e do objeto, os resultados e as conclusões advento de tudo que foi executado. Inclui-se nos papéis de trabalho todo o objeto que estiver disponível na execução dos trabalhos de verificação de fraudes, como livros contábeis e fiscais, demonstrações financeiras, notas fiscais, contratos ou estatutos e suas alterações, contratos de obrigações e direitos. Incluem-se, também, nos papéis de trabalho, as análises e verificações realizadas, com memórias de cálculos e revisões executadas; outras confirmações e pesquisas, como informações referentes à estrutura organizacional, atividade, ambiente econômico; confirmações realizadas com fornecedores e clientes; constatações em inspeções físicas de caixa, estoques e de outros ativos. 3.2. Planejamento da Auditoria Na fase de planejamento da auditoria são estabelecidas a natureza, a extensão e a profundidade dos exames, conforme NBC T 11.4. Essa fase consiste em selecionar, delimitar e programar os trabalhos que serão executados de acordo com os objetivos da auditoria. Seguindo os ensinamentos de Franco e Marra (2001, p. 218), por natureza dos exames temos aplicação dos trabalhos de forma permanente, podendo ser contínua ou periódica, ou sua aplicação eventual ou especial. Como execução permanente temos, por exemplo, o exame de informações financeiras, tendência de recolhimento de impostos em comparação com o ambiente econômico, podendo alguma anomalia ser indício de irregularidades. Como aplicação eventual ou específica temos os exames com início e término certo, podendo ser delimitados ou não a determinados registros e contas contábeis, e ainda, decorrentes de necessidade específica, como para averiguar indícios e suspeitas anteriormente levantadas. Ainda tomando os ensinamentos dos autores supracitados, temos que a extensão do trabalho consiste em determinar a abrangência da análise, se serão examinados todos os documentos disponíveis, apenas alguns destes ou partes/quantidades específicas de determinados documentos. De acordo com a profundidade teremos a realização dos exames de forma integral, que se trata da revisão de todos os fatos registrados, ou a realização dos exames por amostragem, sendo selecionados itens de um conjunto para verificação. Para que o planejamento dos trabalhos tenha bons resultados, é necessário o conhecimento prévio das atividades e práticas operacionais dos envolvidos, dos fatores econômicos e da legislação aplicável. Deve-se considerar outros fatores relevantes, como a existência de trabalhos anteriores, autuações e auditorias já realizadas, o sistema contábil adotado na entidade, os prazos disponíveis para execução dos trabalhos, a existência de filiais e partes relacionadas, o volume e complexidade das transações. A partir da lição de Franco e Marra (2001, p. 297), temos que o planejamento materializa-se no programa de auditoria, que pode conter os levantamentos iniciais, instruções de ordem geral ou roteiro detalhado dos trabalhos, questionamentos e outras diretrizes do que deve, a princípio, ser executado. No caso do programa de auditoria assumir a forma de questionamentos, podemos aplicar a lição de Franco e Marra (2001, p. 297): “O programa deve ser traçado de tal forma a permitir que as respostas sejam anotadas em seguida às questões formuladas, constituindo-se, assim, num importante papel de trabalho, que serve como registro do serviço executado, dos procedimentos aplicados e dos que não se levaram a efeito porque foram considerados não aplicáveis.” Seguindo os ensinamentos dos autores, vemos que o programa de auditoria deve ser flexível o suficiente para permitir sua revisão, atualização e adaptação com a inserção de novos exames, assim como, com a exclusão dos procedimentos que vierem a ser considerados desnecessários, conforme novos fatos assim recomendarem. 3.3. Os procedimentos de auditoria De acordo com a NBC T 11.2, os procedimentos de auditoria abrangem os testes de observância, que tradicionalmente visam avaliar o controle interno da entidade, e os testes substantivos, utilizados diretamente para verificar a validade dos registros e informativos contábeis através de testes de transações e saldos, e de procedimentos de revisão analítica. Dependendo da complexidade e volume das operações, pode ser inviável o exame em maior profundidade de todos os documentos e registros disponíveis e relevantes para a apuração de irregularidades, podendo os procedimentos de auditoria ser aplicados por meio de provas seletivas, testes e amostragens, devendo ser observados os riscos de fatos importantes passarem despercebidos. A NBC T 11.2 dispõe também que, quando da aplicação de testes de observância e substantivos, deve-se levar em conta os seguintes procedimentos básicos: a) Inspeção Dependendo dos objetivos, podemos ter a inspeção visando verificar a existência de registros ou documentos obrigatórios ou de outros documentos que possam auxiliar nos trabalhos, igualmente, podemos ter a inspeção de bens tangíveis, como estoques, máquinas e imóveis, procedendo-se a contagem física dos itens expressivos e confrontando-os com a documentação suporte. Na contagem física de estoques é importante instruir todos os participantes de forma que os trabalhos sejam executados de maneira uniforme e sem margem para erros grosseiros. Deve-se adotar sistemática para que um mesmo lote não seja contado mais de uma vez, e que facilite a verificação e recontagem, se necessárias. Para que movimentações de última hora não prejudiquem a contagem física, deve-se anotar as últimas entradas e saídas e examinar as notas fiscais correspondentes. Atenção especial faz-se relevante no caso de emissão de nota fiscal de venda antes da saída da mercadoria, ou do registro de nota fiscal de entrada com a ocorrência de atraso ou antecipação no recebimento das mercadorias.  Deve-se considerar ainda a possibilidade da existência de estoques em estabelecimentos de terceiros, ou o contrário, estoques de terceiros em poder da entidade que está sendo investigada. b) Observação A observação constitui-se no acompanhamento da execução de processo ou procedimento, como a verificação quanto à entrada ou saída de mercadorias desacompanhadas de notas fiscais. Confunde-se com o teste de observância, porém é uma técnica que pode ser utilizada quando da aplicação dos testes substantivos, pois pode reforçar indícios ou mesmo comprovar suspeitas da ocorrência de irregularidades. Como por exemplo, ao analisar a folha de pagamentos, visando auferir a capacidade operacional da entidade, suspeita-se que o número de funcionários está aquém da realidade. Será através da aplicação da observância que se terá a confirmação da real situação. c) Investigação e confirmação Podem-se validar dados ou obter novas informações através de entrevistas e confirmações feitas com pessoas de dentro da entidade, empregados e gerentes, ou pessoas externas, como bancos, clientes e fornecedores. Quando a conduta criminosa é bem planejada, a identificação das operações irregulares por intermédio dos registros contábeis apresenta menor possibilidade, sendo os meios de prova encontrados, com maior probabilidade, fora da documentação oficial da entidade, isto é, por meio de investigações e documentos de terceiros. Até mesmo a obtenção dos controles paralelos da entidade pode ser dificultada, porém, através da investigação e confirmação junto a terceiros pode-se obter elementos suficientes para provar a ocorrência do ilícito. Por meio dos testes de observância é possível melhor certeza da operacionalização da entidade através de confirmações internas, como indagar funcionários, responsáveis por setores e outros prestadores de serviços. A confirmação de informação com fontes externas recebe a denominação de circularização, sendo que, na auditoria independente, tal procedimento consiste na emissão de cartas, pela entidade auditada, para pessoas ou entidades com as quais mantenha relações de negócios. Tais cartas contêm solicitação de informações e a resposta deve ser diretamente encaminhada ao auditor. As cartas podem ser enviadas apenas com a solicitação da informação, ou já podem conter os saldos ou montantes cabendo ao destinatário apenas confirmar ou não tais valores. As informações de fontes externas apresentam maior credibilidade e devem ser usadas sempre que possível. Pode-se descobrir e comprovar fraudes através de informações obtidas com clientes e fornecedores, verificando-se o volume de vendas e, por consequência, o imposto sonegado. Da mesma forma, obtendo-se o volume de mercadorias adquiridas, permitindo verificar através dos estoques existentes a ocorrência de vendas sem notas fiscais. d) Cálculo Trata-se de conferir se os valores em registros, relatórios, documentos e demonstrações foram calculados corretamente, sendo uma revisão dos cálculos efetuados. Apesar da hipótese de fraude através das operações aritméticas possa parecer improvável, deve-se atentar que a mente criminosa procura por qualquer meio atingir seus objetivos, da forma de atuar mais simples a mais complexa.  e) Revisão analítica Sendo constatada a necessidade de aprofundar os testes, a ferramenta utilizada é o exame analítico, que consiste na revisão do fluxo de determinadas operações, de seus correspondentes registros e documentos, e de outros que possam transmitir informações úteis. O indício de irregularidades também é levantado através da verificação do comportamento de valores mediante a utilização de índices, quocientes, quantidades absolutas ou outros meios. Como exemplo, temos a utilização de índices representativos da quantidade de imposto recolhido, considerando o porte da entidade em relação a índices de outras entidades do mesmo ramo. Pode-se também apurar a rotatividade de estoques colhendo informações dos registros de entradas e saídas, de livros contábeis e de informações obtidas junto a fornecedores, o que levará a uma aproximação do volume real de vendas da entidade.  3.3.1.  Seleção por amostragem ou provas seletivas    Existindo a inviabilidade de revisão analítica na totalidade de determinado conjunto, por exemplo, de todos os lançamentos no diário ou no razão, conferência de todas as notas fiscais, da contagem de todo o estoque, isto é, não sendo possível analisar todo o conjunto que seja relevante de acordo com os objetivos pretendidos, pode-se selecionar parte dele de forma a propiciar a execução dos trabalhos. A amostragem é abordada pela NBC T 11.11, sendo que, para se estabelecer o percentual do todo a ser selecionado, deve-se considerar os conhecimentos prévios e indícios já apontados, observando-se os riscos de fatos relevantes não serem descobertos, os erros considerados toleráveis e os esperados. Na utilização da amostragem, os resultados finais objetivam representar todo o conjunto em estudo, já nos testes aplicados sobre seleções específicas, temos que a conclusão obtida aplica-se somente à parte selecionada. As provas seletivas decorrem do estabelecimento de padrões previamente determinados, como a seleção de itens acima de certo valor, a análise de determinadas atividades, a concentração em uma parte do período analisado. Pode-se selecionar para revisão e confirmação, as vendas somente a determinado(s) cliente(s) ou a compra de determinado(s) fornecedor(es), descartar as transações abaixo de determinado valor, delimitar um período menor em que indícios apontem a ocorrência de fraudes mais expressivas. Neste tipo de seleção, os resultados obtidos aplicam-se somente à parte selecionada, não sendo uma base adequada para a conclusão sobre a parcela restante da população.  Na amostragem, a seleção pode ser feita usando-se métodos estatísticos, baseados na probabilidade ou em regras estatísticas, ou pode ser feita por julgamento, utilizando-se de experiência, critérios e conhecimentos prévios da pessoa que executa os levantamentos. Em ambos os métodos, a amostra deve ser representativa da população e todos os itens da população devem ter a mesma oportunidade de serem selecionados. A amostragem estatística é recomendável quando os itens da população apresentam características homogêneas, podendo ser apropriado o uso da estratificação, que é a divisão da população em subpopulações, cujas unidades possuam características homogêneas ou similares. É aceitável a seleção a critério do auditor e com base em sua experiência profissional desde que seja mantida a casualidade da seleção e que a amostra seja representativa da população, tomando-se o cuidado de não influenciar na escolha, excluindo ou incluindo itens devido à sua facilidade ou não de localização. Selecionada a amostra e aplicados os procedimentos de auditoria, deve-se analisar qualquer irregularidade detectada quanto ao seu enquadramento dentro dos objetivos específicos da análise, verificando-se a impropriedade de se atribuir o resultado daquele item ao conjunto em análise.  No caso de não se conseguir evidência suficiente quanto à regularidade ou não de um item específico da amostra, devem-se executar procedimentos alternativos visando uma resposta suficiente e apropriada. 3.3.2. Testes de observância Como visto anteriormente, os testes de observância visam analisar o controle interno da entidade auditada, no entanto, no caso de crimes tributários, comum é a entidade manter um controle interno paralelo, sendo que a estrutura organizacional, os registros, documentos e procedimentos realmente adotados não transparecem e os controles visíveis aparentemente funcionam dentro da normalidade. Franco e Marra (2001, p. 267) apresentam os meios de controle interno de uma entidade, sendo que esse abrange: “(…) todos os registros, livros, fichas, mapas, boletins, papéis, formulários, pedidos, notas, faturas, documentos guias, impressos, ordens internas, regulamentos e demais instrumentos de organização administrativa que formam o sistema de vigilância, fiscalização e verificação utilizado pelos administradores para exercer o controle sobre todos os fatos ocorridos na empresa e sobre todos os atos praticados por aqueles que exercem funções direta ou indiretamente relacionadas com a organização, o patrimônio e o funcionamento da empresa.” A observação dos processos e procedimentos da entidade deve ser feita, sempre que possível, sem o conhecimento de quem está sendo investigado. Deve-se observar a existência de outras entidades relacionadas à investigada, e se a operacionalização adotada por elas é complexa e pode ensejar uma maior dificuldade para o descobrimento de fraudes. De forma a sinalizar a existência de práticas irregulares e auxiliar nos trabalhos posteriores, pode-se acompanhar o trânsito de veículos de carga no(s) estabelecimento(s) ou em depósito(s) da entidade ou grupo, verificar como é feito o controle de entradas e saídas de estoques, constatar se os vendedores emitem nota fiscal nas vendas ou qual o meio que eles usam para registrá-las, a forma de pagamento mais usada pelos clientes, se os cheques recebidos são endossados, e a favor de quem o são. Também podem ser encontrados outros meios que permitam observar a segregação de funções, a quantidade real de vendas, quem controla a compra de mercadorias e a emissão de cheques, em nome de quem eles são emitidos, quem autoriza a entrada e saída de estoques, o responsável pela contratação de pessoal e qual o meio utilizado para pagamento destes, quem é o titular da conta bancária de origem dos recursos utilizados pela entidade.  Pode-se ainda buscar o conhecimento da quantidade de entidades relacionadas (que possuem quadro societário em comum), o tamanho e complexidade de suas atividades e a forma como operam. Os exames de auditoria poderão ser adequados e aplicados em maior profundidade, até a obtenção de provas suficientes da conduta criminosa dos investigados, quando constatados indícios de irregularidades em observações realizadas. Por exemplo, quando o volume de vendas constatado pela movimentação de clientes ou pela saída de caminhões transportando mercadorias, não corresponde ao recolhimento de impostos normalmente efetuado, ou quando é perceptível que os investigados se utilizam de sofisticados meios para acobertarem os atos praticados. 3.3.3. Testes Substantivos Os testes substantivos objetivam constatar se fatos existentes não foram omitidos e se fatos inexistentes foram inseridos nos registros da entidade. Apura-se, assim, a efetiva existência de um componente patrimonial, de direitos e obrigações, da ocorrência de transações e do seu registro, e ainda, se os registros foram corretamente mensurados e classificados.  Conforme abordamos em item anterior, os testes substantivos dividem-se em testes de transações e saldos e procedimentos de revisão analítica. Temos que a verificação do comportamento de valores significativos é feita através da revisão analítica, com a análise das informações contábeis. Já a verificação da exatidão dos registros e a correta avaliação dos elementos patrimoniais são realizadas através dos testes de transações e saldos, que devem abordar, minuciosamente, os lançamentos correspondentes e os que detenham relação devido à natureza da operação, as datas, montantes e adequação destes lançamentos. Além da revisão dos lançamentos e suas contrapartidas, juntamente com a análise de contas que tiverem estreita correlação, é indispensável a análise da documentação que os suporte, que os legitime quanto à sua autenticidade e outros elementos intrínsecos e extrínsecos, como data, preenchimento, valores, cálculos e indicação das partes relacionadas. 3.3.4. Algumas aplicações dos procedimentos de auditoria A partir das importantes lições de Lemos (2004) e do conteúdo abordado até o momento, procuramos, a seguir, demonstrar possíveis utilizações dos procedimentos de auditoria na descoberta de fraudes fiscais. Temos que as práticas de sonegação muitas das vezes são realizadas utilizando-se de fraudes em notas fiscais, seja por meio de notas inidôneas, emitidas por empresas “fantasmas” ou inabilitadas para gerar crédito indevido, seja comprando e/ou vendendo sem a emissão desses documentos. Também são usados outros artifícios, como aproveitar uma única nota fiscal para acobertar mais de um transporte de mercadorias (“nota sanfona”), preencher a via que fica no bloco de notas fiscais com informações divergentes das inseridas na via que deve ser entregue ao cliente (“nota calçada”) e imprimir blocos com mesmo número e série de notas autorizadas pelo fisco (“nota paralela”). Tais procedimentos resultam na omissão direta ou indireta das receitas e dos lucros auferidos, quer ocultando a circulação de mercadorias, ou reduzindo seu valor real, quer abatendo tributo devido por meio de créditos inexistentes, o que, consequentemente, resultará no “caixa dois”, pois as entradas de caixa não serão contabilizadas. Com exceção dos casos em que o ramo de atividade da empresa tem por característica grande margem de lucro, sendo que, mesmo omitindo receita, o caixa não ficará deficitário, ou quando a empresa compra e vende sem nota fiscal, a omissão de receita e o “caixa dois” precisam ser “mascarados”. Este artifício é feito com empréstimos inexistentes ou introdução fictícia de capital pelos sócios, e ainda, com a manutenção de contas do passivo já pagas, visando não ocorrer o estouro de caixa, que é a ocorrência de pagamentos sem o devido numerário (escritural) disponível. De forma também a auxiliar a prática criminosa e dificultar o seu descobrimento, os envolvidos se utilizam de grande número de empresas, algumas sem nunca terem funcionado e outras operando de fato, constituídas em lugares estratégicos e muita das vezes em nome de “laranjas”. Entre as empresas do grupo emprega-se considerável número de transações, algumas reais, outras fictícias, com valores subavaliados ou superavaliados, sendo que, na sua maioria, as operações são feitas valendo-se de fraude nas notas fiscais, das várias formas apresentadas anteriormente, dissimulando e escondendo a realidade. Como abordado previamente, o combate aos crimes tributários, e aos demais tipos de crimes, é mais eficiente e benéfico à sociedade quando realizado de forma preventiva, e essa prevenção pode ser feita através do monitoramento constante dos contribuintes. Tal monitoramento pode ser realizado valendo-se de dados informados pelos próprios contribuintes, como declarações de entrega obrigatória, e de estudos de mercado e peculiaridades dos diversos setores da economia, o que permitirá o estabelecimento de níveis de receita e de recolhimento que poderão variar com o porte da entidade, localização e aceitação de seu produto e/ou serviço.  Dispondo de livros contábeis e de outros demonstrativos, pode-se proceder com a conferência de documentos em relação ao que foi escriturado, da comparação da análise da situação real com o representado nos relatórios contábeis, e com a confrontação entre duas ou mais contas. Pode-se verificar se os documentos fiscais foram escriturados no momento e montante corretos, principalmente em relação aos livros de registro de entrada e de saída de estoques, livro caixa e controle de produção. Ainda que os envolvidos tenham tomado precauções de não deixarem falhas nesses documentos, descuidos podem acontecer. Porém, muito poderá ser descoberto quando da comparação dos registros contábeis internos com registros de outras empresas, e ainda, com verificações físicas, observações, cálculos e inspeções.  A omissão de receita pode deixar mais vestígios na escrituração do livro caixa e na movimentação de estoques. A movimentação que deveria constar no livro caixa, quando esse não for escriturado, pode ser desprendida do livro diário, apesar de que tal procedimento possa ser bastante trabalhoso. Na falta desses dois livros, pode-se constituir o livro caixa utilizando-se da documentação comprobatória em posse da empresa, ou ainda, indiretamente obter informações relevantes através das demonstrações contábeis. Uma primeira análise das informações do livro caixa pode ser feita por meio da totalização dos recebimentos e dos pagamentos efetuados, que pode ser mensalmente. Se os montantes de pagamentos superar os de recebimentos, teremos um primeiro indício de “caixa dois”. Posteriormente, podem-se verificar, cronologicamente, os saldos restantes do confronto de recebimentos e pagamentos de forma a identificar datas em que houve pagamento sem saldo existente no caixa. Os itens que compõem a escrituração também devem ser individualmente analisados, dando-se maior importância aos de maior monta, porém, os itens de valores menores devem ser somados a fim de se verificar sua representatividade. Pode-se observar o montante e a frequência dos suprimentos realizados por sócios ou outras entidades do grupo, conferindo-se os dados com documentação auxiliar, se esta existir. Igualmente, pode-se verificar se o numerário realmente entrou no caixa da empresa e as fontes de renda dos sócios e documentos que fundamentam a origem de tais numerários. Da análise da documentação também se pode perceber a existência de dívidas não escrituradas no passivo, com o objetivo de futuramente não comprometer o saldo escritural do caixa. Da mesma forma, deve ser dada atenção à dívidas já vencidas, saldos antigos nas contas passivas, despesas incomuns, que mesmo possuindo documentação que as suportem, deve deter análise crítica de sua real necessidade e exigibilidade. Análise crítica também pode ser feita referente a lançamentos a débito em contas credoras e o inverso, pois podem corresponder não só a estornos por falhas na contabilidade, mas decorrem de fraudes visando ajustar os saldos de forma a não deixar explícitas as irregularidades. Constatando pagamento sem saldo em caixa, importante não se esquecer da possibilidade de contas bancárias que mesmo sem saldo permitem o pagamento de valor até montante pré-estabelecido, configurando como verdadeiros empréstimos, e de que a integralização de capital pela entrada de novos sócios, a princípio, não constitui indício de irregularidade. De posse da Demonstração do Resultado e do Balanço Patrimonial de um exercício e do Balanço Patrimonial referente ao exercício anterior, pode-se obter de forma mais rápida algumas informações que seriam encontradas no livro caixa. Considerando que a contagem física dos estoques é praticamente indispensável, muito pode ser constatado através do resultado com mercadorias, confrontando-se as vendas do período, as compras, o custo de mercadorias vendidas e os estoques iniciais e finais. A empresa pode subavaliar seus estoques de forma a acobertar a compra sem nota fiscal, o que pode ser constatado quando a contagem física dos estoques resultar em quantidade superior à que se encontrou para o saldo do estoque final. Com a superavaliação dos estoques, a empresa acoberta a venda sem nota fiscal, o que pode ser constatado quando o estoque final contabilizado é superior ao encontrado na contagem física. Outro meio de se conferir se houve venda sem nota fiscal é através do controle de insumos ou embalagens utilizados, pois são indicadores da quantidade produzida, possibilitando a constatação de que as vendas declaradas são inferiores ao total declarado no Livro de Registro de Saídas.     Não podemos esquecer que a baixa no estoque, de material para revenda, matérias primas, embalagens, etc, em regra, é um procedimento normal devido a perdas no processo produtivo, transporte, deterioração ou fatos supervenientes, sendo importante conhecer qual a normalidade desta baixa de acordo com o ramo de atividade e tipo de estoque. Outros exames também podem ser úteis para fortalecer as investigações, como a análise da folha de pagamentos, da conta de despesas com pessoal e comissões sobre vendas, que pode auxiliar em muito na comprovação da capacidade operacional da empresa e do seu volume de vendas. As despesas financeiras podem levar a uma aproximação do real endividamento da empresa, no entanto, não devem ser incluídas na análise as despesas que não tenham relação direta com os empréstimos efetuados a título de juros e atualização, como tarifas cobradas pelos serviços prestados pelos estabelecimentos bancários. Contas de seguros a vencer ou despesas com seguros podem indicar a existência de bens que propositalmente os envolvidos escondem e que também não constarão do Balanço Patrimonial. Técnicas de investigação e confirmação, ou circularização, são indispensáveis quando se verifica que grande parte dos fornecedores de uma empresa é desconhecida no mercado. Assim, busca-se constatar a existência de fato destes fornecedores e se os valores transacionados correspondem à realidade. Quando o maior percentual de notas fiscais emitidas é em nome de pessoas físicas e a atividade não condiz com tal situação, pode-se verificar a destinação das mercadorias vendidas e as características predominantes dos clientes, se realmente são pessoas físicas, jurídicas de pequeno ou grande porte. Temos também que, quando os sócios apresentam sinais exteriores de riqueza sendo sua(s) empresa(s) permanentemente deficitária(s), pode-se investigar as fontes de renda daqueles, também se valendo de suas declarações de imposto de renda. 4. Procedimentos de Perícia Contábil Com base na NBC T 13, temos que o objetivo da Perícia Contábil é, mediante laudo ou parecer, constituir elemento de prova que subsidie, a quem de competência, a tomada de decisões contenciosas. Comumente, a perícia pode ser utilizada para encerrar dúvidas levantadas em processo judicial ou administrativo e seu resultado é o laudo pericial, que é uma peça técnica, escrita de forma objetiva, clara, precisa, concisa e completa, consubstanciado em provas materiais e em fatos consistentes, sendo que o apontamento de indícios, por si só, ainda que fundamentados, não é elemento considerável para constituir relatórios ou laudos periciais. No relatório ou laudo pericial, de acordo com a NBC T 13.7, devem constar os estudos, diligências, observações realizadas e as conclusões fundamentadas através da aplicação dos procedimentos de perícia contábil e lastreadas em elementos inequívocos. Os procedimentos gerais dos exames a serem executados serão estabelecidos na fase de planejamento, sendo consolidadas todas as etapas da perícia. Cada etapa será especificada através do programa de trabalho, que deve ser elaborado com base no objeto da perícia e questionamentos levantados. No planejamento da perícia, que é abordado pela NBC T 13.2, toma-se conhecimento do objeto, fixam-se condições para cumprimento de prazos, identificam-se potenciais problemas e riscos que possam ocorrer durante os trabalhos e fatos que possam auxiliar nas suas soluções, pesquisa-se a legislação aplicável, define-se a natureza, oportunidade e extensão dos exames e promove-se a divisão de tarefas, permitindo facilitar a execução e revisão dos trabalhos. O planejamento da perícia deve ser flexível o suficiente para adaptar-se a novos fatos que possam surgir durante a execução dos trabalhos. É também na fase de planejamento que se avalia a confiabilidade e idoneidade de informações e documentos disponíveis.   Os procedimentos utilizados na perícia contábil são de natureza técnica e científica, não se admitindo subjetividade, sendo orientados pela especialidade e especificidade. Tais procedimentos, que podem ser aplicados tanto na fase de planejamento quanto de execução dos trabalhos, que de acordo com a NBC T 13 abragem: – Exames – constituem na análise de livros, registros e documentos, incluindo, principalmente os que podem constituir-se em prova. – Vistoria ou diligência – verificação e constatação de situação, coisa ou fato, de forma circunstancial. – Indagação – obtenção de informações através de entrevistas com pessoas relacionadas ao objeto da perícia. – Investigação – pesquisa visando trazer ao conhecimento fatos ocultados de forma dolosa ou não. – Arbitramento – determinação de valores ou solução de controvérsias através de critérios técnicos. – Mensuração – quantificação física de elementos pertencentes ao objeto da perícia, como bens, direitos, obrigações, despesas e receitas. – Avaliação – estabelecimento do valor real de coisas, bens, direitos, obrigações, despesas e receitas, por meio de cálculos e análises. – Certificação – atesto dado à informação, conferindo-lhe autenticidade pela fé pública atribuída ao perito. Oportuno esclarecer que a perícia contábil não se confunde com a auditoria contábil, ainda que procedimentos e princípios sejam compartilhados. De forma simples e resumida, podemos dizer que na auditoria temos o objetivo de verificar a adequação ou não dos registros e fatos à legislação pertinente. Verificação esta realizada de forma contínua ou não, valendo-se de estudo abrangente do universo objeto de apreciação e utilizando-se em muito da amostragem. Já na perícia, temos o objetivo de comprovar a adequação ou não dos registros e fatos, em relação à situação pressuposta, determinada e delimitada em período certo, além disso, utiliza-se de análise profunda de seus elementos relevantes, sendo a amostragem praticamente descartada. Concluindo, temos a diferenciação quanto a objetivo, enfoque, delimitação, metodologia, resultados e efeitos. Um relatório de auditoria contábil, mesmo obedecendo a todas as normas existentes, pode não servir de prova em juízo, e os procedimentos de perícia contábil, aplicados na sua melhor forma, podem não identificar a existência de irregularidades se os indícios já não forem de conhecimento do perito. A aplicação da metodologia da perícia contábil, depois de levantados indícios pela utilização de procedimentos de auditoria, ou mesmo concomitante à execução dos trabalhos desta, permite o aprofundamento das investigações e utilização dos levantamentos realizados como sólido meio de prova. Por exemplo, nas situações apresentadas no último item do capítulo anterior, assim que obtidos os indícios da ocorrência de fraudes ou localizadas as irregularidades, os trabalhos podem ter prosseguimento visando tornar evidente a verdade dos fatos, por meio de estudos e laudos científicos. Pode-se ainda, efetuar a observação pormenorizada dos objetos de análise, chegando-se a verificar divergências de grafia, redação utilizada, papel, datas e numeração de documentos e lançamentos, com o posterior confronto dos resultados com os fatos presumidos.  A prova pericial é praticamente imprescindível na comprovação da ocorrência de crime tributário, devendo, sempre que possível, o laudo ou relatório pericial abranger o papel desempenhado por cada envolvido, autores, coautores e partícipes, o "modus operandi” adotado pela organização, a fraude ocorrida e os outros meios utilizados, montante e momento da ocorrência da sonegação. Conclusão São inúmeros os meios utilizados na sonegação fiscal, variando de adulterações de documentos à complexa dissimulação nos registros contábeis. Temos também que a utilização de interpostas pessoas e empresas aumenta a complexidade e dificuldade de descobrimento das fraudes, e ainda, que a utilização de pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, muitas constituídas em paraísos fiscais, é outra prática habitual dos sonegadores. Por meio de procedimentos de auditoria, a fiscalização pode promover o levantamento de indícios e o apontamento do rumo das investigações. Com a adoção de metodologia da perícia contábil, pode constituir provas que consubstanciem tais indícios, sendo levadas a juízo como elemento comprobatório da ilicitude dos fatos. No entanto, algumas posturas devem fazer parte de quem promove a fiscalização tributária, como a impessoalidade, a imparcialidade e a presunção de inocência do contribuinte até que indícios consistentes sejam obtidos. Também não cabe o combate aos crimes tributários de forma incompleta, atingindo apenas alguns contribuintes e deixando outros ilesos, pois além de não coibir a sonegação, é um desrespeito aos contribuintes íntegros. “(…) impõe-se, na área tributária, uma atitude de observância do princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei. O combate parcelado, a tributação excessiva de uns e benevolente de outros criam mecanismos psicológicos desfavoráveis à observância do bem jurídico protegido.” Lovatto (2003, p. 15).
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O IPTU- Imposto Predial Territorial Urbano
O Presente trabalho, em direito tributário vai tratar sobre o IPTU- Imposto Predial Territorial Urbano, que é um imposto de competência dos Municípios de acordo com o artigo 156, I da CF.  Destarte caberá ao Município mediante lei ordinária municipal, a criação do IPTU. O IPTU é uma das modalidades de tributo, ou seja, é um dos impostos que tem seus fundamentos jurídicos tanto na Constituição Federal nos artigos 156 I, bem como nos artigos 32 a 34 do CTN- Código Tributário Nacional. O fato gerador do IPTU é a propriedade de imóvel urbano como também a posse ou o domínio útil de imóvel urbano.  A base de cálculo é o valor venal do imóvel, a cada ano. (CTN art. 33). Outro aspecto interessantíssimo é destacar que o imposto vem sendo tratado e cobrado desde os tempos mais remotos destacado inclusive em passagens bíblicas no livro de Mateus “Chegando eles a Cafarnaum, dirigindo-se a Pedro os homens que cobravam as duas dracmas (de impostos) e disserarram: “não paga o vosso instrutor as duas dracmas de imposto” (Mateus capitulo 17, versículo 24).
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O IPTU é um tributo, pois, os tributos são de acordo com o artigo 5º do CTN, os impostos, taxas e contribuições de melhoria. A CF de 1988 – Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 145, também definiu as três espécies supra citadas, como tributos. O CTN- Código Tributário Nacional nos seus artigos 32 a 34, vem trazendo os fundamentos jurídicos aplicáveis ao imposto que estamos estudando. O artigo 32 do CTN já nos explica que o imposto é de competência dos Municípios sobre a propriedade predial e territorial urbana, tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na Zona Urbana do município. Interessante destacar a Sumula 397 do STJ- que explica que o contribuinte do IPTU é notificado do lançamento pelo envio do carne ao seu endereço. Para muitos é fácil entender o que é propriedade predial, mas pode ficar a dúvida quanto a Zona Urbana, e o que é Zona Urbana? O artigo 32 §1º explica claramente que entende-se como: “Zona Urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo poder público: I- meio fio ou calçamento, com canalização de aguas pluviais. II- abastecimento de aguas, III- sistemas de esgotos sanitários, IV- rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar, V- escola primária ou posto de saúde a uma distancia máxima de três quilômetros do imóvel considerado.” (Grifamos). Ainda cabe aqui também destacar o §2º do artigo 32 do CTN: “§2ºA lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados a habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do paragrafo anterior.(Grifamos). Destarte, temos dois entendimentos primeiro o do art. 32 §1º do CTN nos ensina que para a incidência do IPTU no que tange a área urbana esta devera ser definida em lei municipal, (do Município que é o Sujeito Ativo da obrigação tributária) e a existência de no mínimo dois dos 5 incisos seguintes descritos adiante. A segundo entendimento do artigo 32 §2º, seria o de que a Lei municipal ela pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou que estão em expansão urbana como os loteamentos que são aprovados pelos órgãos competentes, neste caso não necessitaria dos requisitos dos incisos anteriores. Na sequencia veremos que a base de calculo do IPTU, é o valor venal do imóvel, é a descrição do art.33 do CTN “A base de cálculo do Imposto é o valor venal do imóvel”. Aqui deixamos os nossa critica pois na maioria dos municípios este valor é aquele descrito no carne do IPTU, pela avaliação do município que sempre é bem menor do que a avaliação do mercado imobiliário. Cumpre destacar que o artigo 33 parágrafo único nos orienta que na determinação da base de calculo do IPTU não se considera o valor dos bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade. E por ultimo, nesta nossa breve introdução, destacamos que o contribuinte do imposto (conforme o artigo 34 do CTN) é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer titulo. Então o IPTU é um imposto, é um tributo e tem seus fundamentos jurídicos na Constituição Federal e no CTN. Mas estas palavras Impostos, tributos foram mencionadas desde quando? Temos registros que desde as épocas mais remotas inclusive em vários textos bíblicos que estudaremos adiante. 1-  IMPOSTO. 1.1 IMPOSTO E TRIBUTO CITADOS NA BIBLIA. Vamos começar analisando desde as épocas mais remotas das nomenclaturas Impostos e tributos registradas nas escrituras sagradas. Já na época de Moisés que foi o escritor do livro de números que escreveu no ermo e nas planícies de Moabe, a nomenclatura Imposto estava presente, senão vejamos: “E dos homens de guerra, que saíram na expedição, tens de tirar como imposto para Jeová uma alma dentre quinhentas, do gênero humano de da manada, e dos jumentos e do rebanho.” (grifamos), (Números capitulo 31 versículo 28). Interessante que no texto acima, descrito nas escrituras sagradas notável  o imposto como uma obrigação, uma ordem suprema que deveria ser cumprida. No livro de Mateus que foi escrito na Palestina pelo escritor Mateus encontramos outros registros da palavra imposto, senão vejamos: “Chegando eles a Cafarnaum, dirigiam-se a Pedro os homens que cobravam as duas dracmas de impostos e disseram::” não paga o vosso instrutor as duas dracmas (de imposto)?”  e continua no versículo seguinte: “Ele disse: “Sim”. No entanto, quando entrou na casa, Jesus adiantou-se-lhe por dizer: O que achas, Simão? De quem recebem os Reis da terra ou o Imposto por cabeça? Dos seus filhos ou dos estranhos?” continua “Quando ele disse dos estranhos, Jesus disse-lhe: “Realmente, então os filhos estão isentos de impostos”.(grifamos) (Mateus capitulo 17 versículos 24 a 26). Note que aqui foi destacado a frase isentos de impostos, assim como hoje temos alguns casos de isenção de impostos desde os tempos mais remotos esta expressão já ecoava. Ainda no livro de Lucas escrito em Cesaréia pelo escritor Lucas, temos registrada a expressão Impostos, veja: “Principiaram então a acusa-lo dizendo: “Achamos este homem subvertendo a nossa nação e proibindo o pagamento de impostos a César, e dizendo que ele mesmo é Cristo, um rei”(grifamos) (Lucas capitulo 23 versículo 2). Poderíamos citar muitas outras passagens Bíblicas em que a palavra Imposto foi citada, mas só para encerrarmos citaremos o Livro de Romanos escrito pelo Apostolo Paulo em Corinto que diz: “Pois é também por isso que pagais impostos; porque eles são servidores públicos de Deus, servindo constantemente este mesmo objetivo” (grifamos) (Romanos capitulo 13, versículo 06). A palavra Tributo, também é várias vezes citada, em vários livros das Escrituras Sagradas, começando no Livro de Salmos escrito por Davi, no capitulo 72, versículo 10, vejamos: “Os reis de Társis e das ilhas, pagarão Tributo. (…)”(grifo nosso) (Salmos capitulo 72, versículo 10). No Livro de Esdras escrito em Jerusalém pelo escritor Esdras, vejamos a seguir: “E a vós se faz saber que com respeito a qualquer dos sacerdotes  e dos levitas , dos músicos, dos porteiros, dos netineus e dos trabalhadores desta casa de Deus, não se permite que se lhes imponha imposto, tributo ou pedágio” (grifamos) (Esdras capitulo 7 versículo 24). Note que até nas escrituras ficava confusa a diferença entre impostos e tributos, e desde os tempos mais remotos até os nossos dias mais atuais muitas pessoas se confundem ao mencionar as palavras tributos e imposto. Qual a diferença entre Imposto e tributo?  È o que consideraremos no próximo tópico. 1.2. DIFERENÇA ENTRE IMPOSTO E TRIBUTO. Desde a Idade Antiga remota, até os nossos dias mais atuais é comum ouvir as pessoas confundirem as palavras tributo e imposto. Será que são palavras sinônimas? Com certeza não e quem nos permite esta diferenciação é a própria Constituição da Republica Federativa do Brasil, no artigo 145 que dispõe: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I- impostos, II-taxas,(…) III- contribuição de melhoria, (…)”(grifamos) (artigo 145 da Constituição Federal de 1988). Perceber-se que o Imposto é uma modalidade de tributo, todo o imposto será um tributo, mais nem todo o tributo será um imposto. O CTN- Código Tributário Nacional, também nos orienta sobre o tema deixando consignado que: “Art.5º Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria.” (grifamos) (artigo 5º do CTN) Não restam mais duvidas que a palavra tributo significa o gênero, enquanto a palavra impostos significa a espécie. Esta última apresenta o seu conceito próprio e várias peculiaridades que estudaremos neste próximo tópico. 1.3. CONCEITO DE IMPOSTO Até agora já aprendemos que a palavra Imposto é muito antiga e vem desde as épocas mais remotas inclusive destacada em vários textos Bíblicos, e também que não se confundem as palavras Imposto e Tributo, pois o primeiro é uma das espécies do segundo. De agora para frente destacaremos o conceito de Imposto e suas classificações, pois bem, o Artigo 16 do CTN traz a seguinte definição: “Art 16. Imposto é o tributo cuja a obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal especifica, relativa ao contribuinte.” (grifamos) (art.16 do CTN). Assim, o Imposto é um tributo diferenciado dos outros, pois independe de qualquer atividade estatal especifica, ou seja, é um tributo não vinculado, sua cobrança é independente de qualquer contraprestação do estado, bastando que o contribuinte tenha efetuado o fato gerador, já haverá a obrigação tributária. Para Hugo de Brito machado:  “O imposto se define como tributo não vinculado.” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, 29.ed.,p.296) Paulo de Barros Carvalho, em sua conceituação assim define: “podemos definir imposto como o tributo que tem por hipótese de incidência um fato alheio a qualquer atuação do Poder Publico.” (grifamos) (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário,16. Ed.,p.36.). Assim entendemos que o Imposto é um tributo não vinculado, pois não esta condicionado a uma atividade especifica do estado ou a uma contraprestação. Para Alexandre Macedo Tavares: “(…) é genuinamente um tributo não-vinculado, que a Pessoa Politica que o instituir encontra-se impedida de lhe dar destinação especifica.”(grifamos) (TAVARES, Alexandre Macedo. Fundamentos de Direito Tributário, 1Ed..p.68). Destarte os impostos são um tipo de tributo que independem de participação direta e imediata do Poder Público, em consonância trazemos a definição de José Eduardo Soares de Melo: “um tipo de tributo que tem como elemento fundamental um ato, negócio ou situação jurídica respaldada em substrato econômico pertinente a uma pessoa privada, sem qualquer participação direta e imediata do Poder Público.”(grifamos) (MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário, 8.ed., p.55.) Assim usando uma situação hipotética quando: João compra uma casa, vira proprietário de um bem imóvel, situado na Zona Urbana, logo deve pagar o IPTU, pois houve a incidência do fato gerador e logo em seguida a obrigação tributária. 1.4- CLASSIFICAÇÃO DOS IMPOSTOS. A partir de agora que já sabemos o conceito de Imposto, vamos apreender a sua classificação, existem muitas, porem aqui vamos estudar as mais comuns que são: a) os pessoais – que apresentam uma pessoa como menção exemplo o IR (imposto de renda).  b) Reais- (do latim res, rei, coisa) são os que possuem uma coisa como citação a exemplo temos o IPTU, A respeito destes dois itens acima mencionados Carrazzaadverte que: “(…) a classificação dos impostos em pessoais e reais não é jurídica, a medida que todos os impostos são pessoais, fundamentalmente porque o contribuinte é sempre uma pessoa (física ou jurídica)”(grifamos) (CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 12ª ed.São Paulo: Malheiros, 1999, pág 351). c) Diretos- são os relativos apenas ao contribuinte, sem probabilidade de transferência do encargo a outrem, como exemplo citamos o IR (imposto de Renda). d) indiretos são os relativos a operações com possibilidade de transferência do encargo a outrem como exemplo citamos o ICMS. e) Fixos são os demostrados em quantia certa ( a exemplo citamos o ISS sobre profissionais liberais) f) proporcionais – são os estipulados segundo alíquotas ou percentagens incidentes sobre base de cálculos (a exemplo citamos o ICMS). g) Progressivos são aqueles cujos índices podem ser aumentados gradativamente, em relação ao aumento dos valores sobre os quais incidem (IPTU progressivo- art.156, §1º da CF) Regressivo o contrário dos progressivos. h) Cumulativos são os cobrados integralmente a cada vez que se repete a operação (a exemplo citamos o ITBI). i) Não-cumulativos- são aqueles em que se pode deduzir, em cada operação, a quantia cobrada na operação anterior (como exemplo temos o IPI ou ICMS) j) Ordinários são os relacionados na Constituição. l) Extraordinários- são os que podem ser criados pela União em caso de Guerra ou iminência desta. (art.154, II da CF). m) Residuais- são os de competência residual da União, não nomeados na Constituição, que poderão ser criados por lei complementar (art.154, I, da CF). Sobre as classificações interessante destacar o entendimento de Celso Ribeiro Bastos, segundo a qual: “As classificações não são certas ou erradas, mas sim convenientes ou inconvenientes.”(grifamos) (BASTOS, Celso Ribeiro,. Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.pág 144) Desta forma, apreendemos as classificações no item b) vimos que o IPTU é um imposto Real. Mas que tipo de Imposto é este IPTU? Onde encontra-se previsto? Estas e outras indagações serão respondidas no próximo capitulo que apreenderemos sobre o IPTU- Imposto sobre a propriedade Predial e territorial Urbana. 2 – IPTU- IPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE PREDIAL TERRITORIAL URBANA 2.1- Competência e Sujeito Ativo-. No capitulo anterior verificamos a definição de Imposto, sua diferença entre imposto e tributos, as terminologias são antigas inclusive já citadas na Bíblias por várias vezes, agora estudaremos o IPTU que é uma espécie de Imposto. Assim os Tributos são os impostos as taxas e as contribuições de melhoria. Os Impostos são divididos nos de competência Federal, que são os que a União poderá instituir de acordo com o artigo 153 e 154 da Constituição Federal, os de Competência Estadual que são os que os Estados e o Distrito Federal podem instituir conforme o artigo 155 da Constituição Federal, e os de Competência Municipal que são os que o Município podem instituir de acordo com o artigo 156 da Constituição Federal. No presente trabalho apenas nos interessa destacar o IPTU- Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana, que é um dos três impostos de competência do Município. A Constituição da Republica Federativa do Brasil, assim dispõe: “Art.156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I- propriedade predial e territorial urbana; II- transmissão inter vivos, a qualquer titulo, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição; III- serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155,II, definidos em lei complementar.”(grifamos) (Constituição da Republica Federativa do Brasil, artigo 156 incisos I,II e III). Destarte, o Município é o detentor da competência tributária e sujeito ativo, tanto para instituir o imposto, como para cobrar daqueles que incidirem no fato gerador. Neste mesmo diapasão Eduardo Sabbag orienta: “Assim, caberá aos Municípios, mediante a edição de lei ordinária municipal, a instituição do IPTU. Em outras palavras, ao Município em que estiver localizado o bem imóvel caberá a instituição do IPTU.’(grifamos) (Sabbag.Eduardo. Manual de Direito tributário- 4º ed. São Paulo Saraiva, 2012.). Não nos resta dúvida que o IPTU é um imposto municipal, muito importante no plano arrecadatório para os municípios. Agora que já sabemos quem é o Sujeito Ativo, ou seja, agora que já sabemos que o Município é o sujeito ativo para instituição e cobrança deste imposto, vem a seguinte indagação, e quem é o sujeito passivo? Veremos agora neste próximo tópico. 2.2- Sujeito Passivo e Fato Gerador- Interessante que já sabemos que o Sujeito ativo é o Municipio, mas quem será o Sujeito Passivo? O artigo 34 e 32 do Código Tributário Nacional deixa claro que o Sujeito Passivo da obrigação de pagar o IPTU é o contribuinte. O contribuinte, mas quem é este contribuinte. De acordo com o CTN: “art.34. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer titulo.”(grifo nosso) (Código Tributário nacional, artigo 34). Assim o sujeito passivo da obrigação tributária é o Contribuinte, ou seja, o proprietário do imóvel, aquele que comprou um imóvel urbano, ou o titular do seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer titulo. Cabe aqui salientarmos também o artigo 32 do CTN que dispõe: “Art.32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na Zona Urbana do Município.” (grifamos) (artigo 32 da CF de 1988). Assim, não é só a propriedade que é fato gerador do IPTU, mas também  o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na Zona Urbana do Município. Ricardo Cunha Chimenti resumindo o artigo supra mencionado nos ensina que: “Posse é a situação de todo aquele que tem, de fato, o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes a propriedade. Dominio útil significa usufruir da coisa alheia como se fosse própria, pagando-se ao proprietário um valor determinado.  Propriedade é o direito de utilizar, usufruir, e dispor de algum bem. Também implica o direito de reaver este bem caso alguém o tome ou possua indevidamente (jus vindicandi-art.1.228 do CC).” E continua “Caso os elementos da propriedade não estejam reunidos sob o poder de uma só pessoa, o IPTU recairá sobre aquele que detém o seu domínio útil ou a sua posse. Se há propriedade plena, se os elementos da propriedade não estão desdobrados, contribuinte é o proprietário.” (grifo nosso) (CHIMENTI, Ricardo Cunha, Direito Tributário, pág141,. 12º ed. São Paulo Saraiva 2008). Ainda, referindo-se a posse é interessante destacar aqui que muitos dos acampamentos sem-teto ou sem-terra, também podem vir a ser alvo do IPTU. Nesta seara referindo-se a sem-teto e sem-terra o Aliomar Baleeiro nos ensina que: “Nos vários casos de posse de terras públicas, ou mesmo de particulares, o possuidor efetivo poderá ser alvo de imposto. Posse a qualquer titulo- diz o CTN, assegurando opções ao legislador competente para decretar o tributo”.(grifo nosso) (BALEEIRO, Aliomar, p.151, Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1981). Destarte, em que pese a Constituição prever o IPTU, sobre a propriedade, a lei municipal pode incluir o possuidor com ânimo de dono entre os contribuintes. Na visão de Kiyosh Harada que utiliza um entendimento do direito financeiro e tributário: “ (…) quanto a sua exegese força-nos condicionar o fato gerador do IPTU- quer na perspectiva da propriedade, quer na da posse, que ora nos interessa a um conteúdo econômico.” (grifo nosso) (HARADA, Kioshi, Direito financeiro e tributário, 7.ed.,p.328). Assim fica claro no presente trabalho que o fato gerador encontra-se presente no artigo 32 do CTN e entendemos que pode ser entendido como Espacial: que é o território urbano do Município (art.156,I, CF c/c art.32 do CTN), como pode também ser Temporal: é o momento de apuração, ou seja, anual. Então aprendemos neste tópico sobre o Sujeito passivo e o fato gerador do IPTU, mas ficam as seguintes indagações aqui, qual seria a base de calculo do IPTU? E qual seria a Alíquota ou índice de percentagem que permitira saber o valor do IPTU a pagar. No próximo tópico abordaremos a Base de calculo e Aliquotas do IPTU. 2.3 – Base de Calculo e Alíquota. Agora estudaremos a Base de calculo e Alíquotas do IPTU. É importante salientarmos que a base de calculo, nada mais é que uma base para um calculo. Mas qual a base de calculo do IPTU? Quem vai nos orientar mais uma vez é o nosso Código Tributário Nacional no artigo 33 assim dispõe: “Art.33. A base de cálculo é o valor venal do imóvel. “ “Paragrafo único. Na determinação da base de calculo, não se considera valor dos bens móveis mantidos em caráter permanente ou temporário, no imóvel, para efeito de sua utilização, exploração, aformoseamento ou comodidade.” (grifamos) (artigo 33 e parágrafo único do Código Tributário Nacional). O texto do CTN é autoexplicativo não restando dúvidas que a base de calculo do IPTU será o valor venal do bem imóvel, não se considerando o valor dos bens móveis mantidos em caráter permanente ou temporário no imóvel. Ricardo Cunha Chimenti nos orienta que: “A base de calculo do IPTU é o valor venal do imóvel, ou seja, seu preço à vista em uma venda realizada sob condições normais (valor do terreno+valor da construção). O valor normalmente é fixado pela repartição competente, não esta sujeito à anterioridade nonagesimal do artigo 150,III, c, da CF e não sáo considerados nos seus cálculos os bens móveis mantidos, em caráter permanente ou temporário, no imóvel, norma relevante para os hotéis e estabelecimentos similares.” (grifamos) (CHIMENTI, Ricardo Cunha, Direito Tributário, pág141,. 12º ed. Pág. 143, São Paulo Saraiva 2008). A respeito da expressão semântica da expressão valor venal Eduardo Sabbag nos ensina que: “ (…) pode-se afirmar que é crível considerar tal valor como o preço à vista que o imóvel alcançaria se colocado a venda em condições normais no mercado imobiliário.”(grifamos) (Sabbag.Eduardo. Manual de Direito tributário- 4º ed. Pág 1000, São Paulo Saraiva, 2012). Porem a preocupação aqui será na avaliação do valor do imóvel pois muitas vezes são utilizados critérios de avaliação muito menores que os reais. Nesta mesma harmonia destaca Sacha Calmon Navarro Coêlho: “(…) a avaliação do valor do imóvel sempre será uma questão tormentosa”. (grifamos) (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro: comentários a Constituição  Federal e ao Código Tributário Nacional. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p.354.). Para finalizar a Sumula 160 do STJ assim dispõe: “É defeso aos municípios atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária” (grifamos) (sumula 160 do STF). Agora que já sabemos o que é a base de calculo, conceituaremos o que seja Aliquotas. E o que são alíquotas? Segundo o Professor Sabbag: “(…) é uma grandeza dimensional do fato gerador. Revela-se por meio de indicede percentagem, que permitirá a aferição do quantum tributário a pagar. Naturalmente, avoca a inafastável  previsão em lei, em homenagem ao principio da legalidade tributária. (art. 97, IV, do CTN), cuja mitigação se dá apenas no caso dos tributos extrafiscais (II,IE,IPI,IOF,CIDE-Combustivel e ICMS-Combustivel).”(grifamos) (SABBAG. Eduardo. Manual de Direito tributário- 4º ed. São Paulo. Saraiva. 2012, pág1001 e 1002). O IPTU pode ser progressivo, em razão da função social da propriedade (CF, art.156 §1º).. Para Maximilianus : “O critério da progressividade deve ser objetivo, vinculado aos terrenos e edificações, e não as pessoas dos proprietários.” (grifo nosso) (FUHRER,Maximilianus Cláudio Américo e FUHRER,Maximilianus Roberto Ernesto, Resumo de direito tributário, 12.ed. Malheiros Editores. São Paulo, 2003, pág108.) 3 – IPTU- QUESTÕES POLEMICAS. 3.1- IPTU e Imunidades Tributárias. Antes de falarmos das imunidades tributárias do IPTU, cabe aqui fazer uma pequena distinção entre imunidade e isenção. E qual seria esta diferença que confunde até advogados e outros profissionais do direito? A diferença mais básica e importante é que a Imunidade esta presente na Constituição, enquanto que a isenção reside na lei. Para Mizabel Derzi: “(…) a imunidade é forma qualificada de não incidência que decorre da supressão da competência impositiva sobre certos pressupostos na Constituição”.(grifamos) (DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito Tributário, direito penal e tipo. São Paulo: RT, 1988, p.206.) A respeito das Imunidades presentes na Constituição o Artigo 150, VI vem listando: “Art.!50. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas as contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao distrito federal e aos Municipios: (…) VI- instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços uns dos outros, b)templos de qualquer culto, c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. d)livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.”(grifamos). Muitos podem estar se perguntando e o que isto tem haver com o IPTU? Tudo pois não incidirá IPTU nas repartições públicas das Prefeituras, Receitas Estaduais, Distritais e Federais. Bem como não incidirá o IPTU sobre os prédios dos Templos de qualquer culto, também não incidirá o IPTU nos prédios dos partidos políticos, das fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e assistência social, todos estes prédios estarão imunes de pagar o IPTU. 3.2. Diferenças entre o IPTU e o ITR. Estamos estudando o IPTU que é o Imposto Territorial Urbano, porem muitas vezes os proprietários de imóveis se confundem com outro imposto que é o ITR- imposto territorial Rural. Quais sãos as diferenças entre estes Impostos? Em primeiro lugar cabe destacar que o IPTU é de competência dos Municípios (art.156, I da CF) enquanto que o ITR é de Competência da União (art.153 VI da CF). No CTN o ITR esta previsto nos artigos 29 a 31, enquanto o IPTU esta previsto nos artigos 32 a 34. A  base de calculo do ITR é o Valor fundiário nunca interessando o que estiver de construção conforme o artigo 30 do CTN senõ vejamos:  “Art.30. A base de calculo do Imposto é o valor fundiário.” (grifamos). Também cumpre destacar que o ITR tem várias legislações próprias como as Leis 8.847/94, 9.393/96 e decreto-lei 57 de 1966. Interessante destacar aqui que estamos tratando de diferenças mais estes dois impostos possuem também uma igualdade de princípios que é o da progressividade pois tanto o IPTU como o ITR podem ser progressivos. E o que é esta progressividade? Consideraremos a Progressividade do IPTU no próximo tópico. 3.3- DA PROGRESSIVIDADE DO IPTU. Consideraremos a partir de agora a Progressividade do IPTU. Interessante destacar que na CF de 1988, só três impostos podem ser progressivos o IR o ITR e o IPTU. A progressividade do IPTU é apresentada ao ordenamento jurídico na própria Constituição Federal no artigo 182, §4,II c/c art156, §1, I e II. Eduardo Sabbag a respeito do tema nos ensina: “Quanto á possibilidade de variação de alíquotas , a Constituição federal admite, explicitamente, a Progressividade do IPTU(art.182,§4º, II c/c art.156,§1,I e II – EC n.29/2000) ao lado de dois impostos Federais (ITR e o IR). Veja-se que o IPTU é o único imposto federal dotado da progressividade. Assim para o IPTU, a lei ordinária municipal deve prever essa progressividade, sob pena de nítida afronta ao principio da legalidade.(…).”(grifamos) (SABBAG. Eduardo. Manual de Direito tributário- 4º ed. São Paulo. Saraiva. 2012, pág 1002). Então a Carta Magma deixou consignada que os proprietários de solos urbanos não edificados, não utilizados, devem promover o seu adequado aproveitamento, ou poderão ter as suas alíquotas aumentadas, isto que quer dizer progressividade é o aumento das alíquotas. Essa progressividade do IPTU pode ser também em razão do Valor do imóvel ou de acordo com a localização e o uso do imóvel, conforme veremos a seguir presentes este requisitos da própria CF. Assim a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988 assim descreve: “Art 182. (…) §4- È facultado ao poder municipal, mediante lei especifica para área incluída no plano diretor, exigir nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subtilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de(…) II- Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo.” (grifamos) “Art. 156. Compete aos municípios , instituir impostos sobre: (…) I- propriedade predial e territorial urbana;(…) §1º. Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art.182,§4º,II o imposto previsto no inciso I poderá: I- ser progressivo em razão do valor do imóvel;e II- ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.” (grifamos) Assim os proprietários de Imóveis Urbanos devem tomar os cuidados devidos pois a progressividade é legal pois prevista na nossa Constituição Federal.   CONCLUSÃO Conclui que o IPTU é de competência dos Municípios (CF, art.156,I) o fato gerador é a propriedade de imóvel urbano e também a posse ou domínio útil  de imóvel urbano. A base de calculo é o valor venal do imóvel, a cada ano (CTN art.33), pode ser progressivo, em razão da função social da propriedade (CF, art.156 §1º).
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O efeito repristinatório no reconhecimento da inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção
o efeito repristinatório no reconhecimento da inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção. O tema abordado no presente trabalho tem sido questionado com frequência nas salas de aulas, seminários, cursos de especialização e nos tribunais nacionais; seja por tratar-se de tema que atinge diretamente o cidadão, seja por ser um tema que atinge aspectos governamentais, econômicos e legislativos. Busca-se entender a repercussão do efeito repristinatório na declaração de inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta da comercialização da sua produção. Para tanto, foram analisados julgados, posições doutrinárias, dentre outros.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objeto analisar as consequências do efeito repristinatório no reconhecimento da inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção. Em fevereiro de 2010, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 363.852, declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei 8.540/92, que prevê o recolhimento de contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção. Em razão da referida decisão, milhares de ações judiciais veem sendo propostas em todo o país requerendo a declaração de inconstitucionalidade da contribuição do empregador rural pessoa física, buscando-se a declaração de inexigibilidade da exação e a repetição dos valores recolhidos a este título. Todavia, admitida a inconstitucionalidade da exação incidente sobre o faturamento, passa-se a discutir se o produtor rural empregador, pessoa física, deverá contribuir sobre a folha de pagamento, nos termos do artigo 22, I, da Lei nº 8.212/1991, ante a repristinação da norma que havia sido revogada pela norma declarada inconstitucional. A declaração de inconstitucionalidade tem como efeito tornar a lei inconstitucional nula, seja no controle difuso, seja no controle concentrado. A diferença entre um sistema e outro reside no âmbito subjetivo de sua eficácia, porquanto, no primeiro, o reconhecimento opera efeitos entre as partes do processo, enquanto, no segundo, o efeito é geral. Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência afirmam que a lei declarada inconstitucional, com o efeito regra ex tunc, não pode gerar quaisquer efeitos, nem mesmo o de provocar a revogação de diplomas normativos a ela anteriores. Daí surgiu o chamado efeito repristinatório, segundo o qual a lei revogada por outra lei declarada inconstitucional volta a vigorar. O efeito repristinatório constitucional não se confunde com o fenômeno da repristinação da lei, pois, o efeito repristinatório é o fenômeno da reentrada em vigor da norma aparentemente revogada. Já a repristinação, instituto distinto, substanciaria a reentrada em vigor da norma efetivamente revogada em função da revogação, mas não declaração de nulidade, da norma revogadora. Desta forma, enquanto o primeiro fenômeno tem aplicação no âmbito do controle de constitucionalidade, o segundo tem aplicação no plano da legislação, especialmente em relação à sucessão das leis. Portanto, em razão do efeito repristinatório constitucional, a declaração de inconstitucionalidade da contribuição previdenciária incidente sobre a receita da comercialização em relação ao produtor rural pessoa física empregador, implica no restabelecimento da exação que a lei inconstitucional visou substituir, qual seja, a incidente sobre a folha de salários, prevista no artigo 22, I, da Lei 8.212/1991. 1. DA EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADOR RURAL Inicialmente, a fim de possibilitar a adequada análise da questão objeto desta dissertação, impõe-se elaborar uma breve digressão sobre a evolução legislativa do tratamento dado à contribuição para o Funrural. A Lei nº. 2.613/55 autorizou a União a criar uma Fundação denominada Serviço Social Rural. Naquela época, o Brasil ainda era um país com marcantes características rurais, mostrando-se necessária a adoção de políticas públicas e instituições voltadas à melhoria das condições de vida dos trabalhadores rurais. Nesse sentido, foi criado o Serviço Social Rural (SSR), autarquia vinculada ao Ministério da Agricultura, com amplas finalidades, entre elas, a proteção previdenciária dos trabalhadores rurais. A Lei nº. 2.613/55 previu três espécies de contribuições. Primeiramente, no artigo 6º do referido comando normativo, houve a previsão da contribuição de 3% (três por cento) sobre a soma paga mensalmente aos seus empregados pelas pessoas naturais ou jurídicas que exercessem as atividades industriais relacionadas pelo caput do referido dispositivo legal. A arrecadação das aludidas contribuições era destinada ao Serviço Social Rural. Após, no parágrafo quarto do mesmo artigo, houve a previsão de acréscimo de 0,3% (três décimos por cento) da contribuição que tinha incidência sobre o total dos salários pagos e destinados ao Serviço Social Rural, contribuição esta devida por todos os empregadores, quer fossem rurais, quer fossem urbanos. Por fim, conforme previsto no artigo 7º da mencionada lei, as empresas de atividades rurais que não fossem enquadradas na relação prevista pelo caput do artigo 6º, contribuiriam não com 3% (três por cento), mas com 1% (um por cento) da soma paga aos seus empregados. Em um segundo momento, a Lei nº. 4.863/65 dispôs que a contribuição prevista no artigo 6º, § 4º, da Lei nº. 2.613/55, acima transcrita, teria a sua alíquota majorada para 0,4% (quatro décimos por cento), percentual este mantido pelo Decreto-lei nº. 1.146/70. Somente em 1963, com a edição da Lei 4.214 (Estatuto do Trabalhador Rural), é que surgiu a proteção previdenciária estatal aos trabalhadores rurais, com a criação do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). Tal fundo era financiado pela contribuição de 1% sobre a comercialização da produção rural, sendo que a administração do fundo e concessão dos benefícios previdenciários e sociais aos trabalhadores rurais ficou, sob um primeiro momento, sob a responsabilidade do Instituto de Previdência e Pensões dos Industriários (Iapi). Posteriormente, o Decreto-lei nº. 582/1969 estabeleceu que 50% da contribuição prevista na Lei nº. 4.863/65 seria destinada ao Funrural.  Progredindo um pouco no tempo, a Lei Complementar nº. 11 de 1971 instituiu o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – Prorural, atribuindo ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural – Funrural, diretamente subordinado ao Ministro do Trabalho e Previdência Social e ao qual era atribuída personalidade jurídica de natureza autárquica, a execução do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural. Com efeito, pode-se afirmar que o Funrural era a previdência social do trabalhador rural, onde havia a prestação dos seguintes benefícios: “I – aposentadoria por velhice; II – aposentadoria por invalidez; III- pensão; IV – auxílio-funeral: V – serviço de saúde; VI – serviço de social.” Assim, para custear estes benefícios, a citada lei complementar veio a estabelecer o seu financiamento, o qual foi previsto em seu artigo 15, que expressamente determinava: "Art. 15. Os recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural provirão das seguintes fontes: I – da contribuição de 2% (dois por cento) devida pelo produtor sôbre o valor comercial dos produtos rurais, e recolhida: a) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa que ficam sub-rogados, para êsse fim, em tôdas as obrigações do produtor; b) pelo produtor, quando êle próprio industrializar seus produtos vendê-los, no varejo, diretamente ao consumidor. II – da contribuição de que trata o art. 3º do Decreto-lei nº 1.146, de 31 de dezembro de 1970, a qual fica elevada para 2,6% (dois e seis décimos por cento), cabendo 2,4% (dois e quatro décimos por cento) ao FUNRURAL." Desse modo, com a vigência da Lei Complementar nº. 11 de 1971, pode-se apontar a existência de três contribuições distintas, quais sejam: contribuição de 2% (dois por cento) sobre a comercialização da produção rural, destinada ao Funrural; contribuição de 2,4% (dois e quatro décimos por cento) incidente sobre a quantia paga  pelo  empregador aos seus  empregados,  destinada  ao Funrural; e contribuição de 0,2 % (dois décimos por cento) incidente sobre a quantia paga pelo empregador aos seus empregados, destinada ao INCRA. Portanto, este regramento distinto para os trabalhadores urbanos e rurais perdurou até a modificação da ordem constitucional advinda com a promulgação, em 5 de outubro de 1988, da nova Constituição da República Federativa do Brasil. Com a nova ordem social houve o estabelecimento do princípio da igualdade entre os trabalhadores urbanos e rurais, fato este que se pode verificar na disposição contida no artigo 7º, caput, da Constituição Federal, o qual, expressamente, assegura a  igualdade de direitos entre as aludidas classes de trabalhadores e, mais especificamente relacionado com a matéria sob analise, há a previsão principiológica estabelecida no artigo 194 da Lei Fundamental em que se assegura a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais. Portanto, imbuído deste mandamento principiológico constitucional, a Lei nº. 7.787/89 suprimiu a contribuição destinada ao Funrural, anteriormente prevista no artigo 15 da Lei Complementar nº. 11 de 1971, e determinou que a contribuição devida pelos empregadores rurais seria a mesma dos empregadores urbanos, conforme dispõe o artigo 3º da citada lei: "Art. 3º A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será: I – de 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores; II – de 2% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e avulsos, para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho. § 1º A alíquota de que trata o inciso I abrange as contribuições para o salário-família, para o salário-maternidade, para o abono anual e para o PRORURAL, que ficam suprimidas a partir de 1º de setembro, assim como a contribuição básica para a Previdência Social." A Lei nº. 7.787/89 disciplinou a contribuição previdenciária incidente sobre a folha de salários, no entanto, não extinguiu a contribuição incidente sobre a produção rural, prevista na Lei Complementar nº. 11 de 1971. O que restou extinta foi apenas a contribuição prevista no artigo 15, inciso II, da referida Lei Complementar, que incidia sobre a folha de salários. O Programa de Previdência e Assistência Rural (Prorural) foi extinto tacitamente pela Lei nº. 8.212/1991, que regulamentou a contribuição incidente sobre a folha de salários e sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. A revogação expressa foi realizada pela Lei nº. 8.213/1991, a qual em seu artigo 138 extinguiu o tratamento previdenciário diversamente outorgado ao empregado rural e ao urbano, assegurando-lhe tratamento igualitário, no que se refere aos benefícios previdenciários, nos seguintes termos: "Art. 138. Ficam extintos os regimes de Previdência Social instituídos pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, e pela Lei nº 6.260, de 6 de novembro de 1975, sendo mantidos, com valor não inferior ao do salário mínimo, os benefícios concedidos até a vigência desta Lei." Na legislação anterior à Constituição Federal de 1988 não havia distinção entre as categorias de produtores rurais. No entanto, com o advento da Lei nº. 8.212/1991, apenas o "segurado especial" é que estava sujeito à sistemática de custeio com base em um percentual incidente sobre sua produção. De acordo com a redação original do artigo 25 da Lei nº. 8.212/1991: "Art. 25. Contribui com 3% (três por cento) da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção o segurado especial referido no inciso VII do art. 12." Diante disso, com a cessação da cobrança da contribuição para o Funrural, ficaram os trabalhadores rurais que desenvolviam sua atividade com o auxílio de empregados sujeitos ao mesmo regime de contribuição que os empregadores urbanos, no valor de 20% (vinte por cento) do total da remuneração paga ou creditada, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores, nos termos do já citado artigo 3º da Lei nº. 7.787/89. Posteriormente, com o advento da Lei nº. 8.540/1992, o empregador rural pessoa física passou também a ser destinatário da contribuição prevista no artigo 25 da Lei nº. 8.212/1991, contribuindo com uma alíquota de 2% incidente sobre a receita bruta decorrente da comercialização da sua produção, a qual substituiu a contribuição sobre a folha de salários. Nesse sentido, cumpre transcrever o artigo 25, I, da Lei nº. 8.212/1991, alterado pela Lei nº. 8.540/1992: "Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada à Seguridade Social, é de: I – dois por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Art. 25 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 8.540/92)." No ano de 1997, a Lei nº. 9.528/1997 novamente alterou o caput do artigo 25 da Lei nº. 8.212/1991, que passou a prever: "Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta lei, destinada a Seguridade Social, é de (…)." Por fim, a Lei nº. 10.256/2001 conferiu a redação atual ao artigo 25 da Lei nº. 8.212/1991, nos seguintes termos: "Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho." Portando, considerando-se o histórico da legislação que rege a matéria, verifica-se que a contribuição do empregador rural pessoa física incidia: sobre a folha de salários, entre data da entrada em vigor da Lei nº. 8.213/1991, qual seja, 27 de julho de 1991, até 22 de março de 1993, data correspondente ao decurso da anterioridade nonagesimal da Lei nº. 8.540/1992; e sobre o resultado da comercialização da produção rural, a partir de 22 de março de 1993, em razão da alteração promovida pela Lei nº. 8.540/1992. No entanto, no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 363.852, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº. 8.540/1992, que deu nova redação aos artigos 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da Lei nº. 8.212/1991, com a redação atualizada até a Lei nº. 9.528/1997. 2. DOS EFEITOS OBJETIVOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE A respeito dos efeitos do controle de constitucionalidade, diferenciam-se dois sistemas: o sistema austríaco e o sistema americano. No sistema austríaco, baseado na doutrina de Hans Kelsen, defende-se a anulabilidade da norma inconstitucional, que deverá ser considerada válida até a decisão que declarou sua inconstitucionalidade. Portanto, quanto ao aspecto temporal, a decisão da Corte Constitucional tem caráter constitutivo e produz efeitos ex nunc. Como bem aponta Gilmar Ferreira Mendes: "Já em 1932 deixava assente o Verfassungsgerichtshof que 'uma lei contrária à Constituição não é inválida, ou melhor, não é absolutamente nula, mas sim um ato inconstitucional, que preserva força jurídica até sua cassação'." (MENDES, 2011, p.576). No entanto, a partir da reforma da Constituição Austríaca, em 1929, atenuou-se a regra da irretroatividade, reconhecendo-se o efeito retroativo à decisão anulatória proferida em sede de controle concreto de normas. No sistema americano, por sua vez, a lei inconstitucional é considerada nula, e, consequentemente, ineficaz desde sua origem. Desta forma, a sentença que reconhece a inconstitucionalidade de uma norma tem natureza declaratória e possui efeitos ex tunc. Tal doutrina vem sido acolhida desde o histórico caso Marbury v. Madison, e ainda prevalece nos Estados Unidos, apesar de ter sofrido algumas atenuações a partir da década de sessenta. Todavia, cumpre ressaltar que apesar das divergências existentes entre os dois sistemas, estes buscam a atenuação de seus postulados, sendo que os outros países que adotaram um destes grandes sistemas, em geral, não o fizeram de forma pura, mas realizaram uma mistura de técnicas reveladas necessárias pela própria experiência jurídica, buscando evitar decisões que ofendam os postulados da segurança jurídica, boa-fé e coisa julgada. O Brasil, assim como a maioria dos países que adotaram o modelo judicial de controle de constitucionalidade, adotou o sistema americano, que preconiza a nulidade da norma inconstitucional. Sobre esta questão, Carlos Roberto Siqueira Castro nos ensina que: "Entre nós brasileiros, a tradição amplamente majoritária na perspectiva tanto da doutrina quanto da jurisprudência, tem sido a de honrar o modelo de controle de constitucionalidade das leis cunhado pelo Constituinte de 1891, a sua vez haurido no assim chamado controle jurisdicional difuso, de que foi protótipo inspirador a judicial review norte-americana. Este paradigma, como se sabe, ao tempo da promulgação de nossa primeira Constituição republicana, ainda encampava a teorização ortodoxa que avistava nulidade absoluta e ineficácia plena na lei incondizente com a Constituição. Fazia-o na trilha do raciocínio articulado pelo Chief Justice Marshall no caso Marbury vs. Madison, no ano de 1803, (…). Para essa festejada visão, que até hoje é determinante para o direito público brasileiro, a lei inconstitucional configura genuína contradicto in terminis, na medida em que falta-lhe o fundamento de validade corporificado no estatuto que ocupa a presidência do sistema jurídico, este informado, desse modo, pelo princípio da hierarquia e rigidez." (CASTRO, 2001, p. 59). A doutrina assevera que o reconhecimento da nulidade da norma inconstitucional decorre da própria supremacia da Constituição, pois admitir-se os efeitos produzidos pela norma inconstitucional seria o mesmo que negar a vigência da Constituição naquele período. Nesse sentido, cumpre transcrever as lições de Luis Roberto Barroso: "A lógico do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato." (BARROSO, 2012, p. 38). De fato, admitir os efeitos de uma norma inconstitucional equivale a desprezar a Constituição. Contudo, a Constituição brasileira não previu expressamente os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, sendo que a nulidade da norma inconstitucional configura um princípio constitucional implícito. Para Gilmar Ferreira Mendes, o poder de qualquer juiz ou tribunal de negar aplicação à lei inconstitucional, segundo o artigo 97 e o artigo 102, III, a, b, e c, da Constituição Federal, assim como a faculdade concedida ao indivíduo de negar observância à lei inconstitucional, garantindo-lhe a possibilidade de interpor recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal contra decisão judicial que divirja da Constituição, nos termos do artigo 102, III, a, da Carta Magna, acaba por fundamentar constitucionalmente a nulidade ipso jure e ex tunc da norma inconstitucional. Sob um aspecto lógico, a tese que defende a nulidade da norma inconstitucional é irrefragável. No entanto, na prática, o dogma da nulidade pode acarretar situações de insegurança jurídica, em especial para aqueles que fundaram suas ações na lei inconstitucional, ainda porque esta gozava da presunção de constitucionalidade até a sentença declaratória da inconstitucionalidade. Com base neste fundamento é que há na doutrina aqueles autores que defendem a anulabilidade da norma inconstitucional, de acordo com a tese de Hans Kelsen. No Brasil esta doutrina foi muito bem representada pelo Ministro Leitão de Abreu e por Regina Maria Macedo Ferrari, segundo a qual: "(…) a norma inconstitucional é anulável e que os atos praticados sob o império dessa lei devem ser considerados válidos, até e enquanto não haja a decisão que a fulmine com tal vício, operando eficaz e normalmente como qualquer outra disposição válida, já que o é até a decretação de inconstitucionalidade. Dentro deste posicionamento, consideramos que a sentença que declara a inconstitucionalidade é constitutiva, pois esta, embora visando à criação, alteração ou extinção de um direito, traz a certeza do mesmo e, a partir daí a mudança de um estado. Como já salientamos, contudo, não é certo dizer que com ela serão criados direitos, estados ou situações jurídicas que antes não existiam, pois, na verdade, o que acontece é que o direito à mudança ou à modificação existia antes do processo e a sentença apenas fez atuar o direito, instituindo a mudança como e nos limites da lei, a partir dessa data." (FERRARI, 2004, p. 172). O fato é que diante da complexidade das relações entre os indivíduos foi inevitável admitir-se a atenuação da regra geral da nulidade da norma inconstitucional, com efeitos ex tunc, objetivando a consagração de valores como boa-fé, justiça e segurança jurídica. Luis Roberto Barroso, de forma bastante didática, relaciona algumas manifestações do Supremo Tribunal Federal, proferidas antes da entrada em vigor da Lei nº. 9.868/1999, nesse sentido: "a) Em nome da boa-fé de terceiros e da teoria da aparência, o STF deixou de invalidar atos praticados por funcionário investido em cargo público com base em lei que veio a ser declarada inconstitucional. b) Em nome da irredutibilidade de vencimentos, o STF pronunciou-se, relativamente à remuneração indevida percebida por servidores públicos (magistrados), no sentido de que a 'retribuição declarada inconstitucional não é de ser devolvida no período de validade inquestionada da lei declarada inconstitucional – mas tampouco paga após a declaração de inconstitucionalidade'. c) Em nome da proteção à coisa julgada, há consenso doutrinário em que a declaração de inconstitucionalidade, com eficácia erga omnes, não desconstitui automaticamente a decisão baseada na lei que veio a ser invalidada e que transitou em julgado, sendo cabível ação rescisória, se ainda não decorrido o prazo legal. Caso se tenha operado a decadência para a rescisão, já não será possível desfazer o julgado. d) Em nome da vedação do enriquecimento sem causa, se a Administração tiver se beneficiado de uma relação jurídica com o particular, mesmo que ela venha a ser tida por inválida, se não houver ocorrido má-fé do administrado, faz ele jus à indenização correspondente." (BARROSO, 2012, p. 43 e 44). Contudo, em 10 de novembro de 1999, adveio a Lei nº. 9.868, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e sobre a ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Referido diploma legal inovou no ordenamento jurídico brasileiro ao permitir expressamente a atenuação da teoria da nulidade da norma inconstitucional, admitindo de forma excepcional que a declaração de inconstitucionalidade não retroagisse ao início de vigência da lei. Nesse sentido, dispõe o artigo 27 da Lei nº. 9.868/1999: "Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado." O artigo 27 da Lei nº. 9.868/1999 foi bem recepcionado por boa parte da doutrina, segundo a qual era necessário a concessão de "margem de manobra"  para que o Poder Judiciário pudesse ponderar interesses em disputa. Todavia, há autores que se insurgiram contra a inovação legislativa,  sob o fundamento de que: tal alteração demandaria a edição de emenda constitucional, e o Supremo Tribunal Federal já vinha atenuando a regra da nulidade da norma inconstitucional nos casos em que sua aplicação colidia com outros valores constitucionais. Foram propostas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade contra o referido ato normativo, a de nº. 2.154-2, interposta pela Confederação Nacional das Profissões Liberais, e a de nº. 2.258-0, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, as quais ainda não foram julgadas. O artigo 27 da Lei nº. 9.868/1999 vem sendo aplicado de forma bastante excepcional pelo Supremo Tribunal Federal, apenas quando resta demonstrado que a aplicação do princípio da nulidade acarretaria na violação de valor constitucional externado sob a forma de interesse social. A respeito do tema, Gilmar Ferreira Mendes destaca que: "O princípio da nulidade continua a ser a regra no direito brasileiro. O afastamento de sua incidência dependerá de um severo juízo de ponderação que, tendo em vista análise fundada no princípio da proporcionalidade, faça prevalecer a ideia de segurança jurídica ou outro princípio constitucionalmente relevante, manifestado sob a forma de interesse social relevante. Assim, aqui, como no direito português, a não aplicação do princípio da nulidade não se há de basear em consideração política judiciária, mas em fundamento constitucional próprio. O princípio da nulidade somente há de ser afastado se puder demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucional materializável sob a forma de interesse social. Entre nós, cuidou o legislador de conceber um modelo restritivo também no aspecto procedimental, consagrando a necessidade de um quorum especial (dois terços dos votos) para a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados." (MENDES, 2011, p. 647 e 648). O autor ainda destaca a importância que assume o princípio da proporcionalidade, em especial no aspecto da proporcionalidade em sentido estrito, como instrumento a ser utilizado na solução do conflito entre o princípio constitucionalmente relevante e a aplicação do princípio da nulidade na declaração de inconstitucionalidade. O fato é que pela própria redação do artigo 27, verifica-se que a atenuação do princípio da nulidade e a modulação dos efeitos da decisão declaratória da inconstitucionalidade é condicionada à existência de dois pressupostos: segurança jurídica ou excepcional interesse social, e aprovação pelo quorum de maioria de dois terços do Supremo Tribunal Federal. Portanto, subiste no direito brasileiro a regra de que o ato normativo declarado inconstitucional é nulo ab initio, com efeitos retroativos à data da sua entrada em vigor, ainda porque apenas a tese da nulidade da lei inconstitucional é compatível com o princípio da supremacia da Constituição e com o da aplicabilidade das normas constitucionais, orientadores do nosso ordenamento jurídico. 2.1 Do efeito repristinatório constitucional Consequência do princípio da nulidade das normas inconstitucionais, segundo o qual a decisão que declara a inconstitucionalidade, em regra, tem eficácia ex tunc, é a restauração da vigência da legislação revogada pela lei inconstitucional, chamado efeito repristinatório constitucional. A declaração de inconstitucionalidade desconstitui todos os efeitos produzidos pela norma inconstitucional, o que acarreta a repristinação da norma anterior que por ela havia sido revogada. Nesse diapasão, manifesta-se Luís Roberto Barroso: "A premissa da não-admissão de efeitos válidos decorrentes do ato inconstitucional conduz, inevitavelmente, à tese da repristinação da norma revogada. É que, a rigor lógico, sequer se verificou a revogação no plano jurídico. De fato, admitir-se que a norma anterior continue a ser tida por revogada importará na admissão de que a lei inconstitucional inovou na ordem jurídica, submetendo o direito objetivo a uma vontade que era viciada desde a origem. Não há teoria que possa resistir a essa contradição." (BARROSO, 2004, p. 92 e 93). No entanto, o efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade não foi previsto expressamente pela Constituição brasileira. No que se refere à Lei nº. 9.868/99, esta se limita a estabelecer, em seu artigo 11, § 2º, que a concessão de medida cautelar torna aplicável a legislação anterior, salvo expressa manifestação em sentido contrário. Contudo, apesar de o artigo 11, § 2º, da Lei nº. 9.868/99 se referir apenas à aplicação dos efeitos repristinatórios na medida cautelar, o Supremo Tribunal Federal entende que estes podem ser aplicados à decisão de mérito, consoante se verifica no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.621-MC/DF, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa: "A declaração de inconstitucionalidade in abstracto, de um lado, e a suspensão cautelar de eficácia do ato reputado inconstitucional, de outro, importam – considerado o efeito repristinatório que lhes é inerente – em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato. Esse entendimento – hoje expressamente consagrado em nosso sistema de direito positivo (Lei nº 9.868/99, art. 11, § 2º) -, além de refletir-se no magistério da doutrina (ALEXANDRE DE MORAES, “Jurisdição Constitucional e Tribunais Constitucionais”, p. 272, item n. 6.2.1, 2000, Atlas; CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro”, p. 249, 2ª ed., 2000, RT; CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS, “Comentários à Constituição do Brasil”, vol. 4, tomo III/87, 1997, Saraiva; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de Constitucionalidade”, p. 213/214, item n. 212, 1999, Cejup), também encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, desde o regime constitucional anterior (RTJ 101/499, 503, Rel. Min. MOREIRA ALVES – RTJ 120/64, Rel. Min. FRANCISCO REZEK), vem reconhecendo a existência de efeito repristinatório nas decisões desta Corte Suprema, que, em sede de fiscalização normativa abstrata, declaram a inconstitucionalidade ou deferem medida cautelar de suspensão de eficácia dos atos estatais questionados em ação direta (RTJ 146/461-462, Rel. Min. CELSO DE MELLO – ADI 2.028-DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES – ADI 2.036-DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES – ADI 2.215-PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO)." Cumpre ressaltar a existência de discussão sobre a posição do Supremo Tribunal Federal no caso de a lei revogada pela lei inconstitucional ser igualmente dotada de vício de inconstitucionalidade. Debatem os autores se em razão do princípio do pedido, o Supremo Tribunal Federal dependeria de expresso requerimento do autor da ação para declarar inconstitucional a lei revogada pela lei inconstitucional, de forma a justificar a não repristinação. Tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal está vinculado ao pedido, mesmo na fiscalização abstrata, apesar de não estar vinculado à causa de pedir, Clèmerson Merlin Clève defende que para evitar a respristinação indesejada, deverá o autor impugnar na petição inicial todo o complexo normativo que entende inconstitucional, senão vejamos: "A reentrada em vigor da norma revogada nem sempre é vantajosa. É que o efeito repristinatório produzido pela decisão do Supremo, em via de ação direta, pode dar origem ao problema da legitimidade da norma repristinada. De fato, a norma reentrante pode padecer de inconstitucionalidade ainda mais grave que a do ato nulificado. (…) Se for detectada a manifestação de eventual eficácia repristinatória indesejada, cumpre requerer, já na inicial da ação direta, a declaração de inconstitucionalidade, e desde que possível, do ato normativo repristinado." (CLÈVE,  p. 167). Zeno Veloso, por sua vez, defende a prevalência do dogma da supremacia da Constituição, afirmando que a declaração de inconstitucionalidade deve ser expandida a outras normas não relacionadas diretamente no pedido, desde que haja ligação entre os preceitos: "Embora falte no direito brasileiro regra expressa a respeito, somos de parecer que se deve prestigiar o dogma da supremacia da Constituição, expandido-se a declaração de inconstitucionalidade a outras normas, ainda que não mencionadas diretamente no pedido, e desde que haja conexão, correlação, relação de dependência entre os preceitos. A fortiori, até em nome do postulado da segurança jurídica – que tem a mesma hierarquia, o mesmo valor que o princípio da legalidade -, deve o STF proclamar a inconstitucionalidade – se for o caso – de norma anterior, que havia sido revogada pela lei cuja inconstitucionalidade foi reconhecida." (VELOSO, 2000, p. 492). Já Daniel Sarmento aduz que o Supremo Tribunal Federal não precisaria declarar a inconstitucionalidade da norma revogada, podendo apenas analisá-la para conceder ou não efeitos repristinatórios à decisão declaratória de inconstitucionalidade. Nesse sentido, transcreve-se as lições do autor: "(…) o STF não precisa declarar a inconstitucionalidade da norma revogada, mas ele pode apreciá-la apenas para os fins específicos de conceder, ou não, efeitos repristinatórios à decisão de pronúncia de inconstitucionalidade da norma revogadora. Não se trata, portanto, de exercer a fiscalização abstrata daquele ato normativo anterior, mas sim de analisar a sua validade, para os fins específicos de modulação dos efeitos da decisão no controle da norma posterior." (SARMENTO, 2001, p. 131). No mais, referido autor ressalta que a repristinação da norma revogada, ainda que esta seja constitucional, poderá causar injustiças e danos à segurança jurídica, pelo que, neste caso, deverá o Supremo Tribunal Federal utilizar-se da margem de manobra que lhe foi concedida pela Lei nº. 9.868/1999 para solucionar o conflito entre os bens jurídicos envolvidos, senão vejamos: "(…) da conjugação dos arts. 11, §2º, e 27 da Lei n.º 9.868/99, é possível inferir uma autorização para que o STF, mediante um juízo de ponderação, restrinja ou até mesmo afaste os efeitos repristinatórios das decisões no controle de constitucionalidade. Mas, sempre que a restrição à repristinação decorrer não de um juízo sobre a inconstitucionalidade da lei revogada, mas de uma avaliação política do STF, calcada em “razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”, pensamos que o quorum de 2/3, previsto no art. 27 da Lei n.º 9.868/99, também deverá ser exigido." (SARMENTO, 2001, p. 132). Gilmar Ferreira Mendes, em sua obra dedicada ao controle abstrato de constitucionalidade, deixa claro que o Supremo Tribunal Federal exige a impugnação, na petição inicial, de todo o alegado complexo normativo inconstitucional, conforme se verifica no trecho transcrito a seguir: "O Supremo Tribunal Federal tem exigido que o requerente, no pedido inicial, delimite de forma precisa o objeto da ação, impugnando todo o complexo normativo supostamente inconstitucional, inclusive as normas revogadas que teriam sua vigência e eficácia revigoradas em virtude da declaração de inconstitucionalidade das normas revogadoras. Assim, na delimitação inicial do sistema normativo, o requerente deve verificar a existência de normas revogadas que poderão ser eventualmente repristinadas pela declaração de inconstitucionalidade das normas revogadoras. Isso implica, inclusive, a impugnação de toda a cadeia normativa de normas revogadoras e normas revogadas, sucessivamente." (MENDES, 2012, p. 232 e 233). Analisando-se os julgados do Supremo Tribunal Federal que tratam sobre esta questão, verifica-se que a Corte vem decidindo pelo não conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade diante da ausência de impugnação específica da norma revogada, a ser repristinada, também afetada pelo vício de inconstitucionalidade. Este entendimento vem sido acolhido em vários precedentes, como, por exemplo, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.574/AP, cujo trecho do voto do Ministro Celso de Mello transcreve-se a seguir: "Esta Suprema Corte, nos precedentes em questão, e considerando o efeito repristinatório acima referido, firmou orientação no sentido de que, em processo de fiscalização concentrada, a ausência de impugnação, em caráter subsidiário, da norma revogada por ato estatal superveniente, desde que somente este tenha sido contestado em sede de controle abstrato, achando-se, também ela, inquinada do vício de inconstitucionalidade, importa em não-conhecimento da ação direta, se esta, promovida, unicamente, contra o diploma ab-rogatório, não se dirigir contra a espécie normativa que ele tenha sido afetada no plano de sua vigência." Por fim, passa-se a analisar a questão do efeito repristinatório em sede de controle difuso de constitucionalidade. Ao tratar dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, restou assentado que a corrente doutrinária e jurisprudencial dominante no Direito brasileiro adota a teoria da nulidade das normas inconstitucionais. Aplicando-se a teoria da nulidade também no controle difuso e incidental, verifica-se que o juiz, no caso concreto, ao declarar a inconstitucionalidade de um ato normativo, deverá fazê-lo com eficácia retroativa, pois, em razão da primazia do dogma da supremacia da Constituição, a norma inconstitucional não deve gerar direitos ou obrigações exigíveis. Seguindo esse raciocínio, conclui-se que também no controle difuso o aplicador do Direito deverá reconhecer o efeito repristinatório da declaração de inconstitucionalidade, restaurando, inter partes, a vigência da legislação revogada pela lei inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou favoravelmente à aplicação do efeito repristinatório no controle difuso, restringindo-o, no entanto, às partes do processo. Nesse sentido, transcreve-se a ementa do acórdão proferido no Recurso Extraordinário nº. 260.670, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence: "ITBI: progressividade: L. 11.154/91, do Município de São Paulo: inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade, reconhecida pelo STF (RE 234.105), do sistema de alíquotas progressivas do ITBI do Município de São Paulo (L. 11.154/91, art. 10, II), atinge esse sistema como um todo, devendo o imposto ser calculado, não pela menor das alíquotas progressivas, mas na forma da legislação anterior, cuja eficácia, em relação às partes, se restabelece com o trânsito em julgado da decisão proferida neste feito." Logo, conclui-se que o efeito repristinatório trata-se de um dos efeitos objetivos da declaração de inconstitucionalidade, aplicável tanto no controle difuso como no controle abstrato, segundo o qual, em razão do princípio da nulidade das normas inconstitucionais, deverá ser restaurada a vigência da legislação revogada pela norma inconstitucional. Conforme se demonstrará a seguir, o estudo do efeito repristinatório assume especial importância no caso das ações judiciais que discutem a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção, seguindo a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário nº. 363.852. 2.2 Das consequências do efeito repristinatório nas ações judiciais que reconhecem a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física A Constituição Federal de 1988 instituiu uma nova ordem social, estabelecendo a igualdade entre os trabalhadores urbanos e rurais (artigo 7º, caput), e assegurando a uniformidade e a equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais (artigo 194). Já sob a nova ordem constitucional, foi editada a Lei nº. 8.212/1991, que equiparou as contribuições previdenciárias dos empregadores urbanos e rurais, determinado como a base de cálculo o total das remunerações pagas. Nesse sentido, transcreve-se a redação original do artigo 22 da Lei nº. 8.212/1991: "Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I – 20% (vinte por cento) sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, empresários, trabalhadores avulsos e autônomos que lhe prestem serviços; II – para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho, dos seguintes percentuais, incidentes sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave. § 1º No caso de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras, distribuidoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguros privados e de capitalização, agentes autônomos de seguros privados e de crédito e entidades de previdência privada abertas e fechadas, além das contribuições referidas neste artigo e no art. 23, é devida a contribuição adicional de 2,5% (dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a base de cálculo definida no inciso I deste artigo. § 2º Não integram a remuneração as parcelas de que trata o § 8° do art. 28. § 3º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes. § 4º O Poder Executivo estabelecerá, na forma da lei, ouvido o Conselho Nacional da Seguridade Social, mecanismos de estímulo às empresas que se utilizem de empregados portadores de deficiência física, sensorial e/ou mental, com desvio do padrão médio." Desta forma, em razão do advento da Lei nº. 8.212/1991, ficaram os trabalhadores rurais que desenvolviam sua atividade com o auxílio de empregados sujeitos ao mesmo regime de contribuição que os empregadores urbanos, no valor de 20% (vinte por cento) do total da remuneração paga ou creditada, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores. Na redação original da Lei nº. 8.212/1991, apenas o segurado especial, aquele que exerce suas atividades em regime de economia familiar, sem utilização de mão de obra assalariada, estava sujeito à contribuição sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. No entanto, a partir da Lei nº. 8.540/1992 o empregador rural pessoa física passou também a ser destinatário da contribuição prevista no artigo 25 da Lei nº. 8.212/1991, contribuindo com uma alíquota de 2% incidente sobre a receita bruta decorrente da comercialização da sua produção, que substituiu a contribuição sobre a folha de salários. Atualmente, em razão da redação conferida pela Lei nº. 10.256/2001 ao artigo 25 da Lei nº. 8.212/1991, a contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à sistemática de recolhimento sobre a folha de salários, é de 2% (dois por cento) sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção, e de 0,1% (um décimo de por cento) da receita bruta da comercialização da produção, para o financiamento das prestações por acidente de trabalho. O fato é que a mudança da sistemática de recolhimento causada pela redação original da Lei nº. 8.212/1991, que previu a contribuição dos empregadores urbanos e rurais com base na folha de salários, foi prejudicial tanto para os produtores rurais como para a Previdência Social. Sob o aspecto da Previdência Social, o regime de contribuição pela folha de salários acarretou numa drástica perda de arrecadação, já que, como bem aponta Fabrício Sarmanho Albuquerque, a informalidade do setor rural muitas vezes levava à inexistência da folha de salários; havia grande dificuldade na fiscalização tributária, pois a carência de estrutura da administração impedia o deslocamento de servidores para fiscalizar um reduzido número de empregadores; e a burocracia inerente à sistemática do recolhimento pela folha de salários era difícil de ser cumprida por pessoas sem grande instrução e sem o apoio de assessoramento contábil e tributário (ALBUQUERQUE, 2011, p. 307). No que concerne aos produtores rurais, o regime de contribuição pela folha de salários também lhes era prejudicial, pois efetivamente aumentava o valor das contribuições a serem pagas, além de lhes obrigar a efetuar um recolhimento mensal quando, no setor rural, as receitas não ingressam de forma constante. Estes fatores motivaram o legislador ordinário a editar a Lei nº. 8.540/1992, que substituía a sistemática de recolhimento pela folha de salários sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção. Para melhor esclarecimento do tema, cumpre transcrever a justificativa apresentada pelo Deputado Jabes Ribeiro no Projeto de Lei nº. 2.920 de 1992, que originou a Lei nº. 8.540/1992: "JUSTIFICAÇÃO A Lei de custeio da Seguridade Social alterou a forma de contribuição dos produtores rurais. Antes de sua vigência, todos os que tinham atividade agropecuária ou pesqueira contribuíam com 2,5% sobre o resultado da comercialização de sua produção. Com a nova Lei, apenas os segurados especiais, ou seja, aqueles que produzem em regime de economia familiar, continuaram a contribuir sobre o valor da comercialização de sua produção, tendo a alíquota sido aumentada para 3%. Os produtores rurais que possuem empregados foram equiparados aos empresários urbanos que não se constituem em empresas jurídicas. Assim, o empregador rural, ao invés de contribuir sobre o resultado da comercialização, passou a contribuir obrigatoriamente com uma alíquota mensal de 20% sobre o total da remuneração paga ou creditada a todos que lhe prestam serviço no decorrer daquele mês. Ora, tal modificação veio a prejudicar justamente aqueles produtores rurais que utilizam mão-de-obra intensivamente, aumentando sobremaneira o custo de produção, mormente nas culturas de café e cacau. A situação introduzida com a nova legislação é carregada de injustiças, pois não atende aos interesses da classe produtiva rural, dos trabalhadores do campo e, nem mesmo,da própria Previdência Social. Como podemos concordar com a manutenção de uma situação, onde os empregadores rurais são equiparados aos urbanos quando os mesmos estão sujeitos a condições distintas. As receitas de um empresário urbano integram seu balanço mensalmente, já no meio rural, as receitas não ingressam em todos os meses do ano, muito menos de forma constante. Como podemos concordar com a manutenção de uma situação em que os trabalhadores são prejudicados, pois os empresários rurais, muitas vezes, diante da impossibilidade de pagarem a previdência, não formalizam os contratos de trabalho. Ao mesmo tempo, à medida que os custos, de produção aumentam, incentiva-se a mecanização, o que produz o desemprego. Como podemos concordar com as mudanças produzidas, quando o próprio Ministro da Previdência Social nos informa que a arrecadação proveniente do meio rural reduziu em 75%. Nesse sentido, apresentamos o presente Projeto de Lei, que, temos certeza, atenderá aos interesses do empresário, do trabalhador e da Previdência Social. Propomos o retorno à situação antiga, ou seja, que o empregador rural contribua para a seguridade social com 3% sobre o resultado da comercialização de sua produção. Diante da relevância, do alcance e da justiça social da matéria que apresentamos, contamos com o pronto acolhimento dos nobre membros dessa Casa. Sala das sessões, em 17 de março de 1992. Deputado Jabes Ribeiro" Assim, tendo em vista o histórico da legislação que rege a matéria, verifica-se que a contribuição do empregador rural pessoa física incidia: sobre a folha de salários, entre data da entrada em vigor da Lei nº. 8.213/1991, qual seja, 27 de julho de 1991, até 22 de março de 1993, data correspondente ao decurso da anterioridade nonagesimal da Lei nº. 8.540/1992; e sobre o resultado da comercialização da produção rural, a partir de 22 de março de 1993, em razão da alteração promovida pela Lei nº. 8.540/1992. Todavia, em razão do julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal do Recurso Extraordinário nº. 363.852, que decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº. 8.540/1992, que deu nova redação aos artigos 12, V e VII, 25, I e II, e 30, IV, da Lei nº. 8.212/1991, com a redação atualizada até nº. 9.528/1997, milhares de ações judiciais vem sendo propostas aduzindo a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física recolhida sobre a receita bruta da comercialização da sua produção. Apesar de ainda não haver manifestação do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, já existem ações judiciais arguindo a inconstitucionalidade da exação mesmo com base na redação atual do artigo 25 da Lei nº. 8.212/1991, conferida pelo artigo 1º da Lei nº. 10.256/2001. O julgamento procedente de tais ações, com a declaração da inconstitucionalidade da contribuição sobre a receita bruta da comercialização da produção, termina por reconhecer a nulidade, ab initio e ex tunc, do artigo 1º da Lei nº. 8.540/1992 e do artigo 1º da Lei nº. 10.256/2001, consoante amplamente demonstrado no tópico acerca dos efeitos objetivos da declaração de inconstitucionalidade. Desta forma, a eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade, seja do artigo 1º da Lei nº. 8.540/1992 ou do artigo 1º da Lei nº. 10.256/2001, acarreta na repristinação da redação original da Lei nº. 8.212/1991, que determina o recolhimento da contribuição previdenciária do empregador rural sobre a folha de salários. Apesar de a discussão sobre o tema ser recente, já há manifestação jurisprudencial acolhendo a tese do efeito repristinatório causado pela declaração de inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural, incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção, que acaba por restaurar a sistemática de recolhimentos sobre a folha de salários. Nesse norte, transcreve-se a ementa do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos da apelação cível nº. 5000552-77.2010.404.7210/SC, de relatoria do Desembargador Otávio Roberto Pamplona: "TRIBUTÁRIO. QUESTÃO DE ORDEM. JULGAMENTO PELA 1ª SEÇÃO. PRESCRIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. INEXIGIBILIDADE. LEI Nº 10.256/2001. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL. EFEITO REPRISTINATÓRIO. SELIC. HONORÁRIOS. 1. Questão de ordem acolhida para afetar o julgamento da apelação à 1ª Seção deste Regional. 2. Segundo orientação desta Corte, tratando-se de ação ajuizada após o término da vacatio legis da LC nº 118/05 (ou seja, após 08-06-2005), objetivando a restituição ou compensação de tributos que, sujeitos a lançamento por homologação, foram recolhidos indevidamente, o prazo para o pleito é de cinco anos, a contar da data do pagamento antecipado do tributo, na forma do art. 150, § 1º, e 168, inciso I, ambos do CTN, c/c art. 3º da LC n.º 118/05. Esse entendimento restou confirmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE nº 566.621/RS, com julgamento concluído na sessão de 04-08-2011. Alteração, pelo STJ, da sua orientação primitiva, para se adequar ao decidido pela Suprema Corte. 3. É inconstitucional a contribuição sobre a comercialização dos produtos rurais, devida pelo produtor rural empregador pessoa física, prevista no art. 25 da Lei 8.212/91. Precedente do Supremo Tribunal Federal. 4. A declaração de inconstitucionalidade tem como efeito tornar a lei inconstitucional nula, seja no controle difuso, seja no controle concentrado. A diferença entre um sistema e outro reside no âmbito subjetivo de sua eficácia, porquanto, no primeiro, o reconhecimento opera efeitos entre as partes do processo, enquanto, no segundo, o efeito é geral. 5. Consequentemente, a lei inconstitucional não pode alterar o panorama normativo, pois nula desde o início. Desse modo, a declaração de invalidade da lei tem efeito repristinatório em relação à legislação que pretendia promover alteração ou revogar. Esse efeito repristinatório não se confunde com o fenômeno da repristinação da lei, pois, conforme pondera Clèmerson Melin Clève, o efeito repristinatório é "o fenômeno da reentrada em vigor da norma aparentemente revogada. Já a repristinação, instituto distinto, substanciaria a reentrada em vigor da norma efetivamente revogada em função da revogação (mas não anulação) da norma revogadora". Assim, enquanto o primeiro fenômeno tem aplicação no âmbito do controle de constitucionalidade, o segundo tem aplicação no plano da legislação, precisamente em relação à sucessão de leis no tempo. Precedentes do STF. 6. Declarada inconstitucional a Lei nº 10.256/2001, pela Corte Especial deste Regional, com redução de texto, para abstrair do caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91 as expressões 'contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22', e "na alínea 'a' do inciso V", mantida a contribuição do segurado especial, na forma prevista nos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91 (AC nº 2008.70.16.000444-6, Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, julgada em 30.06.2011, publicada no D.E. de 20.07.20011). 7. A declaração de inconstitucionalidade da contribuição social incidente sobre a receita da comercialização em relação ao produtor rural pessoa física empregador implica no restabelecimento da exação que a lei inconstitucional visou substituir, qual seja a incidente sobre a folha de salários. 8. Se o entendimento acima explicitado, nos termos em que lançado, vai de encontro aos interesses do contribuinte, por eventualmente a tributação sobre a folha de salários ser mais onerosa, entra aqui o chamado efeito repristinatório indesejado a que se refere a doutrina, bem assim a jurisprudência, inclusive do STF. 9. A atualização monetária incide desde a data do pagamento indevido do tributo até a sua efetiva restituição, sendo aplicável, para os respectivos cálculos, a taxa SELIC. 10. Verba honorária fixada em 10% sobre o valor da condenação, como base no disposto no art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC e nos parâmetros da Turma. 11. Questão de ordem acolhida e apelação parcialmente provida." Reconhecida a incidência do efeito repristinatório nas ações em que restou declarada a inconstitucionalidade da cobrança da contribuição do empregador rural sobre a receita bruta da comercialização da sua produção, surge uma interessante discussão a respeito da necessidade de a administração tributária efetuar um novo lançamento para poder exigir a exação com base na folha de salários. A respeito do lançamento, dispõe o artigo 142 do Código Tributário Nacional: "Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional." Deste modo, verifica-se que para o Código Tributário Nacional lançamento é o procedimento administrativo que objetiva verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, identificar o sujeito passivo, delimitar a matéria tributável e calcular o montante do tributo devido, aplicando-se a penalidade cabível, se for o caso. No caso da contribuição previdenciária, tributo sujeito a lançamento por homologação, o empregador rural pessoa física, ao apresentar sua declaração, calculando e recolhendo o montante de tributo devido, com base na receita bruta da comercialização da sua produção, confere certeza quanto à ocorrência do fato gerador, ainda porque é esta certeza que o legitima a pedir a restituição daquilo que entende ter pago indevidamente. Quanto ao sujeito passivo, empregador rural pessoa física que busca a restituição, também não é necessário realizar um novo lançamento para sua definição. No que se refere à matéria tributável, a declaração de inconstitucionalidade do recolhimento da contribuição previdenciária com base na receita bruta sobre a comercialização da produção, acarreta na repristinação da sistemática de recolhimento sobre a folha de salários, pelo que não restam dúvidas de que a matéria tributável, no caso, é a folha de salários. O único item a ser definido é o cálculo do montante devido, o que também não acarreta na necessidade de se efetuar um novo lançamento. A respeito desta questão, cumpre transcrever a esclarecedora manifestação da Procuradora da Fazenda Nacional Letícia Geremia Balestro, na sustentação oral proferida no julgamento da apelação cível nº. 5000552-77.2010.404.7210/SC, de relatoria do Desembargador Otávio Roberto Pamplona, realizado no Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "A única questão que resta para ser certificada – e é a questão dedicada no presente processo – é o cálculo do montante devido, saber quanto o empregador rural pessoa física deve a título de contribuição previdenciária. Todavia essa incerteza não leva à necessidade de um novo lançamento. Com efeito, ao ajuizar a ação judicial para a discussão da exigibilidade da contribuição prevista no art. 25 da Lei nº 8.812, o contribuinte acabou por judicializar a questão do quantum debeatur. A partir do momento em que a ação foi ajuizada, tal questão deixou de caber à Administração Tributária para ser decidida pelo Poder Judiciário. O Poder Judiciário, por sua vez, decidiu que é incabível a cobrança da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física com base na comercialização da produção rural, sendo devida a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento. Assim, basta calcular essa diferença em cada caso para restituir o indébito verdadeiro. (…).O presente caso não foge desse entendimento. O cálculo do valor devido pelo empregador rural, pessoa física, a título de contribuição previdenciária, é facilmente encontrado pela aplicação da alíquota aos valores relativos à folha de pagamento. Por outro lado, a folha de pagamento é um documento de fácil acesso aos empregadores, que têm de responder pelas obrigações trabalhistas dos seus empregados. Assim, não há razão para se remeter a questão para a esfera administrativa para um novo lançamento." Nestes termos, no caso de condenação da União a restituir o montante pago indevidamente, apurar-se-á a quantia devida calculando-se a diferença entre os valores pagos com base no resultado da produção e o que deveria ter sido recolhido com base na folha de salários. O fato é que tal apuração trata-se apenas de liquidação de um título judicial. Cumpre asseverar que em caso semelhante o Superior Tribunal de Justiça se manifestou contra a necessidade de um novo lançamento. No julgamento do Recurso Especial nº. 1.115.501, que discutia a questão da inconstitucionalidade da contribuição para o PIS recolhida com base nos Decretos-leis números 2.445 e 2.449, a Primeira Seção entendeu que não seria necessário nem um novo lançamento nem a substituição da certidão de dívida ativa que lastreava a execução fiscal, bastando que o feito executivo prosseguisse quanto à diferença apurada entre o que era cobrado pela legislação declara inconstitucional e o que seria devido com base na legislação repristinada: "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA) ORIGINADA DE LANÇAMENTO FUNDADO EM LEI POSTERIORMENTE DECLARADA INCONSTITUCIONAL EM SEDE DE CONTROLE DIFUSO (DECRETOS-LEIS 2.445/88 E 2.449/88). VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO QUE NÃO PODE SER REVISTO. INEXIGIBILIDADE PARCIAL DO TÍTULO EXECUTIVO. ILIQUIDEZ AFASTADA ANTE A NECESSIDADE DE SIMPLES CÁLCULO ARITMÉTICO PARA EXPURGO DA PARCELA INDEVIDA DA CDA. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL POR FORÇA DA DECISÃO, PROFERIDA NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO, QUE DECLAROU O EXCESSO E QUE OSTENTA FORÇA EXECUTIVA. DESNECESSIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA CDA. 1. O prosseguimento da execução fiscal (pelo valor remanescente daquele constante do lançamento tributário ou do ato de formalização do contribuinte fundado em legislação posteriormente declarada inconstitucional em sede de controle difuso) revela-se forçoso em face da suficiência da liquidação do título executivo, consubstanciado na sentença proferida nos embargos à execução, que reconheceu o excesso cobrado pelo Fisco, sobressaindo a higidez do ato de constituição do crédito tributário, o que, a fortiori , dispensa a emenda ou substituição da certidão de dívida ativa (CDA). 2. Deveras, é certo que a Fazenda Pública pode substituir ou emendar a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos (artigo 2º, § 8º, da Lei 6.830/80), quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada, entre outras, a modificação do sujeito passivo da execução (Súmula 392/STJ) ou da norma legal que, por equívoco, tenha servido de fundamento ao lançamento tributário (Precedente do STJ submetido ao rito do artigo 543-C, do CPC: REsp 1.045.472/BA, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 25.11.2009, DJe 18.12.2009). 3. In casu, contudo, não se cuida de correção de equívoco, uma vez que o ato de formalização do crédito tributário sujeito a lançamento por homologação (DCTF), encampado por desnecessário ato administrativo de lançamento (Súmula 436/STJ), precedeu à declaração incidental de inconstitucionalidade formal das normas que alteraram o critério quantitativo da regra matriz de incidência tributária, quais sejam, os Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88. 4. O princípio da imutabilidade do lançamento tributário, insculpido no artigo 145, do CTN, prenuncia que o poder-dever de autotutela da Administração Tributária, consubstanciado na possibilidade de revisão do ato administrativo constitutivo do crédito tributário, somente pode ser exercido nas hipóteses elencadas no artigo 149, do Codex Tributário, e desde que não ultimada a extinção do crédito pelo decurso do prazo decadencial quinquenal, em homenagem ao princípio da proteção à confiança do contribuinte (encartado no artigo 146) e no respeito ao ato jurídico perfeito. 5. O caso sub judice amolda-se no disposto no caput do artigo 144, do CTN ("O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada."), uma vez que a autoridade administrativa procedeu ao lançamento do crédito tributário formalizado pelo contribuinte (providência desnecessária por força da Súmula 436/STJ), utilizando-se da base de cálculo estipulada pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88, posteriormente declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso, tendo sido expedida a Resolução 49, pelo Senado Federal, em 19.10.1995. 6. Consequentemente, tendo em vista a desnecessidade de revisão do lançamento, subsiste a constituição do crédito tributário que teve por base a legislação ulteriormente declarada inconstitucional, exegese que, entretanto, não ilide a inexigibilidade do débito fiscal, encartado no título executivo extrajudicial, na parte referente ao quantum a maior cobrado com espeque na lei expurgada do ordenamento jurídico, o que, inclusive, encontra-se, atualmente, preceituado nos artigos 18 e 19, da Lei 10.522/2002, verbis : "Art. 18. Ficam dispensados a constituição de créditos da Fazenda Nacional, a inscrição como Dívida Ativa da União, o ajuizamento da respectiva execução fiscal, bem assim cancelados o lançamento e a inscrição, relativamente : (…) VIII – à parcela da contribuição ao Programa de Integração Social exigida na forma do Decreto-Lei no 2.445, de 29 de junho de 1988, e do Decreto-Lei no 2.449, de 21 de julho de 1988, na parte que exceda o valor devido com fulcro na Lei Complementar no 7, de 7 de setembro de 1970, e alterações posteriores ; (…) § 2o Os autos das execuções fiscais dos débitos de que trata este artigo serão arquivados mediante despacho do juiz, ciente o Procurador da Fazenda Nacional, salvo a existência de valor remanescente relativo a débitos legalmente exigíveis . (…)" Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional autorizada a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese de a decisão versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004) I – matérias de que trata o art. 18; (…). § 5o Na hipótese de créditos tributários já constituídos, a autoridade lançadora deverá rever de ofício o lançamento, para efeito de alterar total ou parcialmente o crédito tributário, conforme o caso. (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)" 7. Assim, ultrapassada a questão da nulidade do ato constitutivo do crédito tributário, remanesce a exigibilidade parcial do valor inscrito na dívida ativa, sem necessidade de emenda ou substituição da CDA (cuja liquidez permanece incólume), máxime tendo em vista que a sentença proferida no âmbito dos embargos à execução, que reconhece o excesso, é título executivo passível, por si só, de ser liquidado para fins de prosseguimento da execução fiscal (artigos 475-B, 475-H, 475-N e 475-I, do CPC). 8. Consectariamente, dispensa-se novo lançamento tributário e, a fortiori , emenda ou substituição da certidão de dívida ativa (CDA). 9. Recurso especial desprovido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008." No referido julgamento, o então ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux, asseverou que: "A norma individual e concreta do lançamento tributário não incorreu em erro, mas sim teve por fundamento a legislação cuja presunção de constitucionalidade não se encontrava maculada à época da constituição do crédito tributário." Outra importante manifestação do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema ocorreu no julgamento do Recurso Especial nº. 837.912, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki: "TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO DE TRIBUTO DECLARADO E NÃO PAGO. ICMS. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA. 17% PARA 18%. INTELIGÊNCIA DO ART. 166 DO CTN. EXCLUSÃO DE VERBAS INDEVIDAS. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A comprovação da ausência de repasse do encargo financeiro correspondente ao tributo, nos moldes do art. 166 do CTN e da Súmula 546/STF, somente é exigida nas hipóteses em que se pretende a compensação ou restituição de tributos. No caso concreto, não há cogitar de tal exigência, já que a pretensão da embargante não é a de obter restituição de tributo, mas apenas de reduzir o valor que lhe é exigido em sede de execução fiscal, mediante o abatimento da CDA do montante correspondente ao aumento da alíquota, que sustenta ser inconstitucional (REsp 872824, 1ª Turma, DJ de 26/02/07). 2. Declarada que foi, pelo STF, a inconstitucionalidade da Lei Paulista que elevou a alíquota do ICMS de 17% para 18% (RE 183.906/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 30/04/1998), é de se acolher, em parte, os embargos à execução, para reconhecer ilegítima a cobrança da diferença de 1%. Consequentemente, a obrigação tributária é devida no percentual de 17% estabelecido pela legislação anterior. 3. Não há empecilho ao prosseguimento da execução forçada da obrigação tributária assim reconhecida, cujo valor pode ser apurado mediante simples cálculo aritmético (v.g., entre outros: REsp 726.229/RS, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ de 12/03/2007 e no REsp 1.059.051/PE, 2ª T., Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 06/10/2008). Nada impede, se for o caso, que a apuração do valor se dê por outra modalidade de liquidação prevista no CPC. É que, tendo as partes judicializado a controvérsia a respeito da obrigação fiscal, a sentença de mérito proferida nos embargos de devedor (que tem natureza de ação cognitiva), produziu juízo sobre a sua existência e o seu conteúdo, constituindo-se, por isso mesmo, em título executivo suficiente para ensejar a atividade de execução forçada (CPC, art. 475-N, I) e propiciar também, se necessário, o procedimento de liquidação, mero incidente do processo executivo (CPC, arts. 475-B a 475-H). Nesse contexto, mostra-se providência inútil submeter o prosseguimento da atividade executiva judicial à formalidade administrativa de novo lançamento tributário, nos termos do art. 142 do CTN, ato com função meramente declaratória que não poderia, de modo algum, desbordar do que ficou reconhecido no âmbito jurisdicional. 4. Recurso Especial provido em parte." Neste julgamento, o Ministro Teori Albino Zavascki destacou a desnecessidade do lançamento para se apurar o conteúdo da obrigação tributária: "Tendo as partes judicializado a controvérsia sobre a existência e o conteúdo da obrigação executada, não faz sentido algum determinar o retrocesso à fase administrativa para que se promova novo lançamento tributário. Mutatis mutandis, seria o mesmo que determinar que o título judicial fosse remetido a nova atividade de certificação, agora no âmbito administrativo, para o efeito de constituir, declarar, reconhecer um crédito tributário já reconhecido e certificado na sentença de mérito que julgou os embargos seja quanto à existência da obrigação tributária seja quanto a seu conteúdo e aos seus limites. Assim, a exigência de novo lançamento, além de providência desnecessária e anacrônica, em face do atual processo civil, se prestaria apenas para discussões sobre a matéria, já superada no âmbito jurisdicional." Lado outro, conforme amplamente preconizado pela doutrina e pela jurisprudência, no caso dos tributos sujeitos a lançamento por homologação, a declaração feita pelo sujeito passivo afasta a necessidade de homologação formal pela administração tributária, sendo o tributo exigível independentemente de procedimento administrativo fiscal, ou seja, em outras palavras, tributo declarado é tributo confessado. Assim, no caso da ações de repetição de indébito das contribuições previdenciárias recolhidas com base na receita bruta da comercialização da produção, a declaração realizada pelo sujeito passivo por ocasião do pagamento constituiu definitivamente o crédito tributário, não havendo necessidade de um lançamento para delimitar os contornos da obrigação tributária. Logo, mediante um simples cálculo aritmético, realizado por ocasião da liquidação da sentença, a quantia devida poderá ser apurada considerando-se a diferença entre os valores pagos com base no resultado da produção e o que deveria ter sido recolhido com base na folha de salários. Por conseguinte, conclui-se que em razão do efeito repristinatório a declaração de inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção, acaba por restaurar a sistemática de recolhimentos sobre a folha de salários. Nestes termos, julgadas procedentes as ações de repetição de indébito, no momento da liquidação do título judicial a quantia a ser restituída ao autor deverá ser calculada apurando-se a diferença entre os valores pagos com base no resultado da produção e o que deveria ter sido recolhido com base na folha de salários; não havendo, pois, que se falar em necessidade de um novo lançamento por parte da administração tributária. CONCLUSÃO Conforme demonstrado no presente trabalho, a questão do efeito repristinatório merece atenção especial no reconhecimento da inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção. Na redação original da Lei nº. 8.212/1991, os empregadores rurais, assim como os empregadores urbanos, recolhiam a contribuição previdenciária com base na folha de salários, consoante dispunha o artigo 22, inciso I, do referido diploma legislativo. Todavia, com o advento da Lei nº. 8.540/1992, a contribuição previdenciária dos empregadores rurais passou a incidir sobre a receita bruta da comercialização da produção. Consoante destacado anteriormente, a mudança da base de cálculo da contribuição previdenciária do empregador rural motivou-se nos enormes problemas trazidos à administração tributária e aos contribuintes pela sistemática de recolhimento sobre a folha de pagamento. No entanto, com a declaração de inconstitucionalidade pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal do artigo 1º da Lei nº. 8.540/1992, que prevê o recolhimento da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 363.852, milhares de ações judiciais foram propostas discutindo a inconstitucionalidade da exação. Ressaltou-se que o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma, mesmo no controle difuso, acarreta na produção de efeitos objetivos, entre eles o efeito repristinatório, consequência lógica da adoção no Direito brasileiro da teoria da nulidade das normas inconstitucionais. A nulidade inerente às normas inconstitucionais impede que estas produzam quaisquer efeitos, inclusive o de revogar normas anteriores que disponham sobre a mesma matéria. Desta forma, declarada a inconstitucionalidade de um ato normativo, aplicando-se a regra da nulidade das normas inconstitucionais, deverá ser restaurada a vigência da legislação revogada pela norma considerada inconstitucional. No caso da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, o reconhecimento da inconstitucionalidade da exação incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção acarreta no retorno da vigência da norma que determinava o recolhimento da contribuição sob a sistemática da folha de salários. Portanto, restaurada a vigência da redação original da Lei nº. 8.212/1991 nos casos em que foi reconhecida a inconstitucionalidade da contribuição previdenciária sobre a receita bruta da comercialização da produção, a exação deverá ser calculada sobre a folha de salários. Ressaltou-se que na execução de julgados neste sentido, não há necessidade de a administração tributária realizar um novo lançamento, bastando meros cálculos aritméticos por ocasião da liquidação de sentença. Por todo o exposto, conclui-se que em razão do efeito repristinatório constitucional, a declaração de inconstitucionalidade da contribuição previdenciária incidente sobre a receita da comercialização em relação ao produtor rural pessoa física empregador implica no restabelecimento da exação que a lei inconstitucional visou substituir, qual seja, a incidente sobre a folha de salários, prevista no artigo 22, I, da Lei nº. 8.212/1991.
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Do constituinte ao contribuinte. O processo estruturante da capacidade contributiva
A capilarização das competências tributárias, aliada à diversidade do poder econômico dos contribuintes individualmente considerados implica em grande margem de diferença dos limites da capacidade contributiva no caso concreto. A verificação destes limites dependerá, portanto, não só da disposição constitucional, mas de um processo de construção de sentido efetivado através da legislação e da apreciação das condições materiais de cada caso, a ser efetivada por meio da intepretação efetuada pelo aplicador do direito. Neste contexto, devem ser analisadas as diferentes fases do processo de estruturação do conceito de capacidade contributiva no caso concreto.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O princípio do da capacidade contributiva é enunciado através da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), especificamente no seu artigo 145, §1º, nos termos do qual “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte” (BRASIL, 2014). Inobstante o fato de a doutrina tributária brasileira reconhecer que os mandatários da potência constituinte[1], através deste princípio, direcionaram ao legislador de base uma orientação expressa ao seu poder de legislar, descartada a homenagem a valores metafísicos e a enunciação vazia, não seria desarrazoado afirmar que a legislação e ordinária e a jurisprudência não lhe tem dado o devido tratamento. Com efeito, sob a proteção do argumento velado da inoperância prática de um princípio cujo núcleo é composto de um termo semanticamente aberto, a jurisprudência tem deixado de desenvolver judicialmente os meios de obtenção do conceito material de capacidade contributiva. Reputamos que tal situação decorre, em parte, da ideia minimizada que se tem do papel do aplicador do direito, que deliberadamente se construiu a partir de uma interpretação viciada do Positivismo Jurídico, sendo certo que reduz a fruição adequada do direito fundamental que decorre do princípio da capacidade contributiva, desestimulando a produção legislativa tendente a graduar os tributos de forma individualizada e impedindo a correção de eventuais discrepâncias que decorrem da regulação insuficiente. A título de exemplo da falta de consideração das condições materiais enquanto paradigmas, note-se que, atualmente, em praticamente todas as unidades da federação, a capacidade contributiva dos contribuintes do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicações (ICMS) tem sido verificada, quase que exclusivamente, a partir da compensação entre a receita de suas vendas e a despesa de parte de suas compras. Presume-se que o contribuinte é capaz de recolher sobre a diferença e, ignorando-se todas as demais condições materiais do caso concreto, num típico exercício de verificação do encargo individual segundo as possibilidades da lei tributária, e não num exercício de verificação da possibilidade de aplicação da lei tributária segundo as condições individuais destes contribuintes. Em igual sentido, vale ressaltar que, atualmente, a jurisprudência dos tribunais brasileiros tem adotado o posicionamento segundo o qual o limite entre a tributação legal e a tributação confiscatória – e, portanto, o limite extremo da capacidade contributiva – deve ser avaliado sem levar em consideração o encargo resultante da tributação simultânea por mais de um ente federativo. São ignoradas, nestes termos, as condições individuais de cada contribuinte, tomando-se por paradigma efetivo o limite das possibilidades enunciadas por cada ente federativo, de forma isolada. Neste sentido, o STF: “A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante a verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de um determinado período, à mesma pessoa que os houver instituído” (BRASIL, 2012) Diante destes posicionamentos da legislação ordinária e da jurisprudência, é possível afirmar que o princípio da capacidade contributiva não tem sido realizado de forma plena, pois, se é certo que é ele veiculado a partir de uma norma cujo núcleo da hipótese é um critério cujos contornos conceituais variam conforme o caso concreto (capacidade contributiva), é, consequentemente, necessário concluir que a apreciação das condições materiais, sob uma perspectiva individual não poderia ser desconsiderada. Sendo assim, pretende-se, através deste estudo, propor a análise desta clássica limitação ao poder de tributar a partir da verificação do papel exercido pelo aplicador do direito e pelas condições materiais do caso concreto, na realização do princípio da capacidade contributiva, identificando os reflexos de tal opção metodológica. Para isso, será analisado o processo estruturante do conceito material de capacidade contributiva, a partir da verificação dos papéis exercidos pelo legislador ordinário, pelo aplicador do direito e pelo contribuinte, especialmente no que se refere à imposição de ônus regulatório e argumentativo ao legislador, à apreciação subjetiva do aplicador e ao dever de impugnação do contribuinte. Vale ressaltar, em arremate, que não se pretende romper com a doutrina clássica que analisa a capacidade contributiva a partir de sua característica de limitação ao poder tributário, e sim propor uma nova perspectiva de estudo com o objetivo de enriquecer a compreensão da matéria, razão pela qual o presente estudo é, em essência, um trabalho heurístico 1. O PROCESSO ESTRUTURANTE DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Mais do que definir um estado de coisas a ser atingido, a CRFB, a partir do artigo 145, §1º, indica que a gradação pessoal dos tributos será efetivada a partir de um processo de individualização da capacidade econômica do contribuinte, sendo certo que este processo tem início na própria enunciação do princípio e culmina na identificação das condições materiais individualizadas pelo aplicador do direito, transcendendo, portanto, os limites da legislação. Com efeito, a CRFB é, também, um instrumento veiculador de disciplina de poderes, estatais ou individuais, direcionados a realização de objetivos fundamentais e valores chancelados pelo poder constituinte que, enquanto “força real de eficácia sempre atual” “capaz de criar uma nova ordem jurídica, quando circunstâncias típicas provocarem oportunidades para o seu exercício” (Brito, 1993, p.121), define os objetivos a serem atingidos e valores a serem preservados, conferindo, neste intento, poderes ao Estado em face dos cidadãos, dos cidadãos em face do Estado e dos cidadãos em face deles mesmos (eficácia horizontal). Assim, não seria absurdo afirmar que a CRFB é uma disciplina de competências e deveres públicos e privados, sendo igualmente razoável, entretanto, reconhecer que a delimitação destas competências e deveres, através do texto constitucional, nem sempre é óbvia, uma vez que nem todos tem os respectivos limites inteiramente traçados na mesma disposição textual que os veicula, fazendo-se necessário um processo de estruturação pós constitucional destes conceitos, no contexto do qual ser-lhe-ão atribuídos os contornos conceituais conforme as características de cada caso. Neste sentido, dada a sua abertura semântica, a realização da capacidade contributiva dependerá da estruturação de um conceito, sendo certo que, dada a capilarização da capacidade ativa tributária, decorrente do próprio sistema federativo brasileiro, a integração de sentido do conceito de capacidade contributiva passará, necessariamente, pela produção legislativa. Noutro giro, dada a amplitude da diferença de capacidade de cada contribuinte no caso concreto, as condições materiais de cada caso são fundamentais a esta estruturação, razão pela qual é preciso estudá-la a partir da análise de um processo composto de uma fase abstrata e uma fase concreta, na forma do que passa a ser exposto. 2. Fase Abstrata No que diz respeito ao objetivo da tributação conforme à capacidade contributiva, a CRFB inicia este processo enunciando que “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte” (BRASIL, 2014), estabelecendo, dessa forma, uma diretriz racionalizante da competência legislativa tributária e, portanto, da expressão da soberania popular, assim como um dever de racionalizar a gradação dos tributos, exercida através do processo legislativo, à capacidade econômica de um indivíduo singularmente considerado – o contribuinte, sendo certo que, ao fazê-lo, afasta-se da acepção corrente segundo a qual caberia ao legislador graduar os tributos segundo seus critérios, dada a sua condição de mandatário da vontade popular. Ocorre que, analisado o plano meramente linguístico, dada a inserção do termo “sempre que possível”, pode-se entender que caberá ao legislador identificar os casos em que a gradação segundo a capacidade econômica seja possível, ou, em outras palavras, poderá ele definir, abstratamente, o âmbito material de aplicação do princípio, o que findaria por transformá-lo em algo parecido com os chamados direitos fundamentais com âmbito de proteção estritamente normativo[2], nos quais a legislação infraconstitucional introduzirá no sistema positivo os elementos componentes da hipótese de incidência da norma de direito fundamental, efetivamente “criando” a referida hipótese de incidência[3]. Mais ainda, analisando a realidade brasileira, dada a pura e simples desconsideração do princípio pelo legislador, na maioria dos casos, pode-se entender que a CRFB facultou ao legislador escolher, numa típica decisão intra-sistêmica[4] e segundo sua apreciação subjetiva, os casos em que ocorrerá uma graduação de tributos conforme a capacidade contributiva, fazendo com que a esmagadora maioria dos tributos fossem graduados de forma não individualizada e, desta forma, impondo obrigações iguais a indivíduos cuja capacidade econômica seja, a mais não poder, distinta, ao arrepio da CRFB. É o caso, por exemplo, do ITBI, do ITCMD, do IPVA, do ITR, do ICMS e do ISS, nos quais a utilização de alíquotas iguais a contribuintes de capacidades econômicas diversas faz com que o impacto tributário seja impossível a alguns, e quase nulo a outros. Não nos parece, contudo, que o princípio da capacidade contributiva tenha uma âmbito de proteção estritamente normativo, pois, nestes casos, limita-se o constituinte a conferir ou garantir institutos jurídicos cuja conceituação ou o alcance são, a priori, indeterminados, delegando, dessa forma, o exercício de determinação da hipótese de incidência (âmbito de proteção) da norma ao legislador ordinário, que acaba por definir – no universo da legislação – o alcance do instituto previsto no texto constitucional, sendo certo que inexiste, no princípio da capacidade contributiva, termo de tal espécie. Tampouco nos parece que o termo “sempre que possível” faculte, ao legislador, discricionariedade na decisão acerca dos casos em que a gradação conforme a capacidade econômica será ou não realizada, pois,  antes de facultar a utilização ou de determinar a definição do alcance do princípio, ao utilizar a palavra “sempre”, cujo conteúdo semântico é extremamente fechado, a CRFB impõe ao legislador que, em regra, os tributos serão graduados de forma equânime, utilizando uma diretriz racionalizante do poder legislativo. Com efeito, ainda que se reconheça o caráter nitidamente principiológico[5] da norma, ao tornar a tributação não graduada segundo a capacidade econômica uma exceção, a CRFB, por corolário lógico, impõe ao legislador um acentuado ônus argumentativo, devendo ele, segundo os cânones da racionalidade, sustentar a razão pela qual determinado tributo não foi graduado desta forma, provando que a gradação era impossível e que, portanto, as disposições mínimas[6] contidas no artigo 145, §1º, da CRFB não foram violadas. Há que concluir, nestes termos, que o primeiro passo do processo estruturante de construção do conceito capacidade contributiva foi dado pelo constituinte, ao estabelecer o dever de realização do princípio, pelo legislador, através de gradação dos tributos conforme a capacidade contributiva, ou da justificativa coerente dos casos em que não seja possível fazê-lo, tarefas que, por sua vez, constituirão o segundo passo deste processo. 3. Fase Concreta Entretanto, se, por um lado, a CRFB impõe ao legislador ordinário o dever de, no plano da criação das proposições prescritivas gerais e abstratas, estabelecer critérios objetivos de gradação do encargo decorrente do cumprimento de tributos segundo a capacidade contributiva, assim como o ônus argumentativo de justificar coerentemente porque não o fez, é certo que, por outro lado, impõe ao aplicador do direito o dever de identificar esta capacidade no caso concreto, adequando o devido grau de encargo, razão pela qual o processo estruturante de construção do conceito transcende os limites do da legislação. Não é por outra razão que, imediatamente após estabelecer a obrigação do legislador de graduar os tributos "segundo a capacidade econômica do contribuinte", a CRFB faculta "à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte." (BRASIL, 2014). Note-se, portanto, que além do dever de, diante da "situação de facto em bruto" (LARENZ, 1997, p.392), efetivar a conformação e a apreciação jurídica do caso concreto, através da declaração da ocorrência de eventos enquadráveis nas notas distintivas eleitas pelo legislador, quando da enunciação das hipóteses, o que, de resto, decorre da própria essência de sua função enquanto membro da administração tributária, a CRFB impõe à autoridade fiscal uma função – ou um dever – a mais, qual seja o de identificar "o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".  Diante disso, há que se questionar o objetivo com o qual foi conferida à autoridade tributária a prerrogativa de, respeitados os direitos individuais, tomar conhecimento de características pessoais de cada contribuinte, de modo a que se verifique se está a se tratar de um instrumento destinado a viabilizar o mero enquadramento do contribuinte às eventuais faixas enunciadas pelo legislador ou se, mais do que isso, está a se tratar de um instrumento de definição individualizada do limite da capacidade contributiva individual. Esta verificação depende, por um lado, da análise do papel do aplicador do direito e, por outro, do próprio processo estruturante da hipótese de incidência do princípio da capacidade contributiva. Para isto, parece razoável partir, dentre os inúmeros posicionamentos acerca da matéria, das lições trazidas por Karl Larenz, em sua obra Metodologia da Ciência do Direito (1991) e por Friedrich Muller, em sua obra Teoria Estruturante do Direito (2009), sobretudo no que se refere às formas através das quais é realizado o direito. Vale apontar, neste intento, que, ainda que exista notável divergência entre os autores acerca do conceito de norma, pode-se afirmar que, salvo melhor juízo, ambos admitem que a realização do direito passa por um processo de cotejo entre as proposições prescritas pelo direito positivo e os elementos individuais do caso concreto, assim como que casos regulados, no plano abstrato, de forma idêntica, podem resultar em decisões diversas e igualmente válidas. Neste sentido, é preciso mencionar que Larenz aceita a ideia de que, ao menos a princípio, a realização do direito ocorre a partir de um silogismo entre as proposições jurídicas e a situação de fato, e considera, consequentemente, que o conceito norma se esgota nas abstrações prévias, textualmente enunciadas por sujeitos legitimados, no contexto de um processo igualmente pré-estabelecido, conforme se vê dos seguintes trechos: “A regra do Direito tem a forma linguística de uma proposição, a ≪proposição jurídica≫. E dela que se vai tratar em seguida. A proposição jurídica deve distinguir-se, em virtude do sentido normativo que lhe e correspondente, de uma proposição enunciativa, que contem uma afirmação de factos ou uma constatação. De igual modo, deve-se distingui-la daquelas proposições que contem enunciados sobre Direito vigente, onde se fala de normas jurídicas. Esclareçamo-nos sobre o que tem em comum, assim como sobre as diferenças entre as proposições enunciativas e as proposições normativas, quer dizer, as proposições jurídicas. Toda a proposição e uma estrutura linguística, na qual algo esta conexionado com uma outra coisa. Uma proposição enunciativa contem, as mais das vezes, o enlace entre um objecto e uma propriedade ou modo de comportamento que se lhe atribui, que dele se afirma. Exemplos seriam, mais ou menos, proposições como: ≪este carro e vermelho≫ ou ≪este carro circula neste momento a tal ou tal velocidade por hora≫. Enunciados mais complicados como, por exemplo, ≪este carro esta precisamente em vias de ultrapassar um caminhão≫ ou ≪x adormeceu durante a viagem ao volante do seu automóvel≫, poder-se-iam reconduzir todos a forma fundamental atrás mencionada. A todas as proposições enunciativas desta espécie e comum que o contexto ou o fenômeno nelas descrito ocorrem ou tem lugar no plano dos factos ou, se o enunciado se reveste de uma forma pretérita, que ocorreram ou tiveram lugar.” (LARENZ, 1997, pp. 350/351) “O dador da norma não diz: assim e de facto; mas diz: assim deve ser de Direito, assim deve valer. As suas palavras cairiam certamente ≪no vazio≫ se ele não estivesse legitimado, em virtude de normas precedentes, para propor ordenações de vigência desse tipo, que sejam ≪vinculantes≫ para outros e se não actuasse aqui no quadro da competência que lhe e conferida por uma norma precedente. Só que isto já não se prende com a questão da estrutura da proposição jurídica, mas com a questão da sua validade, coisa de que se não vai aqui tratar.” (LARENZ, 1997, p. 353) Isto não significa, entretanto, que o autor negue ao aplicador um papel relevante no processo de realização do direito, na medida em que caberá a ele a apreciação da situação de fato, segundo juízos de índole essencialmente subjetiva, de forma a que sejam falseadas as proposições potencialmente eleitas, com base em sua pré-compreensão. Esta apreciação, conforme entende o autor, não se limita a uma filtragem dos fatos apresentados, segundo moldes pré-estabelecidos, no contexto de um silogismo típico, mas em um processo racional cujos resultados dependerão, em grande monta, da apreciação do caso concreto feita pelo aplicador, sem prejuízo da validade de suas conclusões. “Na apreciação de uma situação de facto, com vista a saber se recai sob a previsão de uma das proposições jurídicas que lhe são potencialmente aplicáveis, são exigidos ao julgador — facto que se toma demasiado pouco em conta — juízos de índole muito distinta. Mesmo quem teime em ver uma «subsunção», no sentido de um procedimento lógico silogístico, na subordinação de uma determinada situação de facto à previsão de uma norma, terá, no entanto, de conceder que tal subsunção pressupõe certos juízos elementares — quer dizer, não proporcionados por sua vez mediante silogismos — que afirmam que esta ou aquela nota distintiva, mencionada na previsão da norma, está aqui presente. Na verdade, o peso decisivo da aplicação da lei não reside na subsunção final, mas na apreciação, que a antecede, dos elementos particulares da situação de facto enquanto tal, que correspondem às notas distintivas mencionadas na previsão. É deste núcleo central da aplicação da lei, da apreciação requerida da situação de facto, que nos vamos agora ocupar e onde não teremos receio de repetir, neste contexto, coisas já parcialmente ditas.” (LARENZ, 1997, p. 399) De modo exatamente inverso, Larenz confere fundamental importância ao processo interpretativo a ser realizado na aplicação do direito, reconhecendo a impossibilidade lógica de previsão abstrata, não só de todos os casos, mas, sobretudo, de todos os aspectos de cada caso, e reconhecendo, nestes termos a possibilidade da determinação do conteúdo normativo por parte do aplicador. “As normas jurídicas são interpretadas para, por regra, serem «aplicadas» a casos concretos. Na interpretação das normas jurídicas, só aparentemente se trata de um processo em que a norma aplicável se coloca, à semelhança de um metro articulado, sobre a situação de facto a julgar e esta é por ele mensurada. Isto pressuporia, em primeiro lugar, que a norma aplicável estivesse já em si tão determinada que o seu verdadeiro conteúdo estivesse fora de questão. Se assim fosse, não careceria de interpretação. Em segundo lugar, isto pressuporia ainda que a situação fáctica a julgar estivesse já determinada em todos os seus elementos e que fosse também susceptível de se ajustar precisamente ao modelo dado na norma. Tão-pouco é isto o que acontece. A maior parte das situações fácticas são por demais complexas. A norma, que tem de se simplificar, porque quer abarcar uma série de situações fácticas, apreende em cada situação fáctica particular apenas alguns aspectos ou elementos. E descura todos os outros. Mas isto conduz não raramente à questão de se alguns dos elementos descurados na norma são, no entanto, tão relevantes no caso concreto, que a sua consideração seja aqui ineludível, se não se quiser (a partir da noção de Direito) tratar o desigual como «igual» e assim resolver «injustamente». Se isto é assim, surge a pergunta de se a norma, «rectamente» entendida, não permitirá porventura uma restrição ou uma diferenciação que haja de possibilitar uma solução «justa» e de se não deva ser aqui convocada outra norma que só «à primeira vista» não parece aqui aplicável, se existe uma «lacuna» no edifício normativo que possa ser colmatada de acordo com as ideias básicas de uma regulação ou com um princípio jurídico geral. Estas considerações e outras semelhantes impõem-se constantemente ao jurista no decurso do processo de aplicação do Direito e dão azo a que a mera «aplicação» das normas se transforme nas suas mãos, em alguma medida, numa determinação do seu conteúdo e na sua complementação.” (LARENZ, 1997, pp. 293/294) Muller, por sua vez, eleva a influência das particularidades do caso concreto a uma posição ainda mais proeminente, na medida em que considera que estas farão parte do próprio conceito de norma. Sustenta o autor, neste sentido, que a integridade normativa será atingida pela conjunção entre as proposições do direito positivo, que, segundo ele, comporão o programa normativo, e as condições materiais do caso individualmente considerado, que formarão o âmbito normativo, razão pela qual será ela atingida a partir de um processo estruturante e complexo, individualizado à razão das características postas à análise. “Sob a ótica da estrutura da ação jurídica prática, eles mostram, fundamentalmente, que direito e realidade não promovem cada um por si e de modo independente uma relação entre entidades existentes, que pode ser formulada de maneira geral, mas apresentam, numa mistura que vai se alternando, fatores atuantes na concretização do direito, dotados de uma autonomia apenas relativa. Aquilo que é normatividade jurídica mostra-se concretamente na convergência de perspectivas que normalmente são generalizadas como metáforas abstratas do tipo "norma" e "fato", "direito" e "realidade", bem como igualmente como a "relação" abstraía desses elementos. (MULLER, 2009, p. 148) De acordo com a concepção apresentada, a estrutura da norma a ser teoricamente diferenciada de acordo com o âmbito e o programa normativo, bem como a normatividade são fundamentalmente aplicáveis a todas as normas jurídicas, ainda que na relação de mistura sejam muito diferentes. Ainda não se deve adentrar aqui aos casos-limite, nos quais os fatores se interpenetram. Dentro da Constituição não se pode, por exemplo, sob a ótica teórico-normativa, fazer distinção entre as normas de direitos fundamentais e outras disposições fundamentais, conforme o art. 21, inc. l, da CF, e outras regulamentações “técnicas", conforme as regras de competência; nem se pode, nesse contexto, negar de alguma forma a "unidade da Constituição", que pode ser discutida como objetivo metódico. Também isto é algo que repetidamente se torna claro na jurisprudência da Corte Constitucional Federal. Dessa forma, na definição de uma competência relativa a uma legislação futura deve-se geralmente presumir que a expressão em questão apresentaria no texto da norma de competência um conceito geral que cobre verbalmente um determinado âmbito da norma dotado de peculiaridade material.” (MULLER, 2009, p. 160) Entende, portanto, que a realização do direito se dá a partir de um processo no qual as abstrações são apenas parte do caminho, funcionando como ponto de partida de um caminho estruturante da norma. Diante disso, parece razoável concluir que, inobstante a diferença de posicionamento acerca dos conceitos de norma, há uma intersecção no trabalho destes autores, na medida em que ambos consideram as condições individuais do caso concreto, verificáveis pelo aplicador, não apenas são relevantes, como fundamentais ao processo de sua realização material, sendo certo que, independentemente de ser adotada posição no sentido de que elas viabilizam a aplicação do direito ou o compõem, delas dependerão o resultado substancial. Nestes termos, pode-se afirmar que o processo estruturante de construção do princípio da capacidade contributiva, ultrapassada a fase das abstrações normativas, passa por uma fase concreta, por meio da qual o aplicador do direito apreciará as condições materiais do caso concreto para atribuir-lhe as consequências previstas pelo ordenamento jurídico, enunciadas pelo constituinte e pelo legislador na fase abstrata. Este dever/função do aplicador, conforme já indicado, será exercido a partir da eleição de proposições jurídicas potencialmente aplicáveis ao caso, com base na pré-compreensão, e passará pelo falseamento destas hipóteses prévias diante do sistema e, além disso, diante das condições materiais específicas, que, por sua vez, serão apreendidas a partir de juízos multidisciplinares por parte do aplicador. Este processo, contudo, não é linear, na medida em que o aplicador, diante dos resultados do falseamento das hipóteses, poderá revisar hipóteses anteriores ou adotar novas propostas, no contexto típico da espiral hermenêutica. Parece certo, noutro giro, que, ainda que seja assumido, na esteira de Bobbio (2008), que o ordenamento jurídico é completo, pois o aplicador é capaz de integrar as lacunas aparentes a partir de processos interpretativos e com base no próprio sistema, é necessário reconhecer que ao, erigir-se às condições materiais do caso à qualidade de elementos essenciais à realização do direito, impõe-se a conclusão de que este processo de realização é uma via de mão dupla e não se limita à definição abstrata de seções regulatórias, onde devem ser enquadrados os casos. Com efeito, caberá ao aplicador, no processo interpretativo, a identificação dos limites casuísticos à incidência dos enunciados normativos no caso concreto, seja porque as proposições jurídicas são omissas, seja porque, em razão dos fatores mais diversos, foram superadas, colmatando as lacunas de regulação que decorreram de suas conclusões. Este processo, no entanto, não deve transcender os limites o sistema normativo, mas tão somente colmatar as lacunas que decorreram da apreciação das condições materiais do caso concreto, através do uso dos princípios supostos e pressupostos[7] neste mesmo sistema, no contexto de um processo de construção linguística orientado pelos ditames da racionalidade argumentativa, no qual suas decisões serão sempre intra-sistêmicas. No que diz respeito ao direito ao princípio sob análise, esta mudança de paradigma impõe a conclusão segundo a qual a capacidade contributiva não poderá ser definida a partir da inserção dos contribuintes em estamentos variáveis segundo amplas faixas de receita ou patrimônio, assim como não resultará na tributação segundo as condições de sua coletividade. De forma bem diversa, a capacidade contributiva deverá ser definida a partir da apreciação de condições materiais individualizadas sob o ponto de vista subjetivo, espacial e temporal, e resultará na imposição de limites individualizados à incidência das regras de imposição de obrigações tributárias. A tributação deve não só variar de acordo com as diferentes prescrições normativas, mas também de acordo com as possibilidades do caso concreto, tendo em vista a universalidade dos fatores econômicos que compõem o poder financeiro do contribuinte, tais como seus rendimentos, suas despesas, seu patrimônio e sua capacidade produtiva. Isto não significa, contudo, que a falta de suficiente graduação abstrata, por parte do legislador, do encargo a ser suportado pelo contribuinte, ou mesmo a impossibilidade de cumprimento de tributos em decorrência da insuficiência de bens por motivos razoáveis, qualificados no tempo e no espaço, implique na exoneração do cumprimento integral da obrigação tributária que, abstratamente, parece lhe ser imposta. Tampouco significa que o contribuinte seja eximido de seu dever de irresignação diante da imposição tributária superior à sua capacidade contributiva, mas tão somente que lhe devem ser disponibilizados instrumentos razoáveis e acessíveis de impugnação do que reputa excessivo, sendo certo que caberá ao aplicador o dever de exonerá-lo da obrigação superior à sua capacidade, através da produção de norma de decisão[8], na qual se constate que as disposições mínimas[9] contidas no artigo 145, §1º, da CRFB foram violadas. Tal fato se deve, salvo melhor juízo, ao fato de a CRFB ser um sistema fechado e completo de enunciados explícitos e implícitos, obrigando o legislador infraconstitucional e, de resto, o aplicador, a buscar o alcance e o sentido de suas disposições partindo do direito posto e no direito pressuposto constantes do próprio sistema constitucional, de forma a realizar seus objetivos. CONCLUSÃO Diante da argumentação tecida no contexto deste estudo, chega-se às seguintes conclusões: A realização material do princípio da capacidade contributiva depende de um processo de estruturação de sentido, dada a sua característica semanticamente aberta. O processo de estruturação de sentido composto de uma fase abstrata e uma fase concreta, nas quais são relevantes as diretrizes constitucionais, as complementações de sentido efetivadas através da legislação ordinária e as condições materiais do caso apreendidas e interpretadas pelo aplicador. A interpretação e a aplicação efetivadas pelo aplicador não resultam em um silogismo automático. O princípio da capacidade contributiva, em sua aplicação prática, pode ensejar a exoneração das obrigações que transcendam os limites desenhados pelas condições materiais do caso.
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Pirataria e a Emenda Constitucional nº 75 de 2013
A Emenda Constitucional nº 75 alterou a Constituição Federal Brasileira de 1988 para acrescentar-lhe mais um caso de imunidade tributária. A imunidade de fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil por autores ou intérpretes brasileiros teve como justificativa a redução da pirataria e o incentivo à cultura nacional. Neste trabalho, além de se demonstrar que a Emenda não é condição nem necessária nem suficiente para a redução da pirataria, discutimos a constitucionalidade da alteração por ela promovida.[1]
Direito Tributário
Introdução Ao longo deste trabalho discutiremos a Emenda Constitucional nº 75 (EC 75), também conhecida como EC da música, que confere imunidade tributária para CDs e DVDs musicais produzidos por autores ou intérpretes brasileiros. Após uma breve análise da EC 75, verificaremos se a alteração do art. 150, VI, da Constituição Federal de 1988 (CF/88) é necessária e suficiente para combater a pirataria, uma das principais justificativas para a aprovação da referida emenda. Por fim, analisaremos a constitucionalidade da EC 75, citando inclusive a ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) proposta pelo Governador do Estado do Amazonas. 1. A imunidade tributária acrescentada pela Emenda Constitucional nº 75 A EC 75 alterou a redação do art. 150, VI, da CF/88, acrescentando a alínea "e" que assim dispõe: "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: e) fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil contendo obras musicais ou literomusicais de autores brasileiros e/ou obras em geral interpretadas por artistas brasileiros bem como os suportes materiais ou arquivos digitais que os contenham, salvo na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser." Segundo Paulo de Barros Carvalho, uma imunidade constitucional determina a incompetência das pessoas políticas de direito interno (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) para instituir tributos por meio de seu poder legiferante. As imunidades são somente aquelas previstas na Constituição Federal, logo são finitas e determináveis. É importante frisar que a imunidade tributária alcança somente a instituição de tributos, sendo possível que o ente político onere administrativamente o objeto da imunidade como bem lhe convir, através de multas, por exemplo.[2] Em relação à EC 75, verifica-se que ela atribui uma nova limitação ao poder de tributar dos entes federativos, uma vez que a instituição de impostos sobre CDs e DVDs musicais produzidos no Brasil por autores e intérpretes brasileiros se torna uma esfera não passível de gravame por meio de impostos. Deve-se atentar, ainda, para o fato de que a imunidade não abrange todo e qualquer tributo. Com efeito, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, cinco são as espécies tributárias: impostos, taxas, empréstimos compulsórios, contribuições de melhoria e contribuições especiais.[3] A partir da literalidade do dispositivo, portanto, somente impostos não poderiam recair sobre os fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil de autores ou intérpretes brasileiros. Em outras palavras, poder-se-ia admitir, pelo menos para fins teóricos, que a cadeia de produção fosse onerada por meio de outros tributos. Dessa forma, a nova imunidade prevista pela EC 75 limita o poder do Estado para instituir impostos como ISS (imposto sobre serviços), IPI (imposto sobre produtos industrializados) e ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços). Assim, toda a cadeia de produção e comercialização, a partir da EC 75, é imune em relação aos impostos: desde a gravação nos estúdios até a venda para o consumidor final.[4] Também serão alcançados pela medida ringtones e outros arquivos obtidos por meio de downloads.[5] No entanto, convém destacar a parte final da alínea "e" do art. 150, VI, CF/88: a imunidade não alcança os impostos que incidem na etapa de replicação industrial de mídias ópticas de leitura a laser. Em outras palavras, pode ser instituído imposto na fase de multiplicação[6] dos CDs e DVDs. 2. Pirataria e a Emenda Constitucional nº 75 Traçadas as linhas gerais sobre a imunidade prevista pela EC 75, cumpre-nos tratar sobre a pirataria. O objetivo geral da Emenda era de, ao reduzir em cerca de 25% o valor dos CDs e DVDs, diminuir também a pirataria. Isso é perceptível a partir da leitura da justificação da EC 75, onde consta que "é urgente a implantação de medidas que fortaleçam a produção musical brasileira, diante da avalanche cruel de pirataria e da realidade inexorável da rede mundial de computadores (internet)."[7] Pirataria diz respeito à violação de direitos autorais e não se confunde com a contrafação, violação de direitos de marca. Estas definições são nebulosas no ordenamento jurídico brasileiro. O Decreto 5.244 de 2004 dispõe sobre a composição e funcionamento do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, e declara no art. 1º, parágrafo único que "entende-se por pirataria, para os fins deste Decreto, a violação aos direitos autorais de que tratam as Leis nos 9.609 e 9.610, ambas de 19 de fevereiro de 1998." A primeira dispõe sobre a proteção dos softwares, enquanto que a segunda trata sobre direitos autorais. Em que pese a ausência de uma conceituação mais direta e clara no ordenamento pátrio, no âmbito internacional encontramos a definição de pirataria no acordo TRIPS (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), negociado no ano de 1994 na Rodada Uruguai no GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), incorporado pelo Decreto nº 1.355 de 1994. O TRIPS é um acordo celebrado pelos Estados-Membros da Organização Mundial do Comércio com o desejo de promover a efetiva e adequada proteção à propriedade intelectual.[8] Na nota de rodapé 14, no artigo 51, o acordo assim define pirataria: "For the purposes of this Agreement:(…)  (b)"pirated copyright goods" shall mean any goods which are copies made without the consent of the right holder or person duly authorized by the right holder in the country of production and which are made directly or indirectly from an article where the making of that copy would have constituted an infringement of a copyright or a related right under the law of the country of importation." Vemos, então, que de acordo com o TRIPS, pirataria diz repeito à violação de um direito autoral ou direito conexo, nos termos da lei de cada país. A pergunta que se faz aqui é se a imunidade prevista pela EC 75 é necessária e suficiente para a redução da pirataria. No Brasil, apesar dos avanços digitais e aperfeiçoamento da internet, a pirataria física ainda é relevante já que downloads de arquivos mais pesados se mostram problemáticos mesmo para a parcela mais rica da população. Ademais, somente 42% dos brasileiros tem acesso em suas casas a conexões de internet,[9] o que demonstra que a opção pela compra de CDs e DVDs piratas ainda se apresenta como uma alternativa para aqueles que pretendem ter acesso a um material específico a um preço mais baixo. Nesse sentindo, grande parte do combate à pirataria no Brasil está voltado para o tráfico de bens duráveis e regulação da economia informal, incluindo mercados de rua.[10] Mesmo com o atual cenário, entretanto, vale a pena nos perguntarmos até que ponto a questão tributária pode ter impacto sobre a pirataria. Em Media Piracy in Emerging Economies Report, os professores Pedro Mizukami, Oona Castro, Luiz Moncau e Ronaldo Lemos escrevem que "the window in which the pirate economy might have been vulnerable to such tax strategies is rapidly closing as distribution and consumption shift to all-digital channels".[11] Assim, para melhor abordar nosso tema, fragmentaremos a análise em dois pontos. O primeiro relacionado à pirataria física, entendido como aquela típica da economia informal, em que vendedores e mercados ambulantes promovem a compra e venda de CDs e DVDs à margem da regulação estatal, isto é, não arcando com nenhum custo que a economia formalizada deve suportar, incluindo-se aí os custos da tributação. O segundo denominamos de pirataria virtual e compreende basicamente downloads e acesso online gratuitos a materiais que antes seriam adquiriros através da compra de CDs e DVDs. Ressalta-se que em ambos os casos, estamos tratando somente de conteúdos que foram adquiridos de maneira ilícita. Se o próprio autor disponibiliza o conteúdo que criou e o acesso é livre, por exemplo, não estamos incluindo estes tipos de caso na nossa abordagem. Na pirataria virtual, o consumidor consegue o que deseja a custos insignificantes (quase zero) e suas ações são mais difíceis de serem controladas ou mesmo fiscalizadas pelo Estado. Em relação à pirataria física, a EC 75 não se mostra como medida necessária nem suficiente para sua redução. Explicamos: ainda que não haja a cobrança de impostos em nenhuma parte da cadeia de produção e comercialização dos CDs e DVDs de autores e intérpretes brasileiros, daí não se pode concluir que o preço desses produtos necessariamente diminuirá. Primeiramente, dada a redução no número de vendas, não se pode concluir que as indústrias fonográfica e videofonográfica reduzirão o preço de seus produtos, repassando ao consumidor os benefícios da desoneração tributária. É possível que tais indústrias usem a imunidade simplesmente para aumentar os ganhos que teriam com a venda de seus produtos, sem buscar a ampliação de seu mercado. Ademais, ainda com a imunidade tributária, a redução de 25% do valor dos CDs e DVDs pode se mostrar como valor insuficiente para fazer com que o consumidor não opte pelo produto pirata.[12] Cabe destacar, além disso, que a imunidade não é uma medida necessária para a redução da pirataria física. Com efeito, educar o consumidor sobre a pirataria e desonerar os produtos sem, no entanto, conceder-lhes a imunidade tributária, são alternativas que poderiam garantir a arrecadação do Estado e impactar negativamente no crescimento da pirataria física.[13] No que tange a pirataria virtual, o custo do consumidor para adquirir o conteúdo que deseja é perto de zero. O acesso online ou o simples download, e.g., permitem que com um simples clique no mouse se tenha acesso a todo material. Assim, preço não é a melhor forma de se tentar combater a pirataria virtual. Seria mais interessente que outras formas de incentivos fossem geradas a fim de fazer o consumidor migrar de produtos piratas para originais. A EC 75 não se mostra, portanto, como medida necessária, nem suficiente pois, ainda que haja a imunidade tributária sobre toda a cadeia de produção e comercialização, é inegável que o preço de compra de CDs ou DVDs ainda será maior do que o custo que o consumidor tem para adquirí-los virtualmente de maneira ilícita. Algumas alternativas que talvez pudessem ser mais eficazes dizem respeito a melhor controle e fiscalização do Estado, de forma a aplicar efetivamente a Lei de Softwares e a Lei de Direitos Autorais. Por último, convém destacar a constante mudança do público da pirataria física à pirataria virtual.[14] Em que pese a ausência de transparência em relação à apuração de números, segundo dados da ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Disco) de 2006, a Associação alega que mais de R$ 2 bilhões foram perdidos pela indústria devido a downloads ilegais de música. Este número é quase quatro vezes maior do que as vendas oficiais de CDs durante o mesmo período (R$ 615 milhões).[15] Uma vez demonstrado que a EC 75 não é uma medida necessária nem suficiente para reduzir a pirataria, seja ela física ou virtual, passemos à análise de constitucionalidade da Emenda. O primeiro ponto a ser levantado concerne a discriminação entre os CDs e DVDs produzidos no Brasil cuja autoria e interpretação é feita por brasileiros e os produtos estrangeiros. O acordo TRIPS assim dispõe no art. 3º: "National Treatment 1. Each Member shall accord to the nationals of other Members treatment no less favourable than that it accords to its own nationals with regard to the protection (3) of intellectual property, subject to the exceptions already provided in, respectively, the Paris Convention (1967), the Berne Convention (1971), the Rome Convention or the Treaty on Intellectual Property in Respect of Integrated Circuits. In respect of performers, producers of phonograms and broadcasting organizations, this obligation only applies in respect of the rights provided under this Agreement. Any Member availing itself of the possibilities provided in Article 6 of the Berne Convention (1971) or paragraph 1(b) of Article 16 of the Rome Convention shall make a notification as foreseen in those provisions to the Council for TRIPS." A nota de rodapé número 3 do acordo TRIPS, por sua vez, determina: "For the purposes of Articles 3 and 4, “protection” shall include matters affecting the availability, acquisition, scope, maintenance and enforcement of intellectual property rights as well as those matters affecting the use of intellectual property rights specifically addressed in this Agreement." Dessa forma, vemos que no cenário internacional o Brasil se comprometeu a tratar estrangeiros da mesma forma que trata seus nacionais no que diz respeito à proteção da propriedade intelectual. 3. A constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 75 É importante destacar que o acordo TRIPS não é oponível à EC 75 já que esta última lhe é hierarquicamente superior. A conformidade da Emenda deve ser analisada em relação à própria CF/88, atentando-se para as cláusulas pétreas previstas no art. 60, §4º, da Carta Magna. Cabe ressaltar aqui que o Supremo Tribunal Federal, na ADI 939, firmou o entendimento de que emendas constitucionais podem ser declaradas inconstitucionais se violarem cláusulas pétreas.[16] O art. 5º, caput, da CF/88 declara que todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à igualdade e à propriedade. Na seara tributária, o princípio da isonomia está expresso no art. 150, II, CF/88, o qual veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situações equivalentes. A primeira dúvida que surge, portanto, é se contribuintes estrangeiros e nacionais estão em situações equivalentes. Ao que nos parece, a resposta é sim. A EC 75 encontra sua justificativa maior no combate à pirataria. Tanto músicos nacionais como internacionais são vítimas desse fenômeno. Isso é claro quando atentamos para o fato de que os downloads ilegais e a busca por DVDs piratas no mercado informal, por exemplo, não se restringem a produtos nacionais. Vê-se, portanto, que a pirataria não distingue entre nacionais e estrangeiros, pelo que não poderia a imunidade estabelecer essa distinção para combater somente a pirataria que atenta contra os produtos brasileiros. Segundo ponto de extrema relevância é a livre concorrência, princípio insculpido no art. 170, IV, da CF/88. A imunidade, se aplicada somente aos fonogramas e videofonogramas produzidos no Brasil por intérpretes ou cantores nacionais, cria uma situação de desvantagem competitiva, já que além de os produtos estrangeiros terem que arcar com os tributos que os nacionais seriam imunes, ainda deverão pagar outros: II (imposto de importação), PIS/COFINS importação, ICMS importação, e.g.. Dessa forma, o produto estrangeiro chegará ao consumidor muito mais caro do que o brasileiro. Em que pese a primeira sentença da justificativa da EC 75, alegando que a Emenda "é, antes de tudo, um brado em defesa da cultura nacional"[17], a promoção e incentivo da cultura brasileira não se podem dar em violação à livre concorrência. Os dois princípios são constitucionalmente assegurados e, portanto, encontram-se no mesmo nível hierárquico sem que se possa determinar qual dos dois é mais importante para o ordenamento jurídico brasileiro. Parece-nos que a imunidade representaria uma medida intervencionista injustificada na economia, já que, conforme expusemos linhas acima, outras formas de intervenção seriam possíveis, dentre elas uma isenção parcial. Além disso, a fiscalização e o controle de produtos piratas pelo Estado poderiam ser formas de reduzir a pirataria, ao mesmo tempo em que a arrecadação aos cofres públicos seria mantida. Por último, a EC 75 fere a seletividade tributária[18] uma vez que produtos como alimentos e medicamentos possuirão uma carga tributária muito superior em comparação aos fonogramas e videofonogramas produzidos no Brasil por artistas e intérpretes brasileiros. O art. 155, §2º, III, da CF/88, ao tratar sobre o ICMS dispõe que o imposto "poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços". Já o art. 153, §3º, I, da CF/88, ao estabelecer as diretrizes gerais a serem observadas para a instituição do IPI, impõe à União o dever de seletividade, adequando a tributação à essencialidade do produto. Finalmente, vale ressaltar que uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 5058), com pedido de liminar, foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal pelo Governador do Amazonas. Utilizando argumentos distintos dos expostos acima, defende o governador que a EC 75 viola os artigos 40 e 92 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias os quais asseguram aos produtos fabricados na Zona Franca de Manaus regime tributário diferenciado até o ano de 2023[19]. A alegada inconstitucionalidade residiria no fato de que a EC 75, ao conferir imunidade aos fonogramas e videofonogramas musicais produzidos no Brasil por intérpretes e artistas brasileiros, provocaria a saída das empresas desse setor hoje fixadas em Manaus, já que a vantagem tributária poderia ser aproveitada em qualquer localidade do país. Consequentemente, o governador alega que um dos objetivos fundamentais previstos no art. 3º, III, da CF/88, qual seja, a redução das desigualdades sociais e regionais, estaria sendo desrespeitado uma vez que ao migrarem para outras regiões do Brasil, as indústrias aumentariam o número de desempregados no Amazonas. Uma vez analisados os principais argumentos constitucionais a respeito do tema, devemos, a partir do postulado da isonomia, realizar uma interpretação conforme a Constituição. Explicamos: a mudança da Constituição pode ocorrer desde que não haja violação das cláusulas pétreas previstas no art. 60, §4º, da CF/88. En relação à ADIN 5058, o art. 3º da CF/88, mesmo com o seu valor programático, não é cláusula pétrea, tampouco os dispositivos do ADCT. Da mesma forma, a previsão de seletividade baseada na essencialidade dos bens e o princípio da livre concorrência podem encontrar relativizações na própria Constituição Federal, ainda que a alteração seja introduzida por emenda. Por fim, no que diz respeito à isonomia (art. 5º, caput), esta sim cláusula pétrea nos termos do art. 60, §4º, IV, da CF/88, a EC 75 não poderia discriminar entre nacionais e estrangeiros residentes no Brasil tal como faz. Por esta razão, é que propomos a interpretação conforme a fim de que a imunidade seja estendida também aos estrangeiros residentes no país. Conclusão De todo o exposto, concluimos que a EC 75 não se mostra como medida necessária nem suficiente para a redução da pirataria. Embora ela não esteja em conformidade com alguns preceitos constitucionais, sua constitucionalidade é preservada desde que façamos uma interpretação conforme à Constituição. Assim procedendo, estrangeiros e residentes no Brasil poderão se beneficiar com a mudança introduzida pela Emenda sem que atentemos contra um direito individual, qual seja, a igualdade de tratamento.
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A incorporação dos convênios de ICMS à legislação dos entes federativos: uma visão constitucional
O tema que será exposto no curso deste trabalho é de grande valia e extremamente importante para seara jurídica, tendo em vista a discrepância existente entre diplomas normativos, quais sejam, a Lei Complementar n˚ 24/1975, a Constituição da República e sua posterior modificação pela Emenda Constitucional n˚ 03/1993.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O tema que será exposto no curso deste trabalho é de grande valia e extremamente importante para seara jurídica, tendo em vista a discrepância existente entre diplomas normativos, quais sejam, a Lei Complementar n˚ 24/1975, a Constituição da República e sua posterior modificação pela Emenda Constitucional n˚ 03/1993. O texto puro extraído da referida lei consigna que os convênios de ICMS, celebrados no âmbito do CONFAZ, serão incorporados à legislação dos Estados-membros e do Distrito Federal por Decreto emanado do Poder Executivo de cada ente federativo, de modo a ensejar a dispensa de manifestação por parte do Legislativo local. Malgrado aos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias ter recepcionado a Lei Complementar n˚ 24/1975, o cenário muda por ocasião da promulgação da Emenda Constitucional n˚ 03/1993, pois exige que assuntos relativos à outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica. Desta forma, ao se ter como premissa básica doutrinária constitucional que não existe inconstitucionalidade superveniente em nosso sistema jurídico, a matéria entra em discussão na jurisprudência brasileira, em especial no Supremo Tribunal Federal que, muito embora a referida emenda tenha sido publicada em 1993, ainda há nítidos desvios cometidos pelos entes federados que insistem em conceder ou extinguir benefícios fiscais de ICMS por Decreto. Este trabalho, portanto, tem por objetivo discorrer sobre o problema trazido à tona da forma mais clara possível, de modo que será delineado os preceitos básicos do ICMS, bem como o motivo pelo qual este imposto causa um certo desconforto nas relações institucionais devido a evidente e inegável “guerra fiscal”, muito embora a Constituição da República tenha tentado reprimi-la ao máximo. Desta feita, ao término, será escrito o posicionamento final acerca da temática, com fulcro nos posicionamentos doutrinários consolidados e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 2. ICMS – IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SOBRE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERESTADUAL E INTERMUNICIPAL E DE COMUNICAÇÃO 2.1. DISCIPLINA NORMATIVA O imposto sobre circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação é de competência dos Estados e do Distrito Federal, conforme exsurge do art. 155 da Constituição da República. Usualmente, quando o constituinte outorga competência para os entes federativos disciplinarem determinadas matérias no âmbito de sua circunscrição, há concessão de plenos poderes para que cada um exerça sua atribuição, respeitados os limites opostos pela própria Carta. Porém, no que concerne ao ICMS, o constituinte ao mesmo tempo que concede a plena capacidade tributária para instituir e por conseguinte disciplinar o referido imposto, impõe uma série de limitações. Não se está falando somente de limitações gerais ao poder de tributar, as quais espraiam efeitos sobre todos os entes federativos, mas sim de limitações específicas que relativizam o livre exercício da competência tributária. Neste ponto, o constituinte acertou de modo brilhante ao cativar o exercício indiscriminado do Poder Legislativo de cada ente federativo, tendo em vista que o ICMS é um imposto que acarreta a chamada “guerra tributária”, tema que será melhor desenvolvido em tópico apartado. De todo modo, pode-se consignar que se trata de um imposto eminentemente fiscal, tendo em vista que não regula comportamentos ou elide condutas, mas tão somente tem por finalidade arrecadar aos cofres públicos parcela da pecúnia incorporada nas operações mercantis ou de prestações de serviços, cuja hipótese de incidência se observa nos termos da lei. A lei que nos referimos acima é a lei de cada ente federativo que disciplinará não somente a hipótese de incidência, mas sim todas as suas características e definições, dentre elas o fato gerador da obrigação tributária principal, sujeito passivo, base de cálculo, alíquota – exceto ressalvas constitucionais –, cominação de penalidades, hipóteses de exclusão, suspensão e extinção dos créditos tributários, bem como a dispensa e redução de penalidades, nos termos do art. 97 do Código Tributário Nacional – CTN. Todavia, os Estados e o Distrito Federal observarão as normas delineadas pela Lei Complementar n˚ 87/1996, a famosa “Lei Kandir”, sem que com isso se ofenda o princípio do pacto federativo, haja vista que por determinação constitucional é conferida à União a edição de normas gerais no que toca ao ICMS, o que denota a preocupação da Constituição Federal com a uniformização legislativa no território nacional e a harmonia dentro da Federação. Assim, observa-se cristalinamente que, diferentemente dos outros impostos, a Carta Política explicitamente exigiu a edição de norma federal disciplinando de maneira geral o ICMS bem como trouxe uma série de limites e condições específicas para o exercício da competência tributária. Pergunta-se: o que difere o ICMS dos demais impostos? A resposta para esta pergunta também será respondida com fundamentos que possibilitem a melhor compreensão da sistemática da referida exação e a preocupação constitucional com a “guerra fiscal”. Assim, além da citada “Lei Kandir”, o ICMS obedece com rigor o disposto na Lei Complementar n˚ 24/1975, que regulamenta os convênios que são celebrados no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. Sem os referidos instrumentos, os Estados e o Distrito Federal não poderão livremente conceder isenções, incentivos e benefícios fiscais, conforme o art.155, §2˚, XII, “g” da CF. Por fim, é salutar lembrar que o ICMS ainda obedece às resoluções do Senado Federal, concernente as alíquotas aplicáveis em operações interestaduais, bem como as internas que não poderão ser inferiores às previstas para as operações retro consignadas. Percebe-se, por conseguinte, que o ICMS é um imposto no qual o constituinte tracejou cautelas necessárias, pelo menos teoricamente, à sua disciplina normativa, o que denota que a todo tempo evita-se a “guerra fiscal”, cujos atores, apesar de fazerem parte de uma mesma nação, apunhalam-se com vistas a propiciar uma maior geração de receitas no âmbito de suas respectivas circunscrições. 2.2. CARACTERÍSTICAS Para fins de melhor compreensão do estudo deste trabalho, utilizaremos as características principais do ICMS delineadas pelo douto professor Claudio Carneiro[1] em sua obra “Impostos federais, estaduais e municipais”. Segundo o referido professor, o imposto é fiscal, seletivo, real, não-cumulativo, não-vinculado, indireto, proporcional e plurifásico. No que se refere ao atributo da fiscalidade, pode-se consignar que o ICMS tem por principal função a arrecadação de riquezas aos cofres públicos, ou seja, é puramente um imposto, cujo efeito advém da prática de um fato determinado como imponível da obrigação tributária devidamente previsto em lei. Assim, não se trata de um imposto que o Estado se utiliza para regular práticas ou mesmo para forçar a população a se abster de determinados atos, como por exemplo o imposto de importação, cujo alicerce está basicamente na proteção do produto nacional em detrimento do estrangeiro. Entretanto, à luz do posicionamento do autor supra referido, deve-se consignar que é evidente que o imposto acaba assumindo uma função extrafiscal quando se torna seletivo, nos termos do art. 153, §2˚, III, CF. A título de melhor exemplificarmos, é cediço que os Estados utilizam alíquotas mais agravadas para produtos que sejam mais supérfluos ou mesmo aqueles que, de certa forma, são nocivos ao ser humano, tal como as bebidas alcóolicas e o fumo. Destarte, é nítido que o Estado está assumindo uma posição de regulador de conduta, o que nos faz enxergar que neste ponto há derrogações da característica de um imposto extrafiscal, todavia, o que prevalece na doutrina é que o ICMS é eminentemente fiscal, haja vista sua principal finalidade que é a geração de receitas. Além de ser considerado um imposto real por ter como premissa a ocorrência do fato gerador sobre a coisa, o ICMS também é não-vinculado, tendo em vista que a exação espraia seus efeitos independentemente de uma contraprestação estatal específica. Na verdade, a não-vinculação não é somente característica do ICMS, mas sim de todos os impostos, que além de terem este atributo são considerados não afetados, nos termos do art. 167, IV da CF. Malgrado a exposição destas características retro transcritas, há de se salientar a exceção prevista no art. 82 dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias, que consigna a possibilidade da vinculação do imposto aos Fundos de Combate à Pobreza. A não-cumulatividade advém de um comando constitucional escrito no art. 155, §2˚, I, CF, que significa basicamente que o débito do imposto será compensado com o montante cobrado em operações anteriores, seja pelo mesmo ou por outro Estado, bem como pelo Distrito Federal. Ao falarmos de não-cumulatividade não estamos falando de benefício fiscal, eis que tal sistema de cobrança não garante que a pessoa pagará menos ou mais imposto em comparação com os demais que não têm esta atribuição. Hugo de Brito Machado faz algumas anotações de importante valia acerca da não-cumulatividade nos seguintes termos: “O grande número de dispositivos introduzidos na Constituição na tentativa de normatizar adequadamente a compensação do imposto em cada operação é expressivo da inadequação dessa técnica para um imposto estadual numa Federação com enormes desigualdades econômicas entre as suas diversas unidades e com a dimensão territorial de nosso País”.[2] Como se percebe, o autor critica o regime da não-cumulatividade e acredita este é um dos principais erros do sistema tributário brasileiro, tendo em vista a complexa administração do imposto, bem como as discrepâncias econômicas existentes entre as diversas regiões do Brasil. Em relação ao fato do ICMS ser considerado indireto significa que este imposto admite o fenômeno da repercussão tributária, ou seja, o encargo financeiro dispendido pelo contribuinte de direito, ou seja, aquele que pela lei tem a obrigação de pagar o tributo, é repassado para o próximo da cadeia de produção, chamado de contribuinte de fato. Para melhor compreensão deste importante elemento, Claudio Carneiro expõe: “Esta característica permite que existam duas pessoas: o contribuinte de direito é aquele que por lei tem o dever de pagar o tributo, e o contribuinte de fato é aquele que de fato acaba sofrendo o desgaste da repercussão e, assim, acaba pagando (sob o ponto de vista econômico) o preço embutido no produto” (art. 13, §1˚, I, da LC 87/96).[3] (grifos e itálicos no original) Destarte, percebe-se que, no caso específico do ICMS, quem sempre acaba arcando com o gravame financeiro é o consumidor final ao adquirir a mercadoria, pois paga o preço de todos os encargos tributários que surtiram efeitos anteriormente. No que toca ao atributo da proporcionalidade, pode-se anotar que o valor a ser pago a título de ICMS infla de forma proporcional ao valor do bem ou serviço que é objeto de tributação.[4] Por fim, o ICMS é imposto plurifásico, tendo em vista que há várias incidências do imposto no decorrer de todo o processo de produção de um determinado produto ou mesmo de um serviço, de modo que a cada nova circulação da mercadoria o contribuinte deverá recolher o imposto devido. Há de se destacar também que excepcionalmente a Constituição Federal prevê determinadas hipóteses em que o tributo incidirá uma única vez, tal como o ICMS-Combustível, previsto no art. 155, §4˚, IV, “c” da CF. Ademais, em se tratando desta hipótese de ICMS-Combustível caberá ao Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ a estipulação de alíquotas nacionais por intermédio de convênios celebrados entre os Estados e o Distrito Federal, com vistas a dar maior uniformidade das normas relativas ao ICMS e garantir o desenvolvimento de regiões mais pobres do país onde não há petróleo para ser explorado. Portanto, tendo como base este pequeno estudo sobre os aspectos mais relevantes do ICMS, dar-se-á início a uma fase de maior fundamentação deste trabalho, cujo objetivo principal é estudar os aspectos constitucionais sobre o ICMS e a sistemática dos convênios realizados no âmbito do CONFAZ. 2.3. ICMS E A GUERRA FISCAL A Constituição ao prever a distribuição de competências em seus dispositivos tentou ao máximo garantir o equilíbrio entre os entes federativos, que são dotados de autonomia legislativa relativa para dispor sobre o direito aplicável no âmbito de seu território. É cediço que o federalismo brasileiro não é absoluto, ou seja, não garante liberdade plena aos entes federados, que são unidos por um elo subjetivo abstrato chamado de União, que é indissolúvel, o que afasta até mesmo o direito de secessão. Mais especificamente, referente ao ICMS, a constituição outorgou aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituí-lo bem como normatizá-lo, competência essa que não é delegável em hipótese alguma, nem mesmo está sujeito a caducidade, tendo em vista que é um comando constitucional que pode ser exercido, em tese, a qualquer tempo pelo detentor da outorga. Acerca da competência tributária e a instauração da chamada “guerra fiscal”, destacam-se as ilustres palavras do professor Paulo de Barros Carvalho, in verbis “Com efeito, não é fácil a articulação das competências que o constituinte estatuiu entre pessoas dotadas de autonomia legislativa, todas no mesmo nível de hierarquia jurídica: União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Para fazê-lo, estabeleceu uma série de princípios, em complexa rede axiológica, buscando o equilíbrio de um sistema que foi concebido para movimentar-se de tal sorte que as aptidões para legislar sobre as diversas matérias não viessem a gerar conflitos desestabilizadores, que pusessem em jogo a integridade do conjunto. Quatro focos ejetores de regras, quatro fontes produtoras de instrumentos normativos, situados no mesmo patamar hierárquico, hão de inspirar cuidados especiais e constante vigilância. Ainda mais, no que tange ao ICMS, tributo que não esconde sua tendência para assumir caráter de exação nacional. É preciso dizer, incisivamente, que o sistema constitucional tributário brasileiro, com todas as críticas que lhe têm sido feitas, é uma organização normativa bem construída, não faltando princípios, sejam eles valores ou limites objetivos, para iluminar os seguimentos controvertidos.”[5] É de se notar que o autor, ao criticar a guerra fiscal, precisamente acerta quando afirma que o sistema tributário brasileiro delineado pela Constituição foi arquitetada de maneira correta, pois não faltam princípios em nosso Direito que alumiam a vereda do intérprete, pois são diretrizes capazes de dirimir determinados conflitos normativos. Para tentar contornar a “guerra fiscal” o constituinte tentou criar mecanismos para garantir a igualdade entre os entes federativos, de modo que relativiza o poder normativo outorgado por ocasião da capacidade tributária para o ICMS, subjugando-os às normas traçadas na Lei Complementar 87/1996, de origem federal, que estabelece diretrizes gerais a serem seguidas por todos, bem como aos convênios de ICMS que são celebrados no Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. Em que pese a existência dessa sistemática é corriqueiro o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal por Governador de estado que questiona um determinado incentivo fiscal que fora concedido por outro ente da federação sem a devida autorização por convênio. Acerca do tema, abaixo será exposto um caso paradigmático ocorrido em nossa jurisprudência “DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. ICMS. BENEFÍCIO FISCAL.  CONVÊNIO PRÉVIO À EDIÇÃO DE LEI. NECESSIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. 1.  A concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais concernentes ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS pressupõe a prévia elaboração de convênio entre os Estados e o Distrito Federal, consoante o disposto no artigo 155, § 2º, XII, g, da Constituição do Brasil. 2. A ausência do convênio prévio torna inválida a concessão do benefício fiscal por destituí-lo de pressuposto essencial à sua caracterização exteriorizado pela manifestação formal do consenso institucional entre os entes federados envolvidos. […] 5. In casu, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios declarou a inconstitucionalidade de texto normativo distrital que veiculou benefício fiscal concernente ao ICMS antes da elaboração de convênio entre os entes federativos que autorizassem a concessão do  'favor fiscal'. Incensurável, portanto, o provimento judicial. 6.  Recurso extraordinário a que se nega seguimento”.[6] É evidente que o constituinte limitou a competência dos Estados e do Distrito Federal para concederem benefícios fiscais à deliberação do CONFAZ por meio de convênio a ser celebrado em âmbito nacional com representantes de todas as unidades federativas, sob a presidência do Governo Federal. A ambição dos entes federativos para que empresas venham se instalar em seus respectivos territórios sob pretexto de serem beneficiadas com isenções de ICMS faz nascer a concorrência desleal do país contra si próprio, o que cristaliza uma nítida “guerra tributária”. O interesse dos entes federativos não está tão somente na instalação destas empresas por si só, mas sim pelos benefícios que elas podem trazer, tais como a geração de maiores riquezas e o desenvolvimento social, tendo em vista que haverá por certo geração de empregos na região. A rigidez constitucional a cerca da regra de incentivos fiscais faz com que o Judiciário a todo instante controle externamente os atos do Poder Executivo, seja pela via difusa ou abstrata, tendo em vista a repulsa constitucional à “guerra fiscal”. Para fins de melhor elucidação, o Supremo Tribunal Federal reafirma a todo instante, mesmo neste julgado mais antigo, a sistemática constitucional para se conceder isenções, em se tratando de ICMS, in verbis “ICMS E REPULSA CONSTITUCIONAL À GUERRA TRIBUTÁRIA ENTRE OS ESTADOS-MEMBROS: O legislador constituinte republicano, com o proposito de impedir a "guerra tributaria" entre os Estados-membros, enunciou postulados e prescreveu diretrizes gerais de caráter subordinante destinados a compor o estatuto constitucional do ICMS. Os princípios fundamentais consagrados pela Constituição da República, em tema de ICMS, (a) realçam o perfil nacional de que se reveste esse tributo, (b) legitimam a instituição, pelo poder central, de regramento normativo unitário destinado a disciplinar, de modo uniforme, essa espécie tributária, notadamente em face de seu caráter não-cumulativo, (c) justificam a edição de lei complementar nacional vocacionada a regular o modo e a forma como os Estados-membros e o Distrito Federal, sempre após deliberação conjunta, poderão, por ato próprio, conceder e/ou revogar isenções, incentivos e benefícios fiscais. CONVÊNIOS E CONCESSÃO DE ISENÇÃO, INCENTIVO E BENEFICIO FISCAL EM TEMA DE ICMS: A celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial a valida concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais em tema de ICMS. Esses convênios – enquanto instrumentos de exteriorização formal do prévio consenso institucional entre as unidades federadas investidas de competência tributária em matéria de ICMS – destinam-se a compor os conflitos de interesses que necessariamente resultariam, uma vez ausente essa deliberação intergovernamental, da concessão, pelos Estados-membros ou Distrito Federal, de isenções, incentivos e benefícios fiscais pertinentes ao imposto em questão. O pacto federativo, sustentando-se na harmonia que deve presidir as relações institucionais entre as comunidades políticas que compõem o Estado Federal, legitima as restrições de ordem constitucional que afetam o exercício, pelos Estados-membros e Distrito Federal, de sua competência normativa em tema de exoneração tributária pertinente ao ICMS. MATÉRIA TRIBUTÁRIA E DELEGAÇÃO LEGISLATIVA: A outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de calculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas, sob pena de ofensa ao postulado nuclear da separação de poderes e de transgressão ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa.”[7] Conforme se observa no julgado acima, o pacto federativo visa a harmonia entre os entes da federação de modo a propiciar um ponto equilíbrio, e para isso há restrições no próprio texto constitucional da autonomia legislativa do ICMS, o que se consubstancia na impossibilidade de um Estado ou Distrito Federal conceder, unilateralmente, incentivos fiscais sem a prévia autorização do CONFAZ, ressalvadas as hipóteses de convênios gerais, que podem estabelecer normas amplas para que, de forma unilateral, os benefícios nela escritos possam ser concedidos, mas tudo nos termos do convênio. Uma ressalva deve ser feita no que se refere ao diferimento do ICMS. Este instituto não é um incentivo fiscal, pois atribui a responsabilidade do recolhimento do imposto para o próximo da cadeia de produção, caso o fato gerador ocorra. Em não ocorrendo, não se pagará o tributo. Na verdade, se trata de uma postergação de pagamento, que não se confunde com substituição tributária regressiva, muito embora em determinadas situações seus conceitos podem se mostrar coexistentes. Malgrado este instituto ser de grande importância para o estado para fins de facilitar o recolhimento do tributo e também de certa forma beneficiar um pequeno produtor, os entes federativos acabam usando este método para atrair empresas, concedendo-as diferimentos de ICMS em operações que já se realizaram, mas que dependem de um implemento futuro para que o dever de pagar surta seus efeitos. Trata-se de uma via oblíqua na qual os estados tentam se utilizar para fins de burlar a regra dos convênios. Entretanto, consigna-se que o diferimento não é renúncia de receita, tal como é a isenção, mas sim uma postergação do dever de pagar o ICMS, apesar de ser notória a utilização deste instituto para fins de atrair investimentos, o que denota, consequentemente, a promoção da “guerra fiscal”. 3. CONFAZ – CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA FAZENDÁRIA O Conselho Nacional de Política Fazendária é um órgão colegiado previsto inicialmente pela Lei Complementar n˚ 24 de 1975 e regulado pelo seu regimento interno aprovado pelo Convênio ICMS 133/1997, cuja atribuição precípua é promover ações necessárias à elaboração de políticas, harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, bem como colaborar com o Conselho Monetário Nacional – CMN na fixação da política de Dívida Pública Interna e Externa dos Estados e do Distrito Federal e na orientação às instituições financeiras públicas  estaduais.[8] A Constituição da República em seu art. 150, §2˚, XII, “g”, prevê que cabe à lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. Percebe-se que os convênios de ICMS serão regulados estritamente pela lei complementar de regência, cabendo aos entes federados, no âmbito do CONFAZ, deliberarem a forma como darão incentivos fiscais do ICMS, cuja decisão só terá eficácia se obedecer aos ditames previstos na referida lei. Até o momento está sendo aplicada a Lei Complementar n˚ 24 de 1975, segundo o ADCT no seu art. 34, §8˚, tendo em vista que o diploma que o texto constitucional faz menção ainda não foi editado. Portanto, trata-se de uma aplicabilidade provisória de seus dispositivos. Assim, sob a regência da referida lei, são através dos convênios celebrados pelo CONFAZ é que se poderá conceder, por exemplo, redução da base de cálculo, concessão de crédito presumido, isenções, dentre outros incentivos fiscais, com vistas a tentar elidir a “guerra fiscal”. Por certo, é notório que os benefícios fiscais do ICMS, quando concedidos fora destes moldes, são inconstitucionais, o que pode ensejar o ajuizamento de ações de controle de constitucionalidade perante o Judiciário, e, em se tratando de controle abstrato, no Supremo Tribunal Federal, pelos próprios governadores, pois têm legitimidade para tanto. Concernente à composição do Conselho, consigna-se que é formado por representantes de cada Estado e do Distrito Federal, que normalmente são os Secretários de Fazenda, Finanças ou Tributação. Há também a composição de um representante do Governo Federal, que será o Ministro da Fazenda ou outro por ele indicado. Todos os membros do Conselho têm direito a um voto com mesmo valor, exceto o Ministro da Fazenda que exercerá a presidência da reunião do colegiado a fim de assegurar a ordem da reunião, bem como do respeito às disposições legais e constitucionais dos convênios. Nos termos do art.2˚, §1˚ da Lei Complementar n˚ 24/1975, as reuniões se realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação, desde que todos tenham sido convocados, bem como a aprovada da concessão de benefícios sempre dependerá de decisão unânime dos Estados representados. Deste modo, neste ponto a referida lei reimprime preceitos básicos constitucionais, tais como o do pacto federativo e da igualdade dos entes da federação, tendo em vista que o quórum de aprovação é extremamente rígido, o que faz emergir o preceito que mesmo os estados pequenos, tanto em relação a território quanto em relação a capacidade econômica, são tratados de forma equivalente em relação aos demais. Este fato não afasta o direito de haver deliberação unânime para conceder benefícios fiscais exclusivamente para regiões mais pobres do país, nos termos do art. 3˚ da referida lei. O alicerce é básico, ou seja, pauta-se na grande diferença existente entre regiões do Brasil. Ressalva-se que os convênios não poderão de forma alguma dispor sobre a extinção do incentivo fiscal concedido à Zona Franca de Manaus, por expressa determinação legal contida no art. 15 do mesmo diploma legal. Assim, tendo como fundamento inicial todo o exposto até o presente momento, passaremos a tratar do capítulo específico deste trabalho que é a observância dos convênios sob a ótica constitucional, se são atos administrativos, se podem ou não ser incorporados à legislação estadual por decreto do Executivo, bem como a posição do Supremo Tribunal Federal a respeito da temática. 4. OS CONVÊNIOS DE ICMS SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL 4.1 DISCIPLINA NORMATIVA Como vimos preliminarmente, para que seja concedido um determinado benefício fiscal de ICMS, os Estados e o Distrito Federal não exercem sua competência legislativa plena neste aspecto, tendo em vista a limitação constitucional contida no art. 150, §2˚, XII, “g” da Constituição da República nos seguintes termos, in verbis “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:(…) XII – cabe à lei complementar:(…) g) regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.[9] A limitação constitucional acima tem como principal objetivo atenuar ao máximo a “guerra fiscal” entre os entes federativos, de modo a submetê-los a deliberação conjunta no que se refere à concessão de incentivos fiscais de ICMS no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária. Desde a promulgação da Constituição Federal não houve a edição específica da referida Lei Complementar, e, ao prever a mora legislativa, os Atos de Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, em seu art. 34, §8˚, consigna que se aplicará a Lei Complementar n˚ 24/1975 – editada sob a exige da Constituição de 1967, alargada pela Emenda Constitucional de 1969 – até que sobrevenha a referida legislação. Na verdade, o que se está querendo dizer é que o constituinte recepcionou a referida lei complementar, cujos efeitos de eficácia se refletirão até momento futuro e incerto, ou seja, quando a União editar uma nova lei complementar regulando a forma como os incentivos fiscais de ICMS possam ser concedidos, nos termos dos convênios. Neste ponto, a doutrina e a jurisprudência pátria convergem. O Supremo Tribunal Federal já deixou assentado seu posicionamento, nas palavras do Ministro Marco Aurélio, in verbis “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LIMINAR – BENEFICIO FISCAL. Exsurgindo, ao primeiro exame, a relevância do pedido formulado e o risco de manter-se com plenos efeitos o diploma atacado impõe-se a concessão de liminar. Isto ocorre relativamente a lei do Estado do Rio de Janeiro de 2.273, de 27 de junho de 1994, no que disciplinou beneficio fiscal, prevendo prazo especial de pagamento do ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação e redução da percentagem de correção monetária, a margem, em princípio, do disposto na alínea "g", inciso XII, par. 2., do artigo 155, da Carta Política da Republica, recepcionada a lei complementar Federal 24/75. Precedente: ação direta de inconstitucionalidade n. 1.247-9/PA, relatada pelo Ministro Celso de Mello, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 8 de setembro de 1995, ementário n. 1.799-01”.[10] Portanto, resta claro que a forma como os Estados e o Distrito Federal concederão benefícios fiscais por convênios será feita nos termos da Lei Complementar n˚ 24/1975, tendo em vista a recepção explícita constitucional do referido diploma, bem como do posicionamento uníssono da doutrina e jurisprudência neste aspecto. Entretanto, o principal fundamento que instigou a elaboração deste trabalho está na forma como os convênios serão incorporados à legislação estadual, ponto este que merece destaque apartado em maior grau de profundidade onde se analisará a constitucionalidade da referida lei de regência dos convênios após a edição da Emenda Constitucional n˚03/03. 4.2 DA RECEPÇÃO DA LEI COMPLEMENTAR N˚ 24/1975 É cediço que o vício de inconstitucionalidade deve ser observado tendo como referência uma constituição paradigma, em outras palavras, a lei só pode ser considerada inconstitucional se ela for incompatível com a constituição então vigente ao tempo de sua edição. Neste contexto, deve ser repudiado toda e qualquer tipo de tentativa de defender a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo editados sob a regência de outra ordem constitucional. O que se está querendo demonstrar com clareza é que se a norma é anterior à Constituição de 1988 somente cabe a análise do fenômeno chamado de recepção. O Ministro Gilmar Mendes, em suas doutas palavras, expõe acerca da temática nos seguintes termos “Por isso se entende que aquelas normas anteriores à Constituição, que são com ela compatíveis no seu conteúdo, continuam em vigor. Diz-se que, nesse caso, opera o fenômeno da recepção, que corresponde a uma revalidação das normas que não desafiam, materialmente, a nova Constituição”.[11] Nesta senda, conforme fundamentado no tópico pretérito, a Lei Complementar n˚24/1975 foi recepcionada expressamente, nos termos do art. 34, §8˚ dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, devendo permanecer em nosso mundo jurídico até que sobrevenha uma nova legislação editada sob a exige da Carta Política de 1988. Entretanto, percebe-se que o cenário no qual foi editada a lei de regência dos convênios do CONFAZ é diverso do proposto pela atual Constituição, como podemos observar no seu art. 4˚, que outorga ao Poder Executivo de cada Unidade da Federação o direito de ratificar o decreto como sendo meio único e suficiente para eficácia da norma na circunscrição estadual, independentemente de lei local incorporadora. Ricardo Lobo Torres afirma que “A LC 24/75, editada em pleno período de autoritarismo político, dispensou a ratificação pelas Assembléias dos convênios assinados pelos Secretários de Fazenda, atribuindo-a à própria competência aos Governadores. A doutrina, com justa razão, vem denunciando a inconstitucionalidade da medida, por afrontar o princípio da legalidade.’[12] Assim, percebe-se que a sistemática adotada pela Lei Complementar em comento é muito diversa do regime democrático atualmente instituído pela Carta de 1988, haja vista que anteriormente à sua edição os governantes era mais privilegiados, haja vista que exerciam poder com autoritarismo e não sob a vontade do povo que é expressada pelas assembleias legislativas, órgão de representação da vontade popular. Insta ressaltar que a doutrina na época da promulgação da Constituição de 1988 já criticava o método de incorporação à legislação estadual do convênio por mero decreto do Executivo, segundo palavras do doutrinador Alcides Jorge Costa, baseadas em doutrinadores de grande renome no mundo tributário, nos seguintes termos “Esta dispensa tem sido acoimada de inconstitucional como o fizeram, entre outros, Sacha Calmon Navarro Coêlho (Comentários à Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Forense, 1990, pp. 290-296); Roque Antonio Carrazza (ICMS, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 1998, pp. 253-254); José Eduardo Soares de Melo (Curso de Direito Tributário, São Paulo, Dialética, 1997, p. 114); José Souto Maior Borges (Lei Complementar Tributária, São Paulo, RT – Educ, 1975, p. 173, com citação da opinião de Geraldo Ataliba no mesmo sentido).”[13] Malgrado as críticas postas pela doutrina ao dispositivo que trata da forma de incorporação dos convênios na legislação estadual, a questão da recepção ou não da Lei Complementar n˚ 24/1975 já está completamente superada, eis que o próprio ADCT expressamente a recepcionou, tendo a nossa Corte Constitucional já se manifestado sobre este ponto na Ação Direta de Inconstitucionalidade n˚ 1179, já citada neste trabalho. 4.3 DAS MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELA EC 03/93 Para o Direito Tributário, a Emenda Constitucional n˚ 03/1993 foi de essencial importância, pois o Poder Constituinte de Reforma fez inserir na Constituição da República nova redação ao §6˚ do art. 150, que determina, com rigidez, a necessidade imprescindível de lei específica para a concessão de subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos aos impostos, taxas ou contribuições instituídos pelos entes federativos.[14] O que na verdade o Constituinte Reformador prestigia no preceito descrito acima é o princípio da legalidade tributária, base do nosso sistema jurídico-tributário nacional, cujo o objetivo principal é garantir a participação popular – exercício da democracia – no que se refere aos tributos, retirando por completo das mãos dos governantes o pode de tratarem deste tipo de matéria por Decreto. Ademais, salienta-se que a supra mencionada norma está inserta dentro da seção que trata das limitações ao poder de tributar, local onde se extrai princípios fundamentais que não podem ser suprimidos nem mesmo por emenda constitucional, por se tratarem de cláusula pétrea. Nesse contexto, percebe-se que se está falando de direito fundamental do contribuinte em face do Estado, cujo objetivo é a sua proteção contra as possíveis arbitrariedades cometidas pelo Poder Público. Não restam dúvidas sobre a importância desta reforma constitucional para o campo do Direito Tributário, pois foi através desta Emenda que houve efetivo implemento do princípio da legalidade tributária. Desta forma, assim ficou consignado no art. 150, §6˚ da Constituição, in verbis “Art. 150. […] § 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”[15] Nota-se que ao termo do parágrafo acima ilustrado existe a expressão que consiste em aplicabilidade do dispositivo sem prejuízo do art.155, §2˚, XII, “g”, que trata a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados, nos termos da lei complementar. O que nitidamente o Poder Constituinte Reformador desejou fixar é que, em se tratando de ICMS, os Estados e o Distrito Federal além de serem obrigados a respeitarem o princípio da legalidade tributária é imprescindível a submissão aos convênios celebrados no CONFAZ para fins de concessão de benefícios fiscais. Logo, não merece prosperar o argumento de que a ressalva contida ao término do parágrafo em comento excepciona o princípio da legalidade para o ICMS, muito pelo contrário, em se tratando deste imposto as regras devem ser combinadas e não absorvidas de modo a anular uma em detrimento da outra. Assim, a regra é clara: o ICMS se submete ao princípio da legalidade estrita, de modo que não se pode conceder qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, sem lei específica do ente tributante competente (assim compreendida a lei em sentido formal emanada do Poder Legislativo estadual), porém, para que seja possível o exercício desta competência legislativa é imprescindível a existência de prévio convênio, devidamente aprovado pela unanimidade dos entes federativos, nos termos da lei complementar, com vistas a se evitar a “guerra fiscal”. Neste mesmo sentido Aroldo Gomes de Mattos escreve que “Posteriormente, surgiu a EC 3/93 fazendo uma importante alteração nas normas básicas acima dissertadas: acrescentou o § 6º ao art. 150 da CF, que, como limitação ao poder de tributar, passou a exigir para as ratificações in casu – no lugar de decreto – lei específica: […] A intenção do constituinte derivado ao fazer tal acréscimo é evidente: emprestar uma dignidade maior ao processo legislativo que vise conceder benefícios ou privilégios fiscais de qualquer natureza, em homenagem ao princípio da transparência fiscal.”[16] Ex positis, a Emenda Constitucional n˚ 03/1993 concedeu maior prestígio ao processo legislativo,  com fulcro dos preceitos constitucionais, tendo em vista que o Poder Legislativo dos Estados e do Distrito Federal representa a população de sua respectiva circunscrição e a lei por eles editada é a expressão da vontade popular, diversamente do Executivo, cujos atos são de gestão da Administração Pública e primazia de seus interesses públicos. 4.4 PROCESSO DE INCORPORAÇÃO DOS CONVÊNIOS NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL A Lei Complementar n˚ 24/1975 determina uma série de requisitos para que os convênios celebrados no âmbito do CONFAZ sejam considerados válidos e vinculantes para todos os entes federados. O primeiro deles, nos termos do art.2˚, §2˚ da referida lei, é a decisão unânime dos entes federados alí representados para que seja possível a concessão de benefícios fiscais, ou quatro quintos dos votos dos presentes para sua revogação total ou parcial. Passado este período rígido de aprovação, haverá a publicação do convênio no Diário Oficial da União, instaurando-se o período de ratificação por decreto do Poder Executivo de cada unidade da federação no prazo de 15 dias. Nos termos da lei em comento, há a possibilidade da ratificação tácita dos convênios se não houver manifestação no prazo assinalado.[17] Caso não haja ratificação por todos os entes federativos, o convênio ora celebrado não terá eficácia e será considerado rejeitado por ausência de unanimidade. Todavia, conforme preliminarmente já exposto no tópico anterior, após a promulgação da Emenda Constitucional n˚ 03/1993, o dispositivo em comento tornou-se incompatível com a Constituição da República que expressamente, no art. 150, §6˚, exige que haja lei específica, compreendida em sentido estrito formal, ou seja, aquela emanada do Poder Legislativo, o que se consubstancia na expressão da vontade popular. Ademais, é inerente ao nosso regime democrático delineado pela própria Carta de 1988. Destarte, o que se percebe são dois momentos distintos em que se deve analisar, quais sejam, convênios celebrados antes da entrada em vigor da citada emenda e os que depois desta data foram elaborados. Obviamente, aqueles convênios que foram celebrados antes da Emenda Constitucional n˚ 03/1993, tem seu método de incorporação na legislação estadual por decreto, conforme exigido pela Lei Complementar n˚ 24/1975. Em vertente contrária, os celebrados após a vigência da emenda devem ser incorporados por lei, com a participação das Assembleias Legislativas dos Estados e da Câmara Legislativa do Distrito Federal, nos termos do art. 150, §6˚ da Constituição de 1988. Ainda há de se fazer uma crítica no que se refere a forma de ratificação tácita dos convênios, caso seja esgotado o prazo de 15 dias concedidos para a devida incorporação à legislação local. Os convênios expressam exclusivamente a vontade do Poder Executivo dos entes da federação que nas reuniões do CONFAZ estão representados por seus agentes políticos, tais como os Secretários da Fazenda, de modo que não se pode admitir, de forma alguma, que a decisão por eles tomada não se submeta ao crivo popular. Em outras palavras, admitir que o convênio de per si possa “entrar em vigor” por simples omissão do Poder Executivo estadual ou do Legislativo (após a edição da Emenda Constitucional n˚ 03/1993) é uma terrível afronta ao princípio da legalidade tributária, eis que não se admite, nos termos constitucionais, tributação sem a devida representação democrática. Nesta mesma esteira, para fins de fortalecer a crítica ora desenhada, será citado um excelente voto proferido pelo Ministro Joaquim Barbosa no Recurso Extraordinário n˚ 539.130 “Chamou-me a atenção no debate a afirmação constante na ementa do acórdão recorrido da existência de norma local que permitiria a ratificação tácita dos convênios. É imprescindível resgatar a função que a regra da legalidade tem no sistema constitucional. Cabe ao Poder Legislativo autorizar a realização de despesas e a instituição de tributos, como expressão da vontade popular. Ainda que a autorização orçamentária para arrecadação de tributos não mais tenha vigência (“princípio da anualidade”), a regra da legalidade tributária estrita não admite tributação sem representação democrática. Por outro lado, a regra da legalidade é extensível à concessão de benefícios fiscais, nos termos do art. 150, § 6˚ da Constituição. Trata-se de salvaguarda à atividade legislativa, que poderia ser frustrada na hipótese de assunto de grande relevância ser tratado em texto de estatura ostensivamente menos relevante.”[18] É cediço que somente participam do CONFAZ representantes do Poder Executivo de cada ente federado, de modo que ao se admitir a ratificação tácita dos convênios, no atual cenário constitucional, seria permitir uma via oblíqua de retrocesso social aos tempos pretéritos à promulgação da Carta de 1988, cuja participação popular era ínfima. No mesmo voto o Ministro Joaquim Barbosa, continua a explanar, in verbis “Participam do Confaz apenas representantes do Poder Executivo (art.2˚, §2˚ do Regimento Confaz – Convênio ICMS 133/1997). Assim, admitir a ratificação tácita dos convênios, elaborados com a participação apenas de representantes do Poder Executivo, supõe ter-se por válida a própria concessão do benefício por ato oriundo apenas do Chefe do Poder Executivo”.[19] Ademais, o Supremo Tribunal Federal já rechaçou a tese de que não pode haver delegação do Legislativo ao Poder Executivo, tendo em vista que a outorga de qualquer isenção, crédito presumido, subsídio, redução de base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária, representa uma verdadeira transgressão ao postulado nuclear da separação dos poderes, bem como ofensa ao princípio da reserva constitucional de competência legislativa.[20] Ex positis, atualmente não se pode admitir que um convênio seja incorporado por decreto emanado do Poder Executivo a partir da vigência da Emenda Constitucional n˚03/1993, tendo em vista que em se tratando de qualquer benefício fiscal autorizado por convênio celebrado entre os Estados e o Distrito Federal, deve-se ter a integralização por lei específica emanada do Poder Legislativo de suas respectivas circunscrições. 4.5 DA INCONSTITUCIONALIDADE DOS DECRETOS EDITADOS APÓS A VIGÊNCIA DA EC 03/93 A mais atual jurisprudência da nossa Corte Suprema está tendenciosa a consolidar o entendimento no sentido de que após a edição da referida Emenda Constitucional n˚ 03/1993 é imprescindível a integralização do convênio pela legislação tributária de cada ente federado, após a devida ratificação dos convênios, condição sine qua non para validade. Nestes termos, assim dispôs o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n˚ 539.130: “Ratificado o convênio, cabe à legislação tributária de cada ente efetivamente conceder o benefício que foi autorizado nos termos de convênio”.[21] Deste modo, não se deve admitir em hipótese nenhuma que um determinado incentivo fiscal possa ser concedido ou suprimido por mero ato do Executivo consubstanciado num Decreto, ato normativo que não tem o condão de tocar em assuntos cuja Constituição da República, após a edição da referida Emenda Constitucional, reservou ao Poder Legislativo para dispor. Ademais, deve-se ficar muito claro que quando o art. 150, §6˚ traz o termo “sem prejuízo do art.155, §2˚, XII, “g”, nota-se que o dispositivo será aplicado sem prejuízo do outro, ou seja, sem substituição de preceitos, o que denota a necessária observância cumulativa de requisitos. O Poder Constituinte Reformador desejou claramente dar empenho a preceitos já delineados na Constituição, de modo que, em se tratando de ICMS, os Estados e o Distrito Federal além de serem obrigados a respeitar o princípio da legalidade tributária será imprescindível a submissão aos convênios celebrados no CONFAZ para fins de concessão de benefícios fiscais. Logo, não merece prosperar o argumento de que a ressalva contida ao término do parágrafo em comento excepciona o princípio da legalidade para o ICMS, muito pelo contrário, em se tratando deste imposto as regras devem ser combinadas e não absorvidas de modo a anular uma em detrimento da outra. Assim, a regra é clara: o ICMS se submete ao princípio da legalidade estrita, de modo que não se pode conceder qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, sem lei específica do ente tributante competente – assim compreendida a lei em sentido formal emanada do Poder Legislativo estadual –, porém, para que seja possível o exercício desta competência legislativa é imprescindível a existência de prévio convênio, devidamente aprovado pela unanimidade dos entes federativos, nos termos da lei complementar vigente. Nesta mesma senda, dispôs o Supremo Tribunal Federal, in verbis “DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS. NECESSIDADE DE CONVÊNIO PRÉVIO À EDIÇÃO DA LEI QUE VEICULA O FAVOR FISCAL. REQUISITO INDISPENSÁVEL À VALIDADE JURÍDICO- CONSTITUCIONAL DO BENEFÍCIO. IRRELEVÂNCIA DA DATA DE INÍCIO DA PRODUÇÃO DE EFEITOS PLENOS DA NORMA. 1. A concessão de benefícios fiscais concernentes ao imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS pressupõe a prévia elaboração de convênio entre os Estados e o Distrito Federal, consoante o disposto no artigo 155, § 2o, XII, g, da Constituição do Brasil. 2. A elaboração do convênio entre os entes federados deve preceder à edição da lei que conceda os benefícios fiscais, pouco importando em qual momento haverá a produção de efeitos plenos da norma. Isso porque a deliberação prévia dos Estados-membros e do Distrito Federal é requisito constitucional de validade do benefício, cuja inobservância acaba por inquiná-lo desde o nascedouro. Precedentes: ADI 1.247 – MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 08.09.95, e ADI 2.357-MC, Relator o Ministro Ilmar Galvão, DJ 07.11.03.”[22] Destarte, percebe-se que a deliberação prévia dos Estados-membros e do Distrito Federal é requisito constitucional de validade do benefício fiscal, de modo que a inobservância torna-o eivado desde o princípio, haja vista que a elaboração do convênio entre os entes federados deve preceder à edição da lei específica que conceda os benefícios fiscais. Trata-se, portanto, de uma autorização preliminar, ou melhor, uma limitação de competência legislativa, cuja Constituição claramente impôs requisitos a serem observados para fins de garantir a validade dos benefícios fiscais, que, concernente ao ICMS, não podem ser livremente dispostos pela legislação local, sem antes haver acordo firmado entre os entes da federação. O Supremo Tribunal Federal, nas palavras da Ministra Cármen Lúcia, a todo instante faz consignar seu posicionamento, no que tange à temática nos seguintes termos “[…] 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou-se no sentido de que a concessão de benefícios fiscais relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços pressupõe não somente a autorização por meio de convênio celebrado entre os Estados e o Distrito Federal, nos termos da Lei Complementar n. 24/75, mas também da edição de lei em sentido formal de cada um daqueles entes. […] 6. Dessa orientação jurisprudencial não divergiu o julgado recorrido.”[23] Nota-se que celebração dos convênios interestaduais constitui pressuposto essencial a válida concessão, pelos Estados e Distrito, de isenções, incentivos ou benefícios fiscais no que diz respeito ao ICMS. Esses convênios são instrumentos de exteriorização de vontade formal dos entes federados que detém a competência legislativa tributária para dispor do imposto, mas antes de a exercerem devem acordar com todos os Estados e o Distrito federal para que assim possam dispor, na legislação formal emanada do Poder Legislativo estadual, a concessão ou cassação de benefício fiscal de ICMS. Ademais, conforme a citada Ação Direta de Inconstitucionalidade n˚ 1.247/PA, é inerente ao pacto federativo, que visa cristalinamente garantir a harmonia das relações institucionais, evitando-se assim a chamada “guerra tributária”. Interesse anotar o caso paradigmático abaixo exposto, que trata do Convênio ICMS 91/1991, e a forma como foi incorporado à legislação do Estado do Rio Grande do Sul, in verbis “Note-se, portanto, que o Convênio ICMS 91/91 permitiu que os Estados em geral e o Rio Grande do Sul, em particular, isentassem aquelas operações da incidência do ICMS. No entanto, para que tal autorização se corporificasse, em concreta renúncia fiscal, era necessário ir além, para submeter o Convênio à apreciação da Assembléia Legislativa, como determinam a Constituição daquele Estado (arts. 53, XXIV, e 141) e a Lei Estadual de regência (Lei 8.820/89, art. 28, § 1º). […] Como se nota dos autos, o princípio da estrita legalidade consubstanciado no art. 150, § 6º, da Constituição Federal, ao contrário do que afirmado pela parte recorrente, está satisfeito à saciedade. Em primeiro lugar, constato a existência de ratificação do Convênio pelo órgão competente (no caso, o CONFAZ), em obediência ao previsto na LC 24/75. Em segundo lugar, tem-se presente a Lei Estadual 8.820/89, um ato jurídico-normativo concreto, específico. E, em terceiro lugar, o já referido Decreto Legislativo 6.591/92, norma que consolida e viabiliza a benesse fiscal em discussão.”[24] Portanto, conforme exposto neste tópico, são inconstitucionais, após a edição da Emenda Constitucional n˚ 03/1993, os Decretos emanados do Poder Executivo como forma de incorporação dos convênios de ICMS realizados no CONFAZ à legislação local, tendo em vista ser imprescindível a existência de lei em sentido formal dispondo sobre o que ficou determinado em acordo. 5. CONCLUSÃO Sob o fulcro de todo o exposto nos capítulos destinados à fundamentação jurídica deste trabalho, pode-se inferir que o objetivo é demonstrar com clareza a não recepção de trecho do disposto da Lei Complementar n˚ 24/1975 que trata da forma de incorporação dos convênios de ICMS à legislação de cada ente federado, não se podendo considerar como constitucional o Decreto emanado do Poder Executivo, tendo em vista que a Constitucional da República, após a edição da Emenda Constitucional n˚ 03/1993, reforçou o princípio da legalidade em matéria tributária. Deste modo, passou-se a exigir, como requisitos cumulativos, além da existência de convênio prévio como forma de validade do benefício fiscal e consequente exteriorização do consenso institucional entre os entes federados, a necessidade de lei em sentido formal. Denota-se do preceito acima consignado que o Poder Constituinte Reformador prestigia a participação popular, o que se pode concluir com nitidez a inadmissibilidade em nosso atual modelo constitucional de tributação sem a representatividade democrática. Por fim, são eivados de vício de inconstitucionalidade, após a edição da Emenda Constitucional n˚ 03/1993, os Decretos emanados do Poder Executivo como forma de incorporação dos convênios de ICMS à legislação dos entes federados, tendo em vista ser imprescindível a existência de lei em sentido formal emanada do Poder Legislativo dos Estados-membros e do Distrito Federal.
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Eficácia das sentenças procedentes proferidas em ações tributárias
O presente artigo objetiva analisar os efeitos das sentenças procedentes em matéria tributária. Analisa, primeiramente, as espécies de ações processuais e suas respectivas eficácias. Estuda sistematicamente as ações em matéria tributária e as relaciona respectivamente com a eficácia das sentenças procedentes nelas proferidas. Conclui-se com a ideia de que é necessário se ter certeza sobre a pretensão posta em juízo para que se chegue à decisão almejada.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Desde há muito, o Direito Tributário navega em mares revoltos nas mentes de juristas e não-juristas. Essa inquestionável inquietude vem dos tempos em que os tributos eram cobrados por Reis e Príncipes que não possuíam qualquer conhecimento científico[1], e permanece ainda hoje quase pela mesma razão. O Direito Tributário, tanto a Ciência como o direito posto[2], é motivo de constantes alterações, visto que trata exclusivamente da sanidade financeira do Estado. Por essa razão, torna-se extremamente difícil acompanhar suas modificações, vez que hoje pode haver a exigência de determinado tributo, não sendo mais amanhã do interesse estatal sua cobrança. Em inúmeras situações, as alterações tributárias acabam por ser mais velozes que as turbulências sociais, o que não deveria ocorrer. Ao tentar acompanhar a sociedade, no mais das vezes, o Direito Tributário peca, pois pretende inverter a lógica social chamando para si a responsabilidade de guiar as mudanças socio-financeiras, razão pela qual, nestas situações, tende a retornar ao passo anterior. O Direito Tributário deve acompanhar a mudança social, porém, muitas vezes ocorre de ser necessário seu recuo, porque foi aonde a sociedade ainda não chegou, ou até mesmo não chegará, por ser equivocado o caminho escolhido. Ou seja, o Direito Tributário, e o Direito como um todo, deve acompanhar as alterações sociais, não o contrário, as mudanças na sociedade seguirem o Direito Tributário, pois isso gera constantes alterações que tornam o Direito Tributário extremamente inseguro. Esses movimentos criam incertezas e provocam discussões que alcançam sua essência. Quer dizer, nesse sentido, o Direito Tributário não possui uma raiz fixa. Seus alicerces são constantemente questionados pelos mais experientes juristas, sempre em face de alterações sociais. Surge com isso um paradoxo incontornável. As estruturas do Direito Tributário são constantemente alvejadas por novas definições e diretrizes, criando-se uma sociedade instável financeiramente. Com a sociedade instável financeiramente, necessário sejam efetuadas alterações nas bases do Direito Tributário, o que gera mais insegurança, e assim por diante. Neste passo, salta evidente que essa constante turbulência no Direito Tributário reflete no Direito Processual Tributário, pois instrumento para alcance daquele. Esta balbúrdia científica reflete-se nas ações processuais tributárias, principalmente por meio de discussões acera dos efeitos das sentenças neles exaradas. Objeto constantemente alvo de calorosos debates, os conflitos gerados pelos efeitos irradiados nas sentenças proferidas em ações que envolvem, de algum modo, matéria tributária, são o espelho da relevância da matéria. Neste estudo, tentar-se-á debater estes constantes e quase incontornáveis conflitos processuais-trubutários, por meio da análise dos efeitos provenientes das sentenças prolatadas nas ações processuais tributárias. Para tanto, dividir-se-ão as considerações que seguem em duas partes. A primeira será dedicada ao processo em si, às eficácias das ações e das sentenças de um modo geral. Na segunda parte, serão analisadas as ações tributárias, tanto as exacionais como as antiexacionais, e os efeitos das sentenças procedentes nelas prolatadas. O foco deste estudo prevalecerá sobre as sentenças procedentes emanadas das ações processuais tributárias antiexacionais, as quais dominam a grande maioria dos debates procesuais-tributários. 1 QUESTÃO PROCESSUAL 1.1 AÇÕES PROCESSUAIS E SUAS EFICÁCIAS Durante muito tempo, preocupou-se com a classificação das ações processuais como se cada uma delas tivesse tão somente uma eficácia, ou seja, a declaratória apenas declarava, a condenatória apenas condenava, a constitutiva apenas constituía, sendo a sua classificação ternária a mais aceita. Com o aprofundamento dos estudos das eficácias da ações, o inesquecível mestre Pontes de Miranda desenhou, por meio da teoria quinária de classificação das ações processuais, o que hoje é, pode-se dizer, um dos apoios do Direito Processual Civil Brasileiro, mesmo caminho que servirá de norte para este estudo. O renomado mestre, em sua obra Tratado das Ações, analisou minuciosamente cada uma das ações e suas eficácias. Na referida obra, observou-se que cada ação não possui apenas uma eficácia como se pretendia até então. Pelo contrário, todas as ações possuem todas as eficácias, apresentando-se essas em maior ou menor grau de prevalência conforme exigir a pretensão do postulante[3]. Neste passo, aceita-se hoje a classificação das ações conforme sua eficácia preponderante, não se olvidando que as outras eficácias também nela estão contidas. Assim tem-se as Ações Declaratórias negativas ou positivas (ou Declarativas[4] como preferia o mestre) com eficácia preponderantemente declaratória, todavia com eficácias mandamental, constitutiva, condenatória e executiva; as Ações Constitutivas negativas ou positivas com maior relevância da eficácia constitutiva, porém abrangendo as eficácias declaratória, mandamental, executiva e condenatória; as Ações Condenatórias nas quais tem maior força a eficácia condenatória, mas que alberga também as eficácias declaratória, executiva, constitutiva e mandamental; as Ações Mandamentais onde a ordem, o mandamento, possui maior intensidade, contudo dela não fogem as eficácias declaratória, constitutiva, condenatória e executiva; e, por último, tem-se as Ações Executivas, com preponderância executiva, todavia também albergando as forças mandamental, declaratória, constitutiva e condenatória. Objetivando maior aproximação da matéria, passa-se à análise de cada uma das ações aqui trazidas e suas eficácias preponderantes e não preponderantes. 1.1.1. Ação Declaratória Aquele que demanda em juízo com ação declaratória deve utilizar-se deste instrumento processual para tornar claro se determinada relação jurídica existe, ou não[5]. Tal ação terá relevância na busca pela declaração do direito que emanará do Judiciário. Na ação declaratória, deverão ser afastadas quaisquer dúvidas em relação a enunciados fáticos, pois sempre o Poder Judiciário declarará, ao final do processo, se algo é ou não é. Esse o interesse de agir do demandado, que em realidade vai além da simples existência ou não de determinado direito, pois deverá haver a declaração desse direito[6], o que de fato se busca nesta ação.  Com a declaração almejada, de existência, ou não, de determinado direito, ter-se-á certeza e segurança. O interesse de agir está contido no interesse por uma decisão. A eficácia preponderante nestas ações é, por óbvio, a declarativa. Contudo, dependendo da declaração buscada por aquele que move o braço jurídico da máquina Estatal, haverá outras eficácias que terão peso maior ou menor. É evidente que este peso, esta força que reveste a pretensão do demandante, na ação judicial, é subjetiva e não há como valorar matematicamente as eficácias contidas nas ações como deseja o referido autor. Pode-se, sim, determinar a relevância de uma em relação à outra, o que é suficiente para compreender e escolher qual instrumento processual deve ser utilizado em cada situação. 1.1.2. Ação Constitutiva A ação constitutiva alcança a criação, a modificação ou a extinção de uma relação jurídica[7]. Pode constituir-se positivamente, ou seja, por meio da decisão exarada ao final do processo acrescenta-se algo à relação jurídica, ou pode constituir-se negativamente por meio da retirada ou modificação do que já existe. Esta constituição pode alcançar negócios jurídicos, atos jurídicos stricto sensu, atos-fatos jurídicos ou fatos jurídicos stricto sensu[8]. Normalmente se confundem as ações constitutivas com as declaratórias, pois a eficácia declaratória nas ações constitutivas de fato é elevada. No entanto, a preponderância nesta ação é a criação, modificação ou extinção de um direito e não a simples declaração do mesmo. Ao ajuizar ação constitutiva, o demandado está, em realidade, exercendo seu direito de optar, pois não necessariamente houve uma violação, uma ofensa a algum direito seu. Em razão do seu direito de optar, tem ele pretensão a ser exercida por meio de ação[9]. O que emanará do processo judicial, no caso de decisão favorável, será “elemento do suporte fático do exercício do direito formativo”[10]. Nesta senda, é por demais transparente que com a ação constitutiva estar-se-á criando, modificando ou extinguindo a relação jurídica. 1.1.3. Ação Condenatória Esta ação limita-se ao pedido de reparação de um dano causado por outro, sem que se exceda a ponto de forçar a execução. O causador do dano deve sofrer um dano correspondente, um cum, dam no, uma punição pelo que fez, ou seja, uma condenação. Normalmente, nas ações condenatórias, as eficácias com pesos também relevantes são a declaratória e a executiva. Por óbvio que a maior força provém da eficácia condenatória, objetivo desta ação processual[11]. Quem intenta tal ação pretende que o demandando cumpra uma obrigação de dar, fazer ou não fazer, com o objetivo de reparar o dano, obrigação que será declarada em sentença[12]. As eficácias declaratória e executiva são extremamente importantes nesta ação processual, visto que, após a declaração de violação de um direito, tem-se uma condenação correspondente que permitirá uma execução conseqüente. Sublinhe-se que os efeitos não se confundem. Na ação condenatória pretende-se a reparação de um dano causado por alguém, não apenas a declaração de que houve um dano ou violação a um direito, nem a efetiva execução de um direito. Esta ação, repisa-se, tem efeitos declaratório e executivo, porém não tem força declaratória nem executiva. Nesta mesma linha ensina Francesco Carnelutti, que: “É certo que o processo de condenação se encontra mais próximo ao processo executivo que ao processo de acertamento, e também que, em determinado sentido, o prepara; mas essa conexão consiste apenas em que a execução é aplicação da responsabilidade, e esta, por sua vez, vem declarada exatamente na condenação.”[13] A ação condenatória permitirá que haja uma execução, ela própria não tem força executiva para fazer cumprir o que nela foi posto, ou seja, que o demandando deve sofrer um dano correspondente ao que causou ao demandante.[14] 1.1.4. Ação Mandamental No caso de ser intentada ação mandamental, necessariamente estar-se-á almejando ordem, mandamento a ser exarado pelo juiz. Único objetivo desta ação, a determinação a ser cumprida por quem é demandado vem evidente na sentença. Esta ação processual está diretamente vinculada aos atos que o juiz, ou quem ele autorizar, manda sejam realizados. O demandante justamente busca o mandamento judicial, a designação, a ordem emanada do Poder Judiciário para que o demandando faça ou deixe de fazer algo. Pontes de Miranda trona transparente os objetivos desta ação processual quando afirma que: “Alude-se, no étimo, à mão, à manus, e a semelhantes palavras de outras velhas línguas. Porque quase só se trabalhava com a mão, formou-se o Mann, o homem, em tantas zonas do mundo. Com a mão, aponta-se, mas o mandamento refere-se ao movimento da mão e à premência de obedecer.”[15] A análise das informações trazidas ao conhecimento do juiz permite-lhe expedir ordem a ser imediatamente cumprida, pois considera, desde então, evidentemente acertada sua decisão. Juntamente com a eficácia mandamental, preponderante nas ações mandamentais, vem, normalmente, todavia com força inferior, a eficácia declaratória. As outras eficácias aparecem em momentos posteriores. 1.1.5. Ação Executiva No momento em que não se tem mais a intenção de debater juridicamente a pretensão, porém a mesma resta insatisfeita, faz-se necessária a efetivação do mandato por meio da ação executiva. No caso da ação executiva fundada em título judicial, o processo executivo visa o cumprimento de determinação judicial, por parte do demandado, seja por meio voluntário ou forçado. Não há mais discussão de quem possui razão, mas, sim, existe aquele que quer receber o que tem direito, já declarado em sentença, e o outro que não quer dar[16]. Neste caso, a sentença não basta para que se cumpra o quanto nela mesmo determinado, faz-se necessário o ajuizamento de ação executiva com o objetivo de fazer-se cumprir tal determinação. Nas situações que envolvem títulos extrajudiciais, a execução é meio pelo qual o direito nele presente seja levado a efeito, em razão do descumprimento de um dever por parte do demandado. A ação executiva tem força de execução, não apenas efeito executivo. Desta ação o demandante espera a execução de seu direito, e não a autorização para que possa executar seu direito. A sentença proferida nesta Ação efetivamente executa, não é apenas executável, pois vai aonde a sentença executável não pode chegar. A execução de sentença é bom exemplo para a compreensão desta ação processual. Lá tem-se a ação processual que leva a efeito a pretensão de executar. 1.2. EFICÁCIA DAS SENTENÇAS Até o momento, tratou-se dos tipos de ações processuais (divisão quinária) consoante a eficácia que domina a pretensão de quem delas se utiliza. Pois bem, doravante serão traçadas linhas correspondentes às decisões judiciais que emanam daquelas ações processuais, seus efeitos preponderantes e aqueles que não são tão fortes, todavia não por isso serão considerados dispensáveis. Importante sublinhar que as sentenças aqui estudadas serão as de procedência. Antes de adentrar-se no tema a ser desenvolvido neste tópico, cabe uma breve reflexão acerca do que se almeja ao ajuizar uma ação e do que representa uma sentença. Para se traçar uma sólida linha de raciocínio no que diz da representação de uma sentença para as partes diretamente envolvidas no processo, bem como em relação a terceiros, nada mais cristalino e inquestionável do que as palavras de Eurico Tullio Liebman: “A sentença, como ato autoritativo ditado por um órgão do estado, reivindica naturalmente, perante todos, seu ofício de formular qual seja o comando concreto da lei ou, mais genericamente, a vontade do Estado, para um caso determinado. As partes, como sujeitos da relação a que se refere a decisão, são certamente as primeiras que sofrem a sua eficácia, mas não há motivo que exima os terceiros de sofre-la igualmente. Uma vez que o juiz é órgão ao qual atribui o Estado o mister de fazer atuar a vontade da lei no caso concreto, apresenta-se a sua sentença como eficaz exercício dessa função perante todo o ordenamento jurídico e a todos os sujeitos que nele operam. Certamente, muitos terceiros permanecem indiferentes em face da sentença que decidiu somente a relação que em concreto foi submetida ao exame do juiz; mas todos, sem distinção, se encontram potencialmente em pé de igualdade de sujeição a respeito dos efeitos da sentença, efeitos que se produzirão efetivamente para todos aqueles cuja posição jurídica tenha qualquer conexão com o objeto do processo, porque para todos contém a decisão a atuação da vontade da lei no caso concreto.”[17] 1.2.1. Eficácia da Sentença na Ação Declaratória Consoante já afirmado, a ação declaratória objetiva tornar claro se determinada relação jurídica existe, ou não. Portanto, a sentença proferida naquela ação processual tem como objeto declarar a existência ou não da relação jurídica posta ao crivo do Judiciário. O que ocorre nesta sentença, é que o demandante não quer nada mais do juiz do que a declaração de algum direito, sem exigir uma ação efetiva. Esta sentença gera efeitos sempre positivos ou para o demandante ou para o demandado, ou seja, declara-se existente a relação jurídica que entende o demandante como inexistente (improcedência da ação), isto importa afirmar que razão assiste ao demandado. Ao contrário, se com a mesma pretensão posta na inicial declara-se a inexistência da relação jurídica (precedência da ação), pode-se afirmar que razão assiste ao demandante. Assim como nas ações, as eficácias sentenciais fazem-se presentes em todas as sentenças, porém com graus variados. Nas sentenças ora tratadas, a força declaratória é mais evidente que as outras, porém há de se encontrar também, em ordem variável, as eficácias constitutiva, condenatória, mandamental e executiva. Estas sentenças, não obstante entenderem-se por lei entre os litigantes, não têm capacidade de edificar nova situação jurídica (constitutivas) ou obrigação (condenatória), nem tampouco permite qualquer constrição (executivas) ou emite ordem para que algo seja feito (mandamentais).[18] A declaração em sentença não necessariamente pressupõe outras eficácias, porém supõe todas elas.[19] 1.2.3. Eficácia da Sentença na Ação Constitutiva Afirmou-se, alhures, que as ações constitutivas têm por objeto a criação, a modificação ou a extinção de uma determinada relação jurídica. Por desencadeamento lógico de raciocínio, a sentença proferida nessa espécie de ação processual deverá conter comando que determinará a criação, a modificação ou a extinção da relação jurídica posta em questionamento. A constituição, positiva ou negativa, de um direito pressupõe uma declaração que colocará bordas no alcance da criação, modificação ou extinção daquele direito. Esses limites são de suma importância, vez que sem eles poder-se-á criar, modificar ou extinguir direitos que vão além ou aquém do quanto pretendido pelo autor da demanda. Os efeitos da sentença constitutiva têm a capacidade de fazer nascer um estado jurídico até então inexistente.[20]  Por esta razão seus efeitos retroagem no tempo, pois a criação daquele instante (prolatação) interfere diretamente no que já havia. A exemplo do que ocorre na sentença declaratória, nesta, a eficácia com maior peso, a força que sobressai é a constitutiva, fazendo-se igualmente presentes as eficácias declaratória, condenatória, mandamental e executiva, em maior ou menor grau dependendo da situação apresentada. 1.2.4. Eficácia da Sentença na Ação Condenatória Afirmando-se que a ação condenatória busca a reparação de um dano sofrido por alguém por meio de determinação judicial de um dano correspondente a quem foi o causador daquele primeiro, a sentença exarada nesta ação terá esta tarefa como objetivo. A sentença condenatória, diz-se, vai além da declaração e da constituição, pois declara que de fato houve o dano e o reprova como conduta, determinando-se, a quem o cometeu, que sofra pelo que fez (condenação), constituindo-se, então, uma nova situação jurídica. Esta espécie de sentença impõe a quem ela é dirigida o cumprimento de uma obrigação de dar, fazer ou não fazer. Também na linha das espécies de sentença anteriormente trazidas, as sentenças condenatórias têm na eficácia condenatória sua preponderância, albergando, ainda, em sua raiz, as forças declaratória, constitutiva, mandamental e executiva, que respeitarão a espécie para hierarquizar sua importância. 1.2.5. Eficácia da Sentença na Ação Mandamental Não destoando à regra, pois as sentenças até aqui apresentadas têm como força predominante a mesma das ações processuais que lhes deram origem, as sentenças proferidas nas ações mandamentais contém, em sua essência, um mandamento, uma ordem à determinada pessoa, o que também prevê a ação judicial com esta força preponderante. Com base nos argumentos e provas trazidos ao processo pelo demandante, o juiz terá segurança para emitir ordem a ser cumprida imediatamente por alguém. Não estará ele substituindo a vontade da parte, todavia mandando seja determinada conduta observada. Para se obter tal mandamento, em sentença, pressupõe-se a declaração e a constituição, supondo-se a condenação. Como as anteriores, a sentença mandamental, tem força prevalente na ordem, todavia dela não se encontram ausentes as eficácias declaratória, constitutiva, condenatória e executiva. 1.2.6. Eficácia da Sentença na Ação Executiva Na sentença executiva, emanada de feito executivo, ocorre que a pretensão à execução vem desde o início da ação, e é alcançada com a prolatação de sentença. Esta sentença retira valor pertencente ao patrimônio do demandado e o coloca no patrimônio do demandante, de modo a restituí-lo ou extraí-lo simplesmente.[21] As sentenças cognitivas buscam substituir a manifestação de vontade negada pelo demandado (em declarar, constituir ou condenar), porém as executivas realizam, no mundo dos fatos, uma alteração que tomará lugar da atividade ou conduta negada pelo demandado.[22] 2. QUESTÃO TRIBUTÁRIA 2.1. AÇÕES TRIBUTÁRIAS A partir deste ponto dar-se-ão os primeiros passos no tema propriamente tido como objeto deste estudo, qual seja, a eficácia das sentenças proferidas em ações tributárias. Para tanto, analisar-se-ão todas as ações tributárias. Este item será desenvolvido da seguinte forma. Primeiramente serão traçadas linhas sobre as ações exacionais, ou seja, as ações promovidas pelo Estado. Em um segundo momento, serão apresentadas as ações antiexacionais, de promoção do contribuinte. Por fim, serão estudadas as ações mistas, de promoção e/ou interesse de ambos. 2.1.1. Ações Exacionais Como dito, pode-se classificar as ações tributárias em três grupos, as ações de iniciativa do Fisco, nas quais se protege o interesse arrecadatório, chamadas de ações exacionais, as que são movidas pela vontade do contribuinte onde apenas ele figura no pólo ativo da demanda, e as ações que ambos podem promover afim de alcançar certeza. Para facilitar o desenvolvimento do raciocínio doravante apresentado, os Embargos à Execução Fiscal e a Exceção de Pré-Executividade estão colocadas no item que segue, pois são meios de defesa contra a Execução Fiscal, não obstante pertencerem àquelas ações de iniciativa do contribuinte. 2.1.1.1.Execução Fiscal A Execução Fiscal é ato judicial promovido pela Fazenda Pública, embasada em título extrajudicial que é a Certidão de Dívida Ativa. Com previsão legal apartada da execução prevista no Código de Processo Civil, porém nem por isso dela dissociada, pois aplica-se-lhe modo subsidiário, a Execução Fiscal tem seus limites desenhados na Lei nº 6.830/80, a fim de que possa tramitar com prerrogativas à Fazenda Pública, prestigiando-se o interesse Público. A CDA que alicerça a Execução Fiscal é reflexo da presunção de legitimidade que envolve os atos do Poder Público[23], pois é título executivo extrajudicial de criação unilateral, sem qualquer manifestação do contribuinte/devedor. O que se pretende com propositura da Execução Fiscal é o imediato pagamento do débito, sob pena de se penhorar bens do devedor suficientes para garantir a dívida e os concectários legais, ou seja, tem-se uma ação executiva própria. A Execução Fiscal, não obstante garantir o interesse do credor, necessariamente deve garantir o direito de defesa do contribuinte/devedor[24], e isto é feito por meio dos Embargos à Execução Fiscal ou da Exceção de Pré-Executividade, ações sobre as quais se passa a discorrer. 2.1.1.2.Embargos à Execução Fiscal Como já trazido no item precedente, os Embargos à Execução Fiscal são o meio adequado à defesa do devedor/contribuinte, e constituem-se numa ação autônoma. Uma vez opostos os Embargos, no despacho citatório da Fazenda Pública determinar-se-á a suspensão do feito executivo, cabendo a discussão acerca da matéria executada exclusivamente nesta ação. Por óbvio que incidentes como a falta de suficiente garantia ou a substituição do bem penhorado ocorrerão ainda, e independentemente, na Execução Fiscal. Em realidade o que se suspende é a cobrança judicial. Enquanto não houver resolução nos Embargos, o feito executivo está impedido de retomar seu objeto. Os Embargos à Execução Fiscal constituem-se no pleno exercício da ampla defesa e do contraditório, e visam a desconstituição do título executivo extrajudicial. Portanto, pode-se considerar esta ação como constitutiva negativa. 2.1.1.3. Exceção de Pré-Executividade Este outro meio de defesa do devedor/contribuinte contra a Execução Fiscal, criado pela jurisprudência nos casos em que há vício no executivo fiscal. A grande vantagem para utilização pelo devedor/contribuinte deste meio de defesa é a inexigência de garantia, como ocorre nos Embargos à Execução. Para se apresentar a Exceção de Pré-Executividade não é necessário o oferecimento de bem que cubra o valor da dívida somado aos concectários legais. Por não haver delimitação legal para esta figura processual, e mesmo sendo pacífica sua existência e utilização, a jurisprudência ainda é nublada quanto aos casos específicos que permitem o devedor/contribuinte dela lançar mão. Tendo o mesmo objetivo dos Embargos, qual seja, a desconstituição do título executivo, neste caso em razão da existência de algum vício, a Exceção de Pré-Executividade é ação constitutiva negativa. 2.1.1.4. Ação Cautelar Fiscal À semelhança de qualquer medida cautelar, a Ação Cautelar Fiscal, ou Medida Cautelar Fiscal, tem por escopo garantir a efetivação do direito discutido, ou seja, é meio preventivo que visa evitar que o devedor/contribuinte deixe ou tente deixar de pagar o débito com a venda ou ocultação de seu patrimônio.[25] A legislação permite à Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio desta medida judicial, obter a indisponibilidade dos bens do devedor, seja ele pessoa jurídica ou pessoa física. Nesta senda, este caminho processual tem cunho preponderantemente executivo, pois quem dele se utiliza nitidamente objetiva uma execução, uma alteração na propriedade dos bens de alguém. Esta Ação tem força suficiente para interferir de modo efetivo no patrimônio do devedor/contribuinte. 2.1.2. Ações Antiexacionais Consoante já aduzido, as ações antiexacionais são movidas pelo interesse do contribuinte, o qual figura como pólo ativo nas relações processuais que seguem. 2.1.2.1. Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Material Na ceara tributária, a ação declaratória é a que visa o pronunciamento do Poder Judiciário acerca da existência, ou não, de relação jurídica que obrigue o contribuinte a pagar determinado tributo ou recolher tributo nos exatos termos que lhe está sendo exigido. De fácil percepção, por ser declaratória, esta ação previne litígios mediante o aclaramento da relação jurídica posta em dúvida[26], visa eliminar o estado de incerteza que se faz presente na exigência daquele tributo. Não cabe o manejo desta via processual para declaração do direito em tese, pois necessária a configuração de um situação fática a ser apreciada pelo julgador. 2.1.2.2. Ação Anulatória de Débito Nesta via processual, o demandante objetiva a desconstituição (modificação ou extinção) de determinado ato administrativo que lhe impõe o recolhimento de tributo e/ou de penalidade. Como afirmado alhures, esta ação pressupõe a existência de uma relação jurídica, ou seja, uma relação jurídica já constituída, para que a mesma possa ser modificada ou extinta por meio de uma constituição negativa. Normalmente, propõe-se esta ação para anular um lançamento tributário, porém a simples escolha deste caminho processual não impede o Fisco de promover uma Execução Fiscal. Para que isso não ocorra, deve aquele que propôs a ação anulatória depositar o montante integral do valor que lhe está sendo exigido pelo lançamento, ou obter de uma decisão liminar. Pode-se, ainda, lançar mão desta espécie de ação tributária com o objetivo de anular uma decisão administrativa desfavorável ao contribuinte. Difere-se a ação anulatória da ação declaratória negativa, principalmente porque essa pretende alcançar a segurança, acabar com a incerteza da inexistência da relação jurídica, enquanto aquela, certa da existência da relação jurídica, visa anulá-la. 2.1.2.3. Ação de Repetição de Indébito A repetição de indébito tem por objetivo pedir de volta o que foi pago a maior ou indevidamente. Cabe ressaltar que nos limites deste estudo trata-se do assunto apenas na ceara judicial, bem como não cabe aqui discutir se esse valor é indébito tributário ou não. Aquele que demanda com ação de repetição de indébito quer receber a devolução do que pagou e não necessitava fazê-lo. O fundamento para sua pretensão é o erro material ou formal que gerou aquele recolhimento, a possibilidade de anular-se o auto de infração ou o próprio lançamento, ou, também, ilegalidade ou inconstitucionalidade da norma que fundamentou o recolhimento da quantia que se quer devolvida.[27] A repetição importa em determinar um dano correspondente ao dano causado, ou seja, por ter o Fisco causado dano ao contribuinte ao exigir ou simplesmente permitir o recolhimento indevido ou a maior de determinado tributo, deve ser condenado a restituir aquilo que não lhe pertence. 2.1.2.4. Mandado de Segurança Com a impetração de um Mandado de Segurança o impetrante busca a garantia de que seu direito não será alvo de abusos do Poder Público, sejam ele iminentes (mandado de segurança preventivo) ou já configurados (mandado de segurança repressivo). Neste passo, tem-se que uma ordem, um mandamento deverá ser expedido pelo Poder Judiciário para que a autoridade coatora deixe de praticar aquele ato que já havia materializado-se, ou que não o venha a praticá-lo. Esta ordem somente deverá ser emitida se o direito do impetrante for líquido e certo. É meio extremamente célere para se questionar a validade da relação jurídico-tributária, esteja ela envolvendo créditos tributários, o questionamento de lançamentos indevidamente constituídos, a pretensão de desconstituição de penalidades, o requerimento de expedição de certidão de regularidade fiscal, a autorização para impressão de documentos fiscais, etc.[28] 2.1.2.5. Ações Cautelares Preparatória e Antecipatória dos Efeitos da Penhora em Execução Fiscal Da mesma forma do quanto afirmado na Cautelar Fiscal, as Ações Cautelares Preparatória e Antecipatória dos Efeitos da Penhora em Execução Fiscal visam garantir a efetivação do direito discutido, afastando possíveis ameaças. A primeira, Cautelar Preparatória, no caso específico para o estudo aqui desenvolvido, objetiva a garantia de que o direito a ser discutido em ação ordinária, posteriormente, será da melhor forma alcançado. São aquelas previstas no Código de Processo Civil, dentre as quais inúmeras lá elencadas podem ser utilizadas por contribuinte que pretende discutir, pela via ordinária, determinada exigência tributária. Já a segunda é mais específica. Tem o mesmo fim da primeira, porém é utilizada nos casos específicos em que o contribuinte, necessitando de Certidão de Regularidade Fiscal, não a obtém por haver inscrição em dívida ativa. Naquele espaço temporal no qual o contribuinte é considerado devedor, todavia não há o ajuizamento de Execução Fiscal por parte da Fazenda Pública, ou seja, está impedido de exercer seu direito de defesa, a Cautelar Antecipatória dos Efeitos da Penhora em Execução Fiscal vem para permitir que o contribuinte ofereça uma garantia antes mesmo do executivo fiscal estar tramitando, porém com os efeitos daí decorrentes, podendo assim obter sua Certidão. Posteriormente, com a propositura da Ação por parte do Fisco, apenas faltará a lavratura do termo de penhora, nos autos, para que se inicie o prazo para oposição de Embargos ou Exceção. Ambas têm predominância executiva. A eficácia preponderante é a executiva, pois desde sua propositura pretende o demandante seja determinado um ato de execução a fim de que seu direito esteja garantido. 2.1.3. Ações Mistas Até o momento foram apresentadas, modo sintético, as ações de iniciativa exclusiva da Fazenda Pública e do contribuinte. Doravante discorrer-se-á acerca das ações nas quais ambos têm legitimidade para sua propositura. 2.1.3.1. Ação Rescisória Esta Ação, meio evidentemente excepcional no ordenamento jurídico nacional, objetiva desconstituir a sentença transitada em julgado. Diz-se meio excepcional tendo em vista que um dos principais alicerces do sistema vigente é a segurança jurídica, que nesta ação é atacado diretamente. Nos dizeres de Pontes de Miranda, “Na ação rescisória há julgamento de julgamento. É, pois, processo sobre outro processo. Nela, e por ela, não se examina o direito de alguém, mas a sentença passada em julgado, a prestação jurisdicional, não apenas apresentada (seria recurso), mas já entregue.”[29]. Por certo que, para a interposição desta ação, o Código de Processo Civil elenca casos específicos, os quais autoriza sejam rescindidos. Esta previsão legal é taxativa, não cabendo ao interprete ampliá-la, sob pena de desmoronamento de todo sistema jurídico, vez que se estaria retirando o seu apoio mais importante, a segurança jurídica. 2.1.3.2. Mandado de Segurança Coletivo Esta via processual pretende a proteção de direitos metaindividuais, relacionados a determinada classe ou categoria, não possuindo condições de serem exercitados individualmente.[30] Por óbvio, o mandado de segurança coletivo tem a mesma eficácia mandamental que possui o individual, a diferença estará nos efeitos da sentença, que serão analisados oportunamente. 2.1.3.3. Ação Civil Pública Não obstante a jurisprudência pátria não esteja aceitando esta Ação como meio processual adequado à defesa de interesses tributários dos contribuintes, uma vez que, segundo ela, seriam esses individuais e homogêneos, a própria legislação de regência (Lei nº 7.347/85, art. 1º. IV) prevê a defesa, por parte do Ministério Publico, de qualquer outro interesse difuso ou coletivo, onde enquadram-se os eventuais prejuízos causados pela atividade exacional da Fazenda Pública. É uma Ação de cunho condenatório ou mandamental, dependendo da pretensão do demandante, pois na dicção do artigo 3º da referida Lei “A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.” Pretendendo a reparação do dando causado pelo demandado, esta ação terá eficácia preponderantemente condenatória. Porém, intencionando a expedição de ordem para fazer ou não fazer, neste meio processual destacar-se-á a força mandamental. 2.1.3.4. Ação Popular Aparentemente esta Ação somente pode ser entendida como antiexacional, uma vez que somente o cidadão é parte legítima para intentá-la. Ocorre, contudo, que em determinados casos o resultado pretendido é tipicamente exacional. Veja-se, por exemplo, a situação descrita pelo ilustre doutrinador James Marins: “Pode, por exemplo, ser classificada como ação exacional quando contemple a curiosa hipótese em que o contribuinte age contra o Poder Público colimando compeli-lo a tributar. Veja-se que neste caso apesar de figurar no pólo passivo pessoa física, o objeto final da ação popular é a atividade exacional.”[31] Outra peculiar situação ocorre com esta Ação. A Lei que a instituiu (nº 4.717/65) prevê que “Qualquer cidadão será parte legitima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade….”. Como se depreende pela dicção do artigo 1º da Lei que regula a Ação Popular, há duas espécies de ação. A primeira tem por escopo a anulação de ato lesivo ao patrimônio público, ou seja, é ação com força constitutiva negativa. A segunda busca apenas uma declaração de nulidade, por conseguinte, nela prepondera a eficácia declaratória negativa. Como se percebe, pois, a eficácia preponderante na Ação Popular dependerá da pretensão ventilada pelo demandante, se efetivamente anular um ato ou se apenas declarar nulo aquele ato. 2.1.3.5. Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Inconstitucionalidade Estas ações, ambas com previsão constitucional para debater a constitucionalidade, ou não, da norma objeto da ação, basicamente têm as seguintes características: (i) são de competência originário do STF, (ii) têm legitimidade para figurar no polo ativo aqueles elencados no texto constitucional e na legislação específica, (iii) realizam a fiscalização em abstrato de leis e atos normativos (controle concentrado) e (iv) emanam efeitos erga omnes.[32] Mantendo-se enxutas as palavras até aqui despendidas, pode-se dizer, simplesmente, que o que realmente interessa dizer destas ações, neste subitem, é que ambas tem eficácia preponderantemente declaratória, seja para declarar a constitucionalidade de lei ou ato normativo, seja para declarar sua inconstitucionalidade. 2.1.3.6. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Não obstante ser pouco utilizado, este meio processual é eficaz para todos os ramos do direito, inclusive para o direito tributário. Os mesmos legitimados para proporem ADIN, têm a capacidade para a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, apresentada perante o Supremo Tribunal Federal, a fim de: “evitar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público; para reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público e quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.”[33] Poderá ser preventiva ou repressiva. Essa com efeito condenatório objetivando reparar lesões a princípios, direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, aquela com força declaratória buscando evita-las. 2.2. EFICÁCIAS DAS SENTENÇAS NAS AÇÕES TRIBUTÁRIAS Este o tópico fulcral do estudo ora apresentado. A partir deste momento serão desenvolvidas idéias em relação aos efeitos que emanam das sentenças proferidas em ações tributárias. O tema possui evidente relevância no cenário jurídico, vez que a depender dos efeitos dessas sentenças estão as ações (ato do humano) a serem praticadas pelas partes em momento posterior ao seu trânsito em julgado. Seria extremamente superficial uma análise dos efeitos da sentença sem falar-se em coisa julgada que, segundo leciona Hugo de Brito Machado é “A imutabilidade dos efeitos da sentença ou a da própria sentença que decorre de estarem esgotados os recursos eventualmente cabíveis.” Nítido está, nessa definição, que a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas uma qualidade sua ou dos efeitos de si irradiados. Esta qualidade pode ser formal ou material. A primeira está diretamente relacionada com o exaurimento de recursos cabíveis no processo, sendo definitiva para aquela situação específica. Seus limites são os do processo no qual foi prolatada. A segunda diz com a constância da sentença de mérito, não apenas no processo do qual faz parte, todavia, extrapolando o mesmo, lança seus efeitos para impedir novas demandas coincidentes.[34] Nesta linha, tem-se que os efeitos que serão doravante analisados tornam-se constantes a partir do momento no qual está configurada a coisa julgada. Não se adentrará, nas linhas que seguem, em maiores aprofundamentos acerca da coisa julgada, pois não é este o escopo do trabalho. O que realmente interessa, neste momento, é que os efeitos decorrentes das sentenças proferidas em ações tributárias são inalteráveis quando revestidos pelo manto da coisa julgada. 2.2.1. Eficácia da Sentença Proferida nas Ações Exacionais 2.2.1.1. Eficácia da Sentença Proferida na Execução Fiscal A sentença proferida em Execução Fiscal deve atender ao requerimento posto na inicial, qual seja, executar, retirar valor pertencente ao patrimônio do executado e transferi-lo ao patrimônio do exeqüente, pois almeja a Fazenda Pública o imediato pagamento do débito.  Resta evidente a percepção de que não há mérito, não existe discussão de direito material no feito executivo, não podendo, portanto, fazer parte da sentença proferida em Execução Fiscal. Neste passo, a sentença ora tratada tem força executiva preponderante, a qual determinará uma alteração substancial no plano dos fatos. Esta força, evidentemente, está revestida da coisa julgada formal, pois, como dito, não houve qualquer análise meritória que ensejasse a impossibilidade de rediscussão do direito sobre o qual se alicerça a pretensão estatal. Este o limite da sentença aqui exarada, seu efeito de retirar valores do contribuinte a fim de satisfazer a pretensão da Fazenda, revestido pela coisa julgada formal, permanece adstrito ao feito, podendo e devendo, se a espécie assim o exigir, o Fisco propor nova ação visando o pagamento de seu crédito. Há a situação, também, na qual o contribuinte, compelido a pagar o suposto débito, resolve saudá-lo. Decorrido determinado tempo, e respeitado o prazo legal, o mesmo contribuinte passa a ter conhecimento que o valor que pagou não era devido por alguma razão que ora desimporta, porém não exerceu seu direito de defesa por meio de Embargos à Execução Fiscal. Nesta situação, em razão do efeito executivo da sentença proferida em Execução Fiscal estar coberto pela coisa julgada formal apenas, poderá propor Ação de Repetição de Indébito, na qual se objetivará a condenação da Fazenda Pública a restituir o valor pago indevidamente pelo demandante. 2.2.1.2. Eficácia da Sentença Proferida nos Embargos à Execução Fiscal Esta Ação, Embargos à Execução Fiscal, é o principal meio pelo qual o contribuinte exerce seu direito de defesa contra ato judicial promovido pela Fazenda Pública, no qual serão debatidas questões de direito material. Objetiva-se efetivamente com a oposição dos Embargos a desconstituição do título executivo extrajudicial (CND) sobre o qual se apoia a Execução Fiscal. Tecnicamente a desconstituição do título executivo extrajudicial é conseqüência do requerimento de procedência dos Embargos, não é pedido principal dessa ação, pois aqui debate-se o direito material, o mérito da questão que será declarado pelo julgador. Uma vez declarado que razão assiste ao embargante, por conseqüência lógica, desconstitui-se o título sobre o qual se finca a pretensão fazendária. Assim sendo, evidente que a sentença proferida nos Embargos à Execução Fiscal tem cunho constitutivo negativo, e sendo nela apreciado o mérito da questão posta ao crivo do Poder Judiciário, a torna uma decisão acobertada pela coisa julgada material. 2.2.1.3. Eficácia da Sentença Proferida na Exceção de Pré-Executividade Caminho jurisprudencialmente alternativo para o contribuinte exercer seu direito de defesa é a Exceção de Pré-Executividade. Este exercício de ampla defesa e contraditório é posto em prática nas situações em que o executivo fiscal encontra-se viciado, seja em relação ao título executivo extrajudicial, seja no que diz da própria Execução Fiscal. Assim como os Embargos à Execução Fiscal, a Exceção de Pré-Executividade busca a desconstituição do título executivo extrajudicial, porém, neste caso, não é apreciado o mérito da questão, pois o que se objetiva é demonstrar o vício existente na Execução Fiscal, ou no título que a aparelha. Deste modo, a sentença que é proferida na ação ora tratada tem força de constituição negativa, todavia não é protegida pela coisa julgada material, apenas pela formal, o que permite, havendo possibilidade (evitando-se prescrição, decadência…), o ajuizamento de novo executivo fiscal. É evidente que se procedente esta Exceção em razão de reconhecimento de perempção, litispendência ou coisa julgada material, o feito que almeja executar o suposto crédito da Fazenda Pública não poderá ser renovado. 2.2.1.4. Eficácia da Sentença Proferida na Ação Cautelar Fiscal Tendo esta ação o objetivo de impedir que o devedor venda ou oculte seu patrimônio a fim de que não tenha condições de cumprir com sua obrigação, a indisponibilidade de seu patrimônio será a única declaração exigível na procedência desta ação. Como resta de fácil percepção, a sentença exarada na Ação Cautelar Fiscal tem efeito nitidamente executivo, não tendo essa a qualidade de coisa julgada material, pois indiscutido qualquer direito material. 2.2.2. Eficácia da Sentença Proferida na Ações Antiexacionais 2.2.2.1. Eficácia da Sentença Proferida na Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídico-Material Consoante já trazido ao conhecimento, esta Ação Declaratória objetiva o pronunciamento do Judiciário no sentido de afirmar ou negar a existência de relação jurídico-material que obrigue o demandante a recolher determinado tributo em determinadas condições. A sentença aqui exarada tem como efeito predominante o aclaramento da relação jurídica posta em dúvida, e é protegida pelo muro da coisa julgada material, uma vez que há o debate meritório da questão. Decidida favoravelmente ao contribuinte esta ação, a declaração emanada permite ao demandante agir em conformidade com o quanto declarado. Em contra partida, o Fisco deverá aceitar este agir do demandante, praticando um ato omissivo. Querer mais que a declaração, exige do demandante a propositura de nova ação. Cabe referir, ainda, que a propositura desta ação não interrompe prazo prescricional, no caso de intencionar o autor repetir valor por ele recolhido e que, em razão desta declaração, teve ciência que não era obrigado. 2.2.2.2. Eficácia da Sentença Proferida na Ação Anulatória Esta uma das ações que alcança situação posterior a da declaração, pois busca modificar ou extinguir (desconstituição) determinado ato que está compelindo ao demandante o recolhimento de determinado tributo e/ou penalidade. Em realidade, a sentença proferida nesta ação terá, em um primeiro momento, a declaração, a certeza da relação jurídica, para, posteriormente, constituir negativamente, ou seja, extinguir ou modificar aquela relação. Esta decisão também está segura pelo manto da coisa julgada material, não podendo ser modificada. Situação rara, porém viável, é o ajuizamento desta ação no caso de o demandante perder o prazo para oposição dos Embargos à Execução Fiscal. Poderá ele debater o mérito da questão posta no executivo fiscal, todavia para que seja suspensa a exigibilidade do crédito executivo, terá que proceder ao depósito do montante integral discutido, ou obtiver o deferimento liminar. 2.2.2.3. Eficácia da Sentença Proferida na Ação de Repetição de Indébito Este meio processual é utilizado nas situações em que o contribuinte entende que recolheu aos cofres públicos valores que não eram devidos, seja por que razão for. Esta repetição importa em uma condenação da Fazenda Pública, vez que essa causou um dano ao demandante. A sentença proferida na Ação de Repetição de Indébito tem cunho evidentemente condenatório, e também resta albergada pela armadura da coisa julgada material, vez que nela, para que seja determinado ao demandado um dano correspondente, obrigatoriamente há a analise do mérito da quaestio. 2.2.2.4. Eficácia da Sentença Proferida no Mandado de Segurança O Mandado de Segurança, preventivo ou repressivo, intenciona a garantia do direito do impetrante frente aos abusos do Poder Público. O fim último desta ação é a expedição de ordem à autoridade coatora para que deixe de praticar o ato abusivo ou não venha a efetivá-lo. A modalidade preventiva em muito assemelha-se às ações declaratórias, uma vez que se projetam no tempo os efeitos da sentença. Assim como nas declaratórias, o Mandado de Segurança preventivo, com cunho eminentemente declaratório, muito utilizado em matéria tributária, não interrompe prazo prescricional para quem intenciona repetir valores indevidamente recolhidos. Sua sentença faz coisa julgada material. Já na modalidade repressiva, que analisa um determinado ato, a sentença não será estendida no tempo, tendo eficácia somente para a situação específica posta ao crivo do Judiciário. Sua sentença também faz coisa julgada material. 2.2.2.5. Eficácia das Sentenças Proferidas na Ações Cautelares Preparatória e Antecipatória dos Efeitos da Penhora em Execução Fiscal Ambas ações cautelares aqui tratadas objetivam garantir a efetivação do direito discutido, afastando-lhe possíveis ameaças. Por conseguinte, a sentença nelas proferidas têm nítida força executiva, tendo em vista que emana do Judiciário determinado provimento para que o demandado efetivamente proceda da maneira que lhe foi imposta. Se assim é, não há qualquer direito material debatido nestas ações, pois uma, de utilização corrente em matéria tributária, prepara (garante) o caminho para que o direito seja alcançado em ação própria, e a outra antecipa os efeitos da garantia que será oferecida em Execução Fiscal. Desta forma, as sentenças delas emanadas não fazem coisa julgada material, apenas formal. 2.2.3. Eficácia da Sentença Proferida nas Ações Mistas 2.2.3.1. Eficácia da Sentença Proferida na Ação Rescisória Caso que tangencia a regra, como já afirmado, a Ação Rescisória tem por objeto a desconstituição da sentença que se ataca por meio de outra decisão definitiva, o que, por conseguinte, atinge justamente o principal esteio do sistema jurídico nacional, qual seja, a segurança jurídica. Esse o efeito da sentença proferida na Ação Rescisória, a desconstituição, ou a constituição negativa, da decisão atacada, extinguindo-a ou modificando-a. Nas sempre elucidativas palavras de Pontes de Miranda: “A sentença na ação rescisória, quanto a juízo rescindente, rompe, cinde a sentença: havia sentença; não há mais. Toda a eficácia, que não depende de novas decisões, se opera. O que depende de nova decisão é do juízo rescisório, que pode satisfazer-se com a prova feita no processo em que se proferiu a sentença rescindenda, ou substituí-la pelo que se acolheu no juízo rescindente, ou foi produzido segundo os princípios. O juízo rescindente é que o marca.”[35] 2.2.3.2. Eficácia da Sentença Proferida no Mandado de Segurança Coletivo Esta via processual objetiva a defesa de direitos que não possuem condições de serem exercitados individualmente, por meio de uma ordem emanada do Poder Judiciário e dirigida à autoridade coatora. Os efeitos da sentença aqui proferida, matéria controversa, diferem daqueles provenientes da sentença exarada no Mandado de Segurança individual, uma vez que lá gera-se força apenas entre as partes figurantes no feito, e aqui esta força extrapola as partes, porém detém-se nos limites dos associados da entidade impetrante.[36] Há quem diga que a sentença proferida em Mandado de Segurança Coletivo gera efeitos erga omnes, todavia, não é a melhor tese. Evidente que é regime de extrema amplitude, mas nem por isso chegar-se-á ao absurdo, pois impetrada tal Ação por uma entidade, objetivando o não recolhimento de determinado tributo, não poderá a sentença daquele processo alcançara a todos, mesmo os que não pertencem ao quadro daquela entidade. 2.2.3.3. Eficácia da Sentença Proferida na Ação Civil Pública Reiterando o quanto já afirmado, a Ação Civil Pública tem duas eficácias independentemente preponderantes, a depender da pretensão posta na inicial, quais sejam, condenatória ou mandamental. A sentença proferida na Ação que tem por objeto uma “condenação em dinheiro” terá, evidentemente, força condenatória, pois determinará a retirada de valor do patrimônio do demandado a fim de repor o patrimônio do demandante. Já a sentença emanada da pretensão de expedição de ordem terá cunho predominantemente mandamental. A própria legislação da Ação Civil Pública dá o alcance dos efeitos da sentença quando é posto que “…fará coisa julgada ‘erga omnes’, nos limites da competência territorial do órgão prolator”. Talvez seu vasto poder e abrangência seja a razão de a jurisprudência não lhe aceitar em matéria tributária. 2.2.3.4. Eficácia da Sentença Proferida na Ação Popular A exemplo da anterior, nesta Ação também há duas eficácias predominantes, que dependerão da intenção declinada na inicial, podendo ser constitutiva negativa, quando pretende-se a anulação de um ato lesivo ao patrimônio público, ou declaratória, no momento em que se busca apenas a declaração de nulidade daquele ato. Com a sentença ocorrerá o mesmo. Terá força constitutiva negativa em determinando a anulação do ato lesivo, e possuirá eficácia declaratória quando tão somente declarar a nulidade do ato. Em qualquer caso, reza a legislação que “A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível ‘erga omnes’…”. 2.2.3.5. Eficácia da Sentença Proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade e Eficácia da Sentença Proferida na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade Estes meios de controle de constitucionalidade das leis têm como principal objeto manter o sistema jurídico nacional em consonância com os ditames pretendidos pelo legislador constitucional. Segundo o Ministro Teori Albino Zavascki:  “A natureza dúplice das ações de controle concentrado evidencia, destarte, que qualquer delas é, ao mesmo tempo, instrumento para afirmação do direito, quando declara a constitucionalidade de suas normas, e de ‘autopurificação’ do direito, quando declara a sua inconstitucionalidade.”[37] Quer dizer o ínclito jurista que da sentença que julgar procedente a ADIN emanarão efeitos erga omnes com a declaração de que a norma posta ao crivo nunca pertenceu ao sistema jurídico nacional. Porém, julgada improcedente, e sendo analisado seu mérito, importa dizer que, pelo menos em relação ao motivo que moveu o ajuizamento da ADIN, a norma é constitucional. Em relação a outros motivos poderá até ser inconstitucional, porem enquanto não houver outra ADIN, presumir-se-ão, estes outros motivos, também constitucionais. O mesmo ocorre com a ADC. Julgada procedente, com efeito erga omnes, declarado está que a norma encontra-se absorvida pelo sistema jurídico nacional. Se julgada improcedente, com análise do mérito, cabe referir que é inconstitucional a motivação na qual se apoiou a ADC. 2.2.3.6. Eficácia da Sentença Proferida na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental Esta ação, prevista no § 1º do artigo 102, da Constituição Federal, busca evitar ou reparar lesões a princípios, direitos e garantias constitucionalmente fundamentais, ou, ainda, debater a constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal quando a controvérsia for relevante. A sentença que julga este meio processual terá efeitos erga omnes, sendo que de cunho declaratório quando buscar evitar as já referidas lesões, ou no relevante debate acerca da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal. Terá força predominantemente condenatória ao pretender reparar aquelas lesões. Conclusão Do todo o quanto sinteticamente apresentado neste ensaio, chega-se à inafastável conclusão de que ao ser mal deduzida a pretensão em juízo não obterá êxito o demandante. Aquele que propõe ação judicial deve estar certo do que almeja e como percorrerá o caminho para alcançar a “Justiça” que espera. O trilhar em busca pela pretensão deduzida na inicial, necessariamente, tem de estar traçado antes mesmo de se confeccionar a peça processual que abre o feito. Tarefa a ser realizada pelo advogado é a de clarear o objeto da futura demanda, transportar com transparência para o mundo técnico-jurídico a pretensão de seu constituinte. Não há como se atingir o que se pretende sem que o caminho a ser percorrido não o seja com a utilização de instrumento adequado. No direito processual, e principalmente no direito processual-tributário, não é diferente. A escolha da adequada ação processual, para que se obtenha o melhor direito aplicado ao caso concreto, é parte essencial do trabalho a ser desenvolvido em  juízo, principalmente no direito tributário, no qual o interesse público está diretamente envolvido. Sem olvidar-se de princípios como o da celeridade processual e da eficiência, dentre outros, não pode o juiz alcançar ao demandante o que aquele pretende se a pretensão foi veiculada por meio inadequado. Se existem regras (processuais), estas evidentemente devem ser cumpridas. Até mesmo porque, nas palavras do insigne jurista VICENTE RÁO: “A legítima defesa, pelo titular, de seus bens e direitos. Diz, muito bem, Beviláqua: ‘…por mais aperfeiçoado que seja o aparelho social protetor do direito, não poderá atender a todas as ameaças de violação e é forçoso confiar ao indivíduo a faculdade de defender a sua pessoa e os seus bens jurídicos, em casos inadiáveis, como outrora ele os defendia, a todo momento, antes que a organização jurídica se consolidasse.’[38] ” Nesta linha, a má dedução da pretensão, ou a dedução em instrumento equivocado, deve acarretar, necessariamente, a improcedência da ação. O pedido declinado ao fim da petição inicial deverá guardar congruência com o instrumento utilizado para sua dedução e com a eficácia da sentença que se busca. A perfeita compreensão do tema é ponto fulcral para se demandar em juízo. Esta equalização entre o que se busca quando se propõe uma ação, o instrumento utilizado e a decisão judicial é essencial para se obter um bom desempenho processual, ou seja, uma correta aplicação do direito à espécie. Pelo menos no direito processual, como se percebe, é possível escapar da balbúrdia  presenciada diariamente pelo direito tributário, já que no direito material, em razão do quanto afirmado alhures, é impossível haver uma linearidade.
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A responsabilidade dos sócios nas ações de execução fiscal
A responsabilidade tributária pode ser atribuída a terceira pessoa que não é contribuinte em virtude de mínima relação com o fato gerador da obrigação. O Estado, para receber seus créditos, dispõe da ação de execução fiscal, a qual é disciplinada pela Lei 6.830/80, também conhecida como LEF – Lei de Execuções Fiscais. Objetiva-se com o presente trabalho definir os sujeitos da relação tributária, analisar as hipóteses legais de redirecionamento da responsabilidade do contribuinte a terceiros nas ações de execução fiscal, bem como as divergências doutrinarias acerca do assunto. Para tanto, será realizada uma pesquisa bibliográfica de obras doutrinárias atuais, da legislação tributária, e artigos e/ou teses científicas sobre a responsabilidade tributária, que corroborem para o melhor entendimento sobre o tema proposto. Por fim, espera-se do presente trabalho, adquirir conhecimento teórico sobre o assunto para aplicá-lo, futuramente, na prática, com entendimento e eficiência.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A responsabilidade tributária se diferencia das demais normas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, somente em razão de seu conteúdo, que descreve um fato típico tributário e preceitua a relação obrigacional que se constitui entre os sujeitos ativo e passivo, tendo como objeto o pagamento de uma prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, não decorrente de ato ilícito. Nesse sentido, a responsabilidade tributária é atribuída por lei, a determinada pessoa, sendo ela contribuinte ou não, em face ao fisco, a responsabilizar-se por prestação de obrigação tributária, afastando do contribuinte que praticou o fato gerador a responsabilidade pela referida obrigação. O contribuinte é pessoa física ou jurídica que tem relação direita com a situação constituinte do fato gerador, relação essa de natureza econômica e pessoal. A ação de execução fiscal é meio que a Fazenda Pública dispõe para cobrança dos seus créditos inscritos em dívida ativa, sejam eles tributários ou não, a qual é regulada pela Lei 6.830/80. Dessa forma, por meio da ação de execução fiscal, a Fazenda Pública direciona a responsabilidade do contribuinte para terceiro, nesse caso, o responsável tributário. Verifica-se a importância do presente estudo, na aplicação prática da responsabilização de terceiro nas ações de execução fiscal, haja vista que essa execução interfere diretamente no patrimônio dos sujeitos passivos da relação tributária podendo onerá-los demasiadamente. 2.  RELAÇÃO JURÍDICO TRIBUTÁRIA A princípio, para maior entendimento do objeto de estudo do presente trabalho, necessário se faz esclarecer o que é o Direito Tributário, sua área de atuação, bem como os sujeitos da relação jurídico tributária. Machado (2013) conceitua Direito Tributário como sendo o ramo do Direito que disciplina as relações jurídicas entre o Fisco e o contribuinte, limitando o poder de tributar do Estado, protegendo o cidadão dos abusos de poder estatal. Assim, tem-se como área de atuação do Direito Tributário a atividade financeira do Estado no que se refere à tributação. A relação tributária decorre de um fato descrito em norma capaz de produzir efeitos no mundo jurídico. Machado (2013) aduz que a lei descreve o fato e confere a este o efeito de gerar uma relação entre um sujeito e o Estado, sendo este, o fato gerador da obrigação tributária ou, como também é conhecido, fato imponível. Para Sabbag (2012), a relação tributária decorre de fato previsto em lei, capaz de produzir efeitos, ou seja, a descrição feita pela lei de um fato que, quando ocorrido, nasce a obrigação tributária do sujeito passivo em favor do sujeito ativo a cumprir a obrigação correspondente ao fato. O fato objeto da relação tributária é o fato gerador ou fato imponível. Machado (2013) ensina que a lei descreve um fato o qual tem o condão de criar uma relação entre uma pessoa e o Estado, sendo esse o fato gerador da obrigação tributária. Importante esclarecer os elementos da obrigação tributária. Para Sabbag (2012) são quatro os elementos da referida obrigação: o sujeito ativo, o sujeito passivo, o objeto e a causa. O sujeito ativo refere-se ao lado credor da relação, ou seja, o ente tributante, aquele que detém a competência de instituir o tributo e exigir seu cumprimento. O sujeito passivo é aquele obrigado ao cumprimento da obrigação tributária, ou seja, o lado devedor da relação jurídico-tributária. O objeto da obrigação tributária é equivalente à prestação a qual é submetido o sujeito passivo. E por fim, a causa da obrigação é o vinculo jurídico existente entre sujeito ativo e sujeito passivo descrito na legislação tributária. Do não cumprimento da obrigação tributária nasce à responsabilidade tributária. Nesse sentido, Machado (2013) afirma que a responsabilidade é a sujeição de alguém à determinada sanção, oriunda do descumprimento de um dever. 2.1 SUJEITOS DA RELAÇÃO TRIBUTÁRIA 2.1.1 Sujeito Ativo Toda relação jurídica obrigacional tem dois sujeitos, os quais podem ser pessoas físicas ou jurídicas, ligadas em torno do objeto, sendo denominado sujeito ativo aqueles que possuem interesse no cumprimento da obrigação, tendo poder e o direito de exigi-lo, sendo eles, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, os quais detêm a competência tributária. O outro é o sujeito passivo, o qual tem o dever de realizar a prestação que constitui o objeto da obrigação. O artigo 119 do Código Tributário Nacional traz a definição de sujeito ativo in verbis: “Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento”. (BRASIL, CTN, 1966). Entretanto, essa definição trazida pelo CTN é objeto de divergência doutrinária.  Grande parte da doutrina entende que somente podem ser sujeitos ativos da relação tributária as pessoas jurídicas de direito público. Mas há doutrinadores, minoria, que entendem que as pessoas jurídicas de direito privado também podem figurar no polo ativo da obrigação tributária. Dentre os principais nomes que defendem a corrente minoritária é Paulo de Barros Carvalho, o qual aduz: “A redação do art. 119 do Código Tributário Nacional aparenta desmentir o que foi exposto. Prescreve que sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento. O preceptivo suprime, descabidamente, gama enorme de possíveis sujeitos ativos, reduzindo o campo de eleição, única e tão somente, às pessoas jurídicas de direito público, portadoras de personalidade política. Estamos diante de uma formulação legal que briga com o sistema. Há mandamentos constitucionais que permitem às pessoas titulares de competência tributária a transferência da capacidade ativa, nomeando outro ente, público ou privado, para figurar na relação, como sujeito ativo do vínculo” (CARVALHO, 2005,p. 301). Esses doutrinadores defendem que tanto pessoas jurídicas de direito privado quanto pessoas naturais podem figurar no polo ativo da relação tributária desde que desempenhem atividades de interesse público e não tenham fins lucrativos. Machado (2013) aduz que esse entendimento da corrente minoritária ocorreu em virtude da má interpretação do significado da expressão “titular da competência para exigir o tributo” inserto no artigo 119 do CTN. Por outro lado, a corrente majoritária entende que o sujeito ativo da obrigação não é, necessariamente, o titular da competência para constituir o tributo. Pode ocorrer de quem tenha recebido essa sujeição por delegação, sem que esse tenha competência para constituir o tributo. Machado (2013) define que quem é o sujeito ativo da relação tributária é aquele que possui competência para exigir o cumprimento da obrigação. Machado (2013) ainda leciona: “Há quem sustente que o sujeito ativo da obrigação tributária pode ser uma pessoa jurídica de direito privado, e até mesmo uma pessoa física. O art. 119 do CTN estaria revogado, ou seria inconstitucional. Mas não nos parece que seja assim. Na verdade, só as pessoas de direito público podem ser sujeitos ativos da obrigação tributária. Não se há de confundir a condição de sujeito ativo com a de destinatário do produto da arrecadação ou fiscalização de tributos, ou da execução de leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária. Essas atribuições podem ser conferidas por uma pessoa jurídica de direito público a outra, mas isto não implica transferência da condição de sujeito ativo” (MACHADO, 2013, P. 145). Assim, a corrente majoritária entende que as pessoas jurídicas de direito privado podem apenas ter a atribuição da função ou encargo de arrecadar, podendo ser somente destinatário do produto arrecado, o que não constitui delegação da competência tributária, tendo base no que dispõe o artigo 7º caput e § 3, CTN: Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.(…)  § 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos (BRASIL, CTN, 1966). Dessa forma, de acordo com o posicionamento majoritário, conclui-se, então, que o sujeito ativo da relação jurídico tributária são a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, podendo esses delegar a capacidade tributária ativa a outras pessoas de direito público, autarquias e fundações públicas. Os quais também poderão ser chamados simplesmente de Fisco. Corroborando com tal posicionamento, importante salientar que a Constituição Federal de 1988 estabelece as regras definidoras da competência tributária, conforme o eu diz o artigo 145 da CF/88. Vejamos: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: I – impostos; II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. “(BRASIL, CF, 1988). Assim, tem-se por fim, que o titular da competência para instituir tributos é o mesmo que possui competência para exigir seu cumprimento, podendo esse, delegar a referida competência as autarquias e fundações públicas. 2.1.2 Sujeito Passivo Sujeito passivo é a pessoa física ou jurídica, e de quem juridicamente se exige cumprimento da prestação decorrente da obrigação tributária. Assim, o sujeito ativo tem o direito de cobrar o cumprimento da obrigação tributária e o sujeito passivo, tem o dever de cumprir a referida obrigação. O código Tributário Nacional traz a definição de sujeito passivo em seu artigo  121: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”. (Código Tributário Nacional) Os incisos I e II do parágrafo único do artigo 121 do CTN traz duas espécies de sujeitos passivos da relação jurídica tributária, sendo eles, o contribuinte, sendo este pessoa física ou jurídica, o qual tem relação direta o fato gerador, e o responsável como sendo a pessoa que, embora não tenha relação direta como fato, é designada por lei para cumprir a obrigação tributária, entretanto, o referido assunto será melhor explanado em momento oportuno. O artigo 122 do CTN trás a figura do sujeito passivo da obrigação acessória, o qual pode ser tanto o contribuinte ou terceiro que não tenha relação direta com o fato gerador. A obrigação tributária acessória se difere da obrigação tributária principal porque não está relacionada com a obrigação de fazer ou não fazer algo e não com o fato de pagar o tributo ou penalidade pecuniária, ou seja, são prestações que constituem seu próprio objeto, podendo ser estabelecidas por legislação tributária, dispensando assim, lei formal. Sendo, assim, instrumentos ou obrigações formais do sujeito passivo, conforme leciona Rosa Jr. (2001). Machado (2013) leciona que o sujeito passivo pode ser direto ou indireto. O sujeito passivo direto é aquele que tem relação de fato com o fato gerador, ou seja, é a manifestação clara de sua capacidade contributiva, ou seja, é o próprio contribuinte. Já o sujeito passivo indireto é aquele que, embora não tenha relação direta com o fato gerador, é obrigado ao cumprimento da obrigação por força de lei. Sabbag (2012) aponta que responsável é aquele que, embora não tenha a condição de contribuinte, tem sua obrigação decorrente de disposição expressa em lei, ou seja, é o sujeito passivo indireto. Pode se tornar sujeito passivo indireto por substituição e por transferência. Para Harada (2009), a responsabilidade tributária por substituição verifica-se quando a obrigação tributária surge diretamente contra o substituto tributário, em lugar do contribuinte. Desde o início, quem deve praticar a prestação tributária é o substituto, e não o contribuinte. Assim, na substituição, a sujeição passiva é definida antes da ocorrência do fato gerador, ou seja, não há transferência da obrigação tributária de uma pessoa para outra. Spagnol (2004) faz a seguinte definição: “É de se notar aqui que embora o sujeito passivo previsto pela norma não realize o fato gerador, a obrigação tributária surge diretamente para a pessoa que substitui o contribuinte. Nesses casos, por razões de praticidade e economicidade, prefere o legislador exigir o tributo de pessoa alheia à realização do fato gerador” (SAPGNOL, 2004, p. 198). Coelho (2004) ilustra a responsabilidade tributária por substituição: “I – ‘A’ pratica o fato gerador, e ‘B’, por isso, deve pagar o tributo; II – inexiste sub-rogação. A norma não é alterada. A lei prevê desde logo que, se ‘A’ pratica um fato jurígeno, ‘B’ deve pagar. Em termos jurídicos, não há transferência de dever entre sujeitos passivos” (COÊLHO, 2004, p. 715). Já a responsabilidade tributária por transferência se dá quando uma obrigação, depois de nascida contra uma pessoa, passa, em virtude de um fato excepcional e posterior, para outra pessoa. A princípio, já existe um sujeito passivo e posteriormente, em razão de um fato qualificado, surge outro sujeito passivo. Assim, tem-se que a transferência surge depois que ocorre o fato gerador. Coelho (2004) também ilustra o funcionamento da responsabilidade por transferência: “I – ‘A’ pratica o fato gerador e deve pagar o imposto; II – em virtude de fato posterior (morte, negócio jurídico, falência, inadimplemento ou insolvência etc.), a lei determina que a um terceiro seja transferido o dever de pagar. Este terceiro, que podemos chamar de ‘B’, torna-se ex lege responsável pelo tributo, originariamente devido por ‘A’. Dá-se uma alteração na consequência da norma jurídica no plano do sujeito passivo. O responsável sub-roga-se na obrigação” (COÊLHO, 2004. P. 717). Machado (2013) leciona que a responsabilidade por transferência comporta três subespécies, a saber: responsabilidade por sucessão, responsabilidade subsidiária e responsabilidade solidária. A responsabilidade por sucessão ocorre quando uma pessoa sucede a outra em razão da universalidade de bens e direitos. No caso de responsabilidade subsidiária, a obrigação deve ser adimplida pelo contribuinte, em caso de inércia desse, o fisco insurge contra o responsável, observando-se o benefício de ordem, Entretanto, essa situação será melhor explanada posteriormente. Por fim, tem-se a responsabilidade solidária. Nesse caso o cumprimento da obrigação será exigido tanto do contribuinte quanto do responsável concomitantemente, nesse caso, ignora-se o benefício de ordem. Entretanto, as respectivas responsabilidades tributárias serão objetos de tópico próprio. 2.1.2.1 Capacidade Tributária do Sujeito Passivo Conforme mencionado anteriormente, o sujeito passivo da obrigação tributária pode ser pessoa física ou jurídica. No que tange a pessoa física ou natural, Machado (2013) ensina que a capacidade tributária independe da capacidade civil, a qual é regulada pelos artigos 3º, 4° e 5º do Código Civil de 2002, ou seja, qualquer restrição ou limitação da capacidade civil das pessoas é irrelevante na seara tributária. Do mesmo modo, Machado (2013) explica que a sujeição passiva das pessoas jurídicas independe de esta estar regularmente constituída, sendo o suficiente que esta esteja configurada como unidade econômica ou profissional. O CTN, no artigo 126 é claro quando dispõe sobre a capacidade tributária das pessoas físicas e jurídicas: “Art. 126 – A capacidade tributária passiva independe: I – da capacidade civil das pessoas naturais; II – de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional”. (BRASIL, CTN, 1966). Machado (2013) ainda explica que a lógica jurídica inserta no artigo 126 do CTN, se justifica, uma vez que a capacidade jurídica está intimamente ligada ao elemento vontade, assim, qualquer pessoa para obrigar-se deve ser juridicamente capaz. Entretanto, o vínculo obrigacional tributário é formado pelos elementos lei e fato, sendo o elemento vontade irrelevante. Conclui-se então que a relação jurídico tributária advém de fato descrito em lei com o condão de produzir efeitos, o qual compreende o dever do sujeito passivo, o contribuinte ou terceiro, no cumprimento de uma obrigação tributária em relação ao sujeito ativo, Fisco, e o direito deste em exigir o cumprimento da referida obrigação. 3.  RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA Do não cumprimento de uma obrigação oriunda do vínculo jurídico tributário nasce à responsabilidade tributária. Assim, a responsabilidade pode ser atribuída a terceira pessoa vinculada ao fato gerador, excluindo a assim, a responsabilidade do contribuinte. Assim dispõe o CTN em seu artigo 128: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. (BRASIL, CTN,1966). Machado (2013) leciona que a palavra responsabilidade empregada pelo CTN tem um sentido amplo e outro estrito. Em sentido amplo “é a submissão de determinada pessoa, contribuinte ou não, ao direito do Fisco exigir a prestação da obrigação tributária” (MACHADO, 2013. p.154).  Dessa forma, qualquer um dos sujeitos passivos da relação tributária obrigacional está vinculado a essa responsabilidade. Em sentindo estrito, “é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do Fisco de exigir a prestação respectiva” (MACHADO, 2013. p.154).  Assim, entende-se então, que responsabilidade está vinculada a ideia de que alguém tem que responder pelo descumprimento de um dever legal ou uma obrigação tributária. Nesse sentido, a responsabilidade poderá ser conferida a terceira pessoa que tenha relação indireta com o fato gerador da obrigação tributária. Entretanto, para melhor entendimento, é necessário diferenciar contribuinte de responsável. 3.1  DISTINÇÃO ENTRE CONTRIBUINTE E RESPONSÁVEL O artigo 121 do CTN, nos incisos I e II, trás as figuras do contribuinte e do responsável. Segundo Rosa Jr. (2001), o contribuinte pode ser pessoa física ou jurídica que tenha relação direta, de natureza econômica com a circunstância que constituiu o fato gerador. Dessa forma, percebe-se então, que o contribuinte é o sujeito passivo direto, posto que exista uma relação de identidade entre a pessoa que participou do fato gerador e obteve vantagem econômica com quem deve, nos termos da lei, pagar o tributo. É sabido que a lei atribui a obrigação de pagar o tributo à pessoa que tem relação direta e pessoal com o fato gerador, ou seja, quem auferiu vantagem econômica, nesse caso, o contribuinte. Em síntese, contribuinte é a pessoa que realizou o fato gerador e, cumulativamente integra o polo passivo da relação jurídico tributária. Sabbag (2012) destaca que o contribuinte é aquele que tem o dever da prestação, podendo ser pessoa física ou jurídica, a qual tem relação direta com o fato gerador. Por outro lado, responsável tributário é terceiro cuja responsabilidade é atribuída por lei em razão de mínimo vínculo com o fato gerador. Por outro lado, o responsável é aquele que, embora não tenha a condição de contribuinte, tem sua obrigação decorrente de disposição expressa em lei, ou seja, é o sujeito passivo indireto. O legislador, com a intenção de facilitar a fiscalização e arrecadação de tributos, atribuiu a terceiro a obrigação de pagá-lo, entretanto, não pode ser qualquer terceiro. Conforme inteligência do artigo 128 do CTN, essa terceira pessoa deve ter um vínculo de qualquer natureza com o fato gerador da obrigação, menos pessoal e direta, posto que esse vínculo é característica do contribuinte. Da mesma forma, a responsabilidade atribuída a terceira pessoa só pode ser através de lei formal, pois se trata de uma forma de sujeição passiva. Quando a lei designa o terceiro como responsável, ela pode excluir total ou parcialmente a responsabilidade do contribuinte através da responsabilidade tributária e da substituição.      Rosa Jr. (2001) ensina que as principais diferenças entre o contribuinte e o responsável está no fato de que a posição de contribuinte surge com a ocorrência do fato gerador e a do responsável, por determinação legal. Por outro lado, o contribuinte tem o débito e a obrigação, sujeitando seu patrimônio, e o responsável tem a responsabilidade sem ter o débito, uma vez que cumpre a obrigação por conta do contribuinte.    O Código Tributário Nacional trás, do artigo 129 ao artigo 138, as diversas formas de atribuição da responsabilidade, sendo elas, a responsabilidade dos sucessores, disciplinadas nos artigos 129 a 133, a responsabilidade de terceiros, disciplinada nos artigos 134 e 135, e responsabilidade Por infrações, nos artigos 136 a 138. 3.2  RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO O CTN, nos artigos 129 a 133 disciplina a responsabilidade dos sucessores. Entretanto, para que seja atribuída a responsabilidade aos sucessores é necessário saber a data da ocorrência do fato gerador, não importando a data da constituição definitiva do crédito, em razão de sua natureza declaratória no que se refere à obrigação tributária. O artigo 129 do CTN assim dispõe: “Art. 129. O disposto nesta Seção aplica-se por igual aos créditos tributários definitivamente constituídos ou em curso de constituição à data dos atos nela referidos, e aos constituídos posteriormente aos mesmos atos, desde que relativos a obrigações tributárias surgidas até a referida data”. (BRASIL, CTN, 1966) Rosa Jr. (2001) ensina que a responsabilidade dos sucessores é uma sujeição passiva indireta que se deu pela transferência, haja vista que a obrigação que surge para a pessoa do contribuinte, em razão das circunstâncias previstas nos artigos supramencionados, ocorridos posteriormente ao fato gerador, transfere-se a terceiros definidos nos referidos artigos. Assim, verifica-se que o sucessor responde pelas obrigações tributárias do antecessor, uma vez que tenha ocorrido o fato gerador antes do evento da sucessão. O artigo 130 do CTN trata da sucessão de créditos tributários cujo fato gerador seja a propriedade, a posse, ou o domínio útil de bens imóveis, bem como dos créditos tributários oriundos de contribuição de melhoria ou taxas de prestação de serviços, referentes respectivos bens. De acordo com o referido artigo, o sucessor ou adquirente sub-roga-se, nos respectivos créditos, ou seja, se torna responsável tributário da obrigação, no momento da aquisição, em virtude da negligência do antecessor. Machado (2013) ensina que nesses casos, a responsabilidade do adquirente é subsidiária, uma vez que será atribuída ao adquirente em casos de impossibilidade do contribuinte em cumprir a respectiva obrigação. Por outro lado, o adquirente poderá se livrar da responsabilidade, se no título de transmissão do bem constar prova de quitação dos referidos tributos. Vejamos o que diz o artigo 130 do CTN: “Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação”. (BRASIL, CTN, 1966). O parágrafo único do artigo 130 do CTN aduz que nos casos de imóveis arrematados em hasta pública a sub-rogação ocorre sobre o valor, isso quer dizer que arrematante não se tornará responsável porque receberá o imóvel livre de carga tributária, uma vez que a sub-rogação somente se dará sobre o valor do bem e não sobre o bem, devendo o fisco habilitar seu crédito sobre o valor da arrematação. Machado (2013) explica que se assim não o fosse, não haveria arrematação em hasta pública, uma vez que o arrematante poderia sair sem o referido bem.  Já o artigo 131, § I, do CTN, atribui a responsabilidade pessoal ao “adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos” (BRASIL, CTN, 1966). Nesse caso, verifica-se que não existe a condição de prova de quitação dos tributos relativos aos bens, ampliando assim, a abrangência da regra. Dessa forma, se algum tributo é devido, o adquirente ou remitente responde pessoalmente pelos respectivos pagamentos. Assim aduz o artigo 131 e incisos: “Art. 131. São pessoalmente responsáveis:  I – o adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos;    II – o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada esta responsabilidade ao montante do quinhão do legado ou da meação; III – o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus até a data da abertura da sucessão”. (BRASIL, CTN, 1966) O parágrafo II, do artigo supramencionado ainda trás a figura do sucessor a qualquer título e do cônjuge meeiro. O sucessor a qualquer título é aquele que se tornou proprietário do bem em razão da morte do proprietário anterior. Nesse caso, o sucessor e o meeiro são pessoalmente responsáveis pelos tributos devidos ate a data da partilha. Machado (2013) ensina que essa responsabilidade é limitada, pois só respondem até o valor do quinhão para o sucessor, da meação para o meeiro e do legado para o legatário. Já o parágrafo III aponta a figura do espólio como responsável pelos tributos devidos pelo de cujus. Entende-se como espólio, todo o patrimônio de um individuo depois de sua morte. O espólio é administrado pelo inventariante, o qual será pessoalmente responsável por bens alienados ou dados em garantia antes do pagamento dos débitos tributários.  Importante salientar que o espólio possui capacidade tributária passiva, desse modo, pode figurar no polo passivo de uma execução fiscal, mesmo sendo desprovido de personalidade jurídica, conforme explica Rosa Jr. (2001). O artigo 132 do CTN dispõe sobre a sucessão tributária de pessoas jurídicas de direito privado do seguinte modo: “Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual”. (BRASIL, CTN, 1966). Os conceitos de fusão, transformação e incorporação são encontrados na Lei das Sociedades por Ações, no Decreto-Lei 2.627, de 26.09.1940 e na Lei 6.404, de 15.12.1976, a qual acrescentou às operações citadas a cisão. O artigo supramencionado não menciona a figura da cisão, uma vez que esta surgiu a partir da Lei 6.404/76, a qual foi publicada depois de 10 anos da publicação do CTN. Machado (2013) explica que fusão é a união de duas ou mais sociedades formando uma sociedade nova, a qual sucederá todas as obrigações e direitos das antigas sociedades. A transformação é a mudança da forma societária, de um tipo para outro, a qual ocorre sem liquidação ou dissolução, ou seja, muda-se somente o tipo societário. Nesse caso, não ocorre exatamente uma sucessão, haja vista que a pessoa jurídica continua sendo a mesma. A incorporação se dá pela absorção de uma ou mais sociedades por outra, a qual, do mesmo modo que na fusão, sucede as absorvidas nos direitos e obrigações. Por fim, tem-se a figura da cisão. Aqui, uma sociedade transfere para outra ou outras, parte de seu patrimônio, dividindo-se o seu capital. Aqui, se houver a extinção da sociedade cindida, as empresas que absorverem as parcelas do seu patrimônio, respondem solidariamente pelas obrigações da sociedade cindida. Por outro lado, no caso de extinção da pessoa jurídica de direito privado, os sócios, ou espólio, respondem por suas dívidas tributárias, caso continuem a explorar a mesma atividade econômica, sob a mesma ou outra razão social, conforme inteligência do parágrafo único do artigo 132 do CTN. Por fim, o artigo 133 do CTN disciplina a responsabilidade na sucessão comercial por aquisição do fundo de comercio ou estabelecimento. Veja-se o que diz o referido artigo e incisos: “Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato: I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.” (BRASIL, CTN,1966) O referido artigo aduz que toda pessoa, física ou jurídica, que venha a adquirir de outra pessoa, fundo de comércio ou estabelecimento, a qualquer título, e continuar a respectiva atividade, sob a mesma ou outra razão social, responde integral subsidiaria ou solidariamente pelas obrigações tributárias do fundo de comércio ou estabelecimento adquirido. Machado (2013) ensina que o adquirente responde integralmente pela obrigação tributária, caso o alienante cesse a atividade econômica, ou seja, o adquirente responde como se próprio contribuinte fosse. Embora haja divergências em relação ao significado da palavra “integralmente” empregada pelo artigo 133, I, CTN, a maioria da doutrina entende que esta palavra se diferencia de exclusivamente, uma vez que, caso o adquirente não consiga adimplir as diversas obrigações adquiridas, e seu patrimônio ser insuficiente, o alienante, mesmo cessando a respectiva atividade, continua responsável pela obrigação. Desse modo, conforme ensina Machado (2013), a palavra integralmente deve ser interpretada como solidariamente. Importante observar que a responsabilidade a ser atribuída ao adquirente depende do comportamento do alienante. Assim, se o alienante cessar a atividade responde integralmente pelas obrigações tributárias o adquirente. Por outro lado, conforme aduz o inciso II do artigo supramencionado, caso o alienante continue com a exploração ou atividade econômica ou inicie uma nova nos próximos seis meses, contados da data da alienação, responderá o adquirente subsidiariamente. Salienta-se ainda que mesmo que no contrato de compra e venda do fundo de comércio ou estabelecimento haja cláusula de limitação ou até mesmo de negativa de responsabilidade pelos tributos devidos, essa jamais poderá ser oposta contra o Fisco por força do artigo 123 do CTN. As duas únicas exceções ao disposto no caput do artigo 133 estão previstas no parágrafo 1º de referido artigo. Vejamos: “§ 1o O disposto no caput deste artigo não se aplica na hipótese de alienação judicial:  I – em processo de falência II – de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial.” (BRASIL, CTN,1966). Rosa JR. (2001) explica que impor ao adquirente dos bens da massa falida a responsabilidade pelos débitos tributários, torna o negócio desvantajoso e frustra a possibilidade de preservar a empresa, vez que ninguém se interessa por adquirir tais bens porque as dívidas tributárias são demasiadamente altas. Por outro lado, o parágrafo segundo tem a intenção de evitar que as exceções acima mencionadas possam ser usadas de forma fraudulenta. E por fim, cuidou o parágrafo terceiro de garantir que o valor arrecadado com a alienação judicial de empresa, filial ou unidade produtiva isolada, seja depositada em conta vinculada ao juízo de falência, podendo ser utilizado somente no caso de pagamentos de créditos que preferem ao crédito tributário e extraconcursais. 3.3 RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS O artigo 134 do CTN disciplina a responsabilidade de terceiros em relação à obrigação tributária. Nesse caso, a lei estabelece duas condições para que seja atribuída a responsabilidade a terceiros. A primeira é a impossibilidade de cumprimento da obrigação pelo contribuinte, e a segunda é que o terceiro tenha relação com o fato gerador. O referido artigo define quem são os terceiros responsáveis. Vejamos: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.” (BRASIL, CTN, 1966). No caso da responsabilidade dos pais, tutores e curadores inserta nos incisos I e II do artigo inframencionado, não basta somente a existência de débitos tributários em relação aos filhos menores, curatelados ou tutelados, é necessário que haja vínculo com o fato gerador ensejador do crédito tributário. Rosa JR (2001) afirma que a responsabilidade solidária a que se refere a artigo 134 do CTN deve ser interpretada como de natureza subsidiária, uma vez que o próprio artigo aduz que a responsabilidade de terceiro se dá com a impossibilidade de exigência do crédito tributário do contribuinte. Desse modo, entende-se então que a Fazenda Pública deverá promover a ação de execução fiscal contra o contribuinte da obrigação tributária e, na impossibilidade desse em pagar o débito, poderá a Fazenda Pública insurgir contra o terceiro. O artigo 135 do CTN dispõe sobre a responsabilidade pessoal das pessoas mencionadas no artigo anterior pelas “obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos” (BRASIL, CTN, 1966), e ainda acrescenta outras pessoas a quem podem ser atribuída a responsabilidade pessoal, sendo elas os mandatários, prepostos e empregados, insertas no inciso II e diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, insertas no inciso III. Machado (2013) explica que as pessoas indicadas no artigo 134, assumem a responsabilidade plena pelos créditos tributários caso ajam com excesso de poderes ou infração a lei. Nesse caso, não se espera a comprovação de impossibilidade do contribuinte em cumprir a obrigação, já se tornando então, responsável solidário.  Sabbag (2013) explica que não basta a simples qualidade de sócio para que lhe seja atribuída qualquer responsabilidade, é necessário à condição de administrador da sociedade, ou seja, deve praticar atos de administração da sociedade. Do mesmo modo, não basta que seja diretor, gerente ou representante da sociedade, é necessário que a obrigação tributária seja oriunda de atos praticados com excesso de poder ou infração a lei, contrato social ou estatuto. Assim, entende-se então que o não pagamento do tributo não gera responsabilização dos gerentes, diretores e administradores da sociedade. 3.4 RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÕES Aparentemente, o artigo 136 do CTN leva a crer que uma terceira pessoa pode ser penalizada além do agente responsável. Assim diz o artigo 136 do CTN: “Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato”. (BRASIL, CTN, 1966). Entretanto, é necessária a interpretação do sentido e do alcance da referida norma, vez que o artigo mencionado vai de encontro com a norma esculpida pelo artigo 5º XLV, da Constituição Federal. Vejamos o que diz o artigo 5º , XLV da CF/88: “XLV – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;” Desse modo, Machado (2013) ensina que deve-se observar o alcance de cada uma das normas de forma que resultem de modo compatível, caso contrário, aplica-se, obviamente a regra constitucional. Rosa Jr. (2001) afirma que a responsabilidade em matéria de penalidade tributária é por culpa presumida, vez que independe da intenção do agente, sem necessidade de comprovar dolo ou culpa, entretanto, caso o agente queira excluir sua responsabilidade, ele deve comprovar que não teve o intento de transgredir a norma, entretanto, não podendo fazê-lo por motivos superiores a sua vontade. Noutra banda, o artigo 137 do CTN apresenta maior relevância ao estudo. Vejamos do que se trata o referido artigo: “Art. 137. A responsabilidade é pessoal ao agente: I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar; III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico: a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem; b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores; c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas”. (BRASIL, CTN, 1966). O inciso I, doa artigo 137, parece trazer uma contradição no que se refere à conduta ilícita, uma vez que referida conduta não seria ajustada com o exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego. Entretanto, Machado (2013) explica que essa contradição é apenas aparente, posto que a palavra “regular” disposta no referido artigo quer dizer a vontade da empresa. Assim, o agente que atua de conforme a vontade da empresa, no cumprimento de ordem Expressa desta, não terá responsabilidade pessoal pelas infrações tributárias, respondendo então, a empresa ou quem ordenou o ato.  No caso de quem ordenou o ato, o agente responde por ter agido contra os interesses da empresa, assim, reponde que ordenou e não quem executou. O inciso II se refere no caso do dolo específico do agente ser elementar, ou seja, dolo elementar ocorre quando a própria infração aponta a conduta dolosa. Nesse caso, a infração é configurada quando existe o elemento vontade na conduta do agente. Por outro lado, o inciso III trata das infrações que procedem diretamente do dolo, independente de ser elementar, ou seja, o ato ilícito praticado dolosamente, podendo ser dolo específico ou não. Em resumo, para que seja aplicado ao caso concreto o inciso III do artigo 137 do CTN, é necessário verificar quem obteve vantagem com o ato ilícito. Desse modo, se restar comprovado que o agente obteve benefício com o ato ilícito, deixando a empresa em prejuízo, ele responderá pela infração tributária. Pelo exposto, verifica-se então, a possibilidade da Fazenda Pública, cobrar de terceiros o cumprimento de obrigações tributárias inadimplidas pelos contribuintes originais. A lei determina quem pode figurar no polo passivo a relação tributária atribuindo-lhes os deveres concernentes à obrigação tributária. Entretanto, conforme já foi mencionado, não é qualquer pessoa que a lei determina que figure no polo passivo, é aquele de algum modo, possui relação direta ou indireta com o fato gerador da obrigação.  Essa determinação da lei tem a finalidade de proteger os cofres públicos, resguardarem os interesses da Fazenda Pública, bem como os interesses sociais. 4 A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS NAS AÇÕES DE EXECUÇÃO FISCAL A princípio, para que se tenha o devido entendimento sobre a responsabilidade dos sócios nas ações de execução fiscal, é necessário entender o que é uma execução fiscal, sua finalidade e seu procedimento. 4.1  EXECUÇÃO FISCAL A Ação de Execução Fiscal é o meio judicial que a Fazenda Pública tem para cobrar seus créditos, tributários ou não, inscritos em Dívida Ativa, em face dos contribuintes inadimplentes. Tem-se como Fazenda Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, e suas respectivas Autarquias e Fundações. É um processo especial em que a Fazenda Pública pleiteia de contribuintes devedores o crédito que lhe é devido, valendo-se do Poder Judiciário, vez que não lhe compete responsabilizar o devedor. A ação de execução fiscal é regulada pela Lei 6.830 de 1980, conhecida como LEF – Lei de Execuções Fiscais. Conforme Jeniêr (2013), a LEF foi criada com o objetivo garantir a realização de execução judicial, acrescentando condições necessárias à proteção dos interesses públicos, bem como a inovação de procedimentos específicos em relação à execução forçada prevista no Código de Processo Civil de 1973. Importante salientar que na falta de disposição legal em relação à cobrança de judicial de débitos inscritos em dívida ativa, aplica-se subsidiariamente as regras contidas no CPC, conforme dispõe o artigo 1º da LEF. A lei de execuções fiscais determina procedimentos, ou seja, é uma norma eminentemente estrutural, vez que regula a conduta de um órgão que possui competência para editar normas concretas. Dessa forma, a LEF é um diploma legal que rege a cobrança da dívida ativa de todas as pessoas jurídicas de direito público interno. Machado (2013) ensina que o objeto da ação de execução fiscal nada mais é que a efetivação de um direito presumido líquido e certo por força de lei. O processo executivo fiscal baseia-se na existência e um título executivo, ou seja, a Certidão da Dívida Ativa (CDA), a qual fundamenta a cobrança judicial da dívida nela inscrita. Importante salientar que, conforme artigo 204 do CTN a certidão da dívida ativa, regularmente inscrita goza de certeza e liquidez, a qual possui o efeito de prova pré-constituída. Assim, a Fazenda Pública busca, por meio do Poder Judiciário, bens pertencentes ao devedor, necessários para satisfazer o adimplemento do crédito que está sendo cobrado por meio da ação execução fiscal. 4.1.1 Procedimento da ação execução fiscal Conforme ensina Sabbag e Mazza (2013), a petição inicial da ação de execução fiscal é bem mais simples que as demais, vez que não precisa conter todos os elementos dispostos no artigo 282 do CPC, basta que se indique o juiz a quem a petição é dirigida, o pedido, o requerimento para citação e o valor da causa, conforme o disposto no artigo 6º da LEF. A simplicidade dessa peça inicial se dá em virtude de que CDA, documento que instrui a inicial, já possui todos os demais elementos informativos da peça introdutória. Tendo em vista que a CDA goza de presunção de certeza e liquidez e funciona como prova pré-constituída, a Fazenda pública é dispensada de requerer produção de provas na inicial. O valor da causa é o valor constante da CDA. Entretanto, essa presunção de certeza e liquidez poderá ser afastada a cargo do sujeito passivo, nesse caso, o executado, por meio dos embargos à execução ou a exceção de pré-executividade. O despacho que defere a inicial já determina a citação do executado, a princípio, pelo correio com aviso de recebimento, caso a Fazenda Pública de outro modo não a requeira. Frustrada a tentativa de citação essa será feita via edital. Após a citação, o executado tem o prazo de cinco dias para pagar o débito ou nomear bens a penhora, terminado esse prazo, será feita a penhora de qualquer bem de propriedade do executado, salvo aqueles declarados por lei como impenhoráveis, e se caso ainda não citado o executado e encontrados bens, realizar-se-á o arresto destes, conforme artigo 7º, I,II,III, da LEF. Quem lavrar o auto de penhora também fará a avaliação do bem. Aqui, o executado poderá opor embargos à execução. Embora os embargos à execução corram em apartado da execução fiscal, por se tratar de uma ação autônoma, ela atribui o efeito suspensivo a ação executória. Embora esse efeito suspensivo seja um tema controverso, a doutrina majoritária entende que esse efeito é automático, vez que esse é previsto pela LEF, apesar de não ser de modo expresso. Resolvida à questão através dos embargos, extingue-se esse e a execução fiscal. Indeferido os embargos, extingue-se este e dá normal prosseguimento a execução fiscal. Posterior à penhora de bens é marcado data para a hasta pública. O bem sendo arrematado, o valor arrecadado será depositado em conta vinculada a Fazenda Pública, sendo o valor suficiente para satisfazer o débito, extingue-se o processo, caso contrário, a Fazenda Pública poderá requerer um reforço da penhora, podendo ser até mesmo, penhora on line em contas bancárias de titularidade do executado. Por outro lado, não oferecidos bens pelo devedor ou não encontrados pela Fazenda Pública, essa poderá recorrer à penhora de on line via Bacenjud de créditos bancários. Sendo valores encontrados, esses são reduzidos a termo, depositado em conta vinculada ao juízo, sendo o saldo suficiente para quitar o débito, sem que o executado oponha embargos, extingue-se o processo, caso não seja suficiente, e não encontrados bens, a Fazenda Pública poderá pedir a indisponibilidade de bens e de direitos em nome do devedor. Entretanto, não encontrados o devedor ou bens, o juiz suspenderá o curso da execução fiscal. Passados o prazo de um ano da suspensão do processo e não encontrados ainda, nem devedor nem bens, o juiz mandará que arquive o processo, se nesse interstício algo for encontrado, será determinado o desarquivamento da execução, tudo isso, amparado pelo artigo 40 da LEF. Vejamos o disposto nesse artigo: “Art. 40 – O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição. § 1º – Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública. § 2º – Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos. § 3º – Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução. § 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.  § 5o  A manifestação prévia da Fazenda Pública prevista no § 4o deste artigo será dispensada no caso de cobranças judiciais cujo valor seja inferior ao mínimo fixado por ato do Ministro de Estado da Fazenda”. (BRASIL, CTN,1966). Importante mencionar que o parágrafo 4º do artigo 40 da LEF, trata da prescrição intercorrente, ou seja, caso a Fazenda Pública mantenha-se inerte por cinco anos, a contar da data que determina o arquivamento provisório do processo, essa perderá o direito de cobrar o débito, pois prescreveu seu direito. Entretanto, a inércia deve ser da Fazenda Pública e não do judiciário. Ocorrida a prescrição intercorrente, extingue-se o processo. Por outro lado, o CTN no artigo 156 traz as causas de extinção da ação de execução fiscal. Vejamos:  “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento; II – a compensação; III – a transação; IV – remissão; V – a prescrição e a decadência; VI – a conversão de depósito em renda; VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º; VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164; IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória; X – a decisão judicial passada em julgado. XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.  Parágrafo único. A lei disporá quanto aos efeitos da extinção total ou parcial do crédito sobre a ulterior verificação da irregularidade da sua constituição, observado o disposto nos artigos 144 e 149.” (BRASIL, CTN,1966). Da mesma forma, o artigo 794 do CPC também traz causas de extinção da execução. Entretanto, repete alguns termos mencionados no artigo 156 do CTN. 4.2 A RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS Uma vez iniciada a ação de execução fiscal, a Fazenda Pública irá buscar, por todos os meios legais, a satisfação de seu crédito. No que tange as pessoas jurídicas de direito privado, a Fazenda Pública poderá, em algumas hipóteses, alcançar o patrimônio de terceiros vinculados ao fato gerador, por força do artigo 135 do CTN que assim dispõe: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”. (CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, 1966, in VADE MECUM, 2013). Entretanto, necessário se faz esclarecer quais são os atos praticados pelas pessoas definidas no artigo 135 do CTN, capazes de produzir efeitos jurídicos além da pessoa jurídica. A partir desse momento, passaremos a chamar os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado simplesmente de administradores, para um melhor entendimento do assunto, vez que, conforme leciona Machado (2013), as três designações tem o mesmo sentido, ou seja, são todos a personificação da pessoa jurídica do contribuinte. Segundo alguns doutrinadores, a responsabilidade atribuída aos administradores possui três tipos: a responsabilidade subjetiva, a responsabilidade subjetiva com culpa presumida e responsabilidade objetiva. Rosa Jr. (2001) ensina que a responsabilidade subjetiva está ligada a qualquer ato que implique em excesso de poderes ou infração a lei, pessoalmente atribuído ao administrador. Já a responsabilidade subjetiva com culpa presumida é aquela que admite prova em contrário, vez que o ato, com excesso de poderes ou infração, por si só é culpa do administrador, haja vista que esse tem o poder de gerência. Aqui, tem-se uma presunção juris tantum. Por fim, o administrador responde, por exemplo, pela dívida tributária, haja vista que o não pagamento desta, já é infração a lei, assim, responde o administrador de qualquer jeito pelo ato ilícito. Entretanto, o entendimento já pacificado é de que a responsabilidade do administrador é tão somente subjetiva. A princípio, a responsabilidade recai sobre a pessoa jurídica de direito privado, somente recairá sobre pessoa do administrador se restar comprovado que este agiu com excesso de poderes, infração a lei, ao contrato social ou ao estatuto. Todavia, é necessário verificar o real significado da expressão “excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”, uma vez que tal situação tem servido de fundamento para alcançar os bens dos administradores. Jeniêr (2004) explica que esse fundamento advém do argumento de o não pagamento do débito tributário por si só já seria uma infração ao comando normativo de pagar o débito. Porém, esse fundamento é errôneo, vez que o simples inadimplemento não gera a o redirecionamento da execução para administrador, conforme Súmula 430 do STJ que diz “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente” (BRASIL, STJ, 2010). Obviamente, há implicações resultantes do não pagamento tempestivo do crédito tributário, como juros, mora e multas, situação essa que pode alcançar o patrimônio da sociedade e não do administrador. No entanto, o art. 135, do CTN exerce a finalidade de atribuir responsabilidade pessoal a determinados sujeitos pelas obrigações tributárias resultantes de ações praticadas com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, como todos os casos de excesso de poderes nos diversos regimes societários, entretanto, é indispensável provar o alegado. Desse modo, somente diante de provas é possível redirecionar a execução fiscal para o administrador, mesmo assim, somente no caso de insuficiência patrimonial da sociedade. Importante salientar que o administrador somente será responsabilizado pelos atos praticados à época do fato gerador do objeto da execução fiscal, conforme ensina Rosa Jr. (2001). Necessário, ainda, definir alguns atos ilícitos praticados pelo administrador que estão relacionados com a infração a lei disposta no artigo 135 do CTN. Pinheiro (2011) assevera que a sonegação fiscal, a dissolução irregular, são algumas infrações que ensejam a admissão do administrador no polo passivo da execução fiscal. Resta saber, se o redirecionamento é possível somente após a condenação do agente, ou se há possibilidade somente com base em indícios. No que tange a sonegação fiscal, vejamos alguns julgados a respeito: "A condenação em crime de sonegação fiscal é prova irrefutável de infração à lei. 3. Recurso Especial parcialmente provido". (STJ; REsp 935.839; Proc. 2007/0066994-9; RS; Segunda Turma; Rel. Min. Mauro Campbell Marques; Julg. 5/3/2009; DJE 7/4/2009). (…) "1. A formação de inquérito judicial é indício da ocorrência de causa justificadora e autorizadora da integração dos sócios ao pólo passivo da execução, na condição de administradores da empresa, sem prejuízo da demonstração, via embargos à execução, mediante dilação probatória, da ocorrência ou não da responsabilização vislumbrada.". (TRF 4ª R.; AI 0001292-22.2010.404.0000; RS; Primeira Turma; Relª Desª Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère; DEJF 13/01/2011; Pág. 106) “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REDIRECIONAMENTO. PROVA DA PRÁTICA DE ATO ILÍCITO. QUESTÃO RELEVANTE. OMISSÃO CONFIGURADA.1. O ente público pleiteou o redirecionamento da Execução Fiscal, com amparo nas assertivas de que houve sonegação fiscal e de que há farto acervo probatório que demonstra a prática de ilícito pelo(s) sócio(s) administrador(es). 2. O Tribunal de origem, de forma genérica e abstrata, se limitou a consignar não haver evidências de ilicitude. 3. A singela afirmação de que não há "evidências" da prática de ato de infração à lei ou ao contrato social representa prestação jurisdicional que não prima pelo respeito ao jurisdicionado, e, pior ainda, lhe retira a possibilidade de discutir no Recurso Especial o acerto do decisum, uma vez que isso requer incursão no acervo probatório dos autos. 4. O órgão colegiado do Tribunal a quo fez referência genérica às "evidências", sem se manifestar sobre provas. 5. Cabe à Corte local, em primeiro lugar, esclarecer e individualizar as provas que o Estado do Rio Grande do Sul apresentou, para, em seguida, posicionar-se sobre a sua aptidão para viabilizar o redirecionamento da Execução Fiscal. 6. Reconhecida a tese de violação do art. 535 do CPC, deve ser provido o Recurso Especial para anular o acórdão hostilizado. 7. Agravo Regimental provido”. (AgRg no AREsp 129019 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2011/0298403-3. Ministro HERMAN BENJAMIN. SEGUNDA TURMA. DJ 18/12/2011). Quanto à condenação ou se somente indícios bastariam para que haja redirecionamento da execução para o sócio, conclui-se que trata-se de tema polêmico, entretanto, julgados mais recentes aduzem que indícios são suficientes para o redirecionamento. No que se refere à dissolução irregular da empresa, vale mencionar que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou súmula pacificando entendimento sobre a dissolução de empresas que deixam de funcionar em seus domicílios fiscais e não comunicam essa mudança de modo oficial, o que configura dissolução irregular. A súmula, de número 435, tem a seguinte redação: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”. (BRASIL, STJ, 2010). Conforme fartamente tem decidido o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, confira-se: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE EXECUTADA. REDIRECIONAMENTO DO PROCESSO EXECUTIVO. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 435, DO STJ. 1. A responsabilidade patrimonial secundária do sócio funda-se na regra de que o redirecionamento da execução fiscal somente é cabível quando reste demonstrado ter aquele agido com excesso de poderes, infração de lei ou contra o estatuto, ou ainda na hipótese de dissolução irregular da empresa. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça; 2. Nos termos do verbete sumular de nº 435 do STJ "presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para os sócios gerentes". Assim, evidenciado que a sociedade deixou de funcionar no endereço indicado no contrato social arquivado na junta comercial, desaparecendo sem deixar nova direção, fato este comprovado mediante certidão de oficial de justiça, presume-se a extinção irregular ensejadora do redirecionamento. Agravo de Instrumento conhecido e provido. Decisão reformada.” (TJGO, AGRAVO DE INSTRUMENTO 226270-71.2011.8.09.0000, Rel. DES. FLORIANO GOMES, 3A CAMARA CIVEL, julgado em 04/10/2011, DJe 960 de 14/12/2011). “TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA EMPRESA. COMPROVAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 7/STJ. TAMBÉM APLICÁVEL NAS ALEGAÇÕES DE DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. "A não-localização da empresa no endereço fornecido como domicílio fiscal gera presunção iuris tantum de dissolução irregular. Possibilidade de responsabilização do sócio-gerente a quem caberá o ônus de provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder" (EREsp 852.437/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, Primeira Seção, DJe 3/11/08). 2. "Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente" (Súmula 435/STJ). 3. Modificar o entendimento do Tribunal de origem, segundo o qual a ocorrência da dissolução irregular da empresa restou demonstrada, demandaria a incursão no contexto fático-probatório dos autos, defesa em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 4. "Não cabe o apelo nobre, mesmo pela alínea c do permissivo constitucional, quando a decisão objurgada estiver calcada no revolvimento do conjunto fático-probatório constante dos autos,pois o mencionado recurso é admitido tão somente para a análise de matérias referentes à interpretação de normas infraconstitucionais"(STJ, AgRg no REsp 1.142.056/RS, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma,DJe26/9/12).5. Agravo regimental não provido. No que tange a dissolução irregular, não basta que a tentativa de citação pelo correio reste frustrada, é necessário que o fechamento da empresa seja verificado por oficial de justiça e devidamente certificado nos autos. Quanto a irregularidade no fechamento, poderá ser comprovada através de documentos oriundos de bancos de dados dos órgãos competentes, como as Secretarias da Fazenda e Receita Federal. Pelo exposto, entende que os atos ilícitos tratados no artigo 135 do CTN são oriundos de causas alheias aos interesses da empresa, as quais devidamente comprovadas pela Fazenda Pública, tem o condão de redirecionar a execução fiscal em desfavor do administrador à época do fato gerador da obrigação inadimplida. Assim, conclui-se que a responsabilidade tributária dos sócios nas ações de execução fiscal, embora seja tema polêmico, a doutrina majoritária entende que se trata de responsabilidade subjetiva e subsidiária, ou seja, o administrador responde pessoalmente por qualquer ato que implique abuso de poder, infração de lei, contrato social ou estatutos, caso o patrimônio do contribuinte original seja insuficiente para satisfazer o crédito tributário. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme exposto neste estudo sobre a responsabilidade dos sócios nas ações de execução fiscal, evidenciamos a importância do conhecimento sobre tal tema, tendo em vista que a importância de se cumprir com a obrigação tributária vez que assim, poderá ser proporcionado um bem social ao nosso país, alcançando, desde o saneamento básico até a segurança publica que tanto aflige a sociedade Assim sendo, através do presente trabalho, conclui-se que, com a definição do responsável tributário é possível que a Fazenda Pública possa cobrar seus créditos, tributários ou não, daqueles que, embora não seja o contribuinte de fato, tem um vínculo com o fato gerador. Desse modo, importante salientar que não é qualquer pessoa que pode ser responsabilizado tributariamente. É necessário que essa pessoa tenha, relação com o fato gerador ou, que de algum modo, se beneficiou com ato que originou o débito. Nas ações de execução fiscal, não é diferente, para que haja o redirecionamento da referida ação ao sócio, é necessário que a Fazenda Pública comprove que o mesmo agiu com excesso de poderes, infração a lei, ao contrato social ou estatutos. Uma vez incluídos no polo passivo de uma demanda executiva, os sócios administradores passam a responder subsidiariamente, com o seu patrimônio pela obrigação tributária. Pelo exposto, verifica-se então, que o sócio também pode ser responsável pelas obrigações oriundas da relação tributária existente entre o contribuinte de fato e o Fisco, figurando também, no polo passivo da ação de execução fiscal.
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Da omissão legislativa na instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas
O presente trabalho se propõe a analisar os aspectos subjacentes à omissão legislativa na instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, buscando-se verificar, ao final, se seria viável sua instituição no país. Neste processo, parte-se do surgimento do IGF no direito brasileiro, com a sua introdução na Constituição de 1988. Faz-se, ainda, um breve estudo comparado do instituto, observando casos em que a instituição de impostos semelhantes foi exitosa, bem como situações em que tais impostos não foram mantidos pelos governos estrangeiros, devido aos entraves surgidos. Também são contemplados os principais projetos de lei complementar apresentados com vistas a regulamentar o IGF e permitir sua efetiva aplicação no Brasil. Por fim, são analisados os argumentos que vêm sendo apontados para embasar os posicionamentos favoráveis e contrários à instituição do IGF. A partir da contraposição dos mencionados argumentos, conclui-se que as repercussões positivas da aplicação do IGF superam os seus efeitos negativos. Destarte, ainda que a instituição do imposto não seja tarefa fácil, acredita-se que a tentativa é válida, representando um avanço na busca de um sistema tributário mais justo e equânime.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), antes mesmo de ser introduzido no Brasil pela Constituição de 1988, já ensejava, nas reuniões da Assembleia Nacional Constituinte, fervorosas discussões, seja por se tratar de questão com potencial repercussão financeira, seja porque traz à tona a problemática da justiça fiscal. O IGF é previsto no art. 153, VII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), competindo à União sua instituição e regulamentação, através de lei complementar. Contudo, passadas mais de duas décadas da promulgação da novel Carta Magna e apresentados alguns projetos de lei, o IGF, até a presente data, não foi introduzido no país. Trata-se, em verdade, da única competência tributária atribuída à União Federal que ainda não foi exercida. Em junho de 2010, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, à unanimidade, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 277/2008, de autoria da deputada federal Luciana Genro, que regulamenta o IGF, reacendendo o debate sobre um tema que há alguns anos jazia adormecido no Congresso. Até então, o último projeto a ganhar maior repercussão havia sido o PLP nº 202/1989, apresentado por Fernando Henrique Cardoso, à época senador pelo Estado de São Paulo. O fato é que a proposta de Fernando Henrique, e outras semelhantes a ela apensas, estão prontas para serem votadas pelo Plenário desde 2000, mas nunca chegaram a entrar em pauta. Num país em que é imensa a desigualdade social, incessante deve ser a busca por instrumentos de diminuição das disparidades. Por outro lado, sabe-se que a carga tributária brasileira incide, principalmente, sobre o consumo da população menos favorecida. Daí porque muito se tem falado na necessidade de promover uma reforma no sistema tributário brasileiro. Neste contexto, assume grande relevância o estudo minucioso e aprofundado do IGF, um potencial “distribuidor” de riquezas, reconhecido, inclusive, a nível constitucional. O presente trabalho se propõe justamente a fazer uma analisar dos aspectos subjacentes à omissão legislativa na instituição do IGF, contemplando-o desde o seu surgimento no direito brasileiro, com a previsão na Constituição de 1988, até as possíveis repercussões de sua efetiva instituição, diante da edição da lei complementar regulamentadora. Para tanto, fundamental é a análise dos argumentos que vêm sendo apontados para embasar os posicionamentos acerca da viabilidade ou não da aplicação do IGF no país, pois a apreciação de argumentos contrapostos leva a um entendimento mais abrangente, crítico e consciente do instituto. Impostos semelhantes ao IGF, com esse intuito de onerar o setor mais abastado da população, incidindo sobre seu patrimônio, já foram adotados por muitos países, principalmente europeus. De fato, alguns até abandonaram o imposto, como a Alemanha e a Espanha, mas outros ainda o mantém, a exemplo da Suíça e da França. Assim, o trabalho será engrandecido com um estudo comparado do IGF, analisando-se em que circunstâncias houve êxito na sua instituição, bem como os entraves surgidos, quando de sua aplicação no estrangeiro. Insta salientar, outrossim, que o Direito Comparado não é o foco do corrente estudo, não é um fim em si mesmo, mas sim uma das fontes às quais se vai recorrer para que possa ser traçado um panorama geral do instituto, antes de adentrar no exame das questões relacionadas à inserção do IGF no sistema tributário brasileiro. O primeiro tópico do trabalho versará sobre a competência tributária para criar o IGF, fixada pela Constituição de 1988, numa análise esmiuçada da redação do art. 153, VII, da CRFB/88. Busca-se, com isso, chegar à intenção do legislador constituinte ao trazer o IGF numa norma de eficácia limitada, conferindo à União a competência para instituí-lo. A lei não tem palavras vazias e, por isso, é importante debruçar-se com um olhar crítico sobre o teor do dispositivo legal que consagra um determinado instituto. O segundo tópico cuidará das experiências estrangeiras relacionadas a impostos semelhantes ao IGF. O estudo comparado é realmente elucidativo quando não há, pelo menos por enquanto, como analisar em concreto, na realidade brasileira, um dado instituto. As situações práticas, ainda que em contextos distintos do interno, embasam a formulação de conjecturas sobre o tema, tornando-as menos probabilísticas e mais reais. Observar o tratamento conferido ao imposto por outros sistemas é válido também para nortear o legislador infraconstitucional quando da edição da lei complementar regulamentadora do IGF, que deve tentar sanar os óbices enfrentados alhures e, ao mesmo tempo, importar os aspectos exitosos. No terceiro tópico, serão analisados os principais projetos de lei complementar apresentados para regulamentar o art. 153, VII, da CRFB/88, quais sejam, o PLP nº 202/1989 e o PLP nº 277/2008, culminando, inevitavelmente, num debate político sobre o instituto. Por sua vez, no quarto tópico serão apresentados argumentos favoráveis e contrários que têm sido levantados face ao IGF, demonstrando que há acirrada divergência sobre o tema. Por fim, serão tecidas as considerações finais do trabalho, com a conclusão resultante de todo o caminho percorrido neste estudo do IGF. DESENVOLVIMENTO 1. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: O ART. 153, VII, DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A previsão do Imposto sobre Grandes Fortunas foi uma das inovações da Constituição de 1988, que o incluiu entre os impostos de competência da União, em seu art. 153, VII, in verbis: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – renda e proventos de qualquer natureza; IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI – propriedade territorial rural; VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.[…]” Do teor do dispositivo supracitado, é possível perceber que houve uma preocupação por parte do legislador constituinte no sentido de estabelecer algumas diretrizes para a instituição, pela União, do IGF. De logo, observa-se que a implantação do IGF deve se dar nos termos de lei complementar. Pode-se dizer que as leis complementares têm a função precípua de integrar a eficácia de algumas normas da Constituição, “levando-se em conta o fato de nem todas as normas constitucionais terem o mesmo grau de aplicabilidade e a possibilidade de se tornarem imediatamente eficazes”[1]. Esta, no entanto, é a ideia clássica de lei complementar, haja vista que tal espécie normativa não pode ser definida exclusivamente com base no papel que desempenha no ordenamento, sendo fundamentais à sua caracterização, também, os aspectos formais que lhes são próprios. É que, a partir da Emenda Constitucional (EC) n° 04/1993, que consagrou o modelo parlamentarista, a lei complementar passou a ser identificada eminentemente pelo quórum imposto à sua aprovação. As leis complementares demandam para sua aprovação, portanto, o quórum especial da maioria absoluta dos membros das Casas que compõem o Congresso Nacional, nos termos do art. 69 da Constituição de 1988. Como bem leciona José Afonso da Silva, “as leis complementares, no sistema constitucional vigente, adquiriram relativa rigidez, porque sua aprovação depende do voto favorável da maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional”[2]. Quanto às leis ordinárias, por outro lado, exige-se tão somente a maioria simples, obtida mediante os votos correspondentes a qualquer fração superior à metade dos presentes a uma determinada sessão legislativa. Assim, como o processo formação da lei complementar, no ordenamento jurídico pátrio, é mais rígido do que o previsto para a lei ordinária, visou o constituinte a impor um maior grau de dificuldade para a aprovação do diploma que viesse a instituir o IGF. Com tal medida, por outro lado, pode ter tentado assegurar que houvesse, por parte dos congressistas, um maior comprometimento, envolvimento, dedicação e participação no processo de discussão e aprovação da lei complementar, devido à significativa repercussão social, política e econômica do instituto. Em sentido oposto, entende Ives Gandra Martins que a determinação de que lei complementar estipulará os contornos do IGF é despicienda, pois isso já seria exigido pelo art. 146, III, da CRFB/88, ao dispor que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, de modo que não haveria tributo no sistema tributário brasileiro que não precisasse de lei complementar para lhe conferir o perfil[3]. Ademais, é importante ressaltar que as leis complementares versam sobre matérias próprias, subtraídas do campo de atuação das demais espécies normativas, de forma que apenas neste universo delimitado são validamente exercitáveis. Destarte, o que a Constituição designa como de competência da lei complementar só a ela está reservado, e, se a lei ordinária nessas matérias interferir, não estará ferindo a lei complementar, mas sim a própria Constituição[4]. O inciso VII do art. 153 da Constituição de 1988 cuidou, ainda, de determinar que o IGF incidirá sobre as grandes fortunas. Não especificou o constituinte, no entanto, o exato montante a partir do qual será considerada grande a fortuna. Trata-se, porém, de inteligente técnica legislativa, já que, como o IGF depende de lei complementar para a sua instituição, e não se sabia se ou quando o diploma viria a ser editado, o contexto em que se aferiria o que constituiria uma grande fortuna não mais perduraria no momento da efetiva incidência do imposto. Então, conferiu o constituinte ao legislador infraconstitucional a tarefa de precisar, de acordo com o quadro socioeconômico atual do país, o que poderia ser tido como grande fortuna. Cumpre observar, outrossim, que a utilização da expressão “grandes fortunas”, por si só, sinaliza a intenção do constituinte de onerar algo maior que as simples fortunas, ou seja, patrimônios que, de fato, destoem da realidade econômica dos cidadãos em geral. Desse modo, o legislador infraconstitucional deve atentar para o termo empregado na redação do artigo quando da fixação do que será considerado grande fortuna, a fim de não frustrar o espírito da norma. O entendimento esposado acima é compartilhado por Leandro Paulsen, que, reconhecendo a importância da análise dos conceitos para a determinação da amplitude da competência atribuída, assevera que a outorga de competência pelo critério da base econômica, implica, por si só, numa limitação da respectiva competência às possibilidades semânticas (significados das palavras) e sintáticas (significado das expressões ou frases como um todo, mediante a consideração da inter-relação e implicação mútua entre as palavras) do seu enunciado[5]. Assim, ele observa que, quando o art. 153 outorga competência para instituição de imposto sobre a renda ou sobre a propriedade territorial rural, por exemplo, urge investigar o significado de “renda”, ou de “propriedade rural”, analisando-se tais termos tanto separadamente, como em conjunto. Frisa, outrossim, que esta técnica de abordagem é uma decorrência natural da necessidade de cumprimento da Constituição, em respeito às próprias competências outorgadas. Por outro lado, a linguagem empregada na elaboração da norma jurídica se apresenta, muitas vezes, como uma das maiores dificuldades da atividade interpretativa. Não se pode deixar de considerar que a linguagem do legislador é técnica, de modo que, apesar de se basear no discurso natural, leigo, lança mão de um sem número de palavras e expressões de cunho científico. Além disso, no esforço de extrair a mens legis, ou seja, a vontade do Estado contida no âmago da norma jurídica, e de conferir-lhe uma aplicação adequada, o exegeta se depara com disposições incertas, palavras polissêmicas e, até mesmo, expressões equívocas[6]. Consequentemente, antes de se pensar em aplicar uma norma jurídica é preciso interpretá-la, e os conceitos são de vital importância para o processo hermenêutico. Em verdade, em toda norma residem conceitos, sendo essencial compreendê-los – tanto no âmbito do ordenamento jurídico, como no seio da própria norma – para que se possa extrair o real sentido da norma, viabilizando sua correta aplicação. Conclui-se, pois, ser imprescindível a análise dos vocábulos empregados pelo constituinte quando da previsão do IGF no art. 153, VII, da CRFB/88. Em consulta ao Dicionário Aurélio, obtém-se as seguintes definições, com grifos acrescidos: “fortuna. S. f. 1. Casualidade, eventualidade, acaso. 2. Destino, fado, sorte. 3. Bom êxito; êxito, sucesso. 4. Boa sorte; sorte, felicidade. 5. Revés da sorte; adversidade. 6. Haveres, riqueza.[7] grande. Adj. 2 g. 1. De tamanho, volume, intensidade, valor, etc., acima do normal. 2. Comprido, longo. 3. De grande extensão ou volume. 4. Crescido, desenvolvido, taludo. 5. Numeroso. 6. Intenso, forte. 7. Exagerado, excessivo. 8. Dilatado, longo. 9. Extraordinário, excepcional, desmedido. 10. Imponente, surpreendente. 11. Notável […]”[8] Partindo da leitura do significado desses verbetes, percebe-se que sua escolha por parte do constituinte, dentre tantos outros que expressariam ideia semelhante, parece não ter sido mero acaso. É que, ao empregá-los, pode ter tentado nortear de alguma forma o legislador infraconstitucional na regulamentação do instituto, de modo que os contornos conferidos ao IGF, através da edição da lei complementar, não venham a frustrar os motivos que levaram à introdução da inovação na Constituição de 1988. Por outro lado, a utilização do vocábulo “fortuna” – que, além do sentido óbvio, no presente contexto, qual seja, o de riqueza, possui outros significados, relacionados à casualidade, à sorte, ao êxito e a algo fortuito – não pode ser entendida como uma referência à procedência do patrimônio acumulado: se decorreu do acaso, se foi inesperado, ou se foi fruto exclusivo do trabalho, por exemplo. Isto porque, tal interpretação importaria, sobretudo, em grave ofensa ao princípio da isonomia. Suposições dessa natureza, no entanto, não causam estranheza, pois, como ensina Paulo Cesar Baria de Castilho, segundo a Teoria da Linguagem, toda palavra é potencialmente ambígua, por sempre trazer em sua significação certa dose de imprecisão e de vagueza. A depender do caso, o núcleo central pode ser mais preciso ou mais vago[9]. E a linguagem jurídica não foge a esta regra, já que: “[…] a linguagem jurídica apresenta zonas de penumbra e é, atual ou potencialmente, vaga e imprecisa. Tanto quanto a linguagem natural, portanto, a linguagem jurídica – que naquela vai se nutrir – apresenta uma textura aberta, nela proliferando o que refere Hohfeld como palavras ‘camaleão`, que constituem um perigo tanto para o pensamento claro como para a expressão lúcida. Assim, ambiguidade e imprecisão são marcas características da linguagem jurídica.”[10] De qualquer forma, o que fica claro é que o IGF somente pode recair sobre as “grandes fortunas”, não podendo nem mesmo incidir sobre “fortunas” que não possam ser consideradas grandes, extraordinárias, excepcionais. De fato, fortuna é mais que riqueza, e grande fortuna é bem mais que fortuna simplesmente. Trata-se, portanto, de um universo duplamente restrito aquele em relação ao qual se pode pensar em aplicar o IGF. 2. O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS NO DIREITO COMPARADO: AS EXPERIÊNCIAS ESTRANGEIRAS COM IMPOSTOS SEMELHANTES Pode-se afirmar que, em termos de oneração de fortunas, o Brasil é bastante inexperiente. Afinal, o IGF era desconhecido para a legislação pátria até a promulgação da CRFB/88. Foi o movimento pré-constituinte que ensejou a realização de estudos preliminares sobre o tema, e, somente então, doutrinadores e aplicadores do direito passaram a refletir sobre a possibilidade de se criar no país um imposto sobre as grandes fortunas. O constituinte de 1988 introduziu o instituto na novel Carta Magna, mas subordinou sua efetiva aplicação à edição de uma lei complementar regulamentadora. Neste contexto, é de extrema valia socorrer-se do Direito Comparado. Por isso, serão abordados, a seguir, os principais exemplos do contato que outros países tiveram com impostos sobre a fortuna. De logo, é de se notar que o único país que chegou a adotar um imposto com os mesmos contornos que o IGF foi a França. Os demais países que serão mencionados possuíram ou possuem impostos que apenas guardam alguma semelhança com aquele previsto no art. 153, VII, da CRFB/88, pois incidem sobre o patrimônio, sobre a fortuna, etc., e não efetivamente sobre as grandes fortunas. Na verdade, foi precisamente o modelo francês que inspirou o legislador constituinte brasileiro, embora, inicialmente, tenha se cogitado a implementação de um imposto baseado no Impuesto sobre el Patrimônio espanhol, instituído pela Lei nº 50/1977, o qual recaía sobre os bens suntuosos, sendo, portanto, um imposto sobre a ostentação. Por se tratar de um modelo de tributação analítica, em que o imposto somente incide sobre determinadas espécies de bens e direitos, a estrutura conferida ao imposto na Espanha não foi reproduzida no Brasil, que preferiu instituir um modelo sintético, de modo que o tributo incidisse sobre o patrimônio global, nos moldes da experiência francesa. Nos dizeres de Hamilton Dias de Souza: “A origem desse imposto de grandes fortunas é obscura, porque o que se cogitou detidamente era introduzir entre nós alguma coisa semelhante ao que havia na Espanha, de um imposto sobre determinados bens suntuários. O nome desse imposto na Espanha é imposto sobre o luxo. É fundamentalmente um imposto sobre a ostentação, sobre determinados e particulares bens. Quando se estuda imposto sobre o patrimônio, esse imposto pode ser sobre o patrimônio global ou pode ser sobre parcela desse mesmo patrimônio, ou sobre alguns bens. A ideia no início era introduzir na competência da União um imposto sobre a propriedade de bens suntuários, inspirado esse imposto no imposto sobre o luxo. No Projeto Afonso Arinos esse imposto aparece, num projeto que inicialmente havia sido feito na Comissão do Instituto dos Advogados de São Paulo e da Associação Brasileira de Direito Financeiro também, lá ele foi sugerido, e depois ele foi transformado em imposto sobre grandes fortunas […].”[11] Inicialmente, pode-se dizer que houve um período de entusiasmo, durante o qual a ideia de onerar as fortunas foi estendida para países latinos, como Espanha e França, e até para países anglo-saxônicos, a exemplo da Irlanda. Contudo, no contexto atual, em que indivíduos e recursos são altamente móveis, os países estão se esforçando para implementar políticas sociais ativas, evitando a fuga de capital e dos contribuintes mais abastados. Ademais, ao mesmo tempo em que perseguem os objetivos clássicos da eficiência econômica e da equidade, as autoridades fiscais se empenham cada vez mais em simplificar os procedimentos administrativos, considerando, ainda, numa análise comparativa, os custos e o potencial de arrecadação de outros tipos de imposto[12]. Neste diapasão, e por entenderem que o imposto sobre a fortuna não atendeu às suas expectativas, países como Áustria e Suécia optaram por abandonar o instituto. No âmbito doutrinário internacional, Christophe Heckly defende que os impostos sobre a fortuna não seriam tão equitativos como parecem. Esta, vale salientar, é a mais séria das críticas formuladas contra o instituto, já que a sua criação tem por base justamente a promoção da justiça fiscal. Além disso, ele pontua que para que fossem capazes de promover uma repartição de renda em níveis significativos, os impostos sobre a fortuna acabariam assumindo caráter confiscatório. Em consequência, os governos se deparam com o seguinte dilema: ou o imposto sobre a fortuna não é realmente eficiente na luta contra a desigualdade, ou o é, mas configura efeito de confisco, e foi por esta razão que deixou de ser aplicado, por exemplo, na Alemanha[13]. De fato, a França é o único país da União Europeia a aplicar, atualmente, um imposto sobre a riqueza propriamente dita. No continente europeu, Noruega, Liechtenstein e Suíça possuem formas atenuadas de onerar os mais ricos. Nos últimos anos, muitos países aboliram sua versão do imposto, a exemplo da Áustria, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Holanda, Espanha e Grécia. Já países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Peru e Reino Unido nunca tiveram imposto desta natureza, porque não encontraram méritos que justificassem a sua instituição. Em artigo sobre o assunto, Ives Gandra Martins assim se manifestou: “Não sem razão, sabiamente, a esmagadora maioria dos países não o adotou. Os que o adotaram, criaram tantas hipóteses de exclusão que, ao longo do tempo, deixou de ter qualquer relevância. É que o volume da arrecadação termina por não compensar o custo operacional de sua administração fiscalização e cobrança. Em outras palavras, é um tributo rejeitado no mundo. Tributar a geração de riquezas, na sua circulação, os rendimentos ou lucros é muito mais coerente e justo do que pretender ainda tributar o resultado final daqueles fatos geradores já incididos.”[14] Não obstante, há países que, após extinguirem o imposto, voltaram a aplicá-lo, numa versão pretensamente aperfeiçoada, como é o caso da Alemanha e da França, e outros que cogitam fazê-lo, a exemplo da Espanha. Infere-se, pois, que o imposto não é tão ilógico como defendido por Ives Gandra, no excerto colacionado acima, senão países que o aboliram jamais pensariam em reintroduzi-lo. O imposto sobre a fortuna, na Alemanha, foi suprimido em 1997, após a declaração de sua inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional Alemão, mas passou a ser aplicado novamente, de forma indireta, a partir de janeiro de 2007[15], por intermédio de um aumento de 3% na alíquota do imposto sobre a renda, totalizando o percentual de 45% em relação aos indivíduos que auferem mais de duzentos e cinquenta mil euros por ano e aos casais que ganham mais de quinhentos mil euros ao ano. O governo alemão, vale salientar, decidiu não estender tal medida às empresas familiares – que geralmente são tributadas com base na sistemática do imposto sobre a renda –, a fim de resguardar essas pequenas empresas da incidência de impostos adicionais, já que sua existência é fundamental para a recuperação da economia alemã, fragilizada em razão da crise mundial[16]. Ademais, profissionais liberais, como médicos e advogados, também não sofreram o referido aumento. Ainda assim, a Alemanha espera arrecadar adicionais cento e vinte e sete milhões de euros ao ano com a cobrança do imposto. Na França, foi em 1981 que a esquerda política obteve a maioria necessária para incluir na legislação o primeiro imposto de caráter permanente sobre o patrimônio das pessoas físicas. Ensina Ricardo Lobo Torres que a justificativa inicial para a criação do Impôt sur les Grandes Fortunes – utilizada, inclusive, como bandeira da campanha presidencial de François Mitterrand – foi a de que o tributo seria socialmente justo, economicamente razoável e tecnicamente simples, claro e preciso[17]. Mesmo assim, em julho de 1986, o Impôt sur les Grandes Fortunes foi revogado pelo art. 24 da Lei 86-824, a partir de janeiro de 1987, por influência das concepções liberais da direita. Em 1989, porém, foi instituído o Impôt de Solidarité sur la Fortune (ISF), largamente inspirado na figura extinta. De cunho eminentemente ideológico, o ISF foi incluído na plataforma política dos partidos de esquerda, tendo grande apelo eleitoral, principalmente porque houve uma preocupação em não incomodar a classe média, de modo que o imposto recairia sobre uma parcela mínima da população. Entretanto, Dornelles entende que o Impôt sur les Grandes Fortunes foi restabelecido de forma atenuada pelo governo de Mitterrand, através do ISF, tão somente para marcar um posicionamento ideológico e atender a uma exigência do Partido Socialista[18]. O ISF francês é intrinsecamente sintético, porque incide sobre a totalidade do patrimônio, abrangendo, salvo ressalva expressa, a totalidade dos bens móveis e imóveis do contribuinte, a saber, toda propriedade imobiliária – qualquer que seja a afetação do bem –, todo o capital mobiliário – qualquer que seja a sua forma –, bem como a totalidade dos recursos constantes de contas bancárias ou sob a forma de metais preciosos[19]. O ISF é devido por qualquer “foyer fiscal”[20], com residência na França, cujos ativos, considerados em nível internacional, superem o montante de oitocentos mil euros (em janeiro de 2011), num percentual que varia entre 0,55% e 1,8%. Esta unidade familiar, assim concebida para fins de tributação, inclui os cônjuges e os filhos dependentes (menores de 18 anos), abrangendo tal conceito, ainda, os casais em união civil, que também são tributados conjuntamente. Aqueles que, apesar de não residirem na França, forem proprietários de bens localizados em território francês, igualmente poderão sujeitar-se à incidência do ISF, que será calculado tão somente sobre o valor destes bens; restam excluídos, portanto, os investimentos puramente financeiros. Os bens deverão ser declarados com base no seu valor de mercado e é ônus do contribuinte aferir este quantum, a cada ano. Alguns bens, entretanto, são isentos do ISF, como antiguidades e obras de arte. Há que se ressaltar, porém, que, assim como ocorreu com o antigo Impôt sur les Grandes Fortunes, o Impôt de Solidarité sur la Fortune é bastante criticado pelos próprios franceses, que o acusam de ser tecnicamente inadaptado e economicamente nocivo, além de não estar obtendo êxito no alcance de seu objetivo social. É que o ISF acaba por ter um número exíguo de contribuintes, quando consideradas a sua base de incidência e as hipóteses de isenção legalmente previstas. Há, ainda, problemas relativos à fiscalização. Isto porque, como se trata de um imposto declaratório, se, por um lado, é difícil haver fraude sobre as propriedades, registradas ou não registradas, ou sobre os capitais mobiliários, por outro, há formas de riqueza cuja fiscalização e controle são muito complexos, a exemplo das joias. Ademais, diz-se que o imposto leva várias pessoas ricas a deixar a França para se instalar em países que não onerem as fortunas, o que faz com que o governo perca não apenas o montante que seria arrecadado com o ISF, mas também o capital circulante destes cidadãos emigrantes. Por sinal, é ilustrativo mencionar que um senador francês estimou que 843 pessoas deixaram a França em 2006 em razão do ISF, levando com elas riquezas da ordem de, aproximadamente, 2,8 bilhões de euros[21]. Impende frisar, por fim, que o governo francês está estudando mudanças para redefinir o ISF. As propostas apresentadas sugerem, basicamente, duas diferentes alternativas para tornar o imposto mais afeto aos anseios da população: 1) reduzir as alíquotas e diminuir o número de contribuintes, através do aumento do patrimônio mínimo para fins de incidência do ISF, e 2) tributar apenas o acréscimo anual sobre a riqueza, ao invés do patrimônio acumulado globalmente considerado[22]. De qualquer modo, observa-se que o que se pretende não é revogar o ISF, mas sim promover alguns ajustes no imposto, justamente para viabilizar a sua manutenção no sistema tributário francês. Estima-se que as novas regras relativas ao ISF sejam definidas ainda em 2011, para que possam vigorar a partir do ano de 2012. Na Espanha, foi publicada, em 25 de dezembro de 2008, a Lei nº 04/2008, que suprimiu o Impuesto sobre el Patrimonio, com efeitos desde 01 de janeiro de 2008. O imposto foi extinto tanto para as pessoas com residência fiscal na Espanha, cuja sujeição passiva decorria de obrigação pessoal, como para os não-residentes proprietários de bens no país, que tributavam em razão de obrigação real. Atualmente, o governo espanhol estuda a aprovação de um novo imposto extraordinário incidente sobre os patrimônios superiores a um milhão de euros. Não se trata, porém, de uma tentativa de ressuscitar o imposto extinto em 2008, mas sim de criar uma outra figura, mais semelhante ao imposto sobre grandes fortunas francês. O novo imposto, defendido principalmente pela ala esquerda do Partido Socialista Obrero Español (PSOE), teria caráter complementar às medidas de ajuste do gasto público anunciadas por Zapatero, na luta contra o déficit que levou a cortes no salário dos funcionários, ao congelamento das pensões e à paralisação de obras públicas[23]. Por ora, com a aprovação do orçamento para o ano de 2011 pelo Conselho de Ministros, o governo espanhol promoveu, além de um drástico corte no gasto dos ministérios, um aumento do imposto sobre a renda das pessoas físicas para aqueles que auferem valores mais elevados. Com isso, a alíquota para os rendimentos superiores a cento e vinte mil euros subiu para 44% e, quanto aos superiores a cento e setenta e cinco mil euros, para 45%. O governo espera, assim, aumentar sua arrecadação em duzentos milhões de euros por ano. Resta saber, pois, se, nesse contexto de corte de gastos e aumento da arrecadação, o governo espanhol conseguirá instituir o novo imposto extraordinário sobre os patrimônios superiores a um milhão de euros, em substituição ao extinto Impuesto sobre el Patrimônio. Na Suíça, apesar de o percentual do imposto sobre a fortuna ser fixado pelo governo de cada cantão, a regulamentação geral do instituto é comum, de modo que os residentes pagam o tributo sobre o valor de todos os bens localizados no país, enquanto os não-residentes têm taxados seus rendimentos derivados de empreendimentos e imóveis situados na Suíça[24]. A Noruega, a seu turno, onera com o imposto sobre a fortuna a propriedade imobiliária, nos níveis nacional e municipal. O imposto, vale salientar, é calculado com base no valor de mercado estimado do imóvel[25]. Em Liechtenstein, há uma integração entre o imposto sobre a fortuna e o imposto sobre a renda, através da conciliação dos ativos num tipo especial de rendimento, gerando, pois, o que é tido como base de cálculo ideal para a incidência do tributo unificado. Os indivíduos, portanto, são taxados mediante uma combinação destes dois impostos, embora o patrimônio líquido tributável seja inserido no imposto sobre a renda para fins de cálculo do montante devido. Na prática, o patrimônio líquido é multiplicado por um percentual padrão, e o produto do cálculo se torna uma parte do rendimento tributável[26]. Observa-se, pois, que o legislador infraconstitucional deve levar em consideração as experiências estrangeiras relativas a tributos de natureza semelhante à do IGF, atentando tanto para os países que adotam atualmente o imposto, como para aqueles que, após aplicá-lo por algum tempo, acharam por bem excluí-lo. Também se deve levar em conta os estudos realizados por países que cogitaram instituir um imposto sobre a fortuna, embora tenham decidido recusá-lo, merecendo destaque, ainda, a situação daqueles países que criaram o imposto, posteriormente o revogaram, e, depois, ressuscitaram-no, seja sob a mesma denominação, mas com modificações, seja sob a forma de uma nova figura, que apenas em essência guarda semelhança com o instituto anterior. 3. OS PRINCIPAIS PROJETOS DE LEI COMPLEMENTAR APRESENTADOS: UM DEBATE POLÍTICO Ensina Carrazza que “criar um tributo é descrever abstratamente sua hipótese de incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota”[27]. Assim, observa-se que a Constituição de 1988, no art. 153, VII, tão somente previu a possibilidade de a União criar o IGF, através da edição de uma lei complementar, de modo que ele poderá perfeitamente nunca vir a ser instituído. Mais de duas décadas após a promulgação da novel Carta Magna, foram apresentados dez projetos de lei com vistas a regulamentar o dispositivo constitucional mencionado, quais sejam, o PLP nº 202/1989, que se encontra pronto para a inclusão em pauta; o PLP nº 108/1989, o PLP nº 208/1989, o PLP nº 218/1990 e o PLP nº 268/1990, todos tramitando junto ao PLP nº 202/1989; o PLP nº 193/1994, o PLP nº 70/1991 e o PLP nº 77/1991, que foram arquivados em fevereiro de 1995; o PLP nº 277/2008, que também está pronto para a inclusão em pauta; e, mais recentemente, foi proposto o PLP nº 26/2011, que foi apensado ao PLP nº 277/2008. A tributação das grandes fortunas envolve aspectos operacionais bastante complexos, fazendo com que a regulamentação do instituto demande uma atenção especial do legislador infraconstitucional. Os projetos apresentados buscaram, de diferentes formas, elucidar questões fundamentais para a efetiva aplicação do instituto, como o que constitui uma grande fortuna, se a grande fortuna deve ser assim considerada por ultrapassar um determinado valor monetário ou se deve corresponder a uma percentagem dos maiores contribuintes do Imposto de Renda (IR), se o sujeito passivo será apenas a pessoa física, ou também a pessoa jurídica, se as alíquotas serão proporcionais ou progressivas, se o imposto incidirá sobre o patrimônio bruto ou tão somente sobre o patrimônio líquido, se o IGF terá aplicação universal, recaindo sobre todos os bens, ou se serão excepcionados bens tidos pela lei como meritórios, como serão classificados esses bens, como será realizada a fiscalização do imposto, como compatibilizar o IGF com as normas constitucionais que garantem uma tributação não confiscatória, a propriedade privada e o direito de herança, etc. Em geral, guardadas as peculiaridades de cada projeto, observa-se que a ideia de grande fortuna, fato gerador do IGF, remete ao patrimônio da pessoa física, aferido ano a ano, cujo valor seja superior ao limite fixado pela lei regulamentadora. Este patrimônio compreenderia tanto bens móveis, quanto bens imóveis, desde bens físicos, até bens financeiros, bem como eventuais direitos dos contribuintes[28]. Vale ressaltar, ademais, que a maioria das proposições oferecidas estipula como base de incidência do IGF o patrimônio líquido. Também é recorrente nos projetos a previsão da possibilidade de compensação, haja vista que o fato gerador do IGF poderia abarcar bens e direitos sobre os quais já incidem outros impostos, como o IPVA, em relação aos veículos automotores, e o IPTU, sobre os imóveis urbanos. Dos projetos supramencionados, assumiram maior relevância o PLP nº 202/1989 e o PLP nº 277/2008, seja por terem suscitado maiores debates políticos, seja porque despertaram o interesse da população, chamando, em consequência, a atenção da mídia para a questão. Por conseguinte, proceder-se-á, nos dois sub-tópicos a seguir, a uma análise destes dois projetos de lei complementar, contemplando os contornos que o legislador infraconstitucional propôs para o IGF em cada um deles. 3.1. O Projeto de Lei Complementar nº 202/1989 De autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso, o PLP nº 202/1989 foi o primeiro projeto de lei apresentado com o fim de regulamentar o IGF. Inicialmente registrado sob o n° 162/1989, o projeto foi sucedido por Substitutivo e convertido no PLP nº 202-A, o qual foi apreciado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, sob a relatoria do senador Gomes Carvalho, cujo parecer foi aprovado em turno suplementar. Assim, obtida a aprovação do Senado, em 12 de dezembro de 1989, o projeto foi submetido a revisão na Câmara dos Deputados, oportunidade em que lhe foram apensados, como visto, o PLP nº 108/1989, do deputado Juarez Marques Batista, o PLP nº 208/1989, do deputado Antônio Mariz, o PLP nº 218/1990, do Senado Federal, e o PLP nº 268/1990, do deputado Ivo Cersósimo, e oferecidas vinte emendas. Segundo o PLP nº 202/1989, o fato gerador do IGF seria a titularidade, em 1º de janeiro de cada ano, de fortuna em valor superior a dois milhões de cruzados novos. Para efeito de determinar a fortuna sujeita ao imposto, dever-se-ia considerar o conjunto de todos os bens, situados no país ou no exterior, integrantes do patrimônio do contribuinte, excluídos, no entanto, o seu imóvel de residência – até o valor de quinhentos mil cruzados novos; os instrumentos utilizados pelo contribuinte em atividades de que decorram rendimentos do trabalho assalariado ou autônomo – até o valor de um milhão e duzentos mil cruzados novos; os objetos de antiguidade, arte ou coleção, nas condições e percentagens fixadas em lei; os investimentos em infra-estrutura ferroviária, rodoviária e portuária, energia elétrica e comunicações, nos termos da lei; e outros bens cuja posse ou utilização seja considerada pela lei como sendo de alta relevância social, econômica ou ecológica. Os sujeitos passivos do imposto seriam as pessoas físicas residentes ou domiciliadas no país. Na constância da sociedade conjugal, cada cônjuge seria tributado pela titularidade do patrimônio individual e, se houver, pela metade do valor do patrimônio comum. A base de cálculo do imposto, a seu turno, seria o valor do conjunto dos bens que compõem a fortuna, subtraídas as obrigações pecuniárias do contribuinte, exceto aquelas contraídas para a aquisição dos bens excluídos do cálculo do patrimônio, como explanado no parágrafo anterior. O projeto, em seu art. 4º, prevê a forma de avaliação dos bens. Assim, o valor dos imóveis seguiria a base de cálculo do imposto territorial ou predial, rural ou urbano, ou, se situados no exterior, o custo de aquisição; os créditos pecuniários, sujeitos a correção monetária ou cambial, seriam considerados em seu valor atualizado; e, quanto aos demais, observar-se-ia o custo pelo qual foi adquirido pelo contribuinte. Nos termos do art. 5º do PLP nº 202/1989, o IGF incidiria em quatro diferentes alíquotas – 0,3% (de mais de dois milhões até quatro milhões de cruzados novos); 0,5% (de mais de quatro até seis milhões de cruzados novos); 0,7% (de mais de seis até oito milhões de cruzados novos); 1% (acima de oito milhões de cruzados novos) – a depender da classe de valor do patrimônio. Ademais, o PLP nº 202/1989 dispõe que o montante a ser pago pelo contribuinte do IGF equivaleria à soma das parcelas obtidas mediante a multiplicação do valor compreendido em cada classe pela alíquota correspondente. Do resultado da referida operação, o contribuinte poderia deduzir, ainda, o IR, e o respectivo adicional, pagos sobre rendimentos decorrentes de aplicações financeiras, da exploração de atividades agropastoris, de aluguéis e royalties, de lucros distribuídos por pessoas jurídicas e de ganhos de capital, por ele auferidos no exercício findo. Finalmente, determina o art. 6º que o IGF deveria ser lançado com base em declaração do contribuinte, na forma da lei, da qual deveriam constar todos os bens de seu patrimônio, com seu correspondente valor[29]. Vale frisar que o bem que não constar da declaração presumir-se-á, até prova em contrário, adquirido com rendimentos sonegados do IR, de modo que o imposto devido será lançado no exercício em que for apurada a omissão. Na Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação aprovou o projeto, desde que passasse também uma emenda anexa que estabelecia como base de incidência do imposto o montante de um bilhão de cruzeiros, em oposição aos dois milhões de cruzados novos previstos na redação original. Como fundamento para a imposição da mencionada exigência, alegou-se que, do contrário, estar-se-ia tributando patrimônios não albergados pelo conceito de “grande fortuna”, ferindo, com isso, o princípio do não-confisco e a vedação à bitributação. Operada a modificação sugerida, por outro lado, o IGF, para a mencionada Comissão, seria dotado de juridicidade e constitucionalidade. A Comissão de Finanças e Tributação, a seu turno, proferiu parecer desfavorável ao PLP nº 202/1989. O deputado Francisco Dornelles, relator designado, opinou pela rejeição, alegando que esse tipo de imposto seria ultrapassado, tanto que estaria sendo abandonado noutros países para ser substituído por um imposto de renda progressivo, o qual seria muito mais apto a representar a capacidade de pagar das pessoas e a realizar a justiça fiscal[30]. Demais disso, sustentou que a incidência do IGF sobre os bens imobiliários seria inconstitucional, porque a União não poderia criar um imposto cuja base de cálculo já seria tributada pelo município e pelo estado. Posteriormente, as emendas apresentadas ao projeto foram igualmente submetidas ao crivo da Comissão de Finanças e Tributação, em junho de 1999, e à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, em dezembro de 2000. Apesar de dever tramitar com prioridade, tanto por ser de iniciativa do Senado, como por se tratar de projeto de lei complementar destinado a regulamentar dispositivo constitucional, nos termos do art. 151, II, a e b, item 1, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o PLP nº 202/1989 está pronto para a ordem do dia, na Câmara, desde 06 de dezembro de 2000. Conclui-se, pois, que, apesar da repercussão que o tema assumiu nas Casas Legislativas, ensejando discussões fervorosas entre os parlamentares, e do empenho dos defensores do instituto em conferir-lhe a tônica, falta a vontade política necessária para que se proceda à votação do PLP nº 202/1989. Não obstante, em março de 2008, foi apresentado um novo projeto regulamentador do inciso VII do art. 153 da CRFB/88, o PLP nº 277/2008, que reacendeu o debate acerca do IGF, demonstrando que a questão ainda desperta o interesse político de alguns. 3.2. O Projeto de Lei Complementar nº 277/2008 O PLP nº 277/2008, de autoria da deputada Luciana Genro, e dos deputados Chico Alencar e Ivan Valente, é mais um projeto destinado à regulamentação do IGF. Para embasar a iniciativa, seus autores argumentaram que a alta concentração de riqueza no país suscita o implemento de medidas que promovam uma redistribuição de renda, embora reconheçam que é preciso haver melhorias na fiscalização tributária para que  IGF possa ser aplicado com êxito. Na justificação ao projeto, demonstraram, também, descontentamento com muitas disposições do PLP nº 202/1989. Por conseguinte, o PLP nº 277/2008 promove uma série de alterações em seu teor, visando a corrigir suas deficiências. Pelo PLP nº 202/1989, é permitido deduzir do IR o valor pago a título de IGF, o que seria descabido para os deputados Chico Alencar, Ivan Valente e Luciana Genro, já que o objetivo do imposto seria justamente aumentar a tributação sobre os cidadãos mais abastados, que possuíssem capacidade contributiva para tanto. Para eles, as alíquotas e faixas de tributação também precisariam ser revistas, uma vez que os valores estão desatualizados, e as alíquotas propostas não possuem progressividade suficiente, considerando a desigual distribuição da riqueza no Brasil. Conforme o PLP nº 277/2008, o IGF teria por fato gerador a titularidade, em 1° de janeiro de cada ano, de fortuna em valor superior a dois milhões de reais. Seriam contribuintes do imposto as pessoas físicas domiciliadas no Brasil, o espólio e a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior, em relação ao patrimônio que tiver no país. Para fins de incidência do imposto, fortuna seria o conjunto de todos os bens e direitos, situados no país ou no exterior, integrantes do patrimônio do contribuinte, excluídos, no entanto, os instrumentos utilizados pelo contribuinte em atividades de que decorram rendimentos do trabalho assalariado ou autônomo, até o valor de trezentos mil reais; os objetos de antiguidade, arte ou coleção; bem como outros bens cuja posse ou utilização seja considerada pela lei de alta relevância social, econômica ou ecológica. Ademais, o projeto prevê que, na constância de sociedade conjugal, cada cônjuge seria tributado pela titularidade do patrimônio individual e, se houver, pela metade do valor do patrimônio comum. O IGF teria como base de cálculo o valor do conjunto dos bens que compõem a fortuna, diminuído das obrigações pecuniárias do contribuinte, exceto aquelas contraídas para a aquisição dos bens não compreendidos pelo conceito de fortuna, acima mencionados. Tais bens seriam avaliados pela base de cálculo do imposto territorial ou predial, rural ou urbano, ou se situados no exterior, pelo custo de aquisição, quando imóveis, e pelo seu valor atualizado, em se tratando de créditos pecuniários sujeitos a correção monetária ou cambial. Quanto aos demais bens, o valor seria determinado pelo custo de sua aquisição pelo contribuinte. O PLP nº 277/2008 estabelece a incidência progressiva do IGF, segundo cinco classes distintas de valores patrimoniais, cujas alíquotas variariam entre 1% e 5% – 1% (de mais de dois milhões até cinco milhões de reais); 2% (de mais de cinco até dez milhões de reais); 3% (de mais dez até vinte milhões de reais); 4% (de mais de vinte até cinquenta milhões de reais); 5% (acima de cinquenta milhões de reais) – além de uma classe inicial isenta. Assim, o montante do imposto seria obtido através da soma das parcelas determinadas mediante aplicação da alíquota sobre o valor compreendido em cada classe. O imposto, neste contexto, seria lançado por meio de uma declaração do contribuinte, elaborada na forma da lei, da qual constariam todos os bens do seu patrimônio e o respectivo valor. O bem que não fosse incluído na declaração, presumir-se-ia, até prova em contrário, adquirido com rendimentos sonegados do IR, de modo que os impostos ainda devidos seriam lançados no exercício em que fosse apurada a omissão. Por fim, o projeto consagra a responsabilidade solidária pelo pagamento do IGF sempre que houver indícios de dissimulação do verdadeiro proprietário dos bens ou direitos que constituam o patrimônio, bem como quando os bens forem apresentados em valor inferior ao real. Após a sua propositura, em 26 de março de 2008, o PLP nº 277/2008 seguiu, primeiramente, para a Comissão de Finanças e Tributação. Entretanto, o parecer elaborado pelo deputado João Dado (PDT/SP), designado como relator, não chegou a ser votado, tendo transcorrido in albis o prazo previsto para que a matéria fosse analisada pela Comissão. Em seu parecer, o deputado havia oferecido Substitutivo ao projeto, no qual as alíquotas do IGF incidentes sobre o patrimônio do contribuinte passavam a ser de 0,3% a 1%, em oposição à variação de 1% até 5%, prevista no original. Em seguida, o PLP nº 277/2008 passou para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sendo recebido sob a relatoria do deputado Régis de Oliveira. O deputado destacou, em seu parecer, que a instituição do IGF não objetiva punir a acumulação de riqueza, mas sim promover um sistema tributário mais justo, de modo que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais impostos sobre a renda, em atenção à capacidade contributiva de cada um. Para ele, o IGF deveria funcionar como um imposto complementar ao IR, contribuindo para amenizar as desigualdades sociais existentes no país, principalmente em decorrência da má distribuição de renda. Com a arrecadação do IGF, pois, o governo teria mais recursos disponíveis para investir em saúde, educação, moradia e infra-estrutura, dentre outros serviços básicos destinados à parcela menos favorecida da população[31]. Ao final, o deputado opinou pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do projeto, sem sugerir qualquer modificação à redação inicial. Incluído na pauta de 28 de março de 2010, quando foi iniciada sua discussão na Comissão, houve pedido de vista por alguns deputados, de modo que apenas em 09 de junho de 2010 foi retomado o debate sobre o projeto, que terminou sendo aprovado por unanimidade. Por se tratar de projeto de lei complementar, contudo, a proposição será também objeto de deliberação no Plenário da Casa, oportunidade em que será designado um novo relator para oferecer parecer na Comissão de Finanças e Tributação, que, como visto, ainda não se posicionou sobre a matéria. É de se ressaltar, ademais, que, se o projeto receber emendas em Plenário, deverá voltar às comissões para ser novamente apreciado pelas mesmas. Em 31 de janeiro de 2011, o PLP nº 277/2008 foi arquivado pela Mesa Diretora da Câmara, tendo sido desarquivado em 14 de março de 2011. Ato contínuo, apensou-se ao projeto o PLP nº 26/2011, propositura mais recente visando a regulamentar o IGF. Resta saber, pois, se o PLP nº 277/2011 terá melhor sorte que o PLP nº 202/1989, chegando efetivamente a ser votado pelos parlamentares. Ainda que isso ocorra, porém, não será tarefa fácil conseguir sua aprovação, porque, no Brasil, sempre se tem mostrado um trabalho árduo implementar medidas que onerem os grandes detentores de capital – justamente os titulares das grandes fortunas –, que exercem inegável influência no cenário político nacional, mesmo que de forma indireta. 4. DIVERGÊNCIAS EXISTENTES QUANTO À VIABILIDADE OU NÃO DA INSTITUIÇÃO DO IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS NO PAÍS A instituição do IGF divide a opinião de juristas, políticos e cidadãos. Desde antes da sua previsão na Constituição de 1988, o imposto já era polêmico, principalmente diante da existência, a nível internacional, tanto de experiências de sucesso, em que o instituto é mantido até hoje, como de casos em que a aplicação foi tida como fracassada pelos governos internos, levando à sua extinção. Assim, nem mesmo a opção do constituinte em consagrar o imposto na Carta Magna de 1988 sanou a divergência. Pelo contrário, a exigência constitucional de edição de uma lei complementar para efetivamente criar o IGF, estabelecendo seus contornos, acabou acirrando o debate sobre o tema, que assume, hoje, um caráter muito mais político e econômico, do que propriamente jurídico. Para que se chegue a um posicionamento sobre a viabilidade ou não da aplicação do IGF no país, portanto, é imprescindível que se faça uma análise dos argumentos contrários e favoráveis formulados ao longo do tempo sobre o instituto, o que será contemplado nos sub-tópicos a seguir. 4.1. Argumentos contrários à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas Marcos Cintra, designado como relator para a apreciação das emendas oferecidas ao PLP nº 202/1989 na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, em dezembro de 2000, manifestou, em seu parecer, oposição ao IGF, por entender que o tributo não atenderia aos requisitos básicos de uma matriz tributária desejável, quais sejam, simplicidade, universalidade, baixo custo, alta produtividade e neutralidade alocativa[32]. Ele alegou, ainda, que o IGF levaria a uma tributação excessiva sobre o fluxo de rendimentos, pois a renda – fluxo que gera o patrimônio – e as várias formas de riqueza acumulada já estariam sendo tributadas por outros impostos. Assim, a renda poupada acabaria sofrendo uma dupla-tributação, pois, quando a renda fosse percebida pelo agente econômico, sofreria a incidência do IR, e, quando fosse poupada, sujeitar-se-ia ao IGF, além de outros tributos sobre o patrimônio acumulado, como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Além disso, Cintra destacou que a tributação das grandes fortunas poderia estimular a fuga de recursos financeiros para países que não imponham tal gravame, mormente diante do fenômeno da globalização e das maiores facilidades institucionais e tecnológicas no tocante à mobilidade do fluxo de capital. Ele asseverou, ademais, que as experiências espanhola e francesa indicam que o IGF teria uma produtividade decepcionante e um custo bastante elevado, tanto em razão da resistência social ao imposto, como em relação à dificuldade de sua administração. A fiscalização da exatidão do patrimônio líquido calculado pelo contribuinte, por exemplo, seria praticamente impossível quanto a bens que possam ser facilmente ocultados, como é o caso das joias, dos títulos ao portador, dos valores mobiliários, etc. Por fim, o relator asseverou que a aplicação do IGF envolve enormes dificuldades operacionais, ainda que os projetos apresentados tenham buscado ser precisos quanto à definição e funcionalidade do instituto. Diante destes argumentos, e considerando que o Brasil precisa de um sistema tributário que seja, sobretudo, simples e de baixo custo, o parlamentar concluiu ser inviável a instituição do IGF no país. Há como aspecto desencorajador, também, a dificuldade em determinar o conteúdo do termo “grandes fortunas”, que é o ponto de partida para qualquer discussão acerca da viabilidade do IGF. Mesmo que venha a ser feita, na lei complementar regulamentadora, a quantificação desta expressão, será preciso, ainda, pensar em meios eficazes para combater a evasão fiscal, cujos índices são mais elevados justamente nas faixas superiores de renda e riqueza. Para tanto, é necessário coletar dados que possibilitem uma avaliação profunda e completa do problema, bem como a realização de estudos que forneçam informações confiáveis quanto à estrutura de distribuição do patrimônio dos contribuintes pessoa física. Atualmente, dispõe-se apenas de indicadores parciais sobre tais aspectos, elaborados para outros fins, sendo possível tão somente especular, em grau aproximado, qual seria o âmbito de incidência do IGF. Por outro lado, como repercussão negativa do imposto, principalmente nos países em desenvolvimento, aponta-se que ele seria mais um fator de desincentivo à poupança interna, desestimulando a alocação de investimentos estrangeiros e reduzindo, consequentemente, o crescimento econômico. Além dos complicadores concernentes à administração e à fiscalização do tributo, do risco de redução da poupança interna, do resultado insignificante da arrecadação e do perigo da fuga de capitais, observa Olavo Nery Corsatto – que atuou como consultor legislativo junto ao Senado Federal – que a grande dificuldade prática da instituição do IGF é o critério de avaliação dos bens que compõem o patrimônio das pessoas físicas[33]. Afinal, a eficiência da tributação depende do grau de confiabilidade do levantamento do patrimônio do contribuinte e dos parâmetros de avaliação utilizados. Para ele, pelo menos em tese, o critério ideal seria o valor de mercado dos bens. Contudo, grande parte destes bens não tem um valor de mercado bem definido, de modo que é empregado um alto grau de subjetividade no processo de avaliação, culminando com a obtenção de valores diversos, a depender do avaliador. Em último grau, este problema atingiria diretamente os contribuintes do IGF, haja vista que os projetos até hoje apresentados levam a crer que, uma vez instituído, o tributo seria lançado por declaração. Ueren Domingues, a seu turno, indica como óbice à aplicação do IGF o fato de o imposto recair sobre bens e valores que já seriam objeto de tributação direta[34]. É que, sobre os rendimentos oriundos do trabalho e do capital, por exemplo, o contribuinte teria pago IR, e, sobre o patrimônio, conforme sua natureza, haveria a incidência do ITR, do IPVA, etc., caracterizando-se, assim, o fenômeno da bitributação[35], vedado pelo ordenamento jurídico pátrio. Para ele, as problemáticas ínsitas ao instituto e seus efeitos negativos seriam reconhecidos, inclusive, pelos países que resolveram instituí-lo. Em verdade, a opção de sua aplicação decorreria de motivo ideológico, ou em razão de extrema necessidade financeira, como ocorre nos períodos de guerra ou no pós-guerra. Neste quadro, cientes de todos os seus percalços, os países sustentariam o IGF não em si mesmo considerado, mas diante de situações conjunturais que justificariam a incidência do imposto, favorecendo sua aceitação social. Para Ives Gandra Martins, o IGF, “de qualquer forma, é um imposto de desestímulo. Quando todos os países reduzem os impostos patrimoniais, o Brasil ingressa decididamente pela contramão da história ao criar tal imposição”[36]. Neste sentido, ele alerta que a aprovação do PLP nº 277/2008, que estipula como grande fortuna o patrimônio superior a dois milhões de reais, acabaria atingindo a classe média, que não teria condições de se valer de subterfúgios para minorar a taxação, ou mesmo para dela fugir. Os titulares dos grandes patrimônios, por outro lado, poderiam retirar seus recursos do país, ou transferi-los para empresas, as quais, segundo o projeto em questão, não sofreriam a incidência do IGF. Desta forma, restaria frustrado o objetivo principal do instituto, qual seja, a oneração das verdadeiras grandes fortunas para promover uma melhor distribuição de riquezas através da aplicação da arrecadação do IGF em prol da coletividade. Defende o autor, ademais, que tal mister poderia ser conquistado, com êxito, mediante uma reforma do IR, o que solucionaria, ainda, o problema da bitributação. 4.2. Argumentos favoráveis à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas Grande parte dos argumentos desfavoráveis à aplicação do IGF no país, abordados no sub-tópico anterior, são rebatidos pelos defensores do instituto. Assim, passa-se agora à análise dos aspectos vantajosos atribuídos ao imposto, de modo a contemplar a corrente favorável à sua instituição. De acordo com Olavo Nery Corsatto, a criação do IGF se justificaria em razão da assimetria e perversidade da distribuição de renda e da riqueza no Brasil, o que demanda a implementação de medidas capazes de promover a justiça fiscal[37]. Neste contexto, ele aponta o IGF como um meio bastante eficaz de redistribuir as riquezas, cuja aplicação, inclusive, concretizaria um dispositivo constitucional. A quantidade limitada e pequena de contribuintes, por outro lado, facilitaria a cobrança e o controle do imposto. Ademais, Corsatto ressalta que o IGF teria a utilidade adicional de servir como subsídio para a fiscalização da arrecadação do IR, bem como de outros impostos sobre o patrimônio, além de combater a evasão fiscal, através do cruzamento de cadastros, dados e informações tributárias. Os defensores da ideia, portanto, reconhecem que o IGF teria arrecadação pouco significativa, mas contra-argumentam que o seu intuito não é meramente arrecadatório, pois se trata de um imposto estatístico, complementar e potencializador dos resultados do IR. Assim, mesmo diante da arrecadação pífia do tributo, sua instituição seria viável devido às repercussões do ponto de vista extrafiscal. Acrescente-se, a isto, ainda, o fato de que as lacunas na tributação das terras rurais e sobre imóveis urbanos e a reduzida tributação sobre heranças e doações poderiam ser eficientemente contornadas através da incidência do IGF. Em oposição à alegação de que o IGF prejudicaria os níveis da poupança interna, o então deputado federal José Pimentel, hoje senador pelo Estado do Ceará, sustentou em defesa do IGF, quando da apreciação do PLP nº 202/1989 pela Comissão de Finanças e Tributação, que não há embasamento técnico para tal conjectura, pois as decisões de investimento baseiam-se muito mais nas perspectivas de rentabilidade líquida do que em qualquer outra coisa[38]. A conjuntura macroeconômica e o grau de estabilidade do ambiente político e econômico circundantes, e não a existência ou não de um determinado imposto, por conseguinte, é que seriam os fatores primordialmente considerados pelos particulares na escolha dos seus investimentos. Uma das principais críticas dirigidas ao IGF é a de que ele incidiria sobre bens e rendas já tributados, configurando um bis in idem fiscal. No entanto, há que se destacar que a previsão constitucional do instituto indica que o mesmo recai sobre as grandes fortunas especificamente, de modo que o dispositivo não prevê um imposto sobre o patrimônio ou sobre as fortunas em geral, mas sim exclusivamente sobre a acumulação de riquezas acima de um determinado nível. Este detalhe constitui justamente a essência do fato gerador do IGF, individualizando-o e diferenciando-o do de outros impostos, como o IPTU e o ITR, em que é suficiente a propriedade do bem, independentemente da quantidade de bens possuídos, para caracterizar o fato gerador do imposto. Por outro lado, o argumento da bitributação estaria afastado também em razão da compreensão do IGF como um imposto de caráter complementar, por meio do qual o Fisco poderia atingir contribuintes que, de alguma forma, conseguiram se livrar da incidência de um ou mais impostos, quando estes eram devidos, ou mesmo corrigir fluxos de renda captados a menor, igualmente em decorrência de alguma manobra malfadada. Sob tal perspectiva, o IGF teria como objetivo principal ampliar o alcance da tributação sobre os ganhos de capital, assumindo, portanto, uma finalidade eminentemente fiscal. Amir Khair, mestre em finanças públicas pela Fundação Getúlio Vargas, indica os seguintes argumentos para justificar o seu apoio à criação do IGF: “Em vez de afugentar, deve atrair mais o capital ao permitir a desoneração do fluxo econômico, gerando maior consumo, produção e lucros. Não teria nenhum conflito com os impostos existentes, pois sua base tributária é o valor total dos bens. Quanto às dificuldades de avaliação dos títulos mobiliários, o registro eletrônico das transações e as posições fornecidas pelos bancos podem resolver o problema. […] A regulamentação do IGF irá diminuir a forte regressividade do sistema tributário, descentralizar mais recursos para Estados e Municípios, desonerar a folha de pagamento das empresas, contribuindo para reduzir a  informalidade e com isso gerar empregos e desenvolvimento.”[39] Num artigo em que trata das vantagens da justiça fiscal, Khair destaca que a substituição de tributos indiretos, que atingem o fluxo econômico, por tributos que incidem sobre o estoque da riqueza, como o IGF, estimularia o desenvolvimento da economia. Isto porque, o redirecionamento da carga tributária provocaria um aumento nos níveis de consumo e de produção, gerando lucros maiores, que, por sua vez, compensariam a tributação sobre a riqueza. Daí ele afirmar que, ao contrário do que alguns propalam, uma tributação mais intensa sobre o patrimônio não afugentaria empresas, pois a dinâmica econômica é muito mais abrangente e envolve uma série de questões, não podendo ser entendida de forma tão simplória, em atenção a um único aspecto. Em verdade, ao impulsionar o desenvolvimento interno, esta substituição traria até mais lucro para as empresas. Além disso, Khair acrescenta que o desenvolvimento econômico ampliaria a arrecadação pública, gerando mais recursos para o atendimento das necessidades da população e para a promoção de melhorias na infraestrutura do país. Por outro lado, com o aumento do poder aquisitivo, haveria uma redução da demanda potencial da população por serviços públicos, num quadro oposto àquele verificado em situações de estagnação econômica, quando o poder público é pressionado através de várias reivindicações e conta com menos recursos[40]. Ademais, o art. 3º, § 2º, d, do PLP nº 202/1989, prevê que serão excluídos do patrimônio a ser tributado pelo IGF os investimentos na infra-estrutura ferroviária, rodoviária e portuária, bem como em energia elétrica e comunicações, nos termos da lei. Destarte, alega-se, em favor do IGF, que, a possibilidade de deduzir os investimentos nestes setores do cálculo do imposto incentivaria a aplicação do patrimônio privado em atividades de base reconhecidamente carentes de recursos estatais. Como tais áreas não oferecem tantos atrativos, seja porque algumas são monopólio estatal, seja por não serem opções de mercado lucrativas, não recebem, geralmente, muitos financiamentos e investimentos voluntários. Neste quadro, o IGF atuaria como verdadeiro indutor da canalização de recursos para melhorias na infraestrutura do país. Caberia à lei ordinária, entretanto, especificar os detalhes para que a aplicação fosse válida para este fim, definindo, por exemplo, quais seriam os instrumentos hábeis a comprovar a realização e a destinação precisa dos investimentos. A Constituição de 1988 veda a instituição de tributos com efeito confiscatório. Daí, poder-se-ia levantar a hipótese de o IGF ser sentido pelo contribuinte como confisco, por parte do Estado, de parcela do seu patrimônio acumulado, sem que houvesse qualquer justificativa razoável ou contraprestação equivalente para tanto. Esta ideia, contudo, não merece prosperar, pelo menos quando levados em consideração o PLP nº 202/1989 e o PLP nº 277/2008, que preveem alíquotas baixas para o IGF, se comparadas com aquelas fixadas para outros impostos, a exemplo do IR. E não poderia ser diferente, pois o caráter complementar e as finalidades preponderantemente extrafiscais do IGF pressupõem alíquotas modestas, até porque a sua base de cálculo sempre será uma monta considerável, sob pena de o patrimônio não se enquadrar naquilo que a lei vier a conceber como grande fortuna. Por fim, o grande trunfo dos padrinhos do IGF: a ideia de que o imposto seria um importante instrumento de concretização da justiça fiscal[41]. A justiça fiscal pressupõe uma oneração equitativa dos contribuintes, na proporção de sua capacidade contributiva, sendo, pois, a manifestação do princípio da igualdade em matéria de arrecadação tributária. Assim, a justiça fiscal deve ser um dos valores supremos de um Estado Democrático de Direito, para que as necessidades estatais possam ser plenamente supridas sem que a população seja sobrecarregada, bem como para que haja uma proporcionalidade entre as cargas tributárias impostas às diferentes classes sociais, em atenção à capacidade econômica de cada uma. Neste contexto, o IGF apresentar-se-ia como um instituto apto a colaborar substancialmente para a construção de um sistema tributário mais justo. CONCLUSÃO Após a análise dos diversos aspectos relacionados à inserção do IGF dentre os impostos de competência da União na Constituição de 1988 e das polêmicas questões que estão por trás da não edição da lei complementar regulamentadora até o presente momento, resta claro que o instituto está intimamente ligado a interesses político-econômicos, de modo que uma argumentação de cunho eminentemente jurídico não é suficiente para embasar posicionamentos quanto ao tema, quer sejam favoráveis ou contrários. A viabilidade ou não da instituição do IGF no país depende justamente do sopesamento dos diversos fatores atinentes ao imposto, para que se possa aferir se as suas consequências positivas superam os obstáculos levantados contra a sua aplicação. Neste processo, o assunto deve ser encarado de forma consciente e realística, para que não se deixe levar pelos encantos da teoria, esquecendo-se do abismo que separa, no Brasil, as ideias potencialmente boas de sua fiel concretização. Por outro lado, deve-se atentar para o fato de que o IGF não pretende impor uma punição aos contribuintes, nem estarão eles fazendo caridade ao recolher o imposto. Não visa o instituto, pois, a penalizar os cidadãos mais ricos pela acumulação de riquezas, nem objetiva angariar recursos para promover medidas assistencialistas genéricas, devendo ser encarado com a seriedade ínsita às figuras tributárias e às previsões constitucionais. O produto da arrecadação do IGF, como visto, provavelmente não será colossal, mas nem por isso deixa de ser significativo. Ademais, o IGF não tem função meramente arrecadatória, não sendo o potencial financeiro, realmente, seu principal atrativo. A ideia de onerar as grandes fortunas, consubstanciada no IGF e em impostos semelhantes, vai muito além da questão fiscal, tendo fins albergados por valores de ordem superior, que não são facilmente realizáveis e que, por isso mesmo, precisam de um instrumento de implementação sólido, apoiado por economistas, políticos, juristas e cidadãos, para que haja pelo menos uma possibilidade de concretizá-los. Dentre os fins nobres aos quais o IGF se presta, destaca-se a justiça fiscal. Esse imposto é capaz de tornar o sistema tributário brasileiro mais justo – ao fazer com que os ricos contribuam mais, tanto sobre a renda, como sobre acumulação de grandes fortunas –, além de primar pela observância do princípio da capacidade contributiva, podendo ser aplicado sem macular a vedação constitucional ao confisco, e objetivar, em último grau, redistribuir a renda e diminuir as desigualdades. Assim, merece uma atenção especial dos parlamentares, que não podem continuar inertes diante da previsão constitucional. O problema é que, no Brasil, sempre se tem mostrado uma tarefa difícil atingir os interesses dos detentores do capital. Em verdade, o receio de desagradá-los ou afugentá-los fez com que fosse construída uma legislação nitidamente protecionista no que concerne à riqueza, o que acaba propiciando sua crescente acumulação por aqueles que a detêm, em detrimento da grande maioria da população. É claro que há uma forte dependência da economia nacional em relação ao capital injetado pelos donos das grandes fortunas, mas o fato é que é o consumo cada vez maior das classes menos favorecidas que tem sustentado o crescimento econômico do país. É preciso, portanto, implementar medidas que corrijam tal distorção, sempre na busca de um sistema tributário mais justo e equânime, ao invés de perpetuar a desproporcionalidade da carga tributária brasileira, que infelizmente já se tornou, assim como a desigualdade, característica típica do país. Ademais, da análise das críticas formuladas contra o IGF e das benesses que a ele são atribuídas, observa-se que há não só argumentos aptos a rebater grande parte dos empecilhos apontados como inviabilizadores da aplicação do IGF, como também vantagens outras que demonstram com louvor que as finalidades extrafiscais do tributo compensam a superação dos óbices que eventualmente venham a persistir, por não poderem ser completamente solucionados. A exigência de contornar as dificuldades, inclusive, não é exclusiva do IGF. Pelo contrário, trata-se de um desafio presente na vivência prática de uma série de institutos, que não deixaram de ser aplicados por ensejarem este esforço extra. No caso do IGF, especificamente, o cuidado especial demandado pelo imposto será devidamente recompensado a médio prazo, embora acredite-se que a partir do início de sua aplicação já poderão ser vistos resultados práticos. Quanto aos moldes segundo os quais o IGF deveria ser aplicado, uma vez instituído, tem-se que nenhum dos projetos de lei complementar apresentados até o momento conferiu-lhe regulamentação integralmente adequada. Para que o imposto em questão alcance as finalidades a que se destina, por conseguinte, mostra-se necessária a elaboração de um novo projeto, que agregue os dispositivos mais apropriados de cada um dos anteriores, conformando-os, naturalmente, ao contexto socioeconômico hodierno. Apenas a título de exemplo, a fim de incidir sobre as verdadeiras grandes fortunas, deveria ser fixada, na nova lei regulamentadora, faixa de isenção do IGF com valor superior àqueles previstos no PLP nº 202/1989 e no PLP nº 277/2008. No que concerne às alíquotas, por outro lado, o PLP nº 277/2008 foi mais feliz que o PLP nº 202/1989, estabelecendo uma progressividade mais consentânea com as diferentes classes de patrimônio oneradas. Por fim, insta asseverar que qualquer inovação, a princípio, passa por uma fase de adaptação e precisa de alguns ajustes. Com o IGF não será diferente. Apenas com o passar do tempo, mediante a observação do funcionamento do imposto no âmbito do sistema tributário nacional, é que será possível constatar se ele é ou não viável no país. De imediato, a edição da lei complementar mostra-se necessária, haja vista que, embora importante, a elaboração de estudos prévios somente sinaliza direções e fomenta especulações, que podem nunca vir a se concretizar, mormente quando não se sabe ao certo os contornos que serão conferidos ao instituto. Por conseguinte, não se está sustentando aqui que a instituição do imposto será tranquila, pacífica e completamente exitosa, mas sim que a tentativa é válida, seja porque trará inúmeras repercussões meritórias, já enumeradas, seja porque, na pior das hipóteses, sempre será possível a posterior extinção da figura.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/da-omissao-legislativa-na-instituicao-do-imposto-sobre-grandes-fortunas/
Da omissão legislativa na instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas
O presente trabalho se propõe a analisar os aspectos subjacentes à omissão legislativa na instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas, buscando-se verificar, ao final, se seria viável sua instituição no país. Neste processo, parte-se do surgimento do IGF no direito brasileiro, com a sua introdução na Constituição de 1988. Faz-se, ainda, um breve estudo comparado do instituto, observando casos em que a instituição de impostos semelhantes foi exitosa, bem como situações em que tais impostos não foram mantidos pelos governos estrangeiros, devido aos entraves surgidos. Também são contemplados os principais projetos de lei complementar apresentados com vistas a regulamentar o IGF e permitir sua efetiva aplicação no Brasil. Por fim, são analisados os argumentos que vêm sendo apontados para embasar os posicionamentos favoráveis e contrários à instituição do IGF. A partir da contraposição dos mencionados argumentos, conclui-se que as repercussões positivas da aplicação do IGF superam os seus efeitos negativos. Destarte, ainda que a instituição do imposto não seja tarefa fácil, acredita-se que a tentativa é válida, representando um avanço na busca de um sistema tributário mais justo e equânime.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), antes mesmo de ser introduzido no Brasil pela Constituição de 1988, já ensejava, nas reuniões da Assembleia Nacional Constituinte, fervorosas discussões, seja por se tratar de questão com potencial repercussão financeira, seja porque traz à tona a problemática da justiça fiscal. O IGF é previsto no art. 153, VII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), competindo à União sua instituição e regulamentação, através de lei complementar. Contudo, passadas mais de duas décadas da promulgação da novel Carta Magna e apresentados alguns projetos de lei, o IGF, até a presente data, não foi introduzido no país. Trata-se, em verdade, da única competência tributária atribuída à União Federal que ainda não foi exercida. Em junho de 2010, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, à unanimidade, o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 277/2008, de autoria da deputada federal Luciana Genro, que regulamenta o IGF, reacendendo o debate sobre um tema que há alguns anos jazia adormecido no Congresso. Até então, o último projeto a ganhar maior repercussão havia sido o PLP nº 202/1989, apresentado por Fernando Henrique Cardoso, à época senador pelo Estado de São Paulo. O fato é que a proposta de Fernando Henrique, e outras semelhantes a ela apensas, estão prontas para serem votadas pelo Plenário desde 2000, mas nunca chegaram a entrar em pauta. Num país em que é imensa a desigualdade social, incessante deve ser a busca por instrumentos de diminuição das disparidades. Por outro lado, sabe-se que a carga tributária brasileira incide, principalmente, sobre o consumo da população menos favorecida. Daí porque muito se tem falado na necessidade de promover uma reforma no sistema tributário brasileiro. Neste contexto, assume grande relevância o estudo minucioso e aprofundado do IGF, um potencial “distribuidor” de riquezas, reconhecido, inclusive, a nível constitucional. O presente trabalho se propõe justamente a fazer uma analisar dos aspectos subjacentes à omissão legislativa na instituição do IGF, contemplando-o desde o seu surgimento no direito brasileiro, com a previsão na Constituição de 1988, até as possíveis repercussões de sua efetiva instituição, diante da edição da lei complementar regulamentadora. Para tanto, fundamental é a análise dos argumentos que vêm sendo apontados para embasar os posicionamentos acerca da viabilidade ou não da aplicação do IGF no país, pois a apreciação de argumentos contrapostos leva a um entendimento mais abrangente, crítico e consciente do instituto. Impostos semelhantes ao IGF, com esse intuito de onerar o setor mais abastado da população, incidindo sobre seu patrimônio, já foram adotados por muitos países, principalmente europeus. De fato, alguns até abandonaram o imposto, como a Alemanha e a Espanha, mas outros ainda o mantém, a exemplo da Suíça e da França. Assim, o trabalho será engrandecido com um estudo comparado do IGF, analisando-se em que circunstâncias houve êxito na sua instituição, bem como os entraves surgidos, quando de sua aplicação no estrangeiro. Insta salientar, outrossim, que o Direito Comparado não é o foco do corrente estudo, não é um fim em si mesmo, mas sim uma das fontes às quais se vai recorrer para que possa ser traçado um panorama geral do instituto, antes de adentrar no exame das questões relacionadas à inserção do IGF no sistema tributário brasileiro. O primeiro tópico do trabalho versará sobre a competência tributária para criar o IGF, fixada pela Constituição de 1988, numa análise esmiuçada da redação do art. 153, VII, da CRFB/88. Busca-se, com isso, chegar à intenção do legislador constituinte ao trazer o IGF numa norma de eficácia limitada, conferindo à União a competência para instituí-lo. A lei não tem palavras vazias e, por isso, é importante debruçar-se com um olhar crítico sobre o teor do dispositivo legal que consagra um determinado instituto. O segundo tópico cuidará das experiências estrangeiras relacionadas a impostos semelhantes ao IGF. O estudo comparado é realmente elucidativo quando não há, pelo menos por enquanto, como analisar em concreto, na realidade brasileira, um dado instituto. As situações práticas, ainda que em contextos distintos do interno, embasam a formulação de conjecturas sobre o tema, tornando-as menos probabilísticas e mais reais. Observar o tratamento conferido ao imposto por outros sistemas é válido também para nortear o legislador infraconstitucional quando da edição da lei complementar regulamentadora do IGF, que deve tentar sanar os óbices enfrentados alhures e, ao mesmo tempo, importar os aspectos exitosos. No terceiro tópico, serão analisados os principais projetos de lei complementar apresentados para regulamentar o art. 153, VII, da CRFB/88, quais sejam, o PLP nº 202/1989 e o PLP nº 277/2008, culminando, inevitavelmente, num debate político sobre o instituto. Por sua vez, no quarto tópico serão apresentados argumentos favoráveis e contrários que têm sido levantados face ao IGF, demonstrando que há acirrada divergência sobre o tema. Por fim, serão tecidas as considerações finais do trabalho, com a conclusão resultante de todo o caminho percorrido neste estudo do IGF. DESENVOLVIMENTO 1. COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: O ART. 153, VII, DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 A previsão do Imposto sobre Grandes Fortunas foi uma das inovações da Constituição de 1988, que o incluiu entre os impostos de competência da União, em seu art. 153, VII, in verbis: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros; II – exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III – renda e proventos de qualquer natureza; IV – produtos industrializados; V – operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI – propriedade territorial rural; VII – grandes fortunas, nos termos de lei complementar.[…]” Do teor do dispositivo supracitado, é possível perceber que houve uma preocupação por parte do legislador constituinte no sentido de estabelecer algumas diretrizes para a instituição, pela União, do IGF. De logo, observa-se que a implantação do IGF deve se dar nos termos de lei complementar. Pode-se dizer que as leis complementares têm a função precípua de integrar a eficácia de algumas normas da Constituição, “levando-se em conta o fato de nem todas as normas constitucionais terem o mesmo grau de aplicabilidade e a possibilidade de se tornarem imediatamente eficazes”[1]. Esta, no entanto, é a ideia clássica de lei complementar, haja vista que tal espécie normativa não pode ser definida exclusivamente com base no papel que desempenha no ordenamento, sendo fundamentais à sua caracterização, também, os aspectos formais que lhes são próprios. É que, a partir da Emenda Constitucional (EC) n° 04/1993, que consagrou o modelo parlamentarista, a lei complementar passou a ser identificada eminentemente pelo quórum imposto à sua aprovação. As leis complementares demandam para sua aprovação, portanto, o quórum especial da maioria absoluta dos membros das Casas que compõem o Congresso Nacional, nos termos do art. 69 da Constituição de 1988. Como bem leciona José Afonso da Silva, “as leis complementares, no sistema constitucional vigente, adquiriram relativa rigidez, porque sua aprovação depende do voto favorável da maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional”[2]. Quanto às leis ordinárias, por outro lado, exige-se tão somente a maioria simples, obtida mediante os votos correspondentes a qualquer fração superior à metade dos presentes a uma determinada sessão legislativa. Assim, como o processo formação da lei complementar, no ordenamento jurídico pátrio, é mais rígido do que o previsto para a lei ordinária, visou o constituinte a impor um maior grau de dificuldade para a aprovação do diploma que viesse a instituir o IGF. Com tal medida, por outro lado, pode ter tentado assegurar que houvesse, por parte dos congressistas, um maior comprometimento, envolvimento, dedicação e participação no processo de discussão e aprovação da lei complementar, devido à significativa repercussão social, política e econômica do instituto. Em sentido oposto, entende Ives Gandra Martins que a determinação de que lei complementar estipulará os contornos do IGF é despicienda, pois isso já seria exigido pelo art. 146, III, da CRFB/88, ao dispor que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, de modo que não haveria tributo no sistema tributário brasileiro que não precisasse de lei complementar para lhe conferir o perfil[3]. Ademais, é importante ressaltar que as leis complementares versam sobre matérias próprias, subtraídas do campo de atuação das demais espécies normativas, de forma que apenas neste universo delimitado são validamente exercitáveis. Destarte, o que a Constituição designa como de competência da lei complementar só a ela está reservado, e, se a lei ordinária nessas matérias interferir, não estará ferindo a lei complementar, mas sim a própria Constituição[4]. O inciso VII do art. 153 da Constituição de 1988 cuidou, ainda, de determinar que o IGF incidirá sobre as grandes fortunas. Não especificou o constituinte, no entanto, o exato montante a partir do qual será considerada grande a fortuna. Trata-se, porém, de inteligente técnica legislativa, já que, como o IGF depende de lei complementar para a sua instituição, e não se sabia se ou quando o diploma viria a ser editado, o contexto em que se aferiria o que constituiria uma grande fortuna não mais perduraria no momento da efetiva incidência do imposto. Então, conferiu o constituinte ao legislador infraconstitucional a tarefa de precisar, de acordo com o quadro socioeconômico atual do país, o que poderia ser tido como grande fortuna. Cumpre observar, outrossim, que a utilização da expressão “grandes fortunas”, por si só, sinaliza a intenção do constituinte de onerar algo maior que as simples fortunas, ou seja, patrimônios que, de fato, destoem da realidade econômica dos cidadãos em geral. Desse modo, o legislador infraconstitucional deve atentar para o termo empregado na redação do artigo quando da fixação do que será considerado grande fortuna, a fim de não frustrar o espírito da norma. O entendimento esposado acima é compartilhado por Leandro Paulsen, que, reconhecendo a importância da análise dos conceitos para a determinação da amplitude da competência atribuída, assevera que a outorga de competência pelo critério da base econômica, implica, por si só, numa limitação da respectiva competência às possibilidades semânticas (significados das palavras) e sintáticas (significado das expressões ou frases como um todo, mediante a consideração da inter-relação e implicação mútua entre as palavras) do seu enunciado[5]. Assim, ele observa que, quando o art. 153 outorga competência para instituição de imposto sobre a renda ou sobre a propriedade territorial rural, por exemplo, urge investigar o significado de “renda”, ou de “propriedade rural”, analisando-se tais termos tanto separadamente, como em conjunto. Frisa, outrossim, que esta técnica de abordagem é uma decorrência natural da necessidade de cumprimento da Constituição, em respeito às próprias competências outorgadas. Por outro lado, a linguagem empregada na elaboração da norma jurídica se apresenta, muitas vezes, como uma das maiores dificuldades da atividade interpretativa. Não se pode deixar de considerar que a linguagem do legislador é técnica, de modo que, apesar de se basear no discurso natural, leigo, lança mão de um sem número de palavras e expressões de cunho científico. Além disso, no esforço de extrair a mens legis, ou seja, a vontade do Estado contida no âmago da norma jurídica, e de conferir-lhe uma aplicação adequada, o exegeta se depara com disposições incertas, palavras polissêmicas e, até mesmo, expressões equívocas[6]. Consequentemente, antes de se pensar em aplicar uma norma jurídica é preciso interpretá-la, e os conceitos são de vital importância para o processo hermenêutico. Em verdade, em toda norma residem conceitos, sendo essencial compreendê-los – tanto no âmbito do ordenamento jurídico, como no seio da própria norma – para que se possa extrair o real sentido da norma, viabilizando sua correta aplicação. Conclui-se, pois, ser imprescindível a análise dos vocábulos empregados pelo constituinte quando da previsão do IGF no art. 153, VII, da CRFB/88. Em consulta ao Dicionário Aurélio, obtém-se as seguintes definições, com grifos acrescidos: “fortuna. S. f. 1. Casualidade, eventualidade, acaso. 2. Destino, fado, sorte. 3. Bom êxito; êxito, sucesso. 4. Boa sorte; sorte, felicidade. 5. Revés da sorte; adversidade. 6. Haveres, riqueza.[7] grande. Adj. 2 g. 1. De tamanho, volume, intensidade, valor, etc., acima do normal. 2. Comprido, longo. 3. De grande extensão ou volume. 4. Crescido, desenvolvido, taludo. 5. Numeroso. 6. Intenso, forte. 7. Exagerado, excessivo. 8. Dilatado, longo. 9. Extraordinário, excepcional, desmedido. 10. Imponente, surpreendente. 11. Notável […]”[8] Partindo da leitura do significado desses verbetes, percebe-se que sua escolha por parte do constituinte, dentre tantos outros que expressariam ideia semelhante, parece não ter sido mero acaso. É que, ao empregá-los, pode ter tentado nortear de alguma forma o legislador infraconstitucional na regulamentação do instituto, de modo que os contornos conferidos ao IGF, através da edição da lei complementar, não venham a frustrar os motivos que levaram à introdução da inovação na Constituição de 1988. Por outro lado, a utilização do vocábulo “fortuna” – que, além do sentido óbvio, no presente contexto, qual seja, o de riqueza, possui outros significados, relacionados à casualidade, à sorte, ao êxito e a algo fortuito – não pode ser entendida como uma referência à procedência do patrimônio acumulado: se decorreu do acaso, se foi inesperado, ou se foi fruto exclusivo do trabalho, por exemplo. Isto porque, tal interpretação importaria, sobretudo, em grave ofensa ao princípio da isonomia. Suposições dessa natureza, no entanto, não causam estranheza, pois, como ensina Paulo Cesar Baria de Castilho, segundo a Teoria da Linguagem, toda palavra é potencialmente ambígua, por sempre trazer em sua significação certa dose de imprecisão e de vagueza. A depender do caso, o núcleo central pode ser mais preciso ou mais vago[9]. E a linguagem jurídica não foge a esta regra, já que: “[…] a linguagem jurídica apresenta zonas de penumbra e é, atual ou potencialmente, vaga e imprecisa. Tanto quanto a linguagem natural, portanto, a linguagem jurídica – que naquela vai se nutrir – apresenta uma textura aberta, nela proliferando o que refere Hohfeld como palavras ‘camaleão`, que constituem um perigo tanto para o pensamento claro como para a expressão lúcida. Assim, ambiguidade e imprecisão são marcas características da linguagem jurídica.”[10] De qualquer forma, o que fica claro é que o IGF somente pode recair sobre as “grandes fortunas”, não podendo nem mesmo incidir sobre “fortunas” que não possam ser consideradas grandes, extraordinárias, excepcionais. De fato, fortuna é mais que riqueza, e grande fortuna é bem mais que fortuna simplesmente. Trata-se, portanto, de um universo duplamente restrito aquele em relação ao qual se pode pensar em aplicar o IGF. 2. O IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS NO DIREITO COMPARADO: AS EXPERIÊNCIAS ESTRANGEIRAS COM IMPOSTOS SEMELHANTES Pode-se afirmar que, em termos de oneração de fortunas, o Brasil é bastante inexperiente. Afinal, o IGF era desconhecido para a legislação pátria até a promulgação da CRFB/88. Foi o movimento pré-constituinte que ensejou a realização de estudos preliminares sobre o tema, e, somente então, doutrinadores e aplicadores do direito passaram a refletir sobre a possibilidade de se criar no país um imposto sobre as grandes fortunas. O constituinte de 1988 introduziu o instituto na novel Carta Magna, mas subordinou sua efetiva aplicação à edição de uma lei complementar regulamentadora. Neste contexto, é de extrema valia socorrer-se do Direito Comparado. Por isso, serão abordados, a seguir, os principais exemplos do contato que outros países tiveram com impostos sobre a fortuna. De logo, é de se notar que o único país que chegou a adotar um imposto com os mesmos contornos que o IGF foi a França. Os demais países que serão mencionados possuíram ou possuem impostos que apenas guardam alguma semelhança com aquele previsto no art. 153, VII, da CRFB/88, pois incidem sobre o patrimônio, sobre a fortuna, etc., e não efetivamente sobre as grandes fortunas. Na verdade, foi precisamente o modelo francês que inspirou o legislador constituinte brasileiro, embora, inicialmente, tenha se cogitado a implementação de um imposto baseado no Impuesto sobre el Patrimônio espanhol, instituído pela Lei nº 50/1977, o qual recaía sobre os bens suntuosos, sendo, portanto, um imposto sobre a ostentação. Por se tratar de um modelo de tributação analítica, em que o imposto somente incide sobre determinadas espécies de bens e direitos, a estrutura conferida ao imposto na Espanha não foi reproduzida no Brasil, que preferiu instituir um modelo sintético, de modo que o tributo incidisse sobre o patrimônio global, nos moldes da experiência francesa. Nos dizeres de Hamilton Dias de Souza: “A origem desse imposto de grandes fortunas é obscura, porque o que se cogitou detidamente era introduzir entre nós alguma coisa semelhante ao que havia na Espanha, de um imposto sobre determinados bens suntuários. O nome desse imposto na Espanha é imposto sobre o luxo. É fundamentalmente um imposto sobre a ostentação, sobre determinados e particulares bens. Quando se estuda imposto sobre o patrimônio, esse imposto pode ser sobre o patrimônio global ou pode ser sobre parcela desse mesmo patrimônio, ou sobre alguns bens. A ideia no início era introduzir na competência da União um imposto sobre a propriedade de bens suntuários, inspirado esse imposto no imposto sobre o luxo. No Projeto Afonso Arinos esse imposto aparece, num projeto que inicialmente havia sido feito na Comissão do Instituto dos Advogados de São Paulo e da Associação Brasileira de Direito Financeiro também, lá ele foi sugerido, e depois ele foi transformado em imposto sobre grandes fortunas […].”[11] Inicialmente, pode-se dizer que houve um período de entusiasmo, durante o qual a ideia de onerar as fortunas foi estendida para países latinos, como Espanha e França, e até para países anglo-saxônicos, a exemplo da Irlanda. Contudo, no contexto atual, em que indivíduos e recursos são altamente móveis, os países estão se esforçando para implementar políticas sociais ativas, evitando a fuga de capital e dos contribuintes mais abastados. Ademais, ao mesmo tempo em que perseguem os objetivos clássicos da eficiência econômica e da equidade, as autoridades fiscais se empenham cada vez mais em simplificar os procedimentos administrativos, considerando, ainda, numa análise comparativa, os custos e o potencial de arrecadação de outros tipos de imposto[12]. Neste diapasão, e por entenderem que o imposto sobre a fortuna não atendeu às suas expectativas, países como Áustria e Suécia optaram por abandonar o instituto. No âmbito doutrinário internacional, Christophe Heckly defende que os impostos sobre a fortuna não seriam tão equitativos como parecem. Esta, vale salientar, é a mais séria das críticas formuladas contra o instituto, já que a sua criação tem por base justamente a promoção da justiça fiscal. Além disso, ele pontua que para que fossem capazes de promover uma repartição de renda em níveis significativos, os impostos sobre a fortuna acabariam assumindo caráter confiscatório. Em consequência, os governos se deparam com o seguinte dilema: ou o imposto sobre a fortuna não é realmente eficiente na luta contra a desigualdade, ou o é, mas configura efeito de confisco, e foi por esta razão que deixou de ser aplicado, por exemplo, na Alemanha[13]. De fato, a França é o único país da União Europeia a aplicar, atualmente, um imposto sobre a riqueza propriamente dita. No continente europeu, Noruega, Liechtenstein e Suíça possuem formas atenuadas de onerar os mais ricos. Nos últimos anos, muitos países aboliram sua versão do imposto, a exemplo da Áustria, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Holanda, Espanha e Grécia. Já países como Austrália, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia, Peru e Reino Unido nunca tiveram imposto desta natureza, porque não encontraram méritos que justificassem a sua instituição. Em artigo sobre o assunto, Ives Gandra Martins assim se manifestou: “Não sem razão, sabiamente, a esmagadora maioria dos países não o adotou. Os que o adotaram, criaram tantas hipóteses de exclusão que, ao longo do tempo, deixou de ter qualquer relevância. É que o volume da arrecadação termina por não compensar o custo operacional de sua administração fiscalização e cobrança. Em outras palavras, é um tributo rejeitado no mundo. Tributar a geração de riquezas, na sua circulação, os rendimentos ou lucros é muito mais coerente e justo do que pretender ainda tributar o resultado final daqueles fatos geradores já incididos.”[14] Não obstante, há países que, após extinguirem o imposto, voltaram a aplicá-lo, numa versão pretensamente aperfeiçoada, como é o caso da Alemanha e da França, e outros que cogitam fazê-lo, a exemplo da Espanha. Infere-se, pois, que o imposto não é tão ilógico como defendido por Ives Gandra, no excerto colacionado acima, senão países que o aboliram jamais pensariam em reintroduzi-lo. O imposto sobre a fortuna, na Alemanha, foi suprimido em 1997, após a declaração de sua inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional Alemão, mas passou a ser aplicado novamente, de forma indireta, a partir de janeiro de 2007[15], por intermédio de um aumento de 3% na alíquota do imposto sobre a renda, totalizando o percentual de 45% em relação aos indivíduos que auferem mais de duzentos e cinquenta mil euros por ano e aos casais que ganham mais de quinhentos mil euros ao ano. O governo alemão, vale salientar, decidiu não estender tal medida às empresas familiares – que geralmente são tributadas com base na sistemática do imposto sobre a renda –, a fim de resguardar essas pequenas empresas da incidência de impostos adicionais, já que sua existência é fundamental para a recuperação da economia alemã, fragilizada em razão da crise mundial[16]. Ademais, profissionais liberais, como médicos e advogados, também não sofreram o referido aumento. Ainda assim, a Alemanha espera arrecadar adicionais cento e vinte e sete milhões de euros ao ano com a cobrança do imposto. Na França, foi em 1981 que a esquerda política obteve a maioria necessária para incluir na legislação o primeiro imposto de caráter permanente sobre o patrimônio das pessoas físicas. Ensina Ricardo Lobo Torres que a justificativa inicial para a criação do Impôt sur les Grandes Fortunes – utilizada, inclusive, como bandeira da campanha presidencial de François Mitterrand – foi a de que o tributo seria socialmente justo, economicamente razoável e tecnicamente simples, claro e preciso[17]. Mesmo assim, em julho de 1986, o Impôt sur les Grandes Fortunes foi revogado pelo art. 24 da Lei 86-824, a partir de janeiro de 1987, por influência das concepções liberais da direita. Em 1989, porém, foi instituído o Impôt de Solidarité sur la Fortune (ISF), largamente inspirado na figura extinta. De cunho eminentemente ideológico, o ISF foi incluído na plataforma política dos partidos de esquerda, tendo grande apelo eleitoral, principalmente porque houve uma preocupação em não incomodar a classe média, de modo que o imposto recairia sobre uma parcela mínima da população. Entretanto, Dornelles entende que o Impôt sur les Grandes Fortunes foi restabelecido de forma atenuada pelo governo de Mitterrand, através do ISF, tão somente para marcar um posicionamento ideológico e atender a uma exigência do Partido Socialista[18]. O ISF francês é intrinsecamente sintético, porque incide sobre a totalidade do patrimônio, abrangendo, salvo ressalva expressa, a totalidade dos bens móveis e imóveis do contribuinte, a saber, toda propriedade imobiliária – qualquer que seja a afetação do bem –, todo o capital mobiliário – qualquer que seja a sua forma –, bem como a totalidade dos recursos constantes de contas bancárias ou sob a forma de metais preciosos[19]. O ISF é devido por qualquer “foyer fiscal”[20], com residência na França, cujos ativos, considerados em nível internacional, superem o montante de oitocentos mil euros (em janeiro de 2011), num percentual que varia entre 0,55% e 1,8%. Esta unidade familiar, assim concebida para fins de tributação, inclui os cônjuges e os filhos dependentes (menores de 18 anos), abrangendo tal conceito, ainda, os casais em união civil, que também são tributados conjuntamente. Aqueles que, apesar de não residirem na França, forem proprietários de bens localizados em território francês, igualmente poderão sujeitar-se à incidência do ISF, que será calculado tão somente sobre o valor destes bens; restam excluídos, portanto, os investimentos puramente financeiros. Os bens deverão ser declarados com base no seu valor de mercado e é ônus do contribuinte aferir este quantum, a cada ano. Alguns bens, entretanto, são isentos do ISF, como antiguidades e obras de arte. Há que se ressaltar, porém, que, assim como ocorreu com o antigo Impôt sur les Grandes Fortunes, o Impôt de Solidarité sur la Fortune é bastante criticado pelos próprios franceses, que o acusam de ser tecnicamente inadaptado e economicamente nocivo, além de não estar obtendo êxito no alcance de seu objetivo social. É que o ISF acaba por ter um número exíguo de contribuintes, quando consideradas a sua base de incidência e as hipóteses de isenção legalmente previstas. Há, ainda, problemas relativos à fiscalização. Isto porque, como se trata de um imposto declaratório, se, por um lado, é difícil haver fraude sobre as propriedades, registradas ou não registradas, ou sobre os capitais mobiliários, por outro, há formas de riqueza cuja fiscalização e controle são muito complexos, a exemplo das joias. Ademais, diz-se que o imposto leva várias pessoas ricas a deixar a França para se instalar em países que não onerem as fortunas, o que faz com que o governo perca não apenas o montante que seria arrecadado com o ISF, mas também o capital circulante destes cidadãos emigrantes. Por sinal, é ilustrativo mencionar que um senador francês estimou que 843 pessoas deixaram a França em 2006 em razão do ISF, levando com elas riquezas da ordem de, aproximadamente, 2,8 bilhões de euros[21]. Impende frisar, por fim, que o governo francês está estudando mudanças para redefinir o ISF. As propostas apresentadas sugerem, basicamente, duas diferentes alternativas para tornar o imposto mais afeto aos anseios da população: 1) reduzir as alíquotas e diminuir o número de contribuintes, através do aumento do patrimônio mínimo para fins de incidência do ISF, e 2) tributar apenas o acréscimo anual sobre a riqueza, ao invés do patrimônio acumulado globalmente considerado[22]. De qualquer modo, observa-se que o que se pretende não é revogar o ISF, mas sim promover alguns ajustes no imposto, justamente para viabilizar a sua manutenção no sistema tributário francês. Estima-se que as novas regras relativas ao ISF sejam definidas ainda em 2011, para que possam vigorar a partir do ano de 2012. Na Espanha, foi publicada, em 25 de dezembro de 2008, a Lei nº 04/2008, que suprimiu o Impuesto sobre el Patrimonio, com efeitos desde 01 de janeiro de 2008. O imposto foi extinto tanto para as pessoas com residência fiscal na Espanha, cuja sujeição passiva decorria de obrigação pessoal, como para os não-residentes proprietários de bens no país, que tributavam em razão de obrigação real. Atualmente, o governo espanhol estuda a aprovação de um novo imposto extraordinário incidente sobre os patrimônios superiores a um milhão de euros. Não se trata, porém, de uma tentativa de ressuscitar o imposto extinto em 2008, mas sim de criar uma outra figura, mais semelhante ao imposto sobre grandes fortunas francês. O novo imposto, defendido principalmente pela ala esquerda do Partido Socialista Obrero Español (PSOE), teria caráter complementar às medidas de ajuste do gasto público anunciadas por Zapatero, na luta contra o déficit que levou a cortes no salário dos funcionários, ao congelamento das pensões e à paralisação de obras públicas[23]. Por ora, com a aprovação do orçamento para o ano de 2011 pelo Conselho de Ministros, o governo espanhol promoveu, além de um drástico corte no gasto dos ministérios, um aumento do imposto sobre a renda das pessoas físicas para aqueles que auferem valores mais elevados. Com isso, a alíquota para os rendimentos superiores a cento e vinte mil euros subiu para 44% e, quanto aos superiores a cento e setenta e cinco mil euros, para 45%. O governo espera, assim, aumentar sua arrecadação em duzentos milhões de euros por ano. Resta saber, pois, se, nesse contexto de corte de gastos e aumento da arrecadação, o governo espanhol conseguirá instituir o novo imposto extraordinário sobre os patrimônios superiores a um milhão de euros, em substituição ao extinto Impuesto sobre el Patrimônio. Na Suíça, apesar de o percentual do imposto sobre a fortuna ser fixado pelo governo de cada cantão, a regulamentação geral do instituto é comum, de modo que os residentes pagam o tributo sobre o valor de todos os bens localizados no país, enquanto os não-residentes têm taxados seus rendimentos derivados de empreendimentos e imóveis situados na Suíça[24]. A Noruega, a seu turno, onera com o imposto sobre a fortuna a propriedade imobiliária, nos níveis nacional e municipal. O imposto, vale salientar, é calculado com base no valor de mercado estimado do imóvel[25]. Em Liechtenstein, há uma integração entre o imposto sobre a fortuna e o imposto sobre a renda, através da conciliação dos ativos num tipo especial de rendimento, gerando, pois, o que é tido como base de cálculo ideal para a incidência do tributo unificado. Os indivíduos, portanto, são taxados mediante uma combinação destes dois impostos, embora o patrimônio líquido tributável seja inserido no imposto sobre a renda para fins de cálculo do montante devido. Na prática, o patrimônio líquido é multiplicado por um percentual padrão, e o produto do cálculo se torna uma parte do rendimento tributável[26]. Observa-se, pois, que o legislador infraconstitucional deve levar em consideração as experiências estrangeiras relativas a tributos de natureza semelhante à do IGF, atentando tanto para os países que adotam atualmente o imposto, como para aqueles que, após aplicá-lo por algum tempo, acharam por bem excluí-lo. Também se deve levar em conta os estudos realizados por países que cogitaram instituir um imposto sobre a fortuna, embora tenham decidido recusá-lo, merecendo destaque, ainda, a situação daqueles países que criaram o imposto, posteriormente o revogaram, e, depois, ressuscitaram-no, seja sob a mesma denominação, mas com modificações, seja sob a forma de uma nova figura, que apenas em essência guarda semelhança com o instituto anterior. 3. OS PRINCIPAIS PROJETOS DE LEI COMPLEMENTAR APRESENTADOS: UM DEBATE POLÍTICO Ensina Carrazza que “criar um tributo é descrever abstratamente sua hipótese de incidência, seu sujeito ativo, seu sujeito passivo, sua base de cálculo e sua alíquota”[27]. Assim, observa-se que a Constituição de 1988, no art. 153, VII, tão somente previu a possibilidade de a União criar o IGF, através da edição de uma lei complementar, de modo que ele poderá perfeitamente nunca vir a ser instituído. Mais de duas décadas após a promulgação da novel Carta Magna, foram apresentados dez projetos de lei com vistas a regulamentar o dispositivo constitucional mencionado, quais sejam, o PLP nº 202/1989, que se encontra pronto para a inclusão em pauta; o PLP nº 108/1989, o PLP nº 208/1989, o PLP nº 218/1990 e o PLP nº 268/1990, todos tramitando junto ao PLP nº 202/1989; o PLP nº 193/1994, o PLP nº 70/1991 e o PLP nº 77/1991, que foram arquivados em fevereiro de 1995; o PLP nº 277/2008, que também está pronto para a inclusão em pauta; e, mais recentemente, foi proposto o PLP nº 26/2011, que foi apensado ao PLP nº 277/2008. A tributação das grandes fortunas envolve aspectos operacionais bastante complexos, fazendo com que a regulamentação do instituto demande uma atenção especial do legislador infraconstitucional. Os projetos apresentados buscaram, de diferentes formas, elucidar questões fundamentais para a efetiva aplicação do instituto, como o que constitui uma grande fortuna, se a grande fortuna deve ser assim considerada por ultrapassar um determinado valor monetário ou se deve corresponder a uma percentagem dos maiores contribuintes do Imposto de Renda (IR), se o sujeito passivo será apenas a pessoa física, ou também a pessoa jurídica, se as alíquotas serão proporcionais ou progressivas, se o imposto incidirá sobre o patrimônio bruto ou tão somente sobre o patrimônio líquido, se o IGF terá aplicação universal, recaindo sobre todos os bens, ou se serão excepcionados bens tidos pela lei como meritórios, como serão classificados esses bens, como será realizada a fiscalização do imposto, como compatibilizar o IGF com as normas constitucionais que garantem uma tributação não confiscatória, a propriedade privada e o direito de herança, etc. Em geral, guardadas as peculiaridades de cada projeto, observa-se que a ideia de grande fortuna, fato gerador do IGF, remete ao patrimônio da pessoa física, aferido ano a ano, cujo valor seja superior ao limite fixado pela lei regulamentadora. Este patrimônio compreenderia tanto bens móveis, quanto bens imóveis, desde bens físicos, até bens financeiros, bem como eventuais direitos dos contribuintes[28]. Vale ressaltar, ademais, que a maioria das proposições oferecidas estipula como base de incidência do IGF o patrimônio líquido. Também é recorrente nos projetos a previsão da possibilidade de compensação, haja vista que o fato gerador do IGF poderia abarcar bens e direitos sobre os quais já incidem outros impostos, como o IPVA, em relação aos veículos automotores, e o IPTU, sobre os imóveis urbanos. Dos projetos supramencionados, assumiram maior relevância o PLP nº 202/1989 e o PLP nº 277/2008, seja por terem suscitado maiores debates políticos, seja porque despertaram o interesse da população, chamando, em consequência, a atenção da mídia para a questão. Por conseguinte, proceder-se-á, nos dois sub-tópicos a seguir, a uma análise destes dois projetos de lei complementar, contemplando os contornos que o legislador infraconstitucional propôs para o IGF em cada um deles. 3.1. O Projeto de Lei Complementar nº 202/1989 De autoria do então senador Fernando Henrique Cardoso, o PLP nº 202/1989 foi o primeiro projeto de lei apresentado com o fim de regulamentar o IGF. Inicialmente registrado sob o n° 162/1989, o projeto foi sucedido por Substitutivo e convertido no PLP nº 202-A, o qual foi apreciado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, sob a relatoria do senador Gomes Carvalho, cujo parecer foi aprovado em turno suplementar. Assim, obtida a aprovação do Senado, em 12 de dezembro de 1989, o projeto foi submetido a revisão na Câmara dos Deputados, oportunidade em que lhe foram apensados, como visto, o PLP nº 108/1989, do deputado Juarez Marques Batista, o PLP nº 208/1989, do deputado Antônio Mariz, o PLP nº 218/1990, do Senado Federal, e o PLP nº 268/1990, do deputado Ivo Cersósimo, e oferecidas vinte emendas. Segundo o PLP nº 202/1989, o fato gerador do IGF seria a titularidade, em 1º de janeiro de cada ano, de fortuna em valor superior a dois milhões de cruzados novos. Para efeito de determinar a fortuna sujeita ao imposto, dever-se-ia considerar o conjunto de todos os bens, situados no país ou no exterior, integrantes do patrimônio do contribuinte, excluídos, no entanto, o seu imóvel de residência – até o valor de quinhentos mil cruzados novos; os instrumentos utilizados pelo contribuinte em atividades de que decorram rendimentos do trabalho assalariado ou autônomo – até o valor de um milhão e duzentos mil cruzados novos; os objetos de antiguidade, arte ou coleção, nas condições e percentagens fixadas em lei; os investimentos em infra-estrutura ferroviária, rodoviária e portuária, energia elétrica e comunicações, nos termos da lei; e outros bens cuja posse ou utilização seja considerada pela lei como sendo de alta relevância social, econômica ou ecológica. Os sujeitos passivos do imposto seriam as pessoas físicas residentes ou domiciliadas no país. Na constância da sociedade conjugal, cada cônjuge seria tributado pela titularidade do patrimônio individual e, se houver, pela metade do valor do patrimônio comum. A base de cálculo do imposto, a seu turno, seria o valor do conjunto dos bens que compõem a fortuna, subtraídas as obrigações pecuniárias do contribuinte, exceto aquelas contraídas para a aquisição dos bens excluídos do cálculo do patrimônio, como explanado no parágrafo anterior. O projeto, em seu art. 4º, prevê a forma de avaliação dos bens. Assim, o valor dos imóveis seguiria a base de cálculo do imposto territorial ou predial, rural ou urbano, ou, se situados no exterior, o custo de aquisição; os créditos pecuniários, sujeitos a correção monetária ou cambial, seriam considerados em seu valor atualizado; e, quanto aos demais, observar-se-ia o custo pelo qual foi adquirido pelo contribuinte. Nos termos do art. 5º do PLP nº 202/1989, o IGF incidiria em quatro diferentes alíquotas – 0,3% (de mais de dois milhões até quatro milhões de cruzados novos); 0,5% (de mais de quatro até seis milhões de cruzados novos); 0,7% (de mais de seis até oito milhões de cruzados novos); 1% (acima de oito milhões de cruzados novos) – a depender da classe de valor do patrimônio. Ademais, o PLP nº 202/1989 dispõe que o montante a ser pago pelo contribuinte do IGF equivaleria à soma das parcelas obtidas mediante a multiplicação do valor compreendido em cada classe pela alíquota correspondente. Do resultado da referida operação, o contribuinte poderia deduzir, ainda, o IR, e o respectivo adicional, pagos sobre rendimentos decorrentes de aplicações financeiras, da exploração de atividades agropastoris, de aluguéis e royalties, de lucros distribuídos por pessoas jurídicas e de ganhos de capital, por ele auferidos no exercício findo. Finalmente, determina o art. 6º que o IGF deveria ser lançado com base em declaração do contribuinte, na forma da lei, da qual deveriam constar todos os bens de seu patrimônio, com seu correspondente valor[29]. Vale frisar que o bem que não constar da declaração presumir-se-á, até prova em contrário, adquirido com rendimentos sonegados do IR, de modo que o imposto devido será lançado no exercício em que for apurada a omissão. Na Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação aprovou o projeto, desde que passasse também uma emenda anexa que estabelecia como base de incidência do imposto o montante de um bilhão de cruzeiros, em oposição aos dois milhões de cruzados novos previstos na redação original. Como fundamento para a imposição da mencionada exigência, alegou-se que, do contrário, estar-se-ia tributando patrimônios não albergados pelo conceito de “grande fortuna”, ferindo, com isso, o princípio do não-confisco e a vedação à bitributação. Operada a modificação sugerida, por outro lado, o IGF, para a mencionada Comissão, seria dotado de juridicidade e constitucionalidade. A Comissão de Finanças e Tributação, a seu turno, proferiu parecer desfavorável ao PLP nº 202/1989. O deputado Francisco Dornelles, relator designado, opinou pela rejeição, alegando que esse tipo de imposto seria ultrapassado, tanto que estaria sendo abandonado noutros países para ser substituído por um imposto de renda progressivo, o qual seria muito mais apto a representar a capacidade de pagar das pessoas e a realizar a justiça fiscal[30]. Demais disso, sustentou que a incidência do IGF sobre os bens imobiliários seria inconstitucional, porque a União não poderia criar um imposto cuja base de cálculo já seria tributada pelo município e pelo estado. Posteriormente, as emendas apresentadas ao projeto foram igualmente submetidas ao crivo da Comissão de Finanças e Tributação, em junho de 1999, e à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, em dezembro de 2000. Apesar de dever tramitar com prioridade, tanto por ser de iniciativa do Senado, como por se tratar de projeto de lei complementar destinado a regulamentar dispositivo constitucional, nos termos do art. 151, II, a e b, item 1, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, o PLP nº 202/1989 está pronto para a ordem do dia, na Câmara, desde 06 de dezembro de 2000. Conclui-se, pois, que, apesar da repercussão que o tema assumiu nas Casas Legislativas, ensejando discussões fervorosas entre os parlamentares, e do empenho dos defensores do instituto em conferir-lhe a tônica, falta a vontade política necessária para que se proceda à votação do PLP nº 202/1989. Não obstante, em março de 2008, foi apresentado um novo projeto regulamentador do inciso VII do art. 153 da CRFB/88, o PLP nº 277/2008, que reacendeu o debate acerca do IGF, demonstrando que a questão ainda desperta o interesse político de alguns. 3.2. O Projeto de Lei Complementar nº 277/2008 O PLP nº 277/2008, de autoria da deputada Luciana Genro, e dos deputados Chico Alencar e Ivan Valente, é mais um projeto destinado à regulamentação do IGF. Para embasar a iniciativa, seus autores argumentaram que a alta concentração de riqueza no país suscita o implemento de medidas que promovam uma redistribuição de renda, embora reconheçam que é preciso haver melhorias na fiscalização tributária para que  IGF possa ser aplicado com êxito. Na justificação ao projeto, demonstraram, também, descontentamento com muitas disposições do PLP nº 202/1989. Por conseguinte, o PLP nº 277/2008 promove uma série de alterações em seu teor, visando a corrigir suas deficiências. Pelo PLP nº 202/1989, é permitido deduzir do IR o valor pago a título de IGF, o que seria descabido para os deputados Chico Alencar, Ivan Valente e Luciana Genro, já que o objetivo do imposto seria justamente aumentar a tributação sobre os cidadãos mais abastados, que possuíssem capacidade contributiva para tanto. Para eles, as alíquotas e faixas de tributação também precisariam ser revistas, uma vez que os valores estão desatualizados, e as alíquotas propostas não possuem progressividade suficiente, considerando a desigual distribuição da riqueza no Brasil. Conforme o PLP nº 277/2008, o IGF teria por fato gerador a titularidade, em 1° de janeiro de cada ano, de fortuna em valor superior a dois milhões de reais. Seriam contribuintes do imposto as pessoas físicas domiciliadas no Brasil, o espólio e a pessoa física ou jurídica domiciliada no exterior, em relação ao patrimônio que tiver no país. Para fins de incidência do imposto, fortuna seria o conjunto de todos os bens e direitos, situados no país ou no exterior, integrantes do patrimônio do contribuinte, excluídos, no entanto, os instrumentos utilizados pelo contribuinte em atividades de que decorram rendimentos do trabalho assalariado ou autônomo, até o valor de trezentos mil reais; os objetos de antiguidade, arte ou coleção; bem como outros bens cuja posse ou utilização seja considerada pela lei de alta relevância social, econômica ou ecológica. Ademais, o projeto prevê que, na constância de sociedade conjugal, cada cônjuge seria tributado pela titularidade do patrimônio individual e, se houver, pela metade do valor do patrimônio comum. O IGF teria como base de cálculo o valor do conjunto dos bens que compõem a fortuna, diminuído das obrigações pecuniárias do contribuinte, exceto aquelas contraídas para a aquisição dos bens não compreendidos pelo conceito de fortuna, acima mencionados. Tais bens seriam avaliados pela base de cálculo do imposto territorial ou predial, rural ou urbano, ou se situados no exterior, pelo custo de aquisição, quando imóveis, e pelo seu valor atualizado, em se tratando de créditos pecuniários sujeitos a correção monetária ou cambial. Quanto aos demais bens, o valor seria determinado pelo custo de sua aquisição pelo contribuinte. O PLP nº 277/2008 estabelece a incidência progressiva do IGF, segundo cinco classes distintas de valores patrimoniais, cujas alíquotas variariam entre 1% e 5% – 1% (de mais de dois milhões até cinco milhões de reais); 2% (de mais de cinco até dez milhões de reais); 3% (de mais dez até vinte milhões de reais); 4% (de mais de vinte até cinquenta milhões de reais); 5% (acima de cinquenta milhões de reais) – além de uma classe inicial isenta. Assim, o montante do imposto seria obtido através da soma das parcelas determinadas mediante aplicação da alíquota sobre o valor compreendido em cada classe. O imposto, neste contexto, seria lançado por meio de uma declaração do contribuinte, elaborada na forma da lei, da qual constariam todos os bens do seu patrimônio e o respectivo valor. O bem que não fosse incluído na declaração, presumir-se-ia, até prova em contrário, adquirido com rendimentos sonegados do IR, de modo que os impostos ainda devidos seriam lançados no exercício em que fosse apurada a omissão. Por fim, o projeto consagra a responsabilidade solidária pelo pagamento do IGF sempre que houver indícios de dissimulação do verdadeiro proprietário dos bens ou direitos que constituam o patrimônio, bem como quando os bens forem apresentados em valor inferior ao real. Após a sua propositura, em 26 de março de 2008, o PLP nº 277/2008 seguiu, primeiramente, para a Comissão de Finanças e Tributação. Entretanto, o parecer elaborado pelo deputado João Dado (PDT/SP), designado como relator, não chegou a ser votado, tendo transcorrido in albis o prazo previsto para que a matéria fosse analisada pela Comissão. Em seu parecer, o deputado havia oferecido Substitutivo ao projeto, no qual as alíquotas do IGF incidentes sobre o patrimônio do contribuinte passavam a ser de 0,3% a 1%, em oposição à variação de 1% até 5%, prevista no original. Em seguida, o PLP nº 277/2008 passou para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sendo recebido sob a relatoria do deputado Régis de Oliveira. O deputado destacou, em seu parecer, que a instituição do IGF não objetiva punir a acumulação de riqueza, mas sim promover um sistema tributário mais justo, de modo que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais impostos sobre a renda, em atenção à capacidade contributiva de cada um. Para ele, o IGF deveria funcionar como um imposto complementar ao IR, contribuindo para amenizar as desigualdades sociais existentes no país, principalmente em decorrência da má distribuição de renda. Com a arrecadação do IGF, pois, o governo teria mais recursos disponíveis para investir em saúde, educação, moradia e infra-estrutura, dentre outros serviços básicos destinados à parcela menos favorecida da população[31]. Ao final, o deputado opinou pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa do projeto, sem sugerir qualquer modificação à redação inicial. Incluído na pauta de 28 de março de 2010, quando foi iniciada sua discussão na Comissão, houve pedido de vista por alguns deputados, de modo que apenas em 09 de junho de 2010 foi retomado o debate sobre o projeto, que terminou sendo aprovado por unanimidade. Por se tratar de projeto de lei complementar, contudo, a proposição será também objeto de deliberação no Plenário da Casa, oportunidade em que será designado um novo relator para oferecer parecer na Comissão de Finanças e Tributação, que, como visto, ainda não se posicionou sobre a matéria. É de se ressaltar, ademais, que, se o projeto receber emendas em Plenário, deverá voltar às comissões para ser novamente apreciado pelas mesmas. Em 31 de janeiro de 2011, o PLP nº 277/2008 foi arquivado pela Mesa Diretora da Câmara, tendo sido desarquivado em 14 de março de 2011. Ato contínuo, apensou-se ao projeto o PLP nº 26/2011, propositura mais recente visando a regulamentar o IGF. Resta saber, pois, se o PLP nº 277/2011 terá melhor sorte que o PLP nº 202/1989, chegando efetivamente a ser votado pelos parlamentares. Ainda que isso ocorra, porém, não será tarefa fácil conseguir sua aprovação, porque, no Brasil, sempre se tem mostrado um trabalho árduo implementar medidas que onerem os grandes detentores de capital – justamente os titulares das grandes fortunas –, que exercem inegável influência no cenário político nacional, mesmo que de forma indireta. 4. DIVERGÊNCIAS EXISTENTES QUANTO À VIABILIDADE OU NÃO DA INSTITUIÇÃO DO IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS NO PAÍS A instituição do IGF divide a opinião de juristas, políticos e cidadãos. Desde antes da sua previsão na Constituição de 1988, o imposto já era polêmico, principalmente diante da existência, a nível internacional, tanto de experiências de sucesso, em que o instituto é mantido até hoje, como de casos em que a aplicação foi tida como fracassada pelos governos internos, levando à sua extinção. Assim, nem mesmo a opção do constituinte em consagrar o imposto na Carta Magna de 1988 sanou a divergência. Pelo contrário, a exigência constitucional de edição de uma lei complementar para efetivamente criar o IGF, estabelecendo seus contornos, acabou acirrando o debate sobre o tema, que assume, hoje, um caráter muito mais político e econômico, do que propriamente jurídico. Para que se chegue a um posicionamento sobre a viabilidade ou não da aplicação do IGF no país, portanto, é imprescindível que se faça uma análise dos argumentos contrários e favoráveis formulados ao longo do tempo sobre o instituto, o que será contemplado nos sub-tópicos a seguir. 4.1. Argumentos contrários à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas Marcos Cintra, designado como relator para a apreciação das emendas oferecidas ao PLP nº 202/1989 na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, em dezembro de 2000, manifestou, em seu parecer, oposição ao IGF, por entender que o tributo não atenderia aos requisitos básicos de uma matriz tributária desejável, quais sejam, simplicidade, universalidade, baixo custo, alta produtividade e neutralidade alocativa[32]. Ele alegou, ainda, que o IGF levaria a uma tributação excessiva sobre o fluxo de rendimentos, pois a renda – fluxo que gera o patrimônio – e as várias formas de riqueza acumulada já estariam sendo tributadas por outros impostos. Assim, a renda poupada acabaria sofrendo uma dupla-tributação, pois, quando a renda fosse percebida pelo agente econômico, sofreria a incidência do IR, e, quando fosse poupada, sujeitar-se-ia ao IGF, além de outros tributos sobre o patrimônio acumulado, como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Além disso, Cintra destacou que a tributação das grandes fortunas poderia estimular a fuga de recursos financeiros para países que não imponham tal gravame, mormente diante do fenômeno da globalização e das maiores facilidades institucionais e tecnológicas no tocante à mobilidade do fluxo de capital. Ele asseverou, ademais, que as experiências espanhola e francesa indicam que o IGF teria uma produtividade decepcionante e um custo bastante elevado, tanto em razão da resistência social ao imposto, como em relação à dificuldade de sua administração. A fiscalização da exatidão do patrimônio líquido calculado pelo contribuinte, por exemplo, seria praticamente impossível quanto a bens que possam ser facilmente ocultados, como é o caso das joias, dos títulos ao portador, dos valores mobiliários, etc. Por fim, o relator asseverou que a aplicação do IGF envolve enormes dificuldades operacionais, ainda que os projetos apresentados tenham buscado ser precisos quanto à definição e funcionalidade do instituto. Diante destes argumentos, e considerando que o Brasil precisa de um sistema tributário que seja, sobretudo, simples e de baixo custo, o parlamentar concluiu ser inviável a instituição do IGF no país. Há como aspecto desencorajador, também, a dificuldade em determinar o conteúdo do termo “grandes fortunas”, que é o ponto de partida para qualquer discussão acerca da viabilidade do IGF. Mesmo que venha a ser feita, na lei complementar regulamentadora, a quantificação desta expressão, será preciso, ainda, pensar em meios eficazes para combater a evasão fiscal, cujos índices são mais elevados justamente nas faixas superiores de renda e riqueza. Para tanto, é necessário coletar dados que possibilitem uma avaliação profunda e completa do problema, bem como a realização de estudos que forneçam informações confiáveis quanto à estrutura de distribuição do patrimônio dos contribuintes pessoa física. Atualmente, dispõe-se apenas de indicadores parciais sobre tais aspectos, elaborados para outros fins, sendo possível tão somente especular, em grau aproximado, qual seria o âmbito de incidência do IGF. Por outro lado, como repercussão negativa do imposto, principalmente nos países em desenvolvimento, aponta-se que ele seria mais um fator de desincentivo à poupança interna, desestimulando a alocação de investimentos estrangeiros e reduzindo, consequentemente, o crescimento econômico. Além dos complicadores concernentes à administração e à fiscalização do tributo, do risco de redução da poupança interna, do resultado insignificante da arrecadação e do perigo da fuga de capitais, observa Olavo Nery Corsatto – que atuou como consultor legislativo junto ao Senado Federal – que a grande dificuldade prática da instituição do IGF é o critério de avaliação dos bens que compõem o patrimônio das pessoas físicas[33]. Afinal, a eficiência da tributação depende do grau de confiabilidade do levantamento do patrimônio do contribuinte e dos parâmetros de avaliação utilizados. Para ele, pelo menos em tese, o critério ideal seria o valor de mercado dos bens. Contudo, grande parte destes bens não tem um valor de mercado bem definido, de modo que é empregado um alto grau de subjetividade no processo de avaliação, culminando com a obtenção de valores diversos, a depender do avaliador. Em último grau, este problema atingiria diretamente os contribuintes do IGF, haja vista que os projetos até hoje apresentados levam a crer que, uma vez instituído, o tributo seria lançado por declaração. Ueren Domingues, a seu turno, indica como óbice à aplicação do IGF o fato de o imposto recair sobre bens e valores que já seriam objeto de tributação direta[34]. É que, sobre os rendimentos oriundos do trabalho e do capital, por exemplo, o contribuinte teria pago IR, e, sobre o patrimônio, conforme sua natureza, haveria a incidência do ITR, do IPVA, etc., caracterizando-se, assim, o fenômeno da bitributação[35], vedado pelo ordenamento jurídico pátrio. Para ele, as problemáticas ínsitas ao instituto e seus efeitos negativos seriam reconhecidos, inclusive, pelos países que resolveram instituí-lo. Em verdade, a opção de sua aplicação decorreria de motivo ideológico, ou em razão de extrema necessidade financeira, como ocorre nos períodos de guerra ou no pós-guerra. Neste quadro, cientes de todos os seus percalços, os países sustentariam o IGF não em si mesmo considerado, mas diante de situações conjunturais que justificariam a incidência do imposto, favorecendo sua aceitação social. Para Ives Gandra Martins, o IGF, “de qualquer forma, é um imposto de desestímulo. Quando todos os países reduzem os impostos patrimoniais, o Brasil ingressa decididamente pela contramão da história ao criar tal imposição”[36]. Neste sentido, ele alerta que a aprovação do PLP nº 277/2008, que estipula como grande fortuna o patrimônio superior a dois milhões de reais, acabaria atingindo a classe média, que não teria condições de se valer de subterfúgios para minorar a taxação, ou mesmo para dela fugir. Os titulares dos grandes patrimônios, por outro lado, poderiam retirar seus recursos do país, ou transferi-los para empresas, as quais, segundo o projeto em questão, não sofreriam a incidência do IGF. Desta forma, restaria frustrado o objetivo principal do instituto, qual seja, a oneração das verdadeiras grandes fortunas para promover uma melhor distribuição de riquezas através da aplicação da arrecadação do IGF em prol da coletividade. Defende o autor, ademais, que tal mister poderia ser conquistado, com êxito, mediante uma reforma do IR, o que solucionaria, ainda, o problema da bitributação. 4.2. Argumentos favoráveis à instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas Grande parte dos argumentos desfavoráveis à aplicação do IGF no país, abordados no sub-tópico anterior, são rebatidos pelos defensores do instituto. Assim, passa-se agora à análise dos aspectos vantajosos atribuídos ao imposto, de modo a contemplar a corrente favorável à sua instituição. De acordo com Olavo Nery Corsatto, a criação do IGF se justificaria em razão da assimetria e perversidade da distribuição de renda e da riqueza no Brasil, o que demanda a implementação de medidas capazes de promover a justiça fiscal[37]. Neste contexto, ele aponta o IGF como um meio bastante eficaz de redistribuir as riquezas, cuja aplicação, inclusive, concretizaria um dispositivo constitucional. A quantidade limitada e pequena de contribuintes, por outro lado, facilitaria a cobrança e o controle do imposto. Ademais, Corsatto ressalta que o IGF teria a utilidade adicional de servir como subsídio para a fiscalização da arrecadação do IR, bem como de outros impostos sobre o patrimônio, além de combater a evasão fiscal, através do cruzamento de cadastros, dados e informações tributárias. Os defensores da ideia, portanto, reconhecem que o IGF teria arrecadação pouco significativa, mas contra-argumentam que o seu intuito não é meramente arrecadatório, pois se trata de um imposto estatístico, complementar e potencializador dos resultados do IR. Assim, mesmo diante da arrecadação pífia do tributo, sua instituição seria viável devido às repercussões do ponto de vista extrafiscal. Acrescente-se, a isto, ainda, o fato de que as lacunas na tributação das terras rurais e sobre imóveis urbanos e a reduzida tributação sobre heranças e doações poderiam ser eficientemente contornadas através da incidência do IGF. Em oposição à alegação de que o IGF prejudicaria os níveis da poupança interna, o então deputado federal José Pimentel, hoje senador pelo Estado do Ceará, sustentou em defesa do IGF, quando da apreciação do PLP nº 202/1989 pela Comissão de Finanças e Tributação, que não há embasamento técnico para tal conjectura, pois as decisões de investimento baseiam-se muito mais nas perspectivas de rentabilidade líquida do que em qualquer outra coisa[38]. A conjuntura macroeconômica e o grau de estabilidade do ambiente político e econômico circundantes, e não a existência ou não de um determinado imposto, por conseguinte, é que seriam os fatores primordialmente considerados pelos particulares na escolha dos seus investimentos. Uma das principais críticas dirigidas ao IGF é a de que ele incidiria sobre bens e rendas já tributados, configurando um bis in idem fiscal. No entanto, há que se destacar que a previsão constitucional do instituto indica que o mesmo recai sobre as grandes fortunas especificamente, de modo que o dispositivo não prevê um imposto sobre o patrimônio ou sobre as fortunas em geral, mas sim exclusivamente sobre a acumulação de riquezas acima de um determinado nível. Este detalhe constitui justamente a essência do fato gerador do IGF, individualizando-o e diferenciando-o do de outros impostos, como o IPTU e o ITR, em que é suficiente a propriedade do bem, independentemente da quantidade de bens possuídos, para caracterizar o fato gerador do imposto. Por outro lado, o argumento da bitributação estaria afastado também em razão da compreensão do IGF como um imposto de caráter complementar, por meio do qual o Fisco poderia atingir contribuintes que, de alguma forma, conseguiram se livrar da incidência de um ou mais impostos, quando estes eram devidos, ou mesmo corrigir fluxos de renda captados a menor, igualmente em decorrência de alguma manobra malfadada. Sob tal perspectiva, o IGF teria como objetivo principal ampliar o alcance da tributação sobre os ganhos de capital, assumindo, portanto, uma finalidade eminentemente fiscal. Amir Khair, mestre em finanças públicas pela Fundação Getúlio Vargas, indica os seguintes argumentos para justificar o seu apoio à criação do IGF: “Em vez de afugentar, deve atrair mais o capital ao permitir a desoneração do fluxo econômico, gerando maior consumo, produção e lucros. Não teria nenhum conflito com os impostos existentes, pois sua base tributária é o valor total dos bens. Quanto às dificuldades de avaliação dos títulos mobiliários, o registro eletrônico das transações e as posições fornecidas pelos bancos podem resolver o problema. […] A regulamentação do IGF irá diminuir a forte regressividade do sistema tributário, descentralizar mais recursos para Estados e Municípios, desonerar a folha de pagamento das empresas, contribuindo para reduzir a  informalidade e com isso gerar empregos e desenvolvimento.”[39] Num artigo em que trata das vantagens da justiça fiscal, Khair destaca que a substituição de tributos indiretos, que atingem o fluxo econômico, por tributos que incidem sobre o estoque da riqueza, como o IGF, estimularia o desenvolvimento da economia. Isto porque, o redirecionamento da carga tributária provocaria um aumento nos níveis de consumo e de produção, gerando lucros maiores, que, por sua vez, compensariam a tributação sobre a riqueza. Daí ele afirmar que, ao contrário do que alguns propalam, uma tributação mais intensa sobre o patrimônio não afugentaria empresas, pois a dinâmica econômica é muito mais abrangente e envolve uma série de questões, não podendo ser entendida de forma tão simplória, em atenção a um único aspecto. Em verdade, ao impulsionar o desenvolvimento interno, esta substituição traria até mais lucro para as empresas. Além disso, Khair acrescenta que o desenvolvimento econômico ampliaria a arrecadação pública, gerando mais recursos para o atendimento das necessidades da população e para a promoção de melhorias na infraestrutura do país. Por outro lado, com o aumento do poder aquisitivo, haveria uma redução da demanda potencial da população por serviços públicos, num quadro oposto àquele verificado em situações de estagnação econômica, quando o poder público é pressionado através de várias reivindicações e conta com menos recursos[40]. Ademais, o art. 3º, § 2º, d, do PLP nº 202/1989, prevê que serão excluídos do patrimônio a ser tributado pelo IGF os investimentos na infra-estrutura ferroviária, rodoviária e portuária, bem como em energia elétrica e comunicações, nos termos da lei. Destarte, alega-se, em favor do IGF, que, a possibilidade de deduzir os investimentos nestes setores do cálculo do imposto incentivaria a aplicação do patrimônio privado em atividades de base reconhecidamente carentes de recursos estatais. Como tais áreas não oferecem tantos atrativos, seja porque algumas são monopólio estatal, seja por não serem opções de mercado lucrativas, não recebem, geralmente, muitos financiamentos e investimentos voluntários. Neste quadro, o IGF atuaria como verdadeiro indutor da canalização de recursos para melhorias na infraestrutura do país. Caberia à lei ordinária, entretanto, especificar os detalhes para que a aplicação fosse válida para este fim, definindo, por exemplo, quais seriam os instrumentos hábeis a comprovar a realização e a destinação precisa dos investimentos. A Constituição de 1988 veda a instituição de tributos com efeito confiscatório. Daí, poder-se-ia levantar a hipótese de o IGF ser sentido pelo contribuinte como confisco, por parte do Estado, de parcela do seu patrimônio acumulado, sem que houvesse qualquer justificativa razoável ou contraprestação equivalente para tanto. Esta ideia, contudo, não merece prosperar, pelo menos quando levados em consideração o PLP nº 202/1989 e o PLP nº 277/2008, que preveem alíquotas baixas para o IGF, se comparadas com aquelas fixadas para outros impostos, a exemplo do IR. E não poderia ser diferente, pois o caráter complementar e as finalidades preponderantemente extrafiscais do IGF pressupõem alíquotas modestas, até porque a sua base de cálculo sempre será uma monta considerável, sob pena de o patrimônio não se enquadrar naquilo que a lei vier a conceber como grande fortuna. Por fim, o grande trunfo dos padrinhos do IGF: a ideia de que o imposto seria um importante instrumento de concretização da justiça fiscal[41]. A justiça fiscal pressupõe uma oneração equitativa dos contribuintes, na proporção de sua capacidade contributiva, sendo, pois, a manifestação do princípio da igualdade em matéria de arrecadação tributária. Assim, a justiça fiscal deve ser um dos valores supremos de um Estado Democrático de Direito, para que as necessidades estatais possam ser plenamente supridas sem que a população seja sobrecarregada, bem como para que haja uma proporcionalidade entre as cargas tributárias impostas às diferentes classes sociais, em atenção à capacidade econômica de cada uma. Neste contexto, o IGF apresentar-se-ia como um instituto apto a colaborar substancialmente para a construção de um sistema tributário mais justo. CONCLUSÃO Após a análise dos diversos aspectos relacionados à inserção do IGF dentre os impostos de competência da União na Constituição de 1988 e das polêmicas questões que estão por trás da não edição da lei complementar regulamentadora até o presente momento, resta claro que o instituto está intimamente ligado a interesses político-econômicos, de modo que uma argumentação de cunho eminentemente jurídico não é suficiente para embasar posicionamentos quanto ao tema, quer sejam favoráveis ou contrários. A viabilidade ou não da instituição do IGF no país depende justamente do sopesamento dos diversos fatores atinentes ao imposto, para que se possa aferir se as suas consequências positivas superam os obstáculos levantados contra a sua aplicação. Neste processo, o assunto deve ser encarado de forma consciente e realística, para que não se deixe levar pelos encantos da teoria, esquecendo-se do abismo que separa, no Brasil, as ideias potencialmente boas de sua fiel concretização. Por outro lado, deve-se atentar para o fato de que o IGF não pretende impor uma punição aos contribuintes, nem estarão eles fazendo caridade ao recolher o imposto. Não visa o instituto, pois, a penalizar os cidadãos mais ricos pela acumulação de riquezas, nem objetiva angariar recursos para promover medidas assistencialistas genéricas, devendo ser encarado com a seriedade ínsita às figuras tributárias e às previsões constitucionais. O produto da arrecadação do IGF, como visto, provavelmente não será colossal, mas nem por isso deixa de ser significativo. Ademais, o IGF não tem função meramente arrecadatória, não sendo o potencial financeiro, realmente, seu principal atrativo. A ideia de onerar as grandes fortunas, consubstanciada no IGF e em impostos semelhantes, vai muito além da questão fiscal, tendo fins albergados por valores de ordem superior, que não são facilmente realizáveis e que, por isso mesmo, precisam de um instrumento de implementação sólido, apoiado por economistas, políticos, juristas e cidadãos, para que haja pelo menos uma possibilidade de concretizá-los. Dentre os fins nobres aos quais o IGF se presta, destaca-se a justiça fiscal. Esse imposto é capaz de tornar o sistema tributário brasileiro mais justo – ao fazer com que os ricos contribuam mais, tanto sobre a renda, como sobre acumulação de grandes fortunas –, além de primar pela observância do princípio da capacidade contributiva, podendo ser aplicado sem macular a vedação constitucional ao confisco, e objetivar, em último grau, redistribuir a renda e diminuir as desigualdades. Assim, merece uma atenção especial dos parlamentares, que não podem continuar inertes diante da previsão constitucional. O problema é que, no Brasil, sempre se tem mostrado uma tarefa difícil atingir os interesses dos detentores do capital. Em verdade, o receio de desagradá-los ou afugentá-los fez com que fosse construída uma legislação nitidamente protecionista no que concerne à riqueza, o que acaba propiciando sua crescente acumulação por aqueles que a detêm, em detrimento da grande maioria da população. É claro que há uma forte dependência da economia nacional em relação ao capital injetado pelos donos das grandes fortunas, mas o fato é que é o consumo cada vez maior das classes menos favorecidas que tem sustentado o crescimento econômico do país. É preciso, portanto, implementar medidas que corrijam tal distorção, sempre na busca de um sistema tributário mais justo e equânime, ao invés de perpetuar a desproporcionalidade da carga tributária brasileira, que infelizmente já se tornou, assim como a desigualdade, característica típica do país. Ademais, da análise das críticas formuladas contra o IGF e das benesses que a ele são atribuídas, observa-se que há não só argumentos aptos a rebater grande parte dos empecilhos apontados como inviabilizadores da aplicação do IGF, como também vantagens outras que demonstram com louvor que as finalidades extrafiscais do tributo compensam a superação dos óbices que eventualmente venham a persistir, por não poderem ser completamente solucionados. A exigência de contornar as dificuldades, inclusive, não é exclusiva do IGF. Pelo contrário, trata-se de um desafio presente na vivência prática de uma série de institutos, que não deixaram de ser aplicados por ensejarem este esforço extra. No caso do IGF, especificamente, o cuidado especial demandado pelo imposto será devidamente recompensado a médio prazo, embora acredite-se que a partir do início de sua aplicação já poderão ser vistos resultados práticos. Quanto aos moldes segundo os quais o IGF deveria ser aplicado, uma vez instituído, tem-se que nenhum dos projetos de lei complementar apresentados até o momento conferiu-lhe regulamentação integralmente adequada. Para que o imposto em questão alcance as finalidades a que se destina, por conseguinte, mostra-se necessária a elaboração de um novo projeto, que agregue os dispositivos mais apropriados de cada um dos anteriores, conformando-os, naturalmente, ao contexto socioeconômico hodierno. Apenas a título de exemplo, a fim de incidir sobre as verdadeiras grandes fortunas, deveria ser fixada, na nova lei regulamentadora, faixa de isenção do IGF com valor superior àqueles previstos no PLP nº 202/1989 e no PLP nº 277/2008. No que concerne às alíquotas, por outro lado, o PLP nº 277/2008 foi mais feliz que o PLP nº 202/1989, estabelecendo uma progressividade mais consentânea com as diferentes classes de patrimônio oneradas. Por fim, insta asseverar que qualquer inovação, a princípio, passa por uma fase de adaptação e precisa de alguns ajustes. Com o IGF não será diferente. Apenas com o passar do tempo, mediante a observação do funcionamento do imposto no âmbito do sistema tributário nacional, é que será possível constatar se ele é ou não viável no país. De imediato, a edição da lei complementar mostra-se necessária, haja vista que, embora importante, a elaboração de estudos prévios somente sinaliza direções e fomenta especulações, que podem nunca vir a se concretizar, mormente quando não se sabe ao certo os contornos que serão conferidos ao instituto. Por conseguinte, não se está sustentando aqui que a instituição do imposto será tranquila, pacífica e completamente exitosa, mas sim que a tentativa é válida, seja porque trará inúmeras repercussões meritórias, já enumeradas, seja porque, na pior das hipóteses, sempre será possível a posterior extinção da figura.
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Aspectos jurisprudenciais atuais do ITCMD
O presente trabalho objetiva fazer uma análise da evolução da jurisprudência do STF acerca da aplicação da técnica da progressividade às alíquotas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos. Neste processo, parte-se do estudo da classificação dos impostos em reais e pessoais, passa-se pelo enfrentamento da técnica da progressividade e pelo seu cotejamento com o princípio da capacidade contributiva. Busca-se desenvolver uma abordagem minuciosa, embora sem pretensão de ser exauriente, acerca das vicissitudes que culminaram com o novel entendimento do STF no sentido da possibilidade de previsão de alíquotas progressivas para o ITCMD. Ao final, conclui-se que a progressividade do ITCMD não é apenas uma medida juridicamente possível, mas altamente recomendável, principalmente por permitir a construção de um sistema tributário mais justo e equânime, guardando, ainda, plena conformidade com a interpretação sistemática que se deve atribuir à Constituição.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD) é, segundo a doutrina majoritária e a jurisprudência remansosa dos Tribunais Superiores, um imposto de natureza real, e não pessoal. Sendo assim, por muito tempo vigorou o entendimento de que, conforme a lógica depreendida principalmente das Súmulas 589, 656 e 668 do Supremo Tribunal Federal (STF), o ITCMD não poderia ser progressivo. Tradicionalmente, pois, a técnica da progressividade restringir-se-ia aos impostos pessoais. A jurisprudência do Supremo era firme no sentido de que o caráter real dos tributos seria incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, salvo disposição constitucional expressa em sentido contrário. Recentemente, porém, o tema foi objeto de análise pelo Pretório Excelso, em sede de julgamento do RE 562.045/RS, que concluiu pela possibilidade de instituição pelos Estados do ITCMD progressivo, tendo em vista que a aplicação da referida técnica nesses casos não seria incompatível com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), nem com o princípio da capacidade contributiva. A guinada jurisprudencial foi anunciada pelo teor dos votos que os ministros Eros Grau (aposentado), Menezes Direito (falecido), Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ayres Britto (aposentado) e Ellen Gracie (aposentada) já haviam proferido. Não obstante, a questão parece não ter recebido a devida atenção do meio jurídico, que só após a decisão final passou a debruçar-se com mais vigor sobre a matéria, discutindo as premissas utilizadas pelo Supremo e as possíveis repercussões práticas do novel posicionamento jurisprudencial. Nos últimos anos, muito se tem falado na necessidade de promover uma reforma no sistema tributário brasileiro, mas, enquanto isso não ocorre de forma incisiva e sistematizada, mudanças jurisprudenciais como a promovida pelo STF no tocante à progressividade do ITCMD sinalizam novas perspectivas para a tributação no país. O entendimento do Supremo, como se verá com mais detalhes adiante, privilegia a capacidade contributiva, em obséquio à tão almejada justiça fiscal, visando a concretizar, em último grau, o princípio da igualdade. Neste diapasão, o presente trabalho se propõe a fazer uma análise da evolução jurisprudencial que culminou com o referendo da previsão de alíquotas progressivas para o ITCMD. Objetiva-se, pois, desenvolver uma abordagem minuciosa, embora sem pretensão de ser exauriente, acerca das vicissitudes que permearam a construção da jurisprudência do STF no sentido da possibilidade de aplicar a progressividade ao ITCMD. DESENVOLVIMENTO 1. CLASSIFICAÇÃO DOS IMPOSTOS EM REAIS E PESSOAIS Inicialmente, mostra-se como questão relevante e ponto de partida para a discussão quanto à possibilidade ou não de os Estados e o Distrito Federal preverem alíquotas progressivas para o ITCMD o estudo da classificação doutrinária dos impostos em reais e pessoais. Isso porque o fundamento primordial apontado por boa parte da doutrina e jurisprudência contrárias à progressividade das alíquotas do ITCMD é justamente o seu enquadramento como imposto real. Porém, não se pode olvidar que toda classificação é uma construção humana que parte de critérios previamente eleitos, de modo que é, naturalmente, incompleta e parcial, eis que contempla apenas alguns aspectos do objeto, conforme as diretrizes traçadas pelo autor da classificação. Neste sentido, observa José Souto Maior Borges que as classificações formuladas pela ciência do Direito, ao descrever seu objeto de estudo – as normas jurídicas – não são verdadeiras ou falsas. Podem ser, ao contrário, úteis ou inúteis, porque lhes incumbe apenas facilitar a compreensão, interpretação e aplicação do Direito Positivo. Os critérios de classificação são ditados por considerações de ordem científica, relacionadas estritamente com o plano do conhecimento das normas; por necessidades didáticas, na medida em que eventualmente podem facilitar a circulação do conhecimento jurídico; por motivos de ordem prática, se tendentes a instrumentar a aplicação do direito por um órgão habilitado; ou por outros motivos juridicamente relevantes. Assim, as classificações elaboradas pela doutrina apenas se legitimam quando são úteis, ou seja, quando respondem a exigências de ordem prática ou sistemática.[1] Quanto à classificação que ora se examina, ensina Geraldo Ataliba que são impostos reais aqueles cujo aspecto material da hipótese de incidência “[…] limita-se a descrever um fato, ou estudo (rectius: estado) de fato, independentemente do aspecto pessoal, ou seja, indiferente ao eventual sujeito passivo e suas qualidades. A h.i. (sic passim) é um fato objetivamente considerado, com abstração feita das condições jurídicas do eventual sujeito passivo; estas condições são desprezadas, não são consideradas na descrição do aspecto material da h.i. (o que não significa que a hipótese não tenha aspecto pessoal; tem, porém este é indiferente à estrutura do aspecto material ou do próprio imposto). São impostos pessoais, pelo contrário, aqueles cujo aspecto material da h.i. leva em consideração certas qualidades, juridicamente qualificadas, dos possíveis sujeitos passivos. Em outras palavras: estas qualidades jurídicas influem, para estabelecer diferenciações de tratamento legislativo, inclusive do aspecto material da h.i. Vale dizer: o legislador, ao descrever a h.i., faz refletirem-se decisivamente, no trato do aspecto material, certas qualidades jurídicas do sujeito passivo. A lei, nestes casos, associa tão intimamente os aspectos pessoal e material da h.i. que não se pode conhecer este sem considerar concomitantemente aquele”.[2] Assim, pode-se dizer que impostos pessoais são aqueles que levam em conta aspectos específicos referentes à pessoa do contribuinte, fazendo com que o montante a ser recolhido varie ainda que os contribuintes tenham nominalmente a mesma renda, ao passo que reais são os impostos que consideram apenas as características do bem ou direito a ser tributado. Nesse caso, não importam, para o cálculo do quantum debeatur, as nuances de cada sujeito passivo, já que o imposto real incide objetivamente sobre algum elemento econômico (matéria tributável), possuindo como fato gerador, por exemplo, a realização de uma operação financeira ou a propriedade de um bem. A tese amplamente dominante na doutrina pátria é a que atribui caráter real ao ITCMD, eis que, para aferir o valor devido ao fisco estadual, não são levados em consideração quaisquer aspectos individuais relativos ao sujeito passivo. Assim, o ITCMD, a exemplo do ITBI, é um imposto cuja dimensão econômica do fato gerador não se consubstancia numa expressão direta e imediata da capacidade contributiva, mas sim na materialidade do bem ou do direito transmitido.[3] Finalmente, merece referência a doutrina de Sacha Calmon, que, representando posicionamento minoritário, defende o caráter pessoal do tributo, por entender que, na verdade, o fato gerador do imposto é o acréscimo patrimonial do herdeiro, do legatário, do meeiro e do cessionário (quinhões ou meações), de modo que suas alíquotas devem ser progressivas para prestigiar os princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva. Salienta o autor, ainda, que o montante não é tributado como se fora ele próprio objeto da tributação. Destarte, como, além da transmissão de bens e direitos, o ITMCD importa em adição ao patrimônio do beneficiário, o que se tributa é justamente o acréscimo patrimonial atribuído a cada um.[4] Este entendimento também é compartilhado por Aliomar Baleeiro, que observa que, “embora Nitti inclua o imposto sucessoral entre os indiretos, sua moderna utilização sobre os quinhões hereditários coloca-os entre os diretos e pessoais”[5]. 2. CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E A TÉCNICA DA PROGRESSIVIDADE A progressividade está intimamente relacionada com o princípio da capacidade contributiva, visando à adequação do tributo à capacidade econômica de cada contribuinte, mediante a previsão da incidência de alíquotas proporcionalmente variáveis em razão da base de cálculo. Segundo o magistério de Roque Antônio Carrazza: “O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais imposto do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza.”[6] Pelo princípio da progressividade, quanto maior for a base de cálculo, maiores deverão ser as alíquotas incidentes. Assim, ensina a doutrina que: “A progressividade nos tributos é a melhor técnica de personalização dos impostos, como determina expressamente o art. 145, § 1º, da Constituição de 1988. É que, na medida em que o legislador considera as necessidades pessoais e familiares dos contribuintes, passa também a conceder reduções e isenções. Tais renúncias de receitas, ocorrentes em favor do princípio da igualdade, são compensadas por meio da elevação das alíquotas incidentes sobre os bens de maior valor (progressividade), a fim de que o montante da arrecadação de mantenha o mesmo no total”.[7] O art. 145, § 1º, da CRFB/88, enuncia, in verbis: “Art. 145. Omissis § 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. […]” Quanto à redação do mencionado dispositivo, Ives Gandra Martins observa que, apesar da imperfeição linguística do parágrafo, que pode suscitar interpretações diversas, a expressão “sempre que possível” refere-se tão somente ao caráter pessoal dos tributos, e não à sua capacidade econômica. Assim, sustenta o doutrinador que a interpretação mais coerente, levando-se em consideração os demais princípios regedores do sistema tributário, é aquela segundo a qual a capacidade contributiva deve sempre ser respeitada, sob pena de restar configurado o confisco, forma clássica de desrespeito ao princípio da capacidade contributiva[8]. Ademais, para esta corrente, enquanto, de fato, nem sempre se mostra possível atribuir a um imposto caráter pessoal, a graduação dos impostos conforme a capacidade econômica do contribuinte é sempre factível. Todavia, defende outra parcela da doutrina que a oração “sempre que possível” cabe como ressalva tanto para a personalização como para a capacidade contributiva, pois, conforme salienta Luciano Amaro, “não se pode ler, no preceito constitucional, a afirmação de que os impostos devem observar a capacidade econômica, mesmo quando isso seja impossível”[9]. Como somente os impostos pessoais consideram aspectos específicos e qualidades próprias do indivíduo, é justamente nessa modalidade de tributo que a capacidade contributiva se mostra relevante para o cálculo do quantum devido. Em consequência, com base na outrora remansosa jurisprudência do Supremo, Paulsen frisa que a progressividade é vedada nos imposto reais, salvo autorização constitucional expressa, já que eles não se prestam a revelar capacidade contributiva e, por isso, não podem ser graduados com base nela[10]. Corroborando tal entendimento, aponta-se, ainda, o enunciado nº 656 da Súmula do STF, segundo o qual é inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o ITBI. Entretanto, como será visto adiante, o Pretório Excelso prolatou recente julgado em que adotou a tese minoritária na doutrina, pela qual a totalidade dos impostos deve observar o princípio da capacidade contributiva. Há uma série de dispositivos constitucionais que fazem alusão, indireta ou expressa, à progressividade. O art. 145, § 1º, dispõe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir impostos, os quais, sempre que possível, terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Mais incisivo, o art. 182, § 4º, II, prevê que o IPTU poderá ser progressivo no tempo, quando o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado, ou não utilizado, não promover seu adequado aproveitamento. O IPTU também poderá ser progressivo, nos termos do art. 156, § 1º, I, em razão do valor do imóvel. Já o inciso I, do § 2º, do art. 153, estabelece que o Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR) será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei. Outrossim, o § 4º, I, do art. 153, prescreve que o Imposto Territorial Rural (ITR) será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas. Observa-se do próprio texto constitucional que a técnica da progressividade tanto pode ser aplicada com vistas ao atendimento de finalidades fiscais, elevando-se a exigência tributária à medida que aumenta a capacidade contributiva do contribuinte, como com objetivos extrafiscais, a fim de que, com a elevação das alíquotas de acordo com os critérios fixados na norma, sejam estimulados ou desestimulados determinados comportamentos, em atenção aos valores constitucionalmente consagrados. Kiyoshi Harada assim explana a mencionada distinção: “No exame da matéria concernente ao imposto progressivo, é de fundamental importância a distinção ‘’entre o princípio da graduação do imposto, segundo a capacidade contributiva de cada um, e o exercício da extrafiscalidade, através do emprego de alíquotas diversificadas. A graduação do imposto segundo a capacidade contributiva do sujeito passivo é uma imposição dos tempos modernos para implantação de uma ordem jurídico-tributária justa. […] Pelo princípio da capacidade contributiva o Estado visa arrecadar os recursos pecuniários, necessários à execução de suas finalidades, da forma mais justa possível, retirando parte da riqueza dos contribuintes, na medida das possibilidades de cada um. Esse princípio se insere no âmbito da função arrecadatória ou fiscal do Estado. Já a tributação progressiva, como instrumento de exercício da extrafiscalidade, nada tem que ver com a função arrecadatória do Estado, mas com a sua função ordinatória. Sabe-se que o Estado detém ao lado do poder de tributar o poder de regular, também conhecido como poder de polícia. No campo da extrafiscalidade a exacerbação de alíquotas não tem objetivo fiscal, podendo aumentar a pressão tributária de forma a dirigir e conduzir o comportamento do contribuinte […]”[11] Impende esclarecer, ainda, que “progressividade” e “proporcionalidade” são ideias que não se confundem. Como visto, a progressividade pressupõe a elevação – proporcional, deveras – das alíquotas em conformidade com o aumento da base de cálculo, ou seja, do valor da riqueza tributada. Essa elevação proporcional das alíquotas resulta, efetivamente, num aumento do imposto a ser pago, o que, a seu turno, deriva da majoração da manifestação de riqueza sobre a qual incide o tributo. Na proporcionalidade, por outro lado, a alíquota não se altera, é invariável, de forma que muda tão somente o montante a ser recolhido aos cofres públicos, na razão direta do aumento da matéria tributável. Assim, diz-se que um tributo é proporcional quando for prevista a mesma alíquota para todo e qualquer contribuinte, independentemente do valor da base de cálculo. A aplicação da progressividade ao sistema tributário, todavia, exige cautela por parte do legislador, eis que, como alerta Zilveti, apesar de a graduação progressiva dos impostos ser um importante instrumento de justiça social, a aplicação excessiva desta progressividade pode culminar no confisco, efeito que deve ser combatido com rigor, por atentar gravemente contra a capacidade contributiva do contribuinte[12]. No mesmo sentido, assevera Américo Lacombe que: “O confisco seria desproporcional à capacidade contributiva, seria o aniquilamento desta, o que violaria a graduação determinada pela Lei Maior. É certo que a Carta vigente, no art. 150, IV, veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a utilização de tributo com efeito de confisco, donde decorre que o confisco em si mesmo será vedado, ainda que não seja consequência de tributo. A vedação ao confisco decorre ainda do art. 5º, inciso XXII, que garante o direito de propriedade; do inciso LIV, também do art. 5º, que afirma que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, e do art. 150, IV, acima mencionado. Decorreria, no entanto, do princípio da capacidade contributiva, ainda que ausentes as demais disposições, pois violaria a graduação […]”[13] Especificamente quanto ao ITCMD, o art. 2° da Resolução nº 09 do Senado Federal, de 05 de maio de 1992, prevê que as alíquotas do ITCMD, a serem fixadas em lei estadual, “poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal”. Tal dispositivo, todavia, enseja controvérsias na doutrina e na jurisprudência, pois tanto há quem sustente que o Senado extrapolou a competência constitucionalmente prevista, que se restringiria à fixação de alíquotas máximas, como quem defenda que esta Casa Legislativa apenas exerceu sua competência constitucional, privilegiando, ainda, o princípio da capacidade contributiva. Essa questão é de suma relevância na análise da guinada jurisprudencial objeto do presente estudo e será aprofundada a seguir. 3. A EVOLUÇÃO DO ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 3.1. A orientação tradicional do STF sobre a progressividade dos impostos reais O STF, até pouco tempo, possuía entendimento consolidado no sentido de que a técnica da progressividade, em princípio, só poderia ser aplicada quanto aos impostos ditos pessoais. O principal argumento apontado para fundamentar essa tese deriva da interpretação conferida ao art. 145, § 1º, da CRFB/88. Segundo o Pretório Excelso e boa parte dos doutrinadores tributaristas, a expressão “sempre que possível” constante do referido dispositivo incidiria tanto em relação ao caráter pessoal dos impostos quanto no que diz respeito à sua graduação de acordo com a capacidade econômica do contribuinte. Assim, ainda que de modo implícito, o dispositivo constitucional em voga somente permitiria a utilização da progressividade para os impostos pessoais, já que os impostos reais incidem sobre algum elemento econômico de maneira objetiva, não levando em conta dados concernentes à situação pessoal do contribuinte. Até porque, se todos os impostos reais pudessem ser progressivos, não faria qualquer sentido a Constituição mencionar expressamente apenas dois, pois, se a progressividade fosse a regra, mais lógico seria apontar as exceções. Não obstante, admitia o Supremo, excepcionalmente, que a lei previsse alíquotas progressivas para impostos reais, desde que houvesse expressa previsão constitucional referendando-a. Como se infere dos preceitos constitucionais mencionados no tópico anterior, os quais aludem expressa ou implicitamente à progressividade, a CRFB/88 apenas consagra a aplicação da referida técnica quanto a dois impostos reais: o IPTU e o ITR. Desta feita, entendia o STF que este seria o elenco taxativo dos impostos reais que poderiam ser exigidos com base em alíquotas progressivas. Corroborando a adoção da tese explanada acima, o Supremo editou a Súmula 668, que prevê a inconstitucionalidade da lei municipal que tenha estabelecido, antes da EC nº 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana, e a Súmula 656, que dispõe ser inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o ITBI com base no valor venal do imóvel. No tocante ao IPTU, como sustentava que a aplicação da progressividade aos impostos reais só seria possível mediante previsão expressa na própria Constituição, o STF reconheceu a inconstitucionalidade de diversas normas municipais que fixavam alíquotas progressivas para o imposto em razão do valor venal do imóvel. Posteriormente, com o advento da EC nº 29/2000, o art. 156, § 1º, I, passou a conter autorização constitucional para leis municipais instituírem a progressividade fiscal do IPTU, conforme o valor do imóvel. Assim, somente com a alteração da CRFB/88, a aplicação da progressividade em tais hipóteses tornou-se legítima. Por outro lado, a progressividade extrafiscal do IPTU, visando ao cumprimento da função social da propriedade, sempre contou com previsão expressa, nos termos do art. 182, § 4º, II, da CRFB/88. Por sua vez, também quanto ao ITCMD foi rechaçada a possibilidade de previsão de alíquotas progressivas, tendo o Egrégio STJ negado provimento a recurso justamente com fulcro na inconstitucionalidade da aplicação da técnica da progressividade ao referido imposto real: “TRIBUTÁRIO. ITCMD. PROGRESSIVIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. RESTAURAÇÃO DA LEI ANTERIOR. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.”[14] Em suma, a remansosa jurisprudência do STF era no sentido de que a progressividade, em se tratando de impostos reais, só seria admissível no ordenamento jurídico pátrio se houvesse expressa previsão constitucional consagrando-a. Porém, paulatinamente, passou a desenhar-se uma silenciosa e relevante guinada nesse entendimento, de modo que a sua superação não foi tão brusca como alguns imaginam. É que, consoante noticiado nos informativos 510, 520 e 634 da jurisprudência do STF, a maioria dos votos proferidos pelos ministros antes do julgamento definitivo do RE 562.045/RS era pela constitucionalidade da progressividade do ITCMD, o que já sinalizava a modificação da tese dominante até então. 3.2. O novel posicionamento do STF esposado no julgamento do RE 562.045/RS O RE 562.045 foi interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul em face de acórdão do Tribunal de Justiça local que entendeu pela inconstitucionalidade do art. 18 da Lei estadual nº 8.821/89, dispositivo que consagrou sistema progressivo de alíquotas para o ITCMD, por ofensa ao art. 145, § 1º, da CRFB/88. De acordo com o acórdão recorrido, infere-se do referido preceito constitucional que a regra geral a ser observada pelos entes tributantes é a impossibilidade de aplicação da progressividade aos impostos reais, ressalvadas as hipóteses expressamente previstas na própria Constituição. O julgamento do recurso em questão somente foi concluído após mais de quatro anos, tendo havido, neste ínterim, alguns pedidos de vista, bem como modificações na composição do Pretório Excelso. O Supremo iniciou a apreciação do recurso extraordinário em 12 de junho de 2008, ocasião em que o relator, Ministro Ricardo Lewandowski, negou provimento ao recurso, por entender que, apesar de consubstanciar instrumento para a obtenção de efeitos extrafiscais, a progressividade, no caso dos impostos reais, só poderia ser adotada diante de expressa previsão constitucional, e, ainda, desde que não se tomasse por base, direta ou exclusivamente, a capacidade econômica do contribuinte. Para o Ministro, a vedação da progressividade dos impostos reais, decorrente do disposto no art. 145, § 1º, da CRFB/88, configuraria, ao lado dos princípios da legalidade, da irretroatividade, da anterioridade, da isonomia e da proibição do confisco, verdadeira garantia constitucional e direito individual do contribuinte, não podendo ser afastados por lei ordinária estadual. Em seguida, o Ministro Eros Grau, atualmente aposentado, pediu vista dos autos.[15] Em 17 de setembro de 2008, o STF retomou o julgamento do RE 562.045/RS. Na oportunidade, o Ministro Eros Grau, em voto-vista, abriu divergência para dar provimento ao recurso, declarando a constitucionalidade do dispositivo questionado. Para ele, o errôneo entendimento de que a progressividade das alíquotas do ITCMD seria inconstitucional decorreu da mera suposição de que o § 1º do art. 145 da CRFB/88 admite a aplicação desta técnica apenas quanto aos impostos pessoais. Na verdade, porém, todos os impostos estão sujeitos ao princípio da capacidade contributiva, mesmo os que não tenham caráter pessoal, pois o que o preceito constitucional estabelece é que os impostos, sempre que possível, deverão ter caráter pessoal. Assim, todos os impostos, independentemente de sua classificação em real ou pessoal, podem e devem conformar-se à capacidade contributiva do sujeito passivo. Aduziu, ainda, ser perfeitamente possível aferir a capacidade contributiva do contribuinte do ITCMD, já que, por se tratar de imposto direto, sua incidência pode expressar, em diversas circunstâncias, progressividade ou regressividade direta. Os Ministros Menezes Direito (aposentado), Cármen Lúcia e Joaquim Barbosa, em seus votos, acompanharam a divergência, tendo o Ministro Carlos Ayres Britto, ato contínuo, pedido vista dos autos.[16] Tempos depois, em 04 de agosto de 2011, o Plenário do Supremo prosseguiu no julgamento do RE 562.045/RS, quando o Ministro Carlos Ayres Britto, em voto-vista, também seguiu a divergência iniciada pelo Ministro Eros Grau para dar provimento ao recurso, reconhecendo a constitucionalidade do art. 18 da Lei nº 8.821/89. No mérito, o Ministro asseverou que a progressividade das alíquotas do ITCMD não teria como descambar para o confisco, haja vista estarem sujeitas ao teto fixado em resolução do Senado Federal. Ademais, destacou inexistir incompatibilidade com a Súmula 668 do STF, esclarecendo, ainda, que, diferentemente do que ocorreu com o IPTU, no âmbito do ITCMD não haveria a necessidade de emenda constitucional para legitimar a progressividade. A Ministra Ellen Gracie, hoje aposentada, igualmente votou pelo provimento do recurso, sendo que, em seguida, houve pedido de vista por parte do Ministro Marco Aurélio.[17] Vale ressaltar, outrossim, que o Ministro Marco Aurélio, no julgamento do RE 423.768/SP[18], em 1º de dezembro de 2010, havia manifestado seu entendimento no sentido de que jamais existiu proibição constitucional de aplicação da progressividade aos impostos reais, de modo que a EC nº 29/2000 apenas teria esclarecido o real significado do disposto anteriormente sobre a graduação dos tributos, não tendo abolido nenhum direito ou garantia individual. Isso porque, para ele, a redação original da Constituição já consagrava a progressividade dos impostos em geral e a consideração da capacidade econômica do contribuinte. Naquela oportunidade, o Ministro enfatizou que o § 1º do art. 145 possui cunho social da maior valia, tendo como objetivo único o estabelecimento de uma gradação que promovesse justiça tributária, onerando os que tivessem maior capacidade para pagamento do imposto, não cabendo limitar o alcance do dispositivo. Pontuou, ainda, ser necessário emprestar aos vocábulos da norma constitucional o sentido próprio, não se podendo confundir a referência à capacidade econômica com a capacidade financeira, cedendo a tradicional dicotomia entre tributo pessoal e real, pois, ao texto da CRFB/88. Assim, essas premissas é que deveriam nortear a solução dos conflitos relacionados à aplicação da técnica da progressividade, buscando-se, com isso, alcançar o objetivo da República consistente na existência de uma sociedade livre, justa e solidária.[19] Não obstante, o Ministro Marco Aurélio, em seu voto-vista, embora tenha ressalvado não aderir à interpretação atribuída pelo relator ao art. 145, § 1º, da CRFB/88, no sentido de que apenas mediante expressa previsão constitucional seria possível autorizar outras hipóteses de tributação progressiva de impostos reais, acompanhou a conclusão do seu voto, negando provimento ao recurso por reconhecer a inconstitucionalidade do art. 18 da Lei nº 8.821/29 do Estado do Rio Grande do Sul. Neste ponto, interessa analisar os fundamentos invocados pelo Ministro para afastar, ainda que de forma pontual, a possibilidade de aplicação da proporcionalidade a um tributo real. O Ministro Marco Aurélio entendeu que afronta o princípio da capacidade contributiva admitir a progressão de alíquotas na incidência do ITCMD sem que haja qualquer consideração da situação econômica do sujeito passivo. Mesmo admitindo, em tese, a progressividade das alíquotas do imposto, para ele é mister que haja algum grau de personalização nessa progressão, de modo que seja efetivamente considerada a real situação patrimonial do sujeito passivo. É que, sem a pessoalidade, haveria inevitavelmente injustiça, contrariando, a um só tempo, os princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária. In casu, a legislação estadual sob exame não teria contemplado a personalização, e, ao implementar a progressividade da forma como procedeu, violou o princípio maior da capacidade contributiva, razão pela qual o Ministro sustentou que tal norma deve ser expurgada do ordenamento jurídico.[20] Finalmente, em 06 de fevereiro de 2013, com a apresentação do voto-vista do Ministro Marco Aurélio e com adesão dos Ministros Teori Zavascki, Gilmar Mendes e Celso de Mello à divergência aberta pelo Ministro Eros Grau, o Pleno do STF, concluindo o julgamento do RE 562.045/RS, deu provimento ao recurso, por maioria, para assentar a constitucionalidade do art. 18 da Lei nº 8.821/89 do Estado do Rio Grande do sul.[21] O posicionamento vencedor fundou-se nos argumentos expostos acima, principalmente naqueles suscitados nos votos-vista dos Ministros Eros Grau e Carlos Ayres Britto. Ficaram vencidos, outrossim, o Ministro Ricardo Lewandowski, relator originário, e o Ministro Marco Aurélio, tendo a relatoria para o acórdão sido atribuída à Ministra Cármen Lúcia. Em conjunto com o RE 562.045/RS, foram julgados também outros nove processos que tratavam da mesma questão, todos interpostos pelo Estado do Rio Grande do Sul. O entendimento esposado pelo STF no RE 562.045/RS imediatamente ganhou destaque nos canais de comunicação que veiculam a jurisprudência dos tribunais superiores. Contudo, as notícias, em sua maioria, apenas reproduziram o teor da decisão, sem tecer considerações mais profundas sobre as suas possíveis repercussões. O tema, indubitavelmente, será objeto de novas discussões doutrinárias, restando saber se a doutrina majoritária irá perfilhar a nova tese do Supremo ou se manterá o raciocínio anteriormente dominante. Apesar de recente, trata-se de alteração significativa que certamente trará, além de consequências teóricas, uma série de consequências práticas num futuro próximo, como o reconhecimento da constitucionalidade de leis estaduais que já previam a progressividade das alíquotas do ITCMD, a edição de novas leis para instituí-la e, até mesmo, uma possível revogação das Súmulas 656 e 668 do STF. CONCLUSÃO O texto constitucional deve ser interpretado sistematicamente pelos operadores do direito, juristas e tribunais. Assim, o novel entendimento esposado pelo STF guarda estreita conformidade com a moderna visão sistêmica que se busca atribuir à Constituição. Isso porque a aplicação da técnica da progressividade ao ITCMD é medida que visa a assegurar os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva, ambos com assento constitucional e de reconhecida relevância ao sistema tributário pátrio. A técnica da progressividade permite a graduação dos impostos conforme a capacidade econômica do contribuinte, privilegiando, ainda, o princípio da igualdade. A igualdade deve ser o valor supremo de um Estado Democrático de Direito e, por isso, paira por toda a ordem instaurada pela Constituição de 1988. Obviamente, o Estado depende de impostos para se manter, de modo que o dever fundamental de pagar impostos alcança toda a sociedade e entes privados, independentemente da vontade, mas a capacidade que cada um tem de suportar a carga tributária imposta é diferente. Portanto, não há igualdade sem medidas que promovam a justiça fiscal. A própria forma como se encontra estruturada a tributação no Brasil fomenta o agravamento do problema da concentração de renda, separando cada vez mais os dois extremos da sociedade. É preciso, portanto, implementar medidas que corrijam tal distorção, sempre na busca de um sistema tributário mais justo e equânime. Neste contexto, a aplicação da progressividade ao ITCMD nada mais faz senão concretizar a vontade constitucional, por contemplar os princípios da isonomia tributária e da capacidade contributiva, colaborando, em último grau, para a promoção de um sistema tributário mais justo. A concentração da renda e sua perpetuação ao longo das gerações limitam a redistribuição de riquezas e o crescimento econômico meritório, razão pela qual a capacidade contributiva deve ser levada em consideração na cobrança do ITCMD. Do contrário, a tendência é de que este já preocupante quadro de desequilíbrio socioeconômico instaurado no Brasil seja agravado. Ademais, não há razão para fazer distinção quanto ao que o constituinte expressamente não fez. Se a redação de um preceito constitucional enseja dúvidas, a extração de seu real sentido deve se dar através de um labor hermenêutico que privilegie os princípios e valores fundantes e estruturantes da própria ordem constitucional. Cumpre ressaltar, outrossim, que a Constituição carrega não apenas disposições expressas em seu texto, mas também uma série de princípios implicitamente albergados. Resta claro, pois, que a tributação progressiva do ITCMD não é apenas uma medida juridicamente possível, mas também altamente recomendável, tendo em vista sua aptidão para colaborar no combate à desigualdade social e à concentração de renda, através da construção de um sistema tributário mais justo e equânime. Por conseguinte, independentemente de previsão expressa, há que se permitir a instituição pelos Estados e pelo Distrito Federal de alíquotas progressivas para o ITCMD.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/aspectos-jurisprudenciais-atuais-do-itcmd/
Por um sistema tributário mais justo: isonomia, capacidade contributiva e justiça fiscal
O presente ensaio se propõe a fazer uma abordagem de alguns dos principais instrumentos passíveis de serem utilizados numa futura reforma do sistema tributário brasileiro, com vistas a torná-lo mais justo e equânime. O povo brasileiro anseia por uma profunda reestruturação dos pilares da tributação no país, o que não pode ser feito sem prestigiar os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, bem como a ideia de justiça fiscal. Nesse contexto, busca-se analisar os referidos institutos, de forma detalhada, a fim de que se possa compreender sua relevância e, assim, atestar a urgência de sua crescente implementação como pilares do sistema tributário pátrio.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Num país em que é imensa a desigualdade social, incessante deve ser a busca por instrumentos de diminuição das disparidades. Todavia, contraditoriamente, é consabido que a carga tributária brasileira incide principalmente sobre o consumo da população menos favorecida. Daí porque muito se tem falado na necessidade de promover uma reforma no sistema tributário brasileiro. Neste contexto, assume grande relevância o estudo dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva, bem como da ideia de justiça fiscal, instrumentos que são capazes de contribuir para a implementação de uma estrutura de tributação mais justa e equânime. O presente trabalho se propõe justamente a fazer uma abordagem profunda, embora sem pretensão de ser exauriente, dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva e da justiça fiscal. Para tanto, fundamental é a análise do conceito dos referidos institutos, valendo-se, para tanto, do escólio de respeitáveis doutrinadores, buscando-se, outrossim, construir um entendimento mais abrangente, crítico e consciente dos mesmos. Em verdade, tais institutos estão intimamente relacionados, de modo que é mister estudá-los conjuntamente. Isso porque, em último grau, a justiça fiscal nada mais é do que uma oneração equitativa dos contribuintes, na proporção de sua capacidade contributiva. Em outras palavras, é a concretização do princípio da igualdade em matéria de arrecadação tributária, visando a suprir as necessidades do Estado sem sobrecarregar a população. Assim, a aplicação da capacidade contributiva é um eficiente meio de promover a justiça fiscal, o que, por sua vez, tem como consequência a redução das desigualdades sociais, em obséquio ao princípio da isonomia. DESENVOLVIMENTO 1. O Princípio da Isonomia e a Capacidade Contributiva A Constituição de 1988, ao dispor, no art. 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, consagra, em termos amplos, o princípio da igualdade ou da isonomia, segundo o qual todo e qualquer brasileiro tem o direito de ser tratado pela lei de forma equânime, observados os parâmetros fixados pelo ordenamento jurídico. A igualdade que a Constituição busca promover objetiva, precisamente, que casos iguais recebam o mesmo tratamento e que hipóteses distintas sejam tratadas de maneira desigual. Sob esta perspectiva, a desigualdade na lei restará configurada quando uma determinada norma dispensar, de forma não razoável, ou mesmo arbitrária, tratamento igual a pessoas em situações diversas ou tratamento diferente a pessoas que se encontram na mesma condição. Conforme a doutrina de Alexandre de Moraes, o princípio da igualdade opera em dois planos distintos. De um lado, dirige-se ao legislador, ou ao próprio Poder Executivo, a fim de impedir a edição de leis, atos normativos ou medidas provisórias, respectivamente, que confiram, injustificadamente, tratamento diferente a cidadãos que estejam em situação idêntica. E, por outro lado, visa a assegurar uma aplicação igualitária, pelo intérprete da norma, dessas leis e atos normativos, vedando, com isso, que haja qualquer distinção em atenção ao sexo, à religião, à ideologia política e filosófica, à raça, ou à classe social[1]. Acrescenta o constitucionalista, ainda, que não se pode olvidar que o particular também deve observância ao princípio da igualdade, já que é inconcebível que alguém pratique condutas discriminatórias, preconceituosas ou racistas. É tanto que, caso assim proceda, ficará o indivíduo sujeito à responsabilização penal e civil. Conclui-se, por conseguinte, que eventual tratamento normativo diferenciado somente será compatível com a Constituição se houver uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim perseguido. E, em sendo assim, como bem sintetiza Hugo de Brito Machado, a verdadeira igualdade reside na proporcionalidade[2], que nada mais é que aplicar critérios racionais e lógicos aos casos concretos, em detrimento de parâmetros subjetivos. Em matéria tributária, o princípio da isonomia é consagrado no art. 150, II, da CRFB/88, que assim preceitua, com destaques da transcrição: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;[…]” Pertinente é a observação que Luciano Amaro faz sobre o dispositivo supracitado, ao pontuar que ele institui não só a igualdade perante a lei, mas também a igualdade perante o legislador. Neste sentido, explana que “nem pode o aplicador, diante da lei, discriminar, nem se autoriza o legislador, ao ditar a lei, a fazer discriminações”[3]. Destarte, pode-se dizer que, em último grau, visa o princípio da igualdade à garantia do próprio indivíduo no bojo do ordenamento jurídico, livrando-o de possíveis perseguições e favoritismos. Em termos práticos, ensina o ilustre doutrinador, quanto à igualdade formal, que “[…] a igualdade é uma garantia do indivíduo e não do Estado. Assim, se, diante de duas situações que merecem igual tratamento, a lei exigir tributo somente na primeira situação, não cabe à administração fiscal, com base no princípio comentado, tributar ambas situações; compete ao indivíduo que se ligue à situação tributada contestar o gravame que lhe esteja sendo cobrado com desrespeito ao princípio constitucional. Não pode a analogia ser invocada pela administração para exigir o tributo na situação não prevista (CTN, art. 108, § 1º)”.[4] Alerta Victor Uckmar, no entanto, que “A existência de desigualdades naturais justifica a criação de categorias de contribuintes sujeitos a diferente tratamento fiscal sempre que ocorram as seguintes circunstâncias: a) todos os contribuintes compreendidos na mesma categoria devem ter idêntico tratamento; b) a classificação em diversas categorias deve encontrar fundamento racional em diferenças reais; c) a classificação deve excluir toda discriminação arbitrária, injusta ou hostil contra determinadas pessoas ou categorias de pessoas; d) a diferença deve comportar uma justa igualdade, sob o aspecto equitativo; e) a diferença deve respeitar a uniformidade e a generalidade do tributo.”[5] Como visto, o princípio da igualdade está estreitamente ligado à ideia de proporcionalidade. Na seara tributária, esta relação se dá de forma ainda mais intensa, a ponto de a igualdade ser entendida como justiça tributária. Em consequência, tem-se que, quanto à questão da tributação, o princípio da isonomia acaba se confundindo, por vezes, com o da capacidade contributiva. A rigor, porém, o princípio da capacidade contributiva consubstancia algo diverso do princípio da igualdade, sendo aquele, na verdade, corolário lógico deste. É que, como esclarece Hugo de Brito Machado, a capacidade contributiva é apenas um dos critérios de valoração do princípio da isonomia[6]. Resta claro, portanto, que o princípio da capacidade contributiva, pelo qual os impostos devem ser proporcionalmente graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte[7], não deve ser concebido como mera forma de exteriorização, no Direito Tributário, do princípio geral da igualdade. Corrobora esta tese o fato de existir um preceito constitucional consagrando precisamente o princípio da capacidade contributiva, ao passo que há menção expressa ao princípio da isonomia noutros dispositivos constitucionais, indicando, destarte, que o próprio constituinte estabeleceu esta diferenciação entre os dois princípios. O art. 145, § 1º, da CRFB/88, assim enuncia, in verbis: “Art. 145. Omissis § 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. […]” Pertinente crítica à redação do mencionado dispositivo é veiculada por Ives Gandra Martins, que observa que, apesar da imperfeição linguística do parágrafo, que pode suscitar interpretações diversas, a expressão “sempre que possível” refere-se tão somente ao caráter pessoal dos tributos, e não à sua capacidade econômica. Assim, sustenta o doutrinador que a interpretação mais coerente, levando-se em consideração os demais princípios regedores do sistema tributário, é aquela segundo a qual a capacidade contributiva deve sempre ser respeitada, sob pena de restar configurado o confisco, forma clássica de desrespeito ao princípio da capacidade contributiva[8]. Corrobora o referido entendimento a constatação de que enquanto, de fato, nem sempre se mostra possível atribuir a um imposto caráter pessoal, a graduação dos impostos conforme a capacidade econômica do contribuinte é sempre factível. Discorda deste posicionamento, outrossim, Luciano Amaro, para quem a oração “sempre que possível” cabe como ressalva tanto para a personalização, como para a capacidade contributiva, pois “não se pode ler, no preceito constitucional, a afirmação de que os impostos devem observar a capacidade econômica, mesmo quando isso seja impossível”[9]. Discute-se, ademais, quais critérios devem ser levados em consideração para aferir a capacidade contributiva do contribuinte. Fatores como a renda pessoal, o patrimônio e o consumo têm sido apontados como sinalizadores do grau de capacidade contributiva. No entanto, nenhum destes critérios, isoladamente, é capaz de satisfatoriamente mensurar esta capacidade. Sobre o tema, salienta Hugo de Brito Machado que há quem sustente a tese de que a capacidade contributiva deve ser medida pela 'renda monetária líquida', por ele definida como a renda monetária deduzida da quantia considerada como o mínimo indispensável à subsistência do contribuinte e de sua família. Conclui o eminente tributarista, contudo, que melhor é aferir a capacidade contributiva atentando para vários aspectos, dentre os quais merecem destaque a renda monetária, o patrimônio e o consumo[10]. Luciano Amaro ensina, de forma esclarecedora, que a adequação do imposto à capacidade contributiva do contribuinte encontra expressão no princípio da proporcionalidade, segundo o qual o gravame fiscal deve ser diretamente proporcional à riqueza evidenciada em cada situação impositiva[11]. Ele ressalta, porém, que a mera ideia de proporcionalidade expressa apenas uma relação matemática entre o crescimento da base de cálculo e o do imposto, ao passo que a capacidade contributiva reclama mais do que isto, pois exige que se afira a justiça da incidência em cada situação isoladamente considerada, e não somente a justiça relativa entre uma e outra das duas situações. Sendo assim, “o princípio da capacidade contributiva, conjugado com o da igualdade, direciona os impostos para a proporcionalidade, mas não se esgota nesta”[12]. Vale salientar, por fim, que o princípio da capacidade contributiva somente pode ser compreendido como manifestação exata da isonomia quanto aos tributos com finalidade eminentemente fiscal. Isto porque, quanto aos tributos com fins extrafiscais, a observância deste princípio é mitigada – e não completamente excluída, já que o “mínimo vital” sempre deverá ser preservado – diante da necessidade de perseguir outros objetivos, de modo que, “em razão da extrafiscalidade, autorizada está a prescindibilidade da graduação dos impostos consoante a capacidade econômica do contribuinte, para que se atinjam finalidades outras que não a mera obtenção de recursos, homenageadas pela ordem constitucional”[13]. Assim, no bojo de uma tributação extrafiscal em que se busque, por exemplo, assegurar a função social da propriedade, proteger o meio ambiente ou incentivar a cultura, pode o Poder Público derrogar parcialmente o princípio da capacidade contributiva, sem que isto importe em ofensa ao princípio da isonomia. 2. A justiça fiscal O significado e a abrangência do termo “justiça fiscal” não são pacíficos na doutrina. O próprio conceito de justiça, por si só, tem gerado intensos debates, mormente de cunho filosófico, desde a antiguidade. Daí porque, apesar de não ser o foco do corrente estudo, não se pode discorrer acerca da justiça fiscal sem que antes se faça breves considerações sobre a ideia de justiça em sentido amplo. Salienta-se, no entanto, que tal tema demanda, dada a sua alta complexidade, uma análise muito mais detida e aprofundada, mas, como este não é o objeto deste trabalho, o que se pretende é tão somente elucidar os aspectos necessários a uma melhor compreensão da noção de justiça fiscal. Platão relaciona o conceito de justiça ao comportamento do ser humano, de modo que sua ideia de justiça acaba assumindo um viés antropológico, a partir da análise do que seria o comportamento do homem justo e do homem injusto. Ademais, virtude, verdade e felicidade, em Platão, são adjacentes à ideia de justiça. Sobre o tema, elucidativa é a seguinte passagem, presente num de seus diálogos: “Os homens afirmam que é bom cometer a injustiça e mau sofrê-la, mas que há mais mal em sofrê-la do que bem em cometê-la. Por isso, quando mutuamente a cometem e a sofrem e experimentam as duas situações, os que não podem evitar um nem escolher o outro julgam útil entender-se para não voltarem a cometer nem sofrer a injustiça. Daí se originaram as leis e as convenções e considerou-se legítimo e justo o que prescrevia a lei. É esta a origem e a essência da justiça: situa-se entre o maior bem – cometer impunemente a injustiça – e o maior mal – sofrê-la quando se é capaz de vingança. Entre esses dois extremos, a justiça é apreciada não como um bem em si mesma, mas porque a impotência para cometer a injustiça lhe dá valor.”[14] Aristóteles, a seu turno, identifica, no quinto capítulo da obra Ética a Nicômaco, várias espécies de justiça: justiça doméstica, justiça política, justiça como parte da virtude, justiça corretiva, justiça distributiva, justiça legal. Assim, conforme a concepção aristotélica, a justiça não é vista em si mesma, mas sim de forma contextualizada, sempre se devendo considerar os polos da relação. Para iniciar seu estudo, o filósofo parte da seguinte premissa: “[…] todos os homens entendem por justiça aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e desejar o que é justo; e do mesmo modo, por injustiça se entende a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que é injusto.”[15] Interessa aqui, no entanto, aquilo que ele entende como justiça distributiva, nos seguintes termos: “Em toda espécie de ação em que há o mais e o menos também há o igual. Se, pois, o injusto é iníquo, o justo é equitativo, como, aliás, pensam todos mesmo sem discussão. E, como o igual é um ponto intermediário, o justo será um meio-termo. […] O justo, por conseguinte, deve ser ao mesmo tempo intermediário, igual e relativo (isto é, para certas pessoas). […] Eis aí, pois, o que é justo: o proporcional; e o injusto é o que viola a proporção.”[16] Por outro lado, enquanto para Aristóteles a justiça poderia ser ruim tanto por sua falta, como pelo excesso, sendo necessário, portanto, buscar um equilíbrio, uma justa medida, para Platão, assim como ocorreria quanto à virtude, quanto mais justiça o homem praticar, melhor. Isto porque, entende Aristóteles que “se o injusto é em alguns casos bom, então o que é justo também é em alguns casos mau; e, se o que acontece justamente é em alguns casos mau, também o que acontece injustamente é em alguns casos bom”[17]. Percebe-se, pois, que Aristóteles relativiza a ideia de justiça, relacionando o seu conteúdo às peculiaridades do caso concreto. Sob esta ótica, é preciso buscar qual é o melhor caminho em atenção a cada situação, porque a aplicação da justiça nem sempre seria a melhor escolha[18]. O fato é que, apesar de ser possível afirmar que o conceito de justiça é o mais fundamental do Direito, trata-se, também, de seu conceito mais abstrato[19], possuindo um conteúdo valorativo altamente indeterminado. Para que um ordenamento jurídico possa ser tido como justo, é preciso que seja orientado por princípios que permitam a instituição de regras, critérios e padrões. Assim, os princípios funcionam como parâmetros que norteiam o aplicador do direito, permitindo que haja generalidade sem arbitrariedade, ao criarem uma medida uniforme. A consagração de princípios por um ordenamento, portanto, visa a sanar os problemas que poderiam decorrer da impossibilidade de o legislador prever e regular todas as situações possíveis, evitando lacunas e proporcionando um tratamento isonômico e imparcial aos destinatários da lei. A existência de princípios, porém, é somente o pressuposto básico da justiça, porque realiza apenas a justiça formal. É que, para que haja justiça material, não basta que todos sejam tratados pela lei da mesma forma, sendo necessário também que os princípios que inspiraram a criação da norma e os critérios nela fixados sejam igualmente justos. Tais critérios, por exemplo, não podem dar margem a favorecimentos e discriminações infundados e irrazoáveis, sob pena de a norma ser considerada injusta. Neste sentido, ensina Weiss que “as pequenas regras excepcionadoras ou formalistas são usadas para produzir privilégios tributários, afastando os grandes princípios, como a generalidade e a capacidade contributiva”[20]. Assim, é possível a previsão legal de um discrímen, uma benesse, ou mesmo um privilégio, desde que haja justificava plausível para tanto, de modo que, mediante uma aparente discriminação, esteja sendo perseguido um fim maior. É de se ressaltar, por fim, que não existe um critério de justiça uniforme, ou seja, aplicável a todo e qualquer ramo do Direito. É necessário, portanto, que cada um desses ramos busque realizar a justiça elegendo os seus próprios critérios. E mesmo que muitos princípios sejam aplicáveis a vários ramos do Direito, acabarão por se manifestar de maneira peculiar no âmbito normativo de cada um, ensejando, justamente, a positivação de critérios específicos. Tecidas essas breves considerações gerais, passa-se à análise de conceitos mais específicos, trazendo a ideia de justiça para o campo do Direito Tributário. Sérgio Ricardo Ferreira Mota adverte, de logo, que as ideias de justiça fiscal e de justiça tributária não se confundem, adotando, pois, a classificação proposta por Samuel da Silva Mattos, em sua tese de doutorado[21]. Para ele, a justiça pública subdivide-se em três espécies: a justiça fiscal, a justiça tributária e a justiça social. Assim, enquanto a justiça fiscal se realizaria precisamente no momento da elaboração do orçamento público, ao buscar um equilíbrio entre a receita e a despesa, a justiça tributária consistiria num sistema normativo tributário justo, com base nos princípios e regras previstos na Constituição. A justiça social, por sua vez, relaciona-se com a destinação atribuída à renda arrecadada, de modo que se efetivaria mediante a aplicação desses recursos com maior ênfase nos mais necessitados, e em menor grau quanto aos mais abastados. A problemática da justiça social se tornou um dos temas mais relevantes da atualidade, tendo, inclusive, sido inserida na Constituição de 1988. Da leitura do art. 193, da CRFB/88, depreende-se que a ordem social nacional tem a justiça social como um de seus objetivos. A expressão injustiça social, a seu turno, refere-se a situações em que o indivíduo se depara com privações e vulnerabilidade social. Sendo assim, “entende-se como injustiça social todo acontecimento capaz de atingir a dignidade humana, dentre elas a pobreza, a concentração de renda e a exclusão social”[22], bem como o não acesso a serviços públicos básicos, como educação e saúde. Observa-se, então, que as ideias de justiça social e de justiça fiscal estão intimamente relacionadas, à medida que a tributação pode gerar injustiças sociais ao afastar a participação da sociedade na construção de uma política tributária socialmente justa[23]. Clovis Ernesto de Gouvêa entende por justiça fiscal a distribuição equitativa da carga tributária, na justa medida imprescindível à prestação dos serviços públicos pelo Estado, respeitada a capacidade contributiva de cada um dos indivíduos componentes do universo econômico nacional[24]. Esta definição é a que melhor se amolda àquela justiça fiscal que o sistema tributário pátrio deve buscar realizar e, por isso, será aqui adotada. Portanto, em último grau, a justiça fiscal nada mais é do que uma oneração equitativa dos contribuintes, na proporção de sua capacidade contributiva. Em outras palavras, é a concretização do princípio da igualdade em matéria de arrecadação tributária, visando a suprir as necessidades do Estado sem sobrecarregar a população. A justiça fiscal deve ser o valor supremo de um Estado Democrático de Direito, que depende de impostos para se manter, e também do conjunto de contribuintes que o integra[25]. Sabe-se que o dever fundamental de pagar impostos alcança toda a sociedade e entes privados – já que “a tributação é fato jurídico-econômico-social que transcende a vontade individual”[26] –, mas a capacidade que cada um tem de suportar a carga tributária imposta pelo Estado é diferente.  A busca pela justiça fiscal, vale frisar, norteou a elaboração da Constituição vigente, consoante se depreende do vigoroso discurso do constituinte Osmundo Rebouças, ainda na fase de reuniões das subcomissões da Assembleia Nacional Constituinte: “Outro objetivo que nós queremos alcançar aqui é o de fazer mais justiça fiscal com o nosso sistema tributário. Tributar ganho de capital com mais vigor, é introduzir na Constituição a possibilidade de se estabelecer imposto sobre patrimônio líquido das pessoas físicas, ou seja tributar esses nababos, essas fortunas exageradas que hoje são verdadeiros emirados, pessoas que não sabem o que possuem, nada pagam da riqueza acumulada. Nos ganhos de capital também temos muito a avançar. […] Existem verdadeiras injustiças fiscais. Nós temos de aproveitar a ocasião histórica da Constituição e lutar para corrigir essas distorções, que são revoltantes.”[27] O livre desenvolvimento econômico e a liberdade de iniciativa, pressupostos básicos do modelo capitalista de produção, têm como consequência a desigual distribuição de riquezas, gerando as chamadas classes econômicas. Há várias outras facetas da desigualdade – de gênero, racial, regional, etc. –, que, juntas consideradas, culminam no gênero “desigualdade social”. É com este quadro de desigualdades que o Direito Tributário se depara e é neste contexto que o sistema tributário pátrio deve almejar uma repartição da carga tributária mais adequada, tendo como consequência uma melhor distribuição da renda e da riqueza, e representando um avanço na concretização do ideal de justiça fiscal. Salema Ferreira adverte que “a tributação, como papel ativo do Estado, quando indevidamente gerida, pode permitir e induzir a notável redução da renda, aumento da pobreza e da concentração de renda, que implicam na miséria geradora de males sociais, talvez, insolúveis”[28]. Neste ponto, é interessante transcrever um trecho do comentário de Virgílio Guimarães, membro da Assembleia Nacional Constituinte, instalada em 1987, numa das reuniões da Subcomissão de Tributos, Participação e Distribuição das Receitas: “O mesmo raciocínio desenvolvo com relação aos impostos sobre patrimônio, que também é uma forma de ensejar justiça fiscal. Sempre que o assunto é discutido, como agora, surgem algumas dúvidas. […] O essencial é haver uma deliberação política no sentido de reverter a estrutura tributária brasileira a fim de torná-la socialmente mais justa. […] Parece-me que uma questão central seria a decisão política: Qual vai ser nossa orientação nosso direcionamento, se é para uma mentalidade mais fiscalista ou de justiça social?”[29] De toda forma, o fato é que, a fim de efetivar o princípio da igualdade em matéria tributária, a justiça fiscal pressupõe que a carga total de tributos seja distribuída equitativamente entre os cidadãos, na medida da capacidade contributiva de cada um, de forma que os ricos contribuam proporcionalmente mais que os pobres, observados os limites impostos pelo sistema constitucional tributário à oneração fiscal do contribuinte. É mister, destarte, que os encargos tributários sejam igualmente suportados pelos cidadãos, de forma a serem sentidos por cada contribuinte na mesma intensidade, afinal, “o tributo representa modalidade de intervenção estatal na riqueza individual e não pode ser mero mecanismo de atribuição onerosa da carga tributária à sociedade”[30]. CONCLUSÃO Com a desproporcional oneração dos cidadãos mais pobres, a forma como se encontra estruturada a tributação no Brasil fomenta o agravamento do problema da concentração de renda, separando cada vez mais os dois extremos. Assim, justiça fiscal mostra-se como verdadeiro clamor num país em que a parcela menos favorecida da população é a fonte por excelência dos recursos que financiam o aparato estatal. Neste contexto, deve-se buscar construir um sistema tributário mais justo – em que os pobres paguem menos impostos, principalmente sobre o consumo, e que os ricos contribuam mais, tanto sobre a renda, como sobre acumulação de riquezas – e que prime pela observância dos princípios da isonomia e da capacidade contributiva. Conclui-se, pois, que a justiça fiscal pressupõe a utilização da política tributária como instrumento de atenuação das desigualdades sociais, por meio da adequada distribuição da carga tributária entre os contribuintes. Neste diapasão, quanto maior for a riqueza acumulada do indivíduo e a sua capacidade de produzir mais riqueza, ou seja, quanto maior a capacidade econômica, mais ele deverá contribuir para arcar com as despesas públicas. Por fim, ressalta-se que uma justa tributação, além da adequada repartição da carga tributária, exige que o ônus imputado ao contribuinte seja socialmente justo, o que é verificado quando há estreita observância ao caráter pessoal do tributo e à capacidade contributiva individual, que, como visto, está no cerne do princípio da isonomia tributária. Daí porque a política tributária deve se valer não só dos mecanismos já consagrados de promoção da justiça fiscal, como a tributação direta, a seletividade e a progressividade, mas também de novos e eficazes instrumentos, sempre na busca de um sistema tributário mais justo e equânime.
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Da imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão, constante do artigo 150 da Constituição Federal e os novos veículos de informação
Este artigo visa elucidar, com base na jurisprudência e doutrina nacionais, de que forma está sendo interpretado o art. 150, V, “d” da Constituição Federal, frente aos novos veículos de transmissão de informação escrita. Explana sobre imunidades e o seu alcance conforme entendimentos da doutrina nacional. Além disso, trás à baila o uso das mídias eletrônicas, tais: como e-books, kindle, revistas e jornais eletrônicos etc., e o seu tratamento frente à imunidade objeto da presente análise, além de discutir sobre a repercussão geral dada ao tema pelo Supremo Tribunal Federal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A educação e a cultura são conhecidos por serem processos sistematizados de transmissão de conhecimentos. O conhecimento concede as ferramentas necessárias às pessoas que compõem determinada sociedade para melhor utilizar os recursos científicos e tecnológicos que atenderão aos anseios da sociedade moderna. O legislador constitucional nos trouxe a imunidade sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão, também conhecida como imunidade cultural, a fim de servir ao estímulo e à disseminação da cultura. Trata-se de uma imunidade objetiva, já que abrange exclusivamente o bem a que a norma se refere, ou seja, ao livro, jornal, periódico e ao papel utilizado na sua impressão. Ocorre que a revolução tecnológica trouxe novas formas de disseminação do conhecimento: as mídias eletrônicas. Hoje, ouvir falar de escolas públicas utilizando-se de tablets, notebooks etc., para auxiliar os professores na sala de aula, é algo corriqueiro e comum. Ou seja, tais recursos estão sendo utilizados para ajudar os alunos e professores no processamento e transmissão de conhecimento, objetivo que assemelha-se ao vetor axiológico escolhido pelo legislador ao elaborar a norma do art. 150, V, “d” da Constituição Cidadã. Frente a essa realidade, indaga-se: estão esses novos recursos tecnológicos também imunes à cobrança de impostos, tendo em vista que o espírito em que foi produzida a norma encontra-se latente? 2. TRATAMENTO JURISPRUDENCIAL De acordo com a jurisprudência do STF, resta patente a extensão da imunidade tributária aos insumos utilizados na confecção de jornais, pois além do próprio papel de impressão, a imunidade tributária conferida aos livros, jornais e periódicos, alcança também o chamado papel fotográfico (filmes não impressionados). (RE 203.859, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 11-12-2006, Plenário, DJ de 24-8-2001.) No mesmo sentido: RE 495.385-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29-9-2009, Segunda Turma, DJE de 23-10-2009; RE 327.414-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-3-2006, Segunda Turma, DJE de 12-2-2010; RE 273.308, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 22-8-2000, Primeira Turma, DJ de 15-9-2000. Podemos verificar que a extensão dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao tratar do tema, conforme citado no parágrafo anterior, deve-se ao vetor axiológico escolhido pelo legislador, senão, vejamos: “‘Álbum de figurinhas’. Admissibilidade. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil.” (RE 221.239, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 25-5-2004, Segunda Turma, DJ de 6-8-2004. No mesmo sentido: RE 179.893, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 15-4-2008, Primeira Turma, DJE de 30-5-2008. (grifo nosso). Apesar dessa posição quanto ao espírito da norma, o STF apenas o aplica no que se refere ao objeto em que está sendo veiculado, ou seja, ao papel, não o estendendo a outros meios de transmissão da informação, como o meio eletrônico, tendo em vista o caráter objetivo da imunidade. Com foco no vetor axiológico da norma estampada no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal, a então Ministra Ellen Gracie expôs a finalidade a que ele se destina: “O constituinte, ao instituir essa benesse, não fez reservas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil”. (grifo nosso). O tributarista Andrei Pitten Velloso (2007), comentando julgado exarado do STF sobre o tema, aduz que: “Entende-se que é inviável a restrição da imunidade com base num juízo subjetivo acerca da qualidade da publicação, uma vez que a imunidade é ampla, não se limitando às publicações de elevado valor cultural, científico, artístico ou didático”. (destaques no original). 3. POSIÇÃO DOUTRINÁRIA DO TEMA Sempre foi controversa a posição da doutrina com respeito ao alcance da palavra “livro” constante da seguinte norma constitucional: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) VI – instituir impostos sobre: (…) d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.” Nessa seara, o ilustre professor Hugo de Brito Machado (2009) ensina que: “A imunidade do livro, jornal ou periódico, e  do papel destinado a sua impressão, há de ser entendido no sentido finalístico. E o objetivo da imunidade poderia ser frustrado se o legislador pudesse tributar qualquer dos meios indispensáveis à produção dos objetos imunes (…) Na interpretação da norma imunizante tem-se de atualizar o seu significado, ampliando-se quando necessário o seu alcance para que não reste a mesma inutilizada por uma espécie de esclerose que a dominaria se prevalente o sentido estritamente literal.” (MACHADO, 2009). Assim, relevante é saber se as novas tecnologias estão sendo abrangidas pela regra imunizante. A melhor interpretação é aquela que concede à norma a garantia da máxima efetividade, compatibilizando-a à realidade social. Nesse sentido, Hugo de Britto Machado (2009) leciona que: “A melhor interpretação das normas da Constituição é aquela capaz de lhes garantir a máxima efetividade. Toda imunidade tem por fim a realização de um princípio que o constituinte considerou importante para a nação. A imunidade dos livros, jornais e periódicos tem por fim assegurar a liberdade de expressão do pensamento e a disseminação da cultura. Como é inegável que os meios magnéticos, produtos da moderna tecnologia, são hoje de fundamental importância para a realização desse mesmo objetivo, a afirmativa se impõe. O entendimento contrário, por mais respeitáveis que sejam, e são, os seus defensores, leva a norma imunizante a uma forma de esclerose precoce, inteiramente incompatível com a doutrina do moderno constitucionalismo, especialmente no que concerne à interpretação especificamente constitucional.” (MACHADO, 2009) E arremata dizendo: “É certo que o constituinte de 1988 teve a oportunidade de adotar redação expressamente mais abrangente para a norma imunizante, e não o fez. Isto, porém, não quer dizer que o intérprete da Constituição não possa adotar, para a mesma norma, a interpretação mais adequada, tendo em vista a realidade de hoje.” (MACHADO, 2009). Destarte, a maioria da doutrina entende que as publicações em meio eletrônico, por também difundirem o conhecimento e a cultura (assim como o desejou o legislador constitucional), devem ser alcançadas pela imunidade elencada no art. 150, VI, “d”, da Constituição Federal. O professor Ricardo Alexandre (2013), ao falar sobre o tema, nos apresenta a seguinte conclusão: “Esta corrente alega que a menção constitucional ao “papel destinado a sua impressão” não restringe o benefício apenas ao livro em papel, até porque a inexistência de menção expressa a outros meios de divulgação – principalmente eletrônicos – decorre de fato que, à época da elaboração da Constituição Federal de 1988, esses meios não eram tão difundidos como atualmente”. (ALEXANDRE, 2013) Entretanto, relata o autor que esse argumento está sendo afastado por uma interpretação histórica da citada regra. É que a Assembleia Nacional Constituinte teve a oportunidade de estender a imunidade a outros meios de divulgação de conhecimento e não o fez, imunizando apenas o papel. E segue afirmando: “O problema é que, nos dias atuais, o mundo passa por uma rápida disseminação dos livros em meio eletrônico (e-books), o que deve justificar uma evolução na jurisprudência da Suprema Corte, sob pena de frustrar o objetivo que presidiu a elaboração da regra imunizante ora estudada, qual seja, baratear a difusão da cultura e do pensamento. Ao que parece, o mais adequado seria entender que o livro, o jornal e o periódico são imunes, não importando a forma de apresentação. Se for adotada a forma tradicional em suporte físico (papel, CD-ROM, e-reader etc.), de forma a imunizar todos os livros, mas apenas um suporte físico (papel). Nessa linha, a aquisição do leitor eletrônico (e-reader) não deve ser considerada imune, mas a aquisição do livro eletrônico, mediante download ou outra forma qualquer, deve ser considerada insuscetível de tributação.” (ALEXANDRE, 2013). 4. REPERCUSSÃO GERAL Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) posicionar-se contrário ao tema, verificou-se no ano de 2012 que foi dada repercussão geral ao assunto, como se verifica do noticiário datado de 13 de novembro de 2012 daquela corte: “A imunidade tributária concedida a livros, jornais, periódicos e ao papel destinação à sua impressão, prevista na alínea “d” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal, alcança os livros eletrônicos ou e-books? A resposta à controvérsia será dada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE 330817), de relatoria do ministro Dias Toffoli. O processo teve a repercussão geral reconhecida por meio de deliberação do Plenário Virtual e a decisão do STF no caso deverá ser aplicada às ações similares em todas as instâncias do Poder Judiciário.” No citado processo, o estado do Rio de Janeiro recorre de decisão da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça daquele estado, que, julgando mandado de segurança impetrado por uma editora, reconheceu a imunidade relativa ao ICMS na comercialização de enciclopédia jurídica eletrônica. Segundo entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ/RJ): “livros, jornais e periódicos são todos os impressos ou gravados, por quaisquer processos tecnológicos, que transmitem aquelas ideias, informações, comentários, narrações reais ou fictícias sobre todos os interesses humanos, por meio de caracteres alfabéticos ou por imagens e, ainda, por signos”. No recurso ao STF, o estado do Rio de Janeiro alega que o livro eletrônico é um meio de difusão de obras culturais distinto do livro impresso e que, por isso, não deve ter o benefício da imunidade, a exemplo de outros meios de comunicação que não são alcançados pelo dispositivo constitucional, fazendo, como se percebe, uma interpretação puramente literal da Constituição. É de grande importância econômica e cultural o tema discutido, tendo o ministro Dias Toffoli afirmado, de acordo com o noticiário do STF, que “sempre que se discute a aplicação de um benefício imunitório para determinados bens, sobressai a existência da repercussão geral da matéria, sob todo e qualquer enfoque”, porque “a transcendência dos interesses que cercam o debate são visíveis tanto do ponto de vista jurídico quanto do econômico”. Por ser bastante elucidativo, colaciono excerto da revista eletrônica do STF que noticiou a repercussão geral, no que tange à diferenciação das correntes doutrinárias: “O ministro lembrou que essa controvérsia é objeto de “acalorado debate” na doutrina e na jurisprudência e citou as duas correntes (restritiva ou extensiva) que se formaram a partir da interpretação da alínea “d” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal. “A corrente restritiva possui um forte viés literal e concebe que a imunidade alcança somente aquilo que puder ser compreendido dentro da expressão ‘papel destinado a sua impressão’. Aqueles que defendem tal posicionamento aduzem que, ao tempo da elaboração da Constituição Federal, já existiam diversos outros meios de difusão de cultura e que o constituinte originário teria optado por contemplar o papel. Estender a benesse da norma imunizante importaria em desvirtuar essa vontade expressa do constituinte originário”, explicou. Já a concepção extensiva destaca que o foco da desoneração não é o suporte, mas sim a difusão de obras literárias, periódicos e similares. “Em contraposição à corrente restritiva, os partidários da corrente extensiva sustentam que, segundo uma interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, a imunidade serviria para se conferir efetividade aos princípios da livre manifestação do pensamento e da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, o que, em última análise, revelaria a intenção do legislador constituinte em difundir o livre acesso à cultura e à informação”, acrescentou o relator. 5. CONCLUSÃO O direito deve acompanhar os reclames da sociedade, que está em constante mudança. O uso de meios eletrônicos já é corriqueiro em todos os setores da economia, o que, aliado à responsabilidade ambiental, dá um novo colorido às relações sociais. Assim, não seria de bom tom ao interprete constitucional, aguardar que o legislador modifique o texto da atual Constituição Federal para que o significado da norma seja estendido, pois, por simples regra de hermenêutica e aplicação de princípios interpretativos, tal qual o da máxima efetividade, fazendo o que se costuma chamar de “interpretação evolutiva”, esse objetivo pode ser alcançado. O direito deve sempre acompanhar as mudanças na sociedade, por isso se diz que ele é mutável, e a sociedade avançou nos novos recursos de tecnologia de transmissão de informação, e por isso, os mesmos devem ser abarcados pela norma imunizante inserta no art. 150, V, “d”, da Constituição Federal de 1988.
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A noção positivista do magistrado no processo judicial e o devido processo legal
A evolução do processo como devido processo legal ocasionou um aumento na competência do Judiciário que passou a verificar, também, o conteúdo das leis e atos normativos. Nessa “nova” competência o magistrado assumiu papel fundamental, o de interpretar: extrair o sentido do texto e construir a norma. O juiz possui o poder de decidir os casos e dizer o direito, sempre voltado à proteção e concretização dos direitos fundamentais previsto na Constituição. Esse processo complexo de construção da norma envolve a percepção, sensibilidade, astúcia, valoração e experiência – pessoal e profissional – do juiz. Ele deve sair do estado de neutralidade para promover meios que efetivem as finalidades mediatas e imediatas do sistema jurídico. Em decorrência da ineficiência do Executivo ou do Legislativo, o juiz pode, ao sair da neutralidade, sempre visando a proteção das pessoas, assumir funções atípicas dentro da sua atividade essencial, a resolução de conflitos. Tal postura deve ser realizada excepcionalmente e somente quando a omissão dos demais Poderes atingir direitos fundamentais. Tal fato pode ocorrer no direito tributário, já que envolve diretamente o direito fundamental de propriedade. Nos casos de conflitos na relação jurídico-tributária o magistrado deve promover o devido processo legal e para isso pressupõe-se seu empenho na regular condução do processo, sob pena de prejudicar o contribuinte, parte, em regra, hipossuficiente da relação.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Há muito se tem questionado sobre o que é o direito, problema filosófico que repercute diretamente na aplicação das normas jurídicas. Para tentar responder essa questão é necessário ter em mente, que ele é um produto cultural, em constante movimento, dinâmico. O direito reflete e regula as relações sociais, que também estão em constante mudança. Assim, ele se apresenta com características diversas a depender da época, local e sociedade a que se refere. Com a crise do positivismo, pelo não atendimento das expectativas sociais, houve um processo de juridicização de valores. A moldura jurídica que impunha uma forma deixou de aceitar qualquer conteúdo, qualquer preenchimento. O Judiciário passou a ser o principal crítico da “pintura”, da “arte” da moldura. A ele incumbiu-se a verificação da conformidade das normas jurídicas, em seu aspecto formal e substancial. E mais, a ele foi atribuída também a efetividade dessas normas, que implicam na concreta promoção dos direitos e preservação das garantias assegurados pelo sistema e principalmente pela Constituição. A fundamental distinção entre texto e norma transforma a interpretação e aplicação do direito na própria construção da norma jurídica. Nessa perspectiva de construir a norma para sua aplicação, o magistrado ganha papel de destaque no mundo jurídico, porque o direito que ele diz não é mais apenas o direito que está literalmente na lei, abandona-se a visão reducionista da função do Judiciário. O magistrado, ao resolver os conflitos sociais, ou até mesmo ao analisar as leis em tese, da competência do STF ou STJ, deve aproveitar de sua percepção, de sua experiência, ele deve conhecer das pretensões resistidas e das circunstâncias que a envolvem para interpretar os fatos e os textos normativos. Nesse processo de conhecimento do caso e de interpretação há nítida influência dos valores que o magistrado possui. O juiz deve manter-se equidistante das partes, mas deve envolver-se no caso para decidi-lo, e para tanto não há como ele sustentar uma neutralidade axiológica, pois ele é ser humano e possui em si valores ínsitos que naturalmente, e até inconscientemente, irá atribuir às coisas que tiver contato. Para evitar que o processo judicial seja instrumento de dominação e desvirtuamento do direito, o magistrado deve ser independente e imparcial, e não deve ser neutro. Ele deve ser ativo, promovendo o devido processo legal, o que implica buscar a efetividade da decisão judicial e da proteção do homem através do processo. E diante da omissão inconstitucional prejudicial dos Poderes Executivo e do Legislativo ele deve adotar posturas excepcionais, que normalmente seriam atípicas em sua função, mas que após a devida ponderação, reste provado o maior prejuízo aos direitos fundamentais. O trabalho examina inicialmente o processo, notadamente, o devido processo legal, com breve relato de sua evolução histórica e de sua finalidade primordial. Depois é realizada uma abordagem sobre o juiz no processo, sua relação com as partes e com as demais pessoas que não são partes, bem como sua relação de independência relativamente aos demais Poderes. Por fim trata-se da postura do magistrado para com o caso a ser decidido e as implicações de ele presidir e conduzir o processo. 1. O DEVIDO PROCESSO LEGAL 1.1. Processo Processo, assim como a imensa maioria das palavras, é um termo que possui várias acepções. Etimologicamente, a palavra “processo” deriva do latim “procedere” que significa seguir adiante. Mas a depender do contexto ele também pode significar os autos (reunião de documentos), o rito procedimental, a forma de produção de algo, um direito subjetivo, entre tantas outras possibilidades. Devido a tal ambiguidade é importante fixarmos como proposição inicial o sentido do vocábulo “processo” por nós utilizado. Processo é uma relação jurídica instaurada a partir de um conflito que tem, em regra, como finalidade imediata a resolução deste através da (re)construção de uma norma jurídica e finalidade mediata a efetivação dos preceitos constitucionais. Essa relação jurídica possui suas linhas-mestras, seus pontos fundamentais, seus princípios, na Constituição de 1988, que é base de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Ela impõe normas ao legislador que irá disciplinar o processo, às partes que irão integra-lo, e ao julgador que irá conduzi-lo. Todo o processo é informado por normas constitucionais e as normas constitucionais são efetivadas por processos. Ao falarmos efetivadas estamos nos referindo tanto a proteção (ações objetivas), quanto a concretização (ações subjetivas). Paulo Cesar Conrado (2012, p. 16) afirma ser o processo “instrumento do instrumento”,  já que ele é instrumento do direito, almejando solucionar conflitos e o direito, por sua vez, é instrumento de harmonização e regulamentação das condutas sociais. Abordaremos especificamente o processo judicial. Nele há relação jurídica angular, estabelecida entre juiz, autor (requerente) e réu (requerido). Angular porque todas as ações das partes convergem ao juiz que cumpre o papel do Estado e é a pessoa competente para decidir e impor sua decisão aos conflitantes. Para Cândido Rangel Dinamarco (2009, p. 197-8) o juiz atua no processo com fundamento na jurisdição, o requerente com base na ação, enquanto o requerido exerce a defesa e a integração da jurisdição. Da ação e da defesa resulta no processo. O processo judicial é garantia de proteção dos direitos fundamentais e dos direitos subjetivos, face ao Estado e aos demais particulares, porém, não é qualquer processo que atinge esse fim protetivo pugnado pela Constituição. 1.2. Breve relato sobre a evolução histórica do devido processo legal Por não ser tema único deste estudo não pretendemos analisar minuciosamente a evolução da cláusula do devido processo legal, entretanto, é indispensável para que se apreenda sua “razão de ser” que se faça uma breve contextualização do seu desenvolvimento. Atualmente o devido processo legal está consagrado na Constituição Federal, e a doutrina aponta o artigo 5º, inciso LIV como seu dispositivo correspondente, determinando que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Somente na CF/88 houve a consagração expressa do termo “devido processo legal”. As Constituições anteriores – embora algumas previssem certos direitos relativos a alguns processos específicos – não faziam essa referência de forma geral e abrangente como fez nossa Carta Magna. Apesar de que somente com a nossa Constituição tenha havido a consagração expressa do referido princípio, já havia, antes, ampla discussão da doutrina pátria e a sua aplicação pelos Tribunais como se percebe, v.g., no RE 91246, julgado em 03/11/1981, e publicado no DJ 18-12-1981 e no MS 20656, julgado em 10/06/1987, publicado no DJ 26-06-1987. No cenário internacional o princípio teve origem na Inglaterra (MOREIRA, 2010, p. 233) quando em 1215 foi assinada a Magna Carta objetivando assegurar a vida, a liberdade e a propriedade com a limitação dos poderes do Rei João Sem Terra que dispunha sobre a ideia do julgamento regular em sua cláusula 39 o seguinte: “Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado dos seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país”. Bockmann (2010, p.230) ressalta que no direito inglês, por ser um modelo common law, o processo ganha ainda mais importância na salvaguarda de direitos fundamentais e na própria produção do direito. Somente em 1354, também na Inglaterra, surge a famosa expressão “due process of law” quando no reinado de Eduardo III houve a edição do Estatuto de Westminster das Liberdades de Londres os termos assentados na Carta Magna (NERY JUNIOR, 2013, p. 93). Por influência da Inglaterra, durante a colonização, tal noção de proteção pelo processo foi transportada para a América, tendo sido, inclusive, utilizada pelos norte-americanos contra os abusos dos seus colonizadores (2010, p. 232). Foi a partir dessa ideia de julgamento de acordo com a lei do país – law of the land – que houve o desenvolvimento no direito norte-americano até a incorporação expressiva na Constituição estadunidense com as Emendas V (Bill of Rights – 1791) e XIV (1868). Inicialmente o devido processo legal possuía a significação de observância das regras processuais estabelecidas na lei, destacando seu aspecto formal. A Corte Constitucional dos Estados Unidos ampliou essa noção formalista, fazendo com que fosse desprendido dele a observância, também, dos conteúdos dessas regras, para proteger os interesses e direitos protegidos dos atos estatais (aspecto substantivo). 1.3. Conceito de devido processo legal 1.3.1. Conceito versus definição Para tentarmos apreender o conceito de devido processo legal é importante destacarmos a diferença técnica existente entre conceito e definição. Enquanto o conceito é formado pela ideia, pela noção, pela representação mental, a significação de algo, a definição é formada com maior precisão, expressando os fins, confins e os limites. “Isto porque definir é pôr em palavras o conceito” (CARVALHO, 2009, p. 54). Renato Lopes Becho entende que tanto os conceitos jurídicos quanto as definições jurídicas são frutos do trabalho do cientista do direito que se debruça sobre os textos legais realizando descrições sobre os mesmos (2011, p. 102-4). Desta forma não devemos esperar encontrar no direito positivo uma definição de devido processo legal, já que o direito positivo é prescritivo de condutas. Entretanto, através das normas constitucionais, interpretadas sistematicamente, podemos formar um conceito de tal cláusula. Esse “conceito constitucional” impõe uma série de regras e princípios que devem caso a caso, de acordo com a pertinência, atuar sobre a conduta das pessoas envolvidas na relação jurídica processual e no trâmite dessa relação. Talvez seja por essa indeterminabilidade que a doutrina e a jurisprudência não formem consenso de uma definição do “devido processo legal”, que possui historicamente contornos vagos, e sendo assim, qualquer tentativa de definição poderia facilmente reduzir seu alcance e dimensão. Porém essa vagueza e indeterminabilidade não são absolutas. Se assim fosse sua aplicação seria inviabilizada. 1.3.2. O “devido” processo “legal” O que caracteriza o processo como “devido” varia ao longo da história e do local. E há de se ressaltar que a tradução do termo “due process of law” deve ser feita com sua devida contextualização no sistema common law e necessária adaptação ao direito brasileiro. Isto posto que no sistema jurídico dos Estados Unidos o direito é fruto, quase que exclusivamente, da atividade do Poder Judiciário, ressaltando a importância do processo (devido processo) na sua formação. Diferentemente, o direito brasileiro funda-se em princípios e regras positivados, decorrentes de decisão politica anterior à sua aplicação. A mera tradução literal, talvez, de forma impensada – devido processo legal – poderia sugerir a intenção exclusiva de tratamento das normas processuais por texto votado pelo Congresso, limitando-se a forma “lei”. Tal postura legitimaria aberrações jurídicas que remetem ao excesso de cuidado com a forma e desapego com o conteúdo das normas, propiciando o poder absoluto do Legislativo. No entanto, nos parece que “law” tem raízes nos termos “law of the land” e no “legem terrae”, expressões originadas na Carta Magna escrita originalmente em latim e posteriormente transcrita para o inglês e na época significava a principal forma de limitação da atuação do soberano (MOREIRA, 2010, p. 249). Hoje o devido processo LEGAL não é somente o atendimento das condições estipuladas na legislação infraconstitucional, é, sim, primordialmente, o atendimento dos comandos constitucionais, já que todo processo está regido tanto pelos princípios constitucionais processuais como pelos princípios constitucionais gerais. 1.4. Devido processo legal substantivo O aspecto substancial do devido processo legal, consagrado e ampliado na Corte Constitucional dos Estados Unidos, que permite a análise material das normas jurídicas e atos estatais em busca da concretização da proteção do homem, atribuiu ao Poder Judiciário um sólido fundamento para ampliação de seus poderes. A partir do célebre caso Mabury versus Madson (1803), que deu início ao controle de constitucionalidade nomodinâmico, o Judiciário passou a, também, ter controle sobre direito material, sobre o conteúdo legislado pelo Legislativo. Parece-nos que após esse caso, o que houve não foi uma supervalorização do Poder Judiciário, sobrepondo-o sobre os demais, mas sim, o reconhecimento dele “em pé de igualdade” para com os demais. 1.5. Princípios constitucionais decorrentes do devido processo legal Sendo o devido processo legal um sobreprincípio, uma norma de alto grau de relevância no ordenamento, converge para ele vários outros subprincípios que lhe dão forma e conteúdo. Ele envolve em sua noção: (i) a isonomia, decorrente do próprio Estado Democrático, que iguala as partes e elimina as desigualdades porventura existentes; (ii) a inafastabilidade do controle judicial, que exprime a garantia da ação e da efetiva tutela jurisdicional através da qual o Estado, representado pelo juiz, resolve juridicamente um conflito social. Não é o mero acesso ao Judiciário, mas o direito de obtenção e concretização de uma decisão; (iii) o juiz natural que será analisado, mais detidamente, no próximo capítulo; (iv) o contraditório e ampla defesa que implicam tanto a ciência do processo, quanto a oportunidade de manifestação, com produção de prova e contraprova, para influenciar na prolação da decisão; (v) a proibição de provas ilícitas, bem como das provas derivadas da ilícita; (vi) o duplo grau de jurisdição que remete a matéria à reapreciação por órgão distinto e de hierarquia superior ao órgão que proferiu a decisão; (vii) a publicidade dos atos processuais; (viii) a motivação das decisões judiciais; (ix) a razoável duração do processo. Os princípios citados acima são exemplificativos e decorrem do devido processo legal, mas o fato deles decorrerem do devido processo legal não lhes diminui sua importância. Todos também são decorrências do próprio Estado Constitucional Democrático que vivemos. Ao regular o processo eles impõem deveres e consequências – não apenas direitos – a todos os atores envolvidos nessa relação jurídica instrumental, tendo vista a consagração da máxima da liberdade kantiana trabalhada por Renato Becho como compositora da “norma hipotética fundamental”: “cumpra-se a Constituição de modo que o seu cumprimento possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal” (2009, p. 242). Assim, o exercício do direito de ação do autor, não pode desprezar e nem excluir o direito de defesa do requerido, e o exercício do direito de prova do requerido não pode anular o direito de prova do autor, tudo em harmonia, ou em consonância com uma lei universal. Seria essa lei universal a isonomia substancial? 2. O MAGISTRADO NO PROCESSO JUDICIAL: A IMPARCIALIDADE, INDEPENDÊNCIA E NEUTRALIDADE Nesse ponto do estudo nosso foco será o magistrado, o julgador do processo judicial, que para nós é um dos pilares do Estado de Constitucional de Direito. O direito (positivo) é um corpo de linguagem, elaborado por autoridade competente, que prescreve condutas que devem ser proibidas, permitidas ou obrigadas (CARVALHO, 2009, p. 103). Tal linguagem é composta de normas jurídicas que determinam a conduta que deve ser realizada por determinação do Estado, que impõe imperatividade e coercibilidade às normas. A coercibilidade é uma característica determinante do direito, possui raízes sólidas, e simbolicamente é representada pela espada do Leviatã de Hobbes: “E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém” (1983, p. 104). É a coercibilidade que possibilita o cumprimento forçado das normas, autorizando o Estado a ingressar no patrimônio do particular ou até privar-lhes da liberdade, visando o cumprimento forçado das normas. Pois “não se pode apenas ter liberdade, se não se pode ter alguém ou algum órgão que possa garantir o seu exercício” (OLIVEIRA, 1997, p. 83). Tal característica é exercida precipuamente pelos órgãos do Judiciário nos termos constitucional e legalmente previstos e prescinde do devido processo legal, “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CF, art.5, LIV). O instrumento jurídico que legitima a imposição da vontade estatal na pacificação dos conflitos e na efetivação das normas jurídicas é o processo. Vê-se, então, quão expressivo é o poder daqueles que receberam a incumbência de resolver juridicamente os conflitos sociais gerados pelo descumprimento do ordenamento jurídico. 2.1 O Juiz natural Por imposição constitucional “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (inciso XXXVII), e “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” (inciso LIII). Os referidos dispositivos expressam o princípio constitucional do juiz natural que protege o Estado (ente soberano) e as pessoas submetidas à sua Jurisdição. O referido princípio faz parte da tradição jurídica brasileira, pois esteve presente em todas as ordens constitucionais desde a Constituição Imperial em 1824, a exceção da Constituição de 1937, que se omitiu sobre o tema. Este juiz natural – personalização do Estado – é o competente para conduzir o processo judicial e é peça fundamental para que o processo atinja suas finalidades. O primeiro ponto a ser destacado é que o juiz natural não é qualquer juiz, e muito menos o juiz escolhido pelas partes. Ele será o juiz determinado legalmente de acordo com a competência fixada na Constituição. Esse é o magistrado do devido processo legal. Esta norma jurídica concretiza a isonomia, pois todos serão julgados “igualmente” sem preferências, predileções ou preconceitos. E o sistema de distribuição dos processos, nos termos do artigo 251 e seguintes do CPC (com mais de um juízo), é um mecanismo que promove essa indiferença no tratamento dado a todas as causas. Qualquer artifício legal, infralegal ou procedimental que burle o juiz natural ensejará um feito eivado de vício, pois o processo devido não pode ter o julgador escolhido ou rejeitado desmotivadamente pela parte. Por artifícios como esse, que v.g. tenta fugir do procedimento de distribuição, fora acrescentado ao CPC o inciso II, do artigo 253, para coibir práticas fraudulentas do juiz natural, vejamos um julgado do STJ: “PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. DESISTÊNCIA. AÇÃO ANULATÓRIA. IDÊNTICO RESULTADO PERSEGUIDO. DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA. ART. 253, II, DO CPC. 1. O contribuinte, ora recorrente, ajuizou ação ordinária com o objetivo de ver reconhecida a nulidade de título executivo, o qual teria sido gerado em procedimento fiscal maculado pela equivocada negativa de seguimento a embargos declaratórios opostos em seu bojo, requerendo, ao final, a reabertura do processo administrativo a partir dessa decisão tida por desacertada. 2. Após a distribuição à 7ª Vara Federal de Curitiba/PR, o magistrado de primeira instância valeu-se da inteligência do art. 253, II, do CPC para determinar o envio dos autos por dependência ao Juízo da 20ª Vara Federal de Brasília/DF, no qual idêntico provimento jurisdicional já teria sido reclamado em mandado de segurança anteriormente impetrado e que findou extinto em razão de desistência do autor, ora recorrente. 3. O recorrente alega que não se verifica identidade entre os pedidos formulados (…) 4. Ao acrescentar o inciso II no art. 253 do CPC por meio da Lei nº 10.358/01, o legislador atendeu ao clamor da comunidade jurídica que reivindicava um instrumento capaz de coibir a prática maliciosa de alguns advogados de desistir de uma demanda logo após sua distribuição – seja em virtude do indeferimento da liminar requerida, seja em razão do prévio conhecimento da orientação contrária do magistrado acerca da matéria em discussão, ou qualquer outra circunstância que pudesse indiciar o insucesso na causa – para, logo em seguida, intentá-la novamente com o objetivo de chegar a um juiz que, ainda que em tese, lhes fosse mais favorável e conveniente. 5. A novel alteração promovida pela Lei nº 11.280/06 encaminhou-se tão somente a complementar a salutar regra e conferir maior proteção ao princípio do juiz natural, englobando não apenas os casos em que se formulou expresso requerimento de desistência do feito, como também aquelas hipóteses nas quais a extinção da ação originária decorreu de abandono do processo, negligência do autor, falta de recolhimento de custas ou mesmo inércia em providenciar nova representação processual após simulada renúncia ao mandato efetivada pelo causídico.(…) 10. Recurso especial não provido.” (REsp 1130973/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 22/03/2010) Para que a essencial naturalidade do juiz seja possível é necessário: (i) A preexistência do órgão jurisdicional relativamente ao conflito, pois isto é um pressuposto de que o órgão não foi constituído exclusivamente para decidir um caso específico, e mais, garante às pessoas o conhecimento prévio de quem poderá vir a julgar suas lides (vedação de tribunal de exceção). (ii) A atribuição de competência do órgão julgador seja imposta nos termos constitucionais e legais pré-definidos. Somente a Constituição pode criar justiça especializada ou selecionar fatos específicos dando-lhes julgadores também específicos. (iii) O julgamento pelo juiz ou julgador de acordo com seu livre consentimento motivado. (iv) A necessária independência funcional e jurídica para que o juiz não sofra influência de fatos e pessoas estranhas ao processo e decida segundo sua convicção formada a partir dos fatos e provas relativos ao processo. Para garantir que não haverá “influências estranhas”, a própria Constituição (art. 95) dotou os juízes de vitaliciedade, inamovibilidade (salvo por motivos de interesse público) e irredutibilidade de subsídios. (v) A imparcialidade dos juízes. 2.2 A imparcialidade dos magistrados Decorre do Estado Democrático de Direito que a Jurisdição – dever estatal imposto predominantemente ao Judiciário – será exercida quando houver provocação do Estado-Juiz, que mantem-se inerte até tal momento. O juiz não inicia e também não seleciona os casos que irá decidir, e esta posição de inércia inicial assegura a equidistância que deve haver entre ele e as partes (CONRADO, 2012, p. 38). Como o processo não se esgota com a provocação, a equidistância necessária entre o juiz e o requerente e o juiz e o requerido, deve-se manter, também, durante toda a relação processual. Essa equidistância reflete a imparcialidade do magistrado que é condição de validade da relação jurídica processual (ALVIM, 2010, P. 177). O juiz não pode ser nem impedido e nem suspeito relativamente às partes e à causa. O juiz será impedido se incorrer em alguma das hipóteses do artigo 134 do CPC: quando ele for parte; ou já tiver intervindo como mandatário da parte, perito, ou Ministério Público, ou tiver sido testemunha; ou tiver proferido sentença ou decisão em primeiro grau; ou quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu em linha reta, ou na linha colateral até o segundo grau; ou quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa. Em todos esses casos o impedimento é estabelecido legalmente, e não há prorrogação da competência por preclusão (inércia do requerido), pois é uma presunção iure et de iure (NERY JUNIOR, 2013, p. 157). O interessado poderá arguir a qualquer tempo, sendo fundamento, inclusive, para ação rescisória (art. 485, II, CPC) e o próprio juiz deve reconhecer de ofício. O mesmo não ocorre quando há suspeição do juiz, quando ele for: amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; ou alguma das partes for credora ou devedora do juiz ou de seu cônjuge; herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes, entre outras situações descritas no artigo 135 do CPC. Em qualquer das hipóteses do dispositivo acima mencionado, assim como nos casos de impedimento, o juiz pode reconhecer-se suspeito de ofício, entretanto, se ele não o fizer, caberá às partes alegar a suspeição na primeira oportunidade que lhes couber falar, sob pena de preclusão, já que a presunção de suspeição é iures tantum (NERY JUNIOR, 2013, p. 157). A imparcialidade do juiz refere-se à sua relação com alguma das partes e pode ter como consequência a alteração do julgador da causa. É o que Nelson Nery denomina de neutralidade subjetiva (2013, p. 154). Em um trecho da ementa do HC 95009, o Ministro Eros Roberto Grau, de forma bastante elucidativa e sucinta, expõe a independência, a imparcialidade e a neutralidade do juiz: “A neutralidade impõe que o juiz se mantenha em situação exterior ao conflito objeto da lide a ser solucionada. O juiz há de ser estranho ao conflito. A independência é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes do sistema e do governo. Permite-lhe tomar não apenas decisões contrárias a interesses do governo — quando o exijam a Constituição e a lei — mas também impopulares, que a imprensa e a opinião pública não gostariam que fossem adotadas. A imparcialidade é expressão da atitude do juiz em face de influências provenientes das partes nos processos judiciais a ele submetidos. Significa julgar com ausência absoluta de prevenção a favor ou contra alguma das partes.” (HC 95009, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-06 PP-01275 RTJ VOL-00208-02 PP-00640). O sistema jurídico brasileiro, de forma coerente com sua base principiológica, prevê a exceção de incompetência, de impedimento e de suspeição, para que a parte possa se opor ao juiz que não for competente ou for parcial – impedido ou suspeito – já que ambos desmoronam a estrutura constitucional processual prevista: o devido processo legal. 2.3 A independência do Poder Judiciário A independência do Poder Judiciário, antes de ser um benefício e uma prerrogativa conferida aos magistrados, é uma condição para a existência do processo justo, que sirva de garantia aos cidadãos. Ela não é um fim em si mesmo, a autonomia do Judiciário assegura a imparcialidade do julgador e faz parte da consolidação e concretização da Democracia.  A independência, não só do Judiciário, mas de todos os três “Poderes” é condição para o funcionamento harmônico. É independente o Poder que possui competências próprias e possui estrutura para desempenhar essas competências de forma insubordinada relativamente a outro. Ou seja, o Estado precisa garantir ao Judiciário os meios para o livre exercício de sua função. A Constituição da República dispõe no art. 99 que “ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira”. A autonomia administrativa e financeira é fundamental para anular as pressões internas e externas que poderiam interferir no livre convencimento e nas decisões judiciais. Por ser independente o Judiciário muitas vezes toma decisões impopulares, ou ainda, contrárias ao Governo. Antes da CF de 1988 “o Judiciário não tinha verbas próprias, dependendo, em tudo e por tudo, do Executivo. Este repassava a verba quando queria ou quando estava disponível” (OLIVEIRA, 1997, P. 76). O atentado contra a independência e o livre exercício do Poder Judiciário pode ensejar intervenção federal (art. 34, IV, CF) e responsabilização do Presidente da República (art. 85, II,CF). 2.4 Neutralidade A neutralidade impõe ao juiz que não se “envolva pessoalmente” no processo, que faça a análise do caso com “abstração de sua própria pessoa” (DINAMARCO, 2005, p. 220), com abstração de seus sentimentos, vontades e demais conceitos pessoais. O juiz neutro, então, é aquele que na decisão, diante da perfeita previsão legal de todos os fatos, com todas suas circunstancias e peculiaridades, reproduz, avalorativamente, o preceito legal, tal e qual está no suporte físico (no texto) da lei. A crença de que o direito emana somente do detentor do Poder Legislativo, de que o texto legal é bastante e suficiente para resolver todos os casos, de que a interpretação autêntica é a interpretação literal, de que a aplicação demanda apenas o conhecimento do texto legal e a realização do silogismo, coadunam com a noção de neutralidade. Assim, a neutralidade pressupõe o “juiz mecânico”, aquele que poderia ser substituído por máquinas que receberiam as informações da lide e com total celeridade proferiria uma decisão. Porém os problemas levados ao Judiciário não se resumem a problemas matemáticos. “O juiz é a peça fundamental na administração da justiça, por ser o centro de todo debate judiciário: é a ele que as partes devem convencer da realidade dos fatos, da escolha e da interpretação da regra de direito a ser aplicada ao caso litigioso. Sendo assim, como assegurar sua imparcialidade e sua independência? Ao analisar um raciocínio matemático, ninguém se interessa pela honestidade e independência daquele que o realiza, porque sua demonstração é impessoal e sua validade impõe-se a todos que tiverem condições de acompanhá-la. Mas, a imparcialidade e a independência dos juízes são essenciais ao bom funcionamento da justiça. São indispensáveis para a proteção de todas as pressões a que estão sujeitos aqueles que exercem o poder” (PERELMAN, 1990, p. 5). Perelman, ao criticar os autores, v.g., Georges Kalinowsy, que identificam a lógica com a lógica formal, que desconsideram a existência da lógica jurídica (“estudo do modo de pensar específico dos juristas”), afirma que os argumentos redutíveis a esquemas puramente formais são insuficientes para resolver os problemas sociais, já que neles o mesmo texto pode favorecer uma parte, ou a outra. E aduz ainda que “A lógica jurídica não se limita à analise dos esquemas argumentativos que podem ser utilizados para o acolhimento de uma outra tese jurídica. Antes, ela é uma forma de argumentação que se desenvolve no interior de um contexto, o judiciário no mais das vezes, em que o respeito às regras de direito, sejam as de fundo, sejam as relativas ao procedimento, é essencial. Em uma sociedade democrática, a segurança jurídica, o respeito pelas regras e a busca da verdade, devem se conciliar com o respeito à pessoa humana, com a proteção dos inocentes e com a salvaguarda das relações de confiança, valores indispensáveis à vida em sociedade. Tal preocupação, totalmente estranha à lógica formal, faz com que a lógica jurídica (a lógica da controvérsia) tenha como objetivo o estabelecimento, caso a caso, da predominância de um ou de outro valor”. (PERELMAN, 1990, p. 7). Aduzimos essas ideias para concluir que o juiz mecânico, aquele que utiliza a lógica formal, que decide por silogismo com as disposições normativas expressas, não se coaduna com os complexos problemas sociais existentes e com as atribuições que o cargo requer. O magistrado situa-se em uma posição central na lide, observando todos os acontecimentos e alegações, tanto do autor quanto do réu, e essa posição – entre eles, e acima deles – que lhe fornece o melhor ângulo para ponderar os direitos em conflitos, valorar, decidir e impor sua decisão. “O Poder Judiciário (especialmente a justiça constitucional), deve assumir uma postura intervencionista, longe da postura abstencionista, própria do modelo liberal-individualista-normativista que permeia a dogmática jurídica brasileira” (STRECK, 2007, p. 50). Interessante pensarmos no tradicional símbolo de representação do Poder Judiciário: A Deusa Themis, uma figura bela, que possui uma venda nos olhos, em uma mão uma balança, e na outra uma espada. A espada representa a força, a coercibilidade; a balança representa a análise dos pesos para promoção do equilíbrio e decisão do que é justo, e a venda nos olhos implica o tratamento isonômico, pois a justiça não vê a quem está servindo. Hoje nos parece que a venda deve ser retirada, pois o Judiciário deve estar bem atento aos casos que ele decide. “Conta a lenda que a deusa Themis tem os olhos vendados para não saber a quem deve julgar, para não ser impressionada e para que não haja injustiça na decisão. Outra versão conta que o manejo da espada e da balança não se pode fazer com os olhos vendados. A venda é uma burla à Justiça. Em um quadro que ilustra a edição A Nave dos insensatos, de Sebastian Brant, de 1945, vê-se o bufão tapando, por detrás, os olhos da Justiça. Em Barbegensis, de 1517, o Tribunal aparece com capas de bufão e olhos cobertos de venda. Está escrito embaixo: “tudo o que fazem estes néscios é dar sentenças contrárias ao direito” A venda serviria, então, para que a Justiça assinasse tudo o que fosse colocado à frente, cometendo as mais torpes injustiças! Tanto assim é que no símbolo existente no Palácio da Paz, em Haia, a deusa tem os olhos bem abertos, para não se deixar iludir nem vender, e para que saiba fazer justiça” (OLIVEIRA, 1997, p. 72). Regis Fernandes indaga-se se a neutralidade não é uma posição que por ser confortável – em virtude do alheamento – quer-se preservar (1997, p. 81). A própria etimologia das palavras “sentença” e “acórdão”, nos parece bastante expressivas: “sentença”, que vem de “sentire”, isto é, sentir, experimentar uma emoção, uma intuição emocional. E “acórdão” do latim accordare, cor, de acordo com o coração. (PRADO, 2010, p. 18). No acórdão a seguir transcrito o Órgão de cúpula do Judiciário afirma que deve o juiz primeiramente idealizar a decisão justa, para posteriormente buscar fundamento na dogmática. Nesse caso, efetivamente haverá uma decisão fundamentada e não o inverso, um fundamento (v.g., artigos de lei) que origina a decisão. “OFICIO JUDICANTE – POSTURA DO MAGISTRADO. Ao examinar a lide, o magistrado deve idealizar a solução mais justa, considerada a respectiva formação humanística. Somente após, cabe recorrer a dogmática para, encontrado o indispensável apoio, formaliza-la. 2. DESAPROPRIAÇÃO – JUSTA INDENIZAÇÃO – CORREÇÃO MONETÁRIA – TERMO INICIAL. (…)” (RE 111787, Relator(a):  Min. ALDIR PASSARINHO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 16/04/1991, DJ 13-09-1991 PP-12490 EMENT VOL-01633-02 PP-00158 RTJ VOL-00136-03 PP-01292) (destaques nossos). O buscar da decisão justa pressupõe a valoração, a reflexão e percepção do magistrado, principalmente do juiz (magistrado de primeira instância) que, normalmente, mantêm contato direto com os envolvidos no processo. É o magistrado de primeira instância que faz pela primeira vez a valoração das provas. E como bem assenta Fabiana Del Padre Tomé (2005, p. 256) “a valoração, própria das condutas humana, inclusive da interpretação do direito, é determinada pela máxima da experiência”, e completa a autora que a “máxima da experiência” nada mais é do que o corpo de conhecimentos do julgador (não apenas jurídicos), com sua experiência ao longo da vida profissional e também social. Por isso, ele não deve se manter omisso, inerte, diante dos conflitos levados ao juízo de sua competência, ele deve buscar a justiça. E ainda que justiça seja um ideal, e que como tal, seja inatingível em sua totalidade, os atos do Judiciário certamente devem almejá-la. Assim o julgador deve se manter indiferente (neutro) ao conflito até o momento que a lide for levada à sua decisão, e durante todo o tramite processual deve-se manter imparcial. Mas não há julgador sem memória, sem sentimentos, sem anseios, sem problemas, e após ter conhecimento dos fatos ele tem o “dever-poder” de decidir sobre eles, então, não é possível manter-se estranho ao conflito nos termos propugnados no HC 95009 de relatoria do Eros Graus (transcrito anteriormente): “A neutralidade impõe que o juiz se mantenha em situação exterior ao conflito objeto da lide a ser solucionada. O juiz há de ser estranho ao conflito”. Luiz Streck, discorrendo sobre a complexa crise do Direito, que para nós reflete a crise da própria sociedade, faz dura crítica ao atual processo de interpretação, que segundo ele é um “jogo de cartas (re)marcadas”, em que ainda “se acredita na ficção da vontade do legislador, do espírito do legislador, da vontade da norma” (2007, p. 84-86). Tal cultura jurídica tem início nas próprias universidades e nos manuais jurídicos com um ensino do tipo prêt à porter (pronto para uso) que reforça o modelo positivista e que, paradoxalmente, convive com uma Constituição dirigente que impôs um Estado Democrático de Direito. Felizmente já é perceptível uma mudança na atividade (da maioria) dos magistrados (e também de vários outros aplicadores do direito). Essa mudança é fruto da alteração do próprio conceito de direito: “o Direito não pode (mais) ser visto como sendo tão-somente uma racionalidade instrumental” (STREK, 2007, p. 28), ele “deve ser visto como instrumento de transformação social” (STRECK, 2007, p. 33). Dessa postura ativa do juiz, que, sem ser tendencioso a qualquer das partes, busca a verdade, a maior proximidade possível com a verdade material, ordenando diligências, questionando as partes e praticando atos para o regular tramite processual que impulsionem o processo, surge o que se tem chamado de ativismo judicial. O juiz sai da condição de neutralidade (que talvez na prática nunca tenha existido), se envolve com a causa posta para decisão e dirige o processo, velando pelo seu bom andamento. Nessa posição, pode o juiz determinar a produção de provas que as partes não tenham pleiteado? Pode ele determinar a produção de provas mesmo após a preclusão do direito de aduzir as provas das partes? Pode o juiz na ausência expressa de prazo para a Fazenda se manifestar criar um prazo? Deve o Judiciário ficar inerte diante da reiterada omissão pelo Legislativo nos casos de mandado de injunção? Deve sumular entendimentos jurisprudenciais, ainda que reiterados, sem correspondente com dispositivo legal? 3. O ATIVISMO JUDICIAL E O DEVIDO PROCESSO LEGAL 3.1 Século do Judiciário? A visão clássica e rígida da separação dos poderes, apesar de ter contribuído para a limitação e desconcentração do poder e proteção da liberdade, há muito tempo não é mais suficiente para controlar as contingências sociais. Atualmente é incompleta a concepção de que ao Poder Legislativo cumpre apenas a edição dos atos normativos, ao Executivo a execução dos atos normativos, restando ao Judiciário a mera utilização desses atos normativos na decisão de conflitos. Mas tal isolamento rígido das funções estatais, em Órgãos diferentes, era necessário quando da articulação por Montesquieu da separação dos poderes, pois em sua época (absolutismo francês em que a vontade do Rei e a vontade do Estado eram confundidas) havia total concentração do poder nas mãos do soberano que o exercia sem limites. E para Montesquieu “Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode-se temer que o mesmo monarca ou mesmo o senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder de legislativo e do executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou um mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos” (1973, p. 157). A reunião em uma só pessoa dos Poderes de Julgar e de Legislar restringia a liberdade, já que o próprio julgador estaria, também, impondo as normas abstratas. Desta forma não haveria controle sobre estas. Com a concepção de que não havia normas na natureza, de que elas eram somente as postas pela autoridade competente e com o início das codificações (Código francês napoleônico), houve o desenvolvimento do formalismo e do positivismo. O ordenamento jurídico, então, passou a ser visto como um sistema cientificamente autônomo, fechado e completo, sem lacunas. A partir dessa completude, a atividade do juiz passou a ser a aplicação automática das leis, e sua decisão era “escrava dessa subsunção silogística” (GUERRA FILHO, 2009, p. 40). Assim, muito embora houvesse a separação entre as pessoas que editavam as leis e as que aplicavam as leis, estas últimas não eram livres: “Por idolatrar a lei, seus adeptos se atêm à interpretação literal, alguns mais radicais pregam, inclusive, a desnecessidade da interpretação. O texto se revela na sua gramaticalidade, suas palavras são e dizem tudo, dispensando, assim, outro entendimento que não o positivado pelo legislador. Neste sentido, como a lei contêm todo o “direito” e este é certo e completo, o processo de aplicação passa a ser mero silogismo. O trabalho do julgador resume-se apenas em aplicar a lei e o do jurista em revela-las. Ambos atêm-se com rigor absoluto ao texto legal, exercendo função meramente mecânica” (CARVALHO, 2009, p. 69). Nesse sentido, reforçando a característica limitadora da atividade do Judiciário durante o positivismo, Riccardo Guastini afirma que para uma das versões da teoria do direito no positivismo científico, o normativismo, o direito é o produto da legislação, as normas já estão feitas e acabadas e por isso ele – o normativismo – “supõe que a interpretação jurídica seja conhecimento de normas”. (2005, p. 355). Talvez nesse contexto de “aplicação silogística” do direito seja possível falar-se em neutralidade, isso é claro, pressupondo que sempre haverá um texto de lei expresso que preveja todos os casos que cheguem ao Judiciário. Mas nós sabemos que o sistema jurídico não é nem perfeito e nem completo, é um produto do homem, e assim como seu criador, é falho. Diante da submissão, existente até pouco tempo, do Poder Judiciário aos demais Poderes, e diante da liberdade que começa a brotar em seu âmbito, podemos afirmar – somente nessa perspectiva – que estamos no século do desenvolvimento do Judiciário. “Não foram poucas as autoridades de diferentes áreas do conhecimento e de atuação que se referiram ao terceiro milênio como o século do Judiciário. E assim também eu o estimo, porque as crises e controvérsias de toda ordem, nestes tempos de globalização, liberalismo econômico e afirmação crescente de uma sociedade plural e democrática, já tinham exigido que o Estado Administrador e o Estado Legislador se reorganizassem e capacitassem para realizar o bem comum, em velocidade mais próxima daquela que pauta a agenda das demandas da sociedade. Ficava, pois, ao Estado Juiz, por iniciativas próprias, mas em arranjo harmônico, aviar o que fosse necessário para distribuir justiça mais ampla, adequada, efetiva e em tempo razoável” (STF – CEZAR PELUSO, Discurso de abertura do ano judiciário 2011, p. 11). Essa fase de transição, que está consolidando (ou tentando consolidar) a real “independência harmônica” do Poder Judiciário, tem como ponto marcante o célebre caso Marbury versus Madson, ocorrido em 1803 no Estado Unidos da América, em que houve rompimento com os tipos de decisões anteriores que se limitavam à análise procedimental, e não substancial da lei, como se deu no referido leading case. Com o desenvolvimento do controle de constitucionalidade e do substantive due process of law, o Poder Legislativo, até então, preponderante sobre os demais, foi contido e seus atos legislativos contrários à Constituição passaram a ser expulsos do sistema jurídico como forma de proteção dos cidadãos, daí a atribuição ao Judiciário de “legislador negativo”, hoje, pacificamente aceita. A expressão “século do Judiciário” pode soar muito pejorativa, e pode, também, implicar a superioridade deste em relação do Executivo e Legislativo, situação que nos parece não condizente com a realidade, havendo somente uma aproximação da necessária “independência harmônica” entre eles. 3.2 “Ativismo judicial” Diante das ampliações das competências do Judiciário, voltamos nossos esforços à atitude, à conduta, ao comportamento do juiz, que busca dar a máxima efetividade possível ao processo, almejando a concretização do direito. Para tanto, muitas vezes é necessário que ele saia da posição passiva, de mero recebedor de informações e fatos, e assuma uma posição ativa, de ele próprio procurar meios de promover o devido processo legal, procurando a proximidade da verdade dos fatos e construindo normas, é o que se tem chamado de “ativismo judicial”. Surgem, então, opiniões doutrinárias favoráveis e contra a postura ativa dos julgadores. Para Luís Roberto Barroso (2009, p. 9) “o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandido o seu sentido e alcance”, que iniciou nos Estados Unidos, mas, em sentido contrário, surgiu com natureza conservadora nos casos de segregação racial (caso Dred Scott versus Sanford em 1857). Com visão mais abrangente, Renato Lopes Becho (2012, p. 870) entende por ativismo “a construção de soluções jurídicas, por parte de membros do Poder Judiciário, que preencham lacunas identificadas no direito positivo, buscando no ordenamento jurídico elementos que auxiliem na solução de litígios”. Como afirmado no início do texto, o Judiciário, através do processo, tem a dupla função de solucionar conflitos e efetivar e concretizar as normas constitucionais. De que vale a pessoa ter uma decisão que confirme o seu direito previsto no ordenamento, se tal direito não puder ser fruído ou efetivado? Assim como o Poder Público pode oprimir impondo normas jurídicas incompatíveis com os valores sociais – crise de representação, por exemplo – ele também pode oprimir inviabilizado o gozo dos direitos constitucionalmente assegurados, ou pela não edição medidas concretizadoras – atos legislativos ou administrativos – ou pela não implementação de serviços essenciais. A exclusão da competência do Poder Judiciário para decidir e suprimir os abusos de direito e de poder realizados por omissão dos Poderes Públicos (inviabilizando o exercício de direitos fundamentais) viola a inafastabilidade do controle jurisdicional, viola a liberdade, a dignidade das pessoas e reflete o esquecimento da cidadania. E a forma mais efetiva do Poder Judiciário resolver os casos de omissão do Poder Público é suprimindo a lacuna existente ou obrigando a atuação. São cediços os vários casos de Mandados de injunção ou ADOs que declaram a omissão e “determinam” a edição das normas necessárias para o exercício de direitos fundamentais. Também é cediço que por não haver sanção, ou alguma implicação coercitiva pela mora na edição dos atos normativos, muitas vezes esses instrumentos (MI, ADO) são totalmente esvaziados. O Judiciário declara a omissão inconstitucional, a mora do Legislativo e é só. Essas pessoas que tiveram uma decisão judicial favorável, mas que continuaram com os seus direitos obstruídos, tiveram um processo justo, o devido processo legal? Partindo da concepção de que o devido processo legal não se esgota na mera decisão, mas sim, na satisfação dessa decisão, parece-nos que não houve o devido processo. Leading case da alteração desse resultado foi o MI nº. 670, que após sucessivas declarações da mora sobre a necessária legislação regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos civis, o Supremo decidiu tomar medidas alternativas, aplicando a legislação do setor privado até que advenha a lei em questão: “EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. GARANTIA FUNDAMENTAL (CF, ART. 5º, INCISO LXXI). DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS (CF, ART. 37, INCISO VII). EVOLUÇÃO DO TEMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DEFINIÇÃO DOS PARÂMETROS DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA APRECIAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA FEDERAL E DA JUSTIÇA ESTADUAL ATÉ A EDIÇÃO DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA PERTINENTE, NOS TERMOS DO ART. 37, VII, DA CF. EM OBSERVÂNCIA AOS DITAMES DA SEGURANÇA JURÍDICA E À EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL NA INTERPRETAÇÃO DA OMISSÃO LEGISLATIVA SOBRE O DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS, FIXAÇÃO DO PRAZO DE 60 (SESSENTA) DIAS PARA QUE O CONGRESSO NACIONAL LEGISLE SOBRE A MATÉRIA. MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DAS LEIS Nos 7.701/1988 E 7.783/1989. 1. SINAIS DE EVOLUÇÃO DA GARANTIA FUNDAMENTAL DO MANDADO DE INJUNÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). (…) 3. DIREITO DE GREVE DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS. HIPÓTESE DE OMISSÃO LEGISLATIVA INCONSTITUCIONAL. MORA JUDICIAL, POR DIVERSAS VEZES, DECLARADA PELO PLENÁRIO DO STF. RISCOS DE CONSOLIDAÇÃO DE TÍPICA OMISSÃO JUDICIAL QUANTO À MATÉRIA. A EXPERIÊNCIA DO DIREITO COMPARADO. LEGITIMIDADE DE ADOÇÃO DE ALTERNATIVAS NORMATIVAS E INSTITUCIONAIS DE SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE OMISSÃO”. (MI 670, Relator(a):  Min. MAURÍCIO CORRÊA, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/2007, DJe-206 DIVULG 30-10-2008 PUBLIC 31-10-2008 EMENT VOL-02339-01 PP-00001 RTJ VOL-00207-01 PP-00011) O caso tornou-se paradigmático pela atuação positiva do STF preenchendo uma lacuna do Legislativo (ausência de lei regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos civis). Esse tipo de atuação vem se repetindo em diversas outras situações. Nesse sentido é o trecho do voto do relator, Min. Marco Aurélio (página 28 do voto) na Ação Direta de Inconstitucionalidade que trata da representatividade dos partidos políticos minoritários e da “cláusula de barreira”: “(…) é possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linha jurisprudencial das decisões interpretativas com eficácia aditiva, já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais européias. A assunção de uma atuação criativa pelo Tribunal poderá ser determinante para a solução de antigos problemas relacionados à inconstitucionalidade por omissão, que muitas vezes causa entraves para a efetivação de direitos e garantias fundamentais assegurados pelo texto constitucional. O presente caso oferece uma oportunidade para que o Tribunal avance nesse sentido. O vazio jurídico a ser produzido por uma decisão simples de declaração de inconstitucionalidade/nulidade dos dispositivos normativos impugnados – principalmente as normas de transição contidas no artigo 57 – torna necessária uma solução diferenciada, uma decisão que exerça uma “função reparadora” ou, como esclarece Blanco de Morais, “de restauração corretiva da ordem jurisdicional afetada pela decisão de inconstitucionalidade”. (ADI 1351, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 07/12/2006, DJ 30-03-2007 PP-00068 EMENT VOL-02270-01 PP-00019 REPUBLICAÇÃO: DJ 29-06-2007 PP-00031 RTJ VOL-00207-01 PP-00116). Esse mesmo posicionamento pode ser encontrado em outros julgados importantes, como na ADI 4.277 que trata da união homoafetiva, entre outros. Sobre essa postura de “legislador positivo” e de substituição do Legislativo pelo Judiciário, Lenio Streck (2009, p. 79) adverte dos riscos que se corre, quando o STF possui o poder de alterar a Constituição sem que haja o processo legislativo previsto constitucionalmente para tanto. O autor enfatiza que a discussão gira em torno da distinção entre “texto e norma” e que, muito embora haja entre eles grandes diferenças, ambos não são independentes, do texto não pode ser extraída qualquer norma, sob pena de subversão da função legislativa, e grave ameaça à democracia (ibidem, p. 79). Mas nos parece que a competência para decidir e suprimir as omissões dos Poderes Públicos foi conferida, sim, ao Poder Judiciário, tanto que a Constituição prevê a Ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção, principalmente este último previsto no artigo 5º, LXXI, CF: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Além disso, a Constituição de 1988 é uma constituição principiológica, que visa a promoção dos valores eleitos na Assembleia Nacional Constituinte, valores que possuem a característica de historicidade e sofrem alterações de acordo com o contexto e época sociocultural. Isto permite que lhe seja atribuído, com o passar do tempo, novas interpretações, e permite também que o sistema jurídico acompanhe e atenda as necessidades sociais. Mas será se tal atuação (alteração da interpretação da Constituição) desarmoniza a separação dos poderes? Ou a própria teoria da separação dos poderes autoriza essa interferência de um “Poder” sobre o outro? Se a separação dos poderes tiver sido pensada para impor um autocontrole do próprio Estado sobre sua atuação em prol da defesa dos cidadãos, refletindo na desconcentração do poder para evitar abuso de poder, essa postura “invasora” do Judiciário deve ser admitida quando o Legislativo, ou Executivo, forem desidiosos em suas atuações, e quando a atuação do Judiciário for essencial para o bem comum. O Estado está passando por um período de “redefinição” ou “reconhecimento” de suas funções, uma “fase” de transição decorrente das contingências sociais. O Judiciário está ocupando posição de destaque nessa transição por falha no Legislativo, que se omite e não legisla, nas matérias importantes, e, também, por falha do Executivo que não consegue uma efetivação satisfatória dos serviços públicos básicos. Desta forma, resta ao Judiciário a solução dos inúmeros conflitos resultantes dos problemas gerados pelos outros Poderes, além é claro dos conflitos individuais, porém, nessa atividade ele jamais deve se distanciar dos princípios constitucionais, sob pena e corromper o próprio Estado. “De duas maneiras um Estado pode transforma-se: ou porque a constituição se corrige ou porque ele se corrompe. Se conservou seus princípios e a constituição modifica-se, é porque ela se corrige; se perdeu seus princípios e a constituição vem a ser modificada, é que ele se corrompe” (MONTESQUIEU, 1973, p. 166). Essa forma de alteração da (interpretação da) Constituição pelo Judiciário através do instrumento “processo judicial” é apenas um reflexo do atual reconhecimento da importância da pragmática jurídica. Os julgados hoje nos dizem e nos explicam o que é o direito, e além de aplicá-lo ao caso concreto, eles nos comprovam quão diferentes são o direito “estático” e o direito “dinâmico”. Atualmente, com a súmula vinculante, a repercussão geral e os recursos repetitivos, a interpretação jurídica conferida na análise dos casos vincula os demais processos, havendo uma ampliação ainda maior da atuação positiva do Judiciário. O que preocupa, porém, é rápida alteração desses entendimentos, que causam insegurança jurídica. 3.3 Ativismo judicial no direito tributário 3.3.1 O direito tributário e o processo judicial Cientes da unicidade do direito e da Ciência do Direito, destacamos daquele, para melhor compreendermos, o direito tributário, utilizado aqui na acepção de normas jurídicas válidas e vigentes em um local, que regem a relação jurídico-tributária existente entre o Estado-fisco e o contribuinte, e que tem por objeto o tributo. Podemos afirmar que nessa relação jurídica há uma parte hipossuficiente: o contribuinte. Ele é o compelido, por lei, a entregar ao Estado parcela de seu patrimônio, mediante atuação estatal dotada de presunção legalidade, sob pena de ser executado por um título constituído unilateralmente pelo Fisco. Nesse contexto, vê-se o quanto é importante o devido processo legal e todos os seus consectários. O processo é um instrumento de proteção da liberdade e da propriedade do contribuinte, através do qual se impõe a jurisdição. Dos mais variados conceitos de direito tributário, de vários autores, nota-se o foco dessas normas para a efetivação da obrigação tributária, a satisfação do direito do Fisco, a legitimação da atuação do Estado em apropriar-se do patrimônio do particular. Vejamos alguns conceitos que expressam essa ideia: “o direito que disciplina o processo de retirada compulsória, pelo Estado, da parcela de riquezas de seus súditos, mediante a observância dos princípios reveladores do Estado de Direito. É a disciplina jurídica que estuda as relações entre o fisco e o contribuinte” (HARADA, 2004, p. 308). “O Direito Tributário é assim um direito de levantamento pecuniário entre os jurisdicionados, porém, disciplinado sobre a base dos princípios do Estado de Direito” (NOGUEIRA, 1990, P. 30) “O ramo do direito público que rege as relações jurídicas entre o Estado e os particulares, decorrentes da atividade financeira do Estado no que se refere à obtenção das receitas derivadas que correspondem ao conceito de tributos” (SOUSA, 1952, p. 22). “O direito tributário positivo é o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos” (CARVALHOb, 2012, p. 47). “É o ramo do direito público que abriga as normas reguladoras das relações entre o Estado, como impositor de tributos, penalidades tributárias e deveres instrumentais, e as pessoas que se sujeitam a tais imposições” (LOPES, 2009, p. 3). O direito tributário, então, é comumente visto como meio de obtenção de recursos pelo Estado. Uma visão que relega ao contribuinte uma posição desprestigiada dentro do sistema jurídico – mero devedor do tributo. Mas considerando que o direito é um meio de promoção da paz social e do bem estar comum, e considerando, também, que a Constituição estabeleceu um Estado Democrático de Direito fundado na soberania, cidadania e dignidade da pessoa humana, entendemos o direito tributário como ramo do direito didaticamente autônomo, que tendo por objeto a relação jurídico-tributária, impõe limites ao Fisco em sua atuação arrecadatória, assegurando direitos e garantias ao contribuinte. Nesse contexto, o processo judicial é uma garantia do contribuinte, que ao sentir-se lesado (ou ameaçado) em sua vida, liberdade ou propriedade, pode socorre-se no Poder Judiciário, e este, atuando com independência e imparcialidade, decidirá, fundamentalmente, reprimindo os abusos ilegítimos de forma coercitiva. O conflito na verdade possui visão dupla: enquanto o Fisco utiliza o processo para concretizar a arrecadação e tributação, o contribuinte utiliza para evitar a arrecadação que julga ser indevida, ou ainda, para que ela seja realizada da forma menos prejudicial possível. Nesse meio, entre os opostos, está o magistrado responsável pela decisão que sempre deverá ser construída com fundamento no sistema jurídico e sempre protegendo os direitos do contribuinte (por certo, que não havendo direito a ser protegido pelo contribuinte, que apenas tenta se furtar do seu dever de pagar tributo, deve também o magistrado efetivar o pleito do Fisco, respeitado o devido processo legal). 3.3.2 A atuação positiva do juiz para efetividade da liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana face aos interesses arrecadatórios do Estado É cediço que ao juiz, e demais julgadores, cumpre promover o princípio da isonomia, o que processualmente falando, reflete no tratamento isonômico e na paridade de armas das partes. Não é demais anotar, de forma sucinta, que a igualdade em questão diz respeito ao tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais, na medida de suas desigualdades. Em virtude desse necessário tratamento diferenciado para os desiguais, o legislador atribuiu, por exemplo, prazos distintos para atuação da Fazenda Pública em juízo. Renato Lopes Becho (2012, p. 870), discorrendo sobre sua própria experiência na magistratura federal, relata a dificuldade vivenciada, no âmbito das execuções fiscais, pela ausência de fixação de prazo na LEF para manifestação do exequente. Segundo o autor, na prática, quando o processo depende de alguma informação essencial a ser prestada pelo exequente, tanto o magistrado quanto os serventuários, advogados e contribuintes ficam a mercê da oportunidade e conveniência da Fazenda, que reiteradamente pede sucessivos prazos, o que torna o tramite processual infindável (BECHO, 2012, p. 871). Ora, uma execução fiscal demasiada e desnecessariamente longa causa sérios prejuízos ao Judiciário, à própria Fazenda Pública e principalmente ao contribuinte, vai contra o devido processo legal e contra o princípio da duração razoável do processo. Em uma execução fiscal determinada (processo n. 0074579-70.2003.4.6182) que tramitou no juízo onde atua, Becho afirma que após a intimação da Fazenda Pública para se manifestar sobre a satisfação do crédito tributário realizada pelo contribuinte, esta se restringiu a pedir “prazos longos e sucessivos para apresentar sua manifestação conclusiva” (ibidem, p. 871). Visando alterar esse estado de desequilíbrio de armas e a situação insustentável a qual estava submetido o contribuinte, que esperava o levantamento do saldo da quantia depositada em juízo, o juiz fixou prazo específico – 60 dias, a partir da combinação de dispositivos 177, 188 e 297 do CPC (prazos inexistentes na LEF), para o exequente manifestar-se, sob pena de extinção do processo por abandono, fato que ocorreu diante da inércia do autor (ibidem, p. 871). Importante fundamentação para esse tipo de postura ativa assumida por Renato Becho, é que a razoável duração do processo, a dignidade da pessoa humana e o devido processo legal, que são direitos fundamentais, e assim sendo, possuem eficácia imediata, “é despiciendo aguardar-se leis ou providencias administrativas para aplicação do Texto Constitucional. Ele será aplicado assim que seus intérpretes e aplicadores tiverem condições pessoais de fazê-lo.” (ibid, p. 881). No caso exposto por Renato Lopes Becho, a atitude de busca efetiva de solução para um problema processual concreto foi determinante para resguardar os direitos do contribuinte e coibir o abuso da parte exequente. Consideramos que esse tipo de atuação, ativa, é louvável, pois se coaduna com a principal função do Judiciário: a efetivação das normas constitucionais e a resolução judicial dos conflitos, ambas realizadas por meio do processo judicial. 3.4 A neutralidade e ofensa ao devido processo legal Já encaminhando ao final do estudo, faremos análise do exposto no tópico específico sobre neutralidade do magistrado paralelamente com o exposto sobre o devido processo legal, notadamente em seu aspecto substancial. Com o desenvolvimento do devido processo legal e a redefinição das competências e atribuições do Judiciário houve uma mudança no papel do Juiz. Este passou a ter função de construção da decisão judicial a partir da interpretação das normas e da verificação de sua compatibilidade com as normas fundamentais – constitucionais. Para Streck (2007, p. 311) a interpretação deve deixar de ser simples “métodos ou técnicas de interpretação” que exoneram de responsabilidade as decisões do juiz, e imputam a responsabilidade unicamente ao legislador. O juiz que resume sua atuação em mera reprodução do texto legal, sem a individualização da norma ao caso concreto, e sem a valoração dos fatores do caso concreto, está conduzindo o processo, mas não o devido processo legal. Sua função é resolver, juridicamente, o conflito e para isso ele precisa formular uma “opinião” sobre o caso levado ao seu juízo, não poderá se omitir de proferir a decisão judicial. E no processo de formação dessa opinião do magistrado, no processo de formação do convencimento do juiz, ele pode agir ativamente para solver dúvidas que tenham ficado pendentes. Assim, ele pode, com base no poder instrutório, determinar produção de provas, determinar diligências, requisitar informações, isso de ofício. E mais, na omissão dos outros Poderes cumpre ao juiz a proteção dos direitos e garantias fundamentais. O processo deve ser justo e ele próprio é garantia de direitos, isso pode gerar o ativismo judicial pela realização de algumas atribuições típicas dos outros Órgãos do Estado, como a produção de normas que por sua ausência causam lesão às pessoas. Esse tipo de atuação do Judiciário é atípica e deve adotada em caráter excepcional, porém é menos ofensivo à Constituição que haja essa atuação elasticizada do que a manutenção de um estado de prejuízo e lesão ao direito fundamental. No direito tributário essa postura ativa e positiva do magistrado deve ser promovida, pois envolve a invasão legal na propriedade do particular, invasão esta que só é legal se realiza nos termos do sistema jurídico, com fundamento básico na Constituição. É comum a visão tradicional de que as execuções fiscais sejam instrumentos de concretização da norma que constitui o crédito tributário, que sejam meio de imposição coercitiva ao contribuinte do dever de adimplir a prestação pecuniária, entretanto, não se pode olvidar que esses processos não podem escapar do devido processo legal e nem podem submeter o contribuinte a situação degradante e que atinja sua dignidade. CONCLUSÃO O processo judicial é garantia fundamental prevista pela Constituição Federal para proteger os direitos do particular da ameaça ou de lesão por parte de outros particulares e do próprio Estado. Esta é sua função imediata: a resolução de conflitos. Mas também é através do processo que o Judiciário exprime o sentido dos textos e normas jurídicas, dizendo como devem ser as condutas intersubjetivas aceitas pelo sistema jurídico. A função mediata do processo é a realização dos valores constantes nos princípios da Constituição. Tais valores que antes eram tidos como exteriores ao direito, hoje são determinantes na interpretação dos textos jurídicos e na decisão dos casos levados ao Judiciário. O papel do juiz no processo é conduzir o procedimento ativamente, participando de todas as fases, de modo que forme seu livre convencimento fundamentado e que sua decisão seja a melhor, fática e juridicamente, possível. Nessa formação das decisões judiciais, o juiz não consegue abster-se de seus sentimentos e valores, e seu empenho, bem como sua experiência, pessoal e profissional, são muito importantes para a resolução do caso. A condução automática e irrefletida do processo, o que normalmente ocorre diante do volume de lides levada ao Judiciário, não concretiza o direito e nem dá aos particulares o devido processo legal constitucionalmente assegurado, porque nessa automaticidade o juiz distancia-se da causa. O juiz deve ser ativo, e se inexistir solução jurídica, ele deve construí-la, pois não é possível a ausência de decisão judicial por eventual lacuna no direito.
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A imunidade tributária da ECT à luz da jurisprudência do STF
O presente artigo tem como objetivo analisar a imunidade tributária da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT com base no entendimento jurisprudencial exarado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, mormente no que concerne à incidência de impostos sobre atividades não abrangidas pelo privilégio fiscal outorgado pelo Estado à mencionada empresa pública. O tema em discussão tem sido, reiteradamente, objeto de demandas no âmbito dos Tribunais pátrios, cabendo ao STF, como órgão máximo de deliberação acerca das matérias constitucionais, a incumbência de dar a última palavra acerca da aplicabilidade da não-incidência tributária em relação aos serviços prestados pela ECT, razão pela qual se denota a relevância da apreciação da jurisprudência da Corte acerca da matéria, que tem sido objeto de grande celeuma na praxis forense.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O cerne do presente escrito cinge-se à possibilidade de extensão da imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal a serviços prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT que não sejam estritamente postais, ou seja, não estejam inclusos no conceito do serviço público a ser exclusivamente prestado pelo Estado. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT é uma empresa pública federal, integrante da Administração Indireta da União, criada pelo Decreto-Lei n. 509/69, à qual incumbe precipuamente a prestação do serviço postal no território nacional, em regime de privilégio. Conforme ensina Eros Roberto Grau, é imprescindível a distinção entre monopólio e privilégio. Enquanto o monopólio é jungido à exploração de atividades econômicas em sentido estrito, o privilégio se relaciona à prestação de serviços públicos, situação em que se enquadra a ECT. No entanto, a ECT, além de prestar os serviços incursos no privilégio postal, também realiza atividades outras, que não se encontram insertas no âmbito estrito do referido regime, em relação às quais reside controvérsia acerca da aplicabilidade ou não da imunidade tributária extensível, havendo inúmeras demandas em curso, tanto nos Juízos de primeiro grau quanto nas instâncias recursais, versando acerca da matéria em tela. Pretende-se, pois, demonstrar, em linhas gerais, os fundamentos da imunidade tributária aplicada à ECT, bem assim o entendimento que foi sufragado pelo Supremo Tribunal Federal – STF no leading case concernente à possibilidade de extensão da imunidade aos serviços exercidos fora do regime de privilégio, a fim de indicar ao intérprete as diretrizes básicas aptas a orientar o entendimento acerca da matéria. 2 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E A ECT No sistema constitucional tributário ora vigente, encontram-se, lado a lado, os princípios constitucionais tributários (legalidade, isonomia, irretroatividade, anterioridades, não-confisco, entre inúmeros outros, tanto explícitos quanto subjacentes à ordem constitucional hodierna) e as imunidades, exsurgindo, através da delimitação destes conceitos, o que a doutrina entende por limitações constitucionais ao poder de tributar. No que concerne à temática atinente às imunidades tributárias, é cediço, conforme visto, que se trata de limitação ao poder de tributar e, como tal, de cláusula pétrea, tratando-se, destarte, de limite material ao poder constituinte derivado ou de reforma[1]. Segundo Paulo de Barros Carvalho, imunidade quer dizer “a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações suficientemente caracterizadas”. (CARVALHO, 2004, p. 181) É certo que, conforme a enaltecida parêmia tributarista, o constituinte não cria tributos, mas atribui competência tributária. Pode-se afirmar, pois, que a competência de criar e exigir tributos vem especialmente delimitada na Constituição Federal, criando um âmbito material de incidência das espécies tributárias. A competência já vem especificamente explicitada na Constituição, de forma que a imunidade consiste em hipótese em que essa competência sequer é atribuída ao ente tributante, sendo considerada "uma forma qualificada ou especial de não incidência" (FALCÃO, 2002, p. 64). Por esta razão, Hugo de Brito Machado conceitua imunidade como “o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas” (MACHADO, 2008, p. 230). Entre as imunidades tributárias enumeradas no art. 150 da Constituição Federal, destaca-se a constante no inciso VI, a, a seguir transcrito: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;” Sabe-se que a existência da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal, intitulada por Sacha Calmon Navarro Coelho de “imunidade intergovernamental recíproca” (COELHO, 2001, p. 259), tem por escopo básico assegurar o respeito ao pacto federativo, voltando-se ao equilíbrio entre as unidades da federação e à inviabilidade da subversão da forma de Estado adotada pelo Brasil. Esta imunidade justifica-se porquanto a cobrança de impostos por um ente federado sobre patrimônio, bens, rendas ou serviços de outro inexoravelmente acarretaria uma agitação na organização federativa, possivelmente gerando odiosa desarmonia na convivência das entidades políticas que compõem o Estado Brasileiro. Neste pórtico, os precedentes do Supremo Tribunal Federal – STF apontam para três vertentes que condicionam o alcance da imunidade recíproca, a seguir transcritas: “1) A imunidade recíproca opera como salvaguarda do pacto federativo, para evitar que a tributação funcione como instrumento de coerção ou indução de entes federados; 2) A imunidade recíproca deve proteger atividade desprovida de capacidade contributiva, isto é, atividades públicas em sentido estrito, executadas sem intuito lucrativo; 3) A imunidade tributária recíproca não deve beneficiar a expressão econômica de interesses particulares, sejam eles públicos ou privados, nem afetar intensamente a livre iniciativa e a livre concorrência (excetuadas as permissões constitucionais).” A ratio essendi da aludida imunidade abrange, segundo o §2º do mesmo artigo, as autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, não se aplicando, conforme o §3º, aos relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonerando o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel. Em que pese o mencionado dispositivo legal apenas fazer expressa menção às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, o Supremo Tribunal Federal, através do leading case do Recurso Extraordinário 407.099-5/RS, estendeu a aplicação da imunidade prevista no §2º do art. 150 da CF às empresas públicas que prestem serviço público reservado à União, como é o caso da ECT. Isto porque teriam tais empresas públicas a natureza jurídica de autarquias, às quais não se aplicam o disposto no art. 173, §1º, da Constituição Federal, mormente se levando em consideração que a ECT exerce serviço público de prestação compulsória e exclusiva do Estado, que é o serviço postal, com fulcro no art. 21, X, da Constituição Federal. Ou, no dizer de Roque Antônio Carrazza, por se mostrarem como "longa manus das pessoas políticas que, por meio de lei, as criam [as empresas públicas] e lhes apontam os objetivos públicos a alcançar" (CARRAZZA, 2003, p. 652). Conforme lição do eminente jurista Ives Gandra da Silva Martins, “no que diz respeito aos serviços privativos, exclusivos, próprios ou monopolizados, nitidamente, a imunidade os abrange, sendo seu regime jurídico pertinente àquele da Administração Direta. Colocadas tais premissas, entendo que a natureza jurídica dos serviços postais é de serviços públicos próprios da União, em regime de exclusividade, assim como o patrimônio da empresa é patrimônio da União (…) Por serem serviços públicos exclusivos, em regime semelhante aos serviços monopolizados, seu regime jurídico transcende os demais serviços públicos não exclusivos, próprios ou monopolizados, compondo a própria ação da Administração Pública, que, se indireta na formatação, é direta na atuação com tratamento constitucional tributário peculiar da Fazenda Pública. Não sem razão, a imunidade do artigo 150, inciso I, da CF, não extensível a serviços públicos não monopolizados, exclusivos ou próprios (art. 150, § 3º, da CF), pela Suprema Corte, foi entendido como aplicável aos Correios e Telégrafos, ao reconhecer a recepção do DL 509/69 como legislação compatível com a atual Magna Carta”. (MARTINS, 2001, p. 58). Nesta senda, é unívoco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que a imunidade tributária recíproca se aplica à ECT, por prestar serviços exclusivos e obrigatórios da União (precedentes: RE 424.227/SC, RE 364.202/RS, RE 354.897/RS, RE 398.630/SP, RE 357.291 AgR /PR). Incumbe mencionar que o STF já teve a oportunidade de decidir, através do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46, que o serviço postal prestado pela ECT é serviço público em regime de exclusividade, em razão do privilégio fiscal que permeia a referida prestação. No entanto, hodiernamente, instaurou-se celeuma acerca da aplicabilidade da referida imunidade em relação a impostos incidentes sobre atividades realizadas pela ECT que não se encontram jungidas ao serviço público primário, como, à guisa de exemplificação, a venda de títulos de capitalização, de cupons de apostas, sorteios ou prêmios; a cobrança e o recebimento por conta de terceiros (por exemplo, o “Banco Postal”), entre outros, não adstritos exclusivamente ao serviço postal. A discussão adveio diante da cobrança de imposto municipal (imposto sobre serviço de qualquer natureza – ISSQN)[2] em razão da ocorrência de fato gerador do referido tributo através da prestação de serviço que inequivocamente não era público nem estava inserido na seara de serviço postal propriamente dito, previsto estritamente no âmago do art. 9º da Lei nº 6.538/78. É fato que, diuturnamente, a ECT vem desempenhando papéis e serviços próprios da iniciativa privada, o que, em tese, seria apto a pôr em xeque a jurisprudência firmada pelo STF, em razão da prestação de serviços eminentemente privados, sendo mister ponderar a espécime de patrimônio, renda ou serviço abrangido pela imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a, da CF/88. No julgamento do Recurso Extraordinário nº 601.392/PR, realizado no dia 28 de fevereiro de 2013, houve intenso debate entre os Ministros em relação à extensão da imunidade a estes serviços não abrangidos pelo privilégio da União. Por maioria de votos, o Plenário do STF reconheceu que a imunidade recíproca alcança todas as atividades exercidas pela ECT. O relator, Ministro Joaquim Barbosa, entendeu que a exoneração integral e incondicionada de impostos concedida à ECT desvia-se dos objetivos justificadores da proteção constitucional. Explicou o posicionamento por ele sustentado através dos seguintes argumentos: "a ECT desempenha algumas atividades de intenso e primário interesse privado-particular, ou seja, não-público. Por exemplo, é notório que os Correios cedem sua estrutura e serviços para a “venda” de títulos de capitalização. As operações com tais títulos têm como objetivo o lucro das entidades públicas ou privadas que os disponibilizam, sem qualquer vinculação com a função institucional da ECT. Nesta perspectiva, a exoneração tributária teria como conseqüência a diminuição do preço a ser cobrado do interessado em distribuir os títulos, dado ser possível calcular a carga tributária e repassá-la àquele que terá o maior benefício com a exploração da atividade. Sabe-se também que as agências dos Correios são utilizadas para operações do chamado “Banco Postal”. Atualmente, uma grande instituição financeira privada é responsável pelo Banco Postal, e é lícito supor que uma parceria desta natureza não tenha motivação filantrópica. Não causa qualquer perplexidade a tributação de instituições financeiras quando estas atuarem com base em agências próprias. Dada a capacidade contributiva da atividade e a inexistência de risco de desequilíbrio entre empresa da União e outros entes federados, não há razão para aplicar a imunidade tributária ao produto obtido com este tipo de parceria. Por fim, trago um terceiro exemplo.” Prosseguiu afirmando que "em sentido semelhante, também entendo que sempre que os Correios prestarem serviços também franqueados à iniciativa privada a imunidade não deverá ser aplicada, para evitar vantagens competitivas artificiais em detrimento do princípio da concorrência". Sua tese sustentou-se, ainda, na ilação de que a ECT poderia repassar eventual carga tributária à contraprestação exigida dos clientes de serviços alheios à atividade postal, pois a exoneração integral e irrestrita de impostos sobre os serviços acarreta a concorrência desleal entre os prestadores de serviços que utilizam a estrutura dos Correios, certamente desonerados e beneficiários de redução expressiva na carga tributária e os que exercem essa atividade no regime eminentemente privado, sem qualquer relação com a ECT, existindo nítido malferimento à livre concorrência e aos princípios constitucionais que regem a ordem econômica. Nessa assentada, acompanharam o voto do relator os Ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Cezar Peluso. Por seu turno, o Ministro Carlos Ayres Britto suscitou a divergência, defendendo, em seu voto, que a imunidade recíproca é aplicável a todos os serviços prestados pela ECT, independentemente de sua área de atuação, ou seja, de se tratar de serviço atrelado ao privilégio postal estatal ou a serviço não correlato. Em seu voto, o eminente Ministro defendeu que o lucro eventualmente obtido pela empresa não se revela como "um fim em si mesmo, mas como um meio para a continuidade, a ininterrupção dos serviços a ela afetados". Pela importância do tema, trago à colação excerto do voto do Ministro Ayres Britto, fundamental à compreensão da exegese da maioria do STF: "Isso tudo obriga os Correios e Telégrafos a adotar uma política tarifária de subsídios cruzados, ou seja, buscar obter lucro aqui para cobrir prejuízo certo ali. E como os Correios realizam também direitos fundamentais da pessoa humana, como a comunicação telegráfica e telefônica e o sigilo dessas comunicações, praticando uma política de modicidade tarifária, eles alcançam a maior parte da população carente, da população economicamente débil". Nesse diapasão, impende trazer à baila o conceito de subsídio (ou financiamento) cruzado que se depreende do julgado ora em análise, por ser um dos principais fundamentos embasadores da decisão da Corte. Pode-se entender por subsídio cruzado a obtenção de recursos financeiros através da prestação de serviços não abarcados pelo privilégio estatal, a fim de financiar e possibilitar a prestação destes serviços próprios do Estado, que, por si só, não são hábeis a prover sua manutenção.  Mutatis mutandi, a empresa, eventualmente deficitária no serviço essencial, compensa essa deficiência com outros serviços, sob pena de não conseguir lograr êxito na consecução do serviço essencialmente público. No julgamento do RE 601.392/PR, o voto vencedor reputou possível a "adoção de política tarifária de subsídios cruzados, porquanto os Correios realizariam também direitos fundamentais da pessoa humana — comunicação telegráfica e telefônica e o sigilo dessas comunicações —, em atendimento que alçaria todos os municípios brasileiros (integração nacional) com tarifas módicas".  Conforme bem ressaltado pelo Ministro Dias Toffoli, "a baliza deve ser os superiores interesses de integração nacional, presentes nas atividades da ECT, garantindo-se, assim, a aplicação do Princípio Federativo". Como as tarifas cobradas pela ECT são baixas, em atenção ao princípio administrativo da modicidade, e em face do advento da Internet e da massificação das comunicações e envio de boletos de cobrança, por exemplo, através daquele meio, constata-se, como bem asseverou o Ministro Gilmar Mendes, "que a base do monopólio dos Correios e Telégrafos está sofrendo um esvaziamento, uma elisão, por conta da evolução tecnológica" e que a fonte de recursos atrelada à estrutura do serviço postal não é suficiente para mantê-lo, para subsidiar, por exemplo, a entrega de cartas em longínqua província. Outro aspecto considerado foi o de que não poderia haver a equiparação entre a ECT e as empresas comuns em termos de concorrência, em face do regime específico aplicável àquela empresa. A uma, em razão de os bens e serviços serem contratados através de licitação, com obediência à Lei nº 8.666/93. A duas, porque imprescinde da realização de concurso público para o provimento de seus cargos. A três, porque se submete à fiscalização do Tribunal de Contas. Assim, não haveria, conforme arrazoado pelo Ministro Lewandowski, "nenhuma disparidade de armas no que tange à concessão, ao reconhecimento dessa imunidade fiscal relativamente à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, porque ela é, realmente, uma empresa pública". Com base nesses argumentos, a divergência suscitada pelo Ministro Ayres Britto teve a adesão de outros cinco membros do STF, restando o voto emanado do relator Joaquim Barbosa vencido. É certo que, ora mantendo-se o entendimento do STF na esteira da aplicação irrestrita da imunidade, ora modificando-se o posicionamento para uma análise circunstanciada do serviço prestado a fim de inferir o cabimento ou não da extensão da norma imunizante, necessário não perder de vista duas ideias que subjazem à interpretação do preceito constitucional. Em primeiro lugar, não se pode exigir que a ECT, na consecução de suas finalidades precípuas, tenha que sacrificar seu patrimônio. O serviço postal consiste em importante instrumento de concretização de direitos fundamentais, como a comunicação e a informação, não podendo ser relegado a um segundo plano. É previsto constitucionalmente que cabe à União manter o tal serviço, de forma que este deve ser assegurado, sendo imprescindível, para isso, a garantia da imunidade aos serviços prestados pelos Correios. Aceitável, sob esse pretexto, inclusive a figura do financiamento cruzado. Desde que os valores adquiridos pelo subsídio cruzado (ou trocado) sejam utilizados nas finalidades primeiras da empresa pública, não se vê problema na extensão da norma imunizante, até mesmo em atenção à razão de ser da norma constitucional. Por outro lado, não se pode esquecer que a ECT é uma prestadora de serviço essencial do Estado e que não pode ter como escopo primeiro o lucro, sendo imprescindível rigoroso controle por parte dos órgãos responsáveis, como o Tribunal de Contas, acerca da aplicação das rendas nas finalidades essenciais da empresa, em fiel observância ao §5º do art. 150 da Constituição Federal. Existem, ademais, em trâmite do Supremo Tribunal Federal, dois recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida (RE 627.051/PE e ARE 643.686/BA, ambos de relatoria do Ministro Dias Toffoli) que versam acerca da matéria de imunidade tributária da ECT, ainda à luz da discussão sobre o privilégio do serviço postal versus atividades prestadas sob o regime de concorrência.      O RE 627.051/PE traz em seu bojo a celeuma acerca da (im)possibilidade de incidência de Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS em relação ao transporte de mercadorias e encomendas[3] realizado pela ECT. O acórdão originário, exarado do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 (Mandado de Segurança nº 92.739/PE), consignou que embora a ECT seja empresa pública federal, se sujeita às mesmas obrigações tributárias que as empresas privadas, razão pela qual o transporte de mercadorias que efetiva suporta a incidência do ICMS, por não restar albergada por imunidade constitucional. Argumentou a ECT que não interessaria, para fins de fixação da imunidade tributária, qual serviço específico que está sendo prestado pela empresa, uma vez que todos os recursos obtidos pela ECT são revertidos em favor do serviço postal, que, em ultima ratio é destinado à coletividade, em face da responsabilidade pela execução do serviço público essencial em regime de monopólio.      Por sua vez, o RE 643.686/BA versa acerca da incidência de Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU sobre imóveis de propriedade da ECT. Foi suscitado pelo Relator que “A prevalecer o entendimento que pugna pelo não reconhecimento da imunidade relativamente ao IPTU, seria necessário destacar quais os imóveis se destinariam às finalidades essenciais da entidade e quais não, ficando o Fisco incumbido de identificar quais seriam os estabelecimentos destinados exclusivamente à exploração de atividades não cobertas pelo regime de privilégio, quando se sabe que os imóveis normalmente servem de amparo a várias atividades, indistintamente”. O Relator opinou pela existência de repercussão geral e pela ratificação da pacífica jurisprudência do STF, conhecendo do agravo, desde já, para negar provimento ao recurso extraordinário. No entanto, reconhecida a repercussão geral, o Tribunal, no mérito, não reafirmou a jurisprudência dominante sobre a matéria (notadamente a do leading case RE 601.392), que será submetida a posterior julgamento no Plenário.      Desta forma, percebe-se que o tema da imunidade tributária da ECT em relação a serviços não abrangidos pelo privilégio postal tem reiteradamente sido discutido no âmbito da Justiça Federal de 1º e 2º Graus, terminando por novamente desaguar no Supremo Tribunal Federal, o que acarreta a constante reapreciação da matéria em exame. Ressalte-se que, na decisão do RE 601.392, a decisão foi tomada por maioria (apertada, de seis a cinco, frise-se) dos votos. Como a decisão proferida em controle incidental de constitucionalidade, na visão tradicional, não possui efeitos vinculantes nem eficácia erga omnes, bem assim em razão da modificação na composição do Supremo Tribunal Federal (com o ingresso dos Ministros Teori Albino Zavascki e Luís Roberto Barroso), é necessária muita atenção para as diretrizes que os futuros julgamentos da Corte irão apontar[4]. Isso porque, conquanto tenha havido, no controle concreto realizado nos autos do RE 601.392, a afirmação de que se aplica a imunidade de forma irrestrita a todos os serviços prestados pela ECT, não se trata de matéria definitivamente pacificada no âmbito do STF, devendo o intérprete permanecer atento às vindouras decisões proferidas sobre o tema. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS      É cediço que o Supremo Tribunal Federal – STF estendeu a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, §2º, da Constituição Federal às empresas públicas e sociedades de economia mista que prestem serviços públicos reservados ao Estado, situação em que se enquadra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, incumbida da prestação do serviço postal.      Sendo irrecusável esta imunidade, instaurou-se discussão acerca da possibilidade de extensão da norma imunizante aos serviços prestados fora do regime de privilégio, como, à guisa de exemplificação, a venda de títulos de capitalização, de cupons de apostas, sorteios ou prêmios; a cobrança e o recebimento por conta de terceiros (por exemplo, o “Banco Postal”), entre outros. Conforme exposto, o STF, por maioria de seis a cinco, entendeu que a imunidade é aplicável à ECT independentemente do serviço por ela prestado, porquanto os valores dele oriundos são aplicados na consecução das finalidades essenciais da empresa pública, através do chamado subsídio cruzado. Não obstante a referida decisão, a matéria voltou a ser objeto de discussão através de dois recursos extraordinários em trâmite no STF, razão porque se faz imprescindível aguardar os futuros posicionamentos a ser adotados pela Suprema Corte, a uma, em virtude de o próprio Tribunal, na análise propedêutica do RE 643.686, não ter reafirmado a jurisprudência oriunda do leading case do RE 601.392 em relação ao tema, e, a duas, em razão da modificação na composição da Corte, o que pode acarretar mudança no entendimento ora dominante. O que não se pode perder de vista é que a ECT realiza serviço público essencial, exclusivo do Estado, alcançando os mais longínquos rincões, e que se deve garantir a manutenção da atividade, por ser garantidora de direitos e garantias individuais de desmesurada relevância, como o direito à informação, à comunicação e o seu sigilo. Destarte, é imperioso que haja, por parte do Estado, a implementação de instrumentos mantenedores do serviço público fundamental, a fim de, em última instância, garantir direitos e garantias fundamentais.
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OGMO: trabalhadores portuários avulsos e a imunidade das contribuições previdenciárias
O OGMO é entidade civil de interesse público, sem fins lucrativos, que atua na habilitação e capacitação dos trabalhadores portuários avulsos. Se verificado caráter assistencial destas entidades, a rigor do artigo 195, §7º da Constituição, há que se verificar a imunidade com relação às contribuições previdenciárias.
Direito Tributário
Em 05 de junho de 2013, por meio da Lei nº 12.815, consolidou-se no ordenamento brasileiro um “novo” marco regulatório para o setor portuário. As discussões que pautaram os debates no Congresso Nacional ficaram, em grande medida, adstritos a criar condições mais favoráveis e atraentes para o capital privado, bem como corrigir os rumos da antiga Lei 8.630/93. Alavancou-se a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) como entidade reguladora competente a ordenar as operações em portos organizados e nas instalações portuárias nele localizados. As figuras do operador portuário e do Órgão de Gestão de Mão de Obra (OGMO), por sua vez, continuam a existir. Importante lembrar que o OGMO é associação civil de utilidade pública sem fins lucrativos, destinado a administrar o fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso. O operador portuário, por sua vez, é pessoa jurídica de natureza privada que, uma vez qualificada, opera com a execução da movimentação e armazenagem de mercadorias na área do porto organizado, especialmente com os serviços de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações. São categorias profissionais diferenciadas, em que somente os profissionais habilitados e cadastrados pelo OGMO estão aptos a exercer referidas atividades, podendo ser cedidos em caráter permanente ou não, ou registrados pelos operadores portuários. No caso de cessão, estar-se-á diante de um trabalhador portuário avulso. O organograma abaixo melhor elucida a questão: Igualmente, reforçou-se a obrigatoriedade do OGMO na criação de comissão arbitral paritária para solucionar litígios envolvendo os operadores e trabalhadores, ainda que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho pacificou entendimento[1] de que este compromisso não afasta a possibilidade do Poder Judiciário apreciar as reclamações. Por fim, repetiu-se a disposição de que o OGMO é solidário ao operador portuário pela remuneração do trabalhador. Nada de novo, portanto! Neste sentido, verifica-se na redação da Lei nº 12.815/2013 (que repetiu os preceitos da Lei nº 8.630/1993) dispõe que o OGMO é responsável pela arrecadação e repasse aos beneficiários os valores devidos pelos operadores portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários (art. 32, VII). De outro lado, fixou-se que o operador portuário responde perante os órgãos competentes pelo recolhimento dos tributos incidentes sobre o trabalho portuário avulso (art. 26, VI). Assim, estar-se-á diante de uma responsabilidade solidária do OGMO e operador portuário pelo recolhimento dos tributos relativos à remuneração, o que inclui as contribuições previdenciárias. Com relação a estas, a Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, no seu artigo 264, determina caber ao OGMO a obrigação de arrecadar as contribuições sociais devidas e, por conseguinte, recolher as contribuições previdenciárias. Aliás, o Manual GFIP/SEFIP 8.4 especifica que cabe ao OGMO proceder com a declaração, demarcando-se o campo Valor devido à Previdência Social, calculado pelo SEFIP, que conterá o valor das contribuições para a Previdência Social (devidas pelo operador portuário e recolhidas pelo OGMO e parcela descontada do trabalhador avulso), incidentes sobre a remuneração, férias, inclusive o adicional constitucional, e 13° salário pagos ao trabalhador avulso. Perceba que a Receita Federal impõe ao OGMO a obrigação de proceder com o recolhimento da contribuição previdenciária dos trabalhadores avulsos, o qual seria supostamente devido pelo operador portuário. Ocorre que, se há apenas a cessão do contrato de trabalho do trabalhador, como dispõe o artigo 35 da Lei nº 12.815/2013, haveria fundamento para afirmar que se trata de parcela devida pelo operador portuário? O vínculo trabalhista que o trabalhador portuário avulso possui, por força de Lei, com exclusividade, é unicamente com o OGMO. Trata-se da redação do artigo 32, II, da Lei 12.815/2013, a saber: “Art. 32.  Os operadores portuários devem constituir em cada porto organizado um órgão de gestão de mão de obra do trabalho portuário, destinado a:  I – administrar o fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso; II – manter, com exclusividade, o cadastro do trabalhador portuário e o registro do trabalhador portuário avulso; III – treinar e habilitar profissionalmente o trabalhador portuário, inscrevendo-o no cadastro; IV – selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso; V – estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para acesso ao registro do trabalhador portuário avulso; VI – expedir os documentos de identificação do trabalhador portuário; e VII – arrecadar e repassar aos beneficiários os valores devidos pelos operadores portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários”. Também reforça este entendimento o disposto no artigo 264, I, da Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, que assim dispõe: “Art. 264. Cabe ao OGMO, observada a data de sua efetiva implementação em cada porto, na requisição de mão-de-obra de trabalhador avulso portuário, efetuada em conformidade com a Lei nº 8.630, de 1993, e com a Lei nº 9.719, de 1998, além de outras obrigações previstas na legislação previdenciária, adotar as seguintes providências:  I – selecionar, registrar e cadastrar o trabalhador avulso portuário, mantendo com exclusividade o controle dos mesmos, ficando, desta maneira, formalizada a inscrição do segurado perante a Previdência Social;” A relação trabalhista deve se constituir com aquele que admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço, nos termos do artigo 2º da CLT, o que se compatibiliza perfeitamente com as atribuições do OGMO. A cessão do contrato de trabalho, ou do trabalho propriamente dito, não transfere a titularidade ativa do empregador, isto é, cedido o empregado celetista, permanece o primeiro como responsável pelos direitos do contrato[2]. Não há porque, neste sentido, pretender criar um vínculo inexistente com o operador portuário. A relação de solidariedade ocorre, unicamente, nos casos em que não há o regular pagamento das verbas remuneratórias, inclusive os tributos. Esse é o sentido e disposição legal da solidariedade. De consequência, se aplicadas tais noções ao arcabouço legal atinente as contribuições previdenciárias, estipuladas na Lei nº 8.212/1991 (contribuição previdenciária do empregador), tem-se que o OGMO é o empregador, na medida em que empregador é sociedade que assume o risco de atividade econômica, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública direta, indireta e fundacional, inclusive as associações, por equiparação. Na qualidade de empregador, por força do artigo 22 da Lei 8.212/1991, o OGMO é obrigado a proceder com o recolhimento da contribuição a cargo da empresa destinado à Seguridade Social, seja ela referente aos 20% incidentes sobre a remuneração, seja a verba calculada em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho. Há que sobrelevar, neste sentido, aquilo que dispõe o artigo 195, §7º da Constituição da República: “são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”. Os requisitos estipulados em Lei, por sua vez, advêm das disposições do artigo 14 do Código Tributário Nacional e, em complemento, da Lei nº 12.101/2009. Portanto, caso reconheça-se, por isonomia, que o OGMO atua na condição de entidade que presta relevante serviço social, enquanto que a própria Lei lhe atribui status de associação de utilidade pública sem fins lucrativos, há que valer-se das disposições do artigo 195, §7º da CF e, desta forma, reconhecer a imunidade das contribuições previdenciárias devidas com relação aos trabalhadores portuários avulsos. A Receita Federal do Brasil tenta, por meio de preceitos infranormativos, como o artigo 266 da Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009[3], desvirtuar a natureza jurídica do OGMO, o que certamente não se pode admitir. Os regramentos infralegais não podem infirmar ou reduzir o alcance da norma legal.
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Justiça tributária constitucional: Código do Contribuinte e a uniformização do direito processual tributário
A presente pesquisa realizou um breve estudo técnico-jurídico sobre a necessidade de avanço e constitucionalização da Justiça Tributária e dos órgãos da Administração Fazendária que se confundem hoje com um Estado-Fiscal cada vez mais arrecadador e voraz. No estudo, foram consideradas algumas temáticas e aspectos importantes que dizem respeito às relações atuais do contribuinte com o Poder Público. Procedeu-se ao exame também de certas questões em aberto que desajustam a ordem fiscal e prejudicam a segurança dos contribuintes, como a necessidade de uniformização do direito processual tributário, conforme defende MARINS (2006). En passant, aventou-se ainda a perspectiva da consolidação legal de direitos e de normas tributárias, sob a amplitude da criação de um Código Nacional de Defesa do Contribuinte, irradiador dos princípios constitucionais. Em complemento, a expansão dos Juizados Tributários, da Defensoria Pública, das Súmulas Vinculantes, a criação dos impostos sobre grandes fortunas e a tributação de algumas atividades ainda intocadas. O elenco das investigações objetiva a apresentação, sistêmica e objetiva, de que o Direito Tributário esteja irmanado à Teoria Geral dos Direitos Fundamentais do Homem de ALEXY (2008), em seus planos formal e material. A expectativa é a de um Estado constitucional que seja capaz de promover a verdadeira Justiça Tributária.
Direito Tributário
Introdução O presente trabalho propõe-se a abordar o Direito Tributário dentro de suas constantes mudanças e das novas fisionomias que o progresso científico e tecnológico impõe ao intérprete e ao operador jurídico diante de um Estado-Fiscal cada vez mais forte e controlador, partindo de uma análise da Justiça Constitucional (SILVA, 2005). Nesta pesquisa, de início, listaram-se alguns instrumentos e providências atuais usadas pelo Estado para agilizar a cobrança e execução dos seus créditos. Na sequência, chamou-se a atenção para a necessidade de criação de um Direito Processual Tributário unificado, que deve ter feição nacional, à luz do próprio texto constitucional, e se sugere a instituição de um Código Nacional de Defesa do Contribuinte, no qual se consagrem os princípios constitucionais materiais e processuais do Direito Fiscal. Instigando a expansão dos Juizados Tributários e a importância das Súmulas Vinculantes, temas polêmicos, tais como a discussão dos impostos sobre grandes fortunas e a tributação de atividades religiosas, foram objeto de uma breve reflexão. Para alcançar os objetivos propostos, como recursos metodológicos, foram usados métodos descritivos, indutivos e dedutivos, além de pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados, tendo sido o texto final fundamentado nas ideias e concepções de autores como MARINS e ALEXY, em análise sistêmica do extenso feixe de garantias constitucionais que se asseguram aos contribuintes e aos administrados. Desenvolvimento A concepção do Estado contemporâneo compreende a presença de 03 (três) elementos imprescindíveis, traduzidos em suas acepções físico-territorial, demográfico-humana e político-jurídica. Tem a ver, pois, com a existência de um povo vinculado ao exercício inerente aos dotados de poderes governo e soberania (CAETANO, p.122). Hodiernamente, tem-se estudado o Estado dentro de parâmetros cada vez mais completos e complexos, como organela voltada a um sistema que visa à tutela, dos direitos humanos fundamentais, em seu máximo grau, expressando-se, inclusive, por meio de diversos instrumentos de caráter supranacional. Para dispor de patrimônio próprio capaz de gerir suas atividades, com vistas à obtenção de meios financeiros, o Estado intervém em vários setores da vida econômica e da esfera privada, recorrendo ao Direito Tributário para efetivar a arrecadação de receitas públicas através de um sistema de transferência de parcela das riquezas dos governados (Teoria Geral do Estado-Fiscal), atuando, em suma, pelos seus três poderes autônomos e independentes: o Legislativo, Executivo e Judiciário. O poder de criação, fiscalização, de arrecadação e de cobrança de tributos, portanto, constitui-se em garantia inafastável da organização político-administrativa de um país, que, no caso do federalismo brasileiro, abrange a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. De acordo com o que preceitua a nossa Lex Fundamentallis, estes entes possuem competência legislativa própria em matéria tributária (arts. 1º; 18, § 4º; 20 a 24 e §§, 52, VI e 145 a 164 e §§; arts. 25 a 28; art. 32 e §§, CF/88). No que concerne ao poder fiscal, ao atribuir competências bem definidas para legislar e dispor sobre suas respectivas administrações tributárias, o legislador constitucional sinalizou a criação e existência das Fazendas Públicas Federal, Estadual, Distrital e Municipal, com seus respectivos órgãos institucionais. No entanto, o art. 24, I, da Constituição Federal de 1988, firmou a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal de legislarem concorrentemente sobre direito tributário e procedimentos. Já ao Município, que foi excluído da competência concorrente do art. 24, I, reservou-se a competência de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; e a de instituir e arrecadar os tributos, conforme incisos II e III, enxertados no art. 30, do texto constitucional. O sistema tributário nacional, pro sua vez, vem previsto no Capítulo I, do Título VI, que se inicia com o art. 145 e seguintes, da Carta Magna, estando em vigor a Lei n º 5.172/66, o chamado Código Tributário Nacional, que foi recepcionado em nosso arcabouço jurídico com o status de lei complementar. Entretanto, consubstanciado na precedência dos serviços e atividades da Fazenda Pública (art. 37, XVIII, da CF), os órgãos fazendários do país vêm promovendo uma verdadeira panaceia em matéria tributária, emitindo normatizações singulares as mais diversas, temerárias e frouxas que, na fresta do pragmatismo diário, causa prejuízos econômicos e uma grave insegurança jurídica aos contribuintes. Se o assunto é investidas do Poder Público, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, dotados de razoável autonomia administrativa e legislativa, organizam seus serviços fazendários sem seguir, porém, um esquema institucional ou constitucional que seja uniforme ou homogêneo, ferindo o regime do garantismo legal. Como se já não bastasse o fato de estarem bem aparelhadas, em todos os quadrantes e rincões do país, as Fazendas Públicas têm contado ainda com legisladores ordinários pródigos e extremamente condescendentes aos atavismos fiscais de um Estado-leviatã, cada vez mais apto a sugar de seus governados. Como exemplos concretos e emblemáticos dessa notável habilidade de promover a sangria econômica do contribuinte, ao invés de preocupar-se e ocupar-se de prestar serviços públicos de qualidade, neste primeiro momento, chama-se a atenção para as sucessivas leis e atos que, no fundo, entronizam medidas administrativas que sufocam e estrangulam alguns setores da economia privada de duvidosa legalidade. Assim, é juridicamente questionável o uso da pressão de objetos penais como instrumento de cobrança fiscal: a saga arrecadatória do Estado se vale de meios representatórios, como o art. 83, da Lei n º 9.430/96, a tipificação do ilícito de sonegação fiscal (Lei nº 4.729/65) e dos delitos contra a ordem tributária (Lei n º 8.137/90 e art. 334, do CPB); hoje, crimes antecedentes da lavagem de dinheiro sem a necessidade de qualquer nexo causal formal (Lei nº 9.613/98). Além de contrariar a ultima ratio que era para instruir o Direito Penal, as autoridades públicas ainda lançam uma campanha de duvidosa legalidade contra inúmeras ações antielisivas utilizadas, legitimamente, pelo contribuinte em seu planejamento tributário. É o caso, por exemplo, da exigência de garantia para a impressão de documentos fiscais e a lavratura de auto de infração a partir de assinatura de termo de responsabilidade pessoal dos sócios e administradores por virtuais fraudes ao Fisco. Hoje, há uma verdadeira presunção em desfavor de atos empresariais, negociais e acertos societários que redundam em pesadas multas e penalidades. Sobre situações de desequilíbrio contra a economia e o Direito Privado, observe-se ainda a possibilidade de desconsideração unilateral da autoridade fiscal de atos ou negócios jurídicos praticados. O art. 116, do CTN, parágrafo único, na redação da LC nº 104/01 parece, claramente, contrariar o art. 108, § 1º, do CTN, que proíbe a analogia para a criação da obrigação tributária, esvaziando completamente, todo e qualquer procedimento de defesa do contribuinte, em especial da classe empresarial. De modo similar, o artifício empregado pelas Fazendas Públicas, ao promoverem sem critério a responsabilização pessoal de sócios e de administradores por dívidas tributárias das empresas, em muitos casos, revela bem os abusos, os exageros e os desmandos do Fisco. É que, fazendo constar o nome pessoal empresário na Certidão de Dívida Ativa e no respectivo processo executivo, com fulcro nos arts. 134 e 135 do CTN, impedindo até a interposição da peça de pré-excutividade, a verificação de infração à lei, contrato social ou estatutos, demanda depósito e dilação probatória e, assim, não pode ser deferida de plano pelo Poder Judiciário, consumindo tempo e gastos do contribuinte, que fica em uma posição de nítida desvantagem frente ao Fisco. Outra ação que retrata bem o caráter invasivo da política fazendária é a insistência na aplicação de medidas de multas elevadas, por falta de pagamento de tributos ou descumprimento de obrigações acessórias, que o STF já avalizou como sendo confiscatórias quando superiores a 20% (vinte por cento) do montante principal. Nesta mesma diretiva de providências ilegais, destaque-se que, ultimamente, o Fisco vem usando do protesto extrajudicial em face de devedores tributários, com o fito de constranger o sujeito passivo a pagar o débito de forma mais ágil e célere. Para tanto, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, com apoio nos arts. 1º da Lei nº 9.492/97 e  art. 585, inciso VI, do Código de Processo Civil (CPC), editou a Portaria nº 321/06, que em tese, não tem guarida com as disposições da Lei nº 6.830/80, que disciplina o processo de Execução Fiscal e os arts. 201 e 204, do CTN. Afora disto, a malsinada providência é incompatível com a dispensa de execução de valores que não ultrapassem R$ 10.000,00 (dez mil reais), alusiva à Portaria nº 49/2004-PGFN, estando ainda na contramão da política de flexibilização da responsabilidade tributária que se colhe do espírito da LC nº 118/2005, que trata da recuperação econômica das empresas e prestigia as Súmulas 323 e 547, do STF. Uma outra novidade do Fisco é a sua autoconcedida prerrogativa de repassar informações sobre créditos tributários e não tributários, inscritos em dívida ativa, a instituições de consulta, como o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) e SERASA. Com o nome negativado, antes mesmo do fim do processo fiscal, o contribuinte inadimplente tem, assim, seu crédito e atividades restringidas no mercado. Semelhante desastre, para forçar a captação de recursos do devedor, parece derivar ainda do instituto da penhora on line em favor do Estado, enquanto se sabe que o único caminho que resta ao governado para receber ou recuperar seus créditos é pela dramática via dos precatórios (art. 655, I, do CPC e art. 11, da Lei nº 6.830/80). Além de, na prática, anular o pagamento do débito na forma do art. 745-A, do CPC, a penhora on line suscita ainda uma recente discussão em torno da possibilidade de administrativização das cobranças dos créditos tributários, o que equivaleria à  expropriação automática e direta dos bens e dos direitos do contribuinte. A pretensão do Estado-fiscal de desjudicializar a execução fiscal, para desafogar o congestionado Poder Judiciário, é deveras perigosa e temerária à democracia e ao Estado de Direito, importando supressão aos direitos e garantias fundamentais alojados na CF/88. Imaginar que possa existir, analogicamente, o Bacen Proc (do procurador da Fazenda Pública), que efetuará diretamente a indisponibilidade on line dos bens do devedor tributário, não constitui de todo surpresas, se, em tamanho da criatividade dos instrumentos legais que pavimentam as investidas estatais, assistiu-se ao Presidente do Senado Federal, através de ato orgânico interna corporis, publicar, no Diário Oficial da União (DOU) de 14 de julho de 2006, a Resolução nº 33, que autorizava a terceirização das cobranças dos créditos tributários para bancos, privatizando, assim, sem lei formal ou sem qualquer conformidade constitucional, a atividade arrecadatória do Estado. Descalabros jurídicos desta magnitude se incluem na lista de horrores da República Fiscal brasileira que tem protagonizado verdadeiras aberrações no Direito Tributário, sendo o caso da MP nº 627/2013 e da insistência da Receita Federal de cobrança de créditos incidentes sobre contribuições sociais de dez anos; supostamente pagos por contribuintes desavisados e pelos que não ingressaram na Justiça. No caso, a Súmula Vinculante 8 do STF, no exame os arts. 45 e 46, da Lei nº 8.212/91; e do art. 5º, do Decreto-lei nº 1.569/77, já referiu que o prazo da Contribuição sobre o Lucro (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e o Programa de Integração Social (PIS) é inconstitucional.  Posições refratárias de órgãos fazendários contrários a estas diretivas infectam também o contencioso dos Conselhos Administrativos de Recursos Fiscais, tais como o CARF, os Tribunais de Impostos e Taxas (TITs) e os Tribunais de Administrativos Tributários (TATs), compostos por auditores e advogados chapas-branca que, ao invés de rejeitarem as tendências destrutivas, teses vencidas e se curvarem às jurisprudências dominantes dos Tribunais, inovam e reforçam os empecilhos legais; quando não são obsequiosos ao Estado em seus julgamentos internos. Malgrado os esforços do Judiciário de remover este rol de incertezas jurídicas e as devassas que emparedam contribuintes, o destino e a vidas das pessoas ficam, por conseguinte, à mercê da Corte Excelsa, que passa a desempenhar um papel ativo de julgador constitucional de casos concretos, abarrotando-se de serviços que seriam filtrados se houvesse maior racionalidade por parte dos órgãos fazendários. Discorrendo sobre o rosário das intromissões indevidas ou exageradas do Fisco, no tocante à atividade de constituição e cobrança de seus ativos financeiros, merece realce, então, aventar-se a perspectiva da consolidação legal de direitos e de normas tributárias, sob a amplitude da criação de um Código Nacional de Defesa do Contribuinte, que pode ser irradiador dos princípios constitucionais. Da forma como é organizado e praticado, o atual sistema fiscal brasileiro, além de predatório, apesar de obter notáveis índices de eficiência, desafia e sobrepõe a um contribuinte desarmado e desaparelhado para se lhe colocar em pé de igualdade. Sem embargo dos princípios da supremacia da coisa pública, é difícil acreditar que, em tempos de tantas conquistas e evoluções, o Estado-Fiscal ainda não se tenha dado conta da relevância dos instrumentos dedicados às tutelas humanas fundamentais (ALEXY, 2008), dando primazia ao seu apetite arrecadador. O Fisco, que produz um emaranhado legislativo, de complicado acesso e compreensão, empurra o governado para um desequilíbrio processual inadmissível, de modo que a tão sonhada Justiça Fiscal não passa de uma quimera, em dissonância com os matizes da isonomia e dos compromissos do nosso Estado Constitucional de Direito. Neste contexto, digno de aplausos o Projeto de Lei nº 2557/11, do Deputado Laércio Oliveira (PR-SE) que cria um Código de Defesa do Contribuinte. Objetivando regular direitos, garantias e obrigações do contribuinte, e também, logicamente, disciplinar alguns deveres básicos da administração fazendária, sua aprovação urge graças ao apelo de que o sistema tributário deixe de ser uma areia movediça nas valas administrativas e judiciais, com vistas à concretude dos títulos fundamentais, em apreço aos princípios e dogmas enraizados pela nossa Constituição. Em complemento a este fenômeno de constitucionalização de direitos, ao lado do Código Nacional de Defesa do Contribuinte, seria oportuna a expansão dos Juizados Tributários, das Súmulas Vinculantes, além do estímulo ou movimentos políticos visando à criação dos impostos sobre grandes fortunas e à tributação de algumas atividades ainda intocadas, como os serviços resultantes de desvios religiosos. Neste segmento, já existem os Juizados Especiais da Fazenda Pública, frutos de criação da Lei nº 12.153/2009, em conjunção harmônica com as Lei nºs 9.099/1995 e 10.259/2001, prevendo gratuidade, um rito simplificado, o prazo de até 60 dias para decisão e o pagamento por uma requisição de pequeno valor (RPV); e não precatório. Nesta mesma senda, como pacote de medidas para agilizar o nosso sistema ôntico de proteção de direitos humanos fundamentais, na alçada dos Juizados da Fazenda Pública, recomendável o fortalecimento das Defensorias Públicas e a intensificação do uso de Súmulas Vinculantes (§ 1° do art. 103-A da CF/88, c/c a Lei nº 11.417/2006) que tratassem de assuntos procelosos, de repercussão nacional e que aplacariam a resolução de importantes dissensos, restaurando a segurança jurídica. Essa ideia de exercício pleno de uma cidadania fiscal propositiva se alinha aos alicerces axiológicos da Teoria do Núcleo da Personalidade, oriunda da cronologia da Teoria das Gerações ou de Dimensão de Direitos, formulada por KAREL VASAK (SILVA, 2005, p. 546-552). O depuramento do sistema fiscal, com uma cartilha de divulgação de um Código Nacional de Defesa do contribuinte, com a simplicidade dos Juizados Especiais Tributários e a funcionalidade judicial dos direitos abarcados em Súmulas Vinculantes, contribuiria em muito com a Justiça constitucionalizável. Neste passo, correto BARROSO (2009, p. 351) quando enceta que “(…) Os valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e regras da Constituição passam a condicionar a validade e o senti­do de todas as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e notadamente nas suas rela­ções com particulares. Porém, mais original ainda: reper­cute, também, nas relações entre particulares (…)”. Já quanto à instituição de impostos sobre grandes fortunas, a despeito da presciência do art. 153, VII, da CF/88, a passividade da União só se justifica sob o argumento de que este tributo facilitaria a fuga de divisas do país. Em outro panorama, porém, é desprovida de sentido a imunidade de impostos que ora se confere aos templos e às atividades religiosas. Neste ponto, um projeto de Emenda Constitucional poderia compelir às igrejas ao pagamento de certos tributos, já que nosso Estado é laico e a prática tem provado que boa parte do dinheiro arrecadado dos fiéis tem servido de fonte apenas para enriquecer terceiros, pessoas físicas em sua maioria, que paralelamente usam de contratos de holdings ou empresas de fachada para edificar substanciosos patrimônios individuais. Em que pese as polêmicas que cercam o assunto, a verdade é que a prática tem demonstrado, de modo olímpico, que a administração das igrejas e de quaisquer credos religiosos, espirituais ou quejandas, constituem espécies de serviços sobre os quais deveria incidir, no mínimo, a tributação do Imposto sobre Serviço (ISS), a serem, portanto, anexados à lista anexa da Lei Complementar federal nº 116/2003.  Neste quadro dinâmico de transformações tributárias, resta analisar um último ponto que vem à tona por força do surgimento do processo tributário eletrônico, incorporado, no âmbito federal, pelas Leis nºs 11.196/2005 e 11.418/2006. Com efeito, a Portaria SRF nº 259/2006, que regulamenta parte do parágrafo 5º do art. 23 do Decreto nº 70.235/77, aproveita somente o Fisco federal, que também pode usar, subsidiariamente, a Lei nº 9.784/99. As mudanças, portanto, com o advento do processo digital, não atingem, contanto, as Fazendas Públicas de todo o país, embora muitas delas já se aperceberam das vantagens de substituição do papel físico pelo meio virtual, por ser de indiscutível eficácia jurídica e arrecadatória. A par do avanço tecnológico dos sistemas de informática que, inexoravelmente, vêm mudando a realidade na prática jurídica brasileira, é preciso, desde logo, lembrar que o nosso sistema processual, mesmo o fiscal, deveria, porém, ser uno e nacional, a teor do que prescreve o art. 22, I, da nossa Constituição Federal. Em veras, a teor de cláusula constitucional supra, há a necessidade de um processo administrativo fiscal único e nacionalizado, que vincule União, Estados, Distrito Federal e Municípios, assim como da instituição de conceitos jurídico-positivos de um Direito Processual Tributário, com o desiderato de garantir uma tutela plena a todos os subsistemas da Justiça Fiscal; tudo em apreço à nossa Magna Carta. Reitere-se que o Direito Constitucional contemporâneo é o meio mais civilizado para a atribuição de responsabilidades jurídicas; e o processo, essencialmente, um via para aferição de culpa e aplicação de sanções restritivas de bens e direitos dos seus titulares. Neste passo, haveria de ser o Direito Constitucional Processual Tributário um fato juridicizado sob a lente do legislador nacional, e não pela via da experimentação, por padrões pessoais ou pelas escolhas que mais agradem à Administração. A nossa Constituição é explícita na fixação de competências sobre os objetos legislativos, e, in casu, sobre o Direito Processual. Neste eixo, o Direito Constitucional Processual irradia os direitos e garantias fundamentais elencados no art. 5º, da Carta da República, que começam realçando, exatamente, o dialeticismo dos seus métodos. O mestre JAMES MARINS (2001, p. 121) leciona que o art. 22, I, da Lex Magna é de clareza solar, ao determinar que é de competência privativa da União legislar sobre direito processual, pelo que, por dedução lógica e gramatical, subentende-se que as normas gerais acerca do processo administrativo tributário e fiscal devem ser elaboradas pelo Congresso Nacional. Esclareça-se que o assunto em questão não enfoca a capacidade e a competência de legislar em matéria tributária; atividades que continuam sendo divididas entre os entes que compõem a nossa organização político-administrativa. Na hipótese, reitere-se: ao dispor sobre a competência privativa da União, a opção do legislador foi de incidir, portanto, no art. 22, I, da Constituição Federal, a palavra processual. A ideia de processo não se forma, pois, por juízos intelectuais indutivos ou dedutivos, nem por visões esparsas ou monolíticas de uma leitura estática. Ao inverso, o entendimento do que vem a ser processo ou direito processual pugna por cientificidade, enseja interpretações que sejam, gramaticalmente, fidedignas e correspondentes, sendo por isso que se observa dos Códigos de Processo existentes: o Penal Comum, o Militar e o Civil: todos tendo seguido a lógica de serem estatutos nacionais, dando vida e organicidade às relações e atividades de direito material respectivas que regulam. Mesmo que se tenha, no Brasil, um sistema processual misto ou híbrido, em que se ressaem algumas normas garantistas de defesa do contribuinte no due process, a rigor, só foi outorgada competências para legislar sobre processo tributário à União, e não apenas de dispor sobre procedimentos e seus próprios tributos (art. 24, I, CF/88), lembrando que a locução dos art. 147 à 169 da Constituição Federal de 1988 fala de sistema tributário nacional, ou seja, pressupõe unidade, na dicção do Código Tributário Nacional, dentre outros diplomas, como assim o é a Lei nº 6.830/80. O critério de hierarquização constitucional das leis impõe, portanto, respeito, ao art. 21, I, da CF/88, que só contemplou ao Congresso Nacional disciplinar o direito processual, inclusive o tributário. Isto quer dizer que os atuais processos administrativos tributários dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios são questionáveis, porque incitam descompasso com o ordenamento jurídico constitucional sobre os fatos em tela. De outro giro, há quem argumente que o legislador constituinte, ao estatuir o art. 22, I, da CF/88, quis-se referir exclusivamente ao direito processual judicial, ou seja, que a expressão “direito processual” não abrangeria o orbe administrativo. Com o devido respeito às opiniões contrárias, a exegese única que se pode extrair do dispositivo em tela é mesmo aquele em que a Constituição não quis ressalvar o “direito processual” administrativo, porque, se diferente fosse, o constituinte falaria que caberia à União legislar sobre “direito processual judicial”; expressão que, efetivamente, não se encontra estampada na passagem daquele texto em específico, vez que a redação do legislador originário não fez acepção nem distinção entre tais sedes. Neste tópico, cite-se o Decreto n° 70.235/72, diploma que rege o processo administrativo de consulta e da exequibilidade dos créditos tributários da União, versando sobre a aplicação, no entanto, da legislação tributária federal, que, assim, não pode, pois, ser automaticamente aplicado ou estendido aos demais entes federativos. Na mesma situação está a Lei n° 9.784/89, que, não sendo nacional, regula apenas o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal direta e indireta, visando, à proteção dos direitos gerais dos administrados. Cuida-se de diploma que pode ser, subsidiariamente, aproveitado em processo tributário federal, mas que se junge à União, a exemplo do que se sucede com os programas de parcelamento ou refinanciamento de débitos tributários, denominados "REFIS", dos últimos anos. Já em um patamar jurídico diferente se encontra a Lei nº  6.830/80 que, ao dispor sobre a cobrança e execução judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, toca a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias, sem distinções. Como visto, deve o Congresso Nacional, por força de injunção de índole constitucional, aprovar lei complementar sobre “direito processual tributário” aplicável a todas as Fazendas Públicas do país, em cumprimento ao art. 22, I, da CF. Em derradeira análise, finaliza-se esse artigo com a ilação de que, enquanto estas normas gerais não são editadas pela União, o princípio da continuidade dos serviços públicos impõe que permaneçam em vigor e sejam eficazes as já existentes cartilhas de “direito processual tributário” adotadas pelos respectivos entes políticos. Conclusão Nesse despretensioso estudo, buscou-se fazer uma reflexão científica sucinta sobre a voracidade do Estado-fiscal, em cotejo com a necessidade de sofisticação do sistema de tutela dos direitos constitucionais do contribuinte, notadamente em razão do problema da inflação legislativa e do gigantismo público em matérias tributárias. Os bens dos indivíduos e das coletividades, tais como a vida, a liberdade e o patrimônio – material e imaterial – das pessoas, devem ser tomados dentro das categorias mais relevantes dos direitos naturais, e, hodiernamente, as Administrações Fazendárias vêm açodando direitos subjetivos públicos fundamentais das pessoas. Na construção do Direito Processual Público, o desenvolvimento da justiça fiscal cresceu mais no campo material que no campo formal e processual, sendo imperativo que o procedimento e o processo tributário sejam aperfeiçoados no Estado Democrático, tendo em vista a projeção de sua importância no campo da certeza, da razoabilidade e da segurança em que se permeiam as responsabilidades jurídicas. Neste trilho, o Brasil, que possui um das cargas tributárias mais pesadas do mundo e também um eficiente sistema de arrecadação de receitas, precisa crescer em sintonia com os princípios e os institutos constitucionais que protegem a propriedade privada e a liberdade no exercício das atividades econômicas. A agressividade das políticas públicas fiscais e a agenda jurídica tributária do Estado, então, não podem tornar-se ruinosas para o contribuinte, aniquilando, por consequência, a vida das empresas e dos demais setores produtivos do país. A dissolução para a atual crise enfrentada pelo Direito Tributário pátrio passa, por conseguinte, pelo reconhecimento da validade dos paradigmas constitucionais modulados pela Carta Suprema de 1988. O Brasil, além da adoção de uma série de medidas administrativas que visem a aprimorar a noção da justiça distributiva, precisa instrumentalizar um Direito Processual Tributário uniforme e nacional, para, ao menos, mitigar, os conflitos decorrentes dos contenciosos administrativos e judiciais que se amontoam nas prateleiras públicas. Para atender a este escopo, ao lado da criação de um Código Nacional de Defesa do Contribuinte e de outras providências pontuais, fica a conclusão de que o Estado só cumprirá função de realizar o princípio da dignidade humana se tomar a experiência de uma Justiça Constitucional em seus enunciados jusfundamentais.
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O protesto extrajudicial da certidão de dívida ativa da união e o atual entendimento do STJ
Este artigo visa analisar a relação entre dois direitos de grande importância e ambos tutelados constitucionalmente, direito à informação e direito ao sigilo, na relação do particular com o Estado Fisco. Nesse sentido, serão objeto de estudo a exigência de certidão de regularidade fiscal, a veiculação de restrições cadastrais em registros como CADIN, SPC e SERASA, bem como o atual e polêmico tema do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida ativa.
Direito Tributário
Introdução. Este artigo visa analisar a relação entre dois direitos de grande importância e ambos tutelados constitucionalmente, direito à informação e direito ao sigilo, na relação do particular com o Estado Fisco. Nesse sentido, serão estudados a exigência de certidão de regularidade fiscal, a veiculação de restrições cadastrais em registros como CADIN, SPC e SERASA, bem como o atual e polêmico tema do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida ativa. Particularmente quanto ao protesto extrajudicial de títulos de Certidões de Dívida Ativa pela Fazenda Pública, por falta de pagamento do crédito exequendo, será demonstrada a legalidade e constitucionalidade do instituto, eis que, além de contribuir consideravelmente para dinamizar e otimizar a cobrança de créditos públicos, está de acordo com o interesse público, posto que evita a propositura de execuções de valores antieconômicos, de modo a piorar, ainda mais, o volume de trabalho e a morosidade do Poder Judiciário e do Poder Executivo. 1. Noções gerais – direitos à informação e intimidade em sistemas de cadastro de créditos Antes de se abordar o tema central ao qual se propõe a presente atividade, que é o protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa (CDA) da União, faz-se importante tecer algumas observações centrais sobre os direitos e princípios envolvidos, bem como sua harmonia ou não com os textos legal e constitucional. Nesse contexto, dois direitos diretamente vinculados ao tema central proposto são a informação e o sigilo. O direito à informação é a regra em nosso sistema jurídico; a exceção é o sigilo, cabível apenas quando voltado à proteção de direitos de intimidade (na órbita privada) e de elevado interesse público ou de proteção da soberania estatal (no ramo público). Na Constituição Federal de 1988 (CF/88), o direito à informação está previsto de forma geral no artigo 5◦, inciso XIV, mas também é mencionado pelos incisos XXXIII, XXXIV, alínea “a”, e LXXII desse inciso[1]. Dois mecanismos que o particular dispõe para a tutela de informações a seu respeito à disposição do Estado são o manejo do Habeas Data e o exercício do direito de petição. Em sede infraconstitucional, esse direito é disciplinado em diversas leis, como a Lei n.◦ 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecido como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) (artigo 43, que trata do caráter público das entidades de proteção ao crédito e congêneres[2]), a Lei Complementar n.◦ 105, de 10 de janeiro de 2001 (que trata do sigilo das operações financeiras), a Lei Complementar n.◦ 104, de 10 de janeiro de 2001 (que versa sobre o sigilo fiscal), a Lei do Habeas Data, que é a Lei n.◦ 9.507, de 12 de novembro de 1997, a Lei n.◦ 9.492, de 10 de setembro de 1997 (que regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e documentos de dívida ativa inclusive a Certidão de Dívida Ativa (CDA), e, mais recentemente, a Lei n.◦ 12.527, de 18 de novembro de 2011, editada com o fim de permitir à população em geral acesso a informações de cunho público e particular. Por outro lado, o sigilo também é alvo de proteção, com o dever da Administração Pública e dos demais particulares de respeitarem a intimidade e a privacidade de alguém, o que está tutelado pela Carta Magna[3]. Um tema diretamente atrelado à informação e ao sigilo, já em matéria de cobrança de créditos, é a conjugação dos mesmos com outros valores e princípios de elevada relevância para a Nação, alguns, inclusive, fundamentos da própria República Federativa do Brasil, como o trabalho, a livre iniciativa e a ampla concorrência[4]. No âmbito tributário, aludidos princípios e direitos ganham uma conotação muito polêmica, posto que, de um lado, tem-se o direito e interesse do credor que busca a satisfação de seu crédito e, por outro, há um devedor que também tem o direito de continuar a exercer seu labor e de ter preservada sua intimidade. A questão se torna mais complexa quando envolve como credor o Estado Administração Pública. A exemplificar, tem-se a exigência da prova de quitação de tributos ou de regularidade fiscal. Nesse prisma, o jurista Célio Rodrigues da Cruz[5] defende que os limites constitucionais que condicionam tal exigência são os direitos fundamentais, que, como cláusulas pétreas de nosso sistema pátrio, não podem ser subjugados por tal exigência. Contudo, tal previsão não é taxativa, eis que devem ser sopesadas com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, como ensina o professor.  Os objetivos principais da aludida prova de quitação de tributos ou de regularidade fiscal são dois basicamente, quais sejam, atribuir preferências e garantias ao crédito tributário e preservar o interesse público, em sentido amplo ou qualquer outro interesse público. Nesse diapasão, a exigência de comprovação de quitação de tributos ou de regularidade fiscal pode servir como mecanismo de tutela do patrimônio público nas previsões contidas nos artigos 27 e 29 da Lei de Licitações, a Lei n.◦ 8.666, de 21 de junho de 1993, os quais exigem a prova de regularidade fiscal com a Fazenda Pública Federal como requisito de habilitação nas licitações.  Ainda no campo fiscal, a Fazenda Pública pode divulgar informações sobre inscrição em dívida ativa, eis que há expressa previsão legal nesse sentido no Código Tributário Nacional (CTN), precisamente no artigo 198, parágrafo 3◦, inciso II[6]. A respeito, o artigo 46 da Lei n.◦ 11.457/2007 prevê a possibilidade de a Fazenda Pública celebrar convênios para divulgar tais informações. Na mesma linha, o artigo 37-C da Lei n.◦ 10.522, de 19 de julho de 2002, trata dessa divulgação, mas em relação a dívidas de cunho não-tributário, para as Autarquias e Fundações Públicas Federais, no caso, a cargo da Advocacia-Geral da União (AGU). Veja-se que aludida divulgação, quando o débito já está definitivamente constituído e inscrito em Dívida Ativa, não implica qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade, mesmo porque a presunção de certeza e liquidez que o crédito então goza já lhe faz hábil a ser objeto de uma execução fiscal, regida pela Lei n.◦ 6.830, de 22 de setembro de 1980[7], quando então qualquer simples pesquisa nos sistemas de distribuição das Justiças Federal e Estadual já identificará a presença de ações em face do autuado ou contribuinte.  Com efeito, o registro de inadimplência de crédito da Fazenda Pública em banco de dados de proteção ao crédito é um meio legítimo. Aliás, quando o débito federal é definitivamente constituído e inscrito em Dívida Ativa, ele passa a constar de um Cadastro Federal de Inadimplentes, que é o CADIN, cadastro este de domínio público. Já em relação ao SPC e ao SERASA, trata-se de cadastros privados, com os quais o ente público não possui qualquer relação direta, tanto é que eventuais ordens judiciais para exclusão ou suspensão de certo devedor do CADIN são limitadas a esse cadastro, posto que, quanto aos demais, nada pode fazer o sujeito ativo. Na orientação pretoriana, vêm prevalecendo o entendimento segundo o qual a inserção do nome do devedor em banco de dados de proteção ao crédito, tais como SPC e SERASA, não viola a Constituição brasileira, e que a consulta a esses órgãos que armazenam dados sobre inadimplência é ato meramente informativo, de responsabilidade exclusiva das pessoas que buscam essas informações[8]. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[9]. Como já anotado e bem salientado no texto do professor Célio Rodrigues da Cruz[10], a legitimidade ou não da inclusão de débitos em bancos de dados de proteção ao crédito passa pela interpretação sistemática e teleológica dos direitos fundamentais que a Constituição assegura a todos os brasileiros: de um lado, o direito à informação e, de outro lado, o direito à intimidade e à privacidade. A interpretação desses princípios constitucionais deve ser feita em consonância com os fundamentos da República, sobretudo no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, à cidadania, à proteção ao consumidor e à livre iniciativa, mas tudo isso com o objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária. 2. Do protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa da União – previsão legal e entendimento jurisprudencial O protesto extrajudicial é uma medida adotada recentemente pela Administração Pública, com arrimo expresso no parágrafo único do artigo 1◦ da Lei n. 12.767, de 27 de dezembro de 2012, que alterou a Lei n.◦ 9.492, de 10 de setembro de 1997, que, entre outras providências, define a competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências.[11]. Todavia, a matéria ainda é alvo de controvérsias. Com efeito, a corrente contrária sustenta a prescindibilidade deste meio, eis que a CDA já desfruta dos atributos da certeza e da liquidez e a via ordinária de sua execução se dá pela LEF. Assim, estar-se-á usando dois mecanismos quando um só já é suficiente. Também se fala em violação do princípio da legalidade estrita e desvio de finalidade, porque a Administração Pública estaria constrangendo o particular, com mais um procedimento para coagir o pagamento. Nada obstante, esse estudo defende que não há qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade no instituto. Isso porque, além da referida expressa previsão legal, é imperioso ressaltar que a Fazenda Pública pode usar o protesto de seus créditos inscritos em dívida porque, embora a CDA goze dos atributos de certeza e liquidez, os quais só podem ser refutados mediante prova em contrário (presunção relativa), o protesto traz maior eficácia e eficiência na cobrança dos créditos públicos, bem como agilidade na obtenção de seu resultado primordial, que é o pagamento. Além disso, o protesto confere à cobrança maior publicidade e, assim, maior impacto na saúde financeira e econômica da empresa, cuja condição necessariamente é considerada pelos agentes de mercado em suas relações, bem como permite a cobrança mais célere, ágil e eficiente de créditos de pequenos valores. Frise-se que, na atualidade, não é rara uma decisão judicial que julga extinta a execução fiscal por “valor ínfimo”, ou mesmo, hodiernamente, o STJ está condicionando o procedimento de cobranças pagas indevidamente ao ajuizamento de ação ordinária e julgando extintos executivos fiscais propostos com esse fim. Acerca da economicidade trazida com o protesto, mister se faz citar o seguinte trecho de autoria da Procuradora Federal Renata Espíndola Virgílio[12]: “Assim, a medida serve como mais uma atuação sobre a pessoa do devedor, na tentativa de se chegar a um consenso com este, em especial nos casos de dívidas não muito altas, que ensejariam execuções fiscais antieconômicas, prestigiando o princípio da economia processual, pois a propositura de demandas judiciais desse tipo muitas vezes tem um custo maior que o próprio débito original e, em vista do devido processo legal, devem ser processadas pelo Judiciário, o que contribui, ainda mais, para o inchaço de sua estrutura. Nesse esteio, com fulcro em parte da Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 5.080, de 2009, conhecido como a Nova Lei de Execuções Fiscais, a qual ressalta que pela alta dose de formalidade de que se reveste o atual processo judicial de execução, este se apresenta como um sistema altamente moroso, caro e de baixa eficiência, uma vez que para cada R$ 1.000,00 (um mil reais) cobrados por essa sistemática, apenas R$ 10,00 (dez reais) são efetivamente arrecadados, segundo levantamento feito no âmbito das autarquias e fundações públicas, demonstrando-se, assim, que esse modelo executivo tradicional é avesso aos princípios da eficiência e da economia processual. Resta claro, pois, que a CDA não serve exclusivamente para aparelhar a execução fiscal, que, por sua vez, não é o único meio de a Fazenda Pública arrecadar seus créditos. A CDA é, sim, um título executivo que formaliza um crédito e, como tal, passível de ser protestado quando esta forma se mostrar mais eficiente que o ajuizamento de um processo executivo moroso e antieconômico. Ressalte-se, ainda, que a execução deve ser útil ao credor, como princípio informador desse processo, o que se depreende em diversos dispositivos do CPC, como o art. 659, § 2º [06], e art. 692 [07]. Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior, "é intolerável o uso do processo de execução apenas para causar prejuízo ao devedor, sem qualquer vantagem para o credor" [08]. Nesse sentido, o protesto das CDAs em diversos casos é muito mais viável e útil à credora Fazenda Pública, assim como ao próprio Poder Judiciário, do que o ajuizamento de diversas execuções fiscais de baixo valor, com grandes chances de serem infrutíferas. Outrossim, não se pode olvidar que na execução o princípio do menor sacrifício possível do executado, nos termos do art. 620, do CPC [09], ou seja, deve existir um equilíbrio entre os interesses do credor e do devedor, satisfazendo-se o direito do primeiro da forma menos prejudicial para o segundo, sendo, assim, "econômica". Desta feita, diante da existência do encargo legal, exação criada pelo Decreto-lei nº 1.025, de 1969, correspondente a um acréscimo [10] de 10% (dez por cento) – quando o pagamento for efetuado antes do ajuizamento da execução fiscal pertinente – ou de 20% (vinte por cento) – quando a quitação ocorrer após a propositura da ação – sobre o valor consolidado do débito inscrito em Dívida Ativa, bem como alterações na Lei nº 10.522/2002 pela Lei nº 11.941/2009 [11], é visível que o pagamento feito pelo devedor após o protesto da CDA, ocasião em que se cobra 10% de encargo legal, é muito menos oneroso ao devedor do que o valor que seria cobrado após o ajuizamento da execução fiscal, que viria acrescido de20% de encargo legal.” (com destaques no original) Cumpre ressaltar ainda que, previamente ao protesto extrajudicial da CDA, há obrigatoriamente um regular procedimento administrativo de constituição do débito, regulado pela Constituição e por leis. Ou seja, o contribuinte/autuado teve plena oportunidade de se manifestar, de ser ouvido, de ouvir, etc durante a fase administrativa; ainda, teve chances de quitar o débito ou mesmo de garanti-lo antes do protesto, quando cientificado do resultado final do procedimento administrativo e da inscrição em dívida. Logo, o protesto extrajudicial de créditos da Fazenda Pública não é uma surpresa para o sujeito passivo da obrigação; antes, é apenas a adoção de medidas mais legítimas e concretas para a satisfação do erário público. De fato, uma grande vantagem do protesto é mesmo a concretização de um princípio tão caro à Administração Pública, que é a eficiência, princípio previsto no artigo 37 da Lei Magna[13], ou seja, em tempo bem mais curto e menos oneroso o ente público obtém um resultado muito mais útil do que anos de um executivo fiscal que tramitará durante anos e com remotíssimas chances de êxito, além de implicar grande movimentação morosa e quase inútil de recursos financeiros e pessoais de dois poderes do País (o Executivo, por meio da Advocacia-Geral da União, e o Judiciário). Para finalizar, o protesto extrajudicial visa priorizar o interesse público sobre o privado e ser uma medida voltada para o bem de toda população, eis que a arrecadação visa arrecadar meios para as políticas públicas e também servir como mecanismo pedagógico de infratores. A respeito, veja-se a lição trazida pelo Procurador Federal Felipe Regis de Andrade Caminha[14], que explicita diversos pontos positivos do uso desse mecanismo: “(…) A utilização do protesto, contudo, antes do ajuizamento da execução fiscal, como visto acima (nota 9), mostra-se capaz de aumentar bastante a recuperação dos créditos públicos. Trata-se o protesto, dessa maneira, de mecanismo extremamente eficaz e célere, cuja implementação será extremamente benéfica à Fazenda Pública, interessada em arrecadar seus créditos. Por outro lado, também será essa providência bastante favorável ao Poder Judiciário, pois terá como reflexo direto e imediato uma queda vertiginosa na quantidade de execuções fiscais ajuizadas perante esse Poder, e que necessariamente tem de ser nele processadas. Ora, sendo a atividade administrativa, especialmente no que se refere à cobrança de seus créditos, uma atividade plenamente vinculada, não se pode supor que o Administrador possa abster-se de cobrar um determinado débito[11]. Assim, caso a obrigação de pagar reste descumprida pelo particular, necessariamente a Fazenda Pública inscreverá o crédito em dívida ativa, e, uma vez expedida a CDA, manejará o executivo fiscal, não sendo possível presumir qualquer outra conduta por parte do ente público. Contudo, caso seja a referida CDA levada a protesto, antes do ajuizamento da execução fiscal, e levando em consideração o alto índice de pagamento espontâneo nesses casos, tornar-se-á em muitas situações totalmente desnecessária a propositura de demandas executivas perante o Judiciário. Ainda mais quando se observa que em muitas hipóteses cuida-se de demanda de baixo valor[12] e com alto risco de ser infrutífero seu resultado. Evita-se, dessa maneira, para a Fazenda Pública e para o Judiciário, não só os gastos decorrentes da criação e movimentação de um processo, como também o natural repasse desses prejuízos para a sociedade, que certamente termina arcando em última análise com gastos totalmente desnecessários. É imprescindível levar em conta o princípio da utilidade da execução para o credor, que preceitua que essa ação não pode ser aviada em prejuízo ao devedor, sem qualquer proveito para o credor. Porém, o que se verifica é o descumprimento cotidiano desse princípio nos tribunais brasileiros, na medida em que se ajuíza um volume imenso de execuções fiscais, com um reduzido percentual de satisfação desses créditos. Não se pode deixar de mencionar também o desgaste sofrido pelo próprio devedor, que terá de submeter-se a uma demanda judicial, o que poderá gerar problemas financeiros e psicológicos. O pagamento espontâneo pelo devedor, como decorrência do protesto, além de afinar-se, com as devidas adaptações, ao princípio da menor onerosidade da execução[13], também permite a redução na cobrança do encargo legal. Tal se explica porque essa exação, criada pelo Decreto-Lei nº 1.025, de 1969, gera um acréscimo no valor cobrado de 20% (vinte por cento), caso o pagamento do débito ocorra após o ajuizamento da execução fiscal, sendo que esse quantum é minorado para 10% (dez por cento), quando essa quitação realiza-se antes do manejo da demanda executiva. Permitir o protesto de CDA significa, outrossim, abrir mais uma oportunidade para que o devedor, tomando outra vez conhecimento de seu débito, proceda ao pagamento espontâneo da dívida. Ou seja, é oferecida mais uma ocasião para a autocomposição das partes interessadas, impedindo o desnecessário abarrotamento do Judiciário com processos que poderiam ser resolvidos extrajudicialmente. Destarte, essa permissão do protesto da CDA pela Fazenda Pública, com a decorrente satisfação do crédito por iniciativa do devedor, põe termo a conflito que certamente seria submetido ao Judiciário, tudo isso em favor dos princípios da celeridade e efetividade.” A corroborar o acima exposto, Márcio Andre Lopes Cavalcante[15] também discorre sobre os posicionamentos do CNJ, de leis estaduais e da Procuradoria-Geral Federal, incumbida da defesa de Autarquias e Fundações Públicas Federais, a saber: “Conselho Nacional de Justiça O CNJ, reconhecendo as vantagens do protesto, recomendou aos tribunais estaduais a edição de ato normativo para regulamentar a possibilidade de protesto de CDA (102ª sessão plenária do CNJ realizada em 06.04.2010). Leis estaduais Diversos Estados aprovaram leis permitindo expressamente o protesto de certidões de dívida ativa. Como exemplos, cito Lei Estadual nº 13.160/08 (São Paulo) e a Lei Estadual n.° 9.876/2012 (Espírito Santo). Procuradoria-Geral Federal Em agosto de 2010, a Procuradoria-Geral Federal (PGF), órgão da Advocacia-Geral da União que representa judicial e extrajudicialmente autarquias e fundações públicas federais, celebrou convênio com o Instituto de Estudos de Títulos e Protestos do Brasil (IEPTB), por meio do qual se permite que a PGF encaminhe a protesto as certidões de dívida ativa das autarquias e fundações públicas federais sem o pagamento dos emolumentos prévios, que são cobrados apenas dos devedores. Os resultados dessas experiências têm sido impressionantes com uma altíssima capacidade de recuperação de créditos em curto espaço de tempo e com um mínimo de custo. O Procurador Federal Fábio Munhoz (MUNHOZ, 2012) informa que, reunindo todas as CDAs referentes a tributos de responsabilidade da PGFN, enviadas a protesto desde outubro de 2010 até junho de 2012, os números são os seguintes: a) 8.174 CDAs enviadas a protesto; b) 5.084 efetivamente protestadas; c) 2.257 pagas, das quais 2.013 em três dias; d) Em valores, R$ 20.078.663,56 enviados a protesto; e) Recuperados R$ 7.086.201,32, ou seja, 37,89% dos valores; f) R$ 6.484,065,99, o que equivale a 96,80% em três dias. Lei n.° 12.767/2012 Foi publicada ontem a Lei n.° 12.767/2012 que alterou a Lei de Protesto (Lei n.° 9.492/97), permitindo expressamente o protesto de certidões da dívida ativa. Confira: Art. 25. A Lei n.° 9.492, de 10 de setembro de 1997, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 1º …. Parágrafo único.  Incluem-se entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.” Desse modo, agora existe expressa previsão do protesto de CDA na Lei n.°9.492/97 de forma que se espera que, com a inovação legislativa, o STJ reveja seu entendimento e se sensibilize da necessidade e importância jurídica e social do protesto das certidões de dívida ativa, medida racional de recuperação de créditos e de desopilação do Poder Judiciário. Portaria 17/2013 (atualização do post em 10/02/2013) Diante da edição da Lei 12.767/2012, a Procuradoria Geral Federal disciplinou o protesto extrajudicial por falta de pagamento de certidões de dívida ativa das autarquias e fundações públicas federais. Trata-se da Portaria 17/2013. Confira: PORTARIA Nº 17, DE 11 DE JANEIRO DE 2013 Disciplina a utilização do protesto extrajudicial por falta de pagamento de Certidões de Dívida Ativa das autarquias e fundações públicas federais. O PROCURADOR-GERAL FEDERAL, no uso da competência de que tratam os incisos I e VIII do § 2º do art. 11 da Lei nº 10.480, de 2 de julho de 2002, considerando o disposto no processo administrativo nº 00407.004122/2009-49, bem como o parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.492/97, acrescentado pela Lei nº 12.767/2012, resolve: Art. 1º As Procuradorias Regionais Federais, Procuradorias Federais nos Estados, Procuradorias Seccionais Federais e Escritórios de Representação poderão encaminhar para protesto extrajudicial por falta de pagamento, no domicílio do devedor, as certidões de dívida ativa das autarquias e fundações públicas federais cujo valor consolidado seja inferior ou igual a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). § 1º Para os fins do estabelecido no caput, as certidões de dívida ativa serão enviadas aos Tabelionatos de Protesto de Títulos juntamente com as respectivas guias de recolhimento da União – GRU, por meio eletrônico, até o décimo quinto dia de cada mês. § 2º Após a apuração da atualização mensal dos valores de cada crédito, caberá às Procuradorias Regionais Federais, Procuradorias Federais nos Estados, Procuradorias Seccionais Federais e Escritórios de Representação encaminhar aos Tabelionatos novas CDAS e as GRUs discriminativas da alteração. § 3º Os títulos parcialmente quitados poderão ser levados a protesto pelo saldo. § 4° As certidões de dívida ativa que contenham no valor consolidado do crédito encargos legais no percentual de 20% (vinte por cento) serão levadas a protesto com redução do percentual para 10% (dez por cento), na forma do artigo 3° do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977. Art. 2º O protesto somente será realizado junto aos Tabelionatos de Protesto de Títulos nos quais não seja necessário o pagamento antecipado, ou em qualquer outro momento, de despesas pela entidade protestante. Art. 3º Havendo pagamento, os valores serão convertidos em renda das autarquias ou fundações públicas federais através das respectivas GRUs. Art. 4° As certidões de dívida ativa permanecerão por 180 dias, contados da intimação do devedor, aguardando o correspondente pagamento. Parágrafo único. Somente ocorrerá o cancelamento do protesto após o pagamento total da dívida ou o seu parcelamento, incluídas as custas e emolumentos cartorários. Art. 5º Sendo inexitoso o protesto, as Procuradorias Regionais Federais, as Procuradorias Federais nos Estados, as Procuradorias Seccionais Federais e os Escritórios de Representação promoverão, quando for o caso, o ajuizamento das respectivas execuções fiscais. Art. 6º A Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da Procuradoria-Geral Federal expedirá as orientações necessárias ao cumprimento desta Portaria. Art. 7º Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação. MARCELO DE SIQUEIRA FREITAS (Publicação: DOU Eletrônico, 18/01/2013).” Entretanto, o assunto não é pacífico no entendimento doutrinário e jurisprudencial. O STJ, antes do advento da Lei n.◦ 12.767/2012, posicionava-se no sentido da falta de interesse que justificasse o protesto, pois a CDA já tem a presunção relativa de certeza e liquidez e já serve como prova pré-constituída. Mesmo com a mudança legislativa, a Corte manteve esse posicionamento. Todavia, em interessante e importante mudança de posicionamento, o STJ passou a admitir o protesto extrajudicial da CDA, consoante se depreende da notícia veiculada no sítio eletrônico do Tribunal em 05 de dezembro de 2013[16], senão vejamos: “DECISÃO Segunda Turma muda jurisprudência e admite protesto de CDA A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admitiu o protesto de Certidão da Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial da Fazenda Pública utilizado para o ajuizamento de execução fiscal. A decisão, unânime, altera jurisprudência sobre o tema.  A possibilidade de protesto de CDA foi analisada no julgamento de recurso do município de Londrina, que questionava decisão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) no sentido de que seria vedado o protesto de títulos que não fossem cambiais.  Pacto Republicano O ministro Herman Benjamin, relator do recurso, afirmou que a Lei 9.492/97 ampliou as espécies de documentos de dívida que poderiam ser levadas ao protesto, o que incluiu a CDA. Acrescentou que, após alteração sofrida com a edição da Lei 12.767/12, passaram a constar expressamente entre os títulos sujeitos a protesto as Certidões de Dívida Ativa da União, dos estados, do Distrito Federal, dos municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas.  O ministro afirmou ainda que a permissão de protesto da CDA está de acordo com os objetivos do “II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”, publicado em 2009.  Além disso, lembrou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) considerou legais atos normativos das corregedorias dos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de Goiás que permitiram a inclusão da CDA entre os títulos passíveis de protesto.  Escolha da administração Na disciplina jurídica em vigor, segundo Herman Benjamin, o protesto possui dupla natureza: além de tradicional meio de prova da inadimplência do devedor, constitui relevante instrumento de cobrança extrajudicial. Ele acrescentou que a Lei 6.830/80 apenas regulamenta a atividade judicial de recuperação dos créditos públicos, e não veda a adoção de mecanismos extrajudiciais para essa finalidade.  O ministro esclareceu que a CDA não pode ser comparada à constituição do crédito tributário, pois não surge por ação unilateral da administração. Ao contrário, a inscrição em dívida ativa, que justifica a emissão da CDA, pressupõe a participação do devedor, seja por meio de impugnação e recurso administrativo contra o lançamento de ofício, seja pela entrega de documento de confissão de dívida.  Quanto à opção política da administração pelo protesto como ferramenta de cobrança extrajudicial, Herman Benjamin afirmou que o Poder Judiciário deve se ater a verificar sua conformação ao ordenamento jurídico, pois não lhe cabe analisar o mérito da escolha.”  Destarte, verifica-se que o protesto extrajudicial da CDA ainda é um tema controvertido. Porém, a recente alteração de julgamento do STJ parece e, espera-se, reflita o entendimento a ser definitivamente consagrado na Corte, de modo a afastar futuros questionamentos sobre esse mecanismo e primar pela eficiência, celeridade e otimização na cobrança e arrecadação de crédito públicos. Conclusão Ante o exposto, conclui-se que o protesto extrajudicial de títulos de Certidões de Dívida Ativa pela Fazenda Pública, por falta de pagamento do crédito exequendo é plenamente possível, legal e constitucional o protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA). Com efeito, além de ser uma medida benéfica para a Administração Pública como um todo, já que contribui consideravelmente para dinamizar e otimizar a cobrança de créditos públicos, está de acordo com o interesse público, posto que evita a propositura de execuções de valores antieconômicos, de modo a piorar, ainda mais, o volume de trabalho e a morosidade do Poder Judiciário e do Poder Executivo.
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Inconstitucionalidade do protesto de certidão de dívida ativa
Este trabalho, referente do Direito Notarial e Registral, discorrerá sobre a conceituação e a finalidade do protesto e da Certidão de Dívida Ativa (CDA), cujo escopo é levar a uma reflexão acerca da inviabilidade jurídica do protesto da CDA, que tem sido paulatinamente realizado pelos entes políticos, haja vista a possibilidade de princípios constitucionais, como o Princípio da Legalidade e da Dignidade da Pessoa Humana, estarem sendo violados; razão pela qual os tribunais e a doutrina vêm discutindo sobre sua legitimidade. O presente irá abordar alguns dos argumentos suscitados sobre o assunto como o desvio de finalidade pela adoção dessa medida extrajudicial como medida de cobrança ao invés de meio de prova, da mesma maneira sobre a caracterização de tal prática àquilo que a jurisprudência entende por sanção política. Finalmente, trar-se-á ainda à lume a questão da incompetência dos tabelionatos de protesto para protestar CDAs, tendo em vista a indelegabilidade da competência de arrecadar tributos a pessoas jurídicas outras que não os entes federados; sem deixar de fazer uma relevante observação sobre a reserva de lei complementar às normas gerais em matéria tributária.
Direito Tributário
Introdução O tema do estudo será acerca da inviabilidade constitucional de se protestar Certidão de Dívida Ativa (CDA). Com o intuito de concretizar o objetivo proposto foram feitas leituras junto a obras doutrinárias, a trabalhos publicados, a revistas e à jurisprudência dos tribunais pátrios (abordagem bibliográfica), buscando apreciar a realidade do tema no ordenamento jurídico brasileiro (abordagem qualitativa), descrevendo, explicando, interpretando e classificando o problema apresentado (abordagem descritiva), além de aprimorar as idéias através de informações sobre o tema em foco (abordagem exploratória). Há tempo que as Fazendas Públicas buscam protestar CDAs como meio mais eficaz e menos oneroso de obterem o pagamento das dívidas que lhes são devidas. No entanto, existe grande controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca dessa viabilidade jurídica. De um lado, dentre vários argumentos, alega-se a possibilidade jurídica do protesto de CDA, tendo em vista vários princípios como o Princípio da Legalidade; de outro lado, argui-se sua impossibilidade jurídica por trata-se de um desvio de finalidade. Antigamente, sustentava-se por demais a ilegalidade do protesto de uma CDA, tendo em vista a falta de previsão de uma lei federal (art. 22, inc. xxv, CF) autorizando a adoção de tal medida extrajudicial; motivo pelo qual ainda eram tímidas as atuações fazendárias em adotá-la. No entanto, com o advento da Lei 12.767 de 2012, cuja publicação ocorreu quase às vésperas do Ano Novo, foi incluído o parágrafo único ao artigo 1º da Lei 9.492/97, suprindo àquela falta de expressa e específica previsão legal, permitindo o protesto das Certidões de Dívida Ativa dos entes Federados e das respectivas autarquias e fundações públicas. Entrementes, existem diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça alegando falta de interesse fazendário ao protestá-las. A discussão acerca do objeto deste trabalho é tão grande que o ministro do STJ, Herman Benjamin, serviu-se do art. 543-C do CPC, que possibilita a suspensão dos recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito. O assunto posto, como já se pôde notar, foi escolhido pelas grandes cizânias doutrinárias e jurisprudenciais, gerando, por conseguinte, insegurança jurídica a todos, visto que não existe entendimento uníssono a respeito da possibilidade jurídica do protesto de CDA. Este trabalho tem o propósito de explorar os argumentos suscitados pelos operadores do direito a fim de concluir-se pela inconstitucionalidade do protesto de CDA.  Vale ressaltar que apesar do recentíssimo julgado do STJ, referente ao processo acima mencionado, de relatoria do Min. Herman Benjamin (REsp 1126515), no sentido de decidir, por unanimidade, ser legal o protesto de Certidão da Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial da Fazenda Pública usado para ajuizar execução fiscal, essa decisão, unânime, SOMENTE altera a jurisprudência dessa Corte Superior sobre o tema, MAS NÃO a jurisprudência DA CORTE SUPREMA, vez que tal decisão é passível de recurso perante o  Supremo Tribunal Federal por violar o art. 5º, inc. LIV, da CF/88. 1 Conceito, objeto e finalidade do protesto Segundo o art. 1º da Lei 9.492/97, protesto “é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida”. Em suma, o protesto é a afirmação solene (decorrente de um procedimento legal) em ato público de um tabelião com o escopo de provar a inadimplência e o descumprimento, vinculados respectivamente à obrigação de dar, fazer ou não fazer e à obrigação de pagar, originados em títulos de crédito ou outros documentos de dívida. Nesse sentido é o entendimento de Ceneviva (2007, p.92): “O dispositivo faz menção a dois outros termos de significado semelhante: descumprimento e inadimplência. Tanto o primeiro quanto o segundo correspondem à não satisfação, pelo obrigado, do modo, do tempo e do lugar pelos quais se comprometeu. A lei os distinguiu, vinculado o primeiro (descumprimento) à obrigação de fazer ou de não fazer, e o segundo (inadimplemento) à obrigação de pagar” (grifo nosso). Acertadamente faz tal distinção das expressões, porém é preciso cautela para não pensar que o protesto se destina para o descumprimento de obrigação de fazer, não fazer ou dar coisa diversa de dinheiro. Só será possível, no caso de documento de dívida impositivo de obrigação que não seja de pagar, se for previsto expressamente nele que compete ao credor a opção de substituição da obrigação primária por uma pecuniária e que ao levar a protesto assim opte (na omissão do contrato, tal opção cabe ao devedor – art.252, CC). Senão, o dispositivo estar-se-ia contradizendo ao colocar as expressões “títulos” e “documentos de dívida”, pois ambos aludem a “dinheiro” no sentido de crédito líquido, certo e exigível. Conforme a uníssona doutrina, aqueles são os títulos de crédito que dizem respeito a títulos executivos, assim caracterizados por serem créditos líquidos, certos e exigíveis (art.586, CPC) e estes se referem a documentos que, pela doutrina majoritária, dizem respeito apenas a documentos que consubstanciam “dinheiro” (crédito) líquido (objeto determinado), certo (prova da existência da obrigação) e exigível (vencido). Pode-se dizer que a função basilar do protesto, portanto, é provar a não satisfação de obrigação pecuniária ou conversível e de fato convertida em pecúnia pelo descumprimento obrigacional, constituindo o devedor em mora. No entanto, há outras funções, mas as principais e que não desnaturam a natureza elementar do protesto são as que visam à interrupção da prescrição (art. 202, III, CC e Lei 9.492/97) ou à munição do credor de prova da falência do devedor (art. 94, I, Lei 11.101/2005). 2 Conceito e finalidade da Certidão de Dívida Ativa Nos termos do art. 39, “caput” e § 1º, da Lei 4.320/1964, Dívida Ativa “são os créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, escriturados como receita do exercício em que forem arrecadados, nas respectivas rubricas orçamentárias”, exigíveis pelo decurso do prazo para pagamento, isto é, por Termo de Inscrição, em registro próprio, após averiguada sua liquidez e certeza. A CDA, por sua vez, segundo o art. 585, VII, do CPC, é um título extrajudicial que retrata aquele crédito fazendário regularmente inscrito na forma da lei, ou seja, após o devido processo legal mediante notificação do sujeito passivo pela autoridade fazendária (arts. 142 e 145 do CTN), sendo-lhe assegurado o contraditório. É por isso que o art. 204 do CTN estabelece que a dívida regularmente inscrita, isto é, após o devido processo legal, goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída. Sendo assim, por ser um crédito líquido, certo e exigível, trata-se de um título com força executiva, ou seja, que tem aptidão para servir de prova para a execução. 3 Desvio de finalidade Conforme já exposto, a função basilar do protesto é provar a impontualidade e o inadimplemento do devedor, constituindo-o em mora. Já a da CDA, não é constituí-lo em mora, mas executá-lo, pois a Dívida Ativa da Fazenda Pública abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato (art. 2º, § 2º, da L 6.830/80); revelando a desnecessidade de realizar o protesto para o fim específico de constituí-lo em mora, sendo a mera ausência do recolhimento na data do vencimento já configuração da mora (art. 202, II, do CTN). Resulta daí que falta interesse do Fisco protestá-la previamente para poder proceder à execução. Nesse sentido era o entendimento do STJ, muito recentemente modificado com a publicação de acórdão em 13.12.2013: “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA – CDA. PROTESTO. DESNECESSIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afirmado a ausência de interesse em levar a protesto a Certidão de Dívida Ativa, título que já goza de presunção de certeza e liquidez e confere publicidade à inscrição do débito na dívida ativa. […]”. (AgRg no Ag 1.316.190/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteve Lima, 1ª Turma, j. de 17/05/2011,  Dje de 25/05/2011). Na mesma linha da jurisprudência do STJ, vale a pena colacionar o julgado do TRF da 4ª Região, pois, malgrado possuam o mesmo significado, complementam-se, não deixando margem a dúvidas quanto à impossibilidade jurídica de protestar uma Certidão de Dívida Ativa, sob pena de haver desvio de finalidade do instituto do protesto, ora previsto no art. 1º da Lei 9.492/97: “ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE DÍVIDA CONSTANTE DE CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. DESNECESSIDADE DA MEDIDA, ANTE A PRESUNÇÃO DE CERTEZA E LIQUIDEZ DO DOCUMENTO. 1. Se a CDA comprova o inadimplemento do débito fiscal, gozando inclusive de presunção de certeza e liquidez, não há sentido em admitir que ela seja levada a protesto, porque a finalidade deste, nos termos do art. 1º, da Lei 9.492/1997 é a prova do inadimplemento e o descumprimento da obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. 2. A única forma de se cobrar a dívida fiscal é por meio de execução fiscal e, para tanto, basta que a Fazenda Pública instrua a petição inicial executiva com a CDA. Assim, o protesto não se enquadra no procedimento legal previsto para a cobrança da dívida ativa”. (AC 2007.70.15.002401-8/PR, 4ª Turma, j. de 12/05/2010, Dje de 01/06/2010, grifo nosso). O que ambos os acórdãos estão dizendo é que não há razão para protestar uma CDA com a fim de provar o inadimplemento e o descumprimento de dívida se ela por si só já prova essas mesmas coisas. Não há motivo, portanto, para que a Fazenda Pública, por exemplo, sirva-se do protesto para constituir alguém em mora através da prova da não satisfação de uma dívida líquida, certa e exigível, se a CDA já traz consigo a constatação da mora, razão pela qual só lhe resta executar o devedor, fim precípuo para o qual foi destinado a Certidão da Dívida Ativa; sob pena de desvirtuar a finalidade prevista pela Lei do Protesto. Não há, mais uma vez, interesse em protestá-la, a menos que o pretexto seja outro, no caso a cobrança indireta dos débitos inscritos na CDA. O escopo dos credores não é utilizar o protesto para provar o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida, mas solucionar o conflito de interesses mediante o recebimento do débito. Malgrado o protesto gere, muitas vezes, o pagamento das dívidas, isso não significa que essa seja a sua finalidade, pois não o é por força do art. 1º da Lei 9.492/97. Os insucessos e ineficiências das execuções fiscais não podem ser escusas para a prática de ilegalidades, como o desvio de finalidade, sob pena de violar aquela máxima moral que existe no Direito, em contraposição aos pensamentos de Maquiavel: “Os fins não justificam os meios”. Desse modo, não poderia ser admitido que em nome da Eficiência (art. 5º, LXXVIII, CF), da Economia Processual (art. 105, CPC c/c o art. 5º, inc. LXXVIII, CF), da Menor Onerosidade ao Devedor (art. 620, CPC) e da Utilidade do Processo de Execução ao Credor (arts. 659, § 2º e 692 do CPC), fosse violado o Princípio da Legalidade, primado do Estado de Direito e da harmonia social por intermédio da prática execrável do desvio de finalidade. Se ao particular o Princípio da Legalidade determina que a ele é permitido fazer tudo o que não for defeso em lei, especialmente se servir do protesto como forma de coerção indireta para o pagamento de dívida, o mesmo não se pode afirmar para a Administração Pública Direta e Indireta. Nesse sentido é pensamento de Hely Lopes Meirelles (1996, p. 82): “[…] a legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade […], conforme o caso.” Deve então o Poder Público sempre se pautar no interesse público determinado em lei, atentando-se para a finalidade legal dos institutos; ainda que busque o interesse público, não poderá atuar fora dos “trilhos” delineados e impostos pelas disposições legais. O uso do protesto para cobrar dívida inscrita na CDA, ao invés de constituir o devedor em mora através da prova da não satisfação creditícia, implica desvio de finalidade por exercer o papel de cobrança da própria CDA, o que encontra amparo nas palavras de Bandeira de Mello (2012, p. 109) ao asseverar que o Princípio da Finalidade está contido no da Legalidade, pois aquela se efetiva na aplicação da lei tal como se encontra, mas não de modo “ipsis litteris”, mas de modo a conformar as normas à razão de ser pelas quais foram editadas, isto é, de modo a conformá-las à sua finalidade legal. Sendo assim, não é válido então o argumento de que é possível o protesto da CDA sob a justificativa de que do art. 1º da Lei 9.492/97 não se pode extrair regras no sentido de essa certidão ser usada apenas para aparelhar a execução fiscal, pois se deve interpretar o dispositivo legal de modo a compatibilizá-la com a finalidade para a qual foi editada a norma, fim esse já explanado: provar a mora do devedor (inadimplemento ou descumprimento). É de bom alvitre salientar que o recentíssimo entendimento do STJ em julgado publicado em 13.12.2013, quase às vésperas do recesso forense, simplesmente desconsiderou a enorme gama de ponderações aqui mencionadas, já que, seguindo o velho postulado jurisdicional de que não compete ao julgador rebater todas as argumentações trazidas pelos “contestantes” para proferir uma decisão, bastando simplesmente fundamentar o seu “decisum”. Assim agindo, a Corte Superior deu-se por satisfeito em apenas visualizar a polêmica em questão sob um foco bastante simplista no sentido de declarar que o protesto de CDA é válido, pois será melhor aos cofres públicos (sob o fundamento de se tratar de mera escolha administrativa), à celeridade processual e ao desbaratamento do abarrotamento de causas a serem julgadas pelo Judiciário (conforme os objetivos do II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo).  Ora, uma escolha política, também denominada pelo mundo jurídico de escolha da Administração, por ser considerado uma questão discricionária, não inviabiliza sua submissão ao controle de legalidade quando tal escolha viola o Devido Processo Legal, isto é, a Razoabilidade ou Proporcionalidade, conforme se pode aferir de precedentes do STF como é o caso do RE 440028 (j. 29.10.2013), em que o relator salientou ser essencial o controle jurisdicional de políticas públicas para a concretização dos preceitos constitucionais, destacando três requisitos para viabilizar ação fundadas em mandamentos constitucionais, sendo um deles a RAZOABILIDADE no sentido da necessidade de prova da omissão ou prestação deficiente IRRAZOÁVEL pela Administração Pública, deixando assim injustificável tal comportamento administrativo. Nessa mesma linha de raciocínio é o acórdão do STJ no REsp 429570 (j. 11.11.2013), onde consta, “ipsis litteris”, na ementa do acórdão, que “Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo”. Ainda disse expressamente que o Judiciário não mais se restringe a analisar os aspectos extrínsecos da Administração, pois pode analisar, ainda, as razões de oportunidade e conveniência, haja vista serem essas razões deverem observar critérios de moralidade e RAZOABILIDADE. A fim de que não paire dúvidas acerca de ser possível o controle de legalidade pelo Judiciário das escolhas discricionárias da Administração, é bom lembrar o trecho do voto do relator Min. Arnaldo Esteves Lima no REsp 866612 (j.25.10.2007), onde está salientado “ipsis litteris” que “Ao Poder Judiciário não cabe discutir o mérito do julgamento administrativo em processo disciplinar, mas, por outro lado, compete-lhe a análise acerca da PROPORCIONALIDADE da penalidade imposta, nos termos de farto entendimento jurisprudencial".Só a título de selar de qualquer argumento contra o que aqui se propõe sobre o controle judicial referidas escolhas discricionárias nunca é exagero sobressaltar, no RE 24699 (j. 30.11.2004), o entendimento do STF no sentido de que o controle jurisdicional deve incidir sobre os elementos do ato discricionário (motivos, causa e finalidade) à luz dos princípios regedores da atuação da Administração (como o da Moralidade e Proporcionalidade). Consequentemente, diante das explanações acima, o fundamento da decisão colegiada da Corte Superior de que é legal o protesto de CDA por proporcionar um processo mais célere, indo ao encontro dos objetivos do II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo, NÃO É RAZOÁVEL e, por conseguinte, NÃO É LEGAL, pois esse fundamento judicial não deve ser sinônimo de irresponsabilidade, ou seja, de DESPROPORCIONALIDADE e INJUSTIÇA, como se pode aferir das explicações anteriores corroboradas pela jurisprudência pátria. 4 Sanção política Há tempo que a Fazenda Pública vem se utilizando das chamadas sanções políticas, assim entendidas como meios coercitivos indiretos de cobrança de tributo, as quais são tão vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro e abominados pelos tribunais pátrios de modo uníssono. Pode-se trazer à lume vários exemplos dessas práticas execráveis, como a inscrição do devedor tributário em Cadins (cadastros informativos de créditos não quitados do setor público), SPCs (Serviço de Proteção ao Crédito) e SERASA, o protesto de Certidão de Dívida Ativa (CDA) para cobrar Dívida Ativa, a exigência da prova de quitação de créditos tributários como condição para participar da habilitação e licitação promovida por órgãos da Administração Pública (Adin 173), a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (súmula 323, STF), a indisponibilidade universal de bens (art. 185-A, § 1º, CTN), a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para recolhimento de tributo (súmula 70, STF) e a proibição pelo Fisco de o sujeito passivo em débito exercer suas atividades profissionais e despachar mercadorias nas alfândegas (súmula 547, STF). É bastante salutar frisar o entendimento do Supremo Tribunal Federal para que não haja receios dos magistrados em firmar a compreensão da inconstitucionalidade do protesto de CDA, ressaltando para isso os seguintes dizeres expressos neste julgado (ADI 173/DF), que vem a ratificar muitas outras decisões colegiadas dessa Suprema Corte: “CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR.1º A 3º, E ART. 2º.[…] 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido A PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL ÀS SANÇÕES POLÍTICAS, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável.” Apesar da clareza solar do ordenamento e da jurisprudência pátrios no sentido de vedar as sanções políticas, o legislador ordinário e as autoridades fiscais têm insistentemente implementado meios normativos violentos para suprir as deficiências do processo fiscal regido pela Lei 6.830/80, buscando dar vazão à sede arrecadatória do Fisco. Grande parte dos sujeitos passivos, coagidos de forma inconstitucional e ilegítima, cedem à arbitrariedade da Fazenda Pública de modo a não fazer uso da ampla defesa e do contraditório, bem como até chegam a pagar montante superior ao devido. O Fisco vem alegando a constitucionalidade do protesto da Certidão de Dívida Ativa a todo custo, sob diversos argumentos. Alega, por exemplo, que as normas processuais e o Poder Judiciário têm buscado, com uma maior intensidade, assegurar uma justiça mais célere (art.5º, LXXVIII,CF), pois a população brasileira se tem conscientizado que justiça tardia não é justiça, senão injustiça. Essa idéia de que o processo moderno deve primar pela efetividade a qualquer custo, não pode servir de desculpa para a inércia do Judiciário e do Poder Legislativo a ponto de pretender-se “colocar por terra” os princípios constitucionais que visam a garantir a proteção dos direitos e garantias fundamentais que impedem os devidos de finalidade, pelos quais há anos se tem lutado com tanto afinco, principalmente em um país que passou mais de quinze anos de ditadura militar. Alega ainda que protesto prévio da CDA como medida extrajudicial de arrecadação fiscal implica uma arrecadação tributária bem mais superior do que a pura execução fiscal conforme têm demonstrado diversas pesquisas (como as elaboradas pelo Instituto de Estudos de Protestos de Títulos do Brasil – IPTB), o que viabilizaria um melhoramento significativo na qualidade de vida da população, pois sendo os impostos efetivamente recebidos e no espaço de tempo de até três dias, haverá como melhor planejar os investimentos e buscar um serviço público de maior qualidade e eficiência. Argumenta ademais que isso é consagrar de fato o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular. No entanto, não é adotando a máxima maquiavélica de que os fins justificam os meios que se preservará o Estado de Direito, expressão basilar do Princípio da Legalidade em detrimento daquela idéia, “mutatis mutandis”, de que o rei está acima da lei (“THE KING CAN DO NO WRONG”); sob pena de não haver nenhuma distinção entre o legal e o arbitrário, pois o que é ilegal hoje, amanhã poderá ser legal segundo a simples vontade pessoal da Administração Pública. Aduz também que, em estrita obediência ao Princípio da Menor Onerosidade ao Executado (art. 620, CPC) e ao Princípio do Melhor Interesse ao Executante (arts. 659, § 2º e 692 do CPC), é inadmissível o uso do processo executório somente para causar dano ao executado, sem qualquer vantagem para o credor (JÚNIOR, 1999, p. 55); de modo que é muito mais razoável se, antes de proceder ao moroso, desgastante e custoso processo de execução, apelar para o protesto da CDA como tentativa de as partes chegarem a um consenso. Entrementes, tal assertiva não deve prosperar, pois o protesto traz em seu bojo um grave presságio de dano decorrente do inerente repasse da relação dos protestos tirados, constantes nos livros dos tabeliães, às entidades vinculadas àquelas de proteção ao crédito e às representativas da indústria e do comércio (art. 29, “caput” c/c § 2º, L 9.492/97), ou seja, uma vez ultimado o protesto, isso trará uma séries de dificuldades na vida negocial do devedor no que tange, por exemplo, à aquisição de produtos de fornecedores, à obtenção de créditos no mercado, bem como à impossibilidade de participar de licitação (Adin 173).
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Direito de resistência versus dever fundamental de pagar tributos
O presente artigo tem a finalidade central de discutir as noções de direito de resistência, principalmente em sua forma de desobediência civil, aplicadas ao âmbito tributário. De forma alguma tentou-se aqui afastar a noção basilar de obrigatoriedade da norma, porém desvendar os contornos em que pode se dar a incidência da obrigação de pagar tributos diante de direitos fundamentais. Firme-se que outras formas de resistência, como revolução, guerra, objeção de consciência e greve foram afastadas. Realizou-se, principalmente, pesquisa histórica para determinar a evolução dos conceitos de direitos fundamentais e direito de resistência e pesquisa teórica para marcar a compreensão do fenômeno da resistência tributária. A conclusão a que se chegou firma os limites da norma tributária: os direitos fundamentais do indivíduo. Toda lei de ordem tributária que tenha como conseqüência direta ou indireta a constrição do patrimônio individual encontra limites na dignidade da pessoa humana – princípio fundante, no aspecto aqui desenvolvido, dos direitos de propriedade e livre iniciativa.
Direito Tributário
Introdução Após a Segunda Guerra Mundial, e ao longo de todo o século XX, processou-se um movimento que recebeu por prefixo um neo que a tantos movimentos contemporâneos se apõe. Trata-se do chamado Neoconstitucionalismo. Como marco histórico, tem-se as constituições de cunho democrático que se seguiram à guerra: a da Alemanha (1949), a da Itália (1947) e, mais adiante, os processos de redemocratização e reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978). Esses exemplos são apenas da Europa – palco principal da Segunda Guerra Mundial. Barroso (2004) atribui grande relevo a esse momento histórico. À derrocada do nazi-fascismo liga à do positivismo jurídico. A vez do Brasil de entrar nessa nova ordem ocorre em 1988, com a promulgação da Constituição da República.   Se na Europa se espraiava desde meados do século passado o novo papel assumido pela Constituição – com viés eminentemente democrático –, o ambiente político brasileiro não permitia que esses influxos aqui chegassem mais cedo. Para a Europa, o marco histórico foi o fim dos governos de extrema direita; para o Brasil, o fim do governo de exceção dos militares. Em síntese, o que se chama por Neoconstitucionalismo é, em verdade, movimento ainda difuso de revalorização do papel do direito constitucional no ordenamento jurídico pátrio, uma nova ordem, em que a norma se subdivide. Troca-se a identificação entre lei e norma, própria do positivismo jurídico, pela noção de que ela é, ao um só tempo, regra e princípio.  O pós-positivismo é a escola filosófica a subsidiar o processo de Neoconstitucionalismo. O escopo deste passo é revelar o papel dos princípios nessa nova ordem normativa. Como é cediço, rejeita-se aqui o formalismo jurídico – marca principal do positivismo – para se valorizar métodos de raciocínio menos restritos, como a ponderação e a teoria da argumentação. O estudo neste âmbito se desenvolve para demonstrar o papel de destaque atribuído hodiernamente aos chamados princípios instrumentais da Constituição. Não são eles positivados, mas mostram grande participação na defesa dos direitos fundamentais. O passo seguinte é, em parte, complemento ao estudo dos direitos fundamentais. Não há de se falar em complexo de direitos fundamentais dissociados de deveres. Cuida-se, dessa arte, de buscar uma definição aproximada para o dever fundamental de pagar tributos. A questão aqui se associa a outra: o poder de tributação. Instaura-se, então, a tensão que marca o presente estudo: direito de resistência versus dever fundamental de pagar tributos. A resistência, em perspectiva histórica, é sucedida por colheita da lavra de grandes teóricos do tema, como Thoreau, Bobbio, Dworkin e Rawls. A resistência tributária, como se verá repisado, é reação a espaço desmesuradamente aberto nos direitos fundamentais. No capítulo derradeiro, cuida-se da legitimidade desse direito de resistir às leis tributárias atentatórias de direitos fundamentais. 1 Poder de tributar e dever fundamental de pagar tributos Na construção do conceito de “liberdade fiscal”[1], Torres (1995) ensina que, no Estado Patrimonial, a liberdade se dava via estamento ou corporação. Nesse período, a sociedade se mostra fracionada entre realeza, senhorio e igreja. Os estamentos de maior influência – notadamente a nobreza e o clero – são livres, pois não se subordinam à fiscalidade do príncipe, senão excepcionalmente. No Estado de Polícia – já no Absolutismo esclarecido –, a centralização política e o crescimento da burguesia dão contornos diferentes à liberdade. Aqui, dá-se liquidação paulatina da fiscalidade de estamentos tradicionais, assumindo, assim, a nova classe – a burguesia – o condão de subsidiar, em parte, o Estado. Nas palavras do autor, “O tributo passa a ser o fiador da conquista da riqueza e da felicidade, da liberdade de trabalho e do incentivo ao lucro no comércio e no câmbio, assumindo características de preço da liberdade.” (Ibidem 1995, p. 2) No Estado Fiscal, enfim, centraliza-se a fiscalidade e o tributo passa a ser um “espaço aberto pela autolimitação da liberdade e constitui o preço da liberdade, mas por ela se limita e pode chegar a oprimi-la, se o não contiver a legalidade.” (Ibidem, 1995, p. 3) Assim é que o Estado, “detentor da jurisdição suprema sobre o território nacional”[2], como expressa Zimmermann (2006, p. 6), passa a exercer o monopólio que lhe é dado pelo poder. Trata-se do poder de soberania. Através deste, nasce a legitimidade do Estado, o que lhe permite exigir a lealdade de seus cidadãos. No Estado Moderno, como é cediço, a fonte primeva de legitimidade de poder político é a lei, notadamente a Constituição – norma-base do ordenamento jurídico estatal. Nesse panorama, surge uma especialidade do poder estatal – o poder de instituir e cobrar tributos. Carrazza (2002, p. 427) leciona que o “poder de tributar”[3] é manifestação da soberania e a sua titularidade pertence ao povo, originalmente. O Estado – como organismo jurídico-político – detém somente a competência tributária. De modo conciso, Rocha (2006, p. 99) conceitua competência tributária como “poder indelegável atribuído pela constituição a um ente político para instituir determinado tributo.”[4] Nessa mesma esteira, Barreirinhas (2006, p.85) expõe que: “A competência tributária é exercida por meio da produção legislativa de cada ente político. Nesse sentido, o art. 6º do CTN define que a competência legislativa compreende a competência legislativa plena. Por essa razão fica claro que somente as pessoas políticas têm competência tributária, pois no Brasil somente a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios é que podem produzir leis.” A competência tributária dever-se-á materializar por lei. É por isso a conclusão de que esta é, sempre, limitada. Deve, a todo tempo, manifestar-se com o intuito de realizar os direitos fundamentais, e não reduzi-los desmesuradamente. Tema caro ao direito tributário é a “limitação às competências tributárias”. Sem que aqui se desça a pormenores, não é despiciendo alertar para o assunto. A competência outorgada ao Estado – manifestação da soberania estatal – não se dá sem fronteiras. A própria Constituição, como testifica Amaro (2010, p. 128), institui diversos balizamentos que visam a resguardar “valores por ela reputados relevantes, com atenção especial para os direitos e garantias individuais”[5]. A mostra mais visível das limitações do poder de tributação: “(…) desdobra-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias (técnica por meio da qual, na definição do campo sobre que a Constituição autoriza a criação de tributos, se excepcionam determinadas situações, que ficam, portanto, fora do referido campo de competência tributária).” Fez-se menção ao assunto para que não se cometa omissão. O seu estudo, nada obstante, não tem sede aqui. Tem-se como escopo, nesse passo, a busca do fundamento para o poder de tributação do Estado. Para efeito de conexão com o que se verteu acima, o poder de tributar, como disseram os autores, é manifestação da soberania estatal, é espaço aberto nos direitos fundamentais do indivíduo, principalmente os direitos de liberdade e livre iniciativa. Não há de se falar em complexo de direitos fundamentais dissociados de deveres. Cuida-se, nesse espaço, de se buscar uma definição aproximada para dever fundamental de pagar tributos. A questão aqui se associa à anterior: poder de tributação. Se ao Estado é conferida a soberania para a cobrança de tributos, instaura-se a seguinte questão: como legitimar a obrigação de pagá-lo? Em outras palavras, busca-se o fundamento para o dever de obediência ao mandamento legal que institui o tributo. Essa é, pois, a tensão que perpassa este trabalho. Resta, pois, encontrar razão lógica a legitimar o dever de pagamento de tributos. Nabais (2004) ensina que há duas correntes de orientação: a primeira fundamenta o dever tributário em suportes meramente formais, como a soberania do Estado (dever de obediência) e a sociabilidade dos indivíduos (solidariedade); a segunda conduz a critérios materiais, que se ancoram em conceitos de igual liberdade de todos os cidadãos e dignidade da pessoa humana. Nabais (2004) rejeita a primeira linha de fundamentação, apontando os seguintes argumentos: a fundamentação através do dever de obediência leva a identificar-se os deveres fundamentais em dois momentos. No primeiro, eles estão acima do próprio Estado, anteriores à organização político-jurídica do Estado. No segundo, os deveres encontram-se subordinados ao próprio Estado, na medida em que são determináveis apenas pelo legislador ordinário e têm suporte exclusivamente na lei. Já a fundamentação com base no critério de solidariedade tem como fio condutor a ideia de que haveria uma solidariedade mínima entre os indivíduos a obrigá-los a ter com os demais cuidados mútuos, o que, em termos tributários, transformar-se-ia em dever de pagar tributos. Factualmente, a “categoria ética por excelência que, ao concretizar-se num dever puramente omissivo, não pode dogmaticamente servir de base aos deveres activos (como o dever de serviço militar, o dever de pagar impostos, etc. )”[6]. Nada obstante, prefere uma terceira linha de raciocínio: a soberania do Estado é um conceito jurídico, portanto limitado. Esse Estado, ao basear a sua atuação no princípio da dignidade da pessoa humana, é livre para definir quais deveres fundamentais estarão presentes no ordenamento jurídico. O dever fundamental baseia-se, destarte, no que passa a reconhecer o Estado como dever, nos contornos do que dita o princípio informante da dignidade da pessoa humana. 2 Resistência tributária 2.1 Resistência: breve panorama No mundo greco-romano, a obediência às leis é fundamento da sociedade. O indivíduo, diante da “polis”, devia submissão ilimitada. A religião e a política alicerçavam a quase totalidade da vida dos habitantes. Nas palavras de Buzanello (2006, p. 3), "O homem estava convencido de que contra a cidade e os deuses não podia ter direitos.”É nessa sociedade que medra o embrião da resistência Na Era Moderna, acentuam-se as posições contrárias ao status quo. Exerceram papel destacado, nesse processo, os movimentos religiosos do século XVI. Firma-se conflito de consciência cingido em dois deveres: a) prestar obediência a Deus (objeção de consciência religiosa); e b) estender favor ao Estado (autoridade civil). Interessante colagem faz-se aqui das palavras de Paupério (1978, p. 16), para quem a “resistência à opressão aparece-nos com feição marcadamente liberal, razão pela qual atingiu seu clímax no momento exata da eclosão das chamadas revoluções do liberalismo.”[7] Wolkmer (1994, p. 34), ao tratar do tema da resistência durante o período das revoluções liberais, apresenta três núcleos que marcam esses movimentos: “[…] 'núcleo econômico' (livre iniciativa empresarial, propriedade privada, economia de mercado), 'núcleo político-jurídico' (Estado de Direito, soberania popular, supremacia constitucional, separação dos poderes, representação política, direitos civis e políticos) e 'núcleo ético-filosófico' (liberdade pessoal, tolerância, crença e otimismo na vida, individualismo)”. Nesse passo, os três núcleos apresentados pelo autor são informados por um eixo basal: o contrato. De fato, a teoria do jusnaturalismo contratualista de Hobbes estabelece que, para a manutenção do Estado, deverá haver obediência das normas dele emanadas. A definição dos crimes e das penas cominados ao infrator marca papel fundamental na arquitetura desse Estado, pois são garantia de que não haverá impunidade àqueles que rompem com o pacto estabelecido. Mais – daqui provém o fundamento natural –, a negativa à sujeição das leis civis faz com que o cidadão fique em relação de natureza com o Estado. Assim, pode este impingir quaisquer danos ao descumpridor do contrato social. Em sua própria pena, “Assim, a dissensão de alguém levaria todos os restantes a romper o pacto feito com esse alguém”[8]. Com isso, Hobbes não deixa de considerar a possibilidade de rebelião contra o soberano injusto. Souki (2008, p. 51) ensina que há também direito de resistência em Hobbes. Em verdade, esse é o primeiro direito da natureza: o de “autodefesa”[9]. O soberano é legitimado pelo povo para proteger os indivíduos que, à sua parte, devem obedecer às leis civis. Se o soberano deixa de cumprir a função primeva do Estado – promover a segurança – e atenta contra os governados, quebra-se o pacto, o que enseja o direito de se destituir o governante. Como se entreviu alhures, para Locke, seguindo a teoria contratualista, o homem detém, no estado de natureza, o poder político. Através de um pacto mútuo, passa ao estado social, a fim de conservar a propriedade, a vida e a liberdade. Silveira (2008) atesta que o despotismo recoloca os indivíduos em condição de natureza. “Ao fazer da força sua regra de direito, o déspota coloca-se em posição de ser destruído […]”[10]. Nesse sentido, “para sair do estado de natureza não é preciso instaurar o Estado, mas destruí-lo – uma inversão do modelo jusnaturalista.”[11] Rousseau, a seu turno, assenta a ideia de contrato social na vontade geral. Como dimana dos ensinamentos de Châtelet (1985, p. 74), “o Corpo Político – objeto do contrato social – não resulta da adição das vontades particulares: ele se confunde com a vontade geral tal como essa resulta da alienação total de cada indivíduo e, portanto, de sua liberdade”[12]. O corpo político, assim, é resultante de abdicação geral de parcela das liberdades individuais. O direito de resistência ao governo que se instaura após a formação desse corpo estriba-se na desproporção da desigualdade. Acrescenta Châtelet: “se o poder soberano tentar romper essa igualdade, se ele der mais encargos a um súdito do que a outro, a questão se torna particular; não mais estaremos diante do exercício de uma vontade geral”[13]. O panorama até aqui exposto serve para subsidiar uma tentativa de traçar um conceito de resistência válido para a época presente. Com visão sistematizadora, Buzanello (2006) divide o direito de resistência em duas modalidades: a institucional e a não-institucional. A primeira cuida dos direitos de greve política, objeção de consciência e desobediência civil; a segunda trata dos direitos de autodeterminação dos povos, revolução e guerra. Sobre as espécies institucionais de resistência, firme-se que o presente trabalho limitar-se-á a abordar a desobediência civil, uma vez que o direito de greve e a objeção de consciência – sem embargo de estarem circunscritas no rol de direitos fundamentais –, não enriquecem a urdidura do presente texto na busca por uma definição dos contornos da resistência tributária. Sobre as espécies não institucionais, tem-se que também estão fora da presente análise. Como conceber a legitimidade do direito de resistência dentro do ordenamento jurídico posto se o que se busca é a superação da ordem? Não se esquadrinha aí o trabalho. A desobediência civil, sim, traz noção acabada para a compreensão da resistência tributária. Arendt (1973, p. 68) coloca a questão, dividindo o conceito em dois momentos: um em que o Estado se mantém inerte e outro em que ele está em via de mudança. Assim expressa: “A desobediência civil aparece quando um número significativo de cidadãos se convence de que ou os canais normais para mudanças já não funcionam, e que as queixas não serão ouvidas nem terão qualquer efeito, ou então, pelo contrário, quando o governo está em vias de efetuar mudanças e se envolve e persiste em modos de agir cuja legalidade e constitucionalidade estão expostos a graves dúvidas.” Buzanello ( 2006, p. 160) – de modo assemelhado a Arendt – fixa: “A desobediência civil faz a negação de um ato oficial mediante ações de mobilização pública dos grupos de pressão junto aos órgãos de decisão do Estado. A desobediência civil deve ser entendida como um mecanismo indireto de participação da sociedade, já que não conta com suficientes canais participativos junto às esferas do Estado, que precisaria deles para poder presentear-se como ente político legítimo. Ou, de outra forma, o fenômeno da desobediência civil aparece quando os canais normais para mudanças do ato impugnado já não funcionam ou as queixas não serão ouvidas, ou nem terão qualquer efeito”. Henry David Thoreau, motivado por acontecimento de ordem pessoal, concebeu obra precursora para o entendimento do conceito de desobediência civil. Em razão de ter sido preso por negar-se a pagar tributos para subsidiar as ações dos Estados Unidos, escreveu o ensaio entitulado “A Desobediência Civil”, em 1849. Logo no início desta obra, adverte: ‘O melhor governo é o que absolutamente não governa’, e quando os homens estiverem preparados para tanto, esse será o tipo de regência que terão. Na melhor das hipóteses, o governo não é mais que uma conveniência; mas a maioria deles é, em geral […] inconveniente.’ O pensamento de Thoreau é, por vezes, identificado com o movimento anarquista. Há de se registrar, acima disto, que as ideais libertárias deste pensador influenciaram movimentos importantes mais adiante, como as doutrina da satyagraha, de Mahatma Gandhi, e as lutas raciais norte-americanas, lideradas por Martin Luther King, como atesta Botelho (2002). A proposta de Thoreau é demonstrar os fundamentos que o levaram a desobedecer às leis tributárias do Estado. Objeta o desenvolvimentismo levado a cabo, por vezes, através de guerras injustas e assesta que o dínamo das conquistas, as quais muitas pessoas pensam estar no Estado, encontra-se, em verdade, no próprio povo. Afirma Thoreau (2002, p.8) que “esse governo nunca levou a cabo empreendimento algum, a não ser pela presteza com que deixa livre o caminho. […] O caráter inerente ao povo americano é que fez tudo o que se conseguiu até agora.” É neste vazio de legitimidade que se instaura o direito de desobediência. A forma pacífica de protestar, destarte, seria a negativa em pagar tributos. Norberto Bobbio assesta que as normas jurídicas são regras de comportamento, iluminadas pelo dever fundamental que atribui aos destinatários a obrigatoriedade de observá-las[14]. A desobediência civil, neste passo, nasce como resistência para clarear a injustiça da norma e para dar impulso a mudanças legislativas que venham a alterar o status injusto. Dworkin (2002, p. 322), ao tratar do tema, arquiteta um quadro de três possibilidades de ação diante de uma lei duvidosa. Assim, tem-se que: a) diante de uma lei obscura, segundo a qual não se possa concluir se possibilita um ato ou o proíbe, o indivíduo deverá prever o pior e pressupor que a lei não permite, o que traz para ele a obrigatoriedade de obedecer às ordens das autoridades responsáveis, mesmo que as considere erradas; b) diante de uma lei duvidosa, o indivíduo poderá fazer o que desejar, até o ponto em que uma autoridade competente decidir de maneira contrária ao seu entendimento, devendo ele respeitá-la, conquanto entenda que a decisão confronta o teor da norma; e c) diante de uma lei duvidosa, o indivíduo poderá tomar a decisão que o seu discernimento orientar, mesmo que ela colida com o entendimento do mais alto tribunal competente. Sobre esta última postura frente à lei que gera dúvidas quanto à sua observância, alerta o autor que o indivíduo, ao tomar decisão diante da norma duvidosa, mesmo que em contrariedade ao posicionamento da Suprema Corte, deve levar em conta a posição desta. Para exemplificar esse fato, assesta: “Suponhamos […] que um contribuinte acredite não ser obrigado a pagar impostos sobre determinadas formas de renda. Se a Suprema Corte decidir o contrário, ele deve, levando em consideração a prática de atribuir grande peso às decisões da Suprema Corte quanto às questões sobre impostos, decidir que o veredito da corte, por si mesmo, alterou os termos da questão e que agora a lei exige que ele pague o imposto”. Deve-se atentar para o fato de que o autor não iguala os comportamentos segundo e terceiro. Em verdade, ele ressalta a liberdade maior de atuação deste último, sem que o indivíduo, no caso concreto, deixe de considerar a existência de entendimento divergente da mais alta corte. Em relação ao primeiro comportamento, considera-se inválido pelo seguinte motivo: se o indivíduo, após ponderação, acreditar que a lei está a seu favor, deverá abster-se em vista de previsão da pior das interpretações possíveis. No que toca à segunda posição, o autor também a rejeita. O fundamento para tanto é o de que a própria decisão do Tribunal pode-se alterar com o tempo. Assim, se o indivíduo compreende que são fundados os argumentos para a resistência diante da norma, mesmo que esta posição contrarie entendimento da mais alta corte, deverá agir conforme seu discernimento. Esta conclusão vai ao encontro da terceira postura mostrada acima. Alerta o autor para o fato de que não será qualquer objeção a norma e a entendimento da Suprema Corte que será legítima. Entretanto, se “[…] afetar os direitos individuais ou políticos fundamentais, e se for possível argumentar que a Suprema Corte cometeu um erro, um indivíduo não extrapolará […] seus direitos sociais ao se recusar a aceitar essa decisão como definitiva.”[15]  À terceira posição, Dworkin acrescenta que não se pode conceber, por parte do Estado, a negativa de processar o indivíduo contrário à norma. Em outras palavras, pode-se agir em contrariedade à lei, desde que o fundamento seja moral, e mesmo que em posição diversa do entendimento da Suprema Corte, mas contra essa atitude não há garantia de que o Estado não tomará providências legais para trazer o indivíduo à compreensão que atribui a Corte à norma. Não despiciendo é abordar aqui a noção de desobediência civil para John Rawls, principalmente tecida na obra Uma teoria da justiça. Como forma de estabilização da sociedade, os indivíduos têm o dever natural de obediência às leis. O consenso quanto à ideia de justiça conduz, para ele, ao dever de apoiar e promover as instituições justas. Rawls assume, como paradigma, uma sociedade quase justa. Em seu seio, todavia, podem surgir injustiças. Como ensina Silva (1995, p.205), a injustiça pode surgir de dois modos: ou a estrutura social se afasta das arestas da justiça, ou as estruturas sem mantém justas, porém a manifestação desse atributo não é adequado ao que é desejado como justiça pelo corpo social. Rawls afirma que a melhor regra de decisão em um regime democrático é a da maioria, através de um processo legislativo justo. A desobediência civil, no bojo da teoria de Rawls, somente é concebida em caso de sérias violações à justiça. É, desse modo, “um ato político, não violento, decidido com o objetivo de provocar uma mudança nas leis ou na política seguida pelo governo.”[16] A justificativa para tal ato democrático é o rompimento com o princípio da igual liberdade. “O grau de prejuízo ao indivíduo deve atingir o próprio núcleo de seu ou seus bens jurídicos”, como firma Botelho (2002, p. 86). Até que se promova a desobediência civil, há de se ter percorrido o caminho de tentativas de se revogar a lei injusta. Somente “após a desconsideração dos protestos e demonstrações legalmente permitidos é que se deve invocar a desobediência civil.”[17] Especificamente em relação à questão tributária, afirma Rawls (1997, p. 413): “Assim, a menos que leis tributárias, por exemplo, sejam claramente concebidas para atacar ou reduzir a igual liberdade básica, elas não deveriam normalmente ser objeto de protesto da desobediência civil.” Em arremate, Buzanello (2006, p. 163) expõe sistematização da desobediência civil, apontando as seguintes características básicas, as quais se desposam no presente trabalho, a fim de marcar um norte à conclusão que se fará à frente sobre a resistência tributária: “a) é uma forma particularizada de resistência e qualifica-se na ação pública, simbólica e ético-normativa; b) manifesta-se de forma coletiva e pela ação “não-violenta”; c) quer demonstrar a injustiça da lei ou do ato governamental mediante ações de grupos de pressão junto aos órgãos de decisão do Estado; d) visa à reforma jurídica e política do Estado, não sendo mais do que uma contribuição ao sistema político ou uma proposta para o aperfeiçoamento jurídico. Essas características formam o núcleo conceitual da desobediência civil.” A exposição da desobediência civil, aqui, visa a subsidiar o trabalho de informações para o que se afirmará no passo seguinte. Antes, porém, faz-se mister mencionar dois pontos importantes nesta urdidura: a guarida constitucional ao direito de resistência e a diferença entre os conceitos de resistência tributária, elisão e evasão fiscal. 2.2 Direito de resistência constitucional Buzanello (2006, p. 163) esclarece que a desobediência civil, em viés constitucional, promana de cláusula constitucional aberta – que comporta diversos direitos e garantias – e de princípios do regime estabelecido (artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição da República). Ademais, conjuga-se com o princípio da solidariedade e da proporcionalidade. É justamente neste conceito que reside a manifestação do exercício da cidadania, quando as ordens e leis forem manifestamente ofensivas à “ordem constitucional e garantias fundamentais”, como firma Garcia (1994, p. 157). A resistência constitucional é, na expressão de Buzanello (2006, p. 182-183), “garantia de autodefesa da sociedade”, uma vez que tem como escopo – mais uma vez repisando – a salvaguarda dos direitos fundamentais, a manutenção do pacto social firmado entre cidadãos e Estado, a preservação das liberdades e, em suma, as mudanças sociais. 2.3 Evasão, elisão e resistência: diferenças O presente tópico tem como razão de ser o destaque à figura da resistência tributária das demais figuras abaixo apontadas. Não se pretende, com isto, realizar trabalho exaustivo de conceituação e diferenciação entre os institutos – trato a ser expandido em texto próprio. A doutrina costuma diferenciar elisão de evasão através dos seguintes critérios: momento e licitude do comportamento. Souza apud Coêlho (1998, p. 174) aposta no critério temporal a legitimar a distinção entre evasão e elisão. Assim atesta: “O único critério seguro (para distinguir a fraude da elisão) é verificar se os atos praticados pelo contribuinte para evitar, retardar ou reduzir o pagamento de um tributo foram praticados antes ou depois da ocorrência do respectivo fato gerador: na primeira hipótese, trata-se de elisão; na segunda trata-se de fraude fiscal.” Para Amarós apud Coêlho (1998, p. 175), a compreensão exata da diferença apontada quanto ao critério cronológico é simples: “A elisão para nós é não entrar na relação fiscal. A evasão é sair dela. Exige, portanto, estar dentro, haver estado ou podido estar em algum momento.” Evidencia-se que, na elisão, o tributo ainda não é devido, posto que não ocorreu o fato gerador. Na evasão, dá-se diametralmente o oposto: o fato gerador já ocorreu e o indivíduo busca justamente esquivar-se de seu pagamento. Este primeiro critério, como assenta a doutrina, teve como falha não alertar para os casos em que a evasão se dá antes da ocorrência do fato gerador. Huck apud Paulsen (2005, p. 949) ensina que a elisão é segundo a lei, enquanto a evasão é sempre ilegal. “Elisão, elusão ou evasão lícita é a subtração ao tributo de manifestações de capacidade contributiva originalmente sujeitas a ele, mediante a utilização de atos lícitos, ainda que não congruentes com o objetivo da lei.”[18] Aqui se chega ao segundo critério de diferenciação: a licitude de conduta. Na evasão, utilizam-se instrumentos ilícitos, como sonegação, fraude e simulação. A elisão, a seu turno, tem forma legítima e aspira a evitar o surgimento da obrigação tributária. Em relação às espécies, tem-se que há evasão por omissão (imprópria ou por inação) e evasão por comissão (lícita ou ilícita). Ora, se a evasão é sempre ilícita, não se confunde com resistência tributária, haja vista que esta tem como intento proteção de direitos fundamentais ante leis e atos restritivos. Em outras palavras, a resistência tributária, como defendido até aqui, é legítima. A norma tributária flagrantemente atentatória aos direitos fundamentais (máxime os de propriedade e livre iniciativa, como se fez recortar em momento precedente) encontra barreira na esfera individual. Não se pode impingir atributo de ilegalidade à conduta que a afaste. Atribui-se, hodiernamente, status de norma aos princípios. A elisão, como a resistência tributária, é legal. Como, então, diferenciá-las? O manto de legalidade ampara a elisão fiscal, mas isto nem sempre ocorre com a resistência tributária. Muitas vezes, é a própria lei tributária que está a promover torvelinos no núcleo inafastável dos direitos fundamentais. Há de ser sempre a elisão uma conduta legal, todavia a desobediência, por vezes, apõe-se à lei para salvaguardar a dignidade da pessoa humana. Mais, Botelho (2002, p. 145) assesta que a resistência tributária difere-se tanto da elisão como da evasão por não buscar “a redução ou o cerceamento de determinada receita tributária”. Ensina, adiante, que a desobediência tributária tem como escopo a proteção do patrimônio individual, da livre iniciativa, da segurança jurídica e da isonomia tributária – “todos direitos fundamentais que acabam, mesmo que indiretamente, informando a operação e funcionalidade do princípio da capacidade contributiva”[19]. 2.4 Legitimidade da resistência tributária O ponto culminante do presente trabalho é o estudo dos contornos fáticos da legitimação da resistência de se pagar tributos. A supressão dos direitos fundamentais, em história recente da humanidade, notadamente nos Estados autoritários, fez com que os direitos fundamentais fossem sobrelevados, o que relegou ao esquecimento a ideia de que a pessoa humana, em sua completude, é dotada de dois pólos (direitos e deveres). Este foi, pois, objeto de estudo de ponto predecessor. Faz-se menção aqui não para reabrir a questão do dever de tributar, em razão da sempre crescente carência de prestação de serviços públicos. Aqui, diversamente, preocupa-se com os casos em que se afigura um dilema: de um lado, tem-se o direito do cidadão de exercê-lo, principalmente aqueles fundamentais previstos na Constituição, utilizando-se das garantias que lhe são próprias; de outro, há a necessidade premente de o Estado concretizar os direitos sociais e prover a sociedade de serviços públicos. A se legitimar aqui a desobediência do cidadão diante de norma que contraria o ideário de justiça. A inobservância alargada de norma injusta, em certo plano, expressa a insatisfação social com o rompimento de princípios basilares, como o é o supra. Da pena de um representante ímpar do positivismo jurídico, tem-se que legitimidade é princípio segundo o qual “a norma de uma ordem jurídica é válida até a sua validade terminar por um modo determinado através desta mesma ordem jurídica, ou até ser substituída pela validade de uma outra norma desta ordem jurídica”. (KELSEN, 1996, p. 233) De modo amplo, legitimidade, para o positivismo, guarda-se naquilo que é dotado de legalidade. Assim, institui-se a coerção como instrumento garantidor da obediência civil. Não há espaço, na teoria positivista, para a correspondência entre atuação do representante e vontade dos representados. A justiça, nesse passo, – quando se mostra – é instituto extra-jurídico. Até a Segundo Guerra Mundial, a compreensão de um ordenamento jurídico alheio a valores morais e à justiça impulsionaram o positivismo jurídico. Após, foi superado por um complexo de reflexões difusos denominado pós-positivismo. É aqui que se delineiam importantes teorias, notadamente, a normatização dos princípios, a ponderação de interesses, bens, valores e normas e a teoria da argumentação. Na última década do século XX, ganhou vulto generalizado na doutrina a ideia de distinção qualitativa entre regras e princípios, ambos identificados como norma jurídica. Até o momento de ascensão dessas novas teorias, considerava-se princípio um instrumento meramente subsidiário, de supressão de vácuos legislativos. A mudança de paradigma é tributária às contribuições teóricas de Ronald Dworkin e Robert Alexy. Como assesta Barroso (2004, p. 351), “A conjugação das idéias desses dois autores dominou a teoria jurídica e passou a constituir o conhecimento convencional na matéria.” Diversas são as diferenças entre regras e princípios, como se atesta em passo anterior. O constitucionalista supra propõe a diferenciação apoiada em três elementos: conteúdo, estrutura normativa e aplicação. Em linhas gerais, quanto ao primeiro elemento, tem-se que regras são descrições de conduta, enquanto princípios possuem caráter axiológico ou finalístico; quanto à estrutura, a regra especifica o ato que, quando praticado no mundo dos fatos, desencadeia a sua aplicação. Doutro plano, o princípio é estado ideal a ser alcançado. Aqui há maior presença do intérprete, uma vez que o princípio, mais geral, por natureza, não descreve uma conduta específica. Por derradeiro, quanto à aplicação, regras são proposições normativas que adquirem a forma “tudo ou nada”. As regras, destarte, têm aplicação, principalmente, através do método de subsunção. Os princípios, a sua vez, possuem maior carga valorativa, o que reclama do intérprete maior acuidade nas escolhas a serem feitas. Muitas vezes, ele se defrontará com antagonismos principiológicos, como o clássico entre liberdade de expressão e o direito de liberdade. Nesses casos, como em outros em que nos princípios se fundam, haverá uso predominante da ponderação. A ponderação é técnica de decisão jurídica aplicada aos chamados casos difíceis. Funda-se na valorização dos princípios diante de situações concretas em que ocorre colisão de normas, principalmente de igual hierarquia. Dworkin (2002, p. 132) assim expõe: “[…] defendo a tese de que as decisões judiciais nos casos civis, mesmo em casos difíceis […] devem ser, de maneira característica, gerados por princípios, e não por políticas. É evidente que essa tese precisa de muita elaboração, mas podemos observar que certos argumentos da teoria política e da teoria do direito a apóiam, inclusive em sua forma abstrata. Estes argumentos não são decisivos, mas têm força suficiente para sugerir a importância da tese e justificar a atenção que será necessária para dar-lhes uma formulação mais cuidadosa.” Barroso (2004, p. 358-362), com força de síntese, sistematiza a aplicação da ponderação dividindo-a em três etapas. Primeiramente, o intérprete identificará quais são as normas aplicáveis ao caso concreto, marcando os eventuais conflitos entre elas. Alerte-se que um dispositivo legal pode encerrar uma norma ou esta ser a conexão de vários dispositivos. Segundamente, deve-se analisar os fatos concretos, com outras palavras, a interação existente entre situação a ser normada e norma. No terceiro passo, reside a novidade do método da ponderação. Como visto, as regras subordinam-se à máxima do “tudo ou nada”, enquanto os princípios regulam-se por diferentes graus de intensidade. Assim é que, nesta fase, o intérprete fará um sopesamento das normas. O fim, aqui, é saber se determinada norma – após acurado processo de ponderação – deve ser aplicada em detrimento de outra(s) norma(s). Faz-se presente, principalmente nesta etapa, o princípio instrumental da razoabilidade, como fio norteador ao intérprete. Como instrumento para verificação do raciocínio que vem sendo desenvolvido pelos tribunais, amparados na teoria da ponderação, engendrou-se a teoria da argumentação. Barroso (2004), com o mesmo escopo de sistematização, expõe que, sem embargo da complexidade em que a teoria da argumentação já se assenta, pode-se apontar três parâmetros de “controle de argumentação”[20]. Em primeiro lugar, o intérprete deve demonstrar argumentos eminentemente normativos, isto é, faz-se imperiosa a fundamentação jurídica como forma de referendar a decisão. Como é sabido, a Constituição Federal, no artigo 93, inciso IX, estatui a obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais – fato que se torna ainda mais importante a se tratar de decisões às quais chegou o juiz através da ponderação de valores. Em segundo lugar, figura a ideia de universalização dos critérios adotados na decisão judicial. O intérprete, diante do caso concreto, ao lançar mão da ponderação normativa, deverá verter os mesmos argumentos em casos semelhantes. Esse parâmetro ressalta o princípio da isonomia, visto que a parte, na relação processual, tem direito a ver, em seu caso, o uso do mesmo argumento usado em situação similar. Por fim, traz-se o parâmetro da orientação de princípios. Há princípios instrumentais (orientadores) e materiais (axiológicos). Assim é que, diante de caso concreto que comporte mais de uma solução, deverá o intérprete orientar-se pelos princípios instrumentais com o fito de promover realização dos princípios fundamentais. A exibição apertada dessas teorias tem como intuito demonstrar a complexidade do conceito de legitimidade no pós-positivismo. Deixa de ser a legitimidade tão só respaldo jurídico informado pela ideia de justiça, como no jusnaturalismo, para fundar-se em espectro de conceitos laboriosos, em que o princípio adquire estado de norma, ao lado da regra. Ademais, a legitimidade não se encapsula na legalidade, como ocorreu no juspositivismo. Ampara-se, agora, em conceitos abertos, em que a ponderação – firmada em bons argumentos – coloca em destaque os direitos fundamentais. Conclusão Esse estudo teve por objetivo analisar o conflito existente entre o direito de resistência e o dever fundamental de pagar tributos. Firme-se que nessa oportunidade não se intentou esgotar o tema, haja vista que ele possui nuances que se desdobram para outras áreas do direito, máxime o direito tributário, além de áreas exteriores ao direito, como a ciência política, a sociologia e as ciências contábeis. Durante o processo de elaboração desta pesquisa, deparou-se com gama vasta de dificuldades. Dentre as mais relevantes, ressalta-se a de definir quais princípios são os de maior ressalte a subsidiar a defesa da resistência tributária. Como foi abordado, o fundamento do poder estatal de tributar é manifestação da soberania e a sua titularidade pertence ao povo, originalmente. O Estado, após a Assembleia Constituinte e a promulgação da Constituição, detém a competência tributária – limitada pelas leis. Esta noção ficou assente em linhas atrás. O poder de tributar, destarte, estava construído pela doutrina tributarista. Bastava à presente monografia contribuir com a construção segura da resistência tributária. O alicerce dessa construção reclamou uma revisita aos direitos fundamentais. Como é cediço, os direitos de primeira geração (ou dimensão) foram os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, direitos civis e políticos, que, em grande parte correspondem, por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. O artigo 5°, caput¸da Carta Política de 1988, garante ao proprietário a inviolabilidade da propriedade – posição que é ratificada mais à frente, no inciso XXII, observando-se, em todo caso, a função social (inciso XXIII). Igualmente resguardada pelo manto constitucional foi a propriedade intelectual, como dimana dos incisos XXVII, XXVIII e XXIX. O artigo 5°, inciso XIII, da Carta Política, por sua vez, resguarda a liberdade de ação profissional. O que credencia esses direitos a figurarem com ressalte na defesa dos direitos fundamentais é o princípio da dignidade da pessoa humana. Ora, esses direitos associam-se tanto com a liberdade como com as condições mínimas de subsistência. É neste âmbito que se insere a proteção ao mínimo existencial, expressão que identifica o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. Camada superior do ordenamento, a Constituição tem sua supremacia assegurada por diversos mecanismos de controle de constitucionalidade. É com base neste princípio que uma norma infraconstitucional tributária que seja atentatória ao princípio da dignidade da pessoa humana e princípios correlatos, como visto supra, possa ser afastada do caso concreto. Com o fim de marcar um parâmetro de segurança para a desobediência tributária, fez-se transplante da sistematização proposta por José Carlos Buzanello para a ordem tributária. Assim é que desobediência tributária reúne as seguintes características: a) é uma forma particularizada de resistência e qualifica-se na ação pública, simbólica e ético-normativa; b) pode manifestar-se de forma coletiva ou individual e pela ação “não-violenta”; c) quer demonstrar a injustiça da lei ou do ato governamental tributário mediante ações de grupos de pressão junto aos órgãos de decisão do Estado; d) visa à reforma jurídica e política do Estado, não sendo mais do que uma contribuição ao sistema político ou uma proposta para o aperfeiçoamento jurídico da ordem tributária.
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Receitas decorrentes da prestação de serviços de radiodifusão aptas a integrar a base de cálculo da CIDE-FUST
O presente estudo trata da discussão a respeito do enquadramento das receitas obtidas pelas emissoras de radiodifusão com veiculação de publicidade, propagandas e espaço de merchandising como fato gerador da CIDE-FUST.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O presente estudo trata da discussão acerca do enquadramento das receitas obtidas pelas emissoras de radiodifusão com veiculação de publicidade, propagandas e espaço de merchandising como fato gerador da CIDE-FUST, a partir do acórdão proferido pela Sétima Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, nos autos da Apelação em Mandado de Segurança n. 2001.34.00.011095-0/DF, no sentido de que radiodifusão é serviço de telecomunicação. 2. DESENVOLVIMENTO 2.1. DA ANÁLISE DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA DA CIDE-FUST Inicialmente, é importante visualizar o que dispõe o inciso IV do art. 6º da Lei nº 9.998/2000, in verbis: “Art. 6o Constituem receitas do Fundo:(…) IV – contribuição de um por cento sobre a receita operacional bruta, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, exluindo-se o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicações – ICMS, o Programa de Integração Social – PIS e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins”; (grifou-se) Diante da transcrição acima, percebe-se que o legislador optou por utilizar a expressão “decorrente de prestação de serviços de telecomunicações (…)” para delimitar a receita operacional bruta sobre a qual deve incidir a contribuição. A lei não fez distinção se a receita deveria ser auferida direta ou indiretamente da prestação de serviços de telecomunicações, mas tão somente definiu que a receita derivasse da prestação dos referidos serviços. Dessa forma, o que se examina é o alcance da expressão “decorrente de”, para se definir as receitas que integrarão a base de cálculo do tributo. Ora, ser decorrente, por si só, implica a desnecessidade de a receita advir diretamente do ouvinte ou telespectador do serviço. É suficiente que a receita apenas decorra da condição de radiodifusora, ou seja, de características que lhes sejam peculiares. Discussão similar ocorreu com relação à interpretação da cláusula 3.3 dos Contratos de Concessão do STFC. Esta cláusula, em apertada síntese, prevê o pagamento de um ônus de 2% incidente sobre as receitas auferidas pelas empresas decorrentes da aplicação dos planos de serviço. Ou seja, trata-se de fato gerador com redação similar à da CIDE-FUST, que se utiliza da expressão “decorrente de”. Na ocasião, a Procuradoria Federal Especializada da Anatel enfrentou o tema por meio do Parecer nº 1.547-2009/ACD/PGF/PFE-Anatel, de 30.11.2009, aprovado em 23.03.2010, cujos trechos a seguir merecem transcrição: “73. Por outro lado, quando a cláusula 3.3 dos contratos de concessão estabelece que o ônus recairá sobre as receitas decorrentes dos planos de serviços, básico e alternativo, não faz a distinção se essas receitas seriam diretas ou indiretas, nem tampouco se são ou não decorrentes da relação entre usuário e prestadora ou prestadora e prestadora. 74. Ao contrário, fixa que todas as receitas decorrentes dos planos de serviços que, por sua vez, derivam da concessão (STFC) seriam objeto da incidência do ônus. Ou seja, interpretação que cabe aqui é de que as receitas que derivam dos planos de serviços sejam diretas ou indiretas compõem a base de cálculo do citado ônus contratual.(…) 76. De fato, as receitas de interconexão só são auferidas em razão da própria aplicação do plano de serviço. (…) 87. Desse modo, em consonância com o Informe nº 141/2007/PBOAC/PBOA/SPB, bem como com os Ofícios nºs 165 a 170/2009/PBOA-Anatel e ainda com o entendimento adotado pelo Juízo da 22ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, entendemos que as receitas decorrentes dos serviços de interconexão devem ser incluídas na base de cálculo do ônus contratual previsto na cláusula 3.3 dos contratos de concessão.” (grifou-se) Merece reprodução, ainda, trecho do Informe nº 141/2007/PBOAV/PBOA/SPB, ao tratar do mesmo assunto: “4.29. Mas quais seriam estas receitas? Nossa resposta foi que seriam todas as receitas que direta ou indiretamente, devem sua aferição a existência do plano básico e alternativo, estando excluídas somente àquelas que fossem absolutamente independentes de planos de serviço. 4.30. De outra forma, a expressão decorrente da aplicação seria completamente inútil no contexto da cláusula. Neste ponto não podemos deixar de lembrar a lição clássica de Carlos Maximiliano (Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006) de que “presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas, devem todas ser entendidas como escritas adrede para influir no sentido da frase respectiva” (pág. 91), lição a qual retorna adiante na mesma obra – dá-se valor a todos os vocábulos e, principalmente, a todas as frases, para achar o verdadeiro sentido de um texto, porque este deve ser entendido de modo que tenham efeito todas as suas provisões, nenhuma parte resulte inoperantemente ou supérflua, nula ou sem significação alguma” (pág. 204).” (grifou-se) Vale acrescentar que a questão acima está em discussão no Poder Judiciário, em diversas demandas. O leading case, ajuizado pela CTBC, é a ação ordinária nº 2007.34.00.013455-4. Após a prolação de sentença de improcedência pelo juízo de 1º grau, o TRF-1ª Região, por maioria de votos, deu parcial provimento ao recurso da empresa para excluir da base de cálculo do ônus as receitas de interconexão e outras receitas referentes aos serviços adicionais prestados a terceiros, que não o próprio assinante dos planos, mas mantendo, em contrapartida, as demais receitas discutidas naquele processo (p. ex., receitas de serviços adicionais – Prestações, Utilidades e Comodidades – PUCs, entre outros). Em seguida, a ANATEL opôs embargos infringentes, os quais já foram recebidos e aguardam julgamento. O posicionamento da ANATEL naquela ação judicial, entre várias outras questões, acompanhando o entendimento adotado no âmbito administrativo, inclusive sumulado (Súmula ANATEL nº 07, de 2005[1]), caminha no sentido de que o uso da expressão “decorrente de” significa que tanto receitas diretas quanto as indiretas, indissociáveis do próprio serviço, devem sofrer a incidência da exação. 2.2.  DAS RECEITAS AUFERIDAS COM PROPAGANDA, PUBLICIDADE E MERCHANDISING Fazendo-se uma analogia com o posicionamento acima exposto, tem-se que as receitas auferidas pelas radiodifusoras com propaganda, publicidade e merchandising só existem em razão da própria condição de radiodifusoras. Explica-se: elas são as únicas capazes de negociar seus espaços em virtude de prestarem serviço de radiodifusão. Caso contrário, tais espaços sequer existiriam. Não poderiam ser negociados porque, sem a possibilidade de difusão de sinais unidirecionais destinados à recepção livre pelo público em geral, não haveria qualquer interesse econômico, tanto da parte do anunciante quanto da parte da própria difusora. Não há como negar que as receitas provenientes de propaganda, publicidade e merchandising são diretamente decorrentes da prestação dos serviços de radiodifusão telecomunicações. De fato, os espaços de veiculação negociáveis só existem porque a empresa é prestadora do serviço de radiodifusão e, portanto, detém o direito de difundir sons ou sons e imagens ao público em geral. Raciocinando-se em sentido contrário, é de se perguntar qual a pessoa que detém esse tipo de espaço apto à negociação publicitária. A resposta é clara: nenhuma, salvo aquela que detém outorga para prestação do serviço de radiodifusão, de onde se conclui que tais receitas de propaganda, publicidade e merchandising obviamente decorrem da exploração do serviço. Ora, as propagandas poderiam ser divulgadas por vários outros meios de comunicação, tais como jornais impressos, revistas, outdoors, casos que claramente não seriam decorrentes da prestação de serviços de telecomunicações. Contudo, no caso das publicidades veiculadas nos canais de radiodifusão, as receitas delas auferidas obviamente decorrem da própria prestação do serviço de telecomunicação, subsumindo-se à hipótese legal do inciso IV do art. 6º da Lei nº 9.998/2000.  No mesmo sentido, já havia se manifestado a Auditoria da ANATEL, por meio do Informe AUD nº 007/2006[2], cujos trechos a seguir transcritos merecem destaque: “6.1. O foco da discussão é o meio de propagação da comunicação. Neste caso, o meio é a prestação de serviços de telecomunicações que geram, para as emissoras, receitas operacionais brutas com tais serviços, logo, no nosso entendimento, essas empresas são potenciais contribuintes para o Fust. Tais propagandas poderiam ser veiculadas por outros meios de comunicações, como jornais, revistas, encartes, outdoors, etc. Neste caso, as receitas operacionais brutas não seriam passíveis de contribuição do Fust, pois não são de prestação de serviços de telecomunicações. 6.2. Na nossa opinião, as empresas de radiodifusão não seriam contribuintes para o Fust, caso se enquadrassem em uma das seguintes hipóteses: a) não são empresas de telecomunicações; b) são empresas de telecomunicações, mas existe legislação específica que as isentam, ou; c) são empresas de telecomunicações, mas não geram receitas operacionais brutas com tais serviços.” Do exposto, percebe-se que as empresas de radiodifusão só não seriam contribuintes da CIDE-FUST caso: (i) não fossem empresas de telecomunicações; (ii) em sendo empresas de telecomunicações, se existisse legislação específica que as isentasse; (iii) em sendo empresas de telecomunicações, não gerassem receitas operacionais brutas com tais serviços. Ora, o primeiro ponto restou superado pelo acórdão proferido pela 7ª Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da 1ª Região nos autos da Apelação em Mandado de Segurança nº 2001.34.00.011095-0 (numeração única 0011082-14.2001.4.01.3400) ao definir que radiodifusão é sim serviço de telecomunicação. Em relação ao segundo ponto, não se vislumbra qualquer legislação específica que afaste a receita operacional bruta das radiodifusoras da incidência da CIDE-FUST. Ao contrário, o dispositivo legal é geral e expresso no sentido de que deve haver incidência do tributo sobre a receita operacional bruta decorrente da exploração do serviço de telecomunicações, in casu, de radiodifusão. Como sabido, somente a lei poderia estabelecer hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários. Eis o teor do inciso VI do artigo 97 do Código Tributário Nacional: Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:(…) VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. A Constituição Federal ainda prevê, no art. 150, §6º, que: § 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. Assim, não havendo diploma legal que estabeleça a isenção de parcela das receitas operacionais auferidas na prestação de serviços de telecomunicações – sejam as denominadas diretas, sejam as denominadas indiretas – não há como um normativo infralegal assim dispor.  Cabe advertir que classificar contabilmente como receitas indiretas parte das receitas operacionais auferidas não modifica a natureza da receita. Assim, as receitas indiretas aqui referidas, por serem receitas operacionais, integram a base de cálculo da CIDE-FUST. Quanto ao terceiro ponto, as empresas de radiodifusão somente estariam fora do âmbito de incidência da hipótese legal prevista no inciso IV do art. 6º da Lei nº 9.998/2000 caso não auferissem receitas operacionais brutas decorrentes de tais serviços. Ora, radiodifusão gera receita operacional. Há, inclusive, disputa e pagamento pela outorga, o que evidencia o interesse econômico envolvido. Admitir a inexistência de receita decorrente do serviço de radiodifusão conduziria à conclusão inaceitável de que as radiodifusoras são prestadoras sem interesse econômico. Ao contrário, para ouvirem/assistirem ao conteúdo difundido, os ouvintes/telespectadores são obrigados a se submeterem a um bombardeio de anúncios publicitários, explícitos ou implícitos, anúncios estes que constituem a receita obtida pelas radiodifusoras, sociedades empresárias com o legítimo interesse lucrativo como qualquer outra. A diferença é que, em razão do modelo negocial do setor, a receita e consequentemente o lucro advêm da propaganda, publicidade e merchandising, por meio da venda dos espaços a serem difundidos livremente ao público em geral. O argumento de que os usuários não pagam pela prestação do serviço não procede, uma vez que os usuários não se restringem aos telespectadores e ouvintes, mas também englobam as empresas e os próprios os órgãos governamentais, que se utilizam daquele canal para divulgarem seus produtos/ideias/serviços à população. Nesse aspecto, há receita auferida e há perfeito enquadramento no conceito de “receita operacional bruta, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações”, tal qual previsto no inciso IV do art. 6º da Lei nº 9.998/2000. No mesmo sentido, também se manifestou a Auditoria da ANATEL, por meio do Informe AUD nº 007/2006[3], cujos trechos a seguir transcritos merecem realce: “4.12. Com relação às citações contidas no Parecer, transcritas no item 4.10, esta Auditoria entende que “usuários” do serviço de telecomunicação das emissoras de radiodifusão não é apenas o “ouvinte ou o telespectador”, mas também as “empresas e o governo”. São esses últimos que geram receita operacional bruta de prestação de serviços de telecomunicações ao contratarem os serviços dessas emissoras para veicularem (transmitirem) propagandas, anúncios, merchandising, etc. 4.13 Nesse contexto, incluímos, também, como “usuárias” dessas emissoras as suas afiliadas, coligadas, retransmissoras e repetidoras, uma vez que estas também “contratam” a prestação de serviços de telecomunicações.” 2.3. DO ENQUADRAMENTO DOS ANUNCIANTES COMO USUÁRIOS DO SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO Outro aspecto que merece reflexão é a questão de se tratar a propaganda e o merchandising como uma prestação de serviço gratuito de telecomunicação ao usuário. Ora, na grande maioria das vezes, o ouvinte ou o telespectador sequer possui interesse no conteúdo transmitido por meio das publicidades, sendo fato que os verdadeiros interessados são os anunciantes, que também são usuários e efetivamente “pagam” por aqueles serviços. Dessa forma, como visto acima, não há como deixar de enquadrar os anunciantes como usuários, que remuneram as radiodifusoras pela utilização de seu espaço. Tampouco há como deixar de afirmar que estas auferem receitas operacionais com os anúncios feitos em seus espaços, em decorrência de sua própria condição de radiodifusoras. Muito bem descreveu esta situação a Auditoria da ANATEL, no Informe AUD nº 007/2006[4], cujo trecho segue destacado: “4.14 Ainda sobre essa questão, seria um “sofismo” afirmar que a propaganda é uma prestação de serviço de telecomunicação ao “telespectador ou ouvinte”, pois, na maioria das vezes, “estes” não estão interessados no seu conteúdo. Dessa forma, as “empresas e o governo” seriam os verdadeiros “usuários” da prestação desses serviços mediante o pagamento destes. Estas emissoras, pela prestação de serviços de telecomunicações decorrentes da veiculação de propagandas e transmissão de programas, auferem receita operacional bruta e, assim sendo, são, no nosso entendimento, passíveis de recolhimento da contribuição ao Fust.” Vender espaço na grade de programação é inerente à condição de radiodifusor. Ninguém mais pode fazê-lo. Logo, percebe-se que a receita obtida decorre da prestação do serviço. A receita obtida é operacional e decorre da prestação do serviço de telecomunicações. O Manual do Sistema de Coleta de Informações da Anatel – SICI [5] traz a definição de receita operacional bruta. Vejamos: “Receita Operacional Bruta (ROB): Decorrente das vendas totais de uma empresa, sem as deduções, devoluções, abatimentos, etc. Corresponde à receita total, não considerando qualquer desconto, nem mesmo as despesas operacionais ou custos.” Dessa maneira, tem-se que toda receita decorrente das vendas totais de uma empresa configura-se receita operacional e, portanto, integra a base de cálculo da CIDE-FUST. Assim sendo, como poderiam não ser enquadradas na hipótese de incidência da CIDE-FUST aquelas receitas obtidas com as negociações dos espaços das radiodifusoras, uma vez que estes espaços só existem e possuem valor em razão de sua veiculação por meio da prestação de serviços de telecomunicações? Dessa maneira, tem-se que toda receita que só pode ser obtida em razão da condição de radiodifusor configura base de cálculo da CIDE-FUST. Esses argumentos estão plenamente alinhados com a tese da Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Comunicações de que deve haver cobrança de FUNTEL sobre interconexão[6]. Vejamos: “6. Embora inexista dispositivo legal acerca de não incidência da contribuição para o Funttel, prevista no art. 4º, inciso III da Lei nº 10.052, de 2000, existe uma celeuma jurídica sobre se é possível considerar a receita auferida pelas prestadoras de serviços de telecomunicações pela prestação de serviço de interconexão como fato gerador da mencionada contribuição.(…) 13. Assim, a hipótese de incidência da contribuição prevista no art. 4º, inciso II da Lei do Funttel é a auferição de receita bruta, observadas as deduções legais, decorrente da prestação de serviços de telecomunicações. 14. A definição de serviços de telecomunicações está prevista no art. 60 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997:(…) 17. Ora, se a interconexão é uma atividade que possibilita o serviço de telecomunicações e se qualquer receita proveniente desse serviço remunerada por preço ou tarifa é fato gerador da contribuição prevista no art. 4º, inciso II da Lei nº 10.052, de 2000, é fato que a receita proveniente da interconexão está abarcada pela hipótese de incidência prevista na norma.(…) 26. Cumpre destacar que a contribuição para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – Fust, previsa no art. 6º, inciso IV da Lei nº 9.998, de 17 de agosto de 2000, possui a mesma hipótese de incidência do Funttel, divergindo desse em razão da finalidade da contribuição. Em recente decisão, a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região entendeu na Apelação nº 2006.34.00.000403-8/DF, no tocante à contribuição para o Fust, que: TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL – CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNDO DE UNIVERSALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES-FUST – RECEITA OPERACIONAL BRUTA – BASE DE CÁLCULO, LEGALMENTE, PREVISTA – LEI Nº 9.998/2000, ART. 6º, IV, E PARÁGRAFO ÚNICO – EXCLUSÃO DE RECEITAS DECORRENTES DE INTERCONEXÃO – INADMISSIBILIDADE – REQUISITOS LEGAIS – CUMPRIMENTO – FALTA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – ÔNUS DA PROVA – CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ART. 333, I – APLICABILIDADE. a) Recurso – Apelação em Mandado de Segurança. b) Decisão de origem – Segurança denegada. 1 – As Apelantes não infirmam o fato de que as receitas decorrentes do compartilhamento das respectivas redes de telefonia compõem a receita operacional bruta, que é a BASE DE CÁLCULO definida nos termos de norma legal válida. 2 – Não infirmada a ocorrência do fato gerador da obrigação e inexistente prova inequívoca de que as receitas decorrentes do compartilhamento de redes de telefonia não integram a receita operacional bruta, que é a base de cálculo definida, legalmente, para o recolhimento da Contribuição Para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST, não merece acolhida a pretensão das Impetrantes. 3 – Apelação denegada. 4 – Sentença confirmada. 27. Ora, este entendimento é perfeitamente aplicável às contribuições ao Funttel, já que a hipótese de incidência é semelhante à da contribuição do Fust. 28. Cabe ressaltar, ainda, que a interpretação do multicitado art. 6º, §4º do Decreto nº 3.737, de 2001 que mais se aproxima do comando constitucional. Com efeito, a Constituição Federal prevê, no art. 150, §6º que: § 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. 29. Ademais, o Código Tributário Nacional estabelece que: Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:(…) III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;(…) VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades. 30. Ora, se a Lei nº 10,052, 2000, não estabeleceu uma hipótese de não-incidência como poderia o Decreto estabelecer? 31. A interpretação de que a previsão do §4º. Do art. 6º do Decreto se refere também aos valores de interconexão transferidos levaria a conclusão de que o Decreto seria ilegal nesse ponto e, por consequência, inconstitucional, por ausência de previsão legal na Leo nº 10,052, de 2000.” (grifou-se) Como se extrai do caso acima, pode-se dizer que admitir que a base de cálculo é zero poderia implicar riscos à própria tese da incidência da CIDE-FUST e da CIDE-FUNTEL sobre interconexão. Conforme se vê, a Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Comunicações possui entendimento de que, se a interconexão é uma atividade que possibilita o serviço de telecomunicações e se qualquer receita proveniente desse serviço é fato gerador da contribuição prevista no art. 4º, inciso II, da Lei nº 10.052, de 2000, é fato que a receita proveniente da interconexão está abarcada pela hipótese de incidência prevista na norma. Fazendo-se uma analogia, pode-se afirmar que, se a propaganda, publicidade e merchandising são as atividades que viabilizam financeiramente a prestação do serviço de radiodifusão e se a receita decorrente desse serviço é fato gerador da contribuição prevista no inciso IV do art. 6º da Lei nº 9.998/2000, é fato que a receita proveniente da propaganda, publicidade e merchandising, obtida pelas radiodifusoras, está abarcada pela hipótese de incidência prevista na referida norma. Assim, qualquer tentativa de afastar parcela da receita operacional bruta da hipótese de incidência da CIDE-FUST – sem a existência de lei autorizadora – deve ser rechaçada, uma vez que já restou demonstrado que há usuários (empresas, órgãos governamentais, dentre outros interessados em anunciar) que efetivamente pagam às radiodifusoras pela utilização de seus espaços. Nesse caso, não se está a falar de tarifa, mas sim de preço. Desse modo, não há como negar que as emissoras de radiodifusão abertas, assim como as distribuidoras de TV fechada, como as de TV a Cabo, auferem receita operacional bruta decorrente da prestação de serviços de telecomunicações com assinaturas, propagandas, programas, dentre outros, enquadrando-se, pois, como contribuintes da CIDE-FUST. Nesse mesmo sentido se manifestou a Auditoria Interna da ANATEL, por meio do Parecer Técnico nº (s/n), de 06.12.2006, inserto nos autos do processo administrativo nº 53500.0157102006, cujos trechos a seguir merecem reprodução: “(…) é bom esclarecer, antes de tudo, que qualquer tipo de prestação de serviço ou venda de bem é remunerada por preço (receita). No caso de serviços públicos, o preço tem o nome de tarifa. No caso dos usuários, esta Auditoria entende que eles não são apenas o “ouvinte ou o telespectador”, mas também as empresas, o governo, as afiliadas, coligadas, retransmissoras, repetidoras, etc, que remuneram (preço) as empresas de radiodifusão para que estas prestem serviços de telecomunicações por meio da transmissão de conteúdo (propaganda, programas, etc).” 3. CONCLUSÃO Diante do exposto, é de se concluir, portanto, que as receitas oriundas de propaganda, publicidade e merchandising, obtidas pelas prestadoras de serviço de radiodifusão, integram a base de cálculo da CIDE-FUST, pelos seguintes motivos, em suma: (i) a expressão “decorrente” contida no inciso IV do art. 6º da Lei nº 9.998/2000 é ampla e afasta a necessidade de as receitas advirem diretamente do ouvinte ou telespectador; (ii) as radiodifusoras constituem sociedades empresárias que legitimamente possuem interesse econômico, com a diferença que atuam num setor cujo modelo negocial conduz a que a receita obtida advenha de propaganda, publicidade e merchandising, por meio da venda dos espaços a serem difundidos livremente ao público em geral; (iii) as radiodifusoras, nessa linha, obtêm receita decorrente da prestação dos seus serviços, valendo lembrar que as outorgas são inclusive disputadas, com pagamento pela sua obtenção; (iv) os espaços de veiculação negociáveis só existem porque a empresa é prestadora do serviço de radiodifusão e, portanto, detém o direito de difundir sons ou sons e imagens ao público em geral. Ou seja, apenas aquela que detém outorga para prestação do serviço de radiodifusão detém esse tipo de espaço apto à negociação publicitária, de modo que a receita advinda dessa negociação é claramente decorrente da exploração do serviço de radiodifusão prestado; (v) os anunciantes publicitários, que pagam às radiodifusoras para veicularem seus produtos/ideias, podem ser considerados usuários do serviço de radiodifusão, uma vez que pagam para usar o espaço difundido livremente ao público em geral; (vi) a classificação contábil atribuída à receita obtida com a negociação dos espaços de merchandising não altera a sua natureza: direta ou indireta, sendo ela operacional e decorrente da prestação de serviços de telecomunicações, integra a base de cálculo do tributo (vii) a título de exemplo, as receitas de interconexão obtidas pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, segundo posicionamento da Anatel e do Ministério das Comunicações, sofrem incidência da CIDE-FUST e CIDE-FUNTTEL.
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Da aplicação da legislação tributária: aspectos controversos
O presente trabalho objetiva elucidar pontuais aspectos controversos relacionados à aplicação da legislação tributária. Inicialmente, aponta a ausência de técnica da expressão fato gerador pendente. E, após, analisa os limites da lei expressamente interpretativa, que consiste em uma das exceções do princípio da irretroatividade tributária previsto art. 150, III, “a”, da Constituição Federal de 1988.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO Nas palavras de Regina Helena Costa aplicar o Direito consiste na tarefa de interpretar uma norma geral, dela extraindo uma norma individual para o caso particular (COSTA, 2012, p.185). Nesse sentido, aplicar a norma jurídica, logo, a norma jurídica tributária, consiste interpretar o texto normativo – norma geral e abstrata -, adequando-o ao caso concreto, e, portanto, encontrando uma norma individual e concreta. Nesse sentido, o art. 105 do Código Tributário Nacional disciplina que a legislação tributária se aplica imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes. Entretanto, busca-se demonstrar a atecnia da expressão fato gerador pendente, de modo a verificar que a legislação tributária se aplica, portanto, aos fatos geradores futuros. Além disso, analisa-se os limites da retroatividade da lei dita expressamente interpretativa, que consiste em uma das exceções ao princípio constitucional da irretroatividade tributária previsto no art. 150, III, “a”, da Constitucional Federal de 1988. Isto porque, a referida lei deve retroagir apenas para elucidar os dispositivos interpretados, pois prescinde de caráter normativo. Portanto, objetiva-se apontar aspectos controversos pontuais acerca da aplicação da legislação tributária. 2 ART 105 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL: FATO GERADOR PENDENTE O Código Tributário Nacional disciplina, no seu art. 105, que a legislação tributária se aplica aos fatos geradores futuros e pendentes, ressaltando que os fatos geradores pendentes são aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do art. 116 do Código Tributário Nacional, in verbis: “Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do artigo 116”. O dispositivo coaduna com o princípio constitucional da irretroatividade tributária, previsto no art. 150, III, “a” da Constituição Federal de 1988. De acordo com esse princípio, a lei tributária não retroage de modo a atingir os fatos geradores anteriores a sua vigência. Pela leitura do dispositivo, observa-se que o legislador infraconstitucional se refere a fato gerador pendente como sendo aquele que teve início, mas ainda não se concretizou. Logo, conforme se extrai do texto legal, o fato gerador pendente poderá, ou não, vir a se concretizar. Nesse sentido, há críticas no que tange à ausência de técnica da nomenclatura pendente trazida pelo Código Tributário Nacional (CTN). Assim, alguns doutrinadores entendem que não há possibilidade de fato gerador pendente no ordenamento jurídico, como dispõe expressamente o CTN, já que o fato gerador irá, ou não, ocorrer. Observa-se que o art. 105 do CTN diz pendente o fato gerador cuja ocorrência teve início, mas não se completou nos termos do art. 116 do CTN. Esse último dispositivo, por seu turno, disciplina o fato gerador cujo surgimento se dá com base em situação de fato e o fato gerador cujo surgimento se dá com base em situação jurídica. No primeiro caso, mais simples, tem-se aquele que surge quando determinada situação fática passa a existir no plano material. Já no que tange ao fato gerador com base em situação jurídica, surge quando uma situação disciplinada em determinado ramo do direito – que não o tributário -, se concretiza nos termos normativos daquele ramo, trazendo consequências jurídicas na seara tributária; como exemplo tem-se a propriedade de imóvel, que, quando concretizada nos termos do Direito Civil, passa a ter consequências jurídicas na seara tributária – no caso, o proprietário passa a ser sujeito passivo na relação jurídica tributária, ou seja, contribuinte de Imposto sobre a Propriedade Predial Urbana – IPTU. Assim, considerando que o legislador denomina fato gerador pendente aquele que teve início, mas não se concretizou nos termos do art. 116 do CTN, a interpretação feita pelo doutrinador Sacha Calmon seria no sentido de que o legislador estaria fazendo menção a situação jurídica e não ao fato gerador, e, mais precisamente, ao negócio jurídico sujeito a condição suspensiva disciplinada no art. 117, I, CTN, que remete ao art. 116, II, CTN (COÊLHO, 2013, p.589 – 590). Senão vejamos: “Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.(…)” (grifo nosso) “Art. 117. Para os efeitos do inciso II do artigo anterior e salvo disposição de lei em contrário, os atos ou negócios jurídicos condicionais reputam-se perfeitos e acabados: I – sendo suspensiva a condição, desde o momento de seu implemento; II – sendo resolutória a condição, desde o momento da prática do ato ou da celebração do negócio.” (grifo nosso) Isso porque, seria a única hipótese dentre as previstas no art. 116 c/c art. 117 CTN em que haveria pendência; neste caso, o negócio jurídico ficaria pendente até o implemento da condição suspensiva. Assim, pode-se visualizar como exemplo um negócio jurídico em que o indivíduo A compromete-se a transferir um imóvel ao indivíduo B, desde que este lhe entregue determinado objeto; nesta hipótese, só com o implemento da condição, qual seja, a entrega do objeto, haverá a transferência do imóvel, e, portanto, o fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI). Portanto, observa-se que pendente é o negócio jurídico sujeito a condição suspensiva, o fato gerador ocorre ou não ocorre, a depender do implemento da condição. Portanto, não seria tecnicamente correto afirmar que o fato estaria pendente; o fato gerador, neste caso, seria futuro. Nesse sentido, nas palavras do doutrinador Paulo de Barros (CARVALHO, 2011, p.124) fato gerador futuro é aquele que ainda não se verificou, mas, quando acontecer, sob a égide da legislação tributária vigente, receberá seu impacto, ficando a ela submetido quanto à disciplina de seus efeitos jurídicos. É importante salientar que alguns doutrinadores entendem, ainda, que fato gerador pendente seria aquele que não completou seu ciclo de formação, o denominado fato gerador complexivo, ou periódico, e, por isso, estaria pendente. Nesse caso, o exemplo clássico seria o imposto de renda (IR), que tem ciclo de formação entre 1º de janeiro e 31 de dezembro, logo, até 31 de dezembro, o fato gerador estaria pendente, já que não completou o ciclo de formação. Conforme esse entendimento, uma lei que viesse a ter vigência em 31 de dezembro seria aplicável a todo ciclo, desde 1º de Janeiro – é a denominada retroatividade imprópria (ALEXANDRE, 2011). Porém, conforme essa corrente, mesmo para aqueles que obedeçam determinado ciclo de formação a lei estabelece um momento de completude do ciclo, e seria este momento o da ocorrência do fato gerador. Logo, por esse entendimento, também não haveria fato gerador pendente; o fato gerador que ainda não completou o ciclo, seria, desta forma, fato gerador futuro. Portanto, conclui-se que, independente do entendimento adotado, a legislação tributária aplica-se aos fatos geradores futuros, dotada de atecnia a expressão fato gerador pendente. 3 EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA – ART. 150, III, “a” da CF/88: LEI EXPRESSAMENTE INTERPRETATIVA De acordo com o princípio da irretroatividade tributária previsto no art. 150, III, “a” da CF/88, em regra, a lei tributária não retroage para atingir fatos geradores anteriores a sua vigência, ou seja, aplica-se aos fatos geradores futuros. No entanto, o ordenamento contempla algumas exceções no art. 106 do Código Tributário Nacional, quais sejam: tratando-se de ato não definitivamente julgado: quando deixe de defini-lo como infração; quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática; e quando tratar-se de lei expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados. Sendo esta última hipótese objeto do presente estudo. No que tange à interpretação das leis, esta será realizada, em regra, pelo Poder Judiciário. No entanto, poderá ser realizada, também, pelos doutrinadores, Administração Pública e Poder Legislativo. A última hipótese, objeto do presente estudo, denomina-se interpretação autêntica Nesse sentido quando a interpretação é realizada pelo Poder Legislativo, este Poder editará lei com finalidade única de melhor elucidar outro dispositivo, por isso denomina-se lei expressamente interpretativa. Vale ressaltar que o dispositivo ainda veda a possibilidade de aplicação de penalidade aos dispositivos interpretados, já que, nesse caso, a lei irá retroagir. Dessa forma, no Direito Tributário, quando o Poder Legislativo realiza tal função atípica, a referida lei poderá retroagir, atingindo situações anteriores a sua vigência. Nesse caso, é importante destacar que a referida lei, em nenhuma hipótese, poderá exercer função normativa, inovando ou modificando a ordem jurídica, sob o argumento de que se trata de interpretação autêntica, pois o objetivo deve ser apenas elucidar outro dispositivo que necessite de melhor compreensão. Assim, existem críticas no que concerne a interpretação realizada pelo legislador mediante lei interpretativa. Logo, o doutrinador Sacha Calmon esclarece que, embora seja possível o Poder Legislativo legislar em sentido contrário a entendimento judicial – caso contrário, teríamos o engessamento do ordenamento jurídico -, a lei interpretativa não poderá tratar de assunto já decidido pelo Poder Judiciário. Nesse caso, conforme o doutrinador, a lei dita interpretativa não poderia retroagir, por não ter natureza interpretativa, e nem regular situações futuras, já que não possui caráter normativo (COÊLHO, 2013, p.568-571). As críticas feitas pelo doutrinador Sacha Calmon parecem pertinentes, já que a lei expressamente interpretativa deverá ser utilizada somente em situações excepcionais, que demandem a atuação do Poder Legislativo no exercício de função atípica/anômala. Sendo assim, não seria possível o legislador interpretar lei por meio de desempenho de função legislativa, trazendo entendimento já decidido no âmbito do Poder Judiciário, com a finalidade de atingir situações já consolidadas, argumentando tratar-se de lei meramente interpretativa, sob pena de infringência do princípio da separação dos poderes. Importante salientar que o Supremo Tribunal Federal admite a lei expressamente interpretativa, entendendo que não há usurpação de função do Poder Judiciário e, inclusive, a referida lei deve ser submetida a controle judicial. No entanto, por óbvio, deverão ser respeitadas as situações já consolidadas, conforme julgamento da ADI 605 MC, in verbis: “As leis interpretativas – desde que reconhecida a sua existência em nosso sistema de direito positivo – não traduzem usurpação das atribuições institucionais do Judiciário e, em consequência, não ofendem o postulado fundamental da divisão funcional do poder. Mesmo as leis interpretativas expõem-se ao exame e à interpretação dos juízes e tribunais. Não se revelam, assim, espécies normativas imunes ao controle jurisdicional.” (ADI 605‑MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-10-1991, Plenário, DJ de 5-3-1993.) Conclui-se, portanto, legítima a interpretação realizada pelo Poder Legislativo – interpretação autêntica -, desde que a lei tenha natureza meramente interpretativa, ou seja, com o objetivo de, tão somente, elucidar outros dispositivos. 4 CONCLUSÃO No que tange a legislação tributária, observa-se que esta aplica-se aos fatos geradores futuros, dotada de atecnia a expressão fato gerador pendente.  Isto porque, parte da doutrina entende que conforme art. 116 c/c art. 117 CTN pendente é o negócio jurídico sujeito a condição suspensiva, assim, o fato gerador ocorre ou não ocorre, a depender do implemento da condição. Já, outra parte, entende que é possível denominar pendente o fato gerador complexivo ou período, e neste caso, a lei estabelece um momento de completude do ciclo, e seria este momento o da ocorrência do fato gerador. Portanto, em ambas as hipóteses, o fato gerador será futuro. Ademais, conforme o princípio da irretroatividade elencado no art. 150, III, “a” da CF/88, em regra, a lei tributária não retroagirá para atingir fatos geradores anteriores a sua vigência, no entanto, o art. 106 do CTN admite exceções, dentre elas, a lei expressamente interpretativa (ar. 106, I, CTN). Ressalte-se que a referida lei, embora admitida no ordenamento jurídico pátrio, não poderá inovar ou modificar a ordem jurídica, sob pena de comprometimento da segurança jurídica. E nem tratar de assunto já decido pelo poder judiciário, sob pena de infringência do princípio constitucional da separação dos poderes. Portanto, o presente artigo buscou elucidar aspectos controversos pontuais relativos a aplicação da legislação tributária.
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Interseção da teoria capitalista humanista de direito econômico com o direito tributário
Vive-se hoje uma realidade jurídica em que se demanda a consagração – por meio da aplicação – dos direitos humanos em todos os ramos do direito. A questão central do trabalho volta-se à indagação de se saber até que ponto hoje em dia doutrina e jurisprudência aceitam a aplicação de normas humanísticas no direito tributário a ponto de se considerar que haja uma interseção entre a teoria capitalista humanista de direito econômico com o direito tributário.[1]
Direito Tributário
Introdução Há muito vimos nos dedicando ao estudo do direito tributário, área de concentração do mestrado a que estamos filiados, disciplina esta que se encontra marcada historicamente como sendo, talvez ainda, uma das últimas resistências da corrente filosófica jus-positivista, cujos elos dessa corrente já se mostram fragmentados pelo próprio Judiciário em decisões que contemplam os direitos humanos na tributação. Para nossa grata surpresa, no curso de filosofia I, segundo semestre de 2012, fomos apresentados à teoria jus-humanista de regência jurídica da economia e do mercado, que embasa um novo marco teórico da análise jurídica do capitalismo, qual seja, o capitalismo humanista. Essa teoria muito nos interessou, porque sendo uma teoria de direito econômico pensamos como poderíamos aplicá-la nas searas do direito tributário, haja vista que o fato econômico interessa às duas disciplinas, na medida de seus objetos de estudo. Assim, pretendemos neste trabalho fazer uma análise das premissas desta nova teoria jurídico-econômica, visando a responder as seguintes indagações: a teoria jus-humanista aplica-se ao direito tributário? Como o Poder Judiciário enxerga o jus-humanismo frente aos comandos normativos das normas tributárias? Pautamos nossos estudos, principalmente, na obra “O Capitalismo Humanista”, dos professores Ricardo Sayeg e Walter Balera, assim como na obra “Filosofia do Direito Tributário”, do professor Renato Lopes Becho. Procedemos a este corte metodológico porque desejamos testar a hipótese de aplicação do jus-humanismo no direito tributário, assim como o fizeram Balera e Sayeg no direito econômico. 1. Apresentação da teoria jus-humanista de regência jurídica da economia e do mercado. Desenvolvida pelos professores Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011, p. 17-47), a teoria jus-humanista de regência jurídica da economia e do mercado defende a conciliação entre o capitalismo e os direitos humanos, por isso conhecida como a escola da teoria capitalista humanista. 1.1. Marco teórico Segundo afirmam esses juristas (BALERA; SAYEG, 2011, p. 25-27), a teoria possui os marcos teóricos na Lei Universal da Fraternidade e na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O primeiro encontra esteio no culturalismo cristão que permeia quase todas as sociedades, nos vieses característicos de cada povo. O segundo, na fraternidade inerente aos direitos humanos, no direito natural, que restou por ser positivada em 10.12.1948, na Assembleia Geral da ONU. A teoria não nega o capitalismo, muito pelo contrário, o admite, porém na concepção humanista, como forma de se atingir a liberdade, igualdade e fraternidade. O capitalismo individualista, segundo as teorias de Adam Smith e David Ricardo, é rejeitado pelo capitalismo humanista. Como formulação lógico-jurídica da teoria, propõe-se o deslocamento deontológico do capitalismo neoliberal do “ser” para o “dever ser”, consubstanciado nos diretos humanos, senão vejamos: “[…] o capitalismo precisa ser salvo dos capitalistas neoliberais. Uma resposta deve ser dada a eles, e a melhor resposta é a humanização da economia de mercado, deslocando deontologicamente o capitalismo neoliberal: do seu ser – que corresponde ao estado da natureza, selvagem e desumano – para o seu dever-ser da concretização multidimensional dos direitos humanos mediante a universal dignificação da pessoa humana.”. (BALERA; SAYEG, 2011, p. 25). 1.2. Premissas Os cultores da teoria jus-naturalista de regência jurídica da economia e do mercado, Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011, p. 29-38), afirmam que a econômica de mercado, nos moldes do capitalismo individualista não tem conseguido garantir a dignidade humana, diante das evidências constatáveis pelas notórias crises econômicas, conflitos e estado de exclusão social. Diante desse quadro, afirmam que a Lei Universal da Fraternidade inserida no ambiente capitalista é o melhor meio para se atingir a liberdade e a igualdade, e, que, em última análise são essenciais para a busca da democracia e paz no Planeta. A dignidade humana é vista como a metassíntese da economia, da política e do direito, o que faz com que a teoria revisite o direito natural, e o afirme na concepção pós-mordena dos direitos humanos, resgatando a “[…] significativa influência do jusnaturalismo tomista […]” (BALERA; SAYEG, 2011, p. 30). A premissa da filosofia humanista do Direito Econômico, quanto aos direitos humanos, refuta a ideia neoliberalista de esgotá-los apenas nos direitos de primeira dimensão, nas liberdades negativas, e assume a visão desses direitos no plano da eficácia tomando-os na multidimensionalidade, conforme podemos conferir a seguir: “Logo, no tocante ao capitalismo, que é baseado na liberdade, evidencia-se a missão dos direitos humanos: incidir em sua multidimensionalidade, sob a perspectiva de adensamento, para reconhecê-lo e a ela agregar igualdade e fraternidade […].” (BALERA; SAYEG, 2011, p. 34). Para a corrente jus-econômica do capitalismo humanista, a premissa é a de que o capitalismo só consegue subsistir se os direitos humanos, em todas as suas dimensões, forem respeitados e contemplados por todos e para todos, tanto na aplicação vertical (Estado-cidadão), quanto na horizontal (cidadão-cidadão), a ponto de não se permitir exclusões sociais. Assim, fazem-se unir, em um só núcleo de afirmação, o espírito capitalista e o espírito da fraternidade. Daí dizerem que os direitos humanos estão encapsulados no intratexto do direito, lançando tal premissa como substancia para a metodologia empregada na formulação da teoria (BALERA; SAYEG, 2011, passim). 1.3. Metodologia A metodologia utilizada por Sayeg e Balera (2011, p. 39-42) na formulação da teoria do capitalismo-humanista consubstancia-se no Construtivismo Lógico-Semântico a que Paulo de Barros Carvalho (2009, p. 5) faz referência. Essa metodologia utiliza da filosofia do direito, da teoria geral do direito, da filosofia da linguagem e da semiótica jurídica para interpretar, com todo rigor metodológico-científico, as estruturas lógicas do texto jurídico, nos planos sintático, semântico e pragmático.  Por meio do construtivismo lógico-semântico, o interprete jus-humanista do direito econômico irá formar o sentido da norma, tendo como pressuposto o intratexto normativo consubstanciado nos direitos humanos, em todas as suas dimensões, em todos os planos constantes do percurso gerador de sentido dos textos jurídicos, quais sejam: plano da expressão do direito positivo, dos conteúdos dos enunciados prescritivos, das proposições deonticamente estruturadas e do plano das significações normativas sistematicamente organizadas (CARVALHO, 2009, p. 181-188). O interprete jus-econômico do capitalismo humanista, a partir do texto de lei, buscará a significado e o alcance das normas jurídicas econômicas, captando o comando normativo (proibido, permitido e facultado), sempre tento em vista que os direitos humanos estão sempre presentes nos comandos do intratexto jurídico, cuja eficácia jurídica é plena e não meramente programática como a corrente positivista defendia. Em relação à discussão sobre normas programáticas à luz dos direitos humanos, Thiago Lopes Matsushita (2007, p. 129), em brilhante trabalho publicado sob o título “Análise Reflexiva da Norma Matriz da Ordem Econômica”, descarta qualquer possibilidade de não aplicação das normas constitucionais de diretos humanos sob a alegação de falta de eficácia por ausência de norma infraconstitucional que lhes regulem as aplicações, senão vejamos: “Essa profusão de garantias e direitos, principalmente, aqueles estatuídos no Título II da Constituição Federal (Dos direitos e garantias fundamentais) […] fez com que alguns operadores do Direito imputassem àquelas normas, que não são de fácil realização, que elas fossem encaradas como normas programáticas. Note-se que o conceito de norma programática é um conceito criado pela doutrina, é uma invenção doutrinária. A Constituição não diz em nenhum dispositivo que tais normas sejam apenas e tão-somente um programa.” […] “O que deveria ficar claro é que em nenhum momento o constituinte originário retira da norma constitucional seu efeito ou sua eficácia, a título de ser uma norma apenas e tão-somente programática. Esse tipo de construção doutrinária pode ser uma saída para o poder público se justificar ante sua omissão injustificada na consagração dos direitos fundamentais de segunda e terceira gerações. O que parece claro é que os direitos fundamentais auto-aplicáveis por excelência, não são apenas os direitos fundamentais de primeira geração que são as liberdades. Sendo assim, tem-se que estudar e aplicar as normas constitucionais como sendo normas constitucionais que são.” […] “Daí porque sustentamos que o cunho humanista no capitalismo constitucional brasileiro lhe impinge ditames de conformidade com uma perspectiva política, social e cultural, que em última ratio são direitos humanos de terceira geração e, via de consequência (sic), direitos fundamentais efetivos que não admitem ser esvaziados à categoria de normas programáticas”. (MATSUSHITA, 2007, p. 90-92 e 129). Uma vez apresentada, em linhas gerais, a teoria jus-econômica do capitalismo humanista, passemos a dissertar um pouco sobre os direitos humanos como corrente jusfilosófica, para depois então tentarmos responder às indagações formuladas. 2. Inserção da teoria jus-humanista no direito tributário. Em Renato Lopes Becho (2009, p. 226 e 262 a 263), a doutrina dos direitos humanos surge com toda força após a Segunda Guerra Mundial, palco das atrocidades do regime nazista, reafirmando a importância do direito relacionado com a ética e a moral, passando a teoria dos valores a ocupar preponderância para o conhecimento do sistema jurídico, renovado com novos mecanismos protetivos do homem. Nesse contexto, o direito deixou de ser visto apenas como instrumento de controle social por parte do Estado, passando a sociedade a controlar o Estado. Essa revolução legal se traduz na “[…] doutrina dos direitos humanos, que levou ao pós-positivismo e ao neoconstitucionalismo”. Apenas para deixar consignado, mas sem nos aprofundar no assunto, por não ser objeto específico do presente trabalho, a doutrina ainda não formou consenso sobre a terminologia desta corrente filosófica. Uns a chamam de direitos humanos, outros de neoconstitucionalismo e outros de pós-positivismo. Na linha do Professor Renato Lopes Becho (2009, p.243), adotamos a terminologia de direitos humanos para doutrina explicada acima. Quanto ao neoconstitucionalismo, entendemos, conforme Becho, como a doutrina que “[…] não apenas coloca a Constituição em posição de superioridade com relação às demais leis, protege o Texto Constitucional das alterações comuns havidas na legislação, como também preenche a Constituição com textos indeterminados e que visam a um objetivo maior: a posição sobranceira dos direitos humanos” (BECHO, 2009, p. 262). Em Becho (2009, p. 262 e 263), a doutrina dos direitos humanos sustenta que o direito é o conjunto de normas que objetiva e tem como finalidade, acima de tudo, a proteção universal do homem. Sua característica principal é a síntese do direito natural e o direito positivo, viabilizando a união entre essas doutrinas e preservando o que elas têm de melhor, ou seja: o valor do direito natural e a técnica positivista, respectivamente. A doutrina dos direitos humanos resgatou o direito natural na sua acepção de valorativo, fazendo ressurgir a visão kantiana de que a liberdade é o primeiro princípio jurídico universal. Assim, para Becho, a dogmática dos direitos humanos não nega o positivismo jurídico, mas avança no sentido de dar outro enfoque na positivação da norma jurídica, alcançável pela interpretação das diversas fontes do direito, partindo sempre da premissa de que o cientista e o operador do direito devem optar pela possibilidade interpretativa que melhor aplique os valores protetivos do homem. A escola dos direitos humanos confere às decisões judiciais firmes dos tribunais o atributo de fonte de direito, colocando o Poder Judiciário no lugar que lhe é devido em face do Poder Legislativo. Quanto à exigência da universalidade, como elemento de afirmação da dogmática em bases científicas, os positivistas se calam, diante da criação e pleno funcionamento do Tribunal Penal Internacional, como demonstração concreta da universalidade dos direitos humanos. A universalidade aqui é empregada não como o atributo de existência ou validade em todos os lugares do globo, mas sim como um atributo da capacidade de transplantar os direitos humanos para qualquer lugar do mundo. Em Lourival Vilanova (2003, p. 424) os direitos humanos não podem ser desfeitos pelo legislador, seja ordinário ou originário. Sua afirmação fundamenta-se na teoria do estado-social-democrático de direito, que como qualquer modalidade histórica de Estado de direito fundamenta-se na tese dos direitos humanos. Lembra-nos que não é qualquer Estado jurídico que é Estado de direito, sendo característico deste a repartição do exercício do poder visando em última análise a garantir o exercício dos direitos humanos. Ensina-nos que o Estado de Direito pressupõe, entre outros atributos, (i) a supremacia material e (ii) formal da Constituição, sendo que a material, qualquer Estado a tem, uma vez que não existe Estado sem Constituição ou sem leis constitucionais ratione materiae, e a formal como aquela que confere às normas constitucionais o caráter de “superlegalidade”. Sob o prisma da teoria das classes, Lourival Vilanova (2003, p. 426) norteia-nos com a afirmativa de que os direitos humanos são direitos subjetivos básicos que não retiram fundamento de validade do ordenamento jurídico em vigor, que é mutante em função do poder político que se altera, mas sim de uma ordem jurídica objetiva universalmente válida. Nesse contexto, é que Ricardo Sayeg e Wagner Balera (2011, p. 46) afirmam que o ordenamento jurídico brasileiro é dirigido pelo vetor da dignidade da pessoa humana, como concretização dos direitos humanos na forma multidimensional, sendimentado, inclusive, na forma federativa do Estado brasileiro, senão vejamos: “Para tratamento interno quanto aos direitos humanos, a competência federativa, por sua vez, em que pese não restar explícita em nossa Carta Magna, é implicitamente evidente. Tal competência não é propriamente legislativa, já que os direitos humanos têm natureza de direito inato e preexistente, anterior à própria outorga da competência constitucional. De fato, os direitos humanos não necessitam nem pressupõem positivação, uma providência dispensável, mero esforço formal.”. (BALERA; SAYEG, 2011, p. 46-47). Pelo exposto, e ainda com escólio nas ideias de Sayeg e Balera (2011, p. 47), sendo os direitos humanos inatos e preexistentes à ordem jurídica positiva, a competência é na verdade executiva, sendo que sua concretização deve ser inafastável da organização do Estado, tratando-se, por via da consequência, de competência comum entre os nossos Entes Federativos. Para responder as nossas indagações – se a teoria jus-humanista aplica-se ao direito tributário e como o Poder Judiciário enxerga o jus-humanismo frente aos comandos normativos das normas tributárias – partimos do pressuposto de que a ciência do direito tem por objeto de estudo o ordenamento jurídico e que o direito é uno. Tal unicidade do direito, entretanto, exige que se divida a ciência jurídica em disciplinas didáticas, por exemplo o direito econômico, direito tributário etc., para melhor se entender e explicar o fenômeno jurídico. Renato Lopes Becho (2009, p. 106) distingue a ciência jurídica da didática do direito. Em sua visão, a ciência jurídica se ocupa dos critérios para o conhecimento e cumprimento do direito, referente às leis, às disposições hierárquicas e ao conflito aparente de normas postas no sistema. A didática jurídica abrange todos os instrumentos à disposição dos docentes para melhor explicar e ensinar o fenômeno jurídico. A disciplina do direito econômico tem por objeto “[…] regulamentar as medidas econômicas referentes às relações e interesses individuais e coletivos harmonizando-as – pelo princípio da ‘economicidade’ – com a ideologia adotada na ordem jurídica […]” (SOUZA, 1980, p. 3, apud, BECHO, 2011, p. 52). Já, o direito tributário, na visão positivista (tradicional) tem por objeto o tributo, e somente o tributo, senão vejamos posicionamento o insigne jurista baiano Aliomar Baleeiro: “[…] o Direito Fiscal, sinônimo de Direito Tributário, aplica-se contemporaneamente e a despeito de qualquer contra-indicação (sic) etimológica ao campo restrito das receitas de caráter compulsório. Regula precipuamente as relações jurídicas entre o Fisco, como sujeito ativo, e o contribuinte, ou terceiros como sujeitos passivos.”. (BALEEIRO, 1977, p. 7). Entretanto, doutrina de vanguarda, utilizando fundamentação jusfilosófica, como base na máxima liberdade kantiana e na norma fundamental kelseniana (BECHO, 2009, p. 341-351) pensa de maneira diferente, sinalizando, por meio da concretização dos direitos humanos, que o objeto do direito tributário deve assumir a perspectiva do contribuinte e não do tributo, senão vejamos: “Cada vez mais, na atualidade, a discussão ético-subjetiva passa a interessar ao direito, em uma reação tipicamente humanista no terreno tributário, antes dominado por um positivismo exacerbado. Destacamos a solidariedade social como fator de decisão tributária, movida principalmente pelos valores, focando a norma posta apenas em plano secundário. Aliás, a aplicação da solidariedade social à tributação é hoje uma importante vertente de pesquisa, compondo uma verdadeira escola (linha de estudo) […].”. (BECHO, 2011, p. 356). Vivemos o apogeu dos direitos humanos, conforme alguém já teria dito. A corrente jusfilosófica pós-positivista faz com que o exegeta-aplicador do direito não mais se sirva, apenas, do império da lei, mas também dos valores dos direitos humanos contidos na ordem objetiva aceita por todos, mesmo antes de se transformarem em direitos subjetivos, positivados pela Constituição Federal. Pensamos que o hoje o direito tributário não mais se esgota no fenômeno jurídico-tributário da subsunção, que enxerga o juiz como um autômato, um órgão avalorativo, que deve apenas verificar se o fato se subsome à norma, segundo visão positivista. Podemos verificar, então, sob o prisma do fenômeno jurídico, enquanto “[…] tudo aquilo que nos é imediatamente dado […]” (HESSEN, 1946, p. 37), a existência de uma zona de interseção entre o direito econômico e o direito tributário, que se resume na dignificação do ser humano, que é fulcral aos direitos humanos. Já não mais se aplica a visão positivista, cuja perspectiva se esgota na subsunção do fato à lei, mas pela aplicação efetiva da teoria dos valores, que nos é dada também como fenômeno jurídico, pela ordem valorativa objetiva que precede a positivação dos direitos humanos como direitos subjetivos. Em verdadeiro lance inovador, Renato Lopes Becho (2009, 324) vislumbra que o pós-positivismo ou os direitos humanos unem o positivismo à parcela valorativa do direito natural, assim como apresenta, como síntese de Kelsen e de Kant as seguinte “[…] máxima ou norma fundamental: cumpra-se a Constituição de modo que o seu cumprimento possa coexistir com a liberdade de todos de acordo com uma lei universal”. Suas convicções são firmadas nos direitos humanos, visto como filosofia pós-positivista, que possibilita uma nova abordagem para o estudo do direito tributário, diante da evidência de que a “[…] concepção humanista do direito atual é, em resumo, a fundamentação da ordem jurídica pelos valores que protegem os seres humanos”, utilizando suas palavras (BECHO, 2009, p. XIV- XVII). Esses valores estão positivados por meio dos princípios que irradiam efeitos por todo o sistema jurídico, incluindo o direito tributário. Por isso que Becho (2009, 2011, p. 147 a 148) nos ensina que a teoria pós-positivista é aquela que utiliza do texto de lei, da interpretação e da jurisprudência, para atingir o sentido e o alcance das normas jurídicas nas suas modalidades deônticas (proibido, permitido ou facultado). Eis uma decisão firme e exemplar do Egrégio STJ que declara vivermos a era do pós-positivismo, como a corrente filosófica que consagra a aplicação dos direitos humanos, em patamares superiores à regra infraconstitucionais: “REsp 567873 / MG. RECURSO ESPECIAL. 2003/0151040-1 Ministro LUIZ FUX (1122).PRIMEIRA TURMA. JULGAMENTO EM 10/02/2004. DJ 25/02/2004 p. 120. RSTJ vol. 182 p. 134. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. ISENÇÃO NA COMPRA DE AUTOMÓVEIS. DEFICIENTE FÍSICO IMPOSSIBILITADO DE DIRIGIR. AÇÃO AFIRMATIVA. LEI 8.989/95 ALTERADA PELA LEI Nº 10.754/2003. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEX MITIOR…. 2. Consectário de um país que ostenta uma Carta Constitucional cujo preâmbulo promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, promessas alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, é o de que não se pode admitir sejam os direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiência, relegados a um plano diverso daquele que o coloca na eminência das mais belas garantias constitucionais. … 4. Como de sabença, as ações afirmativas, fundadas em princípios legitimadores dos interesses humanos reabre o diálogo pós-positivista entre o direito e a ética, tornando efetivos os princípios constitucionais da isonomia e da proteção da dignidade da pessoa humana, cânones que remontam às mais antigas declarações Universais dos Direitos do Homem. Enfim, é a proteção da própria humanidade, centro que hoje ilumina o universo jurídico, após a tão decantada e aplaudida mudança de paradigmas do sistema jurídico, que abandonando a igualização dos direitos optou, axiologicamente, pela busca da justiça e pela pessoalização das situações consagradas na ordem jurídica. … 8. In casu, prepondera o princípio da proteção aos deficientes, ante os desfavores sociais de que tais pessoas são vítimas. A fortiori, a problemática da integração social dos deficientes deve ser examinada prioritariamente, maxime porque os interesses sociais mais relevantes devem prevalecer sobre os interesses econômicos menos significantes. 9. Imperioso destacar que a Lei nº 8.989/95, com a nova redação dada pela Lei nº 10.754/2003, é mais abrangente e beneficia aquelas pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legala pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003), vedando-se, conferir-lhes na solução de seus pleitos, interpretação deveras literal que conflite com as normas gerais, obstando a salutar retroatividade da lei mais benéfica. (Lex Mitior). 10. O CTN, por ter status de Lei Complementar, não distingue os casos de aplicabilidade da lei mais benéfica ao contribuinte, o que do art. 1º, § 1º, da Lei 8.989/95, afasta a  interpretação literal incidindo a isenção de IPI com as alterações introduzidas pela novel Lei 10.754, de 31.10.2003, aos fatos futuros e pretéritos por força do princípio da retroatividade da lex mitior consagrado no art. 106 do CTN. 11. Deveras, o ordenamento jurídico, principalmente na era do pós-positivismo, assenta como técnica de aplicação do direito à luz do contexto social que: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". (Art. 5º LICC). 12. Recurso especial provido para conceder à recorrente a isenção do IPI nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 8.989/95, com a novel redação dada pela Lei 10.754, de 31.10.2003, na aquisição de automóvel a ser dirigido, em seu prol, por outrem.” (grifos nossos) Pela jurisprudência colacionada, vemos que na visão pós-positivista, os direitos humanos surgem com toda força de eficácia jurídica, com fundamento na ordem jurídica objetiva, de aceitação geral, que precede a positivação constitucional desses direitos. O império da lei foi suplantado pelo império dos direito humanos, tendo a dignidade da pessoa humana como centro de maior valor do ordenamento jurídico. Nesse diapasão, fazemos uma correlação entre a teoria do capitalismo humanista de Ricardo Sayeg e Wagner Balera e direito tributário. Afirmamos que os direitos humanos são o elemento jurídico que caracteriza a interseção do direito econômico humanista no direito tributário (direito tributário humanista, porque não?), que hoje vê o contribuinte como centro de suas atenções. Sob essa perspectiva, Renato Lopes Becho (2009, p. 342) defende que hoje surge uma nova concepção para o direito tributário, qual seja: a centrada no contribuinte, e não mais no tributo. Em suas sábias palavras: “[…] nos direitos humanos o homem substitui a norma jurídica como maior referência do direito, no direito tributário esse homem recebe o rótulo de contribuinte (lato sensu) […]”. “Na atualidade, a afirmação de que o direito cria suas próprias realidades tem que ser sopesadas com uma importante condicional: o direito cria sua própria realidade desde que respeite o ser humano acima de tudo, notadamente com sua diversidade. É dizer: o direito cria sua própria realidade, desde que essa realidade normativa esteja em consonância com os valores supremos do ordenamento jurídico, a partir da máxima da liberdade, nos termos expressos por Kant […].”. (BECHO, 2009, p. 342). Assim, as afirmativas de Balera e Sayeg (2011, passim) de que os Direitos Humanos estão inseridos no intratexto do direito positivo aplicam-se também ao direito tributário, mesmo, porque, conforme afirma Thiago Matsushita (2007, passim) o art. 5º, §1º, afasta qualquer alegação de que os direitos humanos são normas programáticas, dependentes de lei que lhes deem eficácia jurídica. Na esteira do Thiago Matsushita, pensamos que o § 1º, do art. 5º, da CF, prescreve, no altiplano valorativo do nosso ordenamento jurídico, que todas as normas a serem construídas pelos cientistas e aplicadores do direito pressupõem como elemento de validade a dignificação da pessoa humana, sumo dos direitos humanos, senão vejamos: “Art. 5º, da CF/88 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…] §1ºas normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”. Por tudo que aqui dissemos, passamos à conclusão do nosso trabalho, onde consignaremos os caminhos possíveis para as respostas às nossas indagações. CONCLUSÃO Os vetores das respostas às nossas indagações passam pela máxima da liberdade kantiana e pela norma fundamental kelseniana de forma associada, assim como, pela teoria dos valores, que contemplam os direitos humanos como valor objetivo preexistente e subjetivo constitucional, inserido no intratexto de todas as normas do ordenamento jurídico, tanto em nível geral e abstrato, quanto individual e concreto. Quanto à primeira indagação por nós lançada, verificamos que a teoria jus-humanista de regência jurídica da economia e do mercado, ou simplesmente teoria jurídica econômica do capitalismo humanista, possui interseção com o direito tributário da atualidade, porque sua metodologia e premissas deságuam em algo que é comum às duas disciplinas, qual seja: a dignidade da pessoa humana. O direito tributário da atualidade, consagrado pela corrente pós-positivista tanto em nível doutrinário quanto jurisprudencial, tem a dignidade da pessoa do contribuinte como um valor supremo a ser preservado. O poder Judiciário e o Poder Legislativo têm se mostrado atualizados com a doutrina dos direitos humanos no âmbito do direito tributário. O primeiro pela produção de suas normas individuais e concretas, muitas vezes deixando de dar eficácia jurídica a normas válidas no sistema, visando a preservar a dignidade da pessoa humana e, por conseguinte, a do contribuinte. O Poder Legislativo, através da edição dos códigos da defesa dos contribuintes (nas três esferas federativas) também vem demonstrando a nova face do direito tributário, voltada para o contribuinte e não apenas para o tributo.  No que tange à segunda indagação – Como o Poder Judiciário enxerga o jus-humanismo frente aos comandos normativos das normas tributárias – em parte já respondemos acima, mas apenas para enfatizar, o Poder Judiciário já não mais se contenta com as respostas positivistas, avalorativas. Cada vez mais vemos decisões perpassando a teoria dos valores, com fundamento nos direitos humanos, culminando com as decisões que dignificam a pessoa humana.
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Sonegação fiscal na responsabilidade tributária do cidadão contribuinte
A Responsabilidade Tributária e suas tipologias, bem como explicar sobre o crime de sonegação fiscal e suas diversas modalidades, e, por fim realizar intersecção entre Responsabilidade Tributária e Sonegação Fiscal, expondo as consequências jurídicas do cometimento do crime e apresentando possíveis soluções à problemática, com base nas legislações correlatas. A sonegação fiscal é um delito que prejudica tanto ao Poder Publico, ao contribuinte como o próprio sonegador, tendo em vista que essa conduta prejudica a cobrança e arrecadação de recursos para o Poder Público, devendo haver a conscientização de que o cumprimento da responsabilidade legal é mais que uma obrigação legal, como também um papel social, em prol do desenvolvimento socioeconômico do país.
Direito Tributário
Introdução Atualmente, percebe-se que a carga tributária brasileira é uma das mais onerosas do mundo, abrangendo desde renda, produção, venda e transferência de mercadorias, além de outras taxações no que diz respeito à habitação, transporte e outros aspectos corriqueiros. Diante essa realidade, muitos contribuintes cidadãos alimentam verdadeira revolta contra o sistema tributário nacional, sentimento esse mais acirrado ante a sua hipossuficiência em relação ao Fisco. Assim, por uma atitude de manifestação ou de delito, muitos cidadãos acabam por perpetrar a chamada sonegação fiscal, que se consiste na declaração falsa ou omissão de documentos aos órgãos administrativos responsáveis pela cobrança e arrecadação tributária, com o objetivo de eximir-se, parcial ou totalmente, do encargo referido. Esse crime, considerando sua propagação a nível nacional, foi regulamentado, inicialmente, pela Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, na qual se define o crime e as condutas características. Posteriormente, foi promulgada a Lei nº 8.137/90, na qual passou a se definir demais crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, dentre outras providências, além da previsão das penalidades concernentes às referidas condutas delituosas. Porém, denota-se que ainda existem muitos casos de sonegação fiscal, seja por parte do contribuinte cidadão como da pessoa jurídica, buscando todas as brechas legais para o cometimento do delito em questão, inclusive sendo orientados por profissionais da área contábil. Assim, em observância a essa situação, foi promulgada a Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, que prevê o parcelamento de débitos tributários, tanto para o cidadão contribuinte, quanto para a pessoa jurídica, tornando os encargos tributários menos onerosas, facilitando a cobrança e a quitação desses débitos. Infelizmente, mesmo com todas essas facilidades, ainda há perpetuação da conduta delituosa. Segundo a Lei nº 8.137/90, há a previsão de penalidades de âmbito administrativo e penal, compreendendo, dessa forma, a aplicação de multa, detenção ou reclusão. 1 – Conceito de Responsabilidade Tributária Responsabilidade define a “Qualidade ou condição de responsável”, bem como “Obrigação de responder pelos próprios atos ou de outrem”. Juridicamente, esse vocábulo significa “Condição ou estado do indivíduo que violou uma norma ética ou jurídica e se encontra exposto a sofrer as consequências de seu ato”[1]. É evidente que a responsabilidade, no sentido jurídico, abrange vários segmentos, desde o âmbito penal, no qual a pena não passará da pessoa do apenado, até o civil, estipulada no art. 927, do Código Civil (CC), no qual “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”[2]. Desse modo, a responsabilidade também está prevista no âmbito tributário, advindo a chamada Responsabilidade Tributária, prevista e regulamentada pelo Código Tributário Nacional (CTN), em seus arts. 128 usque 138. Primeiramente, sua compreensão de Responsabilidade Tributária está prevista no art. 128, o qual estipula que a lei poderá atribuir, expressamente, a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador do respectivo encargo, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo de cumprimento total ou parcial da referida obrigação[3]. Para Eduardo Sabbag, (2010, p. 675), Responsabilidade Tributária possui dois sentidos: Lato sensu e stricto sensu. No primeiro significado, compreende “[…] a submissão de determinada pessoa, contribuinte ou não, ao direito do Fisco de exigir a prestação da obrigação tributária”. Por fim, em stricto sensu, a Responsabilidade Tributária “é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculada ao fato gerador da obrigação tributária […]”, decorrente também do direito do Fisco de exigir a prestação respectiva. 1.1 – Tipos de Responsabilidade Tributária A Responsabilidade Tributária, conforme explanado compreende a vinculação do contribuinte ou responsável de se submeter à prestação tributária, exigível pelo Fisco. Doutrinariamente, a Responsabilidade Tributária pode ser dividida em dois tipos: Responsabilidade por Substituição e Transferência, sendo esse último particionado em três subtipos: Responsabilidade por Sucessão, de Terceiros e por Infrações. 1.2 – Responsabilidade por Substituição Também denominada responsabilidade originária, ocorre quando a terceira pessoa “[…] substituto vem e ocupa o lugar do contribuinte (substituído), antes da ocorrência do fato gerador”,  [i] ficando assim o substituto integralmente responsável pelo cumprimento da responsabilidade tributária, desvencilhando o substituído de quaisquer encargos tributários. (EDUARDO SABBAG, 2010, p. 683). Como já dito, o CTN busca a facilitação na cobrança e arrecadação tributária, abrangendo também aquele que está ligado indiretamente ao fato gerador e ao contribuinte. Vale ressaltar que a Responsabilidade deverá estar pautada nos “[…] princípios de segurança, certeza e do direito de propriedade, uma vez que o patrimônio das pessoas só pode ser desfalcado por fatos efetivamente realizados, e que contenham ínsita a capacidade contributiva”[4], observando os seguintes fundamentos: “a) pela dificuldade em fiscalizar contribuintes extremamente pulverizados; b) pela necessidade de evitar, mediante a concentração da fiscalização, a evasão fiscal ilícita, e; c) como medida indicada para agilizar a arrecadação e, consequentemente acelerar a disponibilidade de recursos”[5]. Desse modo, a Responsabilidade Tributária por substituição só ocorrerá mediante previsão legal e com o objetivo contributivo exclusivo, em prol do interesse da Administração Pública, deverá primar pelo cumprimento tributário do substituto. 1.3 – Responsabilidade por Transferência Esse tipo de responsabilidade é similar à ‘por substituição’. Chamada de responsabilidade derivada, essa ocorre “[…] quando a terceira pessoa vem e ocupa o lugar do contribuinte após a ocorrência do fato gerador, em razão de um evento a partir do qual se desloca […] o ônus tributário para um terceiro escolhido por lei”. Divergentemente à responsabilidade por substituição é subdividida em três grupos: Responsabilidade por Sucessão, de Terceiro e por Infrações, delimitação estipulada no próprio CTN, em seus arts. 129 usque 130. 1.4 – Responsabilidade por Sucessão Para Almeida, Essa modalidade ocorrerá quando “[…] a pessoa que tem a obrigação de pagar o tributo não tem relação direta com o fato gerador, porém, por disposição de lei, lhe é atribuída à responsabilidade pelo pagamento do tributo devido” ocorrendo, desse modo, uma transferência de responsabilidade tributária. De acordo com o art. 131, do CTN, essa responsabilidade alcança os seguintes destinatários: Adquirente ou remitente, pelos tributos relativos aos bens adquiridos ou remidos; o sucessor a qualquer título e o cônjuge meeiro, pelos tributos devidos ao de cujus até a data da partilha ou adjudicação, limitada ao quinhão; e o espólio, pelos tributos devidos pelo de cujus, até a data da abertura da sucessão. Segundo Hugo de Brito, (2010, p. 158), esclarece que essa modalidade de Responsabilidade Tributária tem enfoque em “[…] impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, assim como os créditos tributários relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens […]”, além de abranger as contribuições de melhorias relativas aos mesmos. Um exemplo de Responsabilidade por Sucessão é a venda de propriedades imobiliárias. Se alguma pessoa vender uma casa e esteja com pendências tributárias, de acordo com os ditames supracitados, ficará o adquirente obrigado ao cumprimento dessas obrigações. Por fim, essa responsabilidade só é devida a partir da data da partilha ou da adjudicação. 1.5 – Responsabilidade de Terceiros Essa responsabilidade tem o caráter da necessidade arrecadatória do Sistema Tributário Nacional (STN). De acordo com o art. 134, do CTN, esse tipo de responsabilidade somente será cabível nos casos de impossibilidade de exigência de cumprimento da responsabilidade principal pelo contribuinte, respondendo, de forma solidária, os terceiros arrolados nos incisos seguintes: “I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas.” Desse modo, para que se configure a responsabilidade tributária de terceiros, é necessária a observância de duas causas: “a primeira é que o contribuinte não possa cumprir sua obrigação, e a segunda é que o terceiro tenha participado do ato que configure o fato gerador do tributo […]” ou que tenha relação com o mesmo e tenha se omitido. (Hugo de Brito, 2010, p. 167). Esclarece Eduardo Sabbag, (2010, p. 713), que o Fisco só poderá cobrar responsabilidade do terceiro caso, em cobrança judicial, “[…] comprovada à ausência e insuficiência dos bens penhoráveis, que possam ser excutidos do patrimônio do contribuinte”. O exemplo mais claro de responsabilidade tributária é aquele no qual os pais respondem de forma solidária a tributos devidos aos filhos menores, evidentemente, desde que haja “[…] relação entre a obrigação tributária e o comportamento daquele a quem a lei atribui à responsabilidade”, exigência essa aplicável aos demais casos. 1.6 – Responsabilidade por Infrações Essa responsabilidade está delimitada no art. 136, do CTN, no qual estipula, salvo disposição legal contrária, a responsabilidade por infrações à legislação tributária, independentemente da intenção do agente ou responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato, Em suma, a responsabilidade por infrações compreende “[…] a sujeição de alguém às consequências dos seus atos praticados ou a responsabilidade pelo pagamento de multas, quando se descumpre uma obrigação”, definindo o art. 137 as condutas que configuram responsabilidade pessoa do agente: (EDUARDO SABBAG, 2010, p. 713). “I – quanto às infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, salvo quando praticadas no exercício regular de administração, mandato, função, cargo ou emprego, ou no cumprimento de ordem expressa emitida por quem de direito; II – quanto às infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar; III – quanto às infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico: a) das pessoas referidas no artigo 134, contra aquelas por quem respondem; b) dos mandatários, prepostos ou empregados, contra seus mandantes, preponentes ou empregadores; c) dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, contra estas.”  Analisados os ditames supracitados, observa-se que a responsabilidade tributária por infrações se subdivide Responsabilidade pessoal do agente (subjetiva) ou objetiva. O primeiro grupo é excepcional, valendo ressaltar que, como regra, as punições previstas no CTN não são aplicadas sobre o agente infrator, “[…] mas sobre o sujeito passivo da obrigação tributária, principal ou acessória que não foi adimplida”[6]. Porém, em casos excepcionais, poderá haver personalização das penas tributárias, afastando o agente passivo da sanção e submetendo o agente infrator à mesma. Quanto à responsabilidade objetiva, essa é a mais aplicável aos termos do CTN. Diferente da excepcionalidade da responsabilidade pessoal do agente, nessa não se questionará “[…] a respeito da intenção do agente”, ou seja, desconsiderará qualquer relação entre culpa e nexo de causalidade, responsabilizando o agente por sua conduta formal. (EDUARDO SABBAG, 2010, p. 725). Acerca disso, Hugo de Brito, diz que desse modo, há facilitação na aplicação de penalidades tributárias, “[…], pois a autoridade fiscal menospreza o conjunto probatório relativo à intenção do agente, interessando-se, tão somente, na prática e autoria da infração […]”. (2010, p. 171). Por outro lado, o agente poderá se eximir de penalidades tributárias, desde que realize denúncia espontânea, conforme os termos do art. 138, do CTN, observando que “[…] o interessado pode excluir a responsabilidade fazendo prova de que, além de não ter a intenção de infringir a norma, teve a intenção de obedecer a ela, o que não lhe foi possível fazer por causas superiores à sua vontade”. Mesmo assim, com todas as ressalvas legais, ainda há casos de infração à ordem tributária, sendo a mais comum, indubitavelmente, a sonegação fiscal, inclusive regulamentada pela Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, a qual define o referido crime e dá outras providências, explanando acerca do mesmo no capítulo seguinte. 2 – Sonegação Fiscal É cediça a onerosa carga tributária brasileira, que aflige a população como um todo. Infelizmente, essa realidade incute indignação em todos os setores socioeconômicos e, juntamente a isso, infrações contra o Fisco. A mais difundida dessas infrações, sem dúvidas, é a sonegação fiscal. Devido à grande difusão dessa infração, a legislação brasileira promulgou a Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, definindo o referido crime e dando outras providências. Posteriormente, foi instituída a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, definindo os crimes contra a ordem tributária. Assim, de acordo com o art. 1º, da Lei, 4.729/65, considera-se como sonegação fiscal. “I – prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei; II – inserir elementos inexatos ou omitir, rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública; III – alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis com o propósito de fraudar a Fazenda Pública; IV – fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis. V – Exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida do imposto sobre a renda como incentivo fiscal.” Em suma, a sonegação fiscal se consiste em “[…] utilizar procedimentos que violem diretamente a lei fiscal ou o regulamento fiscal. É  flagrante e caracteriza-se pela ação do contribuinte em se opor conscientemente à lei”[7]. Portanto, o sonegador não poderá alegar desconhecimento ou conduta culposa, tendo em vista que para configuração de sonegação fiscal a conduta deverá ser dolosa. 2.1 – Tipos de Sonegação Fiscal De acordo com a análise do artigo 1º, da Lei nº 4.729/65, muitas são as condutas caracterizadas como sonegação fiscal, destacando-se a declaração falsa ou omissiva, seja total ou parcialmente, de informações acerca das obrigações tributárias, de modo a eximir-se, parcial ou totalmente, do pagamento de tributos instituídos por lei. No entanto, observando os demais incisos, também configura como sonegação fiscal a adulteração de valores dedutíveis, bem como a inserção ou omissão de documentos que ensejem o cumprimento da responsabilidade tributária, com a mesma finalidade de se eximir, parcial ou totalmente, da referido encargo. A sonegação fiscal, dessa maneira, poderá ser perpetrada de diversas formas, seja pelo cidadão contribuinte, como também pela pessoa jurídica, podendo se realizar das seguintes formas: Desobediência civil, não emissão de notas fiscais, realização de operações tributárias postergadoras e falsificação da escritura tributária. 3 – Desobediência Civil Esse é o tipo de sonegação fiscal mais comum, perpetrado tanto pelo contribuinte cidadão quanto por pessoas físicas. A desobediência civil se “[…] consiste A desobediência civil consiste em simplesmente não cumprir as determinações legais quanto ao pagamento de impostos”[8]. É evidente que a desobediência civil seja, de certo modo, uma insurreição contra o STN, observando a cediça realidade de carga tributária demasiadamente onerosa. Infelizmente, muitas vezes, há aconselhamento de consultores na área contábil em cometer a sonegação fiscal, requerendo, posteriormente, “[…] o “perdão” da correção monetária e das multas”[9]. Além disso, outra prática comum é a desobediência civil seguida de pedido de parcelamento da responsabilidade tributária sonegada, tornando a carga tributária muito menos pesada do que o pagamento integral dos valores devidos. 4 – Não Emissão de Notas Fiscais Essa modalidade de sonegação fiscal, diferente do tipo anteriormente citado, é a mais perpetrada por pessoas jurídicas. Assim, a pessoa jurídica que não emite nota fiscal “[…] está sonegando uma série de impostos e cometendo o crime de apropriação indébita, se não estiver dando ao comprador o desconto relativo ao valor dos impostos incluídos no preço dos produtos”[10]. Dentre esses impostos, destacam-se: Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (CONFINS), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Impostos sobre Serviços (ISS) e Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI). Por fim, vale ressaltar que esse é um método ineficaz na tentativa de burlar o sistema tributário, considerando que “Depósitos em conta corrente da empresa, do sócio ou pessoa ligada são facilmente detectáveis pelo fisco através da quebra legal do sigilo bancário, o que está em voga atualmente”. (AMARAL, 2009, p. 11). 5 – Realização de Operações Tributárias Postergadoras Essa é uma modalidade similar à desobediência civil. Porém, ao contrário da deliberada moratória, “Essa forma de sonegação envolve principalmente o aumento das exigibilidades, ou seja, das contas a pagar. Na verdade, não são as exigibilidades que aumentam e sim as receitas que não são lançadas […]”[11]. Dessa maneira, a Realização de Operações Tributárias Postergadoras abrangem a declaração demasiada de obrigações, com o objetivo de disfarçar as responsabilidades tributárias cabíveis. De certo modo, essa modalidade se relaciona com a não emissão de notas fiscais, pois, das mesmas maneiras, objetiva a omissão de documentos administrativos, juntamente à evasão fiscal, conduta estipulada no inciso II, do art. 1º, da Lei nº 4.729/65. 6 – Falsificação da Escrituração  Essa modalidade se consiste, conforme o nome sugere, na falsificação de documentos de caráter administrativo, com o objetivo de reduzir ou eximir-se, parcial ou completamente, da responsabilidade tributária. Um exemplo pertinente é “[…] uma nota fiscal no valor de R$ 10.000,00 é alterada para R$ 110.000,00, mediante a colocação do número 1 à esquerda dos 10.000,00”[12],1 objetivando a concernente alteração na responsabilidade tributária. Assim, explanada a Sonegação Fiscal, através da demonstração dos ditames legais concernentes e das diferentes tipologias da referida infração, com exemplificações respectivas, discorrer-se-á sobre a relação entre a Sonegação Fiscal e a Responsabilidade Tributária do Contribuinte. 7 – Sonegação Fiscal e Responsabilidade Tributária Conforme explanado, a Sonegação Fiscal é uma conduta infratora aos ditames do CTN, se consistindo, basicamente, na prestação falsa ou omissiva, de informações tributárias, com o objetivo de eximir-se, parcial ou totalmente, da responsabilidade tributária concernente, além de compreender a adulteração e/ou falsificação de documentos, com a mesma finalidade. Posteriormente, analisou-se que a responsabilidade tributária poderá   ser atribuída de forma objetiva ou por responsabilidade pessoal do agente infrator, aplicando-se, em casos excepcionais, o segundo quesito. Para a caracterização de crime de sonegação fiscal, conforme exposto, o agente deverá se constar conduta dolosa do agente infrator, o que impossibilita a alegação de desconhecimento da lei e de suposto cerceamento do cumprimento tributário, estipulado legalmente. Primeiramente, percebe-se que, nesse procedimento, há divergência entre a apuração judicial e a administrativa quanto ao crime de sonegação fiscal. Porém, a Constituição Federal (CF) prevê, em seu art. 5º, XXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Ressalta-se que a avocação do Poder Judiciário deverá ocorrer no instante em que houver exaurimento da instância administrativa. No âmbito tributário, isso poderá “[…] servir como requisito para a instauração da ação penal por crime de sonegação” Desse modo, poderá haver responsabilidade nos âmbitos administrativo e penal, devendo, primeiramente, se esgotar todos os meios para a apuração do crime em questão. Posteriormente, deverão se aplicar as medidas judiciais. Assim, realizadas as considerações anteriores, dissertar-se-á sobre as penalidades referentes à sonegação fiscal, nos âmbitos administrativo e penal, expondo, em seguida as formas de se eximir das referidas penalidades e sanar as responsabilidades em questão. 8 – Penalidades Em conjunto à Lei nº 4.729/65, promulgou-se a Lei 8.137/90, que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências, além estipular as penalidades referentes a esses crimes. A sonegação fiscal está estipulada de forma tácita nos ditames da Lei nº 4.729/65 e também ensejará à penalização pecuniária, considerando alguns fatores, como dano à coletividade e cometimento em decorrência de cargo público, de acordo com art. 12, da referida lei. Então, haverá penalização de sonegação fiscal nas duas esferas: Administrativa e Penal, expostas e explanadas a seguir. 9 – Administrativas Conforme os termos do art. 11, da Lei nº 8.137/90 e das definições dadas na Lei nº 4.729/65, serão aplicadas, majoritariamente, penalidades administrativas, através de multas, conforme o art. 8º e 10, da Lei nº 8.137/90: “Art. 8. Nos crimes definidos nos arts. 1° a 3° desta lei, a pena de multa será fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Parágrafo único. O dia-multa será fixado pelo juiz em valor não inferior a 14 (quatorze) nem superior a 200 (duzentos) Bônus do Tesouro Nacional BTN.[…] Art. 10. Caso o juiz, considerado o ganho ilícito e a situação econômica do réu, verifique a insuficiência ou excessiva onerosidade das penas pecuniárias previstas nesta lei, poderá diminuí-las até a décima parte ou elevá-las ao décuplo.” Outro fator que enseja a aplicação majoritariamente das penalidades administrativas são os conflitos dos termos das legislações ordinárias com os ditames constitucionais, “[…] tendo em vista a proteção da liberdade humana, cercam de cautelas a imposição de sanções penais […]”, ensejando sérios problemas à fiscalização e penalização tributária. 10 – Penais Excepcionalmente, serão aplicadas infrações de caráter penal. Infelizmente, conforme dito, no âmbito tributário, “Inexiste distinção essencial entre o ilícito civil, ou administrativo, e o ilícito penal”.Nesse caso, as sanções penais só seriam aplicáveis aos atos ilícitos mais gravosos, levando em consideração as dimensões do dano causado à ordem tributária. (HUGO DE BRITO, 2010, p. 520). A sanção penal aplicada, nesse caso, será a pena prisional, prevista no art. 1º, da Lei nº 8.137/90, prevendo “reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa”, conjuntamente às infrações administrativas supracitadas. O art. 2º da referida legislação prevê outras condutas infracionais, no que diz respeito à falsidade de declarações e omissão de documentos e provas que ensejam a exigibilidade tributária do Fisco. Nesse caso, a penalidade será detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. 11 – Soluções à Sonegação Fiscal| Felizmente, a legislação previu algumas medidas que poderão sanar a aplicação das penalidades anteriormente previstas. A principal delas é a extinção de punibilidade pelo pagamento, em conjunto a isso, promulgou-se, através da Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009, que altera a legislação ordinária tributária quanto ao parcelamento de débitos tributários. A primeira hipótese está regulamentada no art. 69, da referida lei, no qual afirma “Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no art. 68 quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais […]”, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. Dessa forma, observa-se que essa é a melhor solução quanto à problemática em questão. Em concordância ao referido ditame, manifesta-se o Supremo Tribunal Federal (STF), com o seguinte entendimento jurisprudencial: “AÇÃO PENAL. CRIME TRIBUTÁRIO. TRIBUTO. PAGAMENTO APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DECRETAÇÃO. HC CONCEDIDO DE OFÍCIO PARA TAL EFEITO. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário”[13]. Enfim, em observância da cobrança e arrecadação tributária, de modo a coincidir com as respectivas situações econômicas dos contribuintes, também previu-se a possibilidade de parcelamento dos débitos tributários, no art. 1º, da Lei. 11.941/09: “Art. 1o  Poderão ser pagos ou parcelados, em até 180 (cento e oitenta) meses, nas condições desta Lei, os débitos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e os débitos para com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, inclusive o saldo remanescente dos débitos consolidados no Programa de Recuperação Fiscal – REFIS, de que trata a Lei no 9.964, de 10 de abril de 2000, no Parcelamento Especial – PAES, de que trata a Lei no 10.684, de 30 de maio de 2003, no Parcelamento Excepcional – PAEX, de que trata a Medida Provisória no 303, de 29 de junho de 2006, no parcelamento previsto no art. 38 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e no parcelamento previsto no art. 10 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002, mesmo que tenham sido excluídos dos respectivos programas e parcelamentos, bem como os débitos decorrentes do aproveitamento indevido de créditos do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI oriundos da aquisição de matérias-primas, material de embalagem e produtos intermediários relacionados na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI, aprovada pelo Decreto no 6.006, de 28 de dezembro de 2006, com incidência de alíquota 0 (zero) ou como não-tributados”. Além disso, a legislação prevê, no § 1º, do art. 1º, que esse parcelamento “[…] aplica-se aos créditos constituídos ou não, inscritos ou não em Dívida Ativa da União, mesmo em fase de execução fiscal já ajuizada”. Por fim, a referida lei ressalta, no § 6º, também do art. 1º, que o valor da parcela não poderá ser inferior a R$ 50,00 (cinquenta reais), no caso de pessoa física e 100,00 (cem reais), no caso de pessoa jurídica. A sonegação fiscal é uma problemática que afeta não só o STN como também ao contribuinte fiel e mesmo o próprio sonegador. Sem o recebimento dos impostos, “além de provocar concorrência desleal no sistema econômico, traz um grande prejuízo à Fazenda Pública, por diminuir consideravelmente os recursos financeiros destinados à sociedade […]”, ensejando as desigualdades sociais, e incapacitando a ação efetiva do poder público. Assim, a sonegação fiscal se transforma em ato transgressor à cidadania, uma vez que, realizada em grandes escalas, poderá causar enormes prejuízos ao Erário e a implementação de medidas sociopolíticas em prol da população. De quaisquer formas, a referida legislação trouxe ainda mais facilidade no que diz respeito ao adimplemento da responsabilidade tributária, seja por parte do cidadão contribuinte e da pessoa física, melhorando expressivamente a situação do primeiro, tendo em vista que, ante à hipossuficiência do STN, encontra-se muitas vezes, à mercê da onerosa carga tributária. Portanto, há de se ressaltar a importância do cumprimento tributário por parte do cidadão contribuinte, pois, através de seu adimplemento, o Poder Público passa a ter maiores poderes para a tomada de medidas sociopolíticas, em favor de toda a população, incluindo o que cumpre com suas obrigações tributárias e os que deixam de fazê-la. 12 – Conclusão É evidente que a carga tributária nacional é extremamente onerosa, fato esse testemunhado corriqueiramente, no que diz respeito ao pagamento de tributos de diversas naturezas sobre diversos aspectos, desde moradia, transporte, venda, compra e industrialização de produtos. Isso, sem dúvidas, enseja o sentimento de revolta por parte do sistema tributário nacional, seja pela onerosidade relatada, seja pela hipossuficiência do cidadão ante ao sistema referido. No entanto, isso não justifica a conduta delituosa de se perpetrar sonegação fiscal, em um ato de manifestação contra o sistema tributário, bem como também é inconcebível a ideia de se aproveitar as lacunas legais para se beneficiar, através do não pagamento, parcial ou total, dos encargos tributários. Um fato que passa despercebido é que, justamente por meio desses tributos, é que há desenvolvimento socioeconômico do país, tendo em vista que os recursos do Poder Público são extraídos, majoritariamente, da responsabilidade tributária do cidadão contribuinte. Dessa forma, a sonegação fiscal não apenas prejudica o Poder Público e o contribuinte, como o próprio sonegador, observando que, sem recursos, não haverá melhorias na estrutura socioeconômica do país. Além disso, conforme explanado, muitas são as consequências àqueles que sonegam, abrangendo penalidades que vão desde multas até as penas prisionais de detenção e/ou reclusão. Em observância a essa realidade, a promulgação da Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, que prevê o parcelamento de débitos tributários, tanto para o cidadão contribuinte, quanto para a pessoa jurídica, é de grande contribuição, tanto ao sistema tributário quanto ao cidadão contribuinte, tendo em vista facilitação da cobrança e quitação de débitos tributários, através de parcelamento. Portanto, a concretização da Responsabilidade Tributária por parte do cidadão contribuinte é mais que um cumprimento legal. É também uma manifestação social, em prol do desenvolvimento socioeconômico de todo o país.
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Pagamento parcial como causa interruptiva da prescrição
O presente artigo abordará a discussão acerca da divergência existente na jurisprudência, sobre o enquadramento do pagamento parcial como causa interruptiva de prescrição de créditos.
Direito Tributário
Introdução: O presente estudo tem por finalidade apontar os posicionamentos existentes quanto aos efeitos do pagamento parcial de crédito em relação à interrupção do seu prazo prescricional. Será demonstrada a divergência jurisprudencial existente em torno do tema, bem como a necessidade de se avaliar a natureza do crédito para se chegar à conclusão quanto ao enquadramento ou não do pagamento parcialmente realizado na hipótese normativa prevista no artigo 174, § único, inciso IV, do Código Tributário Nacional. 1. DESENVOLVIMENTO 1.1. DO PAGAMENTO PARCIAL COMO CAUSA INTERRUPTIVA DA PRESCRIÇÃO Trata-se de análise acerca da divergência existente na jurisprudência, sobre o enquadramento do pagamento parcial como causa interruptiva de prescrição de créditos. Sobre o assunto, há entendimento no sentido de que o pagamento parcial do crédito se enquadraria na hipótese de reconhecimento do débito, atraindo a aplicação do art. 174, § único, inciso IV do CTN, ou seja, interrompendo o prazo prescricional. In verbis: “Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe:(…) IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.” (grifo nosso) Nesse sentido, aponta-se o seguinte julgado, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cuja ementa a seguir se transcreve: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – EXTINÇÃO DE OFÍCIO -PRESCRIÇÃO – PAGAMENTO PARCIAL. 1. A prévia oitiva da(o) exeqüente de que trata o §4º do art. 40 da Lei n. 6.830/80 objetiva oportunizar a argüição de eventual causa de suspensão/interrupção do prazo prescricional. A sua ausência, entretanto, não tem o condão de anular a sentença de extinção, pois, em atenção ao princípio da instrumentalidade das formas, tais alegações podem ser aduzidas nas razões de apelação. Precedentes do STJ. 2. O pagamento de parte do débito é causa de interrupção do prazo prescricional. Inteligência do art. 174, inciso IV, do CTN. 3. Apelação e remessa oficial, tida por interposta, providas. 4. Peças liberadas pelo Relator, em 17/02/2009, para publicação do acórdão.” (AC – APELAÇÃO CIVEL – 200801990623968. DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL. TRF1. SÉTIMA TURMA. e-DJF1 DATA:27/02/2009 PAGINA:443) (grifou-se) De outro lado, verifica-se a existência de posicionamento diverso, emanado da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 09/11/2012, cuja ementa se transcreve abaixo: “EMEN: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. PAGAMENTO PARCIAL EFETUADO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO FISCAL. NÃO INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL, NA ESPÉCIE. 1. Discute-se nos autos se o pagamento parcial do crédito tributário feito pelo devedor antes de ajuizada a ação executiva possui o condão de interromper o prazo prescricional, à luz do art. 174, parágrafo único, IV, do CTN, a fim de se reconhecer a interrupção da prescrição em relação ao débito remanescente. 2. Segundo disposto no art. 174, parágrafo único, IV, do CTN, a prescrição se interrompe "por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor". 3. No caso concreto, o pagamento de parte da dívida não importa em reconhecimento pelo devedor do restante do débito como devido. O devedor apenas entendeu como devido o montante que pagou e, quanto à parcela inadimplida, não é inequívoca a sua concordância. Não há falar em interrupção do prazo prescricional. 4. Recurso especial não provido.” (RESP 201001955584, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:09/12/2011 ..DTPB:.) (grifou-se) No mesmo sentido, é a recentíssima decisão proferida pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PARCIAL DÍVIDA. PAGAMENTO PARCIAL. INTERRUPÇÃO. CONFISSAO DO DÉBITO. ARTIGO 174, IV, DO CTN. – Prejudicada a questão referente ao erro material, uma vez que o juízo a quo, quando informado da interposição deste recurso, reconheceu o erro apontado e promoveu a sua retificação. – Na hipótese de tributos sujeitos ao lançamento por homologação o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a constituição definitiva do crédito tributário ocorre com a entrega da declaração de contribuições e tributos federais – DCTF, conforme disposto na Súmula 436: "a entrega de declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do Fisco." Uma vez constituído o crédito, coube, ainda, àquela corte, nos termos do artigo 543-C do Código de Processo Civil, fixar o termo a quo do prazo prescricional no dia seguinte ao vencimento da obrigação tributária declarada e não paga. – Não prospera a alegação de que a propositura da ação interrompe o prazo extintivo, pois o rol taxativo constante do artigo 174 do Código Tributário não contempla tal hipótese e, conforme disposto no artigo 146, inciso III, alínea "b", da Constituição Federal, somente lei complementar pode dispor sobre matéria de prescrição tributária. – A interrupção da prescrição ocorre, conforme disposto no artigo 174, inciso I, do Código Tributário Nacional, com as alterações promovidas pela Lei Complementar nº 118/2005, segundo o qual a prescrição se interrompe com o despacho que determina a citação pessoal do devedor. – Verifica-se que os tributos constantes da CDA nº 80.4.05.014019-57 foram constituídos por meio de declarações entregues em 21.05.2002, 19.05.2003 e 20.05.2004 (fls. 06 e 129), marco inicial para a contagem do prazo prescricional, na medida em que as datas são posteriores aos vencimentos das obrigações tributárias. À fl. 20, há informação de pagamento parcial da dívida em 04.12.2008, o que, por si só, não resulta na interrupção da prescrição, porquanto o pagamento de parte do valor não significa a concordância do executado em relação ao débito total, mas apenas quanto ao montante que foi quitado, razão pela qual não incide o disposto no artigo 174, inciso IV, do CTN. A ação executiva foi proposta em 19.01.2010 (fl.33), ou seja, quando já ultrapassado o lustro prescricional para a cobrança do título executivo questionado. Por fim, não há que se falar na aplicação da Súmula 106 do STJ, porquanto, no caso, a citação não é causa interruptiva do lustro prescricional. – Agravo de instrumento desprovido.” (AI 00315232520114030000, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRE NABARRETE, TRF3 – QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) (grifou-se) Nos termos utilizados pelo Ministro Relator Mauro Campbell Marques, no voto proferido no RESP 201001955584, “o devedor apenas entendeu como devido o montante que pagou, sendo certo que, quanto à parcela inadimplida, não é inequívoca a sua concordância com o débito. Entrementes, o pagamento de parte do débito apenas acarreta a extinção em relação à parcela paga tão somente, não afetando o restante da dívida.” Nessa linha de entendimento, considera-se que, ao se efetuar o pagamento de apenas parte do débito, não há qualquer fundamento para se considerar presumidamente pago ou reconhecido o restante do montante devido. Sobre o assunto, o doutrinador Luciano Amaro ponderou: “O pagamento parcial de um crédito tributário não importa em presunção de pagamento das demais parcelas em que se decomponha (art. 158, I), diferentemente do que dispõe o art. 32 do Código Civil de 2002. E o pagamento total de um crédito não implica presunção de pagamento de outros créditos, referentes ao mesmo ou a outro tributo – acrescenta, desnecessariamente, o dispositivo (item II). Só faltou, para completar o quadro de ociosidades, explicitar que, no caso de pagamento parcial (item I), também não há a presunção de pagamento de outros créditos…”[1] Verifica-se, pois, para essa corrente, que uma vez extinta a parcela paga, subsiste a parcela inadimplida, a qual deve ser cobrada no prazo de cinco anos contados da constituição definitiva do crédito. 1.2. NATUREZA DO CRÉDITO COMO CONDIÇÃO PARA SE CONSIDERAR O PAGAMENTO PARCIAL COMO CAUSA INTERRUPTIVA DA PRESCRIÇÃO Contudo, tal entendimento deve ser relativizado em relação aos créditos que não comportam divisão ou discussão quando ao montante a ser pago. Explica-se: alguns créditos, por sua natureza, são indivisíveis e apenas comportam discussão acerca da ocorrência ou não do fato gerador, nunca sobre o valor a ser pago. As leis nº 5.070/66 e nº 11.652/2008, por exemplo, trazem, em seus Anexos, os valores a serem pagos pelo contribuinte, caso ocorram os fatos geradores ali previstos. In verbis: “Lei n.º 5.070/66 Art. 6º. omissis § 1º. Taxa de fiscalização de instalação é a devida pelas concessionárias permissionárias e autorizadas de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüência, no momento da emissão do certificado de licença para o funcionamento das estações. § 2º. omissis Art. 7º. A taxa de fiscalização da instalação tem os seus valores fixados no Anexo I desta Lei.” (grifou-se) “Lei nº 11.652/2008 Art. 32.  Fica instituída a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, com o objetivo de propiciar meios para a melhoria dos serviços de radiodifusão pública e para a ampliação de sua penetração mediante a utilização de serviços de telecomunicações. § 1o  A Contribuição é devida pelas prestadoras dos serviços constantes do Anexo desta Lei, e o seu fato gerador é a prestação deles. § 2o  A Contribuição será paga, anualmente, até o dia 31 de março, em valores constantes do Anexo desta Lei.” (grifou-se) Verifica-se que os valores foram estabelecidos pelo próprio legislador. Assim, caso haja pagamento parcial, não se pode inferir que o contribuinte discorde do valor restante, uma vez que a natureza dos tributos não comporta esse tipo de discussão. Ou o sujeito passivo incidiu ou não incidiu na hipótese de incidência do respectivo tributo e, incidindo, deve pagar o valor total definido pela Lei. É diferente do que ocorre, por exemplo, em relação à aplicação de multa decorrente do exercício do poder de polícia, em que é necessário demonstrar a metodologia de cálculo que levou ao arbitramento no menor ou no maior parâmetro. Neste caso, o pagamento parcial pode indicar a discordância em relação a determinado agravante utilizado no cálculo do valor devido, sendo cabível a aplicação da tese de que o pagamento parcial de um crédito não importa no reconhecimento das demais parcelas em que se decomponha, caso em que não haveria interrupção da prescrição da parcela inadimplida. De outro lado, se a natureza do crédito não comportar sua decomposição em parcelas, então não se pode presumir que o pagamento de apenas parte do crédito implicou a discordância em relação à parcela inadimplida. Neste caso, tem-se que o pagamento, ainda que parcial, interrompe a prescrição de todo o montante devido. 1.3. DO PARCELAMENTO COMO CAUSA INTERRUPTIVA DA PRESCRIÇÃO Deve-se deixar claro, contudo, que a hipótese de pagamento parcial não se confunde com a de parcelamento do débito. Em havendo pedido de parcelamento do valor total do débito, é certo que o devedor reconheceu como devido todo aquele montante, ainda que tenha pago apenas parte. Assim, o parcelamento se constitui causa interruptiva da prescrição, nos termos do artigo 174, § único, inciso IV do Código Tributário Nacional, para os créditos tributários, e artigo 2º-A, inciso V, da Lei nº 9873/99, para os créditos não tributários decorrentes do exercício do poder de polícia da Administração Pública Federal. In verbis: “Código Tributário Nacional Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: (…) IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.” (grifo nosso) “Lei nº 9873/99 .Art. 2o-A.  Interrompe-se o prazo prescricional da ação executória:  (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009) (…) IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor;” (grifo nosso) Nesse mesmo sentido, é a jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça: “EMEN: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PEDIDO DE PARCELAMENTO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 174, IV, DO CTN. RAZÕES DISSOCIADAS DO FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 284/STF. 1. O pedido de parcelamento do débito tributário interrompe a prescrição nos termos do art. 174, IV, do CTN por representar ato inequívoco de reconhecimento da dívida. Precedentes. 2. Hipótese em que, apesar de o pedido de parcelamento do crédito tributário formulado em 28.11.2008 tenha interrompido a prescrição, somente resta hígido o crédito vencido em 30.12.2003, conforme já reconhecido pela Corte de origem. 3. A discrepância entre as razões recursais e os fundamentos do acórdão recorrido obsta o conhecimento do recurso especial, ante a incidência do teor da Súmula n. 284/STF. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.” (RESP 201300500260, ELIANA CALMON, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:19/06/2013 ..DTPB:.) (grifou-se) “EMEN: TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO DECLARADO E NÃO PAGO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. PARCELAMENTO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso. 2. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, o prazo prescricional interrompe-se pela confissão e pedido de parcelamento, recomeçando a fluir no dia em que o devedor deixa de cumprir o acordo. Precedentes. 3. Não cabe ao STJ, em recurso especial, a análise da suscitada ausência de parcelamento, pois a alteração da conclusão no acórdão regional demandaria reexame dos fatos e provas dos autos, procedimento vedado pela Súmula 7/STJ . Agravo regimental improvido.” (AEARESP 201102903203. HUMBERTO MARTINS. STJ. SEGUNDA TURMA. DJE DATA:19/04/2012 ..DTPB) (grifou-se) “EMEN: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÕES GENÉRICAS. SÚMULA 284/STF. EXECUÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL.TRANSCURSO DO LAPSO QUINQUENAL ENTRE O INADIMPLEMENTO DA ÚLTIMA PARCELA DO ACORDO E A MANIFESTAÇÃO DA EXEQUENTE NOS AUTOS. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. 1. Não se conhece da tese de violação do art. 535 do CPC, na hipótese em que a parte recorrente não demonstra, de forma precisa e adequada, em que se baseou a violação do alegado dispositivo de lei. Incidência da Súmula 284/STF, ante a fundamentação deficiente do recurso. 2. Esta Corte já se pronunciou no sentido de que a adesão a parcelamento tributário é causa de suspensão da exigibilidade do crédito e interrompe o prazo prescricional, por constituir reconhecimento inequívoco do débito, nos termos do art. 174, IV, do CTN, voltando a correr o prazo a partir do inadimplemento da última parcela pelo contribuinte. 3. Na espécie, entre a data do inadimplemento da última parcela (6.8.1997) e a manifestação da exequente nos autos (13.10.2003), transcorreram-se mais de cinco anos, devendo, por isso, ser reconhecida a prescrição. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (RESP 201102581373. MAURO CAMPBELL MARQUES. STJ. SEGUNDA TURMA. DJE DATA:02/02/2012 ..DTPB) (grifou-se) “EMEN: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. PEDIDO DE PARCELAMENTO TRIBUTÁRIO. CAUSA INTERRUPTIVA DO PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 174, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DO CTN. DÉBITOS NÃO INCLUÍDOS NO PARCELAMENTO. NÃO SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO. PRESCRIÇÃO RECONHECIDA. 1. Não há violação do art. 535, II, do CPC, quando as questões postas em debate foram devidamente analisadas pelo Tribunal a quo. O magistrado não está obrigado a julgar a matéria posta a seu exame de acordo com o pleiteado pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento (art. 131 do CPC). 2. Cinge a controvérsia em saber se, a despeito de haver pedido de parcelamento feito pelo contribuinte, os débitos não consolidados pela Fazenda estariam com sua exigibilidade suspensa, a fim de afastar o decreto de prescrição. 3. Sobre o assunto, esta Corte já se pronunciou no sentido de que o pedido de parcelamento interrompe o prazo prescricional, por constituir reconhecimento inequívoco do débito, nos termos do art. 174, parágrafo único, IV, do CTN. 4. Na espécie, houve competências (período de 06/92 a 05/93) que não foram incluídas na consolidação do débito. Nesses casos, entende-se que em relação à essas parcelas não houve a suspensão da exigibilidade do crédito, porquanto não incluídas no parcelamento, inobstante seja possível reconhecer a interrupção do prazo prescricional pelo pedido feito pelo contribuinte com a respectiva confissão do débito. 5. Segundo consignado pelo Tribunal de origem, o pedido de parcelamento no âmbito administrativo foi feito em 16.12.1996 (e-STJ fl. 250). Entretanto, somente em 12.7.2004 (e-STJ fl. 202), o contribuinte recebeu intimação para regularizar o saldo devedor. Assim, não há como afastar o reconhecimento da prescrição na espécie. Ademais, ressalte-se que não houve qualquer notícia de possível ajuizamento de exxecução fiscal em relação à tais débitos, pelo que não há como reconhecer o surgimento de qualquer outra causa interruptiva da prescrição. 6. Recurso especial não provido.” (RESP 201101325981. MAURO CAMPBELL MARQUES. STJ. SEGUNDA TURMA. DJE DATA:02/02/2012 RDDP VOL.:00200 PG:00170.DTPB) (grifou-se) O tributarista Luciano Amaro também trata do parcelamento como uma das causas de interrupção da prescrição: “A interrupção implica o reinício da contagem do prazo, desprezando-se o já decorrido.[2] Costuma-se citar o parcelamento como exemplo de ato do sujeito passivo com o qual se opera a interrupção do prazo prescricional.”[3] Ricardo Alexandre[4], igualmente, aponta o pedido de parcelamento do débito como causa de interrupção do prazo prescricional, alertando ainda que com o deferimento do pedido, a exigibilidade do crédito estará suspensa, bem como o prazo de prescrição. In verbis: “Os casos mais comuns de verificação concreta da hipótese ocorrem no pedido de parcelamento e no de compensação do débito, pois quem solicita tais providências demonstra concordar com a existência do débito, de forma que, mesmo sem que o credor envide esforços concretos para a satisfação do seu crédito, terá o prazo integralmente restituído. Curiosamente, com a formulação do pedido de parcelamento do débito, ocorre a interrupção do prazo prescricional; com o deferimento do pedido, a exigibilidade do crédito estará suspensa, o que, conforme se verá no item a seguir, também suspenderá o prazo de prescrição. Assim, a Fazenda Pública, além de contar com a devolução integral do prazo (decorrência da interrupção), também terá, caso deferido o pleito, a paralisação da fluência do prazo que lhe foi devolvido (consequência da suspensão). Na prática, somente na hipótese de descumprimento do parcelamento, o prazo prescricional volta a fluir, tendo como novo termo inicial o dia em que o devedor deixar de adimplir o acordo celebrado (Súmula 248 do extinto TFR).” Como visto, além de ser causa interruptiva da prescrição, o parcelamento, quando deferido, suspende a exigibilidade do crédito, e consequentemente o prazo prescricional, devendo a Administração proceder à cobrança em caso de inadimplência das prestações ou cancelamento do benefício. Nesse caso, o prazo quinquenal da pretensão executória da Administração voltará a correr a partir da rescisão do parcelamento. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. INTIMAÇÃO PRÉVIA DA FAZENDA PÚBLICA. NECESSIDADE. PARÁGRAFO 4º DO ART. 40 DA LEI 6830/80. EXECUÇÃO AJUIZADA PELA UNIÃO NA JUSTIÇA ESTADUAL. CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE CUSTAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Apelação em face de sentença que, com fulcro no inciso IV do art. 267 do Código de Processo Civil, julgou extinta a execução fiscal ajuizada pela FAZENDA NACIONAL contra a parte recorrida. 2. O parágrafo 4º do art. 40 da Lei Nº. 6.830/80, permite a decretação da prescrição intercorrente quinquenal por iniciativa judicial, desde que previamente ouvida a Fazenda Pública para que esta, na oportunidade, suscite eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional, como é o caso do parcelamento. 3. A ausência de prévia oitiva da FAZENDA NACIONAL, antes da prolação da sentença, fere de morte tanto o direito à ampla defesa como à ampla competência decisória, que garante às partes o direito de ver conhecida e apreciada toda matéria, de Direito ou de fato, relevante para o deslinde da questão. 4. Na espécie, o Juízo monocrático proferiu sentença de extinção do processo sem que fosse dada oportunidade para que a FAZENDA NACIONAL viesse aos autos e informasse que o crédito tributário cobrado no caso foi objeto de parcelamento concedido em 30/11/2003, nos termos da Lei Nº. 10.684/2003, e rescindido em 03/03/2012. 5. O parcelamento do crédito tributário, além de funcionar como confissão de dívida e interromper a fluência do prazo prescricional, tem o condão de suspender a exigibilidade dos créditos cobrados, os quais voltam a ser executáveis na hipótese de inadimplência das prestações parceladas ou de cancelamento do benefício. 6. A data em que o apelado foi excluído do parcelamento funciona como termo inicial para o transcurso do prazo prescricional, vez que a exigibilidade do crédito em questão foi restaurada a partir do momento em que o executado foi excluído do programa de parcelamento de débitos. 7. Como entre a data de exclusão do parcelamento (03/03/2012) e a data da sentença de extinção (23/08/2012) não houve o transcurso do prazo de cinco anos, não há que se falar, no caso, em ocorrência de prescrição intercorrente. 8. O Superior Tribunal de Justiça – STJ, quando do julgamento do REsp nº. 1144687, submetido à sistemática dos recursos repetitivos prevista no art. 543-C do CPC, consolidou o entendimento no sentido de que a UNIÃO e suas autarquias são isentas do pagamento de custas dos serviços forenses que sejam de sua responsabilidade, nos termos do disposto no art. 39, caput, da Lei Nº. 6.830/80, que estabelece: "A Fazenda Pública não está sujeita ao pagamento de custas e emolumentos." (STJ, RESP 1144687, Rel.: Ministro LUIZ FUX, Órgão Julgador: PRIMEIRA SEÇÃO, Julgado em: 12/05/2010, DJe: 21/05/2010) 9. Apelo provido para caçar a extinção do processo e determinar o retorno dos autos ao Juízo de origem a fim de que seja dado regular prosseguimento ao feito. (Processo AC 00025345720134059999. AC – Apelação Cível – 559705. Relator: Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima. TRF5. Segunda Turma. DJE 15.08.2013 pág 215.) (grifou-se). 2. CONCLUSÃO Pelo exposto, conclui-se que, relativamente à questão da interrupção da prescrição quando do pagamento de apenas parte do débito, entende-se que a análise depende da natureza do crédito: se o puder ser decomposto em parcelas, então, em relação à parcela inadimplida, não é inequívoca a sua concordância com o débito, não havendo fundamento para se considerar presumidamente pago ou reconhecido o restante do montante devido. De outro lado, se a natureza do crédito não comportar sua decomposição em parcelas, então não se pode presumir que o pagamento de apenas parte do crédito implicou a discordância em relação à parcela inadimplida. Neste caso, tem-se que o pagamento, ainda que parcial, interrompe a prescrição de todo o montante devido, enquanto naquele caso, o pagamento parcial não tem o condão de interromper a prescrição da parcela inadimplida. Deve-se deixar claro, contudo, que a hipótese de pagamento parcial não se confunde com a de parcelamento do débito. Em havendo pedido de parcelamento do valor total do débito, é certo que o devedor reconheceu como devido todo aquele montante, ainda que tenha pago apenas parte. Além de ser causa interruptiva da prescrição, o parcelamento, quando deferido, suspende a exigibilidade do crédito, e, consequentemente, a fluência do prazo prescricional, devendo a Administração proceder à cobrança em caso de inadimplência das prestações ou cancelamento do benefício, com a devolução integral do prazo.
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Modalidades de lançamento tributário da TFF, CFRP e TFI
O presente artigo abordará as modalidades de lançamento da Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF), da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) e da Taxa de fiscalização da instalação (TFI), considerando a doutrina e a jurisprudência sobre o tema.
Direito Tributário
Introdução O presente artigo visa explicitar o regramento a que se submetem a Taxa de Fiscalização de Instalação – TFI, a Taxa de Fiscalização de Funcionamento – TFF e a Contribuição para Fomento da Radiodifusão Pública – CFRP, previstas, respectivamente, na Lei n.º 5.070/66 (TFI e TFF) e na Lei nº 11.652/2008 (CFRP), bem como as modalidades de lançamento a que se sujeitam, consoante a doutrina e a jurisprudência. 1. Das Taxas de Fiscalização de Funcionamento (TFF) e de Instalação (TFI) e da Contribuição para Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) A princípio, cumpre explicitar o regramento a que se submetem a Taxa de Fiscalização de Instalação – TFI, a Taxa de Fiscalização de Funcionamento – TFF e a Contribuição para Fomento da Radiodifusão Pública – CFRP, previstas, respectivamente, na Lei n.º 5.070/66 e na Lei nº 11.652/2008, conforme dispositivos abaixo transcritos: “Lei n.º 5.070/66 ‘Art. 1º. Fica criado um fundo de natureza contábil, denominado "Fundo de Fiscalização das Telecomunicações", destinado a prover recursos para cobrir despesas feitas pelo Governo Federal na execução da fiscalização de serviços de telecomunicações, desenvolver os meios e aperfeiçoar a técnica necessária a essa execução. Art. 2º. O Fundo de Fiscalização das Telecomunicações – FISTEL é constituído das seguintes fontes: (…) f) taxas de fiscalização;(…) Art. 6º. As taxas de fiscalização a que se refere a alínea "f" do artigo 2º são a de instalação e a do funcionamento. § 1º. Taxa de fiscalização de instalação é a devida pelas concessionárias permissionárias e autorizadas de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüência, no momento da emissão do certificado de licença para o funcionamento das estações. § 2º. Taxa de fiscalização do funcionamento é a devida pelas concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüência, anualmente, pela fiscalização do funcionamento das estações. § 3º. … Vetado. Art. 7º. A taxa de fiscalização da instalação tem os seus valores fixados no Anexo I desta Lei. Art. 8º. A taxa de fiscalização do funcionamento será paga, anualmente, até o dia 31 de março, e seus valores serão os correspondentes a 50% (cinqüenta por cento) dos fixados para a Taxa de Fiscalização da Instalação. (grifou-se) “Lei nº 11.652/2008 Art. 32.  Fica instituída a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, com o objetivo de propiciar meios para a melhoria dos serviços de radiodifusão pública e para a ampliação de sua penetração mediante a utilização de serviços de telecomunicações. § 1o  A Contribuição é devida pelas prestadoras dos serviços constantes do Anexo desta Lei, e o seu fato gerador é a prestação deles. § 2o  A Contribuição será paga, anualmente, até o dia 31 de março, em valores constantes do Anexo desta Lei.” (grifou-se) Em relação aos dispositivos legais acima, a Anatel seguia o entendimento de que a TFF, a TFI e a CFRP se tratavam de tributos sujeitos a lançamento de ofício, conforme se verifica no Parecer nº 462/2010/BSA/PGF/AGU-Anatel, cujos trechos correlatos transcrevem-se: “ 7. No que se refere à decadência, o termo inicial dos tributos sujeitos a lançamento de ofício, como por exemplo, as taxas (TFI e TFF) e a CFRP, é o primeiro dia do exercício seguinte aquele em que a exação poderia ter sido cobrada, nos termos do art. 173, I, do Código Tributário Nacional. Assim, se determinado tributo é devido no ano de 2000 e sujeito a lançamento de ofício, o prazo para sua cobrança se inicia no dia 1º de janeiro de 2001, terminando 05 anos depois, ou seja, em 31.12.2005. 8. Já os tributos sujeitos a lançamento por homologação, no caso, a CIDE-FUST, não existe um único termo inicial à contagem da decadência, desta feita, para a contagem do prazo decadencial deve ocorrer a análise de cada caso em concreto, conforme será detalhado a seguir:”(destaque no original) Corroborando a tese esposada pela Anatel, foi encontrado o seguinte julgado, que admite o lançamento de ofício para a TFF: “TRF5 –  Terceira Turma – Desembargador Federal Geraldo Apoliano – Remessa Ex Offício – 531157 – REO 00054044620114059999 – Data da dedisão: 07/06/2012- Publicação: DJE – Data::18/07/2012 – Página::104 TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ANATEL. TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO (TFF). LANÇAMENTO DE OFÍCIO. ART. 173, I, DO CTN. DECADÊNCIA DE PARTE DOS CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. HIGIDEZ DO CRÉDITO RELATIVO AO EXERCÍCIO DE 2004. REMESSA NECESSÁRIA PROVIDA, EM PARTE. 1. Remessa Necessária em face em face da sentença que, acolhendo a Exceção de Pré-Executividade, extinguiu a Execução Fiscal, reconhecendo a prescrição quinquenal dos créditos tributários, nos termos do art. 269, do Código de Processo Civil – CPC. 2. Cuida-se de cobrança de créditos tributários referentes às Taxas de Fiscalização e Funcionamento (TFF) dos exercícios de 2001 a 2004. 3. Nos casos de lançamento de ofício, como é a hipótese dos autos, o prazo decadencial para constituição do crédito tributário conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ele poderia ter sido efetuado (art. 173, inciso I, do CTN). 4. Créditos tributários relativos aos exercícios de 2001 a 2003, que se encontram fulminados pela decadência, tendo em vista que o Lançamento de 'ofício' somente foi efetuado em 22/10/2009. Prazo que expirou em 1º/01/2007, 1º/01/2008, e 1º/01/2009, para os créditos relativos aos respectivos exercícios. Manutenção da sentença neste ponto. 5. No caso do crédito tributário relativo exercício de 2004, o termo inicial para o início da contagem do prazo decadencial seria em 01/01/2005, segundo a regra contida no multicitado art. 173, I, do CTN. O termo final para o lançamento do crédito tributário seria em 01.01.2010, o que foi devidamente obedecido pela autoridade fiscal, que o lançou na data de 22.10.2009, tendo a Execução Fiscal sido ajuizada em 09/11/2009. Crédito tributário que não foi alcançado pela decadência ou prescrição, por haver sido regularmente constituído e cobrado no prazo legal. Reforma da sentença neste aspecto. 6. Remessa Necessária provida, em parte, tão-somente para reconhecer a higidez do crédito tributário relativo ao exercício de 2004”. (grifou-se)) Contudo, o posicionamento da jurisprudência majoritária considera o lançamento por homologação como a regra para a TFF. Não ocorrendo o lançamento por homologação, deve ser realizado o lançamento de ofício. Veja-se: “TRF 5 – Segunda Turma – Desembargadora Federal Nilcéa Maria Barbosa Maggi – Processo AC 200681000132273 – AC – Apelação Civel – 530143 – Data da decisão: 10/04/2012 – Publicação: DJE – Data19/04/2012 – Página 458. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. ANATEL. TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO (TFF). LANÇAMENTO DE OFÍCIO. NOTIFICAÇÃO DA PARTE DEVEDORA. CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. PROPOSITURA DO FEITO NO LUSTRO PRESCRICIONAL. TERMO AD QUEM E A QUO DA PRESCRIÇÃO. NOVO ENTENDIMENTO DO STJ, FIRMADO EM JULGAMENTO SOB O RITO DO ART. 543-C, DO CPC. NÃO CONFIGURAÇÃO DA PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. APELAÇÃO PROVIDA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA O REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO. 1 – Trata-se de apelação da ANATEL em decorrência de sentença, às fls. 10/11, que, com base no art. 174, parágrafo único, I, do Código Tributário Nacional (CTN), c/c os arts. 269, IV, 329, 598 e 795, todos do Código de Processo Civil (CPC), ao reconhecer a ocorrência da prescrição quinquenal, extinguiu, em parte, a execução fiscal, determinando o prosseguimento do feito apenas em relação aos créditos inscritos após 31/03/2001; 2 – Ora, o tributo cobrado, Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF), regra geral, submete-se ao lançamento por homologação. Por sua vez, não ocorrendo o lançamento na modalidade referida, hipótese dos presentes autos, proceder-se-á ao lançamento de ofício. Nessa linha, é cediço que, no lançamento de ofício, a constituição do crédito tributário dá-se com a notificação do sujeito passivo; 3 – No caso, pode se depreender que a execução fiscal envolve a cobrança de TFFs, dos anos de 1999/2003. Com efeito, atentando-se para o disposto no art. 173, I, do CTN, de logo se constata que não houve o aperfeiçoamento da decadência, visto que a constituição do crédito tributário, via notificação do sujeito passivo, efetivou-se em 19/12/2003 (fls. 36), ou seja, no lustro decadencial aplicável. Por oportuno, saliente-se que, tendo sido constituído o crédito tributário em 19/12/2003 (fls. 05), deve ser observado, para a constituição definitiva daquele, o prazo de 30 (trinta) dias – relativo à eventual recurso administrativo do sujeito passivo, nos termos do art. 15, do Decreto nº 70.235/72, c/c o art. 151, III, do CTN, que, se interposto, suspende a exigibilidade do crédito tributário, e, consequentemente, posterga o início da contagem do prazo prescricional para a data da notificação da decisão administrativa respectiva. Diante de tal situação, em princípio, tem-se, com base no art. 174, do CTN, que o termo final do prazo prescricional seria 19/01/2009, uma vez que não consta dos autos a notícia de interposição de recursos administrativos. Assim, tendo sido o executivo fiscal proposto em 02/08/2006, verifica-se, de plano, que foi observado o prazo prescricional quinquenal aplicável; (…)- Apelação provida para, anulando-se a sentença, afastar a prescrição quinquenal, determinando-se, por consequência, o retorno dos autos à origem, a fim de que a execução fiscal tenha regular prosseguimento, relativamente a todos os créditos tributários constantes da CDA a fls. 05” (grifou-se). “STJ – T2 – 2ª Turma – Relator: Ministro Mauro Campbell Marques – Processo REsp 1202230/RS Recurso Especial 2010/0123651-0 – Data do julgamento: 11/10/2011 – Publicação: DJe 18/10/2011. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO – TFF. ANATEL. FISTEL. LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRAZO DECADENCIAL PARA A CONSTITUIÇÃO E PRAZO PRESCRICIONAL PARA A COBRANÇA DA EXAÇÃO. 1. A Taxa de Fiscalização de Funcionamento – TFF prevista no art. 6º, §2º, da Lei n. 5.070/66, destinada ao Fundo de Fiscalização das Telecomunicações – FISTEL e exigida pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, sujeita-se a lançamento por homologação. Nessa sistemática, "[…] a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa […]" (art. 150, caput, do CTN). 2. Sendo assim, o pagamento do referido tributo deverá ocorrer antes da própria constituição do crédito tributário, isto é, a legislação (art. 8º, da Lei n. 5.070/66) estabelece uma data de vencimento que antecede o ato de fiscalização da administração tributária. 3. Essa fiscalização posterior somente ensejará o lançamento do crédito tributário se o pagament foi parcial (incompleto) ou se não houver pagamento em absoluto. Na primeira hipótese (pagamento parcial), a notificação ao contribuinte deverá se dar dentro do prazo decadencial de 5 (cinco) anos a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, §4º, do CTN). Já na segunda hipótese (ausência completa de pagamento), a notificação ao contribuinte deverá ocorrer dentro do prazo decadencial de 5 (cinco) anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado (art. 173, I, do CTN). Precedentes: REsp. n. 1.259.634/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 13.9.2011; REsp 1.241.735/SC, Segunda Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 26/04/2011, DJe 04/05/2011; REsp. Nº 973.733 – SC, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12.8.2009. 4. Notificado o contribuinte para pagar os valores faltantes ou se defender, dá-se a constituição definitiva do crédito tributário, o que inaugura o prazo prescricional para a sua cobrança (art. 174, do CTN), salvo em ocorrendo quaisquer das hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédit tributário (art. 151, do CTN) ou interrupção do lustro prescricional (art. 174, parágrafo único, do CTN). 5. No caso concreto, o débito de TFF mais antigo teve vencimento em 22.8.1998 e não foi pago em absoluto, foi notificado o lançamento ao sujeito passivo em 21.07.2003, sendo que o prazo decadencial se findaria, na pior das hipóteses, e 01.01.2004 (cinco anos após o primeiro dia do exercício seguinte ao exercício de 1998 – art. 173, I, do CTN), não tendo, pois, ocorrido a decadência. 6. Constituído o crédito tributário em 21.07.2003, na pior das hipóteses, a Administração Fazendária tinha até o dia 21.07.2008 para ajuizar a execução (cinco anos a contar da constituição definitiva) Sem deixar de observar que o despacho (em 24.8.2005) que ordena a citação interrompe a prescrição de forma retroativa à data da propositura da ação (itens "14" e "15" do suso citado recurso representativo da controvérsia REsp. Nº 1.120.295 – SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 12.5.2010). Portanto, não ocorreu também a prescrição. 7.Recurso especial não provido”. (grifou-se) “TRF 4 – Primeira Turma – Relator: Desembargador Álvaro Eduardo Junqueira. Processo: AC 200472070067703 AC – Apelação Cível – Data da Decisão: 03/03/2010. Publicação: D.E. 16/03/2010. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. DECADÊNCIA. TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO – TFF, COBRADA PELA ANATEL DE MUNICÍPIO PERMISSIONARIO DE CANAL DE TV. EXIGIBILIDADE. 1. O tributo sob análise possui lançamento homologatório (art. 150, § 4º, do CPC), quando o Fisco tem cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador, para realizar o lançamento ex officio. Em não ocorrendo o pagamento por parte do contribuinte, não há o que homologar, então, incide o art. 173, inc. I, do CTN para constituir o crédito tributário no prazo decadencial de cinco anos. A partir daí passa a correr o prazo, também quinquenal, de prescrição. 2. No caso dos autos, o fatos geradores datam de 1998 a 2003. A CDA foi lavrada em junho de 2004. Portanto, o tributo datado de 1998 foi alcançado pela decadência, fincando a salvo os demais. 3. Nos termos do art. 77 do CTN, a exigibilidade da taxa dispensa a efetiva fiscalização. É suficiente a disponibilidade do serviço. 4. O Município requereu permissão para ocupar canal de TV, acarretando sua sujeição passiva da TFF, conforme o disposto no artigo 8º da Lei nº 5.070/66, pois, perfeitamente caracterizado como permissionário de serviços de telecomunicações.” (grifou-se) “TRF 4 – Primeira Turma – Relator: Desembargador Federal Álvaro Eduardo Junqueira. Processo: APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.72.07.006770-3/SC – Julgado em 05/05/2010 – Publicado em 26/05/2010 Ementa EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. 1.O acórdão não incorreu em omissão ante o adequado enfrentamento das questões postas em discussão. 2. A embargante alega omissão, apesar de inequívoca manifestação acerca da decadência dos tributos datados de 1998. 3. Embargos de declaração improvidos. Relatório Trata-se de embargos de declaração opostos pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL visando suprir omissão em acórdão que deu provimento à apelação, ementado nas seguintes letras: "(…) 1. O tributo sob análise possui lançamento homologatório (art. 150, § 4º, do CPC) (SIC), quando o Fisco tem cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador, para realizar o lançamento ex officio . Em não ocorrendo o pagamento por parte do contribuinte, não há o que homologar, então, incide o art. 173, inc. I, do CTN para constituir o crédito tributário no prazo decadencial de cinco anos. A partir daí passa a correr o prazo, também quinquenal, de prescrição. 2. No caso dos autos, o fatos geradores datam de 1998 a 2003. A CDA foi lavrada em junho de 2004. Portanto, o tributo datado de 1998 foi alcançado pela decadência, fincando a salvo os demais. 3. Nos termos do art. 77 do CTN, a exigibilidade da taxa dispensa a efetiva fiscalização. É suficiente a disponibilidade do serviço. 4. O Município requereu permissão para ocupar canal de TV, acarretando sua sujeição passiva da TFF, conforme o disposto no artigo 8º da Lei nº 5.070/66, pois, perfeitamente caracterizado como permissionário de serviços de telecomunicações." A embargante alega omissão no acórdão no tocante à inocorrência da decadência dos valores referentes a TFF do ano de 1998, já que somente poderiam ter sido lançados a partir de 01/1999, e a autoridade poderia agir de ofício a partir da competência 01/2000, com o que não ocorreria a decadência antes de 01/2005. Assim, requer a análise das questões ventiladas, para esclarecer quanto a contagem do prazo nos termos do art. 173, I, do CTN. É o relatório. VOTO:(…) A embargante quer, em verdade, a declaração de inocorrência da decadência dos valores referentes a TFF do ano de 1998, no entanto o voto embargado claramente define que em não ocorrendo o pagamento por parte do contribuinte, incide o art. 173,I, do CTN para constituir o crédito tributário no prazo decadencial de cinco anos. A partir de então, passa a correr os cinco anos do prazo prescricional.(…)” (grifou-se) “TRF 2 – Quarta Turma Especializada – Relator: Desembargador Federal Luiz Antônio Soares – Processo: AC 200551550036540 – AC – Apelação cível 392179 – Data da decisão: 09/06/2009 – Publicação: D.J.U. Data 17/07/2009 – Pág. 106. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TAXA DE FISCALIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO. ANATEL. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. ENCARGOS LEGAIS E MULTA. INCIDÊNCIA A PARTIR DO INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. 1-A lei nº 5.070/66 é expressa ao dispor que a Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF) é devida anualmente, devendo ser paga até o dia 31 de março de cada ano e corresponder a 50% (cinqüenta por cento) do valor consignado na TFI, incidindo sobre todas as estações licenciadas até o dia 31 de dezembro do ano anterior. 2-Destarte, considerando que a própria lei atribui ao sujeito passivo o dever de apurar o crédito devido e antecipar o pagamento da exação, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, conclui-se que o tributo em questão está sujeito a lançamento por homologação. 3-Os encargos legais devem incidir a partir do inadimplemento da obrigação tributária e integram-se no principal, consubstanciando o crédito fiscal. 4- Apelação provida”. (grifou-se) 1.1. Da análise da modalidade de lançamento da Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF) e da Contribuição para Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) Para melhor compreensão a respeito da modalidade de lançamento adequada para a TFF e CFRP, é importante analisar o instituto do lançamento. Desta feita, assim dispõe o artigo 142 do Código Tributário Nacional, acerca da constituição do crédito tributário: “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível.” O lançamento é conceituado, portanto, como sendo um procedimento administrativo pelo qual o agente público procede à verificação da subsunção do fato concreto ao dispositivo legal, analisando a ocorrência do fato gerador, identificando a base de cálculo e a alíquota prevista em lei para apuração do montante devido, assim como o sujeito passivo da obrigação tributária. Já o artigo 150 do Código Tributário Nacional define o lançamento por homologação como sendo aquele cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa. In verbis: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.” Colocados tais dispositivos de regência e analisando a legislação correlata, percebe-se que, em relação à TFF e à CFRP, os valores foram claramente definidos por lei, bem como os sujeitos passivos das obrigações tributárias e todos os aspectos pertinentes aos fatos geradores, necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta, bem ainda, o momento em que o pagamento deve ser realizado. Confira-se novamente: “Lei n.º 5.070/66 Art. 6º. § 1º. (omisis). § 2º. Taxa de fiscalização do funcionamento é a devida pelas concessionárias, permissionárias e autorizadas de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüência, anualmente, pela fiscalização do funcionamento das estações. § 3º. … Vetado. Art. 7º. A taxa de fiscalização da instalação tem os seus valores fixados no Anexo I desta Lei. Art. 8º. A taxa de fiscalização do funcionamento será paga, anualmente, até o dia 31 de março, e seus valores serão os correspondentes a 50% (cinqüenta por cento) dos fixados para a Taxa de Fiscalização da Instalação.” (grifou-se) “Lei nº 11.652/2008 Art. 32.  § 1o  A Contribuição é devida pelas prestadoras dos serviços constantes do Anexo desta Lei, e o seu fato gerador é a prestação deles. § 2o  A Contribuição será paga, anualmente, até o dia 31 de março, em valores constantes do Anexo desta Lei.” (grifou-se) Como se vê, estão presentes todos os requisitos necessários para que o sujeito passivo efetue o pagamento sem que seja necessário prévio exame da autoridade administrativa, exatamente nos termos do que dispõe o artigo 150 do Código Tributário Nacional, ao definir o lançamento por homologação. Eventual argumento contrário no sentido de que, em relação às taxas decorrentes do exercício do poder de polícia, a Administração, conhecendo a atividade exercida pelo devedor, poderia então realizar o lançamento de ofício, não merece prosperar, uma vez que, quando o artigo 150, do Código Tributário Nacional prevê que o lançamento por homologação “opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa” tem-se que a atividade a ser conhecida e homologada é tão somente a de apuração e pagamento do tributo. O ilustre tributarista Luciano Amaro[1] discorreu de forma cristalina sobre o assunto: ““Na prática, o "dever de antecipar o pagamento" significa que o sujeito passivo tem o encargo de valorizar os fatos à vista da norma aplicável, determinar a matéria tributável, identificar-se como sujeito passivo, calcular o montante do tributo e pagá-lo, sem que a autoridade precise tomar qualquer providência. E o lançamento? Este – diz o Código Tributário Nacional – opera-se por meio do ato da autoridade que, tomando conhecimento da atividade exercida pelo devedor, nos termos do dispositivo, homologa-a. A atividade aí referida outra não é senão a de pagamento, já que está é a única providência do sujeito passivo tratada no texto”. (grifou-se) No mesmo sentido, é o ensinamento de Ricardo Alexandre[2]: “Perceba-se que, na expressão final "a homologa", o pronome "a" se refere à palavra "atividade", que, por sua vez, trata da atividade do sujeito passivo, consistente em antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa.” Em relação ao tema, cumpre esclarecer que as taxas são tributos cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia[3] ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição (art. 145, II, da Constituição Federal e art. 77 do CTN). No caso da Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF), embora o seu pagamento decorra do exercício do poder de polícia do Estado[4], o seu valor é perfeitamente previsível, pois, conforme a legislação, os valores correspondem a 50% dos fixados para a Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) [5], os quais se encontram expressos no Anexo I da Lei nº 5.070/66. Assim, verifica-se que estão presentes todos os requisitos estabelecidos pelo artigo 150 do CTN para o enquadramento do referido tributo como sujeito a lançamento por homologação. Muito bem definiu a questão o Juiz Federal Fábio Vitório Mattielo, ao proferir Decisão nos autos da Execução Fiscal nº 5000488-91.2010.404.7105,[6] cujos trechos a seguir merecem transcrição: “ (…) A análise da legislação de regência permite verificar que a taxa de fiscalização é tributo cujo fato-gerador ocorre anualmente, sendo atribuível ao sujeito passivo a obrigação de declarar sua ocorrência, calcular o valor devido e efetuar o pagamento até o dia 31 de março de cada ano. Esta é a data que se aperfeiçoa, pois, o fato-gerador. O lançamento, por sua vez, se dá por homologação, pelo que se atribui ao sujeito passivo o dever de declarar a ocorrência do fato-gerador e o valor do tributo devido sem o prévio exame da autoridade administrativa, funcionando a declaração prestada como verdadeiro autolançamento, afastando a necessidade de qualquer ato complementar por parte do Fisco.(…)” (grifou-se)   Ademais, como já foi demonstrado, observa-se que a jurisprudência majoritária inclina-se no sentido de que a TFF submete-se ao lançamento por homologação, o que pode ser constatado a partir dos julgados colacionados acima, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal Regional da 5º Região (TRF5), Tribunal Regional da 4º Região (TRF4), Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) e Justiça Federal de primeiro grau. Em que pese não terem sido encontrados julgados específicos relativos à CFRP, infere-se que o tratamento a ser dispensado à referida contribuição seja o mesmo aplicável à TFF, por se enquadrar, igualmente, ao disposto no art. 150 do Código Tributário Nacional. Como já restou demonstrado, cada um dos respectivos tributos – TFF e CFRP – possuem os valores claramente definidos por lei, bem como os sujeitos passivos das obrigações tributárias e todos os aspectos pertinentes aos fatos geradores, necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta, bem ainda, o momento em que o pagamento deve ser realizado, o que os sujeita ao lançamento por homologação. Insta salientar que, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação, quando a declaração não é prestada pelo contribuinte, ou por quem de direito, no prazo e na forma estabelecida na legislação tributária, o lançamento é realizado de ofício pela autoridade administrativa, conforme preceitua o artigo 149 do CTN [7]. Somente nesse caso é necessária a notificação do lançamento ao contribuinte. 1.2. Da análise da modalidade de lançamento da Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI) Diferentemente do que ocorre com a TFF e com a CFRP, a TFI demanda a realização de uma atividade do Estado para caracterizar a ocorrência do fato gerador, que consiste na emissão do certificado de licença para o funcionamento das estações. Compulsando a legislação referente à TFI, qual seja, a Lei 5.070/66, observa-se: “Art. 6º. As taxas de fiscalização a que se refere a alínea "f" do artigo 2º são a de instalação e a do funcionamento. (Art. 6º com redação dada pela Lei nº 9.472, de 16/07/1997) § 1º. Taxa de fiscalização de instalação é a devida pelas concessionárias permissionárias e autorizadas de serviços de telecomunicações e de uso de radiofreqüência, no momento da emissão do certificado de licença para o funcionamento das estações. (§ 1º. Com redação dada pela Lei nº 9.472, de 16/07/1997) Art. 7º. A taxa de fiscalização da instalação tem os seus valores fixados no Anexo I desta Lei.” (grifou-se) Verifica-se, pois, que para surgir a obrigação tributária, é necessário que haja a emissão do certificado, pela Anatel, sem o que não há que se falar em valor devido pelo contribuinte. Além disso, não foi estabelecida a data de vencimento do tributo, tendo o legislador optado por determinar que a referida taxa é devida “no momento” da emissão do certificado. Mais uma vez, pressupõe-se uma atuação da Administração no sentido de determinar o vencimento do tributo, a ser recolhido pelo contribuinte quando da emissão da guia de pagamento. Assim, não seria possível conferir o mesmo tratamento da TFF e CFRP à TFI, pois neste caso, não se pode exigir do contribuinte o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, nos moldes do que preconiza o art. 150, do Código Tributário Nacional, ao conceituar o lançamento por homologação. In verbis: “Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa”. Diversamente da TFF e da CFRP, em relação à TFI o fato gerador somente ocorre com a atuação da Administração, ao emitir o certificado de licença para o funcionamento das estações. Logo, permanece para a TFI a previsão de lançamento de ofício. 2. Dos Efeitos de se considerar a TFF e a CFRP como tributos sujeitos a lançamento por homologação A respeito da discussão acerca da modalidade de lançamento por homologação a que se submete a TFF e a CFRP, é importante destacar os efeitos desta orientação. Na ausência de declaração ou declaração a menor, será realizado lançamento de ofício do total devido ou da diferença apurada, caso em que incidirá a multa de ofício, prevista no art. 44 da Lei nº 9.430/96, além dos juros de mora equivalentes à SELIC, nos termos do art. 37-A, da Lei nº 10.522/2002, c/c o art. 43, da Lei nº 9.430/96. Recomenda-se que, em caso de ausência de declaração por parte do sujeito passivo ou declaração a menor, o lançamento da multa de ofício seja realizado juntamente com o lançamento do tributo devido (ou da diferença apurada). Nesse sentido vem procedendo a Receita Federal do Brasil, como se vislumbra dos julgados abaixo, extraídos do CARF: “CARF. Processo nº 10120.001388/200819. Recurso nº 260.156 Especial do Procurador. Acórdão nº 9202002.793 – 2ª Turma. Sessão de 07 de agosto de 2013. Matéria DECADÊNCIA E MULTA. Recorrente FAZENDA NACIONAL. Interessado CONSTRUTORA CENTRAL DO BRASIL LTDA. […] m) Assim,  no  lançamento  de  ofício,  diante  da  falta  de  pagamento  ou recolhimento  do tributo e/ou  falta  de  declaração  ou  declaração inexata, são  exigidos,  além  do  principal e  dos  juros  moratórios,  os  valores relativos às penalidades  pecuniárias  que no caso consistirá na multa de ofício. A multa  de  ofício  será aplicada  quando  realizado o lançamento paraa constituição do crédito tributário. A incidência da multa de mora, por  sua  vez,  ficará  reservada  para  aqueles  casos  nos  quais  o  sujeito passivo,  extemporaneamente,  realiza  o  pagamento  ou  o  recolhimento antes do procedimento de ofício (ou seja, espontaneamente o que não foi o caso). Essa mesma sistemática deverá ser aplicada às contribuições previdenciárias, em  razão  do  advento  da  MP  n°  449  de  2008, posteriormente convertida da Lei n° 11.941/09. É o que se percebe pela simples leitura do art. 35­A da Lei n° 8.212; […]” (grifou-se) “CARF. Processo nº 16561.000004/2008­38 . Recurso nº De Ofício e Voluntário . Acórdão nº 1402­001.481  –  4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária  . Sessão de 9 de outubro de 2013 . Matéria  IRPJ E OUTROS . Recorrentes  FAZENDA NACIONAL  PARMALAT BRASIL S/A INDÚSTRIA DE ALIMENTOS Ementa:  MULTA DE OFÍCIO ­ JUROS DE MORA.  Sobre a multa  de  ofício lançada juntamente com  o tributo  ou contribuição, não paga no vencimento, incidem juros de mora à taxa SELIC, nos termos do art. 61, caput e § 3º, da Lei nº 9.430/96.” (grifou-se) Tal recomendação também visa otimizar os custos com a cobrança dos créditos, vez que será necessário o envio de apenas uma notificação de lançamento. Tal medida possibilitará, ainda, a apresentação de uma única impugnação por parte do contribuinte, facilitando a análise e a Decisão dos respectivos Processos Administrativos Fiscais. Outro efeito de se considerar a TFF e a CFRP como tributos sujeitos a lançamento por homologação consiste na definição da regra aplicável quanto à decadência. Consoante a disciplina jurídica do tema, verifica-se que o art. 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, apregoa que quando realizado um pagamento, ainda que a menor, mas desde que no vencimento, o Fisco terá um prazo de cinco anos, a contar do fato gerador, para lançar, sob pena de decadência. Ocorre que tal dispositivo só deve ser aplicado se o sujeito passivo paga o tributo no prazo de vencimento. Caso contrário, incide, exclusivamente, o art. 173, I, do CTN (que determina que o prazo decadencial seja contado do primeiro dia do exercício seguinte aquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado). Nesse sentido, os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. 1. No lançamento por homologação, o contribuinte, ou o responsável tributário, deve realizar o pagamento antecipado do tributo, antes de qualquer procedimento administrativo, ficando a extinção do crédito condicionada à futura homologação expressa ou tácita pela autoridade fiscal competente. Havendo pagamento antecipado, o fisco dispõe do prazo decadencial de cinco anos, a contar do fato gerador, para homologar o que foi pago ou lançar a diferença acaso existente (art. 150, § 4º do CTN). 2. Se não houve pagamento antecipado pelo contribuinte, não há o que homologar nem se pode falar em lançamento por homologação. Surge a figura do lançamento direto substitutivo, previsto no art. 149, V do CTN, cujo prazo decadencial rege-se pela regra geral do art. 173, I do CTN: cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o pagamento antecipado deveria ter sido realizado. 3. Em síntese, o prazo decadencial para a Fazenda Pública constituir o crédito tributário será: a) de cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser efetuado, se o tributo sujeitar-se a lançamento direto ou por declaração (regra geral do art. 173, I do CTN); b) de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador no caso de lançamento por homologação em que há pagamento antecipado pelo contribuinte (aplicação do art. 150, § 4º do CTN) e c) de cinco anos a contar do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o pagamento antecipado deveria ter sido realizado nos casos de tributo sujeito à homologação sem que nenhum pagamento tenha sido realizado pelo sujeito passivo, oportunidade em que surgirá a figura do lançamento direto substitutivo do lançamento por homologação. 4. Na hipótese, houve pagamento antecipado e pretende o fisco cobrar diferenças relacionadas à apuração a menor realizada pelo contribuinte. Aplicando-se a regra do art. 150, § 4º, do CTN, deve ser reconhecida a decadência do direito de lançar tributos cujo fato gerador tenha ocorrido em momento anterior aos cinco anos que antecedem a notificação do auto de infração ou da nota de lançamento. 5. Recurso especial provido. (REsp 784.218/SP, Rel. Ministro  CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/08/2006, DJ 29/08/2006 p. 151)” (grifou-se) “5. A decadência do direito de lançar do Fisco, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando ocorre pagamento antecipado inferior ao efetivamente devido, sem que o contribuinte tenha incorrido em fraude, dolo ou simulação, nem sido notificado pelo Fisco de quaisquer medidas preparatórias, obedece a regra prevista na primeira parte do § 4º, do artigo 150, do Codex Tributário, segundo o qual, se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador: "Neste caso, concorre a contagem do prazo para o Fisco homologar expressamente o pagamento antecipado, concomitantemente, com o prazo para o Fisco, no caso de não homologação, empreender o correspondente lançamento tributário. Sendo assim, no termo final desse período, consolidam-se simultaneamente a homologação tácita, a perda do direito de homologar expressamente e, conseqüentemente, a impossibilidade jurídica de lançar de ofício" (In Decadência e Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad , pág. 170).  (…) 9. In casu: (a) cuida-se de tributo sujeito a lançamento por homologação; (b) a obrigação ex lege de pagamento antecipado do ICMS pelo contribuinte RESTOU ADIMPLIDA EM VALOR INFERIOR AO DEVIDO, no que concerne aos fatos geradores ocorridos NO PERÍODO DE JANEIRO DE 1998 A JUNHO DE 1998, consoante consignado pelo Tribunal a quo (fls. 260/261); (c) a constituição do crédito tributário pertinente ocorreu em 13/11/2003. 10. Desta sorte, a regra decadencial aplicável ao caso concreto é a prevista no artigo 150, § 4º, do Codex Tributário, contando-se o prazo de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador, donde se dessume a ocorrência da decadência do direito de o Fisco lançar os referidos créditos tributários. 12. Recurso especial provido”. (REsp 989421/RS, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 10/12/2008 ” (grifou-se) Mesmo no caso de haver vários pagamentos parciais referentes a um só mês, sendo o primeiro dentro do prazo de vencimento e os demais havidos posteriormente, entende a jurisprudência que deve ser aplicado o art. 150, § 4º, CTN. “STJ – REsp 1248710 – Relator Herman Benjamin – Dje 21/06/2011: (…) Decido. Os autos foram recebidos neste Gabinete em 10.5.2011. Quanto à contagem do prazo decadencial para constituição do crédito tributário, a jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de que, nos tributos sujeitos a lançamento por homologação (é o caso do Imposto de Renda), é possível aplicar o prazo do art. 150, § 4º, do CTN, ou o do art. 173, I, do CTN, tudo a depender da existência ou não de pagamento. Assim, na hipótese em que houve pagamento, o fluxo do prazo decadencial para constituição de crédito suplementar se inicia com a ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN); por outro lado, se não houve pagamento, incide a regra geral do art. 173, I, do CTN, isto é, como não há nada a ser homologado, inicia-se o prazo de cinco anos a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser feito. Nesse sentido:(…)” (REsp 678.454/SC, PRIMEIRA TURMA, Rel. MINISTRA DENISE ARRUDA, julgado em 21.8.2007, DJ 17.9.2007 p. 211). “Infere-se que o termo inicial do prazo de decadência demanda a análise quanto à existência ou não de pagamento antecipado, não bastando o enquadramento do tributo na espécie sujeita a lançamento por homologação. Para exemplificar, cito duas situações: 1) o contribuinte declara que deve "A" e nada paga, e o Fisco apura a existência de "A + B"; 2) o contribuinte declara que deve "A" e efetua o pagamento, e o Fisco apura a existência de "A + B". Na situação 1, o valor "A" (declarado mas não pago) está sujeito ao prazo de prescrição de cinco anos (não de decadência, afastada porque a declaração importa confissão de dívida), enquanto o valor "B" deverá ser constituído no prazo de cinco anos (decadência), contado do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ser feito (art. 173, I, do CTN). Na situação 2, havendo o pagamento da quantia "A", a ausência de manifestação do Fisco importará homologação tácita do lançamento e, conseqüentemente, a extinção do crédito tributário. A quantia "B", por outro lado, deve ser constituída (decadência) mediante lançamento suplementar, no prazo de cinco anos, contado do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN). Na hipótese dos autos, o acórdão combatido assim se manifestou (fls. 196-197, e-STJ): Como a hipótese é de lançamento suplementar, supõe-se que a declaração de ajuste anual apresentada pelo contribuinte continha inconsistências, daí resultando a existência de saldo de imposto de renda a pagar. (…) No tocante à declaração de ajuste anual referente ao ano-base de 2000, exercício 2001, entregue em 30/04/2001, o prazo decadencial para o lançamento suplementar de eventuais diferenças expirou em 30/04/2006. Antes porém, houve a lavratura do auto de infração em 29/03/2006, impedindo a consumação da decadência. E, considerando a data do ajuizamento da ação, tampouco transcorreu o prazo prescricional. Como se vê, o Tribunal de origem, apesar de reconhecer que a situação dos autos é de lançamento suplementar de tributo declarado e pago a menor, entendeu que o prazo decadencial de cinco anos para constituição do crédito tributário conta-se a partir da entrega da declaração do IRPF. Percebo, assim, que o entendimento adotado pela Corte Regional destoa da jurisprudência do STJ, que, conforme acima explicitado, preleciona que, em se tratando de tributo declarado a menor e pago antecidamente, o crédito tributário relativo à diferença deve ser constituído mediante lançamento suplementar, no prazo decadencial de cinco anos, contado do fato gerador da exação (art. 150, § 4º, do CTN). Desse modo, o acórdão recorrido merece ser reformado. Diante do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC, dou provimento ao Recurso Especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília-DF, 06 de junho de 2011. MINISTRO HERMAN BENJAMIN Relator” (Original sem grifos). Assim, havendo algum recolhimento, no dia do vencimento, ainda que de valor ínfimo, não há que se aplicar o art. 173, I, CTN, na medida em que de acordo com a disciplina do Código Tributário Nacional e o entendimento jurisprudencial do STJ, para que seja aplicado o prazo previsto no art. 150, §4º, do CTN, é suficiente que tenha havido algum pagamento, ainda que ínfimo, no prazo de vencimento do tributo (pagamento antecipado). A complementação do pagamento antecipado, ainda que feita após o vencimento do tributo, não descaracteriza o pagamento antecipado, que tem como principal efeito, definir o termo inicial do prazo decadencial. Para a Jurisprudência do STJ, havendo pagamento parcial no prazo de vencimento, é suficiente para a incidência do art. 150, §4º, do CTN. Logo, o ponto central da questão para saber se se aplica o art. 150, § 4º ou o art. 173, I, ambos do CTN, é ter ocorrido ou não algum pagamento tempestivamente. O art. 173 do CTN apenas deve ser aplicado se, no prazo de vencimento do tributo, o contribuinte não efetuou pagamento algum. Uma vez que tenha ocorrido o pagamento parcial dentro do prazo, mesmo que venha a ocorrer mais pagamentos posteriormente, referentes ao mesmo mês, conta-se o prazo decadencial de 05 anos a partir do fato gerador, como apregoa o art. 150, § 4º, CTN e a jurisprudência. Assim, a consequência é que haverá a diminuição do termo final do prazo decadencial em relação ao prazo que hoje é observado para a constituição dos referidos créditos, nos casos de pagamento parcial do tributo. Isso demonstra a relevância da concatenação dos procedimentos adotados no processo administrativo com o entendimento que vem sendo tomado na Jurisprudência pátria, máxime, no STJ. Assim, os efeitos que se destacam da adoção da teoria de que a TFF e a CFRP são tributos sujeitos a lançamento por homologação consistem na importância de conduzir o processo administrativo em conformidade com a jurisprudência, a fim de evitar a declaração judicial de decadência de parte dos créditos lançados, que observaram a regra decadencial dos tributos sujeitos a lançamento de ofício[8], bem como desonerar a Administração de atividades que a própria Lei atribuiu ao sujeito passivo. 3. Conclusão Ante o exposto, acompanhando a evolução jurisprudencial acerca do tema, entende-se que a Taxa de Fiscalização de Funcionamento (TFF) e a Contribuição para Fomento da Radiodifusão Pública (CFRP) caracterizam-se como tributos sujeitos a lançamento por homologação. Disso decorre que, a partir do inadimplemento da obrigação tributária haverá incidência de juros de mora equivalentes à SELIC, nos termos do art. 37-A, da Lei nº 10.522/2002, c/c o art. 43, da Lei nº 9.430/96, bem como, na ausência de declaração ou declaração a menor, será realizado lançamento de ofício do total devido ou da diferença apurada, caso em que incidirá a multa de ofício, prevista no art. 44 da Lei nº 9.430/96. Considerando-se a TFF e a CFRP como tributos sujeitos a lançamento por homologação, é recomendável que, em caso de ausência de declaração por parte do sujeito passivo ou declaração a menor, o lançamento da multa de ofício seja realizado juntamente com o lançamento do valor do tributo devido, visando otimizar os custos com a cobrança dos créditos, vez que será necessário o envio de apenas uma notificação de lançamento. Tal medida possibilitará, ainda, a apresentação de uma única impugnação por parte do contribuinte, facilitando a análise e a Decisão dos respectivos Processos Administrativos Fiscais. Outra consequência da adoção da teoria de que a TFF e a CFRP são tributos sujeitos a lançamento por homologação é que haverá a diminuição do termo final do prazo decadencial em relação ao prazo que hoje é observado para a constituição dos referidos créditos, nos casos de pagamento parcial do tributo. Por todo o exposto, verifica-se a importância da concatenação dos procedimentos adotados no processo administrativo com o entendimento que vem sendo tomado na jurisprudência pátria, máxime, no STJ, a fim de evitar a declaração judicial de decadência de parte dos créditos lançados, que observaram a regra decadencial dos tributos sujeitos a lançamento de ofício para sua constituição, bem como desonerar a Administração de atividades que a própria Lei atribuiu ao sujeito passivo. Quanto à Taxa de Fiscalização de Instalação (TFI), entende-se que se trata de tributo sujeito a lançamento de ofício.
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Efeitos sistêmicos da prescrição de créditos públicos
O presente artigo abordará questões afetas ao pagamento de créditos prescritos, diferenciando-os quanto ao pagamento após a constituição definitiva e antes da prescrição da pretensão executória. Também abordará os efeitos do pagamento realizado no curso do processo punitivo fulminado pela prescrição quinquenal ou intercorrente.
Direito Tributário
Introdução: O presente estudo visa à análise dos efeitos da prescrição de créditos públicos nos sistemas de controle e gerenciamento de créditos da Administração Pública, bem como, estudar a necessidade de ressarcimento dos valores pagos a título de créditos prescritos ou decaídos. 1. EFEITOS SISTÊMICOS DA PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS E CRÉDITOS NÃO TRIBUTÁRIOS DECORRENTES DO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA DO ESTADO Trata-se de discussão acerca do tratamento a ser conferido aos créditos das Autarquias e Fundações Públicas Federais quando da ocorrência do instituto da prescrição. A Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da PGF – CGCOB, possuía o entendimento de que os créditos não tributários, ao serem atingidos pela prescrição da pretensão executória, deveriam ser mantidos no sistema, consignando-se tratar de créditos prescritos, a fim de permitir eventual pagamento espontâneo do devedor. Contudo, houve mudança do citado entendimento. Atualmente, entende-se que os créditos não tributários, decorrentes do exercício sancionador do Estado, ao serem atingidos pela prescrição, devem ser extintos tal como os créditos tributários, devendo ser baixados dos sistemas, uma vez desprovidos de exigibilidade, sequer sendo admissíveis pagamentos voluntários. Em relação ao tema, faz-se alusão ao Despacho nº 43/DIVSIST/CGCOB/DIGEVAT[1], que alterou o posicionamento exarado na Nota Técnica CGCOB/DIGEVAT Nº 049/2009[2], no tocante aos créditos não tributários decorrentes do poder de polícia atingidos pela prescrição: “Sob este turno, tem-se que a Nota Técnica nº 49/09, data vênia, há que ser retificada para constar expressamente que os créditos decorrentes do exercício sancionador do Estado, ao serem atingidos pela prescrição, são extintos tal como os créditos tributários. Igualmente os demais créditos, os créditos em questão devem ser baixados de sistemas de controle, pois não são dotados mais de exigibilidade, ao que se mantém na seara da inatividade. Considerando a amplitude dos créditos de Autarquias e Fundações Públicas, tem-se que a prescrição dos mesmos, quando o regime jurídico do crédito for afeto ao direito civil (por exemplo, decorrente de receita patrimonial), não havendo previsão legal específica, não impede sua baixa do sistema. (…)” A Nota Técnica CGCOB/DIGEVAT Nº 049/2009 estabelecia o seguinte: “5. No caso de créditos tributários, conforme já mencionado, tanto a prescrição quanto a decadência extinguem o próprio crédito. Desta forma, uma vez constatada a incidência de qualquer um dos institutos, o crédito deverá ser baixado do sistema, uma vez que sequer pagamentos voluntários poderão ser recebidos, já que valores eventualmente recebidos teriam de ser repetidos; 6. Já no caso de créditos não tributários, apenas a prescrição da pretensão punitiva, a qual extingue o próprio crédito, deverá ensejar a baixa do crédito no sistema. Isso porque, a prescrição da pretensão executória não extingue o crédito, apenas retira dele sua exigibilidade. Dessa forma, em tais casos, embora não seja mais possível a utilização de meios jurídicos para promover a cobrança do crédito, ele continua existindo, razão pela qual se deve manter o crédito no sistema, consignando-se apenas que se trata de crédito prescrito, para permitir eventual pagamento espontâneo/voluntário do devedor.” Assim, equipararam-se os efeitos da prescrição dos créditos decorrentes do exercício do poder de polícia do Estado aos efeitos da prescrição dos créditos tributários. Ambos, quando atingidos pela prescrição, devem ser baixados do sistema sem que haja possibilidade de recebimento por parte da Administração, sob pena de repetição. Nesse sentido: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REPETIÇAO DE INDÉBITO. IPTU. ARTIGOS156, INCISO V, E 165, INCISO I, DO CTN. INTERPRETAÇAO CONJUNTA. PAGAMENTO DE DÉBITO PRESCRITO. RESTITUIÇAO DEVIDA. 1.    A partir de uma interpretação conjunta dos artigos 156, inciso V, (que considera a prescrição como uma das formas de extinção do crédito tributário) e 165, inciso I, (que trata a respeito da restituição de tributo) do CTN, há o direito do contribuinte à repetição do indébito, uma vez que o montante pago foi em razão de um crédito tributário prescrito, ou seja, inexistente. Precedentes: (REsp 1004747/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18/06/2008; REsp 636.495/RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ02/08/2007) 2. Recurso especial provido. (REsp 646.328-RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 04.06.2009)” A mesma linha segue o doutrinador Hugo de Brito Machado, ao defender que a ocorrência da prescrição não atinge apenas a ação para cobrança do crédito tributário, mas fulmina o próprio crédito. In verbis: “Na Teoria Geral do Direito a prescrição é a morte da ação que tutela o direito, pelo decurso do tempo previsto em lei para esse fim. O direito sobrevive, mas sem proteção. Distingue-se, neste ponto, da decadência, que atinge o próprio direito. O CTN, todavia, diz expressamente que a prescrição atinge o crédito tributário (art. 156, V). Assim, nos termos do Código, a prescrição não atinge apenas a ação para cobrança do crédito tributário, mas o próprio crédito, vale dizer, a relação material tributária.[3]” Dúvida poderia surgir em relação aos créditos pagos antes da ocorrência da prescrição. Nesse caso, se o pagamento tiver ocorrido após a constituição definitiva do crédito e antes dos cincos anos subsequentes (prazo que a Administração teria para cobrar o crédito), entende-se que o crédito foi extinto pelo próprio pagamento[4], não havendo, portanto, que se falar em repetição. Segundo palavras do tributarista Alexandre Ricardo, “o pagamento é a causa mais natural de extinção das obrigações.”[5] É diferente do que ocorre, por exemplo, quando o pagamento é realizado no curso do processo punitivo e verifica-se, posteriormente, a ocorrência de prescrição quinquenal punitiva ou intercorrente. Nesta hipótese, é necessário proceder-se à devolução do valor pago. A repetição, nesses casos, é devida em virtude de ter havido pagamento quando não havia obrigação nem crédito, uma vez que o próprio processo de constituição do crédito foi fulminado pela prescrição. Sobre o assunto, o ilustre doutrinador Luciano Amaro assim dispôs: “Nesses casos, não obstante se tenha tido o nascimento da obrigação tributária, com a realização do fato gerador, o indivíduo só será compelível ao pagamento do tributo pertinente se (e a partir de quando) o sujeito ativo efetivar o ato formal previsto em lei, para a determinação do valor do tributo, dele cientificando o sujeito passivo. Antes da consecução desse ato, embora nascida a obrigação tributária, ela está desprovida de exigibilidade. A esse ato do sujeito ativo (credor) dá-se o nome de lançamento. [6][…] Se inexistia obrigação tributária, de igual modo não havia nem sujeito ativo, nem sujeito passivo, nem tributo devido. […] O pagamento indevido é chamado de “extinção do crédito tributário” (art. 168, I), quando é óbvio que, no pagamento indevido, não há obrigação nem crédito. O que pode ter havido é a prática de um ato administrativo irregular de lançamento, seguido de pagamento pelo suposto devedor, ou o pagamento, sem prévio lançamento, por iniciativa exclusiva do suposto sujeito passivo”.[7] Na mesma linha, discorreu o tributarista Alexandre Ricardo. In verbis: “É cediço em direito que quem pagou o que não era devido possui direito à restituição. O fundamento da regra é princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, pois não é justo que alguém obtenha um aumento patrimonial sem que tenha concorrido para tanto, sendo apenas beneficiário de erro de outrem.(…) Nas hipóteses em que o dispositivo transcrito fala de direito à restituição, sempre há a presença de um pagamento indevido ou maior que o devido, mesmo que o reconhecimento do fato se dê a posteriori, por meio de uma decisão judicial ou administrativa relacionada à situação que resultou no pagamento em discussão.[8]” Pode-se inferir, assim, que o legislador equiparou o sujeito passivo que paga “crédito prescrito” àquele que paga “crédito decaído”, quanto ao direito de restituição, ao prever, no art. 156, inciso V, do CTN, a prescrição e a decadência como causas de extinção do crédito tributário. 2. CONCLUSÃO Pelo exposto, conclui-se que tanto os créditos decorrentes do exercício do poder de polícia do Estado quanto os créditos tributários, quando atingidos pela prescrição, devem ser baixados dos sistemas de controle sem que haja possibilidade de recebimento por parte da Administração, sob pena de repetição. O CTN expressamente prevê que a prescrição atinge o crédito tributário (art. 156, V). Assim, nos termos do Código, a prescrição não atinge apenas a ação para cobrança do crédito tributário, mas o próprio crédito, vale dizer, a relação material tributária.[9] Em relação aos créditos pagos antes da ocorrência da prescrição, entende-se que, se o pagamento tiver ocorrido após a constituição definitiva do crédito e antes dos cincos anos subsequentes, (prazo que a Administração teria para cobrar o crédito) entende-se que o crédito foi extinto pelo próprio pagamento[10], não havendo, portanto, que se falar em repetição. De outro lado, quando o pagamento é realizado no curso do processo punitivo e verifica-se, posteriormente, a ocorrência de prescrição quinquenal punitiva ou intercorrente, é necessário proceder-se à devolução do valor pago, em virtude de ter havido pagamento quando não havia obrigação nem crédito, uma vez que o próprio processo de constituição do crédito foi fulminado pela prescrição.
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A norma jurídica: uma construção lógica
O presente trabalho teve por finalidade a análise da construção lógica da norma tributária indutora. Para consecução de tal desiderato,  foi indispensável a verificação da estrutura da norma, razão pela qual tornou-se insofismavelmente relevante debruçar-se sobre aspectos anteriores à concepção da norma, como a tentativa de compreensão do Direito e da norma como fundamento lógico à compreensão do Direito. A partir de então passou-se à análise crítica da estrutura interna da norma para, após, analisá-la sob o aspecto conjuntural, sistêmico.  Para elaboração do presente trabalho, a metodologia aplicada foi basicamente pesquisa doutrinária, notoriamente fundamentando-se o marco teórico a partir da leitura dos ensinamentos do jurista Alfredo Augusto Becker, Lourival Vilanova,  Professor Paulo de Barros Carvalho e Torquato da Silva CASTRO JR.
Direito Tributário
1. Introdução A compreensão da ciência do direito não é atividades das mais fáceis. Pressupõe, de uma só vez desprendimento e dedicação por parte do estudioso: desprendimento por que, enquanto ciência, deve ser contemplada com distanciamento (se for possível) dos anseios parciais – morais e culturais – inerentes ao humano; dedicação, por que o estudo do direito exige labor interpretativo, lógico e sistemático. A compreensão do direito não seria possível sem que houvesse uma análise detida de seu elemento essencial: a norma jurídica. Exatamente por isso, o presente estudo tem o objetivo de analisar a norma partindo-se dos pressupostos para sua construção, passando por seu isolamento do sistema jurídico e para especulação dos elementos internos que a consubstanciam e, finalmente, avaliando-se a lógica conectiva entre os elementos internos da norma e desta ao fato concretamente ocorrido. 2. Teoria da norma jurídica 2.1.Premissa: compreensão do conceito de direito (ou uma tentativa) A compreensão do conceito de Direito perpassa pela persistente dificuldade atinente à linguagem que se lhe aplica. É possível partir de enfoques mais abstratos, por meio dos quais a definição de Direito estaria num conjunto infinito de possibilidades de situações, como também é possível partir de um ponto de vista mais limitado e circunstanciado, de maneira que nem todas as possibilidades do direito seriam atendidas através de uma única definição. Nesse diapasão, Tércio Sampaio Ferraz Jr.[1] pondera ser necessário atentar para o fato de que conceito (nominal) é diferente da descrição da realidade (real). Isso por que, para descrever a realidade é preciso entender o conceito e este, está relacionado à linguagem. Em sendo a linguagem o meio fundamental para a compreensão do conceito e estando aquela atrelada à palavra, a qual relaciona-se a situações distintas, é possível concluir que a definição de Direito depende do enfoque da análise, podendo esta ser para Tércio Ferraz: (i) formal: direito como vocábulo, sendo adjetivo, substantivo ou advérbio; (ii) semântica: direito em relação ao seu objeto, compreendendo-o através do comportamento interativo; (iii) pragmática: direito tendo em vista que ou para quem se usa o termo, usando-se a palavra para provocar o respeito. Assim, o conceito de direito é denotativamente vago, haja vista a vastidão de definições: “Direito é uma ciência (1) que estuda o direito (2) quer no sentido do direito objetivo (3), quer no sentido subjetivo – faculdades (4)”; conotativamente ambíguo, de maneira que é impossível enunciar uniformemente as suas propriedades; as quais não podem ser abarcadas igualmente em todas as situações: direito como ciência é diferente de direito como conjunto de normas; e, pragmaticamente, é uma palavra que carrega grande carga emotiva. Dito de outra forma, para analisar a definição de direito, é indispensável considerar que uma definição meramente lexical beira à impossibilidade, de sorte que qualquer definição do direito, necessariamente, será persuasiva, posto nunca ser neutra. Considerando tal premissa, é possível concluir a extrema dificuldade/impossibildiade de conceituar o direito através de apenas um enfoque analítico. Com efeito, bem explica a jurista Aurora Tomazini em sua tese de Doutorado que “o conceito de direito é formado em nosso intelecto, em razão das normas de uso da palavra no discurso, tendo em vista os referenciais culturais do intérprete. Assim, não há um conceito absoluto do “direito”. Cada pessoa tem sua ideia em relação a um dado contexto.”[2] A referida jurista acredita que para a definição do conceito de direito, faz-se indispensável analisar as proposições das principais teorias acerca do direito, a exemplo do Jusnaturalismo, da Escola da Exegese, do Historicismo, do Realismo Jurídico, do Positivismo, do Culturalismo Jurídico e do Pós-Positivismo. De tal sorte, o fato de cada uma delas adotar uma concepção é prova inabalável da inexistência de uma verdade absoluta acerca do direito, valendo mais o referencial teórico adotado. Nesse contexto, Tércio Sampaio[3] vislumbra na zetética e na dogmática jurídica propostas por Viehweg, a possibilidade, segundo esses dois prismas, de conceituar o direito. Segundo a análise zetética (o que é o direito?), são as perguntas (e não respostas) que delimitam o campo de definição do direito; delimitam e ampliam, ao mesmo tempo, já que o aprofundam-se as possibilidades. Já no enfoque dogmático (como deve ser o direito), são dadas respostas/ensinamentos, de maneira informativa, mas preponderantemente, diretiva. Apesar das dificuldades de conceituar o direito, entende-se indispensável a tentativa. É assim que, às voltas do sistema normativo brasileiro e, deixando-se influenciar pelos ensinamentos de Hans Kelsen, mas sem esquecer as novas concepções trazidas pelo giro linguístico, é possível compreender o direito como o conjunto de normas jurídicas válidas num determinado país[4], destinado a disciplinar a conduta social e acessível através da linguagem jurídica que lhe é própria. Em virtude da necessidade de compreensão desta parcela da ciência do direito apelidada de “norma jurídica”, torna-se premente a realização de corte epistemológico para afastar-se, momentaneamente, todo o universo do direito e tratar, tão somente, da análise microssistêmica da norma jurídica. Insta obtemperar, contudo, que tal abordagem é fruto de ficção que se faz necessária para o entendimento desta célula que compõe todo o complexo sistema do direito. Ficção por que é impossível insular, concretamente, tal componente de todo o sistema que, logicamente o constrói direta ou indiretamente; e necessária para compreender a essência dessa estrutura mínima e complexa, a norma jurídica. 2.2. A norma jurídica como caminho à compreensão do Direito Para efetivamente compreender o conceito de Direito (se é que isso é possível), partindo-se do entendimento inicial de que seja um conjunto de normas jurídicas válidas em um país, torna-se inequivocamente premente conceber o conceito de norma jurídica.  Exatamente por isso, a Ciência do Direito lida com a compreensão da norma e não das relações sociais em si mesma: é que é através da norma que incide o Direito. A compreensão da norma jurídica, portanto, é fundamental ao estudo do direito enquanto objeto científico, pois, segundo Aurora Tomazini, “sem sabermos ao certo a composição de suas unidades não conseguimos isolá-lo metodologicamente”.[5] O grande embate na perquirição de uma teoria que explique a norma jurídica, contudo, é aceitar o fato de que “norma jurídica”, por ser fruto da linguagem, carrega em si o problema da ambiguidade, dificultando uma análise unívoca. Com efeito, tomando-se os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho[6], é possível perceber diversas acepções da expressão “norma jurídica”, de acordo com o plano de expressão da ciência do direito adotada. Assim, a norma jurídica pode ser enunciado prescritivo (prescrição de conduta), se for adotado o plano físico; por outro lado, a norma pode ser considerada enunciado normativo, se for adotado o plano das significações isoladamente consideradas (proposições jurídicas); por fim, pode também ser entendida como norma jurídica em sentido estrito, se for levado em consideração o plano de significações deônticamente considerados. Para simplificar a confusão, a autora Aurora Tomazini indica ensinamento de Paulo de Barros de Carvalho, para quem a norma como enunciado prescritivo e a norma como enunciado normativo podem ser consideradas como norma em sentido amplo, ao passo que no plano das significações estruturadas ter-se-á norma em sentido estrito. Portanto, a norma jurídica em sentido estrito seria exatamente a interpretação realizada pelo intérprete da leitura do texto legal. Interpretação esta que apenas pode ser realizada a partir de uma significação estruturada na forma hipotético-condicional do texto legislado. A norma apresenta, por assim dizer, uma unidade significativa mínima da mensagem legislada o que, para Lourival Vilanova seria dizer que a norma jurídica é o “mínimo irredutível da manifestação do deôntico”. Para compreender a norma jurídica como uma significação estruturada, sendo o mínimo irredutível da manifestação do deôntico é preciso analisar as partículas formadoras de tal estrutura. Assim, temos que D(HàC): em H temos a parte da norma responsável por descrever a hipótese de fato prevista e que, caso ocorra, implicará em C, que é a prescrição da relação obrigacional oriunda do acometimento do que é previsto em H. Esta relação entre H e C, segundo Paulo de Barros, apenas é possível por existir um vínculo implicacional D; deôntico representativo da autoridade legislativa de quem emana a norma. Assim sendo, explica Lourival Vilanova[7] que, por hipótese deve se entender por “proposição descritiva de situações objetivas possíveis, com dados de fato incidente sobre a realidade social e não coincidente com a realidade”. Há um campo de possíveis fatos que podem ocorrer, não que seja certo ou errado que ocorram, mas podem ou não ocorrerem no mundo concreto/fatual. Com efeito, “a valoração do legislador promove recortes no fato bruto tomando como ponto de referência para consequências normativas”[8]. Ou seja, há uma decisão da autoridade legislativa em qualificar determinados fatos do mundo físico (concreto): o legislador seleciona alguns fatos que entende relevantes juridicamente para incorporá-los ao universo jurídico através de sua prescrição no antecessor (hipótese) da norma. No que concerne ao operador deôntico, pode se dizer que trata da ferramenta interna da norma responsável por estabelecer o elo entre o a hipótese e a consequência previstas, bem como os sujeitos relacionados à esta situação jurídica. Consoante indica Aurora Tomazini, o operador deôntico é partícula conectiva que consubstancia o “functor” deôntico[9], na medida em que une duas proposições (hipótese e consequência). Neste ponto, insta trazer à baila ensinamento de Lourival Vilanova que estabelece a distinção entre a lei da causalidade natural e a lei da causalidade jurídica e seus respectivos functores atléticos e functores deônticos.  Para o brilhante doutrinador, na lei da causalidade natural, há uma relação entre a hipótese e a consequência descritiva, enunciativa. De tal sorte, é de maneira direta que se ocorre H, então C. Ou seja, não há uma interferência externa do legislador prescrevendo o efeito (C) decorrente da ocorrência da H prevista. Assim, a correspondência entre a hipótese e a consequência na lei da causalidade natural se dá através do functor atlético: “é possível, é necessário, é impossível que se H, então C”. Por outro lado, na lei da causalidade jurídica, a relação implicacional entre a hipótese e a consequência se dá por disposição formal, estatuída pelo sistema positivo, tendo-se, nesse caso, o functor deôntico. Assim, tem-se na causalidade jurídica, a prescrição pelo sistema jurídico que, determina, dentre possíveis hipóteses e consequências, as relações que devem ser.[10] Por fim, tem-se por consequente normativo uma proposição que circunscreve a relação jurídica oriunda do fato hipotético efetivamente ocorrido. Ao contrário da hipótese (descritora de uma conduta), no consequente normativo, há uma verdadeira prescrição da condutado. Prescrição esta que guarda relação direta com a hipótese, ou seja, a consequência normativa deverá estabelecer efeitos diretamente ligadas ao sujeito e fato previstos na hipótese normativa. A partir deste corte metodológico, procedeu-se ao isolamento da norma, sendo possível analisar a norma em seu interior. Chegou-se à concepção da norma como uma estrutura englobadora de uma hipótese de fato escolhido pelo legislador para sobre ele cair o manto normativo (H) que, se verificada no mundo concreto, desencadeará efeitos também determinados pelo legislador (C) sendo que, tal efeito apenas ocorrerá em razão de um vínculo lógico essencial existente entre a hipótese e a consequência normativa, vinculo este denominado de operador ou functor deôntico (D). Nada obstante, consoante dito anteriormente, a análise do interior da norma é feita tão somente à guisa de proposta metodológica, não sendo possível constatar-se a norma de forma isolada no mundo real. Na realidade, a norma completa apresenta face dúplice com norma primária e norma secundária. Assim, tem-se na norma primária, uma prescrição de conduta positiva ou negativa do sujeito e caso desrespeitada, ocasionará, a aplicação da norma secundária pelo Estado-Juiz, norma secundária esta que Hans Kelsen denominou norma sancionatória e cuja existência é indispensável, além de vinculada intrínseca e diretamente à norma hipotética, primária. Nesta senda, é importante revelar terminologia diferenciada adotada por Carlos Cossio[11], para quem a norma é similar a uma célula, de maneira que tem, em seu núcleo a endonorma, prescritora da conduta e, na membrana, a perinorma, regente da sanção cabível em face do descumprimento da primeira. Na mesma esteira, Noberto Bobbio apresenta a norma completa como resultante de uma conjunção entre a norma de primeiro grau e a norma de segundo grau. Segundo Norberto Bobbio, há dois sentidos para a questão das normas primárias e secundárias: o sentido cronológico, no qual o secundário é posterior ao primário. Assim, as normas primárias estabelecem o comportamento esperado dos cidadãos e as normas secundárias prevêem as sanções para quem descumprir as normas primárias. E o sentido axiológico ou valorativo em que a norma primária seria a principal e a secundária um acessório, de modo que o mais importante seria o cumprimento do comportamento previsto. Paralelamente a essa definição de Bobbio, outros autores apresentam outra opinião acerca do que viriam a ser normas primárias e normas secundárias. Kelsen, por exemplo, deu maior importância para as normas secundárias, ou seja, aquelas normas destinadas a estabelecer uma sanção. Isso ocorre porque na concepção de Kelsen, as normas jurídicas prescrevem, necessária e fundamentalmente, deveres jurídicos, ainda que, por derivação, determinem, também, faculdades. Em face dessa análise realizada em torno da norma jurídica, foi possível verificar a estrutura interna da norma e o elo de ligação, promovido pelo functor deôntico, estabelecendo uma ponte entre a hipótese de incidência e a consequência normativa. Levando, portanto, em consideração esta estrutura lógica resultante da relação entre H e C, realizada por D, resta agora verificar a relação existente entre a norma e os fatos do mundo real e em que nível de validade tal procedimento de relação é possível. 3. A criação lógica da norma 3.1. A função do deôntico jurídico O elo intrínseco que faz da norma uma criação lógica é o deôntico jurídico. É este elemento conectivo que possibilita a ligação entre hipótese e norma de maneira lógica e adequada: sujeito, fato e objeto pressupostos na hipótese, conectam-se, pela coincidência, à realidade provocando a instauração da aplicação da norma ao que era apenas possível, tornando real e implicando numa outra situação, dessa vez, consequencial. Na realidade natural, como já foi dito anteriormente, as hipóteses e consequências se unem através de um procedimento de relação direta, não sendo necessário que um terceiro ente imponha que se ocorrer H, deverá ser aplicado C. Na realidade natural, se ocorre H, ocorre C. É assim que, se uma folha de papel é solta no ar, cairá. Não há necessidade de se valorar o acontecimento da soltura da folha de papel para que se decida que se essa folha de papel for solta, deverá cair.  Não há uma necessidade de se intermediar a realidade através da criação de uma extralógica[12].  Por outro lado, na realidade jurídica, é preciso haver um pré-juízo de valor de uma situação hipotética que, se ocorrida, deverá sofre certa consequência. É preciso que uma entidade autorizada (o legislador) descrimine determinada conduta hipotética e a respectiva consequência. O vínculo, no caso da realidade, jurídica, portanto, não é direto; é construído através de uma lógica criada pelo homem, a extralógica de Lourival. Com efeito, não é verdade que se o homem mata outro homem (H), será preso (C); mas é verdade, no entanto, que se o homem perfura com faca a pele de outro homem (H), este sangrará (C). No primeiro caso, se não houvesse valoração da conduta praticada pelo homem que mata, além da vontade do legislador em sancionar tal atividade, não haveria que se falar em prisão. A relação com esta consequência não é direta, portanto. Ao contrário, se o tecido humano é perfurado, sangrará independente de qualquer valoração ou vontade.  3.2.  Da realidade à norma: o caminho da incidência No plano da realidade jurídica[13], é justamente a decisão do legislador e do intérprete que criará a lógica jurídica que imponha a uma situação hipotética, determinada consequência. A norma, é por assim dizer, um simulacro de Jean Baudrillard[14]: criação de uma realidade lógica simulada. Ora, não é lógica natural que quem mata deve ser preso, mas é atraente que assim o seja.[15] Por outro lado, em vez de simulacro, Lourival Vilanova, tomando-se por base os estudos de Gaston Jèze, avalia a miscelânea do fato à norma, preferindo denominar de “concretização”. Com efeito, para o insigne jurista, as normas “[…] originam-se de manifestações de vontade, como exercício de capacidade e competência: são efeitos jurídicos. Somente tais efeitos são concretos: “status” pessoais, relações jurídicas de direito privado e público, relações processuais e de direito substantivo. A norma ou o ato-regra genérico destina-se a se concretizar, como dissemos. A concretização importa no substituir o sujeito genérico, o objeto indeterminado, o fato jurídico típico, os poderes e deveres inespecificados, de um ato ou negócio jurídico típico, por sujeitos individualizados, prestações específicas, fato jurídico concreto.”[16] Exatamente por tal razão, apenas a ocorrência do fato hipotético dá fôlego à norma. Pois, como ensina Lourival Vilanova, “as relações jurídicas pertencem ao domínio concreto”[17], de sorte que é a interposição do fato concreto sobre a norma que o torna um fato jurídico, desencadeando o “processo eficacial da efetivação da relação jurídica”.[18] Neste mister, a norma, que seria uma objetivação conceptual, passaria ao plano da objetivação social, a partir do momento em que passa ao plano dos fatos. Nas palavras de Lourival Vilanova, a norma “adquire algo de coisidade do social”[19], uma vez que sua realização pressupõe um processo de individuação: “O fato é topicamente um aqui-e-agora. O ato típico, como classe (ou conjunto, em sentido matemático), inexiste como dado existencial: é uma construção conceptual, objetiva, sim, mas que não oferece a resistência das coisas e dos fatos que compõem o meu mundo circundante. A classe das coisas imóveis, no sentido jurídico, como classe, não é móvel, nem imóvel (divisível ou indivisível, disponível ou indisponível)”.[20] É, portanto, a sobreposição, através da coincidência, do fato concreto à norma que a torna eficaz, fazendo nascer o fato jurídico e a respectiva relação jurídica; e tal situação somente é possível a partir da existência de dois conectores: primeiro, o conector da realidade concreta a uma hipótese escolhida por uma entidade autorizada (competente e capaz); segundo, o conector entre a hipótese, agora verificada concretamente e transformada em realidade jurídica, a uma consequência previamente prevista por aquela mesma entidade autorizada. Apenas assim tem-se o fato jurídico. Pois é certo que, “a lei geral, enquanto não ocorra o fato ao qual a causalidade normativa ligue os efeitos, não provoca situação, que é o plano eficacial (dos efeitos)”.[21] Assim é que a relação de passagem da norma geral ao caso concreto (individuação e concreção) faz-se mediante ato de manifestação de vontade de um ente competente e capaz, sendo tal passagem explicável, para Duguit e Gaston Jèze, através do ato-condição, que seria justamente a verificação do fato-jurídico, constatado através do exercício da competência e capacidade de ente (poder), o qual escolhe a regra abstrata, que incidindo no caso concreto (enquadramento do ato ou indivíduo no esquema genérico da lei), gera o efeito jurídico. [22] 4. Considerações finais O estudo da ciência do direito é atividade deveras árdua, posta a necessidade de constante distanciamento do objeto analisado das nuances subjetivas do sujeito que o analisa. Mesmo assim, é indispensável continuar nesta incansável perquirição. À guisa de corte epistemológico, o trabalho ora apresentado tomou por base os ensinamentos de Hans Kelsen e partiu da acepção do direito como o conjunto de normas jurídicas válidas num determinado país, a partir do que tornou-se, portanto, insofismavelmente relevante a compreensão do sentido da norma jurídica como meio de se intentar alcançar ferramentas para se conceber a essência do direito.  Assim, a análise ora apresentada teve por escopo o estudo microsistêmico da norma jurídica: desde sua importância como caractere consubstanciador do direito até a inter-relação eficacial da norma com a realidade verificada concretamente.
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Norma tributária indutora
O presente trabalho teve por finalidade a análise construtiva da norma tributária indutora, passando-se por sua perspectiva funcional, dissociada e complementada pela perspectiva legal-positivada. Foi analisada de maneira concreta a operacionalização da norma tributária indutora, sob o domínio da extrafiscalidade, trazendo-se exemplos de utilização de tributos com a função indutora, por mecanismo de intervenção indireta estatal. Para elaboração do presente trabalho, a metodologia aplicada foi basicamente pesquisa doutrinária, notoriamente fundamentando-se o marco teórico a partir da leitura dos ensinamentos do jurista Alfredo Augusto Becker,  Professor Paulo de Barros Carvalho, André Elali e do ex-ministro Eros Roberto Grau.
Direito Tributário
1. Introdução O caráter extrafiscal da norma tributária tem sido cada vez mais utilizada pelos Estados como forma de indução de comportamento do contribuinte. Se de um lado o Estado tem abandonado  a concepção de liberdade absoluta dos agentes de mercado, de outro, também tem percebido que sua intervenção direta na economia é salutar. A saída encontrada passa, muitas vezes, pela “liberdade mitigada” do particular. O Estado busca, portanto, através de mecanismos de intervenção indireta, adequar o comportamento do contribuinte à sua intenção, deixando-lhe, no entanto, margem de escolha. A compreensão do mecanismo da extrafiscalidade repousa, sem sombra de dúvida, sobre a compreensão da norma tributária indutora, sendo este, portanto o objetivo fulcral do presente estudo. 2. ASPECTOS GERAIS DA NORMA TRIBUTÁRIA INDUTORA Em importante obra sobre tributação e regulação econômica, André Elali[1] mostra que, no intuito do equilíbrio das relações sociais, econômicas e financeiras, o Estado deve intervir de forma direta ou indireta no ou sobre o domínio econômico. Intervenção esta que, nos ensinamentos de Eros Grau[2] pode se dar de três formas: por absorção ou participação (quando o Estado desempenha diretamente uma atividade econômica), por direção (quando o Estado impõe determinada conduta) e por indução (Estado estimula determinada conduta). Especificamente, ao regular por indução, o Estado não impõe um comportamento, mas privilegia aquele desejável. No mesmo sentido entende Luís Eduardo Shoueri, para quem as normas indutoras estimulam ou desestimulam, assegurando a possibilidade de se adotar comportamento diverso, sem que para isso se cometa um ilícito[3]. Assim, contrariamente à norma diretiva, há apenas um consequente para determinada hipótese, de maneira que, se não houver obediência à norma diretiva, aplica-se a sanção. Neste ponto, insta a observação de André Elali de que não se pode cogitar de direção estatal através     de normas tributárias, já que estas implicam em o contribuinte incorrer ou não no fato gerador. Por isso, a incidência de norma diretiva sobre a tributação culminaria, inevitavelmente, no afronte teratológico ao princípio do não confisco, da proporcionalidade e da capacidade contributiva[4]. Assim, conclui Elali que, as “as normas tributárias indutoras são, antes de normas indutoras, normas tributárias”.[5] Nestes termos, as normas tributárias indutoras, no intento de regular a ordem econômica, podem constituir benefícios ou agravamentos, visando à realização de comportamentos mais desejáveis pelos agentes econômicos. Autrement dit, os incentivos fiscais se apresentam como instrumentos hábeis à indução econômica. O eminente professor Tércio Ferraz Jr.[6] ainda preleciona que os incentivos fiscais representam o reposicionamento do Estado perante a ordem econômica e, neste caminho, avança Adilson Rodrigues Pires[7] ensinando que o afastamento da tributação da neutralidade incute o estímulo ao exercício de determinadas atividades privadas carentes de recursos e de apoio governamental para se desenvolverem. Arremata o Professor Heleno Taveira Torres[8] que “o papel promocional dos incentivos fiscais consiste em servir como medida para impulsionar ações ou corretivos de distorções do sistema econômico, visando a atingir certos benefícios, cujo alcance poderia ser tanto ou mais dispendioso, em vista de planejamentos públicos previamente motivados”. Diante do exposto, conclui-se que os incentivos, se bem cotejados, possuem a capacidade de gerar eficiência econômica, atraindo o desenvolvimento. Para isso, as normas tributárias indutoras devem ser manejadas com rígido respeito à competência tributária, legislativa e reguladora, ou seja, observando-se as divisões do exercício do poder político que, na prática, passa pela observância básica dos arts. 20 ao 33 e do 153 ao 156 da Constituição Federal.  Por outro lado, também devem ser examinados os efeitos dos incentivos para que estes não tragam consequências nefastas, gerando maiores assimetrias de mercado ou desarrazoadas perdas ao erário. Assim sendo, deverá o Estado, ao editar normas de indução, examinar previamente os efeitos sobre todo o processo econômico, evitando desperdício de investimento público e possível piora no sistema. Nesta esteira, preceitua André Elali que, o surgimento do Estado intervencionista (entre os anos 50 e 70), fez brotar o princípio basilar do crescimento econômico, e para atingir tal desiderato, passou-se a adotar uma política de concessões de benefícios financeiros e fiscais, pois se entendia que os auxílios encontravam contrapartida no interesse público. Nada obstante, não foram ponderados os critérios necessários para delimitar os benefícios, nem houve planejamento estratégico consolidado para a concessão dos incentivos, levando os Estados[9] a grandes dificuldade ligadas ao déficit orçamentário. No Brasil não foi diferente, esta perverse fiscal policy, além de não conduzir ao crescimento esperado, gerou desperdício de dinheiro público e agravou o desequilíbrio financeiro nacional. [10] Com a crise orçamentária dos anos 70, começou-se a repensar a necessidade de mudança no planejamento do desenvolvimento econômico e outorga de vantagens financeiras e fiscais. Passou-se a examinar criteriosamente a eficiência econômico-financeira dos incentivos e hoje se percebe que estes podem, sim, ser poderosos instrumentos a favor do desenvolvimento econômico e Estatal, desde que bem utilizados. Neste oportuno, as palavras de André Elali são, como sempre, aclaradoras: “Por tais razões, deve-se classificar os auxílios estatais, independentemente das formas jurídicas, a partir da legitimidade de sua concessão e da eficiência que geram para o sistema econômico, uma vez que não se configurará legítimo e eficiente qualquer tipo de auxílio que viole as normas do sistema jurídico, e, em consequência, que gerará, ao invés de benefícios, maiores problemas à realidade econômica e social e às contas públicas. Legalidade, isonomia, capacidade contributiva, livre iniciativa, livre concorrência, proteção ao consumidor, dentre outras normas que devem informar tais práticas estatais, são verdadeiras limitações e balizamentos para o Estado”. Demais disso, insta ressaltar a observação de Calixto Salomão Filho de que a atividade planejadora do Estado deve buscar uma ação interventiva que, antes de tudo, permita ao Estado adquirir conhecimento do setor, suas utilidades e requisitos para o desenvolvimento.[11] Por tal razão, não é difícil perceber que a atividade estatal consubstanciadora da tributação indutora é encargo que comporta uma ousada e dura missão de contemplar a estrutura fiscal-econômica-regulatória sob uma perspectiva externa, como o fez Antoine de Saint-Éxupery, em Terre des Hommes[12] sem, no entanto, deixar-se olvidar das necessidades experimentadas internamente no sistema fiscal. Exatamente em virtude de tal cenário, faz-se premente não apenas a necessidade de compreensão do contexto global político-fiscal-econômico, mas também a construção da regra conducente a uma determinada atitude por parte da sociedade e dos agentes econômicos do mercado. Em outras palavras, faz-se indispensável a compreensão da norma tributária indutora.  2. A Construção lógica da norma tributária indutora 2.1. Perspectiva funcional da norma tributária indutora Um ponto inicial que merece destaque antes de adentrar propriamente no cerne da presente questão concerne à dificuldade na compreensão da construção jurídica da norma tributária indutora em face de sua dimensão eminentemente política. Com efeito, tendo em vista o fato de a norma tributária indutora ser oriunda de contexto eminentemente político, é possível que não sejam encontrados em sua essência estruturante regras de fundo jurídico que permitam a verificação de sua finalidade indutora. Nada obstante, a dificuldade ora apresentada dá-se em razão de uma visão estrita, que não consegue perceber a norma além da regra jurídica. Conforme analisado anteriormente, a regra matriz de uma norma jurídica é composta por uma hipótese, que verificada concretamente, traz como consequência a incidência da norma tributária, instaurando a relação jurídico-tributária entre Fisco e contribuinte. Assim, por hipótese, no caso da norma tributária, tem-se situações abstratas, escolhidas pelo legislador que, se observadas na experiência concreta, dará ensejo à consequência. À guisa de exemplo, tem-se situações como circulação de mercadoria, entrada de produto estrangeiro em território nacional, saída de produto industrializado, prestação de serviço, entre outras situações que ensejam a incidência da norma tributária. Neste oportuno, insta trazer novamente os ensinamentos de Paulo de Barros para quem a regra matriz de incidência tributária entende-se como instrumento efetivo para o discernimento do marco incidência fiscal. Assim, regra-matriz de incidência tributária é norma jurídico-tributária voltada à prescrição de condutas, que traz em seu bojo todos os elementos necessários à incidência tributária.  Em rápida análise, a regra-matriz de incidência tributária é, em termos mais simples, a norma padrão de incidência. Ou seja, é a hipótese geral, abstrata e padronizada criada pelo legislador capaz de ser aplicada ao caso concreto. A Regra Matriz de Incidência é composta pelos critérios da hipótese e do consequente, sendo que este último tem a função de regular a conduta prevista na hipótese. A necessidade do critério consequente é indiscutível, haja vista sua função de determinação dos elementos intersubjetivos atinentes aquele fato jurídico determinado pela hipótese. “[…] se é correto afirmar-se que as hipóteses tributárias são conjuntos de critérios que nos permitem reconhecer eventos acontecidos no plano da realidade física, não menos exato dizer-se que a consequência que lhes é imputada, mediante cópula deôntica, consistem igualmente, numa conjugação de critérios que tem por escopo dar-nos a identificar um vínculo jurídico que regerá comportamentos humanos”.[13] Assim, como critérios hipotéticos, tem-se o material, espacial e o temporal, ao passo que no consequente encontram-se o pessoal e o prestacional-quantitativo. Saliente-se no entanto que, a despeito de tal estrutura lógica da regra matriz de incidência ser de total valia à compreensão de textos legais, não pode ser utilizada como instrumento de compreensão da política fiscal adotada pelo governo quando da adoção de critérios da regra-matriz. Com efeito, a regra-matriz de incidência é, tão somente,  instrumento jurídico de aplicação e compreensão da norma positivada, não sendo expediente suficiente para o cotejo de situações extralegais, a exemplo da utilização da tributação como mecanismo de intervenção do Estado na economia. Nesse sentido, pode-se vislumbrar uma compreensão da norma para além do que é previsto legalmente, buscando-se, por exemplo perquirir acerca dos fundamentos econômicos da norma, através de uma interpretação teleológica. Desta feita, as razões econômicas que fundamentam a confecção de uma norma, longe de estarem afastadas dela estão, na realidade, intrinsecamente entranhados, determinando-lhe substancialmente seu conteúdo material. Assim, como bem pondera Ruy Barbosa Nogueira, ao compreender que o Estado não exerce, através da exação tributária, mero poderio arrecadatório, mas também intervencionista, “a finalidade econômica da norma pode ser considerada como uma premissa (concreta) da interpretação teleológica”[14]. Fala-se, assim, na perspectiva funcional da norma tributária indutora que, como bem salienta o jurista Thiago Dalsenter, coliga-se à visão estrutural da norma: “Como tivemos a oportunidade de anotar anteriormente, as visões estrutural e funcional do Direito, e também do Direito Tributário, embora distintas, são complementares. E, em razão dessa complementaridade dos prismas estrutural e funcional, consideramos ser possível e necessário compreender o Direito como um todo, ora enfatizando a sua concepção lógico-estrutural, ora realçando a sua função promocional. Acreditamos, assim, não poder ser desprezada a função do tributo, o qual só adquire completude a partir da análise conjugada do seu aspecto funcional com o seu retrato lógico-estrutural.” [15] 2.2. Função arrecadatória versus extrafiscalidade da norma tributária O Estado, amparado no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e, no intuito de custear as atividades que desempenha, detém, em face do particular, o dever-direito da arrecadação de tributos. A função fiscal da atividade tributária tem, portanto, o escopo de financiar, com recursos provenientes do particular, o desempenho das atribuições do Estado.   Há tempos, no entanto, a concepção de Estado Fiscal[16] vem sendo deixada de lado e os tributos não mais vistos como simples mananciais de arrecadação de receita. Ao contrário, cada vez mais, incute-se na tributação o mecanismo de regulação e indução das atividades econômicas, legando-se aos tributos um tom de extrafiscalidade, como bem aponta Thiago Dalsenter:  “Contrapondo-se a essa visão tradicionalista, em que o escopo do tributo consiste em carrear recursos financeiros para o Estado, a tributação baseada na extrafiscalidade surge como instrumento viável para a regulação das atividades econômicas, visando a indução de comportamentos sociais – de forma a harmonizá-los com os objetivos almejados pela sociedade, representada pelo Estado – e desvinculando-se do seu caráter meramente arrecadatório.”[17] Nesse ponto, interessa trazer à baila a a diferenciação entre função fiscal e extrafiscal da tributação apontada por Raimundo Falcão: “Considerando a tributação como ato ou efeito de tributar, ou ainda, como o conjunto dos tributos, podemos afirmar que: a) a tributação se diz fiscal enquanto objetiva retirar do patrimônio dos particulares os recursos pecuniários – ou transformáveis em pecúnia – destinados às necessidades públicas do Estado; b) tributação extrafiscal é o conceito que decorre do de tributação fiscal, levando a que entendamos extrafiscalidade como atividade financeira que o Estado desenvolve sem o fim precípuo de obter recursos para seu erário, mas sim com vistas a ordenar a economia e as relações sociais, sendo, portanto, conceito que abarca, em sua amplitude, extensa gama de opções e que tem reflexos não somente econômicos e sociais, mas também políticos […]”[18] Justamente em razão do novo panorama econômico que se tem apresentado, o atual modelo neoliberal adotado pelo Brasil apresenta o Estado como parte estratégica e portador de uma vigorosa arma: a tributação indutora. Nessa senda, são aclaradoras as palavras de Raimundo Bezerra Falcão, para quem: “[…] tem-se procurado utilizar o instrumento financeiro – mais especificamente o tributário, no nosso caso – a fim de que se obtenham esperados resultados econômicos e políticos, ou resultados desenvolvimentistas em geral, como reprimir a inflação, evitar desemprego, coarctar a depressão econômica, aquecer ou desaquecer a atividade econômica, proteger a indústria ou a agricultura nacionais, promover a redistribuição de renda, reduzir o desnivelamento de fortunas, atuar sobre a densidade demográfica, ocasionar melhor distribuição espacial da população, fortalecer a educação, incentivar o saneamento básico, criar acesso à saúde para as camadas sociais mais baixas, diminuir o desnivelamento inter-regional dentro do território de um Estado e muitas outras finalidades.”[19] Ainda nas palavras de Raimundo Falcão: “Desse modo, a tributação extrafiscal é instrumento eficaz do intervencionismo na medida em que é ação do Estado sobre o mercado e, por conseguinte, sobre a antes intocável livre iniciativa. Contribui, além disso, para modificar o conceito de justiça fiscal, que não mais persiste somente em referência à capacidade contributiva. Com a extrafiscalidade, não se tem em vista apenas a capacidade de contribuir, mas também a função ordinatória dos tributos”.[20] E continua brilhantemente o autor: “Extrafiscalidade é o instrumento tributário utilizado com o objetivo principal não de arrecadar receitas para o erário, mas de ordenar a macroeconomia, às vezes até diminuindo o montante da arrecadação”. A função extrafiscal do tributo traduz-se, pois, na atividade tributária do Estado que vai além da simples finalidade arrecadatória-fiscal. A extrafiscalidade relaciona-se a objetivos intervencionistas excepcionais do Estado na economia, indo além do escopo arrecadatório como ilustremente ensina José Souto Maior Borges: “A doutrina da extrafiscalidade – ao contrário da concepção da finança “neutra” – não considera a atividade financeira um simples instrumento ou meio de obtenção de receita, utilizável para o custeio da despesa pública. Através dela, o Estado provoca modificações deliberadas nas estruturas sociais. É, portanto, um fator importantíssimo na dinâmica socioestrutural”.[21] Com um sentido ainda mais pragmático, o Professor Paulo de Barros Carvalho aponta a extrafiscalidade como o “emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários”[22]. 2.3. Tributação indutora e instrumentos normativos da extrafiscalidade Tendo em vista a explanação supra acerca da concepção da extrafiscalidade,  é possível perceber, de plano, que a norma que veicula uma tributação indutora de comportamento (essencialmente extrafiscal), transmite uma mensagem ao contribuinte: se ele agir de acordo com a intenção do Estado, será beneficiado. A norma tributária indutora é, portanto, essencialmente uma norma premiativa[23], encarregada basicamente da função promocional do direito. Na clássica obra de Luis Eduardo Schoueri, Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica,[24] o ilustre Professor, ao analisar as normas tributárias como instrumentos de intervenção econômica, aponta que a intervenção por indução se dá com a atuação Estatal sobre o domínio econômico através de normas que possibilitam ao contribuinte a possibilidade de escolha, ou seja, o Estado estimula ou desincentiva determinada conduta. A tal situação, o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, denomina de normas dispositivas: “No caso das normas de intervenção por indução, defrontamo-nos com preceitos, que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas.”[25] Exatamente em virtude de sua natureza dispositiva, a norma tributária indutora apresenta, duas ou mais consequências alternativas  à hipótese. O contribuinte, nesse sentido, pode se valer da faculdade de agir ou não de acordo com os interesses do Estado, elegendo uma via entre as disponíveis. À guisa de demonstração, será analisado a seguir alguns aspectos de tributação indutora em alguns tributos. a) Impostos Os impostos são tributos desvinculados da atuação estatal, determinando o fato gerador a partir de atividades manifestadas pelo contribuinte. De tal sorte, o Estado fica parcialmente[26] livre para utilizar o montante arrecadado  com impostos. Para melhor compreender a operacionalização da tributação indutora, podem ser trazido à baila o Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto sobre Operações Financeiras, a seguir analisados. Dentre os impostos, pode-se destacar o Imposto sobre Produtos Industrializados, previsto no art. 153, IV, da Constituição Federal e instituído através do Decreto nº 4544/02 e que possui duas regra-matrizes, abaixo construídas: Regra-Matriz I de Incidência do IPI – Hipótese    a. Critério material: realizar operações com produtos industrializados;    b. Critério espacial: qualquer ponto do território nacional;    c. Critério temporal: o momento da saída dos produtos industrializados dos estabelecimentos produtores; – Consequência:    d. Critério pessoal:  – sujeito ativo: União;  – sujeito passivo: estabelecimento industrial ou equiparado;    e. Critério quantitativo – base de cálculo: valor da operação; – alíquota: é aquela prevista na Tabela do IPI. Regra-Matriz II de Incidência do IPI – Hipótese    a. Critério material: realizar operações de reimportação de produtos industrializados brasileiros;    b. Critério espacial: as repartições aduaneiras;    c. Critério temporal: o momento do desembaraço aduaneiro; – Consequência:    d. Critério pessoal – sujeito ativo: União; – sujeito passivo: reimportador;    e. Critério quantitativo – base de cálculo: valor da base para o cálculo do Imposto de Importação; – alíquota: é aquela prevista na Tabela do IPI. À guisa de comprovação de sua natureza eminentemente extrafiscal, percebe-se no art. 153, §3º, I, da CF/88, o destaque para a seletividade em razão da essencialidade do produto. Tal norma constitucional destina-se ao legislador infraconstitucional, de maneira a impor a observância do referido tributo como uma ferramenta de indução do mercado. Ou seja, a referida norma de seletividade do produto é de observância obrigatória. Nesta senda, o princípio da seletividade resulta na variação de alíquotas aplicáveis ao produto, onerando-o mais ou menos de acordo com sua essencialidade. Assim, a política fiscal do governo determinará, portanto, o caráter indutor da norma tributária no critério quantitativo, normalmente, na aplicação da alíquota. Outro imposto de caráter essencialmente extrafiscal a ser ressaltado é o Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, previsto no art. 153, V, da CF/88 e regulamentado pelo Decreto 6306/07. O IOF apresenta a seguinte regra matriz de incidência: – Hipótese   a. Critério material: operações crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários em que ocorram as hipóteses descritas nos incisos 63 do CTN;   b. Critério espacial: Território nacional;   c. Critério temporal: momento em que se realiza as operações; – Consequência:   d. Critério pessoal: – sujeito ativo: União; – sujeito passivo: – Contribuinte: pessoa tomadora do crédito; no caso de alienação de direitos creditórios resultantes de vendas a prazo a empresas de factoring, contribuinte é o alienante pessoa física ou jurídica. – Responsável: instituições financeiras que efetuarem operações de crédito; empresas de factoring adquirentes do direito creditório; pessoa jurídica que conceder o crédito, nas operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros.    e. Critério quantitativo – alíquota aplicável – base de cálculo: valor da operação, conforme descrito no art. 64, CTN: “I – quanto às operações de crédito, o montante da obrigação, compreendendo o principal e os juros; II – quanto às operações de câmbio, o respectivo montante em moeda nacional, recebido, entregue ou posto à disposição; III – quanto às operações de seguro, o montante do prêmio; IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários: a) na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver; b) na transmissão, o preço ou o valor nominal, ou o valor da cotação em Bolsa, como determinar a lei; c) no pagamento ou resgate, o preço.” Da mesma forma que o IPI, o IOF também apresenta relevante caráter extrafiscal, restando no âmbito do critério quantitativo, geralmente na aplicação da alíguota, a modulação da norma tributária indutora de comportamento de mercado. b) Taxas É possível notar nessa espécie tributária algum caráter extrafiscal, a despeito de terem sua receita plenamente vinculada à atuação estatal. Assim, à guisa de exemplo, pode-se extrair da seara ambiental a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, instituída pela Lei 10.165 de 2000, cujo fato gerador  é o “o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais”. Com efeito, o meio ambiente é bem de toda a coletividade devendo a sua preservação pautar as atividades econômicas. Exatamente nesse sentido, a TCFA é meio de desestímulo a atividades nocivas ao meio ambiente, chegando em alguns casos a ser afastada ou majorada a sua cobrança, de acordo com a forma de desempenho das atividades do contribuinte. c) Contribuições Através do critério da vinculação da receita tributária a uma atuação estatal, a CF/88 prevê cinco espécies de contribuições. Além das contribuições de melhoria e da contribuição para custeio da iluminação pública, a CF/88 prevê a possibilidade de instituição de outras três espécies de contribuições, denominadas contribuições especiais: contribuições sociais, contribuição de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas. Dentre tais contribuições, há que se destacar, entre as contribuições especiais, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, ou contribuições interventivas, concernem à atuação do Estado nas atividades privada, seja diretamente através da exploração de serviço público ou desempenhando atividade econômica; seja indiretamente, através de atuação como agente normativo ou regulador. As contribuições interventivas são usadas com o nítido caráter de planejamento e regulação de determinadas atividades econômicas, de maneira a ser absolutamente constatável o seu caráter extrafiscal. Assim, a contribuição de intervenção no domínio econômico, como instrumento regulatório, é cobrável dos integrantes do domínio econômico para o qual seja dirigida a atuação estatal.   Nesse mister, insta salientar que as contribuições interventivas normalmente são cobradas de determinados agentes privados (sujeito passivo), cuja materialidade é o desempenho de determinadas atividades econômicas, sendo destinação do montante arrecado determinada pelos interesses sociais constitucionalmente valorados. Assim, tomando-se como exemplo a famosa CIDE-combustível, tem-se sua incidência sobre operações de importação e comercialização de petróleo e gás. Já no que concerne à destinação do valor arrecadado, a Lei 10.336, em total consonância com o art. 177, §4º, da CF/888, determina a vinculação do produto da arrecadação ao pagamento de subsídios a preços de transporte de álcool, gás natural; ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria de petróleo e gás; e, finalmente, ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes: “Art. 1o Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1o O produto da arrecadação da Cide será destinada, na forma da lei orçamentária, ao: I – pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo; II – financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e III – financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.” 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O modelo de gestão estatal adotado modernamente revela que, por vezes,  a atuação do governo é muito mais eficiente se se der de maneira indireta (através de regulação ou instrumentos indutores) e não impositiva, diretiva. E, justamente nesse sentido, lançar mão do mecanismo da extrafiscalidade (amplamente demonstrado neste trabalho) finda por ser um excelente meio de indução de comportamento econômico social, razão pela qual a relevância deste presente trabalho ser inquestionável.
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CIDE Combustível e sua justa destinação
O presente artigo visa estudar a CIDE (Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico), não somente no seu aspecto tributário, de contribuição, mas sim, em seu aspecto intervencionista, de caráter regulatório e subsidiário das relações do Governo com as infraestruturas de transporte no Brasil. Busca o estudo em seu fundamento constitucional, levando em conta as diretrizes adotadas pelo Governo quanto ao seu repasse, tanto para o Estado como para os Municípios, a sua real função em relação ao seu propósito, ou pelo menos, para o qual fora criado, suas distorções e, enfim, sua real aplicação, do ponto de vista doutrinário, a cerca de onde realmente deveria ser aplicado, de forma justa e equitativa.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O Governo como um Estado intervencionista, vem ao longo dos anos promovendo medidas a fim de controlar a vida econômica do país, através de seu meio estatal de atuação. Busca dessa forma regular o mercado para que haja controle, por exemplo, inflacionário, controle de mercado quando se trata de oferta e procura, taxa de juros bancários, típico exemplo do Banco do Brasil que como uma Sociedade de Economia Mista visa a este propósito, ou seja, regular o setor bancário para que não haja anomalias em seus altos e baixos, provendo o serviço de igual por igual e, quando possível, regulando-o. Outra situação de intervenção no domínio econômico do país é a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), por meio da qual o Governo procura, de forma indireta intervir em algumas atividades econômicas para que seja assim, promovido um melhor controle fiscalizatório, para que haja melhorias no setor beneficiário dessa produção. É sem dúvida um instrumento regulatório da economia, tendo como contribuintes, aqueles que fazem parte do setor ao qual seja dirigida a atuação de intervenção da União. Aprofundando mais em cima do tópico CIDE, imperioso se faz estudar a CIDE Combustíveis (objeto da presente pesquisa), como também seu produto da arrecadação que, deveria em tese, ser destinado, dentre outros, ao financiamento de Programas de Infraestrutura de Transportes no Brasil. O estudo se mostra necessário, levando em consideração as atuais circunstâncias em que vem passando os brasileiros quanto à má infraestrutura no transporte coletivo urbano. Recentemente várias manifestações pela melhoria no transporte público e infraestrutura eclodiram no Brasil, manifestações estas que buscam principalmente melhorias nos transportes coletivos urbanos e na infraestrutura de transporte que há muito tempo andam esquecidos pelo poder público. É uma constante o descaso que o poder público tem com o produto de arrecadação que seria objeto de conquista tributária para implantação de políticas públicas, principalmente no que tange ao transporte público coletivo no país. Analisando as exigências, estando entre elas à melhoria na infraestrutura de transporte no Brasil, torna-se pertinente o estudo da CIDE Combustível, que indubitavelmente, se cobrada levando em consideração os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, resolveria em sua grande parte, os problemas da falta de investimento nessa infraestrutura de transporte urbano e coletivo. 2. O ESTADO INTERVINDO NO MERCADO Segundo João Bosco Leopoldino da Fonseca: “O Estado, quando explora diretamente a atividade econômica, o faz através de empresas públicas, de sociedade de economia mista ou outras entidades. Nestes casos, a Constituição lhes impõe a adoção do mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, tornando explicita sua sujeição às obrigações trabalhistas e tributárias, e proíbe a concessão de privilégios fiscais que não sejam extensivas àquelas empresas. Estas determinações, previstas nos §§ 1º e 2º do art. 173, têm por finalidade precípua impedir uma posição dominante no mercado derivada de fatores estranhos à própria livre competência.”[1] Exemplo clássico já citado é o Banco do Brasil, que como Sociedade de Economia Mista, busca através de seu domínio e intervenção estatal regular o mercado econômico dentro das suas atribuições. É a famosa intervenção direta do poder estatal na economia do país. Existem outras entidades que fazem parte da Administração Indireta, porém, fazem parte da organização da intervenção direta do Estado no domínio econômico, é o caso das Autarquias e as Empresas Públicas. Ainda segundo as lições de João Bosco Leopoldino da Fonseca sobre a empresa pública: “[…] é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por Lei para exploração de atividades econômica que o governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito”.[2] E ainda sobre a Sociedade de Economia Mista, João Bosco Leopoldino da Fonseca afirma que: “[…] é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertencem em sua maioria à União ou à entidade da Administração Direta.”[3] Percebe-se claramente que o Governo de uma forma direta, busca quando necessário intervir no domínio econômico do País, através de suas empresas públicas ou das empresas a qual faz parte como sócia majoritária (exemplo, Banco do Brasil). Existe outra forma do governo intervir no domínio econômico, porém, de maneira indireta, estimulando e apoiando a atividade econômica privada, adotando políticas econômicas em cada caso concreto. A política que o governo pretende implantar, dentro de uma intervenção econômica indireta, visa assegurar o pleno emprego, principalmente em se tratando de mão-de-obra dentro de um sistema onde existem cadeias produtivas, visa também equilibrar a balança econômica e financeira, tanto para pagamentos como recebimentos, pois só assim consegue manter a inflação em seu patamar planejado (e vem ao longo doas anos conseguindo esta proeza). A adoção de tais medidas pode ser observada de várias maneiras, como por exemplo, o controle dos impostos de regulação, IPI, II, IE e IOF, nos quais, inclusive, até por medida provisória o governo pode alterar suas alíquotas, dentro dos patamares previstos em lei. Observa-se que tais impostos são imunes a alguns princípios constitucionais tributários, como é o caso do princípio da anterioridade, podendo sua alteração ser aplicada de imediato, tudo para regular o mercado, o que se pode dizer, sem sombra de dúvidas, é uma intervenção direta do governo na economia brasileira. Através dessa sistemática, o governo com o advento da Constituição de 1988 criou as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE -, também chamadas de contribuições interventivas, de competência da União, sendo assim, um tributo federal. 3. ENTENDENDO O QUE É CONTRIBUIÇÃO Muitos questionamentos havia a cerca da natureza jurídica das contribuições, sendo inclusive rechaçada, repudiada, quando da sua criação pela doutrina. Porém, após o advento da Constituição Federal de 1988, no Capítulo I do Título VI do Sistema Tributário Nacional, o legislador conseguiu sanar essa controvérsia, tirando de uma vez por todas as dúvidas quanto à verdadeira natureza jurídica das Contribuições, sendo esta um verdadeiro tributo. Segundo o art. 149 da Constituição Federal, existem três modalidades de Contribuições, a saber: as interventivas, as corporativas e as sociais, tendo todas nitidamente natureza tributária, sendo objeto de estudo, a CIDE, mais precisamente, a CIDE Combustível. Vale sempre lembrar que a CIDE é uma espécie de tributo, que não se confunde com outra espécie assim denominada de imposto nos quais, segundo Eduardo Sabbag, “[…] basta a ocorrência do fato para nascer a obrigação tributária, ao passo que nas contribuições a obrigação só nasce se verificados, concomitantemente, o benefício e o fato descrito na norma”.[4] Nem tampouco deve ser confundida com contribuição de melhorias que, segundo Roque Antonio Carrazza, “[…] pelas finalidades que devem alcançar não se coadunam com a regra matriz deste tributo (valorização imobiliária causada por obra pública)”.[5] Percebe-se que o sujeito passivo da Contribuição de Melhorias é o proprietário do imóvel que se valorizou em decorrência da obra pública. Em relação ao termo “domínio econômico”, Roque Antonio Carrazza diz que “[…] é o campo reservado à atuação do setor privado, vale dizer, ao desempenho da atividade econômica em sentido estrito”.[6] Porém, vale lembrar que quando se fala em intervenção estatal, até mesmo através das CIDE´s, fala-se em aspecto geral, não só de infraestrutura nos transportes, mas sim de políticas públicas, políticas do meio ambiente, políticas de competividades industriais, políticas voltadas para a reforma agrária etc. 4. CIDE – CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO A CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, de competência da União, está prevista na Constituição Federal de 1988, em seu art. 149: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”. Em relação, ainda, ao art. 149 da Constituição Federal de 1988, em seu §2º, incisos I, II, III, aplicam-se às CIDE’s, juntamente com as contribuições sociais, as seguintes regras: “I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) II – poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) III – poderão ter alíquotas: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)” No entanto, ressalta-se que a CIDE deverá obedecer a todos os princípios constitucionais tributários, com exceção à CIDE Combustível, que não atende ao princípio da anterioridade anual, por força do art. 177, § 4º, I, “b”, da Constituição Federal: “Art. 177 […] § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b […];” A CIDE Combustíveis foi criada por meio da Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001, com a introdução do § 4º no art. 177 da Constituição Federal, e regulamentada pela Lei nº 10.336 de 19 de dezembro de 2001. Sua incidência recai sobre a importação e a comercialização de gasolina, diesel e respectivas correntes; querosene de aviação e derivativos, óleos combustíveis, gás liquefeito de petróleo (GLP), inclusive o derivado de gás natural e de nafta; álcool etílico combustível. Segundo o inciso III do § 1º do art. 1º da Lei nº 10.336/2001, o produto da arrecadação da CIDE Combustível deverá ou deveria em tese ser destinado, dentre outros, ao financiamento de Programas de Infraestrutura de Transportes, objeto de estudo do presente artigo. “Art. 1º Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1º O produto da arrecadação da Cide será destinada, na forma da lei orçamentária, ao: III – financiamento de programas de infraestrutura de transportes.” Embora, a Lei nº 10.336/2001 trate também de valores percentuais a serem destinados aos Estados e Municípios, não será esse o foco do presente estudo, pois a abordagem se fará na sua real destinação em caso concreto nos Programas de Infraestrutura de Transportes pelo Brasil, sua justa colocação, suas reais necessidades, setores do transporte coletivo que hoje são carentes de receitas e com um repasse mais igualitário, com certeza, esta carência estaria suprida pelo repasse da CIDE. Inegável hoje o entendimento de que toda a problemática, ou pelo menos em sua grande maioria, quanto à relação dos transportes públicos, estão nos Municípios e nos Estados. A União pouco enfrenta questões relacionadas à infraestrutura de transporte público no Brasil, o que em tese, justificaria um repasse maior aos Estados e Municípios do Produto de arrecadação da CIDE. Hoje, 29% de toda a arrecadação é destinada aos Estados, os quais, por sua vez, repassam 25% para os Municípios (inciso III, art. 159, CF). Muito pouco, levando em consideração a problemática que os Municípios vêm enfrentando em suas infraestruturas de transporte coletivo e público no Brasil. Toda a problemática em que se insere o transporte público hoje no país, passa necessariamente, pela analise e projeção do poder municipal e estadual. Já o Governo Federal, quando fica sabendo de alguma situação envolvendo o transporte público, na sua grande maioria o fica por meio da mídia, isto é, quando a situação já está realmente caótica. Dentro dos aglomerados urbanos, principalmente nas regiões metropolitanas, os Municípios até tentam, de alguma maneira, minimizar os impactos da falta de repasse, fazendo nascerem os consórcios, que têm por finalidades conseguir melhores preços em licitações, melhores contratos em conjunto, bem como a administração de corredores de ônibus, por exemplo, entre esses Municípios. Porém isso não resolve a problemática enfrentada hoje por esses entes, levando em consideração que o repasse que a União faz é incompatível com a realidade dos fatos. 5. APLICAÇÃO DOS RECURSOS DA CIDE COMBUSTÍVEL Os Estados e o Distrito Federal receberão da União 29% do total dos recursos arrecadados com a CIDE Combustível (inciso III, art.159, CF). Esses percentuais terão de serem aplicados, obrigatoriamente, no financiamento de programas de infraestrutura de transportes. Dos 29% dos recursos que cabe a cada Estado, 25% serão destinados aos seus Municípios para igualmente, serem aplicados em infraestrutura de transportes (art. 1º-B, da Lei nº 10.336/2001). Esses valores são repassados pela União aos Estados e Distrito Federal por meio da Receita Federal, mediante crédito em conta vinculada especificamente aberta para essa finalidade no Banco do Brasil S.A. ou em outra instituição financeira que venha a ser indicada pelo Poder Executivo Federal, conforme disposto no § 1º do art. 1º-A, da Lei nº 10.336/2001. Segundo informações do Ministério da Fazenda – Secretaria do Tesouro Nacional – STN: “Os recursos repassados pela União aos Estados, DF e Municípios a título de CIDE-Combustíveis são destinados obrigatoriamente ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes. Os Estados e o DF encaminham ao Ministério dos Transportes, até o último dia útil de outubro de cada ano, proposta de programa de trabalho para utilização desses recursos a serem  recebidos  no  exercício  subsequente, contendo a descrição dos projetos de infraestrutura de transportes, os respectivos custos unitários e totais e os cronogramas financeiros correlatos. A  fiscalização  da  execução  dos  programas  de  trabalho  fica  a  cargo  dos  órgãos competentes – controladorias internas e Tribunais de Contas dos respectivos Estados – e do Ministério dos Transportes”.[7] Cabe ao Tribunal de Contas da União verificar e determinar os percentuais que os Estados e Municípios irão receber, tudo através de indicações do tamanho de suas malhas viárias, consumo de combustível, quantidade populacional, dentre outros. Os indicadores do ano anterior é que determinarão os percentuais do ano corrente. A tabela abaixo mostra claramente que o Estado de São Paulo é o que mais arrecada com a CIDE Combustível, arrecadando em 2012 mais de 18% do total repassado pela União aos Estados, seguido pelo Estado de Minas Gerais, que recebeu um repasse da União do montante de um pouco mais de 11%.[8] Ressalva-se que o percentual de 100% está em conformidade com os 29% que a União repassa aos Estados, sendo que destes percentuais abaixo demonstrados, 25% são repassados para seus respectivos Municípios, o que demonstra de uma forma explícita quais são os Estados que hoje possuem uma malha viária mais extensa e que sugere maiores preocupações por parte do Estado União enquanto aos repasses. CIDE-Combustíveis – Repasse 2012. Acre: 0,78464349                            Paraíba: 1,83291039 Alagoas: 1,40019916                       Paraná: 6,44246256 Amapá: 0,65380196                        Pernambuco: 3,51999667 Amazonas: 1,67328311                    Piauí: 2,27622749 Bahia: 6,44545243                          Rio de Janeiro: 5,15282799 Distrito Federal: 1,41491635             Rio Grande do Norte: 1,90631979 Ceará: 3,56034965                                 Rio Grande do Sul: 5,65525353 Espírito Santo: 2,07542734               Rondônia: 1,38551548 Goiás: 4,90527215                          Roraima: 0,72781581 Maranhão: 3,04834818                    Santa Catarina: 3,66128762 Mato Grosso: 3,07283218                         São Paulo: 18,24102068 Mato Grosso do Sul: 2,46025142               Sergipe: 1,20582097 Minas Gerais: 11,29034265               Tocantins: 2,03877949 Pará: 3,16864146                             Cabe aqui sim, adentrar no mérito dos percentuais, como nos critérios adotados pela Lei nº 10.336/2001 para a distribuição desses percentuais, da aplicabilidade dos recursos que, de maneira desordenada não chegam ao seu destinatário final, ou que, pelo menos deveria ser, que é a infraestrutura do transporte público no país, merecedor do título caótico e problemático a que se encontra atualmente, carecedor dos investimentos oriundos das Contribuições para esse fim. A Lei nº 10.636, de 30 de dezembro de 2002, dispõe sobre a aplicação dos recursos originários da CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – e o seu art. 6º anuncia os objetivos essenciais quanto à aplicação dos recursos da CIDE nos programas de infraestrutura de transportes. “Art. 6º A aplicação dos recursos da Cide nos programas de infraestrutura de transportes terá como objetivos essenciais a redução do consumo de combustíveis automotivos, o atendimento mais econômico da demanda de transporte de pessoas e bens, a segurança e o conforto dos usuários, a diminuição do tempo de deslocamento dos usuários do transporte público coletivo, a melhoria da qualidade de vida da população, a redução das deseconomias dos centros urbanos e a menor participação dos fretes e dos custos portuários e de outros terminais na composição final dos preços dos produtos de consumo interno e de exportação.” Segundo o art. 6º, da Lei nº 10.636/2002, o Governo tem como objetivo, em relação à aplicação da CIDE Combustíveis, a redução do consumo de combustíveis automotivos. Porém, nos últimos anos vem usando a CIDE para neutralizar ou até mesmo amortecer os impactos das alterações dos preços dos combustíveis nas refinarias no Brasil, alterando seus valores consideravelmente, chegando até certo ponto a zerar tal valor, tudo visando a conter uma alta da inflação, levando em consideração que a variação nos preços dos combustíveis no Brasil afeta diretamente no cálculo do IPCA. Observam-se neste plano, dois contextos a serem analisados: um está relacionado à arrecadação da CIDE, com seus valores sendo variados para conter a inflação, para que a gasolina, o álcool e o diesel não subam. Outro contexto está ligado a real aplicação dos recursos da CIDE, que de maneira errônea, afronta o bom senso do cidadão, principalmente dos que realmente necessitam de um transporte público de qualidade e eficiência. Desde o ano de 2004, o Governo Federal já publicou sete decretos alterando os valores da CIDE incidentes sobre gasolina e diesel: [9] Decreto               Gasolina    Diesel         Vigência 5.060/2004           0,28          0,07       30/04/04 – 01/05/08 6.446/2008           0,18          0,03       02/05/08 – 07/06/09 6.875/2009          0,23          0,07       08/06/09 – 04/02/10 7.095/2010           0,15          0,07       05/02/10 – 26/09/11 7.570/2011           0,19          0,07       27/09/11 – 31/10/11 7.591/2011           0,09          0,05       01/11/11 – 24/06/12 7.764/2012           0,00          0,00       Indeterminado Observa-se que, em 2012, o Governo Federal reduziu a zero o valor da CIDE para os dois combustíveis, tudo isso pelo fato de a Petrobrás ter anunciado um aumento de 7,83% no preço da Gasolina A na refinaria e de 3,94% no valor do Diesel, ou seja, medida extrema para que os aumentos não chegassem aos postos de gasolina e atingissem assim o consumidor, contendo, dessa maneira, também a alta da inflação. O que o Governo na realidade queria, era neutralizar o impacto do aumento de preços nas refinarias para o consumidor. Porém, a alíquota zero aplicada à Cide Combustível pelo Governo veio a apoiar mais ainda os combustíveis fósseis em relação aos combustíveis renováveis. Nesse caso pode-se citar o etanol, extraído a partir da cana-de-açúcar. O etanol, nestas situações, terá relativamente de proporcionar valores que não superem as expectativas dos consumidores, porquanto os preços da gasolina tendem a baixar nas bombas, consequência da política do Governo em zerar a alíquota da CIDE Combustível.  Nunca é tarde lembrar que a CIDE Combustível incide nos combustíveis fósseis e não no etanol, dai o motivo da afirmação. Está havendo claramente uma diminuição na diferença tributária entre a gasolina e o etanol, que faz com que a implementação de políticas de tecnologia seja diminuída. Ao invés do Governo patrocinar os estudos para melhoria dos produtos renováveis, implanta suas forças no sentido de apoio aos produtos fósseis, que, diga-se de passagem, um dia irão acabar. Afronta inclusive, diretrizes aplicadas ao entendimento de um Meio Ambiente Sustentável, dando harmonia aos meios de produção e uma política de consumo ecologicamente correta, pensando nas gerações futuras que irão usufruir do ecossistema. Ademais, com o objetivo em questão a cerca das pretensões do Governo, reduzindo à alíquota da CIDE Combustíveis a zero, outro fator preponderante e alarmante assombra a então sonhada excelência em estrutura que se pretende alcançar no transporte público. Ao migrar energia focando os produtos fósseis, desonerando sua tributação, o Governo incentiva de um lado a indústria automobilística, de outro lado o próprio consumidor a comprar veículos, com incentivos fiscais, taxas de juros bancários para esse fim baixíssimos, onde se tem claramente um aumento desenfreado no consumo de veículos automotores. As análises aqui conceituadas guardam consonância com palavras de Roque Antonio Carrazza, o qual diz que “[…] por meio de contribuições de intervenção no domínio econômico, a União usa de institutos tributários para direcionar os contribuintes a certos comportamentos, comissivos ou omissivos, úteis ao interesse coletivo”.[10] Ora é verdade, que nos últimos anos fora observado um desempenho enorme por parte do governo para que as frotas de veículos em depósito nas montadoras fossem desoneradas, exemplo o IPI zero para alguns veículos, e com isso, mais e mais brasileiros das classes “C” e “D” adquiriram veículos zero quilômetros a preços mais baixos e com prestações que chegam a dezenas de parcelas. Diz-se até louvável tal atitude, porém isso não resolve o caos em que vive hoje o transporte público no Brasil, ao contrário, só aumenta. Nos grandes centros e também em cidades do interior o trânsito vive congestionado, e a falta de infraestrutura no transporte coletivo faz com que os custos das tarifas subam. Observa-se nesse contexto que muito pouco tem sido feito para a melhoria do transporte público, pois mais usuários em potencial andam de carro, congestionando o trânsito e, em contra partida, menos usuários efetivos buscam o transporte público, onerando assim, os valores das tarifas. A opção que o Poder Público fez foi totalmente política quando promoveu baixar o preço dos combustíveis, a exemplo da gasolina. Poderia sim, ter optado por um combustível mais limpo, promovendo a proteção do meio ambiente e ao mesmo tempo controlando a economia, deixando um espaço para a livre concorrência nesse mercado. A exemplo, cita-se o Etanol que é um combustível que agride bem menos o meio ambiente do que os combustíveis fósseis. É produzido a partir da cana-de-açúcar e foi reconhecido como o combustível mais limpo do mundo, pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. O Brasil vem produzindo ao longo dos anos vários modelos de automóveis que suportam bem o Etanol, porém, poucos estudos na área de tecnologia foram realizados para propiciar um aumento de produção do Etanol. Na realidade, o Governo procura incentivar e focar seus estudos na área petrolífera, com apoio das grandes indústrias de petróleo do mundo, o que fará com que o meio ambiente seja, ao longo dos anos, agredido com mais intensidade. Certo dizer que quem paga os prejuízos é a sociedade, porque com essa atitude polui-se mais o meio ambiente, pois os carros e motos poluem em quantidade bem mais que um ônibus, sem contar que lideram o ranking de acidentes entre veículos automotores, onerando assim o Sistema Único de Saúde. Isso porque não foi falado da Lei Seca, pois facilitaria mais o atendimento a tal diploma normativo se o transporte coletivo fosse mais barato, com qualidade e ao alcance de todos. Ao contrário do que muitos imaginam, nunca foi interessante para as empresas manterem as tarifas elevadas do jeito que agora estão, pois afugentam passageiros, que acabam indo para os financiamentos de carros populares e motos, ficando em certos casos mais baratos que os gastos com condução (em São Paulo, por exemplo, há pessoas que precisam tomar seis transportes por dia, sendo três idas e três voltas para poder chegar ao serviço e depois às suas casas). Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demonstra que as famílias brasileiras 10% mais pobres gastam 10,7% da renda mensal com transporte público. Enquanto as 10% mais ricas utilizam apenas 0,5% da renda com isso. O que embasa a ideia de que os proprietários de veículos devem ajudar a custear o transporte público.[11] Ainda segundo o Ipea, cerca de 30% da população de menor renda não usa o transporte coletivo por falta de dinheiro para pagar a tarifa. Ambos os estudos foram apresentados recentemente, no dia 13 de agosto de 2013, em debate promovido pela Rede Nossa São Paulo para discutir alternativas de financiamento do transporte público.[12] Poderia sim a União, para tentar conter todas essas distorções, desonerar os tributos gradativamente em relação aos produtos fósseis, como, por exemplo, o PIS e a COFINS do óleo diesel utilizado no transporte público e energia elétrica utilizada pelo metrô. Pode também fazer repasses maiores em relação à CIDE Combustível aos Estados. Estes, em contrapartida, repassando maiores percentuais aos Municípios. O Estado, com a redução do ICMS sobre pneus, por exemplo, entre outros ligados diretamente ao transporte publico de maneira geral. Os munícipios também podem contribuir, reduzindo o ISS (imposto sobre serviços), quando se tratar de empresas de transporte coletivo (frisa-se que o Município de São Paulo já adota essa medida em relação ao ISS). Fala-se, inclusive, em repasse integral da CIDE Combustível aos Estados e Municípios pela União. Não há nada que justifique hoje a União repassar somente 29% da CIDE Combustível para os Estados, e estes somente 25% para os Municípios, tudo isso, conforme já dito, levando em consideração que os problemas de infraestrutura de transporte estão nos Municípios, em sua maioria. Daí a indagação acerca de onde, efetivamente, a União aplica o restante do produto da arrecadação da CIDE Combustível, tendo em vista que o sistema viário estadual e federal está totalmente sucateado, cheio de buracos, sem sinalização. Vale lembrar os esforços que a União vem fazendo para a concessão dos pedágios nas rodovias federais, o que contribui para a defesa da tese do repasse integral para os Estados e Municípios quando o assunto é CIDE Combustível. Seria sim uma perda de tributação em relação à CIDE Combustíveis, porém, um aumento na qualidade de vida de quem necessita e utiliza o transporte coletivo, desde que o capital ganho com a desoneração seja integralmente repassado para melhorias na infraestrutura do transporte coletivo, como também na diminuição das tarifas de ônibus. Percebe-se, neste contexto, a existência de uma cadeia de desoneração, onde se poderia chegar a uma redução de mais de 30% nas tarifas de ônibus. Com isso, a população como um todo ganharia, pois muitos deixariam os veículos particulares em casa e passariam a usufruir do transporte coletivo. O meio ambiente obviamente também sairia beneficiado. Com essa desoneração, poder-se-ia chegar também ao consenso nas melhorias de infraestrutura externa, como corredores exclusivos, acessibilidade ao especial em todos os transportes coletivos, ônibus novos, sem contar a maior integração que poderia existir entre os transportes municipais e interestaduais. Valeria sim, os esforços em conjunto. O que talvez esteja faltando para que tal projeto não seja uma utopia é puramente vontade política. Fica sem sentido o enunciado do art. 6º da Lei nº 10.636/2002 quando diz que a aplicação dos recursos da CIDE será nos programas de infraestrutura de transportes e terá como objetivos essenciais à redução do consumo de combustíveis automotivos, atendendo também a demanda no transporte público, objetivando a diminuição no tempo de deslocamento dos usuários dos transportes coletivos, melhorando assim sua qualidade de vida. O texto em sua essência, diante da realidade dos fatos vividos hoje pela população brasileira, é quase uma utopia. A análise se faz porque toda a infraestrutura de transporte coletivo está praticamente nos centros urbanos, quando mais um pouco, nas viagens interestaduais. Sendo assim, certo é que os repasses estão, no mínimo um pouco desequilibrados, levando em conta que a União repassa 29% da arrecadação da CIDE Combustível para os Estados, e estes por sua vez, repassam, desse montante, apenas 25% aos Municípios, que detém em sua maioria toda a preocupação e infraestrutura do transporte coletivo, o qual a população tanto clama por mudanças. A realidade é que os Prefeitos não aguentam mais retirar recursos do seu orçamento para serem aplicados na infraestrutura do transporte coletivo, quando existe uma Contribuição para esse fim, que por sua vez fica seu percentual maior em poder da União que nada faz para reverter essa situação. Outra realidade se faz necessária apresentar, é a utilização dos recursos da CIDE fora das hipóteses previstas na Constituição Federal, em seus art. 177, §4º, II, “a”, “b” e “c”. Tais recursos só podem ser utilizados para o custeio de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados, como também derivados de petróleo, deve ser utilizado também no financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás e ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes. No entanto, sabe-se que o Poder Executivo utilizou o produto de arrecadação da CIDE para outros fins. Fato é que diante destas distorções, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3970), com pedido de liminar, no Supremo Tribunal Federal (STF) contra qualquer interpretação dos dispositivos das leis 10.336/2001 (art. 1º, § 1º, incisos I a III) e 10.636/2002 (arts. 2º; 3º, parágrafo único; 4º, incisos I a VI; e 6º) que autorize a utilização dos recursos da Cide fora das hipóteses previstas na Constituição Federal (art. 177, § 4º, II, “a”, “b” e “c”).[13] Na ação, o procurador-geral também afirma que o Ministério do Meio Ambiente “utilizou-se de recursos provenientes da Cide não apenas para financiamento de projetos ambientais relativos à indústria do petróleo e do gás, como também para custear suas despesas de cunho administrativo. O Ministério dos Transportes, realizando uma interpretação ainda mais abrangente, tendo em vista as suas atividades, adotou o entendimento de que todas as suas despesas, independentemente da natureza, pudessem ser financiadas com os recursos provenientes da Cide-Combustíveis”.[14] O procurador-geral conclui que “a literalidade e a leitura sistemática do art. 177, § 4º, II, a, b e c, revelam o caráter vinculado de tais valores apenas e tão-somente às finalidades econômica, ambiental e de inversão no segmento de transporte”. Nesse sentido, ele faz elogios à Constituição Federal: “Nítida e elogiável a atenção constituinte com a precariedade da malha viária brasileira não só a estrangular as possibilidades de escoamento das riquezas produzidas no país – e com isso ampliá-la ainda mais -, como também a pôr em risco a integridade física e a vida de milhões de pessoas que por ela obrigatoriamente passam”.[15] Fato é que um posicionamento deveria ser tomado para que houvesse uma mudança no texto constitucional, trazendo os recursos da CIDE Combustível em sua totalidade para os Municípios, como forma de contribuição e condicionando sua aplicabilidade em 100% na infraestrutura de transportes, seja de maneira individual por parte de cada poder executivo municipal, ou seja por meio das parcerias e consórcios já existentes para este fim, com possibilidades de outros consórcios serem criados para assim utilizarem-se dos recursos da CIDE Combustíveis. 6. CONSIDERAÇÕS FINAIS As considerações finais se fazem no sentido de uma crítica à atual sistemática de repasse que o Governo Federal vem adotando quanto à CIDE Combustível. O Governo Federal precisa se conscientizar que toda a infraestrutura de transporte está hoje sob o domínio dos Estados e dos Municípios, de modo que é preciso ajustar o repasse a esta realidade, ter em seu planejamento e projeto, assuntos em relação à CIDE Combustível não somente focado ao controle da inflação e ao subsídio da gasolina e do álcool. O que se pode analisar, também, é uma preocupação do Governo quanto ao controle da inflação e também a derivação de recursos para os produtos fósseis, não renováveis, como é o caso do petróleo e seus derivados, deixando de lado a implantação de novas tecnologias e infraestrutura para os produtos renováveis, como é o caso do etanol, produção de cana-de-açúcar, óleo vegetal, entre outros. A preocupação com a infraestrutura de transporte local irá melhorar consideravelmente o transporte público nos grandes centros, e, se isso acontecer, menos carros irão poluir as ruas, mais usuários irão usar o transporte público, porém, para isso o Governo precisa focar os investimentos de maneira distrital, ou seja, colocando os recursos da CIDE Combustíveis em sua maioria onde existe o déficit nessa política pública. Analisou-se pelos gráficos aqui expostos que o maior repasse era feito para o Estado de São Paulo, seguido de Minas Gerais, certa lógica porque o caos que está o transporte público na capital São Paulo é enorme, porém os valores repassados são insuficientes para conter esse caos. Certo é que voltando a CIDE Combustível a ter seus percentuais majorados, o Governo precisa rever seus conceitos de repasse, analisar e entender que o caos no transporte público e na infraestrutura de transportes coletivos só será resolvido quando do repasse integral desse tributo aonde ele realmente deva ser investido. Percebe-se que é bastante injusto o repasse nos moldes e percentuais hoje adotados, podendo o Governo Federal fazer reuniões com os Governadores e Prefeitos para tratarem desse assunto, ouvindo as reclamações e as exigências e, quem sabe, estudar uma alíquota que condiga com a realidade dos fatos, sem prejudicar a alta da inflação ou cotação do dólar e ao mesmo tempo, sem prejudicar ou exonerar demais os preços da gasolina e do álcool. A maneira correta, diante das proporções trazidas ao texto, seria talvez uma alíquota flexível, com repasse integral aos Estados, e estes por sua vez, com um repasse que venha a atender a demanda dos Municípios quanto à infraestrutura do transporte público, sem ressalvas. O Governo Federal poderia, aos moldes que existe hoje com o ITR, manter-se competente em relação à CIDE Combustível, porém, delegar sua cobrança ao Estado ou ao Município, vinculando sua aplicabilidade dentro dos percentuais assim pré-estabelecidos. Insurgiria inclusive no entendimento da boa aplicabilidade do dinheiro público, pois sua cobrança gera insatisfações quando mal aplicado. Não só dos empresários em si, mas de toda a população que cada vez mais conhece dos seus direitos, e lutam para sua garantia, foco esse, disseminador das manifestações dos últimos tempos que aconteceram no Brasil.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/cide-combustivel-e-sua-justa-destinacao/
A dissolução irregular e a desconsideração da personalidade jurídica tributária
Na atualidade, ganha muita relevância o tema da responsabilidade jurídica tributária de terceiros, conforme disciplina constante dos artigos 134 e 135 do CT. O presente estudo abordará especificamente a hipótese extralegal e criação pretoriana da dissolução irregular, com estudo de suas condições do entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça e, na medida do possível, dos Tribunais Regionais Federais.
Direito Tributário
Introdução O tema da responsabilidade jurídica de terceiros em execução de créditos tributários é um assunto de interessante complexidade e que é muito abordado em sede doutrinária e nos Tribunais Superiores, tanto é que é objeto de diversas Súmulas nos âmbitos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. A matéria da responsabilidade tributária está disciplinada no Código Tributário Nacional (CTN), precisamente nos artigos 134 e 135. No que tange precisamente à dissolução irregular, embora possa se enquadrar na hipótese legal de infração à lei, não há tratamento específico seja no CTN, seja em outra legislação, de modo que as conclusões ora expostas são oriundas de construção jurisprudencial e doutrinária. Nesse contexto, após uma análise geral do tema, o presente estudo tratará com maiores fundamentos da hipótese extralegal e criação pretoriana da dissolução irregular, com estudo de suas condições do entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça e, na medida do possível, dos Tribunais Regionais Federais, no campo dos tributos federais. 1. Da responsabilidade tributária: noções gerais. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) instituiu, em oposição aos regimes então vigentes, um novo paradigma de Estado, o Estado Democrático de Direito, marcado crucialmente pela importância de um amplo rol de direitos (de primeira, segunda e terceira gerações) e pelo destaque que confere à participação popular na tomada de decisões políticas, na definição de políticas públicas e na conferência de legitimidade ao governante. Nesse diapasão, sendo o Estado incumbido de tutelar mais direitos, o recurso mais fácil de que dispõe é a tributação. Porém, esse direito não é ilimitado ou arbitrário. Pelo contrário, esse dever-poder do Estado é cercado por diversas nuances e regras cogentes, tais como a observância de lei para várias definições da obrigação tributária e seus componentes, bem como o respeito a diversos direitos dos contribuintes, já que a tributação não pode ser confiscatória. É nesse contexto que se situam as limitações ao poder de tributar, expressamente protegidas pelo texto constitucional, em seu artigo 150, como se dá com os princípios da legalidade, da anterioridade, da anterioridade nonagesimal, entre outros. Tais limitações estabelecem 3 (três) ordens de sentido[1], a saber: 1) servem como limite ao poder de tributar do Estado, 2) atuam como conjunto de normas de limitação de competência e, por fim, 3) atuam como forma de realização do valor promoção e proteção dos direitos fundamentais. Em linhas gerais, a obrigação tributária pressupõe um sujeito ativo, que é o Estado/Administração credor, titular do direito de exigir o cumprimento da obrigação, e, na outra posição, um sujeito passivo (elementos pessoais), que deve pagar um valor baseado em grandezas quantitativas, que são a base de cálculo e as alíquotas (critério quantitativo, que dá a definição da dívida tributária[2]), tão logo ocorrido o fato gerador do tributo ou da penalidade pecuniária, previsto em lei. No que tange à sujeição passiva tributária, dispõe o artigo 121, parágrafo único, inciso I, do CTN, que o contribuinte é o sujeito passivo direto, ou seja, o sujeito passivo da obrigação principal “quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Por outro lado, o responsável é definido pelo Código Tributário como o sujeito passivo indireto, ou o que “sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei” (inciso II do mesmo dispositivo legal). A presença do responsável como devedor da obrigação tributária traduz um fenômeno denominado de “modificação subjetiva no polo passivo da obrigação[3].” Numa primeira leitura, a terminologia adotada pelo CTN parece permitir a responsabilização de qualquer pessoa, independentemente de haver relação com o fato gerador. No entanto, mostra-se equivocado esse raciocínio. De fato, seria totalmente arbitrário o legislador entender como responsável pessoa totalmente alheia à situação definida como fato gerador do tributo. Daí porque prevê o artigo 128 a obrigatoriedade desse terceiro ser pessoa “vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação”, verbis: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. Isto é, depreende-se a intensidade do vínculo entre a obrigação tributária e o responsável, sem, é claro, configurar um elo pessoal e direto porque, se assim for, tratar-se-á de contribuinte, não de responsável. Frise-se, ainda, que a eleição desse terceiro como responsável decorre de razões de conveniência e necessidade. O próprio CTN fornece critérios para tanto e, em algumas situações, ele mesmo escolhe os responsáveis. É por esse motivo também que é imprescindível haver expressa disposição legal para a responsabilidade tributária de terceiros, nos termos da legalidade geral estatuída no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal (CF), e da legalidade tributária, constante do artigo 145, inciso II, do texto constitucional, assim como dos artigos 97, inciso III, e 121, inciso II, do CTN, princípio da reserva legal segundo o qual ninguém é obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Logo, sem lei expressa, o terceiro não pode ser responsabilizado, consoante entendimento consolidado em lei e na doutrina e jurisprudência. Para finalizar, é oportuno ressaltar que a questão da desconsideração da personalidade jurídica dos sócios também é condicionada pelas normas constitucionais que impõem limitações ao poder de o Estado tributar (vide artigo 150 da CF/88). Logo, a questão em exame merece ser estudada com a premissa de que a cobrança de tributos sempre deve ser limitada pela proteção constitucional aos direitos fundamentais do contribuinte[4]. 2. Da análise dos artigos 134 e 135 do CTN. Os artigos 134 e 135 do CNT versam sobre a responsabilidade por transferência de terceiros, para débitos de natureza tributária, em relação a sociedades, fundações e associações, pessoas jurídicas de Direito Privado elencadas no artigo 44 do Código Civil de 2002. Nestas hipóteses se situam os atos praticados por administradores ou gestores na vida patrimonial de certos contribuintes. Nesse cenário, é oportuno notar o posicionamento do jurista Eduardo de Moraes Sabbag[5] acerca do tema, já que entende que o artigo 134 do CTN traz hipótese de responsabilidade por transferência subsidiária, enquanto que o seguinte, dispositivo 135, prevê situações que ensejam responsabilidade pessoal, exclusiva e por substituição. Outra divisão cabível pelo doutrinador é que o artigo 134 do CTN trata de responsabilidade de terceiro com atuação regular e o artigo 135 do CTN, por sua vez, de responsabilidade de terceiro com atuação irregular, o que enseja submissão a tratamentos jurídicos diversos, a ser abaixo melhor delineado. A princípio, a pessoa jurídica é uma entidade autônoma, que responde pelos débitos tributários oriundos do desenvolvimento ordinário da atividade societária. Consequentemente, com personalidade própria encontram-se seus componentes, os sócios ou associados, cujos patrimônios, entendidos como o conjunto de bens, direitos e obrigações, são, de regra, distintos e incomunicáveis, para justificar, inclusive, a criação dessa figura jurídica fictícia. Os representantes da pessoa jurídica devem agir em nome desta, nos termos dos objetivos sociais. Quando atuam dessa maneira, estão isentos de responsabilidade por dívidas fiscais da pessoa jurídica. No entanto, ao agirem em desconformidade com os objetivos sociais ou a lei, podem ser responsabilizados por dívidas de outrem. De fato, a proteção legal conferida às pessoas jurídicas não pode subsistir se constatado o abuso de direito, o desvio de finalidade ou o intuito fraudulento, com o fim de prejudicar o adimplemento de obrigações contraídas, sejam em face de particulares, seja perante o Estado-Fisco, quando os sócios usam dessa “blindagem” ou do “véu da pessoa jurídica” para afrontar a lei e o direito dos credores. É por essa razão que já é aplicada há um bom tempo a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, inicialmente no campo do Direito Privado (direito civil e empresarial), depois no consumerista e trabalhista e, na atualidade, também no âmbito do Direito Tributário, cujo tratamento legal se dá no artigo 135 do CTN, precisamente no inciso III, além de criações pretorianas. 3. Do estudo específico – da desconsideração da personalidade jurídica em caso de dissolução irregular. A dissolução irregular já é há muito tempo fundamento usado para as Procuradorias das Fazendas buscarem a ruptura do manto da personalidade jurídica, quando usada de forma maliciosa para esconder fraudes, e, assim, excepcionalmente, justificar a invasão da esfera patrimonial dos sócios. Essa hipótese implica uma ponderação concreta de valores pelos julgadores, já que estão em contraponto princípios e valores igualmente tutelados pela lei e pela CF/88. Assim, de um lado, têm-se os valores da promoção da livre iniciativa (artigos 1º, inciso IV, e 170, caput, da CF/88), do valor social do trabalho (artigo 1º, inciso IV, da CF/88), da busca do pleno emprego (artigo 170, inciso VIII, da CF/88), da justiça social (artigo 170, caput, da CF/88), dos valores ambientais (artigo 51, inciso XIV, do Código de Defesa do Consumidor) e outros, como os dos artigos 1º, inciso III, 3º, inciso I, e 170, inciso VII, da CF/88. Na outra vertente, sustentada pelas teses fazendárias, encontram-se valores também de grande magnitude, como a proteção da igualdade, da capacidade contributiva e da função social da empresa e da propriedade, pois “Se a pessoa jurídica foi constituída com o único propósito de proteger o patrimônio dos sócios de uma futura execução, então nesse caso terá ocorrido o desvirtuamento dos princípios da ordem econômica e dos direitos fundamentais na área econômica[6].” Aliás, é notória a dificuldade de se localizarem bens da pessoa jurídica em dificuldades financeiras, ré em execuções fiscais e outras ações de cobrança ou fase executiva em geral, principalmente pela dissipação patrimonial por seus gestores e pela utilização do instituto da dissimulação. Embora prevista como outra hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, em verdade a dissolução irregular, ou seja, a extinção da pessoa jurídica sem deixar patrimônio suficiente para quitar as dívidas societárias e sem baixa perante os órgãos oficiais, configura verdadeira infração à lei. Ou seja, apesar de não positivada expressamente no CTN, o fato é que sua aplicação é e sempre foi perfeitamente possível, com arrimo no artigo 135, caput, eis que configura nítida hipótese de violação de leis tributárias e não tributárias e de diversos atos normativos dos órgãos fazendários. Sobremais, mister salientar que a dissolução irregular implica ofensa a diversos dispositivos legais, tais como os artigos 51, 1150 e 1151 do Código Civil, e o artigo 32 da Lei n.º 8.934, de 18 de novembro de 1994 (dever de atualização de dados cadastrais). Veja-se também que a dissolução irregular enseja a responsabilização das pessoas elencadas no supramencionado dispositivo em decorrência dos princípios e valores que já norteiam o Estado Brasileiro, como o princípio da justiça e a vedação do locupletamento ilícito, numa ponderação de valores a favor da racionalidade. A Portaria PGFN n.º 180, de 25 de fevereiro de 2010[7], inseriu a dissolução irregular como motivo infralegal para o redirecionamento, a saber: “Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: (Redação dada pela Portaria PGFN nº 904, de 3 de agosto de 2010) I – excesso de poderes; II – infração à lei; III – infração ao contrato social ou estatuto; IV – dissolução irregular da pessoa jurídica. Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários.” Nesse ínterim, a dissolução irregular implica infração à lei porque a pessoa jurídica deixou de atender aos ditames legais para sua extinção regular e consta, em órgãos oficiais, como ativa, embora nem mais atue, em prejuízo óbvio de seus credores, que não conseguem localizar bens da empresa, associação ou fundação ou mesmo tentar a penhora do faturamento rotativo ou medidas de bloqueio de ativos financeiros, pelo sistema BACENJUD. Ora, é dever do sócio administrador, diante da paralisação definitiva das atividades da pessoa jurídica, promover-lhe a regular liquidação, ou seja, realizar o ativo, pagar o passivo, ratear o remanescente entre os sócios e dar baixa na Junta Comercial e na Secretaria da Receita Federal do Brasil. Não cumprindo tal mister, nasce a presunção de apropriação indébita dos bens da sociedade. Tem sido comum, sobretudo no caso de pequenas empresas, quando não alcançam sucesso, os sócios, ao invés de formalizarem a dissolução e extinguirem legalmente a pessoa jurídica, simplesmente fecharem as portas e fazerem a divisão do patrimônio entre si, deixando inúmeras dívidas inadimplidas. Assim, embora contratualmente e pela lei haveria limitação da responsabilidade na limitada, fica caracterizada a dissolução de fato/irregular, e não de direito, passando assim a responsabilidade dos sócios de limitada para ilimitada. Embora não tenha tratado especificamente dos efeitos decorrentes da dissolução irregular das sociedades, de modo a se omitir sobre a responsabilidade pessoal dos sócios nessa situação, o legislador deixou claro o dever legal de se observarem as formalidades prescritas em lei para se promover a extinção dos entes coletivos. Prescreveu, assim, um verdadeiro dever legal a ser cumprido pelos sócios. Nesse contexto, não resta dúvida de que a dissolução da sociedade promovida irregularmente, isto é, sem a devida observância das formalidades legais, configura infração à lei, imputável diretamente à pessoa dos sócios. Em tais casos, isto é, quando a empresa deixa de funcionar sem prestar qualquer informação aos órgãos adequados, presume-se a dissolução irregular. Esse entendimento já vinha sendo seguido pelas Turmas do STJ (conforme as ementas dos seguintes julgados: AGRESP 201202156167, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/05/2013 ..DTPB; AERESP 201202354810, BENEDITO GONÇALVES, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:21/03/2013 ..DTPB; AGRESP 201201764690, HUMBERTO MARTINS, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/10/2012 ..DTPB). E recentemente, em abril de 2010, a matéria foi sumulada pelo STJ, cujo teor é a seguir reproduzido: “Súmula n. 435 (STJ): Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.” Na linha adotada pelo STJ, citem-se os precedentes dos Tribunais Regionais Federais: AC 200650010095832, Desembargador Federal RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA, TRF2 – QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data: 24/05/2013; AI 00066101320104030000, JUIZ CONVOCADO HERBERT DE BRUYN, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AI 00016198620134030000, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AG 00062063420124050000, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 – Terceira Turma, DJE – Data::11/12/2012 – Página::329. Ainda, é prudente ratificar que, na linha adotada pelo STJ, o simples inadimplemento da obrigação tributária não configura infração à lei e automático redirecionamento da execução fiscal (segundo assentado na Súmula n.º 430 do STJ). Ademais, é imprescindível se distinguir duas situações, que são a efetiva dissolução irregular da sociedade e, por outro lado, a mera inatividade ou operação reduzida[8]. Nessa seara, o STJ entende que o administrador da sociedade é responsável, em havendo a paralisação definitiva das atividades societárias, a proceder a regular dissolução ou liquidação, no caso de cooperativas, obedecer às normas legais vigentes e, assim, comunicando os órgãos oficiais e realizando o acerto de ativos e passivos; contudo, caso não o faça, a presunção (relativa) que se tem é a de que houve dissolução irregular da empresa e, assim, o sócio-gerente ou o sócio com poderes de gerência deverá ser responsabilizado por débitos de natureza tributária. Logo, na linha seguida pela jurisprudência, a dissolução irregular restará caracterizada quando: não houver quitação regular de dívidas tributárias e a empresa não for localizada nos endereços constantes dos bancos de dados oficiais, devendo esse fato ser certificado pelo Oficial de Justiça, que goza de fé pública, já que o STJ não admite como fundamento para tanto a mera devolução de carta de citação com aviso de recebimento “negativo”. Também será possível na situação de que o distrato social não foi devidamente registrado na Junta Comercial. Veja-se que não se exige prova cabal da dissolução irregular, posto que bastam indícios de que tenha ocorrido, como a certificação pelo Oficial de Justiça de que a empresa deixou de funcionar no endereço informado aos órgãos oficiais, o que caracteriza a cessação das atividades, e a ausência de bens para penhorar. Por conseguinte, caso reste configurada situação caracterizada como dissolução irregular, opera-se a inversão do ônus da prova, cabendo ao sócio-gerente provar que não agiu com culpa, dolo, fraude ou excesso de poder (vide REsp n.º 1.004.500/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 25 de fevereiro de 2008). Logo, a previsão de redirecionamento em caso de extinção irregular da empresa, ainda que continue não inserida formalmente no CTN, está sumulada pelo STJ e é pacífica na doutrina. 4. Da atuação fazendária em matéria de responsabilidade de terceiros. Análise interessante cumpre ser feita sobre a desconsideração da personalidade jurídica no bojo de Execução Fiscal, disciplinada na Lei n.º 6.830/80. A CDA goza dos atributos de certeza e liquidez e essa presunção é relativa (iuris tantam), de forma que pode ser elidida caso o executado comprove efetivamente a inexistência desses pressupostos. Tem também o efeito de prova pré-constituída. Quanto ao redirecionamento, já se viu que, de regra, os julgados exigem a demonstração dos requisitos previstos no artigo 135 do CTN, não bastando a referência genérica, salvo se os nomes dos responsáveis já estiverem na CDA, consoante jurisprudência consolidada do STJ. Sobre essa previsão ou não na CDA, foi publicada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a Portaria n.º 180, em 28 de fevereiro de 2010, que prevê certas limitações ao redirecionamento aos sócios-gerentes em caso de débito tributário, o que se mostra de grande relevância, a fim de afastar abusos. Com efeito, o ato normativo em comento prevê que a inclusão de um responsável na CDA somente ocorrerá após a declaração fundamentada de autoridade competente da Receita Federal ou da própria PGFN acerca da ocorrência, de, ao menos, uma das seguintes situações em relação à sócio-gerente ou terceiro não-sócio com poderes de gerência (administrador), elencadas no artigo 2 supratranscrito, quais sejam: a) ato praticado com excesso de poderes; b) ato praticado em infração à lei; c) ato praticado em infração ao contrato social ou estatuto; d) dissolução irregular da pessoa jurídica. Dessa forma, inovou no cenário jurídico ao exigir a produção de provas para responsabilização do terceiro. Assim, exige a motivação do ato de inclusão do nome do terceiro na CDA e a juntada de provas indiciárias de autoria e infração. Nesse ponto, cumpre repisar que, antes do advento do entendimento sumulado do STJ, a PGFN já incluíra a hipótese de dissolução irregular entre aquelas que justificam a desconsideração da personalidade jurídica, por meio da Portaria em questão, precisamente no artigo 2º, inciso IV. A respeito, questão ainda tormentosa em sede doutrinária e na jurisprudência dos Tribunais Regionais e do STJ é saber quais são os sócios-administradores ou com poderes de gerência que devem ser responsabilizados por tais dívidas tributárias, ou seja, se englobaria apenas que estiveram na sociedade durante o fato gerador da obrigação tributária ou se também devem ser submetidos aqueles integrantes do quadro societário à época da dissolução irregular. Nessa linha, é interessante notar o tratamento diferenciado conferido pela Portaria ao fato gerador que gera a responsabilização. De fato, ao se referir à previsão do artigo 135, inciso III, do CTN, no artigo 1º, menciona o responsável o sócio ou não sócio, com poderes de gerência sobre a pessoa jurídica, “à época da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária objeto de cobrança judicial.”   Em sentido oposto, quando houver dissolução irregular, no parágrafo único do artigo 2º supracitado, o redirecionamento deve se voltar aos sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência “à época da dissolução, bem como do fato gerador”, isto é, amplia-se a hipótese de responsabilização, para pessoas aquele daquele período em que nasceu a obrigação tributária, para alcançar até mesmo os que já deixaram a sociedade à época da extinção irregular da sociedade, fundação ou associação. Essa questão é objeto de análise do Parecer PGFN/CRJ/n.º 1956, de 30 de setembro de 2011, subscrito pelo Coordenador de Consultoria Judicial, Dr. João Batista de Figueiredo[9]. Em minucioso estudo promovido no Parecer o i. Procurador fez uma pesquisa da orientação dos Tribunais Regionais Federais e do STJ acerca do alcance temporal da dissolução irregular. Assim, o jurista concluiu que, para que esteja caracterizada a responsabilidade do artigo 135 do CTN, nos casos de dissolução irregular da pessoa jurídica, a orientação dos Tribunais Regionais Federais da 2ª e 3ª Regiões é a de que basta que o agente seja sócio-gerente ao tempo do surgimento da obrigação tributária (data da ocorrência do fato gerador), prescindindo que o seja também ao tempo da dissolução irregular da sociedade. Porém, esse entendimento não é favorável às teses fazendárias em sua inteireza, já que os julgados não falam ou esclarecem acerca da responsabilidade do sócio-gerente ou administrador com poderes de gerência ao tempo da extinção irregular da sociedade. Por sua vez, no STJ, há uma discrepância de entendimentos, eis que, para uma posição, somente poderá ser responsabilizado aquele que era sócio-gerente ao tempo do surgimento da obrigação tributária (fato gerador) e, simultaneamente, ocupava essa mesma posição quando da dissolução irregular da sociedade executada pode ser responsável tributário, nos termos do artigo 135, III, do CTN, e para a tese minoritária acolhida pela Corte, preconiza-se que o fato de o sócio-gerente ter-se retirado da empresa antes de sua dissolução irregular não obsta o redirecionamento da execução fiscal contra ele, uma vez que já integrava a sociedade à época do fato gerador. O i. Parecerista salienta que “(…) nenhum dos entendimentos jurisprudenciais acima expostos contempla inteiramente os interesses da Fazenda Nacional — pois não possibilita a inclusão como responsável solitário também daquele que se encontra na gerência da sociedade ao tempo da dissolução irregular da pessoa jurídica, sem que o estivesse ao tempo da ocorrência do fato gerador do tributo —,, bem assim dá ensejo a que fraudes sejam cometidas, com significativos prejuízos ao Erário, na medida em que possibilita, por exemplo, que sócios-gerentes ou administradores da sociedade com poderes de gerência dela se ausentem sem pagar os tributos devidos, colocando em seu lugar prepostos seus que, ao depois, dão causa à extinção irregular da pessoa jurídica.  Restando evidenciado que nenhum dos entendimentos jurisprudenciais acima expostos contempla inteiramente os interesses da Fazenda Nacional, bem assim dá ensejo a que fraudes sejam cometidas, com significativos prejuízos ao Erário, na medida em que possibilita, por exemplo, que sócios-gerentes ou administradores da sociedade com poderes de gerência dela se ausentem sem pagar os tributos devidos, colocando em seu lugar prepostos seus que, ao depois, dão causa à extinção irregular da pessoa jurídica, passa-se à defesa de tese jurídica que melhor resguarde ditos interesses e que viabilize a inclusão como responsável tributário não apenas do sócio-gerente ou administrador com poderes de gerência ao tempo da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária e que dela se retira, mas também daquele que ingressa ulteriormente na sociedade e dá causa à sua extinção irregular, no pressuposto de que ambos, na verdade, concorrem culposa ou dolosamente para o não pagamento do tributo e a conseqüente dissolução irregular da pessoa jurídica.” Contudo, o jurista ressalta que a tese defendida no Parecer n.º 40/2010, materializada no parágrafo único do artigo 2º da Portaria PGFN n. º 180/2010 não frutificou no âmbito do STJ, que tem reiterado seu entendimento no sentido da impossibilidade do redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente que, embora integre a sociedade ao tempo do fato gerador do tributo inadimplido, é excluído da sociedade antes de sua dissolução irregular, sob a alegação de que, como visto, o simples inadimplemento do tributo não configura hipótese disposta no artigo 135, inciso III, do CTN. Sob essas ponderações, o i. Procurador Parecerista sugere a modificação do artigo 2º e seu parágrafo único da precitada Portaria PGFN n.º 180/2010, para que o redirecionamento da execução fiscal requerido pelos Procuradores da Fazenda Nacional passe a ser guiado pela seguintes premissas, a saber: “(1) tanto para o sócio-gerente ou administrador da sociedade ao tempo da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, quanto para aquele que deu causa à sua dissolução irregular, quando comprovada que a saída daquele da sociedade é fraudulenta; (2) para o sócio-gerente ou administrador da sociedade ao tempo da dissolução irregular, sempre que configurada esta hipótese.” Embora ainda não haja alteração formal do dispositivo do ato infralegal, o Parecer em questão permanece válido e é seguido na PGFN, pois consta expressamente entre as hipóteses permissivas de dispensa de contestar ou recorrer por seus Procuradores, na lista “2.1”, entre temas julgados pelo STJ sob a forma do art. 543-C do Código de Processo Civil (CPC)[10]. Conclusão. Diante dos fundamentos ora expostos e sustentados, o estudo em tela defende a correção do atual posicionamento da jurisprudência acerca do tema da desconsideração da personalidade jurídica, notadamente quanto à dissolução irregular. Aliás, considero que, mais do que uma análise fria e objetiva do art. 135 do CTN, deve haver um estudo casuístico, para verificar se a dificuldade e a rigorosidade de comprovação de excesso de poderes e infração à lei não servem, em verdade, para salvaguardar interesses obscuros de gestores, os quais se valem ilicitamente do ordenamento jurídico, com suas falhas e lacunas, para prejudicar o alcance dos credores ao seu patrimônio e incorrer em fraude à lei. Há institutos para obstar essa prática, como a simulação, disciplinada na legislação civil, mas a constatação das peculiaridades da situação fática pelo juiz é imprescindível. Ainda, as provas da responsabilização do terceiro devem ser certamente exigidas dos interessados em “levantar o véu” ou o “escudo” da pessoa jurídica; porém essa comprovação não pode ser tão rigorosa a ponto de inviabilizar o interesse do credor lesado e favorecer os interesses do terceiro mal intencionado. De outra parte, defendo que não podem haver exageros e ilegalidades na procura desenfreada de bens, particularmente dos patrimônios dos sócios, sob pena de violação de conceitos básicos no direito societário e de se gerar um receio abusivo e infundado, não condizente com um Estado Democrático de Direito. Logo, é necessário que haja sim limites para ambas atuações (seja mais permissiva seja mais rígida) e se faça uma devida ponderação de valores e princípios, no caso concreto, o que exige do Administrador e do Juiz muita cautela e razoabilidade.
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Estudo do CTN e da atual orientação jurisprudencial sobre o tema da responsabilidade tributária de terceiros
O tema da responsabilidade jurídica tributária de terceiros, com disciplina constante dos artigos 134 e 135 do CTN, é um assunto muito abordado pela doutrina e pelo Poder Judiciário, ante a divergência na interpretação legal e as consequências que a aplicação da doutrina da disregard doctrine causa na prática, com a submissão do patrimônio pessoal do administrador responsável por débitos da pessoa jurídica. O estudo em tela analisará as hipóteses gerais da responsabilidade de terceiros por débitos tributários, as condicionantes e os limites para tanto e, por fim, exporá o entendimento atual dos Tribunais Superiores.
Direito Tributário
Introdução O estudo em comento pretende analisar o tema da responsabilidade de terceiros por débitos tributários com especial enfoque para as hipóteses legais e a hodierna orientação jurisprudencial sobre o assunto. Como já se pode adiantar, a matéria é controvertida e gera amplas discussões, sendo que muitos posicionamentos atuais são mais provenientes da hermenêutica de magistrados sobre o Código Tributário Nacional (CTN) do que propriamente derivam da letra fria da lei. Sob essas considerações, o artigo em tela pretende analisar as hipóteses gerais da responsabilidade de terceiros por débitos tributários, as condicionantes e os limites para tanto e, por fim, exporá o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, por se tratar de matéria legal, e, na medida do possível, mencionará julgados dos Tribunais Regionais Federais, para débitos federais. 1. Da responsabilidade tributária: noções gerais. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) instituiu, em oposição aos regimes então vigentes, um novo paradigma de Estado, o Estado Democrático de Direito, marcado pela importância de um amplo rol de direitos (de primeira, segunda e terceira gerações) e pelo destaque que confere à participação popular na tomada de decisões políticas, na definição de políticas públicas e na conferência de legitimidade ao governante. Nesse diapasão, a consequência do dever constitucional de tutelar mais direitos é que a atuação do Estado se torna mais onerosa e com custos consideráveis, os quais devem ser arcados por todos, no ideal constitucional do dever geral de solidariedade entre todos, conforme salientado em pesquisa promovida sobre o tema da “Desconsideração da personalidade jurídica”, objeto do “Projeto Pensando o Direito”, da “Série Pensando o Direito n.º 29/2010, em parceira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) com a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, sob coordenação academia dos Professores Dr. Paulo Caliendo e Fábio Siebeneichler de Andrade[1]. Para esse intento, o recurso mais fácil de que dispõe o Estado é a tributação. Porém, esse direito não é ilimitado ou arbitrário. Pelo contrário, esse dever-poder do Estado é cercado por diversas nuances e regras cogentes. Tais limitações estabelecem 3 (três) ordens de sentido[2], a saber: 1ª) servem como limite ao poder de tributar do Estado, 2ª) atuam como conjunto de normas de limitação de competência e, por fim, 3ª) contribuem para a realização do valor promoção e proteção dos direitos fundamentais. Nesse contexto, insere-se a responsabilidade tributária, tema que se destaca pelo binômio contribuinte-responsável, ou seja, aquele é o sujeito passivo direto e este, o sujeito passivo indireto. Em ambos os casos, a sujeição passiva depende de expressa previsão legal. No que tange à sujeição passiva tributária, dispõe o artigo 121, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN), que o contribuinte é o sujeito passivo direto, ou seja, o sujeito passivo da obrigação principal “quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Por outro lado, o responsável é definido pelo Código Tributário como o sujeito passivo indireto, ou o que “sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei” (inciso II do mesmo dispositivo legal). A presença do responsável como devedor da obrigação tributária traduz um fenômeno denominado de “modificação subjetiva no polo passivo da obrigação[3].” Numa primeira leitura, a terminologia adotada pelo CTN parece permitir a responsabilização de qualquer pessoa, independentemente de haver relação com o fato gerador. No entanto, mostra-se equivocado esse raciocínio. De fato, seria arbitrário o legislador entender como responsável pessoa totalmente alheia à situação definida como fato gerador do tributo. Daí porque o artigo 128 prevê a obrigatoriedade desse terceiro ser pessoa “vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação”, verbis: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. Isto é, depreende-se a intensidade do vínculo entre a obrigação tributária e o responsável, sem, é claro, configurar um elo pessoal e direto porque, se assim for, tratar-se-á de contribuinte, não de responsável. Frise-se, ainda, que a eleição desse terceiro como responsável decorre de razões de conveniência e necessidade. É por esse motivo também que é imprescindível haver expressa disposição legal para a responsabilidade tributária de terceiros, nos termos da legalidade geral estatuída no artigo 5º, inciso II, e da legalidade tributária, constante do artigo 145, inciso II, do texto constitucional, assim como dos artigos 97, inciso III, e 121, inciso II, do CTN, princípio da reserva legal segundo o qual ninguém é obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Logo, sem lei expressa, o terceiro não pode ser responsabilizado. Ricardo Lobo Torres usa critérios do Direito Civil para distinguir as figuras do contribuinte e do responsável[4]. Com efeito, para o tributarista, as diferenças fundamentais entre o contribuinte e o responsável são duas, quais sejam, 1) o contribuinte tem o débito (debitum, Schuld), que é o dever de prestação, e a responsabilidade (Haftung), isto é, a sujeição do seu patrimônio ao credor (obligatio); por outro lado, o responsável tem a responsabilidade (Haftung) exclusiva, solidária ou subsidiária, mas não o débito (Schuld), já que paga tributo por conta do contribuinte; 2) a posição do contribuinte nasce com o fato gerador da obrigação tributária e a do responsável surge com a realização do pressuposto previsto na lei que regula a responsabilidade, chamada pela doutrina alemã de “fato gerador da responsabilidade” (Haftungstatbestand). Nesse cenário, repise-se que a questão da desconsideração da personalidade jurídica também é condicionada pelas normas constitucionais que impõem limitações ao poder de o Estado tributar (vide artigo 150 da CF/88). Assim, a questão em exame merece ser estudada com a premissa de que a cobrança de tributos sempre deve ser limitada pela proteção constitucional aos direitos fundamentais do contribuinte[5]. 2. Da classificação da responsabilidade tributária. Em busca de uma classificação da responsabilidade tributária, sugere-se a adotada por Rubens Gomes de Souza, que foi um dos autores do CTN, com utilidade didática, e seguida também por Luciano Amaro, Ricardo Lobo Torres[6], Ricardo Alexandre[7] e Eduardo de Moras Sabbag[8], com algumas observações que ora se faz e serão abaixo melhor explicitadas[9]. Essa é, pois, a classificação sugerida: 1)  Responsabilidade por substituição: é bem definível e comum na prática legislativa. Nessa condição, a sujeição passiva nasce com o fato gerador, momento em que o responsável (substituto) passa a ocupar o lugar do contribuinte (substituído). Assim, o substituto fica no lugar do contribuinte, cuja responsabilidade fica afastada.  Subdivide-se em: 1.1) regressiva (“para trás” ou antecedente): Dá quando as pessoas ocupantes de posições anteriores nas cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições posteriores dessa relação, havendo, assim, postergação do pagamento; 1.2) progressiva (“para frente” ou subsequente): Nesse caso, os ocupantes de posições posteriores nas cadeias de produção e circulação são substituídos, no dever de pagar o tributo, por aquelas que se encontram nas posições anteriores; 2) Responsabilidade por transferência: ocorre após a ocorrência do fato gerador, de modo a excluir a responsabilidade do contribuinte ou atribuí-la sob caráter supletivo. No momento do fato gerador, figurava o contribuinte como sujeito passivo; porém, posteriormente, a ocorrência de um evento definido em lei causa a modificação subjetiva (dos sujeitos) na obrigação surgida, ou seja, a responsabilidade é transferida e, assim, surge a figura do devedor, nos termos da lei. Dessa forma, o responsável fica junto com o contribuinte, que conserva a responsabilidade em caráter supletivo[10]. Por oportuno, cumpre salientar que pode ocorrer de contribuinte para responsável ou de responsável para responsável, como nas hipóteses de responsabilidade por sucessão previstas no art. 131, incisos II e III, do CTN[11]. Pode ser dividida nas seguintes situações: 2.1) por solidariedade: prevista no artigo 135 do CTN; 2.2) por sucessão: artigos 129 a 133 do CTN. Não oferece maiores dificuldades. Pode ser solidária ou subsidiária[12]; 2.3) por responsabilidade[13] (ou mais corretamente, de terceiros[14] ou por subsidiariedade[15]: artigo 134 do CTN. 3. Da análise dos artigos 134 e 135 do CTN – hipótese legais e atual interpretação jurisprudencial. 3.1. Do artigo 134 do CTN: Estatui o artigo 134 do CTN: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.” A respeito, esclarece o jurista Eduardo de Moraes Sabbag[16]uma séria irregularidade técnica do dispositivo em estudo. Com efeito, Sabbag observa que a responsabilidade “solidária” mencionada no caput do artigo 134 do CTN não é solidária plena, mas sim subsidiária, uma vez que não se pode cobrar tanto de um como de outro devedor, havendo uma ordem de preferência a ser seguida. Isto é, em primeiro lugar, cobra-se do contribuinte; após, exige-se o gravame do responsável. Afasta-se, assim, sem grande esforço interpretativo, o contexto da “solidariedade”, pois esta não se coaduna com o benefício de ordem. Note-se que o equívoco terminológico do CTN é tão evidente que o próprio Código diz, no artigo 124, parágrafo único, que a solidariedade não comporta benefício de ordem, a despeito de ser algo óbvio. Além dessa importante nota, Eduardo de Moraes Sabbag esclarece que o artigo 134 do CTN trata de responsabilidade de terceiro com atuação regular[17]. É importante enfatizar que a eleição desse terceiro responsável também obedece a critérios, aliás como assim ocorre em matéria de responsabilidade tributária. No caso preciso do artigo 134 do CTN, a seleção desse terceiro não decorre apenas do vínculo decorrente da relação de tutela, curatela, inventariança, entre outros mencionados nos seus diversos incisos. De fato, o jurista Luciano Amaro nota que, para tanto, requer-se que esse terceiro tenha praticado algum ato (omissivo ou comissivo), posto que “sua responsabilidade se conecta com os atos em que tenha intervindo ou com as omissões pelas quais for responsável[18].” Para haver essa responsabilização, são necessários os seguintes requisitos, na lição de Ricardo Alexandre[19]: 1) impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte; e 2) ação ou omissão indevidas imputável à pessoa designada como responsável. O parágrafo único do artigo 134 do CTN limita a responsabilidade das pessoas elencadas nos incisos aos tributos e às multas moratórias, que são devidas em caso de mora no cumprimento da obrigação tributária. No que concerne às demais multas, definidas como punitivas ou de ofício, imputáveis em caso de prática de ato ilícito, o entendimento doutrinário é o de que o infrator fica sujeito à responsabilização pessoal, prevista nos artigos 136 a 138 do CTN[20]. 3.2. Do artigo 135 do CTN: Primeiramente, veja-se a redação do artigo 135 do CTN: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” A responsabilidade prevista no artigo 135 do CTN é pessoal, imediata, plena e exclusiva do terceiro, ou seja, respondem pelo débito tributário mandatários, prepostos, empregados, diretores ou gerentes e aqueles elencados nos incisos do artigo 134 quando agirem, na relação jurídico-tributária, com excesso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatuto. Por oportuno, mostra-se relevante salientar o posicionamento do jurista Eduardo de Moraes Sabbag[21] acerca do tema, mormente quando distingue basicamente os casos de responsabilidade tributária de terceiros tratados nos artigos 134 e 135 do CTN. Nesse diapasão, Sabbag entende que o artigo 135 prevê situações que ensejam responsabilidade pessoal, exclusiva e por substituição, bem como que versa sobre a responsabilidade de terceiro com atuação irregular. No entanto, mister observar que, no artigo 135 do CTN, não há benefício de ordem, já que a responsabilidade é solidária. Na verdade, o CTN apenas prevê a responsabilidade pessoal, pois não menciona responsabilidade única e exclusiva. Todavia, o entendimento jurisprudencial predominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o de que essa responsabilidade é sim solidária. A respeito, pode-se citar recente julgado da Corte, o AGA 201000306039, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, 30/04/2010. Sobremais, essa orientação está corroborada também pelo Parecer PGFN/CRJ/CAT n.º 55/2009, da lavra do Procurador da Fazenda Nacional Dr. Anselmo Henrique Cordeiro, que adota a tese jurídica de que a responsabilidade tratada no artigo 135, III, do CTN é solidária, porém, subjetiva, fato que demanda a demonstração fundamentada pela autoridade fiscal competente da existência de culpa (latu sensu – culpa ou dolo) dos responsáveis solidários. Note-se que, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, como é a do presente caso (responsabilidade com culpa), deve haver demonstração da conduta ilícita culposa, do dano e do nexo de causalidade entre a conduta e a ocorrência do dano, para que o agente responda pela integral reparação. Para Ricardo Lobo Torres o artigo 135 do CTN trata de hipóteses de responsabilidade solidária ab initio, posto que o responsável se coloca com o contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. Desse modo, a Fazenda credora pode dirigir a execução contra o contribuinte ou o responsável, a seu critério[22]. Nesse ponto, o jurista observa que o conceito de solidariedade no Direito Tributário coincide com o do Direito Civil, com algumas peculiaridades[23]. Nos termos do artigo 124, inciso I, do CTN, haverá solidariedade em matéria tributária quando mais de uma pessoa concorre na situação que constitui o fato gerador da obrigação principal; para o responsável, como visto, só se falará em responsabilidade se houver expressa previsão legal, com arrimo no artigo 124, inciso II, do CTN. Ratifique-se, ainda, que a solidariedade não comporta benefício de ordem, consoante estatui o artigo 124, parágrafo único, do CTN. O estudioso também destaca que a solidariedade se estende tanto à obrigação principal quanto aos deveres instrumentais. Ainda, observa que a solidariedade produz diversos efeitos, como o pagamento feito por um dos coobrigados aproveita aos demais, a isenção ou a remissão exonera todos os obrigados, exceto se outorgada pessoalmente a um deles, a interrupção da prescrição em favor de um destes ou contra os mesmos favorece ou prejudica os demais (artigo 125 do CTN), a decisão administrativa definitiva e a coisa julgada no processo tributário aproveitam a todos coobrigados, mesmo que proferida apenas em favor de um desses[24]. Por outro lado, Luciano Amaro não entende ser caso de responsabilidade subsidiária ou solidária, eis que defende ser apenas uma situação em que o terceiro responde, pessoalmente, já que não compartilha essa responsabilidade com o devedor “original” ou “natural”[25]. Nessa posição também se encontram Renato Lopes Becho e Regina Helena Costa[26]. De qualquer forma, o que se tem nos casos elencados nos artigos em comento é a situação do contribuinte que é vítima de atos abusivos, ilegais ou não autorizados, cometidos por seu representante, de modo que, a princípio, ele, como sujeito passivo direto, é afastado da relação obrigacional. Da leitura dos incisos do artigo 135 do CTN, tem-se que podem ser responsabilizados de forma pessoal e exclusiva as seguintes pessoas: – Inciso I) AQUELAS PREVISTAS NO ART. 134 DO CTN: como visto, a princípio, a responsabilidade é do tipo subsidiária, com observância do benefício de ordem. Todavia, a situação se transforma em caso de prática de ato ilício, ou seja, quando o responsável age com excesso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatuto, pois sua responsabilidade se torna pessoal; Pode ocorrer, contudo, que essa atuação, ainda que com excesso de poderes ou infração de norma legal, estatutária ou contratual, seja feita em benefício dos contribuintes discriminados no artigo 134 do CTN. Daí, segundo Eduardo de Moraes Sabbag[27], discute-se a possibilidade de haver uma responsabilidade solidária. Ou, em caso de mera culpa, aplica-se o artigo 134 do CTN, numa espécie de “solidariedade com benefício de ordem”; – Inciso II) MANDATÁRIOS, PREPOSTOS E EMPREGADOS: é comum quando tenham praticado diretamente o ato ilícito ou tolerado sua prática, com poderes para influir para sua não ocorrência. Deve haver prova do elemento anímico ou fraudulento. – Inciso III) DIRETORES, GERENTES OU REPRESENTANTES DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO: o redirecionamento apenas deve afetar o sócio que é diretor ou gerente da sociedade. A princípio, a desconsideração não pode atingir o simples sócio. De outra parte, o gerente ou diretor da pessoa jurídica pode ser responsabilizado mesmo sem ser sócio. As pessoas elencadas no artigo 135 do CTN têm o oneroso ônus de uma abrangente responsabilização, que inclui tributos, juros e todas multas devidas (não somente as moratórias)[28]. Destaque-se que o requisito básico para essa responsabilização é que o terceiro pratique ato para o qual não detinha poderes (excesso de poderes) ou ato que infrinja a lei, o contrato social ou o estatuto de uma sociedade (infração destes). Por outro lado, não havendo esse ato irregular, não se aplica o disposto no artigo 135 do CTN, mas pode se enquadrar em algumas das hipóteses delineadas no artigo 134 do CTN, para o qual basta a participação (por ação ou omissão) do terceiros para responsabilizá-lo subsidiariamente[29]. Ainda, é relevante frisar que, para haver sua responsabilização, é imprescindível que o ato cometido por esse terceiro seja totalmente dissonante das atribuições de gestão ou administração, de maneira que o representado ou administrado e o Fisco sejam vítimas dessa ilicitude. É de bom alvitre frisar outro requisito extremamente relevante para as hipóteses delineadas no artigo 135, inciso III, do CTN, qual seja, a contemporaneidade do fato gerador do tributo à gestão do responsável, ou seja, o entendimento jurisprudencial predominante na atualidade é no sentido de serem responsabilizados tão-somente os sócios responsáveis detentores de poderes de administração à época em que o fato gerador ocorreu. Por fim, há outra situação que enseja a responsabilidade pessoal mas não consta do artigo 135 do CTN. É a responsabilidade do funcionário público emissor de certidão negativa fraudulenta, prevista no artigo 208 do CTN, que age com dolo ou fraude. Caso assim haja, poderá sofrer tripla punição, nas esferas penal (crimes de prevaricação ou de corrupção passiva), fiscal e administrativa. Se incorrer em simples culpa, não cabe a responsabilidade pelo crédito tributário, mas poderá haver responsabilidade criminal ou disciplinar. Do caput do artigo 135 do CTN se deflui serem elementos cruciais da responsabilidade de terceiros: 3.2.1. Do excesso de poderes: Age em excesso de poderes o terceiro que atua por conta própria, mas além dos poderes que lhe foram outorgados pela lei, contrato ou estatuto. Trata-se, portanto, de uma ausência de poder, sem implicar afronta de disposição expressa do contrato ou estatuto. É um comportamento comissivo (ação), diferentemente daqueles previstos no artigo 134 do CTN. Logo, para provar a atuação excessiva do sócio será necessária avaliação do contrato, estatuto ou lei e sua comprovação, posto que nem sempre pode ser percebida pela simples leitura do artigo ou dispositivo. Nessas situações, o excesso de poderes do sócio-gerente restará caracterizado, por exemplo, quando participar de deliberação ou aprovar ato societário do qual estava limitado pelo contrato ou estatuto ou mesmo seja conduta ilícita. 3.2.2. Da infração à lei, contrato social ou estatuto: Nesses casos, o termo lei deve ser tomado em sentido amplo, como todo e qualquer enunciado prescritivo relacionado ao funcionamento e desenvolvimento das atividades da pessoa jurídica. É imprescindível que sejam cabalmente comprovados o dolo ou a fraude do terceiro. Trata-se de infração subjetiva e, como tal, dolo não se presume. Até o ano de 2000, a posição jurisprudencial dominante era a de que o mero inadimplemento já configurava infração à lei. Entretanto, a orientação doutrinária e pretoriana mudou há pouco tempo, conforme se constata da Súmula n.º 430 da Primeira Seção do STJ, a saber: “Súmula 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.” Portanto, a ofensa à lei que pode ensejar a responsabilidade do sócio nos termos do artigo 135, inciso III, do CTN, é a que tenha relação direta com a obrigação tributária objeto da execução. Como exemplos de infração à lei, pode-se citar os seguintes casos, colhidos da doutrina[30]e em pesquisas de alguns precedentes dos Tribunais Regionais Federais e do STJ: empregador que desconta o imposto de renda retido na fonte ou contribuições previdenciárias e não os recolhe ao Fisco (AGRESP 200601997654, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA: 02/06/2008 ..DTPB); a conduta praticada pelos sócios-gerentes que retiveram contribuições previdenciária dos salários dos empregados da empresa executada (art. 20 da Lei n.º 8.212/91), mas não as repassaram ao INSS (RESP 200702150466, JOSÉ DELGADO, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/03/2008 ..DTPB); transporte de notas fiscais falsificadas (AC 00155159520014039999, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/04/2010 PÁGINA: 509 ..FONTE_REPUBLICACAO:.); a emissão de nota fiscal subfaturada ou notas falsas ou popularmente ditas como “frias”; a ocultação ou alienação de bens e direitos da pessoa jurídica, com o fim de obstar ou dificultar a cobrança do crédito tributário; o contrabando e o descaminho; o aproveitamento de crédito fiscal indevido, entre outros. Frise-se, por oportuno, que os atos elencados no artigo 135 não são ilícitos necessariamente, mas sim decorrem da extrapolação de limites legais, estatutários ou contratuais, eis que decorrentes da ausência de legitimação ou competência específica para prática dessas atitudes. Isso porque, caso haja ilicitude, a responsabilidade será pessoal, nos termos da responsabilidade por infrações, disciplinada nos artigos 136 a 138 do CTN, que, em verdade, ao se tratar de outra impropriedade terminológica do CTN, enseja a multa devida por aquele que cometeu a infração, na condição de “contribuinte”. De qualquer forma, a responsabilização prevista no artigo 135 do CTN é excepcional, e, assim, para configurá-la, o exequente ou credor devem comprovar o ato que implicou excesso de poderes ou violação da lei, estatuto ou contrato social. É preciso provar os elementos que permitem o redirecionamento, no entendimento dos Tribunais Superiores (para tanto, citem-se alguns interessantes julgados: AGRESP 200400067603, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ – TERCEIRA TURMA, 17/02/2011 e RESP 200700452625, NANCY ANDRIGHI, STJ – TERCEIRA TURMA, 03/08/2010). Afinal, para se desvendar se houve ou não ilicitude das pessoas elencadas no dispositivo exige-se o exercício irrestrito do contraditório e da ampla defesa, ou seja, a observância do devido processo legal[31]. Nada obstante, a jurisprudência atual do STJ[32] aborda duas situações diversas que, de certa maneira, relativizam essa excepcionalidade, quais sejam: 1) quando a execução fiscal é ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, é requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente: o litisconsórcio entre os envolvidos é do tipo ulterior ou superveniente. Nesse caso, o Fisco tem o ônus da prova da ocorrência de alguns dos requisitos do artigo 135 do CTN; ou 2) se o nome do sócio-gerente já figurar na Certidão de Dívida Ativa (CDA): como corresponsável tributário, cabe a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do artigo 135 do CTN, independentemente se a ação executiva foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza[33]. Afinal, desde a fase administrativa já constam quem são os responsáveis. Na composição subjetiva da execução fiscal, podem ser mencionados o contribuinte e o terceiro responsável, como um litisconsórcio do tipo inicial. Na mesma linha, são os seguintes precedentes do STJ: AGARESP 201200909949, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:18/12/2012 ..DTPB; AGRESP 201001025815, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:22/02/2011 ..DTPB; AGRESP 200900581812, CASTRO MEIRA, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB; RESP 201000321007, ELIANA CALMON, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:14/12/2010 RDDT VOL.:00186 PG:00167 ..DTPB: E o mesmo se dá com os Tribunais Regionais Federais: AC 199838000204436, JUIZ FEDERAL ITELMAR RAYDAN EVANGELISTA, TRF1 – 6ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:26/06/2013 PAGINA:367; AC 200351015008306, Desembargadora Federal GERALDINE PINTO VITAL DE CASTRO, TRF2 – TERCEIRA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data::18/04/2013; AI 00295486520114030000, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 – QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/07/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; APELREEX 200771990067610, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 – PRIMEIRA TURMA, D.E. 18/12/2012; AG 00038408520134050000, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data::04/07/2013 – Página::213. Para finalizar esse item, em harmonia com esse entendimento exposto, o STJ também consignou em recurso especial representativo de controvérsia (RESP 200802743578) a orientação de que, caso o sócio cujo nome conste da CDA e, assim, esteja incluído no polo passivo da lide executiva, queira impugnar essas ocorrências, deve fazer o manejo dos embargos à execução, na forma prevista na Lei de Execuções Fiscais, por ser o meio adequado para o exercício da ampla defesa e do contraditório e prever dilação probatória. A Corte da Cidadania tem a orientação de que a objeção de pré-executividade não se mostra em instrumento inadequado para tanto, eis que só cabe em situações muito excepcionais, em matérias cognoscíveis, inclusive, de ofício pelo magistrado (vide RESP 200900162098, TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:04/05/2009 RSSTJ VOL.:00036 PG:00425 ..DTPB; (AGARESP 201201831362, BENEDITO GONÇALVES, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:07/12/2012 ..DTPB; AGRESP 201103046052, HERMAN BENJAMIN, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:01/08/2012 ..DTPB). 3.2.3. Da dissolução irregular: A dissolução irregular já é há muito tempo fundamento usado para as Procuradorias das Fazendas buscarem a ruptura do manto da personalidade jurídica, quando usada de forma maliciosa para esconder fraudes, e, assim, excepcionalmente, justificar a invasão da esfera patrimonial dos sócios. Embora prevista como outra hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, em verdade a dissolução irregular, ou seja, a extinção da pessoa jurídica sem deixar patrimônio suficiente para quitar as dívidas societárias e sem baixa perante os órgãos oficiais, configura verdadeira infração à lei, posto que configura nítida hipótese de violação de leis tributárias e não tributárias. De outra parte, ainda que assim não se entendesse, a dissolução irregular enseja a responsabilização das pessoas elencadas no CTN em decorrência dos princípios e valores que já norteiam o Estado Brasileiro, como o princípio da justiça e a vedação do locupletamento ilícito, numa ponderação de valores a favor da racionalidade. A Portaria PGFN n.º 180, de 25 de fevereiro de 2010[34] insere a dissolução irregular como motivo infralegal para o redirecionamento, verbis: “Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: (Redação dada pela Portaria PGFN nº 904, de 3 de agosto de 2010) I – excesso de poderes; II – infração à lei; III – infração ao contrato social ou estatuto; IV – dissolução irregular da pessoa jurídica. Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários.” Logo, quando a empresa deixa de funcionar sem prestar qualquer informação aos órgãos adequados, presume-se a dissolução irregular. Esse entendimento era adotado pelo STJ (vide VAGRESP 201202156167, MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/05/2013 ..DTPB; AERESP 201202354810, BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:21/03/2013 ..DTPB;) e consta hoje da Sumula n.º 435, verbis: “Súmula n. 435 (STJ): Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.” Na mesma linha são: AC 200650010095832, Desembargador Federal RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA, TRF2 – QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data: 24/05/2013; AI 00066101320104030000, JUIZ CONVOCADO HERBERT DE BRUYN, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AI 00016198620134030000, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AG 00062063420124050000, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 – Terceira Turma, DJE – Data::11/12/2012 – Página::329. Destarte, a previsão de redirecionamento em caso de extinção irregular da empresa, ainda que continue não inserida formalmente no CTN, está sumulada pelo STJ e é pacífica na doutrina, não havendo dúvidas sobre sua possibilidade nos dias atuais. Conclusão. Do exposto, é possível se concluir que a doutrina e a orientação jurisprudencial em matéria de responsabilidade tributária de terceiros atuam com bastante cautela em face dos ditames constitucionais e legais e são de grande valia, já que se destinam a suprir as deficiências terminológicas ou as omissões legais, além de buscam sopesar princípios e valores aparentemente contraditórios. Aliás, o entendimento sobre o tema que se tem na atualidade é o de que não basta uma análise fria e objetiva dos artigos 134 e 135 do CTN, eis que deve haver um estudo casuístico, para verificar se a dificuldade e a rigorosidade de comprovação de excesso de poderes e infração à lei não servem, em verdade, para salvaguardar interesses obscuros de gestores, os quais se valem ilicitamente do ordenamento jurídico, com suas falhas e lacunas, e da “blindagem” da pessoa jurídica, para prejudicar o alcance dos credores ao seu patrimônio e incorrer em fraude à lei. De outra parte, é certo também que os princípios superiores que norteiam um Estado Democrático de Direito não podem coadunar com exageros e ilegalidades na procura desenfreada de bens, particularmente dos patrimônios dos sócios, sob pena de violação de conceitos básicos no direito societário e de se gerar um receio abusivo e infundado. Logo, é necessário que haja sim limites para ambas atuações (seja mais permissiva seja mais rígida) e se faça uma devida ponderação de valores e princípios, no caso concreto, o que exige do Administrador e do Juiz muita cautela e razoabilidade.
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Direitos fundamentais e tributação: os limites constitucionais ao poder estatal de tributar e o princípio do não-confisco
O presente trabalho tem como objetivo analisar a relação existente entre os Direitos Fundamentais e a tributação. Será feita uma explanação geral sobre as limitações ao poder de tributar do Estado, abordando tangencialmente os princípios constitucionais tributário e as imunidades tributárias. Ao final será feita uma abordagem mais detalhada do princípio do não-confisco, que é uma limitação negativa ao poder de tributar imposta ao Estado pelo poder constituinte originário e é também um Direito Fundamental do Contribuinte protegido por cláusula pétrea implícita. Abordaremos, também a diferença entre a multa tributária o e confisco.
Direito Tributário
1- INTRODUÇÃO É inegável que o Estado necessita arrecadar recursos financeiros para sustentar suas atividades, assim como garantir a satisfação do interesse público como sua finalidade precípua, através da imposição de tributos às pessoas que integram a sociedade. Entretanto o pode de tributar do Estado, que é irrenunciável e indelegável, não é absoluto, pois a própria Constituição Federal impões certos limites por meio dos princípios constitucionais tributário e imunidades tributárias. 2- A ATIVIDADE ESTATAL DE ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS Inicialmente, faz-se necessário tecer alguns comentário acerca da atividade arrecadatória do Estado, ou seja, sobre a atividade financeira do Estado. Tal atividade pode ser definida, como “o conjunto de ações do Estado para a obtenção de receitas e realização dos gastos para o atendimento das necessidades públicas[1]”.  É cediço, que os objetivos políticos, sociais econômicos de um Estado só podem ser realizados mediante o ingresso de receitas públicas, isto é, pela arrecadação de tributos (impostos, taxas, contribuições, empréstimos compulsórios e contribuições de melhoria), que constituem o principal item da receita, mas não o único[2]. Segundo Alberto Deodato, a atividade financeira do Estado “é a procura de meios para satisfazer às necessidades públicas[3]”, no mesmo sentido é o entendimento de Aliomar Baleeiro que afirma que “a atividade financeira consiste em obter, criar, gerir e despender o dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito público[4]”. Neste contexto, é importante fazer a distinção entre ingresso e receita pública. Em linhas gerais, entende-se que qualquer entrada de dinheiro nos cofres públicos, pode-se chamar de entrada ou ingresso[5]. Entretanto, somente a denominação receita pública ao ingresso que se faça de modo permanente ao patrimônio estatal, de modo que não esteja sujeito à condição devolutiva[6]. Em outros termos, conceitua-se receita pública como “a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo[7]”. A título de classificação, pode-se classificar as receitas, quanto ao objeto da invasão patrimonial em receitas extraordinárias (ocorrida em hipótese de anormalidade ou excepcionalidade e possuem caráter temporário, irregular e contingente) e receitas ordinárias (ocorridas com regularidade e periodicidade, possuindo caráter de previsibilidade orçamentária)[8]. Por seu turno as receitas ordinárias se dividem em receitas derivadas e receitas originárias. Eduardo Sabbag ensina que: “quanto às receitas derivadas, o Estado, de modo vinculado (art. 5º, II, CF), e valendo-se do seu poder de império, na execução de atividades que lhe são típicas, fará derivar para os seus cofres uma parcela do patrimônio das pessoas sujeitas à sua jurisdição[9]”. Por outro lado, as receitas originárias, de uma forma geral, são oriundas da “exploração estatal de seus bens e empresas comerciais ou indústrias, à semelhança de particulares, nas atividades de locação, administração ou alienação[10].” Portanto, é de se concluir que a atividade financeira do Estado de arrecadação de tributos está vinculada à realização de três necessidades públicas inseridas na ordem jurídica-constitucional, são elas: prestação de serviços públicos, exercício regular do poder de polícia e a intervenção no domínio econômico[11].   3 – DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO Conforme visto no tópico anterior, Estado precisa de receita para desenvolver as atividades relacionadas ao bem comum da coletividade. Entretanto, para desempenhar tal atividade o Estado deve respeitar os preceitos relacionados aos Direitos Fundamentais inseridos no texto constitucional. Pode-se conceituar direitos fundamentais como sendo aqueles direitos “Público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidas em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual”[12].  Depreendem-se, assim, alguns elementos básicos desta relação, tais como: os sujeitos da relação, isto é, pessoa e Estado; a finalidade destes direitos, ou seja, a limitação do poder estatal para preservar a liberdade individual e; sua posição no sistema jurídico, apresentada pela supremacia constitucional[13]. Em relação ao tema Ingo Wolfgang Sarlet ensina que: “Os direitos fundamentais podem ser conceituados como aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, pelo seu objeto e significado, possam lhes ser equiparados, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui consideramos a abertura material consagrada no art. 5º, § 2º, da CF, que prevê o reconhecimento de direitos fundamentais implícitos, decorrentes do regime e dos princípios da Constituição, bem como direitos expressamente positivados em tratados internacionais)”[14]. Desta forma, para que os direitos dos cidadãos sejam respeitados no âmbito tributário, é imprescindível que o sistema tributário nacional esteja em conformidade com os ditames constitucionais. Em outros termos, qualquer disposição normativa para ser válida precisa está de em harmonia com a Constituição Federal, uma vez que os preceitos advindos das normas da Carta Magna são obrigatórios não apenas para as pessoas físicas e jurídicas, mas também para o próprio Estado, de modo que a não observância da Constituição frente à criação de uma norma inferior é considerada inconstitucional[15]. Diante da linha de raciocínio apresentada, infere-se que a arrecadação estatal não poderá representar a perda de algum direito fundamental, não podendo haver, assim, um antagonismo entre a necessidade de arrecadação do estado e os direitos fundamentais constitucionais do cidadão. 4 – O PODER ESTATAL DE TRIBUTAR Nos Estados modernos, o poder de tributar é oriundo do Exercício da soberania Estatal dentro de um território delimitado e exercido sobre uma população, de forma que o poder de tributar compete às pessoas jurídicas de direito publico, os entes políticos[16], tendo em vista que os artigos 145 que garante a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios o poder de instituir tributos e o art. 150 que delimita o poder de tributar da União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios[17]. 5 – LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO Os tributos são criados de acordo com a competência tributária que a Constituição Federal atribui à União, Estados, Distrito Federal e Município, de modo que é estabelecido parâmetros que tutelam os valores que ela considera relevantes, tais como os direitos e garantias individuais. Sabe-se, assim, que o poder de tributar do Estado não pode ser ilimitado para que não haja violação dos direitos humanos e fundamentais, por isto que a ordem constitucional impões certos limites ao Estado para a realização de tal atividade[18]. Limitações ao poder de tributar é o conjunto dos princípios e normas que disciplinam os balizamentos da competência tributária[19]. Neste prisma, limitação ao poder de tributar consiste em instrumentos que limitam a competência tributária do fisco, isto é, a delimitação do poder tributário do Estado de criar e arrecadar tributos[20]. Os limites ao poder de tributar, ou seja, o exercício da competência tributária desdobra-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades. Diante dos princípios e das demais normas constantes do texto constitucional, pode-se afirmar que são duas as principais características do sistema tributário: I) a rigidez, isto é, a Constituição não fornece ao legislador ordinário a liberdade para desenhar-lhe qualquer traço fundamental, uma vez que ela própria determina o campo de cada uma dessas pessoas dotadas de competência tributária; II) exaustão e complexidade, onde a Constituição estabelece todos os contornos do sistema, pouco relegando à legislação ordinária[21]. Na mesma linha de pensamento Eduardo Sabbag aduz que: “A Constituição Federal impõe limites ao poder de tributar, ou seja, limites à invasão patrimonial tendente à percepção estatal do tributo. Essas limitações advêm, basicamente, dos princípios e das imunidades constitucionais tributárias estão inseridas nos arts. 150, 151, e 152 da Carta Magna”[22]. É de se salientar ainda que o Estado não pode agir na seara tributária sem respeitar o contribuinte, de modo a reduzi-lhe a dignidade, a individualidade e a privacidade. O governo não pode, portanto, sob a justificativa da arrecadação violar a Constitucional, isto é, violar os princípios constitucionais, que são os instrumentos dos Direitos Humano. A título exemplificativo, faz-se necessário tecer alguns comentários perfunctórios acerca de alguns princípios constitucionais tributário e imunidades tributárias, antes de adentrarmos no princípio do não confisco, o objeto do presente trabalho. 5.1 – Dos Princípios Constitucionais Tributários Antes de iniciar a conceituação dos princípios é importante definir o que se entende por princípio. Neste ponto, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo. No que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”[23]. Passemos a análise dos princípios constitucionais tributários. a) Legalidade Este princípio está disciplinado no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, que dispõe que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Este princípio geral se irradia sobre todos os ramos do direito. Neste dispositivo, contido no rol dos direitos individuais, encontra-se  formulado o conceito da liberdade, de forma  mais ampla possível, ou seja, consiste no poder de fazer tudo o que não ofende a outrem. Estes limites não podem ser estabelecidos senão pela lei[24]. Em direito tributário o princíio em questão deve ser incondicionalmente obeservado, por se trata de questão relacionada à segurança jurídica do contribuinte, que não pode ser surpreendido pela cobrança de um tributo não instituído e/ou majorado por lei, sem prejuízo das demais garantias que lhe foram dadas pela Magna Carta, sendo previsto no artigo 150, inciso I da Carta Magna ao estabelecer que “sem prejuizos de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributoo sem lei que o estabeleça”. Desta maneira, em regra, os tributos só podem ser criados e/ou majorados por meio de lei ordinária, salvadas as hipóteses que a própria Carta da República determina quando o tributo é criado e/ou majorado por lei complementar (empréstimos compulsórios, aos impostos residuais da união e às contribuições sociais previstas no artigo 195, §4ª da Constituição Federal. Não só os tributos que devem ser criados e/ou majorados por lei ordinária, mas também suas penalidades, conforme determinada artigo 97, incisos V e VI primeira parte do Código Tributário Nacional, bem como as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários artigo 97, segunda parte do mesmo diploma legal[25]. b) Igualdade Tributária Está previsto no art. 150, II da Constituição Federal, que veda que seja instituído “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. Trata, portanto, de reiteração da cláusula pétrea consagrada no caput do art. 5°, que proclama que “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza[26].” c) Anterioridade De acordo com o princípio da anterioridade, nenhum tributo será cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu e/ou aumentou, conforme assegura o artigo 150, inciso III, alínea “b” da Carta da República. Tal princípio exige, evidentemente, que a lei que cria ou majora um tributo só venha a incidir sobre fatos ocorridos no exercício financeiro subsequente ao de sua entrada em vigor. Visa evitar surpresas para o contribuinte, com a instituição ou a majoração de tributos no curso do exercício financeiro. Graças a este princípio, os destinatários da lei tributária (fisco e contribuintes), conhecendo-a, podem preparar-se para bem cumpri-la[27]. d) Irretroatividade O art. 150, inciso III, alínea “a” da Constituição elenca o princípio da irretroatividade, de seguinte forma: “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.” Tal princípio, portanto, complementa o pensamento relativo ao princípio da anterioridade, devendo haver uma análise conjugada dos dispositivos, da qual não pode ocorrer outra conclusão que não a de que a lei que cria ou eleva tributos não pode retroagir para atingir fatos imponíveis ocorridos antes de sua vigência[28]. e) Capacidade Contributiva De acordo com o § 1° do art. 145, “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Nesse particular, importa assinalar que o princípio da capacidade contributiva se limita aos impostos, não tendo abrangência quanto às demais espécies tributárias[29]. Em outras palavras “cada um deve concorrer para com as despesas públicas consoante suas posses e disponibilidades econômicas[30].” 5.2 – Das Imunidades Tributárias É uma forma de não-incidência tributária, por força de disposições constitucionais. Os casos previstos na Constituição são: imunidade recíproca entre as várias unidades políticas – União, Estados e Municípios (art. 150, VI); de templos de qualquer culto (art. 150, VI, b); partidos políticos, livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão (art. 150, VI, c e d)[31]. 6 – O PRINCÍPIO DO NÃO-CONFISCO Conforme dito anteriormente, a atividade tributária é extremamente importante na vida sócio-econômica do Estado, pois é a arrecadação de tributos que irá auxiliar no suporte e no custeio das despesas públicas dos entes federados, representando, assim, meio fundamental para o próprio desenvolvimento e manutenção da nação, quanto viabilizar o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo[32]. Entretanto, para que sejam respeitados as garantias e os direitos reconhecidos ao cidadão pela atual Carta Política, faz-se necessário que tal atividade não se faça de maneira exagerada, excessiva e predatória, de modo que não configure uma atividade confiscatória[33]. Pode-de definir confisco como “o ato de apreender a propriedade em prol do Fisco, sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer compensação em troca. Por isso, o confisco apresenta o caráter de penalização, resultante da prática de algum ato contrário à lei[34]”. Mais especificamente no âmbito tributário, pode-se dizer que o confisco é “quando o Estado toma de um indivíduo ou de uma classe além do que lhes dá em troco, verifica-se o desvirtuamento do imposto em confisco[35]”. É importante neste ponto do trabalho, mencionar que multa não se confunde com confisco, pois a multa constitui “a reação do direito ao comportamento devido que não tenha sido realizado. Trata-se de uma penalidade cobrada pelo descumprimento de uma obrigação tributária, possuindo nítido caráter punitivo ou sancionador[36]”. Neste sentido, a multa decorre do pode penal do Estado, tendo como principal objetivo resguardar e assegurar a validade da ordem jurídica[37]. A Constituição Federal prevê em seu artigo 150, inciso IV, o Princípio do Não-Confisco Tributário, assim disposto: “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]; IV – Utilizar tributo com efeito de confisco.” Roque Carrazza afirma que o princípio da não-confiscatoriedade é um limitador do direito que as pessoas políticas têm de expropriar bens privados. A graduação dos impostos deve ser feita de modo a não incidir sobre as fontes produtoras de riquezas ao ponto de secá-las, atingindo a consistência originária das suas fontes de ganho[38]. Luciano Amaro por seu turno ensina que a transferência da riqueza do contribuinte para o Estado é legítima e não confiscatória até determinado ponto a partir do qual o Estado começa a anular a riqueza privada. Não se trata de um preceito matemático, contudo é um critério informador da atividade do legislador e do Judiciário no sentido de que, tendo em vista o caso concreto, possa ser verificado se determinado tributo invade ou não o território do confisco[39]. Desta forma, pode-se afirmar que o princípio do não-confisco é uma restrição estatal com a finalidade de não permitir que a instituição de tributos não possa ir tão longe a ponto de aniquilar os direitos de liberdade[40]. Não obstante o que foi dito, não há um consenso em relação à idéia de quando o um tributo passa a ter caráter confiscatório, nem a doutrina é pacífica, nem a jurisprudência é uníssona[41]. O que é certo é que o princípio da vedação do confisco tem como destinatários o legislador infraconstitucional que deve obedecer este princípio quando da instituição e do aumento de tributos, assim como o Judiciário, que deve utilizá-lo como parâmetro para decidir quanto ao caráter confiscatório de um tributo[42]. 7- CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, em virtude da imposição Constitucional dos Direitos Fundamentais, não há de se tolerar a excessiva tributação a ponto da mesma apresentar caráter confiscatório, de forma que o legislador não pode olvidar que existem certos direitos decorrentes da sua natureza humana, sendo importante que o ordenamento jurídico tutele os recursos necessários para uma vida digna do contribuinte.
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Da certeza, liquidez e exigibilidade da certidão de dívida ativa
A certidão de dívida ativa goza dos requisitos de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, por força de lei (art. 204 do CTN e art. 3º da Lei n.º 6.830/80). Tais requisitos justificam-se, na medida em a atividade administrativa tributária rege-se, dentre outros, pelo Princípio da Legalidade. E, como os atos administrativos em geral, reveste-se de presunção de veracidade e legitimidade. Tem-se que a inscrição em dívida ativa é qualificada como ato de controle de legalidade. Mais importante que o assentamento, é a apuração da liquidez e certeza da dívida. Neste sentido, é feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do título executivo a ser formado. Presunção relativa, é certo; contudo, é do devedor o ônus de produzir a prova inequívoca que elida essa presunção.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A inscrição em dívida ativa é qualificada como ato de controle administrativo da legalidade, conforme art. 2º, parágrafo 3º, da Lei 6830 de 1985. É feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do titulo a ser formado. Ao final é expedida a certidão de dívida ativa, que consiste em um título executivo extrajudicial. Aqui reside importante característica do direito fiscal, já que a Fazenda Pública goza do privilégio de criar seus próprios títulos executivos. Os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou seja, a presunção de que nasceram em conformidade com as devidas normas legais. Essa característica deflui da própria natureza do ato administrativo e encontra-se presente na certidão de dívida ativa. Deve ser ressaltado que a importância do ato de apuração e de inscrição em dívida ativa é tão grande que o art. 204 do CTN e o art. 3º da LEF conferem à dívida regularmente inscrita a presunção relativa de liquidez e certeza, dando-lhe efeito de prova pré-constituída, somente ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito ou de terceiro a quem aproveite. Ademais, tem-se que é após a inscrição que a dívida torna-se idônea a ser cobrada por ação de execução fiscal, sendo a certidão de dívida ativa o título executivo utilizado na cobrança judicial (art. 585, VII, do CPC). 1. DA INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA A inscrição em dívida ativa consiste em ato de controle da legalidade e da regularidade, através do qual um débito vencido e não pago, é cadastrado para controle e cobrança da dívida ativa, segundo preceitua o parágrafo 3º do art. 2º da Lei 6.830, embora na prática se verifique que as inscrições são feitas de maneira eletrônica. Confira-se “Em termos pragmáticos, inscrever em dívida ativa é incluir um devedor num cadastro em que estão aqueles que não adimpliram suas obrigações no prazo. Na esfera federal, a “repartição administrativa competente” para a inscrição em dívida ativa é a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão do Ministério da Fazenda. Nos âmbitos estaduais e municipais, a regra é que a competência seja das respectivas procuradorias judiciais. Em virtude de a inscrição, via de regra, ficar a cargo de um órgão de representação judicial, alguns autores enxergam no ato de inscrição um importante mecanismo de controle de legalidade de todo o procedimento administrativo que se iniciou logo após o fato gerador e culminou com o encaminhamento para inscrição em dívida ativa, pois se trata da primeira vez em que a matéria será submetida a alguém necessariamente graduado em direito (o procurador da fazenda ou cargo equivalente.) (…) No ato de inscrição, a Fazenda Pública unilateralmente declara que alguém deve e elabora um documento que dá presunção de liquidez e certeza da existência de tal débito. Trata-se de mais uma manifestação da presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, atributo presente em todos os atos administrativos, inclusive o de inscrição de débito em dívida ativa. (…) A inscrição é feita por intermédio da lavratura de um termo no livro da dívida ativa. Hoje em dia, o livro é virtual (eletrônico), mas não se pode dizer que o mesmo não exista.”[1] Poderão ser inscritos em dívida ativa os débitos de natureza tributária e não tributária. Na esfera federal, verifica-se que a PGFN é o órgão responsável para efetuar o exame de legalidade, regularidade, certeza e liquidez do débito. Após a inscrição em dívida ativa o débito passa a gozar da presunção de liquidez e certeza, que somente poderá ser afastada por meio de prova inequívoca em sentido contrário. Tem-se que o ato de inscrição consiste em inserir no Sistema Informatizado da Dívida da União os dados de identificação do devedor, o valor do débito, a data do vencimento, o modo de calcular os juros de mora, com perfeita determinação do código da obrigação inadimplida, dentre outros. É preciso destacar que não se deve confundir a constituição do crédito com a sua inscrição em divida ativa. A inscrição em dívida ativa pressupõe a existência de crédito devidamente constituído e que esteja em aberto. Desta forma, o processo administrativo ao ser encaminhado à Procuradoria da Fazenda Nacional é objeto de controle prévio da legalidade do procedimento. Considerando que a inscrição em dívida ativa é qualificada como ato de controle de legalidade, mais importante que o assentamento, é a apuração da liquidez e certeza da dívida. Neste sentido, é feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do título executivo a ser formado. Segundo Paulo de Barros Carvalho: “Esgotados os trâmites administrativos, pela inexistência de recursos procedimentais e judicial que suspenda a exigibilidade do crédito tributário, chegou a hora de a Fazenda Pública praticar quem sabe o mais importante ato de controle de legalidade sobre a constituição de seu crédito: o ato de apuração e de inscrição do débito no livro de registro da dívida pública. Sempre vimos o exercício de tal atividade revestido da mais elevada importância jurídica. É o ato de controle de legalidade, efetuado sobre o crédito tributário já constituído, que se realiza pela apreciação crítica de profissionais obrigatoriamente especializados: os procuradores da Fazenda. Além disso, é a derradeira oportunidade que a Administração tem de rever os requisitos jurídico-legais dos atos praticados. Não pode modificá-los, é certo, porém tem meios de evitar que não prossigam créditos inconsistentes, penetrados de ilegitimidades substanciais ou formais que, fatalmente, serão fulminadas pela manifestação jurisdicional que se avizinha”.[2] Estando em termos o procedimento administrativo, o Procurador da Fazenda Nacional profere despacho determinando a inscrição em dívida ativa da União. Deve ser ressaltado que a importância do ato de apuração e de inscrição em dívida ativa é tão grande que o art. 204 do CTN e o art. 3º da LEF conferem à dívida regularmente inscrita a presunção relativa de liquidez e certeza, dando-lhe efeito de prova pré-constituída, somente ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito ou de terceiro a quem aproveite. Ademais, tem-se que é após a inscrição que a dívida torna-se idônea a ser cobrada por ação de execução fiscal, sendo a certidão de dívida ativa o título executivo utilizado na cobrança judicial (art. 585, VII, do CPC). Eis o teor das normas em comento: “Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.  Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite. Art. 3º – A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez.  Parágrafo Único – A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.” Decorrido o prazo para pagamento administrativo, se o devedor permanece inerte, o sistema informatizado da dívida ativa da União expede a Certidão de Dívida Ativa, que acompanhada da petição inicial, será distribuída para cobrança judicial, conforme procedimento descrito na lei 6830/80. 2. DA LIQUIDEZ, CERTEZA, EXIGIGIBILIDADE DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – DECORRÊNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. Conforme acima exposto, a certidão de dívida ativa goza dos requisitos de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade. Tais requisitos justificam-se, na medida em a atividade administrativa tributária rege-se, dentre outros, pelo Princípio da Legalidade. E, como os atos administrativos em geral, reveste-se de presunção de veracidade e legitimidade. No ato de inscrição, é feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do titulo a ser formado. De acordo com o princípio da legalidade a atividade da Administração fica adstrita à lei. Assim, toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Este princípio implica subordinação completa do administrador à lei. Os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou seja, a presunção de que nasceram em conformidade com as devidas normas legais. Essa característica deflui da própria natureza do ato administrativo e encontra-se presente na certidão de dívida ativa. A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei. Referida presunção encontra seu fundamento na presunção de validade que acompanha todos os atos estatais, princípio em que se baseia, por sua vez, o dever do administrado de cumprir o ato administrativo. Assim é que a Certidão de Dívida Ativa goza da presunção de certeza e liquidez, cabendo ao devedor o ônus para infirmar tal presunção. O princípio da legalidade nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais, já que a lei ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade. Aqui se enquadra aquela máxima de que, na relação administrativa, a vontade da Administração é que decorre da lei. Segundo Maria Silvia Zanella Di Pietro: “Na realidade, essa prerrogativa, como todas as demais dos órgãos estatais são inerentes à idéia de “poder” como um dos elementos integrantes do conceito de Estado, e sem o qual este não assumiria a sua posição de supremacia sobre o particular.”[3] E ainda assevera: “Diversos são os fundamentos que os autores indicam para justificar esse atributo do ato administrativo: 1. O procedimento e as formalidades que precedem a sua edição, os quais constituem garantia de observância da lei; 2. O fato de ser uma das formas de expressão da soberania do Estado, de modo que a autoridade que pratica o ato o faz com o consentimento de todos; 3. A necessidade de assegurar celeridade no cumprimento dos atos administrativos, já que eles têm por fim atender ao interesse público, sempre predominante sobre o particular; 4. O controle a que se sujeita o ato, quer pela própria Administração , quer pelos demais Poderes do Estado, sempre com a finalidade de garantir a legalidade; 5. A sujeição da Administração ao princípio da legalidade, o que faz presumir que todos os seus atos tenham sido praticados de conformidade com a lei, já que cabe ao poder público a sua tutela.”[4] De acordo com o referido princípio, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. Segundo o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, “ ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Em decorrência deste princípio, tem-se que a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei. Assim pondera Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “A observância do referido preceito constitucional é garantida por meio de outro direito assegurado pelo mesmo dispositivo, em seu inciso XXXV, em decorrência do qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão”, ainda que a mesma decorra de ato da Administração. E a Constituição ainda prevê outros remédios específicos contra a ilegalidade administrativa, como a ação popular, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança e o mandado de injunção; tudo isso sem falar no controle pelo Legislativo, diretamente ou com auxílio do Tribunal de Contas, e no controle pela própria Administração”[5]. Diferentemente, já no âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Desta forma, é que a certidão de dívida ativa, na qualidade de ato administrativo, goza de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, que só poderá ser afastada mediante prova inequívoca a ser produzida pelo devedor. 3. PRESUNÇÃO RELATIVA x PRESUNÇÃO ABSOLUTA A certidão de dívida ativa goza dos requisitos de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, por força de lei (art. 204 do CTN e art. 3º da Lei n.º 6.830/80). Presunção relativa, é certo; contudo, é do devedor o ônus de produzir a prova que elida essa presunção, devendo apontar e comprovar os vícios, formais ou materiais. Não se trata, portanto, da presunção absoluta, juris et de jure, que é aquela que não admite prova em contrário. Outrossim, caberá ao devedor apresentar prova inequívoca capaz de afastar a referida presunção. É neste sentido o julgado abaixo: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. ICMS. MULTA. CDA. REQUISITOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A agravante apontou de forma absolutamente genérica a violação do art. 535 do CPC, não especificando em que consistiriam a omissão, a contradição e a obscuridade do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284/STF. 2. O Tribunal de origem firmou entendimento no sentido de que são válidas as CDAs que instruem o pleito executivo. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Consigne-se, por fim, quanto à irresignação recursal acerca da impossibilidade de fazer prova negativa. Sabe-se que a CDA goza de presunção de certeza e liquidez a ser ilidida por prova inequívoca a cargo do sujeito passivo, conforme previsto no art. art. 204 do CTN, o que, segundo o Tribunal a quo, não fora afastada, por ausência de prova. Incidência da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 286.741/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 28/05/2013) 4. DA JURISPRUDÊNCIA APLICÁVEL Destaca-se abaixo jurisprudência que trata dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade da CDA: “PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO SOBRE PONTOS SUSCITADOS NA APELAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA. 1. De acordo com o art. 535, II, do CPC, os embargos declaratórios são cabíveis quando for omitido ponto sobre que se devia pronunciar o juiz ou tribunal. 2. No caso, extraem-se da apelação cível os seguintes trechos das razões recursais: "(…) A teor dos artigos 204 do CTN e 3º da Lei 6.830/80, a dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez, presunção esta que somente pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite. (…) Por fim, ressalte-se que a exequente, em atendimento ao despacho que determinou a ementa da petição inicial, ratificou os dados já constantes dos autos, juntando consultas das informações do crédito e das respectivas competências, mesmo considerando que o título executivo preenche todos os requisitos legais. Assim, ao contrário do consignado na sentença apelada, não houve negativa da União em fornecer novamente as informações solicitadas pelo juízo a quo. (…)" 3. Ao julgar a apelação, o Tribunal de origem não se pronunciou especificamente sobre as supracitadas razões de recorrer. Daí a Procuradoria da Fazenda Nacional ter apresentado embargos de declaração, nos quais, entre outros pontos, foram indicadas as seguintes omissões: "(…) o acórdão embargado foi omisso sobre a aplicação da norma do artigo 3º da Lei n° 6.830/1980 e do artigo 204 do Código Tributário Nacional, invocada nas razões do apelo, pela qual se estabelece que a Dívida Ativa regularmente inscrita goza de presunção de liquidez e certeza, presunção que, apesar de relativa, não restou ilidida no caso concreto, uma vez que o executado não apresentou prova inequívoca capaz de afastá-la (parágrafo único do artigo 3º da LEF e parágrafo único do artigo 204 do CTN). A nulidade da CDA somente pode ser arguida pelo executado e mediante a oposição de embargos à execução fiscal. Isso porque o artigo 16, § 2o, da Lei 6.830/80 estabelece expressamente que, no prazo dos embargos, é que o executado deve alegar toda a matéria útil à defesa. O fato é que o ilustre Magistrado a quo não poderia extinguir a execução de ofício, sem qualquer manifestação da parte interessada, sob pena de ofensa ao artigo 2o do Código de Processo Civil. (…) Omitiu-se, no entanto, sobre o fato de que, após determinação do juízo, a Fazenda Nacional apresentou documentos relativos à dívida, informando tal data" 4. Ao rejeitar os embargos de declaração, o Tribunal de origem permaneceu omisso sobre os pontos suscitados. Logo, restou caracterizada a violação do art. 535, II, do CPC. 5. Recurso especial provido.” (REsp 1323156/CE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 03/09/2012) “PROCESSO CIVIL – TRIBUTÁRIO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO – EXCLUSÃO – IMPOSSIBILIDADE – PRESUNÇÃO "JURIS TANTUM" LIQUIDEZ E CERTEZA DA CDA – REVOLVIMENTO DE MATÉRIA DE PROVA – ENUNCIADO 7 DA SÚMULA DO STJ. 1. Na execução fiscal, a exceção de pré-executividade não perfaz meio hábil para exclusão de sócio do pólo passivo do processo executivo, porquanto presumida juris tantum a liquidez e a certeza que revestem a Certidão da Dívida Ativa- CDA. 2. O julgado agravado encontra respaldo no entendimento das Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ, as quais determinam que somente por meio de embargos à execução faz-se apropriada a demonstração de ilegitimidade para figurar no pólo passivo do processo executivo, porquanto presumida a liquidez e a certeza que revestem a CDA; logo, tal pleito torna-se insuscetível de realização na exceção de pré-executividade. 3. O agravante não cotejou argumentos capazes de infirmar os fundamentos do decisum agravado, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental. Agravo regimental improvido”. (AgRg no REsp 908.350/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 03/02/2009) “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO IMPROCEDENTES. EXECUÇÃO DEFINITIVA. É definitiva a execução de decisão que julgou improcedentes os respectivos embargos, ainda que sujeita a apelação. Uma vez iniciada a execução por título extrajudicial (certidão de dívida ativa da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Sul), será definitiva, caráter que não é modificado pela oposição de embargos do devedor, tampouco pela interposição de recurso contra sentença que julgar improcedentes os embargos. O título extrajudicial goza de executoriedade, além de certeza, liqüidez e exigibilidade. Improcedentes os embargos, tais características são reforçadas, devendo a execução seguir, mesmo ante a interposição de recurso com efeito apenas devolutivo. Recurso especial conhecido e provido. Decisão por unanimidade”. (REsp 188.864/RS, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2001, DJ 24/09/2001, p. 264) “CDA – CORREÇÃO MONETARIA – LIQUIDEZ. A ATUALIZAÇÃO MONETARIA NÃO ALTERA O VALOR DA DIVIDA EXPRESSA NA CDA, QUE CONSERVA OS REQUISITOS DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.” (REsp 90.591/MG, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/11/1997, DJ 09/03/1998, p. 13) 5. CONCLUSÃO A certidão de dívida ativa goza de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, que só poderá ser afastada mediante prova inequívoca a ser produzida pelo devedor. Tais requisitos justificam-se, na medida em que a atividade administrativa tributária rege-se, dentre outros, pelo Princípio da Legalidade. E, como os atos administrativos em geral, reveste-se de presunção de veracidade e legitimidade. Tem-se que a inscrição em dívida ativa é qualificada como ato de controle de legalidade. Mais importante que o assentamento, é a apuração da liquidez e certeza da dívida. Neste sentido, é feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do título executivo a ser formado. Deve ser ressaltado que a importância do ato de apuração e de inscrição em dívida ativa é tão grande que o art. 204 do CTN e o art. 3º da LEF conferem à dívida regularmente inscrita a presunção relativa de liquidez e certeza, dando-lhe efeito de prova pré-constituída, somente ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito ou de terceiro a quem aproveite. Ademais, tem-se que é após a inscrição que a dívida torna-se idônea a ser cobrada por ação de execução fiscal, sendo a certidão de dívida ativa o título executivo utilizado na cobrança judicial (art. 585, VII, do CPC).
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Norma tributária indutora
O presente trabalho teve por finalidade a análise construtiva da norma tributária indutora, passando-se por sua perspectiva funcional, dissociada e complementada pela perspectiva legal-positivada. Foi analisada de maneira concreta a operacionalização da norma tributária indutora, sob o domínio da extrafiscalidade, trazendo-se exemplos de utilização de tributos com a função indutora, por mecanismo de intervenção indireta estatal. Para elaboração do presente trabalho, a metodologia aplicada foi basicamente pesquisa doutrinária, notoriamente fundamentando-se o marco teórico a partir da leitura dos ensinamentos do jurista Alfredo Augusto Becker,  Professor Paulo de Barros Carvalho, André Elali e do ex-ministro Eros Roberto Grau.
Direito Tributário
1. Introdução O caráter extrafiscal da norma tributária tem sido cada vez mais utilizada pelos Estados como forma de indução de comportamento do contribuinte. Se de um lado o Estado tem abandonado  a concepção de liberdade absoluta dos agentes de mercado, de outro, também tem percebido que sua intervenção direta na economia é salutar. A saída encontrada passa, muitas vezes, pela “liberdade mitigada” do particular. O Estado busca, portanto, através de mecanismos de intervenção indireta, adequar o comportamento do contribuinte à sua intenção, deixando-lhe, no entanto, margem de escolha. A compreensão do mecanismo da extrafiscalidade repousa, sem sombra de dúvida, sobre a compreensão da norma tributária indutora, sendo este, portanto o objetivo fulcral do presente estudo. 2. ASPECTOS GERAIS DA NORMA TRIBUTÁRIA INDUTORA Em importante obra sobre tributação e regulação econômica, André Elali[1] mostra que, no intuito do equilíbrio das relações sociais, econômicas e financeiras, o Estado deve intervir de forma direta ou indireta no ou sobre o domínio econômico. Intervenção esta que, nos ensinamentos de Eros Grau[2] pode se dar de três formas: por absorção ou participação (quando o Estado desempenha diretamente uma atividade econômica), por direção (quando o Estado impõe determinada conduta) e por indução (Estado estimula determinada conduta). Especificamente, ao regular por indução, o Estado não impõe um comportamento, mas privilegia aquele desejável. No mesmo sentido entende Luís Eduardo Shoueri, para quem as normas indutoras estimulam ou desestimulam, assegurando a possibilidade de se adotar comportamento diverso, sem que para isso se cometa um ilícito[3]. Assim, contrariamente à norma diretiva, há apenas um consequente para determinada hipótese, de maneira que, se não houver obediência à norma diretiva, aplica-se a sanção. Neste ponto, insta a observação de André Elali de que não se pode cogitar de direção estatal através     de normas tributárias, já que estas implicam em o contribuinte incorrer ou não no fato gerador. Por isso, a incidência de norma diretiva sobre a tributação culminaria, inevitavelmente, no afronte teratológico ao princípio do não confisco, da proporcionalidade e da capacidade contributiva[4]. Assim, conclui Elali que, as “as normas tributárias indutoras são, antes de normas indutoras, normas tributárias”.[5] Nestes termos, as normas tributárias indutoras, no intento de regular a ordem econômica, podem constituir benefícios ou agravamentos, visando à realização de comportamentos mais desejáveis pelos agentes econômicos. Autrement dit, os incentivos fiscais se apresentam como instrumentos hábeis à indução econômica. O eminente professor Tércio Ferraz Jr.[6] ainda preleciona que os incentivos fiscais representam o reposicionamento do Estado perante a ordem econômica e, neste caminho, avança Adilson Rodrigues Pires[7] ensinando que o afastamento da tributação da neutralidade incute o estímulo ao exercício de determinadas atividades privadas carentes de recursos e de apoio governamental para se desenvolverem. Arremata o Professor Heleno Taveira Torres[8] que “o papel promocional dos incentivos fiscais consiste em servir como medida para impulsionar ações ou corretivos de distorções do sistema econômico, visando a atingir certos benefícios, cujo alcance poderia ser tanto ou mais dispendioso, em vista de planejamentos públicos previamente motivados”. Diante do exposto, conclui-se que os incentivos, se bem cotejados, possuem a capacidade de gerar eficiência econômica, atraindo o desenvolvimento. Para isso, as normas tributárias indutoras devem ser manejadas com rígido respeito à competência tributária, legislativa e reguladora, ou seja, observando-se as divisões do exercício do poder político que, na prática, passa pela observância básica dos arts. 20 ao 33 e do 153 ao 156 da Constituição Federal.  Por outro lado, também devem ser examinados os efeitos dos incentivos para que estes não tragam consequências nefastas, gerando maiores assimetrias de mercado ou desarrazoadas perdas ao erário. Assim sendo, deverá o Estado, ao editar normas de indução, examinar previamente os efeitos sobre todo o processo econômico, evitando desperdício de investimento público e possível piora no sistema. Nesta esteira, preceitua André Elali que, o surgimento do Estado intervencionista (entre os anos 50 e 70), fez brotar o princípio basilar do crescimento econômico, e para atingir tal desiderato, passou-se a adotar uma política de concessões de benefícios financeiros e fiscais, pois se entendia que os auxílios encontravam contrapartida no interesse público. Nada obstante, não foram ponderados os critérios necessários para delimitar os benefícios, nem houve planejamento estratégico consolidado para a concessão dos incentivos, levando os Estados[9] a grandes dificuldade ligadas ao déficit orçamentário. No Brasil não foi diferente, esta perverse fiscal policy, além de não conduzir ao crescimento esperado, gerou desperdício de dinheiro público e agravou o desequilíbrio financeiro nacional. [10] Com a crise orçamentária dos anos 70, começou-se a repensar a necessidade de mudança no planejamento do desenvolvimento econômico e outorga de vantagens financeiras e fiscais. Passou-se a examinar criteriosamente a eficiência econômico-financeira dos incentivos e hoje se percebe que estes podem, sim, ser poderosos instrumentos a favor do desenvolvimento econômico e Estatal, desde que bem utilizados. Neste oportuno, as palavras de André Elali são, como sempre, aclaradoras: “Por tais razões, deve-se classificar os auxílios estatais, independentemente das formas jurídicas, a partir da legitimidade de sua concessão e da eficiência que geram para o sistema econômico, uma vez que não se configurará legítimo e eficiente qualquer tipo de auxílio que viole as normas do sistema jurídico, e, em consequência, que gerará, ao invés de benefícios, maiores problemas à realidade econômica e social e às contas públicas. Legalidade, isonomia, capacidade contributiva, livre iniciativa, livre concorrência, proteção ao consumidor, dentre outras normas que devem informar tais práticas estatais, são verdadeiras limitações e balizamentos para o Estado”. Demais disso, insta ressaltar a observação de Calixto Salomão Filho de que a atividade planejadora do Estado deve buscar uma ação interventiva que, antes de tudo, permita ao Estado adquirir conhecimento do setor, suas utilidades e requisitos para o desenvolvimento.[11] Por tal razão, não é difícil perceber que a atividade estatal consubstanciadora da tributação indutora é encargo que comporta uma ousada e dura missão de contemplar a estrutura fiscal-econômica-regulatória sob uma perspectiva externa, como o fez Antoine de Saint-Éxupery, em Terre des Hommes[12] sem, no entanto, deixar-se olvidar das necessidades experimentadas internamente no sistema fiscal. Exatamente em virtude de tal cenário, faz-se premente não apenas a necessidade de compreensão do contexto global político-fiscal-econômico, mas também a construção da regra conducente a uma determinada atitude por parte da sociedade e dos agentes econômicos do mercado. Em outras palavras, faz-se indispensável a compreensão da norma tributária indutora.  2. A Construção lógica da norma tributária indutora 2.1. Perspectiva funcional da norma tributária indutora Um ponto inicial que merece destaque antes de adentrar propriamente no cerne da presente questão concerne à dificuldade na compreensão da construção jurídica da norma tributária indutora em face de sua dimensão eminentemente política. Com efeito, tendo em vista o fato de a norma tributária indutora ser oriunda de contexto eminentemente político, é possível que não sejam encontrados em sua essência estruturante regras de fundo jurídico que permitam a verificação de sua finalidade indutora. Nada obstante, a dificuldade ora apresentada dá-se em razão de uma visão estrita, que não consegue perceber a norma além da regra jurídica. Conforme analisado anteriormente, a regra matriz de uma norma jurídica é composta por uma hipótese, que verificada concretamente, traz como consequência a incidência da norma tributária, instaurando a relação jurídico-tributária entre Fisco e contribuinte. Assim, por hipótese, no caso da norma tributária, tem-se situações abstratas, escolhidas pelo legislador que, se observadas na experiência concreta, dará ensejo à consequência. À guisa de exemplo, tem-se situações como circulação de mercadoria, entrada de produto estrangeiro em território nacional, saída de produto industrializado, prestação de serviço, entre outras situações que ensejam a incidência da norma tributária. Neste oportuno, insta trazer novamente os ensinamentos de Paulo de Barros para quem a regra matriz de incidência tributária entende-se como instrumento efetivo para o discernimento do marco incidência fiscal. Assim, regra-matriz de incidência tributária é norma jurídico-tributária voltada à prescrição de condutas, que traz em seu bojo todos os elementos necessários à incidência tributária.  Em rápida análise, a regra-matriz de incidência tributária é, em termos mais simples, a norma padrão de incidência. Ou seja, é a hipótese geral, abstrata e padronizada criada pelo legislador capaz de ser aplicada ao caso concreto. A Regra Matriz de Incidência é composta pelos critérios da hipótese e do consequente, sendo que este último tem a função de regular a conduta prevista na hipótese. A necessidade do critério consequente é indiscutível, haja vista sua função de determinação dos elementos intersubjetivos atinentes aquele fato jurídico determinado pela hipótese. “[…] se é correto afirmar-se que as hipóteses tributárias são conjuntos de critérios que nos permitem reconhecer eventos acontecidos no plano da realidade física, não menos exato dizer-se que a consequência que lhes é imputada, mediante cópula deôntica, consistem igualmente, numa conjugação de critérios que tem por escopo dar-nos a identificar um vínculo jurídico que regerá comportamentos humanos”.[13] Assim, como critérios hipotéticos, tem-se o material, espacial e o temporal, ao passo que no consequente encontram-se o pessoal e o prestacional-quantitativo. Saliente-se no entanto que, a despeito de tal estrutura lógica da regra matriz de incidência ser de total valia à compreensão de textos legais, não pode ser utilizada como instrumento de compreensão da política fiscal adotada pelo governo quando da adoção de critérios da regra-matriz. Com efeito, a regra-matriz de incidência é, tão somente,  instrumento jurídico de aplicação e compreensão da norma positivada, não sendo expediente suficiente para o cotejo de situações extralegais, a exemplo da utilização da tributação como mecanismo de intervenção do Estado na economia. Nesse sentido, pode-se vislumbrar uma compreensão da norma para além do que é previsto legalmente, buscando-se, por exemplo perquirir acerca dos fundamentos econômicos da norma, através de uma interpretação teleológica. Desta feita, as razões econômicas que fundamentam a confecção de uma norma, longe de estarem afastadas dela estão, na realidade, intrinsecamente entranhados, determinando-lhe substancialmente seu conteúdo material. Assim, como bem pondera Ruy Barbosa Nogueira, ao compreender que o Estado não exerce, através da exação tributária, mero poderio arrecadatório, mas também intervencionista, “a finalidade econômica da norma pode ser considerada como uma premissa (concreta) da interpretação teleológica”[14]. Fala-se, assim, na perspectiva funcional da norma tributária indutora que, como bem salienta o jurista Thiago Dalsenter, coliga-se à visão estrutural da norma: “Como tivemos a oportunidade de anotar anteriormente, as visões estrutural e funcional do Direito, e também do Direito Tributário, embora distintas, são complementares. E, em razão dessa complementaridade dos prismas estrutural e funcional, consideramos ser possível e necessário compreender o Direito como um todo, ora enfatizando a sua concepção lógico-estrutural, ora realçando a sua função promocional. Acreditamos, assim, não poder ser desprezada a função do tributo, o qual só adquire completude a partir da análise conjugada do seu aspecto funcional com o seu retrato lógico-estrutural.” [15] 2.2. Função arrecadatória versus extrafiscalidade da norma tributária O Estado, amparado no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e, no intuito de custear as atividades que desempenha, detém, em face do particular, o dever-direito da arrecadação de tributos. A função fiscal da atividade tributária tem, portanto, o escopo de financiar, com recursos provenientes do particular, o desempenho das atribuições do Estado.   Há tempos, no entanto, a concepção de Estado Fiscal[16] vem sendo deixada de lado e os tributos não mais vistos como simples mananciais de arrecadação de receita. Ao contrário, cada vez mais, incute-se na tributação o mecanismo de regulação e indução das atividades econômicas, legando-se aos tributos um tom de extrafiscalidade, como bem aponta Thiago Dalsenter:  “Contrapondo-se a essa visão tradicionalista, em que o escopo do tributo consiste em carrear recursos financeiros para o Estado, a tributação baseada na extrafiscalidade surge como instrumento viável para a regulação das atividades econômicas, visando a indução de comportamentos sociais – de forma a harmonizá-los com os objetivos almejados pela sociedade, representada pelo Estado – e desvinculando-se do seu caráter meramente arrecadatório.”[17] Nesse ponto, interessa trazer à baila a a diferenciação entre função fiscal e extrafiscal da tributação apontada por Raimundo Falcão: “Considerando a tributação como ato ou efeito de tributar, ou ainda, como o conjunto dos tributos, podemos afirmar que: a) a tributação se diz fiscal enquanto objetiva retirar do patrimônio dos particulares os recursos pecuniários – ou transformáveis em pecúnia – destinados às necessidades públicas do Estado; b) tributação extrafiscal é o conceito que decorre do de tributação fiscal, levando a que entendamos extrafiscalidade como atividade financeira que o Estado desenvolve sem o fim precípuo de obter recursos para seu erário, mas sim com vistas a ordenar a economia e as relações sociais, sendo, portanto, conceito que abarca, em sua amplitude, extensa gama de opções e que tem reflexos não somente econômicos e sociais, mas também políticos […]”[18] Justamente em razão do novo panorama econômico que se tem apresentado, o atual modelo neoliberal adotado pelo Brasil apresenta o Estado como parte estratégica e portador de uma vigorosa arma: a tributação indutora. Nessa senda, são aclaradoras as palavras de Raimundo Bezerra Falcão, para quem: “[…] tem-se procurado utilizar o instrumento financeiro – mais especificamente o tributário, no nosso caso – a fim de que se obtenham esperados resultados econômicos e políticos, ou resultados desenvolvimentistas em geral, como reprimir a inflação, evitar desemprego, coarctar a depressão econômica, aquecer ou desaquecer a atividade econômica, proteger a indústria ou a agricultura nacionais, promover a redistribuição de renda, reduzir o desnivelamento de fortunas, atuar sobre a densidade demográfica, ocasionar melhor distribuição espacial da população, fortalecer a educação, incentivar o saneamento básico, criar acesso à saúde para as camadas sociais mais baixas, diminuir o desnivelamento inter-regional dentro do território de um Estado e muitas outras finalidades.”[19] Ainda nas palavras de Raimundo Falcão: “Desse modo, a tributação extrafiscal é instrumento eficaz do intervencionismo na medida em que é ação do Estado sobre o mercado e, por conseguinte, sobre a antes intocável livre iniciativa. Contribui, além disso, para modificar o conceito de justiça fiscal, que não mais persiste somente em referência à capacidade contributiva. Com a extrafiscalidade, não se tem em vista apenas a capacidade de contribuir, mas também a função ordinatória dos tributos”.[20] E continua brilhantemente o autor: “Extrafiscalidade é o instrumento tributário utilizado com o objetivo principal não de arrecadar receitas para o erário, mas de ordenar a macroeconomia, às vezes até diminuindo o montante da arrecadação”. A função extrafiscal do tributo traduz-se, pois, na atividade tributária do Estado que vai além da simples finalidade arrecadatória-fiscal. A extrafiscalidade relaciona-se a objetivos intervencionistas excepcionais do Estado na economia, indo além do escopo arrecadatório como ilustremente ensina José Souto Maior Borges: “A doutrina da extrafiscalidade – ao contrário da concepção da finança “neutra” – não considera a atividade financeira um simples instrumento ou meio de obtenção de receita, utilizável para o custeio da despesa pública. Através dela, o Estado provoca modificações deliberadas nas estruturas sociais. É, portanto, um fator importantíssimo na dinâmica socioestrutural”.[21] Com um sentido ainda mais pragmático, o Professor Paulo de Barros Carvalho aponta a extrafiscalidade como o “emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários”[22]. 2.3. Tributação indutora e instrumentos normativos da extrafiscalidade Tendo em vista a explanação supra acerca da concepção da extrafiscalidade,  é possível perceber, de plano, que a norma que veicula uma tributação indutora de comportamento (essencialmente extrafiscal), transmite uma mensagem ao contribuinte: se ele agir de acordo com a intenção do Estado, será beneficiado. A norma tributária indutora é, portanto, essencialmente uma norma premiativa[23], encarregada basicamente da função promocional do direito. Na clássica obra de Luis Eduardo Schoueri, Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica,[24] o ilustre Professor, ao analisar as normas tributárias como instrumentos de intervenção econômica, aponta que a intervenção por indução se dá com a atuação Estatal sobre o domínio econômico através de normas que possibilitam ao contribuinte a possibilidade de escolha, ou seja, o Estado estimula ou desincentiva determinada conduta. A tal situação, o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, denomina de normas dispositivas: “No caso das normas de intervenção por indução, defrontamo-nos com preceitos, que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas.”[25] Exatamente em virtude de sua natureza dispositiva, a norma tributária indutora apresenta, duas ou mais consequências alternativas  à hipótese. O contribuinte, nesse sentido, pode se valer da faculdade de agir ou não de acordo com os interesses do Estado, elegendo uma via entre as disponíveis. À guisa de demonstração, será analisado a seguir alguns aspectos de tributação indutora em alguns tributos. a) Impostos Os impostos são tributos desvinculados da atuação estatal, determinando o fato gerador a partir de atividades manifestadas pelo contribuinte. De tal sorte, o Estado fica parcialmente[26] livre para utilizar o montante arrecadado  com impostos. Para melhor compreender a operacionalização da tributação indutora, podem ser trazido à baila o Imposto sobre Produtos Industrializados e o Imposto sobre Operações Financeiras, a seguir analisados. Dentre os impostos, pode-se destacar o Imposto sobre Produtos Industrializados, previsto no art. 153, IV, da Constituição Federal e instituído através do Decreto nº 4544/02 e que possui duas regra-matrizes, abaixo construídas: Regra-Matriz I de Incidência do IPI – Hipótese    a. Critério material: realizar operações com produtos industrializados;    b. Critério espacial: qualquer ponto do território nacional;    c. Critério temporal: o momento da saída dos produtos industrializados dos estabelecimentos produtores; – Consequência:    d. Critério pessoal:  – sujeito ativo: União;  – sujeito passivo: estabelecimento industrial ou equiparado;    e. Critério quantitativo – base de cálculo: valor da operação; – alíquota: é aquela prevista na Tabela do IPI. Regra-Matriz II de Incidência do IPI – Hipótese    a. Critério material: realizar operações de reimportação de produtos industrializados brasileiros;    b. Critério espacial: as repartições aduaneiras;    c. Critério temporal: o momento do desembaraço aduaneiro; – Consequência:    d. Critério pessoal – sujeito ativo: União; – sujeito passivo: reimportador;    e. Critério quantitativo – base de cálculo: valor da base para o cálculo do Imposto de Importação; – alíquota: é aquela prevista na Tabela do IPI. À guisa de comprovação de sua natureza eminentemente extrafiscal, percebe-se no art. 153, §3º, I, da CF/88, o destaque para a seletividade em razão da essencialidade do produto. Tal norma constitucional destina-se ao legislador infraconstitucional, de maneira a impor a observância do referido tributo como uma ferramenta de indução do mercado. Ou seja, a referida norma de seletividade do produto é de observância obrigatória. Nesta senda, o princípio da seletividade resulta na variação de alíquotas aplicáveis ao produto, onerando-o mais ou menos de acordo com sua essencialidade. Assim, a política fiscal do governo determinará, portanto, o caráter indutor da norma tributária no critério quantitativo, normalmente, na aplicação da alíquota. Outro imposto de caráter essencialmente extrafiscal a ser ressaltado é o Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, previsto no art. 153, V, da CF/88 e regulamentado pelo Decreto 6306/07. O IOF apresenta a seguinte regra matriz de incidência: – Hipótese   a. Critério material: operações crédito, câmbio e seguro, e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários em que ocorram as hipóteses descritas nos incisos 63 do CTN;   b. Critério espacial: Território nacional;   c. Critério temporal: momento em que se realiza as operações; – Consequência:   d. Critério pessoal: – sujeito ativo: União; – sujeito passivo: – Contribuinte: pessoa tomadora do crédito; no caso de alienação de direitos creditórios resultantes de vendas a prazo a empresas de factoring, contribuinte é o alienante pessoa física ou jurídica. – Responsável: instituições financeiras que efetuarem operações de crédito; empresas de factoring adquirentes do direito creditório; pessoa jurídica que conceder o crédito, nas operações de crédito correspondentes a mútuo de recursos financeiros.    e. Critério quantitativo – alíquota aplicável – base de cálculo: valor da operação, conforme descrito no art. 64, CTN: “I – quanto às operações de crédito, o montante da obrigação, compreendendo o principal e os juros; II – quanto às operações de câmbio, o respectivo montante em moeda nacional, recebido, entregue ou posto à disposição; III – quanto às operações de seguro, o montante do prêmio; IV – quanto às operações relativas a títulos e valores mobiliários: a) na emissão, o valor nominal mais o ágio, se houver; b) na transmissão, o preço ou o valor nominal, ou o valor da cotação em Bolsa, como determinar a lei; c) no pagamento ou resgate, o preço.” Da mesma forma que o IPI, o IOF também apresenta relevante caráter extrafiscal, restando no âmbito do critério quantitativo, geralmente na aplicação da alíguota, a modulação da norma tributária indutora de comportamento de mercado. b) Taxas É possível notar nessa espécie tributária algum caráter extrafiscal, a despeito de terem sua receita plenamente vinculada à atuação estatal. Assim, à guisa de exemplo, pode-se extrair da seara ambiental a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental, instituída pela Lei 10.165 de 2000, cujo fato gerador  é o “o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais”. Com efeito, o meio ambiente é bem de toda a coletividade devendo a sua preservação pautar as atividades econômicas. Exatamente nesse sentido, a TCFA é meio de desestímulo a atividades nocivas ao meio ambiente, chegando em alguns casos a ser afastada ou majorada a sua cobrança, de acordo com a forma de desempenho das atividades do contribuinte. c) Contribuições Através do critério da vinculação da receita tributária a uma atuação estatal, a CF/88 prevê cinco espécies de contribuições. Além das contribuições de melhoria e da contribuição para custeio da iluminação pública, a CF/88 prevê a possibilidade de instituição de outras três espécies de contribuições, denominadas contribuições especiais: contribuições sociais, contribuição de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas. Dentre tais contribuições, há que se destacar, entre as contribuições especiais, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE, ou contribuições interventivas, concernem à atuação do Estado nas atividades privada, seja diretamente através da exploração de serviço público ou desempenhando atividade econômica; seja indiretamente, através de atuação como agente normativo ou regulador. As contribuições interventivas são usadas com o nítido caráter de planejamento e regulação de determinadas atividades econômicas, de maneira a ser absolutamente constatável o seu caráter extrafiscal. Assim, a contribuição de intervenção no domínio econômico, como instrumento regulatório, é cobrável dos integrantes do domínio econômico para o qual seja dirigida a atuação estatal.   Nesse mister, insta salientar que as contribuições interventivas normalmente são cobradas de determinados agentes privados (sujeito passivo), cuja materialidade é o desempenho de determinadas atividades econômicas, sendo destinação do montante arrecado determinada pelos interesses sociais constitucionalmente valorados. Assim, tomando-se como exemplo a famosa CIDE-combustível, tem-se sua incidência sobre operações de importação e comercialização de petróleo e gás. Já no que concerne à destinação do valor arrecadado, a Lei 10.336, em total consonância com o art. 177, §4º, da CF/888, determina a vinculação do produto da arrecadação ao pagamento de subsídios a preços de transporte de álcool, gás natural; ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria de petróleo e gás; e, finalmente, ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes: “Art. 1o Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1o O produto da arrecadação da Cide será destinada, na forma da lei orçamentária, ao: I – pagamento de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, de gás natural e seus derivados e de derivados de petróleo; II – financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás; e III – financiamento de programas de infra-estrutura de transportes.” 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O modelo de gestão estatal adotado modernamente revela que, por vezes,  a atuação do governo é muito mais eficiente se se der de maneira indireta (através de regulação ou instrumentos indutores) e não impositiva, diretiva. E, justamente nesse sentido, lançar mão do mecanismo da extrafiscalidade (amplamente demonstrado neste trabalho) finda por ser um excelente meio de indução de comportamento econômico social, razão pela qual a relevância deste presente trabalho ser inquestionável.
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CIDE Combustível e sua justa destinação
O presente artigo visa estudar a CIDE (Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico), não somente no seu aspecto tributário, de contribuição, mas sim, em seu aspecto intervencionista, de caráter regulatório e subsidiário das relações do Governo com as infraestruturas de transporte no Brasil. Busca o estudo em seu fundamento constitucional, levando em conta as diretrizes adotadas pelo Governo quanto ao seu repasse, tanto para o Estado como para os Municípios, a sua real função em relação ao seu propósito, ou pelo menos, para o qual fora criado, suas distorções e, enfim, sua real aplicação, do ponto de vista doutrinário, a cerca de onde realmente deveria ser aplicado, de forma justa e equitativa.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O Governo como um Estado intervencionista, vem ao longo dos anos promovendo medidas a fim de controlar a vida econômica do país, através de seu meio estatal de atuação. Busca dessa forma regular o mercado para que haja controle, por exemplo, inflacionário, controle de mercado quando se trata de oferta e procura, taxa de juros bancários, típico exemplo do Banco do Brasil que como uma Sociedade de Economia Mista visa a este propósito, ou seja, regular o setor bancário para que não haja anomalias em seus altos e baixos, provendo o serviço de igual por igual e, quando possível, regulando-o. Outra situação de intervenção no domínio econômico do país é a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), por meio da qual o Governo procura, de forma indireta intervir em algumas atividades econômicas para que seja assim, promovido um melhor controle fiscalizatório, para que haja melhorias no setor beneficiário dessa produção. É sem dúvida um instrumento regulatório da economia, tendo como contribuintes, aqueles que fazem parte do setor ao qual seja dirigida a atuação de intervenção da União. Aprofundando mais em cima do tópico CIDE, imperioso se faz estudar a CIDE Combustíveis (objeto da presente pesquisa), como também seu produto da arrecadação que, deveria em tese, ser destinado, dentre outros, ao financiamento de Programas de Infraestrutura de Transportes no Brasil. O estudo se mostra necessário, levando em consideração as atuais circunstâncias em que vem passando os brasileiros quanto à má infraestrutura no transporte coletivo urbano. Recentemente várias manifestações pela melhoria no transporte público e infraestrutura eclodiram no Brasil, manifestações estas que buscam principalmente melhorias nos transportes coletivos urbanos e na infraestrutura de transporte que há muito tempo andam esquecidos pelo poder público. É uma constante o descaso que o poder público tem com o produto de arrecadação que seria objeto de conquista tributária para implantação de políticas públicas, principalmente no que tange ao transporte público coletivo no país. Analisando as exigências, estando entre elas à melhoria na infraestrutura de transporte no Brasil, torna-se pertinente o estudo da CIDE Combustível, que indubitavelmente, se cobrada levando em consideração os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, resolveria em sua grande parte, os problemas da falta de investimento nessa infraestrutura de transporte urbano e coletivo. 2. O ESTADO INTERVINDO NO MERCADO Segundo João Bosco Leopoldino da Fonseca: “O Estado, quando explora diretamente a atividade econômica, o faz através de empresas públicas, de sociedade de economia mista ou outras entidades. Nestes casos, a Constituição lhes impõe a adoção do mesmo regime jurídico aplicável às empresas privadas, tornando explicita sua sujeição às obrigações trabalhistas e tributárias, e proíbe a concessão de privilégios fiscais que não sejam extensivas àquelas empresas. Estas determinações, previstas nos §§ 1º e 2º do art. 173, têm por finalidade precípua impedir uma posição dominante no mercado derivada de fatores estranhos à própria livre competência.”[1] Exemplo clássico já citado é o Banco do Brasil, que como Sociedade de Economia Mista, busca através de seu domínio e intervenção estatal regular o mercado econômico dentro das suas atribuições. É a famosa intervenção direta do poder estatal na economia do país. Existem outras entidades que fazem parte da Administração Indireta, porém, fazem parte da organização da intervenção direta do Estado no domínio econômico, é o caso das Autarquias e as Empresas Públicas. Ainda segundo as lições de João Bosco Leopoldino da Fonseca sobre a empresa pública: “[…] é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por Lei para exploração de atividades econômica que o governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito”.[2] E ainda sobre a Sociedade de Economia Mista, João Bosco Leopoldino da Fonseca afirma que: “[…] é a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertencem em sua maioria à União ou à entidade da Administração Direta.”[3] Percebe-se claramente que o Governo de uma forma direta, busca quando necessário intervir no domínio econômico do País, através de suas empresas públicas ou das empresas a qual faz parte como sócia majoritária (exemplo, Banco do Brasil). Existe outra forma do governo intervir no domínio econômico, porém, de maneira indireta, estimulando e apoiando a atividade econômica privada, adotando políticas econômicas em cada caso concreto. A política que o governo pretende implantar, dentro de uma intervenção econômica indireta, visa assegurar o pleno emprego, principalmente em se tratando de mão-de-obra dentro de um sistema onde existem cadeias produtivas, visa também equilibrar a balança econômica e financeira, tanto para pagamentos como recebimentos, pois só assim consegue manter a inflação em seu patamar planejado (e vem ao longo doas anos conseguindo esta proeza). A adoção de tais medidas pode ser observada de várias maneiras, como por exemplo, o controle dos impostos de regulação, IPI, II, IE e IOF, nos quais, inclusive, até por medida provisória o governo pode alterar suas alíquotas, dentro dos patamares previstos em lei. Observa-se que tais impostos são imunes a alguns princípios constitucionais tributários, como é o caso do princípio da anterioridade, podendo sua alteração ser aplicada de imediato, tudo para regular o mercado, o que se pode dizer, sem sombra de dúvidas, é uma intervenção direta do governo na economia brasileira. Através dessa sistemática, o governo com o advento da Constituição de 1988 criou as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE -, também chamadas de contribuições interventivas, de competência da União, sendo assim, um tributo federal. 3. ENTENDENDO O QUE É CONTRIBUIÇÃO Muitos questionamentos havia a cerca da natureza jurídica das contribuições, sendo inclusive rechaçada, repudiada, quando da sua criação pela doutrina. Porém, após o advento da Constituição Federal de 1988, no Capítulo I do Título VI do Sistema Tributário Nacional, o legislador conseguiu sanar essa controvérsia, tirando de uma vez por todas as dúvidas quanto à verdadeira natureza jurídica das Contribuições, sendo esta um verdadeiro tributo. Segundo o art. 149 da Constituição Federal, existem três modalidades de Contribuições, a saber: as interventivas, as corporativas e as sociais, tendo todas nitidamente natureza tributária, sendo objeto de estudo, a CIDE, mais precisamente, a CIDE Combustível. Vale sempre lembrar que a CIDE é uma espécie de tributo, que não se confunde com outra espécie assim denominada de imposto nos quais, segundo Eduardo Sabbag, “[…] basta a ocorrência do fato para nascer a obrigação tributária, ao passo que nas contribuições a obrigação só nasce se verificados, concomitantemente, o benefício e o fato descrito na norma”.[4] Nem tampouco deve ser confundida com contribuição de melhorias que, segundo Roque Antonio Carrazza, “[…] pelas finalidades que devem alcançar não se coadunam com a regra matriz deste tributo (valorização imobiliária causada por obra pública)”.[5] Percebe-se que o sujeito passivo da Contribuição de Melhorias é o proprietário do imóvel que se valorizou em decorrência da obra pública. Em relação ao termo “domínio econômico”, Roque Antonio Carrazza diz que “[…] é o campo reservado à atuação do setor privado, vale dizer, ao desempenho da atividade econômica em sentido estrito”.[6] Porém, vale lembrar que quando se fala em intervenção estatal, até mesmo através das CIDE´s, fala-se em aspecto geral, não só de infraestrutura nos transportes, mas sim de políticas públicas, políticas do meio ambiente, políticas de competividades industriais, políticas voltadas para a reforma agrária etc. 4. CIDE – CONTRIBUIÇÃO DE INTERVENÇÃO NO DOMÍNIO ECONÔMICO A CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, de competência da União, está prevista na Constituição Federal de 1988, em seu art. 149: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”. Em relação, ainda, ao art. 149 da Constituição Federal de 1988, em seu §2º, incisos I, II, III, aplicam-se às CIDE’s, juntamente com as contribuições sociais, as seguintes regras: “I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) II – poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) III – poderão ter alíquotas: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001) b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)” No entanto, ressalta-se que a CIDE deverá obedecer a todos os princípios constitucionais tributários, com exceção à CIDE Combustível, que não atende ao princípio da anterioridade anual, por força do art. 177, § 4º, I, “b”, da Constituição Federal: “Art. 177 […] § 4º A lei que instituir contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível deverá atender aos seguintes requisitos: I – a alíquota da contribuição poderá ser: b)reduzida e restabelecida por ato do Poder Executivo, não se lhe aplicando o disposto no art. 150,III, b […];” A CIDE Combustíveis foi criada por meio da Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001, com a introdução do § 4º no art. 177 da Constituição Federal, e regulamentada pela Lei nº 10.336 de 19 de dezembro de 2001. Sua incidência recai sobre a importação e a comercialização de gasolina, diesel e respectivas correntes; querosene de aviação e derivativos, óleos combustíveis, gás liquefeito de petróleo (GLP), inclusive o derivado de gás natural e de nafta; álcool etílico combustível. Segundo o inciso III do § 1º do art. 1º da Lei nº 10.336/2001, o produto da arrecadação da CIDE Combustível deverá ou deveria em tese ser destinado, dentre outros, ao financiamento de Programas de Infraestrutura de Transportes, objeto de estudo do presente artigo. “Art. 1º Fica instituída a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível (Cide), a que se refere os arts. 149 e 177 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional no 33, de 11 de dezembro de 2001. § 1º O produto da arrecadação da Cide será destinada, na forma da lei orçamentária, ao: III – financiamento de programas de infraestrutura de transportes.” Embora, a Lei nº 10.336/2001 trate também de valores percentuais a serem destinados aos Estados e Municípios, não será esse o foco do presente estudo, pois a abordagem se fará na sua real destinação em caso concreto nos Programas de Infraestrutura de Transportes pelo Brasil, sua justa colocação, suas reais necessidades, setores do transporte coletivo que hoje são carentes de receitas e com um repasse mais igualitário, com certeza, esta carência estaria suprida pelo repasse da CIDE. Inegável hoje o entendimento de que toda a problemática, ou pelo menos em sua grande maioria, quanto à relação dos transportes públicos, estão nos Municípios e nos Estados. A União pouco enfrenta questões relacionadas à infraestrutura de transporte público no Brasil, o que em tese, justificaria um repasse maior aos Estados e Municípios do Produto de arrecadação da CIDE. Hoje, 29% de toda a arrecadação é destinada aos Estados, os quais, por sua vez, repassam 25% para os Municípios (inciso III, art. 159, CF). Muito pouco, levando em consideração a problemática que os Municípios vêm enfrentando em suas infraestruturas de transporte coletivo e público no Brasil. Toda a problemática em que se insere o transporte público hoje no país, passa necessariamente, pela analise e projeção do poder municipal e estadual. Já o Governo Federal, quando fica sabendo de alguma situação envolvendo o transporte público, na sua grande maioria o fica por meio da mídia, isto é, quando a situação já está realmente caótica. Dentro dos aglomerados urbanos, principalmente nas regiões metropolitanas, os Municípios até tentam, de alguma maneira, minimizar os impactos da falta de repasse, fazendo nascerem os consórcios, que têm por finalidades conseguir melhores preços em licitações, melhores contratos em conjunto, bem como a administração de corredores de ônibus, por exemplo, entre esses Municípios. Porém isso não resolve a problemática enfrentada hoje por esses entes, levando em consideração que o repasse que a União faz é incompatível com a realidade dos fatos. 5. APLICAÇÃO DOS RECURSOS DA CIDE COMBUSTÍVEL Os Estados e o Distrito Federal receberão da União 29% do total dos recursos arrecadados com a CIDE Combustível (inciso III, art.159, CF). Esses percentuais terão de serem aplicados, obrigatoriamente, no financiamento de programas de infraestrutura de transportes. Dos 29% dos recursos que cabe a cada Estado, 25% serão destinados aos seus Municípios para igualmente, serem aplicados em infraestrutura de transportes (art. 1º-B, da Lei nº 10.336/2001). Esses valores são repassados pela União aos Estados e Distrito Federal por meio da Receita Federal, mediante crédito em conta vinculada especificamente aberta para essa finalidade no Banco do Brasil S.A. ou em outra instituição financeira que venha a ser indicada pelo Poder Executivo Federal, conforme disposto no § 1º do art. 1º-A, da Lei nº 10.336/2001. Segundo informações do Ministério da Fazenda – Secretaria do Tesouro Nacional – STN: “Os recursos repassados pela União aos Estados, DF e Municípios a título de CIDE-Combustíveis são destinados obrigatoriamente ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes. Os Estados e o DF encaminham ao Ministério dos Transportes, até o último dia útil de outubro de cada ano, proposta de programa de trabalho para utilização desses recursos a serem  recebidos  no  exercício  subsequente, contendo a descrição dos projetos de infraestrutura de transportes, os respectivos custos unitários e totais e os cronogramas financeiros correlatos. A  fiscalização  da  execução  dos  programas  de  trabalho  fica  a  cargo  dos  órgãos competentes – controladorias internas e Tribunais de Contas dos respectivos Estados – e do Ministério dos Transportes”.[7] Cabe ao Tribunal de Contas da União verificar e determinar os percentuais que os Estados e Municípios irão receber, tudo através de indicações do tamanho de suas malhas viárias, consumo de combustível, quantidade populacional, dentre outros. Os indicadores do ano anterior é que determinarão os percentuais do ano corrente. A tabela abaixo mostra claramente que o Estado de São Paulo é o que mais arrecada com a CIDE Combustível, arrecadando em 2012 mais de 18% do total repassado pela União aos Estados, seguido pelo Estado de Minas Gerais, que recebeu um repasse da União do montante de um pouco mais de 11%.[8] Ressalva-se que o percentual de 100% está em conformidade com os 29% que a União repassa aos Estados, sendo que destes percentuais abaixo demonstrados, 25% são repassados para seus respectivos Municípios, o que demonstra de uma forma explícita quais são os Estados que hoje possuem uma malha viária mais extensa e que sugere maiores preocupações por parte do Estado União enquanto aos repasses. CIDE-Combustíveis – Repasse 2012. Acre: 0,78464349                            Paraíba: 1,83291039 Alagoas: 1,40019916                       Paraná: 6,44246256 Amapá: 0,65380196                        Pernambuco: 3,51999667 Amazonas: 1,67328311                    Piauí: 2,27622749 Bahia: 6,44545243                          Rio de Janeiro: 5,15282799 Distrito Federal: 1,41491635             Rio Grande do Norte: 1,90631979 Ceará: 3,56034965                                 Rio Grande do Sul: 5,65525353 Espírito Santo: 2,07542734               Rondônia: 1,38551548 Goiás: 4,90527215                          Roraima: 0,72781581 Maranhão: 3,04834818                    Santa Catarina: 3,66128762 Mato Grosso: 3,07283218                         São Paulo: 18,24102068 Mato Grosso do Sul: 2,46025142               Sergipe: 1,20582097 Minas Gerais: 11,29034265               Tocantins: 2,03877949 Pará: 3,16864146                             Cabe aqui sim, adentrar no mérito dos percentuais, como nos critérios adotados pela Lei nº 10.336/2001 para a distribuição desses percentuais, da aplicabilidade dos recursos que, de maneira desordenada não chegam ao seu destinatário final, ou que, pelo menos deveria ser, que é a infraestrutura do transporte público no país, merecedor do título caótico e problemático a que se encontra atualmente, carecedor dos investimentos oriundos das Contribuições para esse fim. A Lei nº 10.636, de 30 de dezembro de 2002, dispõe sobre a aplicação dos recursos originários da CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – e o seu art. 6º anuncia os objetivos essenciais quanto à aplicação dos recursos da CIDE nos programas de infraestrutura de transportes. “Art. 6º A aplicação dos recursos da Cide nos programas de infraestrutura de transportes terá como objetivos essenciais a redução do consumo de combustíveis automotivos, o atendimento mais econômico da demanda de transporte de pessoas e bens, a segurança e o conforto dos usuários, a diminuição do tempo de deslocamento dos usuários do transporte público coletivo, a melhoria da qualidade de vida da população, a redução das deseconomias dos centros urbanos e a menor participação dos fretes e dos custos portuários e de outros terminais na composição final dos preços dos produtos de consumo interno e de exportação.” Segundo o art. 6º, da Lei nº 10.636/2002, o Governo tem como objetivo, em relação à aplicação da CIDE Combustíveis, a redução do consumo de combustíveis automotivos. Porém, nos últimos anos vem usando a CIDE para neutralizar ou até mesmo amortecer os impactos das alterações dos preços dos combustíveis nas refinarias no Brasil, alterando seus valores consideravelmente, chegando até certo ponto a zerar tal valor, tudo visando a conter uma alta da inflação, levando em consideração que a variação nos preços dos combustíveis no Brasil afeta diretamente no cálculo do IPCA. Observam-se neste plano, dois contextos a serem analisados: um está relacionado à arrecadação da CIDE, com seus valores sendo variados para conter a inflação, para que a gasolina, o álcool e o diesel não subam. Outro contexto está ligado a real aplicação dos recursos da CIDE, que de maneira errônea, afronta o bom senso do cidadão, principalmente dos que realmente necessitam de um transporte público de qualidade e eficiência. Desde o ano de 2004, o Governo Federal já publicou sete decretos alterando os valores da CIDE incidentes sobre gasolina e diesel: [9] Decreto               Gasolina    Diesel         Vigência 5.060/2004           0,28          0,07       30/04/04 – 01/05/08 6.446/2008           0,18          0,03       02/05/08 – 07/06/09 6.875/2009          0,23          0,07       08/06/09 – 04/02/10 7.095/2010           0,15          0,07       05/02/10 – 26/09/11 7.570/2011           0,19          0,07       27/09/11 – 31/10/11 7.591/2011           0,09          0,05       01/11/11 – 24/06/12 7.764/2012           0,00          0,00       Indeterminado Observa-se que, em 2012, o Governo Federal reduziu a zero o valor da CIDE para os dois combustíveis, tudo isso pelo fato de a Petrobrás ter anunciado um aumento de 7,83% no preço da Gasolina A na refinaria e de 3,94% no valor do Diesel, ou seja, medida extrema para que os aumentos não chegassem aos postos de gasolina e atingissem assim o consumidor, contendo, dessa maneira, também a alta da inflação. O que o Governo na realidade queria, era neutralizar o impacto do aumento de preços nas refinarias para o consumidor. Porém, a alíquota zero aplicada à Cide Combustível pelo Governo veio a apoiar mais ainda os combustíveis fósseis em relação aos combustíveis renováveis. Nesse caso pode-se citar o etanol, extraído a partir da cana-de-açúcar. O etanol, nestas situações, terá relativamente de proporcionar valores que não superem as expectativas dos consumidores, porquanto os preços da gasolina tendem a baixar nas bombas, consequência da política do Governo em zerar a alíquota da CIDE Combustível.  Nunca é tarde lembrar que a CIDE Combustível incide nos combustíveis fósseis e não no etanol, dai o motivo da afirmação. Está havendo claramente uma diminuição na diferença tributária entre a gasolina e o etanol, que faz com que a implementação de políticas de tecnologia seja diminuída. Ao invés do Governo patrocinar os estudos para melhoria dos produtos renováveis, implanta suas forças no sentido de apoio aos produtos fósseis, que, diga-se de passagem, um dia irão acabar. Afronta inclusive, diretrizes aplicadas ao entendimento de um Meio Ambiente Sustentável, dando harmonia aos meios de produção e uma política de consumo ecologicamente correta, pensando nas gerações futuras que irão usufruir do ecossistema. Ademais, com o objetivo em questão a cerca das pretensões do Governo, reduzindo à alíquota da CIDE Combustíveis a zero, outro fator preponderante e alarmante assombra a então sonhada excelência em estrutura que se pretende alcançar no transporte público. Ao migrar energia focando os produtos fósseis, desonerando sua tributação, o Governo incentiva de um lado a indústria automobilística, de outro lado o próprio consumidor a comprar veículos, com incentivos fiscais, taxas de juros bancários para esse fim baixíssimos, onde se tem claramente um aumento desenfreado no consumo de veículos automotores. As análises aqui conceituadas guardam consonância com palavras de Roque Antonio Carrazza, o qual diz que “[…] por meio de contribuições de intervenção no domínio econômico, a União usa de institutos tributários para direcionar os contribuintes a certos comportamentos, comissivos ou omissivos, úteis ao interesse coletivo”.[10] Ora é verdade, que nos últimos anos fora observado um desempenho enorme por parte do governo para que as frotas de veículos em depósito nas montadoras fossem desoneradas, exemplo o IPI zero para alguns veículos, e com isso, mais e mais brasileiros das classes “C” e “D” adquiriram veículos zero quilômetros a preços mais baixos e com prestações que chegam a dezenas de parcelas. Diz-se até louvável tal atitude, porém isso não resolve o caos em que vive hoje o transporte público no Brasil, ao contrário, só aumenta. Nos grandes centros e também em cidades do interior o trânsito vive congestionado, e a falta de infraestrutura no transporte coletivo faz com que os custos das tarifas subam. Observa-se nesse contexto que muito pouco tem sido feito para a melhoria do transporte público, pois mais usuários em potencial andam de carro, congestionando o trânsito e, em contra partida, menos usuários efetivos buscam o transporte público, onerando assim, os valores das tarifas. A opção que o Poder Público fez foi totalmente política quando promoveu baixar o preço dos combustíveis, a exemplo da gasolina. Poderia sim, ter optado por um combustível mais limpo, promovendo a proteção do meio ambiente e ao mesmo tempo controlando a economia, deixando um espaço para a livre concorrência nesse mercado. A exemplo, cita-se o Etanol que é um combustível que agride bem menos o meio ambiente do que os combustíveis fósseis. É produzido a partir da cana-de-açúcar e foi reconhecido como o combustível mais limpo do mundo, pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. O Brasil vem produzindo ao longo dos anos vários modelos de automóveis que suportam bem o Etanol, porém, poucos estudos na área de tecnologia foram realizados para propiciar um aumento de produção do Etanol. Na realidade, o Governo procura incentivar e focar seus estudos na área petrolífera, com apoio das grandes indústrias de petróleo do mundo, o que fará com que o meio ambiente seja, ao longo dos anos, agredido com mais intensidade. Certo dizer que quem paga os prejuízos é a sociedade, porque com essa atitude polui-se mais o meio ambiente, pois os carros e motos poluem em quantidade bem mais que um ônibus, sem contar que lideram o ranking de acidentes entre veículos automotores, onerando assim o Sistema Único de Saúde. Isso porque não foi falado da Lei Seca, pois facilitaria mais o atendimento a tal diploma normativo se o transporte coletivo fosse mais barato, com qualidade e ao alcance de todos. Ao contrário do que muitos imaginam, nunca foi interessante para as empresas manterem as tarifas elevadas do jeito que agora estão, pois afugentam passageiros, que acabam indo para os financiamentos de carros populares e motos, ficando em certos casos mais baratos que os gastos com condução (em São Paulo, por exemplo, há pessoas que precisam tomar seis transportes por dia, sendo três idas e três voltas para poder chegar ao serviço e depois às suas casas). Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), demonstra que as famílias brasileiras 10% mais pobres gastam 10,7% da renda mensal com transporte público. Enquanto as 10% mais ricas utilizam apenas 0,5% da renda com isso. O que embasa a ideia de que os proprietários de veículos devem ajudar a custear o transporte público.[11] Ainda segundo o Ipea, cerca de 30% da população de menor renda não usa o transporte coletivo por falta de dinheiro para pagar a tarifa. Ambos os estudos foram apresentados recentemente, no dia 13 de agosto de 2013, em debate promovido pela Rede Nossa São Paulo para discutir alternativas de financiamento do transporte público.[12] Poderia sim a União, para tentar conter todas essas distorções, desonerar os tributos gradativamente em relação aos produtos fósseis, como, por exemplo, o PIS e a COFINS do óleo diesel utilizado no transporte público e energia elétrica utilizada pelo metrô. Pode também fazer repasses maiores em relação à CIDE Combustível aos Estados. Estes, em contrapartida, repassando maiores percentuais aos Municípios. O Estado, com a redução do ICMS sobre pneus, por exemplo, entre outros ligados diretamente ao transporte publico de maneira geral. Os munícipios também podem contribuir, reduzindo o ISS (imposto sobre serviços), quando se tratar de empresas de transporte coletivo (frisa-se que o Município de São Paulo já adota essa medida em relação ao ISS). Fala-se, inclusive, em repasse integral da CIDE Combustível aos Estados e Municípios pela União. Não há nada que justifique hoje a União repassar somente 29% da CIDE Combustível para os Estados, e estes somente 25% para os Municípios, tudo isso, conforme já dito, levando em consideração que os problemas de infraestrutura de transporte estão nos Municípios, em sua maioria. Daí a indagação acerca de onde, efetivamente, a União aplica o restante do produto da arrecadação da CIDE Combustível, tendo em vista que o sistema viário estadual e federal está totalmente sucateado, cheio de buracos, sem sinalização. Vale lembrar os esforços que a União vem fazendo para a concessão dos pedágios nas rodovias federais, o que contribui para a defesa da tese do repasse integral para os Estados e Municípios quando o assunto é CIDE Combustível. Seria sim uma perda de tributação em relação à CIDE Combustíveis, porém, um aumento na qualidade de vida de quem necessita e utiliza o transporte coletivo, desde que o capital ganho com a desoneração seja integralmente repassado para melhorias na infraestrutura do transporte coletivo, como também na diminuição das tarifas de ônibus. Percebe-se, neste contexto, a existência de uma cadeia de desoneração, onde se poderia chegar a uma redução de mais de 30% nas tarifas de ônibus. Com isso, a população como um todo ganharia, pois muitos deixariam os veículos particulares em casa e passariam a usufruir do transporte coletivo. O meio ambiente obviamente também sairia beneficiado. Com essa desoneração, poder-se-ia chegar também ao consenso nas melhorias de infraestrutura externa, como corredores exclusivos, acessibilidade ao especial em todos os transportes coletivos, ônibus novos, sem contar a maior integração que poderia existir entre os transportes municipais e interestaduais. Valeria sim, os esforços em conjunto. O que talvez esteja faltando para que tal projeto não seja uma utopia é puramente vontade política. Fica sem sentido o enunciado do art. 6º da Lei nº 10.636/2002 quando diz que a aplicação dos recursos da CIDE será nos programas de infraestrutura de transportes e terá como objetivos essenciais à redução do consumo de combustíveis automotivos, atendendo também a demanda no transporte público, objetivando a diminuição no tempo de deslocamento dos usuários dos transportes coletivos, melhorando assim sua qualidade de vida. O texto em sua essência, diante da realidade dos fatos vividos hoje pela população brasileira, é quase uma utopia. A análise se faz porque toda a infraestrutura de transporte coletivo está praticamente nos centros urbanos, quando mais um pouco, nas viagens interestaduais. Sendo assim, certo é que os repasses estão, no mínimo um pouco desequilibrados, levando em conta que a União repassa 29% da arrecadação da CIDE Combustível para os Estados, e estes por sua vez, repassam, desse montante, apenas 25% aos Municípios, que detém em sua maioria toda a preocupação e infraestrutura do transporte coletivo, o qual a população tanto clama por mudanças. A realidade é que os Prefeitos não aguentam mais retirar recursos do seu orçamento para serem aplicados na infraestrutura do transporte coletivo, quando existe uma Contribuição para esse fim, que por sua vez fica seu percentual maior em poder da União que nada faz para reverter essa situação. Outra realidade se faz necessária apresentar, é a utilização dos recursos da CIDE fora das hipóteses previstas na Constituição Federal, em seus art. 177, §4º, II, “a”, “b” e “c”. Tais recursos só podem ser utilizados para o custeio de subsídios a preços ou transporte de álcool combustível, gás natural e seus derivados, como também derivados de petróleo, deve ser utilizado também no financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás e ao financiamento de programas de infraestrutura de transportes. No entanto, sabe-se que o Poder Executivo utilizou o produto de arrecadação da CIDE para outros fins. Fato é que diante destas distorções, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 3970), com pedido de liminar, no Supremo Tribunal Federal (STF) contra qualquer interpretação dos dispositivos das leis 10.336/2001 (art. 1º, § 1º, incisos I a III) e 10.636/2002 (arts. 2º; 3º, parágrafo único; 4º, incisos I a VI; e 6º) que autorize a utilização dos recursos da Cide fora das hipóteses previstas na Constituição Federal (art. 177, § 4º, II, “a”, “b” e “c”).[13] Na ação, o procurador-geral também afirma que o Ministério do Meio Ambiente “utilizou-se de recursos provenientes da Cide não apenas para financiamento de projetos ambientais relativos à indústria do petróleo e do gás, como também para custear suas despesas de cunho administrativo. O Ministério dos Transportes, realizando uma interpretação ainda mais abrangente, tendo em vista as suas atividades, adotou o entendimento de que todas as suas despesas, independentemente da natureza, pudessem ser financiadas com os recursos provenientes da Cide-Combustíveis”.[14] O procurador-geral conclui que “a literalidade e a leitura sistemática do art. 177, § 4º, II, a, b e c, revelam o caráter vinculado de tais valores apenas e tão-somente às finalidades econômica, ambiental e de inversão no segmento de transporte”. Nesse sentido, ele faz elogios à Constituição Federal: “Nítida e elogiável a atenção constituinte com a precariedade da malha viária brasileira não só a estrangular as possibilidades de escoamento das riquezas produzidas no país – e com isso ampliá-la ainda mais -, como também a pôr em risco a integridade física e a vida de milhões de pessoas que por ela obrigatoriamente passam”.[15] Fato é que um posicionamento deveria ser tomado para que houvesse uma mudança no texto constitucional, trazendo os recursos da CIDE Combustível em sua totalidade para os Municípios, como forma de contribuição e condicionando sua aplicabilidade em 100% na infraestrutura de transportes, seja de maneira individual por parte de cada poder executivo municipal, ou seja por meio das parcerias e consórcios já existentes para este fim, com possibilidades de outros consórcios serem criados para assim utilizarem-se dos recursos da CIDE Combustíveis. 6. CONSIDERAÇÕS FINAIS As considerações finais se fazem no sentido de uma crítica à atual sistemática de repasse que o Governo Federal vem adotando quanto à CIDE Combustível. O Governo Federal precisa se conscientizar que toda a infraestrutura de transporte está hoje sob o domínio dos Estados e dos Municípios, de modo que é preciso ajustar o repasse a esta realidade, ter em seu planejamento e projeto, assuntos em relação à CIDE Combustível não somente focado ao controle da inflação e ao subsídio da gasolina e do álcool. O que se pode analisar, também, é uma preocupação do Governo quanto ao controle da inflação e também a derivação de recursos para os produtos fósseis, não renováveis, como é o caso do petróleo e seus derivados, deixando de lado a implantação de novas tecnologias e infraestrutura para os produtos renováveis, como é o caso do etanol, produção de cana-de-açúcar, óleo vegetal, entre outros. A preocupação com a infraestrutura de transporte local irá melhorar consideravelmente o transporte público nos grandes centros, e, se isso acontecer, menos carros irão poluir as ruas, mais usuários irão usar o transporte público, porém, para isso o Governo precisa focar os investimentos de maneira distrital, ou seja, colocando os recursos da CIDE Combustíveis em sua maioria onde existe o déficit nessa política pública. Analisou-se pelos gráficos aqui expostos que o maior repasse era feito para o Estado de São Paulo, seguido de Minas Gerais, certa lógica porque o caos que está o transporte público na capital São Paulo é enorme, porém os valores repassados são insuficientes para conter esse caos. Certo é que voltando a CIDE Combustível a ter seus percentuais majorados, o Governo precisa rever seus conceitos de repasse, analisar e entender que o caos no transporte público e na infraestrutura de transportes coletivos só será resolvido quando do repasse integral desse tributo aonde ele realmente deva ser investido. Percebe-se que é bastante injusto o repasse nos moldes e percentuais hoje adotados, podendo o Governo Federal fazer reuniões com os Governadores e Prefeitos para tratarem desse assunto, ouvindo as reclamações e as exigências e, quem sabe, estudar uma alíquota que condiga com a realidade dos fatos, sem prejudicar a alta da inflação ou cotação do dólar e ao mesmo tempo, sem prejudicar ou exonerar demais os preços da gasolina e do álcool. A maneira correta, diante das proporções trazidas ao texto, seria talvez uma alíquota flexível, com repasse integral aos Estados, e estes por sua vez, com um repasse que venha a atender a demanda dos Municípios quanto à infraestrutura do transporte público, sem ressalvas. O Governo Federal poderia, aos moldes que existe hoje com o ITR, manter-se competente em relação à CIDE Combustível, porém, delegar sua cobrança ao Estado ou ao Município, vinculando sua aplicabilidade dentro dos percentuais assim pré-estabelecidos. Insurgiria inclusive no entendimento da boa aplicabilidade do dinheiro público, pois sua cobrança gera insatisfações quando mal aplicado. Não só dos empresários em si, mas de toda a população que cada vez mais conhece dos seus direitos, e lutam para sua garantia, foco esse, disseminador das manifestações dos últimos tempos que aconteceram no Brasil.
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A dissolução irregular e a desconsideração da personalidade jurídica tributária
Na atualidade, ganha muita relevância o tema da responsabilidade jurídica tributária de terceiros, conforme disciplina constante dos artigos 134 e 135 do CT. O presente estudo abordará especificamente a hipótese extralegal e criação pretoriana da dissolução irregular, com estudo de suas condições do entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça e, na medida do possível, dos Tribunais Regionais Federais.
Direito Tributário
Introdução O tema da responsabilidade jurídica de terceiros em execução de créditos tributários é um assunto de interessante complexidade e que é muito abordado em sede doutrinária e nos Tribunais Superiores, tanto é que é objeto de diversas Súmulas nos âmbitos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. A matéria da responsabilidade tributária está disciplinada no Código Tributário Nacional (CTN), precisamente nos artigos 134 e 135. No que tange precisamente à dissolução irregular, embora possa se enquadrar na hipótese legal de infração à lei, não há tratamento específico seja no CTN, seja em outra legislação, de modo que as conclusões ora expostas são oriundas de construção jurisprudencial e doutrinária. Nesse contexto, após uma análise geral do tema, o presente estudo tratará com maiores fundamentos da hipótese extralegal e criação pretoriana da dissolução irregular, com estudo de suas condições do entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça e, na medida do possível, dos Tribunais Regionais Federais, no campo dos tributos federais. 1. Da responsabilidade tributária: noções gerais. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) instituiu, em oposição aos regimes então vigentes, um novo paradigma de Estado, o Estado Democrático de Direito, marcado crucialmente pela importância de um amplo rol de direitos (de primeira, segunda e terceira gerações) e pelo destaque que confere à participação popular na tomada de decisões políticas, na definição de políticas públicas e na conferência de legitimidade ao governante. Nesse diapasão, sendo o Estado incumbido de tutelar mais direitos, o recurso mais fácil de que dispõe é a tributação. Porém, esse direito não é ilimitado ou arbitrário. Pelo contrário, esse dever-poder do Estado é cercado por diversas nuances e regras cogentes, tais como a observância de lei para várias definições da obrigação tributária e seus componentes, bem como o respeito a diversos direitos dos contribuintes, já que a tributação não pode ser confiscatória. É nesse contexto que se situam as limitações ao poder de tributar, expressamente protegidas pelo texto constitucional, em seu artigo 150, como se dá com os princípios da legalidade, da anterioridade, da anterioridade nonagesimal, entre outros. Tais limitações estabelecem 3 (três) ordens de sentido[1], a saber: 1) servem como limite ao poder de tributar do Estado, 2) atuam como conjunto de normas de limitação de competência e, por fim, 3) atuam como forma de realização do valor promoção e proteção dos direitos fundamentais. Em linhas gerais, a obrigação tributária pressupõe um sujeito ativo, que é o Estado/Administração credor, titular do direito de exigir o cumprimento da obrigação, e, na outra posição, um sujeito passivo (elementos pessoais), que deve pagar um valor baseado em grandezas quantitativas, que são a base de cálculo e as alíquotas (critério quantitativo, que dá a definição da dívida tributária[2]), tão logo ocorrido o fato gerador do tributo ou da penalidade pecuniária, previsto em lei. No que tange à sujeição passiva tributária, dispõe o artigo 121, parágrafo único, inciso I, do CTN, que o contribuinte é o sujeito passivo direto, ou seja, o sujeito passivo da obrigação principal “quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Por outro lado, o responsável é definido pelo Código Tributário como o sujeito passivo indireto, ou o que “sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei” (inciso II do mesmo dispositivo legal). A presença do responsável como devedor da obrigação tributária traduz um fenômeno denominado de “modificação subjetiva no polo passivo da obrigação[3].” Numa primeira leitura, a terminologia adotada pelo CTN parece permitir a responsabilização de qualquer pessoa, independentemente de haver relação com o fato gerador. No entanto, mostra-se equivocado esse raciocínio. De fato, seria totalmente arbitrário o legislador entender como responsável pessoa totalmente alheia à situação definida como fato gerador do tributo. Daí porque prevê o artigo 128 a obrigatoriedade desse terceiro ser pessoa “vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação”, verbis: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. Isto é, depreende-se a intensidade do vínculo entre a obrigação tributária e o responsável, sem, é claro, configurar um elo pessoal e direto porque, se assim for, tratar-se-á de contribuinte, não de responsável. Frise-se, ainda, que a eleição desse terceiro como responsável decorre de razões de conveniência e necessidade. O próprio CTN fornece critérios para tanto e, em algumas situações, ele mesmo escolhe os responsáveis. É por esse motivo também que é imprescindível haver expressa disposição legal para a responsabilidade tributária de terceiros, nos termos da legalidade geral estatuída no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal (CF), e da legalidade tributária, constante do artigo 145, inciso II, do texto constitucional, assim como dos artigos 97, inciso III, e 121, inciso II, do CTN, princípio da reserva legal segundo o qual ninguém é obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Logo, sem lei expressa, o terceiro não pode ser responsabilizado, consoante entendimento consolidado em lei e na doutrina e jurisprudência. Para finalizar, é oportuno ressaltar que a questão da desconsideração da personalidade jurídica dos sócios também é condicionada pelas normas constitucionais que impõem limitações ao poder de o Estado tributar (vide artigo 150 da CF/88). Logo, a questão em exame merece ser estudada com a premissa de que a cobrança de tributos sempre deve ser limitada pela proteção constitucional aos direitos fundamentais do contribuinte[4]. 2. Da análise dos artigos 134 e 135 do CTN. Os artigos 134 e 135 do CNT versam sobre a responsabilidade por transferência de terceiros, para débitos de natureza tributária, em relação a sociedades, fundações e associações, pessoas jurídicas de Direito Privado elencadas no artigo 44 do Código Civil de 2002. Nestas hipóteses se situam os atos praticados por administradores ou gestores na vida patrimonial de certos contribuintes. Nesse cenário, é oportuno notar o posicionamento do jurista Eduardo de Moraes Sabbag[5] acerca do tema, já que entende que o artigo 134 do CTN traz hipótese de responsabilidade por transferência subsidiária, enquanto que o seguinte, dispositivo 135, prevê situações que ensejam responsabilidade pessoal, exclusiva e por substituição. Outra divisão cabível pelo doutrinador é que o artigo 134 do CTN trata de responsabilidade de terceiro com atuação regular e o artigo 135 do CTN, por sua vez, de responsabilidade de terceiro com atuação irregular, o que enseja submissão a tratamentos jurídicos diversos, a ser abaixo melhor delineado. A princípio, a pessoa jurídica é uma entidade autônoma, que responde pelos débitos tributários oriundos do desenvolvimento ordinário da atividade societária. Consequentemente, com personalidade própria encontram-se seus componentes, os sócios ou associados, cujos patrimônios, entendidos como o conjunto de bens, direitos e obrigações, são, de regra, distintos e incomunicáveis, para justificar, inclusive, a criação dessa figura jurídica fictícia. Os representantes da pessoa jurídica devem agir em nome desta, nos termos dos objetivos sociais. Quando atuam dessa maneira, estão isentos de responsabilidade por dívidas fiscais da pessoa jurídica. No entanto, ao agirem em desconformidade com os objetivos sociais ou a lei, podem ser responsabilizados por dívidas de outrem. De fato, a proteção legal conferida às pessoas jurídicas não pode subsistir se constatado o abuso de direito, o desvio de finalidade ou o intuito fraudulento, com o fim de prejudicar o adimplemento de obrigações contraídas, sejam em face de particulares, seja perante o Estado-Fisco, quando os sócios usam dessa “blindagem” ou do “véu da pessoa jurídica” para afrontar a lei e o direito dos credores. É por essa razão que já é aplicada há um bom tempo a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, inicialmente no campo do Direito Privado (direito civil e empresarial), depois no consumerista e trabalhista e, na atualidade, também no âmbito do Direito Tributário, cujo tratamento legal se dá no artigo 135 do CTN, precisamente no inciso III, além de criações pretorianas. 3. Do estudo específico – da desconsideração da personalidade jurídica em caso de dissolução irregular. A dissolução irregular já é há muito tempo fundamento usado para as Procuradorias das Fazendas buscarem a ruptura do manto da personalidade jurídica, quando usada de forma maliciosa para esconder fraudes, e, assim, excepcionalmente, justificar a invasão da esfera patrimonial dos sócios. Essa hipótese implica uma ponderação concreta de valores pelos julgadores, já que estão em contraponto princípios e valores igualmente tutelados pela lei e pela CF/88. Assim, de um lado, têm-se os valores da promoção da livre iniciativa (artigos 1º, inciso IV, e 170, caput, da CF/88), do valor social do trabalho (artigo 1º, inciso IV, da CF/88), da busca do pleno emprego (artigo 170, inciso VIII, da CF/88), da justiça social (artigo 170, caput, da CF/88), dos valores ambientais (artigo 51, inciso XIV, do Código de Defesa do Consumidor) e outros, como os dos artigos 1º, inciso III, 3º, inciso I, e 170, inciso VII, da CF/88. Na outra vertente, sustentada pelas teses fazendárias, encontram-se valores também de grande magnitude, como a proteção da igualdade, da capacidade contributiva e da função social da empresa e da propriedade, pois “Se a pessoa jurídica foi constituída com o único propósito de proteger o patrimônio dos sócios de uma futura execução, então nesse caso terá ocorrido o desvirtuamento dos princípios da ordem econômica e dos direitos fundamentais na área econômica[6].” Aliás, é notória a dificuldade de se localizarem bens da pessoa jurídica em dificuldades financeiras, ré em execuções fiscais e outras ações de cobrança ou fase executiva em geral, principalmente pela dissipação patrimonial por seus gestores e pela utilização do instituto da dissimulação. Embora prevista como outra hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, em verdade a dissolução irregular, ou seja, a extinção da pessoa jurídica sem deixar patrimônio suficiente para quitar as dívidas societárias e sem baixa perante os órgãos oficiais, configura verdadeira infração à lei. Ou seja, apesar de não positivada expressamente no CTN, o fato é que sua aplicação é e sempre foi perfeitamente possível, com arrimo no artigo 135, caput, eis que configura nítida hipótese de violação de leis tributárias e não tributárias e de diversos atos normativos dos órgãos fazendários. Sobremais, mister salientar que a dissolução irregular implica ofensa a diversos dispositivos legais, tais como os artigos 51, 1150 e 1151 do Código Civil, e o artigo 32 da Lei n.º 8.934, de 18 de novembro de 1994 (dever de atualização de dados cadastrais). Veja-se também que a dissolução irregular enseja a responsabilização das pessoas elencadas no supramencionado dispositivo em decorrência dos princípios e valores que já norteiam o Estado Brasileiro, como o princípio da justiça e a vedação do locupletamento ilícito, numa ponderação de valores a favor da racionalidade. A Portaria PGFN n.º 180, de 25 de fevereiro de 2010[7], inseriu a dissolução irregular como motivo infralegal para o redirecionamento, a saber: “Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: (Redação dada pela Portaria PGFN nº 904, de 3 de agosto de 2010) I – excesso de poderes; II – infração à lei; III – infração ao contrato social ou estatuto; IV – dissolução irregular da pessoa jurídica. Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários.” Nesse ínterim, a dissolução irregular implica infração à lei porque a pessoa jurídica deixou de atender aos ditames legais para sua extinção regular e consta, em órgãos oficiais, como ativa, embora nem mais atue, em prejuízo óbvio de seus credores, que não conseguem localizar bens da empresa, associação ou fundação ou mesmo tentar a penhora do faturamento rotativo ou medidas de bloqueio de ativos financeiros, pelo sistema BACENJUD. Ora, é dever do sócio administrador, diante da paralisação definitiva das atividades da pessoa jurídica, promover-lhe a regular liquidação, ou seja, realizar o ativo, pagar o passivo, ratear o remanescente entre os sócios e dar baixa na Junta Comercial e na Secretaria da Receita Federal do Brasil. Não cumprindo tal mister, nasce a presunção de apropriação indébita dos bens da sociedade. Tem sido comum, sobretudo no caso de pequenas empresas, quando não alcançam sucesso, os sócios, ao invés de formalizarem a dissolução e extinguirem legalmente a pessoa jurídica, simplesmente fecharem as portas e fazerem a divisão do patrimônio entre si, deixando inúmeras dívidas inadimplidas. Assim, embora contratualmente e pela lei haveria limitação da responsabilidade na limitada, fica caracterizada a dissolução de fato/irregular, e não de direito, passando assim a responsabilidade dos sócios de limitada para ilimitada. Embora não tenha tratado especificamente dos efeitos decorrentes da dissolução irregular das sociedades, de modo a se omitir sobre a responsabilidade pessoal dos sócios nessa situação, o legislador deixou claro o dever legal de se observarem as formalidades prescritas em lei para se promover a extinção dos entes coletivos. Prescreveu, assim, um verdadeiro dever legal a ser cumprido pelos sócios. Nesse contexto, não resta dúvida de que a dissolução da sociedade promovida irregularmente, isto é, sem a devida observância das formalidades legais, configura infração à lei, imputável diretamente à pessoa dos sócios. Em tais casos, isto é, quando a empresa deixa de funcionar sem prestar qualquer informação aos órgãos adequados, presume-se a dissolução irregular. Esse entendimento já vinha sendo seguido pelas Turmas do STJ (conforme as ementas dos seguintes julgados: AGRESP 201202156167, MAURO CAMPBELL MARQUES, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/05/2013 ..DTPB; AERESP 201202354810, BENEDITO GONÇALVES, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:21/03/2013 ..DTPB; AGRESP 201201764690, HUMBERTO MARTINS, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/10/2012 ..DTPB). E recentemente, em abril de 2010, a matéria foi sumulada pelo STJ, cujo teor é a seguir reproduzido: “Súmula n. 435 (STJ): Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.” Na linha adotada pelo STJ, citem-se os precedentes dos Tribunais Regionais Federais: AC 200650010095832, Desembargador Federal RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA, TRF2 – QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data: 24/05/2013; AI 00066101320104030000, JUIZ CONVOCADO HERBERT DE BRUYN, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AI 00016198620134030000, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AG 00062063420124050000, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 – Terceira Turma, DJE – Data::11/12/2012 – Página::329. Ainda, é prudente ratificar que, na linha adotada pelo STJ, o simples inadimplemento da obrigação tributária não configura infração à lei e automático redirecionamento da execução fiscal (segundo assentado na Súmula n.º 430 do STJ). Ademais, é imprescindível se distinguir duas situações, que são a efetiva dissolução irregular da sociedade e, por outro lado, a mera inatividade ou operação reduzida[8]. Nessa seara, o STJ entende que o administrador da sociedade é responsável, em havendo a paralisação definitiva das atividades societárias, a proceder a regular dissolução ou liquidação, no caso de cooperativas, obedecer às normas legais vigentes e, assim, comunicando os órgãos oficiais e realizando o acerto de ativos e passivos; contudo, caso não o faça, a presunção (relativa) que se tem é a de que houve dissolução irregular da empresa e, assim, o sócio-gerente ou o sócio com poderes de gerência deverá ser responsabilizado por débitos de natureza tributária. Logo, na linha seguida pela jurisprudência, a dissolução irregular restará caracterizada quando: não houver quitação regular de dívidas tributárias e a empresa não for localizada nos endereços constantes dos bancos de dados oficiais, devendo esse fato ser certificado pelo Oficial de Justiça, que goza de fé pública, já que o STJ não admite como fundamento para tanto a mera devolução de carta de citação com aviso de recebimento “negativo”. Também será possível na situação de que o distrato social não foi devidamente registrado na Junta Comercial. Veja-se que não se exige prova cabal da dissolução irregular, posto que bastam indícios de que tenha ocorrido, como a certificação pelo Oficial de Justiça de que a empresa deixou de funcionar no endereço informado aos órgãos oficiais, o que caracteriza a cessação das atividades, e a ausência de bens para penhorar. Por conseguinte, caso reste configurada situação caracterizada como dissolução irregular, opera-se a inversão do ônus da prova, cabendo ao sócio-gerente provar que não agiu com culpa, dolo, fraude ou excesso de poder (vide REsp n.º 1.004.500/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 25 de fevereiro de 2008). Logo, a previsão de redirecionamento em caso de extinção irregular da empresa, ainda que continue não inserida formalmente no CTN, está sumulada pelo STJ e é pacífica na doutrina. 4. Da atuação fazendária em matéria de responsabilidade de terceiros. Análise interessante cumpre ser feita sobre a desconsideração da personalidade jurídica no bojo de Execução Fiscal, disciplinada na Lei n.º 6.830/80. A CDA goza dos atributos de certeza e liquidez e essa presunção é relativa (iuris tantam), de forma que pode ser elidida caso o executado comprove efetivamente a inexistência desses pressupostos. Tem também o efeito de prova pré-constituída. Quanto ao redirecionamento, já se viu que, de regra, os julgados exigem a demonstração dos requisitos previstos no artigo 135 do CTN, não bastando a referência genérica, salvo se os nomes dos responsáveis já estiverem na CDA, consoante jurisprudência consolidada do STJ. Sobre essa previsão ou não na CDA, foi publicada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a Portaria n.º 180, em 28 de fevereiro de 2010, que prevê certas limitações ao redirecionamento aos sócios-gerentes em caso de débito tributário, o que se mostra de grande relevância, a fim de afastar abusos. Com efeito, o ato normativo em comento prevê que a inclusão de um responsável na CDA somente ocorrerá após a declaração fundamentada de autoridade competente da Receita Federal ou da própria PGFN acerca da ocorrência, de, ao menos, uma das seguintes situações em relação à sócio-gerente ou terceiro não-sócio com poderes de gerência (administrador), elencadas no artigo 2 supratranscrito, quais sejam: a) ato praticado com excesso de poderes; b) ato praticado em infração à lei; c) ato praticado em infração ao contrato social ou estatuto; d) dissolução irregular da pessoa jurídica. Dessa forma, inovou no cenário jurídico ao exigir a produção de provas para responsabilização do terceiro. Assim, exige a motivação do ato de inclusão do nome do terceiro na CDA e a juntada de provas indiciárias de autoria e infração. Nesse ponto, cumpre repisar que, antes do advento do entendimento sumulado do STJ, a PGFN já incluíra a hipótese de dissolução irregular entre aquelas que justificam a desconsideração da personalidade jurídica, por meio da Portaria em questão, precisamente no artigo 2º, inciso IV. A respeito, questão ainda tormentosa em sede doutrinária e na jurisprudência dos Tribunais Regionais e do STJ é saber quais são os sócios-administradores ou com poderes de gerência que devem ser responsabilizados por tais dívidas tributárias, ou seja, se englobaria apenas que estiveram na sociedade durante o fato gerador da obrigação tributária ou se também devem ser submetidos aqueles integrantes do quadro societário à época da dissolução irregular. Nessa linha, é interessante notar o tratamento diferenciado conferido pela Portaria ao fato gerador que gera a responsabilização. De fato, ao se referir à previsão do artigo 135, inciso III, do CTN, no artigo 1º, menciona o responsável o sócio ou não sócio, com poderes de gerência sobre a pessoa jurídica, “à época da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária objeto de cobrança judicial.”   Em sentido oposto, quando houver dissolução irregular, no parágrafo único do artigo 2º supracitado, o redirecionamento deve se voltar aos sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência “à época da dissolução, bem como do fato gerador”, isto é, amplia-se a hipótese de responsabilização, para pessoas aquele daquele período em que nasceu a obrigação tributária, para alcançar até mesmo os que já deixaram a sociedade à época da extinção irregular da sociedade, fundação ou associação. Essa questão é objeto de análise do Parecer PGFN/CRJ/n.º 1956, de 30 de setembro de 2011, subscrito pelo Coordenador de Consultoria Judicial, Dr. João Batista de Figueiredo[9]. Em minucioso estudo promovido no Parecer o i. Procurador fez uma pesquisa da orientação dos Tribunais Regionais Federais e do STJ acerca do alcance temporal da dissolução irregular. Assim, o jurista concluiu que, para que esteja caracterizada a responsabilidade do artigo 135 do CTN, nos casos de dissolução irregular da pessoa jurídica, a orientação dos Tribunais Regionais Federais da 2ª e 3ª Regiões é a de que basta que o agente seja sócio-gerente ao tempo do surgimento da obrigação tributária (data da ocorrência do fato gerador), prescindindo que o seja também ao tempo da dissolução irregular da sociedade. Porém, esse entendimento não é favorável às teses fazendárias em sua inteireza, já que os julgados não falam ou esclarecem acerca da responsabilidade do sócio-gerente ou administrador com poderes de gerência ao tempo da extinção irregular da sociedade. Por sua vez, no STJ, há uma discrepância de entendimentos, eis que, para uma posição, somente poderá ser responsabilizado aquele que era sócio-gerente ao tempo do surgimento da obrigação tributária (fato gerador) e, simultaneamente, ocupava essa mesma posição quando da dissolução irregular da sociedade executada pode ser responsável tributário, nos termos do artigo 135, III, do CTN, e para a tese minoritária acolhida pela Corte, preconiza-se que o fato de o sócio-gerente ter-se retirado da empresa antes de sua dissolução irregular não obsta o redirecionamento da execução fiscal contra ele, uma vez que já integrava a sociedade à época do fato gerador. O i. Parecerista salienta que “(…) nenhum dos entendimentos jurisprudenciais acima expostos contempla inteiramente os interesses da Fazenda Nacional — pois não possibilita a inclusão como responsável solitário também daquele que se encontra na gerência da sociedade ao tempo da dissolução irregular da pessoa jurídica, sem que o estivesse ao tempo da ocorrência do fato gerador do tributo —,, bem assim dá ensejo a que fraudes sejam cometidas, com significativos prejuízos ao Erário, na medida em que possibilita, por exemplo, que sócios-gerentes ou administradores da sociedade com poderes de gerência dela se ausentem sem pagar os tributos devidos, colocando em seu lugar prepostos seus que, ao depois, dão causa à extinção irregular da pessoa jurídica.  Restando evidenciado que nenhum dos entendimentos jurisprudenciais acima expostos contempla inteiramente os interesses da Fazenda Nacional, bem assim dá ensejo a que fraudes sejam cometidas, com significativos prejuízos ao Erário, na medida em que possibilita, por exemplo, que sócios-gerentes ou administradores da sociedade com poderes de gerência dela se ausentem sem pagar os tributos devidos, colocando em seu lugar prepostos seus que, ao depois, dão causa à extinção irregular da pessoa jurídica, passa-se à defesa de tese jurídica que melhor resguarde ditos interesses e que viabilize a inclusão como responsável tributário não apenas do sócio-gerente ou administrador com poderes de gerência ao tempo da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária e que dela se retira, mas também daquele que ingressa ulteriormente na sociedade e dá causa à sua extinção irregular, no pressuposto de que ambos, na verdade, concorrem culposa ou dolosamente para o não pagamento do tributo e a conseqüente dissolução irregular da pessoa jurídica.” Contudo, o jurista ressalta que a tese defendida no Parecer n.º 40/2010, materializada no parágrafo único do artigo 2º da Portaria PGFN n. º 180/2010 não frutificou no âmbito do STJ, que tem reiterado seu entendimento no sentido da impossibilidade do redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente que, embora integre a sociedade ao tempo do fato gerador do tributo inadimplido, é excluído da sociedade antes de sua dissolução irregular, sob a alegação de que, como visto, o simples inadimplemento do tributo não configura hipótese disposta no artigo 135, inciso III, do CTN. Sob essas ponderações, o i. Procurador Parecerista sugere a modificação do artigo 2º e seu parágrafo único da precitada Portaria PGFN n.º 180/2010, para que o redirecionamento da execução fiscal requerido pelos Procuradores da Fazenda Nacional passe a ser guiado pela seguintes premissas, a saber: “(1) tanto para o sócio-gerente ou administrador da sociedade ao tempo da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, quanto para aquele que deu causa à sua dissolução irregular, quando comprovada que a saída daquele da sociedade é fraudulenta; (2) para o sócio-gerente ou administrador da sociedade ao tempo da dissolução irregular, sempre que configurada esta hipótese.” Embora ainda não haja alteração formal do dispositivo do ato infralegal, o Parecer em questão permanece válido e é seguido na PGFN, pois consta expressamente entre as hipóteses permissivas de dispensa de contestar ou recorrer por seus Procuradores, na lista “2.1”, entre temas julgados pelo STJ sob a forma do art. 543-C do Código de Processo Civil (CPC)[10]. Conclusão. Diante dos fundamentos ora expostos e sustentados, o estudo em tela defende a correção do atual posicionamento da jurisprudência acerca do tema da desconsideração da personalidade jurídica, notadamente quanto à dissolução irregular. Aliás, considero que, mais do que uma análise fria e objetiva do art. 135 do CTN, deve haver um estudo casuístico, para verificar se a dificuldade e a rigorosidade de comprovação de excesso de poderes e infração à lei não servem, em verdade, para salvaguardar interesses obscuros de gestores, os quais se valem ilicitamente do ordenamento jurídico, com suas falhas e lacunas, para prejudicar o alcance dos credores ao seu patrimônio e incorrer em fraude à lei. Há institutos para obstar essa prática, como a simulação, disciplinada na legislação civil, mas a constatação das peculiaridades da situação fática pelo juiz é imprescindível. Ainda, as provas da responsabilização do terceiro devem ser certamente exigidas dos interessados em “levantar o véu” ou o “escudo” da pessoa jurídica; porém essa comprovação não pode ser tão rigorosa a ponto de inviabilizar o interesse do credor lesado e favorecer os interesses do terceiro mal intencionado. De outra parte, defendo que não podem haver exageros e ilegalidades na procura desenfreada de bens, particularmente dos patrimônios dos sócios, sob pena de violação de conceitos básicos no direito societário e de se gerar um receio abusivo e infundado, não condizente com um Estado Democrático de Direito. Logo, é necessário que haja sim limites para ambas atuações (seja mais permissiva seja mais rígida) e se faça uma devida ponderação de valores e princípios, no caso concreto, o que exige do Administrador e do Juiz muita cautela e razoabilidade.
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Estudo do CTN e da atual orientação jurisprudencial sobre o tema da responsabilidade tributária de terceiros
O tema da responsabilidade jurídica tributária de terceiros, com disciplina constante dos artigos 134 e 135 do CTN, é um assunto muito abordado pela doutrina e pelo Poder Judiciário, ante a divergência na interpretação legal e as consequências que a aplicação da doutrina da disregard doctrine causa na prática, com a submissão do patrimônio pessoal do administrador responsável por débitos da pessoa jurídica. O estudo em tela analisará as hipóteses gerais da responsabilidade de terceiros por débitos tributários, as condicionantes e os limites para tanto e, por fim, exporá o entendimento atual dos Tribunais Superiores.
Direito Tributário
Introdução O estudo em comento pretende analisar o tema da responsabilidade de terceiros por débitos tributários com especial enfoque para as hipóteses legais e a hodierna orientação jurisprudencial sobre o assunto. Como já se pode adiantar, a matéria é controvertida e gera amplas discussões, sendo que muitos posicionamentos atuais são mais provenientes da hermenêutica de magistrados sobre o Código Tributário Nacional (CTN) do que propriamente derivam da letra fria da lei. Sob essas considerações, o artigo em tela pretende analisar as hipóteses gerais da responsabilidade de terceiros por débitos tributários, as condicionantes e os limites para tanto e, por fim, exporá o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça, por se tratar de matéria legal, e, na medida do possível, mencionará julgados dos Tribunais Regionais Federais, para débitos federais. 1. Da responsabilidade tributária: noções gerais. A Constituição Federal de 1988 (CF/88) instituiu, em oposição aos regimes então vigentes, um novo paradigma de Estado, o Estado Democrático de Direito, marcado pela importância de um amplo rol de direitos (de primeira, segunda e terceira gerações) e pelo destaque que confere à participação popular na tomada de decisões políticas, na definição de políticas públicas e na conferência de legitimidade ao governante. Nesse diapasão, a consequência do dever constitucional de tutelar mais direitos é que a atuação do Estado se torna mais onerosa e com custos consideráveis, os quais devem ser arcados por todos, no ideal constitucional do dever geral de solidariedade entre todos, conforme salientado em pesquisa promovida sobre o tema da “Desconsideração da personalidade jurídica”, objeto do “Projeto Pensando o Direito”, da “Série Pensando o Direito n.º 29/2010, em parceira da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) com a Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, sob coordenação academia dos Professores Dr. Paulo Caliendo e Fábio Siebeneichler de Andrade[1]. Para esse intento, o recurso mais fácil de que dispõe o Estado é a tributação. Porém, esse direito não é ilimitado ou arbitrário. Pelo contrário, esse dever-poder do Estado é cercado por diversas nuances e regras cogentes. Tais limitações estabelecem 3 (três) ordens de sentido[2], a saber: 1ª) servem como limite ao poder de tributar do Estado, 2ª) atuam como conjunto de normas de limitação de competência e, por fim, 3ª) contribuem para a realização do valor promoção e proteção dos direitos fundamentais. Nesse contexto, insere-se a responsabilidade tributária, tema que se destaca pelo binômio contribuinte-responsável, ou seja, aquele é o sujeito passivo direto e este, o sujeito passivo indireto. Em ambos os casos, a sujeição passiva depende de expressa previsão legal. No que tange à sujeição passiva tributária, dispõe o artigo 121, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN), que o contribuinte é o sujeito passivo direto, ou seja, o sujeito passivo da obrigação principal “quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Por outro lado, o responsável é definido pelo Código Tributário como o sujeito passivo indireto, ou o que “sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei” (inciso II do mesmo dispositivo legal). A presença do responsável como devedor da obrigação tributária traduz um fenômeno denominado de “modificação subjetiva no polo passivo da obrigação[3].” Numa primeira leitura, a terminologia adotada pelo CTN parece permitir a responsabilização de qualquer pessoa, independentemente de haver relação com o fato gerador. No entanto, mostra-se equivocado esse raciocínio. De fato, seria arbitrário o legislador entender como responsável pessoa totalmente alheia à situação definida como fato gerador do tributo. Daí porque o artigo 128 prevê a obrigatoriedade desse terceiro ser pessoa “vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação”, verbis: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”. Isto é, depreende-se a intensidade do vínculo entre a obrigação tributária e o responsável, sem, é claro, configurar um elo pessoal e direto porque, se assim for, tratar-se-á de contribuinte, não de responsável. Frise-se, ainda, que a eleição desse terceiro como responsável decorre de razões de conveniência e necessidade. É por esse motivo também que é imprescindível haver expressa disposição legal para a responsabilidade tributária de terceiros, nos termos da legalidade geral estatuída no artigo 5º, inciso II, e da legalidade tributária, constante do artigo 145, inciso II, do texto constitucional, assim como dos artigos 97, inciso III, e 121, inciso II, do CTN, princípio da reserva legal segundo o qual ninguém é obrigada a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei. Logo, sem lei expressa, o terceiro não pode ser responsabilizado. Ricardo Lobo Torres usa critérios do Direito Civil para distinguir as figuras do contribuinte e do responsável[4]. Com efeito, para o tributarista, as diferenças fundamentais entre o contribuinte e o responsável são duas, quais sejam, 1) o contribuinte tem o débito (debitum, Schuld), que é o dever de prestação, e a responsabilidade (Haftung), isto é, a sujeição do seu patrimônio ao credor (obligatio); por outro lado, o responsável tem a responsabilidade (Haftung) exclusiva, solidária ou subsidiária, mas não o débito (Schuld), já que paga tributo por conta do contribuinte; 2) a posição do contribuinte nasce com o fato gerador da obrigação tributária e a do responsável surge com a realização do pressuposto previsto na lei que regula a responsabilidade, chamada pela doutrina alemã de “fato gerador da responsabilidade” (Haftungstatbestand). Nesse cenário, repise-se que a questão da desconsideração da personalidade jurídica também é condicionada pelas normas constitucionais que impõem limitações ao poder de o Estado tributar (vide artigo 150 da CF/88). Assim, a questão em exame merece ser estudada com a premissa de que a cobrança de tributos sempre deve ser limitada pela proteção constitucional aos direitos fundamentais do contribuinte[5]. 2. Da classificação da responsabilidade tributária. Em busca de uma classificação da responsabilidade tributária, sugere-se a adotada por Rubens Gomes de Souza, que foi um dos autores do CTN, com utilidade didática, e seguida também por Luciano Amaro, Ricardo Lobo Torres[6], Ricardo Alexandre[7] e Eduardo de Moras Sabbag[8], com algumas observações que ora se faz e serão abaixo melhor explicitadas[9]. Essa é, pois, a classificação sugerida: 1)  Responsabilidade por substituição: é bem definível e comum na prática legislativa. Nessa condição, a sujeição passiva nasce com o fato gerador, momento em que o responsável (substituto) passa a ocupar o lugar do contribuinte (substituído). Assim, o substituto fica no lugar do contribuinte, cuja responsabilidade fica afastada.  Subdivide-se em: 1.1) regressiva (“para trás” ou antecedente): Dá quando as pessoas ocupantes de posições anteriores nas cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições posteriores dessa relação, havendo, assim, postergação do pagamento; 1.2) progressiva (“para frente” ou subsequente): Nesse caso, os ocupantes de posições posteriores nas cadeias de produção e circulação são substituídos, no dever de pagar o tributo, por aquelas que se encontram nas posições anteriores; 2) Responsabilidade por transferência: ocorre após a ocorrência do fato gerador, de modo a excluir a responsabilidade do contribuinte ou atribuí-la sob caráter supletivo. No momento do fato gerador, figurava o contribuinte como sujeito passivo; porém, posteriormente, a ocorrência de um evento definido em lei causa a modificação subjetiva (dos sujeitos) na obrigação surgida, ou seja, a responsabilidade é transferida e, assim, surge a figura do devedor, nos termos da lei. Dessa forma, o responsável fica junto com o contribuinte, que conserva a responsabilidade em caráter supletivo[10]. Por oportuno, cumpre salientar que pode ocorrer de contribuinte para responsável ou de responsável para responsável, como nas hipóteses de responsabilidade por sucessão previstas no art. 131, incisos II e III, do CTN[11]. Pode ser dividida nas seguintes situações: 2.1) por solidariedade: prevista no artigo 135 do CTN; 2.2) por sucessão: artigos 129 a 133 do CTN. Não oferece maiores dificuldades. Pode ser solidária ou subsidiária[12]; 2.3) por responsabilidade[13] (ou mais corretamente, de terceiros[14] ou por subsidiariedade[15]: artigo 134 do CTN. 3. Da análise dos artigos 134 e 135 do CTN – hipótese legais e atual interpretação jurisprudencial. 3.1. Do artigo 134 do CTN: Estatui o artigo 134 do CTN: “Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I – os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II – os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III – os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV – o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V – o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório.” A respeito, esclarece o jurista Eduardo de Moraes Sabbag[16]uma séria irregularidade técnica do dispositivo em estudo. Com efeito, Sabbag observa que a responsabilidade “solidária” mencionada no caput do artigo 134 do CTN não é solidária plena, mas sim subsidiária, uma vez que não se pode cobrar tanto de um como de outro devedor, havendo uma ordem de preferência a ser seguida. Isto é, em primeiro lugar, cobra-se do contribuinte; após, exige-se o gravame do responsável. Afasta-se, assim, sem grande esforço interpretativo, o contexto da “solidariedade”, pois esta não se coaduna com o benefício de ordem. Note-se que o equívoco terminológico do CTN é tão evidente que o próprio Código diz, no artigo 124, parágrafo único, que a solidariedade não comporta benefício de ordem, a despeito de ser algo óbvio. Além dessa importante nota, Eduardo de Moraes Sabbag esclarece que o artigo 134 do CTN trata de responsabilidade de terceiro com atuação regular[17]. É importante enfatizar que a eleição desse terceiro responsável também obedece a critérios, aliás como assim ocorre em matéria de responsabilidade tributária. No caso preciso do artigo 134 do CTN, a seleção desse terceiro não decorre apenas do vínculo decorrente da relação de tutela, curatela, inventariança, entre outros mencionados nos seus diversos incisos. De fato, o jurista Luciano Amaro nota que, para tanto, requer-se que esse terceiro tenha praticado algum ato (omissivo ou comissivo), posto que “sua responsabilidade se conecta com os atos em que tenha intervindo ou com as omissões pelas quais for responsável[18].” Para haver essa responsabilização, são necessários os seguintes requisitos, na lição de Ricardo Alexandre[19]: 1) impossibilidade do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte; e 2) ação ou omissão indevidas imputável à pessoa designada como responsável. O parágrafo único do artigo 134 do CTN limita a responsabilidade das pessoas elencadas nos incisos aos tributos e às multas moratórias, que são devidas em caso de mora no cumprimento da obrigação tributária. No que concerne às demais multas, definidas como punitivas ou de ofício, imputáveis em caso de prática de ato ilícito, o entendimento doutrinário é o de que o infrator fica sujeito à responsabilização pessoal, prevista nos artigos 136 a 138 do CTN[20]. 3.2. Do artigo 135 do CTN: Primeiramente, veja-se a redação do artigo 135 do CTN: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” A responsabilidade prevista no artigo 135 do CTN é pessoal, imediata, plena e exclusiva do terceiro, ou seja, respondem pelo débito tributário mandatários, prepostos, empregados, diretores ou gerentes e aqueles elencados nos incisos do artigo 134 quando agirem, na relação jurídico-tributária, com excesso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatuto. Por oportuno, mostra-se relevante salientar o posicionamento do jurista Eduardo de Moraes Sabbag[21] acerca do tema, mormente quando distingue basicamente os casos de responsabilidade tributária de terceiros tratados nos artigos 134 e 135 do CTN. Nesse diapasão, Sabbag entende que o artigo 135 prevê situações que ensejam responsabilidade pessoal, exclusiva e por substituição, bem como que versa sobre a responsabilidade de terceiro com atuação irregular. No entanto, mister observar que, no artigo 135 do CTN, não há benefício de ordem, já que a responsabilidade é solidária. Na verdade, o CTN apenas prevê a responsabilidade pessoal, pois não menciona responsabilidade única e exclusiva. Todavia, o entendimento jurisprudencial predominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o de que essa responsabilidade é sim solidária. A respeito, pode-se citar recente julgado da Corte, o AGA 201000306039, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, 30/04/2010. Sobremais, essa orientação está corroborada também pelo Parecer PGFN/CRJ/CAT n.º 55/2009, da lavra do Procurador da Fazenda Nacional Dr. Anselmo Henrique Cordeiro, que adota a tese jurídica de que a responsabilidade tratada no artigo 135, III, do CTN é solidária, porém, subjetiva, fato que demanda a demonstração fundamentada pela autoridade fiscal competente da existência de culpa (latu sensu – culpa ou dolo) dos responsáveis solidários. Note-se que, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, como é a do presente caso (responsabilidade com culpa), deve haver demonstração da conduta ilícita culposa, do dano e do nexo de causalidade entre a conduta e a ocorrência do dano, para que o agente responda pela integral reparação. Para Ricardo Lobo Torres o artigo 135 do CTN trata de hipóteses de responsabilidade solidária ab initio, posto que o responsável se coloca com o contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. Desse modo, a Fazenda credora pode dirigir a execução contra o contribuinte ou o responsável, a seu critério[22]. Nesse ponto, o jurista observa que o conceito de solidariedade no Direito Tributário coincide com o do Direito Civil, com algumas peculiaridades[23]. Nos termos do artigo 124, inciso I, do CTN, haverá solidariedade em matéria tributária quando mais de uma pessoa concorre na situação que constitui o fato gerador da obrigação principal; para o responsável, como visto, só se falará em responsabilidade se houver expressa previsão legal, com arrimo no artigo 124, inciso II, do CTN. Ratifique-se, ainda, que a solidariedade não comporta benefício de ordem, consoante estatui o artigo 124, parágrafo único, do CTN. O estudioso também destaca que a solidariedade se estende tanto à obrigação principal quanto aos deveres instrumentais. Ainda, observa que a solidariedade produz diversos efeitos, como o pagamento feito por um dos coobrigados aproveita aos demais, a isenção ou a remissão exonera todos os obrigados, exceto se outorgada pessoalmente a um deles, a interrupção da prescrição em favor de um destes ou contra os mesmos favorece ou prejudica os demais (artigo 125 do CTN), a decisão administrativa definitiva e a coisa julgada no processo tributário aproveitam a todos coobrigados, mesmo que proferida apenas em favor de um desses[24]. Por outro lado, Luciano Amaro não entende ser caso de responsabilidade subsidiária ou solidária, eis que defende ser apenas uma situação em que o terceiro responde, pessoalmente, já que não compartilha essa responsabilidade com o devedor “original” ou “natural”[25]. Nessa posição também se encontram Renato Lopes Becho e Regina Helena Costa[26]. De qualquer forma, o que se tem nos casos elencados nos artigos em comento é a situação do contribuinte que é vítima de atos abusivos, ilegais ou não autorizados, cometidos por seu representante, de modo que, a princípio, ele, como sujeito passivo direto, é afastado da relação obrigacional. Da leitura dos incisos do artigo 135 do CTN, tem-se que podem ser responsabilizados de forma pessoal e exclusiva as seguintes pessoas: – Inciso I) AQUELAS PREVISTAS NO ART. 134 DO CTN: como visto, a princípio, a responsabilidade é do tipo subsidiária, com observância do benefício de ordem. Todavia, a situação se transforma em caso de prática de ato ilício, ou seja, quando o responsável age com excesso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatuto, pois sua responsabilidade se torna pessoal; Pode ocorrer, contudo, que essa atuação, ainda que com excesso de poderes ou infração de norma legal, estatutária ou contratual, seja feita em benefício dos contribuintes discriminados no artigo 134 do CTN. Daí, segundo Eduardo de Moraes Sabbag[27], discute-se a possibilidade de haver uma responsabilidade solidária. Ou, em caso de mera culpa, aplica-se o artigo 134 do CTN, numa espécie de “solidariedade com benefício de ordem”; – Inciso II) MANDATÁRIOS, PREPOSTOS E EMPREGADOS: é comum quando tenham praticado diretamente o ato ilícito ou tolerado sua prática, com poderes para influir para sua não ocorrência. Deve haver prova do elemento anímico ou fraudulento. – Inciso III) DIRETORES, GERENTES OU REPRESENTANTES DE PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO: o redirecionamento apenas deve afetar o sócio que é diretor ou gerente da sociedade. A princípio, a desconsideração não pode atingir o simples sócio. De outra parte, o gerente ou diretor da pessoa jurídica pode ser responsabilizado mesmo sem ser sócio. As pessoas elencadas no artigo 135 do CTN têm o oneroso ônus de uma abrangente responsabilização, que inclui tributos, juros e todas multas devidas (não somente as moratórias)[28]. Destaque-se que o requisito básico para essa responsabilização é que o terceiro pratique ato para o qual não detinha poderes (excesso de poderes) ou ato que infrinja a lei, o contrato social ou o estatuto de uma sociedade (infração destes). Por outro lado, não havendo esse ato irregular, não se aplica o disposto no artigo 135 do CTN, mas pode se enquadrar em algumas das hipóteses delineadas no artigo 134 do CTN, para o qual basta a participação (por ação ou omissão) do terceiros para responsabilizá-lo subsidiariamente[29]. Ainda, é relevante frisar que, para haver sua responsabilização, é imprescindível que o ato cometido por esse terceiro seja totalmente dissonante das atribuições de gestão ou administração, de maneira que o representado ou administrado e o Fisco sejam vítimas dessa ilicitude. É de bom alvitre frisar outro requisito extremamente relevante para as hipóteses delineadas no artigo 135, inciso III, do CTN, qual seja, a contemporaneidade do fato gerador do tributo à gestão do responsável, ou seja, o entendimento jurisprudencial predominante na atualidade é no sentido de serem responsabilizados tão-somente os sócios responsáveis detentores de poderes de administração à época em que o fato gerador ocorreu. Por fim, há outra situação que enseja a responsabilidade pessoal mas não consta do artigo 135 do CTN. É a responsabilidade do funcionário público emissor de certidão negativa fraudulenta, prevista no artigo 208 do CTN, que age com dolo ou fraude. Caso assim haja, poderá sofrer tripla punição, nas esferas penal (crimes de prevaricação ou de corrupção passiva), fiscal e administrativa. Se incorrer em simples culpa, não cabe a responsabilidade pelo crédito tributário, mas poderá haver responsabilidade criminal ou disciplinar. Do caput do artigo 135 do CTN se deflui serem elementos cruciais da responsabilidade de terceiros: 3.2.1. Do excesso de poderes: Age em excesso de poderes o terceiro que atua por conta própria, mas além dos poderes que lhe foram outorgados pela lei, contrato ou estatuto. Trata-se, portanto, de uma ausência de poder, sem implicar afronta de disposição expressa do contrato ou estatuto. É um comportamento comissivo (ação), diferentemente daqueles previstos no artigo 134 do CTN. Logo, para provar a atuação excessiva do sócio será necessária avaliação do contrato, estatuto ou lei e sua comprovação, posto que nem sempre pode ser percebida pela simples leitura do artigo ou dispositivo. Nessas situações, o excesso de poderes do sócio-gerente restará caracterizado, por exemplo, quando participar de deliberação ou aprovar ato societário do qual estava limitado pelo contrato ou estatuto ou mesmo seja conduta ilícita. 3.2.2. Da infração à lei, contrato social ou estatuto: Nesses casos, o termo lei deve ser tomado em sentido amplo, como todo e qualquer enunciado prescritivo relacionado ao funcionamento e desenvolvimento das atividades da pessoa jurídica. É imprescindível que sejam cabalmente comprovados o dolo ou a fraude do terceiro. Trata-se de infração subjetiva e, como tal, dolo não se presume. Até o ano de 2000, a posição jurisprudencial dominante era a de que o mero inadimplemento já configurava infração à lei. Entretanto, a orientação doutrinária e pretoriana mudou há pouco tempo, conforme se constata da Súmula n.º 430 da Primeira Seção do STJ, a saber: “Súmula 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente.” Portanto, a ofensa à lei que pode ensejar a responsabilidade do sócio nos termos do artigo 135, inciso III, do CTN, é a que tenha relação direta com a obrigação tributária objeto da execução. Como exemplos de infração à lei, pode-se citar os seguintes casos, colhidos da doutrina[30]e em pesquisas de alguns precedentes dos Tribunais Regionais Federais e do STJ: empregador que desconta o imposto de renda retido na fonte ou contribuições previdenciárias e não os recolhe ao Fisco (AGRESP 200601997654, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA: 02/06/2008 ..DTPB); a conduta praticada pelos sócios-gerentes que retiveram contribuições previdenciária dos salários dos empregados da empresa executada (art. 20 da Lei n.º 8.212/91), mas não as repassaram ao INSS (RESP 200702150466, JOSÉ DELGADO, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:03/03/2008 ..DTPB); transporte de notas fiscais falsificadas (AC 00155159520014039999, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/04/2010 PÁGINA: 509 ..FONTE_REPUBLICACAO:.); a emissão de nota fiscal subfaturada ou notas falsas ou popularmente ditas como “frias”; a ocultação ou alienação de bens e direitos da pessoa jurídica, com o fim de obstar ou dificultar a cobrança do crédito tributário; o contrabando e o descaminho; o aproveitamento de crédito fiscal indevido, entre outros. Frise-se, por oportuno, que os atos elencados no artigo 135 não são ilícitos necessariamente, mas sim decorrem da extrapolação de limites legais, estatutários ou contratuais, eis que decorrentes da ausência de legitimação ou competência específica para prática dessas atitudes. Isso porque, caso haja ilicitude, a responsabilidade será pessoal, nos termos da responsabilidade por infrações, disciplinada nos artigos 136 a 138 do CTN, que, em verdade, ao se tratar de outra impropriedade terminológica do CTN, enseja a multa devida por aquele que cometeu a infração, na condição de “contribuinte”. De qualquer forma, a responsabilização prevista no artigo 135 do CTN é excepcional, e, assim, para configurá-la, o exequente ou credor devem comprovar o ato que implicou excesso de poderes ou violação da lei, estatuto ou contrato social. É preciso provar os elementos que permitem o redirecionamento, no entendimento dos Tribunais Superiores (para tanto, citem-se alguns interessantes julgados: AGRESP 200400067603, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ – TERCEIRA TURMA, 17/02/2011 e RESP 200700452625, NANCY ANDRIGHI, STJ – TERCEIRA TURMA, 03/08/2010). Afinal, para se desvendar se houve ou não ilicitude das pessoas elencadas no dispositivo exige-se o exercício irrestrito do contraditório e da ampla defesa, ou seja, a observância do devido processo legal[31]. Nada obstante, a jurisprudência atual do STJ[32] aborda duas situações diversas que, de certa maneira, relativizam essa excepcionalidade, quais sejam: 1) quando a execução fiscal é ajuizada somente contra a pessoa jurídica e, após o ajuizamento, é requerido o seu redirecionamento contra o sócio-gerente: o litisconsórcio entre os envolvidos é do tipo ulterior ou superveniente. Nesse caso, o Fisco tem o ônus da prova da ocorrência de alguns dos requisitos do artigo 135 do CTN; ou 2) se o nome do sócio-gerente já figurar na Certidão de Dívida Ativa (CDA): como corresponsável tributário, cabe a ele o ônus de provar a ausência dos requisitos do artigo 135 do CTN, independentemente se a ação executiva foi proposta contra a pessoa jurídica e contra o sócio ou somente contra a empresa, tendo em vista que a CDA goza de presunção relativa de liquidez e certeza[33]. Afinal, desde a fase administrativa já constam quem são os responsáveis. Na composição subjetiva da execução fiscal, podem ser mencionados o contribuinte e o terceiro responsável, como um litisconsórcio do tipo inicial. Na mesma linha, são os seguintes precedentes do STJ: AGARESP 201200909949, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:18/12/2012 ..DTPB; AGRESP 201001025815, LUIZ FUX, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:22/02/2011 ..DTPB; AGRESP 200900581812, CASTRO MEIRA, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:10/02/2011 ..DTPB; RESP 201000321007, ELIANA CALMON, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:14/12/2010 RDDT VOL.:00186 PG:00167 ..DTPB: E o mesmo se dá com os Tribunais Regionais Federais: AC 199838000204436, JUIZ FEDERAL ITELMAR RAYDAN EVANGELISTA, TRF1 – 6ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:26/06/2013 PAGINA:367; AC 200351015008306, Desembargadora Federal GERALDINE PINTO VITAL DE CASTRO, TRF2 – TERCEIRA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data::18/04/2013; AI 00295486520114030000, DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, TRF3 – QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/07/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; APELREEX 200771990067610, JOEL ILAN PACIORNIK, TRF4 – PRIMEIRA TURMA, D.E. 18/12/2012; AG 00038408520134050000, Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, TRF5 – Primeira Turma, DJE – Data::04/07/2013 – Página::213. Para finalizar esse item, em harmonia com esse entendimento exposto, o STJ também consignou em recurso especial representativo de controvérsia (RESP 200802743578) a orientação de que, caso o sócio cujo nome conste da CDA e, assim, esteja incluído no polo passivo da lide executiva, queira impugnar essas ocorrências, deve fazer o manejo dos embargos à execução, na forma prevista na Lei de Execuções Fiscais, por ser o meio adequado para o exercício da ampla defesa e do contraditório e prever dilação probatória. A Corte da Cidadania tem a orientação de que a objeção de pré-executividade não se mostra em instrumento inadequado para tanto, eis que só cabe em situações muito excepcionais, em matérias cognoscíveis, inclusive, de ofício pelo magistrado (vide RESP 200900162098, TEORI ALBINO ZAVASCKI, STJ – PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:04/05/2009 RSSTJ VOL.:00036 PG:00425 ..DTPB; (AGARESP 201201831362, BENEDITO GONÇALVES, STJ – PRIMEIRA TURMA, DJE DATA:07/12/2012 ..DTPB; AGRESP 201103046052, HERMAN BENJAMIN, STJ – SEGUNDA TURMA, DJE DATA:01/08/2012 ..DTPB). 3.2.3. Da dissolução irregular: A dissolução irregular já é há muito tempo fundamento usado para as Procuradorias das Fazendas buscarem a ruptura do manto da personalidade jurídica, quando usada de forma maliciosa para esconder fraudes, e, assim, excepcionalmente, justificar a invasão da esfera patrimonial dos sócios. Embora prevista como outra hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, em verdade a dissolução irregular, ou seja, a extinção da pessoa jurídica sem deixar patrimônio suficiente para quitar as dívidas societárias e sem baixa perante os órgãos oficiais, configura verdadeira infração à lei, posto que configura nítida hipótese de violação de leis tributárias e não tributárias. De outra parte, ainda que assim não se entendesse, a dissolução irregular enseja a responsabilização das pessoas elencadas no CTN em decorrência dos princípios e valores que já norteiam o Estado Brasileiro, como o princípio da justiça e a vedação do locupletamento ilícito, numa ponderação de valores a favor da racionalidade. A Portaria PGFN n.º 180, de 25 de fevereiro de 2010[34] insere a dissolução irregular como motivo infralegal para o redirecionamento, verbis: “Art. 2º A inclusão do responsável solidário na Certidão de Dívida Ativa da União somente ocorrerá após a declaração fundamentada da autoridade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acerca da ocorrência de ao menos uma das quatro situações a seguir: (Redação dada pela Portaria PGFN nº 904, de 3 de agosto de 2010) I – excesso de poderes; II – infração à lei; III – infração ao contrato social ou estatuto; IV – dissolução irregular da pessoa jurídica. Parágrafo único. Na hipótese de dissolução irregular da pessoa jurídica, os sócios-gerentes e os terceiros não sócios com poderes de gerência à época da dissolução, bem como do fato gerador, deverão ser considerados responsáveis solidários.” Logo, quando a empresa deixa de funcionar sem prestar qualquer informação aos órgãos adequados, presume-se a dissolução irregular. Esse entendimento era adotado pelo STJ (vide VAGRESP 201202156167, MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJE DATA:07/05/2013 ..DTPB; AERESP 201202354810, BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:21/03/2013 ..DTPB;) e consta hoje da Sumula n.º 435, verbis: “Súmula n. 435 (STJ): Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.” Na mesma linha são: AC 200650010095832, Desembargador Federal RICARLOS ALMAGRO VITORIANO CUNHA, TRF2 – QUARTA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R – Data: 24/05/2013; AI 00066101320104030000, JUIZ CONVOCADO HERBERT DE BRUYN, TRF3 – SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AI 00016198620134030000, DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR, TRF3 – TERCEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/06/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO; AG 00062063420124050000, Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, TRF5 – Terceira Turma, DJE – Data::11/12/2012 – Página::329. Destarte, a previsão de redirecionamento em caso de extinção irregular da empresa, ainda que continue não inserida formalmente no CTN, está sumulada pelo STJ e é pacífica na doutrina, não havendo dúvidas sobre sua possibilidade nos dias atuais. Conclusão. Do exposto, é possível se concluir que a doutrina e a orientação jurisprudencial em matéria de responsabilidade tributária de terceiros atuam com bastante cautela em face dos ditames constitucionais e legais e são de grande valia, já que se destinam a suprir as deficiências terminológicas ou as omissões legais, além de buscam sopesar princípios e valores aparentemente contraditórios. Aliás, o entendimento sobre o tema que se tem na atualidade é o de que não basta uma análise fria e objetiva dos artigos 134 e 135 do CTN, eis que deve haver um estudo casuístico, para verificar se a dificuldade e a rigorosidade de comprovação de excesso de poderes e infração à lei não servem, em verdade, para salvaguardar interesses obscuros de gestores, os quais se valem ilicitamente do ordenamento jurídico, com suas falhas e lacunas, e da “blindagem” da pessoa jurídica, para prejudicar o alcance dos credores ao seu patrimônio e incorrer em fraude à lei. De outra parte, é certo também que os princípios superiores que norteiam um Estado Democrático de Direito não podem coadunar com exageros e ilegalidades na procura desenfreada de bens, particularmente dos patrimônios dos sócios, sob pena de violação de conceitos básicos no direito societário e de se gerar um receio abusivo e infundado. Logo, é necessário que haja sim limites para ambas atuações (seja mais permissiva seja mais rígida) e se faça uma devida ponderação de valores e princípios, no caso concreto, o que exige do Administrador e do Juiz muita cautela e razoabilidade.
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Direitos fundamentais e tributação: os limites constitucionais ao poder estatal de tributar e o princípio do não-confisco
O presente trabalho tem como objetivo analisar a relação existente entre os Direitos Fundamentais e a tributação. Será feita uma explanação geral sobre as limitações ao poder de tributar do Estado, abordando tangencialmente os princípios constitucionais tributário e as imunidades tributárias. Ao final será feita uma abordagem mais detalhada do princípio do não-confisco, que é uma limitação negativa ao poder de tributar imposta ao Estado pelo poder constituinte originário e é também um Direito Fundamental do Contribuinte protegido por cláusula pétrea implícita. Abordaremos, também a diferença entre a multa tributária o e confisco.
Direito Tributário
1- INTRODUÇÃO É inegável que o Estado necessita arrecadar recursos financeiros para sustentar suas atividades, assim como garantir a satisfação do interesse público como sua finalidade precípua, através da imposição de tributos às pessoas que integram a sociedade. Entretanto o pode de tributar do Estado, que é irrenunciável e indelegável, não é absoluto, pois a própria Constituição Federal impões certos limites por meio dos princípios constitucionais tributário e imunidades tributárias. 2- A ATIVIDADE ESTATAL DE ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS Inicialmente, faz-se necessário tecer alguns comentário acerca da atividade arrecadatória do Estado, ou seja, sobre a atividade financeira do Estado. Tal atividade pode ser definida, como “o conjunto de ações do Estado para a obtenção de receitas e realização dos gastos para o atendimento das necessidades públicas[1]”.  É cediço, que os objetivos políticos, sociais econômicos de um Estado só podem ser realizados mediante o ingresso de receitas públicas, isto é, pela arrecadação de tributos (impostos, taxas, contribuições, empréstimos compulsórios e contribuições de melhoria), que constituem o principal item da receita, mas não o único[2]. Segundo Alberto Deodato, a atividade financeira do Estado “é a procura de meios para satisfazer às necessidades públicas[3]”, no mesmo sentido é o entendimento de Aliomar Baleeiro que afirma que “a atividade financeira consiste em obter, criar, gerir e despender o dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito público[4]”. Neste contexto, é importante fazer a distinção entre ingresso e receita pública. Em linhas gerais, entende-se que qualquer entrada de dinheiro nos cofres públicos, pode-se chamar de entrada ou ingresso[5]. Entretanto, somente a denominação receita pública ao ingresso que se faça de modo permanente ao patrimônio estatal, de modo que não esteja sujeito à condição devolutiva[6]. Em outros termos, conceitua-se receita pública como “a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo[7]”. A título de classificação, pode-se classificar as receitas, quanto ao objeto da invasão patrimonial em receitas extraordinárias (ocorrida em hipótese de anormalidade ou excepcionalidade e possuem caráter temporário, irregular e contingente) e receitas ordinárias (ocorridas com regularidade e periodicidade, possuindo caráter de previsibilidade orçamentária)[8]. Por seu turno as receitas ordinárias se dividem em receitas derivadas e receitas originárias. Eduardo Sabbag ensina que: “quanto às receitas derivadas, o Estado, de modo vinculado (art. 5º, II, CF), e valendo-se do seu poder de império, na execução de atividades que lhe são típicas, fará derivar para os seus cofres uma parcela do patrimônio das pessoas sujeitas à sua jurisdição[9]”. Por outro lado, as receitas originárias, de uma forma geral, são oriundas da “exploração estatal de seus bens e empresas comerciais ou indústrias, à semelhança de particulares, nas atividades de locação, administração ou alienação[10].” Portanto, é de se concluir que a atividade financeira do Estado de arrecadação de tributos está vinculada à realização de três necessidades públicas inseridas na ordem jurídica-constitucional, são elas: prestação de serviços públicos, exercício regular do poder de polícia e a intervenção no domínio econômico[11].   3 – DIREITOS FUNDAMENTAIS NO SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO Conforme visto no tópico anterior, Estado precisa de receita para desenvolver as atividades relacionadas ao bem comum da coletividade. Entretanto, para desempenhar tal atividade o Estado deve respeitar os preceitos relacionados aos Direitos Fundamentais inseridos no texto constitucional. Pode-se conceituar direitos fundamentais como sendo aqueles direitos “Público-subjetivos de pessoas (físicas ou jurídicas), contidas em dispositivos constitucionais e, portanto, que encerram caráter normativo supremo dentro do Estado, tendo como finalidade limitar o exercício do poder estatal em face da liberdade individual”[12].  Depreendem-se, assim, alguns elementos básicos desta relação, tais como: os sujeitos da relação, isto é, pessoa e Estado; a finalidade destes direitos, ou seja, a limitação do poder estatal para preservar a liberdade individual e; sua posição no sistema jurídico, apresentada pela supremacia constitucional[13]. Em relação ao tema Ingo Wolfgang Sarlet ensina que: “Os direitos fundamentais podem ser conceituados como aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, pelo seu objeto e significado, possam lhes ser equiparados, tendo, ou não, assento na Constituição formal (aqui consideramos a abertura material consagrada no art. 5º, § 2º, da CF, que prevê o reconhecimento de direitos fundamentais implícitos, decorrentes do regime e dos princípios da Constituição, bem como direitos expressamente positivados em tratados internacionais)”[14]. Desta forma, para que os direitos dos cidadãos sejam respeitados no âmbito tributário, é imprescindível que o sistema tributário nacional esteja em conformidade com os ditames constitucionais. Em outros termos, qualquer disposição normativa para ser válida precisa está de em harmonia com a Constituição Federal, uma vez que os preceitos advindos das normas da Carta Magna são obrigatórios não apenas para as pessoas físicas e jurídicas, mas também para o próprio Estado, de modo que a não observância da Constituição frente à criação de uma norma inferior é considerada inconstitucional[15]. Diante da linha de raciocínio apresentada, infere-se que a arrecadação estatal não poderá representar a perda de algum direito fundamental, não podendo haver, assim, um antagonismo entre a necessidade de arrecadação do estado e os direitos fundamentais constitucionais do cidadão. 4 – O PODER ESTATAL DE TRIBUTAR Nos Estados modernos, o poder de tributar é oriundo do Exercício da soberania Estatal dentro de um território delimitado e exercido sobre uma população, de forma que o poder de tributar compete às pessoas jurídicas de direito publico, os entes políticos[16], tendo em vista que os artigos 145 que garante a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios o poder de instituir tributos e o art. 150 que delimita o poder de tributar da União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios[17]. 5 – LIMITES AO PODER DE TRIBUTAR DO ESTADO Os tributos são criados de acordo com a competência tributária que a Constituição Federal atribui à União, Estados, Distrito Federal e Município, de modo que é estabelecido parâmetros que tutelam os valores que ela considera relevantes, tais como os direitos e garantias individuais. Sabe-se, assim, que o poder de tributar do Estado não pode ser ilimitado para que não haja violação dos direitos humanos e fundamentais, por isto que a ordem constitucional impões certos limites ao Estado para a realização de tal atividade[18]. Limitações ao poder de tributar é o conjunto dos princípios e normas que disciplinam os balizamentos da competência tributária[19]. Neste prisma, limitação ao poder de tributar consiste em instrumentos que limitam a competência tributária do fisco, isto é, a delimitação do poder tributário do Estado de criar e arrecadar tributos[20]. Os limites ao poder de tributar, ou seja, o exercício da competência tributária desdobra-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades. Diante dos princípios e das demais normas constantes do texto constitucional, pode-se afirmar que são duas as principais características do sistema tributário: I) a rigidez, isto é, a Constituição não fornece ao legislador ordinário a liberdade para desenhar-lhe qualquer traço fundamental, uma vez que ela própria determina o campo de cada uma dessas pessoas dotadas de competência tributária; II) exaustão e complexidade, onde a Constituição estabelece todos os contornos do sistema, pouco relegando à legislação ordinária[21]. Na mesma linha de pensamento Eduardo Sabbag aduz que: “A Constituição Federal impõe limites ao poder de tributar, ou seja, limites à invasão patrimonial tendente à percepção estatal do tributo. Essas limitações advêm, basicamente, dos princípios e das imunidades constitucionais tributárias estão inseridas nos arts. 150, 151, e 152 da Carta Magna”[22]. É de se salientar ainda que o Estado não pode agir na seara tributária sem respeitar o contribuinte, de modo a reduzi-lhe a dignidade, a individualidade e a privacidade. O governo não pode, portanto, sob a justificativa da arrecadação violar a Constitucional, isto é, violar os princípios constitucionais, que são os instrumentos dos Direitos Humano. A título exemplificativo, faz-se necessário tecer alguns comentários perfunctórios acerca de alguns princípios constitucionais tributário e imunidades tributárias, antes de adentrarmos no princípio do não confisco, o objeto do presente trabalho. 5.1 – Dos Princípios Constitucionais Tributários Antes de iniciar a conceituação dos princípios é importante definir o que se entende por princípio. Neste ponto, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que: “Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo. No que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”[23]. Passemos a análise dos princípios constitucionais tributários. a) Legalidade Este princípio está disciplinado no artigo 5º, inciso II da Constituição Federal, que dispõe que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Este princípio geral se irradia sobre todos os ramos do direito. Neste dispositivo, contido no rol dos direitos individuais, encontra-se  formulado o conceito da liberdade, de forma  mais ampla possível, ou seja, consiste no poder de fazer tudo o que não ofende a outrem. Estes limites não podem ser estabelecidos senão pela lei[24]. Em direito tributário o princíio em questão deve ser incondicionalmente obeservado, por se trata de questão relacionada à segurança jurídica do contribuinte, que não pode ser surpreendido pela cobrança de um tributo não instituído e/ou majorado por lei, sem prejuízo das demais garantias que lhe foram dadas pela Magna Carta, sendo previsto no artigo 150, inciso I da Carta Magna ao estabelecer que “sem prejuizos de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributoo sem lei que o estabeleça”. Desta maneira, em regra, os tributos só podem ser criados e/ou majorados por meio de lei ordinária, salvadas as hipóteses que a própria Carta da República determina quando o tributo é criado e/ou majorado por lei complementar (empréstimos compulsórios, aos impostos residuais da união e às contribuições sociais previstas no artigo 195, §4ª da Constituição Federal. Não só os tributos que devem ser criados e/ou majorados por lei ordinária, mas também suas penalidades, conforme determinada artigo 97, incisos V e VI primeira parte do Código Tributário Nacional, bem como as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários artigo 97, segunda parte do mesmo diploma legal[25]. b) Igualdade Tributária Está previsto no art. 150, II da Constituição Federal, que veda que seja instituído “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”. Trata, portanto, de reiteração da cláusula pétrea consagrada no caput do art. 5°, que proclama que “Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza[26].” c) Anterioridade De acordo com o princípio da anterioridade, nenhum tributo será cobrado no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu e/ou aumentou, conforme assegura o artigo 150, inciso III, alínea “b” da Carta da República. Tal princípio exige, evidentemente, que a lei que cria ou majora um tributo só venha a incidir sobre fatos ocorridos no exercício financeiro subsequente ao de sua entrada em vigor. Visa evitar surpresas para o contribuinte, com a instituição ou a majoração de tributos no curso do exercício financeiro. Graças a este princípio, os destinatários da lei tributária (fisco e contribuintes), conhecendo-a, podem preparar-se para bem cumpri-la[27]. d) Irretroatividade O art. 150, inciso III, alínea “a” da Constituição elenca o princípio da irretroatividade, de seguinte forma: “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.” Tal princípio, portanto, complementa o pensamento relativo ao princípio da anterioridade, devendo haver uma análise conjugada dos dispositivos, da qual não pode ocorrer outra conclusão que não a de que a lei que cria ou eleva tributos não pode retroagir para atingir fatos imponíveis ocorridos antes de sua vigência[28]. e) Capacidade Contributiva De acordo com o § 1° do art. 145, “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” Nesse particular, importa assinalar que o princípio da capacidade contributiva se limita aos impostos, não tendo abrangência quanto às demais espécies tributárias[29]. Em outras palavras “cada um deve concorrer para com as despesas públicas consoante suas posses e disponibilidades econômicas[30].” 5.2 – Das Imunidades Tributárias É uma forma de não-incidência tributária, por força de disposições constitucionais. Os casos previstos na Constituição são: imunidade recíproca entre as várias unidades políticas – União, Estados e Municípios (art. 150, VI); de templos de qualquer culto (art. 150, VI, b); partidos políticos, livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão (art. 150, VI, c e d)[31]. 6 – O PRINCÍPIO DO NÃO-CONFISCO Conforme dito anteriormente, a atividade tributária é extremamente importante na vida sócio-econômica do Estado, pois é a arrecadação de tributos que irá auxiliar no suporte e no custeio das despesas públicas dos entes federados, representando, assim, meio fundamental para o próprio desenvolvimento e manutenção da nação, quanto viabilizar o respeito aos direitos fundamentais do indivíduo[32]. Entretanto, para que sejam respeitados as garantias e os direitos reconhecidos ao cidadão pela atual Carta Política, faz-se necessário que tal atividade não se faça de maneira exagerada, excessiva e predatória, de modo que não configure uma atividade confiscatória[33]. Pode-de definir confisco como “o ato de apreender a propriedade em prol do Fisco, sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer compensação em troca. Por isso, o confisco apresenta o caráter de penalização, resultante da prática de algum ato contrário à lei[34]”. Mais especificamente no âmbito tributário, pode-se dizer que o confisco é “quando o Estado toma de um indivíduo ou de uma classe além do que lhes dá em troco, verifica-se o desvirtuamento do imposto em confisco[35]”. É importante neste ponto do trabalho, mencionar que multa não se confunde com confisco, pois a multa constitui “a reação do direito ao comportamento devido que não tenha sido realizado. Trata-se de uma penalidade cobrada pelo descumprimento de uma obrigação tributária, possuindo nítido caráter punitivo ou sancionador[36]”. Neste sentido, a multa decorre do pode penal do Estado, tendo como principal objetivo resguardar e assegurar a validade da ordem jurídica[37]. A Constituição Federal prevê em seu artigo 150, inciso IV, o Princípio do Não-Confisco Tributário, assim disposto: “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]; IV – Utilizar tributo com efeito de confisco.” Roque Carrazza afirma que o princípio da não-confiscatoriedade é um limitador do direito que as pessoas políticas têm de expropriar bens privados. A graduação dos impostos deve ser feita de modo a não incidir sobre as fontes produtoras de riquezas ao ponto de secá-las, atingindo a consistência originária das suas fontes de ganho[38]. Luciano Amaro por seu turno ensina que a transferência da riqueza do contribuinte para o Estado é legítima e não confiscatória até determinado ponto a partir do qual o Estado começa a anular a riqueza privada. Não se trata de um preceito matemático, contudo é um critério informador da atividade do legislador e do Judiciário no sentido de que, tendo em vista o caso concreto, possa ser verificado se determinado tributo invade ou não o território do confisco[39]. Desta forma, pode-se afirmar que o princípio do não-confisco é uma restrição estatal com a finalidade de não permitir que a instituição de tributos não possa ir tão longe a ponto de aniquilar os direitos de liberdade[40]. Não obstante o que foi dito, não há um consenso em relação à idéia de quando o um tributo passa a ter caráter confiscatório, nem a doutrina é pacífica, nem a jurisprudência é uníssona[41]. O que é certo é que o princípio da vedação do confisco tem como destinatários o legislador infraconstitucional que deve obedecer este princípio quando da instituição e do aumento de tributos, assim como o Judiciário, que deve utilizá-lo como parâmetro para decidir quanto ao caráter confiscatório de um tributo[42]. 7- CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, em virtude da imposição Constitucional dos Direitos Fundamentais, não há de se tolerar a excessiva tributação a ponto da mesma apresentar caráter confiscatório, de forma que o legislador não pode olvidar que existem certos direitos decorrentes da sua natureza humana, sendo importante que o ordenamento jurídico tutele os recursos necessários para uma vida digna do contribuinte.
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Da certeza, liquidez e exigibilidade da certidão de dívida ativa
A certidão de dívida ativa goza dos requisitos de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, por força de lei (art. 204 do CTN e art. 3º da Lei n.º 6.830/80). Tais requisitos justificam-se, na medida em a atividade administrativa tributária rege-se, dentre outros, pelo Princípio da Legalidade. E, como os atos administrativos em geral, reveste-se de presunção de veracidade e legitimidade. Tem-se que a inscrição em dívida ativa é qualificada como ato de controle de legalidade. Mais importante que o assentamento, é a apuração da liquidez e certeza da dívida. Neste sentido, é feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do título executivo a ser formado. Presunção relativa, é certo; contudo, é do devedor o ônus de produzir a prova inequívoca que elida essa presunção.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A inscrição em dívida ativa é qualificada como ato de controle administrativo da legalidade, conforme art. 2º, parágrafo 3º, da Lei 6830 de 1985. É feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do titulo a ser formado. Ao final é expedida a certidão de dívida ativa, que consiste em um título executivo extrajudicial. Aqui reside importante característica do direito fiscal, já que a Fazenda Pública goza do privilégio de criar seus próprios títulos executivos. Os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou seja, a presunção de que nasceram em conformidade com as devidas normas legais. Essa característica deflui da própria natureza do ato administrativo e encontra-se presente na certidão de dívida ativa. Deve ser ressaltado que a importância do ato de apuração e de inscrição em dívida ativa é tão grande que o art. 204 do CTN e o art. 3º da LEF conferem à dívida regularmente inscrita a presunção relativa de liquidez e certeza, dando-lhe efeito de prova pré-constituída, somente ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito ou de terceiro a quem aproveite. Ademais, tem-se que é após a inscrição que a dívida torna-se idônea a ser cobrada por ação de execução fiscal, sendo a certidão de dívida ativa o título executivo utilizado na cobrança judicial (art. 585, VII, do CPC). 1. DA INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA A inscrição em dívida ativa consiste em ato de controle da legalidade e da regularidade, através do qual um débito vencido e não pago, é cadastrado para controle e cobrança da dívida ativa, segundo preceitua o parágrafo 3º do art. 2º da Lei 6.830, embora na prática se verifique que as inscrições são feitas de maneira eletrônica. Confira-se “Em termos pragmáticos, inscrever em dívida ativa é incluir um devedor num cadastro em que estão aqueles que não adimpliram suas obrigações no prazo. Na esfera federal, a “repartição administrativa competente” para a inscrição em dívida ativa é a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão do Ministério da Fazenda. Nos âmbitos estaduais e municipais, a regra é que a competência seja das respectivas procuradorias judiciais. Em virtude de a inscrição, via de regra, ficar a cargo de um órgão de representação judicial, alguns autores enxergam no ato de inscrição um importante mecanismo de controle de legalidade de todo o procedimento administrativo que se iniciou logo após o fato gerador e culminou com o encaminhamento para inscrição em dívida ativa, pois se trata da primeira vez em que a matéria será submetida a alguém necessariamente graduado em direito (o procurador da fazenda ou cargo equivalente.) (…) No ato de inscrição, a Fazenda Pública unilateralmente declara que alguém deve e elabora um documento que dá presunção de liquidez e certeza da existência de tal débito. Trata-se de mais uma manifestação da presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, atributo presente em todos os atos administrativos, inclusive o de inscrição de débito em dívida ativa. (…) A inscrição é feita por intermédio da lavratura de um termo no livro da dívida ativa. Hoje em dia, o livro é virtual (eletrônico), mas não se pode dizer que o mesmo não exista.”[1] Poderão ser inscritos em dívida ativa os débitos de natureza tributária e não tributária. Na esfera federal, verifica-se que a PGFN é o órgão responsável para efetuar o exame de legalidade, regularidade, certeza e liquidez do débito. Após a inscrição em dívida ativa o débito passa a gozar da presunção de liquidez e certeza, que somente poderá ser afastada por meio de prova inequívoca em sentido contrário. Tem-se que o ato de inscrição consiste em inserir no Sistema Informatizado da Dívida da União os dados de identificação do devedor, o valor do débito, a data do vencimento, o modo de calcular os juros de mora, com perfeita determinação do código da obrigação inadimplida, dentre outros. É preciso destacar que não se deve confundir a constituição do crédito com a sua inscrição em divida ativa. A inscrição em dívida ativa pressupõe a existência de crédito devidamente constituído e que esteja em aberto. Desta forma, o processo administrativo ao ser encaminhado à Procuradoria da Fazenda Nacional é objeto de controle prévio da legalidade do procedimento. Considerando que a inscrição em dívida ativa é qualificada como ato de controle de legalidade, mais importante que o assentamento, é a apuração da liquidez e certeza da dívida. Neste sentido, é feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do título executivo a ser formado. Segundo Paulo de Barros Carvalho: “Esgotados os trâmites administrativos, pela inexistência de recursos procedimentais e judicial que suspenda a exigibilidade do crédito tributário, chegou a hora de a Fazenda Pública praticar quem sabe o mais importante ato de controle de legalidade sobre a constituição de seu crédito: o ato de apuração e de inscrição do débito no livro de registro da dívida pública. Sempre vimos o exercício de tal atividade revestido da mais elevada importância jurídica. É o ato de controle de legalidade, efetuado sobre o crédito tributário já constituído, que se realiza pela apreciação crítica de profissionais obrigatoriamente especializados: os procuradores da Fazenda. Além disso, é a derradeira oportunidade que a Administração tem de rever os requisitos jurídico-legais dos atos praticados. Não pode modificá-los, é certo, porém tem meios de evitar que não prossigam créditos inconsistentes, penetrados de ilegitimidades substanciais ou formais que, fatalmente, serão fulminadas pela manifestação jurisdicional que se avizinha”.[2] Estando em termos o procedimento administrativo, o Procurador da Fazenda Nacional profere despacho determinando a inscrição em dívida ativa da União. Deve ser ressaltado que a importância do ato de apuração e de inscrição em dívida ativa é tão grande que o art. 204 do CTN e o art. 3º da LEF conferem à dívida regularmente inscrita a presunção relativa de liquidez e certeza, dando-lhe efeito de prova pré-constituída, somente ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito ou de terceiro a quem aproveite. Ademais, tem-se que é após a inscrição que a dívida torna-se idônea a ser cobrada por ação de execução fiscal, sendo a certidão de dívida ativa o título executivo utilizado na cobrança judicial (art. 585, VII, do CPC). Eis o teor das normas em comento: “Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.  Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite. Art. 3º – A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez.  Parágrafo Único – A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite.” Decorrido o prazo para pagamento administrativo, se o devedor permanece inerte, o sistema informatizado da dívida ativa da União expede a Certidão de Dívida Ativa, que acompanhada da petição inicial, será distribuída para cobrança judicial, conforme procedimento descrito na lei 6830/80. 2. DA LIQUIDEZ, CERTEZA, EXIGIGIBILIDADE DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – DECORRÊNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. Conforme acima exposto, a certidão de dívida ativa goza dos requisitos de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade. Tais requisitos justificam-se, na medida em a atividade administrativa tributária rege-se, dentre outros, pelo Princípio da Legalidade. E, como os atos administrativos em geral, reveste-se de presunção de veracidade e legitimidade. No ato de inscrição, é feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do titulo a ser formado. De acordo com o princípio da legalidade a atividade da Administração fica adstrita à lei. Assim, toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Este princípio implica subordinação completa do administrador à lei. Os atos administrativos, quando editados, trazem em si a presunção de legitimidade, ou seja, a presunção de que nasceram em conformidade com as devidas normas legais. Essa característica deflui da própria natureza do ato administrativo e encontra-se presente na certidão de dívida ativa. A presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei. Referida presunção encontra seu fundamento na presunção de validade que acompanha todos os atos estatais, princípio em que se baseia, por sua vez, o dever do administrado de cumprir o ato administrativo. Assim é que a Certidão de Dívida Ativa goza da presunção de certeza e liquidez, cabendo ao devedor o ônus para infirmar tal presunção. O princípio da legalidade nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais, já que a lei ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade. Aqui se enquadra aquela máxima de que, na relação administrativa, a vontade da Administração é que decorre da lei. Segundo Maria Silvia Zanella Di Pietro: “Na realidade, essa prerrogativa, como todas as demais dos órgãos estatais são inerentes à idéia de “poder” como um dos elementos integrantes do conceito de Estado, e sem o qual este não assumiria a sua posição de supremacia sobre o particular.”[3] E ainda assevera: “Diversos são os fundamentos que os autores indicam para justificar esse atributo do ato administrativo: 1. O procedimento e as formalidades que precedem a sua edição, os quais constituem garantia de observância da lei; 2. O fato de ser uma das formas de expressão da soberania do Estado, de modo que a autoridade que pratica o ato o faz com o consentimento de todos; 3. A necessidade de assegurar celeridade no cumprimento dos atos administrativos, já que eles têm por fim atender ao interesse público, sempre predominante sobre o particular; 4. O controle a que se sujeita o ato, quer pela própria Administração , quer pelos demais Poderes do Estado, sempre com a finalidade de garantir a legalidade; 5. A sujeição da Administração ao princípio da legalidade, o que faz presumir que todos os seus atos tenham sido praticados de conformidade com a lei, já que cabe ao poder público a sua tutela.”[4] De acordo com o referido princípio, a Administração Pública só pode fazer o que a lei permite. Segundo o art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, “ ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Em decorrência deste princípio, tem-se que a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei. Assim pondera Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “A observância do referido preceito constitucional é garantida por meio de outro direito assegurado pelo mesmo dispositivo, em seu inciso XXXV, em decorrência do qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão”, ainda que a mesma decorra de ato da Administração. E a Constituição ainda prevê outros remédios específicos contra a ilegalidade administrativa, como a ação popular, o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança e o mandado de injunção; tudo isso sem falar no controle pelo Legislativo, diretamente ou com auxílio do Tribunal de Contas, e no controle pela própria Administração”[5]. Diferentemente, já no âmbito das relações entre particulares, o princípio aplicável é o da autonomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe. Desta forma, é que a certidão de dívida ativa, na qualidade de ato administrativo, goza de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, que só poderá ser afastada mediante prova inequívoca a ser produzida pelo devedor. 3. PRESUNÇÃO RELATIVA x PRESUNÇÃO ABSOLUTA A certidão de dívida ativa goza dos requisitos de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, por força de lei (art. 204 do CTN e art. 3º da Lei n.º 6.830/80). Presunção relativa, é certo; contudo, é do devedor o ônus de produzir a prova que elida essa presunção, devendo apontar e comprovar os vícios, formais ou materiais. Não se trata, portanto, da presunção absoluta, juris et de jure, que é aquela que não admite prova em contrário. Outrossim, caberá ao devedor apresentar prova inequívoca capaz de afastar a referida presunção. É neste sentido o julgado abaixo: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF. ICMS. MULTA. CDA. REQUISITOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 1. A agravante apontou de forma absolutamente genérica a violação do art. 535 do CPC, não especificando em que consistiriam a omissão, a contradição e a obscuridade do acórdão recorrido. Incidência da Súmula 284/STF. 2. O Tribunal de origem firmou entendimento no sentido de que são válidas as CDAs que instruem o pleito executivo. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Consigne-se, por fim, quanto à irresignação recursal acerca da impossibilidade de fazer prova negativa. Sabe-se que a CDA goza de presunção de certeza e liquidez a ser ilidida por prova inequívoca a cargo do sujeito passivo, conforme previsto no art. art. 204 do CTN, o que, segundo o Tribunal a quo, não fora afastada, por ausência de prova. Incidência da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 286.741/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/05/2013, DJe 28/05/2013) 4. DA JURISPRUDÊNCIA APLICÁVEL Destaca-se abaixo jurisprudência que trata dos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade da CDA: “PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO SOBRE PONTOS SUSCITADOS NA APELAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA. 1. De acordo com o art. 535, II, do CPC, os embargos declaratórios são cabíveis quando for omitido ponto sobre que se devia pronunciar o juiz ou tribunal. 2. No caso, extraem-se da apelação cível os seguintes trechos das razões recursais: "(…) A teor dos artigos 204 do CTN e 3º da Lei 6.830/80, a dívida ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez, presunção esta que somente pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do executado ou de terceiro, a quem aproveite. (…) Por fim, ressalte-se que a exequente, em atendimento ao despacho que determinou a ementa da petição inicial, ratificou os dados já constantes dos autos, juntando consultas das informações do crédito e das respectivas competências, mesmo considerando que o título executivo preenche todos os requisitos legais. Assim, ao contrário do consignado na sentença apelada, não houve negativa da União em fornecer novamente as informações solicitadas pelo juízo a quo. (…)" 3. Ao julgar a apelação, o Tribunal de origem não se pronunciou especificamente sobre as supracitadas razões de recorrer. Daí a Procuradoria da Fazenda Nacional ter apresentado embargos de declaração, nos quais, entre outros pontos, foram indicadas as seguintes omissões: "(…) o acórdão embargado foi omisso sobre a aplicação da norma do artigo 3º da Lei n° 6.830/1980 e do artigo 204 do Código Tributário Nacional, invocada nas razões do apelo, pela qual se estabelece que a Dívida Ativa regularmente inscrita goza de presunção de liquidez e certeza, presunção que, apesar de relativa, não restou ilidida no caso concreto, uma vez que o executado não apresentou prova inequívoca capaz de afastá-la (parágrafo único do artigo 3º da LEF e parágrafo único do artigo 204 do CTN). A nulidade da CDA somente pode ser arguida pelo executado e mediante a oposição de embargos à execução fiscal. Isso porque o artigo 16, § 2o, da Lei 6.830/80 estabelece expressamente que, no prazo dos embargos, é que o executado deve alegar toda a matéria útil à defesa. O fato é que o ilustre Magistrado a quo não poderia extinguir a execução de ofício, sem qualquer manifestação da parte interessada, sob pena de ofensa ao artigo 2o do Código de Processo Civil. (…) Omitiu-se, no entanto, sobre o fato de que, após determinação do juízo, a Fazenda Nacional apresentou documentos relativos à dívida, informando tal data" 4. Ao rejeitar os embargos de declaração, o Tribunal de origem permaneceu omisso sobre os pontos suscitados. Logo, restou caracterizada a violação do art. 535, II, do CPC. 5. Recurso especial provido.” (REsp 1323156/CE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/08/2012, DJe 03/09/2012) “PROCESSO CIVIL – TRIBUTÁRIO – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO – EXCLUSÃO – IMPOSSIBILIDADE – PRESUNÇÃO "JURIS TANTUM" LIQUIDEZ E CERTEZA DA CDA – REVOLVIMENTO DE MATÉRIA DE PROVA – ENUNCIADO 7 DA SÚMULA DO STJ. 1. Na execução fiscal, a exceção de pré-executividade não perfaz meio hábil para exclusão de sócio do pólo passivo do processo executivo, porquanto presumida juris tantum a liquidez e a certeza que revestem a Certidão da Dívida Ativa- CDA. 2. O julgado agravado encontra respaldo no entendimento das Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ, as quais determinam que somente por meio de embargos à execução faz-se apropriada a demonstração de ilegitimidade para figurar no pólo passivo do processo executivo, porquanto presumida a liquidez e a certeza que revestem a CDA; logo, tal pleito torna-se insuscetível de realização na exceção de pré-executividade. 3. O agravante não cotejou argumentos capazes de infirmar os fundamentos do decisum agravado, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental. Agravo regimental improvido”. (AgRg no REsp 908.350/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 03/02/2009) “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO IMPROCEDENTES. EXECUÇÃO DEFINITIVA. É definitiva a execução de decisão que julgou improcedentes os respectivos embargos, ainda que sujeita a apelação. Uma vez iniciada a execução por título extrajudicial (certidão de dívida ativa da Fazenda Pública do Estado do Rio Grande do Sul), será definitiva, caráter que não é modificado pela oposição de embargos do devedor, tampouco pela interposição de recurso contra sentença que julgar improcedentes os embargos. O título extrajudicial goza de executoriedade, além de certeza, liqüidez e exigibilidade. Improcedentes os embargos, tais características são reforçadas, devendo a execução seguir, mesmo ante a interposição de recurso com efeito apenas devolutivo. Recurso especial conhecido e provido. Decisão por unanimidade”. (REsp 188.864/RS, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2001, DJ 24/09/2001, p. 264) “CDA – CORREÇÃO MONETARIA – LIQUIDEZ. A ATUALIZAÇÃO MONETARIA NÃO ALTERA O VALOR DA DIVIDA EXPRESSA NA CDA, QUE CONSERVA OS REQUISITOS DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.” (REsp 90.591/MG, Rel. Ministro GARCIA VIEIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/11/1997, DJ 09/03/1998, p. 13) 5. CONCLUSÃO A certidão de dívida ativa goza de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, que só poderá ser afastada mediante prova inequívoca a ser produzida pelo devedor. Tais requisitos justificam-se, na medida em que a atividade administrativa tributária rege-se, dentre outros, pelo Princípio da Legalidade. E, como os atos administrativos em geral, reveste-se de presunção de veracidade e legitimidade. Tem-se que a inscrição em dívida ativa é qualificada como ato de controle de legalidade. Mais importante que o assentamento, é a apuração da liquidez e certeza da dívida. Neste sentido, é feito um exame do atendimento dos pressupostos legais e da presença dos requisitos para a validade e eficácia do título executivo a ser formado. Deve ser ressaltado que a importância do ato de apuração e de inscrição em dívida ativa é tão grande que o art. 204 do CTN e o art. 3º da LEF conferem à dívida regularmente inscrita a presunção relativa de liquidez e certeza, dando-lhe efeito de prova pré-constituída, somente ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito ou de terceiro a quem aproveite. Ademais, tem-se que é após a inscrição que a dívida torna-se idônea a ser cobrada por ação de execução fiscal, sendo a certidão de dívida ativa o título executivo utilizado na cobrança judicial (art. 585, VII, do CPC).
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Lançamento por homologação – objeto da homologação e suas repercussões
O presente estudo parte de uma abordagem doutrinária e jurisprudencial acerca do dito “lançamento por homologação”, com a finalidade de encontrar uma interpretação mais coerente do art. 150, Código Tributário Nacional-CTN, considerando-se a constituição do crédito tributário pelo próprio contribuinte, bem como a inconfundibilidade dos prazos de homologação das atividades do contribuinte pela Administração, de decadência e de prescrição. Assim, o art. 150, CTN, foi analisado mais detidamente, diante da máxima de que toda interpretação começa do texto legal, suporte físico, assim como outros métodos de hermenêutica. Ainda, foram abordadas as consequências e as repercussões jurídicas do decurso de cada prazo, além da análise crítica da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça-STJ.
Direito Tributário
1 – INTRODUÇÃO Tradicionalmente, tanto a doutrina quanto a jurisprudência entendiam que existia apenas uma maneira de constituir o crédito tributário, qual seja, por meio de lançamento tributário. Trata-se de um ato de competência exclusiva da Administração Pública, cuja definição está no art. 142 do Código Tributário Nacional. Todavia, com base na teoria geral do direito, assim como a hermenêutica do direito, os estudos sobre a matéria evoluíram. Hoje, o entendimento majoritário é no sentido de que o ato de constituição do crédito tributário não é de competência exclusiva da Administração, podendo ser também praticado pelo próprio contribuinte nos tributos sujeitos ao chamado “lançamento por homologação”. Isso porque, pelo princípio da causalidade, é inegável que é o próprio contribuinte quem delimita todos os elementos da obrigação tributária e recolhe o valor devido, de acordo com essa apuração. Isto é, o contribuinte constitui o crédito tributário, estando apenas sujeito à futura homologação pela Administração, nos moldes do art. 150, CTN. Diante deste novo panorama, o presente trabalho enfocou o estudo na interpretação do art. 150, CTN, mais profundamente, pois ela deve necessariamente estar de acordo com a premissa aqui adotada: constituição do crédito tributário pelo contribuinte. Por exemplo, se o contribuinte constituiu todo o tributo devido, não se pode cogitar de um eventual lançamento de ofício, e, consequentemente, o curso do prazo de decadência. Se houve a constituição, por outro lado, mas não recolheu o valor apurado no vencimento, corre o prazo prescricional. O maior problema está no fato de ter uma constituição parcial e o recolhimento parcial, hipóteses estas que a doutrina e a jurisprudência fazem uma confusão na interpretação do art. 150, CTN. Um dos grandes equívocos identificado, no caso, é a repercussão jurídica do curso de três prazos inconfundíveis: a) prazo para homologação das atividades do contribuinte, b) prazo decadencial, e c) prazo prescricional. Dessa maneira, o presente estudo, ao analisar detidamente o art. 150, CTN, tenta identificar a natureza dos prazos, assim como as suas consequências jurídicas, abordando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2 – OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA E CRÉDITO TRIBUTÁRIO Historicamente, Feurbach diferenciou, no âmbito penal, o corpus delicti do Tatbestand, sendo este a descrição abstrata do delito e aquele a prova da existência fática do delito. Foi Beling quem aprofundou mais nessa teoria, agregando que somente o legislador poderia exercer essa função “constitutiva” do delito, compreendendo os elementos descritivos e objetivos do delito. A expressão Tatbestand foi adotada no Direito Tributário. Tatbestand, termo alemão, refere-se à descrição hipotética legal que, concretizada no mundo real, terá Sachverhalt, que é a obrigação tributária. No Brasil, Geraldo Ataliba distinguiu da seguinte forma: hipótese de incidência para a descrição abstrata legal do fato e fato imponível da ocorrência desta hipótese no mundo fático. A expressão hipótese de incidência já tinha sido utilizada por Becker, com base na teoria de Pontes de Miranda acerca da incidência automática e infalível da norma jurídica. Com relação à expressão fato imponível, também há críticas, pois, considerando-se que não há fato antes da incidência, o termo imponível é inadequado face à já ocorrência da tributação. Outra consideração é que essa expressão liga-se à imposição, compreendendo apenas impostos. Leciona Pontes de Miranda que, para que um fato empírico se torne jurídico, é indispensável que todo suporte fático necessário exista. Logo, sendo suficiente o suporte fático, existirá fato jurídico, o que não induz à sua validade. Para que este seja válido, o suporte fático não pode ser deficiente, devendo estar presentes todos os seus elementos complementares. Ricardo Marcondes Martins interpreta a teoria ponteana da seguinte forma: “A norma será inexistente se os elementos nucleares do suporte fático da norma de produção jurídica não estiverem presentes; será inválida na falta dos elementos complementares; e será ineficaz se ausentes os elementos integrativos.”[1]. José Wilson Ferreira Sobrinho, Brandão Machado, Paulo de Barros Carvalho e Marcos Bernardes de Mello, dentre outros, criticam a teoria de incidência infalível e automática das normas jurídicas, sustentando que a incidência da norma só se dará com a participação do homem, todavia, não se convergem sobre o tipo de participação. Paulo de Barros[2], citando Tércio Sampaio Ferraz que diferenciou os fatos dos eventos, sendo estes as situações existenciais e aqueles um elemento lingüístico capaz de organizar os eventos como realidade, explica que as proposições dos fatos devem assumir enunciado verdadeiro, aquele que expressa o uso de linguagem competente. Os enunciados factuais podem ser por meio de linguagem descritiva (valor lógico: verdadeiro ou falso); prescritiva (válido ou inválido); e performativo (eficaz ou ineficaz). Esses enunciados devem ser determinativos, pois reclamam a identificação da ocorrência do evento num intervalo de tempo e num ponto do espaço, sem excluir a possibilidade de constituição de conjuntos que recebem, um a um, as ocorrências factuais que venham a suceder (tabular: enumera os indivíduos que o compõem; forma-de-construção: indica nota(s) que o indivíduo precisa ter para pertencer à classe ou ao conjunto). No direito positivo, o fato (articulação de linguagem organizada) corresponde ao antecedente das normas individuais e concretas, isto é, enunciados denotativos. Já as normas jurídicas gerais e abstratas têm feição predominantemente de enunciados conotativos ou classes, pois são formados com predicados que os enunciados factuais devem conter. Em outros termos, os enunciados conotativos precisam de enunciados denotativos das normas individuais para atingirem a concretude da experiência social. Para este Autor, eventos se tornam fatos sociais, no momento em que há relevância social, que, por sua vez, se tornam fatos jurídicos, na hipótese em que há linguagem competente juridicizando-o[3]. Em suma, tradicionalmente, entendia-se que a obrigação tributária nascia no momento da verificação do fato descrito em lei no mundo factual, tendo em vista a incidência automática e infalível da lei, sendo que o crédito tributário apenas surgiria com o ato que reconheça o seu acontecimento e a delimita. Já modernamente, entende-se que a obrigação, assim como o crédito tributário, nascem no mesmo momento, qual seja, quando houver a edição do ato que reconheça o acontecimento na vida concreta, isto é, quando houver a vertência deste acontecimento em linguagem competente. No entanto, para a vida forense, verifica-se que estes entendimentos só se divergem apenas em conferir nomes diferentes às mesmas coisas, pois crédito tributário é obrigação tributária formalizada para os tradicionais e, para os modernos, trata-se de uma das facetas de obrigação (crédito e débito/obrigação), mas se convergem no tocante à aplicação do mesmo regime jurídico. Com efeito, para os tradicionais, há nascimento da obrigação quando da verificação da hipótese legal no mundo empírico e do crédito, quando houver a sua formalização. Já, para os modernos, há nascimento concomitante da obrigação e do crédito, institutos inseparáveis, e no momento da vertência em linguagem competente do acontecimento do fato descrito em lei, dados estes irrelevantes na prática, pois terão, reitera-se, o mesmo regime jurídico. Assim, na prática, não causará grande repercussão na análise do tributo, visto que os doutrinadores consentem num ponto crucial: a necessidade de constituição do crédito ou, como querem os modernos, a vertência do acontecimento em linguagem competente, por meio de lançamento ou ato de constituição do crédito tributário, para possibilitar a sua cobrança. Conclui-se, logo, que, independentemente da teoria adotada, não tem como negar a indispensabilidade de ato de constituição do crédito tributário para fins de cobrança do tributo devido, tendo em vista ser essa a exigência inafastável pelo vigente sistema jurídico tributário brasileiro. 3 – ATRIBUIÇÃO PARA CONSTITUIR CRÉDITO TRIBUTÁRIO O art. 142, Código Tributário Nacional-CTN, determina a atribuição privativa da autoridade administrativa de constituir crédito tributário por meio de lançamento. Assim, muitos sustentavam que o ato de constituição de crédito tributário seria sempre um ato privativo da autoridade administrativa, o que, salvo melhor juízo, não condiz com a realidade. O ato de lançamento tributário é sim ato privativo da autoridade administrativa como dispõe o referido dispositivo do CTN, contudo, não é o único capaz de constituir crédito tributário, pois pode o sujeito passivo da obrigação tributária fazê-lo. Há, no nosso sistema jurídico tributário, três formas/procedimentos para constituir crédito tributário: por meio de lançamento de ofício, por declaração e o chamado “lançamento por homologação”. Os dois primeiros são espécies de lançamento propriamente dito, definido no art. 142, CTN, sendo de atribuição privativa da autoridade administrativa, regidos pelos arts. 147 a 149, todos do CTN. Contudo, o dito “lançamento por homologação”, regido pelo art. 150, CTN, não se trata de lançamento stricto sensu, pois a constituição do crédito é feita pelo próprio sujeito passivo, não se enquadrando no conceito de lançamento do art. 142, CTN. No caso, o sujeito passivo identifica todos os elementos imprescindíveis para o recolhimento antecipado do tributo devido, vertendo em linguagem competente o fato gerador ocorrido no mundo concreto ou, para os tradicionais, formalizando a obrigação tributária. Aclara Paulo de Barros Carvalho que cabe ao sujeito passivo da obrigação tributária identificar todos os elementos da relação jurídica tributária, constituindo o evento em fato jurídico, sob o fundamento da causalidade jurídica[4]. No mesmo sentido ensina Estevão Horvath, pois reconheceu que há dois institutos inconfundíveis abarcados pelo termo “lançamento”, quais sejam, o praticado pela autoridade administrativa e pelo próprio contribuinte[5]. Destarte, está ultrapassada a ideia de que, no “lançamento por homologação”, há lançamento propriamente dito, considerando a homologação, expressa ou tácita, proferida por autoridade administrativa como lançamento, ato privativo desta autoridade. Isso porque, como sabido, com a homologação da atividade do sujeito passivo há extinção do crédito tributário, como se infere dos arts. 150, §1º, e 156, VII, ambos do CTN, não se confundindo com o momento do seu nascimento, que ocorre com o lançamento ou por ato do sujeito passivo. Não resta dúvida, dessa maneira, que a constituição do crédito tributário pode-se dar ou por ato administrativo (lançamento de ofício ou por declaração) ou por ato do sujeito passivo da obrigação tributária (“lançamento por homologação”)[6]. Aliás, Superior Tribunal de Justiça-STJ consolidou o seu entendimento neste sentido, ao julgar RE 962.379-RS, em sede de recurso repetitivo, sujeito ao regime do art. 543-C, Código de Processo Civil-CPC[7]. Na verdade, este entendimento já tinha sido assentado no EResp 686.479-RJ, pois havia considerado como ato de constituição do crédito o depósito realizado pelo sujeito passivo, efetuado antes de qualquer ato da Fazenda no sentido de constituição do tributo, objeto de discussão judicial, sendo regido pelo art. 150, CTN [8]. 4 – OBJETO DA HOMOLOGAÇÃO E SUAS REPERCUSSÕES – ART. 150, CTN Feita abordagem acerca da distinção entre obrigação e crédito tributários, bem como de sujeitos que têm atribuição para constituir crédito tributário, cabe agora verificar o objeto da homologação no “lançamento por homologação”, e as suas principais repercussões jurídicas, sob o enfoque no art. 150, CTN. 4.1 – OBJETO DA HOMOLOGAÇÃO, ART. 150, CAPUT, CTN Primeiramente, deve-se buscar o objeto passível de homologação pela Administração, pois, dependendo desta verificação, terão consequências jurídicas distintas para cada hipótese de não-homologação. Da leitura do art. 150, caput, CTN[9], pode-se inferir que a autoridade administrativa, no “lançamento por homologação”, tem competência de homologar a atividade exercida pelo sujeito passivo. E o próprio dispositivo revela o conteúdo desta atividade: o dever de “antecipar” o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, que, verdade, não se trata de antecipação, pois está se recolhendo no vencimento aprazado por lei. Entretanto, como a lei usa o termo, apenas para não criar confusão, o presente trabalho manterá o seu uso. Por questões de lógica e cronológica, antes de efetuar esta antecipação, deve necessariamente o sujeito passivo constituir o próprio crédito tributário, visto que sem essa atividade não terá ele condições de delimitar o valor a ser antecipado. Ou melhor, o dispositivo legal em questão determina duas atividades que o sujeito passivo deve praticar: apurar o valor devido, em outros termos, constituir o crédito tributário, e antecipar o seu pagamento, tudo isso sem qualquer interferência da Administração. Assim, é forçoso concluir que o objeto da homologação é exatamente estes dois atos que o sujeito passivo está incumbido de praticar. Esta interpretação confere maior efetividade aos termos utilizados pelo legislador, é razoável e lógico, além de estar em total consonância com o sistema jurídico vigente, devendo ela prevalecer. Entretanto, registra-se que há divergência na doutrina quanto à limitação deste objeto. Entende, por exemplo, Sacha Calmon Navarro Coêlho[10], que o objeto da homologação é apenas o pagamento, equivalendo a sua homologação ao lançamento. No mesmo sentido, Luciano Amaro externa o seu posicionamento[11]. Este sustento, todavia, não deve vingar, tendo em vista a impossibilidade de qualquer interpretação se desvencilhar do que foi efetivamente escrito, ou seja, do suporte físico, no caso, da lei. Como bem leciona Paulo de Barros[12], o direito tem como integrante constitutivo a linguagem, objeto da cultura, que deve ser interpretada para conferir o seu sentido, partindo do texto de lei, o suporte físico dos enunciados prescritivos. Pode-se afirmar, logo, categoricamente, que nenhuma interpretação pode se desligar do suporte físico. O processo de interpretação deve necessariamente começar com o contato com o suporte físico, ou seja, com a leitura do texto legal. Tendo isso em mente, cabe lembrar novamente, pela sua importância, do teor do caput do art. 150, CTN[13]. O objeto da homologação é a atividade do sujeito passivo, pois o texto utiliza o pronome “a” na locução “expresssamente a homologa”, referindo-se à atividade, e não o pronome “o”, que poderia se referir ao pagamento. Ainda, levando-se em conta que, por questões lógica e cronológica, como já mencionado, não tem como o sujeito passivo antecipar o pagamento antes de qualquer exame da Administração sem antes, constituir o crédito tributário. Não resta outra alternativa a não ser concluir que o objeto de homologação é estes dois atos do sujeito passivo. Ademais, é neste sentido o entendimento de Estevão Horvath. Explica que cabe ao contribuinte apurar o débito tributário e recolhê-lo, estando essas atividades sujeitas à homologação[14]. Eurico Marcos Diniz de Santi nos ensina que o pagamento antecipado pressupõe a criação da obrigação e a mera entrega de dinheiro ao cofre público não caracteriza pagamento, não extinguindo o crédito nos termos do art. 150, §1º, CTN[15]. Contudo, sustenta que o objeto da homologação é apenas o pagamento[16], o que é incoerente como já foi exaustivamente demonstrado acima. Ainda, Souto Maior Borges já havia se manifestado neste sentido[17]. Arremata-se, assim, que o objeto de homologação, nos tributos sujeitos a “lançamento por homologação”, é: a) constituição do crédito pelo sujeito passivo, e b) pagamento antecipado. 4.2 – EXTINÇÃO DO CRÉDITO, ART. 150, §1º, CTN Dispõe o §1º do art. 150 do CTN sobre a extinção do crédito no “lançamento por homologação” no momento do pagamento antecipado sob a condição resolutória da ulterior homologação pela Fazenda. De início, cabe esclarecer que a mencionada condição resolutória é a ulterior não-homologação do lançamento, sob pena de incorrer em incoerência lógica. De fato, não se pode conceber que há implementação de condição resolutória, cuja consequência é a resolução da extinção do crédito, se houver a homologação do lançamento. Ou melhor, não se pode interpretá-lo para concluir que caso a Administração tenha ratificado atividade do sujeito passivo, resolver-se-á a extinção do crédito operada com o pagamento antecipado. Ao contrário, perfaz a condição resolutória se houver a não-homologação, “restabelecendo” o crédito extinto por pagamento, para prosseguir na sua cobrança, sendo esta a única interpretação possível do dispositivo. Ensina com propriedade Luciano Amaro[18] que há troca de sinais. Ou mantém a condição resolutória, mas de negativa de homologação ou altera para condição suspensiva da ulterior homologação, para conferir uma coerência no dispositivo. Explica Caio Mario que condição suspensiva é aquela que estatui a inoperância da vontade até a sua implementação, ao passo que a resolutiva confere a aquisição do direito desde logo, produzindo todos os seus efeitos jurídicos, mas, realizada a condição, há extinção do direito[19]. Resta evidente, dessa maneira, que a única interpretação coerente do dispositivo é a que prega que a condição resolutória é a ulterior não homologação da atividade do sujeito passivo pela Fazenda Pública. Por outro lado, para a melhor análise da causa de extinção prevista no §1º em tela, ele deve ser interpretado conjuntamente com o art. 156, VII, CTN. Paulo de Barros[20] interpreta estes artigos no sentido de diferir o momento da extinção do crédito para o átimo da homologação. Encampa, assim, a teoria dos “cinco + cinco”, sendo os primeiros cinco anos para a homologação do pagamento e outros cinco, o prazo decadencial. Em que pese a maestria deste raciocínio, o entendimento mais razoável e consectâneo com o nosso sistema jurídico vigente é a que afirma a possibilidade de curso concomitante dos prazos (decadência e homologação), como será adiante melhor fundamentado, pois são prazos que não se confundem, diferentes, e não há qualquer razão para um excluir o curso do outro. A premissa adotada para justificar este entendimento é que com o pagamento antecipado, total ou parcial, terá extinção do crédito, constituído por ele, mas sob a condição resolutória. Isso significa que, havendo pagamento em qualquer quantia, o crédito se encontrará extinto em sua totalidade, até o advento da condição resolutória da não-homologação do pagamento, no prazo de cinco anos (art. 150, §4º, CTN). Diferentemente do ensinamento de Paulo de Barros no sentido de extinção do crédito com a homologação, é o pagamento antecipado que extingue o crédito, pois o §1º, 150, CTN, é expresso neste sentido, não podendo o intérprete criar norma jurídica desvencilhada do texto legal. Ainda, tendo em mente as duas espécies de condição, reforça o acerto da premissa aqui adotada, no sentido de que o pagamento, total ou parcial, antecipado pelo sujeito passivo extingue o crédito, embora sob condição resolutória da ulterior não-homologação. É, por conseguinte, neste sentido que o art. 156, VII, CTN, deve também ser interpretado: o pagamento antecipado extingue o crédito, mas só com a homologação retirará a sua precariedade de sujeição à condição resolutória. Extrai-se, assim, que, se não houver qualquer pagamento, não terá extinção do crédito, visto que o §1º do art. 150, CTN, é manifesto, reitera-se, no sentido de que é o pagamento antecipado que extingue o crédito, sob condição resolutória. E mais, se houver pagamento antecipado extingue o crédito tributário na sua totalidade. Mas se, dentro do prazo de cinco anos, conforme o art. 150, §4º, CTN, houver a não-homologação da atividade do sujeito passivo, por ser o pagamento insuficiente, apenas o montante pago terá extinção, não incidindo a condição resolutória da não-homologação, mas o valor não pago, incidirá, “restabelecendo” o crédito tão-somente nesta dimensão. Havendo apenas pagamento parcial, o valor antecipado será homologado pela Administração, mas resolverá a extinção do crédito no tocante ao valor não recolhido, para prosseguir na sua cobrança, desde que a não-homologação tenha respeitado o prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador (art. 150, §4º, CTN). Para a melhor visualização, segue o quadro ilustrativo: Apenas cumpre recordar que são duas as atividades passíveis de homologação (constituição de crédito e antecipação de pagamento), sendo que apenas a não-homologação de uma delas, qual seja, a antecipação de pagamento, constitui condição para resolver a extinção do crédito. Se houver a não-homologação da constituição do crédito, terá outras consequências jurídicas, tais como a ocorrência de decadência tributária, impossibilitando a correção da constituição do crédito realizada pelo sujeito passivo, como será adiante demonstrada, e não de resolver a extinção do crédito. 4.3 – INTERPRETAÇÃO DOS §§ 2º e 3º do art. 150, CTN No tocante aos §§2º e 3º do art. 150, CTN, não há divergência doutrinária relevante, pois o CTN é coerente no sentido de que é a obrigação tributária que confere a mesma natureza ao seu crédito tributário, e qualquer modificação deste não afeta aquela, como dispõem os seus arts. 139 a 141. Contudo, não se pode olvidar, como bem lembra Zuudi Sakakihara[21], que o eventual lançamento de ofício deve incidir sobre o remanescente não constituído e não recolhido pelo contribuinte. Com relação à penalidade, esclarece-se que deve se observar a conduta que enseja a sua aplicação. Se for o não cumprimento da obrigação acessória, deve levar em conta esta conduta omissiva, na sua medida. Ou seja, se a constituição do crédito foi parcial, a multa terá por base o crédito não constituído. Se a conduta for o não pagamento, deve-se considerar o valor não recolhido, em obediência ao princípio da causalidade. 4.4 – PRAZO PARA HOMOLOGAÇÃO E REPERCUSSÕES JURÍDICAS, §4º, ART. 150, CTN Estabelece o art. 150, §4º, CTN, como prazo residual, o de cinco anos para homologar a atividade do sujeito passivo, a contar da ocorrência do fato gerador, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação. De início, cumpre deixar claro que este prazo não se confunde com o de decadência ou de prescrição tributárias, visto que aquele é um lapso legal para que a Administração homologue ou não a atividade do contribuinte, qual seja, de constituir crédito tributário e antecipar o seu pagamento, como já esclarecido, sem se referir ao direito do Estado de constituir crédito ou de executá-lo. Será melhor demonstrada essa diferença mais adiante, sendo suficiente esta breve distinção para desenvolver o raciocínio dos itens seguintes. Outra observação é que a expressão “definitivamente extinto o crédito” não significa que o pagamento antecipado extingue apenas provisoriamente, mas que não é mais possível implementar a condição resolutória. Destarte, a sujeição à condição resolutória não retira a definitividade da aquisição do direito (extinção do crédito), mas apenas impõe a precariedade no sentido de, se implementada, resolver-se-á esta aquisição. Por fim, recorda-se que, implementada a homologação expressa e constatada a constituição irregular do crédito, pode a Administração lançar de ofício, dentro do prazo decadencial, nos termos do art. 156, VII, parágrafo único, e art. 149, CTN. 4.4.1 – DECADÊNCIA Ricardo Lodi Ribeiro[22], depois de lembrar a decadência e a prescrição na teoria geral do direito, define a decadência como direito potestativo do Estado de constituir o crédito tributário em face do contribuinte, tendo em vista a obrigatoriedade de constituição para cobrar o seu crédito. Assim, ocorrendo decadência, restará extinto o direito do Estado de lançar, constituindo uma causa de exclusão e não de extinção do crédito, como estabelece o CTN, pois impede o lançamento, ou seja, a própria constituição do crédito. No “lançamento por homologação”, o contribuinte tem o dever legal de constituir o crédito tributário, diante da ocorrência do fato gerador/hipótese de incidência descrita no antecedente da norma jurídica tributária, levando-se em consideração que o crédito decorre da obrigação tributária (art. 139, CTN). Na hipótese em que a constituição pelo sujeito passivo se confunde com a exata extensão do fato gerador ocorrido, não há que se cogitar de eventual necessidade de lançamento, e, por consequência, de decadência, pois todo crédito passível de constituição já foi devida e efetivamente constituído pelo sujeito passivo. Por outro lado, se o sujeito passivo restar inerte, não cumprindo com o seu dever legal de constituir crédito, sem adentrar a matéria atinente à infração legal, nasce para a Administração o dever de constituir o crédito, nos termos do art. 173, CTN[23], sujeitando-se ao prazo decadencial. Aliás, é neste sentido que STJ entendeu, ao julgar a RE 973.733-SC[24], cujo objeto era verificar o termo inicial do prazo decadencial para a constituição do crédito tributário pelo Fisco nas hipóteses em que o contribuinte não declara, nem efetua o pagamento antecipado do tributo sujeito a lançamento, julgado sob o manto de recurso repetitivo do art. 543-C, CPC. Apenas cabe lembrar que é condição sine qua non a constituição do crédito para ter qualquer recolhimento ou antecipação, pois é impossível ter pagamento de determinado tributo se este não foi formalizado ou constituído. Seria um “pagamento solto”, sem qualquer destino, uma mera transferência de patrimônio, que equivaleria a não-pagamento. Ainda, no caso de a constituição pelo sujeito passivo não englobar a exata extensão do fato gerador tributário, também nascerá o dever da Administração de constituir o crédito por meio de lançamento de ofício, mas referente a apenas o montante não constituído pelo sujeito passivo, no prazo decadencial de cinco anos, nos termos do art. 173, CTN. A parte constituída, obviamente, seguirá o regime do art. 150, CTN, sem se cogitar de decadência, em tese, pois se a constituição do crédito feita pelo sujeito passivo da obrigação tributária não estiver em conformidade com a legislação, por exemplo, o juízo implicacional está incorreto, deverá o Fisco lançar, corrigindo o erro, no prazo previsto no art. 173, CTN. Como já reiteradamente colocado, o objeto de homologação consiste em dois atos do contribuinte: constituição do crédito e antecipação do pagamento. A consequência do recolhimento antecipado é a extinção do crédito constituído, sob a condição resolutória da ulterior não-homologação pela Fazenda. Se homologar tácita ou expressamente, a extinção perderá a precariedade de sujeição a essa condição. Já a homologação da constituição do crédito retira a possibilidade da Administração de corrigir este ato do contribuinte, pois ela o ratificou. Assim, os eventuais erros de apuração, por exemplo, de valor, em que pese a correta delimitação do fato ocorrido, serão tidos como irrelevantes jurídicos, se houver a homologação tácita ou expressa, perdendo o Fisco o direito de constituir o crédito e prosseguir na sua cobrança. Ainda, a não-homologação do ato de constituição do crédito pela Fazenda no prazo previsto no art. 150, §4º, CTN, permite que ela lance o valor não abarcado pelo crédito constituído pelo sujeito passivo da obrigação tributária, obedecido o prazo decadencial do art. 173, CTN. Como exemplo, pode-se citar a constituição de imposto de importação, por meio de declaração do contribuinte, em que abrange parcialmente (Fato “A”) o fato jurídico tributário (Fato “A”+“B”), todavia, chega a um valor a ser recolhido inferior (R$ 300,00) ao valor devido (R$ 1.000,00), por erro no cálculo e, ainda, recolhe a menor (R$ 100,00) do que o valor apurado. Neste caso, há extinção integral do crédito constituído por existir um pagamento, mas sob a condição resolutória da ulterior não-homologação. A homologação da constituição do crédito impossibilita a Administração de corrigir a constituição com relação ao valor R$ 700,00 e seguir na sua cobrança. Esta correção deverá ser feita conforme o art. 173, CTN. Já a não-homologação do pagamento no prazo do art. 150, CTN, permite ao Fisco seguir na cobrança do valor apurado e não recolhido, R$ 200,00, desde que respeitado o prazo do art. 174, CTN. Neste caso, cabe frisar que o prazo para constituir o crédito referente ao fato não constituído, o “B”, o prazo decadencial flui conforme o art. 173, CTN, mas a mesma sorte não assiste ao crédito referente aos R$ 700,00. Sobre este valor, incide o regime do art. 150, CTN, pois há atividade do contribuinte passível de homologação e, como cediço, o prazo para homologação do art. 150, §4º, CTN, que é uma causa de extinção do crédito (art. 156, VII, CTN), finda sempre antes do prazo decadencial. Em que pese a coincidência da quantificação do prazo (cinco anos), o termo inicial do prazo do art. 150, §4º, é sempre anterior ao do prazo do art. 173, CTN, fazendo com que termine antes do decurso integral do prazo decadencial. Há incidência da causa de extinção do crédito, nos termos do art. 156, VII, CTN, antes de alcançar o termo final do prazo decadencial, reduzindo-o. Assim, pode-se afirmar que o termo inicial do prazo decadencial, no caso de não-homologação do ato de constituição do crédito do sujeito passivo, é o previsto no art. 173, CTN, mas o final é o do art. 150, §4º, e art. 156, VII, ambos do CTN. Por outro lado, não se aplica o art. 150, §§ 1º e 4º, CTN, ao montante não constituído, pois eles pressupõem a existência de atividade do sujeito passivo a ser homologada ou não pela Administração, o que não é verificado na hipótese de constituição parcial do crédito, no que toca à extensão não constituída. Certamente, não há constituição do crédito e, consequentemente, o seu pagamento antecipado, a serem homolgados ou não pela Fazenda, devendo ser constituído primeiramente pela própria Fazenda, em conformidade com a regra geral de decadência do art. 173, CTN, mas, reitera-se, apenas com relação à parte não constituída pelo sujeito passivo. Para esta hipótese, dessa maneira, é imperioso cindir o crédito, em constituído e não constituído, pois o regime jurídico aplicável a eles não se converge e não há regramento específico para este caso “misto”. De fato, o fenômeno de decadência é atribuído à inércia da Fazenda de constituir crédito e não de homologar ou não a atividade do sujeito passivo, prazos estes que são inconfundíveis. Vale a citação do ditado popular: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Uma coisa é o prazo para a Fazenda homologar ou não a atividade do sujeito passivo, cuja inércia acarreta a sua homologação tácita, retirando a precariedade de sujeição à condição resolutória de não-homologação da extinção do crédito, operada pela antecipação de pagamento, integral ou parcial. Outra coisa é o prazo que a Fazenda tem para constituir o crédito tributário, tendo por consequência a extinção do crédito/obrigação tributária pela ocorrência de decadência. Assim, se estivermos diante de crédito constituído pelo sujeito passivo, aplica-se o art. 150, CTN, se não, o art. 173, CTN. Contudo, se o caso for híbrido (constituição parcial pelo sujeito passivo), diante da inexistência de lei para esta hipótese específica, força a cisão do crédito, em constituído (art. 150, CTN) e não constituído (art. 173, CTN). Infelizmente, a Primeira Seção do STJ abriu a precedência neste ponto, divergindo-se do presente entendimento, pois julgou pela aplicação do art. 150, § 4º, CTN, no caso de pagamento parcial[25]. Ainda, este posicionamento está sendo seguido pelos órgãos do STJ[26]. No entanto, deve, primeiramente, distinguir se houve ou não a constituição do crédito tributário na exata extensão do fato gerador, para fins de verificação de decadência. E, depois, impende analisar se houve ou não a antecipação de pagamento no montante integral, para analisar se implementa ou não a condição resolutória de não-homologação do art. 150, §1º, CTN, sem se cogitar de decadência, pois não terá crédito passível de constituição. Por fim, segue o quadro ilustrativo para o melhor aclaramento do entendimento ora exposto: 4.4.2 – PRESCRIÇÃO Ultrapassada a questão de decadência, cabe verificar a ocorrência ou não da prescrição, outra causa de extinção do crédito tributário, nos termos do CTN. Prescrição tributária é instituto que extingue a pretensão do Fisco de cobrança do crédito tributário em decorrência do decurso do prazo legal. Define o Vittorio Cassone[27] como perda da ação referente a um direito, assim como a sua capacidade defensiva, como consequência do seu não-uso num determinado período de tempo. Todavia, no âmbito tributário, é forçoso entender que ela não só atinge o direito à ação, mas toda a pretensão jurídica, inclusive o próprio crédito, pois o art. 156, CTN, é expresso neste sentido. Pode-se concluir, dessa forma, que para cogitar de ocorrência ou não de prescrição, deve estar diante de um crédito tributário já constituído, sendo este um presssuposto inafastável. Assim, no caso, se o contribuinte constituiu e pagou a sua integralidade, não há que se falar em prescrição, pois não resta qualquer crédito para ser cobrado pela Fazenda. Mas, se não pagou nada, a prescrição é verificada nos termos do art. 174, CTN[28]. Por outro lado, se houve a constituição, mas o sujeito passivo recolheu apenas uma parte, não se cogita de decadência, mas de prescrição, em que pese o entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, que é no sentido de analisar a decadência no caso. Isso por uma razão muito simples, o crédito já se encontra constituído por ato do sujeito passivo, prescindindo de um outro ato de constituição. Na hipótese, a Fazenda, em tese, tem prazo prescricional de cincos anos, contados da constituição definitiva do crédito, mas deve este prazo ser analisado juntamente com o art. 150, §§1º e 4º, CTN em se tratando de hipótese de “lançamento por homologação”. Como já salientado, este último dispõe acerca dos casos de extinção do crédito, estabelecendo que o pagamento antecipado extingue sob condição resolutória da ulterior não-homologação, sendo que o prazo para esta é de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, momento em que terá extinção sem precariedade da sujeição à condição resolutória. Assim, combinando estes dois dispositivos, conclui-se que, no caso de constituição e com pagamento parcial, embora tenha a Administração o prazo de cinco anos, a contar da constituição definitiva do crédito tributário para propor a ação de cobrança, como há incidência anterior de outra causa de extinção, qual seja, extinção por pagamento antecipado homologado no prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, o curso prescricional se esgota neste momento. A razão deste raciocínio consiste na impossibilidade de reconhecer a existência do direito de cobrar da Fazenda se não há mais crédito a ser cobrado, por estar extinto por pagamento antecipado e homologado pela própria Administração no prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, nos termos do art. 150, CTN. Ademais, esclarece-se que não há possibilidade lógica de aplicar apenas o art. 174, CTN, no sentido de conferir o prazo de cinco para ação de cobrança, contado da constituição definitiva, para os tributos sujeitos a “lançamento por homologação” com antecipação de pagamento. De fato, o prazo para a homologação vence sempre antes, considerando-se o termo inicial da contagem do prazo de cinco anos, que é a ocorrência do fato gerador. Por conseguinte, na hipótese de existir pagamento parcial antecipado pelo sujeito passivo, no tributo sujeito a “lançamento por homologação”, o termo inicial do prazo prescricional é a data da constituição definitiva do crédito, mas o final coincide com o da homologação. No final, o prazo prescricional será inferior a cinco anos, pela interpretação concomitante dos arts. 150, §§1º e 4º, e 174, ambos do CTN. Para a interpretação do quadro abaixo, deve-se pressupor a constituição definitiva do crédito. 4.4.3 – INCONFUNDIBILIDADE DO PRAZO DO ART. 150, §4º, COM O DE DECADÊNCIA E O DE PRESCRIÇÃO Como já adiantado, o prazo do art. 150, §4º, CTN, não se confunde com o do art. 173, CTN, tampouco com o do art. 174, CTN. É imprescindível distingui-los, pois tanto a doutrina quanto a jurisprudência fazem confusão, o que afeta a coesão do sistema, assim como consequências jurídicas irreversíveis e danosas tanto para a Administração como para os administrados. O professor Eurico[29], por exemplo, entende que, no caso de aplicação do art. 150, CTN, e houver pagamento, há curso concomitante do prazo decadencial e da homologação, entendimento este, como devido respeito, não deve prevalecer. O primeiro prazo (art. 150, §4º) é conferido à Administração para homologar ou não a atividade do sujeito passivo, nos tributos sujeitos a “lançamento por homologação”, cuja inércia leva à homologação tácita. Assim, pressupõe a existência de atividade passível de homologação e o pagamento antecipado gera extinção do crédito, sob condição resolutória da ulterior não-homologação. Com a homologação, expressa ou tácita, declarará a Fazenda o acerto da constituição do crédito (Ex. Antecedente “1” => Consequente “1”) e do pagamento (Ex. Valor “1”), realizados pelo sujeito passivo. Com relação à homologação da constituição do crédito, esclarece-se que se, no futuro, a Administração se deparar que, na verdade, o contribuinte omitiu uma parte do fato gerador tributário ocorrido, sendo que o Antecedente era “1+2”, mesmo tendo homologado, deverá ela constituir o crédito referente ao Antecedente “2”, desde que respeitado o prazo decadencial do art. 173, CTN, pois, como relação a ele, não houve qualquer atividade passível de homologação, não se sujeitando ao regime do art. 150, CTN. Logo, surge a pergunta. Qual a consequência jurídica da homologação da constituição do crédito feito pelo sujeito passivo? O que se homologa é o ato do contribuinte, assim, qualquer erro ou vício deste ato restará sanado, tais como a inconsistência existente no Antecedente e/ou no Consequente, ou no seu juízo implicacional. No exemplo acima, se a Administração descobrir que, diante do Antecedente “1”, o Consequente era, na verdade, “2”, não poderá ela querer corrigir este erro no juízo implicacional, pois este ato do contribuinte de conferir a Consequência “1” já foi homologado. Um exemplo prático. A empresa “A” importou produtos do exterior do País, cuja base de cálculo do imposto de importação era R$ 100.000,00 e alíquota de 10%, e o sujeito passivo define que o imposto devido é R$ 10,00 e paga estes dez reais. Caso haja homologação, não poderá a Fazenda querer cobrar os restantes R$ 9.990,00, pois o crédito estará extinto, nos termos do art. 150, §1º, c/c 156, VII, ambos do CTN. Outro exemplo. A empresa “A” declara que está importando chinelos e sapatos, mas, na hora de quantificar, omite a importação dos chinelos, considerando apenas os sapatos e recolhe de acordo com essa quantificação. Mesma consequência será atribuída se houver a homologação. Essas situações não se confundem com aquela em que o contribuinte omite parcialmente a ocorrência do fato gerador, constituindo apenas uma parte. Ocorre esta hipótese quando essa empresa “A” não declara que está importando chinelos, mas apenas sapatos, recolhendo tão-só no tocante a estes. No caso, com relação aos chinelos, não há qualquer ato do contribuinte passível de ser homologado, o que induz a aplicação da regra geral de decadência, pois a Administração deverá, primeiro, constituir o crédito no tocante à importação dos chinelos para, depois, cobrá-lo judicialmente. Por fim, no que toca à homologação de pagamento, cabe registrar que se houver pagamento mesmo que parcial, terá extinção do crédito, se homologado, conforme o art. 150, §1º, CTN. Assim, se o contribuinte constitui o crédito no valor de R$ 100.000,00, mas paga apenas R$ 10.000,00, e a Administração o homologou, não poderá mais ela cobrar os restantes R$ 90.000,00, pela incidência dos arts. 150, §1º e 156, VII, CTN. Todavia, se o sujeito passivo constitui o crédito no valor de R$ 100.000,00, mas não recolhe nada, não há extinção do crédito nos termos do art. 150, §1º, CTN, assim, após o vencimento, correrá o prazo prescricional para que a Fazenda cobre judicialmente, nos termos do art. 174, CTN. Portanto, o prazo do art. 150, §4º, CTN, não pode ser confundido com o da decadência, visto que este é advindo da inércia da Administração de constituir crédito, tendo como consequência a sua extinção, nos termos do art. 156, V, CTN. No mesmo sentido, deve-se distingui-los do prazo prescricional, pois, em que pese a extinção do crédito, conforme o art. 156, V, CTN, a sua causa será a inércia da Administração de executar o crédito. Pode-se resumir da seguinte maneira: Conjugando todas as situações, pode-se chegar à seguinte ilustração: 5 – CONCLUSÕES Em virtude das observações acima, pode-se concluir que: a) independentemente da teoria adotada acerca da natureza jurídica do ato de constituição do crédito, é impossível negar a indispensabilidade deste ato para fins de cobrança do tributo, sendo este o requisito mais importante na prática; b) há dois sujeitos que têm atribuição para constituir o crédito tributário: autoridade administrativa (lançamento de ofício e por declaração) e sujeito passivo da obrigação tributária (“lançamento por homologação”); c) o objeto da homologação no dito “lançamento por homologação” é o ato de constituição de crédito e a antecipação de pagamento, realizados pelo sujeito passivo; d) a condição resolutória do art. 150, §1º, CTN, consiste na não-homologação do pagamento antecipado pelo sujeito passivo; e) a extinção do crédito, nos tributos sujeitos a “lançamento por homologação”, opera-se com o pagamento antecipado, mesmo que parcial; f) a antecipação de pagamento parcial extingue a totalidade do crédito constituído, mas se a Administração não homologar no prazo de cinco anos, conforme o art. 150, §4º, CTN, resolverá a extinção apenas no tocante ao valor não antecipado; g) conforme os §§ 2º e 3º, art. 150, CTN, é a obrigação tributária que confere a natureza jurídica ao crédito tributário, assim, a modificação deste não afetará aquela, todavia, a alteração daquela refletirá o crédito; h) a expressão “definitivamente extinto o crédito” do art. 150, §4º, CTN, significa que inexistirá mais a precariedade de sujeição à condição resolutória de não-homologação na extinção do crédito, operada conforme o §1º deste dispositivo; i) a aplicação do art. 150, CTN, pressupõe a existência de atividade do sujeito passivo a ser homologada ou não pela Administração; j) o prazo de homologação do art. 150, §4º, CTN, não se confunde com o de decadência (art. 173, CTN) tampouco com o de prescrição (art. 174, CTN), inexistindo qualquer óbice para o curso concomitante; k) o objeto da inércia do prazo do art. 150, §4º, é a homologação da atividade do contribuinte (constituição do crédito e pagamento antecipado), do prazo do art. 173, CTN, o direito de constituição do crédito da Fazenda, e do art. 174, CTN, o direito de cobrar judicialmente da Fazenda; l) se o sujeito passivo constitui o crédito, é regido pelo regime do art. 150, CTN. O eventual vício que macule este ato deve ser apurado e lançado o valor não formalizado pelo sujeito passivo, antes da decorrência do prazo de homologação, sob pena de homologação tácita e extinção do crédito. Assim, neste caso, o termo inicial do prazo decadencial é conforme o art. 173, CTN, mas o final coincide com o prazo de homologação do art. 150, §4º, CTN, consistindo sempre num prazo inferior a cinco anos; m) se o sujeito passivo não constituir o crédito e, consequentemente, não antecipar o pagamento, não haverá qualquer atividade passível de homologação, não incidindo o art. 150, CTN. Aplica-se a regra geral de decadência e de prescrição; n) se o sujeito passivo constitui apenas parcialmente e antecipa o montante apurado, estas atividades sujeitam-se ao regime do art. 150, CTN. No tocante ao montante não constituído, caberá à Administração fazê-lo, no prazo decadencial do art. 173, CTN; o) se o sujeito passivo constitui apenas parcialmente, mas não antecipa todo o montante apurado, estas atividades sujeitam-se ao regime do art. 150, CTN. Com relação à parte não constituída, aplica-se o art. 173, CTN, e ao montante não antecipado, mas já constituído pelo sujeito passivo, o prazo prescricional do art. 174, CTN; p) se o sujeito passivo constitui integralmente e recolhe o seu montante, em tese, correrá o prazo de homologação destas atividades, mas nunca terá a implementação da condição resolutória do art. 150, §1º, CTN; q) se o sujeito passivo devidamente constitui em conformidade com o fato jurídico tributário, mas não antecipa nada, correrá o prazo prescricional, nos termos do art. 174, CTN; e r) se o sujeito passivo constitui devidamente consoante o fato jurídico tributário, mas antecipa apenas uma parte, correrá o prazo prescricional, mas findará no termo final do prazo de homologação, diante da interpretação conjunta dos arts. 150 e 174, ambos do CTN.
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A pejotização como forma de burlar a legislação trabalhista
Esse artigo foi desenvolvido no intuito de analisar através de pesquisa jurisprudencial e doutrinária, a questão da Pejotização no campo do Direito Trabalhista, bem como os principais motivos para a utilização desse instituto e disseminação de sua prática. Primeiramente foi realizada a conceituação do Contrato de Trabalho, dos principais princípios aplicáveis à espécie, bem como do termo “Pejotização.
Direito Tributário
Introdução Esse artigo tem por objetivo avaliar as principais questões relativas ao desvirtuamento do contrato de trabalho através do instituto da Pejotização, que consiste em obrigar o trabalhador a constituir uma Pessoa Jurídica para executar trabalhos próprios de Pessoa Física, no intuito de mascarar a real relação existente, que é de emprego. Primeiramente, cumpre esclarecer sobre quais os principais conceitos e princípios envolvidos diretamente na questão, além de procurar explicar as questões envolvidas na flexibilização das Leis trabalhistas, posteriormente se buscou esclarecer quais os conceitos em quais momentos é admitido o uso do neologismo “pejotização” bem como em que ela consiste. 1. Conceitos de Pessoa Física e Jurídica no âmbito do Direito do Trabalho: No Direito Trabalhista a pessoa física é normalmente compreendida como o trabalhador, que empreende a mão de obra, presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário, nos termos do artigo 3º da CLT. “Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.         Parágrafo único – Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.” Já a pessoa jurídica é o tomador dessa mão de obra, é a empresa, a força maior, que contrata, dirige e assalaria essa prestação de serviços, nos termos da definição estabelecida pela Constituição das Leis Trabalhistas: “Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. § 1º – Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. § 2º – Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.” É através do contrato de trabalho que se estabelecem os parâmetros da relação empregado/ empregador, os artigos 442 e 443 definem que o contrato de trabalho pode ser firmado de forma tácita ou expressa. No entanto, quando se instaura o fenômeno da Pejotização, o que ocorre é a transformação do trabalhador – pessoa física, em pessoa jurídica. 1.1. O Contrato de Trabalho: A CLT tem a definição de contrato de trabalho em seu artigo 442, que dispõe “acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego”. Em verdade, o contrato de trabalho, é um “acordo de vontades”, expressamente manifestado (verbal ou escrito) ou manifestado tacitamente, no qual o empregador se compromete ao pagamento e o empregado se compromete a prestar pessoalmente e de forma subordinada, serviços contínuos. O contrato de trabalho insere-se no âmbito do Direito Privado, tendo em vista a natureza essencialmente privada de seus sujeitos, dos interesses envolvidos e da liberdade de pactuação que as partes exercem. É um contrato de natureza bilateral que gera obrigações recíprocas às partes contratantes e dele resulta um equilíbrio entre as prestações ajustadas. É um contrato consensual, isso quer dizer que pode ser ajustado livremente entre as partes contratantes, sem necessidade de cumprimento de formalidades, sendo suficiente para sua validação o consentimento. O contrato de trabalho é celebrado “intuitu personae” e gera para o trabalhador uma obrigação infungível, o empregador somente pode exigir a prestação de serviços daquele que contratou como empregado, a escolha do empregado é fundada em uma série de fatores que o distinguem dos outros candidatos.  Esses contratos podem ser classificados quanto ao prazo de duração cuja regra é que esse prazo seja indeterminado, no entanto o prazo determinado é admitido quando acordado no momento de sua celebração, para atividades de caráter transitório, o prazo máximo desses contratos é de 2 (dois) anos e só é admitida uma prorrogação, caso seja prorrogado mais de uma vez, o contrato passa automaticamente a valer por prazo indeterminado. Há também o contrato de experiência, cujo prazo máximo de duração é de 90 (noventa) dias, nesse caso também deve existir cláusula assecuratória do direito recíproco de rescisão, o TST entende que não é válido o contrato de experiência quando celebrado após findo o período de estágio em uma mesma empresa[1] . Os contratos podem ser classificados quanto ao local de prestação de serviços, sendo esses: Trabalho no estabelecimento do empregador, para serviços externos e trabalho no domicílio do empregado. Podem ser classificados ainda, quanto ao número de empregados, sendo contrato individual – um único empregado ou plúrimo – quando há mais de um empregado. O contrato de trabalho pode sofrer alterações ou suspensão e interrupção, as alterações do contrato de trabalho são o exercício do poder de comando por parte do empregador, no entanto, quando forem prejudiciais ao empregado ou impostas unilateralmente pelo empregador a alteração será nula e dará direito ao trabalhador de pedir a rescisão indireta (CLT, art. 468). A suspensão do contrato de trabalho, enseja a paralisação total, sem que no entanto, haja o rompimento da relação de emprego, durante a suspensão o empregador não paga salários, o empregado não presta serviços e esse período não é computado como de tempo de serviço. A interrupção do contrato é o período em que o contrato não se opera em sua plenitude, nesse caso, há pagamento de salário por parte do empregador, mas o empregado não presta o serviço, são os casos de férias, repouso semanal remunerado, licença gestante, paralisação da empresa (fato do príncipe ou força maior) dentre outros casos. De todo o exposto extraímos que os requisitos essenciais exigidos pela Lei e dos quais as partes não podem abrir mão em um contrato de trabalho são os seguintes: a) a pessoalidade da prestação, por pessoa física; b) a não eventualidade dos serviços prestados; c) a subordinação jurídica; d) a retribuição dos serviços por parte de quem os contrata (onerosidade; Estando presentes os requisitos supra, mesmo que não haja um contrato formal, ou ainda, que havendo, esteja revestido de alguma forma a esconder a real relação, a hipótese a ser considerada será a de uma relação de emprego. 1.2. O Princípio da Primazia da Realidade: O Princípio da Primazia da Realidade é um dos norteadores das relações e decisões trabalhistas, esse princípio estabelece que é a realidade dos fatos que deve imperar, não sendo relevante aquilo que está escrito no contrato, se não traduz a real situação fática. No tocante à pejotização, verifica-se a importância do princípio da primazia da realidade, considerado um dos pilares do direito laboral, sob o qual, o que irá ter valor é a situação que se apresenta no mundo dos fatos e não como disposto formalmente nos documentos. Conforme Mario de La Cueva: “A existência de uma relação de trabalho depende, em conseqüência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado, porque […] a aplicação do Direito do Trabalho depende cada vez menos de uma relação jurídica subjetiva do que de uma situação objetiva, cuja existência é independente do ato que condiciona seu nascimento. Donde resulta errôneo pretender julgar a natureza de uma relação de acordo com o que as partes tiverem pactuado, uma vez que, se as estipulações consignadas no contrato não correspondem à realidade, carecerão de qualquer valor”[2]. Em razão do exposto é que o contrato de trabalho foi denominado contrato-realidade, posto que existe não no acordo abstrato de vontades, mas na realidade da prestação do serviço, e que é esta e não aquele acordo o que determina sua existência. A distorção da realidade, embora aplicada no contrato quando constituída uma Pessoa Jurídica no intuito de realizar um trabalho próprio de Pessoa Física, não é considerada válida na grande maioria dos casos pelo judiciário. Sendo assim, quando a realidade que emana dos fatos, e a formalidade dos documentos forem dissonantes, a realidade fática prevalecerá sobre a sua concepção jurídica. 1.3. O Princípio da Proteção ao Trabalhador – “In dúbio pró-mísero”: Esse princípio consiste em o julgador, no caso de dúvida razoável, deduzir a prova, favoravelmente ao trabalhador. Situações existem em que o juiz se depara com a chamada prova dividida, ou “empatada”, que não possibilita ao julgador saber qual versão está realmente verossímil. (SCHIAVI, 2011, p. 81) Mauro Schiavi afirma ainda que: “…quando a norma propiciar vários sentidos de interpretações possíveis, deve-se prestigiar a interpretação mais favorável ao empregado. Segundo a doutrina dominante, esse critério não se aplica no terreno processual, devendo o juiz, em caso de dúvida, julgar contra o litigante que detinha o ônus probatório. A doutrina alinha outros princípios fundamentais do Direito do Trabalho, como os princípios da primazia da realidade, da continuidade da relação de emprego, da irrenuncialidade de direitos, da irredutibilidade de salários, da boa-fé, da razoabilidade, da dignidade da pessoa humana, da justiça social e da equidade[3]. ” Podemos concluir que o princípio “in dúbio pró misero” é um meio de garantir ao empregado (que é a parte mais frágil na demanda trabalhista), seu direito nos casos em que existam dúvidas com relação aquilo que se apresenta nos autos ao juiz. A decisão também será favorável ao hipossuficiente, nos casos em que a legislação seja conflitante, no entanto, quando faltarem elementos na lei trabalhista, antes de realizar a aplicação do princípio, o juiz deverá se socorrer do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente à legislação trabalhista, é somente após certificar-se de que a legislação não é capaz de lhe trazer elementos suficientes a embasar o seu convencimento, aplicar o princípio “in dúbio pró mísero”. A regra da norma mais favorável também se aplica aos casos em que havendo mais de uma norma aplicável a um caso concreto, deve-se optar por aquela que seja mais favorável ao trabalhador, ainda que não seja essa a que se encaixe nos critérios clássicos de hierarquia de normas. 1.4. O que é Pejotização: O termo refere-se a uma prática comum e bastante atual na esfera trabalhista, trata-se de advento utilizado por empresas no intuito de potencializar lucros e resultados financeiros, livrando-se de encargos decorrentes das relações trabalhistas, e consiste em contratar funcionários (pessoas físicas) através da constituição de Pessoa Jurídica, nesse caso o empregador orienta o fornecedor da mão de obra a constituir uma empresa, este artifício resulta na descaracterização da relação de emprego e a PJ é usada em substituição ao contrato de trabalho. Esse fenômeno é mais relevante com relação a profissões eminentemente intelectuais, tendo em vista que a Lei 11.196/2005, em seu artigo 129, prevê o seguinte: “Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.” Dessa forma muitos empregadores se sentiram legitimados a contratar trabalhadores intelectuais, através de pessoa jurídica, a licitude dessa relação é defendida pelos empregadores, com fundamento no dispositivo legal supra. Segundo a concepção dos empregadores, o serviço intelectual seria capaz de elidir a hipossuficiência dos trabalhadores, cabendo a ele a escolha da Lei que irá reger o seu trabalho, muitos ainda, defendem que os incentivos fiscais e previdenciários, compensariam a ausência de benefícios trabalhistas. É sob esse argumento que a prática da pejotização tem se difundido entre as relações trabalhistas no Brasil. É uma prática bastante usual no serviço bancário, no serviço de seguros, bem como em empresas de comunicação e marketing: as empresas impõem que o funcionário crie uma pessoa jurídica e com esta celebram os contratos de prestação de serviços, com cláusula de exclusividade. Desse modo, o trabalhador presta serviços na própria sede da empresa e cumpre jornada de trabalho que, caso excedida, não enseja o pagamento de horas extras, sendo-lhe negados também os demais direitos trabalhistas. Entretanto, a pejotização não se restringe aos setores citados, igualmente, os profissionais de Tecnologia da Informação são freqüentemente alvo da prática, firmando contratos de prestação de serviços por meio da pessoa jurídica constituída por imposição patronal . Esse desvirtuamento, atinge diversas categorias profissionais, ocorrendo em muitos casos nos quais até mesmo advogados são compelidos a se tornar sócios de uma sociedade de advogados e emitir nota fiscal de prestação de serviços . A prática que tem se tornando corriqueira dentro do direito do trabalho, consiste no uso da pessoa jurídica para encobrir uma verdadeira relação de emprego, fazendo transparecer formalmente uma situação jurídica de natureza civil. A denominação é fruto da sigla da pessoa jurídica, isto é, PJ daí advém o termo pejotização, a “transformação” do empregado (sempre pessoa física) em PJ (pessoa jurídica). O Direito do trabalho tutela o empregado – pessoa física, não havendo a possibilidade de uma pessoa jurídica ser trabalhador. O conceito de empregado extraído do artigo 3° da CLT, é claro com relação a essa exigência, além do fato de o contrato ser “intuito personae”, o que quer dizer que é personalíssimo, não podendo ser executado por parte diversa daquela que o pactuou. Dos dados levantados pode-se concluir que a pejotização ocorre de duas formas: Na primeira, é no ato da contratação que o empregador impõe a constituição de uma pessoa jurídica como condição para admissão do empregado. Na segunda forma, a empresa exige do trabalhador, geralmente sob constrangimento e ameaça de demissão, que crie uma empresa e após esse procedimento, procede à baixa na carteira de trabalho e celebra um contrato de prestação de serviços. A segunda situação é ainda mais gravosa ao trabalhador, tendo em vista que quando ocorre o empregado continua em condições idênticas a quando era de fato empregado, permanece exercendo as mesmas atividades, sob a gerência do mesmo empregador e no mesmo local de trabalho. No momento em que se considera a possibilidade da presença de uma pessoa jurídica no pólo que deveria ser do empregado, é configurada uma locação de serviços, ou um contrato de empreitada, temporário, terceirização, trabalhador autônomo, etc. Em suma, a pejotização é um instituto antagônico à típica relação de emprego do direito laboral, pois é uma prática, que retira direitos do trabalhador que é o elo mais fraco na relação de emprego normal. O neologismo Pejotização tem sido amplamente utilizado tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina, sempre que essa forma é utilizada para descaracterizar a realidade de uma relação de trabalho e se dá em decorrência da reincidência dessa prática. É importante frisar que essa prática constitui uma espécie de fraude à relação de emprego, na qual o empregador acaba se aproveitando da necessidade do trabalhador, para impingir-lhe condições extremamente desfavoráveis, conforme se verifica através de análise do artigo 9º da CLT: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”, Dessa forma temos a nulidade do contrato de constituição de uma empresa, quando firmado com o claro intuito de desvirtuar a relação real, que existe, sendo essa na verdade uma relação de emprego. A prática é considerada ainda, crime contra a organização do trabalho, estando incurso no artigo 203 do Código Penal, que disciplina o seguinte: “Frustrar, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho: Pena: detenção de um ano a dois anos, e multa, além da pena correspondente à violência”. No entanto, é necessário que o trabalhador entre com a queixa especificamente no juízo criminal para restar configurado o crime. Se por um lado, as empresas individuais surgem incentivadas pela ideologia do empreendedorismo, que sustenta a liberdade da empresa em se desobrigar dos compromissos de gestão do trabalho, de encargos sociais e direitos trabalhistas, pois forçam o trabalhador a alterar sua personalidade jurídica, registrando uma empresa em seu nome e transformando o trabalhador em empresário e perdendo seus direitos trabalhistas. O trabalhador, por sua vez, se transforma em um instrumento desse artifício e objetivando não perder o seu posto de trabalho e de empregado, transformando-se em empresa muito embora, continue trabalhando sob as mesmas condições de um empregado. Conclusão O Trabalho e o Direito do Trabalho estão em constante modificação e acompanhando a evolução da sociedade, as relações trabalhistas são dinâmicas e as interações ocorrem a todo momento, também com relação aos campos da Ciência e da Política. O principal objetivo desse trabalho, foi abordar uma questão específica do Direito Trabalhista, denominada sob o neologismo de Pejotização, esse fenômeno tem ganhado atenção especial do judiciário. Foi analisado o contexto em que ocorre a Pejotização, em um ambiente de precarização das relações trabalhistas, que são criadas as condições ideais para surgimento do fenômeno, no qual o empregador induz o trabalhador a instituir uma empresa, Pessoa Jurídica, permanecendo o trabalhador realizando as mesmas atividades que realizava antes, como Pessoa Física. Essa situação demanda a atuação do judiciário, no intuito de coibir a prática e proteger o trabalhador que é o hipossuficiente dentro da relação trabalhista, mesmo quando se trata de trabalhador qualificado intelectualmente tendo em vista que, financeiramente não há o afastamento da condição de hipossuficiência.
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A inconstitucionalidade da limitação à dedução de despesas com educação da base de cálculo do Imposto de Renda
Neste artigo pretende-se verificar se é possível reconhecer o direito à dedução integral das despesas educacionais na base de cálculo do Imposto de Renda, com o afastamento do limite anual individual, do contribuinte e de seus dependentes, previsto na alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95. Aborda-se o problema pelo viés da inconstitucionalidade do ato normativo em face do conceito de renda, do princípio da capacidade contributiva, do princípio da isonomia e do direito fundamental à educação. Constata-se que a intervenção do Poder Judiciário não usurpa função do Legislativo, mas apenas suprime do ordenamento, em sua típica função, norma que não guarda pertinência com a Constituição Federal, em razão de comprometer o exercício do direito fundamental à educação, que tem eficácia plena e imediata.
Direito Tributário
Introdução A questão que se pretende analisar neste artigo cinge-se ao reconhecimento, ou não, do direito à dedução integral das despesas com instrução da base de cálculo do Imposto de Renda, mediante o afastamento do limite anual individual, do contribuinte e de seus dependentes, previsto na alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95, in verbis: “Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: (…) II – das deduções relativas: (…) b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de:  (…)” (grifo nosso) Primeiramente, analisa-se a constitucionalidade da norma em face do critério material da regra matriz de incidência do Imposto de Renda, delimitando-se o conceito de renda, previsto no art. 153, III, da CF, esmiuçado nos arts. 43 a 45 do CTN. Busca-se delinear a natureza jurídica das despesas com instrução, verificando-se se ao legislador ordinário era permitido limitar a dedução de tais despesas, em razão do conceito constitucional de renda. Em um segundo momento, considerando que as deduções são técnicas de aferição da possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo, investiga-se se o ato normativo que limita quantitativamente a dedução de despesas educacionais ofende o princípio da capacidade contributiva, bem como o princípio da princípio da isonomia. Passa-se, então, ao exame da questão em face do dever imposto ao Poder Público de promover e incentivar a educação, já que a Constituição assegura a todos o direito à educação, direito social fundamental que tem por objetivo o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o trabalho. Uma vez concluída a análise no sentido da inconstitucionalidade da norma que impõe teto à dedução das despesas educacionais, averigua-se, por fim, se a intervenção do Poder Judiciário no mérito da questão ofende o princípio da separação dos poderes. 1. Do conceito constitucional de renda A competência tributária impositiva da União para criar o Imposto de Renda é traçada pela Constituição Federal em seu art. 153, III, que dispõe competir à União “instituir impostos sobre: (…) III – renda e proventos de qualquer natureza”. Por sua vez, o Código Tributário Nacional no art. 43, I e II, esmiuça o critério material da regra matriz de incidência, como a aquisição da disponibilidade de acréscimo patrimonial produto do capital, do trabalho, da combinação de ambos (renda) ou de qualquer outra causa (proventos). A base de cálculo do Imposto de Renda, elemento quantitativo da regra matriz de incidência, é o “montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis” (CTN, art. 44), resultado da diferença entre os rendimentos recebidos e as deduções previstas no inc. II do art. 8º da lei 9.250/95. A alínea “b” do inciso II do art. 8º da lei 9.250/95 fixa o limite pecuniário, individual e anual, do contribuinte e de seus dependentes, para a dedução dos pagamentos de despesas com instrução. Pergunta-se: a imposição de limites à dedução de despesas com instrução da base de cálculo do Imposto de Renda pelo legislador ordinário conflita com o conceito de renda constitucionalmente previsto? O conceito de renda não está à disposição do legislador infraconstitucional, que não pode extrapolar a amplitude dos conceitos de “renda” e “proventos de qualquer natureza”, sob pena de inconstitucionalidade (PAULSEN, 2010, p. 275). O texto constitucional referiu-se ao critério material da regra matriz de incidência tributária para o fim de proceder à repartição da competência tributária impositiva, de forma que é impossível conferir ao legislador infraconstitucional competência para bulir com o âmbito das próprias competências tributárias impositivas constitucionalmente estabelecidas. Verifica-se existir, portanto, um conceito constitucional de renda conforme esclarece Lima Gonçalves (1997, p. 171): “A própria Constituição fornecerá, portanto, ainda que de forma implícita, haurível de sua compreensão sistemática, o conteúdo do conceito por ela – Constituição – pressuposto”. Insta citar, no mesmo norte, a lição de Brito Machado (2009) no sentido de que o direito à dedução dos gastos com educação na base de cálculo do Imposto de Renda não se trata de um incentivo fiscal, mas de limitação constitucional da competência tributária, fazendo-se que o imposto incida sobre a renda e não sobre despesas. A exclusão ou limitação do abatimento dos gastos com educação implica em admitir um imposto sobre os gastos com educação, o que evidencia o absurdo da limitação questionada. Gomes de Sousa (1960) apud Navarro Coelho (2006, p. 415) afirmava que o conceito tributário de renda está baseado na distinção entre renda e patrimônio, sendo o patrimônio “o montante da riqueza possuída por um indivíduo em um determinado momento” e a renda “o aumento ou acréscimo do patrimônio, verificado entre dois momentos quaisquer de tempo (na prática, esses dois momentos são o início e o fim do exercício financeiro)”. Cumpre salientar que tanto a renda, produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, como os demais proventos não compreendidos na definição, devem traduzir um aumento patrimonial entre dois momentos de tempo. O acréscimo patrimonial, em seu dinamismo acrescentador de mais patrimônio, é que constitui a substância tributável pelo imposto (COELHO, 2000, p.279). Diante da associação necessária do conceito de renda, pressuposto na Constituição, à idéia de acréscimo patrimonial, o legislador infraconstitucional somente pode fazer incidir a exação sobre os acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte, assim considerados os valores remanescentes após as deduções do valor integral das despesas com instrução, no exercício do direito fundamental à educação (CF, art. 6º e 205). Considerando que as despesas relacionadas à educação constituem decréscimos patrimoniais, desembolsos, consistentes em perda da disponibilidade econômica e jurídica, o legislador ordinário que vedou ao contribuinte a dedução de qualquer importância que exceda o limite legal autorizado subverteu o conceito constitucional de renda. A diferença entre o valor efetivamente despendido pelo contribuinte e o limite legal autorizado não pode ser considerada acréscimo patrimonial para compor a base de cálculo do imposto de renda. De rigor, por conseguinte, seja declarada a inconstitucionalidade parcial da alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9250/90, no ponto em que traz limitação quantitativa à dedução com despesas com instrução, em razão de contrariar o conceito constitucional de renda. 2. Dos princípios da capacidade contributiva e da isonomia O princípio da capacidade contributiva, princípio de sobredireito para a maior parte da doutrina (PAULSEN, 2010, p.48), positiva-se pela previsão de graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte no art. 145, §1º, da CF. O Estado deve exigir que as pessoas contribuam para as despesas públicas na medida da sua capacidade para contribuir, ou seja, conforme a aptidão concreta de cada indivíduo suportar a tributação, segundo os signos presuntivos de riqueza, sem implicar em confisco para ninguém e preservando-se o mínimo vital. A capacidade contributiva é bem definida por Navarro Coelho (2006, p.51) como a “possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay)”, sendo subjetiva – e nesse sentido eleita pelo constituinte – quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real) e objetiva quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa, como ter casa ou carro, signos presuntivos de capacidade contributiva. A vedação à dedução do valor integral das despesas com educação ofende o princípio da capacidade contributiva, porque as deduções são técnicas de aferição da possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo, levando-se em conta não só os rendimentos brutos, mas também os gastos necessários para a sua educação e a de seus dependentes (capacidade econômica real). A aptidão de suportar a carga tributária do contribuinte que teve despesas com educação acima do teto restará diminuída em relação a outro que tenha aferido a mesma renda, com tais despesas dentro do teto, violando-se o princípio da isonomia. A fixação de determinado teto viola a capacidade contributiva relativa ou subjetiva, pois cria um “plus” de aptidão para contribuir totalmente fictício (COSTA, 2003). Por consistir o dogma da capacidade contributiva desdobramento do princípio da isonomia (BALEEIRO, 1999, p.200), insta tecer algumas considerações acerca do conteúdo jurídico deste. O princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada, como ao ser aplicada, não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação equivalente e discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação equivalente. De plano, verifica-se que houve discriminação de contribuintes em situação equivalente, ou seja, que efetuaram despesas com instrução, concretizando o direito fundamental à educação. Imergindo no conteúdo jurídico do princípio da igualdade, pode-se dizer que o fator de discriminação (valor acima do limite quantitativo imposto) não guarda relação de pertinência lógica com a disparidade de tratamento jurídico dispensado (quem gasta abaixo do teto tem direito a deduzir a totalidade das despesas educacionais e quem gasta acima do teto não tem o direito de deduzir os gastos educacionais que o ultrapassem). Com efeito, impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de sucedâneo (MELLO, 1995, p.39). Insta salientar que o vínculo da correlação lógica entre os fatores diferenciais existentes e a distinção de regime jurídico em função deles deve ter pertinência em função dos interesses constitucionalmente protegidos, no caso, o direito fundamental à educação. Com efeito, por esse viés, a norma que permite a dedução das despesas com educação tem como fundamento para a desequiparação a necessária concretização do direito fundamental à educação. Já a norma que impõe como fator de discrímen determinado valor como teto para o abatimento, desigualando aqueles contribuintes que tem despesas com educação até o teto daqueles que tem despesas em valor superior ao teto, diferencia situações que não são efetivamente distintas entre si. Vale dizer, trata-se, em ambos os casos, de contribuintes que gastam com educação e pelo mesmo fundamento constitucional merecem deduzir o valor integral gasto com referidas despesas, conforme a capacidade contributiva subjetiva. Destarte, as despesas educacionais não devem ter teto que as limite, sob pena de afrontar o princípio da capacidade contributiva sob o aspecto subjetivo (CF, 145, §1º), bem como o princípio da isonomia (CF, arts. 5º, caput, e 150, II), na medida em que não há efetiva distinção entre o contribuinte que efetua despesas educacionais até o teto e aquele que realiza despesas acima do teto, considerando que o tratamento jurídico diferenciado consubstanciado na possibilidade de dedução de despesas educacionais decorre do direito fundamental à educação, interesse constitucionalmente protegido.  3. Do direito social fundamental à educação A Constituição Federal declara que a educação, por meio da qual o cidadão adquire a capacidade de interferir na comunidade em que vive, é um direito social de todos e um dever do Estado e da família e será promovida com vistas “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e  sua qualificação para o trabalho” (CF, art. 6º e 205). Pondere-se que não obstante se tratar de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os meios de acesso à educação (CF, art. 23, V), que deverão organizar em regime de colaboração os sistemas de ensino (CF, art. 211), diante da impossibilidade de o Estado garantir a todos a efetiva prestação de ensino público em estabelecimentos oficiais, permitiu-se a exploração pela iniciativa privada (CF, art. 209). Assim, ao lado da prestação do ensino gratuito – direito fundamental do homem nos termos do art. 26 da Declaração Universal dos Direito Humanos, subscrita pelo Brasil – preferencialmente pelo Estado (CF, art. 208), que recebe os recursos públicos (CF, art. 213), consentiu a Carta Magna com a exploração do ensino, em todos os níveis e modalidades, pela iniciativa privada, com as limitações de cumprir as normas gerais da educação nacional e de sujeição à autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (CF, art. 209), de forma que a educação, neste caso, será prestada mediante o pagamento de mensalidades e demais despesas legítimas. Com o escopo de promover e efetivar o direito à educação, a lei 9.250/95 previu em seu art. 8º, II, “b”, norma que permite a dedução das despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física. Por meio da técnica de abatimento, compensa-se aqueles que se utilizam da rede de ensino privado e, conseqüentemente, deixam de sobrecarregar o ensino público, desonerando-o e propiciando à Administração melhor alocação de recursos. Entretanto, a estipulação arbitrária de limite anual individual, impedindo a dedução do valor real, efetivamente empregado na educação, paradoxalmente, contraria tal finalidade e atribui efeitos jurídicos distintos à mesma despesa realizada pelo contribuinte. Consoante o escólio de Canotilho (1998, p.436-440), as normas consagradoras de direitos sociais implicam em interpretação das normas legais conforme a “constituição social econômica e social”, devendo servir de parâmetro de controle judicial quando esteja em causa a apreciação da constitucionalidade de medidas legais restritivas destes direitos. Insta ponderar que o direito social à educação, elemento imprescindível ao pleno desenvolvimento da pessoa, ao exercício da cidadania e à livre determinação do indivíduo, guarda estreita relação com os primados basilares da República Federativa e do Estado Democrático de Direito, especialmente como o princípio da dignidade humana, funcionando com verdadeiro pressuposto para a concreção dos demais direito fundamentais. O art. 208, §1º, da Constituição consagra o direito fundamental à educação com o status jurídico de “direito público subjetivo”, conferindo eficácia plena e imediata à norma, nos termos do art. 5º, §1º, da CF, afigurando-se prescindível a integração posterior normativa para a concretização desse direito. Insere-se o direito à educação na categoria dos direitos de segunda geração, cuja concretização, exige, via de regra, uma atuação positiva do Estado. Entretanto, se o Estado não cumpre com seu mister de disponibilizar ensino gratuito a toda a população mediante prestações positivas, tem o dever, ao menos, de fomentar e facilitar o acesso à educação, deixando de atingir, via tributação, a esfera patrimonial dos cidadãos empenhada para efetivar e concretizar esse direito.  Com efeito, a proteção e a concretização do direito social à educação pode-se dar por meio de um não fazer estatal, especialmente pela não vedação à dedução integral de despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda, conferindo maior efetividade ao direito à educação, em contexto de extrafiscalidade. Afigura-se, também por este viés, inconstitucional a imposição de teto para as despesas com instrução efetivamente realizadas, por obstaculizar o exercício do direito fundamental à educação, em violação aos arts. 6º, 23, V, e 205 da CF. 4. Do princípio da separação dos poderes A Constituição Federal, com vistas a evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais: legislação, administração e jurisdição (CF, art. 2º). A divisão de tarefas estatais entre distintos órgãos autônomos, com previsão de garantias e imunidades a cada Poder, bem como mecanismos de controles recíprocos de “freios e contrapesos”, configura-se um princípio estrutural conformador do domínio político (CANOTILHO, 1998, p.449) e garante o Estado Constitucional Democrático de Direito. Impõe-se questionar se as decisões do Judiciário que suprimem do ordenamento, por reconhecer a sua inconstitucionalidade, a norma que limita o valor das despesas educacionais a ser deduzido da base de cálculo do Imposto de Renda configuram ofensa ao princípio da separação dos poderes, por atuar o julgador como legislador positivo, estabelecendo a redução ou a isenção de tributos. A resposta que se impõe é negativa. A questão encerra uma situação de colisão entre normas constitucionais, quais sejam, a norma que exige lei para a concessão de benefício fiscal (CF, art. 150, §6º), sendo a função legislativa atribuída exclusivamente ao Poder Legislativo conforme o princípio da separação de poderes (CF, art. 2º e 48, I) e a norma que prevê o direito social fundamental à educação (CF, art. 6º, 23, V e 205), norma de eficácia plena e imediata (CF, art. 5º, §1º). Pode-se dizer que a educação inclui-se no rol dos direitos sociais, de segunda geração, que sob uma dimensão subjetiva, são autênticos direitos subjetivos inerentes ao espaço existencial do cidadão. Por outro lado, sob uma dimensão objetiva, as normas constitucionais que os consagram impõem a obrigatoriedade de o legislador atuar positivamente, criando as condições materiais e institucionais para o exercício desses direitos, bem como exige o fornecimento pelo Estado de prestações aos cidadãos, densificadoras da dimensão subjetiva essencial destes direitos e executoras do cumprimento das imposições institucionais, como bem salienta Canotilho (1998, p.434). Impõe-se ressaltar o problema da efetivação do direito originário à educação, sendo certo que há uma verdadeira imposição constitucional, legitimadora de transformações econômicas e sociais na medida em que estas forem necessárias para a perfectibilização desse direito. Assim, a interpretação da norma legal, diante da norma constitucional consagradora do direito social à educação, deve ser conforme a efetiva realização deste direito. Com efeito, o direito à educação não se limita aos arbítrios do Legislador, nem aos critérios de conveniência e oportunidade do Executivo, os quais apenas podem ampliar o alcance da norma que concretiza um direito fundamental essencial. Em se tratando de hermenêutica constitucional, há que se aplicar o princípio da máxima efetividade, atribuindo-se à norma constitucional o sentido que maior eficácia lhe dê, sendo que, no caso de dúvidas, deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais (CANOTILHO, 1998, p. 1097). Assim, ao afastar a norma que impede a dedução integral dos valores efetivamente pagos com educação, o Poder Judiciário não inova na ordem jurídica, mas, no exercício de sua típica função, apenas suprime do ordenamento norma que não guarda pertinência com a Constituição Federal, por comprometer o exercício do direito fundamental à educação. Não se trata de ativismo judicial, no sentido aventado por Elival Ramos (2010, p.308) como o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento ao Poder Judiciário, ultrapassando os limites de sua atribuição em detrimento da função legislativa, “com incursão insidiosa sobre o núcleo essencial de funções constitucionalmente atribuídas a outros Poderes”. Há, na realidade, interpretação criativa do direito, tendo em vista que o exercício regular do dever poder que incumbe aos juízes de transformar os enunciados normativos em direito interpretado e aplicado sempre implica em certo grau de discricionariedade e escolha e, portanto, de criatividade, em grau mais elevado no âmbito da justiça constitucional e da proteção dos direitos sociais na sociedade moderna (CAPELLETTI, 1993, pp.21-24 e 129). Não obstante a dimensão política, trata-se de legítima interpretação constitucional pelo Poder Judiciário, em “ativismo judicial” no sentido delineado por Barroso (2009), de “escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance”, idéia associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço dos outros dois poderes, com a qual concordamos, desde que essa atitude, com prudência e razoabilidade, em nome dos direitos fundamentais e dos valores democráticos, respeite as fronteiras procedimentais e substantivas do direito: racionalidade, motivação, correção e justiça, conforme salientado pelo citado autor. Conclusão Por três vertentes restou demonstrada a inconstitucionalidade da norma que impõe limite quantitativo à dedução das despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda (art. 8, II, “b”, da lei 9250/90). A primeira consiste na ofensa ao conceito constitucional de renda (CF, 153, II), na medida em que as despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes configura perda de disponibilidade econômica e jurídica, de forma que a norma limitativa subverteu o conceito de renda. A segunda determina o afastamento da norma diante da ofensa ao princípio da capacidade contributiva (CF, art. 145, §1º) e ao princípio da isonomia (CF, arts. 5º, caput, e 150, II). A técnica da dedução das despesas para a aferição da base de cálculo do Imposto de Renda consiste em fórmula que respeita a possibilidade econômica de pagar tributos sob o aspecto subjetivo. Os contribuintes que gastam com educação, aquém e além do teto, pelo mesmo fundamento constitucional – concretização do direito à educação – merecem deduzir o valor integral gasto com referidas despesas, não havendo situação que justifique a diferenciação de tratamento jurídico. A terceira resulta da análise do direito social fundamental à educação (CF, art. 6º e 205), configurando a dedução integral de despesas educacionais da base de cálculo do Imposto de Renda efetiva medida concretizadora do objetivo primordial da educação. Diante da demonstrada inconstitucionalidade, salienta-se que eventual decisão do Poder Judiciário que afaste a norma em comento não ofende o princípio da separação dos poderes (CF, art. 2º), por se tratar de legítima intervenção judicial, que suprime do ordenamento norma que não guarda pertinência com a Constituição Federal, em razão de comprometer o exercício do direito fundamental à educação, responsável pelo aprimoramento da própria democracia. Destarte, conclui-se ser possível que o Poder Judiciário reconheça o direito à dedução integral das despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, mediante a declaração parcial de inconstitucionalidade com redução de texto, suprimindo-se a expressão “até o limite anual individual de” e os respectivos valores da alínea “b” do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95.
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Uma análise do imposto de renda – pessoa física em face ao princípio da capacidade contributiva
Discorre a respeito do princípio inserto no § 1º do art. 145 da Constituição Federal, da capacidade contributiva, e seus elementos. Traça um panorama acerca da instituição do Imposto de Renda no Brasil, ao abordar sua origem, implementação e evolução frente ao ordenamento jurídico brasileiro. Por fim, sinaliza a importância e a necessidade de observância do princípio da capacidade contributiva, especificamente em relação ao Imposto de Renda Pessoa Física, quanto ao dever de tornar o referido imposto mais pessoal ao contribuinte, imprimindo, ainda, um maior grau de progressividade de alíquotas.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O intuito do presente trabalho é analisar e aprofundar o tema do Imposto de Renda de Pessoa Física, sob o enfoque Constitucional e Tributário, mormente em relação ao princípio da capacidade contributiva. Primeiramente, o referido princípio será analisado puramente, através de seus tipos, sua previsão constitucional e elementos que o compõe. Após, o princípio da capacidade contributiva será tratado conjuntamente com Imposto de Renda Pessoa Física. O Imposto de Renda é imposto de competência da União Federal e tem como função primária representar a principal fonte de receita tributária da União. De forma secundária, possui função extrafiscal. Possui como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional. Em contrapartida, o princípio da capacidade contributiva, disposto no art. 145, §1º, da Constituição Federal de 1988, insere-se no contexto desse tributo, de forma a garantir a participação dos contribuintes, de forma equânime e mais proporcional possível. No entanto, o tema acaba conflitando com a realidade social do Brasil e com a deficiente contraprestação Estatal. Dessa forma, é de suma importância demonstrar a legislação aplicável ao Imposto de Renda, seus princípios constitucionais reguladores e inserir essa realidade tributária à realidade social dos contribuintes. Assim, o Imposto de Renda Pessoa Física é um assunto que chama a atenção de todos os brasileiros por ser diretamente ligado ao cotidiano de todos os cidadãos. No entanto, o dever de pagar Imposto de Renda, em lato senso, só passa a ser mais questionado, quando a mídia enfoca a rede de corrupção por parte dos Três Poderes. O contribuinte começa, então, a reavaliar a relevância de sua contribuição compulsória e a sua conseqüente aplicação, discutindo, ainda, o tratamento diferenciado e clamando por maior progressividade nas alíquotas incidentes sobre a renda. 2. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA O princípio da capacidade contributiva apareceu, pela primeira vez, no Brasil, através da Constituição Imperial de 1824, em seu artigo 179, XV, nos seguintes termos: “ninguém será exempto de contribuir para as despesas do Estado na proporção dos seus haveres” [1]. Foi, no entanto, suprimido em algumas Constituições Federais posteriores, mas o texto constitucional de 1988 resgatou o superado artigo 202 da Constituição de 1946, e assim dispôs em seu artigo 145, § 1º: “Art. 145. §1º. Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. A capacidade contributiva, chamada no direito alienígena como “taxable capacity” é a capacidade de pagar tributo (ability to pay). Para Regina Helena Costa, destacam-se dois tipos de capacidade contributiva: a absoluta ou objetiva e a relativa ou subjetiva: “Fala-se em capacidade contributiva absoluta ou objetiva quando se está diante de um fato que se constitua numa manifestação de riqueza; refere-se o termo, nessa acepção, à atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para concorrer às despesas públicas. Tais eventos, assim escolhidos, apontam para a existência de um sujeito passivo em potencial. Nesse sentido, a capacidade contributiva atua como pressuposto ou fundamento jurídico do imposto, constituindo diretriz para a eleição das hipóteses de incidência de impostos. Diversamente, a capacidade contribuitiva relativa ou subjetiva – como a própria designação indica – reporta-se a um sujeito individualmente considerado. Expressa aquela aptidão de contribuir na medida das possibilidades econômicas de determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade contributiva in concreto, aquele potencial sujeito passivo torna-se efetivo, apto, pois, a absorver o impacto tributário. Nessa outra acepção, a capacidade contributiva opera, desse modo, como critério de graduação do imposto e limite à tributação” [2]. Tal princípio está intimamente ligado aos princípios da igualdade e da isonomia. No entanto, percebe-se que o intuito do constituinte é dar ainda mais abrangência ao princípio da capacidade contributiva, eis que busca a justiça social; enquanto que o princípio da igualdade é mais restrito e tem o intuito de coibir discriminações arbitrárias. Nessa busca por uma tributação justa, encontram-se dois tipos de “equidade”: a horizontal e a vertical. Na equidade horizontal, tem-se a idéia do tratamento “igual para os iguais”, sendo que os contribuintes que possuem a mesmas condições deverão arcar com a mesma quantidade pecuniária ao Estado. Na equidade vertical, tem-se a idéia de tratar os “desiguais de forma desigual”, sendo que os que possuem desigual capacidade de contribuição deverão arcar com desiguais quantidades pecuniárias ao Estado. “Assim, indivíduos com rendas maiores deverão contribuir, proporcional e equitativamente com maiores recursos do que aqueles que possuem menores rendimentos” [3]. No entanto, em relação a esse princípio, necessário verificar e analisar os termos empregados pelo constituinte na redação do mencionado artigo. A expressão “impostos” não limita a aplicação do princípio da capacidade contributiva a essa espécie tributária. Pelo contrário, tal princípio deve ser observado por outros tributos.  Nessa inteligência, Anderson S. Madeira, citado por Sabbag, dispõe: “O princípio da capacidade contributiva é aplicável a todas as espécies tributárias. No tocante aos impostos, o princípio é aplicável em toda a sua extensão e efetividade. Já no caso dos tributos vinculados, é aplicável restritivamente, devendo ser respeitados apenas os limites que lhe dão os contornos inferior e superior, vedando a tributação do mínimo vital e a imposição tributária que tenha efeitos confiscatórios” [4]. Outra expressão de destaque é o disposto no início do artigo constitucional: “sempre que possível”. Nesse sentido, Hugo de Brito Machado: “É certo que a expressão ‘sempre que possível’, utilizada no início do mencionado dispositivo, pode levar o intérprete ao entendimento segundo o qual o princípio da capacidade contributiva somente será observado quando possível. Não nos parece, porém, seja essa a melhor interpretação, porque sempre é possível a observância do referido princípio. A nosso ver, o sempre que possível, do § 1º do art. 145, diz respeito apenas ao caráter pessoal dos tributos, pois na verdade nem sempre é tecnicamente possível um tributo com caráter pessoal” [5].   Acompanhando o insigne Hugo de Brito Machado, citando Aliomar Baleeiro, Sabbag ainda dispõe: “A análise do § 1º do art. 145 da Constituição Federal deve orientar o estudioso no sentido de que a expressão ‘sempre que possível’ não confere poder discricionário ao legislador, mas designa, sim, por meio do advérbio ‘sempre’ um inafastável grau de imperatividade no comando, ‘deixando claro que, apenas sendo impossível, deixará o legislador de considerar a pessoalidade para graduar os impostos pela capacidade contributiva do contribuinte’” [6]. No entanto, ao que pese o entendimento acima, importante ressaltar uma observação de SABBAG (2009, p. 119), explicando que a expressão “sempre que possível” é dependente do que chama de possibilidades técnicas de cada imposto. Dependendo do imposto, a capacidade contributiva será observada, ou não; a título de exemplo, dispõe: “Com efeito, se o imposto sobre a renda, por exemplo, mostra-se vocacionado à variação de alíquotas, na busca do ideal de justiça, o ICMS, em princípio, repudia-a, uma vez que trata de imposto incidente sobre o consumidor final, no plano da repercussão tributária, indo de encontro à idéia da pessoalidade anunciada no dispositivo” [7].      Outro importante enfoque que diz respeito a este tópico é a correlação entre a capacidade contributiva e a progressividade. Carrazza ensina que “em nosso sistema jurídico, todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos. Por quê? Porque é graças à progressividade que eles conseguem atender ao princípio da capacidade contributiva” [8]. “A progressividade traduz-se em técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá na medida em que se majora a base de cálculo do gravame. O critério da progressividade diz com o aspecto quantitativo, desdobrando-se em duas modalidades: a progressividade fiscal e a progressividade extrafiscal. A primeira alia-se ao brocardo ‘quanto mais se ganha, mais se paga’, caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior e contempla o grau de ‘riqueza presumível do contribuinte’. A segunda, por sua vez, fia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório” [9].   Sacha Calmon Navarro Coêlho ainda expõe: “A progressividade é instrumento técnico e também princípio, na dicção constitucional, que conduz à elevação das alíquotas à medida que cresce o montante tributável, indicativo da capacidade econômica do contribuinte. No Brasil (art. 153, §2º, I), a sua adoção é obrigatória. O legislador ordinário está obrigado a conferir-lhe eficácia, embora a sociedade, dormente, aceite que este atue à la diable nesta questão, por insuficiente consciência de cidadania” [10]. Previsão expressa na Constituição Federal de impostos progressivos são: Imposto de Renda, IPTU e o ITR. No que tange à proporcionalidade, o princípio da capacidade contributiva torna um instrumento de justiça social neutro, eis que há a incidência de mesma alíquota para base de cálculo tributável variável. Assim, os impostos que não são progressivos, mas sim proporcionais, acabam gerando a chamada “regressividade”: “Com efeito, subsistem férteis críticas à técnica da proporcionalidade, como se nota da lição de Geraldo Ataliba, para quem ‘os impostos que não sejam progressivos – mas que tenham a pretensão de neutralidade – na verdade, são regressivos, resultando em injustiça e inconstitucionalidade” [11]. Com o fim de se inibir essa “regressividade”, o princípio da capacidade contributiva também busca na seletividade uma forma de extrafiscalidade na tributação com o fim de exteriorização desse princípio, prestigiando a utilidade social do bem. Assim, quanto mais essencial o bem, menor será a sua alíquota de imposto. Exemplos de impostos seletivos são: ICMS e o IPI. Demonstrado o princípio da capacidade contributiva, em linhas gerais, importante destacá-lo, especificamente, no Imposto sobre a Renda. 3. O IMPOSTO SOBRE A RENDA E O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA A primeira norma disciplinadora do imposto sobre a renda, embora não especificamente com este nome, surgiu, no Brasil, no início do 2º reinado, através da Lei nº 317 de 21 de outubro de 1843 [12]. O artigo 23 da referida lei estabeleceu um imposto progressivo sobre os vencimentos percebidos pelos cofres públicos e vigorou por dois anos. Assemelhava-se a uma tributação exclusiva na fonte. No entanto, somente em dezembro de 1922, o Imposto de Renda, como é conhecido nos dias de hoje, de forma com que seja incidente sobre a renda global foi instituído no Brasil, por meio da Lei de Orçamento de nº. 4.625, de 31.12.1922. Em seu artigo 31, assim dispunha: “Art.31. Fica instituído o imposto geral sobre a renda, que será devido, annualmente, por toda a pessoa physica ou juridica, residente no territorio do paiz, e incidirá, em cada caso, sobre o conjunto liquido dos rendimentos de qualquer origem” [13]. Com um artigo e oito incisos, estava, então, criado o imposto sobre a renda no Brasil. Após essa data, ocorreram algumas alterações na legislação “a fim de facilitar a sua implementação, o que ocorreu em 1924. Optou-se, então, pela progressividade de suas alíquotas, estabelecidas entre 0,5% e 8%”. (COSTA, 2003, p. 26). Desde então, o Imposto sobre a Renda, um dos principais impostos de âmbito Federal, tem alcançado importante destaque no orçamento da União e, também, no orçamento do contribuinte ordinário. Assim, o Imposto de Renda é imposto de competência da União Federal e tem como função primária representar a principal fonte de receita tributária da União. De forma secundária, possui função extrafiscal. Na Constituição Federal de 1988, com disposição expressa no artigo 153, §2º, inciso I, o imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza é informado pelos critérios da generalidade, universalidade e progressividade. “A generalidade diz respeito à sujeição passiva, indicando a incidência sobre todos os contribuintes que pratiquem o fato descrito na hipótese de incidência da exação. A universalidade, por sua vez, demarca o critério atrelável à base de cálculo do gravame, que deve abranger quaisquer rendas e proventos auferidos pelo contribuinte, independente da denominação da receita ou do rendimento (vide art. 43, §1º, CTN, à luz da LC n. 104/2001). Por fim, a progressividade do IR – mesmo que insuficiente, como é sabido – prevê a variação positiva da alíquota do imposto à medida que há aumento de base de cálculo”[14].  Ainda, Sacha Calmon ainda dispõe: “Tem-se, na junção desses dois preceitos, o desejo do contribuinte de tornar o imposto de renda geral (incidindo sobre todos os rendimentos), universal (pago por todos), igual (para os iguais) e desigual em dada classe de pessoas, na medida de suas desigualdades, em homenagem à capacidade contributiva, em razão da qual a progressividade se justapõe à proporcionalidade na técnica de incidência do gravame […] [15]. Possui como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional. Embora não seja o escopo deste trabalho, importante ressaltar que o conceito de renda encontra-se delimitado constitucionalmente, traduzindo, pois, no acréscimo patrimonial, considerado em um determinado período de tempo. É sempre algo que agrega ao patrimônio do contribuinte, não podendo caracterizar “renda” aquilo que substituiu uma perda patrimonial. O Imposto de Renda, como se conhece hoje, demonstra dados curiosos: em 2003 e anos seguintes, a participação do Imposto de Renda na carga tributária brasileira, correspondia a, aproximadamente, 20% (vinte por cento). Em 2010, esse número chegou, precisamente, a 17,3%[16]. Nos países mais desenvolvidos da América e da Europa, esse número chega a 70% (setenta por cento). Em contrapartida, a carga tributária brasileira é extremamente dependente do IPI e do ICMS, impostos sobre produção e circularização de bens e serviços, chegando a corresponder 60%. (COSTA, 2003, p. 26).   Com baixo grau de progressividade e alta regressividade, a conseqüência é o maior ônus àqueles que ostentam menor aptidão de contribuir às despesas do Estado, uma vez que, em regra, quem possui maiores renda e patrimônio, revelando maior capacidade contributiva, é o destinatário de uma carga tributária mais amena. Assim, no intuito de se buscar a justiça social e fiscal, a lei do Imposto de Renda deveria levar em conta algumas concretas medidas: “(1) consideração precisa das condições pessoais dos contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) e a prudente fixação de um mínimo vital, compatível com a realidade: o artigo 6º da Carta Magna arrola, como direitos sociais, a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Há de se buscar a efetividade na proteção de tais valores, aqui prestigiados, à luz da tributação progressiva do imposto sobre a renda;   (2) estipulação de um expressivo número de deduções para o IR devido, adequando a exigência fiscal ao perfil do contribuinte: a dedutibilidade deve ser ampla, englobando todas as despesas necessárias à manutenção do indivíduo e de sua família, sem limitações arbitrárias, as quais, por amor à lógica e à justiça, não podem integrar o conceito de ‘renda’. Há de haver uma política ‘de inclusão’ de despesas dedutíveis – e não o contrário! – alcançando-se, quiçá, os medicamentos e o material escolar, diversamente do que hoje presenciamos; (3) estabelecimento de um expressivo grau de progressividade de alíquotas, em função da quantidade de renda auferida: há que se imprimir maior progressividade às alíquotas, de modo a cumprir, efetivamente, o desígnio constitucional” [17]. O primeiro item, na verdade, leva em consideração que o imposto de renda deve considerar as condições pessoais dos contribuintes, de modo a preservar o mínimo vital. Entende-se por “mínimo vital” a quantidade de riqueza mínima e suficiente para a manutenção do indivíduo e de sua família, sendo intocável pela tributação. Assim, o princípio da capacidade contributiva só pode existir, após a superação da margem do “mínimo vital”, para fins de tributação. O problema, no entanto, é estabelecer o conceito e a margem desse “mínimo”, sem considerar exageros ou chegar ao ponto de criar restrições para fins de subsistência. O segundo diz respeito a um maior rol de hipóteses de dedutibilidade do Imposto de Renda. Hoje, com taxativas exceções, poderia ter seu leque ampliado, de modo com que a carga tributária fosse diferenciada para quem realmente precisa ser, adequando-se ao perfil do contribuinte. O terceiro item corresponde ao clamor social da progressividade de alíquotas. Ora, o princípio da capacidade contributiva, como visto, exige que a tributação seja feita em proporção à riqueza/patrimônio de cada contribuinte, assim, nada mais do que justo que o imposto sobre a renda obedeça à progressividade, e não à proporcionalidade. Se atender à proporcionalidade, o contribuinte com maior capacidade arcará com a mesma proporção que o indivíduo de menor capacidade, já que as alíquotas são fixas, de modo com que o de menor renda terá um impacto muito maior em seu orçamento do que o contribuinte que aufere maior renda. Assim, a progressividade é a técnica mais adequada para se alcançar a igualdade. Vale ressaltar que, até pouco tempo, a legislação previa apenas 2 (duas) alíquotas (15% e 27,5%) do imposto de renda da pessoa física (IRPF). Até 1995, havia também a previsão de uma terceira alíquota (35%). Hoje, têm-se as seguintes alíquotas: alíquota zero, para quem se encontra na faixa de isenção; 7,5% (sete e meio por cento); 15% (quinze por cento); 22,5% (vinte e dois e meio por cento) e 27,5% (vinte e sete e meio por cento). A iniciativa de se ter uma tabela mais progressiva, criando outras faixas de alíquotas, fez parte do pacote “anti-crise” financeira de 2008. No entanto, não se pode aguardar oscilações financeiras nacionais e internacionais para se atender ao clamor social da progressividade do Imposto de Renda da Pessoa Física. Sabe-se que o Brasil tem uma elevada carga tributária e, pior, em ascensão. Segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), calcula-se que o brasileiro trabalha mais do que 4 (quatro) meses por ano para pagar tributos (impostos, taxas e contribuições). Ainda, a proporção da carga tributária direta e indireta é de 40% para a primeira e 60% para a segunda. Não bastasse isso, os pobres no Brasil, ou seja, aqueles que sequer chegam à contribuir com o Imposto de Renda, por estarem em faixa de isenção, pagam mais impostos proporcionais à sua renda, veja-se: “Segundo Marcio Pochmann, presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), ‘os pobres no Brasil pagam 44% mais imposto, em proporção à sua renda, que os ricos. Embora os 10% mais pobres não paguem Imposto de Renda, consomem bens com alta carga de impostos indiretos, como os da cesta básica’. Para Pochmann, ao apresentar dados que mostram a incidência de tributos mais fortes entre os hipossuficientes, afirma que 1,8% da renda dos mais pobres é gasta com IPTU, enquanto 1,4% da renda dos mais riscos é gasta com o imposto. Para ele, ‘o IPTU das mansões é proporcionalmente menor que o da favela’” [18]. Ainda, importante ressaltar que, na verdade, o brasileiro, usualmente, não se opõe às hipóteses de incidência tributária, nem se opõe às espécies tributárias dispostas no ordenamento jurídico. O maior clamor é pela contraprestação estatal. A descoberta de inúmeros casos de corrupção no âmbito dos 3 (três) poderes, aliada às mudanças políticas, às crises financeiras e ao maior acesso da população à mídia e à informação, faz com que os contribuintes se tornem ainda mais exigentes com o destino dos impostos recolhidos pelo Estado. Merece destaque o Imposto de Renda da Pessoa Física, por ser o tributo que, visivelmente e mensalmente, o contribuinte se certifica, nominalmente, de quanto contribui aos cofres públicos. Assim, esse ato do “leão” abocanhando parte do ordenado em paradoxo às condições da contraprestação fornecida pelo Estado é o estopim para os clamores sociais de reforma tributária. Ora, o mais humilde e iletrado contribuinte já percebeu que o Brasil tem alta arrecadação tributária e baixo retorno social. “De acordo com João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), como o Brasil é muito grande, o governo tem muitas despesas. Então, a alta arrecadação é mesmo necessária. Em países como Suécia, Suíça e Noruega, os impostos também são altos. Mas lá, o tratamento dado aos recursos públicos é sério e muito diferente. ‘O cidadão que nasce nesses países fica tranqüilo em relação a serviços públicos. E, como recebem o retorno, não reclamam em pagar impostos, por mais altos que sejam. Já aqui, temos um problema de administração pública. A população brasileira não recebe em troca, não há comprometimento em devolver um serviço público de qualidade’” [19]. Insta frisar que os Estados Unidos, o Japão e a Irlanda estão no topo do ranking dos países que melhor aplicam os tributos em qualidade de vida aos cidadãos. É o que aponta o Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade (IRBES), elaborado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). O estudo analisou os 30 países com as maiores cargas tributárias no mundo e verificou se os valores arrecadados eram retornados à população por meio de serviços de qualidade. O Brasil ficou com a última posição. Países da América Latina como Uruguai e Argentina, ocuparam as 13ª e 16ª posições, respectivamente, fazendo melhor uso dos impostos arrecadados dos contribuintes. O Brasil tem uma das cargas tributárias mais elevadas do mundo. Atualmente, ela corresponde a, aproximadamente, 37% do PIB (Produto Interno Bruto). Verifica-se, então, que os números estão a favor do Brasil, mas não dos brasileiros. Os contribuintes são sacrificados em prol de uma forte e crescente arrecadação em paradoxo a uma contraprestação social cada vez mais deficiente. Não bastasse isso, o Imposto de Renda da Pessoa Física engessa toda a estrutura do contribuinte de modo a não haver muitas hipóteses de dedutibilidade, nem de expressivo grau de progressividade nas alíquotas. 4. CONCLUSÃO Com o presente trabalho, frisou-se a importância da obediência ao princípio da capacidade contributiva, especialmente, em relação à personalização e à progressividade de alíquotas. Em relação, especificamente, ao Imposto de Renda Pessoa Física, imperioso que a legislação regente leve em consideração, “sempre que possível”, as condições pessoais dos contribuintes. Além disso, deve-se garantir o “mínimo vital” ao cidadão, de modo com que esse mínimo necessário à sobrevivência esteja livre de qualquer tributação. Da mesma forma, deve-se garantir um expressivo grau de progressividade das alíquotas, em função da renda auferida, e uma maior abertura das possibilidades de dedutibilidade, visando adequar a exigência fiscal ao perfil do contribuinte. Com a adequação da progressividade das alíquotas, o princípio da capacidade contributiva será, então, obedecido, eis que os que possuem maior capacidade contributiva devem suportar maior ônus tributário. Em um país tão vasto, com diferentes classes sociais e disparidades regionais, nada mais justo do que uma maior previsão de incidência de diferentes alíquotas, enquadrando o contribuinte ao seu perfil fiscal ideal. Quanto às deduções ao imposto de renda da pessoa física, deveria haver expansão das possibilidades de dedução, de modo com que o contribuinte pudesse tornar dedutível tudo que fosse gasto com despesas necessárias e com manutenção do próprio indivíduo e de sua família, sem integrar, no entanto, o conceito de “renda”, logicamente. As despesas médicas, as despesas com medicamentos, as despesas dos dependentes, incluindo-se, inclusive, despesas de material escolar, deveriam fazer parte do rol de dedução do imposto de renda da pessoa física. Não se pode jamais esquecer  que  há disposição constitucional expressa no artigo 6º da CF/1988 que garante os direitos sociais aos cidadãos como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência social aos desamparados. Diante disso, nada mais do que justo que a legislação do imposto de renda da pessoa física se adéqüe à realidade do Brasil, passando a prever maior progressividade das alíquotas, bem como maior número de hipóteses de dedutibilidade, tudo com o fim maior de preservar os direitos mínimos necessários, garantidos constitucionalmente. Essas medidas serão ainda mais eficazes de forem aliadas à contraprestação social estatal, garantindo meios de acesso eficazes e integrais à educação, à saúde, ao lazer e a tudo quanto está garantido constitucionalmente.
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Dano moral decorrente da restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho
O propósito deste artigo é demonstrar a evolução da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho – TST, mediante a apresentação de dois julgados, que apreciaram a discussão relativa à caracterização de dano moral decorrente da restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho. Verificou-se que a jurisprudência do TST nitidamente evoluiu no sentido de dar maior eficácia às garantias constitucionais concernentes ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito fundamental ao trabalho digno nas relações de trabalho, bem como ao princípio do não retrocesso social. O objetivo do presente estudo é demonstrar a necessidade da efetivação dos direitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988 mediante a concretização de sua  eficácia horizontal, inclusive quanto aos direitos trabalhistas, de modo a garantir um patamar mínimo de civilidade na relação entre capital e trabalho e o não retrocesso social, assegurando, assim, o direito fundamental ao trabalho digno.
Direito Tributário
Introdução O presente trabalho tem por objetivo analisar, mediante a apresentação de dois julgados, a evolução da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho relativa à caracterização de dano moral decorrente da restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental ao trabalho digno sob a ótica do Estado Democrático de Direito. 1. Dano moral decorrente da restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho O primeiro julgado paradigma para a referida análise é da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho publicado em novembro de 2008. Trata-se de decisão do Tribunal Regional da 18ª Região que, reformando a sentença, deferiu ao reclamante indenização por dano moral decorrente da restrição do uso do banheiro com fundamento na ofensa da dignidade do trabalhador. O recurso de revista interposto pela empresa foi conhecido por divergência jurisprudencial e, no mérito, foi dado provimento, ao fundamento de que o controle do uso do banheiro ou a exigência de justificação do uso não caracteriza o dano moral pleiteado, mas tão somente o uso do poder diretivo do empregador. Transcreve-se, no que interessa, o aludido julgado: “1.1 – indenização. dano moral. O Tribunal Regional deu provimento em parte ao recurso do reclamante, fixando o montante da indenização em 5 vezes o valor da remuneração, assim fundamentando: ‘Na petição inicial, o autor disse que 'a reclamada impedia seus funcionários de realizarem livremente suas necessidades fisiológicas, vez que, a cada vez que o empregado precisava ir ao banheiro, era obrigado a anotar no documento aposto próximo à porta de supervisão, o horário de saída e retorno ao posto de trabalho. Ressalta ainda que, tinham um limite máximo mensal que poderia ser gasto com 'idas' ao banheiro' (fl. 04). A reclamada refutou as alegações do empregado, aduzindo que apenas 'faz controle de seus funcionários no sentido de evitar que passem tempo demais fora de seus postos de trabalho fumando, conversando ou tentando "matar o tempo". Nunca impediu, porém, que utilizassem do banheiro pelo tempo que achassem necessário.' (fl. 75). O d. Julgador de origem entendeu ser legítima a exigência da reclamada de querer saber sobre a ausência do trabalhador, o que estaria dentro do seu poder diretivo. Considerou não comprovada a limitação quanto às idas ao banheiro (fl. 232), rejeitando o pleito de indenização por dano moral. Cumpre destacar as informações trazidas pela prova oral: Depoimento do reclamante: '[…] que o depoente tinha autorização para ir ao banheiro somente uma vez por dia, com tempo de cinco minutos; que, para outra pausa para ir ao banheiro, o depoente tinha que obter autorização de sua supervisora, a qual, às vezes, perguntava por qual motivo o depoente ao banheiro; […]: que o depoente preenchia uma lista semelhante àquela juntada às fls. 14 dos autos; […] que o depoente já proibido de ir ao banheiro e teve que urinar numa garrafa de refrigerante, por ele colocado embaixo de sua mesa,- (posição) de atendimento; […].' (fls. 221/222). Depoimento do preposto: 'que cada empregado tinha que informar ao supervisor que se ausentaria do local de trabalho, informando para onde ia; que não havia necessidade de o empregado informar o que iria fazer no banheiro; que não havia limitação de tempo ou número de saídas para o empregado ir ao banheiro; […]' (fl. 222). Primeira testemunha pelo reclamante: 'que a depoente trabalhou para a Reclamada de julho de 2003 a julho de 2005, como atendente; […] que todas as vezes em que o empregado ia ao banheiro tinha que informar ao supervisor e, ainda, dizer o que ia fazer lá; […]; que a depoente tinha que justificar suas idas ao banheiro, como por exemplo, em razão de estar menstruada, sendo que os colegas ouviam tais justificativas; […] que tanto a depoente quanto o Reclamante preenchiam documentos semelhantes aos de fls. 14/17; […]' (fls. 222/223). Segunda testemunha apresentada pelo reclamante: 'que o depoente trabalhou para a Reclamada de 05/08/2004 a abril de 2006; que o depoente trabalhava exercendo a mesma função que o Reclamante; […] que havia um intervalo de cinco minutos para o empregado ir ao banheiro; que sempre havia necessidade de o empregado informar que ia ao banheiro e por qual motivo; que, às vezes, o supervisor pedia ao empregado para aguardar um pouco, mas não havia impedimento de usar o banheiro; […]' (fls.223/224). Primeira testemunha apresentada pela reclamada: 'que a depoente trabalha para a reclamada desde de 01 de fevereiro de 2002, na função de Supervisora; que o empregado tem que dizer por qual motivo está se ausentando do posto de atendimento, mas não há necessidade de dizer o que vai fazer no banheiro; […] que não há limitação de tempo ou número de vezes para ir ao banheiro; (fl. 224). Segunda testemunha apresentada pela reclamada: 'que o depoente trabalha para reclamada desde 02/01/2006, na mesma função do reclamante; […] que não há limitação para ir ao banheiro, apenas a necessidade de informar sobre a ausência; que não há necessidade de dizer o que vai fazer no banheiro; […]' (fl. 225). Entendo que as testemunhas, bem como os documentos de fls. 14/17 comprovaram as restrições quanto ao uso do sanitário pelo empregado, o que, sem dúvida, ofende a dignidade do trabalhador. Ressalto o constrangimento ao qual ele era submetido, a exemplo dos demais, quando precisava ir ao sanitário fora dos momentos definidos pela empregadora’ (fls. 295/298). A reclamada, em seu recurso de revista, sustenta que indevida a indenização por danos morais já que a limitação do uso do banheiro era aplicado a todos os empregados da recorrente, em razão de normas internas, face a natureza dos serviços prestados, não havendo que falar em situação individualizada, ou mesmo constrangedora, capaz de configurar o dano moral definido no artigo 186 do CCB. Transcreve arestos para cotejo de teses. O aresto transcrito à fl. 369 é suficiente ao conhecimento do apelo por veicular tese diametralmente oposta ao julgado recorrido. Conheço do recurso de revista por divergência jurisprudencial. (…) 2 – MÉRITO 2.1 – indenização. dano moral. O simples fato de se negar momentaneamente o uso do banheiro ou a exigência de justificação do uso, após exauridas todas as possibilidades normais de controle dos seus empregados, não caracteriza a ocorrência de dano moral, mas apenas regular uso do poder diretivo. Ressalte-se, que não há alegação de maiores transtornos de ordem fisiológica, apenas um pequeno incômodo capaz de ser suportado por qualquer pessoa fisiologicamente normal, já que não houve impedimento de uso do banheiro, mas apenas controle deste, evitando o inadequado uso por parte dos empregados com intuito de ausentar-se do posto de trabalho. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para, restabelecendo a r. sentença, afastar a condenação por danos morais.” [1] O segundo julgado paradigma é proveniente da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho e foi publicado em março de 2013. Nesse, foi negado provimento ao agravo de instrumento da reclamada por entender que a restrição do uso de banheiros, bem como a necessidade de autorização para o seu uso, extrapola o poder de direção do empregador, configurando abuso de direito que ofende a dignidade do trabalhador. Eis a fundamentação, no que concerne ao tema: “O eg. Tribunal Regional assim sintetizou o entendimento acerca da matéria: A testemunha Luiza confirmou a tese da peça inicial quanto às restrições para o uso do banheiro, informando que 'em regra, desde que avisassem, tinham liberdade para ir ao banheiro, sendo o tempo limitado em cinco minutos; quando a Anatel estava fazendo controle do atendimento ao cliente, o que ocorre na primeira quinta-feira de cada mês, estavam impedidas de fazer bloqueio das ligações nos horários das 09h00 às 12h00, das 14h00 às 16h00 e das 20h00 às 22h00; nessas situações dependiam da autorização do supervisor para ir ao banheiro; (…); o tempo limite de cinco minutos nem sempre era suficiente para a depoente e para seus colegas, uma vez que todos reclamavam, recebendo a resposta do supervisor de que nada podia fazer porque a ordem vinha de cima; alguns supervisores, na base da brincadeira, chegavam a perguntar, 'e aí, está menstruada?', causando constrangimento; depoente presenciou o supervisor causando esse tipo de constrangimento á autora; (…); diversos supervisores faziam brincadeirinhas com a menstruação das funcionárias, lembrando apenas do supervisor José, porque foi supervisor por mais tempo' (fl. 286). A própria Reclamada admitiu em defesa que existiam restrições para utilização do banheiro e que não permitia o uso dos sanitários 'a bel prazer de seus empregados' (fl. 83). No que tange ao uso dos banheiros, entendo que os elementos existentes nos autos são suficientes para caracterizar o direito a indenização por dano moral. Com efeito, a alegação de necessidade de organização e uso racional do banheiro não justifica o extrapolamento do poder diretivo do empregador, pela fiscalização direta a respeito de sua utilização. Evidente, pois, a ofensa à dignidade pessoal do trabalhador em função do abuso de direito praticado pelo empregador no caso concreto. Frise-se que nesta hipótese, ao meu ver, sequer seria necessário comprovar que o Reclamante tenha sido advertido pelo uso do banheiro, na medida em que demonstrado pela prova oral que os empregados da Reclamada, de forma geral, estavam sujeitos a esse tipo de constrangimento. Basta, para ensejar angústia e sofrimento ao empregado, que exista a restrição para o uso dos sanitários (necessidade de autorização para tanto), fiscalização do tempo despendido e possibilidade de sofrer advertência, repreensão ou constrangimento pela mera utilização dos banheiros, circunstâncias verificadas no caso em tela. Ora, é certo que o excesso de fiscalização a respeito do uso do sanitário pelos empregados, chegando ao ponto de adverti-los se ocasionalmente excedessem o tempo considerado tolerável pela Reclamada, acarreta ofensa ao direito à intimidade do empregado e também à dignidade da pessoa humana. A intimidade e a dignidade da pessoa humana são valores de inestimável importância que se encontram protegidos por disposição constitucional expressa, entre os direitos e garantias fundamentais, a qual prevê inclusive a indenização reparatória por sua violação ('são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação' – art. 5º, X, da Constituição Federal). A repercussão negativa dessa situação (controle excessivo quanto ao uso de sanitários) no patrimônio moral do trabalhador é inquestionável, na medida em que, para evitar advertências e até mesmo exposição perante os demais empregados, aplicadas pela Reclamada conforme demonstrado pela prova oral, se vê obrigado a controlar suas necessidades fisiológicas. Frise-se que não é exigível, no caso de dano moral, prova do constrangimento e dor sofridos pelo empregado, sendo suficiente a prova do dano e seu nexo causal com as atividades laborais, o que ficou evidenciado na hipótese. Vale anotar que esta E. Turma vem se posicionando no sentido de que há necessidade de prova do efetivo constrangimento ao empregado, não gerando dano apenas a restrição genérica quanto ao uso do banheiro. No caso em tela, tal circunstância restou demonstrada, haja vista que a testemunha indicada pela Reclamante disse ter presenciado a Reclamante sendo constrangida por um supervisor em decorrência da utilização do banheiro. Nesse contexto, reputo demonstrada a existência de abalo moral à empregado, fazendo jus à indenização por dano moral, na forma do art. 927, do Código Civil. Para a fixação do valor da indenização, deve ser considerada a repercussão do dano, a posição social, profissional e familiar do ofendido, bem como a intensidade do seu sofrimento, o dolo do ofensor e a situação econômica deste. Ademais, deve ser considerado o duplo efeito da indenização por danos morais: compensação pela violação ao patrimônio moral e desestímulo pela prática reputada ilegal. Dessa forma, observando-se tais parâmetros e as circunstâncias do caso, fixo a indenização por dano moral em R$5.000,00, valor da data deste julgamento, devendo ser atualizado com juros e correção monetária a partir de então. Ante o exposto, dou provimento parcial ao recurso ordinário da Reclamante para, nos termos da fundamentação, condenar a Reclamada ao pagamento de indenização por dano moral." Nas razões de recurso de revista, a reclamada alega não ter sido comprovado dano moral, sustentando que o fato de haver regras para o uso do banheiro não constitui ato ilícito, ao contrário, está dentro do poder de direção do empregador. Aduz que a reclamante não demonstrou a prática reiterada dos fatos articulados, ônus que lhe incumbia, por ser prova do fato constitutivo do direito pretendido. Aponta violação dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC. Traz arestos a cotejo. O r. despacho de admissibilidade denegou seguimento ao recurso de revista por entender pelo óbice das Súmulas 126 e 296 do c. TST. As insurgências veiculadas em recurso de revista foram reiteradas em sede de agravo de instrumento. Verifica-se do v. acórdão regional tese no sentido de que a restrição de uso de toaletes (necessidade de autorização para tanto), fiscalização do tempo despendido, possibilidade de sofrer advertência, repreensão ou constrangimento pela mera utilização dos banheiros, circunstâncias verificadas no caso, ensejam indenização por dano moral, uma vez que ofendem à dignidade pessoal do trabalhador em função do abuso de direito praticado pelo empregador no caso. Assim, não há se falar em violação dos arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC, pois não se trata de discussão sobre a distribuição do ônus da prova, mas sim da valoração da prova produzida, uma vez que o eg. Tribunal Regional, utilizando-se da faculdade contida no artigo 131 do CPC, deu provimento ao recurso ordinário da reclamante, por concluir que restou comprovada a restrição do uso de toaletes, o que foi confirmado, inclusive, pela própria reclamada em sua defesa. Entendo que a limitação do uso de banheiro ofende ao princípio da dignidade humana, conforme esposado na c. SDI-1/TST: ‘RECURSO DE EMBARGOS. (…). DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DO TOALETE. DANO MORAL. TEMPO PARA O USO DO BANHEIRO. A dignidade é a pedra angular de todos os outros direitos e liberdades da pessoa humana: todas as pessoas são iguais, devem ser tratadas com respeito e integridade, e a violação deste princípio implica sanções pela lei. Pelo princípio da dignidade humana cada ser humano possui um direito intrínseco e inerente a ser respeitado, são seus próprios valores subjetivos – seu sistema de referências pessoais e morais – que se revelam no universo coletivo. Todas as condutas abusivas, que se repetem ao longo do tempo e cujo objeto atenta contra o SER humano, a sua dignidade ou a sua integridade física ou psíquica, durante a execução do trabalho merecem ser sancionadas, por colocarem em risco o meio ambiente do trabalho e a saúde física e psicológica do empregado. Um meio ambiente intimidador, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo que se manifesta em regra por palavras, intimidações, atos gestos ou escritos unilaterais que podem expor a sofrimento físico ou situações humilhantes os empregados deve ser objeto de proteção do legislador, do juiz e da sociedade. Nesse contexto, o empregador deve, pois, tomar todas as medidas necessárias para prevenir o dano psicossocial ocasionado pelo trabalho. Na particular hipótese dos autos, forçoso é convir que nem todos os empregados podem suportar, sem incômodo, o tempo de espera para uso dos banheiros, sem que tal represente uma agressão psicológica (e mesmo fisiológica) durante a execução do trabalho. A indenização em questão tem por objetivo suscitar a discussão sobre o papel do empregador na garantia dos direitos sociais fundamentais mínimos a que faz jus o trabalhador. Embargos conhecidos e desprovidos. ( E-ED-RR – 159600-47.2007.5.03.0020 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 23/09/2010, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 01/10/2010) Ressalte-se que esse entendimento é corroborado pela maioria das Turmas do c. TST, conforme precedentes a seguir: (-) RECURSO DE REVISTA. (-) DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DO BANHEIRO. Este Tribunal Superior tem adotado o entendimento de que a restrição imposta ao empregado para uso do banheiro acarreta ofensa à sua dignidade. Precedentes. Incidência da Súmula nº 333 do TST e do art. 896, § 4º, da CLT. Recurso de revista de que se conhece parcialmente e a que se dá provimento. (RR – 90840-63.2009.5.03.0024. Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, 7ª Turma: DEJT 25/05/2012.’ ‘RECURSO DE REVISTA (-) 3. RESTRIÇÃO DO USO DE BANHEIROS. ABUSO NO EXERCÍCIO DO PODER DIRETIVO. ATO ILÍCITO. DANO MORAL CONFIGURADO. O cerne da controvérsia é saber se o condicionamento do uso de banheiros durante a jornada de trabalho à autorização prévia do empregador configura dano moral. Este colendo Tribunal Superior do Trabalho tem entendido que a submissão do uso de banheiros à autorização prévia fere o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, da Constituição Federal), traduzindo-se em verdadeiro abuso no exercício do poder diretivo da empresa (artigo 2º da CLT), o que configura ato ilícito, sendo, assim, indenizável o dano moral. Precedentes desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido. (RR – 226200-20.2008.5.18.0013. Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 2ª Turma: DEJT 27/04/2012.’ ‘RECURSO DE REVISTA DA TELEMAR NORTE LESTE S.A.. (-) DANO MORAL. A restrição ao uso de toaletes pela empresa não pode ser considerada conduta razoável, pois configura afronta à dignidade da pessoa humana e à privacidade, aliada ao abuso do poder diretivo do empregador. Recurso de revista não conhecido. (-) (RR – 147700-42.2008.5.03.0017, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma: DEJT 01/06/2012.’ ‘(-) II – RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. RESTRIÇÃO AO USO DE BANHEIRO. No caso dos autos, a Reclamada restringia o uso do banheiro, tanto que se a empregada utilizasse o toalete fora dos intervalos previamente determinados pela empresa, sofria sanções de natureza disciplinar e financeira. A restrição do uso de banheiro expõe indevidamente a privacidade do empregado, ofendendo sua dignidade, visto que não se pode objetivamente controlar a periodicidade da satisfação de necessidades fisiológicas que se apresentam em diferentes níveis em cada indivíduo. Tal procedimento revela abuso aos limites do poder diretivo do empregador. Recurso de Revista conhecido e provido. (RR – 272-44.2010.5.10.0000, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, 8ª Turma: DEJT 11/05/2012.’ ‘RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS PELAS RECLAMADAS TELEMAR NORTE LESTE S.A. E CONTAX S.A. MATÉRIAS EM COMUM. ANÁLISE EM CONJUNTO. (-) 4) LIMITAÇÃO AO USO DO BANHEIRO- DANO MORAL – DESRESPEITO AO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. A conquista e a afirmação da dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por danos moral e material encontra amparo nos arts. 186, 927 do Código Civil, c/c art. 5º, X, da CF, bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização do trabalho humano (art. 1º, da CR/88). Na hipótese, foi consignado pelo Tribunal Regional que houve ofensa à dignidade do Reclamante, configurada na situação fática de restrição ao uso do banheiro, em prol da produtividade. O empregador, ao adotar um sistema de fiscalização que engloba inclusive a ida e controle temporal dos empregados ao banheiro, ultrapassa os limites de atuação do seu poder diretivo para atingir a liberdade do trabalhador de satisfazer suas necessidades fisiológicas, afrontando normas de proteção à saúde e impondo-lhe uma situação degradante e vexatória. Essa política de disciplina interna revela uma opressão despropositada, autorizando a condenação no pagamento de indenização por danos morais. Ora, a higidez física, mental e emocional do ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição Federal (artigo 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (artigo 7º, XXVIII, da CF). Recursos de revista não conhecidos, neste aspecto. (-) (RR – 580-39.2010.5.03.0109. Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma: DEJT 04/05/2012.’ Assim, inviável o conhecimento do recurso de revista por divergência jurisprudencial, nos termos do §4° do art. 896 da CLT.”[2] Percebe-se que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho nitidamente evoluiu no sentido de dar maior eficácia às garantias constitucionais concernentes ao princípio da dignidade humana e ao trabalho digno nas relações de trabalho, bem como ao princípio do não retrocesso social. 2. Estado Democrático de Direito, dignidade da pessoa humana, trabalho digno e relação de trabalho Na Europa, em países como a Alemanha e a Espanha, a dignidade humana tem prerrogativa diante de outros valores que fazem parte do arcabouço de direitos fundamentais que estão presentes em suas Constituições, de modo que o valor da dignidade da pessoa humana orienta a delimitação do conteúdo essencial das cláusulas pétreas.[3]   No Brasil, o art. 1º, inciso III, da Constituição Federal aponta a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, o que destaca o seu valor na sistemática constitucional brasileira.[4] Maurício Delgado e Gabriela Delgado ressaltam que o princípio da dignidade humana orienta toda a ordem jurídica, pois a pessoa humana e sua dignidade são o eixo central do Estado Democrático de Direito.[5] Para Robert Alexy, o conceito de dignidade humana é tão indeterminado quanto o conceito de princípio da dignidade humana. Ele afirma que o conceito de dignidade humana pode ser elucidado por fórmulas genéricas – “o ser humano não pode ser transformado num mero objeto” – ou, além delas, mediante “um feixe de condições concretas, que devem estar (ou não podem estar) presentes para que a dignidade da pessoa humana seja garantida”.[6] Além da dignidade humana, também são fundamentos da República, nos termos do art. 1º, inciso IV, da Carta Magna de 1988, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.  A ordem econômica, elucidada no art. 170 da Constituição Federal, está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado, dentre outros, o princípio da busca do pleno emprego. A própria Carta Constitucional de 1988 deixa clara ao vincular a valorização do trabalho humano à existência digna e ao princípio da busca do pleno emprego a importância do trabalho para o “centro convergente de direitos” – a pessoa humana.[7] Nesse contexto, torna-se clara a correlação existente entre o direito do trabalho, onde o trabalho é visto como um meio de inserção social[8], e a concretização da dignidade da pessoa humana. Gomes afirma que é não há como dissociar vida digna e trabalho humano, pois “é através do mercado (e mais propriamente do trabalho exercido no mercado) que ele (o indivíduo) alcança a fruição dos outros direitos fundamentais, incluindo aí o mais básico e elementar: o direito à vida”[9].  Assim, proteger o trabalho, o que envolve oferecer ao empregado condições dignas de trabalho, é essencial para assegurar “a identidade social do homem”[10] e, portanto, é fundamental para que o princípio da dignidade da pessoa humana alcance sua plena eficácia e efetividade jurídica em uma sociedade que tem por objetivo fundamental ser livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I, da Constituição Federal). Gabriela Delgado afirma que, “ao mesmo tempo em que o trabalho possibilita a construção da identidade social do homem, pode também destruir a sua existência, caso não existam condições mínimas para o seu exercício”, não deixando, assim, “espaço para a concretização da dignidade”[11]. Por outro lado, a livre iniciativa, fundamento da ordem econômica (art. 170 da Carta Magna), possibilita ao empregador o exercício do direito potestativo. Contudo, o poder diretivo possui limites de atuação que são delineados, inclusive, pelos direitos fundamentais insertos na Constituição da República de 1988. Ingo Sarlet afirma que “a sociedade cada vez mais participa ativamente do exercício do poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção contra aos poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que as liberdades se encontram particularmente ameaçada”[12]. Maria do Perpétuo Socorro Wanderley destaca que o desequilíbrio econômico e social existente na relação de trabalho propicia a possibilidade eminente de desrespeito à dignidade da pessoa humana e, portanto, é imprescindível que haja uma maior exigibilidade de que o empregador se sujeite a sua observância. Destaca ainda a autora, que Canotilho afirma que “o problema da eficácia dos direitos fundamentais transformou-se num ‘tema paradigma do Direito Constitucional e do Direito do Trabalho’”[13]. Na hipótese ora estudada – restrição do uso de banheiro no ambiente de trabalho – verifica-se que o empregador extrapola os limites concernentes ao poder potestativo, afrontando a dignidade do trabalhador, ao submetê-lo ao constrangimento de delimitação do tempo necessário para a satisfação de suas necessidades fisiológicas e, inclusive, obrigando-o, em alguns casos, a explicitar o motivo do uso do toalete. Esse tipo de tratamento do empregador cria um ambiente estressante, que expõe de modo vexatório o empregado, limitando a sua liberdade, ofendendo seu direito à intimidade e podendo ocasionar danos a sua saúde – física e psíquica. Falar em condições dignas de trabalho implica em ambiente de trabalho saudável, para além das normas de higiene e segurança do trabalho. É imprescindível que se zele pela higidez mental e emocional do empregado, de modo que não se vulnere o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, além do direito a intimidade e a honra do trabalhador, como no caso concreto analisado. Daí resulta a importância da atuação da Justiça do Trabalho pautada no elenco de direitos fundamentais constitucionalmente previstos. Nas palavras de Maurício Delgado e Gabriela Delgado: “Em sociedade civil e Estado fundados na dignidade da pessoa humana, na valorização do trabalho e especialmente do emprego, na submissão da propriedade à sua função social e ambiental – em conformidade com o que determina a Constituição da República -, é imprescindível a existência de uma sólida e universalizada estrutura dirigida à efetividade do Direito do Trabalho na vida econômica e social, inclusive com um segmento especializado, célere e eficiente de acesso ao Judiciário e de efetivação da ordem jurídica. Nesse sistema, cumpre papel decisivo a Justiça do Trabalho na democracia brasileira.”[14] Conclusão A análise da jurisprudência do TST demonstrou a importância do papel do Poder Judiciário e a imprescindibilidade dessa Justiça Especializada para conferir eficácia horizontal aos direitos fundamentais, inclusive trabalhistas, de modo a garantir um patamar mínimo de civilidade na relação entre capital e trabalho e o não retrocesso social, assegurando, assim, o direito fundamental ao trabalho digno, conforme se verificou na evolução da jurisprudência no caso de reparação por dano moral decorrente da restrição do uso de banheiros no ambiente de trabalho.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/dano-moral-decorrente-da-restricao-do-uso-de-banheiro-no-ambiente-de-trabalho-na-jurisprudencia-do-tribunal-superior-do-trabalho/
Imunidade tributária das entidades beneficentes de assistência social
O propósito deste estudo é aclarar o direito à imunidade tributária das entidades beneficentes de assistência social, quer pública ou privada. Este artigo tem como objetivo analisar a importância da filantropia/beneficência para gestão dessas entidades, com seus reflexos para a comunidade beneficiária. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica, considerando as contribuições de autores como MARINS (1998), BARROS DE CARVALHO (2002) E CALMON NAVARRO COELHO (1999), entre outros, procurando enfatizar a importância da imunidade tributária, que onera sobremaneira entidades sem fins lucrativos, criadas para auxiliar o estado em cumprimento às suas incumbências constitucionais, de prestar serviços em educação, saúde e assistência social, com o devido incentivo intraconstitucional em não recolher encargos tributários, em contrapartida a atuação assistencial nas referidas áreas. Por tratar-se de direito constitucional, contemplado pelo constituinte à imunidade e não favor isencional do poder executivo busca-se a garantia desse direito via judicial e não somente administrativamente, conforme erroneamente propalado.
Direito Tributário
Introdução O presente trabalho tem como tema, a imunidade tributária das entidades beneficentes de assistência social, direito imunitário e não isencional das entidades sem fins lucrativos, pública ou privada, que preencham os requisitos legais, para usufruírem a referida imunidade. Nesta perspectiva, construíram-se questões que nortearam este trabalho: – As entidades contempladas pelo constituinte da carta política de 1988 com a imunidade tributária são as públicas e privadas? – Quais os requisitos legais a serem preenchidos pelas referidas entidades, para usufruírem dessa imunidade tributária? – Quando se fala em imunidade e não em isenção, pressupõe-se direito constitucional adquirido, ao não recolhimento de tributos/exações, que incidem sobre a atividade das referidas entidades sem fins lucrativos, filantrópico/beneficentes, verdadeiros estímulos econômico/financeiros para praticarem atividade que incumbe ao estado, inseridos no âmago da carta política, pelo constituinte originário. Vários autores conceituam a imunidade, como direito constitucional adquirido ao não recolhimento de tributos, por aquelas entidades que se propõem a prestar serviços de forma gratuita, aos cidadãos hipossuficientes economicamente. Conforme Igor Nascimento de Souza. “Considera-se entidade de Assistência Social aquela que, sem visar o lucro, cumpre um dos objetivos previstos no artigo 203 da Constituição Federal de 1988, ou seja, pratica algum ato que implique na proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice, o amparo às crianças e adolescentes carentes, a promoção da integração ao mercado de trabalho, a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiências e a promoção de sua integração à vida comunitária, ou a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, desde que a prática deste ato seja voluntária, implique em mera liberalidade do praticante, ou seja, não decorra de imposição legal.” (Souza, Igor Nascimento. Assistência Social e o IPTU. In IPTU, Aspectos Jurídicos Relevantes, cor. Marcelo Magalhães Peixoto.  Quartier Latin, 2002, p. 281/282) Neste contexto, o objetivo primordial deste estudo é, pois, apontar o direito e as características das entidades beneficentes de assistência social, que fazem jus à imunidade tributária, contemplada na Carta Política. Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico, bem como, jurisprudência consolidada nos Tribunais Pátrios. O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores e na jurisprudência, como: Souza (1998), Marins (1998), Nogueira (1998), Carvalho (2002), Coelho (1999), STF (1999) e TRF4 (2006). Desenvolvimento A imunidade tributária, é fator preponderante na atuação de qualquer entidade/instituição beneficente, quer pública ou privada, vez que se trata de economia de recursos financeiros dispendidos para pagamentos de tributos, que devem ser alocados em seus objetivos institucionais, contemplados estatutariamente, sendo invariavelmente, o atendimento aos cidadãos hipossuficientes economicamente, nas áreas de saúde, educação e assistência social, sempre considerando a função e os fins que exerce, para ser imune tributariamente. Marins (1998, p. 20/30), assim conceitua entidade/instituição imune: “É apenas aparente a suposta dicotomia entre instituição (art. 150) e entidade (art. 195), que, a rigor, não encontra amparo sólido no nosso ordenamento jurídico”. Aliás, muito se tem debatido sobre a natureza jurídica da locução instituição usada na Constituição Federal. No mais das vezes têm-se mostrado infrutíferas as tentativas da Fazenda Pública em restringir as espécies de pessoas jurídicas abrangidas pela alcunha de instituição… A esta tentativa opôs-se a autorizada crítica de Sacha Calmon Navarro Coelho: A palavra instituição não tem nada há ver com tipos específicos de entes jurídicos, à luz de considerações estritamente formais. É preciso saber distinguir, quando a distinção é fundamental e não distinguir quando tal se apresente desnecessário. Instituição é palavra desprovida de conceito jurídico-fiscal. Inútil procurá-lo aqui e alhures, no direito de outros povos. É um functor operacional. O que a caracteriza é exatamente a função e os fins que exercem e busca secundária a forma jurídica de sua organização, que tanto pode ser fundação, associação etc. O destaque deve ser a função e os fins. (James Marins, Fundações Privadas e Imunidade Tributária, RDDT nº 28, janeiro/98, p. 20/30). De forma simples e concisa, pode-se dizer o que é essencial para caracterizar-se como entidade beneficente imune é a função e os fins que exerce, independentemente se pública ou privada, fundação, associação, autarquia, instituto, etc. Na mesma senda, constata-se que a imunidade é direito constituído no bojo da carta política e não favor isencional do poder executivo, consoante pensamento do mestre RUI BARBOSA NOGUEIRA: “ISENÇÃO – é a dispensa do pagamento do tributo devido, feita por disposição expressa da lei e por isso mesmo excepcionada da tributação. Só se pode isentar o que esteja a priori tributado. Em princípio, somente pode isentar o legislador que tenha competência para criar o tributo, pois a isenção é uma dispensa da obrigação de pagar.” O CTN estabelece que a isenção é uma das modalidades de exclusão do crédito tributário (Art. 175, I). IMUNIDADE – é no dizer de Amílcar Falcão. “uma forma qualificada ou especial de não incidência, por supressão, na constituição da competência impositiva ou do poder de tributar, quando se configuram certos pressupostos, situações ou circunstâncias previstas pelo estatuto supremo.” (Curso de Direito Tributário. Ed. Saraiva, 6ª edição, p. 183). Esquematicamente, poder-se-ia exprimir a mesma ideia da seguinte forma: a constituição faz originariamente, a distribuição da competência impositiva ou do poder de tributar, ao fazer a outorga dessa competência, condiciona-a, ou melhor, clausula-a, declarando os casos em que ela não poderá ser exercida. A imunidade é, assim, uma forma de não incidência pela supressão da competência impositiva para tributar certos fatos, situações ou pessoas, por disposição constitucional.     No mesmo sentido, são as lições de PAULO DE BARROS CARVALHO,  ao lecionar que: “…o espaço frequentado por tais normas – diga-se normas imunitárias – é o patamar hierárquico da Constituição Federal, porquanto é lá que estão depositadas as linhas definidoras da competência tributária no Direito Positivo Brasileiro” (Curso de Direito Tributário. Ed. Saraiva, 5ª edição, p. 117).      Ato contínuo, o festejado jurista faz um paralelo entre imunidade e isenção: “O preceito da imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção, opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regra-matriz do tributo…”. (Ob. Citada, pág. 119). No mesmo sentido: “Com a ressalva do tropeço redacional, em que o legislador empregou isenção por imunidade, vê-se que há impedimento expresso para a exigência de contribuição social das entidades beneficentes referidas no dispositivo.” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14ª edição. Saraiva 2002, p. 175). Corroborando, o ilustre, SACHA CALMON NAVARRO COELHO, assim diz: “O art. 195, § 7º, da Superlei, numa péssima redação dispõe que são isentas de contribuições para a seguridade social. Trata-se, em verdade, de uma imunidade, pois toda restrição ou constrição ou vedação ao poder de tributar das pessoas políticas com habitat constitucional traduz imunidade, nunca isenção, sempre veiculada por lei infraconstitucional.” (Sacha Calmon Navarro Coelho, Curso de Direito Tributário, 3ª edição. Forense, 1999, p. 147/148) De concluir-se, portanto, que a dispensa do pagamento de contribuições sociais, das entidades de fins filantrópico-beneficentes possui natureza imunitária e não isencional, como erroneamente disposto na Carta Política de 1988, e, sendo imunidade, desde que atendidos os requisitos previstos em lei, a mesma gera seus efeitos sem depender de formalidade ou prazo. O simples fato de o legislador usar o termo isenção e não imunidade, não limita o verdadeiro alcance e sentido da regra desta última. Conexo a isso, a imunidade tributária abrange as entidades beneficentes, ainda que não necessariamente filantrópicas, pois a imunidade em questão abrange aquelas que prestam atendimento aos cidadãos hipossuficientes, sem finalidade de lucro, não necessariamente, que se trate de entidade filantrópica, assim entendida aquela que só presta serviços a pessoas carentes, mantendo-se exclusivamente de doações/subvenções. O conceito de entidade beneficente é mais amplo que o de entidade filantrópica, não podendo ser restringido pelo legislador ordinário. Assim entendeu o Pretório Excelso na ADIN 2.028/DF. Como também, ensina o douto, SACHA CALMON NAVARRO COELHO: “As pessoas imunes, na espécie, são as beneficentes, isto é, as que fazem o bem, a título de assistência social, em sentido amplo, sem animus lucrandi, no sentido de apropriação do lucro.” (SACHA, Calmon Navarro Coelho, Curso de Direito Tributário Brasileiro, 3ª edição. Forense, 1999, p. 148) No mesmo sentido, converge o entendimento de que a imunidade tributária das entidades beneficentes de assistência social abrange também, as entidades públicas, conforme itinerante entendimento jurisprudencial consolidado, do Tribunal Regional Federal da Quarta Região/TRF4: EMENTA. TRIBUTARIO. IMUNIDADE. ART. 195, § 7º, DA CONSTITUIÇÃO – Em se tratando de hospital municipal criado por determinação legal para a prestação de assistência médica e hospitalar da população, decorre da própria lei municipal e da sua natureza de autarquia o caráter beneficente e a utilidade pública, a ausência de fins lucrativos, a manutenção por recursos orçamentários, a aplicação dos recursos na atividade. – Consideram-se satisfeitos os requisitos do art. 14 do CTN e supridos os requisitos do art. 55 da Lei 8.212/91. (TRF4, APELAÇÃO CIVEL, 2000.71.00.002763-0, Segunda Turma, Relator Leandro Paulsen, DJ 25/01/2006) Consequentemente, os requisitos a serem preenchidos para usufruir da imunidade tributária, pelas entidades sem fins lucrativos, são todos aqueles expressos nas leis ordinárias 8.212/91 e 12.101/2009, para as entidades privadas em geral e atendimento à primeira e de forma mitigada, para as entidades públicas, criadas por lei e mantidas pelo Poder Público e nesse caso, somente via judicial. Conclusão Diante do exposto, concluiu-se que a imunidade tributária das entidades beneficentes de assistência social é direito constitucional previsto na Carta Política de 1988, inserido pelo constituinte originário, com o objetivo de auxiliar o estado, pela atuação das entidades sem fins lucrativos, no atendimento à população carente, nas áreas de educação, saúde e assistência social. Por conseguinte, é direito adquirido das referidas entidades/instituições ao não recolhimento de tributos, ao auxiliar na prestação de verdadeiros serviços públicos que incumbe ao estado e, obviamente, não se trata de favor isencional concedido pelo poder executivo, como é o caso das isenções previstas em leis ordinárias, mas sim direito imunitário e pétreo contemplado na Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB/1988. Assim, desde que preenchidos os requisitos legais estabelecidos na legislação ordinária, pela entidade/instituição beneficente imune, tem ela o direito imutável, desde sua constituição, em usufruir dos benefícios ao não pagamento das referidas exações. Tal benefício tributário alcança todas as entidades, indistintamente, beneficentes ou filantrópicas, públicas ou privadas de qualquer espécie, como associações, fundações, autarquias, institutos, etc., devendo ser buscado preferencialmente e com melhor resultado, via judicial, tendo em vista o direito a repetição do indébito tributário, das contribuições sociais previdenciárias patronais, recolhidas indevidamente.
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Imunidade tributária dos templos de qualquer culto
O presente artigo analisa a imunidade tributária, a importância desse instituto no ordenamento jurídico brasileiro e a atuação das normas imunizantes como instrumentos realizadores de justiça fiscal. Através do método teórico-descritivo, apresenta-se a Teoria dos Sistemas e o fenômeno da interpretação/aplicação do direito, temas basilares para o desenvolvimento do estudo. Analisa-se, ainda, a importância das imunidades tributárias no sistema jurídico brasileiro e a atuação das normas imunizantes como instrumentos realizadores dos objetivos constitucionais. Aborda-se a estrutura das imunidades tributárias e a influência das regras de intributabilidade na interpretação/aplicação do direito. Estabelecidas essas considerações preliminares necessárias ao pleno desenvolvimento do tema proposto, adentra-se na análise das características da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, a relevância jurídica e econômica que deve ser conferida à destinação religiosa dada ao imóvel e as limitações decorrentes da classificação da imunidade tributária dos templos em subjetiva, propondo-se a classificação de imunidade tributária híbrida.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO As imunidades tributárias são institutos de extrema importância na realização da justiça fiscal brasileira. Através das normas imunizantes, os direitos e garantias fundamentais que as alicerçam são efetivados na sociedade, pois estarão protegidos dos efeitos deletérios da tributação. As situações de intributabilidade constitucional, que se viabilizam através das imunidades, existem, normalmente, em função de determinada coisa e sua importância social (como ocorre com a imunidade tributária dos livros, que são instrumentos auxiliadores na concretização da liberdade de pensamento) ou em razão de entidades que desenvolvem atividades de nítido interesse público. A imunidade tributária dos templos de qualquer culto, previsto no art. 150, VI, “b” da Constituição Federal de 1988, é exemplo de norma imunizante que existe em virtude das características e finalidades a que se propõem determinadas pessoas, tendo em vista a importância social dos serviços e atividades de cunho religioso. A imunidade tributária dos templos impossibilita a instituição de qualquer imposto sobre as entidades que, ao desenvolverem suas atividades, estão efetivando o direito fundamental à liberdade religiosa. Como não objetivam lucros e, comumente, estão desprovidas de recursos, a tributação dessas entidades acarretaria em clara ofensa aos objetivos e fins da Constituição que reconheceu a liberdade de culto em inúmeros dispositivos constitucionais[1]. Em virtude da importância das instituições que efetivam a liberdade religiosa na sociedade brasileira, o presente trabalho destina-se à análise das relações jurídico-tributárias que decorrem da imunidade dos templos de qualquer culto. Em proveito desse estudo, o segundo capítulo destina-se a um breve exame da Teoria dos Sistemas e do fenômeno da interpretação/aplicação do Direito. Nele, são apontados os tipos de sistemas comunicacionais, seus elementos e modalidades de operacionalização. Define-se também o que é interpretação/aplicação do direito, os modos de interpretação jurídica e evolução desses meios e distinguem-se os tipos normativos existentes e suas participações na formação das normas de decisão. No final do capítulo, são apontadas as principais razões de se considerar a importância da interpretação/aplicação do direito frente às necessidades econômicas e sociais dentro de sistemas autopoiéticos, como são os sistemas jurídicos e econômicos. As bases interpretativas são estabelecidas no capítulo segundo e utilizadas nos demais capítulos da monografia. O terceiro capítulo destina-se a uma análise genérica das imunidades tributárias. Estabelece-se a evolução das normas imunizantes, define-se imunidade tributária, diferencia-se esse instituto de outros e se aponta as principais classificações das imunidades. Ainda no mesmo capítulo, aborda-se a importância das normas imunizantes nos Sistemas Jurídico e Econômico brasileiro. Com base nas teorias dos imperativos e juízos categórico e hipotético, que servem de alicerce para a distinção das regras de condutas das regras de estrutura, conclui-se que as imunidades tributárias estão alocadas nesse último grupo. Enquadradas como regras de estrutura, características das imunidades evidenciam-se, como a influência delas na elaboração de leis e, principalmente, a atuação suplementar das normas imunizantes na interpretação/aplicação do Direito Tributário e do Direito Econômico. No último capítulo, explora-se o tema que dá nome a este trabalho. Abordando inicialmente as razões para existência da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, adentra-se, logo em seguida, nos elementos econômicos que estão imunes à tributação por pertencerem às instituições religiosas, como a renda, os serviços e o patrimônio, desde que, consoante mandamento constitucional, destinados aos seus fins essenciais. Em seguida, analisa-se a necessidade de se relevar juridicamente a afetação de determinado local aos fins religiosos. Para esse intento, adentra-se nas acepções do termo “templo” e as implicações econômicas lesivas decorrentes de uma interpretação que não atenda aos fins constitucionais e que permita que a tributação apresente-se como óbice à liberdade de crença. Na interpretação/aplicação do direito, evidencia-se a influência das imunidades tributárias na conclusão pela tributação, ou não, no caso concreto. Finalmente, as limitações que decorrem da classificação da imunidade tributária dos templos em subjetiva são objeto de estudo, retomando-se a idéia defendida por Aliomar Baleeiro de se considerar, necessariamente, a repercussão tributária dos impostos na renda dos entes imunes, no caso, as pessoas jurídicas que garantem o direito fundamental ao culto religioso. Com o objetivo de facilitar os estudos jurídicos, propõe-se a classificação da imunidade dos templos de qualquer culto como híbrida ou mista, apresentando contornos de imunidade tributária subjetiva e objetiva. As imunidades tributárias, dentre as quais está a imunidade dos templos, são mecanismos essenciais para a atual ordem econômica brasileira, pois, como acima dito, resguardam da tributação pessoas ou bens fundamentais para a sociedade. O objetivo desse estudo é evidenciar as potencialidades das normas imunizantes nesse contexto jurídico-econômico. 1. Os sistemas jurídicos e a Interpretação/Aplicação do direito 1.1 Conceitos e características gerais da teoria dos sistemas O Direito e o regramento das condutas humanas revelam-se fundamentais para a coexistência pacífica entre os indivíduos que compõem determinada sociedade. A multiplicação das inter-relações estabelecidas, ou potencialmente estabelecidas, trouxe aos ordenamentos jurídicos dois grandes problemas. O primeiro deles consiste na constatação de que num Estado Democrático de Direito são necessárias normas para regulamentar os variados comportamentos dos homens, assim como as situações que apresentam relevância jurídica, o que demanda a elaboração de um elevado número de dispositivos legais[2]. O segundo problema é conseqüência do primeiro: devido à proliferação de atos legislativos, os operadores do direito devem contar com mecanismos e regras que viabilizem um estudo de todo o ordenamento jurídico, tendo em vista que a análise isolada de um determinado dispositivo dificilmente permitirá a compreensão da norma que se objetiva veicular na sociedade[3]. Com o objetivo de viabilizar soluções técnicas para os ordenamentos jurídicos, o estudo científico do Direito se desenvolveu com a contribuição de muitos jusfilósofos da Escola do Positivismo Jurídico, destacando-se, dentre eles, Hans Kelsen. O pensamento kelseniano possui como principal característica o escopo de analisar as principais estruturas comuns dos ordenamentos a fim de solucionar racionalmente as questões jurídicas. A Teoria Pura do Direito, que apartava as considerações valorativas, políticas e sociológicas dos ordenamentos, centrava-se nos estudos de validade, vigência e eficácia das normas, com o objetivo de conferir uma operacionalidade científica e segura do Direito[4]. A Ciência do Direito, impulsionada pelo pensamento kelseniano, desenvolveu-se cada vez mais, o que colaborou com o fortalecimento do estudo sistemático dos ordenamentos jurídicos. Por mais que existam pensamentos pela não sistematicidade do ordenamento jurídico, como é o caso da Tópica, aplicada ao Direito por Theodor Viehweg, que propugna a argumentação como meio para se alcançar casuisticamente decisões jurídicas[5], adotar-se-á no presente trabalho a compreensão do Direito como Sistema. E, afinal, o que é Sistema? Sistema pode ser definido como todo o complexo de elementos e relações estabelecidas entre eles de acordo com uma estrutura paradigma própria, responsável pela diferenciação do sistema do ambiente[6] e de outros sistemas que com ele se relacionem[7]. Do conceito de sistema, percebem-se duas características basilares que devem estar presentes para caracterização como tal, quais sejam, elementos e estrutura. Os elementos são os componentes básicos, as partes que se apresentam como próprias de um sistema, dentro de um critério estrutural selecionador. Como exemplos de elementos, têm-se os astros nos sistemas solares, as hemácias nos sistemas sanguíneos e as normas nos sistemas jurídicos. Os elementos de um sistema apresentam características semelhantes que permitem a inclusão deles no complexo sistêmico. Os elementos que não tenham ou passem a não ter notas de caracterização próprias de um sistema não pertencem ao mesmo, devendo ser desconsiderados ou expurgados. Essa afirmação, entretanto, não significa que não haja dessemelhanças entre os elementos. Elementos diferentes podem coexistir em um mesmo sistema, como é o caso de satélites e planetas no sistema solar, hemácias, leucócitos e plaquetas no sistema sanguíneo, normas de estrutura e normas de comportamento no sistema jurídico. Situações como essa são possíveis – e necessárias, eis que elementos diferentes realizam funções diversas, o que viabiliza a manutenção do próprio sistema. Diferentes elementos estão num mesmo Sistema, exatamente por terem funções e peculiaridades próprias, necessárias no desenvolvimento de um dado complexo sistemático. As características mínimas necessárias que viabilizam a inclusão de elementos distintos são fornecidas pela estrutura do sistema. Estrutura, por sua vez, é o paradigma simultaneamente formado pelo sistema e pelos elementos, que viabiliza ordem e funcionalidade num sistema. Através da estrutura os elementos desempenham suas variadas funções, relacionam-se com outros, são criados e, quando não mais se coadunam com o paradigma do sistema, são excluídos. As estruturas variarão de acordo com os sistemas, mas não são deles unicamente provenientes. As estruturas também resultam dos elementos que o compõem. Exemplificando: no sistema jurídico brasileiro, há a possibilidade de edição de súmulas vinculantes pelo Supremo Tribunal Federal. A norma realizada pela Corte Constitucional Brasileira é permitida pelo sistema jurídico e, quando emitida, tem a potencialidade de alterar as inter-relações estabelecidas entre as normas, ou seja, apresenta-se também como elemento estrutural do sistema. Elementos e estrutura, dessa forma, apresentam igual importância para o sistema, compondo-o e diferenciando-o do ambiente. 1.1.2 Sistemas jurídicos estático ou dinâmico Ao se fazer uma análise dos sistemas, percebe-se que existem algumas diferenças entre eles, em função da forma como se comportam frente ao ambiente e frente a outros sistemas. Das diferenças, surgiram algumas classificações na Teoria dos Sistemas, como é o caso dos sistemas estáticos e dinâmicos. Sistema estático é aquele que se comporta de forma passiva, não estabelecendo um processo comunicacional completo com o ambiente. Os sistemas dinâmicos, por sua vez, estão em constante interação comunicativa com o ambiente e demais sistemas. A estrutura dos sistemas dinâmicos permite que eles troquem informações com o ambiente, de modo a se adequar as variações ambientais, assim como influenciar o ambiente. Vários são os exemplos de sistemas dinâmicos e estáticos. O organismo humano é um sistema dinâmico, capaz de controlar a temperatura corpórea em função das variações térmicas ambientais, assim como produzir células constantemente para o regular funcionamento do homem. Exemplo de sistema estático é um avião, composto de variadas peças, que desempenham igualmente funções diversas. Nenhuma delas, entretanto, pode ser gerada automaticamente pelo próprio veículo em caso de quebra ou defeito, sendo necessário um agente externo que viabilize a troca, no caso, um mecânico. Adaptando os conceitos de sistemas às ciências humanas, percebe-se que os sistemas e subsistemas sociais estabelecem inter-relações tanto internamente, quanto com o ambiente através da comunicação. Comunicar significa transmitir e receber informações. O ato comunicacional para se estabelecer e produzir sentido necessita de uma linguagem comum entre receptor e emissor das mensagens. A linguagem é o código que os utentes comunicadores possuem ou estabelecem para que a comunicação seja a mais eficiente possível dentro do objetivo de fornecer informações dotadas de sentido[8]. O processo comunicacional se estabelece da seguinte forma: ao receber a mensagem, o receptor se valerá do código estabelecido para conferir sentido às informações enviadas pelo emissor. Analisando o teor da mensagem e se valendo do contexto comunicacional, o enunciatário reduzirá a ambigüidade e vaguidade possivelmente presentes nas informações emitidas pelo enunciador para viabilizar a comunicação e a construção de sentidos pelo receptor[9]. O sistema jurídico, enquanto subsistema social, caracterizar-se-á como dinâmico ou estático em função da estrutura organizacional interna ter ou não dado relevo à comunicação que se estabelece entre o ordenamento jurídico sistêmico com o complexo sistema social e os demais subsistemas (político, econômico, dentre outros). Um sistema jurídico, por exemplo, será estático quando não estabelecer uma abertura comunicacional com a sociedade. Esse tipo de sistema não se altera com as mensagens enviadas pelo contexto histórico no qual está inserido, deixando de acompanhar as evoluções sociais, o que acarreta na ineficácia de suas normas, eis que não mais são cumpridas ou aplicáveis. Um sistema jurídico dinâmico, por sua vez, tem a capacidade de promover mudanças no ordenamento jurídico, com a finalidade de coadunar as normas aos eventos sociais que apresentem relevância jurídica. Na estrutura dos sistemas jurídicos dinâmicos, há uma abertura comunicacional que permite o processamento das informações enviadas pela sociedade e a produção de normas novas, quando necessárias, que atendam aos anseios sociais. Para viabilizar esse processo comunicacional circular que se estabelece entre sistema jurídico e sociedade, a estrutura do sistema deve contar com instrumentos que viabilizem a adequação do ordenamento ao ambiente social. Os mecanismos de retroalimentação (ou feedback) do sistema possuem essa função. O feedback pode ser negativo ou positivo. Na retroalimentação positiva, o sistema sofre desequilíbrio em função das informações emitidas pela sociedade. Essa desestabilização pode acarretar a ruína do sistema jurídico (como ocorre nos casos em que um povo é dominado por outro) ou a mudança de sua estrutura (como acontece no caso de promulgação de nova Constituição sem que tenha ocorrido revolução). Na retroalimentação negativa, entretanto, a resposta enviada pelo sistema jurídico à sociedade não alterará o equilíbrio interno do ordenamento. Exemplificando: havendo o constante descumprimento de uma determinada regra, o sistema jurídico poderá recrudescer a sanção pela não atenção à modalização da conduta veiculada na norma, estabelecer incentivos a pratica do comportamento desejado ou excluir a norma descumprida, de forma a se adaptar ao contexto social[10]. A sociedade que compõe um Estado Democrático de Direito necessita das informações do ordenamento jurídico para garantir a realização de diversas atividades e comportamentos. O feedback negativo, portanto, apresenta-se como fundamental para a evolução dos sistemas jurídicos. Inexistindo esse mecanismo calibrador, o ordenamento não tem como acompanhar as mudanças sociais, o que culminará, cedo ou tarde, com a sua ruína. 1.1.3 Sistema jurídico simples ou complexo A classificação de um sistema jurídico em estático ou dinâmico não abarca todas as características desse sistema comunicacional. Para uma plena apreensão da teoria dos sistemas, aplicada ao Direito, fundamental se mostra a distinção entre os sistemas simples dos complexos. Sistemas simples são aqueles em que as relações de casualidade entre seus elementos são conhecidas de antemão. Para um determinado evento, um resultado previsto pelo sistema. Essa relação linear entre causa e efeito pode até aparentar um nível desejado de segurança, pois se saberia a priori os efeitos desejados quando implementada uma causa prevista sistemicamente. Entretanto, o determinismo traz inúmeros óbices para a manutenção do próprio sistema, tais como a impossibilidade de se reinventar e auto-organizar. O sistema jurídico simples continua com as mesmas mensagens prescritivas, pouco importando se as normas não estejam dotadas de eficácia social[11]. Já os sistemas complexos apresentam características que viabilizam a sua adaptação ao ambiente. Como possuem em sua estrutura abertura comunicacional com a sociedade, recebem e transmitem informações com o objetivo de gerar sentido. Quando as mensagens enviadas pelo sistema não mais produzem sentido, o sistema complexo se auto-organiza, produzindo elementos novos e expurgando os que não se compatibilizam[12]. Essa constante busca de construção de sentidos num sistema comunicacional, como é atualmente compreendido o sistema jurídico brasileiro, implica no estabelecimento de um emaranhado de interações complexas entre os elementos do sistema, que não existe nas relações de causalidade dos sistemas simples.  Os sistemas jurídicos complexos evoluem em função das mutações sociais ocorridas na sociedade. Esses sistemas estão em constante transformação, pois assim tem que ser, se desejarem se compatibilizar com as mudanças sociais que necessitam de um disciplinamento jurídico. A homoestase, ou equilíbrio interno do sistema, pode ser eficazmente alcançado pelo próprio sistema, desde que complexo e dinâmico. Com as informações recebidas do ambiente, o sistema jurídico as processará através dos mecanismos de feedback negativo ou positivo com a finalidade de manter seu principal objetivo, qual seja, regrar coercitivamente o comportamento dos indivíduos. Se a mensagem puder ser assimilada pelo sistema através dos instrumentos calibradores, ter-se-á feedback negativo, o que resulta na produção de novos atos comunicacionais normativos. No entanto, ocorrerá feedback positivo nos sistemas complexos quando as informações enviadas pela sociedade não tenham como ser calibradas[13]. Essa situação pode culminar na formulação de todo um novo sistema jurídico, que substitui o antecessor que desmoronou, ou uma mudança de paradigma estrutural, como aconteceu no Brasil com a promulgação da Constituição de 1988. O sistema jurídico brasileiro mudou sua estrutura com o advento da Carta Constitucional de 1988. Uma vasta gama de ideologias influenciou o texto constitucional, o que repercutiu na previsão de direitos e garantias antes não colacionados constitucionalmente. Não foi necessária uma formulação de um novo sistema jurídico, uma vez que houve o aproveitamento dos dispositivos legais que estivessem de acordo a Constituição Federal, o que se denomina doutrinariamente como recepção constitucional. O sistema jurídico mudou de paradigma estrutural, mas se manteve como sistema, tendo em vista que leis anteriores à Constituição de 1988 continuaram válidas e eficazes no ordenamento jurídico brasileiro, quando condizentes com as finalidades da estrutura constitucional. Positiva ou negativa, a retro-alimentação ocorrida no sistema tem o escopo de alcançar a homoestase. Isso não quer dizer que no sistema não há desordem, não há entropia. De fato, a entropia é o que faz o sistema evoluir: a existência de desordem em um sistema jurídico é uma consequência da abertura comunicacional com a sociedade. São exemplos de desordem provocada em um sistema jurídico a precária redação de um dispositivo legal, o elevado número de leis que tratem de um assunto específico e a falta de eficácia social de uma norma. Para se manter uma homoestase inalterada no ordenamento jurídico, seria necessário o fechamento comunicacional, o que resultaria nos problemas de ineficácia dos atos normativos próprios dos sistemas estáticos. Em virtude disso, pode-se concluir que se apresenta muito mais interessante o objetivo de se alcançar a homoestase através de um sistema complexo, caótico e de difícil previsibilidade, porém evolutivo e condizente com o contexto social no qual esteja inserido, do que efetivamente alcançar o equilíbrio sistêmico por meio de um sistema estático e ineficaz. Com essas linhas gerais traçadas sobre a Teoria dos Sistemas, aplicada à Ciência do Direito, adentra-se agora no fenômeno jurídico que representa o trabalho desenvolvido pelo receptor das mensagens prescritivas do ordenamento na construção de sentido, qual seja, a Interpretação/Aplicação do Direito. 1.2. O fenômeno da Interpretação/Aplicação do Direito 1.2.1. Características gerais e evolução da interpretação do direito A interpretação é um dos temas mais importantes do Direito. Variados são os métodos interpretativos, que variam conforme os valores e finalidades que estejam presentes no ordenamento jurídico, assim como o grau evolutivo alcançado pela ciência jurídica. A interpretação do direito foi inicialmente concebida como o ato de subsunção do texto legal ao caso concreto. Trata-se da jurisprudência dos conceitos, em que uma interpretação formalista, de cunho meramente literal é utilizada pelo operador do direito para saber se determinado dispositivo aplica-se ou não ao fato social. Esse modo de interpretar objetiva garantir uma maior segurança jurídica aos cidadãos, eis que só precisariam consultar os textos legais para saber se determinado comportamento era lícito ou não. A jurisprudência dos conceitos resume o trabalho do juiz a ser a “boca da lei”. Com o tempo, percebeu-se que esse método interpretativo não atendia às necessidades existentes dos operadores do direito, seja pela obscura redação dos dispositivos legais ou em virtude do surgimento constante de novos comportamentos dotados de relevância social, portanto, merecedores de disciplinamento jurídico. Desenvolveu-se a jurisprudência dos interesses para atender as constantes necessidades da Hermenêutica Jurídica. Nessa nova corrente interpretativa, o receptor das mensagens jurídicas deveria valer-se da interpretação teleológica ou finalística para compreender os instrumentos legais e, principalmente, compatibilizar os dispositivos aos fins do ordenamento jurídico nos casos em que dúvidas surgissem na operação de subsunção do dispositivo legal ao caso concreto. Por mais que os fins almejados pelos que desenvolveram esse método de interpretação do direito fossem louváveis, a jurisprudência dos interesses trouxe novos problemas para os que possuíam determinadas situações levadas ao Poder Judiciário. O principal deles é o de insegurança jurídica, uma vez que a interpretação deixou de ser o mero ato de subsumir o dispositivo legal ao fenômeno social, para ser uma análise do caso concreto frente às finalidades do ordenamento jurídico. Ilustrando o que até agora foi traçado no que concerne ao estudo das jurisprudências, observa-se o quão diferente é o tratamento da elisão tributária nas duas formas de se interpretar o direito. Na jurisprudência dos conceitos, a elisão é sempre permitida, pois o que não esteja contrário ao direito não pode ser considerado ilícito. Essa situação ocasiona inúmeras situações de abuso do direito, em que os particulares se valem de complexos e despropositados mecanismos jurídicos com o único objetivo de se evadir da tributação. Na jurisprudência dos interesses, surge a denominada interpretação econômica, que permite ao aplicador do direito desconsiderar o respaldo legal de determinadas atividades, para fins de tributação, uma vez que o comportamento do indivíduo não se coaduna aos objetivos do ordenamento jurídico. Vale destacar que a conclusão pela ilicitude do comportamento do contribuinte decorre da interpretação feita pela autoridade administrativa que tem a função pública de arrecadar tributos, no caso, o auditor fiscal. A elisão, desse modo, passa a ser reiteradamente considerada ilícita. Percebe-se que as duas situações são extremas. Como a virtude se apresenta, na maioria das vezes, na mediania[14], buscou-se nos pontos positivos de cada método interpretativo uma maneira de se interpretar o direito de modo a compatibilizar os interesses públicos e os privados. Surge, dessa forma, a jurisprudência dos valores, que demanda a utilização de vários métodos de interpretação, de acordo com os valores envolvidos no caso concreto e ínsitos à norma[15]. Na jurisprudência de valores, a elisão tributária é permitida, desde que não haja abuso. Manifestação dessa forma de se interpretar o direito foi o surgimento da doutrina do propósito mercantil (business purpouse), em que se caracteriza a elisão abusiva nos casos em que o contribuinte se afaste dos propósitos mercantis de sua atividade empresarial com o único objetivo de obter benefícios na área fiscal[16]. Por meio da jurisprudência dos valores, pautam-se as atividades dos contribuintes e do fisco em um mínimo segurança, eticidade, liberdade e justiça. Sendo a Ciência Jurídica um Sistema Lingüístico que tem o objetivo de viabilizar comunicação e construção de sentidos, a interpretação do direito também pode ser analisada enquanto processo comunicacional. Dessa forma, apresenta-se como fundamental a observância dos três planos da Semiótica[17] na interpretação das mensagens prescritivas modalizadoras do comportamento humano, para que as mensagens jurídicas enviadas pelo sistema Jurídico possam resultar na construção de sentidos pelos receptores, os operadores do direito. O primeiro dos planos é a Sintaxe que é o estudo dos signos ou símbolos lingüísticos e das inter-relações estabelecidas entre eles. No sistema jurídico, observa-se a função sintática, por exemplo, nas relações existentes entre uma regra jurídica genérica e outra específica, posteriormente editada, que trata de algumas situações antes disciplinadas pelo comando legislativo genérico. Com o advento de mensagem prescritiva específica, aquela deixa de produzir efeitos nos casos por esta albergada. O plano semântico, por sua vez, consiste no estudo das relações estabelecidas entre o signo e o(s) significado(s) produzido(s). A semântica jurídica é a responsável por estabelecer a relação entre linguagem normativa e o comportamento humano que se deseja modalizar. A conduta será proibida, permitida ou tolerada numa determinada sociedade em função do teor das mensagens prescritivas, vertidas em linguagem, enviadas pelo direito positivo. Por último, o plano pragmático da linguagem desempenha a função de analisar a influência comportamental exercida pelas mensagens nos receptores. O objeto da pragmática jurídica é a motivação exercida na conduta dos indivíduos de uma determinada comunidade através das mensagens prescritivas coadunadas aos valores do sistema jurídico. A interpretação das mensagens prescritivas enviadas pelo sistema jurídico, como se observou, deve percorrer os planos da Semiótica para que seja atribuída significação ao produto legislativo[18]. Assentadas essa premissas, adentra-se no procedimento da interpretação/aplicação do direito. 1.2.2. A interpretação/aplicação do direito No Direito, o disciplinamento jurídico de eventos e situações ocorre quando eles apresentam relevância social, seja por ofenderem bens reputados fundamentais para a sociedade, ou para resguardar finalidades e valores próprios do Estado e dos indivíduos. Através dos dispositivos legais emitidos pelo Poder Legislativo ou por meio dos precedentes jurisdicionais regra-se o comportamento humano. Como o Sistema Jurídico Brasileiro é baseado principalmente em leis, o ordenamento nacional apresenta problemas de hermenêutica jurídica próprios dos países que adotam a codificação do direito, tais como a dificuldade de subsunção de dispositivos legais ao caso concreto, a multiplicidade de significações de termos e expressões presentes nos textos normativos e a insegurança jurídica decorrente, assim como a superveniente incompatibilidade da lei com a situação social que ensejou a produção do dispositivo normativo, em virtude das mutações próprias do complexo sistema que é a sociedade. Esses problemas, entretanto, decorrem da concepção meramente declaratória dada ao fenômeno interpretativo, ainda concebido por alguns como o ato de subsumir o texto legal ao caso concreto. A potencialidade da interpretação para o Sistema Jurídico, por sua vez, é muito maior. A imprecisão dos vocábulos presentes nos enunciados normativos, assim como a pluralidade de regras aparentemente aplicáveis ao caso concreto não são os únicos motivos que ensejam a interpretação do direito. A interpretação do direito apresenta caráter constitutivo de norma jurídica, o que significa que o resultado do trabalho do intérprete é a criação de norma regente do caso concreto[19]. Com o escopo de compreender os dispositivos legais disciplinadores e aplicar o direito, o jurista deve realizar a interpretação dos textos modalizadores de conduta e, concomitantemente, dos fatos sociais que se apresentam como disciplináveis pelos veículos normativos analisados. As normas estão potencialmente albergadas nos textos normativos, cabendo ao aplicador do direito a descoberta ou construção das mesmas[20]. A interpretação dos fatos é fundamental no trabalho do intérprete, uma vez que a evolução constante das inter-relações pessoais e da relação existente entre cidadão e Estado exige uma avaliação do caso concreto para que se possa concluir pela aplicabilidade ou não das normas disciplinadoras. A função social da propriedade, por exemplo, está prevista no art. 5º, XXIII da Constituição Federal de 88 e, assim como os demais dispositivos constitucionais, deve ser objeto de interpretação. A noção do que vem a ser “função social” dependerá não apenas das pré-concepções políticas e filosóficas do aplicador do direito. Resultará, fundamentalmente, do contexto histórico e social no qual o problema relacionado à determinada propriedade esteja inserto. A função social da propriedade atual não é a mesma da época em que foi erigida constitucionalmente, assim como a noção de função social de determinada porção de terra localizada no Acre não é a mesma de um terreno localizável em Natal. O operador do direito deve ser sensível às nuances contextuais para que a norma a ser aplicada seja a mais harmônica possível, consoante o texto constitucional e o caso concreto. A expressão “interpretação/aplicação” do direito confere o dinamismo necessário para a resolução de problemas sociais que necessitem de disciplinamento jurídico. Interpretam-se os textos normativos e os fatos para que o direito seja aplicado ao caso que se apresente. O fenômeno é um só: ao se interpretar, aplica-se o direito, daí a construção do termo “interpretação/aplicação” do direito[21]. O resultado do trabalho do intérprete é a constituição da norma de decisão que irá disciplinar o caso concreto. Analisando a interpretação/aplicação do direito como procedimento comunicacional, constata-se que as normas são os sentidos jurídicos construídos pelos receptores das mensagens legislativas, no caso, os intérpretes. Como a comunicação é processo cíclico estabelecido entre receptor e emissor das mensagens, ao término da concretização da norma, mensagem do receptor será enviada ao sistema jurídico. É nesse momento que sobreleva a importância da Constituição para a ordem jurídica brasileira. Se a mensagem proveniente da norma jurídica construída se coadunar ao sistema jurídico constitucional, será reputada como válida. Caso contrário, ou seja, se a norma concretizada pelo intérprete contrariar a Constituição, que é, ao mesmo tempo, estrutura do sistema jurídico brasileiro e texto veiculador de mensagens normativas de elevado grau hierárquico, a norma será inválida e deverá ser afastada. A Constituição Federal, portanto, apresenta-se como parâmetro para o intérprete jurídico. A interpretação válida no direito brasileiro é aquela realizada consoante os preceitos constitucionais, que atende as necessidades do caso concreto, efetiva direitos e garantias fundamentais, e concretiza os objetivos sociais presentes no texto constitucional. Em virtude disso, não há que se falar em interpretação extensiva ou restritiva de textos normativos, eis que ambas estarão erradas. A interpretação deve ser constitucional para ser válida. A interpretação constitucional impõe ao operador do direito a consideração de todo o sistema jurídico quando no seu trabalho. O texto normativo presente em decretos, leis e até mesmo em excertos da Constituição não se interpreta fragmentariamente[22]. A análise isolada de dispositivos legais não configura interpretação jurídica, eis que contraria a essência dinâmica e interdependente da relação estabelecida entre o sistema jurídico e as mensagens jurídicas (normas) decorrentes da interpretação/aplicação do direito, processo comunicacional gerador de sentidos de caráter jurídico. 1.2.3. Regras, princípios e a concretização do direito Norma é o sentido jurídico adequado que o intérprete constrói quando analisa os dispositivos normativos que se apresentam como hábeis a disciplinar um caso concreto. Daí a necessária conclusão de que o ordenamento jurídico é o resultado das interpretações dadas aos textos normativos[23]. Sendo o ordenamento jurídico resultado das interpretações realizadas, apresenta-se evidente a distinção entre texto normativo e norma. O ordenamento não é o conjunto dos dispositivos ou enunciados legais, mas das normas que podem ser construídas a partir desses instrumentos veiculadores de mensagens jurídicas[24]. Texto de norma é apenas um dos parâmetros que devem ser utilizados para se encontrar a norma. Analisando determinadas características presentes nas normas, a doutrina realizou a classificação das mesmas com o intuito de auxiliar a compreensão do direito e identificar as funções de cada uma das espécies normativas no sistema jurídico. Variadas são as concepções, sendo a adotada no presente trabalho a distinção existente entre regras e princípios jurídicos. As regras são normas que apresentam como principal característica a descrição de condutas, ainda que indiretamente – como é o caso das regras disciplinadoras do processo legislativo, que não modalizam explicitamente o agir humano, mas regulam ou complementam a produção de regras proibitivas, permissivas ou obrigatórias. No que concerne à aplicabilidade ao caso concreto, as regras preveem comportamentos para que o aplicador possa decidir acerca da consonância de determinada conduta com o sistema jurídico. Nas regras há uma elevada pretensão de decidibilidade, uma vez que a correspondência entre a descrição normativa das condutas e os fatos sociais enseja a aplicação da regra jurídica presente no dispositivo legal. O objetivo precípuo das regras é disciplinar condutas, sempre com atenção aos princípios e aos fins que lhes dão suporte. Os princípios são normas finalísticas que objetivam a promoção de um estado ideal de coisas[25]. Essa situação social desejada somente pode ser alcançada com a adoção, pela sociedade, de determinados comportamentos. Com o escopo de inserir socialmente modos de agir necessários à promoção desse estado ideal, textos normativos veiculadores de condutas são editados e utilizados na tomada de decisões pelos destinatários das mensagens jurídicas. As regras jurídicas, normas imediatamente modalizadoras do agir humano, portanto, decorrem dos princípios. Quanto à aplicação, os princípios atuam complementando as decisões jurídicas. Como não pretendem gerar uma solução específica para os casos concretos – pretensão essa das regras – os princípios auxiliam o aplicador do direito quando convocado para decidir.  Por possuírem campos de atuação diferentes na elaboração da norma de decisão e por serem as regras normas que objetivam concretizar os valores e finalidades dos princípios, não há antinomia entre esses dois tipos de normas. Do trabalho do intérprete resulta a norma de decisão que irá disciplinar o caso concreto oferecido à análise. Do abstrato disciplinamento jurídico previsto nos enunciados normativos, dos quais podem decorrer tanto regras como princípios, o direito concretizar-se-á na interpretação dada pelo jurista. A norma de decisão é a concreção do direito – de todo o direito[26], necessária à solução do problema social que reclame disciplinamento jurídico.  1.3. O sistema (autopoiético) jurídico e a interpretação/aplicação do direito frente às necessidades econômicas e sociais Assentadas as premissas de que o estudo científico do direito analisa o ordenamento jurídico como um sistema que deve ser dinâmico e complexo para ser eficiente no seu objetivo de regrar o comportamento dos indivíduos, adentra-se na crucial importância da interpretação/aplicação do direito na constituição de um sistema jurídico autopoiético. No processo comunicacional que se estabelece entre o sistema jurídico e o ambiente – composto de outros sistemas como o político e o econômico, a interpretação/aplicação do direito é a etapa realizada pelos receptores das mensagens jurídicas na qual ocorre a construção de sentidos dotados de relevância jurídica. Essa relação comunicacional que se estabelece entre sistema jurídico e sistema social é cíclica: o sistema jurídico envia mensagens prescritivas de conduta humana aos demais sistemas sociais, recebendo, em seguida, novas informações dos subsistemas. O teor das respostas emitidas pelo ambiente revelará o efeito provocado pelas mensagens jurídicas: se as mensagens veiculadas nos dispositivos normativos estiverem sendo harmonicamente assimiladas, a resposta enviada pelo ambiente social estará de acordo com os objetivos do sistema jurídico e não ensejará mudanças no ordenamento. Situação diversa ocorre quando a mensagem modalizadora de comportamento não esteja sendo cumprida ou surtindo qualquer efeito social. O sistema jurídico, a par dessas mensagens, encontrar-se-á num trilema: 1) poderá reforçar as mensagens, seja emitindo novas mensagens com mesmo teor semântico ou recrudescendo a pena pela não observância das informações emitidas; 2) poderá assimilar essa mensagem contrária, enviada pelo ambiente, o que acarretará na retirada da norma do sistema jurídico que não mais apresenta respaldo social; 3) ou ruir, frente à impossibilidade de se adaptar à evolução social, a qual tenha atingido a sociedade, o que ensejará a formulação de novo sistema jurídico. De uma forma ou de outra, percebe-se que o sistema jurídico deve estar em constante processo comunicativo. Essa troca de informações entre os sistemas só é possível quando exista no sistema emissor de mensagens modalizadoras de comportamento abertura cognitiva, mecanismo que viabiliza a comunicação entre sistema e ambiente. Quando o sistema se fecha, a comunicação deixa de ser plena, cíclica e, dessa forma, eficaz. Somente num sistema aberto cognitivamente e fechado operacionalmente pode ocorrer adaptação do sistema jurídico às necessidades sociais que reclamem regramento[27]. A operabilidade interna e autônoma do sistema jurídico dotado de abertura comunicativa requer determinados instrumentos que promovam a sua independência funcional frente aos demais sistemas e ambiente. Esses mecanismos responsáveis por conferir identidade e auto-organização aos sistemas jurídicos são encontrados nos estudos realizados a respeito dos sistemas autopoiéticos. Sistema autopoiético pode ser definido como aquele capaz de se auto-gerar e auto-organizar, estando em constante busca de homoestase, equilíbrio entre os elementos que compõem o sistema. A entropia, ou seja, a desorganização interna gerada pela abertura cognitiva dos sistemas autopoiéticos, é a mola propulsora de constante renovação do sistema. A autopoiese nos sistemas jurídicos reclama a existência de três características fundamentais: a auto-regulação, a auto-geração e a auto-referenciabilidade. A auto-regulação e auto-geração já foram tratadas no estudo dos sistemas dinâmicos e complexos. Relembrando, a auto-regulação consiste na propriedade que o sistema jurídico tem de, através dos mecanismos de feedback, alcançar o equilíbrio desejado, em virtude de entropia que exista. A auto-geração é a capacidade do sistema de gerar novos elementos, em virtude das mensagens enviadas pelo ambiente e por outros sistemas. A auto-referenciabilidade, portanto, apresenta-se como a fulcral característica dos sistemas autopoiéticos, sendo pressuposto da auto-produção. Pode a auto-referenciabilidade ser definida como a propriedade que o sistema comunicacional tem de reproduzir novos atos comunicativos em função dos comandos emitidos pela estrutura, pelo sistema e, principalmente, por elementos que apresentam como conteúdo a produção de outros elementos. No sistema jurídico constitucional brasileiro, a auto-referenciabilidade apresenta-se mediatamente nos princípios coordenadores do todo sistêmico a fins e objetivos determinados na Constituição Federal de 1988 e imediatamente nas regras de estrutura previstas no texto constitucional, que se caracterizam por atribuir efeitos a outras regras e por estabelecer condições e procedimentos para a produção de novas fontes normativas[28]. A auto-referenciabilidade dos princípios se faz presente com a produção de elementos normativos coadunados ao estado ideal de coisas guardado pelo sistema jurídico e por princípios como os da segurança jurídica, devido processo legal e certeza. Norma que não possua suporte principiológico, seja porque o princípio no qual foi inspirada não mais pertence ao sistema jurídico, seja porque o elemento normativo contraria princípios reputados como fundamentais pela sociedade num dado momento histórico, deve ser afastada. As regras de estrutura – também denominadas constitutivas[29] – são as principais responsáveis por desempenhar a auto-referenciabilidade no plano sintático do sistema jurídico. Objetivam as regras de estrutura conferir uma coerência nas relações que se formam entre as normas de um ordenamento jurídico. São exemplos de regras de estrutura as que disciplinam o processo legislativo e atribuem competência tributária: as primeiras fixam os parâmetros para a elaboração dos dispositivos normativos, as segundas delimitam o poder tributário[30]. No entanto, será na interpretação/aplicação do direito que a auto-referenciabilidade dos princípios e das regras sobrelevará a importância do aplicador do direito, destinatário das mensagens jurídicas e das mensagens do ambiente social, na renovação do sistema jurídico. O intérprete será o responsável pela construção de novas normas de decisão, muitas vezes com base nos mesmos dispositivos normativos, frente às necessidades políticas, econômicas e sociais. Em virtude do papel desempenhado pela Constituição Federal de 1988, toda norma construída pelo aplicador do direito, adequada ao disciplinamento do caso concreto, deverá ser realizada em consonância com os objetivos e fins previstos no texto constitucional. As considerações doutrinárias e jurisprudenciais erigidas a respeito de determinados dispositivos constitucionais ou acerca de determinados temas presentes no texto constitucional foram feitas em um determinado momento histórico, consoante as circunstâncias sociais. As mutações sócio-econômicas implicam em envio de novas mensagens ao sistema jurídico, que deverá enviar mensagens regradoras dos novos eventos sociais. Caberá ao intérprete, com base nos dispositivos constitucionais e legais que disponha, concretizar o direito através da construção da norma de decisão adequada ao caso concreto. No sistema constitucional brasileiro, os dispositivos legais e constitucionais são os parâmetros iniciais do intérprete. A edição de novas leis e emendas à Constituição é o meio democrático e legítimo para a elaboração de novas fontes normativas, mais específicas e condizentes com a situação evolutiva na qual se encontre a sociedade. Todavia, a edição de dispositivos legais e emendas ao texto constitucional, quando necessárias, demanda considerável lapso temporal, o que, em muitas situações, não pode ser suportado pela sociedade. A construção normativa adequada, nessa situação, resultará da interpretação/aplicação do direito, realizado com as mesmas fontes normativas, coadunadas às necessidades sociais, em atenção aos objetivos do sistema constitucional brasileiro. A interpretação jurídica adequada é aquela que tende a alcançar a homoestase no sistema jurídico. Interpretação que causa somente entropia não se coaduna ao sistema, pelo menos ao sistema posto. O que determinará a classificação de uma atividade interpretativa em entrópica ou não será a análise do caso concreto, frente aos objetivos, fins e valores presentes na Constituição. 2. Imunidades Tributárias no sistema jurídico brasileiro. As imunidades tributárias apresentam-se como normas constitucionais que delimitam o poder de tributar. Ao estabelecerem os contornos das competências tributárias, as imunidades impõem situações de intributabilidade que inviabilizam a cobrança de tributos em determinadas hipóteses. Como de um dispositivo da Constituição podem decorrer regras e princípios[31], uma lei que tenha o escopo de impor gravames fiscais às hipóteses abarcadas por imunidades tributárias não só é inconstitucional, como pode atentar simultaneamente contra direitos fundamentais e princípios jurídicos. Exemplo disso é a promulgação de lei que objetivasse a cobrança de Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) sobre a produção de livros.  Essa lei não só contrariaria o art. 150, VI, “d” e § 4º da CF, como ofenderia os direitos fundamentais a livre manifestação de pensamento e acesso a informação, previstos no art. 5º, IV e XIV, da CF/88. O juiz, aplicador do direito aos casos levados ao Poder Judiciário, conta com vasto acervo doutrinário e jurisprudencial para rechaçar tentativas estatais de se tributar as situações protegidas por imunidades tributárias. Entretanto, a não efetivação dos objetivos constitucionais que alicerçam determinada hipótese de imunidade nem sempre aparecem de forma explícita para os julgadores. A edição de leis tributárias inconstitucionais, como é o caso acima visto, é apenas um dos variados meios de se contrariar a Carta de 1988. Os valores prestigiados pela Constituição Brasileira devem ser efetivados, cabendo aos intérpretes a função de viabilizar a adaptabilidade do sistema jurídico aos valores e objetivos sociais fundantes da atual ordem constitucional. Os anseios sociais são diversos e devem ser atendidos na medida do que se apresente como razoável. Para tanto e com base na premissa fundada no capítulo 2 de que o sistema jurídico deve evoluir com o objetivo de melhor enviar mensagens normativas compatíveis com os objetivos do próprio ordenamento e com as necessidades sociais e econômicas, apresenta-se fundamental o estudo das imunidades tributárias, seus campos de atuação no ordenamento jurídico e a análise da potencialidade das normas imunizantes como instrumentos de que podem se valer os operadores do direito para realizar as finalidades estatais e sociais constitucionalmente respaldadas. 2.1 Evolução histórica das imunidades tributárias Desde o surgimento do dever de entregar valores à título de tributo para o Estado são constatadas situações de desoneração tributária. Inicialmente esses privilégios eram gozados por poucos e quase sempre as desonerações fiscais estavam desprovidas de justificação, que não fosse a concentração de poder nas mãos dos que estabelecem os tributos. Com o desenvolvimento da sociedade, foi-se percebendo que determinadas atividades ou pessoas não tinham possibilidade de contribuir para as despesas do Estado, seja pela ausência de capacidade contributiva, seja pela ilogicidade em se tributar. No Império Romano, por exemplo, havia o instituto da immunitas, que impedia a tributação de templos religiosos e bens públicos. Já na Índia, havia previsão no Código de Manu de intributabilidade de pessoas portadoras de enfermidades ou limitações físicas[32]. No específico caso do Brasil, os tributos e as relações jurídicas que deles decorrem estão presentes na história do país desde o seu descobrimento. A primeira relação jurídico-tributária envolvendo terras brasileiras ocorreu entre Fernando de Noronha e o rei Manuel I. Aquele teria o direito de explorar as terras da capitânia da Ilha de São João, hoje Ilha de Fernando de Noronha, e o dever de pagar à Coroa Portuguesa os tributos do quarto e do dízimo que incidiam sobre os rendimentos anuais[33]. No que atine à evolução das imunidades tributárias no sistema jurídico brasileiro, constata-se que na fase do Governo-Geral, mais precisamente, em 18 de março de 1578, foi celebrada uma Concórdia, modalidade de avença realizável entre Igreja Católica e Estado, no caso, o Reino de Portugal, que, dentre outras garantias conferidas à Igreja, vedava a inspeção alfandegária sobre suas rendas[34]. Esse acordo estendia-se sobre todo o reino português e, conseqüentemente, sobre a colônia brasileira. Estava nessa Concordata a primeira das manifestações do que se consolidaria como Imunidade Tributária dos Templos. A proclamação da independência do Brasil, em 1822, culminou com a edição da primeira Constituição pátria, a Carta de 1824. Na primeira Constituição brasileira encontram-se positivadas poucas situações de intributabilidade, todas baseadas no que se denomina atualmente imunidade do mínimo existencial: não se realiza a tributação quando inexiste capacidade contributiva e se percebe que a tributação nesses casos apresentaria evidente contorno confiscatório e desumano[35]. Estavam livres de tributação os socorros públicos e a instrução primária gratuita. Ainda sem um ordenamento jurídico tributário coeso, foi promulgada a Constituição Republicana de 1891, a qual trouxe avanços para o direito tributário nacional, como a discriminação de competências tributárias, a vedação do embaraço aos cultos pela tributação e a previsão da imunidade recíproca entre Estados e União (art. 10). A existência no texto constitucional da imunidade recíproca demonstra uma forte influência jurídica norte-americana sobre formação acadêmica do principal redator da Constituição, o jurisconsulto baiano Rui Barbosa, uma vez essa norma imunizante surgiu nos Estados Unidos da America[36]. Nessa esteira evolutiva, a Constituição de 1934 manteve os casos de imunidades tributárias previstos na Constituição anterior e inovou ao incluir expressamente os Municípios na imunidade recíproca. A Carta de 1934 instituiu também a imunidade tributária em relação a impostos que onerassem a profissão de escritor, jornalista e professor. A Carta de 1937 foi a mais modesta na temática das imunidades, tendo positivado inicialmente apenas a imunidade dos templos. A imunidade recíproca somente foi erigida ao texto da Constituição de 37 com Emenda Constitucional nº 09 de 1945. Já a Constituição de 1946 veio reafirmar avanços anteriores ocorridos, trazendo em seu texto diversas imunidades fundadas em direitos fundamentais. Pode-se afirmar que a base das imunidades tributárias previstas na Constituição de 1988 são baseadas no que ficou estabelecido na Carta de 46, principalmente após a edição da Emenda Constitucional nº. 18 de 1965. Inovações pontuais foram realizadas pela Constituição de 1967 e pela EC nº. 01/69, tendo sido mantidas as principais linhas da reforma tributária levada a efeito pela EC nº. 18/65, juntamente com a Lei nº. 5.172/66 (Código Tributário Nacional), que ganhou o status de Lei Complementar através do Ato Complementar nº 36, de 1967. A Constituição de 1988, por sua vez, trata, no capítulo intitulado “Do Sistema Tributário Nacional”, dos mais importantes princípios e regras aplicáveis aos fenômenos tributários do ordenamento jurídico brasileiro. Dentre os principais institutos do direito tributário, destacam-se, para o presente estudo, as Imunidades Tributárias. 2.2 Contornos caracterizadores das Imunidades Tributárias O instituto da imunidade tributária apresenta contornos que o torna típico do direito tributário brasileiro. Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e na Argentina, em que este tipo de impossibilidade de tributação decorre dos entendimentos jurisprudenciais das cortes constitucionais de cada um desses países[37], as imunidades tributárias estão positivadas na Constituição Brasileira. Interessante observar que a existência de imunidade tributária não depende da previsão expressa de um dispositivo constitucional. A imunidade recíproca, por exemplo, embora prevista no art. 150, VI, “a” da Constituição Federal, deriva necessariamente do princípio do federalismo. Mesmo que o constituinte originário não tivesse o cuidado de explicitar no texto constitucional a impossibilidade de tributação entre os entes que compõem o Estado Federal Brasileiro, a imunidade recíproca existiria[38]. A previsão constitucional das normas imunizantes confere às mesmas uma de suas principais características, qual seja, a de serem regras que estabelecem os contornos da competência tributária. As normas imunizantes, assim como os princípios jurídicos tributários, atuam reduzindo a amplitude das normas atributivas de poder. Da conjugação de normas negativas e atributivas do Poder de Tributar, surgem as competências tributárias. Ainda em relação à forma de atuação das imunidades tributárias no desenho das constitucionais competências tributárias, apresenta-se fundamental para a plena compreensão do instituto em análise a atenção ao “princípio da simultaneidade da dinâmica normativa”. Esse princípio – desenvolvido inicialmente para a explicação da fenomenologia do instituto da isenção tributária – traz a idéia de que as normas e princípios que limitam o poder tributário atuam simultaneamente com as normas atributivas. Em outras palavras, não ocorre uma sucessão dos efeitos atributivo e restritivo do poder tributário na criação de tributos: a possibilidade de criá-los decorre da conjugação das normas antagônicas[39]. Peculiaridades das imunidades tributárias se evidenciam quando se analisa as inter-relações estabelecidas entre as normas que conferem ao Estado o poder de tributar e as normas imunizantes. A primeira constatável é a endogenia, pois as imunidades tributárias atuam dentro do potencial alcance das normas atributivas do Poder de tributar. Como são endógenas, as normas imunizantes não tem sentido se consideradas sozinhas, constituindo verdadeiro non sense[40]. A segunda característica das imunidades tributárias, portanto, é que elas partem do pressuposto da existência de uma norma atributiva de poder de tributar. O terceiro aspecto decorre do primeiro e se refere à redução sempre parcial do plano normativo das normas que atribuem ao Estado o poder de tributar – se fossem reduções totais, as imunidades eliminariam a possibilidade de se instituir tributos. 2.2.1. Distinções necessárias O constituinte, em inúmeros dispositivos, tratou de imunidades tributárias utilizando o termo isenção[41]. Esses institutos, conquanto apresentem semelhanças[42], não se confundem e a atecnia empregada no texto constitucional não pode acarretar em prejuízos àqueles que se enquadram numa situação albergada por uma determinada imunidade tributária. As imunidades e isenções tributárias, embora regras de intributabilidade, são institutos diversos. As normas imunizantes definem constitucionalmente as competências tributárias e quando baseadas em direitos fundamentais não podem ser objeto de emendas à Constituição (somente com um novo Poder Constituinte Originário poderiam ser retiradas da ordem jurídica).  As imunidades tributárias configuram direitos fundamentais quando garantem princípios, valores e objetivos sociais reputados como necessários para o desenvolvimento harmônico da sociedade brasileira. O exercício das liberdades política, sindical, religiosa e de pensamento, por exemplo, não pode ser obstado pela tributação por força das imunidades tributárias previstas no art. 150 da CF. Essas normas imunizantes situam-se dentre os direitos fundamentais de primeira geração, de aplicabilidade direta e imediata, pois veiculam vedações ao Estado ao núcleo de liberdades titularizado pelos indivíduos. As isenções tributárias, entretanto, atendem a políticas fiscais dos entes tributantes, pois estão relacionadas ao exercício da competência tributária. As isenções existem dentro do campo tributável conferido pelas normas imunizantes, podendo ser revogadas ou ampliadas por meio de lei. Com a revogação de uma isenção fiscal, o exercício da competência tributária restabelece-se e as hipóteses tratadas na lei revogada passam a ser regradas pela que institui o tributo. Conjecturável semelhança, ante o exposto, apresenta-se como decorrente de um estudo perfunctório do direito tributário. Outra confusão terminológica que costuma ocorrer entre imunidade tributária e os casos incompetência ou não-competência tributária. A Constituição Federal de 1988 definiu quais tributos podem ser cobrados por cada um dos entes políticos que o integra. Em nenhum dispositivo constitucional foi atribuída a mais de um ente federativo a competência para criar o mesmo imposto. Com a definição constitucional dos arquétipos tributários e a atribuição dos tipos de tributos a cada um dos entes que compõem o Estado brasileiro, conclui-se que a impossibilidade de uma unidade federativa criar e exigir imposto próprio de outra não decorre de uma vedação imposta por imunidade tributária, mas sim da não atribuição de competência tributária a mais de uma entidade federativa. Exemplo de incompetência tributária é a impossibilidade de Município cobrar o Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. Aos Municípios não foi conferido o poder originário para exigir os tributos decorrentes da concretização dos fatos-geradores típicos do IPVA. Equivocado, portanto, afirmar que os cidadãos estão imunes ao IPVA cobrável pelo Município, pois este não tem competência tributária para instituir esse imposto. Finalmente, deve-se distinguir imunidades tributárias de princípios jurídicos tributários. Com base na prévia distinção realizada entre os tipos de normas e suas principais características (vide subitem 2.2.3), alocam-se as normas imunizantes no grupo das regras jurídicas e não no grupo dos princípios jurídicos, como alguns respeitáveis juristas podem entender[43]. As imunidades tributárias aplicam-se a situações específicas, delimitadas pelo constituinte, tendo, portanto, clara vocação para decidir os casos levados ao Poder Judiciário. As imunidades, embora destinadas imediatamente aos legisladores e aplicadores do direito, modalizam indiretamente condutas, na medida em que, ao preverem situações de intributabilidade, determinam a não tributação de comportamentos que ensejariam imposições fiscais. A alocação das imunidades tributárias no segmento das regras jurídicas, não deve extremar as normas imunizantes dos princípios jurídicos. Ao contrário, os aplicadores do direito deverão aplicar as regras sempre tendo em mente que elas foram produzidas com o objetivo de se alcançar uma situação ideal, uma finalidade. Da análise das imunidades tributárias da ordem constitucional brasileira é possível identificar que as mesmas estão baseadas em princípios jurídicos. Exemplo disso é imunidade recíproca, decorrente da existência e aplicação dos princípios do federalismo e da capacidade contributiva. Sem importar em confusão ontológica entre imunidades tributárias e princípios, evidencia a aproximação desses dois institutos a dupla função que exercem no desenho das competências tributárias: ao mesmo tempo em que estabelecem os limites às exações fiscais, delimitam os contornos do que é possível tributar, conferindo legitimação ao poder de tributar[44] 2.2.2. Classificação doutrinária das imunidades: análise e crítica. Com o escopo de melhor orientar os estudos sobre as imunidades tributárias, a doutrina pátria realiza algumas classificações desse instituto. Cumpre destacar, desde logo, que as classificações não são unânimes, atendo-se alguns doutrinadores a determinados pontos que são negligenciados por outros. A falta de homogeneidade poderia fragilizar o rigor científico necessário na ciência jurídica. No entanto, deve-se ter em mente que as classificações têm claro fim didático, pois servem para auxiliar na compreensão do instituto das imunidades tributárias por aqueles que estudam o Direito Tributário. A classificação das imunidades tributárias, portanto, variará conforme a análise e os pontos relevantes que um doutrinador entender pertinente à determinada classificação. Abordar-se-á neste trabalho as classificações mais comuns. 1. – As imunidades tributárias, quanto à abrangência, podem ser específicas ou genéricas[45]. As normas imunizantes gerais estão previstas no art. 150, VI da Constituição Federal e inviabilizam a cobrança de qualquer tipo de imposto que recaia sobre o patrimônio, renda ou serviços dos entes previstos nesse dispositivo constitucional, como é o caso das entidades sindicais de trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, desde que sejam atendidas as exigências legais. As imunidades tributárias específicas, entretanto, destinam-se a um tipo de tributo e, conseqüentemente, limitam o poder tributário de apenas um dos entes federativos. Exemplo de imunidade específica é a impossibilidade de se cobrar Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis (ITBI) em relação aos direitos reais de garantia, por força do art. 156, II da CF. Essa norma imunizante atua na definição da competência tributária dos Municípios e inviabiliza a cobrança de ITBI sobre hipoteca, prevista no art. 1.473 do Código Civil. 2. – No que pertine à fruição das imunidades tributárias, são elas classificadas em condicionadas ou incondicionadas[46]. Essa classificação decorre de outra, qual seja, a das normas constitucionais quanto à carga eficacial e aplicabilidade[47]. As imunidades condicionadas caracterizam-se por dependerem do atendimento a exigências legais instrumentais para que o beneficiado goze dos efeitos decorrentes da impossibilidade de tributação, como ocorre com a imunidade dos partidos políticos prevista no art. 150, VI, “c”, da CF. As imunidades condicionadas enquadram-se nas normas constitucionais de eficácia contida, pois se aplicam de imediato aos casos concretos, independentemente da lei prevista constitucionalmente existir ou não. Entender que as imunidades condicionadas alocam-se dentre as normas constitucionais de eficácia limitada implicaria, em alguns casos, na limitação dos direitos fundamentais protegidos por essas normas imunizantes devido à inércia do legislador infraconstitucional. Essa conclusão contrariaria as finalidades que embasaram a elaboração de determinadas limitações constitucionais ao poder de tributar e, portanto, não deve ser aceita. As imunidades tributárias incondicionadas, normas constitucionais de eficácia plena, operacionalizam seus efeitos imediatamente sendo impossível a limitação de sua carga eficacial por meio de lei ordinária ou complementar, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Para exemplificar, podemos apontar a imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, VI, “a”, como caso de norma imunizante incondicionada. 3. – A classificação das imunidades tributárias em subjetiva e objetiva[48] leva em consideração o fato da regra constitucional de intributabilidade existir em função das características de determinadas pessoas – imunidade subjetiva – ou devido a determinados fatos, bens e situações que o constituinte entendeu por bem proteger do Poder tributário – caso de imunidade objetiva. Essa classificação, assim como as outras, é meramente doutrinária, não atende às finalidades das normas imunizantes quando seguida peremptoriamente pelos aplicadores do direito. Interessante se revela a observação de Carrazza, que entende que as normas imunizantes, a rigor, são sempre subjetivas, pois beneficiam pessoas, direta ou indiretamente[49]. Caberá aos aplicadores do direito, na analise do caso concreto, a conclusão de ocorrência ou não de imunidade tributária para que os objetivos da norma constitucional se aperfeiçoem no mundo real, independentemente de qualquer classificação doutrinária erguida sem atentar para conseqüências sociais mínimas. 2.3 As Imunidades Tributárias e as Regras de Estrutura e de Comportamento 2.3.1 Regras de Estrutura e Regras de Comportamento Antes do estudo da classificação das regras em estruturantes ou comportamentais, se faz necessária a realização de alguns comentários acerca da Teoria dos juízos e do estudo dos imperativos. O Direito é uma ciência lógica e da mesma não pode se dissociar sob pena de incoerências e contradições no ordenamento jurídico. O pensamento lógico decorre do estabelecimento de juízos, que, por sua vez, podem ser definidos como relações feitas entre dois ou mais objetos, seja negando ou afirmando algo. Os juízos apresentam variadas classificações. Os principais para o estudo ora traçado são o juízo hipotético e o juízo categórico. Juízo hipotético é o estabelecido para negar ou afirmar uma relação de implicação feita entre uma condição prévia e uma hipótese. Um exemplo é a assertiva: se você estudar, passará no vestibular. O juízo hipotético (passar no vestibular) depende da concretização da premissa (se você estudar) para que se efetive. Nos juízos categóricos, no entanto, as afirmações ou negações independem de condição ou alternativa. Tem-se como exemplo a seguinte afirmação: Luíza é bonita. O fato de Luíza ser bonita não necessita de condição prévia para ocorrer. Luíza é bonita porque assim o crossing over determinou. Trazendo os conceitos lógicos dos juízos para a Filosofia, Immanuel Kant desenvolveu o estudo dos imperativos. Os imperativos são mandamentos e dividem-se em categóricos e hipotéticos[50]. Imperativos categóricos são ordens que prescrevem uma conduta racionalmente necessária por si mesma. Independem os imperativos categóricos de um fim externo, pois apresentam ações exigíveis e fundamentais para a manutenção da sociedade. Imperativos hipotéticos, entretanto, são proposições que guardam um fim alcançável pela realização de uma ação-meio. Os mandamentos hipotéticos assemelham-se a conselhos que o homem deve seguir para atingir um fim[51]. Com base na doutrina dos imperativos de Kant, Karl Engish propôs uma nova abordagem das normas jurídicas. Entende Engish que as regras jurídicas são essencialmente imperativos categóricos, pois exigem de forma incondicional, como é o caso da norma penal que proíbe o homicídio[52]. Não se deve matar porque tal conduta praticada livremente, sem as devidas sanções morais e estatais, impossibilitaria a coexistência dos homens. Atenta o jurista para o fato de que a análise da regra que impõe o dever de não matar não deve ser analisada sob a perspectiva de que se o homem estivesse preparado para passar a vida encarcerado estaria ele livre para escolher entre matar ou não. O dispositivo legal proíbe categoricamente o homicídio porque essa abstenção é um dever para o homem, ser social que é. As normas jurídicas também são imperativos hipotéticos (prefere Engish a denominação imperativos condicionais), pois estão ligados a pressupostos, expressos ou tácitos[53]. Quer o doutrinador afirmar que um comando jurídico seria aplicável no momento em que uma conduta humana realizasse o suporte fático previsto na regra jurídica, como acontece, por exemplo, na realização “in concreto” do fato gerador de um tributo previsto legalmente. A classificação das normas jurídicas em regras de estrutura ou regras de comportamento, fundamental para a qualificação das normas imunizantes, encontra alicerce nas análises jusfilosóficas dos imperativos. As regras de comportamento prescrevem condutas modalizáveis em proibidas, permitidas e obrigatórias. Como disciplinam comportamentos humanos, as regras exigem suporte fático para se aperfeiçoarem. Comparando o conceito de regras de comportamento com o de normas jurídicas como imperativos hipotéticos, percebe-se que essas definições possuem mesmas características: ambas necessitam de suporte fático e a sua realização in concreto para serem aplicadas. Somente com a perpetração (ou abstenção) da conduta prevista em lei, a hipótese legal será aplicável. Conclui-se, portanto, que as regras de comportamento são normas que se apresentam como imperativos hipotéticos. Regras de estrutura, entretanto, caracterizam-se por estabelecer condições e procedimentos para a produção de outras normas jurídicas, independendo de acontecimentos fáticos para a sua densidade normativa se materializar[54]. São exemplos as regras que disciplinam o processo legislativo. Objetivam as regras de estrutura conferir uma coerência nas relações que se formam entre as normas de um ordenamento jurídico, sejam estas regradoras do comportamento humano ou disciplinadoras das influências recíprocas estabelecidas entre as normas. Por possuírem como objeto os meios adequados para a elaboração de dispositivos legais, as regras de estrutura prescindem de suporte fático, ou seja, não prevêem uma conduta humana para que a norma seja aplicável. Como não necessitam de uma condição para operar os seus efeitos, as regras de estrutura possuem a essência dos imperativos categóricos. 2.3.2 Imunidade Tributária como Regra de Estrutura e os reflexos decorrentes dessa classificação no sistema jurídico brasileiro Analisando as imunidades tributárias, percebe-se que elas se enquadram na categoria das regras de estrutura. Ao delimitar constitucionalmente a competência tributária dos entes que compõem a República Federativa do Brasil, as normas imunizantes inviabilizam a criação de leis que tenham o escopo de tributar as situações, pessoas ou objetos albergados nas imunidades tributárias. Os destinatários imediatos das normas imunizantes não são os indivíduos, pois, como regras de estrutura que são, não modalizam diretamente o comportamento humano. As imunidades tributárias destinam-se ao legislador, responsável pela criação legal dos tributos – dentro do que for permitido constitucionalmente, e ao juiz, que exerce a jurisdição e é o responsável pela interpretação/aplicação do direito e pela formação da norma de decisão que irá disciplinar o caso concreto levado ao Judiciário. Em existindo imunidade não há que se falar em competência tributária e, portanto, inviabilizam-se quaisquer tentativas de tributação. Destaca-se, desde já, a importância suplementar das imunidades tributárias (imperativos categóricos) na interpretação/aplicação das normas regradoras de conduta, quais sejam, as leis impositivas de tributos (imperativos hipotéticos). O juiz, na análise dos casos levados ao Judiciário, não poderá negligenciar a influência exercida pelos valores e objetivos das normas imunizantes – regras de estrutura – sobre lei que veicule determinada exação fiscal – típica regra de comportamento. As imunidades tributárias funcionam como regras de estrutura mutiladoras de competência tributária e como vetores interpretativos fundamentais na análise dos casos que envolvam direito tributário levados ao Poder Judiciário. Deverá o aplicador do direito ao analisar lei tributária sempre atentar ao que está resguardado nas regras de estrutura para sanar a transgressão, direta ou oblíqua, e a não efetivação dos preceitos constitucionais que embasaram as imunidades tributárias. A Carta Magna não se interpreta fragmentariamente[55], sendo fundamental uma análise sistemática do texto constitucional para que se averigúe a possibilidade ou não da tributação. Essa interpretação sistêmica transcende a mera leitura dos arquétipos tributários e a verificação da ocorrência ou não deles no mundo fenomênico, recaindo, necessariamente, na análise das limitações constitucionais ao poder de tributar. Como já mencionado anteriormente, os tributos existem dentro do campo tributável fornecido pela Constituição, sendo os princípios jurídicos tributários e as normas imunizantes os elementos que delineiam as competências tributárias. As leis tributárias, portanto, devem respeitar não somente os mandamentos das regras de estrutura, mas, principalmente, aos objetivos destas, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. As leis tributárias impositivas de tributos derivam do permitido pelas imunidades tributárias. A competência tributária, portanto, pode ser entendida como decorrente dos limites permitidos pelas imunidades. Olvidar dos princípios e valores que inspiraram a elaboração das normas imunizantes implica na não concretização dos fins constitucionais e no distanciamento da situação ideal de coisas guardada por esses princípios constitucionais. 2.4 Conceito de Imunidade Tributária Com base nos elementos previamente expostos e elegendo as principais características do instituto, define-se imunidade tributária como regra de estrutura de intributabilidade constitucional, que impossibilita a tributação em função de qualidades específicas de pessoas, coisas ou situações, com o objetivo de viabilizar a concretização de direitos fundamentais ou assegurar o alcance de objetivos estatais estratégicos fundados em princípios constitucionais reconhecidos pelo sistema jurídico brasileiro. 3 A Imunidade Tributária dos templos de qualquer culto As imunidades tributárias previstas nos incisos do art. 150 da Constituição Federal existem no ordenamento brasileiro em função dos valores e objetivos que estão imanentes nesses dispositivos constitucionais. Uma das principais limitações constitucionais ao poder de tributar é a imunidade tributária dos templos de qualquer culto, que protege da tributação todas as possíveis manifestações religiosas e garante a promoção da liberdade de culto, direito fundamental previsto no art. 5º, VI da CF. Razões para essa proteção tributária não faltam. A hipossuficiência das entidades religiosas é clara, pois, como não objetivam lucros, as rendas auferidas servem para custear suas atividades e, quando possível, implementá-las, o que demonstra clara ausência de capacidade contributiva. Cumpre destacar que capacidade econômica há, pois se não houvesse, inexistiria razão para previsão de imunidade tributária. Não há que se confundir capacidade de contribuir com a capacidade de gerar riquezas ou auferir valores. A regra de intributabilidade constitucional parte do pressuposto da existência de fatos econômicos, por exemplo, a propriedade de imóvel ou veículo. Como esses bens pertencem à determinada entidade religiosa e estariam sujeitos, em tese, ao IPTU e ao IPVA, fundamental que se observe a existência de imunidade tributária e que se conclua pela intributabilidade dos fatos econômicos mencionados. Constatando-se interesse lucrativo em entidades religiosas, entretanto, a imunidade tributária deve cessar. Esse objetivo de lucro é visível quando a instituição religiosa destina suas rendas a fins diversos dos essenciais, não mais sendo desenvolvida atividade religiosa, que é o serviço de caráter público que alicerça a ocorrência de imunidade tributária. No caso concreto, levado ao Poder Judiciário, caberá ao juiz analisar a permanência ou não dos efeitos tributários decorrentes da norma imunizante. Quanto à classificação da norma imunizante em análise, compreende-se a imunidade tributária dos templos como incondicionada, não dependendo de outros expedientes legais para produzir seus efeitos[56]. Essa afirmação, consoante a redação do dispositivo constitucional que prevê a imunidade dos templos, está correta. Isso não significa, entretanto, que a norma imunizante não possui limites. Até o direito à vida, direito fundamental da maior relevância, em casos específicos, poderá ser excepcionado, como ocorre em tempos de guerra declarada, consoante o art. 5º, XLVII, “a” da CF. Não são inválidas, em virtude dos postulados da proporcionalidade e razoabilidade[57], exigências instrumentais por parte do Estado, que comprovem a regularidade, o caráter público e eminentemente social dessas entidades. O Estado deve saber quais são as entidades que gozarão de imunidade tributária para não cobrar tributo indevido e, principalmente, é sua obrigação ter ciência de quais são as instituições religiosas existentes para impedir que indivíduos torpes se utilizem desse benefício constitucional tributário em interesse próprio. Previsão legal dessas exigências há, no caso, o art. 9º, § 1º do Código Tributário Nacional (CTN). Exemplos dessas exigências são a inscrição devida como pessoa jurídica de direito privado (consoante o art. 44, IV do Código Civil), a escrituração de suas rendas que atestem a ausência de finalidades lucrativas e, principalmente, a destinação, ou não, das rendas decorrentes de atividades típicas e atípicas à consecução de suas finalidades essenciais. Essas condições exigidas pelo Estado não podem configuram limites ao exercício das liberdades religiosas, sob pena de clara inconstitucionalidade. De fato, essas exigências instrumentais legitimam as instituições que se enquadrem no benefício da imunidade religiosa, pois, com base na escrituração devida, poderão se opor contra inconstitucionais imposições fiscais. Ao se analisar o art. 14 do CTN, dispositivo legal que elenca algumas condições para determinadas entidades gozarem dos benefícios das normas imunizantes, percebe-se que o objetivo do legislador foi preservar as imunidades tributárias de possíveis distorções que contrariassem os interesses públicos em benefício de alguns particulares. Mesmo que o texto constitucional não faça qualquer menção a lei complementar instituindo requisitos legais para que a imunidade dos templos se aperfeiçoe, como faz nas imunidades das entidades sindicais e dos partidos políticos, defende-se o entendimento de que o art. 14 do CTN é aplicável à imunidade dos templos, porém, não como dispositivo legal que estabelece condições para o gozo da imunidade, mas como regra norteadora do aplicador do direito que, em suspeitando de desvirtuamento dos fins institucionais, tenha mecanismos de investigação. O intérprete não pode olvidar o fato de que quando não se tributa as entidades protegidas por normas imunizantes, a sociedade arca com essa receita tributária, que se dilui entre os demais contribuintes. Ilustrando o que se afirma, imagine-se que numa rua que esteja sendo saneada e asfaltada há a sede de um partido político. Os recursos que viabilizam as obras estatais têm origem nos impostos (IPTU, IR, ICMS, dentre outros). Mesmo não tendo contribuído financeiramente, em virtude dos efeitos da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, o partido político sediado no imóvel em análise gozará dos benefícios da atuação estatal. Essa repartição coletiva do ônus tributário é legitima, desde que as instituições albergáveis por regra imunizante desenvolvam as atividades e finalidades de caráter público, em benefício da sociedade brasileira, que suporta a carga tributária não recolhida por essas entidades. Em face ao exposto, deve-se concluir pela possibilidade de tributação da renda das entidades religiosas quando remetidas ao exterior ou investidas em fins impróprios. Como a renda decorrente dos serviços e atividades desenvolvidas pela entidade religiosa não está sendo aplicada em território brasileiro ou destinada a consecução das finalidades essenciais da instituição, o que beneficiaria a sociedade que arca com a carga tributária não recolhida por essas instituições, os benefícios decorrentes da norma imunizante devem cessar. Essa conclusão é de fundamental importância para o sistema concorrencial brasileiro. No sistema econômico, os agentes econômicos que formam a iniciativa privada se valem de seus recursos financeiros para alcançar seus objetivos lucrativos. E as perspectivas muitas vezes são desafiadoras: os recursos são escassos, a concorrência com empresas transnacionais é difícil e a burocracia tributária é elevada, dentre outros exemplos que ilustram o quão desafiador é atuar no sistema econômico brasileiro. Além dessas complicações típicas surgem outras que podem inviabilizar a concorrência, como é o caso de instituições que tenham o único objetivo de eliminar a carga tributária de suas atividades e aparentam se enquadrar numa situação de intributabilidade constitucional, como o da imunidade tributária dos templos de qualquer culto. Esse abuso no enquadramento de imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “b” da Constituição da República pode ocorrer de duas maneiras: a instituição se diz religiosa e não é ou a sociedade é, de fato, religiosa, mas não destina os valores auferidos através de suas atividades às suas finalidades típicas, ao contrário, revertem o obtido para empresas que possuem exclusivo objetivo de lucro como forma de beneficiar os integrantes da instituição religiosa. Essas situações, se não forem controladas pelo Estado brasileiro, acarretarão em claro falseamento de concorrência. Empresas que estejam legitimamente concorrendo no cenário econômico enfrentarão sociedades que não possuam tributação ou sejam destinatárias de recursos livres de impostos. Essas últimas sociedades poderão manter preço abaixo do praticado do mercado e ainda assim auferir lucro, o que ocorrerá em detrimento de empresas que não se valeram desse tipo de artimanha tributária. Não se trata de planejamento tributário, mas de desvirtuamento dos objetivos constitucionais que embasam a imunidade dos templos. Pela possibilidade de desvirtuamento da imunidade tributária dos templos é que determinados preconceitos vão se sedimentando na sociedade brasileira. Instituições religiosas sérias são equiparadas a outras que se valem do título de religiosa para escapar da tributação. A pré-concepção do que consiste imunidade religiosa é percebida em obras jurídicas e até em julgados das cortes brasileiras. A desfavorável situação tributária dos locais de culto, tema a seguir analisado, é reflexo desse preconceito que já se instalou a respeito dos temas que envolvam entidades religiosas, a norma imunizante prevista no art. 150, VI, “c” da Constituição e a liberdade concorrencial. 3.1 A afetação de determinado local a fins religiosos e os efeitos tributários decorrentes Consoante redação da regra prevista no art. 150, VI, “b” da Constituição Federal, a imunidade tributária é conferida aos “templos de qualquer culto”, o que remete o leitor, imediatamente, à conclusão pela impossibilidade de tributação do IPTU e ITR dos imóveis destinados à realização de cultos, pertencentes ou não a instituições religiosas. Outras situações de intributabilidade, entretanto, derivam desse dispositivo constitucional quando conjugado com o parágrafo 4º do mesmo artigo, que veda a tributação da renda, patrimônio e serviços de entidades religiosas, desde que relacionados com suas finalidades essenciais. O alcance da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, portanto, configura-se amplo, tendo clara vocação para proteger todas as manifestações do exercício da liberdade religiosa dos efeitos deletérios da tributação. Essa tendência protetora, entretanto, não se concretiza plenamente em muitas situações, tendo o princípio da livre concorrência sido utilizado pelo STF como um dos argumentos para se afastar a imunidade dos templos em situações que deveriam ser de intributabilidade. A norma imunizante, que de imediato teria o escopo de proteger os locais destinados a culto dos impostos prediais, não vem sendo aplicada de forma a impossibilitar a tributação de cemitérios, assim como de entidades religiosas desprovidas de imóveis e que arcam economicamente com o peso do IPTU ou ITR quando locatárias, ainda quando desenvolvem suas atividades nesses locais. Consoante o atual quadro de entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritários, pouco importa a destinação ou o uso de determinado imóvel para efeitos tributários. Uma igreja que esteja começando suas atividades religiosas e aluga um prédio para celebrar seus cultos arcará com o IPTU da mesma forma que um particular-locatário quando aluga imóvel para estabelecer comércio ou qualquer atividade de cunho privado. O mesmo raciocínio vale para o caso dos cemitérios: uma atividade dotada de elevada carga religiosa e, portanto, protegida constitucionalmente da tributação, é equiparada a qualquer atividade empresarial. Essa situação decorre de alguns fatores que agora serão enfrentados. Inicialmente, o problema reside na definição do que seria o termo “templo” e o seu respectivo alcance no mundo jurídico, em especial, no campo tributário. Algumas discordâncias ocorrem nesse tema, havendo doutrinadores que entendem que os veículos utilizados pelas instituições religiosas na manifestação de seus pensamentos religiosos estão enquadrados no termo templo[58], enquanto outros defendem que a residência de padres, bispos e demais chefes religiosos são extensões dos templos e, portanto, também imunes[59]. A doutrina é unânime ao menos em um ponto: as propriedades das instituições religiosas onde se realizam os cultos são imunes aos impostos que possam incidir sobre eles. Resta evidenciada, dessa forma, a importância conferida à destinação do prédio ao culto para efeitos de imunidade tributária, sendo o prédio afetado ao fim religioso o mínimo que deve ser protegido da tributação. A convergência doutrinária, entretanto, considera somente os impostos relativos ao patrimônio das instituições religiosas, não atentando à tributação indireta da renda delas através do IPTU ou ITR embutido em contrato de aluguel. Do mesmo modo ocorre com os cemitérios: quando essa atividade é desenvolvida por particulares, a tributação pelos impostos prediais é indevidamente exigida e posteriormente repassada aos familiares do morto quando do pagamento pelos ritos funerais. É cediço que os tributos diretos, como o IPTU, podem ser transferidos para terceiro, contribuinte de fato, que arcará com o ônus tributário[60]. Logo, a classificação doutrinária de impostos em diretos e em indiretos, alheia à realidade econômica, não protege as instituições jurídicas religiosas desprovidas de patrimônio próprio. No Brasil, muito já se debateu, principalmente nas décadas de 60 e 70, sobre a repercussão dos tributos na capacidade econômica dos entes imunes, quando figuram como contribuintes de fato. A controvérsia doutrinária, decorrente da classificação dos tributos em direto e indireto, estava em saber qual a interpretação correta: a interpretação jurídica (encampada por Bilac Pinto, que entendia ser estranha a figura do contribuinte de fato na relação jurídica tributária) ou a interpretação econômica (patrocinada por Aliomar Baleeiro, defensor da importância do contribuinte de fato na interpretação das imunidades tributárias, em especial, da imunidade recíproca)[61]. Em benefício do Fisco, a primeira tese prevaleceu e até hoje é a dominante. A despeito das interessantes teses supracitadas, a solução do problema posto não decorrerá do embate das interpretações jurídica e econômica e a escolha de uma delas, uma vez que na interpretação/aplicação do direito devem ser levados em consideração não só os efeitos jurídicos, como também os políticos, sociais e econômicos. A interpretação correta é aquela que atende aos fins constitucionais no caso concreto[62]. A necessidade de se considerar quem suporta de fato o ônus tributário torna-se claro ao se considerar as seguintes situações que demonstram a repercussão do IPTU no patrimônio de instituições religiosas ou, em outros casos, no patrimônio dos familiares do de cujus. Primeira hipótese: Entidade religiosa aluga imóvel para particular. Exemplo clássico, tratado por quase todos os doutrinadores que escrevem sobre a imunidade dos templos, que serve para ilustrar a permanência de imunidade ao IPTU, desde que o produto obtido dos alugueres seja revertido para a consecução das finalidades essenciais da Igreja. Por mais estranho que possa parecer não se vislumbra aqui, no que pertine ao IPTU, verdadeiro benefício da norma imunizante prevista no art. 150, VI, “b” e § 4º da CF para a entidade religiosa. A explicação é simples: o particular ao realizar contrato de locação com instituição beneficiada por regra de intributabilidade sabe que poderá melhor negociar a parcela do aluguel, uma vez que a igreja não paga o imposto que repercute no valor do contrato. O beneficiado, quanto ao IPTU, nesse caso, é o particular, não a Igreja, que, entretanto, será beneficiada no que se refere ao Imposto de Renda (IR), pois não terá que pagar imposto sobre o produto proveniente dos alugueis, obviamente, desde que destine esses valores à consecução de suas finalidades essenciais[63]. Segunda hipótese: entidade religiosa aluga propriedade para outra instituição de fins religiosos. Nessa situação as duas entidades restarão beneficiadas pela imunidade tributária dos templos, a primeira, no que se refere ao IR que incidiria sobre o produto proveniente dos alugueis, e a segunda quanto ao IPTU, que repercute economicamente no valor do aluguel, quando exigível, o que não ocorre no caso. Terceira hipótese: particular que aluga imóvel para entidade religiosa realizar cultos. Atualmente, o imposto sobre a propriedade continua a ser exigido do particular, o qual, provavelmente, transferi-lo-á ao contribuinte de fato (igreja) incorporado ao valor das mensalidades cobradas. Por mais que se trate de um imposto direto, a tributação indireta da renda da igreja é patente e, conseqüentemente, contrária aos objetivos da norma imunizante prevista no art. 150, VI, “b” da CF. Quarta hipótese: particular explora terreno como cemitério. E esse é caso emblemático do estudo aqui realizado. Os objetivos constitucionais de intributabilidade das manifestações de religião não são observados na realidade brasileira, tendo em vista que a tributação pelo IPTU e ITR continuarão. A injustiça fiscal se apresenta ainda mais flagrante quando se constata que a tributação imposta ao proprietário ou locatário de imóvel destinado a exploração de cemitério será repassada aos familiares do morto. O Fisco não respeita sequer a última morada do cidadão brasileiro. Na realidade posta, o não atendimento aos fins constitucionais é tão marcante que ao compararmos a situação aqui trazida com a da primeira hipótese verificaremos que a manifestação religiosa em determinado espaço – atividade de nítido caráter público e social que embasou a proteção constitucional contra a tributação estatal – pouco importa para a inexigibilidade do tributo. No primeiro caso, a instituição religiosa, detentora de mais de uma propriedade – o que já denota razoável caráter econômico e a possibilidade de tributação – aluga imóvel seu para particular, deixando de exercer os objetivos primários a que se destina, qual seja, a de propagar o seu culto. No terceiro exemplo, que é o da igreja que aluga imóvel de particular para celebrar eventos religiosos, a instituição religiosa arca financeiramente com o gravame fiscal do IPTU. Na quarta hipótese a situação jurídico-fiscal é ainda pior: tributa-se local destinado a culto e a carga fiscal é arcada por indivíduos em um dos piores momentos de suas vidas, qual seja, o da perda de um ente familiar. A não consideração para efeitos tributários da destinação de imóvel afetado a promoção da liberdade religiosa contraria os objetivos constitucionais, conforme interpretação da imunidade dos templos prevista no art. 150, VI, “b”, conjuntamente com o art. 156, § 1º, II da CF. Este dispositivo constitucional informa que o uso do imóvel pode influenciar na alíquota do IPTU a ser fixada. Evidente, portanto, a influência sócio-econômica do uso de imóvel na tributação[64]. Sensível ao problema de instituições religiosas que arcam indiretamente com o IPTU e com base nos fins protegidos pela Constituição Federal, o legislador paulista elaborou a Lei 13.250/01 concedendo isenção para os imóveis que forem alugados a entidades religiosas e que sejam utilizados como locais para a promoção de culto religioso. Trata-se aqui de isenção que decorre diretamente da imunidade tributária dos templos, que é regra de estrutura, e do art. 156, § 1º, II da CF. Como já se abordou em tópico anterior, as imunidades tributárias possuem ampla atuação, pois são, ao mesmo tempo, vetores interpretativos, regras de estrutura responsáveis pelo estabelecimento de competências e, consequentemente, normas que disciplinam a elaboração de leis. A Lei 13.250/01 apenas explicita o que o constituinte objetivou ao estabelecer a imunidade tributária dos templos, no caso, livrar das entidades religiosas o peso dos impostos em suas rendas, serviços e patrimônio[65]. A lei supramencionada apenas explicita a intributabilidade nos casos em que entidades religiosas figurem como locatárias de imóveis e não trate do caso dos cemitérios explorados por particulares. Entretanto, a existência de lei que traga regra de intributabilidade de imóvel afetado a liberdade religiosa não é condição sine qua non para que o aplicador do direito decida pela impossibilidade de tributação de imóvel afetado a fim religioso. Pouco importa quem é o proprietário do imóvel, se particular, entidade religiosa ou não. Havendo destinação de terreno à atividade recamada de religiosidade há que se respeitar a imunidade prevista no art. 150, VI, “b” da Constituição. O juiz, com respaldo na Constituição e atentando aos efeitos prejudiciais que decorrem da tributação indireta do IPTU, poderá decidir pela intributabilidade no caso concreto prescindindo de lei que traz regra de isenção e decorre necessariamente de imunidade tributária. O aplicador do direito deve ser sensível ao efeito econômico do IPTU sobre a igreja que aluga imóvel para realizar cultos, ainda que o imposto seja pago pelo contribuinte de direito, no caso, o particular, sob pena de não concretizar o objetivo maior da imunidade tributária dos templos, qual seja, proteger as entidades religiosas dos óbices decorrentes da tributação. O problema na interpretação acerca da imunidade dos templos surge quando o intérprete parte do pressuposto de que a imunidade dos templos classifica-se como subjetiva. 3.2 Imunidade tributária dos templos entendida como imunidade híbrida. Numa primeira leitura do texto constitucional, pode o intérprete entender que a norma imunizante prevista no art. 150, VI, “b” da CF enquadre-se como imunidade objetiva, protegendo da tributação somente os lugares destinados ao culto religioso, que é a primeira acepção dada ao termo templo. Entretanto, com base no § 4º do mesmo artigo constitucional, que impossibilita a tributação das rendas, serviços e patrimônios das entidades religiosas, desde que destinados a realização de suas finalidades essenciais, e levando em conta as características das entidades religiosas, quais sejam, prestação de serviço e exercício de atividades de caráter e interesse público, não objetivação de fins lucrativos e garantia de que o princípio da liberdade de crença seja respeitado, concluiu a doutrina majoritária brasileira que a norma imunizante existe em função das características da instituição religiosa sendo, portanto, imunidade tributária subjetiva[66]. Sendo imunidade subjetiva, resta protegido da tributação aquilo que é de propriedade da igreja, como terrenos, prédios e veículos. A conclusão pela classificação da imunidade dos templos em subjetiva, entretanto, negligencia a atual situação das sociedades que desenvolvem as atividades de cemitério e ignora a repercussão tributária de determinados impostos. De acordo com o texto constitucional, inviabiliza-se a cobrança de impostos sobre os templos de qualquer culto. Templos, dessa forma, podem ser conceituados como locais públicos destinados às manifestações religiosas[67]. Conclui-se, portanto, pelo claro objetivo da Constituição Federal em tornar imunes ao IPTU ou ao ITR as propriedades afetadas a fins religiosos. Fortalecendo essa forma de pensar, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto, no julgamento do Recurso Extraordinário 544.815/SP, se manifestou no sentido do dever de se reconhecer a imunidade tributária dos imóveis afetados a fins religiosos. O caso levado ao STF trata de um terreno que é alugado a uma empresa privada que o explora como cemitério particular. De acordo com o ministro, os cemitérios estão recamados de religiosidade, de um sentimento puro, valendo o local do culto, para fins de imunidade tributária, por si mesmo, não importando o fato de que a entidade que o mantenha seja empresa privada e que mantenha o local explorando atividade econômica[68]. Esse preciso pronunciamento do ministro Ayres Britto foi realizado após o voto do relator ministro Joaquim Barbosa que entendeu pela inexistência de imunidade no caso em análise. Partindo do pressuposto de que a imunidade dos templos configura imunidade subjetiva e de que a imunidade não deveria existir nos cemitérios explorados por sociedades que objetivam lucro como forma de se atender ao princípio da livre concorrência, o ministro esposou voto pela necessidade de se tributar os terrenos explorados pela sociedade como cemitério particular. O voto foi seguido por outros ministros e após o voto do ministro Ayres Britto, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Celso de Mello. Da análise da situação que se apresenta e do texto constitucional, percebe-se que a Constituição objetivou tornar os locais recamados de religiosidade imunes ao IPTU, seja diretamente (quando igrejas proprietárias de imóvel) ou indiretamente (quando particulares desenvolvem atividades de cemitério, ou quando igreja figura como locatária de imóvel de particular, estando o mesmo afetado ao fim a que as entidades religiosas se destinam, qual seja, a promoção de cultos – afetação finalística bem). Não há argumento plausível que possa sustentar a tributação de situação constitucionalmente intributável. Argumentar aprioristicamente que terrenos explorados por empresas como cemitérios particulares devem ser tributados por respeito ao princípio da livre concorrência se equipara a alegar que livros ou revistas devem ser tributados como forma de se aumentar a arrecadação estatal. Não adiante se valer de finalidade prestigiada pelo sistema jurídico ou de argumento respeitável se inaplicável ao caso concreto. Não há que se falar em ofensa ao princípio da livre concorrência no caso de existência de imunidade dos cemitérios explorados por sociedades com intuitos lucrativos. Essas instituições não são as únicas que exercem atividades com objetivo de lucro e que se encontram protegidas constitucionalmente por norma imunizante. São exemplos disso as empresas beneficiadas pela imunidade dos livros e imunidade das exportações. Nessas situações, assim como no caso levado ao STF, em nada importa para a configuração de imunidade a existência ou não de fins lucrativos pela empresa. A classificação da imunidade tributária dos templos em objetiva ou subjetiva finda por não efetivar o princípio da não obstância dos direitos fundamentais por via da tributação, pois negligencia os objetivos constitucionais e os familiares do de cujus como contribuintes de fato. O Direito brasileiro não ignora o contribuinte de fato, que é uma realidade jurídica[69], econômica e, principalmente, social. Não relevar essa realidade devido a construções jurídico-doutrinárias, como a divisão dos tributos em direto e indireto, imunidade subjetiva e objetiva, bem como imunidade incondicionada e condicionada, acarretará na não concretização dos fins constitucionais. No específico caso da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, a tributação apresenta-se ofensiva aos direitos fundamentais quando um particular desenvolve a atividade de cemitério e é tributado pelo imposto predial e repassa aos familiares do morto o peso da carga tributária. Essa situação contraria os objetivos constitucionais de proteção aos locais de culto, bem como onera indevidamente os indivíduos num momento tão difícil, que é o enterro de um integrante da família. O também fundamental direito à livre concorrência não pode ser utilizado para se viabilizar tributação de situação protegida pelo texto constitucional dos efeitos deletérios da imposição fiscal. Para fins doutrinários, poder-se-ia classificar a imunidade dos templos de qualquer culto como imunidade híbrida ou mista[70], apresentando contornos de imunidade subjetiva – em função da pessoa jurídica responsável pelo exercício de atividades de cunho religioso – e objetiva – em virtude da afetação de determinado local a pratica de cultos. Somente com essa dupla atuação da norma imunizante poderá ser realizada justiça fiscal, inviabilizando-se a cobrança de impostos daqueles que não devem e daqueles que não podem arcar com pesado ônus tributário. 4 Considerações finais A imunidade tributária dos templos de qualquer culto é norma constitucional que possui uma potencialidade ampla de ser utilizada na interpretação/aplicação do direito para efetivar o direito fundamental à liberdade religiosa. Infelizmente, devido à falta de sensibilidade dos juristas brasileiros, que não atentam para a tributação indireta da renda das entidades que exercem atividades de cunho religioso, e em função de construções doutrinárias, em especial, a classificação da imunidade dos templos como imunidade subjetiva, os objetivos constitucionais que embasam a norma imunizante em analise não são concretizados na realidade. Atualmente, as instituições religiosas que estão razoavelmente consolidadas não pagam tributos que poderiam ser exigidos em virtude do patrimônio, renda e serviços que possuem e desenvolvem. Essa impossibilidade decorre diretamente da Constituição de 1988. Agora, quem sequer tem capacidade econômica para comprar prédio e promover culto religioso e tem que alugar imóvel para esse intento paga pelo IPTU que se dilui nas parcelas de locação. Tributa-se, portanto, as instituições mais carecedoras de proteção dos efeitos prejudiciais que decorrem da exigibilidade de tributo. O problema da repercussão tributária na renda das entidades protegidas por imunidade não se refere apenas às instituições religiosas. Sindicatos, partidos políticos e instituições de educação e de assistência social também arcam com o tributo que se dilui nos contratos de aluguel em que figurem como locatárias. Essa situação contraria os objetivos constitucionais previstos no art. 150, VI, “c” da CF, como também os dispositivos da Constituição que asseguram a liberdade política, sindical e o livre acesso à educação. As imunidades tributárias estão sendo interpretadas (e aplicadas) parcialmente, não tendo seus intentos protetivos efetivados na sociedade. Com o objetivo de facilitar a compreensão de como as imunidades tributárias podem atuar nos casos concretos, propõe-se a classificação da imunidade tributária dos templos como híbrida, em decorrência da necessária atenção que deve ser dada a afetação de determinado local a fins religiosos. A imunidade dos templos, portanto, configura-se tanto em função da entidade religiosa, como em decorrência da destinação de prédio ou imóvel a atividades religiosas, mesmo que a igreja não seja a proprietária de imóvel, e sim, particular. Exigências poderiam ser estabelecidas pelo juiz, no caso concreto, para que os benefícios da intributabilidade fossem percebidos pelos que desenvolvem atividades de cunho religioso e são locatários de imóveis, como a escrituração contábil das rendas auferidas pelas entidades e a permanência no determinado local por um ano ou período maior, bem como a fiscalização tributária para conferir se a propriedade, de fato, está voltada a fins religiosos. Poderia ser ventilada a possibilidade de existirem fraudes contra o Fisco em função desse entendimento que está sendo proposto ao instituto da imunidade tributária. Porém não é por falta ou falha de fiscalização que não se deve garantir a efetivação dos valores inerentes às imunidades tributárias na sociedade. As imunidades tributárias configuram direitos fundamentais e com base nos objetivos e dispositivos da Constituição devem ser aplicadas e entendidas. Não se trata de interpretação extensiva, mas de interpretação conforme o texto constitucional, a única forma de se interpretar e entender o ordenamento jurídico que deve existir num Estado Democrático de Direito.
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Nulidades da certidão de dívida ativa e execução fiscal
O presente estudo parte de uma abordagem interdisciplinar entre o Direito Processual Civil, Administrativo e Tributário, sem se afastar da Teoria Geral do Direito. A sua desenvoltura está focada em demonstrar os vícios que podem macular a Certidão de Dívida Ativa – CDA, considerando-a um ato administrativo e, em consequência, a regência do regime jurídico administrativo. Assim, os requisitos, bem como os defeitos estão divididos e especificados como gerais e especiais, sendo os primeiros os do ato administrativo em geral e os últimos, os da CDA. Ainda, aborda as consequências que cada vício acarreta na higidez da CDA, a sua repercussão no processo de execução fiscal e, por fim, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito. Há, finalmente, uma análise crítica da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no tocante à substituição da CDA no curso de uma execução fiscal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A Certidão de Dívida Ativa é um título executivo extrajudicial que embasa uma execução fiscal, regida pela Lei 6.830/80. Assim, é imperioso verificar a sua natureza jurídica, pois é ela quem vai determinar o regime jurídico regente, incluindo as regras acerca de vícios e suas consequências jurídicas. Com efeito, considerando a CDA, por exemplo, como um ato regido pelo Código Civil, não terá ela a presunção de veracidade, de legitimidade e de legalidade, e estará sujeita aos vícios dos negócios jurídicos, etc. Contudo, a CDA é uma espécie de ato administrativo, incidindo o regime jurídico administrativo, o que é demonstrado e comprovado categoricamente no presente trabalho. Sob outra perspectiva, é sabido que a CDA, como título executivo extrajudicial, justifica a propositura de uma ação executiva, sendo que qualquer vício que macula este ato administrativo afeta, em tese, diretamente à tramitação desta ação. Dessa maneira, é inegável a importância do estudo acerca dos vícios da CDA e as suas consequências jurídicas; se são sanáveis ou não; se sim, até que momento, etc. Por fim, a nulidade da CDA também é um tema bastante discutido no Poder Judiciário, o que ressalta ainda mais a importância de se fomentar novos enfoques sobre a controvertida temática. Assim, este artigo traz à baila a atual tendência jurisprudencial, acompanhada dos fundamentos jurídicos que a embasam, buscando tecer considerações críticas a respeito. 1 – AÇÃO DE EXECUÇÃO No sistema brasileiro processual, considerando-se a força do efeito que o demandante procura produzir, vislumbra-se cinco classes autônomas de ações, quais sejam, a declarativa, condenatória, constitutiva, mandamental e executiva. É certo que este posicionamento não é unânime na doutrina, mas é o adotado por este trabalho, diante da sua utilidade prática e por ser o entendimento mais aceito. Nas ações com eficácia declaratória, objetiva o demandante extirpar incerteza, por meio de autoridade da coisa julgada, sobre a existência ou não de relação jurídica, a autenticidade ou a falsidade de documento, conforme o art. 4º do Código de Processo Civil. Já as constitutivas implicam mudança da relação jurídica, criando, modificando ou extinguindo-a. Há eficácia inovadora. Nas condenatórias, há, na verdade, duas declarações: uma declara o direito posto em causa, e a outra, impõe uma sanção ao demandado. Nas mandamentais, há coercitividade contra o demandado, além da ocorrência ulterior ao provimento neste processo de ato executivo. Por fim, há ações em que o provimento judicial é dotado de eficácia executiva, em que se situa a ação de execução, objeto do presente estudo. Nestas, há efetiva retirada do valor do patrimônio do executado para por no do exequente. Explica a sua peculiaridade Araken de Assis: “Tem o ato executivo de peculiar, distinguindo-o, destarte, dos demais atos do processo e dos que do juiz se originam, a virtualidade de provocar alterações no mundo natural. Objetiva a execução, através de atos deste jaez, adequar o mundo físico ao projeto sentencial, empregando a força do Estado (art. 579 do CPC). Essas modificações fáticas requerem, por sua vez, a invasão da esfera jurídica do executado, e não só do seu círculo patrimonial, porque, no direito pátrio, os meios de coerção se ostentam admissíveis. A medida do ato executivo é seu conteúdo coercitivo”[1]. Ensina com propriedade o atual Ministro de STF, Teori Zavascki, que há três momentos da atuação ou incidência das normas, em se tratando de execução forçada. “O fenômeno da atuação das normas no plano social comporta três momentos bem distintos: primeiro, o da formulação abstrata dos preceitos normativos; segundo, o da definição da norma para o caso concreto; e terceiro, o da execução da norma individualizada. A formulação abstrata dos preceitos normativos, ou seja, a criação das normas (momento 1) é atividade pública monopolizada pelo Estado-legislador. Já a definição da norma concreta, é dizer, a identificação da norma individualizada que se formou, concretamente, pela incidência da norma abstrata (momento 2), bem como a sua execução, ou seja, a sua transformação efetiva em fatos ou comportamentos (momento 3), são atividades que não demandam, necessariamente, o concurso ou a intervenção estatal.”[2] Assim, define a execução forçada como a “efetivação de norma jurídica concreta cuja existência e conteúdo se exterioriza mediante forma prevista em lei. O título executivo é, portanto, sob o aspecto substancial, uma norma jurídica individualizada que a representam”[3]. 1.1. Princípios informadores. Neste contexto, imperioso recordar sobre os princípios que informam o processo de execução, pois apenas dessa maneira é possível corretamente interpretar qualquer disposição legal acerca desta ação. Como princípios que informam o processo de execução, podemos citar os seguintes: efetividade, tipicidade, boa-fé processual, responsabilidade patrimonial, primazia da tutela específica, contraditório, menor onerosidade da execução, cooperação, proporcionalidade e adequação. O princípio da efetividade, extraído do devido processo legal, determina que os direitos devem ser, além de reconhecidos, efetivos, garantindo o direito fundamental à tutela executiva, com meios executivos capazes de proporcionar pronta e integral satisfação a qualquer direito. O da tipicidade estabelece que terá tutela executiva apenas quando houver previsão legal, o que se mostra insuficiente no mundo em que vivemos. Assim, foi cedendo lugar ao princípio da concentração dos poderes de execução do juiz, permitindo ao juiz se valer de meios executivos mais adequados ao caso concreto. O princípio da boa-fé processual refuta atos desleais, abusivos e fraudulentos, nos termos do art. 14, II, CPC; e o da responsabilidade patrimonial determina que apenas o patrimônio do devedor ou de terceiro responsável pode ser objeto da atividade executiva do Estado. Pelo princípio da primazia da tutela específica ou da maior coincidência possível ou do resultado, extrai-se o dever de propiciar ao credor a satisfação da obrigação como se o devedor tivesse cumprido espontaneamente, devendo as regras processuais se adequar para atingir este resultado. O princípio do contraditório determina a efetiva e adequada participação dos sujeitos interessados ao longo do processo. O princípio da menor onerosidade da execução está estampado no art. 620, CPC, em que há vedação de execução desnecessariamente onerosa ao executado, ou melhor, a execução abusiva. O princípio da cooperação reforça a ética processual e o princípio da proporcionalidade resolve os conflitos entre diversos princípios, principalmente entre o da efetividade e o da dignidade da pessoa humana, sobretudo atinente aos poderes do juiz. Por fim, o princípio da adequação estabelece que os atos executivos devem ser adequados ao direito tutelado. Assim, por exemplo, em se tratando de execução de prestação alimentícia, há previsão de prisão civil como meio de coerção, diante da essencialidade desta verba. 1.2. Título executivo e Certidão de Dívida Ativa Entende Liebman que título executivo é o ato pelo qual há a constituição da vontade sancionatória do Estado. Esta posição é criticável, pois os títulos executivos extrajudiciais, para a sua constituição, não houve a participação do Estado, não se cogitando de sua “vontade sancionatória”. Por outro lado, Carnelutti considerava como prova legal do crédito, o que também merece crítica, por subestimar os seus aspectos substanciais, assim, ele mesmo reviu este posicionamento em seus últimos escritos. Com efeito, prova tem por objetivo verificar a existência histórica de um fato, e não da sua eficácia jurídica, da existência de relação jurídica, o que representa, na verdade, o título executivo. Assim, ponderou bem Chiovenda os elementos formais e substanciais do título executivo, em que o aspecto substancial é verificado como ato jurídico de que resulta a vontade concreta da lei, e o formal, como documento em que o ato se contém. Este é o entendimento hoje predominante, não só no sistema jurídico brasileiro, mas também no direito comparado. Analisando mais profundamente o tema, Teori Zavascki concluiu que, na verdade, o conteúdo do título executivo é mais do que um ato jurídico, pois trata-se de uma norma jurídica concreta e individualizada. Substancializa, logo, a relação jurídica e permite a tutela executiva: “Ao sustentarmos que o conteúdo do título executivo é uma norma jurídica concreta, individualizada, estamos afirmando que ele não só (a) espelha a relação jurídica exsurgente da incidência da norma abstrata sobre o suporte fático, mas, mais que isso, que ele (b) é portador de uma eficácia típica: a de autorizar a outorga de tutela jurisdicional executiva. Essa eficácia não decorre de ato de vontade nem de sentença. Decorre, sim, da própria norma jurídica, da qual é parte essencial.”[4] O aspecto formal dos títulos é desenhado pelo próprio sistema, não sendo uniforme para todos os títulos. Há particularidades específicas para cada uma de suas espécies, como pode ser verificado, por exemplo, nos arts. 584 e 585, CPC. Neste contexto se insere a certidão de dívida ativa, pois trata-se de um título executivo extrajudicial, que permite o ajuizamento de execução fiscal. Há requisitos gerais e próprios, como será adiante tratado. 2 – CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA A emissão de uma Certidão de Dívida Ativa – CDA pressupõe a existência de uma relação jurídica tributária, em que o sujeito passivo não efetuou o recolhimento do tributo devido no seu vencimento, o que autoriza a inscrição em Dívida Ativa e, em seguida, a emissão da CDA para possibilitar a execução judicial. Assim, cabem algumas considerações acerca da relação jurídica tributária e inscrição em Dívida Ativa, antes de adentrar propriamente o estudo da CDA. 2.1. Fato Gerador A relação jurídica tributária apenas pode ser constituída com a ocorrência do fato gerador, realizado no plano concreto. Para Amílcar de Araújo Falcão, pioneiro no estudo da matéria no direito brasileiro, fato gerador seria definido como “o fato a que o legislador vincula o nascimento da obrigação jurídica de pagar um tributo determinado”[5]. A utilização da expressão fato gerador, todavia, é fonte de acerbadas críticas doutrinárias. Alfredo Augusto Becker chegou a afirmar: “Esta última expressão é a mais utilizada pela doutrina brasileira de Direito Tributário e, de todas elas, a mais infeliz porque o ‘fato gerador’ não gera coisa alguma além de confusão intelectual”[6]. E a razão é simples: ora a expressão é utilizada no sentido de hipótese de incidência, ora no de acontecimento no mundo dos fatos que dá azo ao nascimento da obrigação tributária. Com relação à expressão fato imponível, também há críticas, pois, considerando-se que não há fato antes da incidência, o termo imponível é inadequado face à já ocorrência da tributação. Outra consideração é que essa expressão liga-se à imposição, compreendendo apenas impostos. O próprio CTN é fonte de confusão, utilizando, por exemplo, nos seus artigos 4º, 16, 105, 113, §1º, 114, e 144, a expressão fato gerador ora num, ora noutro sentido. Enquanto os arts. 4º, 16 e 114, tratam como fato gerador a situação abstratamente prevista em lei, os arts. 105, 113, §1º e 144, sugerem situações concretas das quais surge a obrigação tributária. Após a demonstração de críticas existentes no tocante à expressão “fato gerador”, Luciano Amaro[7] não entrevê qualquer repugnância o seu uso para designar o fato que gera a obrigação tributária em concreto, é exatamente ele quem confere a existência da obrigação. Apesar deste conceito se encaixar melhor no fato concreto, o Autor não vê sério problema no seu emprego ambivalente, pois o termo “crime”, por exemplo, também é usado ora como previsão abstrata legal ora como a sua verificação no mundo fático, o que não prejudicou a evolução do Direito Penal. 2.2. Momento da instauração da relação jurídica tributária A verificação do momento de instauração da relação jurídica tributária é também objeto de controvérsia doutrinária. Tradicionalmente, com base na teoria da incidência automática e infalível das normas jurídicas de Pontes de Miranda, afirmava-se que essa relação era constituída no momento em que ocorria o fato descrito na lei como tributário no mundo factual, pois é neste instante em que há a incidência automática e infalível da norma jurídica. Todavia, a constituição do crédito, que seria a formalização da obrigação tributária já existente, só se observaria com o lançamento (de ofício ou por declaração) ou com o “lançamento por homologação”, que, na verdade, não se trata de lançamento por ser um ato praticado pelo sujeito passivo. José Wilson Ferreira Sobrinho, Brandão Machado, Paulo de Barros Carvalho e Marcos Bernardes de Mello, dentre outros, criticam a teoria da incidência infalível e automática das normas jurídicas, sustentando que a incidência da norma só se dará com a participação do homem, todavia, não se convergem sobre o tipo de participação. Paulo de Barros[8], citando Tércio Sampaio Ferraz que diferenciou os fatos dos eventos, sendo estes as situações existenciais e aqueles um elemento linguístico capaz de organizar os eventos como realidade, explica que as proposições dos fatos devem assumir enunciado verdadeiro, aquele que expressa o uso de linguagem competente. Os enunciados factuais podem ser por meio de linguagem descritiva (valor lógico: verdadeiro ou falso); prescritiva (válido ou inválido); e performativo (eficaz ou ineficaz). Esses enunciados devem ser determinativos, pois reclamam a identificação da ocorrência do evento num intervalo de tempo e num ponto do espaço, sem excluir a possibilidade de constituição de conjuntos que recebem, um a um, as ocorrências factuais que venham a suceder (tabular: enumera os indivíduos que o compõem; forma-de-construção: indica nota(s) que o indivíduo precisa ter para pertencer à classe ou ao conjunto). No direito positivo, o fato (articulação de linguagem organizada) corresponde ao antecedente das normas individuais e concretas, isto é, enunciados denotativos. Já as normas jurídicas gerais e abstratas têm feição predominantemente de enunciados conotativos ou classes, pois são formados com predicados que os enunciados factuais devem conter. Em outros termos, os enunciados conotativos precisam de enunciados denotativos das normas individuais para atingirem a concretude da experiência social. Para este Autor, eventos se tornam fatos sociais, no momento em que há relevância social, que, por sua vez, se tornam fatos jurídicos, na hipótese em que há linguagem competente juridicizando-o. Aduz ainda que “(…) Se o direito pretende governar as condutas intersubjetivas, impulsionando-as em direção a certos valores, há de empregar a linguagem numa função suficientemente forte para atingir seus objetivos, que não serão simplesmente descritivos de eventos e de condutas sociais. Suas proposições prescritivas (Ldp) vertem-se sobre a realidade social (Lrs) para construir o plano da facticidade jurídica (Lfj) (…)”[9] Em suma, tradicionalmente, entendia-se que a obrigação tributária ou relação jurídica tributária nascia no momento da verificação do fato descrito em lei no mundo factual, tendo em vista a incidência automática e infalível da norma jurídica, sendo que o crédito tributário apenas surgiria com o ato que reconheça o seu acontecimento e o delimita. Já modernamente, há entendimentos no sentido de que a obrigação e o crédito tributário nascem no mesmo momento: instante em que houver a edição do ato que reconheça o acontecimento na vida concreta, isto é, quando houver a vertência deste acontecimento em linguagem competente, instaurando-se a relação jurídica tributária. Verifica-se, no entanto, que estes entendimentos só se divergem apenas em conferir nomes às mesmas coisas, pois crédito tributário é obrigação tributária formalizada para os tradicionais e, para os modernos, trata-se de uma das facetas de obrigação (crédito e débito/obrigação), e não há qualquer relevância prática nesta divergência, visto que eles se convergem no tocante à aplicação do mesmo regime jurídico. Ainda, de qualquer modo, independentemente da teoria adotada, não tem como negar a indispensabilidade de ato de constituição do crédito tributário para fins de cobrança do tributo devido, tendo em vista ser essa a exigência inafastável pelo sistema jurídico tributário brasileiro vigente. Isso porque o efeito do lançamento, ou melhor, do ato de constituição de crédito tributário, é conferir a exigibilidade à obrigação tributária, como bem explica Luciano Amaro[10], razão pela qual o presente trabalho se concentrará no regime jurídico do lançamento e não na sua natureza jurídica. 2.3. Fases para a cobrança do tributo Analisando o vigente sistema jurídico tributário, verifica-se que há etapas ou fatos que deverão ocorrer para que a Administração possa cobrar judicialmente o seu crédito tributário. A primeira etapa é verificar a competência constitucional tributária para instituir o tributo, seguido pela sua instituição por lei (norma geral e abstrata – regra matriz de incidência tributária). Em seguida, é necessária a ocorrência do fato descrito em lei tributária no mundo fático (evento tributário), pois, só assim, possibilitará a subsunção do fato à norma. Após a essa verificação, há necessidade de sua formalização por meio de constituição do crédito tributário, para os adeptos ao entendimento tradicional ou a vertência em linguagem competente deste fato (norma individual e concreta), juridicizando-o, para os modernos. Uma vez constituído o crédito tributário, terá o sujeito passivo um prazo para recolhê-lo. Caso haja pagamento integral, terá extinção do crédito, conforme o art. 156, I, Código Tributário Nacional. Contudo, na hipótese em que não houver pagamento ou pagamento apenas parcial, nascerá o dever-poder à Fazenda de executar o crédito judicialmente, o que é possível apenas com um título executivo. Dessa maneira, há de emitir previamente a Certidão de Dívida Ativa, que é um título executivo extrajudicial, conforme o art. 585, VII, Código de Processo Civil, o que só é possível se houver, antes, a sua inscrição em Dívida Ativa. O ato de inscrição em Dívida Ativa é um ato administrativo, cuja consequência é a declaração de que o crédito público está ativo, vencido e não pago, acarretando a inscrição no cadastro de informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais (Cadin), regulado pela Lei 10.522/2002, no âmbito federal. Ainda, possibilita a emissão de CDA para viabilizar o ajuizamento de execução fiscal. Por conseguinte, pode-se afirmar que, para a satisfação do crédito tributário judicialmente, é necessária a ocorrência de seguintes fatos nessa ordem cronológica: 1º) verificação da competência constitucional tributária; 2º) instituição do tributo por meio de lei; 3º) observância no mundo factual do fato descrito em lei como tributário; 4º) “constituição do crédito tributário”; 5º) não pagamento, integral ou parcial, do tributo no vencimento; 6º) inscrição em Dívida Ativa; 7º) emissão de Certidão de Dívida Ativa; e, por fim, 8º) ajuizamento da ação de execução fiscal. 3 – ATO ADMINISTRATIVO E CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA Para iniciar o estudo da CDA, é imprescindível verificar a sua natureza, para, depois, identificar o seu regime jurídico, pois é ele quem determina as regras e os princípios regentes. A doutrina é uníssona no sentido de que se trata de ato administrativo, visto que há todos os elementos e pressupostos próprios desta espécie de ato. Ato administrativo, de acordo com Hely Lopes Meirelles, é a “toda manifestação unilateral de vontade da Administração que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria”[11]. Conceitua-o Celso Antonio Bandeira de Mello como “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”[12]. A CDA é uma declaração do Estado acerca da existência de seu direito creditório em desfavor de um determinado administrado, face à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária ou do ilícito que resulte na aplicação da penalidade pecuniária, assim como de outras obrigações de cunho pecuniário, estando sujeita a controle de legitimidade pelo Poder Judiciário, sem prejuízo do exercício da prerrogativa de autotutela pela própria Administração. Assim, não resta dúvida de que a CDA é, de fato, um ato administrativo, sendo regida pelo regime jurídico administrativo. Regime jurídico administrativo, de acordo com a professora Lúcia Valle Figueiredo, é o “conjunto de regras e princípios a que se deve subsumir a atividade administrativa no atingimento de seus fins”[13]. Prossegue, afirmando que esse regime, na verdade, “corresponde a regras próprias que, por força da diferença das situações tuteladas, hão de ter aspectos inteiramente diversos do Direito Privado”[14]. Elenca, dessa maneira, cinco princípios que o regem, quais sejam, a legalidade, a supremacia do interesse público, a indisponibilidade do interesse público, a exigibilidade dos atos administrativos e o controle administrativo. Por conseguinte, a observância desse regime é inafastável quando se tratar de ato administrativo, inclusive de CDA. 4 – REQUISITOS DO ATO ADMINISTRATIVO A CDA, como ato administrativo, deve conter todos os requisitos dessa espécie de ato jurídico, bem como aqueles especificamente previstos no Código Tributário Nacional – CTN e na Lei de Execuções Fiscais – LEF. A doutrina é divergente no tocante à identificação e ao número de requisitos do ato administrativo. Contudo, considerando-se que a classificação de Celso Antônio Bandeira de Mello é a mais completa e lógica, o presente estudo foi nela baseado. Apenas a título de ilustração de que esta não é a única classificação que a doutrina adota, Eurico Marcos Diniz de Santi[15], por exemplo, considera como elementos os componentes interno da estrutura do ato-norma administrativo (produto) e pressupostos, os externos, os compositivos do fato jurídico que cuidou de sua produção (processo). Assim, considerando a estrutura do ato administrativo D[F à Rp(Sa, Sp)], os elementos do ato-norma administrativo são: a) “F” (motivação, descrição do motivo); b) “Sa” (sujeito ativo); c)“Sp” (sujeito passivo); d) “p” (conduta prescrita, modalizada pelo relacional “R”); e e) “R” (variável relacional, que pode ser obrigatório, permitido e proibido, ainda, modaliza a descrição da conduta humana e estipula uma relação jurídica intranormativa entre os sujeitos Sa e Sp). “D” e “à” não integram, pois são sincategoremas. Já os pressupostos são: a) agente público competente; b) procedimento previsto normativamente; c) motivo do ato; e d) publicidade. Aduz, que a causa, uma relação lógica entre o interior do ato-norma administrativa (motivo, conteúdo e finalidade), integra a estrutura do ato administrativo, sendo o conectivo “à” uma constante lógica e não uma variável. Ou seja, o vício na causa significa defeito na motivação (hipótese) ou na relação jurídica intranormativa (consequente), isto é, dos elementos que se inter-relacionam por meio da causa. Por outro lado, a finalidade, que é nexo lógico internormativo (entre o conteúdo legal e o conteúdo do ato-norma), também não é elemento do ato-norma, pois só pode ser aferida após a sua produção. Em que pese o inegável raciocínio lúcido do mestre Eurico, por serem os ensinamentos do jurista Celso Antônio mais práticos, úteis e mais aceitos, o presente trabalho os seguirá. De acordo com o renomado administrativista, um ato administrativo tem dois elementos, dois pressupostos de existência e seis pressupostos de validade. A falta de elemento gera a inexistência do próprio ato; a de pressuposto de existência, de ato jurídico, no caso, o administrativo; e, por fim, a de pressuposto de validade, de ato administrativo válido. 4.1. Elementos, pressupostos de existência e de validade do ato administrativo e CDA São elementos o conteúdo e a forma, pois são realidades intrínsecas do ato. O primeiro é o que o ato dispõe; o segundo, o revestimento exterior do ato. Assim, na CDA, o conteúdo é a certificação da existência de crédito público e a forma, a princípio, o suporte material, físico, no qual se realiza o ato. Os pressupostos de existência se bifurcam em objeto e pertinência à função administrativa. Objeto é aquilo sobre que o ato dispõe, sem o qual inexistirá ato jurídico; já o segundo é requisito para se qualificar o ato como administrativo, não podendo ele se desvencilhar da função administrativa. De acordo com o Ricardo Marcondes Martins, função administrativa consiste “na edição de normas jurídicas para concretização dos princípios constitucionais, sempre com vistas ao interesse público”[16]. Destarte, pode-se concluir que a CDA tem por objeto o crédito, o valor, e tem pertinência com a função administrativa, pois esse crédito tem o caráter público, sendo de titularidade do Estado. Já os pressupostos de validade são: sujeito, motivo, requisitos procedimentais, finalidade, causa e formalização. O primeiro, o subjetivo, é o autor do ato. Na CDA, está intimamente ligado à competência tributária e administrativa. Dessa maneira, inexistindo delegação de competência ou de atribuição legal e/ou constitucional, será inválida a CDA, por exemplo, se o objeto for um crédito federal, mas expedida pela Procuradoria do Estado; ou se estiver baseada no auto de infração lavrado pela autoridade da Receita Federal do Brasil, aplicando a multa por infração prevista na Consolidação de Leis Trabalhistas. O motivo é o pressuposto de fato, situação objetiva, real e empírica que justifica a sua prática. Ele pode ter previsão legal explícita ou implícita, dependendo a validade do ato da sua existência e veracidade, e, consequentemente, há incidência da teoria dos motivos determinantes. Segundo esta teoria, os fatos que embasaram a prática do ato integram a sua validade. Na CDA, o motivo sempre terá previsão expressa em lei, em homenagem ao princípio da legalidade, e se manifestará com a realização, ou seja, a prática pelo administrado do fato gerador do crédito do Estado. Os requisitos procedimentais são atos jurídicos que devem preceder o ato que pretende praticar pela imposição legal, sem os quais ele não poderá ser praticado. Na CDA, há uma série de atos precedentes, como, por exemplo, o lançamento e a inscrição em dívida ativa, devendo-se lavrar o respectivo Termo de Inscrição da Dívida Ativa. O pressuposto teleológico, ou seja, a finalidade, é o objetivo previsto em lei para determinado ato. Por conseguinte, para a CDA, a lei conferiu a finalidade de viabilizar a cobrança do crédito público por meio de ação de execução fiscal, conferindo-lhe o condão de título executivo extrajudicial (art. 585, VII, Código de Processo Civil). Portanto, não se presta a expedição de CDA para demonstrar ao administrado sua situação de irregularidade fiscal, por exemplo. Para isto, o ato administrativo adequado é a certidão positiva de débitos. A causa, por outro lado, é a pertinência existente entre o motivo e o conteúdo do ato, levando-se em conta a sua finalidade. Em outros termos, não pode o administrador emitir um ato baseado em motivo que não mantenha congruência com o ato praticado. Esse pressuposto lógico é relevante para os atos em relação aos quais a lei confere liberdade ao administrador para escolher os motivos, o que não é o caso da CDA. Como cediço, a expedição da CDA pressupõe a situação fática predefinida em lei, ou seja, a hipótese de incidência legal, inexistindo lugar para essa discricionariedade do administrador. Finalmente, a formalização é o modo específico e próprio pelo qual o ato deve ser externado. A formalização da CDA é escrita, pois se trata de um título executivo, que é conceituado pelo mestre Cândido Rangel Dinamarco como “um ato ou fato jurídico indicado em lei como portador do efeito de tornar adequada a tutela executiva em relação ao preciso direito a que se refere”[17]. Explica ainda que o “documento é a representação gravada dos atos jurídicos, às vezes seu próprio instrumento, sem o qual o ato não existe juridicamente ou é ineficaz”[18]. Logo, todos os títulos executivos, inclusive as CDAs, devem ser escritos e representados por meio de documentos, que podem ser papel ou meio eletrônico (forma: elemento do ato). 4.2. Requisitos específicos da CDA Feitas essas considerações, passa a análise dos requisitos próprios da CDA. O art. 202[19] do Código Tributário Nacional e o art. 2º, §§5º e 6º[20], Lei de Execuções Fiscais preveem um conteúdo mínimo, ou seja, requisitos que a CDA deve conter. Sustenta Hugo de Brito Machado que o ato de inscrição do crédito em Dívida Ativa é um ato constitutivo de título executivo, sendo ato formal por excelência e, dessa forma, deve preencher todos os requisitos do art. 202, CTN. Prossegue afirmando que: “o não-atendimento de qualquer dos requisitos legais do termo de inscrição do crédito em dívida ativa da Fazenda Pública, estabelecidos expressa e taxativamente pelo art. 202 do Código Tributário Nacional, provoca a nulidade por vício formal, tanto da inscrição como da execução correspondente. A nulidade da inscrição vicia o título executivo extrajudicial consubstanciado na correspondente certidão, e daí decorre a nulidade do processo de execução no mesmo fundado”[21]. Em que pese o respeitável ensinamento do notável jurista, entende-se que a inscrição do crédito em Dívida Ativa não constitui um título executivo, pois trata-se de um ato administrativo pressuposto, ou seja, precedente para a constituição do título executivo, que é a expedição da CDA. Destarte, apenas com a inscrição em Dívida Ativa não é possível manejar uma execução fiscal, exatamente pela inexistência de título executivo. Cabe recordar das fases de cobrança do crédito público já esclarecidas neste trabalho. Ainda, salienta-se que os referidos dispositivos legais não devem ser lidos com tanto rigor, pois há de priorizar a substância em detrimento da forma, em homenagem ao princípio da instrumentalidade das formas. Se qualquer um dos elementos indicados não é expresso na CDA, mas há meios de identificá-los, não causando qualquer prejuízo à defesa, não há de se cogitar de nulidade. Dessa forma, se na CDA não consta o exato valor consolidado, porém há informação acerca da base de cálculo, da alíquota, assim como dos índices de correção monetária, juros, multas e dos encargos legais, não há que se invocar a existência de vício com base no art. 202, II, CTN. Com efeito, uma simples operação aritmética resolveria o problema. Ademais, como pode se inferir da leitura desses dispositivos, tais requisitos não se distanciam daqueles próprios do ato administrativo, exceto a exigência de indicação de data e número da inscrição, do número do processo administrativo ou do auto de infração, bem como do livro e da folha deste na qual foi feita a inscrição. As exigências são razoáveis e devidas, pois podem influir na defesa do executado, visto que são dados que se referem ao procedimento administrativo instaurado com a finalidade de apurar e cobrar o crédito público. Assim, em razão do princípio da ampla defesa, na CDA, devem constar também essas informações. Cabe ressaltar, no entanto, que na interpretação dessas exigências também se deve priorizar a substância sobre a forma. Logo, na hipótese em que há dados suficientes para a identificação do procedimento administrativo, não há que se cogitar de nulidade da CDA se faltar qualquer um desses elementos. 5 – EXISTÊNCIA E INVALIDADE DO ATO Antes de adentrarmos com mais detalhamentos as hipóteses de vícios da CDA, merece esclarecer acerca do entendimento divergente doutrinário acerca dos planos de existência e de validade. Trata-se de um ponto interessante para o estudo da teoria geral do direito, todavia, adianta-se, que, para o estudo proposto pelo presente trabalho, não terá uma influência direta, pois há convergência no tocante à identificação de regime jurídico aplicável e os efeitos práticos. 5.1. Planos de existência e de validade Tradicionalmente, a doutrina separava o plano de existência do da validade. Leciona Pontes de Miranda, baseando-se na teoria da incidência automática e infalível das normas, que para um fato empírico se tornar jurídico é indispensável que todo suporte fático necessário exista. Logo, sendo suficiente o suporte fático, existirá fato jurídico, o que não induz à sua validade. Para que este seja válido, o suporte fático não pode ser deficiente, devendo estar presentes todos os seus elementos complementares. Ricardo Marcondes Martins interpreta a teoria ponteana no sentido de que a norma “será inexistente se os elementos nucleares do suporte fático da norma de produção jurídica não estiverem presentes; será inválida na falta dos elementos complementares; e será ineficaz se ausentes os elementos integrativos.”[22]. Modernamente, cada vez mais surgem juristas defensores da confusão destes planos. Cita-se Paulo de Barros Carvalho[23], como militante desta nova ideia. Embasa o seu entendimento na alegação de que há dois planos do dever-ser: o do observador e o do participante. O primeiro apenas consegue expressar acerca da existência ou não de uma norma jurídica que pode ser apreciada pela jurisdição, sendo juízo emitido pelos juristas, estudiosos do Direito. Esse plano não influi em nada na definição do sistema jurídico. Já o participante, v.g., órgão jurisdicional, tem competência de verificar a validade ou não do ato, isto é, se ele está ou não em conformidade com o sistema jurídico. Assim, para o sistema jurídico, a norma só existirá se for válida. Nesse sentido, todos os vícios afetam a sua existência e concomitantemente a sua validade. Para Eurico Marcos Diniz de Santi[24], norma jurídica válida é aquela introduzida pelo ato de agente competente, posto em conformidade com o procedimento previsto para o veículo introdutor pelo sistema, ou seja, a relação de pertinencialidade destes dois elementos. Explica que Pontes de Miranda prefere o conceito de existência para defeitos no suporte fático do ato de produção, e Kelsen adota o de validade para estes casos. O Autor, com base na teoria kelseneana, define que “Validade, por consequência, é a qualidade outorgada à norma em decorrência do fato, é qualidade concedida ao produto (norma) em decorrência do processo (fato jurídico)”. Esclarece o que Pontes de Miranda diferenciou “suficiência e eficiência do suporte fáctico: a primeira, implica a ‘existência’ [validade para nós] do ato jurídico, considerando que se deram as específicas manifestações de vontade; da segunda, enleia-se a validade do ato jurídico [regularidade], significando que foram satisfeitos todos os pressupostos legais”[25]. Analisando o conceito de validade, o Autor se utiliza de conceitos de fato jurídico “suficiente e eficiente”, sendo que a validade ou invalidade é aferida da suficiência ou insuficiência do fato jurídico; e da eficiência ou ineficiência deste fato jurídico, abre a possibilidade de invalidar ou não a norma jurídica. Explica que: (i) a insuficiência do fato jurídico impede o surgimento de norma jurídica; (ii) da suficiência do fato jurídico decorre norma jurídica; (iii) a suficiência e eficiência do fato jurídico constituem norma jurídica válida impassível de invalidação (nulidade e anulação); (iv) a suficiência e deficiência do fato jurídico constituem o fato jurídico fonte de norma jurídica válida, mas que, em decorrência da deficiência do facto, fica passível de invalidação (nulidade e anulação)[26]. Ou seja, uma norma jurídica é válida, atributo este conferido pelo fato jurídico suficiente que a engendrou. Será inválida se o próprio sistema, mediante outra norma válida, cancele a sua validade, por conveniência (revogação) ou defeito (nulidade – efeito ex tunc – e anulação – efeito ex nunc)[27]. Da análise dos estudos, tradicional e moderno, verifica-se que, como ocorre com a expressão “constituição do crédito”, pelo menos para o desenvolvimento do presente trabalho, a divergência deve vista mais como acadêmica do que empírica. Não se está aqui a desmerecer o magnífico trabalho dos doutrinadores, mas, considerando-se que estes estudiosos se convergem no fato de identificação do regime jurídico, é irrelevante, reitera-se, para o presente estudo, o aprofundamento do tema. Com efeito, o regime jurídico é o mesmo, porque, independentemente da teoria adotada, a extirpação da norma jurídica do sistema será possível apenas com a edição de uma outra norma jurídica válida ou pela declaração de sua invalidade pelo órgão competente; norma jurídica emitida por órgão competente, obedecido o procedimento legislativo, é dotada de presunção de constitucionalidade; é possível a modulação dos efeitos pelo STF na declaração de inconstitucionalidade da norma; etc. Dessa forma, o presente trabalho, apenas para evitar a confusão intelectual, se valerá das nomenclaturas tradicionais, delimitando o regime jurídico aplicável. 5.2. CDA inexistente ou inválida Tendo em mente os ensinamentos de Pontes de Miranda, pode-se dizer que os elementos e os pressupostos de existência são suportes fáticos de sua produção, sendo que a sua ausência acarreta a inexistência do próprio ato, se faltarem tais elementos. Se faltar o objeto, não estará presente a juridicidade. Se inexistir pertinência com a função administrativa, faltar-lhe-á o caráter administrativo. Em suma, faltando um desses elementos ou pressupostos, o ato inexistirá juridicamente, ou não terá mais caráter administrativo. Ato inválido é aquele deficiente, praticado em desconformidade com o Direito. No caso, há violação dos pressupostos de validade do ato administrativo, impondo-se à Administração o dever de corrigi-lo, por meio de prática de outros atos, tais como a invalidação, convalidação, conversão, etc. Para melhor ilustração, imagine-se uma “CDA” que não certifica nada ou o caso de a autoridade fiscal certificar apenas verbalmente a existência de direito creditório da Fazenda. Estes atos não constituem CDA, pela falta de seus elementos intrínsecos. Por outro lado, na hipótese em que a “CDA” certifica que a Fazenda é credora, não de um valor pecuniário, mas de uma prestação de fazer do administrado, ou que na verdade o crédito certificado pertence à pessoa do administrador e não ao Estado, eles tampouco constituem CDAs, por violação aos seus pressupostos de existência. Por outro lado, se uma CDA for expedida pela suposta ocorrência de fato gerador de um tributo, mas não há qualquer relação jurídico-tributária, ou não houve a constituição formal do crédito, ou, ainda, inexistiu ato de inscrição em dívida ativa, todos esses vícios a invalidam. Isto é, a CDA existe, mas é inválida. Recorda-se, todavia, que tanto na hipótese da “inexistência” quanto na da “invalidade” da CDA, terá de ter uma nova norma que a extirpe do sistema, ou por meio de edição de uma nova lei ou decisão judicial neste sentido. Ou seja, terá a identidade do regime jurídico, não se vislumbrando a necessidade de aprofundar no tema para o desenvolvimento do estudo aqui proposto. Em suma, a violação de qualquer um dos requisitos e pressupostos do ato administrativo e da CDA, especificamente, deixa a CDA no estado de precariedade, diante da possibilidade de edição de uma nova norma (lei ou decisão judicial) que a extirpe do sistema jurídico. 6 – SUBSTITUIÇÃO DA CDA À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA O legislador, diante do regime jurídico administrativo que rege a CDA, bem como dos princípios processuais, notadamente o da economia processual e o da efetividade, entendeu por bem possibilitar a substituição da CDA no curso do processo judicial de execução fiscal[28]. Há doutrinadores, como Hugo de Brito Machado, que entendem que essa possibilidade se limita aos casos em que se mantenha a integridade do processo administrativo, sendo suscetíveis de “correção” apenas os vícios formais. Todavia, este entendimento não encontra respaldo no nosso sistema jurídico, pois a lei não fez qualquer distinção de vícios, não cabendo ao intérprete fazê-lo e, ainda, essa previsão não viola quaisquer princípios constitucionais administrativos, tributários ou processuais. Trata-se de um direito subjetivo da Fazenda Pública, devendo o magistrado conceder essa oportunidade antes de extinguir a execução fiscal sem resolução do mérito, sob pena de nulidade da sentença[29]. A expressão “até a decisão de primeira instância” contida nos referidos dispositivos legais é entendida como até a prolação da sentença dos embargos à execução[30]. A possibilidade de emendar e de substituir a CDA está diretamente relacionada à possibilidade de discutir na primeira instância acerca da subsistência ou não da presunção juris tantum de liquidez e certeza da CDA. Assim, considerando-se o objetivo da ação de execução fiscal e dos embargos à execução, não resta qualquer dúvida de que a melhor interpretação dos referidos dispositivos é no sentido de permitir a substituição ou a emenda da CDA até a sentença dos embargos à execução. Por outro lado, cabe registrar que a jurisprudência apenas reconhece a nulidade nos casos em que a substância do ato for prejudicada, invocando o princípio da instrumentalidade das formas. Ainda, conjuga-o com o estampado no brocardo pas de nullité sans grief, que significa que não há nulidade sem prejuízo[31]. Dessa forma, a necessidade de mero cálculo aritmético para apurar o valor do crédito público não invalida a CDA[32], não afetando, ainda, a sua liquidez e a certeza a substituição do índice de correção monetária[33]. Contudo, caso necessite de cálculo mais complexo, prejudica a liquidez do crédito público, ensejando a sua nulidade, como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça na hipótese em que incidia o princípio da não-cumulatividade do ICMS[34]. No tocante à necessidade de juntada do processo administrativo, cabe esclarecer que ele não é peça indispensável à formação da CDA[35], tendo em vista a inexistência de exigência legal nesse sentido, não havendo qualquer prejuízo à defesa. Ademais, o ônus de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA é do executado, cabendo a este juntar a cópia do processo administrativo se entender conveniente à sua defesa. Deve a CDA, ainda, pormenorizar os débitos, assim como os valores excutidos[36], sob pena de dificultar a defesa do executado[37], ferindo o direito constitucional à ampla defesa no processo, consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal. Com efeito, sem essas discriminações, o executado terá o seu direito de defesa prejudicado, pois podem dificultar a identificação da origem e da natureza das dívidas. Havia discussão acerca da possibilidade de chancela eletrônica da CDA. O entendimento jurisprudencial é no sentido de que não se trata de vício, visto que não há qualquer óbice legal a essa subscrição e não retira a autenticidade do documento, além de não causar prejuízo à defesa[38]. Este entendimento está em total consonância com a evolução tecnológica, devendo o Direito acompanhar essa mudança social. Portanto, considerando-se que não causa qualquer prejuízo à autenticidade da CDA, tampouco os direitos constitucionais assegurados pelo sistema jurídico, a jurisprudência tem se exteriorizado de forma salutar. Confirmou a higidez deste posicionamento o Poder Legislativo, que editou o art. 25 da Lei 10.522/2002 permitindo expressamente este tipo de subscrição. Neste contexto, cabe ressaltar sobre a possibilidade de alteração da fundamentação legal. A indicação errônea do fundamento legal no Termo de Inscrição da Dívida Ativa, assim como na CDA, é, sem qualquer dúvida, vício que pode causar nulidade destes atos administrativos, pois afeta o seu motivo, além de infringir os arts. 2º, § 5º, III, LEF e 202, III, CTN. Contudo, há de se lembrar da diferença existente entre a ausência e a deficiência de fundamentação legal, sendo que esta última é a sua insuficiência, e a primeira, a sua inexistência. Com relação à ausência de fundamentação, é inequívoco o prejuízo à defesa, sendo indiscutivelmente inválida a CDA. A deficiência pode também acarretar prejuízo, caso em que a nulidade é manifesta. Entretanto, se a insuficiência de fundamentação legal constante na CDA não causar qualquer prejuízo à defesa, não há que se cogitar de nulidade face ao princípio da instrumentalidade das formas, bem como à inteligência do brocardo pas de nullité sans grief[39]. Ainda no tocante a este assunto, cabe destacar que, levando-se em conta a atribuição privativa da autoridade administrativa de constituir crédito tributário, conforme o art. 142 do CTN, o STJ já decidiu que não cabe a substituição da CDA na hipótese em que ela estiver baseada no fundamento já declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal[40]. Entretanto, não se entrevê qualquer óbice a essa substituição, pois, com a declaração de inconstitucionalidade da lei que embasou a constituição do crédito, pode desconstituir o crédito parcial ou integralmente. Na hipótese em que há desconstituição integral do crédito, não há que se cogitar da substituição da CDA, pois não resta qualquer crédito a ser cobrado. Assim, terá extinção da execução fiscal sem resolução do mérito face à inexistência de título executivo válido. Já na hipótese de desconstituição parcial do crédito, terá apenas a diminuição do valor devido, o que não prejudica o lançamento. Cabe lembrar que é convergente o entendimento tanto na doutrina quanto na jurisprudência no que toca à possibilidade de substituição da CDA para reduzir-se o valor excutido. O direito à ampla defesa do administrado, neste caso, também resta intacto, pois ele teve oportunidade de se defender do ato in totum. Ademais, não há violação ao art. 142, CTN, pois, mesmo neste caso, foi a autoridade administrativa quem constituiu o crédito e quem vai retificar a CDA com base na decisão do STF. Por fim, cabe registrar que o STJ publicou, em 07/10/2009, a Súmula 392, com o seguinte enunciado: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”. Os precedentes que justificaram a edição desta súmula basearam-se na impossibilidade de alteração do lançamento para fins de alterar o sujeito passivo, não se admitindo a substituição da CDA neste caso. De fato, a indicação errônea do sujeito passivo na CDA não pode ser retificada no curso da execução fiscal, não por ser um vício que afeta o lançamento, já que a maior parte dos vícios sanáveis tratados acima afeta a constituição do crédito, mas sim porque acarreta a alteração da parte, do sujeito do processo judicial, criando uma nova relação jurídico-processual. É cediço que o nosso sistema processual adotou o critério de três identidades ou elementos da ação (art. 301, § 2º, Código de Processo Civil), quais sejam, partes, objeto ou pedido e causa de pedir. Assim, na hipótese do ajuizamento da execução fiscal contra um sujeito não-devedor, baseada na CDA viciada na sua origem, não poderá a Fazenda Pública substituí-la, pois isto acarretaria a alteração de um dos elementos identificadores da ação, o que não é aceito pelo nosso sistema para essa hipótese. É forçoso, dessa maneira, o novo ajuizamento, ou seja, a abertura de uma nova ação, assegurando a legitimidade das partes, principalmente, o devido processo legal. 7 – CONCLUSÕES Em virtude das observações acima, pode-se concluir que: a) o título executivo contém dois elementos, quais sejam, o substantivo (norma jurídica concreta e individualizada) e formal (previsto em lei, respeitando as peculiaridades de cada espécie); b) para ter execução de crédito tributário, é necessária a ocorrência de seguintes fatos na seguinte ordem cronológica: 1º) competência constitucional tributária; 2º) instituição do tributo por lei; 3º) observância no mundo factual do fato descrito em lei como tributário, 4º) constituição do crédito tributário, 5º) não pagamento do tributo no vencimento, 6º) inscrição em Dívida Ativa, 7º) emissão de Certidão de Dívida Ativa, e, por fim, 8º) ajuizamento da ação de execução fiscal; c) a CDA é ato administrativo, devendo observar o regime jurídico próprio deste ato; d) os requisitos da CDA são aqueles inerentes aos atos administrativos, assim como os especificados no CTN e na LEF; e) independentemente da teoria adotada, a violação de qualquer um dos requisitos e pressupostos (ato administrativo e específicos da CDA) deixa a CDA em estado de precariedade, pois poderá uma norma extirpá-la no sistema; f) a interpretação dos requisitos da CDA deve ser norteada pelo princípio da instrumentalidade das formas e pelo estampado no brocardo pas de nullité sans grief, sendo válida a CDA que exija mero cálculo aritmético, não tendo a mesma sorte a CDA que requeira um cálculo mais complexo; g) a possibilidade de substituir a CDA no curso da execução fiscal é um direito subjetivo da Fazenda e pode ser procedida até a prolação da sentença dos embargos à execução, sem limitação quantitativa; h) o processo administrativo não é peça indispensável à formação da CDA; i) a CDA deve pormenorizar os débitos e os valores excutidos; j) a chancela eletrônica da CDA é admitida; l) a ausência e a deficiência de fundamentação legal que causar prejuízo à defesa são vícios que invalidam a CDA, mas se esta deficiência não afetar este direito, a CDA será válida; m) a CDA formalizada com base em lei declarada inconstitucional pelo STF é suscetível de ser substituída caso reste crédito a ser excutido, pois se trata de mera redução de valor; e n) a impossibilidade de substituição da CDA na hipótese de indicação errônea de sujeito passivo da obrigação jurídica executada se funda na alteração de um dos elementos identificadores da ação, no caso, as partes, o que não é aceito pelo nosso sistema jurídico processual atual para essa hipótese.
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Apontamentos à incidência da teoria da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário
Em uma primeira plana, a fim de sedimentar conceitos essenciais para a compreensão do instituto em destaque, revela-se imperioso compreender a acepção de pessoa jurídica, a partir das concepções estruturadas tanto pela legislação como pela doutrina. Pois bem, impende assinalar que a pessoa jurídica é descrita como uma ficção jurídica, estruturadas pela legislação com o escopo de suprir a inquietação humana. Denota-se, desse modo, que os sócios da pessoa jurídica, com personalidade diversa da natural, passam a atuar no mundo dos negócios. Verifica-se que a personalidade da pessoa jurídica afigura-se como verdadeiro escudo, que oculta os protagonistas das relações jurídicas. Logo, no ordenamento jurídico pátrio, há duas espécies de pessoas: a pessoa natural do sócio e a pessoa jurídica. Ao lado disso, há que se assinalar que, em razão da distinção supra, se desfralda como flâmula orientadora o princípio da separação patrimonial entre os bens do sócio e os bens da sociedade, o qual tem como fito precípuo traçar linhas limitadoras no que concerne à responsabilidade do sócio, resguardando, por conseguinte, o patrimônio pessoal de eventuais intempéries. Em decorrência dos efeitos práticos advindos da desconsideração da personalidade jurídica, o Direito Tributário adotou, de maneira clara, a relativização do princípio da separação entre a pessoa jurídica e os integrantes que a compõe. Nesta toada, o presente debruça-se em dispensar uma análise acerca do instituto da desconsideração da personalidade jurídica na legislação tributária.
Direito Tributário
“Ementa: Processual Civil – Tributário – Agravo Regimental – Redirecionamento – Execução Fiscal – Art. 135 do CTN – Sócio-Gerente – Ilegitimidade Passiva arguida em exceção de pré-executividade – Inclusão do co-responsável no polo passivo. 1. O art. 135 do CTN cuida da responsabilidade "pessoal", em que "contribuinte" é o gerente que agiu com excesso de poderes por infração à lei, não a empresa, que sequer é executada. 2. Não é necessário que o sócio-gerente faça parte do processo administrativo-fiscal, nem que seu nome conste da CDA para que, em processo de execução fiscal movido contra a empresa, possa ser citado como responsável tributário; os sócios respondem pelos débitos da sociedade independentemente de figurarem na Certidão de Dívida Ativa como co-devedores. 3. O redirecionamento da execução contra sócio que se entende, nos termos da lei, co-responsável tributário, é medida ínsita ao direito de ação da Exeqüente, dela podendo se valer mesmo que não conste da CDA o nome do sócio – art. 134, III, CTN. 4. Para inclusão de co-responsável no pólo passivo de execução fiscal, a parte exequente não necessita comprovar nada além da CDA (Lei 6.830/80). 5. A exceção de pré-executividade é cabível quando atendidos simultaneamente dois requisitos, um de ordem material e outro de ordem formal, ou seja: (a) é indispensável que a matéria invocada seja suscetível de conhecimento de ofício pelo juiz; e (b) é indispensável que a decisão possa ser tomada sem necessidade de dilação probatória. 6. Agravo Regimental improvido”. (Tribunal Regional Federal da Primeira Região – Sétima Turma/ AGA 0032196-53.2003.4.01.0000/BA/ Relator: Desembargador Federal Reynaldo Fonseca/ Julgado em 23.02.2010/ Publicado no DJ de 05.03.2010). O artigo 135 do Código Tributário Nacional entalha que só haverá responsabilidade dos administradores (diretores, gerentes ou representantes) em relação às obrigações tributárias da empresa quando estas forem resultantes de atos praticados com “excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos”. Impende denotar que o termo excesso de poderes engloba tanto aqueles atos praticados com abuso como os com desvio de poder, sendo que o abuso de poder é verificado quando o administrador deixa de exercer suas prerrogativas legais e estatutárias, agindo contrariamente aos interesses da companhia de acionistas ou de terceiros, com o intuito de causar danos. De outra banda, o desvio de poder ocorre quando o administrador, ainda que observe as formalidades e não cometa violação legal ou estatutária, haja com escopo diverso do esperado que seria a de bem administrar a companhia. A infração à lei, no caso especifico da responsabilidade tributária dos administradores de empresa, deve ser interpretada como tendo assento no descumprimento dos deveres previstos no contrato social e ou nos estatutos e também dos deveres legais que regem as sociedades, sejam eles expressos ou implícitos. Como bem anota Alencar, “é necessário ressaltar que, deixando o administrador de recolher tributo com o intuito único de causar prejuízo à empresa e aos seus sócios ou acionistas, estará a conduta do mesmo infringindo a lei stricto sensu prevista no art. 135 do CTN, originando-se, assim, a sua responsabilidade tributária”[12]. Ao lado do esposado, há que se colacionar o conteúdo do aresto lavrado pelo eminente Ministro José Delgado perante a Primeira Turma do v. Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n.º 652.906/RS, julgado em 11.10.2005, consagrando que “o CTN, art. 135, III, estabelece que os sócios só respondem por dívidas tributárias quando exercerem gerência da sociedade ou qualquer outro ato de gestão vinculado ao fato gerador”. Logo, em restando demonstrado que o sócio-proprietário não exercia ato de gerência ou qualquer outra função adstrita à gestão da pessoa jurídica, não recairá sobre os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica, mas sim sobre o gerente, que atuou com excesso de poder.
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A segurança jurídica na irretroatividade tributária
Considerando que o princípio fundamental da segurança jurídica é um dos pilares do ordenamento jurídico pátrio, este deve ser aplicado a todos os ramos do direito, justificando-se, assim, sua aplicação também na esfera tributária, devendo o legislador/aplicador da norma se ater ao princípio constitucional da irretroatividade tributária, quando da instituição ou majoração de tributos, sob pena de causar prejuízos aos contribuintes. Nesse sentido, o poder exercido pelo fisco deve respeitar as fronteiras do campo material de incidência definido pela Constituição e, ainda, deve ser submisso às demais normas constitucionais ou infraconstitucionais que integram a demarcação desse campo e limitam o exercício daquele poder. O presente artigo tem por objetivo demonstrar a necessária observância do princípio fundamental da segurança jurídica no que tange à aplicação da irretroatividade tributária, como forma de garantir ao contribuinte direito subjetivo protegido constitucionalmente, ou seja, o Estado tem o dever de informar ao cidadão, antecipadamente, qual norma se encontra vigente, o que sinaliza a lógica precedência da norma perante o fato por ela regulamentado, bem como ainda fazer com o mesmo compreenda, em um segundo momento, o conteúdo da norma, no que tange à sua clareza, calculabilidade e controlabilidade.[i]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Deve-se ressaltar a importância do tema a ser discutido no presente artigo, pois, como se verá adiante, o princípio fundamental da segurança jurídica é uma garantia constitucional dada ao contribuinte, sendo, assim, direito fundamental subjetivo, que o protege contra os abusos cometidos por vezes pelo fisco, no caso deste não observar as limitações ao poder de tributar previstos expressamente na Constituição Federal. Destarte, cabe destacar aqui o princípio constitucional da irretroatividade tributária, previsto expressamente no art. 150, III, “a” da Carta Magna, o qual se entrelaça à própria essência do Direito. Tal princípio busca resguardar ao contribuinte a segurança jurídica e a estabilidade dos direitos subjetivos no que toca à relação deste com o fisco, ao impor que é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado. Atualmente a doutrina tributarista se posiciona no sentido de que a segurança jurídica é inerente à aplicação dos Princípios Constitucionais Tributários e, na esfera da irretroatividade tributária, esta é representada a partir de duas perspectivas: a) que o cidadão deve saber antecipadamente qual norma é vigente, possibilitando que possa valer-se de um prévio cálculo, antes mesmo do conhecimento do conteúdo da lei; b) que, posteriormente, o cidadão deve compreender o conteúdo da norma, no que tange à sua clareza, calculabilidade e controlabilidade. Outrossim, o princípio da segurança jurídica sob o crivo da irretroatividade tributária transmite aos contribuintes um sentimento de tranquilidade, garantindo aos mesmos a oportunidade de se precaverem de ações futuras do fisco. Com isso, a segurança nas relações jurídicas entre contribuinte/fisco é indispensável para se obter o verdadeiro valor de justiça, o qual advém da própria essência do Direito.  Assim, deve-se observar que o tema em debate é de suma relevância no âmbito do direito tributário, no que diz respeito à proteção do contribuinte, servindo como limitação ao Estado no poder de instituir e cobrar tributos a fatos pretéritos, devendo o intérprete da lei dar maior importância aos fundamentos do princípio da segurança jurídica quando da aplicação das normas tributárias, a fim de buscar a realização da justiça material. O presente artigo objetiva demonstrar a relevância do princípio fundamental da segurança jurídica na aplicação do princípio constitucional da irretroatividade tributária, bem como evidenciar que a não observância daquele princípio prejudicará direito subjetivo do contribuinte protegido constitucionalmente. 1. AS LIMITAÇÕES DO ESTADO NO PODER DE TRIBUTAR A relação entre contribuinte e fisco é jurídica e não simplesmente de poder, sendo que se tem como incontestável a existência de princípios pelos quais se rege. Tais princípios existem para proteger o contribuinte contra os abusos por vezes cometidos pelo fisco.  Nesse sentido, em face do elemento teleológico, o aplicador da norma, que tem consciência dessa finalidade, utiliza tais princípios para a efetiva proteção do contribuinte. O Direito é um instrumento de defesa contra o arbítrio, e a supremacia constitucional, que hospeda os mais relevantes princípios jurídicos, é um mecanismo de defesa do cidadão contra o Estado, não podendo ser utilizada por este contra aquele. No que tange aos princípios constitucionais tributários, os quais se encontram elencados nos artigos 150, 151 e 152 da Constituição Federal, estes servem como verdadeiras garantias constitucionais do contribuinte contra a força do fisco, assumindo a postura de concretas limitações constitucionais ao poder de tributar. Com efeito, tais balizamentos, no campo dos princípios tributários, não são somente aqueles princípios encontrados na seção constitucional denominada “Das Limitações do Poder de Tributar”. Dessarte, há na Constituição Federal, outras normas que são aptas a inibir o poder do fisco, como, por exemplo, as normas de imunidade tributária e as de proibição de privilégios e de discriminações fiscais. Nesse sentido, consequentemente, é recomendável que o intérprete da norma deve conceber as limitações ao poder de tributar, conceitualmente, de modo amplo e sistêmico, não se resumindo aos limites dos princípios constitucionais tributários. Além de partilhar entre os entes políticos a respectiva competência tributária, a Constituição fixa vários balizamentos, que abrigam valores por ela julgados relevantes, com enfoque especial para os direitos e garantias fundamentais. O conjunto dos princípios e normas responsáveis por esses balizamentos da competência tributária corresponde às limitações do poder de tributar. O ponto mais visível das limitações do poder de tributar desdobra-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias; todavia, tais limites não se resumem aos citados. Ademais, a Carta Política permite a atuação de outras espécies normativas (lei complementar, resoluções do Senado, convênios), as quais, em determinados casos, também balizam o poder do legislador no que tange à criação ou modificação dos tributos. Nessa esteira, o poder exercido pelo fisco deve respeitar as fronteiras do campo material de incidência definido pela Carta Magna e, ainda, deve ser submisso às demais normas constitucionais ou infraconstitucionais que integram a demarcação deste campo e limitam o exercício daquele poder. 2. A SEGURANÇA JURÍDICA NA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA O princípio da segurança jurídica busca promover os valores supremos da sociedade, inspirando a edição e a correta aplicação das leis; assim, o Direito visa à obtenção do que é justo, procurando tornar segura a vida dos cidadãos, principalmente quando o intérprete da lei aplica as normas jurídicas que dão efetividade às garantias constitucionais. Igualmente, o Direito, com sua positividade, confere segurança às pessoas e deve promover aos cidadãos sentimentos de certeza e igualdade, a fim de se obter a tão almejada segurança jurídica. Nesse diapasão, o princípio fundamental da segurança jurídica é visto como uma das vigas mestras do ordenamento jurídico, sendo um dos subprincípios básicos do próprio conceito de Direito. Seguindo esse raciocínio, o princípio da segurança jurídica faz parte da própria essência do Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito, enquadrando-se entre seus princípios gerais, com isso fundindo-se ao sistema constitucional por completo. Sob este prisma, no direito tributário tais objetivos são alcançados quando a norma, longe de abandonar o contribuinte aos critérios subjetivos e cambiantes do fisco, traça uma ação-tipo que descreve o fato que, acontecido no mundo fenomênico, fará nascer o tributo, devendo tal norma descrever, detalhadamente, as hipóteses de incidência do tributo. A doutrina tributarista traduz a ideia de que a irretroatividade tributária se conecta à própria ideia do Direito, trazendo o timbre de segurança jurídica e a estabilidade dos direitos subjetivos ao espectro da relação impositivo-tributária, ao prever que é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado. Ademais, a segurança jurídica pode ser vista a partir de duas perspectivas: que o cidadão deve saber antecipadamente qual norma é vigente, o que sinaliza a lógica precedência da norma perante o fato por ela regulamentado; bem como ainda deve, em um segundo momento, compreender o conteúdo da norma, no que tange à sua clareza, calculabilidade e controlabilidade. Vale ressaltar ainda que, se o Estado de Direito é interligado de modo íntimo à legalidade em prol da segurança jurídica, não se pode deixar de levar em conta o fato de que tal norma deve ser sempre aplicada para o futuro.  Todavia, cabe mencionar que só o princípio da irretroatividade tributária não basta para tornar o princípio da segurança jurídica plenamente eficaz. Este, enquanto base de todo o ordenamento jurídico, exige a expressa previsão de garantias constitucionais que sirvam à sua preservação e observância por parte dos aplicadores do Direito. Tais garantias constitucionais, além da irretroatividade, são os princípios da legalidade e da anterioridade tributária. Nesse vértice, o princípio constitucional tributário da legalidade é aquele que garante ao contribuinte que nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser por meio de lei, conforme determina o art. 150, I, da CF/88. Sendo a lei manifestação legítima da vontade do povo, por meio de seus representantes, a expressão ser instituída por lei significa dizer que o tributo foi criado com o consentimento daquele. Assim, o povo consente que o Estado invada seu patrimônio, para dele retirar os recursos inerentes à satisfação do interesse coletivo. No que concerne ao princípio constitucional da anterioridade tributária (art. 150, III, “b”, da CF/88), fica vedada a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Outrossim, com o advento da EC n. 42/2003, que acrescentou a alínea “c” ao inciso II do art. 150, agora, a criação ou aumento do tributo devem ocorrer antes do início do exercício no qual é cobrado, e a norma respectiva deverá ter um período de vacância de no mínimo 90 dias. A norma constitucional que protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conhecido como princípio da irretroatividade das normas, não vinha sendo, é bom que se reconheça, obstáculo suficientemente forte para impedir certas iniciativas de entidades tributantes, em especial a União, no que tange a atingir fatos pretéritos, já consumados no tempo.   Desta feita, os contribuintes, confiantes de que seus atos se encontravam sob o pálio do magno princípio supracitado, foram surpreendidos por abusivas cobranças tributárias, que assumiram o nome de empréstimo compulsório. Porém, na primeira oportunidade, que ocorreu com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, foi criada outra prescrição explícita, agora dirigida rigorosamente para o campo das pretensões tributárias, nascendo, com isto, o princípio da irretroatividade tributária. É importante destacar que, sob o enfoque da segurança jurídica na irretroatividade das normas, se a lei revogada produziu efeitos em prol de uma pessoa, diz-se que ela criou situação jurídica subjetiva e, consequentemente, aquela pessoa adquiriu direito subjetivo. Ora, se vem lei nova, revogando aquela em que durante sua vigência se formou direito subjetivo, tal direito subjetivo não ficará prejudicado; muito pelo contrário, com a mudança da norma, será transformado em direito adquirido. Para elucidar o tema, a Constituição prescreve em seu art. 5º, inciso XXXVI, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, tal enunciado visa à proteção dos direitos subjetivos. Com relação ao princípio da irretroatividade tributária, a Constituição busca vedar expressamente a aplicação da lei posterior, que criou ou aumentou tributo, a fato anterior, que, por lógica, continua sendo não gerador de tributo, ou permanece como gerador de um tributo reduzido, com base na lei da época de sua ocorrência. Assim, o aplicador da norma tributária não pode deixar de aplicar tributo (nem reduzi-lo), em relação a fatos anteriores, baseando-se no fato de que a lei nova extinguiu ou reduziu o gravame fiscal previsto na lei antiga. Igualmente, lei tributária que eleja fatos pretéritos como suporte fático da incidência de gravame fiscal antes não exigível, ou exigível em valor inferior, será manifestamente inconstitucional. Urge dizer que, se a lei que instituiu ou aumentou determinado tributo faz surtir seus efeitos sobre fatos geradores já ocorridos, a norma será inconstitucional somente em relação a esses fatos geradores, permanecendo válida em relação àqueles que venham a ocorrer a partir do momento em que a norma começa a surtir seus efeitos jurídicos. Com isto, a título de exemplo, no caso do imposto de renda, com fulcro no princípio fundamental da segurança jurídica, a lei nova que agrava os encargos do contribuinte somente deve ser aplicada aos fatos ainda não iniciados, ou seja, a lei mais rigorosa deve ser aplicada no ano seguinte ao de sua publicação. Por outro lado, não é o que entende o Supremo Tribunal Federal, o qual ainda aplica a antiga Súmula n. 584, para fins de incidência de lei nova no imposto de renda, agindo em desconformidade com o que dispõem os postulados da anterioridade e da irretroatividade tributária. Dessarte, a referida Súmula chancela a legitimidade de um imposto de renda retroativo, o que é manifestamente inconstitucional. Segue abaixo um julgado do Pretório Excelso, que demonstra claramente a aplicação da rançosa Súmula n. 584, senão vejamos: “EMENTA: – DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DE RENDA SOBRE EXPORTAÇÕES INCENTIVADAS, CORRESPONDENTE AO ANO-BASE DE 1989. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA PARA 18%, ESTABELECIDA PELO INC. I DO ART. 1º DA LEI Nº 7.968/89. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 150, I, "A", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 1. O Recurso Extraordinário, enquanto interposto com base na alínea "b" do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, não pode ser conhecido, pois o acórdão recorrido não declarou a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. 2. Pela letra "a", porém, é de ser conhecido e provido. 3. Com efeito, a pretensão da ora recorrida, mediante Mandado de Segurança, é a de se abster de pagar o Imposto de Renda correspondente ao ano-base de 1989, pela alíquota de 18%, estabelecida no inc. I do art. 1º da Lei nº 7.968, de 28.12.1989, com a alegação de que a majoração, por ela representada, não poderia ser exigida com relação ao próprio exercício em que instituída, sob pena de violação ao art. 150, I, "a", da Constituição Federal de 1988. 4. O acórdão recorrido manteve o deferimento do Mandado de Segurança. Mas está em desacordo com o entendimento desta Corte, firmado em vários julgados e consolidado na Súmula 584, que diz: "Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração." Reiterou-se essa orientação no julgamento do R.E. nº 104.259-RJ (RTJ 115/1336). 5. Tratava-se, nesse precedente, como nos da Súmula, de Lei editada no final do ano-base, que atingiu a renda apurada durante todo o ano, já que o fato gerador somente se completa e se caracteriza, ao final do respectivo período, ou seja, a 31 de dezembro. Estava, por conseguinte, em vigor, antes do exercício financeiro, que se inicia a 1º de janeiro do ano subseqüente, o da declaração. 6. Em questão assemelhada, assim também decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do R.E. nº 197.790-6-MG, em data de 19 de fevereiro de 1997. 7. R.E. conhecido e provido, para o indeferimento do Mandado de Segurança. 8. Custas ex lege”. Ocorre que, é possível encontrar no Superior Tribunal de Justiça uma certa aversão à Súmula em tela, preferindo esta Corte se apegar aos princípios constitucionais tributários a seguir o entendimento do STF. Para ficar clara a posição do STJ quanto ao tema, vejamos o que entendeu esta Egrégia Corte no julgado abaixo: “EMENTA: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – IMPOSTO DE RENDA. 1. A lei que altera o imposto de renda deve estar em vigor em um ano, para poder incidir no ano seguinte. A incidência se faz pela eficácia da norma. 2. Publicada a Lei 9.430/96, em 1º de janeiro do ano seguinte já estava com eficácia completa e passível de aplicação, para reflexo no pagamento do exercício de 1998. 3. Embargos de declaração acolhidos, mas sem efeitos modificativos”. Superado o debate acima, é importante destacar que há um limite constitucional intransponível à discrição do legislador, no que diz respeito à fixação do lapso temporal para fins de incidência do imposto criado ou aumentado, pois não pode ser anterior à consumação (completo acontecimento) do fato, sob pena de inconstitucionalidade da norma, devido à violação do princípio da irretroatividade da lei tributária. Igualmente, o principio constitucional da irretroatividade tributária protege também os contribuintes dos atos do poder judiciário, ou seja, do aplicador da norma, uma vez que uma decisão judicial é sempre fundamentada segundo certa leitura ou interpretação da lei em vigor. Interpretação nova, ainda que mais razoável, não pode atingir uma sentença transitada em julgado, sob pena de ferir a coisa julgada, a qual tem o condão de garantir a segurança e a estabilidade nas relações jurídicas. 3. OS CASOS EM QUE NÃO SE APLICA O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA Indubitavelmente, cabe salientar que o sistema jurídico-constitucional pátrio não assentou como regra absoluta, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade tributária. As hipóteses do art. 106, I e II, do CTN, não são exceções ao princípio, o que ocorre é que o Código Tributário Nacional não adota como regra a irretroatividade da lei tributária, sendo que tal dispositivo prevê tão-somente a aplicação de leis produtoras de efeitos jurídicos sobre atos pretéritos. É mais prudente e adequado dizer, na esfera tributária, que não há incompatibilidade entre o princípio da irretroatividade e a existência de leis produtoras de efeitos jurídicos sobre atos pretéritos, pois tais hipóteses de retroatividade são a própria corroboração da regra constitucional da irretroatividade. No que tange ao inciso I do art. 106 do CTN, o legislador faz menção às chamadas leis interpretativas, prescrevendo que, em qualquer caso, assumindo as normas essa característica, podem ser aplicadas a atos ou fatos pretéritos; porém, deve ser excluída a aplicação de penalidades à infração dos dispositivos interpretados. Tais normas interpretativas objetivam o esclarecimento de dúvidas levantadas pelos termos da linguagem da lei interpretada, sanando obscuridades, não devendo criar novas regras de conduta para os contribuintes e, caso sejam aplicadas, possuirão eficácia ex tunc, ou seja, retroagirão ao início da vigência da lei interpretada. Porém, a lei interpretativa somente irá retroagir para beneficiar o contribuinte, jamais o fisco, se limitando a traduzir e a esclarecer a lei interpretada. É importante expor aqui um julgado do Superior Tribunal de Justiça, o qual sedimenta o entendimento exposto acima a respeito das leis interpretativas, senão vejamos: “TRIBUTÁRIO. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES (SIMPLES). APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. 1. A lei tributária mais benéfica e aquelas meramente interpretativas retroagem, a teor do disposto nos incisos I e II, do art. 106, do CTN. 2. O § 4º introduzido pela Lei n.º 9.528/97 no art. 9º, da Lei n.º 9.317/96, ao explicitar em que consiste "a atividade de construção de imóveis", veicula norma restritiva do direito do contribuinte, cuja retroatividade é vedada. 2. "Consoante o disposto no artigo 8º, parágrafo 2º da Lei n.º 9.317/96, a opção da pessoa jurídica pelo SIMPLES, submeterá a optante à esta sistemática, a partir do primeiro dia do ano-calendário subseqüente." (REsp n.º 329892/RS, Rel.Min. Garcia Vieira, DJ de 05.11.2001). 3. Recurso especial improvido”.  Quanto ao inciso II do art. 106 do CTN, nas alíneas “a” e “c”, observa-se a incontestável aplicação da retroatividade benigna, pois se prevê expressamente, em benefício do contribuinte, a retroação da norma que não mais pune certo ato ou que possui previsão de penalidade menos severa, assim, eximindo o contribuinte de pena ou sujeitando-o à penalidade mais branda. Já a alínea “b” do dispositivo citado trata da hipótese em que certo ato, que era contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, passa a não ser mais tratado como tal com o advento de lei nova, desde que o ato não tenha sido fraudulento e não tenha resultado em falta de pagamento de tributo. Resumindo, o ato que antes configurava uma infração à lei da época passa a não ser mais punível pela lei nova. Diante da inegável contradição que há entre as alíneas “a” e “b”, é imperiosa a aplicação do princípio in dubio pro reo[ii], determinado pelo art. 112 do CTN, devendo ser aplicada, assim, a alínea “a”. Houve redundância na definição das alíneas “a” e “b”, devido ao fato de que seus conteúdos são quase idênticos e, havendo dúvida quanto à aplicação, deve prevalecer a alínea “a”, a qual é mais abrangente quanto à proteção desonerativa. Isto posto, analisando por completo o art. 106 do CTN, as possibilidades de retroação nele expressas acabam por beneficiar os contribuintes, preservando a segurança das relações entre estes e o fisco, bem como o legítimo direito que os administrados possuem de não terem agravada a situação jurídica anteriormente estabelecida. CONSIDERAÇÕES FINAIS Buscou-se demonstrar neste artigo que é dever do legislador/aplicador da norma tributária, se ater a todos os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que balizam o campo de incidência do poder do fisco, e não somente ao princípio constitucional da irretroatividade tributária, quando da instituição, majoração ou aplicação dos tributos, com o fim de assegurar aos contribuintes a intangibilidade dos atos e fatos lícitos já praticados, conferindo estabilidade nas relações jurídicas entre estes e o Estado.
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O ativismo judicial e seus reflexos em matéria tributária
Atualmente, muito embora haja expresso na Constituição Federal a separação entre os Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciario), sua harmonia e independência, o que se tem visto em algumas situações é a omissão do legislativo em parte de suas funções (criar, legislar normas), e uma invasão do Judiciário em alguns momentos nesta função, notadamente quando profere decisões que criam normais gerais abstratas, consistindo em uma configuração material do Direito. Não obstante a isto, em determinadas situações devido à omissões do próprio legislador, o Judiciário se vê demandado a decidir, a falar o Direito, e para realização deste, se vê na necessidade de decidir às vezes positivando este Direito, contrariando aquilo que prega a CF, a qual coloca o Poder Judiciário como guardião das leis, protetor da CF, e não como instituidor de leis. Esta intervenção do Poder Judiciário sob as competências do Legislativo pode ser vista em vários ramos do Direito, e na esfera tributária não é diferente, principalmente quando se pretende o Judiciário utilizar de regras principiológicas, como os princípios da igualdade e capacidade contributiva, para interferir nas limitações ao poder de tributar. Assim sendo, a manutenção da autonomia, harmonia e liberdade entre os Poderes da República é imprescindível para a ordem e a segurança jurídica em tempos de vivencia em um Estado Democrático de Direito, e para tanto o Poder Judiciário deve fazer prevalecer o direito, deve dizer o direito, porém, respeitando as limitações, funções, e competências constitucionais de cada um dos Poderes.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Atualmente a função típica do Poder Legislativo é a configuração democrática do Direito mediante a confecção de normas gerais e abstratas. O Poder Legislativo para exercer sua função típica utiliza o procedimento democrático, respeitando o principio da legalidade, propiciando à configuração democrática do Direito no momento em que esta função é exercida por meio de deliberações dos representantes eleitos pelo povo, de acordo com os procedimentos previamente determinados. Noutro giro, muito embora a função típica do Poder Judiciário seja a de aplicar e definir o Direito em caso que se configure conflitos intersubjetivos ou confrontos entre as normas infraconstitucionais e a Constituição Federal, certo é que a atuação do judiciário não será uniforme, restando algumas vezes mais ampla, outras devendo ser mais restrita. É nesta atuação do judiciário, que muitas vezes se tenta justificar por meio de um comportamento afirmativo que se encontra algumas ingerências sob funções tipicamente do legislativo, o que, tem-se caracterizado como um ativismo judicial.  Isto tem ocorrido com certa freqüência em praticamente todos os ramos do direito, e muitas das vezes este “fenômeno” (ativismo) é visto também no direito tributário, principalmente nas grandes discussões que chegam ao Supremo Tribunal Federal, como se verá mais adiante. No cenário atual em que os Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) possuem seus limites e funções devidamente definidos, o papel de cada um e eventual interferência de algum em funções típicas de qualquer outro poderá provocar distorções no sistema pautado num Estado Democrático de Direito. Neste sentido, atualmente a atuação do Poder Judiciário em certas situações tem representado uma nítida invasão de competência do Poder Legislativo, notadamente nos casos em que este se omitiu em sua função de legislar. O Poder legislativo poderá agir, como omitir, podendo ter sua atuação uma variação entre a configuração material das normas segundo a Constituição Federal, até à uma possível omissão no exercício dessa tarefa. Logo, pode-se dizer que quanto maior o grau de exercício da função legisladora na configuração das normas, menor será a possibilidade de atuação do judiciário quanto à configuração normativa, interferindo menos do âmbito funcional do legislativo. Mas certo é que, diante das manifestações recentes dos tribunais pátrios, muito embora o monopólio de redação das leis permanecem, e são, por determinação constitucional do Congresso Nacional, o que se vê nos dias de hoje é um Poder judiciário agindo cada vez mais com liberdade, no sentido de fazer uma leitura dos enunciados normativos de forma a superar os limites neles impostos, e invadir funções tipicamente do legislador, sob o argumento de que o cidadão que procurou o judiciário não poderá permanecer impossibilitado de exercer um direito, não por vedação legal, mais simplesmente porque o legislador, aquele eleito pelo voto direto do povo, não exerceu sua competência. Contudo, o Poder Judiciário não pode simplesmente agir da forma que julgar melhor ou mais eficaz para que alcance um determinado direito, ou para que se chegue à uma solução da lide, muitas vezes agindo como legislador positivo, invadindo competência de outro Poder da República, para isto tem-se devidamente expresso no texto constitucional ferramentas que lhe permite utilizar para que possa sanar eventual omissão de lei, como são os casos em que o Supremo Tribunal Federal é provocado mediante mandado de injunção ou ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 1. O ATIVISMO JUDICIAL E SUA CARACTERIZAÇÃO O ativismo judicial em simples descrição pode ser entendido como o exercício da função jurisdicional utilizada para solucionar problemas que inicialmente teriam natureza política, vez que, institucionalmente incumbe ao Pode Judiciário solucionar litígios de natureza subjetiva (conflitos de interesses) e controvérsias jurídicas de natureza objetiva (conflitos normativos), que acaba por ultrapassar seus limites e alcançar as funções legislativas. Em outras palavras, o ativismo se caracteriza por uma atuação judicial no intuito de resolver problemas que às vezes não contam com adequada solução legislativa, ou seja, o julgador ultrapassa seus limites, e ao invocar a função constitucional da jurisdição age com poder criativo, mesmo que não haja previsão legal que o autorize na respectiva atuação. Note, assim, que o Poder Legislativo possui como função típica dentro de um Estado Democrático de direito a produção normativa, a confecção de normas gerais e abstratas, e para configurar uma situação de ativismo, basta que o Poder Judiciário no exercício da atividade judicial invada competências do legislador, desrespeitando, e descaracterizando a função típica do Poder Legislativo. E esta função, por sua vez, pode ser identificada pelo procedimento, pelo objeto e pelo instrumento.[1] Assim, quanto ao procedimento por meio do qual o Poder Legislativo desempenha sua função típica é o procedimento democrático, realizado sob a ótica dos princípios democrático e da legalidade. O exercício da atividade legislativa, com discussão e deliberações por parte dos representantes eleitos pelo povo, conforme procedimentos e processos delineados previamente e aprovados, remete à uma configuração democrática do Direito, e, a partir do momento em que a instituição da norma não passa por discussões, aprovações e deliberações a serem realizadas por representantes eleitos pelo povo, mas sim, por representantes do Poder Judiciário, está se diante de uma forma de ativismo judicial. Na mesma linha, quanto ao objeto, a atuação do Poder Legislativo se dá em relação aos princípios e regras, que, com base em sua liberdade de configuração e de fixação de premissas, concretiza democraticamente estes princípios e regras. E, configura-se, portanto, o ativismo quanto ao objeto, quando o Poder Judiciário é quem configura materialmente o Direito.[2] E, com relação ao instrumento, pode-se dizer que é por meio deste que o Poder Legislativo exerce sua função típica de fixar a norma geral e abstrata. Neste sentido, ocorrerá ativismo judicial quanto ao instrumento quando a função típica de editar normas gerais e abstratas for exercida pelo Poder Judiciário, e não pelo Poder Legislativo. Assim sendo, haverá ativismo judicial sempre que o Poder Legislativo não prescrever democraticamente (procedimento) os princípios e as regras constitucionalmente previstos (objeto) mediante a instituição de normas gerais e abstratas (instrumento), as quais passam a ser feitas pelo Poder Judiciario. Portanto, pode-se dizer que Poder Judiciário ativista é aquele que exerce função típica de configuração material do Direito por meio de decisões judiciais que criam normas gerais e abstratas. Outrossim, muitas vezes, para se legitimar uma atuação ativista por parte do judiciário, o que se argumenta é que sua legitimação encontra amparo no principio da inafastabilidade do controle jurisdicional decorrente do disposto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal (CF), uma vez que a missão democrática e constitucional do Poder Judiciário é atuar de modo a evitar lesão ou ameaça a direitos, tenha o legislador infraconstitucional dotado, ou não, o juiz para concretizar o respectivo ditame constitucional. Neste sentido, o próprio Supremo Tribunal Federal, por manifestação do Ministro Celso de Mello, quando da cerimônia de posse do então Presidente do Supremo, Ministro Gilmar Mendes, em abril de 2008, assim explanou: “Nem se censure eventual ativismo judicial exercido por esta Suprema Corte, especialmente porque, dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciario, de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos. Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões por inconstitucionais dos órgãos estatais e ao adotar medidas que objetivam restaurar a Constituição violada pela inércia dos poderes do Estado, nada mais faz senão cumprir a sua missão constitucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República. Praticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embora moderadamente desempenhadas por esta Corte em momentos excepcionais, tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Publico se omitem ou retardam, excessivamente, o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos por expressa determinação do próprio estatuto constitucional, ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade.”[3] Não obstante, a liberdade do Poder Judiciário para criar um direito há de ser uma liberdade responsável e autocontrolada, uma vez que não lhe é concebido função de introduzir na lei o que deseja extrair dela e tampouco aproveitar-se da abertura semântica dos textos para neles inserir conteúdos, que muitas vezes são incompatíveis com esses normativos, além de estar ferindo o principio da separação dos Poderes, fere, a própria Constituição Federal, a qual designou mecanismos e regras para que as normas sejam instituídas, e determinou expressamente as funções típicas de cada Poder. 2. A SEPARAÇÃO DOS PODERES FRENTE AO ATIVISMO JUDICIAL A Constituição Federal Brasileira prevê expressamente a separação dos Poderes da União, devendo os mesmos serem independentes, harmônicos e conviverem em equilíbrio, o que, permite que a sociedade brasileira desfrute de um cenário de Estado Democrático de Direito, pautado na certeza e segurança do Direito. Neste sentido a Constituição Federal dispõe que: “Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” Porém, como já descrito anteriormente, o Poder Judiciario tem se transformado em constituinte derivado, em legislador positivo, invadindo competências do Poder Legislativo, proporcionando uma situação de ruptura do equilíbrio, harmonia e independência prescritos no Texto Constitucional. No caso das intervenções feitas pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição em seu art. 102, caput, tornou esta Suprema Corte em legislador negativo, notadamente ao torná-la “guardiã” da Constituição. [4] E, no artigo 103, parágrafo 2º, reforçou ainda mais o status de guardião, ao ponto de estabelecer que, ao declarar a inconstitucionalidade por omissão do Poder Legislativo, o Supremo Tribunal não poderá editar norma, devendo, apenas, comunicar ao Legislativo que a sua omissão é inconstitucional, para adoção das providências necessárias, porém, não impondo prazo para supri-la (salvo se órgão administrativo), e nem sanção se não o fizer. [5] Note que, o regramento está muito bem delineado no texto constitucional, não cabendo a outro Poder da República exercer função típica que não a sua. O ativismo que se tem visto atualmente afronta veementemente os dispositivos constitucionais. Não obstante a isto, ao tratar dos Poderes, o constituinte reservou o titulo IV da Carta Magna, definindo um a um suas funções essenciais, e prescreveu no art. 49, inciso XI, que compete exclusivamente ao Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes. Em outras palavras, o Poder Legislativo deve fazer valer suas competências, e deve zelar por elas, não permitindo que outro Poder o infrinja. Neste contexto em que cada vez mais o Poder Judiciário se põe como ativista, quebrando as regras constitucionais, em uma situação extrema, caso estas invasões do Poder Judiciario prejudique a segurança jurídica e conseqüentemente o Estado Democrático de Direito, poderá o Poder Legislativo, com base no art. 142 da CF, até mesmo solicitar interferência das Forças Armadas para que seja restabelecida a lei e a ordem. Se não veja: “Art. 142. As forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da Republica, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” (grifo nosso) Assim, caso o ativismo judicial chegue a contribuir para um descompasso entre os Poderes, quebrando sua independência e sua harmonia, podendo chegar ao ponto que colocar em risco a própria segurança jurídica dos cidadãos, da Republica Federativa do Brasil, e do próprio Estado Democrático de Direito, poderá o Poder Legislativo, por permissão Constitucional, até mesmo solicitar ajuda às Forças Armadas para que suas competências sejam respeitadas. Por conseguinte, é possível notar nesta passagem do texto constitucional o quão importante é a independência entre os Poderes, levando o constituinte até prever intervenção das Forças Armadas para manutenção das competências. 3. OS REFLEXOS DO ATIVISMO EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA Neste diapasão, ao ativismo judicial tem estado presente nos mais variados ramos do direito, e não é diferente no que concerne ao direito tributário. No que se refere à instituição de tributos, por exemplo, claro é que o Poder Judiciário não pode suprir eventual omissão do Poder Legislativo por meio de lei, pelo simples fato de que somente a lei poderá instituir ou aumentar tributo. Esta postura diante dos mandamentos constitucionais não seria possível nem para instituição de tributo por meio de decisão judicial, e nem por meio de uma atuação positiva destinada a salvar tributo que deveria ter sido instituído por meio de lei com todos os seus elementos, porém, não o foi. O poder de tributar somente poderá ser exercido, se, e somente se estiver diante de regramento de competência que atribua este poder. Uma vez delimitado o poder de tributar no âmbito constitucional, cumpre aclarar que os princípios constitucionais que o regem, entretanto, devem ser utilizados para conformar o exercício da competência, não para alargá-la ou para sanar vicio presente no seu exercício. Um exemplo claro são as hipóteses em que o Poder Judiciario utiliza de tais princípios constitucionais para alargar o poder de tributar devidamente concedido por regras. O principio da igualdade, por exemplo, é estabelecido como limitação ao poder de tributar com eficácia de cunho negativa. Assim, o Poder Judiciario não pode usá-lo como meio para declarar a constitucionalidade de leis que tributem fatos não previstos em regras de competência, ou para declarar a legalidade de atos administrativos que tributem fatos não previstos em lei. Isto porque da forma como foi instituído, tal principio visa limitar o poder de tributar, e não dar condições para criar tributação. Na mesma linha ocorre com o principio da capacidade contributiva, que é previsto na Constituição Federal como forma de graduar os tributos, não como razão para instituí-los. Logo, o Poder Judiciario não pode fazer valer deste principio para manter autuação fiscal que constitua creditos tributários relativamente a fatos que não foram previstos em lei, objetos de planejamento tributário, sob o simples argumento de que eles representam a mesma capacidade contributiva daqueles previstos em leis. Por seu turno, o Supremo Tribunal Federal ao tratar questões tributarias em que lhe era posto situação na qual se via compelido a se manifestar como legislador positivo, por varias vezes decidiu pela não possibilidade de atuar como tal. Senão veja, dentre outras tantas decisões[6]: “Ementa: I – Recurso Extraordinário (…); II – Isonomia: alegada ofensa por lei que concede isenção a certa categoria de operações de cambio, mas não a outra, substancialmente assimilável aquelas contempladas (DL 2.434/88, art. 6º): hipótese em que, o acolhimento da inconstitucionalidade argüida, poderia decorrer a nulidade da norma concessiva da isenção, mas não a extensão jurisdiconal dela aos fatos arbitrariamente excluídos do beneficio, dados que o controle da constitucionalidade das leis não confere ao Judiciário funções de legislação positiva.”[7] “Ementa: Recurso Extraordinário: Isenção do Imposto sobre Operações Financeiras nas Importações. (…). 1. A isenção fiscal decorre do implemento da política fiscal e econômica, pelo Estado, tendo em vista o interesse social. É ato discricionário que escapa ao controle do Poder Judiciario e envolve o juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo. (…) 2. Não pode esta Corte alterar o sentido inequívoco da norma, por via de declaração de inconstitucionalidade de parte do dispositivo da lei. A Corte Constitucional só pode atuar como legislador negativo, não porém, como legislador positivo.”[8] No entanto, o STF tem se afastado desta orientação, e atuando cada vez mais como legislador positivo. Um exemplo clássico desta nova posição pôde ser visto no voto do Min. Gilmar Mendes no RE 405.579, em sessão de 17.10.2007, cuja relatoria foi do Min. Joaquim Barbosa, para o qual a solução da controversa pautada em referido recurso passava pela manutenção do beneficio fiscal sem, contudo, excluir os demais contribuintes que não estavam abrangidos pela norma (exclusão o beneficio incompatível com o principio da igualdade). Em outras palavras, a ampliação do beneficio atende mais os direitos e as garantias fundamentais do que a extinção do beneficio para os contribuintes beneficiados expressamente pela norma. Assim, os poderes Executivo e Legislativo teriam, então, como alternativa, aplicar uma alíquota menor ou maior para todos os contribuintes, para contrabalancear os efeitos arrecadatórios, mas não poderiam em momento algum discriminar um determinado contribuinte. Outro exemplo em matéria tributaria diz respeito ao direito ao credito de IPI nas operações sujeitas à alíquota zero. A eliminação do direito a credito de IPI nas operações isentas, além de não encontrar respaldo na Constituição, fere claramente o artigo 175 do CTN. Esta norma foi reescrita pelo STF, ao acrescentar que, além da exclusão do credito tributário (no caso, aquele a que se refere o artigo 139 do CTN), a isenção também impede o nascimento da obrigação tributaria. O CTN é claro ao dispor que nas isenções, nasce a obrigação tributaria, sendo, entretanto, eliminada pela norma isencional, a possibilidade de constituição do credito tributário, tal como ocorre na anistia. Outra situação de interferência do judiciário no campo tributário, invadindo texto legal é o caso das decisões dos tribunais no sentido de que há incidência do IPI, mesmo em situação de furto ou roubo. Ora, o art. 46 do CTN traz que o importo sobre produtos industrializados é de competência da União, e seu fato gerador é dentre outros a saída do estabelecimento. Neste sentido o art. 47 do mesmo diploma legal aduz que a base de calculo do imposto nas hipóteses de saída do estabelecimento é o valor da operação de que decorrer a saída da mercadoria. Assim, note que no caso de furto ou roubo, não há valor de operação! Como pode o Poder Judiciario determinar a incidência do IPI cuja alíquota tem como base de calculo algo que não existe, isto é, a operação?! Veja-se que, o ativismo judicial está presente também fortemente nas matérias tributarias, e, tal como em outros seguimentos do direito, certamente já traz transtornos à segurança jurídica. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do até aqui exposto, em um Estado Democrático de direito, em que se preza pela segurança jurídica dos cidadãos, e pela manutenção do Texto Constitucional, permitir que o Poder Judiciario continue invadindo as funções típicas do Poder Legislativo, significa quebrar a independência e harmonia entre os poderes da República Federativa do Brasil, causando distorções que podem colocar o país em cenário de insegurança, como por exemplo as situações de ativismo em matéria tributaria, acima elucidadas. Logo, o Poder legislativo deve exercer suas funções típicas atuando por meio de lei somente até os limites de competência que lhe é permitido pelas regras constitucionais de competência, e de outro lado o Poder Judiciário não poderá intervir para corrigir eventuais desvios ou extrapolação de tais competências, salvo nas hipóteses previstas na Constituição Federal.
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Responsabilidade do sócio-gerente no âmbito da medida cautelar fiscal
Resumo:A Lei n° 8.397/92 instituiu a medida cautelar fiscal, ação cautelar específica cuja atividade jurisdicional dirige-se à segurança do resultado da execução fiscal. Este instrumento processual tornou viável a indisponibilização de bens do administrador de pessoa jurídica devedora. Trata-se de responsabilidade solidária e subjetiva, condicionada à comprovação de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, além da hipótese de dissolução irregular da empresa. Tais requisitos, necessários à imputação da responsabilidade patrimonial do sócio-gerente na ação principal de execução, são também exigidos na ação cautelar fiscal, posto acessória por natureza. Tratando-se de medida cautelar fiscal proposta em face de sócio-gerente que figure como corresponsável, o sucesso da medida dependerá da comprovação da verossimilhança da existência de ato ilícito por parte do administrador, bem como de um dos casos mencionados nos incisos do artigo 2º da Lei nº 8.397.
Direito Tributário
Introdução O Direito Processual Brasileiro, seguindo uma tendência mundial, tem passado por uma constante reformulação instrumental, utilizando-se constantemente do termo efetividade, à procura de metas definíveis em seu campo de atuação.   No direito processual tributário destaca-se a medida cautelar fiscal, instituída pela Lei n° 8.397/92, cuja atividade jurisdicional dirige-se à segurança do profícuo resultado da execução fiscal. Trata-se de ação de titularidade da Fazenda Pública, cujo objetivo é decretar a indisponibilidade de bens e direitos do devedor de Dívida Ativa, precipuamente quando este tem a intenção de frustrar o seu pagamento. A edição da Lei n° 8.397/92 tornou viável a indisponibilização de bens do administrador de pessoa jurídica devedora mesmo antes da constituição do crédito tributário. Entretanto, a teor do art. 135, caput, do CTN, tal responsabilização não prescinde da demonstração de ato ilícito por parte do administrador, situação que demanda instrução probatória muitas vezes dissociada da convicção judicial própria à concessão da tutela cautelar. Nesse contexto, relevante verificar meios de conciliar a natureza urgente e provisória da medida cautelar fiscal com as exigências do redirecionamento da execução fiscal ao sócio-gerente à luz do art. 135, caput, do CTN. Da responsabilidade tributária do sócio-gerente: Aspectos gerais Segundo definição de Luiz Emygdio Franco da Rosa Júnior, “[…] sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa física ou jurídica obrigada, por lei, ao cumprimento da prestação tributária principal, esteja ou não em relação direta e pessoal com a situação que constitua o respectivo fato gerador”. Em atenção ao princípio da tipicidade tributária e com vistas à maior proteção de quem deve pagar o tributo, o sujeito passivo deve necessariamente ser definido em lei (CTN, art. 97, III). O sujeito passivo direto é o contribuinte (CTN, art. 121, § único, I), ou seja, aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o fato gerador tributário – fato típico prescrito na lei. Nos tributos com fato gerador não vinculado, contribuinte é aquele cuja capacidade contributiva é objeto de tributação. Já nos tributos com fato gerador não vinculado à atividade estatal, contribuinte será aquele que demanda o serviço público, que sofre o exercício do poder de polícia ou que tem seu imóvel valorizado pela obra pública. O sujeito passivo indireto – ou responsável na definição legal (CTN, art. 121, § único, II), é aquele que, embora não seja contribuinte, possui obrigação decorrente de disposição expressa de lei. A definição do sujeito passivo da obrigação tributária é matéria estritamente legal, forte na garantia da legalidade tributária, e encontra suporte na previsão do artigo 97, III, do CTN. O responsável não integra a relação contributiva, mas outra relação própria que guarda autonomia em relação àquela, na medida em que possui pressuposto fático específico. A lei atribui a determinado pressuposto de fato específico – normalmente o descumprimento de determinados deveres de colaboração para com o fisco, a consequência de responder pelo pagamento de tributo cujo inadimplemento tenha relação com o descumprimento daquele dever. A figura do responsável aparece na problemática da obrigação tributária principal por uma série de razões valorizadas pelo legislador ao definir a sujeição passiva tributária, que vão da conveniência à necessidade. Da lição de Leandro Paulsen, extraio o seguinte excerto: “Embora o chamamento a contribuir para as despesas públicas se dê em face do contribuinte, que realiza a hipótese de incidência e tem nela revelada sua capacidade contributiva, a necessidade de assegurar e facilitar a tributação faz com que o legislador tenha que impor obrigações formais e materiais a terceiros, de modo que estes participem dos atos de arrecadação ou que simplesmente respondam pela satisfação do crédito tributário”. A responsabilidade tributária é disciplinada pelo Código Tributário Nacional no capítulo V do título II (Obrigação Tributária) do livro segundo (Normas Gerais do Direito Tributário). Nos artigos 129 a 133 é regulada a responsabilidade por sucessão; a responsabilidade de terceiros, nos artigos 134 e 135; e a responsabilidade por infrações nos artigos 136 a 138. Todas essas regras encontram-se sob o comando geral do artigo 128, in verbis: “Art. 128 – Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.” Em especial, a responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado é estabelecida pelo artigo 135, III, do CTN, abaixo transcrito: “Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: […] III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.” Discute-se na doutrina e na jurisprudência a definição da natureza da responsabilidade tributária dos administradores, se subsidiária (própria ou imprópria), por substituição ou solidária. A responsabilidade por sucessão, acima mencionada, não possui aplicação no exame do artigo 135 do CTN. Simples leitura dos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça pode confundir o estudioso do tema. Em muitos acórdãos, lê-se que a responsabilidade tributária prevista no artigo 135 do CTN é por substituição (AgRg no REsp 724.180/PR, REsp 670.174/RJ). Noutros julgados, consigna-se expressamente que a responsabilidade acolhida nesse preceito legal é subsidiária (REsp 833.621/RS, REsp 545.080/MG). Noutros, menciona-se como responsabilidade solidária (REsp 86.439/ES, AgRg no AG 748.254/RS). Encontra-se, inclusive, ementa na qual se refere, simultaneamente, à responsabilidade subsidiária e à responsabilidade por substituição (EDcl no REsp 724.077/SP). A despeito da aparente dissonância, inexiste verdadeira divergência jurisprudencial em relação ao ponto. Aparentemente, o STJ não acolhe a distinção doutrinária entre responsabilidade por substituição e por transferência. Assim, quando se lê que o sócio responde “por substituição”, não se quer desonerar a sociedade. Simplesmente, quer-se dizer que o sócio-gerente responde em lugar da (em substituição à) sociedade quando esta não adimple os créditos tributários e a hipótese subsume-se à previsão do artigo 135, III, do CTN. Em suma, a análise da jurisprudência do STJ no tocante à aplicação do artigo 135, III, do CTN, deve fundar-se mais nos seus pressupostos e conclusões do que nos signos “substituição”, “pessoalmente”, “subsidiária” e “solidária”, frequentemente empregados para qualificar a responsabilidade tributária do sócio-gerente que comete infração à lei. A prática processual demonstra que a Fazenda Pública costuma, num primeiro momento, atingir o patrimônio da sociedade devedora (contribuinte). Infrutífera tal tentativa, busca o patrimônio pessoal dos administradores. Trata-se do chamado ‘redirecionamento da execução fiscal’, prática abonada pela jurisprudência e coerente com um sistema de responsabilidade subsidiária. Veja-se o seguinte precedente do STJ: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE DEVEDOR. NULIDADE DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA – CDA. REQUISITOS (AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO CO-RESPONSÁVEL PELO DÉBITO TRIBUTÁRIO E DE DISCRIMINAÇÃO DA DÍVIDA). ART. 2º, § 5º, DA LEI 6.830/80. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTAMENTO. 1 – Segundo remansosa jurisprudência desta Corte e do Colendo STF, a execução fiscal é proposta contra a pessoa jurídica, não sendo exigível fazer constar da CDA o nome dos co-responsáveis pelo débito tributário, os quais podem ser chamados supletivamente. Precedentes”[1]. Por vezes, contudo, o nome do administrador consta da Certidão de Dívida Ativa e a execução fiscal é diretamente ajuizada contra o contribuinte e o responsável tributário. Trata-se de hipótese igualmente admitida pela jurisprudência, o que significa dizer que a pretensão é desde já exigível do administrador[2], podendo o Fisco ingressar em seu patrimônio sem que seja necessário esgotar a busca de bens da empresa. Como se vê, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sustenta, em substância, a tese da responsabilidade solidária. O administrador que cometer o ato ilícito no exercício da gerência da empresa devedora responde solidariamente com a pessoa jurídica pelo pagamento do crédito tributário, sem benefício de ordem. Trata-se de responsabilidade autônoma quanto ao nascimento, natureza e cobrança, mas subordinada quanto à existência, validade e eficácia. Nada impede a subsunção do administrador de fato da empresa devedora ao conteúdo do artigo 135, III, do CTN. Ainda que o contrato social ou estatuto não confira poderes a determinada pessoa para praticar atos de gerência, no caso de o Fisco apurar tratar-se de administrador de fato da pessoa jurídica, deve o mesmo ser responsabilizado pela prática de eventuais atos ilícitos. Com isto, elide-se a autonomia patrimonial e permite-se que os bens de que sejam titulares sejam responsabilizados pela dívida que, na condição de verdadeiros sócios e gestores, contraíram em nome das empresas. Cumpre, ainda, referir que podem ser utilizados em face do responsável solidário quaisquer instrumentos de coerção utilizados contra os contribuintes. Declarada pela autoridade fiscal ato ilícito por parte do administrador, fica o infrator sujeito, atendidas as previsões legais pertinentes, à inscrição no CADIN (art. 2º, I, da Lei 10.522/2002), à Certidão Positiva de Débitos (art. 205 do CTN), ao arrolamento de bens e direitos (art. 64 da Lei 9.532/97) e, finalmente, à medida cautelar fiscal prevista pela Lei 8.397/92 e objeto do presente trabalho. Outrossim, após exaustivas discussões jurisprudenciais, cuja enumeração refoge ao objeto do presente trabalho, restou consolidada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça a doutrina da responsabilidade tributária subjetiva dos administradores. Ressalte-se a simples exigência de ato ilícito, o qual, pela teoria geral do Direito, pode tanto ser decorrente de ato culposo como de ato doloso. Trata-se de conclusão lógica na medida em que a lei não separou as hipóteses de culpa em sentido estrito e de dolo. Conforme ressaltou Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, “[…] em verdade, o Direito Tributário preocupa-se com a externalização de atos e fatos, não possuindo espaço para a persecução do dolo; basta a culpa”. Inúmeras conclusões decorrem da adoção da doutrina da responsabilidade tributária subjetiva dos administradores, dentre as quais destaco: a) o sócio sem poderes de gerência não responde pelas obrigações tributárias da sociedade; b) o sócio-gerente não pode ser responsabilizado pela ausência de recolhimento de tributo em período diverso de sua atuação, bem como por dissolução tida por irregular, ocorrida após sua retirada da sociedade; c) o mero inadimplemento do tributo não caracteriza infração legal para fins de responsabilidade pessoal do sócio-gerente; d) a responsabilidade pessoal do sócio-gerente sujeita-se à comprovação de atuação dolosa ou culposa na administração dos negócios, em decorrência de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto, além da hipótese de dissolução irregular da empresa devedora; e) a prova da prática de ato ilícito por parte do administrador compete à Autoridade Fiscal, salvo se o nome do responsável constar como corresponsável na Certidão de Dívida Ativa. No tocante a esta última conclusão, cumpre referir que a indicação, na Certidão de Dívida Ativa, do nome do sócio-gerente da devedora originária como corresponsável tributário autoriza, formalmente, o redirecionamento da execução fiscal à sua pessoa. Não representa, contudo, juízo de certeza acerca da responsabilidade tributária do administrador, problemática pertencente ao direito material e regulamentada pelo Código Tributário Nacional (arts. 134, VII e 135, III). A presunção de certeza e liquidez do título executivo, prevista no artigo 3º, da Lei 6.830/80, e no artigo 204, parágrafo único, do CTN, é relativa, autorizando a ação executiva sem, necessariamente, legitimar os atos de execução. A referência aos administradores da devedora originária como corresponsáveis no título executivo, portanto, não consubstancia direito potestativo da Fazenda Nacional, tratando-se de requisito formal de redirecionamento, a ensejar inversão do ônus probatório nas vias cognitivas próprias. Admite-se a descaracterização, a cargo do executado, da responsabilidade tributária através da ação de embargos à execução fiscal. Da responsabilidade do sócio-gerente no âmbito da medida cautelar fiscal A medida cautelar fiscal foi instituída pela Lei nº 8.397, de 06.01/1992, parcialmente alterada pelo artigo 65 da Lei nº 9.532, de 10.12/1997. Trata-se de inovação no campo das medidas cautelares, pois regulou a matéria em face da Fazenda Pública, com o escopo de garantir a satisfação de seus créditos, tributários ou não tributários[3].  Segundo Cleide Previtalli Cais, “[…] da análise das normas da lei comentada, resulta a conclusão de que a denominada medida cautelar fiscal constitui nova figura de arresto, em versão fiscal”. Trata-se de típica hipótese de medida cautelar, a par daquelas disciplinadas pelo Código de Processo Civil. Destas distingue-se, contudo, por trazer dispositivos dotados de maior rigor, pois o direito de perceber o crédito da Fazenda Pública constitui, no seu cerne, direito de toda a coletividade. Ainda assim, destaque-se a aplicação subsidiária das disposições gerais contidas no Código de Processo Civil, à vista do disposto no artigo 812 deste diploma.   À semelhança das medidas cautelares reguladas pelo CPC[4], a medida cautelar fiscal pode ser incidental, quando já houver execução de dívida ativa em andamento, ou preparatória, quando inexistir execução em andamento (artigo 1º da Lei nº 8.397/92). De qualquer forma, a medida cautelar fiscal será sempre dependente da execução fiscal, a cujos autos deve ser apensada, a teor dos artigos 5º, 11 e 14 da Lei nº 8.397/92. Trata-se de característica típica do processo cautelar, constante do artigo 809 do CPC, segundo o qual, “os autos do procedimento cautelar serão apensados aos do processo principal”. Os requisitos à concessão da medida cautelar fiscal estão previstos no artigo 3º da Lei nº 8.397/92, quais sejam, prova literal da constituição do crédito fiscal e prova documental de algum dos casos mencionados no artigo 2º da mesma norma. A fazenda Pública há de possuir em seu favor, via de regra, um crédito regularmente constituído contra o sujeito passivo (fumus boni juris), e esse crédito deve estar com o adimplemento ameaçado por atos do sujeito passivo que revelem o propósito de furtar-se fraudulentamente do respectivo pagamento (periculum in mora). A indisponibilidade de bens do devedor, até o limite da satisfação da obrigação, é o único objetivo da medida cautelar fiscal e produz-se automaticamente, em razão da decisão que a decreta (artigo 4º da Lei nº 8.397/92). Trata-se de medida de cautela e não implica penhora do patrimônio do devedor[5]. Ainda assim, a exemplo da constrição de bens em penhora para garantia da execução, a medida cautelar fiscal não pode objetivar a indisponibilidade de bem declarado impenhorável[6]. A legitimidade para a propositura da medida cautelar fiscal é definida pelo artigo 1º da Lei nº 8.397/92. Têm legitimidade ativa a União, Estados-membros, Distrito Federal e os municípios e suas autarquias. Já os legitimados passivos da medida cautelar fiscal não vêm expressos na Lei nº 8.397/92, que diz apenas que a ação pode ser proposta contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário (art. 2º). Conforme exposto alhures, sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa física ou jurídica obrigada, por lei, ao cumprimento da prestação tributária principal, esteja ou não em relação direta e pessoal com a situação que constitua o respectivo fato gerador. A teor do parágrafo 1º do supracitado artigo, a indisponibilidade recairá somente sobre os bens do ativo permanente da pessoa jurídica[7], podendo ser estendida “aos bens do acionista controlador e aos dos que, em razão do contrato social ou estatuto, tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais ao tempo do fato gerador, nos casos de lançamento de ofício, ou ao tempo do inadimplemento da obrigação fiscal, nos demais casos”. O responsável não integra a relação contributiva, mas outra relação própria que guarda autonomia em relação àquela, pois possui pressuposto fático específico. No caso do sócio-gerente da pessoa jurídica de direito privado, a responsabilidade pessoal é estabelecida pelo artigo 135, III, do CTN. Trata-se, como visto, de responsabilidade solidária e subjetiva, condicionada à comprovação de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos, além da hipótese de dissolução irregular da empresa devedora durante a gestão do sócio-gerente. Conforme posicionamento jurisprudencial consolidado, a prova da prática do ato ilícito compete à autoridade fiscal, salvo se o nome do administrador constar da Certidão de Dívida Ativa na condição de corresponsável. Os requisitos necessários à imputação da responsabilidade patrimonial do sócio-gerente na ação principal de execução são também exigidos na ação cautelar fiscal, posto acessória por natureza. Nesse sentido já decidiu o e. STJ: “PROCESSUAL TRIBUTÁRIO. MEDIDA CAUTELAR FISCAL. INDISPONIBILIDADE DOS BENS DOS SÓCIOS INTEGRANTES DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO. LEI 8.397/92. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE EXCESSO DE MANDATO, INFRAÇÃO À LEI OU AO REGULAMENTO.  1. É assente na Corte que o redirecionamento da execução fiscal, e seus consectários legais, para o sócio-gerente da empresa, somente é cabível quando reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular da empresa (Precedentes: REsp n.º 513.912/MG, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 01/08/2005; REsp n.º 704.502/RS, Rel. Min. José Delgado, DJ de 02/05/2005; EREsp n.º 422.732/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 09/05/2005; e AgRg nos EREsp n.º 471.107/MG, deste relator, DJ de 25/10/2004). 2. Os requisitos necessários para a imputação da responsabilidade patrimonial secundária na ação principal de execução são também exigidos na ação cautelar fiscal, posto acessória por natureza. 3. Medida cautelar fiscal que decretou a indisponibilidade de bens dos sócios integrantes do Conselho de Administração da empresa devedora, com base no artigo 4º, da Lei 8.397/92. 4. Deveras, a aludida regra deve ser interpretada cum grano salis, em virtude da remansosa jurisprudência do STJ acerca da responsabilidade tributária dos sócios. 5. Consectariamente, a indisponibilidade patrimonial, efeito imediato da decretação da medida cautelar fiscal, somente pode ser estendida aos bens do acionista controlador e aos dos que em razão do contrato social ou estatuto tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas obrigações fiscais, desde que demonstrado que as obrigações tributárias resultaram de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (responsabilidade pessoal), nos termos do artigo 135, do CTN. No caso de liquidação de sociedade de pessoas, os sócios são “solidariamente” responsáveis (artigo 134, do CTN) nos atos em que intervieram ou pelas omissões que lhes forem atribuídas. […]”[8]. Conforme redação do parágrafo 2º do artigo 4º da Lei nº 8.397/92, a indisponibilidade pode ser estendida aos bens adquiridos a qualquer título do requerido ou daqueles que estejam ou tenham estado na função de administrador, desde que a aquisição seja capaz de frustrar a pretensão da Fazenda Pública. Tal dispositivo é inaplicável face às disposições do CTN, na medida em que possibilita a extensão da indisponibilidade ao patrimônio de sócio que sequer era administrador da sociedade à época da ocorrência do fato gerador do débito tributário pendente de pagamento. A corroborar este entendimento: “RECURSO ESPECIAL – ALÍNEA “A” – EXECUÇÃO FISCAL – MEDIDA CAUTELAR FISCAL – INDISPONIBILIDADE DOS BENS DO SÓCIO – RESPONSABILIDADE DO SÓCIO-GERENTE – LIMITES – ART. 135, III, DO CTN – ARTIGO 4º, § 2º, DA LEI 8.397/92 – NÃO APLICAÇÃO. A responsabilidade excepcional do sócio-gerente somente se configura quando, no exercício da atividade de administração da pessoa jurídica, restar demonstrado que este agiu com abuso de poder, infração à lei, contrato social ou estatutos, a teor do disposto no artigo 135 do CTN, ou, ainda, se a sociedade foi dissolvida irregularmente. Não deve prevalecer, portanto, o disposto no artigo 4º, § 2º, da Lei 8.397/92, ao estabelecer que, na concessão de medida cautelar fiscal, “a indisponibilidade patrimonial poderá ser estendida em relação aos bens adquiridos a qualquer título do requerido ou daqueles que estejam ou tenham estado na função de administrador”. Em se tratando de responsabilidade subjetiva, é mister que lhe seja imputada a autoria do ato ilegal, o que se mostra inviável quando o sócio sequer era administrador da sociedade à época da ocorrência do fato gerador do débito tributário pendente de pagamento. Recurso especial não conhecido”[9].      Não resta dúvida, portanto, de que a indisponibilidade patrimonial apenas pode ser estendida ao sócio-gerente quando apresentados pela requerente indícios suficientes de ato ilícito a enquadrar-se na previsão do artigo 135, III, do CTN. Não se olvide, contudo, que na busca da tutela de natureza cautelar, da qual não se exime a medida cautelar fiscal, o exame da verossimilhança da alegação não pode ser substituído pela sua evidência. Como já exposto, não existe prova característica ao processo cautelar, mas sim convicção judicial própria à concessão da tutela cautelar. Na tutela cautelar o julgador decide com base em convicção de verossimilhança preponderante. Em decorrência, a mesma revela-se incompatível com o aprofundamento do contraditório e da convicção judicial, situação que demanda porção de tempo a impedir a concessão urgente da tutela. Conclusão O sucesso da medida cautelar fiscal proposta em face do sócio-gerente antes da constituição do crédito tributário (hipóteses previstas nos incisos V, b, e VII, do art. 2º da Lei nº 8.397/92) depende da demonstração, em juízo de cognição de verossimilhança, da existência de ato ilícito por parte do administrador, bem como de um dos casos mencionados nos incisos do artigo 2º da Lei nº 8.397. Os mesmos requisitos são exigidos em se tratando de medida cautelar fiscal proposta contra o administrador após a constituição do crédito tributário, salvo no caso do nome do mesmo constar como corresponsável pela Dívida Ativa da União. Em qualquer caso, tratando-se de procedimento preparatório, deverá a Fazenda Pública propor a execução judicial da Dívida Ativa no prazo de sessenta dias, contados da data em que a exigência se tornar irrecorrível na esfera administrativa. A propositura de medida cautelar incidental à execução fiscal exige requisitos semelhantes na hipótese de sócio-gerente que não figure como corresponsável no título executivo. O fumus boni iuris caracteriza-se pela existência de crédito regularmente constituído e demonstração da prática de ato ilícito por parte do administrador, enquanto o periculum in mora refere-se à existência de prova documental de algum dos casos mencionados no artigo 2º da Lei nº 8.397/92. Situação diversa configura-se quando há instauração de procedimento cautelar fiscal incidental visando a indisponibilização do patrimônio de sócio-gerente que conste como corresponsável na Certidão de Dívida Ativa. Nesta hipótese, deverá o juiz conceder a medida cautelar fiscal independentemente da demonstração, pela Fazenda Nacional, da prática do ato ilícito por parte do administrador, à vista da presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa, a teor do disposto no artigo 204 do CTN. Conclusão semelhante se impõe no caso de medida cautelar fiscal preparatória, proposta após à constituição do crédito tributário, em face sócio-gerente que conste como corresponsável pela Dívida Ativa da União. Isto porque a inscrição em Dívida Ativa também goza de presunção de certeza e liquidez, nos exatos termos do caput do artigo 3° da Lei n° 6.830/80.  Em casos tais, necessário apenas prova documental de algum dos casos mencionados no artigo 2º da Lei nº 8.397/92. A defesa do requerido pode ser feita por meio de contestação, inclusive com a indicação de provas a serem produzidas com o intuito de descaracterizar qualquer dos requisitos necessários à concessão da medida cautelar fiscal. Havendo prova a ser nela produzida, o Juiz designará audiência de instrução e julgamento (Lei n° 8.397/92, art. 9°, § único). Devem ser indeferidas quaisquer provas que desbordem da convicção judicial própria à concessão da tutela cautelar. O aprofundamento do exercício de defesa do sócio está assegurado no caso de eventual redirecionamento da execução fiscal, ocasião na qual lhe será dada oportunidade para manifestação pela via dos embargos. Além da defesa pela via dos embargos à execução fiscal, o sócio-gerente poderá buscar civilmente o ressarcimento de eventuais prejuízos suportados em decorrência da indisponibilização de seu patrimônio. Acerca da responsabilidade da requerente no âmbito da medida cautelar fiscal, cumpre transcrever lição de Cleide Previtali Cais: “[…] a medida cautelar fiscal não pode ser requerida em caráter temerário, à míngua de fundamentos, tanto por força dos pressupostos que a regulam, exigindo a prova pré-constituída , como diante das normas processuais sobre a litigância de má-fé, conforme os arts. 14, 15, 16 e 17 do CPC, e da responsabilidade do requerente em indenizar o requerido pelos prejuízos que a execução da medida puder acarretar, nos termos do art. 811 do CPC.” O fato de não haver na Lei nº 8.397/92 previsão expressa de responsabilidade da Fazenda Pública, aos moldes da prevista pelo artigo 811 do CPC[10], não quer dizer que o diploma agasalhe a irresponsabilidade da requerente, cabível a aplicação subsidiária do codex processual. O artigo 811 do CPC, contudo, deverá amoldar-se à realidade da medida cautelar fiscal.
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A função redistributiva do direito tributário: um enfoque sobre as contribuições de intervenção no domínio econômico
O presente trabalho tem por fim analisar a função redistributiva do sistema tributário por meio das contribuições de intervenção no domínio econômico. Trata-se de uma proposta baseada numa crítica à dogmática jurídica, a partir de uma leitura dos postulados do direito constitucional, da teoria tributária  aberta a posturas criticas, da contribuição de outras  áreas do direito e, por fim, da teoria comunitária da justiça (WALZER). O ensejo da discussão propõe a reavaliação dos pontos de partida teóricos na leitura do nosso sistema tributário.
Direito Tributário
1. O Direito Tributário tem uma função redistributiva? O Direito tributário não tem apenas uma função arrecadatória. Ele assume, a partir do direito positivo, a função de disciplina jurídica dos tributos (AMARO, 2008, p. 15) que, no sentido objetivo, por si mesma já constitui uma forma de presença decorrente do poder de império do Estado numa relação jurídica que impõe a incidência do regramento com posto por normas de direito público (COSTA, 2009, p. 10).  Mas pode consubstanciar em seu subsistema normativo um caráter intervencionista[1] (TAVARES, 2011, p. 343 e ss) que perfila uma modelagem adicional à sua feição tradicional impositiva de gerar ônus ao contribuinte[2]. A própria prestação de serviços públicos genéricos (segurança, saúde, educação, prestação jurisdicional, etc.) é custeada pelos instrumentos do aparato fiscal (arrecadatório) do Estado, os impostos. E os serviços públicos específicos, prestados pelo Estado, são remunerados por taxas. Assim sendo, a função fiscal poderia ser pensada, na primeira atividade mencionada, arrecadação de impostos, como um sistema de transferência de renda implementado pelo Estado para que ele possa, indistintamente, manter os serviços genéricos à disposição da sociedade. Mas isso não é suficiente para o alcance de uma função redistributiva[3]. O Direito Tributário vai além da função meramente arrecadatória, a assim chamada fiscalidade. O sistema tributário, tradicionalmente, contempla outras funções como objeto de sua atuação: a extrafiscalidade e a parafiscalidade[4], o que impede uma visão estreita e meramente legalista sobre a função tributante do Estado. No entanto, no modo da extrafiscalidade, ressalta de importância a função intervencionista do Poder de Tributar (VELLOSO, 2007, p. 88) o que configura uma exigência específica sobre o estudo do Direito Tributário fora das amarras meramente positivistas e normativistas para alcançar uma dimensão ampliada, a partir da Constituição federal e do Direito Constitucional, recaindo sobre as bases de um Estado que intente promover a justiça social (art. 3º, da CF/88). Uma função redistributiva do Direito Tributário seria concretizável com uso correto e razoável de técnicas de tributação que tornaria possível a criação de um conjunto de regras aptas a alcançar valores constitucionalmente contemplados através da extrafiscalidade (COSTA, 2009) a fim de realizar concretamente a justiça social.  A concretização da redistribuição de rendas pelo Direito Tributário ultrapassa, portanto, a função meramente arrecadatória. Isso porque a função arrecadatória por ser a técnica de transferência de rendas do contribuinte para o Estado, constituindo as receitas públicas, não é suficiente para corrigir distorções ocasionadas pelo próprio mercado. A função redistributiva do Direito Tributário está incluída na chamada função extrafiscal. Especialmente se considerarmos que essa função exorbita da mera função arrecadatória (função fiscal) do Estado, decorrente do seu poder de império, ultrapassando esse contexto a fim de atingir em essência uma intervenção estatal no domínio econômico através de um sistema de justiça distributiva. Deve-se ressaltar a importância da relação do Direito Tributário com outros ramos do Direito, tais como: O Direito Constitucional, o Direito Financeiro e o Direito Econômico para o atingimento da função extrafiscal redistributiva[5]. Com o primeiro, não apenas pela conformidade formal da legislação infraconstitucional ao Sistema Tributário Nacional (art. 145 e ss. da CF/88), mas pela conformidade material aos valores e princípios consagrados no texto da Constituição (ÁVILA, 2010). Com o segundo, a partir da proposta inovadora de Eurico de Santi e Vanessa Canado (2008) da releitura do conceito de tributo que contempla a destinação da arrecadação como elemento essencial da sua definição jurídica e pelo controle que pode ser exercido quanto à aplicação de recursos obtidos pelos tributos. E, por fim, com o Direito Econômico, porque a técnica de intervenção racional (art. 174, da CF/88) pelo planejamento e pela função fiscalizatória do Estado (TAVARES, 2011) e pela utilização razoável das contribuições de intervenção no domínio econômico (art. 173, § 4º, da CF/88), além de outros instrumentos conformadores do exercício da atividade econômica. 2. O Direito Tributário em perspectiva crítica Tradicionalmente o Direito Tributário é estritamente abordado a partir dos postulados positivistas do ponto de vista da construção de sentido centrada na filosofia da linguagem (CARVALHO, 2000, p. 7)[6] ou no normativismo com algumas ponderações quanto a valores, embora prevaleça a análise normativa da ciência do Direito tributário influenciada pelo Direito Positivo (COELHO, 2002)[7]. Uma das justificativas para tanto, sem pretensão de análise absoluta, é que a tipicidade legal exigida na estruturação dos elementos básicos do sistema tributário é algo, em certa medida, inafastável (AMARO, 2008, p. 4). Embora não se deixe de reconhecer, em determinados contextos da análise do sistema tributário, uma relativa flexibilidade dos postulados normativistas (CARRAZZA, 2010). Contudo, as recentes evoluções da Teoria do Direito e do Direito Constitucional influíram decisivamente no aporte teórico em relação ao sistema do Direito de um modo marcante[8]. E um aspecto importante diz respeito à abertura semântica dos textos jurídicos por meio do processo hermenêutico e a contemplação dos princípios constitucionais que qualificam, mesmo que não univocamente, o assim chamado pensamento pós-positivismo. Abrimos espaço para uma das mais importantes contribuições quanto à abordagem do sistema constitucional tributário: a do Prof. Humberto Bergmann Ávila[9]. Humberto Ávila, professor do departamento de Direito Tributário, Financeiro e Económico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, forte na doutrina alemão, elaborou uma obra de fôlego, Sistema Constitucional Tributário, em que traça um quadro comparativo entre o Sistema Constitucional Brasileiro e o Alemão. A obra do Professor gaúcho se estrutura em torno da construção do Sistema Constitucional Tributário, contemplando a contribuição doutrinária, naquilo que é compreendido como sistematização conceitual material (conteúdo) de caráter normativo, principiológico, hermenêutico e axiológico, pois se há uma opção pela abertura material aos princípios fundamentais e aos direitos e garantias fundamentais, a carga valorativa de um empreendimento teórico dessa envergadura não deve ser negligenciada. Defende, portanto, a abertura material do sistema tributário Nacional na Constituição Federal. Quanto à parte sistemática da obra, o autor, faz um estudo sistemático das Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar na Constituição Brasileira e na Lei Fundamental Alemã. Aí ele trata da característica dos Sistemas Tributários em cotejo, traçando um quadro comparativo quanto às limitações formais e materiais. Tratando da construção do Sistema Constitucional Tributário, especialmente, a contribuição doutrinária para este intento o autor afirma que, “o agrupamento externo das normas tributárias na Constituição Brasileira conduz à presunção de que o sistema tributário ou está somente regulado no capítulo do `Sistema Tributário Nacional` ou  não possui uma profunda relação horizontal com a Constituição toda. O sistema tributário, porém, não abrange apenas o sistema externo (…), que diz respeito à ordenação formal. O sistema tributário, em vez disso, engloba o sistema interno (…), no sentido de uma conexão interna e conteudística entre as normas jurídicas que direta ou indiretamente regulem – não apenas diretamente a matéria, mas – a relação obrigacional tributária. A influência dos princípios fundamentais ou dos direitos fundamentais sobre o sistema Tributário, ou a expressa abertura do Sistema Tributário por meio do art. 150 (`sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte´) são exemplos indicativos de que o Sistema Tributário não se confunde, quantitativa e qualitativamente, com o capítulo do Sistema Tributário Nacional: quantitativamente porque existem outras normas tributárias além daquelas que podem ser reconduzidas aos dispositivos contidos no capítulo do Sistema Tributário Nacional; qualitativamente porque as normas previstas no Sistema Tributário Nacional só ascendem a um significado normativo por meio de uma (horizontal) consideração das concatenações matérias decorrentes dos princípios e direitos fundamentais” (ÁVILA, 2010, p. 23).  As atitudes da nossa doutrina de direito tributário, como afirma Àvila, quanto a não abordagem desses aspectos representa uma falta dos tratadistas e autores nacionais. A falta de combinação entre os princípios, a falta de investigação algumas normas, também constitui, um limite doutrinário. É inegável que houve uma evolução da Teoria do Direito Tributário. Este ramo do Direito foi um das áreas que mais se desenvolveu, “apresentando alta precisão conceptual e sofisticado controle argumentativo do seu discurso dogmático” (SANTI, CANADO, 2008, p. 609). Entretanto, tal evolução em termos de discurso, não necessariamente contemplou tópicos importantes e fundamentais da teoria do Direito, a exemplo da Teoria Hermenêutica, mesmo considerando-se  importantes capítulos sobre aplicação, interpretação e integração da legislação tributária (capítulos III e IV do Título I – Legislação Tributária – do Livro Segundo – Normas Gerais de Direito Tributário). Nesse contexto específico a dogmática não tem aprofundado de modo suficiente. Portanto, tem sido comum, não apenas no campo específico do Direito Tributário, esse tipo de postura doutrinária (dogmática jurídica) dos chamados especialistas que tratam de determinados institutos jurídicos de modo apartado quando a própria natureza do objeto estudado é por si mesma, aberta a incidência de outras abordagens. Não se trata de ecletismo metodológico, mas da defesa de uma postura voltada ao conhecimento dos próprios fundamentos das ações estatais, a partir do espectro jurídico, sem olvidar das teorias sociais que contribuem para a construção de sentido do direito enquanto teoria e do Direito Positivo. 3. Fundamento constitucional das Contribuições e das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico Oportuno, aqui, discutir no segundo momento deste trabalho, o fundamento constitucional das contribuições, para determinar a linha de argumentação a partir da perspectiva teórica aqui adotada. O que está em vista, em primeiro plano, a partir do texto da Constituição, é o tratamento das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico como espécie tributária apta a promover uma redistribuição de renda, dentro da função extrafiscal do Estado. Desse modo, a existência de fundamento constitucional não apenas garante, formalmente, o seu caráter jurídico e confere um regime de natureza constitucional tributária, mas permite, inclusive, um aporte axiológico a partir da moderna teoria constitucional, naquilo que influencia o Direito Tributário na Constituição e no CTN – Código Tributário Nacional e legislação tributária infraconstitucional (ÁVILA, 2010). As Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico são, na verdade, subespécies das Contribuições Especiais genericamente previstas no art. 149 da Constituição. O fundamento constitucional das Contribuições Especiais enquanto espécies tributárias está imune à dúvidas (CARRAZZA, 2009, p. 93) [10], no tocante às contribuições de Intervenção no Domínio Econômico elas estão resguardadas por fundamento constitucional específico (art. 177,§ 4º)[11]. Deve-se lembrar, mais uma vez, que na Constituição de 1988 as contribuições (e os empréstimos compulsórios) passaram a ser considerados espécies tributárias (DERZI, 2008, p. 626-27), mas pode-se afirmar que desde a Constituição de 1967 já se tinha a presença das Contribuições especiais e as próprias contribuições de intervenção no domínio econômico (SANTI, CANADO, 2008, p. 615). É importante, ainda, reconhecer que as contribuições já existentes antes da Constituição de 1988[12], denominadas parafiscais (especialmente as contribuições sociais), constituíam uma forma peculiar de financiamento de alguns gastos sociais por meio da arrecadação de elevadas somas de recursos. Estes recursos, não incluídos nos orçamentos da União, eram recolhidos por órgãos da administração indireta e geridos com independência pelo Poder executivo (AFONSO, ARAÚJO, 2005, p. 271). Com a Constituição de 1988 as contribuições ganharam novas finalidades (art. 149), a principal, a destinação dos seus recursos (caso especial das CIDES) para a construção do Estado Democrático de Direito, ou melhor, a atuação da União nessa construção (DERZI, 2008, p. 652), desiderato este, fundado essencialmente na solidariedade dos contribuintes (DOMINGUES, 2007, p. 110). Tais subespécies tributárias, quanto à estrutura enunciativa, que descreve a sua hipótese de incidência relativa aos elementos necessários para o nascimento da sua imposição, não destoam das demais contribuições especiais previstas no art. 149 da Constituição Federal. As contribuições nascem para alcançar um fim específico e a sua hipótese de incidência já estabelece a destinação dos seus recursos obtidos com sua exação tributária. Assim, são os casos das contribuições sociais para o financiamento da seguridade Social (COFINS, CSLL), as contribuições corporativas para os Conselhos Profissionais, etc. O que ocorre de diferente entre as hipóteses de incidência das diversas espécies de contribuição é o fato de que a destinação dos recursos contemplará um setor específico diverso em relação a cada uma das subespécies (Sociais, Corporativas e de Intervenção no Domínio Econômico). No caso das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, elas são destinadas a financiar atividades vinculadas às sujeitos que atuam em determinada área, setor econômico etc., ou se destinam a reduzir os impactos causados por determinadas atividades sempre em consideração a uma ação intervencionista do Estado. Por oportuno, entendemos que o tratamento da estrutura, natureza jurídica ou elementos essenciais sobre as contribuições de um modo geral e, em especial as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, não devem ser aqui abordados por uma questão de objeto e espaço. Para isso, ou seja, para uma compreensão dogmática sobre as contribuições, remetemos os leitores às doutrinas tributárias aqui referidas. O intento maior é ressaltar, como destaque específico objetivo deste trabalho, a destinação dos recursos arrecadados por essas espécies tributárias, direcionados a redistribuição de renda, conforme a linha argumentativa aqui adotada. 4. A destinação específica das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico como instrumento tributário redistributivo      As contribuições especiais, repisamos, previstas no art. 149 da CF/88, como espécies tributárias distintas das demais (Impostos, taxas, contribuições de melhoria e empréstimos compulsório), são gravadas por um elemento que as diferencias daquelas outras espécies de tributos (STF). É a assim denominada destinação específica do produto da arrecadação (SANTI, CANADO, 2008) ou referibilidade contida na norma (CARRAZZA, 2009; CAMARGOS, 2008).  Apesar das respeitadas opiniões, em sentido contrário, não considerando as contribuições especiais como espécies tributárias autônomas (CARRAZZA, 2010; CARAVALHO, 2000; COLEHO, 2002) o seu elemento diferenciador, a destinação específica do produto da arrecadação, torna suficiente a diferença específica que tem as contribuições em relação às demais espécies tributárias integrando uma das cinco espécies de tributos (AMARO, 2008, p.28; COSTA, 2009, p. 110; MACHADO, 2006, p. 84; SABBAG, 2009, p. 353; SANTI, CANADO, 2008, p. 609; VELOSO, 2007, p. 16;). A estrutura enunciativa dessas espécies tributárias define tal elemento essencial criando uma feição própria às contribuições especiais de modo a caracterizá-las como espécie tributária autônoma em relação às demais. Para que as contribuições possam ter uma existência dignas de conformidade constitucional e legal, no pertinente à sua estrutura interna, é exigida que a destinação dos recursos obtidos com a sua instituição alcance necessariamente o fim específico cogitado pela norma instituidora da mesma (CARRAZZA, 2009, p. 96). Esse é o diferencial constitucional das contribuições e das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico: a destinação específica a que se propõe (SANTI, CANADO, 2008, p. 616). Assim sendo, a destinação dos recursos das contribuições proverão o Estado de recursos que serão objetivamente empregados em determinadas atividades que exigem do Estado uma atenção especial. No caso das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico a sua instituição se justificaria sempre que um setor específico da sociedade exija investimentos do Estado para o fim de reduzir as falhas econômicas e sociais causadas pelo setor sujeito à imposição tributária. De outra parte essa ação tributária deverá beneficiar os segmentos sociais atingidos pelas atividades estatais ou privadas alvo desta modalidade de intervenção econômica do Estado. A contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, em uma de suas formas mais eficaz, pode ter uma importante externalidade[13] social positiva. Pode contribuir para reequilíbrio de setores em que especiais condições de mercado criam benefício adicional para determinados agentes econômicos. É o que ocorre em que há necessidade de regulação de monopólios formados a partir de redes. o titular de direito sobre as redes parte de uma imensa vantagem inicial; pode proporcionar lucros extraordinários; esses lucros podem ser compensados tanto por uma obrigação direta de provimento (SALOMÃO FILHO, 2001, p. 59). Saliente-se, que um programa redistributivo via tributação não consistiria em um aparato técnico jurídico para fazer caridade aos mais necessitados. A ideia central da presente proposta teórica não é essa! Um sistema de tributação redistributivo visa a instrumentalidade das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico lograria êxito no combate às externalidades negativas provocadas por vultosos empreendimentos. Emerge dessa discussão é aquilo que se deve entender por redistribuição tributária que promova a justiça na alocação de recursos para determinados setores no combate às externalidades negativas que configuram verdadeiras falhas mercadológicas. A discussão até aqui, em sentido mais amplo, considera a função redistributiva do Direito Tributário atrelado ao modelo de um Estado Social de Direito que justifique a sua função intervencionista no processo de redução das desigualdades sociais. Em sentido mais estrito, no desiderato de aperfeiçoar tal função redistributiva do Direito Tributário, considera-se que as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico constituem elemento de grande valia a redução das disparidades econômicas e sociais. Resta identificar quais os critérios devem nortear, em contexto específico de incidência dessas contribuições, a escolha de atividades passíveis de exação por essa via tributária e os beneficiários do produto da arrecadação que possam promover situações de bem-estar. Por quais razões ocorrem assimetrias entre os interesses em jogo em um sistema redistributivo? Esse é um dilema que vem ocupando as mentes de grandes pensadores desde Aristóteles. O crucial não é ter uma resposta para a questão em termos formais. Certamente, não se deve cogitar de um sistema que observasse apenas as escolhas coletivas de modo a configurar decisões arbitrárias. Mais importante deve ser a consideração em torno de opções coletivas que considerem as diferentes situações individuais, ou grupais, sem ascensão por sobre o indivíduo. Afinal seria uma medida extrema o Estado não permitir uma margem existencial mínima ao próprio individuo. De modo diverso, importa sim, em certa medida, o reconhecimento da igualdade complexa[14] que leva em conta uma pluralidade inevitável em uma comunidade (WALZER, 2003, p. 6-7), o que não significa uniformizar as pessoas; ela precisa fundamentalmente evitar que prospere a injustiça (SOBOTTKA & SAAVEDRA, 2012, p. 129). Assim sendo, um sistema tributário redistributivo não pode ser qualificado como eficiente, apenas, por exemplo, quanto à redução da pobreza. A própria função fiscal visa a fins como este. O sistema de transferência de renda é, de certa forma, implementado pela tributação via impostos que, mesmo sem a destinação específica para determinado setor, deve ser justificado prestação de serviços básicos genéricos e essenciais à comunidade.  No campo específico das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico outras deficiências podem ser reduzidas com a sua incidência. É o caso da diminuição dos impactos ambientais causados pela indústria do petróleo que é a destinação específica dos recursos obtidos por meio da CIDE – combustíveis. Uma função redistributiva deve ser buscada na realização do bem-estar em sentido amplo, não só quanto aos impactos que possam gerar desigualdades, mas também atribuir ônus a sujeitos responsáveis por atividades causadoras de externalidades e fazer repercutir os bônus de um processo econômico que compromete a todos.
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A responsabilização tributária dos condomínios edilícios pelas fazendas municipais
A natureza jurídica dos condomínios edilícios é um tema altamente controverso no âmbito da doutrina civilista. Essa indefinição levanta questionamentos a respeito da possibilidade de indicá-los como contribuintes, especialmente por parte dos Municípios. O artigo ora proposto busca elucidar a questão, e verificar se há embasamento legal para tanto no ordenamento pátrio.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A responsabilidade tributária – isto é, a transferência da responsabilidade de recolher aos cofres públicos os valores decorrentes de tributos – vem se transformando, no decorrer dos anos, numa importante ferramenta de controle e incremento da arrecadação. Essa ferramenta visa em sua essência facilitar o controle do Fisco e ainda a cobrança do tributo devido, prevenindo a sonegação. Um exemplo é a dita substituição tributária “para frente” prevista no art. 150, § 7º da Constituição Federal[1], amplamente aplicada ao ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação), prevista no art. 155, inciso II da Carta Constitucional, de competência dos Estados e do Distrito Federal. O seu uso tem se disseminado em várias legislações nas três esferas do Governo, especialmente em relação a tributos onde a evasão é historicamente elevada. Nos municípios, é regra a previsão de responsabilidade tributária para o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), dentro dos limites da Lei Complementar 116/03. Normalmente, figuram como responsáveis tributários tanto pessoas físicas, quanto jurídicas, ainda que isentas ou imunes. Entretanto, a colocação dos condomínios edilícios nesta posição sempre sofreu grande resistência por parte dos municípios, que em sua grande maioria não preveem a possibilidade da inclusão dessa entidade no rol dos contribuintes. Por outro lado, a jurisprudência vem entendendo que os condomínios edilícios podem figurar no polo passivo de diversas demandas, inclusive naquelas em que se discute lides tributárias. Alem disso, já há um debate no âmbito da doutrina civilista sobre a possibilidade ou não de se reconhecer que eles possuem personalidade jurídica. A discussão que ora proposta é verificar, a partir do estudo das características do condomínio edilício, e ainda das regras gerais tributárias contidas no Código Tributário Nacional (CTN), se há ou não possibilidade de se indicar o condomínio edilício como integrante do polo passivo tributário. 1. CONCEITO DE CONDOMÍNIO EDILÍCIO 1.1 Condomínio Antes de se conceituar o estatuto do condomínio edilício, é necessário dominar o que é um condomínio. O condomínio é uma forma de compartilhamento da propriedade, onde duas ou mais pessoas são proprietárias do mesmo bem. Está previstos no arts. 1.314 e 1315 do Código Civil (CC):  “Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la. Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros. Art. 1.315. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita”. Sobre o tema, leciona Carlos Roberto Gonçalves apud Barouch e Milão (2013): “Em regra, a propriedade de qualquer coisa pertence a uma só pessoa. Pode-se dizer que a noção tradicional de propriedade está ligada à idéia de assenhoreamento de um bem, com exclusão de qualquer outro sujeito. Mas há casos em que uma coisa pertence a duas ou mais pessoas simultaneamente. Essa situação é designada por indivisão, com propriedade, comunhão ou condomínio”. Assim, no condomínio todos os proprietários – ditos condôminos – tem direitos iguais, podendo inclusive reivindicar de terceiro, e obrigações iguais, como a divisão das despesas em comum, proporcionalmente à sua parte. 1.2. Condomínio edilício O condomínio edilício foi originalmente regulado pela Lei 4.591/64, posteriormente revogada em quase sua totalidade pelos artigos 1.331 a 1.354 do Código Civil. Em sua essência, o condomínio edilício é um tipo sui generis de condomínio, que permite que existam ao mesmo tempo areas de propriedade comum a todos os condôminos, e areas privativas de cada um desses condôminos, as chamadas unidades imobiliárias. É o que se depreende do caput do art. 1.331: “Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos”. Ensina Maria Helena Diniz apud Barouche e Milão (2013): “Condomínio edilício é aquele constituído como resultado de um ato de edificação. É uma mistura de propriedade individual e condomínio, caracterizando-se juridicamente pela justaposição de propriedades distintas e exclusivas ao lado do condomínio de partes do edifício forçosamente comuns, como o solo em que está construído o prédio, suas fundações, pilastras, área de lazer, vestíbulos, pórticos, escadas, elevadores, corredores, pátios, jardim, porão, aquecimento central, morada do zelador, etc. Cada condômino tem uma fração ideal do condomínio, que representa a parte que o dono do apartamento tem no terreno em que está construído o prédio. Cada proprietário de fração autônoma (apartamento, sala de utilização profissional, garagem) pode usar livremente das partes comuns, atendendo à sua destinação e não prejudicando a comunhão”. Desta maneira, o condomínio edilício é uma forma diferenciada de propriedade, onde se admite que haja compartilhamento das áreas comuns, ao mesmo tempo em que há frações individualizadas, que podem inclusive ser comercializadas independentemente da vontade dos demais condôminos. Sua constituição se dá através do seu registro na matrícula do imóvel, bem como da sua convenção em registro auxiliar, ambos no Registro de Imóveis competente (art. 1.332 e 1.333 do CC). 1.3. Natureza jurídica do condomínio edilício Há na doutrina civilista um debate a respeito da natureza jurídica do condomínio edilício, que basicamente discute a possibilidade de se atribuir ou não personalidade jurídica a esse instituto. Aqueles que não admitem a personalidade jurídica do condomínio edilício reconhecem tão somente a personalização judiciária, ou seja, a capacidade de ser representado em juízo pelo síndico, prevista no art. 11, inciso IX do Código de Processo Civil. Como bem observado por Nadja Machado Botelho (2003, p. 04), os condomínios edilícios carecem de personalidade jurídica: “O condomínio não é pessoa jurídica; não existe nele um ente dotado de personalidade, composto do conjunto de co-proprietários, com direitos sobre a coisa comum. Também não há uma personificação do acervo patrimonial, ad instar do que se passa com as fundações. Na verdade, o condomínio constitui modalidade especial de propriedade, direito real por excelência, não sendo, portanto, pessoa, nem se aproximando da associação. […]” Na visão desses doutrinadores, o condomínio edilício é na verdade um direito real complexo, e o conjunto de proprietários representados pelo síndico carecem da verdadeira unidade em torno de objetivos comuns, a exemplo do que ocorre nas associações. Por outro lado, já existem aqueles que enxergam a possibilidade de reconhecer a personalidade jurídica ao condomínio edilício. Essa visão é calcada principalmente na complexidade cada vez maior das relações estabelecidas por essas entidades, e que forçam o reconhecimento do aprimoramento do instituto. Para Marcelo Guimarães Rodrigues (2009, p. 02): “O condomínio edilício tem sido considerado sob os mais diversos enfoques: ‘ente jurídico’, persona ficta (ou ‘moral’, ‘intelectual’, ‘coletiva), denominação que, do ponto de vista do jusnaturalismo, conceitua comunidades ou corporações, ou ‘comunidade de interesses ativos e passivos’. Não obstante possa se distinguir perfeitamente dos titulares de cada uma das unidades autônomas, não é enquadrado como uma pessoa jurídica em sentido estrito, de igual forma como se dá com outros entes formais, tais como o espólio da herança jacente ou vacante, a massa falida, a sociedade irregular, etc. Todavia, não se pode deixar de apontar algumas assimetrias na composição desse rol. De início, releva observar o caráter transitório dos demais entes formais, o que torna despiciendo conferir a tais situações jurídicas uma proteção mais abrangente. Já no condomínio edilício, ocorre justamente o contrário, de sorte que sua instituição é, se não perpétua, ao menos perene, o que justifica sob vários aspectos, inclusive da segurança jurídica, a definição de sua personalidade. Lado outro, revela o ato de sua instituição a conjugação de todos os requisitos exigidos para a válida constituição da pessoa jurídica: a) a vontade humana criadora, com o direcionamento volitivo de várias pessoas em torno de uma finalidade comum e de um novo organismo; b) o cumprimento das condições legais de sua formação; c) liceidade de seus propósitos; d) a forma prescrita ou não defesa em lei; e) o obrigatório registro público na circunscrição imobiliária respectiva com eficácia constitutiva e oponível perante terceiros”. (grifos em negrito de nossa autoria) Fato é que a lei civil não reconhece expressamente o condomínio edilício como pessoa jurídica, com todos os reflexos que isso implica. Entretanto, essa ausência de autorização legal não impede a crescente complexidade das relações que essa entidade tem adquirido, nem os reflexos (trabalhistas, tributários, civis, etc.) que essas relações tem tanto para os condôminos quanto para terceiros. 2. PERSONALIDADE JURÍDICA NO CÓDIGO CIVIL O Código Civil estabelece no art. 1o o conceito de personalidade jurídica: “Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Dessa maneira, possuir personalidade civil é possuir, numa conceituação simples, a capacidade de exercer direitos e, por outro lado, cumprir deveres. E essa é uma atribuição tanto de pessoas naturais, quanto jurídicas. Porém, ao contrário das pessoas naturais, que adquirem personalidade jurídica no momento do nascimento (art. 2o do Código Civil[2]), as pessoas jurídicas somente adquirem sua personalidade através da lei. Plácido e Silva apud Perret (2004, p. 364) leciona: “Em oposição à pessoa natural, expressão adotada para indicação da individualidade jurídica constituída pelo homem, é empregada para designar as instituições, corporações, associações e sociedades, que, por força ou determinação da lei, se personalizam, tomam individualidade própria, para constituir uma entidade jurídica, distinta das pessoas que a formam ou que a compõe. Diz-se jurídica porque se mostra uma encarnação da lei. E, quando não seja inteiramente criada por ela, adquire vida ou existência legal somente quando cumpre as determinações fixadas por lei. … a pessoa jurídica somente tem existência quando o Direito lhe imprime o sopro vital. Criando-se ou as confirmando, é, pois, o Direito que determina ou dá vida a estas entidades, formadas pela agremiação de homens, pela patrimonização de bens, ou para cumprir, segundo as circunstâncias, a realização do próprio Estado”. (grifos em negrito de nossa autoria) Assim, para a pessoa jurídica a personalidade somente nasce se e quando os requisitos legais estiverem presentes, especialmente quanto à previsão legal expressa de atribuição dessa personalidade. A principal característica concedida à pessoa jurídica em função da sua personalização é a distinção entre ela e as pessoas físicas que dela fazem parte, com a separação inclusive patrimonial. 3. RESPONSABILIDADE E CAPACIDADE TRIBUTÁRIAS E A PREVISÃO DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL A responsabilização tributária é a transferência da obrigação de recolher o tributo devido, do contribuinte original para um terceiro com relação direta com o fato tributário. Essa transferência se dá por determinação expressa de lei, e está regulamentada no art. 128[3] do CTN. À guisa do tema, ensina Eduardo Sabbag (2011, p. 695): “Em princípio, o tributo deve ser cobrado da pessoa que pratica o fato gerador. Nessas condições, surge o sujeito passivo direto (“contribuinte”). Em certos casos, no entanto, o Estado pode ter necessidade de cobrar o tributo de uma terceira pessoa, que não o contribuinte, que será o sujeito passivo indireto (“responsável tributário”). Em sentido estrito, é a sujeição passiva indireta a submissão ao direito de crédito do Fisco, em virtude da expressa determinação legal, de a situação que corresponda ao fato gerador (art. 128 do CTN)”. O instituto da responsabilidade tributária é usado primordialmente para facilitar o controle, por parte do Fisco, do pagamento das obrigações tributárias, já que via de regra, as pessoas indicadas como responsáveis são mais facilmente alcançadas. Nas palavras de Harada (2006, p. 490): “Razões de ordem prática na arrecadação tributária fizeram com que o Direito Tributário introduzisse expedientes vários em prol da comodidade administrativa, entre eles, a transferência da responsabilidade pelo crédito tributário do sujeito passivo natural para um terceiro, desde que haja expressa previsão legal”. Entretanto, a transferência da responsabilidade tributária passa necessariamente pela capacidade tributária, isto é, pela possibilidade de figurar no polo passivo tributário. A capacidade tributária esta prevista no art. 126 do Código Tributário Nacional (CTN): “Art. 126. A capacidade tributária passiva independe: I – da capacidade civil das pessoas naturais; II – de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios; III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica ou profissional”. A lei tributária não adotou o conceito de capacidade civil, e sim um conceito próprio de capacidade tributária. Ou seja, para figurar no polo passivo basta a previsão legal, não sendo óbice a falta de capacidade civil, ou mesmo de personalidade jurídica. Nesse sentido, legislam Alexandrino e Paulo (2007, p. 210): “Toda e qualquer pessoa, física ou jurídica, em qualquer situação, inclusive as pessoas jurídicas não regularmente constituídas e as sociedades de fato, tem capacidade passiva, sem nenhuma exceção. Ter capacidade passiva significa apenas ter possibilidade de realizar o fato gerador de obrigação tributária. Não importa se a cobrança poderá ser feita diretamente da pessoa que realizou o fato gerador ou terá que ser feita de um representante. A pessoa que tem relação direta com o fato gerador da obrigação principal é contribuinte, mesmo que a cobrança não seja feita diretamente contra ele. Assim, um recém-nascido pode ser proprietário de um imóvel urbano; o contribuinte do IPTU é ele. […] Para enfatizar: somente as coisas, os animais e os mortos não tem capacidade tributária! O CTN entendeu por bem fazer uma lista exemplificativa de situações que não interferem na capacidade tributária passiva. A lista é desnecessária porque, repetimos, nenhuma circunstância interfere na capacidade tributária passiva. [..]” (grifos em negrito de nossa autoria). A possibilidade de a lei tributária dar significado diverso para institutos previstos em outros ramos do Direito está expressamente previsto no art. 109 do CTN: “Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”. Desta feita, no que concerne ao Direito Tributário, pode ser indicado como responsável tributário todo aquele que tenha relação direta com a obrigação, desde que a lei assim preveja. 4. POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO TRIBUTÁRIA DOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS – A VISÃO DA JURISPRUDÊNCIA A natureza jurídica do condomínio edilício, e por extensão, a existência ou não da sua personalidade jurídica tem sido tema de debate na jurisprudência. Dentre as areas em que esse debate é trazido à tona estão lides relacionadas à responsabilidade civil (indenizações por danos morais e/ou materiais), reclamações trabalhistas, alem de decisões versando sobre questões tributárias. No campo tributário, a questão sobre a existência ou não de capacidade tributária para os condomínios edilícios foi levantada indiretamente, através da discussão da existência ou não de personalidade jurídica. E, em sua maioria, os julgados tem caminhado no sentido de reconhecer que, apesar de não possuir personalidade jurídica, o condomínio edilício pode sim figurar no polo passivo tributário. Portanto, seria sim detentor de capacidade tributária. O Superior Tribunal de Justiça, através de julgado relatado pelo Ministro Humberto Martins, pronunciou-se assim sobre o tema: “TRIBUTÁRIO. CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS. PERSONALIDADE JURÍDICA PARA FINS DE ADESÃO À PROGRAMA DE PARCELAMENTO. REFIS. POSSIBILIDADE. 1. Cinge-se a controvérsia em saber se condomínio edilício éconsiderado pessoa jurídica para fins de adesão ao REFIS. 2. Consoante o art. 11 da Instrução Normativa RFB 568/2005, os condomínios estão obrigados a inscrever-se no CNPJ. A seu turno, a Instrução Normativa RFB 971, de 13 de novembro de 2009, prevê, em seu art. 3º, § 4º, III, que os condomínios são considerados empresas- para fins de cumprimento de obrigações previdenciárias. 3. Se os condomínios são considerados pessoas jurídicas para fins tributários, não há como negar-lhes o direito de aderir ao programa de parcelamento instituído pela Receita Federal. 4. Embora o Código Civil de 2002 não atribua ao condomínio a forma de pessoa jurídica, a jurisprudência do STJ tem-lhe imputado referida personalidade jurídica, para fins tributários. Essa conclusão encontra apoio em ambas as Turmas de Direito Público: REsp411832/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em18/10/2005, DJ 19/12/2005; REsp 1064455/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008, DJe 11/09/2008.Recurso especial improvido. (STJ – REsp: 1256912 AL 2011/0122978-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 07/02/2012, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/02/2012)”. (grifos em negrito de nossa autoria). Alinhando-se a esse pensamento, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal  (TJ-DF) pronunciou-se sobre a possibilidade do condomínio edilício figurar como contribuinte da Contribuição sobre a Iluminação Pública – CIP, em julgado proferido nos autos do Agravo de Instrumento 193919120088070000, em julgado relatado pelo Desembargador Teófilo Caetano: “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – CIP. CONDOMÍNIO. SUJEITO PASSIVO. QUALIFICAÇÃO. DEFINIÇÃO. MODIFICAÇÃO. LEI COMPL EMENTAR Nº 699/04. SUSPENSÃO DE COBRANÇA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. 1. A cobrança da contribuição de iluminação pública – cip no âmbito do distrito federal fora instituída pela lei complementar nº 637/92, que introduzira o artigo 4º-a na lei complementar nº 04/94 – código tributário do distrito federal -, definindo o fato gerador e o contribuinte da exação, cuja conceituação fora alterada pela lei complementar nº 699/04, que, de seu turno, passara a qualificar como sujeito passivo do tributo o titular ou responsável por unidade consumidora constante do cadastro da concessionária de distribuição de energia elétrica, conforme regulamentação da agência nacional de energia elétrica – aneel, exceto os das classes rural e iluminação pública. 2. Desde a inovação impregnada na conceituação legal do contribuinte da contribuição de iluminação pública – cip, o sujeito passivo do tributo se confunde, portanto, com o titular ou responsável por unidade consumidora constante do cadastro de distribuição de energia elétrica, donde, em sendo inexorável que o condomínio edilício, conquanto despersonalizado, assume certas obrigações e titulariza determinados direitos, usufruindo dos serviços de energia elétrica fornecidos pela concessionária de distribuição de energia elétrica, efetivamente se inscreve na conceituação de sujeito passivo da exação, dela não podendo ser alforriado. 3. Agravo conhecido e provido. Unânime. (TJ-DF – AI: 193919120088070000 DF 0019391-91.2008.807.0000, Relator: TEÓFILO CAETANO, Data de Julgamento: 11/03/2009, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 01/04/2009, DJ-e Pág. 35)”. (grifos em negrito de nossa autoria). Chama atenção o fato de que as decisões retro apresentadas indicam que a falta de personalidade jurídica civil não obsta a figuração passiva dos condomínios edilícios nas relações jurídico-tributárias. Dentre os julgados encontrados, destaca-se o proferido pelo STJ nos autos dos Embargos no Recurso Especial 446955 SC 2005/0076989-6, da relatoria do Min. Luiz Fux: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS DEVIDAS PELOS EMPREGADOS, TRABALHADORES TEMPORÁRIOS E AVULSOS. CONSTRUÇÃO CIVIL. DONO DA OBRA E CONSTRUTOR OU EMPREITEIRO. SUBSTITUTOS TRIBUTÁRIOS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA (SÚMULA 126/TRF – ANTERIOR À PROMULGAÇÃO DA CF/88). RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA (CF/88 ATÉ A LEI 9.711/98). RESPONSABILIDADE PESSOAL DO TOMADOR DO SERVIÇO DE EMPREITADA DE MÃO-DE-OBRA (LEI 9.711/98). 1. O sujeito passivo da obrigação tributária, que compõe o critério pessoal inserto no conseqüente da regra matriz de incidência tributária, é a pessoa que juridicamente deve pagar a dívida tributária, seja sua ou de terceiro (s). 2. O artigo 121 do Codex Tributário, elenca o contribuinte e o responsável como sujeitos passivos da obrigação tributária principal, assentando a doutrina que: "Qualquer pessoa colocada por lei na qualidade de devedora da prestação tributária, será sujeito passivo, pouco importando o nome que lhe seja atribuído ou a sua situação de contribuinte ou responsável" (Bernardo Ribeiro de Moraes, in "Compêndio de Direito Tributário", 2º Volume, 3ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2002, pág. 279). 3. O contribuinte (também denominado, na doutrina, de sujeito passivo direto, devedor direto ou destinatário legal tributário) tem relação causal, direta e pessoal com o pressuposto de fato que origina a obrigação tributária (artigo 121, I, do CTN). 4. Em se tratando do responsável tributário (por alguns chamado sujeito passivo indireto ou devedor indireto), não há liame direto e pessoal com o fato jurídico tributário, decorrendo o dever jurídico de previsão legal (artigo 121, II, do CTN). Acerca do tema, há doutrina no sentido de que: "… qualquer pessoa obrigada ao pagamento de tributo de que não é o contribuinte de direito figura na condição de responsável tributário. Não vislumbramos qualquer distinção possível na figura do retentor que é, sim, responsável tributário por substituição." (Leandro Paulsen, in"Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência", 8ª ed., Ed. Livraria do Advogado e Escola Superior da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006, pág. 1.000). 5. A responsabilidade tributária por substituição ocorre quando um terceiro, na condição de sujeito passivo por especificação da lei, ostenta a integral responsabilidade pelo quantum devido a título de tributo. "Enquanto nas outras hipóteses permanece a responsabilidade supletiva do contribuinte, aqui o substituto absorve totalmente o debitum, assumindo, na plenitude, os deveres de sujeito passivo, quer os pertinentes à prestação patrimonial, quer os que dizem respeito aos expedientes de caráter instrumental, que a lei costuma chamar de 'obrigações acessórias'. Paralelamente, os direitos porventura advindos do nascimento da obrigação, ingressam no patrimônio jurídico do substituto, que poderá defender suas prerrogativas, administrativa ou judicialmente, formulando impugnações ou recursos, bem como deduzindo suas pretensões em juízo para, sobre elas, obter a prestação jurisdicional do Estado." (Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário – Fundamentos Jurídicos da Incidência", Ed. Saraiva, 4ª ed., 2006, São Paulo, págs. 158/177). 6. A responsabilidade tributária, quanto aos seus efeitos, pode ser solidária ou subsidiária (em havendo co-obrigados) e pessoal (quando o contribuinte ou o responsável figura como único sujeito passivo responsável pelo recolhimento da exação). […] 18. A Lei 9.711/98, entretanto, que introduziu a hodierna redação do artigo 31, da Lei 8.212/91 (terceiro regime legal que se vislumbra), instituiu técnica arrecadatória via substituição tributária, mediante a qual compete à empresa tomadora dos serviços reter 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação dos mesmos, bem como recolher, no prazo legal, a importância retida. Cuida-se de previsão legal de substituição tributária com responsabilidade pessoal do substituto (in casu, o condomínio tomador do serviço de empreitada de mão-de-obra), que passou a figurar como o único sujeito passivo da obrigação tributária. […] (STJ – EREsp: 446955 SC 2005/0076989-6, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 08/04/2008, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 19.05.2008 p. 1)”. (grifos em negrito de nossa autoria). O longo mas altamente didático julgado não afasta – antes pelo contrário, afirma tacitamente – a prerrogativa legal da Fazenda em indicar o condomínio edilício (ou qualquer outra pessoa com relação indireta com o fato gerador), como responsável tributário, seja como substituto, seja como responsável subsidiário. CONCLUSÕES. A natureza jurídica do condomínio edilício tem suscitado grandes discussões entre os civilistas. Apesar de ter as feições de um direito real complexo, ele tem figurado em relações jurídicas cada vez mais sofisticadas. E essa nova realidade força um debate saudável sobre a necessidade ou não de evolução desse instituto legal. Contudo, o mesmo dilema não enfrenta o Direito Tributário, pois a capacidade tributária independe da personalidade civil, conforme o art. 121 do CTN já determina. Desta feita, é perfeitamente possível a colocação dos condomínios edilícios como responsáveis tributários, com sujeição inclusive a obrigações acessórias, tais como a inscrição do cadastro mobiliário municipal, e a entrega de declarações de cunho econômico-fiscal. É esse o caminho que algumas legislações municipais já tomaram, podendo ser citadas como exemplo leis dos municípios de Campinas/SP[4], Curitiba/PR[5] e Salvador/BA[6]. Também a União adotou essa postura, ao estabelecer a responsabilidade tributária para vários tributos como o PIS/Pasep[7], Cofins[8] e Imposto de Renda[9]. Nada obstante, a maioria das legislações silencia sobre o tema, deixando à margem a possibilidade de ampliar o controle e o pagamento do ISSQN. E é sabido que os condomínios edilícios são consumidores de serviços que por sua vez nem sempre são adequadamente registrados em documentos fiscais, a exemplo do que ocorre com as pessoas físicas. Tambem a posição da jurisprudência – notadamente o STJ – tem referendado essa posição legal, ao dissociar a necessidade de personalidade jurídica da possibilidade de o condomínio edilício figurar como contribuinte, caso a lei assim o determine. O Município pode aumentar a abrangência do seu universo de contribuintes, e pode fazê-lo ao exigir que o condomínio edilício seja responsável tributário, e que faça sua inscrição junto ao cadastro mobiliário municipal, dentre outras obrigações acessórias. Essa exigência deve ser feita via lei no tocante à responsabilização tributária do condomínio edilício, especialmente porque geralmente a legislação municipal prevê somente que pessoas jurídicas devem figurar como responsáveis tributárias. Assim a lei municipal deve ser específica, e incluir expressamente os condomínios edilícios no rol de contribuintes responsáveis. Já em relação às obrigações acessórias a solução vai depender de como a legislação tributária municipal trata a questão. O mais recomendado é que essas obrigações sejam previstas de maneira genérica na lei, com remessa do detalhamento dessa obrigação para decreto.
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Limites da extrafiscalidade no direito tributário
O direito tributário pode ser entendido como a forma pela qual o Estado se mantém e provê as necessidades impostas pela Constituição da República de 1988, em outras palavras, como o Estado irá instituir, arrecadar e fiscalizar tributos. Outro objetivo do Direito Tributário está ligado ao induzimento de condutas por meio da extrafiscalidade. Seu papel principal é servir os preceitos constitucionais, por meio da tributação, seja concedendo benefícios, seja na majoração das alíquotas. Entretanto, pela análise de determinadas normas tributárias, verifica-se uma forte tendência de modificar a estrutura da norma tributária atribuindo efeitos tributários diversos a situações que deveriam receber o mesmo tratamento, ou agravar o tratamento tributário com base na extrafiscalidade em detrimento da isonomia.
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo analisar a extrafiscalidade no âmbito da sua aplicação, estabelecendo algumas críticas relativas à sua incidência. Serão tratados e delineados os aspectos da pesquisa, com a conceituação e os objetivos do direito tributário. Após será conceituado a extrafiscalidade, estabelecendo seus objetivos e campo de aplicação. Analisar-se-á, ainda, a estrutura da norma tributária, como objeto de incidência e obrigação tributária. Por fim, o princípio da isonomia e da igualdade, tidos, neste trabalho como sinônimos, para se aferir a presença da extrafiscalidade. Esclarece-se que o presente trabalho realizou um levantamento de casos em que o Poder Público, ao atingir uma finalidade constitucional por intermédio da extrafiscalidade, o fez de forma pontual, sem que os objetivos traçados pela extrafiscalidade fossem atingidos. A estrutura da norma tributária ao ser analisada como ocorrência do fato gerador e obrigação de pagar tributo, deve se ater ao caso de que uma norma ao ser elaborada como conduta e consequência, também deve atingir uma finalidade maior, ou seja, os objetivos impostos pela Constituição da República. 2. A EXTRAFISCALIDADE O Direito Tributário é o ramo que estuda a forma pela qual o Estado poderá instituir, fiscalizar e arrecadar tributos, com intuito de se manter e prover as necessidades de seus governados. Nas palavras de Hugo de Brito Machado, Direito Tributário é “o ramo do Direito que se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas a imposições tributárias de qualquer espécie, limitando o poder de tributar e protegendo o cidadão contra abusos desse poder.” (MACHADO, 2002, p. 52) Para Kiyoshi Harada “Direito Tributário é o direito que disciplina o processo de retirada compulsória, pelo Estado, da parcela de riquezas de seus súditos, mediante a observância dos princípios reveladores do Estado de Direito. É a disciplina jurídica que estuda as relações entre o fisco e o contribuinte.” (HARADA, 2002, p. 291) Se o Estado, por intermédio do Direito Tributário, tem a competência de instituir, fiscalizar e arrecadar tributos, o faz por ser uma atividade capaz de manter o aparelhamento estatal, assim como servir para com seus administrados. O objetivo principal do Direito Tributário, portanto, é a arrecadação de tributos, ou seja, a fiscalidade. Por fiscalidade entende-se que determinado tributo é instituído com o propósito meramente arrecadatório, isto para que com os cofres públicos munidos de recursos, o Estado possa realizar cumprir sua atividade. “No Estado Democrático de Direito, que obedece a regime constitucional, que valoriza a livre iniciativa e o direito de propriedade, que adota o capitalismo como sistema econômico, cujas regras impedem, ou limitam severamente a atividade econômica estatal, seja como proprietário dos meios de produção, seja como agente econômico, é axiomático adotar-se a tributação como forma de obtenção de recursos para financiar a concretização dos fins estatais.” (GOUVÊA, 2006, p. 40) O tributo é fiscal, portanto, quando o Estado-Fisco não tem outra preocupação senão arrecadar. Arrecada unicamente para manter todo o aparato estatal. Ainda, se o tributo não for considerado fiscal, ele poderá ser extrafiscal, tendo como o principal autor para o presente trabalho, Marcus de Freitas Gouvêa, que informa “A extrafiscalidade se constitui no ‘algo a mais’ que a obtenção de receitas mediante tributos; liga-se a valores constitucionais; pode decorrer de isenções, benefícios fiscais, progressividade de alíquotas, finalidades especiais, entre outros institutos criadores de diferenças entre os indivíduos, que são, em última análise, agentes políticos, econômicos e sociais.” (GOUVÊA, 2006, p. 2-3) Há, portanto, uma clara distinção entre as funções fiscal e extrafiscal de um tributo. A extrafiscalidade não surge apenas para que o Estado aumente sua arrecadação, vai além e com intuito exclusivo de dar prevalência aos preceitos constitucionais que a própria fiscalidade do tributo não o faz. O Estado ao atuar no Direito Tributário com vistas a não arrecadar e sim a tornar factível determinada situação, opera segundo o princípio da supremacia do interesse público, que pode ser conceituado como “[…] princípio geral do direito inerente a qualquer sociedade, e também condição de sua existência, ou seja, um dos principais fios condutores da conduta administrativa. Pois a própria existência do Estado somente tem sentido se o interesse a ser por ele perseguido e protegido for o interesse público, o interesse da coletividade.” (MELLO, 1999, p. 32) Neste contexto, sempre que houver um conflito entre um interesse particular e um interesse público, o Estado poderá, dentro da sua supremacia, exercer suas prerrogativas, atuando em prol da coletividade. Dejalma Campos afirma “[…] a extrafiscalidade desenvolve-se não só por intermédio da imposição tributária como também por isenções, imunidades e incentivos que procuram estimular atividades de interesse público”. (CAMPOS, 2001, p. 62) A Constituição da República de 1988, traz em seu bojo uma série de normas que garantem a existência e a aplicação do princípio da extrafiscalidade, confira-se, à título de informação não exaustiva: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: […] II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; […] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. […] Art. 172. A lei disciplinará, com base no interesse nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os reinvestimentos e regulará a remessa de lucros. […] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 1º – A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento. § 2º – A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. § 3º – O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. § 4º – As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei. […] Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.” A extrafiscalidade não mais é do que uma política pública que o Estado implementa com o intuito de implementar valores constitucionais na sociedade. Assim, o Estado pode, tendente a desestimular condutas, majorar tributos ou a fim de estimular condutas, pode promover a exoneração tributária. O problema encontrado na extrafiscalidade é que o Estado tendente a estimular ou desestimular condutas, promove políticas públicas que não guardam qualquer afinidade com o tributo e a conduta esperada. Ademais, a extrafiscalidade é aplicada a um determinado segmento, que não traz guarida ao seu objetivo principal, que é a valorização dos ditames constitucionais. Em capítulos subsequentes o tema será melhor abordado, trazendo decisões judiciais que tratam da extrafiscalidade. Viu-se que a extrafiscalidade possui um aspecto distinto do objetivo do Direito Tributário que é o de instituir, fiscalizar, mas principalmente, arrecadar tributos, para a manutenção das atividades estatais. Destarte, a extrafiscalidade “impõe a tributação para que o Estado obtenha efeitos não arrecadatórios, mas econômicos, políticos e sociais, na busca dos fins que lhe são impostos pela Constituição” (GOUVÊA, 2006, p. 46). Nas palavras de Aliomar Baleeiro, atualizado por Misabel Abreu Machado “Costuma-se denominar de extrafiscal aquele tributo que não almeja, prioritariamente, prover o Estado dos meios financeiros adequados a seu custeio, mas antes visa a ordenar a propriedade de acordo com a sua função social ou a intervir em dados conjunturais (injetando ou absorvendo a moeda em circulação) ou estruturais da economia. Para isso, o ordenamento jurídico, a doutrina e a jurisprudência têm reconhecido ao legislador tributário a faculdade de estimular ou desestimular comportamentos, por meio de uma tributação progressiva ou regressiva, ou da concessão de benefícios e incentivos fiscais.” (BALLEIRO, 2010, p. 233-234) O objetivo da extrafiscalidade é o exercício dos valores constitucionais, sendo que Alfredo Augusto Becker afirmara que o objetivo é “a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e na economia privada” (BECKER, 2007, p. 528). Já Marcus de Freitas Gouvêa afirma “A extrafiscalidade é o princípio ontológico da tributação e epistemológico do Direito Tributário, que justifica juridicamente a atividade tributante do Estado e a impele, com vistas na realização dos fins estatais e dos valores constitucionais, conforme as políticas públicas constitucionalmente estabelecidas, delimitada (a atividade estatal) pelos princípios que revelam as garantias fundamentais do contribuinte”. GOUVÊA, 2006, p. 46) Dentre as finalidades da extrafiscalidade, o aspecto constitucional é latente e o Estado no exercício de suas atividades e mantendo os ditames e princípios da CR/88, estabelece uma série de condutas que influenciam a tributação. 2.1. Finalidade da extrafiscalidade Analisando-se a Constituição da República de 1988 encontram-se diversos dispositivos que podem ser utilizados pelo Poder Público para tornar plausível a concessão de benefícios fiscais ou exonerações fiscais, sob o fundamento da aplicação da extrafiscalidade. Destarte, é importante trazer à baila a finalidade da extrafiscalidade, encontrada na Constituição da República de 1988, conforme demonstra o estudo realizado por Marcus de Freitas Gouvêa[1] e Leandro Paulsen[2] e já informado alhures. Pelo exposto, informa-se, sob o aspecto da finalidade da extrafiscalidade atribuída a um tributo, pode-se perceber em diversos aspectos, tais como serão informados abaixo. A extrafiscalidade atribuída através do Decreto-Lei n. 157/1967 que “concede estímulos fiscais à capitalização das emprêsas; reforça os incentivos à compra de ações; facilita o pagamento de débitos fiscais”[3], permite a acumulação de riqueza no país. Ainda, tem-se a busca pelo pleno emprego, “É lícito dizer que o SIMPLES constitui um estímulo à regularização da economia informal e à criação de pequenas empresas, pois os indivíduos sabem que gozarão de benefícios que facilitará sua sobrevivência. Possível, também, dizer, que o SIMPLES facilita o crescimento dessas pequenas empresas”. (GOUVÊA, 2006) A finalidade pode ser encontrada no desenvolvimento sustentável da economia em prol do meio ambiente, que conforme Thais Bernardes Maganhini em sua dissertação “A extrafiscalidade é o maior instrumento de indução para a busca do desenvolvimento sustentável, pois incide sobre a produção e o consumo, por meio de mecanismos de graduação de alíquotas, reduções de base de cálculo e seletividade, isenções e restituições, dependendo da natureza dos produtos, visando aumentar ou desestimular a produção de produtos nocivos ao meio ambiente, ou aqueles que o processo de produção afete negativamente o meio ambiente”[4]. A Lei n. 10.257/01[5] estabelece uma série de política urbana para o desenvolvimento sustentável de uma cidade e das propriedades, e informa que será garantida o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, por meio de planejamento, visando o equilíbrio ambiental. Por meio da referida lei pode-se atribuir a extrafiscalidade pelo IPTU – imposto sobre a propriedade territorial e urbana, com a progressividade da alíquota, cabendo ao município estabelecer a majoração da alíquota. Por sua vez, a CR/88 estabelece que poderá ser atribuído estímulos fiscais aos fatores de produção como forma de estimular a ciência e a tecnologia, confira-se: “Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. § 1º – A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências. § 2º – A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional. § 3º – O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. § 4º – A lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao País, formação e aperfeiçoamento de seus recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho. § 5º – É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento ao ensino e à pesquisa científica e tecnológica. Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.” A Lei n. 8.248/91[6] combinada com a Lei n. 8.191/91[7], estabelece que “as empresas de desenvolvimento ou produção de bens e serviços de informática e automação que investirem em atividades de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da informação farão jus” a isenção do Imposto sobre produtos industrializados – IPI, quando da aquisição de equipamentos, máquinas, aparelhos e instrumentos novos, inclusive aos de automação industrial e de processamento de dados, importados ou de fabricação nacional. Existem diversas leis que buscam, por meio da aplicação da extrafiscalidade a inserção dos valores constitucionais na sociedade, cumprindo seu objetivo primordial. Entretanto, resta um problema que não foi objeto de qualquer estudo, até então realizado, que é analisar os limites da extrafiscalidade. Com a extrafiscalidade o Estado pode modificar a estrutura da norma tributária, sob o fundamento de atender a uma finalidade constitucional ampla (meio ambiente, política urbana, entre outras) atribuindo efeitos tributários diversos a situações que deveriam receber o mesmo tratamento, ou agravar o tratamento tributário com base na extrafiscalidade em detrimento da isonomia. 3. ESTRUTURA DA NORMA TRIBUTÁRIA A norma tributária, como qualquer outra norma, possui a mesma estrutura, na qual, ocorrida determinada hipótese provoca-se uma conseqüência, isto é, se “X”, deve ser “Y”. Mais adiante, se “Y” for descumprida gera uma sanção, “Z”, ou seja, se não for “Y”, deve ser “Z”. A referência à norma tributária deve ser uma conduta, ou seja, a hipótese de ocorrência do fato gerador que gera uma consequência, a obrigação tributária. Interessa apenas, para este estudo, a análise da obrigação tributária principal, a que se refere o art. 113, §1º do Código Tributário Nacional – CTN. A obrigação tributária, consequência da ocorrência do fato gerador, tem como conceito o disposto no art. 113, §1º do CTN[8], e “É a relação jurídica, de cunho patrimonial, estabelecida no consequente da regra-matriz de incidência. As demais relações, destituídas desse caráter, são designadas por obrigações acessórias”. (CARVALHO, 2009, p. 304) Nas palavras de Hugo de Brito Machado “A obrigação é um primeiro momento na relação tributária. Seu conteúdo ainda não está formalmente identificado (…) [A obrigação tributária] Surge com o lançamento, que confere à relação tributária liquidez e certeza.” (MACHADO, 2009, p. 122) Neste ínterim, cumpre analisar o disposto no art. 114, do CTN, que informa “Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. O fato gerador garante a ocorrência da obrigação tributária. O Ministro Maurício Correâ, atribuiu à incidência o “fenômeno jurídico de adequação da situação de fato verificada (fato gerador) à previsão normativa (hipótese de incidência), gerando a obrigação de pagar tributo”[9]. Geraldo Ataliba informa que “Hipótese de incidência é a descrição de legislativa (necessariamente hipotética) de um fato a cuja ocorrência in concreto a lei atribui a força jurídica de determinar o nascimento da obrigação tributária. … esta categoria ou protótipo (hipótese de incidência) se apresenta sob variados aspectos, cuja reunião lhe dá entidade. … São, pois, aspectos da hipótese de incidências as qualidades que esta tem de determinar hipoteticamente os sujeitos da obrigação tributária, bem como seu conteúdo substancial, local e momento de nascimento”. (ATALIBA, 1991, p. 73 e 75) A estrutura da norma tributária, portanto, pode ser caracterizada pela ocorrência do fato gerador, à partir de uma conduta do sujeito passivo, que gera a obrigação tributária. O sujeito passivo ao praticar uma conduta, seja na aquisição de insumos, na produção ou circulação de bens ou serviços, ou ao auferir renda, deve pagar ao Estado determinada quantia em dinheiro designada por lei. Quando se falou em problematização da estrutura da norma tributária e sua relação com a extrafiscalidade, verifica-se em diversos casos que o Estado ao dar o caráter de extrafiscalidade a um tributo, muitas vezes desvirtua a estrutura da norma tributária. A exemplo disso, verifica-se: “Ao instituir incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembleia Legislativa paulista usou o caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia. Procede a alegação de inconstitucionalidade do item 1 do § 2º do art. 1º, da Lei 9.085, de 17-2-1995, do Estado de São Paulo, por violação ao disposto no art. 155, § 2º, XII, g, da CF. Em diversas ocasiões, este Supremo Tribunal já se manifestou no sentido de que isenções de ICMS dependem de deliberações dos Estados e do Distrito Federal, não sendo possível a concessão unilateral de benefícios fiscais. Precedentes ADIMC 1.557 (DJ de 31-8-2001), a ADIMC 2.439 (DJ de 14-9-2001) e a ADIMC 1.467 (DJ de 14-3-1997). Ante a declaração de inconstitucionalidade do incentivo dado ao ICMS, o disposto no § 3º do art. 1º desta lei, deverá ter sua aplicação restrita ao IPVA”.[10] Outro exemplo que pode-se verificar é o caso em que as alíquotas de PIS e COFINS diferentes para envasadores de água em PET dos envasadores de água em garrafa de vidro. A extrafiscalidade deve ser utilizada para atender a finalidades constitucionais, e parece que não se justifica um tratamento não isonômico para uma mesma situação jurídica. 4. PRINCÍPIO DA ISONOMIA O art. 5º[11] da CR/88 garante a todos o direito à igualdade. Referido princípio estabelece que diante de uma determinada lei, todos aqueles que se enquadrarem na hipótese legal, estarão sujeitos ao seu mandamento. “[…] o princípio da igualdade está dirigido ao aplicador da lei, significando que este não pode diferenciar as pessoas, para efeito de ora submetê-las, ora não, ao mandamento legal (assim como não se lhe faculta diversificá-las, para o fim  de ora reconhecer-lher, ora não, benefício outorgado pela lei). Em resumo, todos são iguais perante a lei”. (AMARO, 2007, p. 135) Celso Antônio Bandeira Mello[12] atribui ainda ao princípio da igualdade uma lição de tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. No campo do Direito Tributário, é facilmente atribuída essa concepção através do princípio da capacidade contributiva, no qual aqueles que possuem mais riqueza terão que arcar mais e aqueles que possuem menor riqueza, pagarão menos. Alerta Luciano Amaro que há uma diferença entre o tratamento de situações que se revele a capacidade contributiva, das situações em que o tratamento fiscal fica ajustado, através da isenção fiscal ou incidência tributária menos gravosa[13]. Segundo Humberto Ávila, a capacidade contributiva “é o próprio critério de aplicação da igualdade no caso dos impostos com a finalidade fiscal” (ÁVILA, 2006, p. 372). A extrafiscalidade é utilizada pelos tributos para fiscal não arrecadatórios, somente, mas como instrumento de políticas públicas, seja no campo econômico, social, cultural, entre outros. Sacha Calmon Navarro Coelho ensina que “Não repugna ao princípio da isonomia: A) a tributação exacerbada de certos consumos nocivos, tais como bebidas, fumo e cartas de baralho; B) o imposto territorial progressivo para penalizar o ausentismo ou o latifúndio improdutivo; C) o IPTU progressivo pelo número de lotes vagos ou pelo tempo, para evitar a especulação imobiliária, à revelia do interesse comum contra a função social da propriedade; D) imunidades, isenções, reduções, compensações para partejar o desenvolvimento de regiões mais atrasadar; E) idem para incentivar as artes, a educação, a cultura, o esforço previdenciário particular (seguridade).” (COELHO, 2001, p. 130) Já no campo da extrafiscalidade, Marcel Davidman Papadopol afirma que “o Supremo Tribunal Federal promove apenas uma avaliação de igualdade formal, repelindo apenas as medidas extrafiscais demarcadas pela singularização. (…) Este tipo de exame de igualdade é encontrado de forma bastante corriqueira nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, não representando modelo específico desenvolvido para o exame de validade das medidas tributárias marcadas pela nota da extrafiscalidade. (…) não há dispensa de controle de igualdade, mas necessidade de readequação deste controle aos elementos que desempenham papel fundamental neste campo do Direito Tributário, isto é, os meios empregados e os fins extrafiscais perseguidos pelo legislador infraconstitucional”. (PAPADOPOL, 2009, p. 41-42) Pelo princípio da isonomia e igualdade, o Direito Tributário tenta atingir aqueles que de certa forma possuem condições para atender ao custeio da máquina estatal. A extrafiscalidade, por sua vez, busca atender aos preceitos constitucionais, por meio da exoneração, diminuição ou majoração de tributo. A análise que se enfrentará é justamente buscar essa limitação da aplicação da extrafiscalidade, juntamente com o princípio da isonomia. 5. LIMITAÇÕES DA EXTRAFISCALIDADE Na sequência do presente estudo, o problema buscará ser resolvido neste capítulo, segundo o qual deve haver uma limitação na aplicação da extrafiscalidade segundo o princípio da isonomia. Foi dito que a extrafiscalidade deve ser aplicada na busca da consecução de finalidades constitucionais, tais como, busca pelo pleno emprego, incentivo a cultura, esportes, preservação do meio ambiente, etc. Da mesma forma, “A igualdade de tratamento, todavia, corresponde à igualdade nas oportunidades que serão oferecidas às partes no referente à pratica dos atos processuais, encontrando certa restrições em alguns casos legais, não sendo, portanto, absoluto”. (SILVA, 1997, p. 35). Aliomar Baleeiro ensina que na comparação da aplicação do princípio da igualdade que “1. Na proibição de distinguir (universalmente) na aplicação da lei, em que o valor básico protegido é a segurança jurídica; 2. A proibição de distinguir no teor da lei, vedação que salvaguarda valores democráticos como abolição de privilégios e de arbítrio. Os princípios da generalidade e da universalidade estão a seu serviço e tem como destinatários todos aqueles considerados iguais; 3. No dever de distinguir no conteúdo da lei entre desiguais, e na medida dessa desigualdade. No direito tributário, o critério básico que mensura a igualdade ou a desigualdade é a capacidade econômica do contribuinte; 4. No dever de considerar as grandes desigualdades econômico-materiais advindas dos fatos, com o fim de atenuá-las e restabelecer o equilíbrio social. A progressividade dos tributos favorece a igualação das díspares condições concretas, em vez de conservá-las ou acentuá-las; 5. Na possibilidade de derrogações parciais ou totais ao princípio da capacidade econômica pelo acolhimento de valores constitucionais como critérios de comparação, os quais podem inspirar progressividade, regressividade, isenções e benefícios, na busca de um melhor padrão de vida para todos, dentro dos planos de desenvolvimento nacional integrado e harmonioso”. (BALEEIRO, 2006. p. 1120) Exemplo dado em capítulos anteriores serão estudados, seguindo: “Ao instituir incentivos fiscais a empresas que contratam empregados com mais de quarenta anos, a Assembléia Legislativa Paulista usou o caráter extrafiscal que pode ser conferido aos tributos, para estimular conduta por parte do contribuinte, sem violar os princípios da igualdade e da isonomia. Procede a alegação de inconstitucionalidade do item 1 do § 2º do art. 1º, da Lei 9.085, de 17/02/95, do Estado de São Paulo, por violação ao disposto no art. 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal. Em diversas ocasiões, este Supremo Trubunal já se manifestou no sentido de que isenções de ICMS dependem de deliberações dos Estados e do Distrito Federal, não sendo possível a concessão unilateral de benefícios fiscais. Precedentes ADIMC 1.557 (DJ 31/08/01), a ADIMC 2.439 (DJ 14/09/01) e a ADIMC 1.467 (DJ 14/03/97). Ante a declaração de inconstitucionalidade do incentivo dado ao ICMS, o disposto no § 3º do art. 1º desta lei, deverá ter sua aplicação restrita ao IPVA. Procedência, em parte, da ação. (ADI 1276, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 29/08/2002, DJ 29-11-2002 PP-00017 EMENT VOL-02093-01 PP-00076)”[14] O Estado de São Paulo editou Lei de nº 9.086/1995[15] em que ficou instituído incentivo fiscal para pessoas jurídicas domiciliadas naquele estado, que empreguem pelo menos 30% (trinta por cento) de seus empregados com idade superior a 40 (quarenta) anos. O incentivo fiscal, entre outros, estabelece que o IPVA – imposto sobre a propriedade de veículos automotores, será reduzido até o limite de 15% (quinze por cento) do valor devido, que poderá ser progressivo segundo o número e idade dos empregados. O objetivo da dita norma é ampliar o quadro de pessoal de pessoas com idade superior a 40 (quarenta) anos, e para que tal postura seja adotada por pessoas jurídicas, foi concedido benefício fiscal, em que pese a redução da tributação sobre a propriedade de veículos automotores, através do IPVA. Empregados atualmente com 40 (quarenta) anos de idade, são, no voto da ministra relatora[16], obstáculo característico no mercado brasileiro, e que a lei pretendeu compensar a vantagem que os mais jovens possuem no momento de disputar alguma vaga no mercado de trabalho. Continuou a ministra relatora argumentando ausência de violação do princípio da isonomia, haja vista que o Estado de São Paulo abriu mão de parte de sua receita para “tentar equilibrar uma situação de desigualdade social”. Levando em consideração o fato gerador do tributo (IPVA), assim como o objetivo da extrafiscalidade, monta-se o seguinte quadro: O fato gerador do IPVA é a propriedade de veículo automotor, portanto, aquele que realiza a conduta tipificada na legislação paulista em ser proprietário de veículo automotor, tem a obrigação tributária de recolher aos cofres públicos o respectivo valor do tributo. Na forma da Lei Estadual n. 9.085, de 17 de fevereiro de 1995, a pessoa jurídica que emprega pelo menos 30% (trinta por cento) de pessoas com idade superior a 40 (quarenta) anos, poderá ser beneficiado com o incentivo fiscal relativo ao IPVA. A estrutura da norma tributária do IPVA foi desvirtuada a partir do momento que o Estado de São Paulo tenta promover o incentivo de contratação e manutenção de pessoal com idade superior a 40 (quarenta) anos empregadas. O IPVA é “imposto cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”[17]. Não depende o IPVA de qualquer prestação específica do Estado arrecadante, vale dizer que “Caracteriza-se o imposto não pelo nome, que o legislador lhe atribui, mas pelo fato gerador (CTN, arts. 4º e 114). É indiferente também o destino do produto do imposto (CTN, art. 4º, II). (…) Assim a destinação legal do produto arrecadado é imprestável à distinção entre impostos, taxas e contribuição de melhoria. A peculiaridade está em que é proibida a afetação prévia dos recursos advindos de impostos”. (BALLEIRO, 2006, p. 199-200) Pela leitura da Lei Estadual em comento, de início, é louvável a atitude do estado de São Paulo em conceder benefícios fiscais à pessoas jurídicas que possuem empregados com mais de 40 (quarenta) anos. Contudo, o Estado de São Paulo não poderia utilizar o IPVA como forma de manter pessoas acima de 40 (quarenta) anos empregadas, haja vista a total incompatibilidade da norma estruturante do IPVA com o benefício alcançado. Veja que o Estado de São Paulo, por meio de política pública de incentivo ao emprego às pessoas acima de 40 (quarenta) anos, utiliza do IPVA para sua promoção, não havendo qualquer controle de limitação para a extrafiscalidade. Finalmente, mais um caso para demonstrar o desvirtuamento da estrutura da norma tributária, com base na Lei n. 10.833, de 29 de dezembro de 2003[18], que altera a legislação tributária federal. Referida lei, em seu art. 51 faz tratamento especial para as PIS/PASEP e CONFINS, relativamente às embalagens utilizadas para envasamento de água, refrigerante e cerveja, confira-se: “Art. 51. As receitas decorrentes da venda e da produção sob encomenda de embalagens pelas pessoas jurídicas industriais ou comerciais e pelos importadores destinadas ao envasamento dos produtos classificados nas posições 22.01, 22.02 e 22.03 da Tipi, ficam sujeitas ao recolhimento  da  Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins fixadas por unidade de produto, respectivamente, em: (Redação dada pela Lei nº 11.727, de 23 de junho de 2008) I – lata de alumínio, classificada no código 7612.90.19 da TIPI e lata de aço, classificada no código 7310.21.10 da TIPI, por litro de capacidade nominal de envasamento: a) para água e refrigerantes classificados nos códigos 22.01 e 22.02 da TIPI, R$ 0,0170 (dezessete milésimos do real) e R$ 0,0784 (setecentos e oitenta e quatro décimos de milésimo do real); e (Redação dada pela Lei nº 10.925, de 2004) b) para bebidas classificadas no código 2203 da TIPI, R$ 0,0294 (duzentos e noventa e quatro décimos de milésimo do real) e R$ 0,1360 (cento e trinta e seis milésimos do real); II – embalagens para água e refrigerantes classificados nos códigos 22.01 e 22.02 da TIPI: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004) a) classificadas no código TIPI 3923.30.00: R$ 0,0170 (dezessete milésimos do real) e R$ 0,0784 (setecentos e oitenta e quatro décimos de milésimo do real), por litro de capacidade nominal de envasamento da embalagem final; e (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)  (Vide Decreto nº 5.162, de 2004) b) pré-formas classificadas no Ex 01 do código de que trata a alínea a deste inciso, com faixa de gramatura: (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004) 1 – até 30g (trinta gramas): R$ 0,0102 (cento e dois décimos de milésimo do real) e R$ 0,0470 (quarenta e sete milésimos do real); (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004) 2 – acima de 30g (trinta gramas) até 42g (quarenta e dois gramas): R$ 0,0255 (duzentos e cinqüenta e cinco décimos de milésimo do real) e R$ 0,1176 (um mil e cento e setenta e seis décimos de milésimo do real); e (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004) 3 – acima de 42g (quarenta e dois gramas): R$ 0,0425 (quatrocentos e vinte e cinco décimos de milésimo do real) e R$ 0,1960 (cento e noventa e seis milésimos do real); (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004) III – embalagens de vidro não retornáveis classificadas no código 7010.90.21 da TIPI, para refrigerantes ou cervejas: R$ 0,0294 (duzentos e noventa e quatro décimos de milésimo do real) e R$ 0,1360 (cento e trinta e seis milésimos do real), por litro de capacidade nominal de envasamento da embalagem final; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004) IV – embalagens de vidro retornáveis, classificadas no código 7010.90.21 da TIPI, para refrigerantes ou cervejas: R$ 0,294 (duzentos e noventa e quatro milésimos do real) e R$ 1,36 (um real e trinta e seis centavos), por litro de capacidade nominal de envasamento da embalagem final.(Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004) § 1º A pessoa jurídica produtora por encomenda das embalagens referidas neste artigo será responsável solidária com a encomendante no pagamento das contribuições para o PIS/PASEP e da COFINS estabelecidas neste artigo. (Transformado em § 1º pela Lei nº 11.051, de 2004) § 2º As receitas decorrentes da venda a pessoas jurídicas comerciais das embalagens referidas neste artigo ficam sujeitas ao recolhimento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins na forma aqui disciplinada, independentemente da destinação das embalagens. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004) § 3º A pessoa jurídica comercial que adquirir para revenda as embalagens referidas no § 2º deste artigo poderá se creditar dos valores das contribuições estabelecidas neste artigo referentes às embalagens que adquirir, no período de apuração em que registrar o respectivo documento fiscal de aquisição. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004) § 4º Na hipótese de a pessoa jurídica comercial não conseguir utilizar o crédito referido no § 3º deste artigo até o final de cada trimestre do ano civil, poderá compensá-lo com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal – SRF, observada a legislação específica aplicável à matéria”. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004) Analisando o artigo em comento, fica estabelecido uma vantagem daqueles envasadores de água em garrafas tipo PET, daqueles de água em garrafa de vidro. A extrafiscalidade deve ser utilizada para atender os fins constitucionais, entre eles, desenvolvimento sustentável e preservação do meio-ambiente, e fica claro que o intuito do dispositivo é, por meio de tributação diferenciada, fomentar a utilização de garrafas retornáveis. Se, por meio de política tributária, o Estado pretende fomentar a utilização de garrafas de vidro retornáveis, visando a preservação do meio ambiente, deveria adotar uma forma de tributação que atingisse todos os produtores que utilizam garrafas pet e garrafas de vidro. “A constituição da República, em seu art. 225, eleva ao seu nível os cuidados com o meio ambiente, ao estabelecer direitos e obrigações relativas a um ambiente saudável. Da leitura do artigo e de seus parágrafos, vê-se uma lista de obrigações e incumbências do poder público e de limitações aos indivíduos com vistas à preservação do meio ambiente.” (GOUVÊA, 2006, p. 105) Continua Marcus de Freitas Gouvêa “Cabe uma observação: parece-nos, pelas opiniões emitidas no meio jurídico, que o uso de benefícios fiscais com vistas na preservação do meio ambiente, aqui e alhures, conta com prestígio diferenciado, em relação ao restante dos benefícios fiscais. Em geral, tais normas são extremamente criticadas, por serem de eficácia duvidosa, por estarem sujeitas a pouco controle, por elevarem a carga tributária, por tornar mais complexo o Direito Tributário. Entretanto, parece causar sensação de justiça o benefício concedido ao contribuinte que se propõe a preservar o meio ambiente. Demais disso, o princípio do poluidor pagador, que orienta a elevação da carga tributária a contribuintes poluidores (que prejudicam o meio ambiente), pode compensar a menos arrecadação provocada pelo benefício ambiental”. (GOUVÊA, 2006, p. 109) O referido autor propõe, portanto, que não basta incentivar o desenvolvimento sustentável por meio da tributação, esta deve se dar de forma a atingir os objetivos constitucionais. Nestes termos, basta analisar o dispositivo legal a que se refere a Lei n. 10.833, de 29 de dezembro de 2003, já comentada que torna claro que o objetivo está muito aquém do esperado, ou seja, sem qualquer respeito ao princípio da isonomia. O município de Belo Horizonte, a cada ano, edita um decreto que isenta do recolhimento do IPTU relativo a alguns imóveis. Como exemplos, citam-se Decreto nº 11.896/04; Decreto nº 12.262/05; Decreto nº 12.583/06; Decreto nº 13.003/07; Decreto nº 13.470/08; Decreto nº 13.824/09 e Decreto nº 14.233/10.  Todos os decretos supra informam quem serão os beneficiados pela isenção, no respectivo ano fiscal, cujo teor é o mesmo,  “DAS ISENÇÕES Art. XXº – Estão ainda isentos do IPTU do exercício de XXXX: VII – o imóvel de terceiro ocupado por entidade de assistência social ou de educação infantil sem fins lucrativos, que tenha sido declarada de utilidade pública municipal, conforme disposto no parágrafo único do art. 4º da Lei nº 8.291/01. § 6º – Para fazer jus à isenção referida no inciso VII do caput deste artigo, o interessado deverá apresentar: I – cópia autenticada do ato declaratório de utilidade pública municipal; II – comprovante de registro no órgão ou conselho setorial; III – cópia autenticada do documento que comprove que o imóvel está cedido pelo proprietário indicado no Cadastro Imobiliário Municipal à entidade solicitante, para realização de suas atividades essenciais.”[19]  Verificam-se três condicionantes para a concessão da isenção, quais sejam: apresentação de cópia autenticada do ato declaratório de utilidade pública municipal; comprovante de registro no órgão e; cópia autenticada do documento que comprove que o imóvel está cedido pelo proprietário indicado no Cadastro Imobiliário Municipal à entidade solicitante, para realização de suas atividades essenciais. A isenção, como benesse fiscal, segundo o Roque Antonio Carrazza, a “norma de isenção, impedindo o nascimento da obrigação tributária para o seu beneficiário, produz o que Sainz de Bujanda denominou de fato gerador isento, essencialmente distinto do fato gerador do tributo” (CARRAZA, 2006, p. 787). Mais adiante informa que por se tratar da competência do município em criar tributo, é de sua competência isentar todos ou alguns contribuintes. Ademais, poderá a isenção se dar por prazo determinado ou indeterminado e condicional ou incondicionalmente.  Neste contexto, tem-se que a isenção previstas nos decretos já citados, prevêem que será isento do pagamento do IPTU aquele que cumprir o que o referido decreto determina. Verifica-se a presença da extrafiscalidade, haja vista que o município de Belo Horizonte permite a isenção do IPTU o imóvel de terceiro ocupado por entidade de assistência social ou de educação infantil sem fins lucrativos, que tenha sido declarada de utilidade pública municipal. Ao contrário do que foi anteriormente dito, neste caso, a extrafiscalidade parece atingir sua finalidade, ao permitir que imóveis de terceiros utilizados para o exercício de atividades descritas alhures, fiquem isentos do IPTU. 6. CONCLUSÃO Viu-se no decorrer deste trabalho que o Direito Tributário enquanto ramo do direito que visa satisfazer a máquina estatal, pode também estabelecer regras de conduta aos indivíduos atingidos pela arrecadação. O instituto da extrafiscalidade ao ser aplicado deve guardar os anseios da Constituição da República, haja vista que seu objetivo é traçar uma conduta e modificá-la. A isonomia como princípio norteador do Direito Tributário na extrafiscalidade, busca atender aos preceitos constitucionais, por meio da exoneração, diminuição ou majoração de tributo. A norma tributária possui como estruturante o fato gerador, ou seja, uma conduta realizada pelo contribuinte que gera a obrigação tributária, a consequência de seu ato. Se o contribuinte realizar um determinado ato, deverá pagar o tributo correspondente. Na extrafiscalidade ocorre a realização de uma conduta, definida pela norma tributária como fato gerador de um tributo, contudo, considerando que aquela conduta foi abarcada pela extrafiscalidade, o contribuinte pagará um valor diferenciado, podendo ser maior ou menor que se ocorresse em situações normais. Dessa forma, a extrafiscalidade não atua como forma de arrecadar tributos, vai além, visa determinar a conduta de um indivíduo, fomentando ou desestimulando a prática de determinados atos, por meio da tributação. Entretanto, o que se verifica é que o Estado não consegue atingir os objetivos esperados, considerando que a tributação tenta beneficiar ou prejudicar uma pequena parcela da população, mediante o estímulo ou desestímulo de condutas. Com a aplicação do princípio da isonomia no Direito Tributário, pessoas iguais recebem um tratamento igual, enquanto pessoas desiguais recebem um tratamento diferenciado, na medida das desigualdades verificadas. O princípio da isonomia na extrafiscalidade deveria ser um balizador de condutas esperadas, como é o caso de tributação excessiva nos casos de aquisição de certos produtos, tais como, bebidas alcoólicas e fumos, bem como no caso do IPTU para penalizar a propriedade que não contribui com a sua função social. Por outro lado, pode ser utilizado também com incentivos fiscais para regiões abastadas, ou como incentivo à educação, cultura, etc. Correto é o pensamento de que o princípio da isonomia pode não ser aplicado a determinados casos, justamente porque a extrafiscalidade visa atender aos comandos constitucionais. As normas constitucionais que são atingidas pela extrafiscalidade ao serem instituídas por meio da legislação tributária, devem atender aos seus anseios, na medida em que possam, indubitavelmente, estabelecer seus preceitos e não apenas atingir uma pequena parcela de objetivos. Não se pode, contudo, admitir o tratamento especial, por meio da extrafiscalidade, considerando uma determinada finalidade, se tal posição for utilizada apenas com intuito paliativo, sem qualquer justificativa da norma tributária.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/limites-da-extrafiscalidade-no-direito-tributario/
A utilização do IPI enquanto imposto extrafiscal para fins de proteção do mercado nacional
Através deste texto trazemos elementos jurídicos econômicos e sociais a fim de entendermos a norma tributária enquanto instrumento de política pública no Brasil. Tentamos com a ajuda de pesquisas realizadas na internet órgãos especializados índices econômicos e sociais compreender como a manipulação de um tributo efetivamente traz concretude à vida social dos cidadãos efetivos contribuintes desta exação quando adotam a qualificação de consumidores. Buscamos aqui converter inúmeras capas de jornais debates políticos mesas redondas sobre economia enfim toda esta repercussão gerada pela alíquota 0 do IPI em uma explicação jurídica do que efetivamente significa esta exoneração fiscal seu caráter isentivo a anulação de um elemento da norma jurídico-tributária sem esquecer o contexto socioeconômico no qual ele foi inserido.A partir disto procuramos ainda analisar que quando o Governo de uma forma repentina e supostamente aleatória reduz a carga tributária como no caso em questão o faz com respaldo da própria Constituição Federal nossa Carta Maior.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente artigo foi pensado a fim de investigarmos e entendermos as razões jurídicas e tributárias referentes a um tema que, desde 2008, vimos nas capas dos jornais, sites de Internet e periódicos especializados: a redução do IPI para combater a crise mundial. Este tema é relevante para toda a sociedade, principalmente para a comunidade jurídica. Primeiro porque significa redução do imposto pago por nós, cidadãos, e segundo porque precisamos compreender o custo deste “benefício” para o Governo e para os cofres públicos, o que efetivamente, todos nós na qualidade de eleitores e cidadãos temos obrigação de conhecer. Por outro lado, para a comunidade jurídica tal tema mostra-se pertinente porque nós que conhecemos o Direito Tributário, precisamos ter uma visão crítica e analítica sobre o fato de a Administração Pública utilizar um imposto como instrumento regulatório da economia brasileira. Tal conhecimento é fundamental para verificarmos a existência de lesão de direitos e porque somos também responsáveis pela manutenção e perpetuação de um Estado Democrático e de Direito. Portanto, precisamos estar a par sobre a devida utilização dos instrumentos jurídicos utilizados pela Administração Pública que traz consequências à sociedade, principalmente aquelas de natureza tributária, que mexem efetivamente com o bolso do contribuinte. A fim de efetuarmos esta pesquisa, utilizamos basicamente jornais, matérias, sites e reportagens que noticiaram sobre as constantes alterações da alíquota do IPI, desde o final de 2008, bem como de revistas, livros e artigos especializados sobre economia, indústria automobilística, Direito do Consumidor e, claro, sobre o IPI, suas características e funções, como o tema da extrafiscalidade e seletividade. Ademais, foram pesquisados ainda os índices da economia nacional, através do IBGE e do IPEA, pois, efetivamente, os mesmos foram medidores sobre o impacto positivo ou não pela postura do Governo em reduzir a alíquota do IPI, bem como se tal política fiscal trouxe resultados positivos. Desta feita, com base nas informações colhidas procuramos trazer uma análise sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), principalmente no que se refere às suas características e princípios que o levaram a ser a opção do Governo Federal de combate aos efeitos da crise econômica mundial para gerar maior consumo e concessão de crédito no mercado, e enfrentar o perigo do desemprego industrial em virtude da ameaça na redução da produção. 2 A CRISE ECONÔMICA QUE MOTIVOU O GOVERNO A ALTERAR A ALÍQUOTA DO IPI A partir de 2008, ainda na época do Governo Lula, o Estado Brasileiro adotou uma série de medidas, de caráter tributário e econômico, a fim de proteger a economia nacional da crise mundial iniciada naquele ano nos Estados Unidos da América, centro financeiro global. Tal crise norte-americana foi precedida por um boom imobiliário que ocorreu nos EUA em 2005, pois, naquela época, em virtude da enorme procura por casa própria e a aquisição de novas hipotecas para saldar dívidas e conseguir crédito para consumo. Nesta conjuntura, houve uma valorização no mercado imobiliário e os investidores abriram também tal possibilidade para as classes desfavorecidas, denominadas subprime. Porém os contratos destinados a este público alvo possuíam um maior risco de liquidez, e, por consequência, um maior índice de lucro, pois, como eram classe menos favorecidas, tinham um alto índice de inadimplência, além de adquirirem crédito sem comprovar renda. Conforme noticiado na Folha de São Paulo[1], esta nova forma de crédito tornou-se uma bolha, pois, apesar do risco de inadimplência do subprime, possuía um alto índice de lucro, o que demandou maiores investidores que assim adquiriram os títulos imobiliários relativos a estes contratos de mútuo que, por sua vez, repassaram para outros, terceiros, também investidores. Entretanto, a partir de 2006, houve uma perda significativa na valorização destes imóveis, e, por sua vez, o FED (Banco Central norte-americano) aumentou a taxa de juros, o que gerou o encarecimento do crédito e, por conseguinte, a queda de consumo, além de acarretar a inadimplência nos contratos e acarretando assim um temor de calotes generalizados.  Dessa forma, ocorreu um desaquecimento generalizado na economia estadunidense, que, por sua vez, teve desdobramentos na economia mundial, pois os títulos de crédito norte-americanos, que eram adquiridos por investidores de todo o globo, agora não possuíam qualquer liquidez. No Brasil, as consequências desta crise econômica foram inicialmente a rápida valorização do Dólar americano e, consequentemente, a desvalorização do Real, o que causou grande impacto no fluxo de importação e exportação de mercadorias. Ademais, as pequenas instituições financeiras que realizaram, sumariamente, contratos de mútuo também foram prejudicadas, em virtude da falta de crédito externo e abalo na confiança pelo temor de mais calotes. Com a baixa política de crédito no Brasil, a atuação de pequenas e médias empresas, além do empreendedor do campo etc., ficou prejudicada, pois não teve como buscar financiamento em curto prazo. Assim, o Governo Brasileiro autorizou o BC a comprar carteira de crédito de bancos em dificuldades no Brasil, além de aumentar o limite de crédito do BNDES, destinado às exportações. Em 08 de outubro, o preço do dólar alcança o patamar de R$ 2,48. Em 11 de dezembro de 2008, o Governo Brasileiro reduziu a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) a fim de promover o consumo interno, e também do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para, naquele momento, favorecer as montadoras, e assim não termos desemprego em massa no setor automobilístico[2]. A medida de reduzir a alíquota do IPI, que é o nosso objeto de estudo, foi inicialmente para carros e caminhões, e, após 04 anos, é utilizada como política de Estado até hoje. A referida medida sobre o IOF se deu através do Decreto de nº 6691/2008, o qual baixou para 0041% a alíquota do aludido imposto para os casos de mutuários pessoas físicas, justamente aquelas pessoas que buscam linhas de crédito na praça. Da mesma forma, foi publicado o Decreto de nº 6687/2008, que alterou a tabela TIPI no tocante às alíquotas do IPI, para carros de até mil cilindradas (alíquota de 0%), entre outras reduções referentes aos veículos flex e para aqueles com mais de mil cilindradas. Com tais medidas, buscou o Governo Brasileiro evitar o desaquecimento da economia, manter o nível do PIB em patamar razoável, bem como continuar tendo receita tributária decorrente das atividades financeiras relacionadas à publicação dos mencionados decretos[3].  Entretanto, ainda em 2009, a crise econômica ficou ainda mais agravada no Brasil. A expectativa de crescimento do PIB era de apenas 1,8%, e, de acordo com o IBGE[4], já em dezembro de 2008 foi vislumbrado uma redução da produção automobilística em 40% referente ao mês anterior, o que gerou uma queda na produção industrial de 12,4%, o que decerto geraria desemprego e queda no nível de consumo da população. Porém, já em fevereiro de 2009, foi identificado um crescimento nas vendas de automóveis, o que motivou o Governo a manter e prorrogar a isenção do IPI. Necessário expor que, mesmo com as medidas adotadas pelo Estado Brasileiro sobre a crise financeira, as mesmas poderiam até arrefecer os seus efeitos na economia nacional, contudo não resolviam definitivamente. Como se trata de uma crise global, polarizada nos Estados Unidos e na Europa, que são os principais investidores dos capitais utilizados pelas empresas que produzem e se desenvolvem no Brasil. A razoável melhora nos índices econômicos de 2009 não significou o fim da crise mundial, tampouco seu efeito ricochete no Brasil, mas chegou a configurar um novo panorama, que decorreu em nova alteração da alíquota do IPI dos veículos e outros produtos como pão francês, eletrodomésticos etc. Em 17 de abril de 2009, ocorreu o Decreto de nº 6825/2009 que alterou a alíquota do IPI relativo aos produtos da denominada “linha branca”, que abarcam eletrodomésticos como: fogões, geladeiras, máquinas de lavar e tanquinhos. Todos estes produtos tiveram suas alíquotas do aludido tributo reduzidas, contudo apenas os tanquinhos e fogões tiveram suas alíquotas zeradas, enquanto os outros sofreram uma redução de 10%. Mais uma vez o objetivo do Governo era o aquecimento da economia através do aumento do consumo e da contratação de linhas de crédito. Dessa vez, houve um direcionamento às lojas de varejo que realizam a venda destes produtos e o fazem a partir de financiamentos e estratégias de crédito no próprio estabelecimento comercial. Ademais, tal política tentou também conter o desemprego no setor que, em virtude da crise econômica, teve uma redução de 5% na taxa de emprego. Nesta mesma data, 17 de abril de 2009, o Governou aumentou a lista de isenção de IPI, agora para alguns produtos de material de construção, tais como ladrilhos, cadeados, torneiras, revestimentos, pastilhas etc. Dias antes, no dia 30 de março de 2009, o Governo já havia determinado a alíquota 0% do IPI para produtos como cimento, tinta, verniz e chuveiro elétrico[5]. Tais decisões foram publicadas nos Decretos de nº 6809/2009 e 6823/2009. Posteriormente, houve a publicação de novo Decreto, nº 6890/2009, com a manutenção da alíquota 0% do IPI para veículos de 1.000 cilindradas, a gasolina ou flex, até setembro/2009 e sua gradual elevação nos meses subsequentes até chegar ao patamar de 7% em janeiro/2010. A partir de 2010, a crise econômica muda um pouco o seu foco, pois aponta para a Europa, que passa por problemas de pagamentos de dívidas internas, como o caso da Grécia, Espanha e Itália. Já nos Estados Unidos, começa uma suave reorganização, inclusive culminando com a reeleição do presidente Barack Obama, embora, até hoje, existam enormes problemas financeiros e sociais decorrentes daquela crise de 2008. A questão é que o Governo brasileiro conseguiu de certa forma reagir e conter as crises econômicas que ainda existem na Europa e nos Estados Unidos. Contudo o mecanismo de redução da alíquota do IPI continuou a ser utilizado como medida fiscal para tanto. Ademais, tal ferramenta sempre foi utilizada nos mesmos objetos e nos mesmos propósitos: veículos populares, eletrodomésticos de linha branca e materiais de construção, sempre no sentido de gerar consumo e facilitar a contratação de crédito a fim de não gerar desemprego ou o desaquecimento da economia[6].   Entretanto tal política governamental não significou efetivamente uma melhora da economia brasileira em razão da crise mundial. Apesar de que tais medidas favoreceram o consumo e combateram o desemprego, o PIB brasileiro continua instável, vez que, em 2010, foi de 7,5%; em 2011 foi de 2,7%; e em 2012 de apenas 0,9%. 3  IPI –  HISTÓRICO, CARACTERÍSTICAS E INCIDÊNCIA O IPI, enquanto tributo, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição Federal, quando era definido como Imposto de Consumo. A nomenclatura atual apenas foi adquirida em 1966, quando adveio o Decreto-Lei nº 34, conjuntamente com a Emenda Constitucional de nº 18. A aludida alteração constitucional, como se vê, ocorreu em pleno período ditatorial no Brasil, quando o regime militar procedeu com enormes reformas fiscais e financeiras no Brasil. Desta forma, desde a década de 1960 o IPI, ou o antigo Imposto de Consumo, já era utilizado como instrumento regulatório na economia nacional. Ainda na época que era denominado como “Imposto de Consumo”, já era identificada a notoriedade da tributação dos produtos industrializados para a economia nacional. Isto se deu desde sua criação na década de 1960, que coincidiu também com o surgimento e crescimento da indústria na sociedade brasileira. Ademais, a tributação, acerca destes produtos, geraria ainda a incidência de diversos outros tributos. Na atual Constituição Federal, datada de 1988, o IPI restou regulamentado pelo art. 153, IV, sendo determinado a sua competência para a União. O CTN, nos artigos 46 e seguintes, determina que o fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ocorre com a saída do aludido produto do estabelecimento comercial; no desembaraço aduaneiro, quando o produto tem procedência do exterior; ou da arrematação de produto apreendido ou abandonado que é levado a leilão. Com a crise econômica mundial, iniciada em 2008, o Governo Brasileiro utilizou o IPI a fim de enfrentar e combater a crise econômica que assola o globo desde 2008. Dessa forma, cabe a nós analisarmos como se deu a viabilidade de utilização deste imposto que, de certa forma, serviu para amortizar os efeitos da crise no mercado interno. Inicialmente, cumpre relembrar que o Governo brasileiro buscou combater os efeitos da crise econômica através da estimulação do consumo interno e facilitação das linhas de crédito, que por sua vez, indiretamente geraria também o aumento do consumo, e assim aumentava o aporte de dinheiro nas praças. Desta forma, daremos um maior enfoque aos artigos 46, II e 47, II, ambos do CTN, os quais preveem o fato gerador do IPI à época da saída do produto do estabelecimento comercial. Insta ressaltar que o IPI é um imposto indireto, pois o contribuinte de fato, na verdade, é o consumidor final da mercadoria, objeto da operação, pois o fornecedor repassa no valor total do produto o quantum devido a ser recolhido a título de tal tributo. Tal questão se mostra relevante quando a colocamos no caso do cenário em tela, em que o Governo Federal optou em alavancar o consumo interno, pois sem alterar a alíquota do IPI de determinados produtos, com certeza não teríamos uma redução no preço final do produto, pois para tanto é fundamental desonerar a cadeia produtiva. Todavia o cerne da questão sobre a utilização do IPI, como mecanismo de política fiscal, decorre basicamente de seus privilégios e particularidades garantidos pela Constituição Federal de 1988. A própria CF/88 já previa a utilização do aludido tributo na forma que vem sido utilizada pelo Governo Federal, ou seja, a fim de instrumentalizar a política econômica nacional a fim de promover a produção interna no país. O Imposto sobre Produtos Industrializados é de competência da União, conforme o art. 153, IV, da CF/88. Em virtude de características intrínsecas a este imposto, como a extrafiscalidade e a essencialidade, que serão tratadas posteriormente, ele é autorizado a desobedecer a inúmeros princípios constitucionais exatamente em virtude de sua relevância política e econômica. O IPI, por exemplo, não obedece ao princípio da anterioridade, conforme o art. 150, §1, da CF/88. Ou seja, para instituição ou alteração do IPI para determinado produto, não é necessário esperar o início do próximo exercício financeiro. Com a exceção a tal princípio, o legislador constituinte atestou o caráter especial do IPI como instrumento de regulamentação econômica, haja vista que, como o cenário político e financeiro se transformou com enorme velocidade, o Governo precisa de ferramentas para intervir de forma imediata, não podendo, portanto, esperar por semanas ou meses, conforme preceituam os princípios da anterioridade. 4 A EXTRAFISCALIDADE DO IPI Como é sabido, o tributo é receita derivada, de natureza compulsória, decorrente do poder de soberania do Estado. Os tributos em regra podem ser classificados como vinculados e não vinculados. Vinculados são aqueles cobrados em decorrência de uma contraprestação específica do Estado, como o caso da taxa cobrada para emissão de passaporte. Já os não vinculados são os cobrados pelo Estado em razão de seu poder de tributar, independente de uma resposta ou uma contraprestação do Estado. Nesta segunda categoria, incluem-se genericamente o caso dos impostos. Assim, o art. 16 do CTN preceitua que: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (grifos nossos). O IPI, tributo aqui em estudo, é um imposto específico e particular, diverso dos outros criados pelo legislador brasileiro. Pela qualidade enquanto imposto, já não possui qualquer caráter vinculante a uma atividade estatal, entretanto possui uma série de prerrogativas e especialidades que foram dadas pelo próprio sistema jurídico tributário. Assim, esclarecido que o imposto independe de uma atividade específica do Estado, necessário expormos ainda que o mesmo cumpre, enquanto instrumento arrecadatório, o papel da fiscalidade. Sobre o tema, o Prof. Paulo de Barros Carvalho assim esclarece: “Fala-se assim em fiscalidade sempre que a organização jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou que governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses – sociais, políticos ou econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva” (CARVALHO, 2009, p. 254).   Entretanto, em alguns casos, o poder de tributar realizado pela Administração Pública não tem o objeto de simples arrecadação, mas de intervenção na sociedade, tendo, portanto, um atributo extrafiscal. O ilustre Prof. Geraldo Ataliba define a extrafiscalidade da seguinte forma: “Consiste a extrafiscalidade no uso dos instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados. […] É lícito recorrer aos tributos com o intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos sociais e econômicos dos contribuintes, seja fomentando posicionamento ou inibindo certos procedimentos. Dá-se tal fenômeno (extrafiscalidade) por intermédio de normas que, ao preverem uma tributação, possuem em seu bojo, uma técnica de intervenção ou conformação social por via fiscal. São os tributos extrafiscais, que podem ser traduzidos em agravamentos ou benefícios fiscais dirigidos ao implemento e estímulo de certas condutas” (ATALIBA, 1990, p. 49). Com efeito, podemos ver que desde os primórdios ensinamentos do citado mestre já existia o entendimento que efetivamente o poder de tributar atende também a uma atuação extrafiscal por parte do Estado a fim de regular, intervir ou estimular determinada prioridade de natureza social ou econômica abdicando assim dos fins de mera arrecadação e geração de receita. Outrossim, ao expor sobre a extrafiscalidade e os tributos extrafiscais, o renomado Professor Paulo de Barros Carvalho assim pontua: “Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais para o setor da fiscalidade. Não existe, porém identidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão só a fiscalidade, ou unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro. Consistindo a extrafiscalidade no uso de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias. Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim entendidos tanto os dispositivos expressos quanto os implícitos. Não tem cabimento aludir-se a regime especial, visto que o instrumento jurídico é invariavelmente o mesmo, modificando-se tão somente a finalidade do seu emprego” (CARVALHO, 2011, p. 249). Neste diapasão, podemos encartar o IPI como um imposto extrafiscal, porque se trata de exação que não possui função primordial de arrecadação de fundos para os cofres públicos, e sim para destinação de favorecer ou desestimular alguns setores da economia por serem considerados de interesse público ou pela conveniência devidamente fundamentada. Um dos pilares da extrafiscalidade inserta no IPI está na mitigação do princípio da legalidade, a qual é, contraditoriamente ou não, garantida pela própria Constituição Federal nos artigos 146-A e 153, § 1º. O art. 146-A da CF/88 assegura que “Lei Complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União por lei, estabelecer normas de igual objetivo.”  Nesta toada, podemos dizer que o objetivo da norma é deixar claro ao legislador a possibilidade de fixação de critérios especiais de determinados setores, como forma de manutenção do regime de livre concorrência, que se erige como princípio fundamental da ordem econômica. Destarte, a aludida norma tributária significa a confluência dos subsistemas econômico e jurídico tributário. O exercício da atividade legiferante e sua aplicação ao caso concreto, além de atenderem ao conteúdo finalístico do dispositivo constitucional, devem, em função concomitante, respeitar os objetivos do Estado brasileiro, os princípios do modelo econômico constitucionalmente adotado, os limites ao poder de tributar e os princípios assegurados na Carta Magna. Já no que refere à norma do art. 153, §1º, é possível que o Poder Executivo altere a alíquota deste imposto, desde que obedecido os limites da lei. Ou seja, a relativização do princípio da legalidade está apenas na possibilidade de alterar o critério quantitativo desta exação dentro dos limites legais, contudo não pode inventar ou criar nova alíquota. Portanto permanece o IPI, bem como todos os instrumentos do sistema tributário nacional escravos da lei, mesmo que isto, a certo ponto, possa ser relativizado até determinado limite. Necessário expormos que o IPI, enquanto tributo extrafiscal, foi objeto de alteração na reforma tributária implantada pela Emenda Constitucional 42/2003. Anteriormente a esta EC, os impostos extrafiscais poderiam ser alterados sem qualquer preocupação com o veículo formal e sem respeitar um lapso temporal mínimo, pois, relembrando, em virtude de ser um instrumento de político, social e/ou econômico, poderia ter aplicação imediata em razão da urgência que o caso requisesse. Contudo, em razão da aludida emenda, os impostos relacionados com a matéria de consumo, tal como o IPI passou a obedecer a anterioridade nonagesimal, conforme o art. 150, §1. Senão vejamos: “Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios […] III – cobrar tributos: […] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; […] § 1º – A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Alterado pela EC-000.042-2003). […] Art. 153 – Compete à União instituir impostos sobre: […] IV – produtos industrializados;  […]” (grifos nossos). Todavia a Constituição Federal, pelo art. 153, §1º, estende do Poder Legislativo para o Poder Executivo a competência para alterar esta exação, exercendo assim sua função atípica de legislar. Nesta esteira, existe uma discussão sobre a aplicação da anterioridade nonagesimal, haja vista que a alteração do IPI pode ocorrer tanto através de decreto quanto através de lei. Ocorrendo a alteração por decreto, não se aplica a anterioridade, vez que apenas é aplicável se a alteração for através de lei. Contextualizando com o recorte conjuntural que utilizamos, qual seja a crise econômica mundial, um caso clássico é quando a União majora ou reduz a alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos carros utilitários. Sobre o tema, vejamos como pontua corretamente o ilustre Prof. Paulo de Barros Carvalho: “A construção do sentido deste instrumental no direito positivo submete o intérprete a trabalhar, de um lado, dentro dos conceitos jurídico-tributários, como imposto de competência exclusiva da União, e, de outro, no âmbito político, como ferramenta de controle do mercado, do fluxo internacional – importação e exportação – de mercadorias. Dada sua regra matriz, quaisquer alterações das alíquotas nos produtos, dentro do critério quantitativo desta exação, denunciam as vontades políticas por detrás destas escolhas, que são trazidas na TIPI (Tabela de Incidência do IPI)” (CARVALHO, 2011, p. 691).  Nesta senda, o Fisco utiliza a função primária do tributo, que é manter o equilíbrio da economia, pois, como a crise afetou a produção automobilística, o Governo tomou tal atitude a fim de estimular a venda de veículos e evitar o desemprego e a redução da produção no setor. 5  A SELETIVIDADE E ESSENCIALIDADE DO IPI A seletividade e a essencialidade são características alocadas ao IPI que vão fundamentar a nossa explicação sobre os motivos que levaram o Governo Brasileiro a optar por reduzir a alíquota do aludido tributo sobre produtos como veículos 1.0 ou cimento e outros materiais de construção; e, ao mesmo tempo, não optou, por exemplo, em reduzir a alíquota sobre joias, chocolates e diversos outros produtos de grande consumo que também sofrem a incidência do IPI. Através do princípio da seletividade, podemos entender por que a alíquota do cigarro é de 300%, ou por que os calçados possuem tributação em alíquota 0%. Ou até mesmo os motivos que levaram a determinar a alíquota 0% para a produção de pães, 15% para águas minerais e 20% para vinhos[7]. O IPI, como já dito, trata-se de um imposto indireto. Ou seja, o pagamento de tal exação, embora seja obrigação do produtor, é repassado ao consumidor final através da relação de consumo ora estabelecida. Desta feita, quando o legislador constituinte determinou que tal tributo fosse seletivo, em razão da essencialidade do produto, incutiu ali uma série de prerrogativas e outros princípios também, dos quais trataremos sumariamente a fim de entendermos tal característica. O Art. 153 da CF/88, que trata sobre o IPI, determina que este tributo seja seletivo pela essencialidade. Veja-se: “Art. 153 – Compete à União instituir impostos sobre: […] IV – produtos industrializados; […] § 3º – O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; […]” Primeiramente, perguntemos: o que é seletividade pela essencialidade no IPI? Podemos responder que, levando em consideração que o IPI é um imposto de consumo, ou seja, é incidente sobre produtos e mercadorias que são disponibilizadas e ofertadas aos cidadãos, consumidores em potencial, quis o legislador constituinte que tal tributo seja diferenciado a depender do que se entende como essencial, fundamental, indispensável, para o consumo da população. Desta feita, podemos dizer ainda que, através de tal princípio, pode o Governo dizer o que é supérfluo ou não para o consumo da população brasileira. Não podemos de forma alguma confundir o conceito de essencialidade com seletividade. Embora unidos quanto a alguns tributos, os mesmos não se confundem. Como dito anteriormente, podemos dizer que ser seletivo é ser escolhido, eleito, diferenciado, qualificado, separado. Ou seja, a tributação do IPI seria seletiva pela essencialidade na forma que o legislador tributará de forma seletiva, diferenciada, aqueles produtos que serão classificados como essenciais, fundamentais, indispensáveis para o consumo do cidadão brasileiro. Quando restou determinado no texto constitucional que a seletividade seria em razão da essencialidade do produto, quis o legislador originário preocupar-se com o contribuinte de fato, qual seja o consumidor. Desta feita, teremos aí outros dois princípios constitucionais para qual a seletividade está a serviço: o princípio da capacidade contributiva e da dignidade da pessoa humana. Como já se sabe, a capacidade contributiva, normatizada no art. 145, §1º da CF/88, está associada à capacidade econômica do indivíduo em contribuir para a manutenção do Estado e consiste no critério de diferenciação aplicado à igualdade no âmbito do Direito Tributário, haja vista servir de medida para a distribuição dos encargos estatais, igualando ou desigualando os contribuintes a partir das possibilidades econômicas de cada um. Diante do exposto, é que o constituinte estabeleceu a seletividade da alíquota do IPI como forma de minimizar as consequências da transferência do ônus tributário e aplicar, ainda que minimamente, o princípio da capacidade contributiva àqueles que acabam pagando o tributo inserido no preço do produto, mercadoria ou serviço. Tal seletividade se dá em razão da essencialidade do produto. Já a essencialidade serve ao mínimo existencial, e ao princípio da dignidade humana, pois estabelece uma menor alíquota tributária de acordo com a maior importância, essencialidade, relevância econômica/social de determinados produtos. No caso em comento, teceremos comentários sobre como o princípio da seletividade foi atendido nas atuações do Governo Brasileiro sobre a crise econômica mundial, quando adotaram como medida a redução da alíquota do IPI. A opção do Governo em alterar para 0% a alíquota do IPI para carros populares (motor 1.0, gasolina ou flex), e reduzir aquela relativa aos veículos de até 2.0, se deram não apenas com a questão de consumo, eis que tais veículos são mais acessíveis à sociedade, principalmente à classe média, e às ascendentes classes “C” e “D”, mas também porque tais produtos possuem uma manutenção não tão cara, são econômicos e duráveis. Ademais, a questão de obter tais veículos através de empréstimos consignados ou via alienação fiduciária, efetivamente foi a opção de escolha de pagamento destes setores sociais. Na época do início da crise econômica, no final de 2008, a redução da produção automobilística foi de 49%. De acordo com o IPEA e a ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores do Brasil), de janeiro a junho de 2009, a redução do IPI foi responsável por 13,4% das vendas de automóveis. O IPEA, através de pesquisa realizada junto a Secretaria da Receita Federal, constatou ainda que a perda de receita com a desoneração do IPI foi compensada com a arrecadação de outros tributos[8]. Por exemplo, a isenção do IPI nos veículos automóveis atacados pelos decretos governamentais, não afastou, de fato a incidência do ICMS na aludida produção automobilística. Ao final de 2009, a desoneração do IPI significou um aumento de 11,35% na venda de veículos no mercado brasileiro, em comparação a 2008. Os fogões, geladeiras, tanquinhos e máquinas de lavar foram os produtos selecionados como essenciais pelo Governo para sofrer a redução da alíquota do IPI. Tal seleção se deu não apenas pela utilidade doméstica de tais mercadorias, quanto pela demanda existente no mercado varejista, e porque a venda desses produtos também ocorre através de crediário e empréstimo a fim de facilitar a aquisição e pagamento destes bens. Com a desoneração do IPI destes itens do setor, bem como também dos móveis, ocorreu o aumento de 21,7% das vendas em todo o período de 2010. O IBGE revela ainda que quanto aos móveis e eletrodomésticos, o aumento em relação a 2009 foi de 25,7%, o que significou o segundo maior aumento na economia varejista[9]. Quando o Governo optou em reduzir a alíquota do IPI referente aos materiais de construção, selecionou aqueles que são essenciais para a construção da casa própria, à moradia popular e às reformas de imóveis. Assim, foi reduzido o IPI sobre pias, cimentos, argamassas, vasos sanitários, mármores, granito e tintas. Destaque-se também que grande parte da venda de tais mercadorias é feita por crediários e empréstimos, como também é o caso dos produtos da linha branca. No que se refere à redução da alíquota do IPI dos produtos de materiais de construção, o setor apontou um crescimento de 12,5% até junho de 2010, e alavancou também a venda de outras mercadorias correlacionadas, cujo aumento foi de 5,5% até junho/2010, em razão do mesmo período em 2008 e de 4% em relação a junho/2009[10]. 6 A ALTERAÇÃO DA ALÍQUOTA DO IPI ENQUANTO NORMA DE ISENÇÃO Muito embora a atuação do Governo não tenha sido de zerar a alíquota do IPI como instrumento para combater a crise econômica mundial e fortalecer a economia nacional, em algumas circunstâncias o fez, como nos casos dos veículos populares e alguns produtos da linha branca. Em referência a estes casos, é relevante analisarmos, mesmo que sumariamente, o fato de que o Governo Brasileiro, ao determinar a redução da alíquota do IPI para 0%, na verdade, instituiu uma norma de isenção quanto a este imposto. Para entendermos como podemos deixar de pagar uma obrigação tributária, como é o caso da alíquota 0% do IPI, precisamos compreender como funciona tal relação jurídica tributária, como a mesma se organiza e se materializa a fim de concluirmos porque a mesma continua existindo mesmo afastando a obrigação de adimplir com a exação. Levando em consideração que toda norma jurídica possui uma estrutura, e que seus elementos estruturais ligam-se de forma lógica e precisa, a fim de explicar objetivamente as questões e finalidades da norma em si, utilizaremos para tanto um renomado instrumento, a RMIT – Regra Matriz de Incidência Tributária. A Regra Matriz de Incidência Tributária é efetivamente uma norma de conduta. A partir da ocorrência de determinado comportamento humano, que esteja previsto em uma norma tributária, haverá a ocorrência de um fato gerador, o qual iniciará toda a estrutura lógica aonde se ligarão os sujeitos, passivo e ativo, desta relação, suas obrigações, e efetivamente será mensurado e equacionado o quantum relativo ao pagamento da obrigação, do tributo. Portanto, a RMIT é uma norma de conduta, como muitas outras, e regula a relação entre o Estado e o cidadão, basicamente na relação entre Fisco e contribuinte. A fim de proceder com tal estrutura lógica, a RMIT utiliza basicamente duas estruturas: o antecedente e o consequente. O antecedente prevê uma hipótese, a qual, caso se efetive, decorrerá no consequente, prescritor da norma, o deve-ser previamente estabelecido em razão do comportamento descrito na hipótese. O antecedente possui três elementos que vão configurar efetivamente a identificação do fato, a hipótese que decorrerá na relação jurídica tributária e na obrigação tributária. São eles os critérios material, espacial e temporal. O critério material aponta o comportamento humano que é incidente da norma tributária, ou seja, o fato gerador do tributo. O critério espacial é aquele que diz que aquele fato gerador ocorreu em local de incidência da referida exação. Já o critério temporal nos traz a efetiva e exata ocorrência do fato jurídico incidente da norma. Já o consequente, ao contrário do antecedente que prescreve a norma, adota um papel de prescritor que nos diz os critérios para a identificação da relação jurídica que emana a fim de conhecermos o sujeito do direito, seu objetivo e o dever atribuído ao sujeito passivo do vínculo jurídico. O consequente normativo da RMIT é composto pelos critérios identificados da relação obrigacional, seja o critério pessoal, que inclui tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo; seja o critério quantitativo, que abarca tanto a base de cálculo quanto a alíquota aplicável. O sujeito ativo da relação jurídico, ora integrante do critério pessoal da RMIT, é aquele titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária. De acordo com o art. 119 do CTN, o sujeito ativo da obrigação é aquela pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento. Entretanto, em virtude das vicissitudes existentes no nosso país, necessário aplicarmos ainda o art. 120 do CTN, o qual legitima também para cobrar a aludida obrigação tributária àquela pessoa jurídica de direito público que se constituir do desmembramento territorial de outra. O sujeito passivo da RMIT, apontado como legítimo para cumprir a obrigação tributária, seria aquela pessoa física ou jurídica, de natureza pública ou privada. O art. 121 do CTN estabelece que o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária. Ademais, explica tal artigo que esta pessoa pode ser o seu contribuinte efetivamente, ou seja, aquele que possui relação pessoal e direta com a ocorrência do fato gerador, ou o seu responsável tributário, que é aquela pessoa responsável em adimplir a obrigação tributária em virtude de determinação legal, mesmo diferenciando-se do efetivo contribuinte. A base de cálculo, componente do critério quantitativo da RMIT, é o elemento capaz de mensurar a intensidade do fato gerador incidente da norma, formar efetivamente sobre o quantum debeatur e ratificar e determinar o critério material descrito na hipótese tributária. No caso da mensuração sobre o fato gerador, normalmente são utilizados critérios externos, como valor da operação, preço de mercado, número de cilindradas de motor, valor venal etc. Quanto à alíquota, o outro elemento componente do critério quantitativo, esta significa muito além de um item aritmético para a determinação da quantia que será objeto da prestação tributária. A alíquota, efetivamente, nada mais é do que uma parte, fração ou percentual sobre o valor aplicável (base de cálculo), que o Estado, enquanto Ente Tributante utiliza a fim de exigir em pecúnia a obrigação tributária. Exposta panoramicamente a explicação sobre a RMIT e sua relevância para entendermos a vasta tributação existente no nosso ordenamento jurídico, veremos como esta se aplica para entendermos o IPI. De antemão, precisamos esclarecer que o IPI possui inúmeras RMIT´s, pois sua incidência se dá em três oportunidades que ensejarão o seu fato gerador, nos termos do art. 46 do CTN. São elas: (i) o desembaraço aduaneiro, quando produto procedência estrangeira; (ii) da saída do produto do estabelecimento, nos termos do art. 51 do CTN; (iii) da arrematação do produto oriundo de apreensão ou abandono e que seja levado à leilão. No caso em tela, enfocaremos apenas a RMIT do IPI referente ao produto que sai do estabelecimento (ii), pois tal hipótese se aplica ao que estamos analisando neste trabalho. O imposto sobre a industrialização de produtos, quando sua incidência é sobre a saída dos veículos 1.0, dos eletrodomésticos da linha branca ou dos materiais de construção, que foram objetos de alteração quanto à alíquota do IPI em razão da crise econômica, possui a seguinte RMIT: 1      Hipótese tributária 1.1 Critério Material: industrializar produtos. 1.2 Critério Espacial: em regra, qualquer localidade dentro do território nacional. 1.3 Critério Temporal: o momento em que o produto sai do estabelecimento industrial. 2      Consequente normativo 2.1 Critério Pessoal: o sujeito ativo é a União e o sujeito passivo é o responsável pelo estabelecimento industrial ou a quem ele se equiparar. 2.2 Critério Quantitativo: a base de cálculo se extrai pelo preço da operação na saída do produto e a alíquota aplicável é aquela constante na tabela TIPI vigente. Sobre a aludida Regra Matriz de Incidência Tributária, cabe frisarmos que no que se refere ao sujeito passivo, quis o legislador instituir aí também uma espécie de responsável tributário. Isto se dá porque como o IPI é um imposto indireto, ou seja, o valor do tributo normalmente é repassado no preço a ser pago pelo consumidor final, costuma ser este, na prática, o sujeito passivo para adimplir tal obrigação tributária. Destaque-se que esta é a leitura realizada pelo art. 51 do CTN, o qual revela que o contribuinte do imposto é o industrial, ou a quem ele se equiparar, ou o comerciante de produtos industrializados. Quando o Governo aplica a alíquota 0% do IPI para os produtos industrializados, ele também altera a Regra Matriz de Incidência Tributária relativa ao aludido imposto, pois altera um elemento do critério quantitativo. Quando se fala em alterar a alíquota do IPI, tal tema se torna ainda mais interessante. Sobre o tema, o Prof. Paulo de Barros Carvalho ensina que: “Para qualquer exação, não pode haver base imponível ali onde não houver alíquota, entidade que se congrega à base para oferecer compostura numérica do debitum, estatuindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato normativamente descrito.[…] Para o IPI, o tema das alíquotas ganha dimensão expressiva, tendo em vista o mandamento constitucional da seletividade em função da essencialidade dos produtos, prescrita pelo art. 153, §3º do Texto Magno. O constituinte outorgou ao legislador ordinário a possibilidade de dosar a carga tributária, em função dos predicados de utilidade atribuídos aos produtos, segundo o talante do próprio legislador infraconstitucional, não estipulando critério determinado a que este último ficasse jungido” (CARVALHO, 2011, p 626). Portanto, optando a Administração Pública em “zerar” a alíquota do IPI, está ainda reformando a RMIT deste imposto a fim de efetivamente excluir o débito oriundo da obrigação tributária construída, pois se torna impossível encontrar um quantum debeatur se conjugarmos a base de cálculo devida com uma alíquota em 0%. O fato de subtrairmos ou anularmos um elemento da RMIT, no caso a alíquota com o teor de 0%, efetivamente estamos falando de um instrumento para isentar o sujeito passivo da relação tributária em pagar o crédito tributário. Isto ocorre porque, embora com a alíquota de 0% não extinga com o elemento quantitativo constante na estrutura da RMIT, ela faz com que haja a supressão de sua funcionalidade, pois, como se sabe, estipulando 0% para o elemento quantitativo, na prática não há o que se valorar, tampouco como encontrar um valor devido a título de pagamento do tributo. Desta feita, os decretos e leis publicados pelo Estado Brasileiro, no tocante à redução da alíquota do IPI para 0%, nos termos aqui estudados, a fim de utilizar tal método como instrumento de regulação e fortalecimento da economia nacional, efetivamente se materializou no ordenamento jurídico enquanto normas de isenção do aludido imposto. Não é preciso lembrar que tal isenção apenas se aplica àqueles casos em que efetivamente houve a redução da alíquota do IPI para 0%, como os veículos 1.0 gasolina ou flex, fogão, tanquinhos e outros materiais de construção; o que não ocorreu com outros diversos produtos, sobre os quais apenas sofreram uma redução da alíquota, contudo com parâmetros ainda quantitativos, como os casos dos veículos 2.0, máquinas de lavar etc., cujas alíquotas se reduziram para 5% ou 6,5% por exemplo. Nos termos do art. 175 do CTN, a norma de isenção é causa de exclusão do crédito tributário. Veja-se: “Art. 175 – Excluem o crédito tributário: I – a isenção; II – a anistia. […]” Como bem expõe o aludido artigo, a isenção é causa de exclusão do crédito tributário, entretanto a norma isentiva não é causa suficiente para a exclusão da relação jurídico-tributária. Muito embora haja inúmeras teorias e críticas quanto ao condão da norma isentiva excluir o crédito tributário, bem como sobre o sentido desta norma não excluir a relação jurídico-tributária efetivamente, a questão é que quis o legislador, através deste instrumento conceder este benefício legal ao contribuinte; entretanto, não abrindo mão para que o mesmo proceda com o cumprimento das demais obrigações, como por exemplo, o dever instrumental de emitir nota fiscal ou manter organizado o livro-caixa. A questão é que com este instrumento, a Administração Pública Federal, através de decretos e leis instituiu inúmeras normas isentivas a fim de provocar o aquecimento da economia através da elevação do consumo e da concessão de crédito, as quais excluíram do contribuinte o dever de recolher o valor devido a título de crédito tributário do IPI, entretanto não o desobrigando dos deveres instrumentais. Percebe-se, portanto que, como o IPI é um imposto indireto, onde é efetivamente o consumidor que paga pelo tributo, o Governo brasileiro efetivamente apenas desonerou estes cidadãos sobre o pagamento da exação, mas manteve o fornecedor, o industrial, com o ônus de cumprir com os deveres instrumentais relativos a tal imposto, haja vista que os mesmos detêm a tecnologia e a estrutura inerente ao seu negócio para tanto. 7 CONCLUSÃO Diante do quanto exposto, pudemos verificar a grandeza e a inteligência da Carta Magna acerca do tributo aqui estudado, haja vista que já no longínquo ano de 1988, o legislador constituinte já havia previsto a possibilidade de utilizar os denominados tributos extrafiscais como efetivos instrumentos de política econômica. A vontade do legislador constituinte em impor determinados princípios e características sobre o IPI foi, efetivamente, para ter o controle sobre a aludida tributação no contexto de que a mesma era fundamental para o Brasil no processo de modernização do país, pela via industrial e pela sua inserção no processo de globalização. Assim, pela seletividade através da essencialidade do produto, pudemos ver que quis o legislador garantir ao povo, à sociedade, um acesso aos bens e produtos básicos e necessários para a sua sobrevivência e desenvolvimento social, econômico e cultural. Ademais, por tal princípio característico, foi possível que se alternasse a escolha de tais produtos essenciais a depender da conjuntura, do desenvolvimento e da própria vontade do Estado. Da mesma forma também quis o constituinte quando determinou acerca da extrafiscalidade do IPI. A partir dela, foi possível que o Estado, verificando que tal tributo é totalmente relacionado à produção e ao consumo, que pilares fundamentais da economia pudessem proceder com independência e autonomia no mercado, a fim de sempre garantir e defender as políticas públicas essenciais para o povo e aliá-las às necessidades do capital, do mercado. Ademais, podemos asseverar ainda que, levando em consideração a legislação aplicada ao caso em comento, quais sejam os decretos sobre a alteração da alíquota do IPI, a Emenda Constitucional nº 42/2003 efetivamente não restou eficaz. Lembremos que por esta EC, o IPI foi o único imposto extrafiscal que foi obrigado a obedecer ao princípio da anterioridade nonagesimal, e obedecendo também aos veículos formais da lei. Entretanto, como as legislações em espeque neste trabalho se referem a decretos originados do Poder Executivo, e, portanto com vigência imediata á sua publicação, conforme o rito dos outros tributos extrafiscais não atingidos por tal reforma constitucional, como o caso do II (Imposto Importação) e IE (Imposto Exportação). O Brasil, enquanto “país em ascensão”, como denominado no cenário da política mundial, efetivamente veio a sofrer desdobramentos da crise econômica que atacou inicialmente os Estados Unidos da América e, posteriormente, a Europa. Entretanto o Governo Brasileiro, utilizando de um instrumento tributário, qual seja o IPI, buscou combater esta crise a fim de que esta efetivamente não gerasse prejuízos políticos e financeiros para a nação, e tampouco impedisse o desenvolvimento econômico dentro do projeto de nação que aqui está sendo instituído. A redução da alíquota do IPI foi utilizada a fim de incentivar o consumo interno, manter a concessão de crédito na praça e impedir o desemprego, o que coaduna com um projeto de nação democrático e popular e que preza o crescimento econômico com responsabilidade. Embora o IPI não tenha sido o único instrumento utilizado para combater a aludida crise e tentar manter o desenvolvimento da economia nacional, podemos dizer que, objetivamente, pelos números de crescimento do PIB dos últimos anos, que não houve um efetivo crescimento econômico, mas praticamente uma estabilização da economia, a verificar pelo índice de crescimento de 0,9% do PIB, em 2012. Todavia, para o consumidor e o conjunto da sociedade, a redução da alíquota do IPI neste contexto significou melhor qualidade de vida e desenvolvimento econômico através da aquisição de bens de consumo e concessão de crédito. Aliados a todo este contexto, e somado aos princípios e características do IPI, é que o Governo Federal utilizou desta exação a fim de intervir na economia para recuperar a indústria automobilística, em queda no período, optando para tanto pelos veículos populares, econômicos e de mais fácil acesso à população. Da mesma forma foi realizada a intervenção sobre a economia varejista, quanto aos produtos da linha branca, que são necessários para o consumidor, pessoas do lar, os quais adquiriam tais mercadorias mediante concessão de crédito, garantindo assim circulação de valores para o mercado varejista, também em crise no período.
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A validade das normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS sem aprovação do CONFAZ
Objetivando aumentar a arrecadação tributária e fortalecer a economia local, os Entes Federativos constituintes da República Federativa do Brasil, há muito, buscam atrair investimentos privados para os seus respectivos territórios. Dentre as formas de alcançar tal objetivo, grande parte dos Estados concedem benefícios fiscais através da competência legislativa delegada pela Constituição Federal referente ao ICMS. A própria Constituição Federal determina a observância de certos limites à concessão de benefícios fiscais de ICMS, o que, atualmente, tem sido deliberado no âmbito do CONFAZ. Ocorre que, em muitos casos, os Entes Federativos extrapolam a sua competência legislativa e concedem benefícios fiscais mediante legislações internas que concedem créditos presumidos de ICMS, legislações estas devidamente introduzidas no sistema de direito positivo, entretanto, sem a prévia aprovação do CONFAZ. Os demais Entes Federativos, com o objetivo de retaliar os benefícios concedidos unilateralmente, têm praticado a glosa dos créditos de ICMS que foram devidamente destacados nos documentos fiscais em operações interestaduais com contribuintes remetentes de mercadorias estabelecidos nos Entes Federados que concedem tais benefícios fiscais. Ocorre que os contribuintes se valeram das legislações internas concessivas dos benefícios fiscais que são plenamente válidas no sistema de direito positivo, razão que enseja o respeito pelos demais Entes Federados.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O direito, enquanto autêntico fenômeno comunicacional, representa um corpo de linguagem autopoiético voltado à regular as condutas intersubjetivas dos seres humanos. Assim sendo, as relações pessoais reguladas pelo direito ocorrem no âmbito social. Deste modo, o direito é um sistema social, mais ainda, apesar de ser dotado de valores e princípios derivados de sua natureza cultural (que se consubstanciam em normas com alto grau axiológico), ostenta mecanismo lógico em sua aplicação e interpretação. Pautando-se em um direito codificado como o brasileiro, as normas que regulam as condutas humanas são reunidas no que se denomina subsistema social de direito positivo, sendo este um complexo de normas que se caracterizam pela juridicidade, isto é, com o elemento da sancionatoriedade pelo seu descumprimento. Referidas normas jurídicas são inseridas, retiradas ou modificadas no bojo do sistema de direito positivo pelas pessoas devidamente credenciadas pelo próprio sistema, mediante o procedimento adequado para tanto, sendo o procedimento e as pessoas credenciadas denominadas fontes do direito. Dessa forma, fixa-se a premissa de que uma norma jurídica válida significa garantir que a mesma foi devidamente inserida no sistema de direito positivo por uma fonte do direito, ou seja, é um elemento do conjunto de normas jurídicas que forma o denominado sistema de direito positivo. No que tange ao objetivo do presente estudo, analisa-se a validade das normas jurídicas concessivas de créditos presumidos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Intermunicipal e Interestadual e Comunicações – ICMS. Para tanto, no segundo capítulo analisar-se-á a noção de sistema de direito positivo enquanto um conjunto de normas jurídicas que prescrevem condutas intersubjetivas, bem como as fontes do direito que são aptas a inserir tais normas no sistema e, ainda, o conceito de validade e incidência das normas jurídicas. No terceiro capítulo serão analisadas as disposições gerais constitucionais acerca do ICMS, especificamente o Pacto Federativo, a Tripartição dos Poderes e o Sistema Constitucional Tributário, seguido pelo quarto capítulo com as disposições constitucionais específicas acerca do ICMS, tais como a sua natureza jurídica, a não cumulatividade do imposto, bem como a necessidade de Resolução do Senado Federal para a fixação das alíquotas para operações interestaduais. Por fim, no quinto capítulo tratar-se-á da conceituação de benefícios fiscais, especificando as mais variadas espécies exonerativas, seguindo para uma análise da forma concessiva de tais benefícios, especificamente acerca da validade das legislações internas que concedem créditos presumidos de ICMS independentemente da anuência do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. 1. PREMISSAS EPISTEMOLÓGICAS Antes de se tratar especificamente acerca da validade das legislações que concedem benefícios fiscais de ICMS no cenário denominado Guerra Fiscal, convém dispor uma breve digressão sobre as premissas epistemológicas que serão utilizadas ao longo do presente estudo, para fins de possibilitar uma completa compreensão das conclusões obtidas. Dessa forma, no presente capítulo serão sintetizadas as noções de sistema de direito positivo e suas fontes, bem como a validade e incidência das normas jurídicas em geral. 1.1 Noção de Sistema Preliminarmente, insta salientar que o vocábulo sistema detém alto grau de ambiguidade, como a grande maioria dos termos oriundos da linguagem ordinária, sendo necessário precisar qual o conceito que será utilizado no presente trabalho. O vocábulo sistema tem derivação etimológica grega proveniente de syn-istemi, que nos termos do vernáculo ora adotado, remete-nos à noção de composto, construído, conforme dispõe Tércio Sampaio Ferraz Júnior ao tratar do assunto: “[…] na sua significação mais extensa, o conceito aludia, de modo geral, à idéia de uma totalidade construída, composta de várias partes. Conservando a conotação originária de conglomerado, a ela agregou-se o sentido específico de ordem, de organização. Aliada à idéia de cosmos, conceito fundamental da filosófica grega, ela aparece por exemplo entre os estóicos para descrever e esclarecer a idéia de ‘totalidade bem ordenada’. Os estóicos atribuíram-lhe, além disso, uma conotação ainda mais marcante, ao ligá-la ao conceito de techne, por eles definida como sistema de conceitos, configurando-se como suma.” (FERRAZ JÚNIOR, 1976, p. 09). Assim, para os fins propostos no presente trabalho, fixa-se a premissa de que sistema significa um conjunto de elementos que se interligam, se relacionam, interagem entre si e, ainda, convergem para um referencial comum a todos, nos exatos termos também trabalhados por Paulo de Barros Carvalho: “[…] o sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema.” (CARVALHO, 2009, p. 46-47). Nesse sentido, o sistema ostenta denotação mais estrita do que o conceito atinente aos conjuntos ou classes lato sensu, ao passo que seus elementos além de convergirem, invariavelmente, para um referencial comum, mantêm relações de coordenação e subordinação, fazendo com que a classe dos sistemas apresente uma estruturação interna que não é predicativa das classes e conjuntos gerais (que representam meras aglutinações não sistematizadas). Conclusão análoga foi suscitada por Aurora Tomazini de Carvalho ao dispor: “Para termos um sistema é preciso que os elementos de uma classe apresentem-se sobre certa estrutura, que se relacionem entre si em razão de um referencial comum.” (CARVALHO, 2009, p. 115). Portanto, sendo o sistema um aglomerado de elementos que convergem para um referencial comum e organizados internamente por meio da coordenação e subordinação, é possível vislumbrar a realidade social como um complexo sistema composto por inúmeros subsistemas sociais, sendo um deles o direito positivo, como será oportunamente analisado em tópico próprio. 1.2. Noção de Norma Jurídica A expressão norma jurídica tem sido utilizada em inúmeros escritos científicos sem a devida atenção quanto à sua pluralidade semântica, sendo ora utilizada como sinônimo de enunciados prescritivos, ora como conteúdo de significação de tais enunciados, ora como mensagem com sentido deôntico jurídico, dentre outras possibilidades de significado, o que, em verdade, gera inconsistências no discurso e, ainda, induz a conclusões incoerentes com as premissas inicialmente adotadas. Destarte, no presente trabalho não se buscará firmar um novo conceito para a expressão norma jurídica e, tampouco, analisar profundamente os conceitos já existentes, buscando apenas dentre as inúmeras acepções possíveis de significado, escolher a mais adequada à análise do objeto proposto. Separando a expressão norma jurídica, tem-se norma com origem no latim, significando “aquilo que se estabelece como base ou medida para a realização ou a avaliação de alguma coisa” (AURÉLIO, 2004), ou seja, princípio, regra, lei. Por outro lado, jurídica deriva etimologicamente da matriz também latina juridicu, isto é, pertencente ao direito. Dessa forma, quando o intérprete tem contato com a expressão normas jurídicas é possível elaborar as seguintes conjunções como significado regras do direito, leis do direito, princípios do direito, enunciados do direito, dentre outras possíveis, gerando certa insegurança quando se busca uma coerência interna do discurso, conforme elucida Paulo de Barros Carvalho: “[…] a ambiguidade da expressão ‘normas jurídicas’ para nominar indiscriminadamente as unidades do conjunto, não demora a provocar dúvidas semânticas que o texto discursivo não consegue suplantar nos seus primeiros desdobramentos.” (CARVALHO, 2009, p. 128). Com intuito de reduzir ao máximo tais dúvidas, utilizar-se-á a expressão norma jurídica no presente trabalho como o enunciado prescritivo, leia-se lei, que ostenta as características necessárias para ser elemento do sistema de direito positivo, isto é, ser norma devidamente inserida no sistema pela fonte adequada e apta a desencadear os seus respectivos efeitos, conforme será analisado nos tópicos subsequentes. 1.3. O Sistema de Direito Positivo 1.3.1. Ordenamento jurídico como sinônimo de sistema de direito positivo Preliminarmente, convém ressaltar que a doutrina atual diverge quanto ao conceito de ordenamento jurídico e sistema de direito positivo, portanto, faz-se necessário fixar o conteúdo semântico que será atribuído a tais expressões no presente trabalho. Tárek Moyses Moussalem, no uso da teoria formulada por Alchourrón e Bulygin, entende que o sistema de direito positivo representa o conjunto de normas jurídicas analisadas estaticamente e o ordenamento jurídico, por sua vez, representa a forma dinâmica deste sistema, o que se evidencia por sua constante modificação (MOUSSALEM, 2005). Já Gregório Robles entende que o conjunto de textos prescritivos representa o ordenamento jurídico, sendo que quando analisamos tais textos por uma ótica científica, o que, no caso, se dá por meio da ciência do direito com sua linguagem descritiva, tem-se o sistema de direito positivo (ROBLES). No presente trabalho, as expressões ordenamento jurídico e sistema de direito positivo serão utilizadas como sinônimas, representando um complexo sistema de normas jurídicas que se relacionam entre si, balizadas pela coordenação e subordinação emanadas de um elemento fundamentalmente unificador que é a Constituição, conforme dispõe Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2009, p. 212-216). 1.3.2      Direito positivo como sistema de normas jurídicas Como citado no tópico 2.1, a realidade social será tratada no presente trabalho como um complexo sistema composto por inúmeros subsistemas sociais, sendo um deles o direito positivo. Assim sendo, a realidade social representa um grande sistema que contém certos elementos que são juridicizados pelos seus usuários, assim, a tais elementos é atribuída à característica da juridicidade. Nesse contexto, forma-se o subsistema social do direito positivo que ostenta predicação eminentemente prescritiva (composto de enunciados prescritivos de condutas intersubjetivas como acima exposto). O direito positivo detém em sua composição um complexo amaranhado de normas jurídicas que se relacionam entre si, balizadas pela coordenação e subordinação emanadas de um elemento fundamentalmente unificador (comum) para todas, no caso do sistema atualmente posto, a Constituição Federal de 1988 que tem por fundamento a norma hipotética fundamental de Hans Kelsen, como leciona Paulo de Barros Carvalho: “Kelsen sempre chamou atenção para a circunstância de que todas as normas do sistema convergem para um único ponto, axiomaticamente concebido para dar fundamento de validade à constituição positiva. Esse aspecto confere, decisivamente, caráter unitário ao conjunto, e a multiplicidade de normas, como entidades da mesma índole, outorga-lhe o timbre de homogeneidade.” (CARVALHO, 2009, p. 136). As relações de subordinação são caracterizadas na vertical, representando a hierarquia existente entre as diferentes manifestações normativas, assim, normas de hierarquia inferior sempre buscam o seu fundamento de validade na norma de hierarquia superior, sendo que todas buscam o fundamento na Constituição que é a norma suprema e, por fim, esta busca sua validade no axioma determinado pela norma hipotética fundamental, nos termos acima demonstrado. Já as relações de coordenação, por sua vez, representam a forma horizontal de interação das normas, isto é, demonstram como se darão as relações de ordem semântica e pragmática existente entre as normas, sendo que uma complementa a outra para a harmonia do sistema. Portanto, as normas jurídicas constituem um sistema, uma vez que são um aglomerado de elementos que convergem para um referencial comum, no caso a Constituição Federal, ostentando uma organização interna por meio da coordenação e subordinação, sendo a inserção, modificação e retirada de normas do referido sistema ponto analisado no tópico seguinte. 1.4. Fontes do Direito Positivo Preliminarmente, antes de se analisar as fontes do direito positivo, cumpre realizar uma análise detida da carga semântica da expressão fontes do direito, com fins meramente didáticos. Como já devidamente abordado em tópicos anteriores, a linguagem ordinária ou natural, diferentemente da linguagem formalizada, apresenta, em seu bojo, inúmeras deficiências que interferem no processo comunicacional, tais como a vagueza e a ambiguidade. A vagueza manifesta-se como a imprecisão aferida no signo (entre o elo da significação com o suporte físico e o significado). Nesse sentido, praticamente todos os vocábulos são vagos em algum aspecto. Já a ambiguidade, por sua vez, é representada pelo signo que detém mais de um significado, isto é, o signo polissêmico. Deste modo, o vocábulo fontes, polissêmico que é, detém inúmeros significados, tais como nascente, manancial, origem, procedência, dentre outros, sendo, no caso proposto, utilizado no sentido de origem do direito. Não diferente, o vocábulo direito ostenta, também, grande ambiguidade em sua interpretação, haja vista a polissemia semântica de sua utilização. Assim sendo, como já anteriormente fixado, analisar-se-á o direito enquanto um complexo sistema de normas regradoras das condutas humanas, criado pela sociedade para sua própria manutenção enquanto tal. Portanto, a expressão fontes do direito positivo será conceituada, no presente trabalho, como a origem das normas jurídicas. Desta feita, as fontes do direito são os órgãos licenciados pelo sistema para criarem normas. Mais ainda, o próprio processo para criação de tais normas também se caracteriza como fonte do direito. Em resenha, assevera Paulo de Barros Carvalho: “[…] as fontes do direito serão os acontecimentos do mundo social, juridicizados por regras do sistema e credenciados para produzir normas jurídicas que introduzam no ordenamento outras normas, gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas ou individuais e concretas” (CARVALHO, 2009, p. 48). Assim, o estudo das fontes do direito mostra-se como um território fecundo ao crescimento intelectual do jurista, especialmente em seara tributária, haja vista o princípio basilar da estrita legalidade atinente aos feitos tributários. Logo, se o jurista conhece as fontes do direito tributário, ou seja, quais os entes habilitados para criar, modificar ou extinguir normas, bem como os respectivos procedimentos, o mesmo estará apto a cotejar tais conhecimentos para, ao fim, descobrir se o produto normativo é válido, ou não, no sistema tributário posto, conforme o conceito de validade que será abordado no tópico subsequente. 1.5. Validade e Fundamento de Validade das Normas Jurídicas Antes de ser fixado o conceito de validade que será desenvolvido no presente trabalho, convém ressaltar o caráter lógico formal da norma jurídica. Em análise semiótica, as normas jurídicas representam verdadeiras proposições prescritivas construídas pelo ser cognoscente em seu intelecto, ou seja, é a ideia ou significação decorrente da interpretação do signo enquanto relação entre o suporte físico, no caso, o enunciado prescritivo, e o seu significado, nos termos da nomenclatura utilizada por Edmund Husserl. Em seara lógica, as normas jurídicas são balizadas pela lógica deôntica, deste modo, com valências diferenciadas com relação à lógica alética, sendo as proposições prescritivas, leiam-se, normas jurídicas, válidas ou não válidas, enquanto as proposições abrangidas pela lógica formal são verdadeiras ou falsas. Desta forma, as normas jurídicas serão sempre válidas ou não válidas no que tange a um determinado sistema, no caso, o sistema de direito positivo posto. É como assevera Paulo de Barros Carvalho: “A validade não é, portanto, atributo que qualifica a norma jurídica, tendo status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa e o sistema de direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a norma ‘N’ é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema ‘S’.” (CARVALHO, 2009, p. 442) Afirmar que uma norma jurídica é válida significa, então, garantir que a mesma é um elemento do conjunto das normas jurídicas, isto é, que ostenta a relação de pertinência com o conjunto de normas jurídicas que forma o denominado sistema de direito positivo tratado no tópico 2.3.2 retrotranscrito, relacionando-se por meio da subordinação e coordenação. Como já analisado, as relações de subordinação são caracterizadas na vertical, representando a hierarquia existente entre as diferentes manifestações normativas. Assim, as normas de hierarquia inferior sempre buscam o seu fundamento de validade na norma de hierarquia superior, sendo que todas buscam o fundamento na Constituição que é a norma suprema no sistema de direito positivo posto. Portanto, uma norma jurídica válida no sistema de direito positivo, isto é, que pertence a este, deverá convergir para o seu fundamento de validade nas normas de hierarquia superior, sendo que, pensar de maneira inversa representa uma incoerência interna do sistema. Entretanto, impende ressaltar que o sistema de direito positivo detém certas características próprias que possibilita a manutenção de normas jurídicas completamente opostas em seu bojo, sendo ambas válidas enquanto inseridas no sistema, cabendo ao Poder Judiciário o dever de analisar e repelir as incoerências criadas e sistematizadas pelas referidas normas. 1.6. A Incidência das Normas Jurídicas O direito, aqui entendido como um complexo de normas jurídicas que se caracterizam como enunciados que prescrevem as condutas intersubjetivas, de fato, não tem aplicação automática, haja vista que, em virtude das características ínsitas ao próprio sistema, tais normas são veiculadas na forma geral e abstrata. Assim sendo, em momento algum tais normas jurídicas têm o condão de relacionar concretamente sujeitos de direito de forma individualizada sem que ocorra o fenômeno jurídico da incidência, ou seja, a aplicação das normas jurídicas. Então, eis que ocorrido o fato jurídico previsto na hipótese normativa, tem-se desencadeada a sistemática relacional prevista no consequente normativo na forma abstrata. Todavia, como o direito é um fenômeno comunicacional, necessita da linguagem competente para, assim, materializar-se na forma concreta, desencadeando os efeitos realmente ínsitos no mundo fenomênico. Logo, não havendo a linguagem competente para sua materialização (que só é realizada pela autoridade competente), não haverá a incidência da norma jurídica. A incidência do direito, leia-se, normas jurídicas, somente dar-se-á com a aplicação do mesmo por um agente competente, em outros termos, ocorrido o fato jurídico descrito no antecedente normativo, ter-se-á a subsunção do fato à norma geral e abstrata que será materializado pelo agente competente por meio da linguagem adequada para, assim, criar a norma individual e concreta, norma esta que desencadeará na criação do vínculo relacional entre os sujeitos. Destarte, o fenômeno da incidência consiste justamente na operação lógica realizada pelo agente competente que se resume em: ao ocorrer o evento no mundo fenomênico, o agente competente realiza a aplicação da norma geral e abstrata, com a subsunção do fato jurídico da classe que compõe a hipótese normativa para instaurar a relação jurídica disposta na classe que compõe o consequente normativo, o que resulta na norma individual e concreta por meio da linguagem competente. Nesse sentido, com hialina clareza Paulo de Barros Carvalho resume o fenômeno da incidência das normas jurídicas: “Percebe-se que a chamada “incidência jurídica” se reduz, pelo prisma lógico, a duas operações formais: a primeira, de subsunção ou de inclusão de classes, em que se reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido hit et nunc, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito. Formalizando a linguagem, representaríamos assim: (F ϵ Hn)àRj, podendo interpretar-se como: “se o fato F pertence ao conjunto da hipótese normativa (Hn), então, deve ser a consequência prevista na norma (Rj).”(CARVALHO, 2009, p. 11) Portanto, para que um fato faça parte da classe dos fatos jurídicos, o mesmo deverá preencher as características atinentes a tais elementos, isto é, deverá atender às condições de pertinencialidade. No momento que o aplicador do direito realiza a subsunção do fato à norma jurídica, o mesmo realiza um exame da relação de pertinencialidade do fato, ou seja, o agente competente analisa se o evento vertido em linguagem competente pertence aos fatos descritos como jurídicos, ou seja, passíveis de ocupar a classe da hipótese normativa. Assim, a subsunção é justamente o ato de inteligência do agente competente que verifica as condições de pertinencialidade do evento vertido em linguagem competente para a classe dos fatos descritos na hipótese normativa. 2. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS GERAIS ACERCA DAS NORMAS CONCESSIVAS DE BENEFÍCIOS FISCAIS No presente tópico, inicia-se a análise da validade das normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS no contexto da Guerra Fiscal. Para tanto, faz-se uma breve digressão com relação aos princípios do Pacto Federativo, Tripartição dos Poderes, a Competência Tributária e a Capacidade Tributária Ativa, aplicáveis ao contexto da Guerra Fiscal do ICMS. 2.1. O Pacto Federativo A constituição de um Estado é definida por José Afonso da Silva como sendo a organização dos elementos essenciais à formação do Estado, ou seja: “[…] um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organizam os elementos constitutivos do Estado.” (SILVA, 2007, p. 37-38) Dessa forma, a Constituição Federal em seu artigo 18 dispõe acerca da organização político administrativa da República Federativa do Brasil, fixando que a sua composição será a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos entre si. Em continuidade, o artigo 24 delega a competência aos Entes Federados para legislarem concorrentemente sobre direito tributário, frisando que a legislação de um Ente Federado não deve desconsiderar a legislação de outro ente sob pena de patente violação à autonomia especificada no referido artigo 18 da Constituição Federal. Nesse sentido, cumpre salientar que a harmonia entre os Entes Federados, principalmente com relação às suas legislações, é o pilar principal da formação da República Federativa, ao passo que a quebra dessa harmonia fulmina diretamente o Pacto Federativo, o que, em casos extremos, possibilita a intervenção federal para garantir a manutenção dos preceitos constitucionais originários, conforme preceitua o artigo 34, inciso VII, alínea “a”, da Carta Magna. Assim sendo, quando um Ente Federado desconsidera a validade de determinada norma jurídica editada por outro Ente Federado, tem-se um abalo na harmonia do sistema, ainda mais quando, no exercício das próprias razões, os Entes Federados usurpam a competência de algum dos poderes insculpidos no artigo 2.º da Constituição Federal. 2.2. A Tripartição dos Poderes A tripartição dos poderes que compõe determinado Estado é um postulado idealizado por Aristóteles na antiguidade e largamente difundido nas obras de John Locke e Montesquieu. No caso do Estado Brasileiro, utilizando-se do referido postulado, a Constituição Federal fixou a repartição dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, frisando todos serem independentes e harmônicos entre si, conforme se depreende do artigo 2.º da Carta Política. Por óbvio, nesse contexto, cabe ao Poder Judiciário à análise da harmonia de determinada norma jurídica com o sistema de direito positivo posto, conforme tratado em tópico anterior. Assim, qualquer ato emanado dos Poderes Legislativo e Executivo de um Ente Federado que tenha por objetivo atacar a norma jurídica devidamente inserida no ordenamento jurídico por outro Ente Federado caracteriza-se como nítida violação à tripartição dos poderes. Tanto é assim que caso um Ente se sinta lesado pela norma jurídica criada pelo outro Ente, deverá socorrer-se da autoridade competente para dirimir tal conflito, através das vias legais passíveis de utilização. Conforme salientado anteriormente, apenas o Poder Judiciário detém legítima competência para analisar a compatibilidade de determinada norma jurídica com o sistema de direito positivo posto, conforme preceituam os artigos 97 e 102 da Constituição Federal, ao delegar a competência ao Supremo Tribunal Federal para análise da (in)constitucionalidade das leis ou atos praticados pelos Entes Federados. No caso da Guerra Fiscal do ICMS, se um Ente Federado não concorda com a legislação de outro Ente que concede benefícios fiscais aos Contribuintes sediados em seu território, caberá à impugnação da referida legislação por meio de ação direta de inconstitucionalidade – ADIn proposta perante o órgão competente, ou seja, o Supremo Tribunal Federal. Com efeito, enquanto uma norma jurídica não for considerada inválida por ato do órgão competente, no caso o Supremo Tribunal Federal, não restará alternativa jurídica e moral aos demais Estados, senão reconhecer a validade, vigência e eficácia da mesma, respeitando-a e cumprindo-a. 2.3. Competência Tributária e Capacidade Tributária Ativa Com notório fim de resguardar a autonomia administrativa, financeira e legislativa dos Entes Federados que compõem o Estado Brasileiro, o sistema de direito positivo enquanto verdadeiro subsistema social, composto eminentemente de enunciados prescritivos de condutas intersubjetivas, garante, no bojo da Constituição Federal, a competência tributária para instituição dos respectivos tributos, bem como os limites ao poder de tributar. Dessa forma, no bojo do subsistema maior que é o direito positivo, entende-se pela existência de outro subsistema que contém as normas eminentemente relacionadas com a atuação tributária, uma vez que a classificação é infindável enquanto existir diferenças específicas capazes de dar origem a novas divisões, sendo que este novo subsistema é denominado sistema constitucional tributário, que ostenta tais normas contidas no bojo da Constituição. A sua função primordial, por estar no bojo do texto máximo do direito positivo, é servir como fundamento de validade para as demais legislações do subsistema das normas tributárias, bem como operar suas funções de coordenação e subordinação. Nesse contexto, a Competência tributária é a prerrogativa constitucional de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos. Já a capacidade tributária ativa, por sua vez, é a autorização para integrar uma relação jurídica tributária na posição de credor (sujeito ativo). Ambas se diferenciam no sentido de que o Ente que detém capacidade tributária ativa não detém, necessariamente, a competência tributária, mas quem detém a competência tributária pode deter, também, a capacidade tributária ativa. Ou seja, a competência não pode ser transferida, já a capacidade tributária ativa, sim. A competência tributária contém três características, a saber: 1) indelegabilidade, haja vista que uma pessoa política não pode delegar sua competência à outra, pois contrariaria a Constituição Federal; 2) irrenunciabilidade, pois a pessoa política não pode renunciar a sua competência, pode não exercê-la, mas jamais renunciá-la; e 3) incaducabilidade, tendo em vista não deixar de existir em razão do tempo. No caso da Guerra Fiscal do ICMS, os Estados exercem, de fato, a sua respectiva competência tributária, editando legislações que instituem sistemáticas diferenciadas de tributação do referido imposto, com a outorga de benefícios fiscais aos Contribuintes signatários sediados em seus respectivos territórios. Ocorre que, não concordando com as legislações concessivas de sistemáticas diferenciadas de tributação, os demais Estados editam legislações internas restringindo os valores referentes à concessão a de benefícios fiscais pelos outros Entes, cobrando, em verdade, tributo que não lhe pertence (não detêm capacidade tributária ativa), em patente violação ao Pacto Federativo e a Competência Tributária dos demais Entes Federados, ao passo que desconsideram a legislação devidamente válida dos mesmos, conforme será analisado no tópico próprio. 3. O ICMS E AS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ESPECÍFICAS O ICMS tem como característica incidir indiretamente sobre as operações, de modo que, por sua natureza, representa umas das maiores fontes de custeio Estatal. Nesse sentido, o ICMS representa um tributo estadual com vocação eminentemente nacional, motivo que justifica a maior atenção lhe foi dada pela Constituição Federal, conforme será analisado no presente tópico por meio de uma análise sucinta acerca de suas principais características. 3.1. A Natureza Jurídica do ICMS A Constituição Federal, em seu artigo 155, inciso II, atribuiu aos Estados a competência para instituir e arrecadar o ICMS, ainda que as operações de circulação de mercadorias se iniciem no exterior. Referido tributo era denominado ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) antes do Texto Constitucional de 1988, que incluiu em seu âmbito de incidência os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e o de comunicações, daí o acréscimo da letra “S” em sua sigla. O ICMS tem como finalidade precípua a arrecadação fiscal, mesmo tendo a Carta Magna facultando aos entes tributantes a possibilidade de instituição de alíquotas seletivas, conforme a essencialidade dos produtos, nos termos do artigo 155, § 2.º, inciso III, da Constituição Federal. Devido à natureza das operações passíveis de incidência do ICMS, tem-se que o referido tributo é o que remonta uma das maiores arrecadações fazendárias, conjuntamente com as Contribuições Sociais, razão que ensejou uma grande quantidade de regramentos constitucionais acerca do mesmo, como exemplo, a não cumulatividade em sua cobrança, nos termos abaixo dispostos. 3.2. Evolução Histórica e Legislativa Como mencionado nos tópicos anteriores, o ICMS foi criado por meio da Constituição Federal de 1988, decorrente de uma evolução legislativa de 06 (seis) impostos indiretos constantes da Carta Política de 1967. A união dos 06 (seis) impostos, a saber, delimitados, formam o atual ICMS: 1) imposto sobre comunicações; 2) imposto sobre transportes; 3) imposto único sobre energia elétrica; 4) imposto único sobre combustíveis líquidos e gasosos; 5) imposto único sobre minerais e 6) imposto sobre circulação de mercadorias. A Constituição Federal de 1988, nesse sentido, unificou a tributação indireta sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte e comunicação, bem como fixou os parâmetros básicos da incidência tributária do ICMS, tais como, a competência legislativa tributária, a base de cálculo, as alíquotas, as matérias a serem tratadas por lei complementar, o princípio não cumulativo, as isenções e não incidências, dentre outros, sendo alguns deles tratados nos tópicos subsequentes. 3.3. Incidência Tributária do ICMS Utilizando-se dos preceitos sintetizados no tópico 2.6, a incidência tributária do ICMS somente se dará com a ocorrência do fato jurídico tributário descrito na hipótese normativa e, dessa forma, ter-se-á a subsunção do fato à norma geral e abstrata que será materializado pelo agente competente por meio da linguagem adequada para, assim, criar a norma individual e concreta que desencadeará na criação do vínculo relacional entre os sujeitos. Destarte, para uma análise adequada acerca da incidência tributária do ICMS, importante realizar uma breve síntese dos aspectos de sua regra matriz, ou seja, os aspectos material, pessoal, espacial, temporal e quantitativo, constantes do Texto Constitucional, bem como da Lei Complementar n.º 87/1996. Note-se que, no caso do ICMS, é possível subsumir da Constituição Federal 03 (três) regras matrizes com os seguintes antecedentes normativos passíveis de incidência, conforme leciona Paulo de Barros Carvalho: “a) realizar operações relativas à circulação de mercadorias; b) prestar serviços de comunicação, mesmo que se iniciem no exterior, prestações essas que deverão concluir-se ou ter início dentro dos limites territoriais dos Estados ou do Distrito Federal, identificadas as prestações no instante da execução, da geração ou da utilização dos serviços correspondentes; c) prestar serviços de transportes interestadual ou intermunicipal.” (CARVALHO, 2009, p. 727) Como o propósito do presente trabalho cinge-se a evidenciar a validade das normas jurídicas que concedem benefícios fiscais de ICMS no contexto da Guerra Fiscal travada entre os Entes Federados, convém fixamos a análise acerca da incidência do ICMS nas operações de circulação de mercadorias, mais especificamente nas operações interestaduais. Nesse sentido, temos os seguintes aspectos: Hipótese normativa: Material: realizar operações relativas à circulação de mercadorias. Temporal: momento da circulação das mercadorias. Espacial: âmbito territorial do Estado-membro que ocorreu a circulação. Consequente normativo: Pessoal: como sujeito ativo o Estado membro no qual ocorreu a circulação e sujeito passivo qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadorias. Quantitativo: A base de cálculo é o valor relativo à circulação de mercadoria com a respectiva alíquota incidente. Importante frisar que, conforme preleciona o artigo 155, § 2.º, inciso IV, da Constituição Federal, Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais. Portanto, para que ocorra a incidência do ICMS sobre as operações de circulação de mercadorias interestaduais, impende à ocorrência cumulativa da materialidade da regra matriz, ou seja: “(i) realização de operações (negócios jurídicos pertinentes à transmissão de propriedade ou posse das mercadorias); (ii) circulação jurídica (mutação patrimonial) e (iii) a existência de mercadoria (bem compreendido no efetivo ato mercantil).” (VOGAS, 2011, p. 12), com a posterior fixação dos demais aspectos constantes do consequente normativo. 3.4. A Não Cumulatividade do ICMS Ao dispor sobre a tributação, a Constituição Federal previu alguns limites aos órgãos integrantes do Poder Público Federal, Estadual e Municipal. Tais limites foram criados com o objetivo de impedir aos entes públicos que, ao instituírem e exigirem tributos, não acabem por violar direitos e garantias individuais dos Contribuintes, afastando qualquer atuação discricionária dos administradores. No caso do ICMS, por se tratar de um imposto indireto, que incide sobre a cadeia de consumo relativa à circulação de mercadorias, a Constituição foi além e buscou assegurar aos Contribuintes uma tributação justa, não cumulativa, de tal modo que dispõe em seu artigo 155, § 2.º, inciso I: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:[…] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;[…] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;” Dessa forma, nas operações de circulação de mercadorias, deverá ser compensado o tributo devido com o valor cobrado na operação anterior pelo mesmo ou por outro Estado, até a chegada da mercadoria ao Contribuinte final. A sistemática não cumulativa do ICMS também foi fielmente seguida pela Lei Complementar n.º 87/1996, também conhecida como Lei Kandir, que trás em seu bojo as normas gerais acerca do referido imposto: “Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.” A não cumulatividade do ICMS não representa apenas uma sistemática de apuração do imposto, mas sim, verdadeiro princípio constitucional explicitamente disposto na Carta Magna, ao passo que sua aplicabilidade é objetiva e obrigatória, com as únicas exceções à sua aplicação dispostas no próprio texto constitucional, isenção e não incidência, conforme disposto no artigo 155, § 2.º, inciso II: “II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;” Portanto, é possível aferir que não cabe à Lei Complementar limitar a aplicação de tal postulado constitucional, uma vez que a própria Constituição Federal já delimitou o tema da não cumulatividade do imposto. Nesse sentido Roque Antonio Carrazza é claro ao dispor: “Logo, a lei complementar não pode, sem reservas nem restrições, ir estabelecendo limites ou requisitos para que os contribuintes usufruam das vantagens que o princípio da não-cumulatividade lhes dá. Muito ao invés, deve dispor de forma a assegurar-lhes o pleno exercício do direito de compensação que ele encerra. Contudo, o modo ou a oportunidade a partir da qual tal compensação ocorrerá está fora da alçada do legislador complementar, a quem compete, apenas fixar os procedimentos escriturais que tornarão mais fácil a aplicação do princípio da não-cumulatividade.” (CARRAZZA, 2009, p. 411) Assim sendo, a não cumulatividade do ICMS é um direito dos Contribuintes, assegurado pela Constituição Federal, sendo que, qualquer disposição infraconstitucional que vá de encontro a tal sistemática é manifestamente inconstitucional. 3.5. A Competência do Senado Federal para a Fixação de Alíquotas Interestaduais Para os fins propostos no presente estudo, a análise do ICMS será limitada apenas à sua incidência sobre as operações de circulações de mercadorias, especificamente com origem em estabelecimentos remetentes situados em um dado Ente Federado com destino a estabelecimento sediado em outro Ente Federado, ou seja, operações interestaduais. Como já citado no item 4.3, Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais, conforme preleciona o artigo 155, § 2.º, inciso IV, da Constituição Federal: “IV – resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;” Em atendimento ao ditame constitucional, foi editada a Resolução n.º 22/1989 do Senado Federal, que estabeleceu como regra a alíquota de 12% (doze por cento) para as operações interestaduais, e a alíquota de 7% (sete por cento) como exceção para as operações interestaduais realizadas nas regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo: “Art. 1º A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento. Parágrafo único. Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão: I – em 1989, oito por cento; II – a partir de 1990, sete por cento. Art. 2º A alíquota do imposto de que trata o art. 1º, nas operações de exportação para o exterior, será de treze por cento.” Desse modo, é nítida a busca pela redução das desigualdades regionais, ao passo que os Entes Federados consumidores receberão as mercadorias com uma alíquota inferior aplicada nos Estados remetentes, o que acarretará um crédito menor a ser abatido nas operações internas, com um consequente aumento na arrecadação, como assevera Rosíris Paula Cerizze Vogas: “Com esse mecanismo, os estados destinatários tidos por estados consumidores recebem a mercadoria com menor tributação e, consequentemente, com menor crédito a ser abatido nas operações posteriores a se realizarem no seu interior. Pretende-se, com tal mecanismo, a redução das desigualdades regionais, de modo a ampliar a arrecadação dos estados de regiões menos providas.” (VOGAS, 2011, p. 95) Portanto, as alíquotas incidentes nas operações interestaduais deverão ser devidamente destacadas nos documentos fiscais no percentual de 12% ou 7%, conforme acima disposto, garantindo-se ao estabelecimento destinatário o creditamento de tal percentual em decorrência da sistemática não cumulativa do imposto. 4.BENEFÍCIOS FISCAIS No presente tópico, será realizada uma breve digressão acerca do conceito de benefício fiscal, bem como suas diferentes espécies, com ênfase na validade das legislações estaduais que concedem créditos presumidos de ICMS. 4.1.Conceito de Benefício Fiscal A expressão benefícios fiscais, como todas as expressões veiculadas por meio da linguagem ordinária, contém um alto grau de polissemia, ao passo que o próprio legislador, em sua linguagem técnica, emprega a expressão benefícios fiscais como sinônima de incentivos fiscais, estímulos fiscais, privilégios, auxílios, dentre outras expressões. Cumpre salientar que a imprecisão na utilização dos citados termos pode causar sérios problemas hermenêuticos, uma vez que possibilita a confusão entre os ditos benefícios fiscais e os institutos da isenção e não incidência, assinalados no tópico anterior. Como visto anteriormente, a isenção e a não incidência são as únicas hipóteses de restrição à aplicação do princípio da não cumulatividade no caso do ICMS, nos termos do artigo 155, § 2.º, inciso II, da Constituição Federal. Após tais considerações, passa-se ao conceito que será atribuído a expressão benefício fiscal no presente estudo. Em verdade, analisando semanticamente os termos da expressão benefício fiscal no contexto jurídico, temos benefício como favor, vantagem, ganho, proveito. Portanto, ao se tratar de benefício fiscal, temos uma vantagem relacionada aos tributos, um ganho tributário para o contribuinte, um favor do fisco para o contribuinte, mais ainda, uma desoneração tributária concedida pelo Ente Político almejando atingir determinado interesse público. Assim, Rosíris Paula Cerizze Vogas assevera que os benefícios fiscais podem ser vistos como: “instrumentos de desoneração tributária, aprovados pelo próprio ente político, autorizando à instituição do tributo, por meio de veículo legislativo específico, com o propósito de estimular o surgimento de relações jurídicas de cunho econômico.”. (VOGAS, 2011, p. 55) Os Entes Políticos, dessa forma, concedem os benefícios fiscais para os contribuintes sediados em seus territórios por meio de normas desonerativas tributárias que visam alcançar determinados interesses públicos, tais como investimentos externos, instalação de estabelecimentos em seus territórios, dentre outros. É nesse sentido que leciona novamente Rosíris Paula Cerizze Vogas: “São basicamente três os principais objetivos que os entes políticos buscam alcançar quando concedem incentivos: (i) um modelo de desenvolvimento nacional, visando ao fortalecimento da economia; (ii) um modelo de desenvolvimento regional, com propósitos de integração nacional e recuperação econômica regional e (iii) um política de desenvolvimento setorial, face às particularidade que justificam tratamentos especiais para determinados setores da economia.” (VOGAS, 2011, p. 55) Portanto, no presente trabalho a expressão benefício fiscal será utilizada como sinônima de norma desonerativa tributária, devidamente inserida no sistema de direito positivo por fonte credenciada, que tem por objetivo alcançar determinado interesse público do Ente Político concedente. Passemos a uma rápida análise das espécies de exonerações fiscais para, após, tecer considerações acerca da validade das normas que concedem os referidos benefícios fiscais. 4.2.Espécies exonerativas – Benefícios Fiscais No atual sistema de direito positivo, podemos enumerar as seguintes espécies de espécies exonerativas: (i) imunidade, isenção e não incidência; (ii) isenção parcial; (iii) reduções de base de cálculo e alíquota; (iv) alíquota zero; (v) diferimento; (vi) remissão e anistia; (vii) subvenções e subsídios e (viii) crédito presumido e regimes especiais de tributação, conforme será analisado nos tópicos subsequentes. 4.2.1. Imunidade, isenção e não incidência As imunidades emanam diretamente do texto constitucional. Representam verdadeiros limites ao poder de tributar decorrente da competência tributária. São determinadas situações que o texto constitucional prescreve a não incidência tributária de forma permanente, ou seja, o legislador não pode criar, posteriormente, tributos que tenham como hipótese de incidência tributária situações descritas como imunes. Já quanto às isenções, consoante os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, as normas jurídicas subdividem-se em normas de comportamento (com o consequente diretamente incidente sobre condutas humanas) a e normas de estrutura (com o consequente diretamente incidente sobre outras normas), portanto, a isenção tributária é uma norma de estrutura, de tal modo, a mesma “investe contra um ou mais critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente.” (CARVALHO, 2009, p. 528). A não incidência caracteriza-se por situações que ocorrem no dia a dia e não são alcançadas pela tributação, uma vez que não constituem fato jurídico tributário de nenhum tributo. Pode supervenientemente ser instituída norma tributária que descreva tais situações como fato jurídico tributário de determinado tributo, assim, convolando-se em hipótese de incidência tributária. 4.2.2. Isenção parcial A isenção parcial é tratada, equivocadamente, por parte da doutrina, dos legisladores e por membros do judiciário como espécie do gênero isenção, no caso, isenção total, como tratada no tópico anterior. Ocorre que, em verdade, entende-se que a isenção é um instituto que pode ser equiparado a não incidência, ou seja, é uma norma de estrutura que incide sobre a regra matriz de incidência tributária, fazendo com que a mesma não incida. Dessa forma, não há que se falar em isenção parcial, apenas total. Ou temos uma isenção total, que obsta a incidência tributária, ou não temos isenção. O Supremo Tribunal Federal, indo de encontro ao próprio conceito de isenção, tem admitido reiteradamente a existência da isenção parcial, equiparando-a a uma forma de redução de base de cálculo, bem como tratando a isenção parcial como se total fosse, ao passo que manifesta o entendimento pela possibilidade de estorno dos créditos de ICMS pelos estados nos casos de isenção parcial, nos termos do artigo 155, § 2.º, inciso II, “b” da Constituição Federal (vide AI 669557 AgRg, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 07.05.2010). Entretanto, tal entendimento não deve prevalecer, uma vez que justificar a existência de um instituto denominado isenção parcial e ao mesmo tempo equipara-lo à redução de base de cálculo ou alíquota é subverter o próprio instituto da isenção, que representa uma norma de estrutura que obsta a incidência tributária. 4.2.3. Reduções de base de cálculo e alíquota Como já visto no item 5.2.1, as imunidades e as isenções são espécies exonerativas que operam na hipótese de incidência das normas tributárias, fazendo com que as mesmas deixem de incidir ou sequer existam. Por outro vértice, podemos enumerar espécies exonerativas que atuam no consequente normativo, isto é, acontecido o fato jurídico tributário e ocorrida a subsunção, a norma irá incidir criando a relação jurídica prescrita no consequente normativo, todavia, nos casos de redução de base de cálculo e alíquota, a prestação objeto da obrigação tributária será reduzida. Nesse contexto, não há que se falar em semelhança entre o instituto das isenções e imunidades com a redução de base de cálculo e alíquotas, uma vez que são espécies exonerativas distintas que operam sobre a norma jurídica tributária. Com relação a tal ponto, importante frisar as considerações realizadas por Rosíris Paula Cerizze Vogas ao dispor acerca da questão: “Ademais, cumpre observar que, com a extinção do sistema de alíquotas fixas do antigo ICMS e a consagração do princípio da seletividade, em função da essencialidade das mercadorias pela Constituição Federal (art. 155, § 2.º, III), a redução de base de cálculo não pode simplesmente ser considerada uma desoneração semelhante à isenção, vez que configura uma forma indireta de se estabelecerem alíquotas seletivas para determinadas mercadorias.” (VOGAS, 2011, p. 70) Entretanto, em que pese à profunda diferença existente entre tais institutos, o Supremo Tribunal Federal além de inovar no ordenamento jurídico ao criar a isenção parcial, equiparou-a a redução de base de cálculo, contrariando toda a sistemática de interpretação disposta no artigo 111 do Código Tributário Nacional. 4.2.4.  Alíquota zero Em uma análise inicial, parte da doutrina entende que a alíquota zero é uma espécie exonerativa que se assemelha à isenção. Nesse sentido são os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho. (CARVALHO, 2009) Entretanto, como já analisado em tópicos anteriores, a alíquota zero, por operar no consequente da norma tributária, em nada assemelha ao instituto da isenção, que opera na própria incidência tributária. Tal posicionamento é fortemente defendido por Sacha Calmon Navarro Coêlho: “Por outro lado, ontologicamente, isenção e “alíquota zero” são mesmo profundamente diversas. A isenção exclui da condição de “jurígeno” fato ou fatos. A alíquota zero é elemento de determinação quantitativa do dever tributário. Se é zero, não há o que pagar. […] A isenção, é de ver, distingue-se da alíquota zero pelo fato de a previsão isencional relacionar-se com a hipótese de incidência da norma (construção jurídica do fato gerador) e a alíquota zero liga-se à descrição do dever tributário, atribuindo-lhe conteúdo de gratuidade.” (COELHO, 2010, p. 146-147) Portanto, a alíquota zero é uma espécie exonerativa autônoma largamente utilizada no desenvolvimento de políticas governamentais decorrentes da extrafiscalidade, aplicando-se, normalmente, a tributos que ostentam uma maior maleabilidade de manipulação pelo Poder Executivo, por exemplo, Imposto de Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados, ao passo que a isenção é instituto que obedece à estrita legalidade tributária, devidamente fixada no artigo 176 do Código Tributário Nacional. 4.2.5. Diferimento O diferimento em sua essência não deve ser visto como um benefício fiscal, uma vez que, em verdade, não haverá redução da arrecadação tributária, mas sim, um prazo maior para o recolhimento do tributo. Nesse sentido, entende-se prudente assemelhar os efeitos práticos do diferimento como se uma espécie de moratória fosse. Seja como for, o instituto do diferimento é extremamente alegórico, uma vez que não ostenta previsão legal no texto Constitucional, nem em Leis Complementares e Ordinárias. Importante frisar as palavras de Rosíris Paula Cerizze Vogas acerca da questão: “O diferimento utilizado em seu conceito juridicamente correto e com o necessário rigor técnico, isto é, quando mero alongamento do prazo para pagamento do imposto, em que o recolhimento se dá por aquele que realiza o fato gerador, apesar de ser uma vantagem fiscal, não pode configurar uma espécie de benefícios fiscal, não se constituindo tipo exonerativo, vez que não há redução de carga tributária. Nessa hipótese, sequer se trata de norma de cumprimento obrigatório pelo contribuinte.” (VOGAS, 2011, p. 81) 4.2.6. Remissão e anistia A remissão e a anistia são espécies exonerativas do crédito tributário que encontram expressa autorização no sistema de direito positivo. A remissão, conforme disposto no artigo 156, inciso IV, do Código Tributário Nacional, é causa extintiva do crédito tributário, consistindo no perdão dos débitos tributários pelo sujeito ativo da obrigação tributária. Já a anistia, por sua vez, consiste no perdão das penalidades pecuniárias e é tratada como espécie de excludente do crédito tributário, nos termos do artigo 180 do Código Tributário Nacional. Com relação a tais institutos, convém dispor que ambos necessitam de lei autorizativa de aplicação, uma vez que o crédito tributário é, em regra, indisponível pelo sujeito ativo da obrigação tributária. Por fim, convém dispor que o legislador, ao tratar a anistia como uma forma de excludente do crédito tributário, incorreu em uma grande atecnia legislativa, uma vez que não há qualquer exclusão do crédito tributário, mas sim, uma verdadeira extinção como no caso da remissão. 4.2.7. Subvenções e subsídios As subvenções manifestam-se como uma espécie de doação realizada pela pessoa jurídica de direito público concedente aos contribuintes, tendo por objetivo alcançar algum interesse público específico. Como assevera Rosíris Paula Cerizze Vogas: “A subvenção pode ser definida como uma doação modal cuja destinação é especificada pela pessoa jurídica de direito público concedente, segundo a sua própria conveniência política. Podem ser concedidas como forma de custeio, isto é, verdadeira doação condicionada à realização de certa contrapartida pelo beneficiário ou, ainda, como forma de investimento, ou seja, típico aporte de capitais para transferência de recursos públicos ao ente privado, visando alcançar a finalidade determinada pelo concedente.” (VOGAS, 2011, p. 82) Já o subsídio, ao seu tempo, representa qualquer ajuda oficial realizada pelo governo visando estimular a produtividade e o crescimento em um dado setor econômico. Nesse contexto, independente da controvérsia doutrinária, há o entendimento de que os benéficos fiscais em geral podem ser enquadrados na classe das subvenções, o que, de fato, pode ensejar ainda mais benefícios, como a redução da base de cálculo do Imposto de Renda para os contribuintes já beneficiários de tais benefícios fiscais. 4.2.8.  Crédito presumido e regimes especiais de tributação O crédito presumido consiste em um crédito fictício outorgado ao contribuinte pelo sujeito ativo da exação, pressupondo o pagamento integral do tributo referenciado no crédito outorgado quando, em verdade, o tributo não foi recolhido integralmente. É uma espécie exonerativa indireta que atualmente é a mais utilizada para a concessão de benefícios fiscais de ICMS. Nesse contexto, os fiscos estaduais têm realizado verdadeiras confusões entre a concessão de créditos presumidos e regimes especiais de tributação. Como exemplo, podemos citar o Estado de Goiás que celebra os denominados Termos de Acordo de Regime Especial – TARE a pretexto de conceder um regime especial de tributação aos contribuintes signatários quando, de fato, está concedendo créditos presumidos. Os regimes especiais de tributação não representam forma exonerativa de tributos, mas sim, uma sistemática diferenciada de apuração tributária que tem por objetivo evitar o acúmulo de créditos de tributos não cumulativos. Nesse sentido são os ensinamentos de Rosíris Paula Cerizze Vogas: “Na realidade esses regimes especiais não podem sequer ser equiparados a nenhuma das modalidades de benefícios fiscais existentes. Em regra, essa é uma fórmula encontrada por alguns fiscos para evitar o acúmulo de crédito de ICMS, decorrente da incidência de alíquotas interestaduais diferenciadas e o consequente endividamento dos estados. Obviamente sem a contrapartida de uma solução ágil e eficaz para pagamento de seus contribuintes, severamente penalizados pelo total menosprezo, por parte dos entes políticos, a esse grave problema do Sistema Tributário no Brasil. Tais regimes permitem uma moralização sistêmica, na medida em que garantem o direito à recuperação de créditos de ICMS ou estanca o seu acúmulo, de forma compensatória e não incentivatória.” (VOGAS, 2011, p. 75) Portanto, os créditos presumidos representam uma verdadeira ficção criada pelos entes tributantes visando atrair investimentos privados para os seus respectivos territórios. Em regra, reduzem a carga tributária e em nada se assemelham aos regimes especiais de tributação, que representam um legítimo instrumento do Poder Executivo para oferecer opções de sistemáticas de tributação que evitam o acúmulo de créditos. No caso dos benefícios fiscais de ICMS por meio de créditos presumidos, a concessão se dá, na maioria das vezes, por leis ou decretos estaduais que concedem a opção ao contribuinte de ser signatário de TARE que estipulam os créditos que serão concedidos, bem como os ônus assumidos pelo contribuinte para a fruição do acordo (como estorno de créditos referentes as entrada, contribuições a fundos específicos, dentre outros). 4.3.Limitações à Concessão de Benefícios Fiscais de ICMS Como já referenciado em tópico anterior, tendo em vista o ICMS representar uma das maiores fontes de arrecadação dos estados, a Constituição Federal deu um tratamento privilegiado ao mesmo, dispondo exaustivamente as linhas gerais de sua incidência, arrecadação e fiscalização. O texto constitucional foi firme ao dispor acerca das limitações à concessão de benefícios fiscais de ICMS, reduzindo a autonomia dos Estados, conforme a disposição do artigo 155, § 2.º, inciso XII, “g”, cabendo à Lei Complementar regulamentar a forma de concessão, exigindo que qualquer concessão de benefícios fiscais de ICMS deva ser precedida de deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal. Atualmente, a deliberação conjunta é realizada por meio de convênios no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. O CONFAZ é órgão estruturado pelo Ministério da Fazenda, com a participação dos Secretários Estaduais da Fazenda de todos os Entes Federativos, conforme regulamentação dada pela Lei Complementar n.º 24/1975. Entretanto, em que pese a referida limitação imposta pela Constituição Federal e regulamentada pela Lei Complementar n.º 24/1975, alguns Estados, visando atrair os investimentos decorrentes do capital externo, concedem os mais variados benefícios fiscais para os contribuintes sediados em seus respectivos territórios mediante leis ou atos governamentais internos sem a aprovação do CONFAZ. Note-se que, os Estados detêm autonomia legislativa para conceder os referidos benefícios fiscais, todavia, quando concedidos à revelia do CONFAZ, afrontam diretamente o comando constitucional regulamentado pela Lei Complementar n.º 24/1975, sendo passível de questionamento constitucional em controle difuso por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN. Entretanto, alguns Estados, visando retaliar a concessão dos benefícios fiscais sem aprovação do CONFAZ, utilizam-se de vias inadequadas, criando legislações restritivas ao crédito de ICMS que foi devidamente destacado em documentos fiscais idôneos e que é oriundo de operações interestaduais com remetentes de mercadorias que estão sediados em Entes Federativos que detêm os referidos benefícios fiscais com base em legislações plenamente válida dos Entes Federativos concedentes. 4.3.1. A validade das normas concessivas de Benefícios Fiscais de ICMS Como visto no tópico 2.5 do presente estudo, afirmar que uma norma jurídica é válida significa garantir que a mesma é um elemento do conjunto das normas jurídicas, isto é, que ostenta a relação de pertinência com o conjunto de normas jurídicas que forma o denominado sistema de direito positivo, portanto, norma válida é norma que existe no sistema. Dessa forma, quando os Estados concedem mediante legislação própria benefícios fiscais de ICMS sem a devida aprovação do CONFAZ, os mesmos estão violando os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais acima dispostos, todavia, não deixam de inserir a norma jurídica no sistema de direito positivo, logo, passível de produzir os seus respectivos efeitos em face dos demais Entes Federativos, bem como dos administrados. Pensar de outra forma seria uma afronta direta ao princípio da autonomia legislativa dos Estados, pilar da estrutura organizacional do Estado Brasileiro. Assim, as normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS sem aprovação do CONFAZ, mesmo que eivadas de inconstitucionalidades, foram inseridas no sistema de direito positivo por meio de órgão competente e mediante o procedimento adequado, razão que, por si só, enseja o respeito pelos demais Entes Federados e a possibilidade de irradiação de seus efeitos sobre os contribuintes. Caso um Ente Federado se sinta lesado pela referida legislação, deverá questioná-la pela via adequada da ADIN e não restringir os créditos dos contribuintes como inúmeros estados têm realizado, uma vez que a legislação que concede os referidos créditos presumidos é válida no sistema de direito positivo posto. CONSIDERAÇÕES FINAIS No curso do presente trabalho vislumbrou-se, mesmo que sinteticamente, o sistema de direito positivo como um complexo conjunto de normas jurídicas que visam regrar as condutas intersubjetivas, sendo tais normas inseridas ou retiradas do sistema por meio das fontes do direito, isto é, as autoridades credenciadas pelo próprio sistema, por meio dos procedimentos adequados para tanto. Nesse ponto, conceituou-se a validade da norma jurídica como a existência da mesma no sistema de direito positivo, isto é, quando a norma ostenta a relação de pertinência com o conjunto de normas jurídicas que forma o sistema, estando apta a desencadear todos os seus efeitos. Em continuidade, passou-se ao estudo acerca dos aspectos gerais e específicos do ICMS no bojo do texto constitucional, com objetivo de enfatizar a sistemática de concessão de benefícios fiscais pelos Entes Federativos, especificamente com relação às normas jurídicas concessivas de créditos presumidos de ICMS que necessitam da prévia aprovação do CONFAZ. Nesse espeque, os Entes Federativos em muitos casos extrapolam a sua competência legislativa e concedem benefícios fiscais mediante legislações internas sem a prévia aprovação do CONFAZ, ensejando a retaliação pelos demais Entes Federativos com a comumente denominada Guerra Fiscal realizada por meio da glosa dos créditos. Ocorre que, os contribuintes se valeram das legislações internas concessivas de benefícios fiscais que são plenamente válidas no sistema de direito positivo, razão que, no mínimo, enseja o respeito da legislação concessiva dos referidos benefícios pelos demais Entes Federados, uma vez que, se um Ente Federado se sinta lesado pela referida legislação, deverá questioná-la pela via adequada da ADIN e não restringir os créditos dos contribuintes como inúmeros estados têm feito.
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A utilização do IPI enquanto imposto extrafiscal para fins de proteção do mercado nacional
Através deste texto trazemos elementos jurídicos econômicos e sociais a fim de entendermos a norma tributária enquanto instrumento de política pública no Brasil. Tentamos com a ajuda de pesquisas realizadas na internet órgãos especializados índices econômicos e sociais compreender como a manipulação de um tributo efetivamente traz concretude à vida social dos cidadãos efetivos contribuintes desta exação quando adotam a qualificação de consumidores. Buscamos aqui converter inúmeras capas de jornais debates políticos mesas redondas sobre economia enfim toda esta repercussão gerada pela alíquota 0 do IPI em uma explicação jurídica do que efetivamente significa esta exoneração fiscal seu caráter isentivo a anulação de um elemento da norma jurídico-tributária sem esquecer o contexto socioeconômico no qual ele foi inserido.A partir disto procuramos ainda analisar que quando o Governo de uma forma repentina e supostamente aleatória reduz a carga tributária como no caso em questão o faz com respaldo da própria Constituição Federal nossa Carta Maior.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente artigo foi pensado a fim de investigarmos e entendermos as razões jurídicas e tributárias referentes a um tema que, desde 2008, vimos nas capas dos jornais, sites de Internet e periódicos especializados: a redução do IPI para combater a crise mundial. Este tema é relevante para toda a sociedade, principalmente para a comunidade jurídica. Primeiro porque significa redução do imposto pago por nós, cidadãos, e segundo porque precisamos compreender o custo deste “benefício” para o Governo e para os cofres públicos, o que efetivamente, todos nós na qualidade de eleitores e cidadãos temos obrigação de conhecer. Por outro lado, para a comunidade jurídica tal tema mostra-se pertinente porque nós que conhecemos o Direito Tributário, precisamos ter uma visão crítica e analítica sobre o fato de a Administração Pública utilizar um imposto como instrumento regulatório da economia brasileira. Tal conhecimento é fundamental para verificarmos a existência de lesão de direitos e porque somos também responsáveis pela manutenção e perpetuação de um Estado Democrático e de Direito. Portanto, precisamos estar a par sobre a devida utilização dos instrumentos jurídicos utilizados pela Administração Pública que traz consequências à sociedade, principalmente aquelas de natureza tributária, que mexem efetivamente com o bolso do contribuinte. A fim de efetuarmos esta pesquisa, utilizamos basicamente jornais, matérias, sites e reportagens que noticiaram sobre as constantes alterações da alíquota do IPI, desde o final de 2008, bem como de revistas, livros e artigos especializados sobre economia, indústria automobilística, Direito do Consumidor e, claro, sobre o IPI, suas características e funções, como o tema da extrafiscalidade e seletividade. Ademais, foram pesquisados ainda os índices da economia nacional, através do IBGE e do IPEA, pois, efetivamente, os mesmos foram medidores sobre o impacto positivo ou não pela postura do Governo em reduzir a alíquota do IPI, bem como se tal política fiscal trouxe resultados positivos. Desta feita, com base nas informações colhidas procuramos trazer uma análise sobre o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), principalmente no que se refere às suas características e princípios que o levaram a ser a opção do Governo Federal de combate aos efeitos da crise econômica mundial para gerar maior consumo e concessão de crédito no mercado, e enfrentar o perigo do desemprego industrial em virtude da ameaça na redução da produção. 2 A CRISE ECONÔMICA QUE MOTIVOU O GOVERNO A ALTERAR A ALÍQUOTA DO IPI A partir de 2008, ainda na época do Governo Lula, o Estado Brasileiro adotou uma série de medidas, de caráter tributário e econômico, a fim de proteger a economia nacional da crise mundial iniciada naquele ano nos Estados Unidos da América, centro financeiro global. Tal crise norte-americana foi precedida por um boom imobiliário que ocorreu nos EUA em 2005, pois, naquela época, em virtude da enorme procura por casa própria e a aquisição de novas hipotecas para saldar dívidas e conseguir crédito para consumo. Nesta conjuntura, houve uma valorização no mercado imobiliário e os investidores abriram também tal possibilidade para as classes desfavorecidas, denominadas subprime. Porém os contratos destinados a este público alvo possuíam um maior risco de liquidez, e, por consequência, um maior índice de lucro, pois, como eram classe menos favorecidas, tinham um alto índice de inadimplência, além de adquirirem crédito sem comprovar renda. Conforme noticiado na Folha de São Paulo[1], esta nova forma de crédito tornou-se uma bolha, pois, apesar do risco de inadimplência do subprime, possuía um alto índice de lucro, o que demandou maiores investidores que assim adquiriram os títulos imobiliários relativos a estes contratos de mútuo que, por sua vez, repassaram para outros, terceiros, também investidores. Entretanto, a partir de 2006, houve uma perda significativa na valorização destes imóveis, e, por sua vez, o FED (Banco Central norte-americano) aumentou a taxa de juros, o que gerou o encarecimento do crédito e, por conseguinte, a queda de consumo, além de acarretar a inadimplência nos contratos e acarretando assim um temor de calotes generalizados.  Dessa forma, ocorreu um desaquecimento generalizado na economia estadunidense, que, por sua vez, teve desdobramentos na economia mundial, pois os títulos de crédito norte-americanos, que eram adquiridos por investidores de todo o globo, agora não possuíam qualquer liquidez. No Brasil, as consequências desta crise econômica foram inicialmente a rápida valorização do Dólar americano e, consequentemente, a desvalorização do Real, o que causou grande impacto no fluxo de importação e exportação de mercadorias. Ademais, as pequenas instituições financeiras que realizaram, sumariamente, contratos de mútuo também foram prejudicadas, em virtude da falta de crédito externo e abalo na confiança pelo temor de mais calotes. Com a baixa política de crédito no Brasil, a atuação de pequenas e médias empresas, além do empreendedor do campo etc., ficou prejudicada, pois não teve como buscar financiamento em curto prazo. Assim, o Governo Brasileiro autorizou o BC a comprar carteira de crédito de bancos em dificuldades no Brasil, além de aumentar o limite de crédito do BNDES, destinado às exportações. Em 08 de outubro, o preço do dólar alcança o patamar de R$ 2,48. Em 11 de dezembro de 2008, o Governo Brasileiro reduziu a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) a fim de promover o consumo interno, e também do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para, naquele momento, favorecer as montadoras, e assim não termos desemprego em massa no setor automobilístico[2]. A medida de reduzir a alíquota do IPI, que é o nosso objeto de estudo, foi inicialmente para carros e caminhões, e, após 04 anos, é utilizada como política de Estado até hoje. A referida medida sobre o IOF se deu através do Decreto de nº 6691/2008, o qual baixou para 0041% a alíquota do aludido imposto para os casos de mutuários pessoas físicas, justamente aquelas pessoas que buscam linhas de crédito na praça. Da mesma forma, foi publicado o Decreto de nº 6687/2008, que alterou a tabela TIPI no tocante às alíquotas do IPI, para carros de até mil cilindradas (alíquota de 0%), entre outras reduções referentes aos veículos flex e para aqueles com mais de mil cilindradas. Com tais medidas, buscou o Governo Brasileiro evitar o desaquecimento da economia, manter o nível do PIB em patamar razoável, bem como continuar tendo receita tributária decorrente das atividades financeiras relacionadas à publicação dos mencionados decretos[3].  Entretanto, ainda em 2009, a crise econômica ficou ainda mais agravada no Brasil. A expectativa de crescimento do PIB era de apenas 1,8%, e, de acordo com o IBGE[4], já em dezembro de 2008 foi vislumbrado uma redução da produção automobilística em 40% referente ao mês anterior, o que gerou uma queda na produção industrial de 12,4%, o que decerto geraria desemprego e queda no nível de consumo da população. Porém, já em fevereiro de 2009, foi identificado um crescimento nas vendas de automóveis, o que motivou o Governo a manter e prorrogar a isenção do IPI. Necessário expor que, mesmo com as medidas adotadas pelo Estado Brasileiro sobre a crise financeira, as mesmas poderiam até arrefecer os seus efeitos na economia nacional, contudo não resolviam definitivamente. Como se trata de uma crise global, polarizada nos Estados Unidos e na Europa, que são os principais investidores dos capitais utilizados pelas empresas que produzem e se desenvolvem no Brasil. A razoável melhora nos índices econômicos de 2009 não significou o fim da crise mundial, tampouco seu efeito ricochete no Brasil, mas chegou a configurar um novo panorama, que decorreu em nova alteração da alíquota do IPI dos veículos e outros produtos como pão francês, eletrodomésticos etc. Em 17 de abril de 2009, ocorreu o Decreto de nº 6825/2009 que alterou a alíquota do IPI relativo aos produtos da denominada “linha branca”, que abarcam eletrodomésticos como: fogões, geladeiras, máquinas de lavar e tanquinhos. Todos estes produtos tiveram suas alíquotas do aludido tributo reduzidas, contudo apenas os tanquinhos e fogões tiveram suas alíquotas zeradas, enquanto os outros sofreram uma redução de 10%. Mais uma vez o objetivo do Governo era o aquecimento da economia através do aumento do consumo e da contratação de linhas de crédito. Dessa vez, houve um direcionamento às lojas de varejo que realizam a venda destes produtos e o fazem a partir de financiamentos e estratégias de crédito no próprio estabelecimento comercial. Ademais, tal política tentou também conter o desemprego no setor que, em virtude da crise econômica, teve uma redução de 5% na taxa de emprego. Nesta mesma data, 17 de abril de 2009, o Governou aumentou a lista de isenção de IPI, agora para alguns produtos de material de construção, tais como ladrilhos, cadeados, torneiras, revestimentos, pastilhas etc. Dias antes, no dia 30 de março de 2009, o Governo já havia determinado a alíquota 0% do IPI para produtos como cimento, tinta, verniz e chuveiro elétrico[5]. Tais decisões foram publicadas nos Decretos de nº 6809/2009 e 6823/2009. Posteriormente, houve a publicação de novo Decreto, nº 6890/2009, com a manutenção da alíquota 0% do IPI para veículos de 1.000 cilindradas, a gasolina ou flex, até setembro/2009 e sua gradual elevação nos meses subsequentes até chegar ao patamar de 7% em janeiro/2010. A partir de 2010, a crise econômica muda um pouco o seu foco, pois aponta para a Europa, que passa por problemas de pagamentos de dívidas internas, como o caso da Grécia, Espanha e Itália. Já nos Estados Unidos, começa uma suave reorganização, inclusive culminando com a reeleição do presidente Barack Obama, embora, até hoje, existam enormes problemas financeiros e sociais decorrentes daquela crise de 2008. A questão é que o Governo brasileiro conseguiu de certa forma reagir e conter as crises econômicas que ainda existem na Europa e nos Estados Unidos. Contudo o mecanismo de redução da alíquota do IPI continuou a ser utilizado como medida fiscal para tanto. Ademais, tal ferramenta sempre foi utilizada nos mesmos objetos e nos mesmos propósitos: veículos populares, eletrodomésticos de linha branca e materiais de construção, sempre no sentido de gerar consumo e facilitar a contratação de crédito a fim de não gerar desemprego ou o desaquecimento da economia[6].   Entretanto tal política governamental não significou efetivamente uma melhora da economia brasileira em razão da crise mundial. Apesar de que tais medidas favoreceram o consumo e combateram o desemprego, o PIB brasileiro continua instável, vez que, em 2010, foi de 7,5%; em 2011 foi de 2,7%; e em 2012 de apenas 0,9%. 3  IPI –  HISTÓRICO, CARACTERÍSTICAS E INCIDÊNCIA O IPI, enquanto tributo, surgiu no ordenamento jurídico brasileiro a partir da Constituição Federal, quando era definido como Imposto de Consumo. A nomenclatura atual apenas foi adquirida em 1966, quando adveio o Decreto-Lei nº 34, conjuntamente com a Emenda Constitucional de nº 18. A aludida alteração constitucional, como se vê, ocorreu em pleno período ditatorial no Brasil, quando o regime militar procedeu com enormes reformas fiscais e financeiras no Brasil. Desta forma, desde a década de 1960 o IPI, ou o antigo Imposto de Consumo, já era utilizado como instrumento regulatório na economia nacional. Ainda na época que era denominado como “Imposto de Consumo”, já era identificada a notoriedade da tributação dos produtos industrializados para a economia nacional. Isto se deu desde sua criação na década de 1960, que coincidiu também com o surgimento e crescimento da indústria na sociedade brasileira. Ademais, a tributação, acerca destes produtos, geraria ainda a incidência de diversos outros tributos. Na atual Constituição Federal, datada de 1988, o IPI restou regulamentado pelo art. 153, IV, sendo determinado a sua competência para a União. O CTN, nos artigos 46 e seguintes, determina que o fato gerador do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ocorre com a saída do aludido produto do estabelecimento comercial; no desembaraço aduaneiro, quando o produto tem procedência do exterior; ou da arrematação de produto apreendido ou abandonado que é levado a leilão. Com a crise econômica mundial, iniciada em 2008, o Governo Brasileiro utilizou o IPI a fim de enfrentar e combater a crise econômica que assola o globo desde 2008. Dessa forma, cabe a nós analisarmos como se deu a viabilidade de utilização deste imposto que, de certa forma, serviu para amortizar os efeitos da crise no mercado interno. Inicialmente, cumpre relembrar que o Governo brasileiro buscou combater os efeitos da crise econômica através da estimulação do consumo interno e facilitação das linhas de crédito, que por sua vez, indiretamente geraria também o aumento do consumo, e assim aumentava o aporte de dinheiro nas praças. Desta forma, daremos um maior enfoque aos artigos 46, II e 47, II, ambos do CTN, os quais preveem o fato gerador do IPI à época da saída do produto do estabelecimento comercial. Insta ressaltar que o IPI é um imposto indireto, pois o contribuinte de fato, na verdade, é o consumidor final da mercadoria, objeto da operação, pois o fornecedor repassa no valor total do produto o quantum devido a ser recolhido a título de tal tributo. Tal questão se mostra relevante quando a colocamos no caso do cenário em tela, em que o Governo Federal optou em alavancar o consumo interno, pois sem alterar a alíquota do IPI de determinados produtos, com certeza não teríamos uma redução no preço final do produto, pois para tanto é fundamental desonerar a cadeia produtiva. Todavia o cerne da questão sobre a utilização do IPI, como mecanismo de política fiscal, decorre basicamente de seus privilégios e particularidades garantidos pela Constituição Federal de 1988. A própria CF/88 já previa a utilização do aludido tributo na forma que vem sido utilizada pelo Governo Federal, ou seja, a fim de instrumentalizar a política econômica nacional a fim de promover a produção interna no país. O Imposto sobre Produtos Industrializados é de competência da União, conforme o art. 153, IV, da CF/88. Em virtude de características intrínsecas a este imposto, como a extrafiscalidade e a essencialidade, que serão tratadas posteriormente, ele é autorizado a desobedecer a inúmeros princípios constitucionais exatamente em virtude de sua relevância política e econômica. O IPI, por exemplo, não obedece ao princípio da anterioridade, conforme o art. 150, §1, da CF/88. Ou seja, para instituição ou alteração do IPI para determinado produto, não é necessário esperar o início do próximo exercício financeiro. Com a exceção a tal princípio, o legislador constituinte atestou o caráter especial do IPI como instrumento de regulamentação econômica, haja vista que, como o cenário político e financeiro se transformou com enorme velocidade, o Governo precisa de ferramentas para intervir de forma imediata, não podendo, portanto, esperar por semanas ou meses, conforme preceituam os princípios da anterioridade. 4 A EXTRAFISCALIDADE DO IPI Como é sabido, o tributo é receita derivada, de natureza compulsória, decorrente do poder de soberania do Estado. Os tributos em regra podem ser classificados como vinculados e não vinculados. Vinculados são aqueles cobrados em decorrência de uma contraprestação específica do Estado, como o caso da taxa cobrada para emissão de passaporte. Já os não vinculados são os cobrados pelo Estado em razão de seu poder de tributar, independente de uma resposta ou uma contraprestação do Estado. Nesta segunda categoria, incluem-se genericamente o caso dos impostos. Assim, o art. 16 do CTN preceitua que: “Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (grifos nossos). O IPI, tributo aqui em estudo, é um imposto específico e particular, diverso dos outros criados pelo legislador brasileiro. Pela qualidade enquanto imposto, já não possui qualquer caráter vinculante a uma atividade estatal, entretanto possui uma série de prerrogativas e especialidades que foram dadas pelo próprio sistema jurídico tributário. Assim, esclarecido que o imposto independe de uma atividade específica do Estado, necessário expormos ainda que o mesmo cumpre, enquanto instrumento arrecadatório, o papel da fiscalidade. Sobre o tema, o Prof. Paulo de Barros Carvalho assim esclarece: “Fala-se assim em fiscalidade sempre que a organização jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou que governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses – sociais, políticos ou econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva” (CARVALHO, 2009, p. 254).   Entretanto, em alguns casos, o poder de tributar realizado pela Administração Pública não tem o objeto de simples arrecadação, mas de intervenção na sociedade, tendo, portanto, um atributo extrafiscal. O ilustre Prof. Geraldo Ataliba define a extrafiscalidade da seguinte forma: “Consiste a extrafiscalidade no uso dos instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados. […] É lícito recorrer aos tributos com o intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos sociais e econômicos dos contribuintes, seja fomentando posicionamento ou inibindo certos procedimentos. Dá-se tal fenômeno (extrafiscalidade) por intermédio de normas que, ao preverem uma tributação, possuem em seu bojo, uma técnica de intervenção ou conformação social por via fiscal. São os tributos extrafiscais, que podem ser traduzidos em agravamentos ou benefícios fiscais dirigidos ao implemento e estímulo de certas condutas” (ATALIBA, 1990, p. 49). Com efeito, podemos ver que desde os primórdios ensinamentos do citado mestre já existia o entendimento que efetivamente o poder de tributar atende também a uma atuação extrafiscal por parte do Estado a fim de regular, intervir ou estimular determinada prioridade de natureza social ou econômica abdicando assim dos fins de mera arrecadação e geração de receita. Outrossim, ao expor sobre a extrafiscalidade e os tributos extrafiscais, o renomado Professor Paulo de Barros Carvalho assim pontua: “Há tributos que se prestam, admiravelmente, para a introdução de expedientes extrafiscais. Outros, no entanto, inclinam-se mais para o setor da fiscalidade. Não existe, porém identidade tributária que se possa dizer pura, no sentido de realizar tão só a fiscalidade, ou unicamente, a extrafiscalidade. Os dois objetivos convivem, harmônicos, na mesma figura impositiva, sendo apenas lícito verificar que, por vezes, um predomina sobre o outro. Consistindo a extrafiscalidade no uso de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias. Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim entendidos tanto os dispositivos expressos quanto os implícitos. Não tem cabimento aludir-se a regime especial, visto que o instrumento jurídico é invariavelmente o mesmo, modificando-se tão somente a finalidade do seu emprego” (CARVALHO, 2011, p. 249). Neste diapasão, podemos encartar o IPI como um imposto extrafiscal, porque se trata de exação que não possui função primordial de arrecadação de fundos para os cofres públicos, e sim para destinação de favorecer ou desestimular alguns setores da economia por serem considerados de interesse público ou pela conveniência devidamente fundamentada. Um dos pilares da extrafiscalidade inserta no IPI está na mitigação do princípio da legalidade, a qual é, contraditoriamente ou não, garantida pela própria Constituição Federal nos artigos 146-A e 153, § 1º. O art. 146-A da CF/88 assegura que “Lei Complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União por lei, estabelecer normas de igual objetivo.”  Nesta toada, podemos dizer que o objetivo da norma é deixar claro ao legislador a possibilidade de fixação de critérios especiais de determinados setores, como forma de manutenção do regime de livre concorrência, que se erige como princípio fundamental da ordem econômica. Destarte, a aludida norma tributária significa a confluência dos subsistemas econômico e jurídico tributário. O exercício da atividade legiferante e sua aplicação ao caso concreto, além de atenderem ao conteúdo finalístico do dispositivo constitucional, devem, em função concomitante, respeitar os objetivos do Estado brasileiro, os princípios do modelo econômico constitucionalmente adotado, os limites ao poder de tributar e os princípios assegurados na Carta Magna. Já no que refere à norma do art. 153, §1º, é possível que o Poder Executivo altere a alíquota deste imposto, desde que obedecido os limites da lei. Ou seja, a relativização do princípio da legalidade está apenas na possibilidade de alterar o critério quantitativo desta exação dentro dos limites legais, contudo não pode inventar ou criar nova alíquota. Portanto permanece o IPI, bem como todos os instrumentos do sistema tributário nacional escravos da lei, mesmo que isto, a certo ponto, possa ser relativizado até determinado limite. Necessário expormos que o IPI, enquanto tributo extrafiscal, foi objeto de alteração na reforma tributária implantada pela Emenda Constitucional 42/2003. Anteriormente a esta EC, os impostos extrafiscais poderiam ser alterados sem qualquer preocupação com o veículo formal e sem respeitar um lapso temporal mínimo, pois, relembrando, em virtude de ser um instrumento de político, social e/ou econômico, poderia ter aplicação imediata em razão da urgência que o caso requisesse. Contudo, em razão da aludida emenda, os impostos relacionados com a matéria de consumo, tal como o IPI passou a obedecer a anterioridade nonagesimal, conforme o art. 150, §1. Senão vejamos: “Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios […] III – cobrar tributos: […] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; […] § 1º – A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. (Alterado pela EC-000.042-2003). […] Art. 153 – Compete à União instituir impostos sobre: […] IV – produtos industrializados;  […]” (grifos nossos). Todavia a Constituição Federal, pelo art. 153, §1º, estende do Poder Legislativo para o Poder Executivo a competência para alterar esta exação, exercendo assim sua função atípica de legislar. Nesta esteira, existe uma discussão sobre a aplicação da anterioridade nonagesimal, haja vista que a alteração do IPI pode ocorrer tanto através de decreto quanto através de lei. Ocorrendo a alteração por decreto, não se aplica a anterioridade, vez que apenas é aplicável se a alteração for através de lei. Contextualizando com o recorte conjuntural que utilizamos, qual seja a crise econômica mundial, um caso clássico é quando a União majora ou reduz a alíquota do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos carros utilitários. Sobre o tema, vejamos como pontua corretamente o ilustre Prof. Paulo de Barros Carvalho: “A construção do sentido deste instrumental no direito positivo submete o intérprete a trabalhar, de um lado, dentro dos conceitos jurídico-tributários, como imposto de competência exclusiva da União, e, de outro, no âmbito político, como ferramenta de controle do mercado, do fluxo internacional – importação e exportação – de mercadorias. Dada sua regra matriz, quaisquer alterações das alíquotas nos produtos, dentro do critério quantitativo desta exação, denunciam as vontades políticas por detrás destas escolhas, que são trazidas na TIPI (Tabela de Incidência do IPI)” (CARVALHO, 2011, p. 691).  Nesta senda, o Fisco utiliza a função primária do tributo, que é manter o equilíbrio da economia, pois, como a crise afetou a produção automobilística, o Governo tomou tal atitude a fim de estimular a venda de veículos e evitar o desemprego e a redução da produção no setor. 5  A SELETIVIDADE E ESSENCIALIDADE DO IPI A seletividade e a essencialidade são características alocadas ao IPI que vão fundamentar a nossa explicação sobre os motivos que levaram o Governo Brasileiro a optar por reduzir a alíquota do aludido tributo sobre produtos como veículos 1.0 ou cimento e outros materiais de construção; e, ao mesmo tempo, não optou, por exemplo, em reduzir a alíquota sobre joias, chocolates e diversos outros produtos de grande consumo que também sofrem a incidência do IPI. Através do princípio da seletividade, podemos entender por que a alíquota do cigarro é de 300%, ou por que os calçados possuem tributação em alíquota 0%. Ou até mesmo os motivos que levaram a determinar a alíquota 0% para a produção de pães, 15% para águas minerais e 20% para vinhos[7]. O IPI, como já dito, trata-se de um imposto indireto. Ou seja, o pagamento de tal exação, embora seja obrigação do produtor, é repassado ao consumidor final através da relação de consumo ora estabelecida. Desta feita, quando o legislador constituinte determinou que tal tributo fosse seletivo, em razão da essencialidade do produto, incutiu ali uma série de prerrogativas e outros princípios também, dos quais trataremos sumariamente a fim de entendermos tal característica. O Art. 153 da CF/88, que trata sobre o IPI, determina que este tributo seja seletivo pela essencialidade. Veja-se: “Art. 153 – Compete à União instituir impostos sobre: […] IV – produtos industrializados; […] § 3º – O imposto previsto no inciso IV: I – será seletivo, em função da essencialidade do produto; […]” Primeiramente, perguntemos: o que é seletividade pela essencialidade no IPI? Podemos responder que, levando em consideração que o IPI é um imposto de consumo, ou seja, é incidente sobre produtos e mercadorias que são disponibilizadas e ofertadas aos cidadãos, consumidores em potencial, quis o legislador constituinte que tal tributo seja diferenciado a depender do que se entende como essencial, fundamental, indispensável, para o consumo da população. Desta feita, podemos dizer ainda que, através de tal princípio, pode o Governo dizer o que é supérfluo ou não para o consumo da população brasileira. Não podemos de forma alguma confundir o conceito de essencialidade com seletividade. Embora unidos quanto a alguns tributos, os mesmos não se confundem. Como dito anteriormente, podemos dizer que ser seletivo é ser escolhido, eleito, diferenciado, qualificado, separado. Ou seja, a tributação do IPI seria seletiva pela essencialidade na forma que o legislador tributará de forma seletiva, diferenciada, aqueles produtos que serão classificados como essenciais, fundamentais, indispensáveis para o consumo do cidadão brasileiro. Quando restou determinado no texto constitucional que a seletividade seria em razão da essencialidade do produto, quis o legislador originário preocupar-se com o contribuinte de fato, qual seja o consumidor. Desta feita, teremos aí outros dois princípios constitucionais para qual a seletividade está a serviço: o princípio da capacidade contributiva e da dignidade da pessoa humana. Como já se sabe, a capacidade contributiva, normatizada no art. 145, §1º da CF/88, está associada à capacidade econômica do indivíduo em contribuir para a manutenção do Estado e consiste no critério de diferenciação aplicado à igualdade no âmbito do Direito Tributário, haja vista servir de medida para a distribuição dos encargos estatais, igualando ou desigualando os contribuintes a partir das possibilidades econômicas de cada um. Diante do exposto, é que o constituinte estabeleceu a seletividade da alíquota do IPI como forma de minimizar as consequências da transferência do ônus tributário e aplicar, ainda que minimamente, o princípio da capacidade contributiva àqueles que acabam pagando o tributo inserido no preço do produto, mercadoria ou serviço. Tal seletividade se dá em razão da essencialidade do produto. Já a essencialidade serve ao mínimo existencial, e ao princípio da dignidade humana, pois estabelece uma menor alíquota tributária de acordo com a maior importância, essencialidade, relevância econômica/social de determinados produtos. No caso em comento, teceremos comentários sobre como o princípio da seletividade foi atendido nas atuações do Governo Brasileiro sobre a crise econômica mundial, quando adotaram como medida a redução da alíquota do IPI. A opção do Governo em alterar para 0% a alíquota do IPI para carros populares (motor 1.0, gasolina ou flex), e reduzir aquela relativa aos veículos de até 2.0, se deram não apenas com a questão de consumo, eis que tais veículos são mais acessíveis à sociedade, principalmente à classe média, e às ascendentes classes “C” e “D”, mas também porque tais produtos possuem uma manutenção não tão cara, são econômicos e duráveis. Ademais, a questão de obter tais veículos através de empréstimos consignados ou via alienação fiduciária, efetivamente foi a opção de escolha de pagamento destes setores sociais. Na época do início da crise econômica, no final de 2008, a redução da produção automobilística foi de 49%. De acordo com o IPEA e a ANFAVEA (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores do Brasil), de janeiro a junho de 2009, a redução do IPI foi responsável por 13,4% das vendas de automóveis. O IPEA, através de pesquisa realizada junto a Secretaria da Receita Federal, constatou ainda que a perda de receita com a desoneração do IPI foi compensada com a arrecadação de outros tributos[8]. Por exemplo, a isenção do IPI nos veículos automóveis atacados pelos decretos governamentais, não afastou, de fato a incidência do ICMS na aludida produção automobilística. Ao final de 2009, a desoneração do IPI significou um aumento de 11,35% na venda de veículos no mercado brasileiro, em comparação a 2008. Os fogões, geladeiras, tanquinhos e máquinas de lavar foram os produtos selecionados como essenciais pelo Governo para sofrer a redução da alíquota do IPI. Tal seleção se deu não apenas pela utilidade doméstica de tais mercadorias, quanto pela demanda existente no mercado varejista, e porque a venda desses produtos também ocorre através de crediário e empréstimo a fim de facilitar a aquisição e pagamento destes bens. Com a desoneração do IPI destes itens do setor, bem como também dos móveis, ocorreu o aumento de 21,7% das vendas em todo o período de 2010. O IBGE revela ainda que quanto aos móveis e eletrodomésticos, o aumento em relação a 2009 foi de 25,7%, o que significou o segundo maior aumento na economia varejista[9]. Quando o Governo optou em reduzir a alíquota do IPI referente aos materiais de construção, selecionou aqueles que são essenciais para a construção da casa própria, à moradia popular e às reformas de imóveis. Assim, foi reduzido o IPI sobre pias, cimentos, argamassas, vasos sanitários, mármores, granito e tintas. Destaque-se também que grande parte da venda de tais mercadorias é feita por crediários e empréstimos, como também é o caso dos produtos da linha branca. No que se refere à redução da alíquota do IPI dos produtos de materiais de construção, o setor apontou um crescimento de 12,5% até junho de 2010, e alavancou também a venda de outras mercadorias correlacionadas, cujo aumento foi de 5,5% até junho/2010, em razão do mesmo período em 2008 e de 4% em relação a junho/2009[10]. 6 A ALTERAÇÃO DA ALÍQUOTA DO IPI ENQUANTO NORMA DE ISENÇÃO Muito embora a atuação do Governo não tenha sido de zerar a alíquota do IPI como instrumento para combater a crise econômica mundial e fortalecer a economia nacional, em algumas circunstâncias o fez, como nos casos dos veículos populares e alguns produtos da linha branca. Em referência a estes casos, é relevante analisarmos, mesmo que sumariamente, o fato de que o Governo Brasileiro, ao determinar a redução da alíquota do IPI para 0%, na verdade, instituiu uma norma de isenção quanto a este imposto. Para entendermos como podemos deixar de pagar uma obrigação tributária, como é o caso da alíquota 0% do IPI, precisamos compreender como funciona tal relação jurídica tributária, como a mesma se organiza e se materializa a fim de concluirmos porque a mesma continua existindo mesmo afastando a obrigação de adimplir com a exação. Levando em consideração que toda norma jurídica possui uma estrutura, e que seus elementos estruturais ligam-se de forma lógica e precisa, a fim de explicar objetivamente as questões e finalidades da norma em si, utilizaremos para tanto um renomado instrumento, a RMIT – Regra Matriz de Incidência Tributária. A Regra Matriz de Incidência Tributária é efetivamente uma norma de conduta. A partir da ocorrência de determinado comportamento humano, que esteja previsto em uma norma tributária, haverá a ocorrência de um fato gerador, o qual iniciará toda a estrutura lógica aonde se ligarão os sujeitos, passivo e ativo, desta relação, suas obrigações, e efetivamente será mensurado e equacionado o quantum relativo ao pagamento da obrigação, do tributo. Portanto, a RMIT é uma norma de conduta, como muitas outras, e regula a relação entre o Estado e o cidadão, basicamente na relação entre Fisco e contribuinte. A fim de proceder com tal estrutura lógica, a RMIT utiliza basicamente duas estruturas: o antecedente e o consequente. O antecedente prevê uma hipótese, a qual, caso se efetive, decorrerá no consequente, prescritor da norma, o deve-ser previamente estabelecido em razão do comportamento descrito na hipótese. O antecedente possui três elementos que vão configurar efetivamente a identificação do fato, a hipótese que decorrerá na relação jurídica tributária e na obrigação tributária. São eles os critérios material, espacial e temporal. O critério material aponta o comportamento humano que é incidente da norma tributária, ou seja, o fato gerador do tributo. O critério espacial é aquele que diz que aquele fato gerador ocorreu em local de incidência da referida exação. Já o critério temporal nos traz a efetiva e exata ocorrência do fato jurídico incidente da norma. Já o consequente, ao contrário do antecedente que prescreve a norma, adota um papel de prescritor que nos diz os critérios para a identificação da relação jurídica que emana a fim de conhecermos o sujeito do direito, seu objetivo e o dever atribuído ao sujeito passivo do vínculo jurídico. O consequente normativo da RMIT é composto pelos critérios identificados da relação obrigacional, seja o critério pessoal, que inclui tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo; seja o critério quantitativo, que abarca tanto a base de cálculo quanto a alíquota aplicável. O sujeito ativo da relação jurídico, ora integrante do critério pessoal da RMIT, é aquele titular do direito subjetivo de exigir a prestação pecuniária. De acordo com o art. 119 do CTN, o sujeito ativo da obrigação é aquela pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento. Entretanto, em virtude das vicissitudes existentes no nosso país, necessário aplicarmos ainda o art. 120 do CTN, o qual legitima também para cobrar a aludida obrigação tributária àquela pessoa jurídica de direito público que se constituir do desmembramento territorial de outra. O sujeito passivo da RMIT, apontado como legítimo para cumprir a obrigação tributária, seria aquela pessoa física ou jurídica, de natureza pública ou privada. O art. 121 do CTN estabelece que o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou penalidade pecuniária. Ademais, explica tal artigo que esta pessoa pode ser o seu contribuinte efetivamente, ou seja, aquele que possui relação pessoal e direta com a ocorrência do fato gerador, ou o seu responsável tributário, que é aquela pessoa responsável em adimplir a obrigação tributária em virtude de determinação legal, mesmo diferenciando-se do efetivo contribuinte. A base de cálculo, componente do critério quantitativo da RMIT, é o elemento capaz de mensurar a intensidade do fato gerador incidente da norma, formar efetivamente sobre o quantum debeatur e ratificar e determinar o critério material descrito na hipótese tributária. No caso da mensuração sobre o fato gerador, normalmente são utilizados critérios externos, como valor da operação, preço de mercado, número de cilindradas de motor, valor venal etc. Quanto à alíquota, o outro elemento componente do critério quantitativo, esta significa muito além de um item aritmético para a determinação da quantia que será objeto da prestação tributária. A alíquota, efetivamente, nada mais é do que uma parte, fração ou percentual sobre o valor aplicável (base de cálculo), que o Estado, enquanto Ente Tributante utiliza a fim de exigir em pecúnia a obrigação tributária. Exposta panoramicamente a explicação sobre a RMIT e sua relevância para entendermos a vasta tributação existente no nosso ordenamento jurídico, veremos como esta se aplica para entendermos o IPI. De antemão, precisamos esclarecer que o IPI possui inúmeras RMIT´s, pois sua incidência se dá em três oportunidades que ensejarão o seu fato gerador, nos termos do art. 46 do CTN. São elas: (i) o desembaraço aduaneiro, quando produto procedência estrangeira; (ii) da saída do produto do estabelecimento, nos termos do art. 51 do CTN; (iii) da arrematação do produto oriundo de apreensão ou abandono e que seja levado à leilão. No caso em tela, enfocaremos apenas a RMIT do IPI referente ao produto que sai do estabelecimento (ii), pois tal hipótese se aplica ao que estamos analisando neste trabalho. O imposto sobre a industrialização de produtos, quando sua incidência é sobre a saída dos veículos 1.0, dos eletrodomésticos da linha branca ou dos materiais de construção, que foram objetos de alteração quanto à alíquota do IPI em razão da crise econômica, possui a seguinte RMIT: 1      Hipótese tributária 1.1 Critério Material: industrializar produtos. 1.2 Critério Espacial: em regra, qualquer localidade dentro do território nacional. 1.3 Critério Temporal: o momento em que o produto sai do estabelecimento industrial. 2      Consequente normativo 2.1 Critério Pessoal: o sujeito ativo é a União e o sujeito passivo é o responsável pelo estabelecimento industrial ou a quem ele se equiparar. 2.2 Critério Quantitativo: a base de cálculo se extrai pelo preço da operação na saída do produto e a alíquota aplicável é aquela constante na tabela TIPI vigente. Sobre a aludida Regra Matriz de Incidência Tributária, cabe frisarmos que no que se refere ao sujeito passivo, quis o legislador instituir aí também uma espécie de responsável tributário. Isto se dá porque como o IPI é um imposto indireto, ou seja, o valor do tributo normalmente é repassado no preço a ser pago pelo consumidor final, costuma ser este, na prática, o sujeito passivo para adimplir tal obrigação tributária. Destaque-se que esta é a leitura realizada pelo art. 51 do CTN, o qual revela que o contribuinte do imposto é o industrial, ou a quem ele se equiparar, ou o comerciante de produtos industrializados. Quando o Governo aplica a alíquota 0% do IPI para os produtos industrializados, ele também altera a Regra Matriz de Incidência Tributária relativa ao aludido imposto, pois altera um elemento do critério quantitativo. Quando se fala em alterar a alíquota do IPI, tal tema se torna ainda mais interessante. Sobre o tema, o Prof. Paulo de Barros Carvalho ensina que: “Para qualquer exação, não pode haver base imponível ali onde não houver alíquota, entidade que se congrega à base para oferecer compostura numérica do debitum, estatuindo o valor que pode ser exigido pelo sujeito ativo, em cumprimento da obrigação que nascera pelo acontecimento do fato normativamente descrito.[…] Para o IPI, o tema das alíquotas ganha dimensão expressiva, tendo em vista o mandamento constitucional da seletividade em função da essencialidade dos produtos, prescrita pelo art. 153, §3º do Texto Magno. O constituinte outorgou ao legislador ordinário a possibilidade de dosar a carga tributária, em função dos predicados de utilidade atribuídos aos produtos, segundo o talante do próprio legislador infraconstitucional, não estipulando critério determinado a que este último ficasse jungido” (CARVALHO, 2011, p 626). Portanto, optando a Administração Pública em “zerar” a alíquota do IPI, está ainda reformando a RMIT deste imposto a fim de efetivamente excluir o débito oriundo da obrigação tributária construída, pois se torna impossível encontrar um quantum debeatur se conjugarmos a base de cálculo devida com uma alíquota em 0%. O fato de subtrairmos ou anularmos um elemento da RMIT, no caso a alíquota com o teor de 0%, efetivamente estamos falando de um instrumento para isentar o sujeito passivo da relação tributária em pagar o crédito tributário. Isto ocorre porque, embora com a alíquota de 0% não extinga com o elemento quantitativo constante na estrutura da RMIT, ela faz com que haja a supressão de sua funcionalidade, pois, como se sabe, estipulando 0% para o elemento quantitativo, na prática não há o que se valorar, tampouco como encontrar um valor devido a título de pagamento do tributo. Desta feita, os decretos e leis publicados pelo Estado Brasileiro, no tocante à redução da alíquota do IPI para 0%, nos termos aqui estudados, a fim de utilizar tal método como instrumento de regulação e fortalecimento da economia nacional, efetivamente se materializou no ordenamento jurídico enquanto normas de isenção do aludido imposto. Não é preciso lembrar que tal isenção apenas se aplica àqueles casos em que efetivamente houve a redução da alíquota do IPI para 0%, como os veículos 1.0 gasolina ou flex, fogão, tanquinhos e outros materiais de construção; o que não ocorreu com outros diversos produtos, sobre os quais apenas sofreram uma redução da alíquota, contudo com parâmetros ainda quantitativos, como os casos dos veículos 2.0, máquinas de lavar etc., cujas alíquotas se reduziram para 5% ou 6,5% por exemplo. Nos termos do art. 175 do CTN, a norma de isenção é causa de exclusão do crédito tributário. Veja-se: “Art. 175 – Excluem o crédito tributário: I – a isenção; II – a anistia. […]” Como bem expõe o aludido artigo, a isenção é causa de exclusão do crédito tributário, entretanto a norma isentiva não é causa suficiente para a exclusão da relação jurídico-tributária. Muito embora haja inúmeras teorias e críticas quanto ao condão da norma isentiva excluir o crédito tributário, bem como sobre o sentido desta norma não excluir a relação jurídico-tributária efetivamente, a questão é que quis o legislador, através deste instrumento conceder este benefício legal ao contribuinte; entretanto, não abrindo mão para que o mesmo proceda com o cumprimento das demais obrigações, como por exemplo, o dever instrumental de emitir nota fiscal ou manter organizado o livro-caixa. A questão é que com este instrumento, a Administração Pública Federal, através de decretos e leis instituiu inúmeras normas isentivas a fim de provocar o aquecimento da economia através da elevação do consumo e da concessão de crédito, as quais excluíram do contribuinte o dever de recolher o valor devido a título de crédito tributário do IPI, entretanto não o desobrigando dos deveres instrumentais. Percebe-se, portanto que, como o IPI é um imposto indireto, onde é efetivamente o consumidor que paga pelo tributo, o Governo brasileiro efetivamente apenas desonerou estes cidadãos sobre o pagamento da exação, mas manteve o fornecedor, o industrial, com o ônus de cumprir com os deveres instrumentais relativos a tal imposto, haja vista que os mesmos detêm a tecnologia e a estrutura inerente ao seu negócio para tanto. 7 CONCLUSÃO Diante do quanto exposto, pudemos verificar a grandeza e a inteligência da Carta Magna acerca do tributo aqui estudado, haja vista que já no longínquo ano de 1988, o legislador constituinte já havia previsto a possibilidade de utilizar os denominados tributos extrafiscais como efetivos instrumentos de política econômica. A vontade do legislador constituinte em impor determinados princípios e características sobre o IPI foi, efetivamente, para ter o controle sobre a aludida tributação no contexto de que a mesma era fundamental para o Brasil no processo de modernização do país, pela via industrial e pela sua inserção no processo de globalização. Assim, pela seletividade através da essencialidade do produto, pudemos ver que quis o legislador garantir ao povo, à sociedade, um acesso aos bens e produtos básicos e necessários para a sua sobrevivência e desenvolvimento social, econômico e cultural. Ademais, por tal princípio característico, foi possível que se alternasse a escolha de tais produtos essenciais a depender da conjuntura, do desenvolvimento e da própria vontade do Estado. Da mesma forma também quis o constituinte quando determinou acerca da extrafiscalidade do IPI. A partir dela, foi possível que o Estado, verificando que tal tributo é totalmente relacionado à produção e ao consumo, que pilares fundamentais da economia pudessem proceder com independência e autonomia no mercado, a fim de sempre garantir e defender as políticas públicas essenciais para o povo e aliá-las às necessidades do capital, do mercado. Ademais, podemos asseverar ainda que, levando em consideração a legislação aplicada ao caso em comento, quais sejam os decretos sobre a alteração da alíquota do IPI, a Emenda Constitucional nº 42/2003 efetivamente não restou eficaz. Lembremos que por esta EC, o IPI foi o único imposto extrafiscal que foi obrigado a obedecer ao princípio da anterioridade nonagesimal, e obedecendo também aos veículos formais da lei. Entretanto, como as legislações em espeque neste trabalho se referem a decretos originados do Poder Executivo, e, portanto com vigência imediata á sua publicação, conforme o rito dos outros tributos extrafiscais não atingidos por tal reforma constitucional, como o caso do II (Imposto Importação) e IE (Imposto Exportação). O Brasil, enquanto “país em ascensão”, como denominado no cenário da política mundial, efetivamente veio a sofrer desdobramentos da crise econômica que atacou inicialmente os Estados Unidos da América e, posteriormente, a Europa. Entretanto o Governo Brasileiro, utilizando de um instrumento tributário, qual seja o IPI, buscou combater esta crise a fim de que esta efetivamente não gerasse prejuízos políticos e financeiros para a nação, e tampouco impedisse o desenvolvimento econômico dentro do projeto de nação que aqui está sendo instituído. A redução da alíquota do IPI foi utilizada a fim de incentivar o consumo interno, manter a concessão de crédito na praça e impedir o desemprego, o que coaduna com um projeto de nação democrático e popular e que preza o crescimento econômico com responsabilidade. Embora o IPI não tenha sido o único instrumento utilizado para combater a aludida crise e tentar manter o desenvolvimento da economia nacional, podemos dizer que, objetivamente, pelos números de crescimento do PIB dos últimos anos, que não houve um efetivo crescimento econômico, mas praticamente uma estabilização da economia, a verificar pelo índice de crescimento de 0,9% do PIB, em 2012. Todavia, para o consumidor e o conjunto da sociedade, a redução da alíquota do IPI neste contexto significou melhor qualidade de vida e desenvolvimento econômico através da aquisição de bens de consumo e concessão de crédito. Aliados a todo este contexto, e somado aos princípios e características do IPI, é que o Governo Federal utilizou desta exação a fim de intervir na economia para recuperar a indústria automobilística, em queda no período, optando para tanto pelos veículos populares, econômicos e de mais fácil acesso à população. Da mesma forma foi realizada a intervenção sobre a economia varejista, quanto aos produtos da linha branca, que são necessários para o consumidor, pessoas do lar, os quais adquiriam tais mercadorias mediante concessão de crédito, garantindo assim circulação de valores para o mercado varejista, também em crise no período.
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A validade das normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS sem aprovação do CONFAZ
Objetivando aumentar a arrecadação tributária e fortalecer a economia local, os Entes Federativos constituintes da República Federativa do Brasil, há muito, buscam atrair investimentos privados para os seus respectivos territórios. Dentre as formas de alcançar tal objetivo, grande parte dos Estados concedem benefícios fiscais através da competência legislativa delegada pela Constituição Federal referente ao ICMS. A própria Constituição Federal determina a observância de certos limites à concessão de benefícios fiscais de ICMS, o que, atualmente, tem sido deliberado no âmbito do CONFAZ. Ocorre que, em muitos casos, os Entes Federativos extrapolam a sua competência legislativa e concedem benefícios fiscais mediante legislações internas que concedem créditos presumidos de ICMS, legislações estas devidamente introduzidas no sistema de direito positivo, entretanto, sem a prévia aprovação do CONFAZ. Os demais Entes Federativos, com o objetivo de retaliar os benefícios concedidos unilateralmente, têm praticado a glosa dos créditos de ICMS que foram devidamente destacados nos documentos fiscais em operações interestaduais com contribuintes remetentes de mercadorias estabelecidos nos Entes Federados que concedem tais benefícios fiscais. Ocorre que os contribuintes se valeram das legislações internas concessivas dos benefícios fiscais que são plenamente válidas no sistema de direito positivo, razão que enseja o respeito pelos demais Entes Federados.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O direito, enquanto autêntico fenômeno comunicacional, representa um corpo de linguagem autopoiético voltado à regular as condutas intersubjetivas dos seres humanos. Assim sendo, as relações pessoais reguladas pelo direito ocorrem no âmbito social. Deste modo, o direito é um sistema social, mais ainda, apesar de ser dotado de valores e princípios derivados de sua natureza cultural (que se consubstanciam em normas com alto grau axiológico), ostenta mecanismo lógico em sua aplicação e interpretação. Pautando-se em um direito codificado como o brasileiro, as normas que regulam as condutas humanas são reunidas no que se denomina subsistema social de direito positivo, sendo este um complexo de normas que se caracterizam pela juridicidade, isto é, com o elemento da sancionatoriedade pelo seu descumprimento. Referidas normas jurídicas são inseridas, retiradas ou modificadas no bojo do sistema de direito positivo pelas pessoas devidamente credenciadas pelo próprio sistema, mediante o procedimento adequado para tanto, sendo o procedimento e as pessoas credenciadas denominadas fontes do direito. Dessa forma, fixa-se a premissa de que uma norma jurídica válida significa garantir que a mesma foi devidamente inserida no sistema de direito positivo por uma fonte do direito, ou seja, é um elemento do conjunto de normas jurídicas que forma o denominado sistema de direito positivo. No que tange ao objetivo do presente estudo, analisa-se a validade das normas jurídicas concessivas de créditos presumidos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Intermunicipal e Interestadual e Comunicações – ICMS. Para tanto, no segundo capítulo analisar-se-á a noção de sistema de direito positivo enquanto um conjunto de normas jurídicas que prescrevem condutas intersubjetivas, bem como as fontes do direito que são aptas a inserir tais normas no sistema e, ainda, o conceito de validade e incidência das normas jurídicas. No terceiro capítulo serão analisadas as disposições gerais constitucionais acerca do ICMS, especificamente o Pacto Federativo, a Tripartição dos Poderes e o Sistema Constitucional Tributário, seguido pelo quarto capítulo com as disposições constitucionais específicas acerca do ICMS, tais como a sua natureza jurídica, a não cumulatividade do imposto, bem como a necessidade de Resolução do Senado Federal para a fixação das alíquotas para operações interestaduais. Por fim, no quinto capítulo tratar-se-á da conceituação de benefícios fiscais, especificando as mais variadas espécies exonerativas, seguindo para uma análise da forma concessiva de tais benefícios, especificamente acerca da validade das legislações internas que concedem créditos presumidos de ICMS independentemente da anuência do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. 1. PREMISSAS EPISTEMOLÓGICAS Antes de se tratar especificamente acerca da validade das legislações que concedem benefícios fiscais de ICMS no cenário denominado Guerra Fiscal, convém dispor uma breve digressão sobre as premissas epistemológicas que serão utilizadas ao longo do presente estudo, para fins de possibilitar uma completa compreensão das conclusões obtidas. Dessa forma, no presente capítulo serão sintetizadas as noções de sistema de direito positivo e suas fontes, bem como a validade e incidência das normas jurídicas em geral. 1.1 Noção de Sistema Preliminarmente, insta salientar que o vocábulo sistema detém alto grau de ambiguidade, como a grande maioria dos termos oriundos da linguagem ordinária, sendo necessário precisar qual o conceito que será utilizado no presente trabalho. O vocábulo sistema tem derivação etimológica grega proveniente de syn-istemi, que nos termos do vernáculo ora adotado, remete-nos à noção de composto, construído, conforme dispõe Tércio Sampaio Ferraz Júnior ao tratar do assunto: “[…] na sua significação mais extensa, o conceito aludia, de modo geral, à idéia de uma totalidade construída, composta de várias partes. Conservando a conotação originária de conglomerado, a ela agregou-se o sentido específico de ordem, de organização. Aliada à idéia de cosmos, conceito fundamental da filosófica grega, ela aparece por exemplo entre os estóicos para descrever e esclarecer a idéia de ‘totalidade bem ordenada’. Os estóicos atribuíram-lhe, além disso, uma conotação ainda mais marcante, ao ligá-la ao conceito de techne, por eles definida como sistema de conceitos, configurando-se como suma.” (FERRAZ JÚNIOR, 1976, p. 09). Assim, para os fins propostos no presente trabalho, fixa-se a premissa de que sistema significa um conjunto de elementos que se interligam, se relacionam, interagem entre si e, ainda, convergem para um referencial comum a todos, nos exatos termos também trabalhados por Paulo de Barros Carvalho: “[…] o sistema aparece como o objeto formado de porções que se vinculam debaixo de um princípio unitário ou como a composição de partes orientadas por um vetor comum. Onde houver um conjunto de elementos relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, teremos a noção fundamental de sistema.” (CARVALHO, 2009, p. 46-47). Nesse sentido, o sistema ostenta denotação mais estrita do que o conceito atinente aos conjuntos ou classes lato sensu, ao passo que seus elementos além de convergirem, invariavelmente, para um referencial comum, mantêm relações de coordenação e subordinação, fazendo com que a classe dos sistemas apresente uma estruturação interna que não é predicativa das classes e conjuntos gerais (que representam meras aglutinações não sistematizadas). Conclusão análoga foi suscitada por Aurora Tomazini de Carvalho ao dispor: “Para termos um sistema é preciso que os elementos de uma classe apresentem-se sobre certa estrutura, que se relacionem entre si em razão de um referencial comum.” (CARVALHO, 2009, p. 115). Portanto, sendo o sistema um aglomerado de elementos que convergem para um referencial comum e organizados internamente por meio da coordenação e subordinação, é possível vislumbrar a realidade social como um complexo sistema composto por inúmeros subsistemas sociais, sendo um deles o direito positivo, como será oportunamente analisado em tópico próprio. 1.2. Noção de Norma Jurídica A expressão norma jurídica tem sido utilizada em inúmeros escritos científicos sem a devida atenção quanto à sua pluralidade semântica, sendo ora utilizada como sinônimo de enunciados prescritivos, ora como conteúdo de significação de tais enunciados, ora como mensagem com sentido deôntico jurídico, dentre outras possibilidades de significado, o que, em verdade, gera inconsistências no discurso e, ainda, induz a conclusões incoerentes com as premissas inicialmente adotadas. Destarte, no presente trabalho não se buscará firmar um novo conceito para a expressão norma jurídica e, tampouco, analisar profundamente os conceitos já existentes, buscando apenas dentre as inúmeras acepções possíveis de significado, escolher a mais adequada à análise do objeto proposto. Separando a expressão norma jurídica, tem-se norma com origem no latim, significando “aquilo que se estabelece como base ou medida para a realização ou a avaliação de alguma coisa” (AURÉLIO, 2004), ou seja, princípio, regra, lei. Por outro lado, jurídica deriva etimologicamente da matriz também latina juridicu, isto é, pertencente ao direito. Dessa forma, quando o intérprete tem contato com a expressão normas jurídicas é possível elaborar as seguintes conjunções como significado regras do direito, leis do direito, princípios do direito, enunciados do direito, dentre outras possíveis, gerando certa insegurança quando se busca uma coerência interna do discurso, conforme elucida Paulo de Barros Carvalho: “[…] a ambiguidade da expressão ‘normas jurídicas’ para nominar indiscriminadamente as unidades do conjunto, não demora a provocar dúvidas semânticas que o texto discursivo não consegue suplantar nos seus primeiros desdobramentos.” (CARVALHO, 2009, p. 128). Com intuito de reduzir ao máximo tais dúvidas, utilizar-se-á a expressão norma jurídica no presente trabalho como o enunciado prescritivo, leia-se lei, que ostenta as características necessárias para ser elemento do sistema de direito positivo, isto é, ser norma devidamente inserida no sistema pela fonte adequada e apta a desencadear os seus respectivos efeitos, conforme será analisado nos tópicos subsequentes. 1.3. O Sistema de Direito Positivo 1.3.1. Ordenamento jurídico como sinônimo de sistema de direito positivo Preliminarmente, convém ressaltar que a doutrina atual diverge quanto ao conceito de ordenamento jurídico e sistema de direito positivo, portanto, faz-se necessário fixar o conteúdo semântico que será atribuído a tais expressões no presente trabalho. Tárek Moyses Moussalem, no uso da teoria formulada por Alchourrón e Bulygin, entende que o sistema de direito positivo representa o conjunto de normas jurídicas analisadas estaticamente e o ordenamento jurídico, por sua vez, representa a forma dinâmica deste sistema, o que se evidencia por sua constante modificação (MOUSSALEM, 2005). Já Gregório Robles entende que o conjunto de textos prescritivos representa o ordenamento jurídico, sendo que quando analisamos tais textos por uma ótica científica, o que, no caso, se dá por meio da ciência do direito com sua linguagem descritiva, tem-se o sistema de direito positivo (ROBLES). No presente trabalho, as expressões ordenamento jurídico e sistema de direito positivo serão utilizadas como sinônimas, representando um complexo sistema de normas jurídicas que se relacionam entre si, balizadas pela coordenação e subordinação emanadas de um elemento fundamentalmente unificador que é a Constituição, conforme dispõe Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2009, p. 212-216). 1.3.2      Direito positivo como sistema de normas jurídicas Como citado no tópico 2.1, a realidade social será tratada no presente trabalho como um complexo sistema composto por inúmeros subsistemas sociais, sendo um deles o direito positivo. Assim sendo, a realidade social representa um grande sistema que contém certos elementos que são juridicizados pelos seus usuários, assim, a tais elementos é atribuída à característica da juridicidade. Nesse contexto, forma-se o subsistema social do direito positivo que ostenta predicação eminentemente prescritiva (composto de enunciados prescritivos de condutas intersubjetivas como acima exposto). O direito positivo detém em sua composição um complexo amaranhado de normas jurídicas que se relacionam entre si, balizadas pela coordenação e subordinação emanadas de um elemento fundamentalmente unificador (comum) para todas, no caso do sistema atualmente posto, a Constituição Federal de 1988 que tem por fundamento a norma hipotética fundamental de Hans Kelsen, como leciona Paulo de Barros Carvalho: “Kelsen sempre chamou atenção para a circunstância de que todas as normas do sistema convergem para um único ponto, axiomaticamente concebido para dar fundamento de validade à constituição positiva. Esse aspecto confere, decisivamente, caráter unitário ao conjunto, e a multiplicidade de normas, como entidades da mesma índole, outorga-lhe o timbre de homogeneidade.” (CARVALHO, 2009, p. 136). As relações de subordinação são caracterizadas na vertical, representando a hierarquia existente entre as diferentes manifestações normativas, assim, normas de hierarquia inferior sempre buscam o seu fundamento de validade na norma de hierarquia superior, sendo que todas buscam o fundamento na Constituição que é a norma suprema e, por fim, esta busca sua validade no axioma determinado pela norma hipotética fundamental, nos termos acima demonstrado. Já as relações de coordenação, por sua vez, representam a forma horizontal de interação das normas, isto é, demonstram como se darão as relações de ordem semântica e pragmática existente entre as normas, sendo que uma complementa a outra para a harmonia do sistema. Portanto, as normas jurídicas constituem um sistema, uma vez que são um aglomerado de elementos que convergem para um referencial comum, no caso a Constituição Federal, ostentando uma organização interna por meio da coordenação e subordinação, sendo a inserção, modificação e retirada de normas do referido sistema ponto analisado no tópico seguinte. 1.4. Fontes do Direito Positivo Preliminarmente, antes de se analisar as fontes do direito positivo, cumpre realizar uma análise detida da carga semântica da expressão fontes do direito, com fins meramente didáticos. Como já devidamente abordado em tópicos anteriores, a linguagem ordinária ou natural, diferentemente da linguagem formalizada, apresenta, em seu bojo, inúmeras deficiências que interferem no processo comunicacional, tais como a vagueza e a ambiguidade. A vagueza manifesta-se como a imprecisão aferida no signo (entre o elo da significação com o suporte físico e o significado). Nesse sentido, praticamente todos os vocábulos são vagos em algum aspecto. Já a ambiguidade, por sua vez, é representada pelo signo que detém mais de um significado, isto é, o signo polissêmico. Deste modo, o vocábulo fontes, polissêmico que é, detém inúmeros significados, tais como nascente, manancial, origem, procedência, dentre outros, sendo, no caso proposto, utilizado no sentido de origem do direito. Não diferente, o vocábulo direito ostenta, também, grande ambiguidade em sua interpretação, haja vista a polissemia semântica de sua utilização. Assim sendo, como já anteriormente fixado, analisar-se-á o direito enquanto um complexo sistema de normas regradoras das condutas humanas, criado pela sociedade para sua própria manutenção enquanto tal. Portanto, a expressão fontes do direito positivo será conceituada, no presente trabalho, como a origem das normas jurídicas. Desta feita, as fontes do direito são os órgãos licenciados pelo sistema para criarem normas. Mais ainda, o próprio processo para criação de tais normas também se caracteriza como fonte do direito. Em resenha, assevera Paulo de Barros Carvalho: “[…] as fontes do direito serão os acontecimentos do mundo social, juridicizados por regras do sistema e credenciados para produzir normas jurídicas que introduzam no ordenamento outras normas, gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas ou individuais e concretas” (CARVALHO, 2009, p. 48). Assim, o estudo das fontes do direito mostra-se como um território fecundo ao crescimento intelectual do jurista, especialmente em seara tributária, haja vista o princípio basilar da estrita legalidade atinente aos feitos tributários. Logo, se o jurista conhece as fontes do direito tributário, ou seja, quais os entes habilitados para criar, modificar ou extinguir normas, bem como os respectivos procedimentos, o mesmo estará apto a cotejar tais conhecimentos para, ao fim, descobrir se o produto normativo é válido, ou não, no sistema tributário posto, conforme o conceito de validade que será abordado no tópico subsequente. 1.5. Validade e Fundamento de Validade das Normas Jurídicas Antes de ser fixado o conceito de validade que será desenvolvido no presente trabalho, convém ressaltar o caráter lógico formal da norma jurídica. Em análise semiótica, as normas jurídicas representam verdadeiras proposições prescritivas construídas pelo ser cognoscente em seu intelecto, ou seja, é a ideia ou significação decorrente da interpretação do signo enquanto relação entre o suporte físico, no caso, o enunciado prescritivo, e o seu significado, nos termos da nomenclatura utilizada por Edmund Husserl. Em seara lógica, as normas jurídicas são balizadas pela lógica deôntica, deste modo, com valências diferenciadas com relação à lógica alética, sendo as proposições prescritivas, leiam-se, normas jurídicas, válidas ou não válidas, enquanto as proposições abrangidas pela lógica formal são verdadeiras ou falsas. Desta forma, as normas jurídicas serão sempre válidas ou não válidas no que tange a um determinado sistema, no caso, o sistema de direito positivo posto. É como assevera Paulo de Barros Carvalho: “A validade não é, portanto, atributo que qualifica a norma jurídica, tendo status de relação: é o vínculo que se estabelece entre a proposição normativa e o sistema de direito posto, de tal sorte que ao dizermos que u’a norma ‘N’ é válida, estaremos expressando que ela pertence ao sistema ‘S’.” (CARVALHO, 2009, p. 442) Afirmar que uma norma jurídica é válida significa, então, garantir que a mesma é um elemento do conjunto das normas jurídicas, isto é, que ostenta a relação de pertinência com o conjunto de normas jurídicas que forma o denominado sistema de direito positivo tratado no tópico 2.3.2 retrotranscrito, relacionando-se por meio da subordinação e coordenação. Como já analisado, as relações de subordinação são caracterizadas na vertical, representando a hierarquia existente entre as diferentes manifestações normativas. Assim, as normas de hierarquia inferior sempre buscam o seu fundamento de validade na norma de hierarquia superior, sendo que todas buscam o fundamento na Constituição que é a norma suprema no sistema de direito positivo posto. Portanto, uma norma jurídica válida no sistema de direito positivo, isto é, que pertence a este, deverá convergir para o seu fundamento de validade nas normas de hierarquia superior, sendo que, pensar de maneira inversa representa uma incoerência interna do sistema. Entretanto, impende ressaltar que o sistema de direito positivo detém certas características próprias que possibilita a manutenção de normas jurídicas completamente opostas em seu bojo, sendo ambas válidas enquanto inseridas no sistema, cabendo ao Poder Judiciário o dever de analisar e repelir as incoerências criadas e sistematizadas pelas referidas normas. 1.6. A Incidência das Normas Jurídicas O direito, aqui entendido como um complexo de normas jurídicas que se caracterizam como enunciados que prescrevem as condutas intersubjetivas, de fato, não tem aplicação automática, haja vista que, em virtude das características ínsitas ao próprio sistema, tais normas são veiculadas na forma geral e abstrata. Assim sendo, em momento algum tais normas jurídicas têm o condão de relacionar concretamente sujeitos de direito de forma individualizada sem que ocorra o fenômeno jurídico da incidência, ou seja, a aplicação das normas jurídicas. Então, eis que ocorrido o fato jurídico previsto na hipótese normativa, tem-se desencadeada a sistemática relacional prevista no consequente normativo na forma abstrata. Todavia, como o direito é um fenômeno comunicacional, necessita da linguagem competente para, assim, materializar-se na forma concreta, desencadeando os efeitos realmente ínsitos no mundo fenomênico. Logo, não havendo a linguagem competente para sua materialização (que só é realizada pela autoridade competente), não haverá a incidência da norma jurídica. A incidência do direito, leia-se, normas jurídicas, somente dar-se-á com a aplicação do mesmo por um agente competente, em outros termos, ocorrido o fato jurídico descrito no antecedente normativo, ter-se-á a subsunção do fato à norma geral e abstrata que será materializado pelo agente competente por meio da linguagem adequada para, assim, criar a norma individual e concreta, norma esta que desencadeará na criação do vínculo relacional entre os sujeitos. Destarte, o fenômeno da incidência consiste justamente na operação lógica realizada pelo agente competente que se resume em: ao ocorrer o evento no mundo fenomênico, o agente competente realiza a aplicação da norma geral e abstrata, com a subsunção do fato jurídico da classe que compõe a hipótese normativa para instaurar a relação jurídica disposta na classe que compõe o consequente normativo, o que resulta na norma individual e concreta por meio da linguagem competente. Nesse sentido, com hialina clareza Paulo de Barros Carvalho resume o fenômeno da incidência das normas jurídicas: “Percebe-se que a chamada “incidência jurídica” se reduz, pelo prisma lógico, a duas operações formais: a primeira, de subsunção ou de inclusão de classes, em que se reconhece que uma ocorrência concreta, localizada num determinado ponto do espaço social e numa específica unidade de tempo, inclui-se na classe dos fatos previstos no suposto da norma geral e abstrata; outra, a segunda, de implicação, porquanto a fórmula normativa prescreve que o antecedente implica a tese, vale dizer, o fato concreto, ocorrido hit et nunc, faz surgir uma relação jurídica também determinada, entre dois ou mais sujeitos de direito. Formalizando a linguagem, representaríamos assim: (F ϵ Hn)àRj, podendo interpretar-se como: “se o fato F pertence ao conjunto da hipótese normativa (Hn), então, deve ser a consequência prevista na norma (Rj).”(CARVALHO, 2009, p. 11) Portanto, para que um fato faça parte da classe dos fatos jurídicos, o mesmo deverá preencher as características atinentes a tais elementos, isto é, deverá atender às condições de pertinencialidade. No momento que o aplicador do direito realiza a subsunção do fato à norma jurídica, o mesmo realiza um exame da relação de pertinencialidade do fato, ou seja, o agente competente analisa se o evento vertido em linguagem competente pertence aos fatos descritos como jurídicos, ou seja, passíveis de ocupar a classe da hipótese normativa. Assim, a subsunção é justamente o ato de inteligência do agente competente que verifica as condições de pertinencialidade do evento vertido em linguagem competente para a classe dos fatos descritos na hipótese normativa. 2. DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS GERAIS ACERCA DAS NORMAS CONCESSIVAS DE BENEFÍCIOS FISCAIS No presente tópico, inicia-se a análise da validade das normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS no contexto da Guerra Fiscal. Para tanto, faz-se uma breve digressão com relação aos princípios do Pacto Federativo, Tripartição dos Poderes, a Competência Tributária e a Capacidade Tributária Ativa, aplicáveis ao contexto da Guerra Fiscal do ICMS. 2.1. O Pacto Federativo A constituição de um Estado é definida por José Afonso da Silva como sendo a organização dos elementos essenciais à formação do Estado, ou seja: “[…] um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organizam os elementos constitutivos do Estado.” (SILVA, 2007, p. 37-38) Dessa forma, a Constituição Federal em seu artigo 18 dispõe acerca da organização político administrativa da República Federativa do Brasil, fixando que a sua composição será a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos entre si. Em continuidade, o artigo 24 delega a competência aos Entes Federados para legislarem concorrentemente sobre direito tributário, frisando que a legislação de um Ente Federado não deve desconsiderar a legislação de outro ente sob pena de patente violação à autonomia especificada no referido artigo 18 da Constituição Federal. Nesse sentido, cumpre salientar que a harmonia entre os Entes Federados, principalmente com relação às suas legislações, é o pilar principal da formação da República Federativa, ao passo que a quebra dessa harmonia fulmina diretamente o Pacto Federativo, o que, em casos extremos, possibilita a intervenção federal para garantir a manutenção dos preceitos constitucionais originários, conforme preceitua o artigo 34, inciso VII, alínea “a”, da Carta Magna. Assim sendo, quando um Ente Federado desconsidera a validade de determinada norma jurídica editada por outro Ente Federado, tem-se um abalo na harmonia do sistema, ainda mais quando, no exercício das próprias razões, os Entes Federados usurpam a competência de algum dos poderes insculpidos no artigo 2.º da Constituição Federal. 2.2. A Tripartição dos Poderes A tripartição dos poderes que compõe determinado Estado é um postulado idealizado por Aristóteles na antiguidade e largamente difundido nas obras de John Locke e Montesquieu. No caso do Estado Brasileiro, utilizando-se do referido postulado, a Constituição Federal fixou a repartição dos poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, frisando todos serem independentes e harmônicos entre si, conforme se depreende do artigo 2.º da Carta Política. Por óbvio, nesse contexto, cabe ao Poder Judiciário à análise da harmonia de determinada norma jurídica com o sistema de direito positivo posto, conforme tratado em tópico anterior. Assim, qualquer ato emanado dos Poderes Legislativo e Executivo de um Ente Federado que tenha por objetivo atacar a norma jurídica devidamente inserida no ordenamento jurídico por outro Ente Federado caracteriza-se como nítida violação à tripartição dos poderes. Tanto é assim que caso um Ente se sinta lesado pela norma jurídica criada pelo outro Ente, deverá socorrer-se da autoridade competente para dirimir tal conflito, através das vias legais passíveis de utilização. Conforme salientado anteriormente, apenas o Poder Judiciário detém legítima competência para analisar a compatibilidade de determinada norma jurídica com o sistema de direito positivo posto, conforme preceituam os artigos 97 e 102 da Constituição Federal, ao delegar a competência ao Supremo Tribunal Federal para análise da (in)constitucionalidade das leis ou atos praticados pelos Entes Federados. No caso da Guerra Fiscal do ICMS, se um Ente Federado não concorda com a legislação de outro Ente que concede benefícios fiscais aos Contribuintes sediados em seu território, caberá à impugnação da referida legislação por meio de ação direta de inconstitucionalidade – ADIn proposta perante o órgão competente, ou seja, o Supremo Tribunal Federal. Com efeito, enquanto uma norma jurídica não for considerada inválida por ato do órgão competente, no caso o Supremo Tribunal Federal, não restará alternativa jurídica e moral aos demais Estados, senão reconhecer a validade, vigência e eficácia da mesma, respeitando-a e cumprindo-a. 2.3. Competência Tributária e Capacidade Tributária Ativa Com notório fim de resguardar a autonomia administrativa, financeira e legislativa dos Entes Federados que compõem o Estado Brasileiro, o sistema de direito positivo enquanto verdadeiro subsistema social, composto eminentemente de enunciados prescritivos de condutas intersubjetivas, garante, no bojo da Constituição Federal, a competência tributária para instituição dos respectivos tributos, bem como os limites ao poder de tributar. Dessa forma, no bojo do subsistema maior que é o direito positivo, entende-se pela existência de outro subsistema que contém as normas eminentemente relacionadas com a atuação tributária, uma vez que a classificação é infindável enquanto existir diferenças específicas capazes de dar origem a novas divisões, sendo que este novo subsistema é denominado sistema constitucional tributário, que ostenta tais normas contidas no bojo da Constituição. A sua função primordial, por estar no bojo do texto máximo do direito positivo, é servir como fundamento de validade para as demais legislações do subsistema das normas tributárias, bem como operar suas funções de coordenação e subordinação. Nesse contexto, a Competência tributária é a prerrogativa constitucional de que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos. Já a capacidade tributária ativa, por sua vez, é a autorização para integrar uma relação jurídica tributária na posição de credor (sujeito ativo). Ambas se diferenciam no sentido de que o Ente que detém capacidade tributária ativa não detém, necessariamente, a competência tributária, mas quem detém a competência tributária pode deter, também, a capacidade tributária ativa. Ou seja, a competência não pode ser transferida, já a capacidade tributária ativa, sim. A competência tributária contém três características, a saber: 1) indelegabilidade, haja vista que uma pessoa política não pode delegar sua competência à outra, pois contrariaria a Constituição Federal; 2) irrenunciabilidade, pois a pessoa política não pode renunciar a sua competência, pode não exercê-la, mas jamais renunciá-la; e 3) incaducabilidade, tendo em vista não deixar de existir em razão do tempo. No caso da Guerra Fiscal do ICMS, os Estados exercem, de fato, a sua respectiva competência tributária, editando legislações que instituem sistemáticas diferenciadas de tributação do referido imposto, com a outorga de benefícios fiscais aos Contribuintes signatários sediados em seus respectivos territórios. Ocorre que, não concordando com as legislações concessivas de sistemáticas diferenciadas de tributação, os demais Estados editam legislações internas restringindo os valores referentes à concessão a de benefícios fiscais pelos outros Entes, cobrando, em verdade, tributo que não lhe pertence (não detêm capacidade tributária ativa), em patente violação ao Pacto Federativo e a Competência Tributária dos demais Entes Federados, ao passo que desconsideram a legislação devidamente válida dos mesmos, conforme será analisado no tópico próprio. 3. O ICMS E AS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ESPECÍFICAS O ICMS tem como característica incidir indiretamente sobre as operações, de modo que, por sua natureza, representa umas das maiores fontes de custeio Estatal. Nesse sentido, o ICMS representa um tributo estadual com vocação eminentemente nacional, motivo que justifica a maior atenção lhe foi dada pela Constituição Federal, conforme será analisado no presente tópico por meio de uma análise sucinta acerca de suas principais características. 3.1. A Natureza Jurídica do ICMS A Constituição Federal, em seu artigo 155, inciso II, atribuiu aos Estados a competência para instituir e arrecadar o ICMS, ainda que as operações de circulação de mercadorias se iniciem no exterior. Referido tributo era denominado ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) antes do Texto Constitucional de 1988, que incluiu em seu âmbito de incidência os serviços de transporte interestadual e intermunicipal e o de comunicações, daí o acréscimo da letra “S” em sua sigla. O ICMS tem como finalidade precípua a arrecadação fiscal, mesmo tendo a Carta Magna facultando aos entes tributantes a possibilidade de instituição de alíquotas seletivas, conforme a essencialidade dos produtos, nos termos do artigo 155, § 2.º, inciso III, da Constituição Federal. Devido à natureza das operações passíveis de incidência do ICMS, tem-se que o referido tributo é o que remonta uma das maiores arrecadações fazendárias, conjuntamente com as Contribuições Sociais, razão que ensejou uma grande quantidade de regramentos constitucionais acerca do mesmo, como exemplo, a não cumulatividade em sua cobrança, nos termos abaixo dispostos. 3.2. Evolução Histórica e Legislativa Como mencionado nos tópicos anteriores, o ICMS foi criado por meio da Constituição Federal de 1988, decorrente de uma evolução legislativa de 06 (seis) impostos indiretos constantes da Carta Política de 1967. A união dos 06 (seis) impostos, a saber, delimitados, formam o atual ICMS: 1) imposto sobre comunicações; 2) imposto sobre transportes; 3) imposto único sobre energia elétrica; 4) imposto único sobre combustíveis líquidos e gasosos; 5) imposto único sobre minerais e 6) imposto sobre circulação de mercadorias. A Constituição Federal de 1988, nesse sentido, unificou a tributação indireta sobre a circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte e comunicação, bem como fixou os parâmetros básicos da incidência tributária do ICMS, tais como, a competência legislativa tributária, a base de cálculo, as alíquotas, as matérias a serem tratadas por lei complementar, o princípio não cumulativo, as isenções e não incidências, dentre outros, sendo alguns deles tratados nos tópicos subsequentes. 3.3. Incidência Tributária do ICMS Utilizando-se dos preceitos sintetizados no tópico 2.6, a incidência tributária do ICMS somente se dará com a ocorrência do fato jurídico tributário descrito na hipótese normativa e, dessa forma, ter-se-á a subsunção do fato à norma geral e abstrata que será materializado pelo agente competente por meio da linguagem adequada para, assim, criar a norma individual e concreta que desencadeará na criação do vínculo relacional entre os sujeitos. Destarte, para uma análise adequada acerca da incidência tributária do ICMS, importante realizar uma breve síntese dos aspectos de sua regra matriz, ou seja, os aspectos material, pessoal, espacial, temporal e quantitativo, constantes do Texto Constitucional, bem como da Lei Complementar n.º 87/1996. Note-se que, no caso do ICMS, é possível subsumir da Constituição Federal 03 (três) regras matrizes com os seguintes antecedentes normativos passíveis de incidência, conforme leciona Paulo de Barros Carvalho: “a) realizar operações relativas à circulação de mercadorias; b) prestar serviços de comunicação, mesmo que se iniciem no exterior, prestações essas que deverão concluir-se ou ter início dentro dos limites territoriais dos Estados ou do Distrito Federal, identificadas as prestações no instante da execução, da geração ou da utilização dos serviços correspondentes; c) prestar serviços de transportes interestadual ou intermunicipal.” (CARVALHO, 2009, p. 727) Como o propósito do presente trabalho cinge-se a evidenciar a validade das normas jurídicas que concedem benefícios fiscais de ICMS no contexto da Guerra Fiscal travada entre os Entes Federados, convém fixamos a análise acerca da incidência do ICMS nas operações de circulação de mercadorias, mais especificamente nas operações interestaduais. Nesse sentido, temos os seguintes aspectos: Hipótese normativa: Material: realizar operações relativas à circulação de mercadorias. Temporal: momento da circulação das mercadorias. Espacial: âmbito territorial do Estado-membro que ocorreu a circulação. Consequente normativo: Pessoal: como sujeito ativo o Estado membro no qual ocorreu a circulação e sujeito passivo qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadorias. Quantitativo: A base de cálculo é o valor relativo à circulação de mercadoria com a respectiva alíquota incidente. Importante frisar que, conforme preleciona o artigo 155, § 2.º, inciso IV, da Constituição Federal, Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais. Portanto, para que ocorra a incidência do ICMS sobre as operações de circulação de mercadorias interestaduais, impende à ocorrência cumulativa da materialidade da regra matriz, ou seja: “(i) realização de operações (negócios jurídicos pertinentes à transmissão de propriedade ou posse das mercadorias); (ii) circulação jurídica (mutação patrimonial) e (iii) a existência de mercadoria (bem compreendido no efetivo ato mercantil).” (VOGAS, 2011, p. 12), com a posterior fixação dos demais aspectos constantes do consequente normativo. 3.4. A Não Cumulatividade do ICMS Ao dispor sobre a tributação, a Constituição Federal previu alguns limites aos órgãos integrantes do Poder Público Federal, Estadual e Municipal. Tais limites foram criados com o objetivo de impedir aos entes públicos que, ao instituírem e exigirem tributos, não acabem por violar direitos e garantias individuais dos Contribuintes, afastando qualquer atuação discricionária dos administradores. No caso do ICMS, por se tratar de um imposto indireto, que incide sobre a cadeia de consumo relativa à circulação de mercadorias, a Constituição foi além e buscou assegurar aos Contribuintes uma tributação justa, não cumulativa, de tal modo que dispõe em seu artigo 155, § 2.º, inciso I: “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:[…] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;[…] § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;” Dessa forma, nas operações de circulação de mercadorias, deverá ser compensado o tributo devido com o valor cobrado na operação anterior pelo mesmo ou por outro Estado, até a chegada da mercadoria ao Contribuinte final. A sistemática não cumulativa do ICMS também foi fielmente seguida pela Lei Complementar n.º 87/1996, também conhecida como Lei Kandir, que trás em seu bojo as normas gerais acerca do referido imposto: “Art. 19. O imposto é não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. Art. 20. Para a compensação a que se refere o artigo anterior, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo ou ao ativo permanente, ou o recebimento de serviços de transporte interestadual e intermunicipal ou de comunicação.” A não cumulatividade do ICMS não representa apenas uma sistemática de apuração do imposto, mas sim, verdadeiro princípio constitucional explicitamente disposto na Carta Magna, ao passo que sua aplicabilidade é objetiva e obrigatória, com as únicas exceções à sua aplicação dispostas no próprio texto constitucional, isenção e não incidência, conforme disposto no artigo 155, § 2.º, inciso II: “II – a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;” Portanto, é possível aferir que não cabe à Lei Complementar limitar a aplicação de tal postulado constitucional, uma vez que a própria Constituição Federal já delimitou o tema da não cumulatividade do imposto. Nesse sentido Roque Antonio Carrazza é claro ao dispor: “Logo, a lei complementar não pode, sem reservas nem restrições, ir estabelecendo limites ou requisitos para que os contribuintes usufruam das vantagens que o princípio da não-cumulatividade lhes dá. Muito ao invés, deve dispor de forma a assegurar-lhes o pleno exercício do direito de compensação que ele encerra. Contudo, o modo ou a oportunidade a partir da qual tal compensação ocorrerá está fora da alçada do legislador complementar, a quem compete, apenas fixar os procedimentos escriturais que tornarão mais fácil a aplicação do princípio da não-cumulatividade.” (CARRAZZA, 2009, p. 411) Assim sendo, a não cumulatividade do ICMS é um direito dos Contribuintes, assegurado pela Constituição Federal, sendo que, qualquer disposição infraconstitucional que vá de encontro a tal sistemática é manifestamente inconstitucional. 3.5. A Competência do Senado Federal para a Fixação de Alíquotas Interestaduais Para os fins propostos no presente estudo, a análise do ICMS será limitada apenas à sua incidência sobre as operações de circulações de mercadorias, especificamente com origem em estabelecimentos remetentes situados em um dado Ente Federado com destino a estabelecimento sediado em outro Ente Federado, ou seja, operações interestaduais. Como já citado no item 4.3, Resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais, conforme preleciona o artigo 155, § 2.º, inciso IV, da Constituição Federal: “IV – resolução do Senado Federal, de iniciativa do Presidente da República ou de um terço dos Senadores, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, estabelecerá as alíquotas aplicáveis às operações e prestações, interestaduais e de exportação;” Em atendimento ao ditame constitucional, foi editada a Resolução n.º 22/1989 do Senado Federal, que estabeleceu como regra a alíquota de 12% (doze por cento) para as operações interestaduais, e a alíquota de 7% (sete por cento) como exceção para as operações interestaduais realizadas nas regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo: “Art. 1º A alíquota do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, nas operações e prestações interestaduais, será de doze por cento. Parágrafo único. Nas operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, as alíquotas serão: I – em 1989, oito por cento; II – a partir de 1990, sete por cento. Art. 2º A alíquota do imposto de que trata o art. 1º, nas operações de exportação para o exterior, será de treze por cento.” Desse modo, é nítida a busca pela redução das desigualdades regionais, ao passo que os Entes Federados consumidores receberão as mercadorias com uma alíquota inferior aplicada nos Estados remetentes, o que acarretará um crédito menor a ser abatido nas operações internas, com um consequente aumento na arrecadação, como assevera Rosíris Paula Cerizze Vogas: “Com esse mecanismo, os estados destinatários tidos por estados consumidores recebem a mercadoria com menor tributação e, consequentemente, com menor crédito a ser abatido nas operações posteriores a se realizarem no seu interior. Pretende-se, com tal mecanismo, a redução das desigualdades regionais, de modo a ampliar a arrecadação dos estados de regiões menos providas.” (VOGAS, 2011, p. 95) Portanto, as alíquotas incidentes nas operações interestaduais deverão ser devidamente destacadas nos documentos fiscais no percentual de 12% ou 7%, conforme acima disposto, garantindo-se ao estabelecimento destinatário o creditamento de tal percentual em decorrência da sistemática não cumulativa do imposto. 4.BENEFÍCIOS FISCAIS No presente tópico, será realizada uma breve digressão acerca do conceito de benefício fiscal, bem como suas diferentes espécies, com ênfase na validade das legislações estaduais que concedem créditos presumidos de ICMS. 4.1.Conceito de Benefício Fiscal A expressão benefícios fiscais, como todas as expressões veiculadas por meio da linguagem ordinária, contém um alto grau de polissemia, ao passo que o próprio legislador, em sua linguagem técnica, emprega a expressão benefícios fiscais como sinônima de incentivos fiscais, estímulos fiscais, privilégios, auxílios, dentre outras expressões. Cumpre salientar que a imprecisão na utilização dos citados termos pode causar sérios problemas hermenêuticos, uma vez que possibilita a confusão entre os ditos benefícios fiscais e os institutos da isenção e não incidência, assinalados no tópico anterior. Como visto anteriormente, a isenção e a não incidência são as únicas hipóteses de restrição à aplicação do princípio da não cumulatividade no caso do ICMS, nos termos do artigo 155, § 2.º, inciso II, da Constituição Federal. Após tais considerações, passa-se ao conceito que será atribuído a expressão benefício fiscal no presente estudo. Em verdade, analisando semanticamente os termos da expressão benefício fiscal no contexto jurídico, temos benefício como favor, vantagem, ganho, proveito. Portanto, ao se tratar de benefício fiscal, temos uma vantagem relacionada aos tributos, um ganho tributário para o contribuinte, um favor do fisco para o contribuinte, mais ainda, uma desoneração tributária concedida pelo Ente Político almejando atingir determinado interesse público. Assim, Rosíris Paula Cerizze Vogas assevera que os benefícios fiscais podem ser vistos como: “instrumentos de desoneração tributária, aprovados pelo próprio ente político, autorizando à instituição do tributo, por meio de veículo legislativo específico, com o propósito de estimular o surgimento de relações jurídicas de cunho econômico.”. (VOGAS, 2011, p. 55) Os Entes Políticos, dessa forma, concedem os benefícios fiscais para os contribuintes sediados em seus territórios por meio de normas desonerativas tributárias que visam alcançar determinados interesses públicos, tais como investimentos externos, instalação de estabelecimentos em seus territórios, dentre outros. É nesse sentido que leciona novamente Rosíris Paula Cerizze Vogas: “São basicamente três os principais objetivos que os entes políticos buscam alcançar quando concedem incentivos: (i) um modelo de desenvolvimento nacional, visando ao fortalecimento da economia; (ii) um modelo de desenvolvimento regional, com propósitos de integração nacional e recuperação econômica regional e (iii) um política de desenvolvimento setorial, face às particularidade que justificam tratamentos especiais para determinados setores da economia.” (VOGAS, 2011, p. 55) Portanto, no presente trabalho a expressão benefício fiscal será utilizada como sinônima de norma desonerativa tributária, devidamente inserida no sistema de direito positivo por fonte credenciada, que tem por objetivo alcançar determinado interesse público do Ente Político concedente. Passemos a uma rápida análise das espécies de exonerações fiscais para, após, tecer considerações acerca da validade das normas que concedem os referidos benefícios fiscais. 4.2.Espécies exonerativas – Benefícios Fiscais No atual sistema de direito positivo, podemos enumerar as seguintes espécies de espécies exonerativas: (i) imunidade, isenção e não incidência; (ii) isenção parcial; (iii) reduções de base de cálculo e alíquota; (iv) alíquota zero; (v) diferimento; (vi) remissão e anistia; (vii) subvenções e subsídios e (viii) crédito presumido e regimes especiais de tributação, conforme será analisado nos tópicos subsequentes. 4.2.1. Imunidade, isenção e não incidência As imunidades emanam diretamente do texto constitucional. Representam verdadeiros limites ao poder de tributar decorrente da competência tributária. São determinadas situações que o texto constitucional prescreve a não incidência tributária de forma permanente, ou seja, o legislador não pode criar, posteriormente, tributos que tenham como hipótese de incidência tributária situações descritas como imunes. Já quanto às isenções, consoante os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, as normas jurídicas subdividem-se em normas de comportamento (com o consequente diretamente incidente sobre condutas humanas) a e normas de estrutura (com o consequente diretamente incidente sobre outras normas), portanto, a isenção tributária é uma norma de estrutura, de tal modo, a mesma “investe contra um ou mais critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente.” (CARVALHO, 2009, p. 528). A não incidência caracteriza-se por situações que ocorrem no dia a dia e não são alcançadas pela tributação, uma vez que não constituem fato jurídico tributário de nenhum tributo. Pode supervenientemente ser instituída norma tributária que descreva tais situações como fato jurídico tributário de determinado tributo, assim, convolando-se em hipótese de incidência tributária. 4.2.2. Isenção parcial A isenção parcial é tratada, equivocadamente, por parte da doutrina, dos legisladores e por membros do judiciário como espécie do gênero isenção, no caso, isenção total, como tratada no tópico anterior. Ocorre que, em verdade, entende-se que a isenção é um instituto que pode ser equiparado a não incidência, ou seja, é uma norma de estrutura que incide sobre a regra matriz de incidência tributária, fazendo com que a mesma não incida. Dessa forma, não há que se falar em isenção parcial, apenas total. Ou temos uma isenção total, que obsta a incidência tributária, ou não temos isenção. O Supremo Tribunal Federal, indo de encontro ao próprio conceito de isenção, tem admitido reiteradamente a existência da isenção parcial, equiparando-a a uma forma de redução de base de cálculo, bem como tratando a isenção parcial como se total fosse, ao passo que manifesta o entendimento pela possibilidade de estorno dos créditos de ICMS pelos estados nos casos de isenção parcial, nos termos do artigo 155, § 2.º, inciso II, “b” da Constituição Federal (vide AI 669557 AgRg, Relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ 07.05.2010). Entretanto, tal entendimento não deve prevalecer, uma vez que justificar a existência de um instituto denominado isenção parcial e ao mesmo tempo equipara-lo à redução de base de cálculo ou alíquota é subverter o próprio instituto da isenção, que representa uma norma de estrutura que obsta a incidência tributária. 4.2.3. Reduções de base de cálculo e alíquota Como já visto no item 5.2.1, as imunidades e as isenções são espécies exonerativas que operam na hipótese de incidência das normas tributárias, fazendo com que as mesmas deixem de incidir ou sequer existam. Por outro vértice, podemos enumerar espécies exonerativas que atuam no consequente normativo, isto é, acontecido o fato jurídico tributário e ocorrida a subsunção, a norma irá incidir criando a relação jurídica prescrita no consequente normativo, todavia, nos casos de redução de base de cálculo e alíquota, a prestação objeto da obrigação tributária será reduzida. Nesse contexto, não há que se falar em semelhança entre o instituto das isenções e imunidades com a redução de base de cálculo e alíquotas, uma vez que são espécies exonerativas distintas que operam sobre a norma jurídica tributária. Com relação a tal ponto, importante frisar as considerações realizadas por Rosíris Paula Cerizze Vogas ao dispor acerca da questão: “Ademais, cumpre observar que, com a extinção do sistema de alíquotas fixas do antigo ICMS e a consagração do princípio da seletividade, em função da essencialidade das mercadorias pela Constituição Federal (art. 155, § 2.º, III), a redução de base de cálculo não pode simplesmente ser considerada uma desoneração semelhante à isenção, vez que configura uma forma indireta de se estabelecerem alíquotas seletivas para determinadas mercadorias.” (VOGAS, 2011, p. 70) Entretanto, em que pese à profunda diferença existente entre tais institutos, o Supremo Tribunal Federal além de inovar no ordenamento jurídico ao criar a isenção parcial, equiparou-a a redução de base de cálculo, contrariando toda a sistemática de interpretação disposta no artigo 111 do Código Tributário Nacional. 4.2.4.  Alíquota zero Em uma análise inicial, parte da doutrina entende que a alíquota zero é uma espécie exonerativa que se assemelha à isenção. Nesse sentido são os ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho. (CARVALHO, 2009) Entretanto, como já analisado em tópicos anteriores, a alíquota zero, por operar no consequente da norma tributária, em nada assemelha ao instituto da isenção, que opera na própria incidência tributária. Tal posicionamento é fortemente defendido por Sacha Calmon Navarro Coêlho: “Por outro lado, ontologicamente, isenção e “alíquota zero” são mesmo profundamente diversas. A isenção exclui da condição de “jurígeno” fato ou fatos. A alíquota zero é elemento de determinação quantitativa do dever tributário. Se é zero, não há o que pagar. […] A isenção, é de ver, distingue-se da alíquota zero pelo fato de a previsão isencional relacionar-se com a hipótese de incidência da norma (construção jurídica do fato gerador) e a alíquota zero liga-se à descrição do dever tributário, atribuindo-lhe conteúdo de gratuidade.” (COELHO, 2010, p. 146-147) Portanto, a alíquota zero é uma espécie exonerativa autônoma largamente utilizada no desenvolvimento de políticas governamentais decorrentes da extrafiscalidade, aplicando-se, normalmente, a tributos que ostentam uma maior maleabilidade de manipulação pelo Poder Executivo, por exemplo, Imposto de Importação e Imposto sobre Produtos Industrializados, ao passo que a isenção é instituto que obedece à estrita legalidade tributária, devidamente fixada no artigo 176 do Código Tributário Nacional. 4.2.5. Diferimento O diferimento em sua essência não deve ser visto como um benefício fiscal, uma vez que, em verdade, não haverá redução da arrecadação tributária, mas sim, um prazo maior para o recolhimento do tributo. Nesse sentido, entende-se prudente assemelhar os efeitos práticos do diferimento como se uma espécie de moratória fosse. Seja como for, o instituto do diferimento é extremamente alegórico, uma vez que não ostenta previsão legal no texto Constitucional, nem em Leis Complementares e Ordinárias. Importante frisar as palavras de Rosíris Paula Cerizze Vogas acerca da questão: “O diferimento utilizado em seu conceito juridicamente correto e com o necessário rigor técnico, isto é, quando mero alongamento do prazo para pagamento do imposto, em que o recolhimento se dá por aquele que realiza o fato gerador, apesar de ser uma vantagem fiscal, não pode configurar uma espécie de benefícios fiscal, não se constituindo tipo exonerativo, vez que não há redução de carga tributária. Nessa hipótese, sequer se trata de norma de cumprimento obrigatório pelo contribuinte.” (VOGAS, 2011, p. 81) 4.2.6. Remissão e anistia A remissão e a anistia são espécies exonerativas do crédito tributário que encontram expressa autorização no sistema de direito positivo. A remissão, conforme disposto no artigo 156, inciso IV, do Código Tributário Nacional, é causa extintiva do crédito tributário, consistindo no perdão dos débitos tributários pelo sujeito ativo da obrigação tributária. Já a anistia, por sua vez, consiste no perdão das penalidades pecuniárias e é tratada como espécie de excludente do crédito tributário, nos termos do artigo 180 do Código Tributário Nacional. Com relação a tais institutos, convém dispor que ambos necessitam de lei autorizativa de aplicação, uma vez que o crédito tributário é, em regra, indisponível pelo sujeito ativo da obrigação tributária. Por fim, convém dispor que o legislador, ao tratar a anistia como uma forma de excludente do crédito tributário, incorreu em uma grande atecnia legislativa, uma vez que não há qualquer exclusão do crédito tributário, mas sim, uma verdadeira extinção como no caso da remissão. 4.2.7. Subvenções e subsídios As subvenções manifestam-se como uma espécie de doação realizada pela pessoa jurídica de direito público concedente aos contribuintes, tendo por objetivo alcançar algum interesse público específico. Como assevera Rosíris Paula Cerizze Vogas: “A subvenção pode ser definida como uma doação modal cuja destinação é especificada pela pessoa jurídica de direito público concedente, segundo a sua própria conveniência política. Podem ser concedidas como forma de custeio, isto é, verdadeira doação condicionada à realização de certa contrapartida pelo beneficiário ou, ainda, como forma de investimento, ou seja, típico aporte de capitais para transferência de recursos públicos ao ente privado, visando alcançar a finalidade determinada pelo concedente.” (VOGAS, 2011, p. 82) Já o subsídio, ao seu tempo, representa qualquer ajuda oficial realizada pelo governo visando estimular a produtividade e o crescimento em um dado setor econômico. Nesse contexto, independente da controvérsia doutrinária, há o entendimento de que os benéficos fiscais em geral podem ser enquadrados na classe das subvenções, o que, de fato, pode ensejar ainda mais benefícios, como a redução da base de cálculo do Imposto de Renda para os contribuintes já beneficiários de tais benefícios fiscais. 4.2.8.  Crédito presumido e regimes especiais de tributação O crédito presumido consiste em um crédito fictício outorgado ao contribuinte pelo sujeito ativo da exação, pressupondo o pagamento integral do tributo referenciado no crédito outorgado quando, em verdade, o tributo não foi recolhido integralmente. É uma espécie exonerativa indireta que atualmente é a mais utilizada para a concessão de benefícios fiscais de ICMS. Nesse contexto, os fiscos estaduais têm realizado verdadeiras confusões entre a concessão de créditos presumidos e regimes especiais de tributação. Como exemplo, podemos citar o Estado de Goiás que celebra os denominados Termos de Acordo de Regime Especial – TARE a pretexto de conceder um regime especial de tributação aos contribuintes signatários quando, de fato, está concedendo créditos presumidos. Os regimes especiais de tributação não representam forma exonerativa de tributos, mas sim, uma sistemática diferenciada de apuração tributária que tem por objetivo evitar o acúmulo de créditos de tributos não cumulativos. Nesse sentido são os ensinamentos de Rosíris Paula Cerizze Vogas: “Na realidade esses regimes especiais não podem sequer ser equiparados a nenhuma das modalidades de benefícios fiscais existentes. Em regra, essa é uma fórmula encontrada por alguns fiscos para evitar o acúmulo de crédito de ICMS, decorrente da incidência de alíquotas interestaduais diferenciadas e o consequente endividamento dos estados. Obviamente sem a contrapartida de uma solução ágil e eficaz para pagamento de seus contribuintes, severamente penalizados pelo total menosprezo, por parte dos entes políticos, a esse grave problema do Sistema Tributário no Brasil. Tais regimes permitem uma moralização sistêmica, na medida em que garantem o direito à recuperação de créditos de ICMS ou estanca o seu acúmulo, de forma compensatória e não incentivatória.” (VOGAS, 2011, p. 75) Portanto, os créditos presumidos representam uma verdadeira ficção criada pelos entes tributantes visando atrair investimentos privados para os seus respectivos territórios. Em regra, reduzem a carga tributária e em nada se assemelham aos regimes especiais de tributação, que representam um legítimo instrumento do Poder Executivo para oferecer opções de sistemáticas de tributação que evitam o acúmulo de créditos. No caso dos benefícios fiscais de ICMS por meio de créditos presumidos, a concessão se dá, na maioria das vezes, por leis ou decretos estaduais que concedem a opção ao contribuinte de ser signatário de TARE que estipulam os créditos que serão concedidos, bem como os ônus assumidos pelo contribuinte para a fruição do acordo (como estorno de créditos referentes as entrada, contribuições a fundos específicos, dentre outros). 4.3.Limitações à Concessão de Benefícios Fiscais de ICMS Como já referenciado em tópico anterior, tendo em vista o ICMS representar uma das maiores fontes de arrecadação dos estados, a Constituição Federal deu um tratamento privilegiado ao mesmo, dispondo exaustivamente as linhas gerais de sua incidência, arrecadação e fiscalização. O texto constitucional foi firme ao dispor acerca das limitações à concessão de benefícios fiscais de ICMS, reduzindo a autonomia dos Estados, conforme a disposição do artigo 155, § 2.º, inciso XII, “g”, cabendo à Lei Complementar regulamentar a forma de concessão, exigindo que qualquer concessão de benefícios fiscais de ICMS deva ser precedida de deliberação conjunta dos Estados e do Distrito Federal. Atualmente, a deliberação conjunta é realizada por meio de convênios no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. O CONFAZ é órgão estruturado pelo Ministério da Fazenda, com a participação dos Secretários Estaduais da Fazenda de todos os Entes Federativos, conforme regulamentação dada pela Lei Complementar n.º 24/1975. Entretanto, em que pese a referida limitação imposta pela Constituição Federal e regulamentada pela Lei Complementar n.º 24/1975, alguns Estados, visando atrair os investimentos decorrentes do capital externo, concedem os mais variados benefícios fiscais para os contribuintes sediados em seus respectivos territórios mediante leis ou atos governamentais internos sem a aprovação do CONFAZ. Note-se que, os Estados detêm autonomia legislativa para conceder os referidos benefícios fiscais, todavia, quando concedidos à revelia do CONFAZ, afrontam diretamente o comando constitucional regulamentado pela Lei Complementar n.º 24/1975, sendo passível de questionamento constitucional em controle difuso por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN. Entretanto, alguns Estados, visando retaliar a concessão dos benefícios fiscais sem aprovação do CONFAZ, utilizam-se de vias inadequadas, criando legislações restritivas ao crédito de ICMS que foi devidamente destacado em documentos fiscais idôneos e que é oriundo de operações interestaduais com remetentes de mercadorias que estão sediados em Entes Federativos que detêm os referidos benefícios fiscais com base em legislações plenamente válida dos Entes Federativos concedentes. 4.3.1. A validade das normas concessivas de Benefícios Fiscais de ICMS Como visto no tópico 2.5 do presente estudo, afirmar que uma norma jurídica é válida significa garantir que a mesma é um elemento do conjunto das normas jurídicas, isto é, que ostenta a relação de pertinência com o conjunto de normas jurídicas que forma o denominado sistema de direito positivo, portanto, norma válida é norma que existe no sistema. Dessa forma, quando os Estados concedem mediante legislação própria benefícios fiscais de ICMS sem a devida aprovação do CONFAZ, os mesmos estão violando os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais acima dispostos, todavia, não deixam de inserir a norma jurídica no sistema de direito positivo, logo, passível de produzir os seus respectivos efeitos em face dos demais Entes Federativos, bem como dos administrados. Pensar de outra forma seria uma afronta direta ao princípio da autonomia legislativa dos Estados, pilar da estrutura organizacional do Estado Brasileiro. Assim, as normas concessivas de benefícios fiscais de ICMS sem aprovação do CONFAZ, mesmo que eivadas de inconstitucionalidades, foram inseridas no sistema de direito positivo por meio de órgão competente e mediante o procedimento adequado, razão que, por si só, enseja o respeito pelos demais Entes Federados e a possibilidade de irradiação de seus efeitos sobre os contribuintes. Caso um Ente Federado se sinta lesado pela referida legislação, deverá questioná-la pela via adequada da ADIN e não restringir os créditos dos contribuintes como inúmeros estados têm realizado, uma vez que a legislação que concede os referidos créditos presumidos é válida no sistema de direito positivo posto. CONSIDERAÇÕES FINAIS No curso do presente trabalho vislumbrou-se, mesmo que sinteticamente, o sistema de direito positivo como um complexo conjunto de normas jurídicas que visam regrar as condutas intersubjetivas, sendo tais normas inseridas ou retiradas do sistema por meio das fontes do direito, isto é, as autoridades credenciadas pelo próprio sistema, por meio dos procedimentos adequados para tanto. Nesse ponto, conceituou-se a validade da norma jurídica como a existência da mesma no sistema de direito positivo, isto é, quando a norma ostenta a relação de pertinência com o conjunto de normas jurídicas que forma o sistema, estando apta a desencadear todos os seus efeitos. Em continuidade, passou-se ao estudo acerca dos aspectos gerais e específicos do ICMS no bojo do texto constitucional, com objetivo de enfatizar a sistemática de concessão de benefícios fiscais pelos Entes Federativos, especificamente com relação às normas jurídicas concessivas de créditos presumidos de ICMS que necessitam da prévia aprovação do CONFAZ. Nesse espeque, os Entes Federativos em muitos casos extrapolam a sua competência legislativa e concedem benefícios fiscais mediante legislações internas sem a prévia aprovação do CONFAZ, ensejando a retaliação pelos demais Entes Federativos com a comumente denominada Guerra Fiscal realizada por meio da glosa dos créditos. Ocorre que, os contribuintes se valeram das legislações internas concessivas de benefícios fiscais que são plenamente válidas no sistema de direito positivo, razão que, no mínimo, enseja o respeito da legislação concessiva dos referidos benefícios pelos demais Entes Federados, uma vez que, se um Ente Federado se sinta lesado pela referida legislação, deverá questioná-la pela via adequada da ADIN e não restringir os créditos dos contribuintes como inúmeros estados têm feito.
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A substância e o propósito negocial como elementos legitimadores do planejamento fiscal internacional – Análise do Caso Marcopolo
O presente artigo constitui o trabalho final de conclusão de curso apresentado como requisito para obtenção do certificado de Pós-graduação em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas – FGV. O foco deste trabalho repousa sobre a análise da doutrina e do posicionamento adotado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF no Caso Marcopolo, através dos quais se buscou delinear alguns elementos de suma importância para caracterização da substância e do propósito negocial e, consequentemente, para configuração de um planejamento tributário lícito e legítimo. O caso gerador objeto do presente estudo foi baseado no famoso “Caso Marcopolo”, julgado no final de 2011 pelo CARF, tendo como principal tema a identificação de elementos legitimadores do planejamento fiscal internacional, notadamente em casos de vinculação intragrupo ou entre partes relacionadas[1].
Direito Tributário
Introdução Com base em pesquisas doutrinárias e jurisprudenciais no âmbito do CARF, foram delineados elementos necessários à caracterização da substância e do propósito negocial e, consequentemente, à configuração de um planejamento tributário lícito e legítimo, notadamente em casos de vinculação intragrupo ou entre partes relacionadas. Para tanto, buscou-se analisar e contrastar os argumentos utilizados nos Acórdãos n° 105-11.084 proferido pelo Primeiro Conselho de Contribuintes e nº 1402-00.752, proferido no bojo do processo nº 11020.004863/200719, pela 4ª Câmara da Primeira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 1. CASO GERADOR O dois casos geradores utilizados no presente trabalho referem-se adois casos reais, conhecidos pelo termo “Caso Marcopolo”. O primeiro deles foi julgado em 2008 pelo antigo Conselho de Contribuintes. O segundo foi julgado em 2011 pelo atual Conselho Administrativo de Recusros Fiscais, que o sucedeu. Ambos os casos dizem respeito a operações realizadas por trading companies no âmbito do cenário internacioal, e possuem o mesmo cenário fático: uma empresa brasileira “A”, fabricante de um determinado produto industrial (carrocerias de ônibus), realizava vendas desses produtos para as sociedades “B” e “C” (trading companies), por ela controladas e domiciliadas estrategicamente em países de tributação favorecida. As empresas controladas “B” e “C” eram domiciliadas, respectivamente, nas Ilhas Virgens Britânicas e no Uruguai. Por sua vez, ambas as empresas intermediavam negociações e revendiam os produtos industriais adquiridos da empresa brasileira “A” para clientes no exterior, os quais eram os importadores finais do bem[2]. Nesta operação, a mercadoria (carroceria) não chegava a ser fisicamente transferida às controladas. De fato, a empresa brasileira “A”, por conta e ordem das suas controladas – que, em tese, adquiriram os produtos industriais –, os remetia diretamente aos importadores finais, mediante exportação por conta e ordem. Contudo, os custos de venda e de assistência técnica eram suportados pelas tradings “B” e “C”, as quais detinham legitimidade, inclusive, para realizar a cobrança em caso de inadimplemento. A operação pode ser sintetizada pelo seguinte quadro esquemático, elaborado pelo Conselheiro Moisés Giacomelli Nunes da Silva, utilizando os nomes reais das empresas envolvidas[3]: De um lado, o Fisco alega que, na verdade, o importador final negociava diretamente com a empresa brasileira Marcopolo S.A., de modo que a utilização das tradings MIC e ILMOT pela Marcopolo como intermediadoras da operação ocorria apenas após a efetiva concretização da negociação. Vale dizer: na visão do Fisco, as empresas MIC e ILMOT funcionavam como verdadeiras Centrais de Refaturamento[4], que só eram utilizadas pela Marcopolo com o intuito de subfaturar os preços praticados e mascarar formalmente negócios que, na essência, correspondiam a operações diretas entre a Marcopolo S.A. e seus importadores finais. Ou seja, simulava-se a participação das Centrais de Refaturamento na operação de exportação, de forma que as tradings MIC e ILMOT aparentassem estar adquirindo um produto da Marcopolo para revendê-lo para importador final. Assim, segundo a Receita, o contribuinte teria incorrido em omissão de receita a partir da realização de um planejamento tributário ilícito, através de simulação por interposta pessoa. De outro lado, o contribuinte se defende, alegando que a simples domiciliação de tradings em países de tributação favorecida não revela, por si só, indicativo de simulação ou de planejamento tributário ilícito. Tal opção teria sido adotada desde a década de 1990 como estratégia de expansão comercial e internacionalização do Grupo. Ademais, segundo a Marcopolo, teria havido a efetiva participação e intermediação das tradings  MIC e ILMOT nas operações de exportação, o que desqualificaria a alegação do Fisco de simulação. Da mesma forma, descaracterizada restaria a alegação de omissão de receita, haja vista que os valores constantes das notas fiscais emitidas nas operações de exportação para as tradings correspondiam aos preços efetivamente praticados, tendo sido observadas tanto a sistemática do preço de transferência quanto o método da equivalência patrimonial. Feito este breve sumário do caso gerador, a proposta do presente trabalho é de analisar os posicionamentos adotados em ambos os julgamentos, ajudando a evidenciar e a realçar, na prática, como a temática da substância e do propósito negocial tem sido tradada pelo principal tribunal administrativo especializado em direito tributário do país. 2. A QUESTÃO DA SUBSTÂNCIA E DO PROPÓSITO NEGOCIAL NO PLANEJAMENTO FISCAL 2.1 Visão geral: a prevalência da substância sobre a forma Apesar de não encontrar guarida expressa no direito positivo e na jurisprudência nacionais, a expressão “substância da pessoa jurídica” consagrou-se na prática internacional, notadamente como uma manifestação da doutrina da prevalência da substância sobre a forma – tradicionalmente conhecida nos países anglo-saxônicos como substance over form doctrine[5]. Na lição de Alberto Xavier[6], “substância é conceito que exprime a relação de adequação da estrutura da empresa às funções que constituem seu objeto social”, devendo ser analisada caso a caso, e não de forma genérica. Sobre o assunto, o professor ensina: “É evidente que os meios humanos e materiais adequados ao exercício, por uma pessoa jurídica, de uma função de pura holding não são comparáveis aos necessários ao exercício de uma atividade industrial: enquanto a holding é um puro centro abstrato de imputação de direitos, a atividade industrial requer um estabelecimento, isto é, um complexo de pessoas e bens organizado para o exercício da empresa (art. 1142 do Código Civil), que é a atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços (art. 966 do Código Civil).” Nesse sentido, o Fisco tem se mostrado bastante eficiente na verificação in casu de utilização, pelos contribuintes, de uma estrutura jurídica – forma – efetivamente atrelada a uma realidade concreta – substância. Do contrário, caso seja constatada na estrutura jurídica utilizada pelo contribuinte um falseamento da realidade, com prevalência da forma em detrimento da substância, restará caracterizada simulação relativa por interposição fictícia de pessoa, cuja prova constitui ônus do Fisco. Assim, uma vez comprovada a ausência de substância, poderá o Fisco – representando o Estado como terceiro prejudicado pelos reflexos externos produzidos pelas relações jurídicas privadas[7] –  promover a desconsideração da entidade interposta, utilizando como fundamento o inciso I, do § 1º do artigo 167 do Código Civil[8]. A doutrina costuma citar o caso Cadbury Schweppes como paradigma moderno da substance over form doctrine. Na ocasião, o Tribunal de Justiça da União Europeia garantiu ao Grupo Caldbury que duas de suas subsidiárias instaladas na Irlanda se beneficiassem de regime fiscal mais favorável lá existente, sob pena de se violar o princípio da isonomia e a liberdade de estabelecimento[9]. Para o Tribunal, tal liberdade só cessaria onde houvesse a ocorrência de wholly artificial arrangement, expressão que tem sido desenvolvida em vários países membros da União Europeia como significado de genuína existência de atividade econômica exercida através de um estabelecimento que efetivamente utilize recursos materiais e humanos[10]. Desta forma, a liberdade do contribuinte passa a ser condicionada e limitada pelo Direito Civil e Tributário constitucionalizados, notadamente em razão do princípio da boa-fé e da função social da propriedade. Assim, passa o contribuinte a ter que se utilizar dos institutos de direito privado de forma transparente e realística perante o Fisco – de acordo com os parâmetros impostos pela vedação expressa do abuso de direito e do abuso de formas previstos no Código Civil[11]. Com o intuito de desconsiderar planejamentos tributários que envolvam atos e negócios jurídicos adotados com exclusivo propósito de evitar a incidência tributária, o Fisco tem se utilizado – em conjugação com a doutrina da substância econômica – de outra doutrina igualmente salutar, qual seja, a doutrina do propósito negocial. Esta última doutrina, conhecida como business purpose doctrine, é oriunda do direito norte-americano como resposta do Estado frente a um contexto de frequentes reestruturações societárias ocorridas nos Estados Unidos. Em suma, a doutrina do propósito negocial assevera que a mera concordância dos atos e negócios jurídicos com a letra fria da lei tributária é inapta a embasar uma economia tributária válida[12]. O seu principal fundamento também reside na necessidade de equivalência entre a formalidade e a realidade dos atos e negócios jurídicos, mas com um plus: a simples economia de tributos não legitima nem justifica, de per se, o planejamento tributário. Na verdade, o planejamento tributário, para ser válido e legítimo, deve encontrar suporte em razões fático-negociais oriundas da atividade econômica da empresa e do seu objeto social, que resultem em uma otimização ou aperfeiçoamento da prática empresarial. Ambas as doutrinas tiveram como berço o leading case “Gregory v. Helvering”[13], julgado pela Suprema Corte norte-americana, decidido em 07.01.1935. Sobre o tema, Marcus Abraham, citando ensinamentos do doutrinador João Dácio Rolim[14], comenta que as doutrinas da substance over form e do business purpose foram “estendidas à Alemanha, Inglaterra, França e Itália, dentre outros países, em cada qual, com bases distintas, utilizando noções de abuso de direito e de formas, simulação e fraude à lei”. Destarte, diante da conjugação de ambas as doutrinas, chega-se à conclusão de que a  forma adotada pelo contribuinte em determinada operação não pode ser utilizada como camuflagem para ocultar o real objetivo, qual seja, a simples economia do tributo. Nesse caso, legitima-se a atuação do Fisco, que terá o ônus de provar a ausência de substância e/ou de propósito negocial, e buscará aplicar a lei elidida ao fato que efetivamente ocorreu (ocultado). 2.2 O propósito negocial no contexto do direito tributário constitucionalizado A Constituição não se limita mais a organizar o Estado e a delimitar os direitos individuais – característica marcante do Estado Liberal. Antes, passa a ocupar o centro do ordenamento jurídico, expandindo com força normativa seus valores por todo o sistema jurídico. Essa eficácia expansiva dos postulados constitucionais ocasiona uma reformulação e uma reinterpretação dos institutos de todos os demais ramos infraconstitucionais do direito. Assim, toda a ordem jurídica deve ser apreendida, compreendida e reinterpretada sob a lente da Constituição, realizando os valores nela consagrados. A esse fenômeno se dá o nome de filtragem constitucional ou, como é mais usual, constitucionalização do direito[15]. De acordo com o professor Luís Roberto Barroso[16], a ideia de constitucionalização do Direito “está associada a um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico […], passando a condicionar a validade e o sentido de todas as normas do direito infraconstitucional”. Por esse prisma, não apenas a atividade tributária do Estado Fiscal é limitada pelos direitos fundamentais do contribuinte – eficácia vertical dos direitos fundamentais –, mas também a atividade de planejamento dos contribuintes passa a ser limitada pelos valores constitucionais irradiados por todo o sistema – eficácia horizontal dos direitos fundamentais[17]. Isto porque, com o fenômeno da constitucionalização, os direitos fundamentais passam a ser comandos destinados não apenas ao Estado, mas também a atores não-estatais envolvidos em relações privadas. Nesse sentido, Ingo Sarlet[18] ensina que “para além de vincularem todos os poderes públicos, os direitos fundamentais exercem sua eficácia vinculante também na esfera jurídico-privada, isto é, no âmbito das relações jurídicas entre particulares”. Desta feita, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais ganha especial relevo sobre as relações jurídicas travadas entre particulares para elaboração dos planejamentos tributários dos contribuintes, os quais deverão observar entre si deveres fundamentais e legitimadores do planejamento realizado. Nesse contexto, para ser oponível ao Fisco, não basta que o conjunto dos atos e negócios jurídicos perpetrados pelos particulares com o intuito de proporcionar economia de tributos seja lícito ou respeite as possibilidades e formas legais. É preciso o plus da legitimidade, a qual será alcançada principalmente com a efetiva adequação entre a estrutura jurídica utilizada – forma – e a realidade concreta – substância, bem como pela observância de princípios como a função social do contrato, a probidade e a boa-fé[19]. Vale dizer, as doutrinas da prevalência da substância sobre a forma bem como do propósito negocial possuem importante função legitimadora do planejamento tributário, o qual deve conformar-se às razões fático-negociais oriundas da atividade econômica da empresa e do seu objeto social. Assim, da mesma forma que uma sociedade empresária não pode ter como seu objeto social a única e exclusiva função de economizar tributos, eventuais operações societárias fundamentadas nesse único objetivo carecem de substância e, como tal, poderão ser desconsideradas pelo Fisco em razão do descumprimento de princípios norteadores do sistema, tais como função social do contrato, probidade e boa-fé. Sob esse prisma, o doutrinador Marcus Abraham[20] afirma que toda a estrutura do direito privado já revela, por si só, mecanismos antielisivos que funcionam tanto como uma norma geral antielisiva autônoma – se isoladamente considerados – quanto como uma norma geral antielisão sistematizada – se conjuntamente. O ápice dessa sistemática de normas gerais antielisivas encontra-se no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional – CTN, que autoriza a autoridade administrativa a desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária[21]. Dessa forma, o artigo 116, parágrafo único do CTN, bem como os princípios e institutos do Código Civil de 2002 – dentre os quais se incluem a função social da propriedade e dos contratos, a boa-fé objetiva, o abuso de direito e de formas, a fraude à lei, a simulação e a ausência de motivos negociais – passam a exercer típica função de norma geral antielisiva. Tal arcabouço civil-constitucional dota de fundamentos sólidos as teorias da falta de propósito negocial e da prevalência da substância sobre as formas. 2.3 Breves aspectos sobre a elisão fiscal internacional A elisão fiscal internacional envolve um duplo pressuposto: (i) a existência de dois ou mais ordenamentos tributários, dos quais um ou mais se apresentam como mais favoráveis que o outro em uma dada situação concreta; e (ii) a faculdade de eleição pelo contribuinte da ordem tributária aplicável, de modo que sua escolha influencie no elemento de conexão traduzido num fato jurídico que arraste a aplicação do ordenamento mais favorável[22]. A elisão, no direito internacional, admite duas modalidades: subjetiva, através da utilização de um elemento de conexão subjetivo, como a residência ou o domicílio do contribuinte; ou objetiva, através da utilização de um elemento de conexão objetivo, como o local onde se situa a fonte de produção ou de pagamento de um rendimento (local de exercício da atividade)[23]. Importa observar, também, que a elisão fiscal internacional – na visão de Alberto Xavier[24] – não se confunde com as figuras da simulação, da fraude e do abuso de direito, verbis: “Com a simulação, porque nesta há sempre uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada, enquanto na figura em causa os efeitos dos atos jurídicos correspondem precisamente à vontade real de quem os praticou; com a fraude, porque nesta há uma violação direta e frontal das normas jurídicas (falsas declarações, falso balanço, operações fictícias etc.); com o abuso de direito, por não estar em causa um direito subjetivo cujo exercício seja antissocial ou danoso, mas uma esfera de liberdade do particular na escolha dos meios oferecidos pelo direito para a realização dos seus interesses. Pode, porém, suceder que, para obtenção dos seus fins, as partes celebrem negócios jurídicos indiretos, ou seja, utilizem estruturas negociais típicas de direito interno ou estrangeiro para atingir fins que lhe são típicos.” Especificamente sobre a simulação, adverte o autor que, nos comportamentos elisivos internacionais, não ocorre, como regra, a figura da simulação, uma vez que não costuma existir qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada. Vale dizer, o que as partes pretendem é exatamente aquilo que ostensivamente realizam. Contudo, “o resultado que realmente pretendem redunda numa economia de imposto obtida por atos ou conjuntos de atos (step by step transactions), em si mesmo válidos, mas reputados ardilosos, engenhosos, oblíquos, indiretos ou abusivos”[25]. Nesse particular, o Fisco internacional costuma se valer da step transaction doctrine, não avaliando isoladamente os atos em si, mas os analisando como uma fase ou mera etapa de um negócio jurídico único, mais abrangente e complexo, cuja unidade de propósito seria exclusivamente a economia de tributos. Desta forma, ainda que os atos e negócios jurídicos individualmente considerados possam receber um tratamento tributário menos oneroso, o Fisco se atém ao seu resultado final, considerando-os em conjunto e a eles atribuindo a mesma carga tributária que seria aplicável caso fossem praticados como um único negócio jurídico – uma vez que todos eles visam o mesmo objetivo finalístico[26]. É exatamente no tema da elisão fiscal internacional que se insere a questão da manipulação artificial dos elementos de conexão pelos contribuintes e, em contrapartida, a reação dos países que seriam competentes para tributar uma dada situação caso o planejamento tributário não houvesse se utilizado do artifício de manipular os elementos de conexão. Essa reação se dá, em regra, de duas formas: pela intensa cooperação entre os Estados e sua recíproca assistência administrativa internacional em matéria tributária[27]; e pela utilização das chamadas cláusulas especiais antielisivas, em que a conduta que se pretende evitar é tipificada de modo expresso, tanto nas leis internas, quanto nos tratados internacionais[28]. No que toca às cláusulas especiais antielisivas presentes no direito interno, Alberto Xavier[29] aduz, verbis: “São exemplos, no Direito interno, as que, pela técnica das presunções ou ficções, consideram alguém como sendo ainda residente num país quando já transferiu o seu domicílio para um território de baixa tributação (“responsabilidade fiscal alargada” para combater um “abuso de domicílio”); as que determinam a inversão do ônus da prova quanto à existência e razoabilidade de despesas feitas em favor de residentes em paraísos fiscais; as que determinam a desconsideração da personalidade jurídica ou a transparência fiscal internacional de sociedades-base domiciliadas em paraísos fiscais, como forma de prevenir o diferimento da tributação; as que consagram presunções legais em matéria de subcapitalização ou de preços de transferência, a fim de evitar a criação artificial de despesas financeiras ou a manipulação também artificial de preços entre pessoas que entre si mantêm relações especiais de influência.” Em relação às cláusulas especiais antielisivas presentes nos tratados internacionais, o autor[30] prossegue: “Também nos dedicamos ao estudo de normas convencionais que têm marcado caráter antielisivo, destinadas a prevenir o chamado “abuso” ou “uso impróprio dos tratados”, de que constituem exemplos as cláusulas tendentes a cercear a prática do treaty shopping, restringindo os requisitos de aplicação dos tratados apenas a certas categorias de residentes num certo país (cláusulas do beneficiário efetivo, cláusulas de exclusão, cláusulas de limitação de benefícios etc.) ou contrariando as práticas do chamado rule shopping, pela recusa de aplicação do tratado a certos tipos de rendimentos quando a criação ou transmissão dos direitos a eles relativos obedeça ao propósito exclusivo de se beneficiar do regime convencional mais favorável.” Outra questão igualmente importante é a que diz respeito ao aparente conflito que pode existir entre as normas gerais antielisivas internas e os tratados internacionais contra a dupla tributação. Para Xavier[31], a norma antielisiva envolve uma questão prévia de direito interno, qual seja, aferir se o ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte é ou não eficaz perante a Administração Tributária. Tal aferição é logicamente antecedente à subsunção do ato ou negócio ao tratado. Assim, se determinado ato – antes qualificado e subsumido em disposição do tratado – vier a ser declarado inoponível ao Fisco, este deverá requalificá-lo diante do tratado. Nesse caso, a inaplicação do tratado não ocorrerá de modo direto, mas consequencial. Portanto, por esse prisma, as normas gerais antielisivas internas não afetariam os tratados, tendo em vista que a aplicação ou inaplicação destes pressupõe, respectivamente, a caracterização ou descaracterização de existência, validade e eficácia dos atos e negócios jurídicos. Tema correlato diz respeito à possibilidade de os tratados contra a dupla tributação estabelecerem cláusula geral que autorize os Estados contratantes a recusar a sua aplicação quando houver manipulação artificial dos elementos de conexão pelos contribuintes – especialmente nos casos em que a conduta não esteja expressamente tipificada em cláusula convencional nem venha a ser declarada ineficaz por norma interna antielisiva. Nesses casos, para alguns autores[32], haveria abuso do próprio tratado e não da lei interna, e o principal fundamento que legitimaria a desconsideração das operações artificiais – cujo objetivo é atrair o regime mais favorável do tratado – residiria, segundo esses autores, no próprio objeto e propósito dos tratados, bem como na obrigação de interpretá-los de boa-fé, conforme determinam os arts. 26 e 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados[33]. Especificamente nesses casos, a inaplicabilidade dos tratados ocorreria de modo direto e imediato. Não obstante, Xavier[34] discorda desse entendimento doutrinário, e não admite a existência, na atual fase do Direito Internacional Público, de cláusulas gerais antielisivas implícitas nos tratados contra a dupla tributação. O autor questiona, inclusive, a utilização da cláusula de boa-fé prevista na Convenção de Viena como cláusula geral antielisiva, taxando-a de inconstitucional, verbis: “Cremos, porém, que é ir longe demais pretender a existência de uma cláusula geral antielisiva embutida implicitamente em todos os tratados contra a dupla tributação e que pudesse conduzir à recusa da sua aplicação por um Estado, mesmo na ausência de normas especiais antielisivas, pela invocação de um motivo exclusivo ou preponderante de economia de imposto pelos particulares, motivo esse – note-se – que não conduziu à aplicação de cláusula geral antiabuso de Direito interno, seja em razão de sua inexistência, seja em razão da ausência de pressupostos de sua aplicação. Invoca-se, por vezes, a cláusula de boa-fé consagrada na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, seja no art. 26 – pacta sunt servanda – segundo a qual “cada tratado em vigor vincula ambas as partes e deve ser cumprido por eles de boa-fé” – seja ainda no art. 31 – “um tratado deve ser interpretado de boa-fé, de acordo com o sentido usual que deve ser dado aos termos do tratado no seu contexto e à luz do seu objeto e propósito”. A cláusula de boa-fé desempenha, pois, uma dupla função no Direito dos Tratados: uma, relativa ao modo de cumprimento do acordo pelas partes – os Estados contratantes; outra, relativa à interpretação dos próprios acordos. Ora, a boa-fé na primeira das aludidas funções – pacta sunt servanda – nada tem a ver com o problema da elisão fiscal, que respeita às relações dos particulares com os Estados […] e não às relações dos Estados entre si. […] É que a boa-fé é um standard de comportamento entre pessoas vinculadas por obrigações recíprocas, padrão esse que decorre da celebração de um ato jurídico (o tratado) de que os cidadãos particulares não são partes, mas meros destinatários. A elisão respeita a um comportamento do particular perante o Estado, o qual é regido, em primeira linha, pelo Direito Constitucional desse Estado. Também como regra de hermenêutica não vemos como seja possível invocar a boa-fé para efeitos de combate à elisão, pois este não é, definitivamente, nem o objeto nem o propósito dos tratados. O objeto e o propósito dos tratados é, isso sim, evitar a dupla tributação e também prevenir a evasão fiscal. […] Seja, porém, como for, uma cláusula deste tipo, explícita ou implícita, é inconstitucional em face do ordenamento jurídico brasileiro.” Como se pode perceber, Xavier homenageia os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação como fundamento para defender que a liberdade dos particulares remanesce protegida para manejarem, modelarem, localizarem ou deslocarem as conexões relevantes para efeitos tributários. Contudo, deve-se ressaltar que essa liberdade dos contribuintes deve sempre estar atrelada à substância e à conveniência negocial, em respeito às doutrinas da prevalência da substância sobre a forma e do propósito negocial – que constituem testes legitimadores do planejamento fiscal lícito, para que determinados atos, negócios ou entidades não sejam constituídos para uso impróprio dos tratados. 3. A SUBSTÂNCIA E O PROPÓSITO NEGOCIAL NA JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA ESPECIALIZADA Dois casos reais – o primeiro julgado pelo antigo Conselho de Contribuintes e o segundo julgado pelo atual Conselho Administrativo de Recusros Fiscais, que o sucedeu – evidenciam e realçam, na prática, como a temática da substância e do propósito negocial tem sido tradada pelo principal tribunal administrativo especializado em direito tributário do país. Passamos, agora, à análise de ambos. 3.1 Julgamento do Caso Marcopolo pelo Conselho de Contribuintes O primeiro caso concreto – que deu origem ao famoso e conhecido termo “Caso Marcopolo” – foi analisado pela 5ª Câmara do então Primeiro Conselho de Contribuintes, em junho de 2008, tendo como pano de fundo operações realizadas nos anos de 1999 e 2000 por tradings no âmbito do comércio internacional[35]. O cenário era o seguinte: uma empresa brasileira “A”, fabricante de um determinado produto industrial (carrocerias de ônibus), realizava vendas desses produtos para as sociedades “B” e “C” (trading companies), por ela controladas e domiciliadas estrategicamente em países de tributação favorecida. As empresas controladas “B” e “C” eram domiciliadas, respectivamente, nas Ilhas Virgens Britânicas e no Uruguai. Por sua vez, ambas as empresas intermediavam negociações e revendiam os produtos industriais adquiridos da empresa brasileira “A” para clientes no exterior, os quais eram os importadores finais do bem[36]. Importante frisar que, na operação, a mercadoria (carroceria) não chegava a ser fisicamente transferida às controladas. Na verdade, a empresa brasileira “A”, por conta e ordem das suas controladas – que, em tese, adquiriram os produtos industriais –, os remetia diretamente aos importadores finais, mediante exportação por conta e ordem. Atento à operação, o Fisco alegou simulação por interposição fictícia de terceiras pessoas, ou seja, a defesa da Receita Federal baseou-se no argumento de que as vendas realizadas no exterior pelas empresas controladas “B” e “C” eram operações de fachada – dotadas de forma, mas sem qualquer substância – que visavam unicamente encobrir vendas diretas da empresa brasileira “A” aos importadores finais no exterior. Essas vendas simuladas, na alegação do Fisco, teriam sido realizadas com subfaturamento, o que caracterizaria flagrante omissão de receitas e consequente redução da carga tributária perante o Fisco brasileiro. A alegada redução de carga tributária pode ser ilustrada pelo seguinte exemplo: suponha-se que a mercadoria seja exportada pela empresa “A” para a controlada no exterior “B” por R$ 100 mil. Esta, posteriormente, revende o mesmo produto ao importador final por R$ 115 mil. Tal operação impede que a diferença – no caso, R$ 15 mil – seja tributada no Brasil. De acordo com a Receita Federal, o contribuinte teria se utilizado de um artifício formal cujo único objetivo era reduzir o valor de exportações feitas, na realidade, diretamente do Brasil. Vejamos a ilustração utilizada pelo Fisco[37]: A alegação do Fisco de simulação por interposta pessoa foi pautada por indícios materiais, muito bem sintetizados por Alberto Xavier[38], a quem citamos: “(i) O fato de as empresas intermediárias serem sociedades off-shore localizadas em paraísos fiscais, onde é corrente a prática das “centrais de refaturamento” (reinvoicing centers); (ii) Tais sociedades intermediárias não terem instalações próprias, corpo operacional efetivo, funcionando em escritórios de prestadores de serviços; (iii) Os serviços de assistência técnica aos clientes serem efetivamente fornecidos pela empresa controladora brasileira; (iv) Inexistência de contratos escritos de venda formalizados entre a empresa brasileira e as empresas estrangeiras; (v) As mercadorias serem objeto de remessa física direta para os importadores finais, sem transitar pelas intermediárias; (vi) Os documentos das empresas controladas serem emitidos no Brasil e oriundos de funcionários da empresa brasileira, mandatários das “intermediárias”, que não teriam recebido remunerações destas, mas somente da empresa brasileira.” Diante da constatação de indícios de ausência de substância e propósito negocial, a 5ª Câmara do então Primeiro Conselho de Contribuintes proferiu o Acórdão n° 105-11.084, cuja ementa se reproduz: “EXPORTAÇÕES PARA PESSOAS VINCULADAS – INEXISTÊNCIA. SIMULAÇÃO – As declarações de vontade de mera aparência, reveladoras da prática de ato simulado, uma vez afastadas, fazem emergir os atos que se buscou dissimular. No caso vertente, em que a contribuinte construiu de forma artificiosa operações de exportação para empresas sediadas em países que adotam tratamento fiscal favorecido, o abandono da intermediação inexistente impõe a tributação das receitas omitidas, resultante da diferença entre o montante efetivamente pago pelo destinatário final e o apropriado contabilmente pela fornecedora do produto.” Como se pode perceber, na ocasião, o então Conselho de Contribuintes encampou a tese da Fazenda, mantendo a autuação perpetrada sob a conclusão de que a empresa brasileira Marcopolo S.A. (no exemplo, denominada empresa “A”) não conseguiu comprovar a substância e o propósito negocial na participação das tradings “B” e “C” nas operações de compra e venda de carrocerias. Na visão do Tribunal, não teria ocorrido no caso uma efetiva adequação e correspondência entre a estrutura jurídica utilizada – forma – e a realidade concreta – substância. Assim, na ocasião, o Conselho de Contribuintes concluiu ter havido simulação por interposição fictícia de terceiras empresas, com prevalência da forma em detrimento da substância e consequente falseamento da realidade, consistente no acobertamento da venda direta da empresa brasileira para os seus clientes no exterior. 3.2 Julgamento do Caso Marcopolo pelo CARF O segundo caso concreto – que constitui um desdobramento do primeiro “Caso Marcopolo” acima estudado – foi analisado recentemente pela 4ª Câmara da Primeira Seção do atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, em setembro de 2011, tendo como pano de fundo operações análogas às citadas no caso anterior, contudo realizadas em exercícios fiscais diversos, entre os anos de 2000 e 2008[39]. O cenário era o mesmo descrito anteriormente: a empresa brasileira Marcopolo S.A. efetuava exportações de carrocerias de ônibus para trading companies sediadas nas Ilhas Virgens Britânicas (Marcopolo International Corporation – MIC) e no Uruguai (Ilmot International Corporation – ILMOT), as quais, por sua vez, revendiam os produtos industriais adquiridos da empresa brasileira para clientes no exterior – os quais eram os importadores finais do bem. Relembre-se que as carrocerias não eram transferidas fisicamente às controladas, mas a própria Marcopolo S.A., por conta e ordem das suas controladas, as exportava e remetia diretamente aos importadores finais. O Fisco, em novas autuações, continuou entendendo que a empresa Marcopolo S.A. utilizava as empresas controladas MIC e ILMOT para realizar vendas simuladas que, na realidade, corresponderiam a operações diretas entre a Marcopolo S/A e seus importadores finais. Segundo a Receita, essas operações eram realizadas com subfaturamento, caracterizando omissão de receitas e consequente redução da carga tributária do IRPJ, CSLL e IRRF devidos perante o Fisco brasileiro. A defesa do contribuinte buscou desqualificar cada um dos argumentos da Receita, podendo ser sintetizada da seguinte forma[40]: (i) Ao domiciliar as empresas MIC e ILMOT em países com tributação favorecida, o grupo Marcopolo fez uso legítimo do seu direito de escolher as localidades mais interessantes para a consecução de seus objetivos do ponto de vista da economia fiscal. Tal escolha, por si só, não revela indicativo de irregularidade ou simulação de operações de revenda; (ii) Inocorrência de simulação, haja vista não haver desconformidade entre a intenção e a prática, coisa que não ocorreu no caso da recorrente, cuja intenção era operar por meio de suas subsidiárias e assim o fez, não sendo lícito ao Fisco fazer ingerência na forma de atuação das empresas; (iii) Demonstração de que a constituição de MIC e ILMOT não teve como propósito gerar redução fiscal, mas sim implementar a expansão internacional do grupo Marcopolo desde a década de 90, garantindo condições favoráveis de logística, mecanismos financeiros ágeis e suportes técnicos e operacionais para as operações no exterior – o que comprova a existência de propósito negocial no modelo operacional adotado pelo grupo Marcopolo; (iv) Comprovação da efetiva participação e intermediação das tradings na realização das operações, através de atividades de gestão comercial que prescindem de uma estrutura física complexa ou de utilização intensiva de mão-de-obra – o que comprova a existência de substância; (v) Não se trata de planejamento tributário ilícito, visto que decorrem do modelo de internacionalização e exportação adotado, submetendo-se a todos os efeitos jurídicos e de fato decorrentes do modelo operacional, tais como preço de transferência de equivalência patrimonial; (vi) Inocorrência de omissão de receita, pois os valores constantes das notas fiscais emitidas nas operações de exportação para as tradings correspondiam aos preços efetivamente praticados pelas partes, tendo o contribuinte observado as normas legais de controle de preços nas exportações (preços de transferências); (vii) O Fisco, ao alegar omissão de receita, desconsiderou o fato de que os lucros das atividades das empresas MIC e ILMOT no exterior foram contabilizados no Brasil pela Marcopolo S.A. pelo método da equivalência patrimonial. O CARF, em decisão minuciosa e paradigmática, entendeu, por unanimidade, que houve planejamento tributário lícito e legítimo, sem infringência à lei e sem a caracterização de simulação na operação. A decisão é considerada precedente importantíssimo para diversas empresas que atuam no comércio exterior, uma vez o Conselho deu uma guinada em sentido diametralmente oposto ao posicionamento do antigo Conselho de Contribuintes para caso análogo, em face da mesma empresa Marcopolo S.A.. De acordo com o conteúdo dos votos dos Conselheiros que examinaram a questão, pode se concluir que o CARF entendeu restarem comprovados a substância e o propósito negocial da operação, por ter envolvido efetivamente a existência de negócios reais e a necessidade estratégica de expansão internacional do grupo – o que caracteriza uma efetiva adequação entre a estrutura jurídica utilizada – forma – e a realidade concreta – substância. Sobre o tema, essencial atentar para as razões de fato e de direito que fundamentaram os votos proferidos pelos Conselheiros e, consequentemente, acarretaram a mudança paradigmática de entendimento do especializado Tribunal. O Conselheiro-Relator Antonio José Praga de Souza[41] convenceu-se de que a Marcopolo realizou um minucioso planejamento fiscal, tendo comprovado  a existência formal e material de MIC e ILMOT, bem como a sua atuação concreta na intermediação das operações com os importadores finais. O Conselheiro-Relator entendeu também que, ainda que tivesse ocorrido efetivo subfaturamento nos preços praticados pelas tradings – o que admitiu apenas para fins de raciocínio em tese –, a postura do Fisco de tratar tais valores como omissão de receita constitiu prática equivocada. Segundo o relator, não haveria que se falar em omissão de receitas no caso, isto porque o que se questiona não é o preço de venda efetivamente praticado na operação por MIC e ILMOT. Na verdade, tendo em vista a tributação em bases mundiais, o que a lei brasileira impõe à Marcopolo, como controladora, é, isto sim: (i) a utilização do método da equivalência patrimonial para reconhecer e tributar os resultados positivos apurados pelas suas controladas, com base em demonstrativos contemporâneos ao encerramento do período-base da empresa nacional, com as adições, inclusões e compensações permitidas na lei; (ii) a observância da legislação de preços de transferência, notadamente a Lei nº. 9.430/96, que impõe a verificação se o preço praticado encontra respaldo nos critérios definidos pelos seus artigos 18 a 22. De forma magistral, o tema é explicado pelo Conselheiro Alexandre Antonio Alkmim Teixeira[42], em sua declaração de voto-vencido quando do julgamento de caso análogo anterior pelo então Conselho de Contribuintes: “As empresas MIC e ILMOT tiveram, ainda que parcialmente, seu lucro tributado no Brasil por força da residência da empresa controladora, ora Recorrente. De fato, sendo estas empresas subsidiárias integrais da empresa brasileira, a tributação de seus rendimentos se faz quando da disponibilização do lucro ou por meio da equivalência patrimonial. Assim, não pode a fiscalização, ao promover a desconsideração dos negócios realizados pelo contribuinte, deixar de considerar o reflexo que referidos rendimentos provocaram na contabilidade da empresa no curso dos anos. Isso porque essa desconsideração acaba provocando a dupla incidência do imposto de renda sobre o mesmo rendimento, situação absolutamente contrária à lei e à sistemática de funcionamento do tributo em questão.” Desta forma, o Conselheiro-Relator conclui que – uma vez constatadas irrgularidades na apuração dos resultados das controladas MIC e ILMOT no exterior – a postura correta a ser adotada pelo Fisco não seria a de tratar os valores praticados pelas tradings como omissão de receita, mas sim ajustar o valor para fins de tributação na Marcopolo, observando o artigo 394 do RIR/99[43]. No mesmo sentido do relator, o Conselheiro Leonardo Henrique Magalhães de Oliveira[44] também entendeu que, independentemente de restar ou não configurado o subfaturamento, o correto seria apurar eventuais diferenças tributáveis em face da pratica abusiva de preços de transferências, à luz dos artigos 18, 19 e 24 da Lei nº 9.430/1996. O Conselheiro Moisés Giacomelli Nunes da Silva[45], por sua vez, também entendeu não restar caracterizada omissão de receita, tendo em vista ter sido demonstrado que os valores constantes das notas fiscais emitidas nas operações de exportação para as empresas MIC e ILMOT refletiram preços efetivamente praticados pelas partes envolvidas. Assim, como não houve pagamento “por fora”, não há que se falar em omissão de receita, pois inexiste diferença de preço recebido e não contabilizado. Ademais, Giacomelli assentiu que a operação foi praticada por meio de atos lícitos e devidamente registrados, constituindo prática normal de mercado, adotada por diversas empresas do setor de comércio exterior. Por essa razão, deve a operação ser tratada como planejamento tributário regular – notadamente porque o Fisco não logrou êxito em provar, ainda que de maneira mínima, a alegação de conluio, fraude ou simulação na operação entre as empresas Marcopolo, MIC e ILMOT. O Conselheiro deixou claro, ainda, que a domiciliação das tradings MIC e ILMOT em países com tributação favorecida não constitui, por si só, planejamento tributário ilícito ou ilegítimo, desde que sejam observadas as regras que disciplinam a apuração dos tributos em transações internacionais, verbis[46]: “No caso dos autos não estamos diante dos conhecidos “contratos relâmpagos” que se esvaem dias após a celebração, divorciando-se do negócio efetivamente praticado pelas partes. A situação está a revelar comportamento de contribuinte que ingressa no mercado externo optando por uma empresa, subsidiária ou não, para por meio desta, atingir o consumidor final. Antes de analisar se as empresas situadas em países com tributação favorecida tinham ou não estrutura operacional para desempenharem o papel proposto, diante das inúmeras vezes repetidas nestes autos de que as empresas MIC e Ilmot estavam localizadas em paraísos fiscais, destaco que à luz do direito vigente não há nada de errado nisto, desde que se observem as regras que disciplinam a apuração dos tributos em transações realizadas com empresas situadas em países com tributação favorecida, denominados pela Fiscalização de “paraísos fiscais”. O Direito, como ciência do razoável, não pode se prestar a interpretações ingênuas ou inconcebíveis. Uma empresa, cujo objetivo final é o lucro, se tiver condições de, por meio de subsidiárias ou não, operar a partir de país cuja tributação seja favorecida, ganhando maior competitividade e, consequentemente, maiores lucros, por evidente que não irá operar por meio de estabelecimento situado em local de maior tributação. Isso seria atentar contra a própria finalidade da empresa, qual seja, o lucro. […] Em relação a este tema não é necessário ultrapassar as fronteiras dos nossos Estados para constatarmos que os contribuintes prestadores de serviços procuram fixar suas sedes em locais cuja alíquota do Imposto Sobre Serviços, de competência dos Municípios, seja menor. O mesmo raciocínio se aplica ao ICMS e ao IRPJ, só que em relação a este último estamos falando em bases universais da tributação.” Pode-se concluir, por fim, que a comprovação da substância econômica e do propósito negocial nas operações realizadas entre a empresa Marcopolo S.A. e suas trading companies MIC e ILMOT representou aspecto decisivo para que o CARF entendesse pela caracterização de planejamento tributário lícito e legítimo, sem infringência à lei e sem a ocorrência de simulação. Portanto, pode-se dizer que houve uma efetiva adequação entre a estrutura jurídica utilizada – forma – e a realidade concreta – substância, confirmada pela comprovação de que o Caso Marcopolo envolveu a existência e a prática de negócios materialmente reais, bem como refletiu a necessidade estratégica de expansão internacional do grupo. CONCLUSÃO Diante da análise da doutrina e do posicionamento adotado pelo CARF no Caso Marcopolo, pode-se delinear alguns elementos de suma importância para caracterização da substância e do propósito negocial e, consequentemente, para configuração de um planejamento tributário lícito e legítimo. O primeiro desses elementos é o fator tempo. Sobre o assunto, Marco Aurélio Greco[47] aduz que o tempo que medeia cada uma das etapas em sequência de uma operação é considerada uma “operação preocupante”, que chama a atenção tanto do Fisco quanto do CARF. O próprio voto do Conselheiro Moisés Giacomelli Nunes da Silva[48] – ao chamar a atenção para o fato de que o Caso Marcopolo não envolvia a prática de “contratos relâmpagos que se esvaem dias após a celebração, divorciando-se do negócio efetivamente praticado pelas partes” – ressalta como importante elemento aferidor da legitimidade do planejamento tributário a existência um lapso temporal razoável entre a prática dos negócios jurídicos, que devem estar sempre atrelados à realidade concreta. Não obstante, deve-se atentar para o fato de que o tempo, por si só, não é indicativo de planejamento tributário ilícito ou ilegítimo. É, na verdade, um alerta, que deve ser analisado de acordo com as especificidades de cada caso concreto. Isto porque um lapso temporal curto pode indicar não apenas unicidade de operação com intuito exclusivo de economizar tributo, mas pode também revelar uma oportunidade empresarial que exige agilidade e dinamicidade na realização do negócio jurídico, sendo o curso espaço de tempo justificado em função da relevância do negócio para o empreendimento. Por outro lado, um lapso temporal mais elástico pode refletir apenas uma aparência de legitimidade, escondendo o real propósito de apenas promover economia fiscal[49]. Outro elemento considerado como “operação preocupante” são as operações realizadas entre partes relacionadas ou coligadas, pois a existência de interdependência entre as partes envolvidas revela uma facilidade maior que a causa da operação seja unicamente a obtenção de um efeito tributário intragrupo, e não uma razão efetiva de mercado[50]. Como, num regime de liberdade contratual e de economia de mercado, não é fácil identificar se a vinculação intragrupo está sendo exercida de forma abusiva ou não, um importante método aferidor está em se perquirir se as cláusulas das operações entre partes relacionadas são as mesmas praticadas com terceiros. Isto porque, caso reste evidenciado favorecimento da parte relacionada, haverá um indicativo de ausência de neutralidade e, por via reflexa, maior probabilidade de haver abuso fiscal na operação[51]. Essa é exatamente uma das tensões que teve de ser superada pelo CARF no julgamento do Caso Marcopolo, uma vez que a empresa brasileira Marcopolo S.A. se utilizava das controladas MIC e ILMOT para intermediar operações de exportação. Ademais, um terceiro elemento que chama a atenção do Fisco e pode influir significativamente nas decisões do CARF é o deslocamento da base tributável, vale dizer, a mudança da base tributária para outra pessoa jurídica que se encontra em regime tributário comparativamente mais vantajoso e benéfico – o que, dependendo das circunstâncias do caso concreto, pode vir a configurar fraude à lei tributária[52]. A questão é complexa, pois, em bases internacionais, o deslocamento da base tributável acarreta a erosão da arrecadação fiscal interna de um país em detrimento de outro, gerando conflitos que perpassam pela discussão da defesa da soberania nacional e do direito arrecadatório do país de origem[53]. Essa, aliás, foi outra tensão que teve de ser resolvida pelo CARF no julgamento do Caso Marcopolo, haja vista que as tradings MIC e ILMOT – controladas da Marcopolo S.A. – eram domiciliadas em países de tributação favorecida, respectivamente, nas Ilhas Virgens Britânicas e Uruguai. Tal domiciliação, na visão do Fisco, revelava uma operação simulada, que deslocava parte da base tributável no Brasil para jurisdições internacionais, minorando a arrecadação fiscal interna. Contudo, como visto, o CARF rejeitou a tese fiscal, descaracterizando a ocorrência de omissão de receitas no caso concreto. Assim, de acordo com os parâmetros utilizados pelo CARF no Caso Marcopolo, pode-se concluir, doutrinariamente que o planejamento tributário deve necessariamente observar critérios de ordem negativa e positiva, para que seja considerado lícito e legítimo. Quanto aos critérios negativos, o planejamento deve preencher dois crivos: (i) o da legalidade e da licitude, de modo que a operação não venha a ferir norma jurídica nem cometer ilícito; (ii) o das patologias ou vícios dos negócios jurídicos, de modo que não configure simulação, abuso de direito, abuso de forma ou fraude à lei[54]. Quanto aos critérios positivos, que constituem a justificativa para a operação, o planejamento deve apresentar duas características: (i) a primeira, interna ao negócio jurídico, impõe que a operação possua motivo e finalidade predominantemente de outra natureza que não a tributária, de modo que a busca à economia fiscal seja legitimada pela existência prévia de substância e propósito negocial; (ii) o segundo, externo ao negócio jurídico, impõe que haja sintonia e adequação entre a operação e o planejamento estratégico da empresa, ligado ao seu objeto e atividade econômica que desempenha[55]. Portanto, uma vez alcançados esses parâmetros mínimos, há de ser respeitado o planejamento tributário realizado pelo contribuinte, não podendo o Fisco – a partir de um juízo preconcebido – reinterpretar e desconsiderar os fatos e negócios jurídicos sob a ótica arrecadatória.
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A impossibilidade da cobrança da contribuição sindical rural pelo critério de dimensão da propriedade rural
O presente artigo visa a analisar a incidência da Contribuição Sindical Rural em especial a cobrança lastreada no art. 1 II c do Decreto-Lei n 1.166 de 15 de abril de 1971 que considera empresário ou empregador rural os proprietários de mais de um imóvel rural desde que a soma de suas áreas seja superior a dois módulos rurais da respectiva região. Para atingir o objetivo proposto foi realizada uma apurada análise da legislação aplicável à espécie bem como um estudo a respeito da jurisprudência que enfrenta o tema sendo ao final exposta a conclusão do autor.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente artigo visa a analisar a incidência da Contribuição Sindical Rural, em especial, a cobrança lastreada no art. 1º, II, “c” do Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971, que considera empresário ou empregador rural os proprietários de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja superior a dois módulos rurais da respectiva região. Para atingir o objetivo proposto, foi realizada uma apurada análise da legislação aplicável à espécie, bem como um estudo a respeito da jurisprudência que enfrenta o tema, sendo, ao final, exposta a conclusão do autor. 2 A CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL E SUA NATUREZA JURÍDICA A Contribuição Sindical Rural encontra-se previsão constitucional no caput do artigo 149 da Constituição Federal e no §2º do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estando regulamentada pelas disposições constantes no Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971, bem como nos artigos 578 a 591 da Consolidação das Leis do Trabalho e nas Leis nºs 8.022/90 e 8.847/94[1]. Revela-se notória a natureza tributária da Contribuição Sindical Rural, tendo em vista ser integrante do gênero de contribuições sociais instituídas pela União no interesse das categorias profissionais e econômicas, em nada se confundindo com a contribuição confederativa voluntária prevista no artigo 8º, IV, da Constituição Federal, devida apenas para os respectivos filiados. Oportuno à transcrição do art. 217, inciso I, do Código Tributário Nacional, segundo o qual as disposições da referida lei não excluem a incidência e exigibilidade da contribuição sindical. “Art. 217. As disposições desta Lei, notadamente as dos arts 17, 74, § 2º e 77, parágrafo único, bem como a do art. 54 da Lei 5.025, de 10 de junho de 1966, não excluem a incidência e a exigibilidade: (Incluído pelo Decreto-lei nº 27, de 14.11.1966) I – da "contribuição sindical", denominação que passa a ter o imposto sindical de que tratam os arts 578 e seguintes, da Consolidação das Leis do Trabalho, sem prejuízo do disposto no art. 16 da Lei 4.589, de 11 de dezembro de 1964;” (Incluído pelo Decreto-lei nº 27, de 14.11.1966) Esse também é o posicionamento dos ilustres juristas Jane L. W. Berwanger e Wellington Pacheco Barros[2] para quem “(…) não se pode esquecer que a contribuição sindical rural é um paratributo criado com finalidade específica de desenvolver o sindicalismo nacional, tanto que a própria lei estabelece distinção de parcelas para as entidades específicas.” O Superior Tribunal de Justiça perfilha do mesmo entendimento, conforme se vê: “TRIBUTÁRIO – PROCESSUAL CIVIL -CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL -INCIDÊNCIA DE MULTA -JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA -NÃO-INCIDÊNCIA DO ART. 600 DA CLT -AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL -PRECEDENTES DA SEGUNDA TURMA. 1. A contribuição sindical rural tem natureza tributária e compulsória; por isso, não se confunde com a contribuição confederativa voluntária a que alude o art. 8º, inciso IV, da Constituição Federal. 2. A Lei n. 8.847/94 apenas estabeleceu regra sobre competência para administrar o tributo; nada dispôs sobre as sanções decorrentes da mora no pagamento, o que faz deduzir ser inexistente qualquer regramento especial quanto às penalidades, já que o artigo 600 da CLT e, posteriormente, o art. 2º da Lei n.º 8.022/90 restaram revogados. 3. O art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil, salvo disposição em contrário, declara que "a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência". A revogação do art. 600 do CLT pelo art. 2º da Lei n. 8.022/1990, e a subseqüente revogação deste último dispositivo pelo art. 24 da Lei n. 8.847/94 não restaura a validade da norma celetista. 4. O Tribunal a quo, ao entender que a Lei n. 8.847/94 somente transferiu da Receita Federal para a CNA a competência para cobrar a contribuição sindical rural, excluída a incidência dos juros de mora, nos moldes do disposto no art. 600 da CLT, adotou entendimento que se coaduna com o pensamento ora esposado. Recurso especial improvido” (STJ – RECURSO ESPECIAL: REsp 725192 PR 2005/0026641-1). Não obstante a notória natureza tributária da referida exação, mostra-se imprescindível para o presente estudo, analisar os dispositivos legais que fundamentam sua cobrança, notadamente a abrangência dos termos “trabalhador rural” e “empresário ou empregador rural”. Para tanto, revela-se adequado proceder à transcrição dos principais artigos de lei que redundam à temática posta. São eles: “CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO Art. 579 – A contribuição sindical é devida por todos aquêles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo êste, na conformidade do disposto no art. 591. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967) (Vide Lei nº 11.648, de 2008) DECRETO-LEI Nº 1.166, DE 15 DE ABRIL DE 1971 Art. 1o  Para efeito da cobrança da contribuição sindical rural prevista nos arts. 149 da Constituição Federal e 578 a 591 da Consolidação das Leis do Trabalho, considera-se: (Redação dada pela Lei nº 9.701, de 1998) I – trabalhador rural: (Redação dada pela Lei nº 9.701, de 1998) a) a pessoa física que presta serviço a empregador rural mediante remuneração de qualquer espécie; (Redação dada pela Lei nº 9.701, de 1998) b) quem, proprietário ou não, trabalhe individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da mesma família, indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, ainda que com ajuda eventual de terceiros; (Redação dada pela Lei nº 9.701, de 1998) II – empresário ou empregador rural: (Redação dada pela Lei nº 9.701, de 1998) [grifo nosso] a) a pessoa física ou jurídica que, tendo empregado, empreende, a qualquer título, atividade econômica rural; b) quem, proprietário ou não, e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e progresso social e econômico em área superior a dois módulos rurais da respectiva região; (Redação dada pela Lei nº 9.701, de 1998) c) os proprietários de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja superior a dois módulos rurais da respectiva região. (Redação dada pela Lei nº 9.701, de 1998)” [grifo nosso] Ao que passamos a analisar os respectivos fundamentos legais, com especial foco na cobrança da Contribuição Sindical Rural pelo enquadramento sindical previsto no art. 1º, II, “c” do Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971. 3. A COMPETÊNCIA PARA O JULGAMENTO DAS AÇÕES DE COBRANÇA DAS CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS Preliminarmente, cumpre esclarecer que a Competência da Justiça Laboral para o julgamento das ações de cobrança das contribuições sindicais há muito foi pacificada pela jurisprudência. É que com a inserção da Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004 ao ordenamento jurídico pátrio, houve a modificação do art. 114, da Constituição Federal, ampliando-se a competência da Justiça do Trabalho que passou a abranger em seu rol todos os conflitos decorrentes das relações de emprego, restando afastada a aplicação da Súmula 222, do STJ, no sentido de que “Compete à Justiça Comum processar e julgar as ações relativas à contribuição sindical prevista no Art. 578 da CLT”[3]. Nesse sentido, o próprio Superior Tribunal de Justiça se posicionou pela inaplicabilidade do enunciado sumular nº 222, senão vejamos: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA E PECUÁRIA – CNA. PROMULGAÇÃO DA EC N.º 45⁄2004. INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REGRA DE COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL. ATRIBUIÇÃO JURISDICIONAL DEFERIDA À JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114, III, DA CF. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N.º 222⁄STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. A Emenda Constitucional n.º 45⁄2004 ampliou significativamente a competência da Justiça do Trabalho atribuindo-lhe competência para dirimir as controvérsias sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores. 2. Consequentemente, a novel redação dada ao art. 114, da Carta Maior, decorrente da  reforma constitucional em questão, suprimiu a competência da Justiça comum, para a cognição das ações sindicais como sói ser a ação de cobrança de contribuição sindical que ensejou a suscitação do presente conflito, exsurgindo inquestionável a competência da Justiça do Trabalho para julgamento de demandas que tenham por cerne questões análogas a referida. 3. É cediço na Corte que a modificação de competência constitucional tem aplicabilidade imediata, alcançando, desde logo, todos os recursos especiais versando contribuição sindical, ainda em curso de processamento no Superior Tribunal de Justiça, quando da promulgação da EC n.º 45⁄2004, raciocínio que se estende às Federações e Confederações (ubi eadem ratio ibi eadem dispositio). 4. A Primeira Seção desta Corte Superior, quando da apreciação de Questão de Ordem, suscitada no REsp n.º 727.196⁄PR, de relatoria do Exmo. Sr. Ministro José Delgado, julgada em 25⁄05⁄2005, firmou a mencionada incompetência ratione materiae vinculativa para as suas respectivas Turmas. De igual modo, no julgamento do Conflito de Competência n.º 48.891⁄PR, firmou posicionamento pela inaplicabilidade, a partir da vigência da EC n.º 45⁄2004, do enunciado sumular n.º 222 deste Sodalício, que dispunha: "Compete a Justiça Comum processar e julgar as ações relativas à contribuição sindical prevista no art. 578 da CLT." (Precedente: CC n.º 48.891⁄PR, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 01⁄08⁄2005) 5. A competência em razão da matéria é absoluta e, portanto, questão de ordem pública, podendo ser conhecida pelo órgão julgador a qualquer tempo e grau de jurisdição. Embora o conflito não envolva a Justiça do Trabalho, devem ser remetidos os autos a uma das varas trabalhistas de Lages⁄SC. 6. Conflito conhecido para determinar a remessa dos autos a uma das varas da Justiça do Trabalho em Lages⁄SC” (STJ – CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 46.538 – SC 2004⁄0136106-4). Para solucionar eventuais conflitos temporais que poderiam surgir a partir da vigência da Emenda Constitucional nº 45/04, com a redação que então foi dada à norma do artigo 114, inciso III, da Constituição Federal, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do CC nº 7.204/MG, Relator o Ministro Ayres Britto, posicionou-se no sentido de que as ações continuariam a serem processadas nos Juízos e Tribunais de origem caso já tivessem tido seu mérito apreciado à época da entrada em vigor de tal alteração; sendo que aquelas que ainda não contassem com referida decisão de mérito, tais como as hipóteses ventiladas no art. 273 do Código de Processo Civil, seriam encaminhadas para a Justiça do Trabalho[4]. Assim, conforme entendimento jurisprudencial, em especial do Supremo Tribunal Federal, a quem compete à guarda da Constituição Federal, forçoso concluir que com a promulgação da EC nº 45/2004, restou ampliada a competência da Justiça do Trabalho, incluindo em suas atribuições jurisdicionais, o poder para processar e julgar controvérsias pertinentes à prerrogativa de que dispõem as entidades sindicais (sindicatos, federações e confederações) com o intuito de exigir o pagamento de contribuição sindical prevista em lei. Desse modo, foi afastado o entendimento consubstanciado na Súmula 222 do STJ, sendo fixado como critério de transição para a aplicação da mencionada alteração normativa, a decisão do juiz que enfrente o mérito da causa[5]. 4. A LIBERDADE SINDICAL COMO IMPORTANTE DIREITO FUNDAMENTAL COLETIVO Demonstrada a competência da Justiça Especializada do Trabalho para o julgamento das ações que versem sobre a cobrança da Contribuição Sindical Rural, conforme reconhecem o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, urge discorrer sinteticamente a respeito da liberdade sindical, considerada como um importante direito fundamental coletivo, conquistado a duras penas, conforme nos ensina a história. No passado, o liberalismo proibia uniões com o espírito de classe e proteção mútua, pois naquele período havia o entendimento de que as associações eram fonte incessante de conflitos, responsáveis por colimar em intensa perturbação às relações entre os indivíduos e entre estes e o Estado. Essas restrições às liberdades coletivas eram defendidas em nome da manutenção das liberdades individuais conquistadas, acreditando-se serem incompatíveis[6]. Na mesma linha, o Código Penal francês tipificou como crime a conduta de associar-se (Código de Napoleão), repelindo duramente esse importante direito fundamental até então não reconhecido à época. Esse reconhecimento gradativo da liberdade sindical como importante direito fundamental é retratado com maestria na brilhante obra da jurista Alice Monteiro de Barros[7]: “A pretexto de que todas as associações implicavam perturbação às relações entre os indivíduos e entre estes e o Estado, o liberalismo proibiu as uniões com espírito de classe ou proteção mútua. Foram elas consideradas crime pelo Código Penal francês de 1819 (Código de Napoleão). Tem-se que, portanto, a fase de proibição do Direito Sindical, iniciada com a Lei Chapelier. Em seguida, há uma fase de tolerância, quando esse delito é suprimido, seguindo-se a fase de reconhecimento do direito de associação, admitido na Inglaterra, em 1824, e concretizado nas Trade Unions, fundadas em 1833, por Roberl Qwen, passando por várias vicissitudes. A exemplo da Inglaterra, a Lei francesa Waldeck Rousseau, de 21 de março de 1884, reconhece a liberdade de associação sindical, e, a partir daí, outros países seguem-lhes o exemplo.” Nesse contexto, importante destacar o surgimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, no ano de 1948, reconhecida pela doutrina como o marco em que os direitos fundamentais encontram seu maior reconhecimento, constituindo o primeiro texto internacional que retrata nobremente a importância dos direitos fundamentais de primeira geração e consagra os direitos de segunda geração, com especial destaque a liberdade sindical. A liberdade de associação profissional e sindical encontra-se, hoje, estampada na Constituição Federal, sendo que esse importante direito fundamental espelha o caminho traçado pela República Federativa do Brasil na determinação da dignidade da pessoa humana como um dos seus fundamentos[8]. 5. A CONTRIBUIÇÃO SINDICAL NA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO E NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 A Contribuição Sindical encontra-se prevista no Capítulo III da Consolidação das Leis do Trabalho, notadamente nos artigos 578 a 594, sendo devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, serão creditados à federação correspondente à mesma categoria econômica ou profissional. Quanto à legitimidade para a cobrança judicial da exação, relevante mencionar a Súmula 396 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “a Confederação Nacional da Agricultura tem legitimidade ativa para a cobrança da contribuição sindical rural”. No que se refere à base de cálculo e ao fato gerador, as diretrizes afetas à Contribuição Sindical Rural para os empregadores rurais não organizados sob a forma empresarial, seguem os mesmos critérios aplicáveis ao Imposto Territorial Rural (ITR), conforme se depreende do art. 4º, §1º, do Decreto-Lei nº 1.166/71. Em qualquer caso, no entanto, devem ser observados os percentuais previstos no art. 580 da CLT[9]. A cobrança, por sua vez, é efetuada no mês de janeiro de cada ano, ou, para os que venham a estabelecer-se após aquele mês, na ocasião em que requeiram às repartições o registro ou a licença para o exercício da respectiva atividade (art. 587 da CLT)[10]. A exigência do imposto sindical previsto no art. 578 da CLT foi bastante combatida por inúmeros doutrinadores, dentre eles Arion Sayão Romita, Orlando Gomes e Eslon Gottschalk. Arion Sayão Romita[11] entende que sendo a sindicalização um direito, o pagamento da contribuição jamais poderia consistir em uma obrigação por afrontar o princípio da liberdade sindical. “Sem embargo dos questionamentos a respeito da legitimidade da imposição, por via legislativa, do pagamento de uma contribuição sindical compulsória, tendo em mente que a sindicalização é um direito, de modo que o pagamento da contribuição não poderia consistir em uma obrigação. (…) No Brasil, a legislação em vigor obriga a todos os integrantes das categorias profissionais ou econômicas, sejam ou não associados aos sindicatos, a pagar o imposto sindical, eufemisticamente denominado contribuição sindical, verdadeiro atentado ao princípio da liberdade sindical, mantido pela Constituição de 1988.” Orlando Gomes e Eslon Gottschalk[12], combatem o imposto sindical sob o argumento de que em nenhum país democrático que preza pela liberdade sindical, haveria respaldo para que uma pessoa jurídica de direito privado fosse nutrida por tributos públicos extra-orçamentários. Nesse sentido, os sindicatos deveriam viver de seus próprios recursos que dariam força ao sindicalismo independente. “A contribuição sindical representa, no fundo, uma deformação legal do poder representativo do sindicato. Baseado numa fictícia representação legal dos interesses gerais da categoria profissional (art. 138 da Carta de 1937), atribui-se, por lei, ao sindicato, os recursos tributários impostos pelo próprio Estado, à guisa de estar legislando em nome do sindicato. Daí dizer-se que o mesmo tem poderes de impor contribuições a todos os que pertencem às categorias econômicas e profissionais (letra e, art. 513, CLT)… O sindicato, alimentado por um tributo público, vivendo às expensas do Estado, controlado por este, perdeu a sua independência, alienou toda a sua liberdade. Se todas as modalidades de controle que o sistema sindical pátrio impõe ao sindicato deixassem de existir, por uma reforma completa da lei sindical, bastaria a permanência deste tributo para suprir-lhe qualquer veleidade de independência. Nenhum Estado pode dispensar-se da tutela às pessoas jurídicas, quando fornece os recursos que lhes mantêm a sobrevivência. Pensar de modo diferente é raciocinar em termos irreais, fantasiosos, quanto não o seja de má-fé. Vai daí que se criou uma pessoa jurídica de direito privado nutrida por tributos públicos extra-orçamentários. Em nenhum país democrático que preza a liberdade sindical, jamais se instituiu semelhante tributação. Os sindicatos, ali, vivem de seus próprios recursos previstos nos seus estatutos, e são eles que dão força ao sindicalismo independente. Tributos dessa ordem são próprios ao sistema corporativo tipo italiano da era mussoliniana, que sobreviveu por acaso, em pouquíssimos países.” No entanto, Igor Mauler Santiago[13], em excelente artigo publicado na Revista Dialética de Direito Tributário, lembra-nos que a recepção da Contribuição Sindical (art. 578 da CLT) pela Constituição Federal de 1988 há muito foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, senão vejamos: “Sindicato: contribuição sindical da categoria. Recepção. A recepção pela ordem constitucional vigente da contribuição sindical compulsória, prevista no art. 578 da CLT e exigível de todos os integrantes da categoria, independentemente de sua filiação ao sindicato, resulta do art. 8º, in fine, da Constituição; não obsta á recepção a proclamação, no caput do art. 8º, do princípio da liberdade sindical, que há de ser compreendida a partir dos termos em que a Lei Fundamental a positivou, nos quais a unicidade (art. 8º, II) e a própria contribuição sindical de natureza tributária (art. 8º, IV) – marcas características do modelo corporativista resistente -, dão a medida da sua relatividade (cf. MI 144, Pertence, RTJ 147/868, 874); nem impede a recepção questionada a falta de lei complementar prevista no art. 146, III, CF, à qual alude o art. 149, à vista do disposto no art. 34, §§3º e 4º, das Disposições Transitórias (cf. RE 146.733, Moreira Alves, RTJ 146/684, 694).” (STF, 1ª Turma, RE nº 180-745-8-SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 24.03.98). As disposições constantes no art. 4º, §1º, do Decreto-lei nº 1.166/71 e art. 580 da CTL, alterado pelas Leis nºs 6.386/76 e 7.047/82, foram recepcionadas pela Constituição de 1988, de modo que, nos dizeres de Igor Mauler Santiago[14], “a proibição à identidade de bases de cálculo não alcançaria as contribuições parafiscais do art. 149 e que a ilegitimidade da delegação de poderes ao Executivo para fixar o maior valor-de-referência, influindo no cálculo do gravame, fora solucionada com a edição da Lei nº 8.178/91”. Apesar de ser inquestionável a constitucionalidade da Contribuição Sindical, demonstraremos a seguir que não é possível chegarmos à mesma conclusão no que se refere a sua cobrança levando em consideração unicamente o critério da dimensão da propriedade rural, constante disposto no art. 1º, II, “c”, do Decreto-Lei nº 1.166/71. 6. OS CONCEITOS DE EMPREGADO RURAL E EMPREGADOR RURAL E A IMPOSSIBILIDADE DE ENQUADRAMENTO SINDICAL PELO CRITÉRIO PREVISTO NO ART. 1º, II, C, DO DECRETO-LEI Nº 1.166/71. O Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971, que dispôs sobre o enquadramento e contribuição sindical, alterado pela Lei nº 9.701, de 17 de novembro de 1998, tratou dos conceitos de “trabalhador rural” e “empresário ou empregador rural” para fins da cobrança do imposto sindical. Nesse sentido, é considerado trabalhador rural a pessoa física que presta serviço a empregador rural mediante remuneração de qualquer espécie; bem como quem, proprietário ou não, trabalhe individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da mesma família, indispensável à própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração, ainda que com ajuda eventual de terceiros[15]. Por sua vez, é considerado empresário ou empregador rural para efeito da cobrança da contribuição sindical rural prevista nos arts. 149 da Constituição Federal e 578 a 591 da Consolidação das Leis do Trabalho a pessoa física ou jurídica que, tendo empregado, empreende, a qualquer título, atividade econômica rural; quem, proprietário ou não, e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e progresso social e econômico em área superior a dois módulos rurais da respectiva região; os proprietários de mais de um imóvel rural, desde que a soma de suas áreas seja superior a dois módulos rurais da respectiva região[16].  A Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, que estatui normas reguladoras do trabalho rural, também tratou da expressão empregador rural e equiparado, bem como do empregado rural. Nesse sentido, considera-se empregado rural toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural, sob a dependência deste e mediante salário[17]. Já a figura do empregador rural é conceituada como a pessoa física ou jurídica, proprietário ou não, que explore atividade agro-econômica, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou através de prepostos e com auxílio de empregados[18]. O empregador rural equiparado, por fim, seria a pessoa física ou jurídica que, habitualmente, em caráter profissional, e por conta de terceiros, execute serviços de natureza agrária, mediante utilização do trabalho de outrem[19].  Agrupando as disposições constantes no Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971 e na Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973, é possível destacar a seguinte tabela: Uma leitura apressada poderia levar ao intérprete desavisado, concluir no sentido de que tais conceitos, ainda que díspares, coexistem no ordenamento jurídico pátrio, sendo que para fins do enquadramento e contribuição sindical rural, restaria aplicável o que dispõe o Decreto-Lei nº 1.166, de 15 de abril de 1971 acerca de trabalhador rural e empresário ou empregador rural. No mesmo sentido, para fins de aplicação das normas reguladoras do trabalho rural, restaria aplicável o que a Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973 dispõe a respeito do empregado rural, empregador rural e empregador rural equiparado. Todavia, para que o intérprete possa solucionar essa questão, necessário lembrar-se dos critérios de vigência e aplicação de lei previstos no Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, anteriormente denominada de Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) e atualmente denominada de Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), bem como dos critérios de resolução de antinomias tratados por Bobbio[20].  Segundo as disposições constantes na LINDB, a lei segue, em regra, o princípio da continuidade, de modo que não se destinando à vigência temporária, terá vigor até que outra a modifique ou revogue. A revogação poderá ocorrer de duas formas, expressa ou tácita. Será expressa, quando a lei posterior assim o declare. Por sua vez, será tácita, quando a lei posterior seja incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Nesse sentido, vejamos o art. 2º da LINDB: “Art. 2o  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (Vide Lei nº 3.991, de 1961) (Vide Lei nº 5.144, de 1966) § 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. § 2o  A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. § 3o  Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.” Bobbio[21], explica que três são os critérios fundamentais para solução de antinomias: o critério cronológico, o critério hierárquico e o critério da especialidade. Segundo o critério cronológico (lex posterior derogat priori), entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior. Já segundo o critério hierárquico (lex superior derogat inferior), entre duas normas incompatíveis prevalece a de maior hierarquia. Por fim, para o critério da especialidade, quando o intérprete se depara com duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece a segunda. Assim, para delinearmos a correta atitude do intérprete diante da situação posta, necessário destacar a existência de três marcos que precisam ser bem delineados. O primeiro deles é o da publicação do Decreto-Lei nº 1.166, ocorrida no dia 15 de abril de 1971. O segundo marco é o da publicação da Lei nº 5.889, qual seja, o dia 8 de junho de 1973. O terceiro, por sua vez, é o da publicação da Lei nº 9.701 que ocorreu no dia 17 de novembro de 1998, responsável por alterar o artigo 1º do Decreto-Lei nº 1.166. Observando unicamente o critério cronológico poderíamos chegar a seguinte conclusão: do dia 15 de abril de 1971 ao dia 8 de junho de 1973, aplicaríamos os conceitos trazidos pelo Decreto-Lei nº 1.166, sendo que posteriormente a essa data e até o dia 17 de novembro de 1998, aplicaríamos os conceitos constantes na Lei nº 5.889. Posteriormente, aplicaríamos os conceitos definidos pela Lei nº 9.701 até os dias atuais. No entanto, trata-se de equívoco manifesto, tendo em vista o desrespeito à observância das normas previstas na LINDB que buscam manter a coerência do ordenamento jurídico. Isso porque, estar-se-ia desprezando a aplicação do critério da especialidade que, no caso em questão, faz toda a diferença. Dessa forma, temos que até a promulgação da Lei nº 5.889/73, o Decreto-Lei nº 1.666/71, em sua redação original, trazia os conceitos de trabalhador e empregado rural para fins de enquadramento sindical. No entanto, com o surgimento daquela norma, a questão recebeu tratamento específico, que passou a regular inteiramente a matéria[22]. O cenário não alterou com a edição da Lei nº 9.701/98, tendo em vista que a Lei nº 5.889/73 havia revogado tacitamente o art. 1º do Decreto-Lei nº 1.166/71, em relação aos conceitos de trabalhador e empregador rural para fins de enquadramento sindical, por ser norma posterior e específica[23]. Assim, o que ocorreu, na verdade, foi uma alteração de uma lei que já havia sido revogada tacitamente por outra. Nesse sentido, esclarecedor o Acórdão 0117200-67.2007.5.04.0512 RO do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região ao entender que o critério do tamanho da propriedade rural para distinguir o trabalhador rural do empresário rural, para fins de enquadramento sindical, não mais subsiste, exigindo a observância dos critérios de interesse, similitude de atividade e solidariedade, em detrimento de parâmetro ligado, tão-somente, ao tamanho da propriedade. Vejamos: “Assim, o Decreto-Lei nº 1.166/71, ao utilizar o critério do tamanho da propriedade rural para distinguir o trabalhador rural do empresário rural, para fins de enquadramento sindical, afronta o conceito jurídico de categoria (econômica e profissional), para fins de enquadramento sindical, estando defasado por legislação superveniente e, inequivocamente, suplantado pelo ordenamento constitucional em vigor” (TRT4 – 0117200-67.2007.5.04.0512 RO). O Superior Tribunal de Justiça[24] perfilha do mesmo entendimento, senão vejamos: “DIREITO SINDICAL – UNICIDADE – TRABALHADOR RURAL E PEQUENO PROPRIETÁRIO RURAL – LIBERDADE SINDICAL. 1. Os conceitos constantes do DL n. 1.166/1971 e que identificam o pequeno proprietário rural com o empregado rural, para efeito de sindicalização, perderam o sentido com a Lei n. 5.889/1973 e ficaram ultrapassados com a CF/1988, art. 8º. 2. Constituindo-se em categorias com interesses distintos, tem prevalência a liberdade de sindicalização. 3. Embargos de divergência rejeitados.” Nesse sentido, novamente o Eg. 4º Regional da Justiça Especializada do Trabalho, em outro brilhante acórdão, decidiu que não pertencendo o trabalhador rural que desempenha sua atividade em regime familiar a nenhuma das categorias referidas na Norma Constitucional, não estaria obrigado, por dedução lógica, ao pagamento de qualquer contribuição sindical. Isso porque, o legislador ordinário não poderia elastecer o conceito de categorias econômicas e profissional ao seu bel prazer[25]. Seguem alguns excertos do acórdão[26] mencionado: “Vale lembrar que a contribuição sindical é um tributo previsto no artigo 149 da Constituição, que atribui competência exclusiva à União para instituir, além de contribuições sociais, contribuições de intervenção do domínio econômico e, sublinhe-se, de interesse das categorias profissionais e econômicas. Portanto, não pertencendo o trabalhador rural que desempenha sua atividade em regime familiar a nenhuma das categorias referidas na Norma Constitucional, por dedução lógica, não está obrigado ao pagamento de qualquer contribuição sindical. A este, é garantida a ampla liberdade sindical, sem restrições, na forma da Convenção 141 da OIT, em pleno vigor no direito interno. De salientar que, segundo as regras de hermenêutica, adota-se a interpretação restritiva nas hipóteses de normas de caráter punitivo – sanções penais e administrativas -, as que restringem direitos e as de caráter excepcional. No caso, as normas constitucionais em questão são de caráter excepcional, pois excepcionam a regra geral contida no caput do artigo 8º da Carta Magna e, ainda, restringem um direito que, frise-se, é fundamental. Assim, o legislador ordinário não pode elastecer o conceito de categorias econômica e profissional ao seu bel prazer. E mesmo que pudesse, deveria ser via Lei Complementar, por força dos artigos 149 da Constituição Federal, que remete à observância do disposto no seu artigo 146, III. Vale lembrar que a redação do artigo 1º do Decreto-lei 1.166/71 foi dada pela Lei (Ordinária) 9.701/98, não se podendo cogitar da hipótese de aquela ter sido recepcionada como lei complementar pela Carta Magna. Significa que os trabalhadores rurais que vivem de subsistência, independentemente do tamanho da propriedade explorada, e os meros proprietários não são abrangidos pela restrição à liberdade sindical estabelecida no inciso IV do artigo 8º da CF/88, ou seja, não são obrigados a pagar o tributo em questão. Nessa senda, é incabível a imposição de contribuição sindical àqueles referidos nas alíneas “b” e “c” do inciso II do artigo 1º do Decreto-Lei antes mencionado. No caso concreto, a autora refere na causa de pedir como requisito para obrigar o réu à verba tributária questionada o fato de este ser proprietário rural. Ora, considerado todo o exposto, proprietário não pertence a qualquer categoria, nem econômica, nem profissional e tampouco de trabalhador rural não-empregado. Na verdade, nem há motivo razoável para reconhecer a natureza sindical de uma associação de proprietários. O trabalhador rural, igualmente, não pertence a categoria econômica e profissional.” (TRT4 – AI-88140/2007-0221-04.40). Salienta-se que o raciocínio para afastar a cobrança da Contribuição Sindical lastreada pela alínea “b” do inciso II do artigo 1º do Decreto-Lei antes mencionado, é idêntico ao critério utilizado na alínea “c” do mesmo dispositivo, sendo que em relação aos proprietários de terra rural, da mesma forma, não se enquadram em nenhuma das categorias referidas no Texto Constitucional, sendo esse o entendimento perfilhado pelo mesmo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: “AÇÃO MONITÓRIA. CONTRIBUIÇÃO SINDICAL PATRONAL RURAL. ENQUADRAMENTO BASEADO NA DIMENSÃO DA PROPRIEDADE.   O Decreto-Lei nº 1.166/71, ao utilizar o critério do tamanho da propriedade rural (art. 1º, inciso II, alíneas “b” e “c”) para distinguir trabalhador rural de empresário rural, afronta o conceito jurídico de categoria (econômica e profissional), para fins de enquadramento sindical, pois está defasado por legislação superveniente (Lei 5.889/73) e suplantado pelo ordenamento constitucional em vigor. O enquadramento sindical rural deve observar critérios de interesse, similitude de atividade e solidariedade, em detrimento de parâmetro ligado, tão somente, ao tamanho da propriedade” (TRT4 Acórdão 0135400-40.2007.5.04.0701 RO). Assim, razoável concluir que para a cobrança da Contribuição Sindical, parte-se do pressuposto de que deve ser paga pelos integrantes pertencentes à categoria econômica ou categoria profissional, sendo que a mera indicação da existência de propriedade rural, perante a Secretaria da Receita Federal, seja por meio da declaração do imposto de renda ou mesmo pelo pagamento do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural, não pressupõe que o proprietário rural exerça atividade econômica[27]. 7. CONCLUSÃO Não obstante ser inquestionável a constitucionalidade da Contribuição Sindical, bem como sua natureza jurídica de tributo, o mesmo não se pode dizer quanto à possibilidade de sua cobrança, levando em consideração unicamente o critério da dimensão da propriedade rural. Isso porque, não mais subsiste o enquadramento sindical baseado exclusivamente na dimensão do imóvel rural, independentemente da existência de empregados e de empreendimento de atividade econômica rural. Nesse sentido, a identificação das categorias econômica e profissional para fins de cobrança da Contribuição Sindical Rural, deve estar associada aos interesses comuns, similitude de atividade e solidariedade dos integrantes das respectivas categorias[28], não sendo legítima a cobrança lastreada pelo artigo 1º, II, “c”, do Decreto-Lei 1.166/71, prevalecendo, hodiernamente, os conceitos trazidos pela Lei 5.889/73, por ser legislação superveniente e específica.
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O princípio da anterioridade e revogação das isenções tributárias
Os doutrinadores defendem a aplicação do princípio da anterioridade (não surpresa) ao que concerne a revogação das isenções tributárias. Entretanto, tal entendimento não é adotado pelo STF, que decide em sentido completamente oposto, uma vez que, para o referido Órgão, a revogação de norma isentiva não caracteriza instituição ou majoração de tributo e sim um retorno a situação a quo existente entre o contribuinte e o Fisco. Portanto, referido artigo tem intuito de esclarecer a possibilidade da aplicação do princípio relacionado à matéria em tela.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO É necessário estabelecer limitações ao poder de tributação do Estado, de modo a evitar, ou ao menos diminuir a prática de abusos por este. Diante de tal motivo surgem os princípios constitucionais tributários, previstos na Constituição Federal nos artigos 150, a 152.  Dentre eles, destacamos o princípio da anterioridade tributária, também conhecido como não surpresa ao contribuinte, trata-se de inequívoca garantia individual do contribuinte, que, uma vez violada, produzirá inconstitucionalidade do ato. O princípio da anterioridade se divide em dois, a anterioridade anual, presente no texto constitucional, desde sua criação, no artigo 150, inciso III, b; e a anterioridade nonagesimal (noventena), presente no artigo 150, inciso III, c, que teve sua inserção por meio da Emenda Constitucional 42/2003. A primeira determina que os Entes tributantes não podem cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada a lei majoradora ou instituidora do tributo. Entretanto, tal instituto tinha grande falha, uma vez que um tributo era criado nos últimos dias do ano, podendo entrar em vigor já no ano seguinte. Diante diss, tornou-se necessária a criação da anterioridade nonagesimal, a qual veda a cobrança de tributos antes de decorridos 90 (noventa) dias da data que tenha sido publicada a lei instituidora ou majoradora do tributo. Entende-se isenção como mera dispensa legal de pagamento de determinado tributo devido. Na situação ocorre o fato gerador, entretanto, o legislador, por meio de expressa disposição, autoriza a dispensa do pagamento, bem como da cobrança do tributo. É uma das espécies de exclusão do crédito tributário, podendo ocorrer por tempo determinado ou indeterminado, de forma ser possível, ainda, sua revogação, a qualquer tempo. Muito é indagado se a revogação de uma isenção acarreta efeitos imediatos para o contribuinte, ou seja, se o princípio da anterioridade deverá ser observado ao que concerne os efeitos da revogação de determinada isenção, que beneficiava o contribuinte. Podemos analisar de duas óticas: isenção temporária (tempo determinado) e na sem tempo determinado, ocasionando interpretação diversa para cada caso, conforme será observado. 1 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE A Constituição Federal, em seu artigo 150, inciso III, alíneas b e c, prevê tal instituto principiológico. Resta evidenciado que as duas alíenas dispõe sobre um intervalo de tempo que deve ser observado no intermedio da data instituidora ou majoradora e a data de cobrança do tributo. Entretanto, faz-se mister ressaltar que, caso a lei beneficie o contribuinte, não haverá de observar o referido principio uma vez que este é utilizado em benefício ao contribuinte, sendo vedada a utilização em seu detrimento. Portanto, caso a lei ocasione a extinção, reduza o valor do tributo, mitigue-lhe uma aliquota, conceda uma isenção ou, aumente o prazo para pagamento do tributo, sem provocar onerosidade ao sujeito passivo, deverá produzir efeitos imediatos, não sendo necessária obediencia ao princípio da não-surpresa. Hugo de Brito Machado afirma que “os princípios constitucionais foram construidos para proteger o cidadão contra o Estado(…) Assim, o principio da anterioridade, como os demais princípios constitucionais em geral, nao impedem a vigencia imediata da norma mais favorável ao contribuinte.” Portanto, não resta dúvidas que, conforme exposto, o princípio em tela somente deverá ser utilizado de forma a beneficiar o o contribuinte integrante da obrigação tributária. 1.1 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE COMUM (ART. 150, III, b, CF) O princípio da anterioridade comum dispõe que a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal não podem exigir tributos no mesmo exércício financeiro em que tenha sido publicada a lei que agrava o ônus ao contribuinte. Deve-se entender exercício financeiro como ano fiscal. Entretanto, no Brasil, ele coincide com o ano civil, conforme a Lei 4320/1964. A anterioridade anual existe desde a Constituição de 1988, sendo a única até o advento da Emenda Constitucional n. 42/2003. Ocorre uma postergação da eficácia da lei tributária para o primeiro dia do exercício financeiro seguinte ao daquele que tenha ocorrido a publicação que institui ou majora a exação tributária. Portanto, o legislador não veda a criação ou majoração do tributo a qualquer tempo, entretanto, determina que a eficácia da lei será suspensa até o início do exercício financeiro seguinte. 1.2 O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL (ART. 150, III, c, CF) É notável que o a Emenda Constitucional n. 42/2003 acrescentou mais uma garantia ao contribuinte, no tocante ao princípio da anterioridade. Passou a vedar-se a cobrança de tributos antes de decorridos o prazo mínimo de 90 (noventa) dias da data que tenha sido publicada a lei que institúi ou majora o tributo. Ressalta-se que tal princípio deve ser observado em consonância com a anterioridade comum, existindo uma aplicação cumulativa, garantindo uma maior segurança ao contribuinte contra uma tributação indevida. 1.3 EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE O artigo 150, §1º, da Constituição Federal determina as exceções ao princípio da anterioridade. Não se sujeitam tanto a anterioridade anual como a nonagesimal os impostos de importação e exportação, o imposto sobre operações fiscais e o extraordinário de guerra, além do empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência. Sujeitam-se apenas a anterioridade nonagesimal o imposto de produtos industrializados, a CIDE combustíveis e a base de cálculo do ICMS sobre combustíveis. E apenas a anterioridade anual a base de cálculo do imposto de renda e as fixações da base de cálculo do IPTU e do IPVA. Mais uma vez há de se ressaltar que, caso o tributo seja minorado, ou traga outros benefícios ao contribuinte, tal lei não deverá observar o princípio da anterioridade, pois não trará prejuízo algum ao contribuinte, pelo contrário, restará caracterizado como um benefício. 2 ISENÇÕES O instituto da isenção constitui uma dispensa legal de pagamento de tributo devido, verificando-se uma situação na qual há a incidencia, uma vez que ocorre o fato gerador, entretanto, o legislador, através de lei, expressamente, dispensou o contribuinte do pagamento do imposto, Trata-se de, junto da anistia, modalidade de exclusão de crédito tributário. É uma dispensa legal de pagamento de tributo, devendo a lei, inicialmente prever as situações nas quais é devido o tributo e só depois, uma lei isentiva criará obstáculos para a constituição do crédito tributário. Oportuno, ainda, destacar que a isenção configura tratamento diferenciado entre pessoas, coisas e situações. É normal que a norma exonerativa estipule tratamentos diferenciados, sem que configure vício de inconstitucionalidade, haja vista o interesse público o qual é visado. Hudo de Brito Machado (2010, p. 40-41), em sua obra, transcorre acerca do assunto: “Em se tratando de imposto cujo fato gerador não seja necessariamente um indicador de capacidade contributiva do contribuinte, a lei que concede isenção certamente não será inconstitucional, já que não fere o princípio em estudo. Em se tratando, porém, de imposto sobre o patrimônio, ou sobre a renda, cujo contribuinte é precisamente aquele que se revela possuidor de riqueza, ou de renda, aí nos parece que a isenção lesa o dispositivo constitucional que alberga o princípio em referência.” A isenção pode ser concedida de forma geral ou específica. A primeira decorre do fato que o benefício atinge a generalidade dos contribuintes, independente de características pessoais e particulare.. A segunda, por sua vez, decorre de restrição de benefício às pessoas quando observam e obedecem determinados requisistos, de modo que a sua fruição estará condicionada de requerimento à Administração Tributária, necessitando, ainda, da comprovação de cumprimento dos pressupostos legais, conforme determina a redação do artigo 179 do Código Tributário Nacional. Portanto, as isenções podem ser concedidas por tempo determinado, de forma específica, o que gera direito adquirido sendo feito através de lei isentiva a qual estipulará prazo e condições para sua concessão, e por tempo indeterminado, de forma geral, situação em que a lei não estipula prazo determinado, não ocorrendo a geração de direitos adquiridos. 2.1 ISENÇÕES E IMUNIDADES Muito se confundem as isenções com a imunidade. Ocorre que na isenção, conforme já anteriormente explicado, materializa-se realização do fato gerador, entretanto, o legislador, obedecendo o princípio da legalidade, afasta a cobrança do tributo, concedendo um benefício fiscal ao contribuinte. A imunidade, de forma diversa, ocorre quando a Constituição Federal afasta a ocorrência do fato gerador do tributo. Nessa situação, não é uma lei ordinária que afasta a cobrança do tributo, e sim a Norma Suprema que torna inexistente o fato gerador, impossibilitando, por consequência, a cobrança. Portanto, apesar do contribuinte praticar situação a qual, em outras ocasiões configuraria a hipótese de incidência do tributo, não haverá a realização do fato gerador. De forma diversa ocorre nas isenções, onde somente a cobrança é afastada. 2.2 ISENÇÕES E NÃO INCIDÊNCIA O conceito de não incidência significa a não ocorrência do fato gerador, ou seja, o sujeito passivo não pratica a hipótese de incidência da obrigação tributária, de forma que não há o que ensejar a cobrança de tributo. Preceitua Luciano Amaro (2010, p. 245): “Quando se fala de incidência (ou melhor, de incidência de tributo), deve-se ter em conta, portanto, o campo ocupado pelos fatos que, por refletirem a hipótese de incidência do tributo legalmente definida, geram obrigações de recolher tributos. Fora desse campo, não se pode falar de incidência de tributo, mas apenas da incidência de normas de imunidade, da incidência de normas de isenção etc.” Portanto, o conceito de nao incidência diferencia-se da isenção pois na primeira o contribuinte não pratica o fato gerador, enquanto na última existe a prática, entretanto, a lei, de forma expressa, afasta a incidência da cobrança do tributo. 3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE SOBRE AS ISENÇÕES LEGAIS Muito se discute acerca da aplicação do princípio da anterioridade sobre a revogação das isenções. Doutrina e jurisprudência não conseguem chegar a uma posição consonante, havendo grande divergência nas opiniões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal e no disposto pelos autores doutrinários. As decisões divergem ao que concerne a natureza das isenções, e se, no caso de revogação, seria necessário a agravação do ônus tributário para que o princípio podesse ser aplicado, tendo sua eficácia garantida. Ainda perante o tema, a doutrina indaga se tal institúto deveria sujeitar-se as duas anterioridas, ou somente a anual. 3.1 REVOGAÇÃO DE ISENÇÕES E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NA ÓTICA DA DOUTRINA Conforme anteriormente exposto, as isenções tributárias podem ser condicionadas, concedidas com prazo determinado e sob determinadas condições, e incondicionadas, sem prazo determinado. No que concerne as isenções tributárias condicionadas o entendimento, tanto doutrinário como jurisprudencial, é consolidado ao atribuir direito adquirido para a fruição do benefício, não podendo uma lei posterior revogar a isenção e prejudicar o contribuinte, retirando-lhe seu direito líquido e certo, anteriormente concedido.   A doutrina majoritária concorda que a revogação de norma concedente do benefício isentivo se equivale a uma norma de incidencia. Diante disso, diversos doutrinadores defendem que a revogação da isenção deve obedecer aos princípios tributários. Paulo de Barros Carvalho compartilha do entendimento que a revogação da isenção deve observar o disposto no artigo 104, inciso III do CTN: “Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda: I – que instituem ou majoram tais impostos; II – que definem novas hipóteses de incidência; III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.”  (grifo nosso) Portanto, a redução ou extinção da isenção deveria produzir seus efeitos somente no exercício financeiro seguinte, ou seja, devendo obediência ao princípio da anterioridade anual. Do mesmo entendimento compartilha Hugo de Brito Machado (2010, p. 251): “A revogação de uma lei que concede isenção equivale á criação de tributo. Por isso deve ser observado o princípio da anterioridade da lei, assegurado pelo art. 150, inciso III, letra “b”, da Constituição Federal (…) a irrevogabilidade da isenção passou a depender dos dois requisitos, isto é, de ser por prazo certo e em função de determinada condições. Roque Antonio Carrazza (2009, p. 198) reforça a a corrente doutrinária que adota tal teoria, senão vejamos: “Outra postura colocaria o contribuinte sob a guarda da insegurança, ensejando a instalação do império da surpresa nas relações entre ele e o Estado. Ao grado de interesses passageiros seria possível afugentar a lealdade da ação estatal, contrariando o regime de direito público e o próprio princípio republicano, que a anterioridade reafirma. Por outro lado, em corrente minoritária, Luis Emygidio defende que a concessão de isenção não faz surgir uma obrigação tributária. A lei isentiva, portanto, suspende a eficácia da norma impositiva tributante. De tal forma, a revogação da lei isentiva gera, imediatamente, a eficácia da lei de incidência. Portanto, poucos são os doutrinadores os quais opinam acerca de que a revogação da isenção não deverá observar o princípio na anterioridade tributária, sendo majoritária a corrente que defende a aplicação do princípio, como forma de evitar uma “surpresa desagradável” ao contribuinte. 3.2 A REVOGAÇÃO DAS ISENÇÕES E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NA ÓTICA DA JURISPRUDÊNCIA Tratando-se de revogação de insenções temporárias o Supremo pacificou jurisprudência em relação à geração de direito adquirido, portanto, seria necessário respeitar o período concedido, mesmo que revogada a norma de isenção. Não oportuno, foi editada a Súmula 544 do STF, reforçando a idéia em tela, concedendo a segurança jurídica: “Isenções tributárias concedidas sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas.” Entretanto, ao que concerne as isenções concedidas por tempo indeterminado, o Supremo Tribunal Federal posiciona-se, atualmente, entendendo que a revogação de uma norma isentiva nao constitui majoração ou criação de tributo, sendo apenas a extinção de um incentivo fiscal concedido à alguem. Desta via, o tributo volta a ser exigido de forma imediata, uma vez que não houve prejuízo ao contribuinte e sim o retorno ao status “a quo”. Assim decidiu o Tribunal Regional Federal, 5ª região: “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO PROFISSIONAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM RAZÃO DE NÃO RECOLHIMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS. IRRETROATIVIDADE DA LEI. APELAÇÃO PROVIDA. 1. A sentença recorrida extinguiu o processo sem julgamento de mérito em razão do não recolhimento das custas (fls. 59/61). 2. O art. 9o., da Lei 6.032/74 isentava do pagamento de custas, entre outros, a União, os Estados, Municípios e respectivas autarquias; a Lei 9.289/96, revogadora daquele diploma normativo, afastou expressamente, em seu art. 4o, Parágrafo Único, as entidades fiscalizadoras do exercício profissional da referida isenção. 3. O STF já decidiu que, revogada a isenção, o tributo se torna imediatamente exigível, não havendo que se observar o princípio da anterioridade, por se tratar de tributação já existente (RE 204.062-2-ES, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJ 19.12.96). 4. No caso dos autos, observa-se que a Execução Fiscal foi protocolada em 25.06.96 e a Lei 9.289, revogadora da isenção, é de 04.07.96 (DOU 05.07.96), impossibilitando que seus efeitos incidam sobre atos processuais que lhes são anteriores, neste sentido: TRF5, AC 416.903-CE, Rel. Des. Federal FREDERICO PINTO AZEVEDO, DJ 19.11.07, p. 436. 5. Apelação provida para reformar a sentença recorrida, determinando-se o prosseguimento da Execução Fiscal”. (grifo nosso) No mesmo sentido se posiciona Tribunal Regional da 2ª Região: “TRIBUTÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. APELAÇÃO. A ENTIDADE COOPERATIVA, AO PRESTAR SERVIÇOS A SEUS ASSOCIADOS, SEM INTERESSE NEGOCIAL, OU FIM LUCRATIVO, GOZA DE COMPLETA ISENÇÃO. STF FIRMOU ENTENDIMENTO DE QUE A CONTAGEM DO PRAZO NONAGESIMAL TEM INÍCIO A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA PRIMEIRA MEDIDA PROVISÓRIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL NO PRESENTE CASO. NEGADO PROVIMENTO À REMESSA EX OFFICIO E À APELAÇÃO. 1. Cuida-se de remessa necessária e apelação cível interposta pela UNIÃO em face de COOPERATIVA EDUCACIONAL DOS ASSOCIADOS DAS COOPERATIVAS DE CRÉDITO – COOPEDUC, objetivando reformar a sentença de fls. 148/159, que concedeu, em parte, a segurança pleiteada na inicial nesta ação mandamental, para declarar, como ilegal, a revogação da isenção conferida pela LC n. 70/91, apenas durante o período de anterioridade nonagesimal, não respeitado pela MP n. 1.858-6/99. 2 […] 11. A anterioridade nonagesimal, nos termos do art. 195, § 6º, da Constituição da República, em regra, constitui limitação ao poder de tributar, incidindo tão-somente nos casos de instituição e modificação (ou majoração) de contribuições sociais. Na linha desse entendimento, quando ocorre isenção, há a incidência do tributo, está manifesto o fato gerador, instaura-se a relação jurídico-tributária, nasce a obrigação tributária, sendo assim devido o tributo; porém, por disposição legal, a parte contribuinte é dispensada do pagamento. 12. Nesse contexto, se considerar que, na isenção, ocorre mera dispensa do pagamento do tributo, a sua revogação não importa na instituição ou majoração do tributo, o que, a teor do art. 195, § 6º, da Constituição da República, ensejaria a aplicação da anterioridade em questão. Revogada a isenção, restabelece-se imediatamente a obrigação tributária, não incidindo assim a regra da anterioridade nonagesimal. 13. O c. Supremo Tribunal Federal, nos autos do RE 204.062-2/ES, na Relatoria do Min. Carlos Velloso, já havia decidido nesse sentido, aduzindo que, revogada a isenção, o tributo se tornaria imediatamente exigível, não havendo que se observar o princípio da anterioridade, por se tratar de tributação já existente. 14. De outra banda, o Plenário daquela Corte Suprema, no julgamento do RE 232896/PA, na Relatoria do também Ministro Carlos Velloso, firmou posicionamento no sentido de que a contagem do prazo nonagesimal tem início a partir da publicação da primeira medida provisória, posicionamento este adotado pelo c. Superior Tribunal de Justiça e pelos tribunais regionais federais. 15. No caso dos autos, a MP n. 1.858-6, de 29 de julho de 1999, em seu art. 23, II, a, revogou os incisos I e II do art. 6º da LC n. 70/91, determinando que a revogação se daria a partir de 30 de junho de 1999. 16. Adotando o novo posicionamento do e. STF, resta claro que houve sim ofensa ao princípio da anterioridade nonagesimal. Ora, a referida norma que revoga a isenção foi publicada em 29 de junho de 1999, sendo certo que, nos meses de julho, agosto e setembro/1999, ainda incidiria a norma de isenção dos incisos I e III do art. 6º da LC n. 70/91. 17. Remessa necessária e apelação a que se nega provimento.” (grifo nosso) Portanto, a jurisprudencia segue o entendimento da teoria clássica, entendendo que a isenção seria a dispensa legal do pagamento do tributo, nao afastando sua incidência e a obrigação tributária, mas simplesmente a cobrança. De forma que, uma vez revogada, nada obsta a imediata cobrança do tributo antes isento, já que a obrigação tributária não restou impedida em qualquer momento. É necessário, ainda, destacar a Súmula 615 do Supremo Tribunal Federal: “O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do artigo 153 da Constituição Federal) não se aplica à revogação de isenção do Imposto de Circulação de Mercadorias”. Portanto, aplicando a nalogia e a inteligencia da Súmula em referencia, nao há divergencia quanto a isenção e o princípio da anterioridade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). CONCLUSÃO Diante do exposto, conclui-se que existem diversos entendimentos doutrinários acerca do assunto. Entretanto a maior parte dos autores é solidária à idéia de que o princípio da anterioridade deve incidir sobre as revogações de normas isentivas, aguardando, ao menos, o exercício financeiro seguinte. Em sentido completamente oposto, o Supremo Tribunal Federal posiciona-se, atualmente. Segundo este, não há que se aplicar o referido princípio sobre a isenção revogada, podendo o tributo ser cobrado de imediato, sem respeitar a anterioridade anual ou nonagesimal. Inclusive tornando o assunto objeto de Súmulas, conforme as de número 544 e 615. Alguns doutrinadores entendem que as referidas súmulas referem-se ao imposto sobre circulação de mercadorias, não havendo qualquer incompatibilidade com o presente no artigo 104, inciso III, do Código Tributário Nacional. Entretanto, o próprio Supremo Tribunal Federal entende que o referido artigo caiu em desuso, não devendo ser aplicado ao ordenamento jurídico brasileiro. Todo questionamento da aplicação do princípio decorre da teoria sobre a natureza da isenção tributária. De um lado, a teoria clássica  a qual sustenta ser a isenção uma mera dispensa legal do pagamento de tributo, ocorrendo a obrigação tributária. Do outro, a teoria contemporânea, sustentando que a lei isentiva impede a ocorrência do fato gerador, de modo que a revogação da lei isentiva incondicionada equivaleria-se a revogação de lei impositiva, criando ou majorando os tributos. Nesse sentido, portanto, deveria ser observado o princípio da não surpresa. Por ser considerado um direito ao contribuinte, garantindo a chamada segurança jurídica, nos parece ser mais justo a adoção da corrente contemporânea. Se o contribuinte encontra-se isento de pagar determinado tributo, certamente estará aplicando as verbas economizadas em outra operação. Quando ocorre a revogação da isenção a ele concedida, nada parece ser mais correto que a observância, mínima, de noventa dias, para o, ate então, beneficiado, se planejar para ter seu custo onerado. Um exemplo seria o caso de um comerciante ao qual é concedido, através de lei, isenção de determinado imposto, por tempo indeterminado. Por este motivo, ele aplicaria todo o dinheiro economizado com a não cobrança do imposto em ampliação de sua loja, não devendo ser simplesmente supreendido com a revogação da isenção e o consequente pagamento do tributo, sem um mínimo prazo para planejar-se. Sendo necessário, portanto, que seja respeitado, ao mínimo, a anterioridade nonegesimal, por caracterizar claro gravame tributário, contrariando as limitações ao poder de tributar, trazidas pela Constituição Federal. Parece, então, ser mais adequado aos valores previstos na Carta Magna, o entendimento da observância a anterioridade tributária ao que concerne a revogação das isenções, evitando uma surpresa que agrave o ônus do contribuinte, objetivo principal do princípio, e disponibilizando-o um prazo mínimo para programar-se possibilitando, novamente, a exação tributária, de forma que pudesse suportar, sem grandes prejuízos, o ônus trazido pelo tributo.
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Sistemas informatizados: estudo no controle da arrecadação tributária municipal
O presente artigo tem por objetivo estudar o uso de tecnologias informatizadas no controle da arrecadação municipal, bem como seu impacto no dia-a-dia da Administração Tributária. Também são discutidos temas relevantes como o papel constitucional da Administração Tributária, e são delimitadas as principais ferramentas colocadas à disposição do Fisco hodiernamente.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO É crescente a informatização[1] do País, e um dos dados mais concretos dessa realidade é o fato do Brasil figurar hoje como um dos países com maior número de lares conectados à internet. Dessa forma, é lógico que a Administração Fazendária busque em sistemas informatizados uma maneira mais eficaz para aumentar a arrecadação e reduzir seus custos. Além disso, a possibilidade de cumprir as obrigações tributárias pela rede mundial de computadores faz com que o relacionamento com o contribuinte seja melhor e mais rápido. Entretanto, não se pode negar que são os Municípios, especialmente os de pequeno porte, os que mais sofrem para se modernizar. Tanto pelo custo dos programas, quanto pela falta de um treinamento correto dos usuários, a modernização da Administração Fazendária é um grande desafio. E, para cumprir com seu papel constitucional, e principalmente, para buscar de maneira racional e eficiente os recursos de que precisa, o Fisco precisa obter cada vez mais as ferramentas tecnológicas adequadas. Com isso em mente, muitas Administrações buscaram implantar essas soluções, seja através da compra de sistemas, seja através da parceria entre órgãos públicos. Entretanto, por desconhecimento do que há disponível, municípios terminam por comprar programas incompatíveis com as suas realidades. O objetivo geral deste trabalho é verificar conceitos sobre o uso de ferramentas informatizadas na arrecadação municipal. 1. A IMPORTANCIA DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS O Estado tem papel fundamental na manutenção da Sociedade, pois sua missão é buscar o bem estar de todos. Nas palavras de Harada (2006, p. 31): “Basicamente, a finalidade do Estado é a realização do bem comum. A noção de bem comum é difícil e complexa. Podemos conceituá-la como sendo um ideal que promove o bem-estar e conduz a um modelo de sociedade, que permite o pleno desenvolvimento das potencialidades humanas, ao mesmo tempo em que estimula a compreensão e a prática de valores espirituais. Para o atingimento dessa finalidade, o Estado desenvolve inúmeras atividades, cada qual objetivando tutelar determinada necessidade pública.” […] Após a promulgação da Constituição de 1988, o Estado passou a ter uma série de atribuições diretas, que envolvem a garantia de vários direitos, como o acesso universal à educação, à saúde, ao trabalho, entre outros. E esta obrigação ficou expressa no art. 6º. do texto constitucional: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. E para cumprir esse papel, o Estado deve buscar fontes de receitas que custeiem essas atribuições. A busca dessas fontes de receitas, assim como a forma pela qual ela é gasta é chamada atividade financeira do Estado. De acordo com Oliveira (2007, p. 78), a “atividade financeira pode ser conceituada como a ação do Estado na obtenção de receitas, em sua gestão e nos gastos para desenvolvimento de suas funções”. Tanto as receitas quanto as despesas públicas são o objeto de estudo do Direito Financeiro, que estuda justamente a atividade financeira do Estado. E para o presente estudo, é importante conceituar o que pode ser considerada uma fonte de receita do Estado. Pascoal (2008, p. 88) ensina a respeito: “O Estado, para fazer face às suas obrigações, necessita de recursos que podem ser obtidos junto à coletividade ou através do endividamento público. O conjunto destes recursos é que nós chamamos de receita pública. É através dela que o Estado poderá atender às demandas diversas da sociedade, como saúde, educação e segurança”. (grifos no original). Assim, entende-se por Receita tudo aquilo que o Estado arrecada para custear suas atividades. E essa receita pode ter várias fontes de origem, e de acordo com Machado Segundo (2008, p. 06-08), elas são classificadas quanto à periodicidade, quanto à origem e quanto à atividade pela qual são obtidas. De acordo com essas classificações, elas podem se dividir conforme demonstrado no Quadro 1: Entre as fontes de receita estatal – aqui entendido como o Estado em sentido genérico –, a mais importante é, sem sombra de dúvidas, a de origem tributária, em especial aquela vinda dos tributos. Portanto, é importante o estudo da obrigação tributária, que é a fonte de nascimento do dever de pagar tributos. 2. OS CONCEITOS DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA PRINCIPAL E ACESSÓRIA Os tributos decorrem do nascimento da obrigação tributária, vínculo jurídico surgido a partir do momento em que um fato ocorrido na vida real corresponde a uma hipótese prevista na lei – a chamada hipótese de incidência. A essa coincidência entre fato e norma chama-se fato gerador. A hipótese de incidência é somente isso – uma hipótese –, prevista na letra da lei. Somente após a ocorrência de um fato que, por suas características intrínsecas, corresponde integralmente à hipótese legal, é que ocorrerá o nascimento da obrigação tributária. Por exemplo, a lei prevê que quem é proprietário de um imóvel rural está sujeito ao ITR (Imposto Territorial Rural). Essa é uma hipótese legal, ou seja, se alguém for proprietário de um imóvel rural, somente então estaria sujeito a esse imposto em particular. Essa regra somente se transforma em um vinculo obrigacional para aquele que se tornar, de fato e de direito, proprietário de um imóvel rural, gerando uma consequência concreta, qual seja, pagar o ITR. Entretanto, a natureza dessa obrigação nascida a partir da lei pode ser tanto a entrega de determinado valor para a quitação do tributo (obrigação de dar), quanto a execução ou abstenção de determinado ato (obrigação de fazer ou de não fazer). Ensina Amaro (2006, p. 245), sobre a obrigação tributária: “Ao tratar da obrigação tributária, interessa-nos a acepção da obrigação como relação jurídica, designando o vínculo que adstringe o devedor a uma prestação em proveito do credor, que, por sua vez, tem o direito de exigir essa prestação a que o devedor está adstrito. A obrigação tributária, de acordo com a natureza da prestação que tenha por objeto, pode assumir as formas que referimos (dar, fazer e não fazer). Por conseguinte, a obrigação, no direito tributário, não possui conceituação diferente da que lhe é conferida no direito obrigacional comum. Ela se particulariza, no campo dos tributos, pelo seu objeto, que será sempre uma prestação de natureza tributária, portanto um dar, fazer ou não fazer de conteúdo pertinente ao tributo. O objeto da obrigação tributária pode ser: dar uma soma pecuniária ao sujeito ativo, fazer algo (por exemplo, emitir nota fiscal, apresentar declaração de rendimentos) ou não fazer algo (por exemplo, não embaraçar a fiscalização). É pelo objeto que a obrigação revela sua natureza tributária”. Portanto, a obrigação tributária é um vínculo entre o contribuinte e a Fazenda Pública, nascida do texto da lei, e que pode ser tanto uma obrigação de dar, quanto uma obrigação de fazer ou deixar de fazer. De acordo com o art. 113 da Lei n.º 5.172/66 (Código Tributário Nacional) a obrigação tributária divide-se em principal e acessória. O artigo em comento traz ainda o conceito de ambas: “Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.  Obrigação tributária principal é assim, o dever de pagar o tributo devido a partir de seu nascimento. Desta maneira, uma vez surgida a obrigação de pagar o tributo, ela somente se extingue, via de regra, com o adimplemento dessa obrigação. Ao comentar o artigo 113, Cassone (2007, p. 142-143) descreve a seguinte situação: “A primeira parte do dispositivo é clara: praticado o fato gerador, surge para contribuinte a obrigação de pagar o tributo e/ou penalidade correspondente (§ 1°). O § 2° não apresenta, em princípio, maiores problemas, uma vez que na prática tributária é exigido por lei, o cumprimento de obrigações acessórias, positivas (de emissão de documentos fiscais em geral ou de outra natureza) ou negativas (deixar de agir desta ou daquela maneira), sempre no interesse da arrecadação e da fiscalização.[…] A penalidade prevista no § 3° é decorrente da ilicitude, pelo que não é tributo (CTN, art. 3°), mas se converte em obrigação principal pelo simples fato de poder ser exigida pelos mesmos instrumentos em que cobrada a obrigação tributária. Verifica-se que o legislador, ao disciplinar a obrigação acessória, equiparou-a a obrigação principal quanto à inadimplência. Ou seja, a falta de cumprimento de qualquer obrigação acessória – e a consequente penalidade advinda desse não cumprimento – tem o mesmo status do valor devido pelo inadimplemento da obrigação principal (pagar o tributo). O que pode ser estabelecido neste momento, é que é considerada obrigação acessória toda e qualquer forma de controle estabelecido pelo Fisco, com o fim de verificar o cumprimento da obrigação principal (pagar o tributo devido). Como hoje a maior fonte de receita do Estado vem diretamente do pagamento de tributos, a forma como esse controle é feito torna-se especialmente relevante. E é por este motivo, que a Administração Tributária tem se aperfeiçoado cada vez mais, e na busca por uma maior eficiência, buscado soluções tecnológicas que permitam o cumprimento de seu papel constitucional. 3. O PAPEL CONSTITUCIONAL DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA[2] A Administração Tributária é o órgão do Estado responsável pela busca de recursos financeiros, necessários para o desempenho das atividades estatais. E ela desempenha esse papel buscando esses recursos sob a forma de tributos. Segundo conceito disponibilizado pelo Ministério da Fazenda (2011, p. 01), a Administração Tributária: “[…] constitui-se num conjunto de ações e atividades, integradas e complementares entre si, que visam garantir o cumprimento pela sociedade da legislação tributária e do comércio exterior e que se materializam numa presença fiscal ampla e atuante, quer seja no âmbito da facilitação do cumprimento das obrigações tributárias, quer seja na construção e manutenção de uma forte percepção de risco sobre os contribuintes faltosos”. Já segundo Harada (2006, p. 534), a Administração Tributária é a: “Atividade do poder público voltada para a fiscalização e arrecadação tributária. É um procedimento que objetiva verificar o cumprimento das obrigações tributárias, praticando, quando for o caso, os atos tendentes a deflagrar a cobrança coativa e expedir certidões comprobatórias da situação do sujeito passivo”. Portanto, cabe à Administração Tributária a primazia do controle da arrecadação e da cobrança dos tributos devidos ao Estado. E, conseqüentemente, ela tem papel fundamental e estratégico na manutenção das atividades estatais, pois é daí que são tirados os recursos necessários para que essas atividades aconteçam. O artigo 37, inciso XVIII, da Constituição Federal já determinava essa primazia do Fisco sobre os demais setores da Administração Pública: “XVIII – A administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei”. Essa precedência constitucionalmente colocada baseia-se no papel fundamental que a Administração Tributária tem na manutenção da máquina estatal. E, para reforçar esse papel de ascendência, a Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003, incluiu no mesmo artigo 37 o inciso XXII, com a seguinte redação: “XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio”. Deste modo, a Administração Fazendária deve contar com um quadro de servidores de carreiras especificamente ligadas à arrecadação de tributos, além de recursos específicos e prioritários. E essa alocação de recursos específicos e servidores especialmente treinados para a Fazenda traduz esse seu protagonismo perante os demais órgãos integrantes da Administração Pública. De acordo com Harada (2006, p. 534-535): “A administração tributária, regida pela legislação tributária, assim entendida aquela prevista no art. 96 do CTN, é de suma importância para a Fazenda Pública, visto que a receita tributária representa a maior fonte regular de receita pública. De regra, as próprias leis instituidoras dos tributos estabelecem, genericamente, as normas de competência, bem como os poderes dos agentes públicos no desempenho das atividades fiscalizadoras. A complexidade de nosso sistema tributário, porém, conduz à necessidade de expedição não só de decretos regulamentadores, como também, de inúmeros outros instrumentos normativos de menor hierarquia, como portarias, instruções normativas, ordens internas, comunicados, ordens de serviços, circulares, etc., que passam a integrar a legislação voltada para a fiscalização e arrecadação de tributos. Para o fiel desempenho dessa atividade, o poder tributante precisa de uma infra-estrutura adequada em termos de pessoal e material. […]” (grifos em negrito não presentes no original). A garantia constitucional reforça ainda mais a busca constante de modernização e aprimoramento da estrutura arrecadatória. E em nossa realidade altamente tecnológica, é natural que as administrações municipais busquem em sistemas informatizados essa modernização de procedimentos. Esses sistemas são usados de diversas maneiras pelo Fisco, como demonstra Sabbag (2009, p. 839): “A Administração Tributária traduz-se num conjunto de ações e atividades, integradas e complementares entre si, que almejam garantir o cumprimento pela sociedade da legislação tributária, que se mostra por meio da presença fiscal, quer no âmbito da facilitação do cumprimento das obrigações tributárias, quer na construção e manutenção da percepção de risco sobre o calculado inadimplemento. Essas ações e atividades se sustentam na normatização da legislação tributária e num conjunto integrado de sistemas de informação, alimentados por dados cadastrais e econômico-fiscais, fornecidos ao Fisco pelos próprios contribuintes ou por terceiros, mediante a apresentação de diversas modalidades de declarações”. (grifos em negrito não presentes no original) Portanto, é vital que os gestores municipais tomem conhecimento dos instrumentos de controle e arrecadação de receitas mais contemporâneos, para que possam aparelhar seus Fiscos de maneira eficaz e racional. Assim, passa-se à análise dessas ferramentas, bem como dos conceitos básicos relacionados a essas ferramentas. 4. AS NOVAS FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS DE CONTROLE DA ARRECADAÇÃO MUNICIPAL Devido ao seu papel estratégico para a Administração Pública, a Fazenda deve buscar o controle das informações ligadas à arrecadação tributária. Para Lunkes apud CASAGRANDE e ROZA (2010, p. 73): “[…] as atividades de controle aliam monitoramento e avaliação de pessoas e outros recursos utilizados em operações, para que os objetivos sejam atingidos. Ele manifesta, ainda, como propósito do controle, a certificação de que todas as metas traçadas pela gestão sejam atingidas e acrescenta que poderão ser oferecidos incentivos ou recompensas como motivação às equipes envolvidas na operacionalização dessas diretrizes”.  Consequentemente, uma arrecadação tributária mais eficiente passa necessariamente por um controle mais rígido das informações ligadas a essa arrecadação. O uso de sistemas informatizados de controle da arrecadação tributária é hoje, um paradigma inescapável, já que vive-se a Era da Informação. Lastres e Ferraz apud SANTOS (2002, p. 09) informam que: “A virada do milênio está se revelando um período de intensas mudanças. Inovações de todos os tipos estão sendo geradas e difundidas, cada vez mais velozmente, por todas as atividades econômicas, em grande parte dos países do planeta. Novos produtos, processos e insumos: as tecnologias da informação aí estão. Novos mercados: segmentos que surgem respondendo ao lançamento de novos produtos ou espaços regionais que se abrem ao exterior. Novas formas de organização: produção just-in-time, empresas organizadas em rede, comércio eletrônico etc. São igualmente importantes as mudanças que redefinem os sistemas existentes de incentivo e regulação públicos nacionais. Intensa taxa de mudança técnica, mercados internacionalizados e desregulados constituem oportunidades e ameaças para países, empresas, trabalhadores, consumidores e cidadãos”. Ou seja, essa nova forma da sociedade se relacionar, de lançar e consumir produtos e, por consequência, a criação de novos mercados tem seu impacto na maneira pela qual a Administração Pública se relaciona com a sociedade. Vários são os exemplos de serviços públicos disponibilizados aos cidadãos pela rede mundial de computadores. Esse contato mais imediato entre Administração e administrados alterou a dinâmica dessa relação, tornando-a mais ágil e imediata. No âmbito da Administração Fazendária, o uso da internet como forma de controle da arrecadação tributária tem se intensificado nos últimos anos. Capitaneada pela Receita Federal, essa nova modalidade de contato com os contribuintes tem revolucionado a forma pela qual as obrigações tributárias tem sido cumpridas. De acordo com o Ministério da Fazenda (2011, p. 01), as ações do Fisco são baseadas: “[…] na normatização da legislação tributária e do comércio exterior e num conjunto integrado de sistemas de informação, alimentados por informações cadastrais e econômico-fiscais, fornecidas ao fisco pelos próprios contribuintes ou por terceiros mediante a apresentação de diversas modalidades de declarações”.  Dessa forma, a forma pela qual as informações são prestadas para o Fisco quer pelos contribuintes, quer por terceiros diretamente envolvidos no fato gerador da Obrigação Tributária, passou por uma evolução significativa. Ao aliar-se a relevância da função da Fazenda para o Estado com a agilidade e segurança fornecida pelos novos meios de comunicação colocados à disposição pela internet, a relação Fisco-contribuinte tornou-se mais ágil, confiável e democrática. Com a inclusão do já citado art. 37, inciso XXII, da Constituição Federal, foram criados diversos mecanismos de cooperação entre os Fiscos dos diversos entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), e que tem na internet seu veículo de divulgação. Após a promulgação da Emenda Constitucional nº 42/2003 (que incluiu o inciso XXII do art. 37), foi criado o Encontro Nacional dos Administradores Tributários – ENAT, e segundo informações do site da Receita Federal (2011, p. 01): “O encontro teve como objetivo buscar soluções conjuntas nas três esferas de Governo que promovessem maior integração administrativa, padronização e melhor qualidade das informações; racionalização de custos e da carga de trabalho operacional no atendimento; maior eficácia da fiscalização; maior possibilidade de realização de ações fiscais coordenadas e integradas; maior possibilidade de intercâmbio de informações fiscais entre as diversas esferas governamentais; cruzamento de informações em larga escala com dados padronizados e uniformização de procedimentos”. A partir dos Encontros subsequentes foram criados vários mecanismos de mútua assistência entre os diversos órgãos fazendários. O ENAT também inovou ao buscar a uniformização dos procedimentos e do cumprimento das obrigações acessórias ali criadas, como a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e), e o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), adiante detalhados. Vários protocolos foram firmados entre os participantes, e dentre eles destacam-se os seguintes, de importância para os Municípios, por impactarem diretamente no controle da arrecadação do principal imposto municipal, Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN): o Cadastro Sincronizado Nacional (CadSinc), o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), e a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e). O CadSinc (2011, p.01) é a: “[…] integração dos procedimentos cadastrais relativos às Pessoas Jurídicas e demais entidades no âmbito das Administrações Tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos demais órgãos e entidades que participem do processo de formalização e legalização de empresas […]”. Então, o objetivo do CadSinc é unir em um único processo, todos os procedimentos necessários para a abertura de empresas no Brasil. Entretanto, atualmente esse é um projeto que, em virtude da imensa dificuldade técnica para sua implementação, está sendo substituído por outros projetos como a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim). Por sua vez, a Redesim (2011, p.01) é: “[…] um sistema integrado que permitirá a abertura, fechamento, alteração e legalização de empresas do Brasil, simplificando procedimentos e reduzindo a burocracia ao mínimo necessário. Este sistema fará a integração de todos os processos dos órgãos e entidades responsáveis pelo registro, inscrições, licenciamentos, autorizações e baixa das empresas, por meio de uma única entrada de dados e de documentos, acessada pela internet. Disponibilizará também uma etapa de pesquisas prévias à constituição ou alteração de empresas, por meio do qual o cidadão será informado da possibilidade da atividade no local escolhido e das exigências que serão feitas nas etapas seguintes”. Atualmente, o CadSinc está sendo desativado e substituído pelo Redesim, um sistema mais moderno e com um espectro mais amplo de possíveis adesões, já que os convênios são fechados através das Juntas Comerciais, e não individualmente. Já o SPED, busca substituir toda a escrituração contábil e fiscal das empresas, hoje feita em papel, por um sistema onde essas empresas poderão registrar sua contabilidade num sistema de armazenamento digital público de informações. Conforme informação do site da Receita Federal (2011, p. 01): “É a substituição da escrituração em papel pela Escrituração Contábil Digital – ECD, também chamada de SPED-Contábil. Trata-se da obrigação de transmitir em versão digital os seguintes livros: I – livro Diário e seus auxiliares, se houver; II – livro Razão e seus auxiliares, se houver; III – livro Balancetes Diários, Balanços e fichas de lançamento comprobatórias dos assentamentos neles transcritos”. Outro instrumento de modernização do registro de operações tributáveis é a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e). A NFS-e está prevista no Protocolo de Cooperação ENAT 01-2006 (2011, p.01) – por sua vez foi reafirmado no Protocolo de Cooperação ENAT 02-2007 –, onde foram estabelecidos os seguintes pontos: “a) Criação de um Modelo Conceitual Nacional, e que atenda aos interesses das respectivas administrações tributárias. b) Previsão de campos de interesse específico de cada ente que aderir ao sistema, dentro da NFS-e. c) A criação da Sefin Virtual, através da qual serão transmitidas as NFS-e para o Ambiente Nacional SPED. (www.receita.gov.br/enat)”. Atualmente, esse projeto está em desenvolvimento sob a coordenação da Receita Federal do Brasil, da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças dos Municípios das Capitais (ABRASF) e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). O conceito da NFS-e está previsto no Manual de Integração da ABRASF (2011, p. 05): “A Nota Fiscal de Serviços Eletrônica (NFS-e) é um documento de existência exclusivamente digital, gerado e armazenado eletronicamente pela prefeitura ou por outra entidade conveniada, para documentar as operações de prestação de serviços. A geração da NFS-e será feita, automaticamente, por meio de serviços informatizados, disponibilizados aos contribuintes. Para que sua geração seja efetuada, dados que a compõem serão informados, analisados, processados, validados e, se corretos, gerarão o documento. A responsabilidade pelo cumprimento da obrigação acessória de emissão da NFS-e e pelo correto fornecimento dos dados à secretaria, para a geração da mesma, é do contribuinte”. (grifos em negrito não presentes no original)  A NFS-e é, portanto, um documento gerado e armazenado eletronicamente, isto é, num meio virtual. E esta não é uma mudança apenas de mídia – ou seja, do meio onde a informação é armazenada. Mais que isso, esse novo meio de coleta e armazenamento de informações fiscais promete redesenhar as relações entre Fisco e contribuinte. De acordo com Reiter e Roveri (2011, p. 03): “Num primeiro momento, o que salta aos olhos é a mídia usada para gerar o documento fiscal. Ao invés de ser confeccionado em papel, ele é emitido eletronicamente, isto é, num meio físico virtual. A mudança é significativa, uma vez que o mesmo documento, que antes existia em um meio físico, agora passa a ser emitido através de meios informatizados.      Em segundo lugar, chama atenção o fato de que a emissão e armazenamento do documento, apesar de baseados em informações entregues pelo contribuinte, são de responsabilidade do Fisco. Como efeito imediato, tem-se a transferência dessa responsabilidade para o Município, restando ao contribuinte tão-somente o fornecimento dos dados que comporão o registro da registrada a operação tributada, pelos quais ainda é pessoalmente responsável. Por fim, a NFS-e redefine a obrigação tributária acessória do contribuinte, que ao invés de emitir documentos fiscais, registrá-los, calcular o valor do imposto devido e armazenar esses documentos para futura exibição do fisco, deve somente informar os dados necessários para a caracterização do fato gerador. Essa nova forma de cumprimento dessas obrigações promete redesenhar a relação do contribuinte com o Fisco, facilitando e desburocratizando tanto a tarefa de pagar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), quanto a sua fiscalização”. (grifos em negrito presentes no original) Hoje, a NFS-e desenha-se como uma ferramenta valiosa na busca do aumento da arrecadação do ISSQN. Está prevista ainda a criação da Sefin Virtual, um ambiente onde todos os Municípios integrarão um único banco de dados nacional, que também compartilhará as informações coletadas através do SPED. Tendo em vista que esse é um instrumento de abrangência nacional, é importante que os municípios busquem conhecer o modelo conceitual nacional, disponível no site da ABRASF, e que está na versão 2.0. Ainda no âmbito da fiscalização do ISSQN, um outro instrumento importante é a Declaração Eletrônica de Serviços de Instituições Financeiras (DES-IF). De acordo com o conceito constante no modelo conceitual da ABRASF (2010, p. 05): “A Declaração Eletrônica de Serviços de Instituições Financeiras (DES-IF) é um documento fiscal de existência exclusivamente digital, para registrar a apuração do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e as operações das Instituições Financeiras e equiparadas autorizadas a funcionar pelo Banco Central (BACEN) e demais Pessoas Jurídicas obrigadas a utilizar o Plano de Contas das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (COSIF). A geração da DES-IF será feita por meio de serviços informatizados, disponibilizados aos contribuintes, para a importação de dados que a compõem, sua validação e certificação digita”l. A DES-IF é um instrumento muito importante, pois possibilita uma fiscalização mais eficiente de um setor altamente especializado, e que costuma trazer diversas dificuldades no procedimento fiscalizatório, já que as instituições bancárias possuem uma contabilização diferenciada de seus recursos, e ainda uma documentação complexa para ser examinada, devido à sua especificidade. Por fim, há a arrecadação nacional do ISSQN através do sistema do Simples Nacional[3]. As empresas optantes deste regime de arrecadação tributária diferenciado recolhem o imposto municipal através do Programa Gerador do Documento de Arrecadação do Simples Nacional (PGDAS), e o controle desta arrecadação é feita através de diversos aplicativos disponibilizados pela Receita Federal do Brasil (o órgão centralizador do sistema de arrecadação), além de diversos relatórios disponibilizados pelo Banco do Brasil (agente arrecadador oficial do Simples). Como o acesso deve ser feito necessariamente através de certificação digital[4], isto levou muitos municípios a adquirirem certificados digitais, com o intuito de possibilitar o acesso a esses dados. Outra ferramenta decorrente do Simples Nacional é o módulo unificado de fiscalização, que viabilizará a verificação unificada dos dados fornecidos pelos contribuintes, pelos órgãos fiscalizadores dos diversos entes (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Entretanto, decorridos quase cinco anos do início da vigência do Simples (que passou a vigorar a partir de 01/07/2007), tal módulo ainda não foi desenvolvido pela Receita Federal, o que na prática dificulta a correta verificação da veracidade das informações prestadas pelos contribuintes. O modelo de fiscalização dessas empresas foi disciplinado pela Resolução 30, de 07/02/2008 do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN), e em linhas gerais, disciplina esse módulo de fiscalização e as regras de transição, válidas enquanto o módulo não estiver em operação. A grande vantagem dessas ferramentas de controle da arrecadação do ISSQN está no fato de terem suas configurações uniformizadas em nível nacional, o que facilita o treinamento dos servidores envolvidos no processo, bem como a aquisição de programas por parte das Administrações Fazendárias municipais. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer do controle da arrecadação dos impostos incidentes sobre a propriedade imóvel: o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), e do Imposto sobre a Transmissão "inter vivos" (ITBI), que ainda são fiscalizados de maneira pouco eficiente. Os Municípios, bem como seus órgãos representativos ainda não estabeleceram um modelo conceitual de ferramenta informatizada para controle da arrecadação desses impostos. Alguns Municípios instituíram controles eletrônicos, como a possibilidade de emissão da guia de pagamento do ITBI diretamente nos cartórios. Outra ferramenta largamente usada é o levantamento aerofotogramétrico de imóveis, que é o mapeamento de grandes áreas através de fotografias aéreas, com aplicação tanto no IPTU quanto no ITBI. Entretanto, são iniciativas ainda tímidas, que geram inúmeras discrepâncias e defasagem na arrecadação. O exemplo mais gritante dessa realidade é a defasagem histórica da Planta Genérica de Valores (PGV), base para o lançamento do IPTU. Historicamente, as mudanças na PGV costumam gerar grande desgaste para as administrações municipais, já que os contribuintes tem grandes resistências ao aumento tributário provocado por essas mudanças. Nesses casos, um instrumento que tem se mostrado interessante é o Cadastro Multifinalitário. De acordo com Loch (2001, p. 64): “O Cadastro Técnico Multifinalitário compreende basicamente três pontos essenciais, quais sejam: • a medição e representação cartográfica ao nível do imóvel, • a legislação que rege a ocupação do solo e • o desenvolvimento econômico do ocupante da terra”. A finalidade é fazer um levantamento completo do território municipal, e além de outros aspectos (econômico, ambiental, populacional, entre outros), tem também uma faceta tributária. Seu uso possibilita uma maior compreensão da ocupação do solo, e por consequência, dos reflexos tributários, já que vai impactar diretamente na PGV. Ao indicar quais as regiões mais valorizadas do município, pode trazer um incremento na arrecadação do IPTU e do ITBI. 5. O IMPACTO DAS NOVAS ROTINAS INFORMATIZADAS NA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA Normalmente, a implantação de novos instrumentos informatizados de controle da arrecadação são considerados como um avanço modernizador. Entretanto, o impacto desses programas pode ser positivo ou negativo, dependendo da forma pela qual eles são escolhidos, implantados e executados. O primeiro elemento a se levar em consideração é a real necessidade da Fazenda. Ou seja, o software contratado deve se adaptar à realidade do Município, sendo passível de customização, ou seja, de adaptação à realidade local. Ressalta-se ser importante que a empresa desenvolvedora se disponha a,  de um lado flexibilizar certos aspectos de sua ferramenta, e de outro, indicar aos técnicos do município a maneira correta de usá-la, sem descaracterizá-la ou comprometer seu nível de segurança. Nesta primeira etapa, é essencial que o processo licitatório seja bem conduzido, e esteja direcionado para as necessidades do município contratante. E para que isso ocorra, o Edital de Licitação deve ser redigido de maneira clara e precisa, devendo conter todos os requisitos básicos para satisfação dessas necessidades, inclusive de treinamento do pessoal interno envolvido no processo. O segundo elemento a ser levado em consideração é a capacitação do pessoal que irá trabalhar com o software. Nas palavras de Reiter e Roveri (2011, p. 12), os obstáculos normalmente encontrados são os seguintes: “Vários são os obstáculos enfrentados: falta de treinamento, infra-estrutura inexistente ou deficiente, desconhecimento de novas tecnologias, desinteresse da administração, deficiência de recursos, entre outros problemas estruturais”. A implantação de uma nova ferramenta tecnológica passa necessariamente pelo envolvimento de toda a equipe, bem como de sua capacitação, sempre tendo em mente que, com a mudança, vem o temor natural que ela causa. O terceiro elemento a ser considerado é o público externo, que também é usuário do software, e que deve ser informado a respeito desta ferramenta. Quanto mais acessível e transparente for a mesma, maior se tornará a adesão dos contribuintes, e mais fácil o acesso às informações públicas. Respeitadas essas etapas, e tendo em vista o uso adequado da ferramenta escolhida, a tendência é a de um impacto positivo nas finanças municipais, com maior retorno financeiro, e consequente redução da sonegação. CONCLUSÕES O estudo do tema proposto baseia-se principalmente na busca de meios para que as Administrações Municipais tomem conhecimento dos vários instrumentos tecnológicos colocados a sua disposição, bem como no impacto que essas tecnologias podem ter no gerenciamento dos dados disponíveis. Iniciativas como a implantação da nota fiscal eletrônica de serviços, o sistema público de escrituração eletrônica (SPED), o cadastro nacional sincronizado, do recadastramento da planta de valores do município, além de diversos outros mecanismos já disponíveis, fazem com que o gerenciamento de informações seja cada vez mais ágil. Porém, essas iniciativas ficam restritas a alguns poucos municípios, mais comumente as capitais e municípios de maior porte, que na sua maioria já dispõe de pessoal treinado e infra-estrutura adequada para suas demandas. Dessa forma, os demais municípios sofrem com a falta de informações, e também com a angústia de viver quase em função dos repasses constitucionais, sem explorar toda a potencialidade de arrecadação de seu território. O desconhecimento de como operacionalizar essas ferramentas modernas de gestão, juntamente com o aparecimento de algumas empresas que não trabalham para suprir as necessidades de seus clientes, faz com que muitas contratações de softwares sejam malsucedidas. Entretanto, cabe ao gestor público municipal perceber que, sem uma Fazenda municipal forte e bem equipada, a tarefa de administrar a coisa pública torna-se mais complicada, já que se fica dependente de recursos externos, o que faz com que o município se torne frágil e sujeito a fatores externos de desestabilização e redução de recursos. A capacitação permanente dos membros da Fazenda, tanto com treinamento quanto com infra-estrutura tem de passar a ser visto como investimento, cujo retorno vem na forma de mais recursos próprios, que podem ser aplicados nas reais necessidades da municipalidade. Neste cenário, torna-se primordial a busca de softwares eficientes e adaptados às necessidades municipais, e que se tornem meios eficientes na busca desse fortalecimento das finanças municipais.
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Imunidade recíproca por ricochete: breve análise da pertinência da aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista anômalas
A imunidade tributária recíproca existente no Brasil é fruto, de certa forma, do federalismo adotado por nosso país. Atualmente, a Constituição Federal de 1988 imunizou expressa e taxativamente alguns entes estatais da cobrança de impostos. Dentre eles, podemos citar a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, e, também, as Autarquias e Fundações Públicas. Diante desse panorama político-fiscal, nada mais propício do que uma análise de sua extensão a algumas das pessoas jurídicas que, não obstante detenham capital público, são também integradas por particulares. Fala-se, pois, da sociedade de economia mista, cuja composição acionária é majoritária (50% mais 1) do ente público, sendo o restante de propriedade de particulares. Nessa esteira, em uma breve análise do dispositivo que imuniza as pessoas estatais acima, é possível observar que as sociedades de economia mistas não figuram entre elas. Contudo, diante de uma interpretação sistemática, o Supremo Tribunal Federal entendeu por bem estender o benefício a essas pessoas jurídicas, mesmo sabendo que essa imunização respingaria por ricochete em particulares, desde que estas preencham aos requisitos que se seguem, quais sejam, que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Inicialmente, no tocante ao tema da presente pesquisa – IMUNIDADE RECÍPROCA POR RICOCHETE: breve análise da pertinência da aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista “anômalas” –, destaco que o mesmo surgiu do desejo de analisar a extensão da imunidade de impostos às pessoas jurídicas de direito privado, ainda que constituídas e mantidas em sua maioria pelo poder público, notadamente as sociedades de economia mista. Essa abordagem se mostra importante na medida em que tais benefícios foram estabelecidos com o fito de se preservar a intangibilidade do princípio federativo. Verifica-se no texto constitucional, precisamente em seu artigo 150 e SS., que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Além isso, o parágrafo 3º do artigo 150 estendeu esse benefício às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Assim, verifica-se, a contrario sensu, que as pessoas jurídicas de direito privado instituídas e/ou mantidas pelos entes da federação, tais como empresas públicas e sociedades de economia mista, não foram alvos dessa limitação ao poder de tributar, pelo menos de forma expressa. As primeiras delas, isto é, as empresas públicas, não obstante apresentem natureza privada, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que as mesmas quando prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica,[1] integrando o conceito de fazenda pública, fazendo jus, portanto, a essa imunidade. As segundas, que são o principal foco da presente pesquisa, não integram o conceito de fazenda pública no tocante a essa imunidade, tendo em conta que são dotadas de capital privado, e aparentemente, como tal, vai de encontro a outro princípio, qual seja, o da livre concorrência[2], ficando excluídas, portanto. Nessa banda, o Supremo Tribunal Federal ao julgar caso de uma sociedade de economia mista de São Paulo pugnava pelo reconhecimento do sobredito privilégio[3], deparou-se com uma situação em que sua composição acionária era quase em sua totalidade (99,97%) da União, ao passo que o restante (0,03%) era constituído de capital privado. Concluiu o Pretório Excelso pelo reconhecimento da imunidade quanto ao pagamento do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana – IPTU – em favor da dita sociedade de economia mista, indo, portanto, de encontro com a jurisprudência até então consolidada na Corte, qual seja, de que não era cabível a extensão da cláusula imunizante às referidas entidades. Nessa esteira, se o benefício fosse concedido de maneira deliberada, isto é, pelo simples fato de conter capital público, o desequilíbrio concorrencial e a livre concorrência seriam atingidos em cheio. A uma porque as demais concorrentes sofreria desvantagem no tocante aos impostos devidos, como por exemplo IPTU, IPVA, IOF, ICMS etc. A duas porquanto o mercado ficaria afetado quando o estado estivesse presente, o mínimo que fosse. A três pelo fato de que esses custos certamente seriam repassados aos consumidores, alimentando ainda mais a famigerada tributação indireta, ou seja, aquela em que a natureza jurídica e estrutural do tributo permite que o sujeito passivo legal repasse o encargo econômico financeiro a terceira pessoa, geralmente o destinatário final do produto ou serviço. Como essa espécie de imunidade foi desenvolvida em face do princípio federativo, isto é, para garantia da autonomia dos entes federativos, inviável seria que não se estabelecesse parâmetros palpáveis. Portanto, como o texto constitucional quedou-se silente quanto essas entidades, coube ao STF decidir pela extensão ou não da imunidade recíproca de impostos, sempre garantido a eficácia do princípio federativo. O resultado prático disso é a estabilização das relações concorrenciais que envolvam dinheiros públicos investidos e sua distinção para com aquelas que buscam a consecução das atividades estatais. Logo, o efeito “ricochete” causado no leading case citado acima não tem, a princípio, em tese, o condão de prejudicar a livre concorrência e o principio federativo, até porque o Pretório Excelso estabeleceu três critérios objetivos (ou estágios – como preferiu denominar o Ministro relator do leading case) a que a sociedade de economia mista deve atender para que lhe seja reconhecida a extensão da imunidade tributária recíproca. Esses estágios restaram consignados de forma expressa na Ementa do Acórdão no qual se analisou os meandros do tema posto, bem o que será explorado no decorrer do trabalho. Por derradeiro, é objetivo do trabalho trazer à tona alguns casos em que se pode identificar o fenômeno da imunidade recíproca, mormente no que tange às sociedade de economia mista “anômalas”[4] à guisa de julgados emanados da Excelsa Corte do país, notadamente nos Acórdãos do AI 558.682 AgR[5] e do AI 551556 AgR[6]. 1. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL 1.1. Noções Gerais Ao imaginarmos um sistema, por mais simples ou complexo que seja, nos vem à cabeça algo que envolve a conexão entre determinados elementos, postos em funcionamento para servir a um todo, o sistema. Com o sistema tributário nacional não é diferente, ou seja, determinados elementos foram dispostos na Constituição Federal, de maneira ordenada e com funções próprias, para regular o mínimo desse fenômeno chamado tributação em nosso país. Para o mestre Geraldo Ataliba, o sistema tributário nacional pode ser definido como o “conjunto de princípios constitucionais que informa o quadro orgânico de normas fundamentais e gerais de Direito Tributário vigentes em determinado país.”[7] Nossa atual Constituição Federal (1988) alberga o sistema tributário nacional em seus artigos 145 a 162. Nos dizeres de Ricardo Lôbo, “o poder tributário – da mesma forma que o poder estatal em geral – se divide verticalmente, segundo os vários níveis de governo no Estado Federal (poder federal, estadual e municipal), e, também, horizontalmente (poder de legislar, administrar e julgar). Não se cuida de duas questões distintas, mas da integração do critério material com o vertical, pois o Judiciário e os outros Poderes da União colocam-se vis-à-vis aos Poderes dos Estados e Municípios.”[8] É sabido e consabido que nossa Carta Magna é classificada pela doutrina constitucionalista como sendo analítica (ou prolixa)[9], de modo que regula com maior minudência possível a grande maioria dos assuntos de que trata. Nesse passo, Sacha Calmon Navarro Coelho assevera que: “Somos, indubitavelmente, o país cuja Constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação. Este cariz, tão nosso, nos conduz a três importantes conclusões: Primus – os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enraizados na Constituição, de onde se projetam altaneiros sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos estados e municípios; Secundus – o Direito Tributário posto na Constituição deve, antes de tudo, merecer as primícias dos juristas e dos operadores do Direito, porquanto é o texto fundante da ordem jurídico-tributária; Tertius – as doutrinas forâneas devem ser recebidas com cautela, tendo em vista as diversidades constitucionais.”[10] Isso de um todo não é ruim, posto que quanto mais matérias a Constituição Federal, menos margem de diferenças haverá no que concerne ao direito de tributar dos entes federativos. Alexandre de Moraes relembra que a “tendência de constitucionalização do sistema tributário nacional surgiu com a Emenda Constitucional nº 18/65, à Constituição Federal de 1946, e, posteriormente, foi adotada pela Constituição de 1967”.[11] É bom lembrar também que de acordo com o artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT – da Constituição Federal de 1988, o sistema tributário nacional atual entrou em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores. Por fim, Mauro Luis Rocha nos adverte que “O Sistema Tributário Nacional mostra-se rígido, também como decorrência da forma constitucional de que se revestem suas principais normas. Estas, quando não petrificadas pela disposição do art. 60, § 4º, da Constituição de 1988, dependem de processo legislativo árduo para serem alteradas (emenda constitucional – quorum qualificado de 3/5).”[12] Como se observa, o constituinte pátrio optou por bem em blindar, de certa forma, o sistema tributário nacional, com vistas a dificultar a sua alteração de forma oportunista, embora saibamos que isso ainda ocorre com certa frequência, principalmente quando determinadas forças interessadas na referida mudança convergem para esse sentido. 1.2. Definição de tributo Não obstante a hodierna Constituição Federal se mostrar amplamente prolixa no tocante ao tema tributação, esta não conceitua o que vem a ser tributo, nem mesmos se lida de uma ponta a outra. É bem verdade que implicitamente, com base nos seus inúmeros princípios, até disciplina algo que lembre o conceito de tributo, mas nada de forma expressa, razão pela qual não se pode afirmar que dispõe o conceito de tributo. Entretanto, essa mesma Constituição acolheu o conceito aduzido no artigo 3º do Código Tributário Nacional (Lei Ordinária nº 5.172/66), o qual recepcionou com status de Lei Complementar[13]. Com efeito, prevê o artigo 3º do CTN que: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Lado outro, a doutrina tributarista brasileira nos elenca uma série de conceitos de tributo, geralmente acrescidos de eventual crítica ao conceito legal. Como exemplo, citamos o conceito elaborado por Luciano Amaro, para o qual “tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público.”[14] Como este trabalho não tem por escopo a profunda análise do conceito de tributo, não há necessidade de se minudenciar todos os elementos constantes do conceito legal de tributo, uma vez que não trará contribuições além daquelas embutidas na simples conceituação de tributo. 1.3. Espécies de tributos Na Constituição Federal de 1988, os tributos são subdivididos em cinco espécies distintas, quais sejam, impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Essa é a chamada teoria pentapartida (ou quinquipartida). O Código Tributário Nacional, por sua vez, adotou a chamada teoria tripartida (ou tricotômica), abarcando tão somente impostos, taxas e contribuições de melhoria. No entanto, após enfrentar o tema, o Supremo Tribunal Federal adotou a primeira teoria citada, qual seja, a pentapartida.[15] Desse modo, adotaremos e conceituaremos, de forma simplória, os cinco tributos elencados na Carta Magna de 1988 (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais). Por fim, é dom alvitre lembrar que a Constituição Federal não criou nem instituiu qualquer tributo, mas tão somente autorizou os entes federativos que o fizessem, observados, contudo, cada fatia de competência reservada a estes. 1.3.1. Impostos Segundo dispõe o artigo 16 do Código Tributário Nacional, “imposto é todo tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Ao contrário das taxas, as quais pressupõem uma contrapartida do Estado, isto é, seu atuar dentro de seu poder de polícia, ou prestação de um serviço público específico e divisível, os impostos são cobrados simplesmente em razão do poder e império do ente estatal para cobrir as despesas de toda coletividade. Para Leandro Paulsen, “é dever fundamental contribuir para as despesas públicas, sendo que o principal critério para a distribuição do ônus tributário, inspirado na ideia de justiça distributiva, é a capacidade contributiva.[16]” E essa capacidade contributiva é aferida, essencialmente pelo pagamento de impostos, os quais incidem sobre a manifestação de riqueza do contribuinte. Por fim, calha lembrar que os recursos carreados através de impostos não podem ser destinados a fim específico, isto é, não podem ser previamente afetados a determinado fim. Antes, esses recursos compõem e integram o todo do orçamento estatal, e só então, poderão ser utilizados conforme as políticas publicas orientadas pelos governantes, ressalvadas ainda as parcelas de destinação obrigatória a outros entes federativos. Entretanto, essa questão relacionada a destinação dos recursos carreados por meio da instituição e cobrança de impostos transcende ao objetivo que aqui se pretende, qual seja, a breve análise da conceituação dos tributos, dentre eles os impostos, de modo que se deve buscar mais esclarecimentos na literatura financeira e orçamentária, caso isso auxilie o leitor no entendimento da matéria aqui tratada. 1.3.2. Taxas Ao contrário dos impostos, as taxas foram definidas pela Constituição Federal de 1988. Ademais, tratou de arrolar as possíveis hipóteses para a sua instituição e cobrança. Conforme se verifica do artigo 145, inciso II, da Carta Magna de 1988, os entes federativos (União, estados, municípios e o Distrito Federal) poderão instituir taxas, “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”[17]. Observa-se aqui que as taxas devem ser pagas em razão de uma atividade estatal, diferentemente do que ocorre com os impostos, conforme visto anteriormente. Consoante os ensinamentos de Luis Eduardo Schoueri, “tem-se que a taxa é paga porque alguém causou uma despesa estatal. A ideia é que, se um gasto estatal refere-se a um contribuinte, não há razão para exigir que toda coletividade suporte. Daí a racionalidade da taxa estar na equivalência.”[18] Em suma, são duas as espécies de taxas que os entes estatais poderão instituir e cobrar, caso o fato gerador se complete, quais sejam, a) taxa de polícia – devida em razão do exercício do poder de polícia; e b) taxa de serviço – utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Por fim, é de se ressaltar que se não houver a atuação do ente estatal, não há que se falar em taxa, pois o tributo decorrente única e simplesmente do poder de império do Estado é o imposto. 1.3.3. Contribuições de melhoria Prevista no atual artigo 145 da Carta Magna de 1988, precisamente em seu inciso III, a contribuição de melhoria é uma das cinco espécies tributárias reconhecidas pela doutrina e também pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Baseada em dois pressupostos, um deles expressamente insculpido na Constituição Federal, as contribuições de melhoria são tributos decorrentes da execução de obra pública pelo ente estatal. Não obstante o texto constitucional atual não faça menção à valorização dos imóveis, tal como o da constituição de 1967 fazia em seu artigo 18, inciso II, esse é o outro dos pressupostos fáticos para a legitimação da cobrança da contribuição de melhoria. Desse modo, é preciso que o ente empregue determinada verba pública em específica obra pública da qual seu resultado enseje a valorização dos imóveis de determinada comunidade. E isso tem uma razão de ser. Não seria correto que toda a coletividade (sociedade) arcasse com o custo de determinada obra que beneficie diretamente a apenas algumas pessoas. Outro ponto que é importante ressaltar é o limite a ser cobrado dos beneficiários das melhorias. Em razão de a Constituição não delimitar o espectro de valorização, e também de cobrança, convencionou-se no Código Tributário Nacional[19] que esta estaria limitada ao valor total empregado na obra, sob pena de estarmos diante de um verdadeiro enriquecimento sem causa por parte do ente estatal. Nessa linha, são os ensinamentos de Kiyoshi Harada. Vejamo-los, pois: “A maior dificuldade na cobrança dessa espécie tributária está na delimitação da zona de influência benéfica da obra pública. Sabemos que existem obras que acarretam valorização longitudinal, ao longo da obra; outras que ocasionam valorização radial, ao redor da obra; outras, ainda, como o conhecido “minhocão” (Elevado Costa e Silva) motivam valorização nos pontos extremos. Daí a dificuldade na detectação de imóveis passíveis de valorização em decorrência de obra pública. Isso explica a razão pela qual a maioria das municipalidades vêm cobrando de pavimentação de vias e logradouros públicos, hipótese em que é fácil a delimitação da zona de influência benéfica. Alguns Municípios vêm instituindo taxa de asfaltamento com o fito de facilitar sua cobrança”. (Nota do autor: O STF vem declarando a inconstitucionalidade desse tipo de taxa por entender exigível, no caso, unicamente a contribuição de melhoria – RTJ 116/1075)[20] Em suma, a contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. Não obstante a isso, o artigo 82 do CTN prevê ainda que devem ser respeitados alguns requisitos para a cobrança das contribuições de melhoria. In verbis: “Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos: I – publicação prévia dos seguintes elementos: a) memorial descritivo do projeto; b) orçamento do custo da obra; c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição; d) delimitação da zona beneficiada; e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas; II – fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior; III – regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial. § 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização. § 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.” Por fim, sobreleva destacar ainda que mesmo que o ente tenha dispendido recursos em determinada obra e o cobre a título de contribuição de melhoria, a cobrança será indevida se não houver comprovação da valorização imobiliária das residências, lojas etc, próximas ao empreendimento público. 1.3.4. Empréstimos compulsórios Previstos no artigo 148 da Constituição Federal de 1988, os empréstimos compulsórios também são abarcados pela Teoria Pentapartida dos tributos, sendo considerados como mais uma das espécies de tributos. Para Ricardo Lobo, o empréstimo compulsório “é o dever fundamental consistente em prestação pecuniária que, vinculada pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva do princípio constitucional da capacidade contributiva, com a finalidade de obtenção de receita para as necessidades públicas e sob promessa de restituição, é exigida de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência especificamente outorgada pela Constituição.”[21] Ademais, é preciso destacar que para a criação dessa espécie tributária a Carta Magna exige a elaboração de Lei Complementar, ou seja, diploma normativo que, inobstante seja de mesma hierarquia das Leis Ordinárias, demandam quórum qualificado para a sua aprovação[22]. Lado outro, imperioso destacar ainda que os empréstimos compulsórios são tributos de arrecadação vinculada, isto é, os recursos carreados com sua criação somente podem ser destinados àquela despesa que a fundamentou. Diferentemente das espécies anteriores, esse tributo é de competência exclusiva da União, não havendo que se falar em empréstimos compulsórios estaduais e/ou municipais. Por fim, a Constituição elenca de forma expressa em seu artigo 148 as situações em que os empréstimos compulsórios terão vez em nosso sistema tributário, são elas: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b". 1.3.5. Contribuições especiais Previstas no artigo 149 da Constituição vigente, as contribuições especiais encerram a lista da teoria Pentapartida dos tributos. Vejamos a redação do referido artigo: “Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo”. Para Carrazza, “com a só leitura deste artigo já percebemos que a Constituição Federal prevê três modalidades de ‘contribuições’: as interventivas, as corporativas e as sociais”[23]. Além destas, podemos citar ainda a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE -, as Contribuições Corporativas (OAB, CRM, CREA, CONFEA etc) e a Contribuição para o custeio do Serviço Público de Iluminação Pública – COSIP. Em geral, essas contribuições somente podem ser instituídas pela União, regra que comporta exceção, a exemplo do que diz o § 1º do artigo 149, cuja redação determina aos demais entes da federação a instituição de contribuição especial para o custeio do regime previdenciário de seus servidores. Conforme ressaltado alhures, não há necessidade de maior aprofundamento sobre o assunto, já que não se faz necessário para a perfeita compreensão do tema posto como principal. 2. PRINCIPAIS LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR 2.1. Noções Gerais Primeiramente, há de se ressaltar que quando se fala em limitações ao poder de tributar, esses limites são criados e destinados ao próprio Estado, para que este não se valha dos atributos a si conferidos para abusar e sobrecarregar o contribuinte quando este contribui para o cumprimento das finalidades estatais. É fato que todo o poder emana do povo, consoante preceito constitucional constante no parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna em vigor. Contudo, este mesmo poder não é exercido diretamente pelo povo, não ao menos em todo o tempo, uma vez que para isso que são eleitos os governantes. Nos dizeres do Mestre José Afonso, “embora a Constituição diga que cabe à lei complementar  regular as limitações constitucionais ao poder de tributar (art. 146, II), ela própria já as estabelece mediante a enunciação de princípios.”[24] Basicamente, as limitações ao poder de tributar incidem sobre as competências tributárias que lhes foram anteriormente conferidas. Nessa linha de raciocínio, Hugo de Brito Machado aduz: “Cada uma das pessoas jurídicas de direito público, vale dizer, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tem sua competência tributária, que é, como já foi dito, uma parcela do poder tributário. O exercício dessa competência, porém, não é absoluto. O direito impõe limitações à competência tributária, ora no interesse do cidadão, ou da comunidade, ora no interesse do relacionamento entre as próprias pessoas jurídicas titulares de competência tributária. Alguns preferem dizer, em vez de “limitações da competência”, “limitações ao poder de tributar” – e talvez seja esta última expressão mais adequada, visto como as limitações são, na verdade, impostas ao poder de tributar, e dessas limitações, vale dizer, do disciplinamento jurídico do poder, resulta a competência.”[25] Ao final, cumpre destacar que, conforme dito anteriormente, as limitações ao poder de tributar se consubstanciam nos princípios enumerados no decorrer de toda a Constituição Federal, tendo em vista que esta é uma só, nos moldes do que é delineado no princípio da unidade da constituição. Com efeito, é possível que encontremos limitações ao poder de tributar em outros pontos da Constituição Federal de 1988, além dos artigos destinados ao Sistema Tributário Nacional. 2.2. Princípios O Poder Constituinte originário criou, dentre outras garantias e direitos fundamentais previstos na Carta Magna de 1988, uma série de princípios cuja finalidade é proteger o cidadão, na maioria das vezes, por que não dizer em quase todas elas, contra o próprio poder do Estado. Os mais conhecidos e consagrados pela doutrina e jurisprudência encontram-se delineados no artigo 150 da Constituição Federal, são eles: Legalidade, Isonomia, Não surpresa, Não confisco, Liberdade de tráfego, Não discriminação. Conforme declinado em outro momento, será feito uma breve análise conceitual desses primados, os quais, sem dúvida alguma, são as principais ferramentas deixadas ao cidadão a título de proteção ante a comum insaciedade estatal. 2.2.1. Legalidade Um dos mais importantes, senão o mais importante deles, o princípio da legalidade pode ser traduzido como o direito de o contribuinte ter contra si a exigência ou o aumento de tributo somente a após a aprovação de uma lei. Em consonância com o princípio constitucional genérico da legalidade, previsto no inciso II do artigo 5º da Constituição da República, o princípio da legalidade tributária prevê que não é dado a qualquer dos entes estatais o poder de exigir ou aumentar o valor de tributos sem lei que o estabeleça. Se analisarmos pelo lado de que o princípio da legalidade geral tem aplicação universal, vale dizer, a todos os ramos do direito, desnecessário seria a instituição de princípio específico com essa finalidade. Para Paulo de Barros Carvalho, “efunde  sua influência por todas as províncias do direito positivo brasileiro, não sendo possível pensar no surgimento de direitos subjetivos e de deveres correlatos sem que a lei os estipule. Como o objetivo primordial do direito é normar a conduta, e ele o faz criando direitos e deveres correlativos, a relevância desse cânone transcende qualquer argumentação que pretenda enaltecê-lo. A diretriz da legalidade está naquela segunda acepção, isto é, a de norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites objetivos.”[26] Dessa forma, o princípio da legalidade atua como verdadeiro óbice de caráter objetivo, impedindo a realização de abusos concernentes à exigência e aumento de tributos. 2.2.2. Isonomia Tal como o princípio antecedente, o primado da isonomia também está previsto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, possuindo aplicação universal no sistema jurídico pátrio. Luciano Amaro destaca dois aspectos de aplicação do princípio da isonomia. Para o autor, o referido primado possui aplicação em face do aplicador e também do legislador. Em outras palavras, aduz que “esse princípio implica, em primeiro lugar, que, diante da lei “x”, toda e qualquer pessoa que se enquadre na hipótese legalmente descrita ficará sujeita ao mandamento legal. Não há pessoas “diferentes” que possam, sob tal pretexto, escapar do comando legal, ou dele ser excluídas. Até aí, o princípio da igualdade está dirigido ao aplicador da lei, significando que este não pode diferenciar as pessoas, para efeito de ora submetê-las, ora não, ao mandamento legal (assim como não se lhe faculta diversificá-las, para o fim de ora reconhecer-lhes, ora não, benefício outorgado pela lei). Em resumo, todos são iguais perante a lei. Mas há um segundo aspecto a ser analisado, no qual o princípio se dirige ao próprio legislador e veda que ele dê tratamento diverso para situações iguais ou equivalentes. Ou seja, todos são iguais perante o legislador (= todos devem ser tratados com igualdade pelo legislador).”[27] Com efeito, seria inconstitucional o tratamento diferenciado para situações idênticas ou similares. Não obstante a isso, o primado da igualdade possui outras duas frentes de atuação, as quais podem ser resumidas na máxima de que o princípio da isonomia consiste em tratar os iguais de maneira igual e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. Isso implica dizer que é sim possível o tratamento diferenciado em alguns casos, desde que isso seja feito para corrigir distorções eventualmente criadas pelo próprio legislador ou decorrentes de outros fatores passíveis de aplicação. Por fim, a doutrina convencionou dividi-lo ainda em igual formal e igualdade material, ou seja, aquela baseada em questões de fato, ao passo que essa em questões eminentemente jurídicas. 2.2.3. Não surpresa (anterioridade) Diferentemente do princípio da anualidade, não albergado em nosso direito, o qual exige a aprovação de lei instituindo e estabelecendo tributos a cada ano, o primado da anterioridade (não surpresa) prevê que não é dado ao ente estatal cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Da mesma forma, é vedado ainda cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Inobstante a isso, a própria Constituição Federal excepciona a regra da não surpresa, e o faz por uma razão bem simples. Existem alguns tributos em nosso sistema tributário que possuem natureza extrafiscal, ou seja, sua principal função não é a de arrecadar fundos aos cofres estatais, mas atuam como verdadeiros reguladores da economia etc. Assim, os tributos como o IPI (imposto sobre produtos industrializados), IOF (imposto sobre operações financeiras), II (imposto sobre importação de produtos estrangeiros), IE (exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados), por exemplo, não se inserem na vedação elencada pela Carta Magna, de modo que podem ser cobrados imediatamente do contribuinte. Alexandre Rossato nos lembra que “como o texto constitucional refere-se à “cobrança” do tributo, alguns autores entendem que a lei entra em vigor no mesmo exercício financeiro em que foi publicada, mas sua eficácia fica suspensa até o início do exercício financeiro seguinte. Outros sustentam que a lei publicada num exercício financeiro, só entra em vigor no exercício seguinte, ocorrendo, neste intervalo, a vacatio legis. O resultado, porém, para o STF é sempre o mesmo: “a lei que instituiu ou aumenta tributo, para observar o princípio da anterioridade, só tem incidência no exercício financeiro seguinte ao que foi publicada”.[28] 2.2.4. Não confisco A Constituição brasileira em vigor repudia a instituição de tributo como forma de confisco em seu artigo 150, inciso IV. Dos ensinamentos de Mauro Luis Rocha Lopes, extrai-se o seguinte conceito para o princípio da vedação do confisco (ou simplesmente, não confisco): “Adotando-se linha doutrinária clássica, pode-se identificar o tributo confiscatório como sendo aquele que absorve todo valor da propriedade num curto espaço de tempo ou impede a pessoa – física ou jurídica – de exercer atividade econômica lícita e moral.”[29] Por exemplo, se determinado município cobra um IPTU cuja alíquota seja calculada no montante de 25% sobre o valor venal do imóvel, certamente em pouco o imóvel perderia a razão de ser para o proprietário, já que a cada ano, perderia ¼ de seu valor, de modo que esse percentual aparenta ter efeito confiscatório. Com vistas a evitar que essa prática aconteça, é que o Constituinte optou por bem declinar de forma expressa desse mandamento no texto da Carta Magna vigente. Contudo, não fora estabelecido um parâmetro para se analisar a existência (ou não) de efeito confiscatório, razão pela qual é necessário que o contribuinte provoque o Poder Judiciário, o qual se valerá de outros parâmetros e princípios para decidir se é caso de tributo com efeito confiscatório. 2.2.5. Liberdade de tráfego Intimamente ligado ao que informa o artigo 150, inciso V, da Constituição Federal, o princípio da liberdade de tráfego foi estabelecido para evitar que se estabelecessem limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Isso por uma razão muito simples. É que um ente poderia estabelecer, por exemplo, em determinada lei que caso alguém fosse passar por seu território, teria que pagar determinado tributo (imposto, taxa etc) para poder fazê-lo. Do contrário seria impedido, devendo buscar outra rota, outra alternativa. É óbvio que essa regra não guarda relação direta com a circulação de bens e serviços, estes sim passíveis de serem tributados por meio do ICMS, por exemplo, desde que a operação se dê entre municípios e estados distintos, isto é, sejam operações intermunicipais ou interestaduais. Sobre a referida proibição, Hugo de brito aduz que “o que ela proíbe é a instituição de tributo em cuja hipótese de incidência seja elemento essencial a transposição de fronteira interestadual ou intermunicipal. Essa limitação ao poder de tributar decorre e de certa forma realiza o princípio federativo. Não configura propriamente uma imunidade. Apenas estabelece parâmetros para a atividade tributária. Define, na verdade, circunstâncias que a podem tornar inconstitucional. No inciso V, do art. 150, a circunstância que pode tornar um tributo inconstitucional é a interestadualidade, se tomada como essencial para o nascimento do dever jurídico de pagar o tributo, ou como critério para seu agravamento.”[30] Observe, por seguinte, que a própria Constituição Federal excepcionou o pagamento de pedágios em rodovias conservadas pelo Poder Público. Por fim, é importante ressaltar que o princípio da liberdade de tráfego, assim como todos os demais primados relacionados às limitações ao poder de tributar, deve ser compatibilizado com os demais princípios constitucionais, como por exemplo, o da isonomia, segundo o qual todos devem, a princípio, serem tratados de forma igual. 2.2.6. Não discriminação Semelhantemente com o que ocorre com princípio anteriormente citado, o princípio da não discriminação baseada na procedência ou destino foi concebido com o fito de cumprir as disposições do princípio federativo, dentre elas, a de manter a autonomia dos entes, e também de vedar a ocorrência de discriminação de uns para com os outros. Com efeito, não seria constitucional determinada lei estadual, distrital ou municipal, que discriminasse qualquer dos demais entes por meio de tributos a eles direcionados. Por exemplo, não seria dado a qualquer dos estados-membros elaborar lei no sentido de eleger alíquotas diferenciadas em razão da procedência ou destino de determinados bens e serviços de qualquer natureza. Assim, se o estado-membro X estabelece em lei que os estados-membros Y e W pagarão n e que os estados-membros Z e K pagarão 2n, simplesmente por serem quem são, esta lei será evidentemente inconstitucional. Ricardo Alexandre nos alerta que “a União – e somente ela – está autorizada a estipular tratamento tributário diferenciado entre os Estados da federação tendo por meta diminuir as desigualdades socioeconômicas tão comuns no Brasil (item 2.10.1). Providências semelhantes, portanto, não são lícitas aos Estados e Municípios, sob pena de grave risco ao pacto federativo.”[31] Calha bem lembrar ainda que esse princípio tem aplicação no âmbito interno, isto é, na relação entre os entes que compõem a República Federativa do Brasil, e só. Dessa forma, não são inválidos os tratamentos diferenciados conferidos a outros países, pois aí já estamos a envolver a soberania do Estado. No entanto, se o Estado brasileiro optar por bem elevar o valor do IPVA para veículos importados, em razão de sua procedência, não poderá fazê-lo, pois após o ingresso no país, todos os carros devem se submeter à legislação vigente. Ao final, cumpre destacar que esse princípio está delineado no artigo 152 da Constituição Federal de 1988[32]. 2.3. Espécies de limitação Doutrina e jurisprudência fazem uma série de classificações acerca das espécies de limitações ao poder de tributar. Dentre todas elas, abordaremos, e forma muito superficial, as mais relevantes e que podem levar o leitor à reflexão quanto ao tema principal do trabalho, isto é, se as imunidades recíprocas concernentes às sociedades de economia mistas podem ser enquadradas em alguma dessas classificações. Para não alongar demasiadamente a presente pesquisa, será utilizada a classificação defendida por Humberto Ávila[33]. São elas: a) limitações implícitas e explícitas; b) limitações formais e materiais; e; c) limitações de primeiro grau e limitações de segundo grau. 2.3.1. Limitações implícitas x explícitas Tal como o nome indica, as limitações implícitas e explícitas são simples assim. Se previstas expressamente, estaremos diante de limitações expressas, tais como aquelas constantes dos sete incisos, e respectivos parágrafos, do artigo 150 da Carta Magna. Lado outro, as limitações implícitas, não estão a vedar de forma clara determinada atividade do estado no tocante à tributação, mas ao se analisar todo o sistema e seus princípios, percebe-se a vedação de determinado comportamento estatal atinente à sua atividade jurídico-tributária. Nessa linha de raciocínio, Humberto Ávila aduz que “no sistema jurídico, encontram-se várias espécies de limitações. A descrição dessas espécies depende do ponto de vista. Se for analisada a forma de exteriorização, há cláusulas de reserva e prescrições comportamentais que são expressas enquanto explicitamente estabelecidas pela ordem jurídica e a partir das quais são instituídas limitações ao poder de tributar. E também há limitações implícitas, construídas a partir de um ou mais dispositivos.”[34] Por fim, cumpre ressaltar ainda que tanto as limitações explícitas quanto as implícitas devem ser respeitadas pelo ente estatal, o qual não pode deixar de observá-las ao desempenhar o seu papel relacionado ao poder tributário. 2.3.2. Limitações formais x materiais A limitação formal ao poder de tributar tem relação com o modo, o meio, o instrumento, pelo qual o ente estatal faz valer a sua competência tributária. Com vistas a evitar que os governantes desrespeitem a legislação deixando de cumprir o mínimo de procedimentos e ou formas é que se criou essa modalidade de limitação ao poder de tributação. Não foi por outros motivos, senão por estes, que o legislador constituinte originário desenvolveu esse mecanismo, sob pena de ter que ver o Poder Judiciário atuando com muito mais intensidade e habitualidade, o que, certamente, causaria demasiada insegurança jurídica ao contribuinte e a toda coletividade. “As aqui denominadas limitações formais estabelecem o procedimento (limitações formais procedimentais) ou a condição temporal de eficácia das normas (limitações formais ou temporais)”.[35] Lado outro, conforme dito inicialmente, “as limitações materiais dizem respeito ao conteúdo da restrição”[36]. Elas incidem sobre o que é regulamentado em determinado diploma legislativo. Essas limitações podem ser previamente limitadas por meio de uma norma precedente, a qual veda a elaboração de determinada matéria por algum ente estatal (regras de competência). Por fim, é possível que ocorra de estarem presentes no mesmo momento limitações de cunho formal e material, sendo que em determinados casos, uma pressupõe a existência da outra. 2.3.3. Limitações de primeiro grau x de segundo grau Inicialmente, é preciso entender o que vem a serem normas de primeiro e segundo graus adotadas pelo autor em sua classificação. As normas de primeiro grau são aquelas que são objeto de aplicação direta ao caso concreto, ao passo que as normas de segundo grau são aquelas chamadas de metanormas, isto é, que estrutura a aplicação das normas que lhe precedem, quais sejam, as de primeiro grau. Para Humberto Ávila, “isso pode ser demonstrado no caso em que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional uma lei estadual que determinava a pesagem de botijões de gás à vista do consumidor. Nesse caso, o princípio da livre iniciativa foi considerado violado, por ter restringido de modo desnecessário e desproporcional.[37] Sendo assim, não foi a proporcionalidade que foi violada, mas o princípio da livre iniciativa, na sua inter-relação horizontal com o princípio da defesa do consumidor, que deixou de ser aplicado adequadamente”.[38] Desse modo, o ente estatal deve observar tanto as normas que regulam a matéria de forma direta (norma de primeiro grau) quanto àquelas que a circundam, isto é, que tem aplicação reflexa, sob pena de avançar sobre limitação advinda de outra norma, nesse caso de regulação (norma de segundo grau). 3. IMUNIDADES 3.1. Noções gerais Em linhas iniciais, imperioso é fazer a diferenciação entre imunidades e isenções, tendo em vista a grande confusão que o tema ainda pode gerar. Para Regina Costa, a imunidade apresenta natureza dúplice, de modo que “de um lado exsurge como norma constitucional demarcatória de competência tributária, por continente de hipótese de intributabilidade, e, de outro, constitui direito público subjetivo das pessoas direta e indiretamente por ela favorecidas”[39]. Noutra via, em curtas palavras, Ricardo Lobo aduz que as isenções “consistem na autolimitação do poder fiscal, porque objeto de concessão do legislador”[40]. Observando com mais percuciência, é possível perceber que ambas as espécies acima são corolários da competência tributária atribuída aos entes federativos. Outro ponto que se destaca na comparação entre ambas, só que desta vez em forma de distinção, se dá na incidência do tributo. Ao passo que na primeira hipótese (imunidade) não há que se falar em incidência, na segunda (isenção) esta é possível de ocorrer, só que por conta de um autorizativo legal do legislador, essa incidência é obstada antes de se tornar efetiva. Hugo de Brito arremata as diferenças essências da seguinte forma: “O que distingue, em essência, a isenção da imunidade é a posição desta última e plano hierárquico superior. Daí decorrem consequências da maior importância, tendo-se em vista que a imunidade, exatamente porque estabelecida em norma residente na Constituição, corporifica princípio superior dentro do ordenamento jurídico, a servir de bússola para o intérprete, que ao buscar o sentido e o alcance da norma imunizante não pode ficar preso à sua literalidade. Ainda que na Constituição esteja escrito que determinada situação é de isenção, na verdade de isenção não se cuida, mas de imunidade. E se a lei porventura referir-se a hipótese de imunidade, sem estar apenas reproduzindo, inutilmente, norma da Constituição, a hipótese não será de imunidade, mas de isenção.”[41] Em suma, essas são, basicamente, as diferenças existentes entre imunidades e isenções. 3.2. Fundamentação constitucional É consabido que os princípios são os pilares de todo o direito. Eles estão presentes em todos os ramos e esferas de atuação. Não é diferente quando se fala em direito tributário, neste caso, precisamente, do constante na Constituição. Leandro Paulsen nos faz um alerta sobre as imunidades na Constituição Federal. Para o autor, “o texto constitucional não refere expressamente o termo “imunidade”. Utiliza-se de outras expressões: veda a instituição de tributo, determina a gratuidade de determinados serviços que ensejariam a cobrança de taxa, fala de isenção, de não incidência etc. Mas, em todos esses casos, em se tratando de norma constitucional, impede a tributação, estabelecendo, pois, o que se convencionou denominar de imunidades.”[42] Tendo em vista que as imunidades estão atreladas às competências dos entes federativos, devem estar abrigadas na Constituição Federal. Tanto é que são tidas pela doutrina tributarista como “numerus clausus”[43]. Assim, qualquer espécie de imunidade tributária deve estar prevista no texto constitucional, sob pena ser considerado como isenção ou puramente como hipótese de não incidência, mas nunca imunidade. Noutra banda, é importante lembrar, ainda, que um dos mais importantes, se não o mais importante deles, reside na igualdade e autonomia constitucionais que o artigo 18[44] da Carta Magna vigente atribui aos entes federativos. Aliomar Baleeiro resume os fundamentos constitucionais da imunidade recíproca da seguinte forma: “Como sabemos, a imunidade recíproca assenta-se basicamente no princípio federal. Esse princípio, consagrado desde a primeira Constituição republicana brasileira, informa o Estado, no qual tanto as descentralizações político-jurídicas regionais e locais (Estados e Municípios) como a Federação (ou União) têm natureza estatal.”[45] 3.3. Tributos passíveis de aplicação Tendo em vista a literalidade do artigo 150, inciso VI, o qual prevê que é vedado aos entes instituírem impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros, assim como a incompatibilidade de extensão do benefício às demais espécies de tributos, é possível afirmar, de plano, que a imunidade recíproca somente tem lugar para os impostos. Inobstante a essa constatação rápida, vemos que a mais abalizada doutrina e jurisprudência reproduzem esse entendimento no mundo jurídico. Nessa linha, Mauro Luis Rocha aduz que “a imunidade recíproca alcança apenas a específica figura do imposto, não sendo extensível a taxas e contribuições. É verdade que muitos desses tributos não são cobrados de entidades públicas, mas isso se deve a favores fiscais (isenções) concedidos por leis das entidades que desempenham as atividades remuneradas por eles. A Lei nº 9.289/1996, por exemplo, ao tratar da taxa judiciária no âmbito da Justiça Federal, isenta do tributo as entidades públicas federativas, além de suas autarquias e fundações, consoante os termos de seu art. 4º, inciso I.”[46] Antonio Roque Carrazza vai além e assevera que a imunidade recíproca estende-se a todos os impostos. Para chegar a essa conclusão, sustenta esse entendimento com dois argumentos, quais sejam: “O primeiro: a Constituição usou, nesta passagem (como em tantas outras), de uma linguagem econômica e, portanto, não-jurídica. Lembramos que, para a Economia, todos os impostos ou são sobre a renda, ou sobre o patrimônio ou sobre serviços. Assim, por exemplo, para a Economia, são impostos sobre o patrimônio, dentre outros: a) o imposto sobre grandes fortunas; b) o imposto territorial rural; c) o imposto sobre a propriedade de veículos automotores; e d) o imposto predial e territorial urbano. Já para o Direito, eles são impostos diferentes: os dois primeiros, de competência privativa da União; o terceiro, dos Estados-membros; o último dos Municípios. Em suma, quando aludiu aos impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços, ela, na verdade, fez referência a todos eles, sem exceção. O Segundo: conforme já vimos, ainda que a Constituição tivesse silenciado a respeito, as pessoas políticas não poderiam exigir, umas das outras, impostos, exatamente para não destruí-las ou criar-lhes dificuldades de funcionamento.”[47] Frise-se que a extensão se dá a todos os impostos, não a todos os tributos como pode parecer a primeira vista. Lado outro, a própria Constituição Federal de 1988 excepcionou, por meio do § 4º do artigo 150, o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário. Por fim, é possível concluir, então, que as taxas, as contribuições de melhoria, os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais não foram abarcadas pela imunidade intragovernamental. 3.4. Destinatários expressos Antes de apontar os beneficiários expressos da referida imunidade, importante se faz uma análise, ainda que superficial, acerca das limitações opostas ao intérprete constitucional, tendo em vista que, consequentemente, esses freios terão reflexos em todos os mecanismos utilizados para se fixar entendimentos sobre as normas constitucionais. Gilmar Mendes e outros entendem que essa questão não reside na hermenêutica jurídica, mas nos comandos da difusão compassiva. Para eles, “a questão dos limites da interpretação não é um problema próprio da hermenêutica jurídica, nem muito menos da interpretação especificamente constitucional, antes se colocando em todos os domínios da comunicação humana.”[48] Segundo doutrina autorizada, os princípios da segurança jurídica e da certeza são uns dos principais freios à interpretação constitucional, já que são cânones hermenêuticos do direito. Basicamente, os destinatários expressos das imunidades consagradas na Carta Magna estão previstos em seu artigo 150, inciso VI, in verbis: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [omissis]. VI – instituir impostos sobre: a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros; b) templos de qualquer culto; c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei; d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão. [omissis]. § 2º – A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.” Dentre alguns deles, estão os entes que compõe a federação (alínea “a” do inciso VI) e as autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público (§ 2º), que são os que mais nos interessam, pois guardam estreita relação na composição da Administração Pública. É sabido e consabido que a Administração Pública é subdividida em direta e indireta. Aquela, “é o conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais foi atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, das atividades administrativas do Estado[49]”, ao passo que esta é a junção dos demais entes que são mantidos e organizados pelo Estado. Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “compõem a Administração Indireta, no direito positivo brasileiro, as autarquias, as fundações instituídas pelo Poder Público, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e os consórcios públicos. Tecnicamente falando, dever-se-iam incluir as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, constituídas ou não com participação acionária do Estado. Dessas entidades, a autarquia é pessoa jurídica de direito público; a fundação e o consórcio público podem ser de direito público ou privado, dependendo do regime que lhes for atribuído pela lei instituidora; as demais são pessoas jurídicas de direito privado.”[50] (grifo no original) Destarte, a que mais apresenta pertinência com o presente trabalho é a sociedade de economia mista, a qual não está prevista no rol de destinatários expressos da imunidade constante do inciso VI do artigo 150 da Constituição da República de 1988, nem tampouco no parágrafo que estendeu o benefício às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público. Para Celso Antonio Bandeira de Mello, a sociedade de economia mista em nível federal, a cujo conceito pode ser considerado a qualquer dos níveis estatais, há de ser entendida como a “pessoa jurídica cuja criação é autorizada por lei, como um instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes desta sua natureza auxiliar da atuação governamental, constituída sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou entidade de sua Administração indireta, sobre remanescente acionário de propriedade particular”.[51] Não obstante a isso, veremos mais adiante que, a depender do preenchimento de alguns requisitos, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser possível a extensão da referida imunidade a algumas dessas pessoas jurídicas que integram a Administração Indireta. Aliomar Baleeiro era um dos defensores de que a imunidade recíproca não deveria ser estendida a particulares. Em uma de suas obras, asseverou o seguinte, no tocante ao tema: “A imunidade recíproca, conformada dentro dos grandes princípios que a norteiam, como o federalismo e a inexistência de capacidade econômica das pessoas estatais (art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º), norteia-se pelos seguintes critérios na Constituição de 1988: a) o tratamento imunitório de reciprocidade entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios torna-se necessariamente deduzido da descentralização de poder, própria do Estado federal, ainda que não tivesse sido sucessivamente expresso nas Cartas Constitucionais brasileiras; b)  a imunidade recíproca não beneficia particulares, terceiros que tenham direitos reais em bens das entidades públicas, nem créditos ou rendas de outrem contra tais entidades como queria Pontes de Miranda -, cessando os “odiosos” privilégios de funcionários públicos, magistrados, parlamentares ou militares; não se estende, pelos mesmo fundamentos, aos serviços públicos concedidos, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel (art. 150, II, §§ 2º e 3º); c)  a imunidade recíproca se deduz ainda da superioridade do interesse público sobre o privado, beneficiando os bens, o patrimônio, as rendas e os serviços de cada pessoa estatal interna, como instrumentalidades para o exercício de suas funções públicas, em relação às quais não se pode falar em capacidade econômica, voltada ao lucro ou à especulação (art. 150, §§ 2º e 3º); d)  a imunidade não beneficiará atividades, rendas ou bens estranhos às tarefas essenciais das pessoas estatais e de suas autarquias, que tenham caráter especulativo ou voltadas ao desempenho econômico lucrativo, em respeito ao princípio da livre concorrência entre as empresas públicas e privadas e à tributação segundo o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, art. 173, §§ 1º e 2º)”;[52] Não obstante os entendimentos contrários, o STF acabou por estender, inicialmente, o alcance da cláusula imunizante a uma conhecida empresa pública, a saber, a Empresa Brasileira de Correios e Telegrafos – ECT. Quanto à referida extensão, Kiyoshi Harada aduz que “a Corte Suprema equiparou a referida empresa pública a uma autarquia, para fins do § 2º do art. 150 da CF e afastou, ao mesmo tempo, as restrições de seu § 3º. Afastou, também, as restrições dos §§ 1º e 2º do art. 173 da Carta Política, porque a ECT, enquanto prestadora de serviço público de competência privativa da União (art. 21, X, da CF), não se identifica como empresa privada, mas integra o conceito de fazenda pública. Assim, não caberia falar em quebra do princípio da livre concorrência, motivadora das restrições impostas a empresas estatais.”[53] Não obstante as parecenças apresentadas entre as empresas públicas e as sociedades de economia mistas, a presença de capital privado em sua composição é a dessemelhança que mais nos interessa. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal passou a fazê-lo também com sociedades de economia mista, desde que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. É o que veremos na sequência, à miúde. Antes, porém, imperioso é justificar também a nomenclatura utilizada pelo Supremo Tribunal, qual seja, sociedade de economia mista “anômala”. Em linhas anteriores, foi transcrito o conceito doutrinário de sociedade de economia mista. Além disso, o STF acrescentou ao termo o verbete “anômala”, que significa, no contexto do julgamento do RE 253472/SP, que a referida sociedade de economia mista é diferente do comum, visto que, não obstante ostente natureza de direito privado, é prestadora de um específico serviço público, tal como ocorre com a Empresa de Correios e Telégrafos – ECT. O termo acrescentado às sociedades de economia mistas (anômala), foi utilizado, por exemplo, no julgamento do AI 558.682 AgR[54] e do AI 551556 AgR[55], restando transcrito em suas respectivas ementas. Em suma, a sociedade de economia mista anômala é aquela que, não obstante seja marcada por ser uma pessoa jurídica de direito privado, foi concebida para a prestação de serviço público, isto é, caracteriza-se inequivocamente como instrumentalidade estatal. 4. IMUNIDADE RECÍPROCA POR “RICOCHETE” 4.1. Noções Gerais Inicialmente, antes de avançar sobre o tema posto, é importante aclarar um pouco sobre o tema e sua nomenclatura (IMUNIDADE RECÍPROCA POR RICOCHETE: breve análise da pertinência da aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista “anômalas”). A imunidade recíproca é a regra consagrada no artigo 150, inciso VI, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988, segundo a qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. O § 2º do mesmo artigo estende a referida imunidade às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo poder público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Essa regra, exsurge de importantes princípios constitucionais, quais sejam, do pacto federativo e da autonomia dos entes federados, insculpido no artigo 18 da atual Carta Magna. Logo, a reciprocidade no tratamento entre os entes, no tocante a não criação de impostos, cujo cunho é eminentemente arrecadatório, é a regra vigente em nosso Sistema Tributário Nacional, que, a rigor, não comporta exceções. Essa, portanto, é a cláusula imunizante. A pergunta que se faz na sequência é: Por que “imunidade recíproca por ricochete”? A resposta é simples. Porque a imunidade pode atingir (respingar) de forma indireta entes que não estão previstos de forma expressa no artigo supramencionado. Malgrado a Constituição em vigência não fazer menção expressa da possibilidade de concessão de tal benefício às sociedades de economia mistas, o Supremo Tribunal Federal deu interpretação à Carta Magna no sentido de ser sim possível, desde que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. 4.2. Conceito Conforme salientado anteriormente, a imunidade recíproca por ricochete (ou reflexa) é aquela em que a cláusula imunizante atinge (respinga sobre) pessoa diversa daquela para qual foi destinada, mesmo que esta não se enquadre nos requisitos dispostos no inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal. Com o objetivo de aclarar o entendimento, será utilizado o exemplo da CODESP para ilustrar a imunidade recíproca por ricochete. Para tanto, vejamos a composição acionária da companhia: De acordo com os dados constantes no RE 253.472/SP, noventa e nove, noventa e nove por cento (99,97%) do capital acionário pertencem à União Federal, ao passo que o restante (0,03%) é de natureza privada. Observe que no caso em destaque, essas pessoas privadas que integram a CODESP acabaram sendo beneficiadas de forma indireta, isto é, por ricochete. De sorte que também estarão imunes ao pagamento de impostos aos entes que compõem a federação (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios), evidentemente, na forma do artigo 150, inciso VI, da Carta Magna em vigor. 4.3. “Leading case” O caso que primeiramente reconheceu a aplicação da imunidade recíproca a uma sociedade de economia mista, julgado no Brasil, precisamente no Supremo Tribunal Federal, se deu em meados do ano de 2010, no qual a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP – buscou junto ao Poder Judiciário a imunidade quanto ao Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU – sobre imóveis que compõem o patrimônio do Porto de Santos, cuja administração é de sua responsabilidade. Inicialmente, a CODESP teve seu pedido negado em primeira e segunda instâncias, interpondo, posteriormente, Recurso Extraordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal, autuado sob o nº 253.472, cuja relatoria ficou a cargo do ministro Marco Aurélio Mello. Ao julgar o referido recurso, o Pretório Excelso entendeu, por maioria de votos, que, se fossem atendidos alguns requisitos de natureza objetiva (declinado abaixo), era de rigor a aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista, mesmo que estas não estejam previstas expressamente no rol do artigo 150 da Constituição Federal de 1988. Para o relator original, min. Marco Aurélio, a referida imunidade recíproca somente seria cabível entre as pessoas de direito público, o que exclui, por efeito, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, pelo que foi acompanhado pelos eminentes ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski. No entanto, prevaleceu a tese encabeçada pelo ministro Joaquim Barbosa, o qual destacou que, não obstante haja ações privadas na composição da CODESP, a grande maioria (99,97% – noventa e nove virgula noventa e sete por cento) do capital pertence exclusivamente à União Federal. Ademais, no entendimento do ministro, era preciso, pois, saber se a referida entidade privada enquadrava-se aos três requisitos construídos, após uma interpretação sistemática da Constituição, para aferir a possibilidade de aplicação da referida cláusula imunizante. Esses requisitos foram elencados no acórdão do julgamento do RE 253.472  (rel.  min.  Marco  Aurélio,  red.  p/ acórdão  min.  Joaquim  Barbosa,  Pleno,  j.  25.08.2010), o qual restou assim ementado: “TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA CONTROLADA POR ENTE FEDERADO. CONDIÇÕES PARA APLICABILIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CODESP). INSTRUMENTALIDADE ESTATAL. ARTS. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a DA CONSTITUIÇÃO. DECRETO FEDERAL 85.309/1980. 1. IMUNIDADE RECÍPROCA. CARACTERIZAÇÃO. Segundo teste proposto pelo ministro-relator, a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a da Constituição) deve passar por três estágios, sem prejuízo do atendimento de outras normas constitucionais e legais: 1.1. A imunidade tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em conseqüência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto. 1.2. Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política. 1.3. A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante. 2. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA. CONTROLE ACIONÁRIO MAJORITÁRIO DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE INTUITO LUCRATIVO. FALTA DE RISCO AO EQUILÍBRIO CONCORRENCIAL E À LIVRE-INICIATIVA. Segundo se depreende dos autos, a Codesp é instrumentalidade estatal, pois: 2.1. Em uma série de precedentes, esta Corte reconheceu que a exploração dos portos marítimos, fluviais e lacustres caracteriza-se como serviço público. 2.2. O controle acionário da Codesp pertence em sua quase totalidade à União (99,97%). Falta da indicação de que a atividade da pessoa jurídica satisfaça primordialmente interesse de acúmulo patrimonial público ou privado. 2.3. Não há indicação de risco de quebra do equilíbrio concorrencial ou de livre-iniciativa, eis que ausente comprovação de que a Codesp concorra com outras entidades no campo de sua atuação. 3. Ressalva do ministro-relator, no sentido de que “cabe à autoridade fiscal indicar com precisão se a destinação concreta dada ao imóvel atende ao interesse público primário ou à geração de receita de interesse particular ou privado”. Recurso conhecido parcialmente e ao qual se dá parcial provimento.” (RE 253472, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-04 PP-00803 RTJ VOL-00219- PP-00558) Como visto, mesmo tendo em sua composição capital privado, a CODESP recebeu o benefício referente à imunidade recíproca. Por fim, o STF entendeu que a referida companhia atendia aos três requisitos insculpidos na Ementa supramencionada. 4.4. Requisitos para reconhecimento e aplicação A Constituição Federal de 1988 não estabeleceu qualquer parâmetro para a concessão da imunidade recíproca. Isso se deu por uma razão muito simples. É que a referida imunidade foi direcionada apenas aos entes que integram o pacto federativo (União, Estados-membros, Municípios e Distrito Federal). Não obstante a isso, o parágrafo segundo do artigo 150 da Carta Magna estendeu às autarquias e fundações (instituídas e mantidas pelo Poder Público) a aplicação da cláusula imunizante. Ocorre que em razão de uma das finalidades específicas do Estado, isto é, a prestação de serviços públicos, foram sendo criados outros “braços” do Estado, constituídas em pessoas jurídicas de direito privado, tais como as empresas públicas e as sociedades de economia mista, sendo que estas detém em seu capital acionário o controle do ente estatal, ao passo que aquelas são dotadas de capital exclusivamente público. No entanto, essas entidades guardam uma semelhança entre si, qual seja, são pessoas jurídicas de direito privado. Nessa esteira, surgiu a dúvida sobre a extensão da imunidade recíproca também a essas pessoas que integram a Administração Indireta. Em razão disso, desse questionamento, o Pretório Excelso, de início, acabou estendendo a aplicação da cláusula imunizante às empresas públicas, e, posteriormente, às sociedades de economia mistas, desde que estas preencham aos requisitos que se seguem, quais sejam, que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Vejamos, pois, a cada um deles: 4.4.1. Restrição à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos Como se pode observar, a imunidade recíproca de impostos aplicada às sociedades de economia mista se restringe à propriedade, bens e serviços do ente federado. É evidente que esses bens e serviços devem se referir à consecução das finalidades do ente que integra a sociedade de economia mista. Ademais, não ficou muito claro se, diante dessa premissa, haveria a extensão do benefício ao todo, isto é, à parte privada que integra a companhia. Tudo indica que não. Dessa forma, a imunidade seria proporcional ao capital pertencente ao ente federativo, arcando, o particular, com sua parte. Mas essa questão não restou muito clara no julgamento do leading case supramencionado. 4.4.2. Não benefício de atividades voltadas à exploração econômica Outro ponto exigido como requisito, se resume à impossibilidade de se beneficiar sociedades de economia mistas que esteja envolvidas na exploração da atividade econômica. Assim, somente as sociedades de economia mistas prestadoras de serviço público não voltado à obtenção e captação de renda é que podem ser beneficiadas pela aplicação da cláusula imunizante. 4.4.3. Inexistência de efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita Enquanto a companhia estiver sendo beneficiada com a imunidade recíproca, devem ser monitorados os seus efeitos, a fim de se avaliar se a concessão do benefício está a interferir no mercado de trabalho, mormente no tocante ao exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas, isto é, permitidas de serem exploradas em âmbito privado. Desse modo, se a companhia integrada pelo ente estatal estiver no mercado competindo com outras empresas puramente privadas, não há que se falar em benefício da imunidade, já que com isso estar-se-ia a afrontar a livre concorrência e os princípios mercadológicos. 4.5. Exemplos recentes O exemplo mais recente se deu com a aplicação da cláusula imunizante foi o da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB –, a qual obteve provimento judicial favorável junto ao Supremo Tribunal no Recurso Extraordinário 631.309/SP[56], cuja ementa segue abaixo: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTO. APLICABILIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a sociedade de economia mista prestadora de serviço público de água e esgoto é abrangida pela imunidade tributária recíproca, nos termos da alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido”. Por fim, dentre alguns mais de que se dispensa a citação, está o caso em que o STF reconheceu a incidência da cláusula imunizante ao Hospital Nossa Senhora da Conceição S/A, no bojo do RE 580264/RS[57]. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo de tudo o que foi exposto, observou-se que, principalmente em razão do princípio federativo, um dos primados que informam o estado democrático de direito, a imunidade tributária fora concebida com o fito de demonstrar a igualdade dos entes na constituição da federação. Não obstante a isso, observou-se também que, no modelo constitucional atual, essas imunidades somente podem ser concebidas em âmbito constitucional. Se o forem em sede infraconstitucional, estaremos, diante de isenções, não de imunidades. Outro ponto que ficou aclarado é que a imunidade recíproca se refere tão somente a impostos, ou seja, uma das espécies do gênero tributo. Como dito em linhas anteriores, não impede que os entes se isentem entre si do pagamento de taxas. Entretanto, mesmo que este considere como imunidade, tal como no exemplo dado acima, em que a Justiça Federal isenta os demais entes do pagamento de taxas judiciárias, as quais têm natureza de tributo, estaremos diante de verdadeiras isenções e não de imunidades. Foi delineado ainda o conceito de tributo à luz do Código Tributário Nacional e da mais abalizada doutrina tributarista. Na sequência, vimos as principais limitações ao poder de tributar, mormente aquelas relacionadas às imunidades. Por seguinte, vimos cada um dos princípios constantes na Constituição Federal pertinentes à tributação, notadamente o da Legalidade, Isonomia, Não surpresa, Não confisco, Liberdade de tráfego, Não discriminação. Depois, vimos as principais classificações das limitações constitucionais ao poder de tributar desenhadas por Humberto Ávila, tais como limitações formais, ou seja, aquelas ligadas à forma, e as materiais (essência da limitação); implícitas e explícitas (como os próprios nomes sugerem); e as limitações de primeiro e segundo graus (a depender da norma que contém a limitação). No tocante ao fundamento constitucional, vimos que somente por meio da Constituição Federal é que se pode conceder qualquer tipo de imunidade tributária. Ao percorrer a Carta Magna, vemos que as principais imunidades são atreladas às competências atribuídas aos entes que integram a federação, sendo que cada um deles é livre para criar as imunidades que entender possível e cabível, desde que isso não seja contrário às disposições da Constituição Federal, sob pena de se conceder imunidade tributária eivada de inconstitucionalidade, tanto formal quanto material. No tocante aos destinatários da imunidade recíproca, destacamos aqueles que vêm arrolados de forma expressa na alínea “a” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal de 1988. Ademais, além deles, viu-se que o Supremo Tribunal Federal estendeu a aplicação da cláusula imunizante às empresas públicas e sociedades de economia mistas prestadoras de serviços públicos, desde que sejam instrumentalidades estatais para a consecução de seus misteres e preencham a alguns requisitos, quais sejam, que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Outro ponto abordado no presente trabalho foi o conceito de imunidade recíproca por ricochete, isto é, aquela em que determinado ente se encontra imunizado da cobrança de impostos em razão de integrar determinada pessoa jurídica de direito privado que esteja sob o manto da imunidade. O leanding case utilizado foi o Recurso Extraordinário 253472/SP[58], que envolveu a imunidade perquirida pela Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP –, que é uma sociedade de economia mista, vinculada à Secretaria de Portos da Presidência da República, é que é regida pela legislação relativa à sociedades por ações, no que lhe for aplicável, e por seu estatuto. No julgamento do mencionado Recurso, o STF entendeu que a referida Companhia preenchia a todos os requisitos anteriormente alinhavados. A título de exemplo, foram arrolados ainda os casos da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – CETESB –, a qual obteve provimento judicial favorável junto ao Supremo Tribunal no Recurso Extraordinário 631.309/SP[59], e do caso em que o STF reconheceu a incidência da cláusula imunizante ao Hospital gaúcho Nossa Senhora da Conceição S/A, no bojo do RE 580264/RS[60]. Por fim, a conclusão a que se chega é que o fenômeno estudado ao longo desta pesquisa encontra-se hodiernamente consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, mais ainda quando se verificam os votos proferidos nos julgamentos citados acima, notadamente o que envolveu a Companhia Docas do Estado de São Paulo – CODESP, o qual se tornou importante precedente no tocante à interpretação da imunidade recíproca, antes aplicada somente aos entes previstos expressa e taxativamente no artigo 150 da Constituição Federal. Dessa forma, está pacificado que é possível a incidência da cláusula imunizante às demais pessoas jurídicas que integram a Administração Indireta.
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A constitucionalidade da contribuição previdenciária patronal do empregador rural pessoa física
Analisa-se a validade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, vulgarmente chamado de “novo Funrural”, prevista na Lei nº 8212/91, art. 25, I. A importância do tema deve-se aos reflexos do julgamento do RE 363.852/MG, caso em que fora reconhecida a inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97 em função das modificações por elas promovidas no regime da referida exação. O objetivo do trabalho é defender a constitucionalidade da contribuição, sem quaisquer restrições e alertar para os prejuízos que serão causados ao sistema da seguridade social e ao próprio contribuinte, caso não haja uma mudança de orientação da Suprema Corte. Para tanto foram contrapostos os fundamentos que levaram à declaração de inconstitucionalidade com o objetivo de demonstrar os desacertos da decisão paradigmática. Conclui-se que as Leis 8.540/92 e 9.528/97 possuem assento na redação original da Constituição Federal, e, pela eventualidade de não ser afastada a inconstitucionalidade dessas normas, ressalta-se que a contribuição incidente sobre a receita bruta da comercialização de produção do produtor rural voltou a ser validamente exigível com o advento da Lei 10.256/2001, que regulamentou a exação já sob a vigência da EC nº 20/98.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por escopo a defesa da constitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física (vulgarmente denominada de “Novo Funrural”) sem quaisquer restrições, tecendo críticas à jurisprudência pátria atual sobre a matéria, em especial, ao posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 363.852/MG. No referido julgado, cuja decisão foi noticiada em fevereiro de 2010 no informativo de jurisprudência nº 573, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97, atingindo, assim, a contribuição previdenciária do produtor rural pessoa física com empregados (art. 12, V, “a” c/c art. 25, da Lei nº 8.212/91). Desde então, proliferaram-se demandas idênticas em todo o país, abarrotando o Judiciário, que, apesar de vir adotando, em regra, os termos do RE nº 363.852/MG, ainda titubeia, e muito, em relação a algumas nuances não apreciadas pela Suprema Corte, tais como, a validade da exação após o advento da Lei nº 10.256/2001, publicada na vigência da EC nº 20/98, sobretudo porque os embargos declaratórios manejados pela União nos autos do RE 596.177/RS (no âmbito do qual fora reconhecida a repercussão geral da matéria) ainda não foram apreciados pelo STF. Justamente em função desses aspectos, de suma relevância para melhor compreensão da matéria, não serem objeto do RE nº 363.852/MG, somado ao fato de o STF ter adotado premissas contraditórias que o levaram a declarar a inconstitucionalidade da exação em comento, a questão assume extrema relevância jurídica, e, sobretudo financeira, tendo em vista os vultosos recursos da seguridade social envolvidos, pondo em risco a estabilização do sistema. O presente estudo, portanto, propõe uma visão critica ao entendimento adotado pelo STF e demonstra que a posição jurídica ora defendida tem lastro em relevantes argumentos, que merecem apreciação detida pela jurisprudência, sob pena de consolidar-se uma situação desacertada e altamente danosa à coletividade por causar o desequilíbrio da seguridade social. 1 – EVOLUÇÃO LEGISLATIVA Apesar do uso corrente do termo, a contribuição destinada ao FUNRURAL – Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – não mais subsiste, tendo sido exigível até outubro de 1991, conforme se abordará a seguir. A melhor compreensão do tema exige uma digressão histórica acerca da legislação atinente. É o que se passa a expor: De início, cumpre referir que antes do avento da Constituição de 1988 havia uma separação entre o regime previdenciário Urbano e Rural. Naquela época, o primeiro era custeado por contribuições habituais (empregados, empregadores, autônomos etc.), enquanto que o segundo era mantido por contribuições aos Fundos Rurais então existentes: Fundo de Previdência Rural e Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL). O Fundo de Previdência Rural foi criado pela Lei nº 2.613/55, com o objetivo de minimizar os efeitos da informalidade no meio rural e permitir que um número maior de empregados rurais tivesse acesso aos benefícios do regime previdenciário. Nestes termos, as pessoas físicas e jurídicas[1][2] que desenvolviam uma das atividades industriais listadas no art. 6º da indigitada lei ficaram obrigadas a contribuir com 3%, além de um adicional equivalente a 0,3%, ambos sobre a Folha de Salários, sendo que a receita arrecadada era destinada ao Serviço Social Rural (SSR)[3]. Outra iniciativa de extensão da cobertura previdenciária aos trabalhadores rurais sobreveio com a edição da Lei nº 4.214/1963, que instituiu o Estatuto do Trabalhador Rural[4] e o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FAPTR), posteriormente denominado FUNRURAL[5]. Financiado por uma contribuição de 1% sobre o valor dos produtos agropecuários comercializados, apesar de o FUNRURAL ter estipulado novos benefícios aos trabalhadores rurais, ainda ficava aquém à cobertura previdenciária conferida aos trabalhadores urbanos[6].  Na prática, portanto, o sistema previdenciário rural não alcançou resultados positivos devido à complexidade do Estatuto do Trabalhador Rural, à insuficiência de recursos, à persistência de altos índices de informalidade e, sobretudo, à ausência de fiscalização das atividades rurais. Este cenário deu ensejo à outra tentativa de expansão da cobertura previdenciária ao meio rural – o Plano Básico de 1969 – que tampouco apresentou resultados satisfatórios. Neste contexto, foi criado o Programa de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (PRORURAL) – em substituição ao plano básico de previdência social rural -, cuja administração ficou a cargo do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (FUNRURAL). Instituído pela Lei Complementar nº 11/71, do Programa de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural (PRORURAL[7]) tinha como objetivo possibilitar ao trabalhador rural e seus dependentes o alcance dos benefícios de aposentadoria por velhice e invalidez, pensão, serviço de saúde, dentre outros tendentes a melhorar a qualidade de vida no campo. Sob a égide da Lei Complementar nº 11/71, a contribuição social em comento passou a incidir da seguinte forma: a) 2% (dois por cento) sobre o valor comercial dos produtos rurais; e b) 2,6% sobre a folha de salários, sendo que 2,4% eram destinados ao FUNRURAL: “Art. 15. Os recursos para o custeio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural provirão das seguintes fontes:  I – da contribuição de 2% (dois por cento) devida pelo produtor, sobre o valor comercial dos produtos rurais, e recolhida: a) pelo adquirente, consignatário ou cooperativa que ficam sub-rogados, para esse fim, em todas as obrigações do produtor; b) pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos ou vendê-los, no varejo, diretamente ao consumidor.pelo produtor, quando ele próprio industrializar seus produtos, vendê-los ao consumidor, no varejo, ou a adquirente domiciliado no exterior; II – da contribuição de que trata o artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.146, de 31 de dezembro de 1970, a qual fica elevada para 2,6% (dois e seis décimos por cento), cabendo 2,4% (dois e quatro décimos por cento) ao FUNRURAL.” Repare-se, portanto, que a contribuição dos empregadores rurais já incidia sobre o valor comercial dos produtos rurais desde a edição da Lei Complementar nº 11/71, não sendo esta uma inovação promovida pela tão criticada Lei 8.540/92. Mas apesar dos esforços, o processo implementação de previdência rural ainda caracterizava-se por uma evidente disparidade em favor da população urbana. A grande mudança do sistema previdenciário rural ocorreu em 1988 com o advento da atual Constituição Federal, cujo art. 195 estabeleceu a unificação dos regimes de previdenciários Urbano e Rural. A unificação introduziu transformações substanciais, tais como, o princípio básico de universalização e a equivalência entre os benefícios rurais e urbanos, com um piso unificado e igual a um salário mínimo, eliminando, pelo menos em tese, as assimetrias ainda presentes no sistema anterior. Após o advento da Constituição Federal de 1988, sobreveio a Lei nº 7.787, de 30/06/89, alterando a legislação de custeio da seguridade social ao prever em seu art. 3º que a contribuição incidente sobre a folha de salários das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados passaria a incidir em 20% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores. Em que pese opiniões em sentido contrário, segundo o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça[8], o Funrural não foi extinto quando da edição da Lei nº 7.787/89 em função desta não ter suprimido o inciso I do art. 15 da LC nº 11/71, mas sim, apenas o inciso II do mesmo artigo. Ou seja, apesar do art. 3º, §1º da Lei nº 7.787/89 ter determinado expressamente a extinção da contribuição ao PRORURAL incidente sobre a folha de salários, silenciou quanto àquela incidente sobre o valor comercial dos produtos rurais, in verbis: “Art. 3º A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será: I – de 20% (vinte por cento), sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados empregados, avulsos, autônomos e administradores; II – de 2% (dois por cento) o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e avulsos, para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho. § 1º A alíquota de que trata o inciso I abrange as contribuições para o salário-família, para o salário-maternidade, para o abono anual e para o PRO-RURAL, que ficam suprimidas a partir de 1º de setembro, assim como a contribuição básica para a Previdência Social.” Somente com a edição da Lei nº 8.213/91, suprimiu-se expressamente a contribuição ao FUNRURAL, nos seguintes termos: “Art. 138. Ficam extintos os regimes de Previdência Social instituídos pela Lei Complementar nº 11, de 25 de maio de 1971, e pela Lei nº 6.260, de 6 de novembro de 1975, sendo mantidos, com valor não inferior ao do salário mínimo, os benefícios concedidos até a vigência desta Lei.” (grifou-se) Por estas razões entende-se que a contribuição previdenciária instituída pela Lei Complementar nº 11/71 – PRO-RURAL – foi recepcionada pelo art. 34 do ADCT como lei ordinária, motivo pelo qual, por se tratar de fonte de custeio prevista nos incisos I e II do art. 195 da Constituição Federal de 1988, sua alteração prescindia de lei complementar e sua base de cálculo poderia ser determinada pelo legislador ordinário. Retomando a evolução histórica, impende destacar que apenas em 1991, com o advento da Lei nº 8.212/91, foi instituída uma nova contribuição previdenciária rural nos moldes definidos pela Constituição Federal de 1988. Tomando por base a data da edição da referida lei de 24 de julho de 1991, o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a contribuição ao FUNRURAL não mais subsiste no ordenamento jurídico desde novembro de 1991, pois, sua exigibilidade perdurou até outubro de 1991, ante a incidência do prazo nonagesimal a que se refere o art. 195, §6º CF. Nesse sentido confira-se, à guisa de exemplo, o julgado no REsp 248.757/RS, Relator Ministro José Delgado, DJ 01/08/2000, verbis : “TRIBUTÁRIO. FUNRURAL. 1. A contribuição para o FUNRURAL, incidente sobre as operações econômicas de aquisição de produtos rurais pelas empresas, é devida até o advento da Lei nº 8.213/91, de novembro do mesmo ano. 2. Provimento do recurso para declarar a responsabilidade tributária da recorrida até essa data limite. 3. O art. 138, da Lei nº 8.213/91, na expressão cogente de sua mensagem, unificou o regime de custeio da previdência social. 4. O art. 3º, I, da Lei nº 7.787/89, conforme claramente explicita, não suprimiu a contribuição do FUNRURAL sobre as transações de aquisição de produtos rurais. Tal só ocorreu com o art. 138, da Lei 8.213/91. 5. Recurso provido para reconhecer devido o FUNRURAL sobre produtos rurais adquiridos pela empresa, esta como responsável tributária, até novembro de 1991 (art. 138, da Lei 8.213/91).” Destarte, percebe-se que a uniformidade do regime previdenciário previsto II do parágrafo único do art. 194 da Constituição de 1988 foi efetivamente regulamentada pelas Leis nº 8.212 e 8.213, que definiram, respectivamente, a organização da seguridade social e o plano de benefícios previdenciários, refletindo o Regime Geral de Previdência Social. Das relevantes modificações trazidas pela Lei nº 8.212/91 importa referir a implementação de três categorias distintas de produtor rural, quais sejam: o produtor rural pessoa jurídica, o produtor rural pessoa física com empregados e o segurado especial, que trabalha em regime de economia familiar. Na redação original da Lei nº 8.212/91 o art. 25 se direcionava apenas ao segurado especial, sendo este o único que contribuía com um percentual incidente sobre a comercialização da produção rural. Àquela época, tanto o produtor rural pessoa jurídica, quanto o produtor rural pessoa física com empregados, contribuíam com um percentual incidente sobre a sobre a folha de salários, nos termos do art. 22, I. A redação original do referido art. 25 tinha o seguinte teor: "Art. 25. Contribui com 3% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção o segurado especial referido no inciso VII do art. 12". No ano seguinte, o artigo 25 da Lei nº 8.212/91 foi alterado pela Lei nº 8.540/92, a qual foi declarada inconstitucional pela decisão proferida no RE 363.852, conforme se analisará pormenorizadamente a seguir. Em síntese, a referida norma incluiu o produtor rural pessoa física com empregados no caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91, bem como vedou a incidência da contribuição sobre a folha de salários, a partir da inclusão do § 5º ao art. 22 da Lei nº 8.212/91. Nesse passo, foram inseridos dois incisos no art. 25, que passou a ostentar o seguinte teor: “Art. 25. A contribuição da pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea 'a' do inc. V e no inc. VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II – um décimo por cento da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento de complementação das prestações por acidente de trabalho.” A partir daí, tanto o segurado especial, quanto o empregador rural pessoa física passaram a contribuir com um percentual incidente sobre comercialização da produção rural, enquanto que a contribuição do produtor rural pessoa jurídica permaneceu incidindo sobre a folha de salários, conforme a regra geral insculpida no art. 22, I da Lei nº 8.212/91. Novamente o art. 25 da Lei nº 8.212/91 foi alterado pela Lei nº 9.528/97, nas seguintes letras: “Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física e do segurado especial referidos, respectivamente, na alínea 'a' do inc. V e no inc. VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente de trabalho.” A última alteração substancial relativamente à contribuição previdenciária devida pelo empregador rural pessoa física foi promovida pela Lei nº 10.256/2002. Esta sobreveio já sob a vigência da EC nº 20/98 (que veio a albergar o “faturamento ou a receita” como base cálculo de contribuição de seguridade social – art. 195, I, “b”, da CF) e dispôs, de forma expressa, que a contribuição do empregador rural antes incidente sobre a folha de salários foi substituída por aquela incidente sobre a comercialização da produção. Neste ponto importa referir que a causa julgada pelo RE 363.852 trata de contribuições cobradas até o final da década de 90, motivo pelo qual, o Supremo Tribunal Federal não se pronunciou sobre a atual redação do art. 25 da Lei nº 8.212/91, conferida pela Lei nº 10.256/2001, a qual, hodiernamente, dá suporte para a cobrança da contribuição. Portanto, atualmente, a contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física é recolhida com base na redação do art. 25 da Lei nº 8.212, conferida pela Lei 10.256/01, cuja constitucionalidade não foi apreciada pelo STF. Eis a previsão legal da contribuição em comento, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, com redação dada pela Lei nº 8.540/92, alterado pela Lei nº 9.528/97 e, mais recentemente pela Lei nº 10.256, de 09.07.01: “Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: I- 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; II- 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.” Assim, podemos dizer que o “novo” Funrural foi instituído pela Lei nº 8.212/91 e já sofreu inúmeras alterações promovidas pela legislação superveniente, as quais, devido às calorosas discussões jurídicas que têm gerado, deram ensejo ao presente trabalho. 2 – CONTEXTUALIZAÇÃO DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 8.540/92 Conforme observado anteriormente, com o advento da Lei nº 8.540/92, o art. 25 da Lei nº 8.212/91 foi alterado para prever que o empregador rural pessoa física passaria a contribuir com um percentual incidente sobre a comercialização de sua produção rural e não mais sobre a folha de salários. Impende dizer que tal alteração legislativa deveu-se ao fato de que havia uma defasagem de 94% entre a arrecadação e os benefícios pagos a segurados do meio rural, a qual inviabilizaria todo o Sistema de Seguridade Social, caso não houvesse um aumento de arrecadação. Ao corrigir essa distorção histórica, a Lei nº 8.540/92 mostrou-se um forte mecanismo de combate ao emprego informal no campo, haja vista que a incidência de contribuição sobre a folha de pagamentos desestimulava a contratação formal dos rurícolas, ao passo que a contribuição sobre a comercialização estimulava, e ainda estimula, os empregadores rurais ao recolhimento da contribuição social, protegendo-os naqueles períodos em que a produção rural fica aquém do esperado. Como visto, enquanto a contribuição sobre a folha deve ser recolhida independentemente da produção obtida no campo, a incidente sobre a comercialização apenas será recolhida se e quando houver o ingresso de receitas nos cofres do empregador rural pessoa física. Duas foram, fundamentalmente, as razões da opção político-legislativa pela tributação incidente sobre a comercialização da produção rural: do ponto de vista da Previdência Social, a “insubsistência” da folha de salários dos produtores rurais pessoas físicas, como instrumento de efetiva representação de seu impacto social-previdenciário, tendo em vista o grande volume de mão-de-obra temporária (“bóias-frias”) mantida neste setor; do ponto de vista dos próprios produtores, o fato de que a sazonalidade natural da atividade agropecuária e o caráter permanente da folha de salários geravam um grande descompasso nos períodos de entressafra, dificultando o cumprimento de suas obrigações previdenciárias. Diante de tais considerações, entende-se que a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural se mostra mais adequada às vicissitudes do cotidiano rural do que aquela incidente sobre a folha de pagamentos, demonstrando que, caso prevaleça o entendimento no sentido da sua inconstitucionalidade, poderá resultar em tributação mais gravosa para a generalidade dos contribuintes a ela sujeitos. 3 – IDENTIDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS PASSIVOS Embora o presente trabalho tenha como objeto de estudo especificamente a contribuição previdenciária devida pelo produtor rural pessoa física empregador, ressalta-se que esta exação, incidente sobre a receita bruta da comercialização da produção rural, possuí duas espécies de sujeito. Além do produtor rural pessoa física empregador (art. 12, V, “a”, da Lei nº 8.212/91), existe a figura do segurado especial, assim considerado como o produtor rural que exerce suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar (art. 12, VII, da Lei nº 8.212/91).      Em relação ao produtor rural sem empregados, o segurado especial, o próprio texto constitucional determina o seu custeio mediante a aplicação de uma alíquota incidente sobre o resultado da comercialização de sua produção, nos exatos termos do art. 195, § 8º, verbis: “§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei.” Portanto, tratando-se do sujeito passivo segurado especial, a Constituição é expressa ao determinar o custeio previsto no art. 25 da Lei nº 8.212/91. Neste particular, não há margem para interpretação diversa. A contribuição é constitucional. A controvérsia ora analisada gira em torno da possibilidade, ou não, da aplicação de uma alíquota também incidente sobre o resultado da comercialização da produção em relação à contribuição paga pelo produtor rural pessoa física empregador, conforme se abordará adiante. 4 – PRECEDENTE DO STF NO FAMOSO CASO MATABOI No RE 363.852, o Pretório Excelso, em processo subjetivo, debruçou-se sobre a contribuição previdenciária a cargo dos produtores rurais pessoas físicas com empregados (Lei nº 8212/91, art. 12, V, letra “a”) incidente sobre a “receita bruta proveniente da comercialização de sua produção” (Lei nº 8212/91, art. 25, inciso I) e cujo respectivo recolhimento está cometido, nos termos do art. 30, inciso IV, da Lei nº 8212/91, à empresa adquirente, consumidora ou consignatária, a qual deve reter na fonte a aludida contribuição e repassá-la ao Fisco. O acórdão foi publicado com a seguinte ementa: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PRESSUPOSTO ESPECÍFICO – VIOLÊNCIA À CONSTITUIÇÃO – ANÁLISE – CONCLUSÃO. Porque o Supremo, na análise da violência à Constituição, adota entendimento quanto à matéria de fundo do extraordinário, a conclusão a que chega deságua, conforme sempre sustentou a melhor doutrina – José Carlos Barbosa Moreira -, em provimento ou desprovimento do recurso, sendo impróprias as nomenclaturas conhecimento e não conhecimento. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – COMERCIALIZAÇÃO DE BOVINOS – PRODUTORES RURAIS PESSOAS NATURAIS – SUB-ROGAÇÃO – LEI Nº 8.212/91 – ARTIGO 195, INCISO I, DA CARTA FEDERAL – PERÍODO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 – UNICIDADE DE INCIDÊNCIA – EXCEÇÕES – COFINS E CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – PRECEDENTE – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. Ante o texto constitucional, não subsiste a obrigação tributária sub-rogada do adquirente, presente a venda de bovinos por produtores rurais, pessoas naturais, prevista nos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97. Aplicação de leis no tempo – considerações”. (RE 363852, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 03/02/2010, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-04 PP-00701 RET v. 13, n. 74, 2010, p. 41-69) O voto condutor do aresto, da lavra do eminente Min. Marco Aurélio, foi prolatado, em síntese, sob os seguintes fundamentos: a] configuração de bis in idem[9] em relação ao resultado da comercialização da produção rural do empregador pessoa física, em face da incidência simultânea da COFINS e da contribuição devida pelos empregadores rurais pessoas físicas, além da contribuição previdenciária sobre a folha de salários; b] violação ao princípio da isonomia, sob a alegação de que o empregador rural com empregados receberia tratamento diferenciado e mais gravoso se comparado ao dispensado ao empregador rural sem empregados – Segurado Especial; c] inconstitucionalidade formal do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, tendo em vista que a exigência de contribuição incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção do empregador rural pessoa física, por não estar inserida originariamente no inciso I do artigo 195 da Constituição, deveria ser instituída mediante lei complementar, na linha do que preconiza o § 4º do artigo 195 da CF, por se tratar de outra fonte destinada a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social. A seguir serão analisados cada um desses argumentos que levaram à declaração da inconstitucionalidade da contribuição. 4.1) CONFIGURAÇÃO DE BIS INS IDEM Um dos principais fundamentos do decisum foi o reconhecimento de que os produtores rurais pessoas físicas, por serem equiparados a pessoas jurídicas por força da legislação de imposto de renda, já teriam sua produção rural tributada pela COFINS, de modo que a configurar bis in idem. Eis o trecho do julgado que reflete este entendimento: “A regra, dada a previsão da alínea ‘b’ do inciso I do referido artigo 195, é a incidência da contribuição social sobre o faturamento, para financiar a seguridade social instituída pela Lei Complementar nº 70, de 30 de dezembro de 1991, a obrigar não só as pessoas jurídicas, como também aquelas a ela equiparadas pela legislação do imposto sobre a renda – artigo 1º da citada lei complementar. Já aqui surge duplicidade contrária à Carta da República, no que conforme o artigo 25, incisos I e II, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, o produtor rural passou a estar compelido a duplo recolhimento, com a mesma destinação, ou seja, o financiamento da seguridade social recolhe, a partir do artigo 195, inciso I, alínea ‘b’, a COFINS e a contribuição prevista no referido artigo 25.” Nas palavras de Alexandre Rossato da Silva Ávila[10]: “o bis in idem decorre da exigência, pela mesma pessoa política, de dois tributos sobre o mesmo fato”. Haveria, para o autor, uma superposição tributária realizada pela mesma entidade política. Devido ao corrente uso indiscriminado dos termos, há que se atentar para a diferença entre bis in idem e bitributação. Segundo o escólio Bernardo Moraes de Ribeiro[11], o primeiro de verifica quando há “a exigência de impostos iguais pelo mesmo poder tributante, sobre o mesmo contribuinte e em razão do mesmo fato gerador, embora em razão de duas leis ordinárias.”; e o segundo verifica-se quando há dois entes federados tributando a mesma causa jurídica e contribuinte. Como bem destaca Paulsen, a vedação à bitributação justifica-se, em última análise, pela ofensa causada à distribuição constitucional de competência privativa de cada Poder tributante[12]. Por tais razões, ressalvada a opinião singular de Bernardo[13], entende-se que não há espaço para a bitributação nem para e o bis in idem no ordenamento jurídico pátrio. Para Rossato[14], no entanto, não há uma vedação constitucional expressa acerca do bis in idem, já que há contribuições que incidem sobre o mesmo fato gerador e possuem a mesma base de cálculo por previsão expressa da Constituição, v.g. o PIS e a COFINS. O certo é que nos casos elencados no art. 154, II há permissão expressa da Constituição para a bitributação e para o bis in idem, com ampla liberdade de escolha de fato imponível para este gravame[15]. A esse propósito, asseverou o ilustre Ministro Relator que “apenas a Constituição Federal é que, considerado o mesmo fenômeno jurídico, pode abrir exceção à unicidade de incidência de contribuição", a exemplo do ocorrido com o PIS, previsto no art. 239 da CRFB/88, e das contribuições destinadas a terceiros (sistema "S" – SESI, SESC etc.), previstas no art. 240. 4.2) OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA A ofensa ao princípio da isonomia, previsto no art. 150, II, da Constituição Federal, foi outro dos principais fundamentos utilizados pela Suprema Corte no julgamento do RE 363.852/MG. Entendeu-se que o produtor rural pessoa física com empregados, afora a contribuição prevista no art. 25, inciso I, da Lei nº 8212/91, incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção, também estaria obrigado ao recolhimento da contribuição sobre a folha de salários: “Forçoso é concluir que, no caso do produtor rural, embora pessoa natural, que tenha empregados, incide a previsão relativa ao recolhimento sobre o valor da folha de salários.” Eis outro trecho do voto condutor que sintetiza a conclusão tomada pela corte: “De acordo com o artigo 195, §8º, do Diploma Maior, se o produtor não possui empregados, fica compelido, inexistente a base de incidência da contribuição – a folha de salários – a recolher percentual sobre o resultado da comercialização da produção. Se, ao contrário, conta com empregados, estará obrigado não só ao recolhimento da Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social – COFINS e da prevista – tomada a mesma base de incidência, o valor comercializado – no artigo 25 da Lei nº 8.212/91. Assim, não fosse suficiente a duplicidade, considerado o faturamento, tem-se ainda a quebra da isonomia”. (grifou-se) 4.3) INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DAS LEIS Nº 8.540/92 e 9.528/97 Por fim, a inconstitucionalidade formal, face à necessidade de lei complementar para a instituição da contribuição incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física, foi o terceiro principal argumento adotado pelo Supremo Tribunal Federal ao pronunciar a nulidade do texto legal. A inconstitucionalidade formal pode ser definida como os vícios que afetam o ato normativo individualmente considerado, referindo-se aos pressupostos e procedimentos relativos à formulação do ato[16]. Essa espécie de anomalia pode ser subjetiva, quando referente à fase de iniciativa, ou objetiva, quando pertinente às demais fases do procedimento legislativo. Com efeito, o Ilustre Relator fez distinção, forte nas lições de Hugo de Brito Machado e de Hugo de Brito Machado Segundo, entre a base de cálculo prevista no inciso I do art. 25 da Lei 8212/91 – receita bruta decorrente da comercialização da produção – e o faturamento, para chegar à conclusão de que, à época da modificação da Lei 8.212/91 feita pelas Leis nº 8.540/92 e 9.528/97, antes, portanto, da EC nº 20/98, tal base de incidência não encontraria abrigo no art. 195 da CF/88, razão pela qual mister se faria necessário ter vindo à lume por meio de lei complementar, nos termos do §4º do art. 195. Para fundamentar esse ponto do aresto, o voto condutor valeu-se do entendimento firmado pela Corte no julgamento da ADI 1.103-3/DF, nos seguintes termos: “Assentou o Plenário que o §2º do artigo 25 da Lei nº 8.870/94 fulminado ensejara fonte de custeio sem observância do §4º do artigo 195 da Constituição Federal, ou seja, sem a vinda à balha de lei complementar. O enfoque serve, sob o ângulo da exigência desta última, no tocante à disposição do artigo 25 da Lei nº 8.212/91. É que, mediante lei ordinária, versou-se a incidência da contribuição sobre a proveniente da comercialização pelo empregador rural, pessoa natural. Ora, como salientado no artigo de Hugo de Brito Machado e Hugo de Brito Machado Segundo, houvesse confusão, houvesse sinonímia entre o faturamento e o resultado da comercialização da produção, não haveria razão para a norma do §8º do artigo 195 da Constituição Federal relativa ao produtor que não conta com empregados e exerça atividades em regime de economia familiar. Já estava ele alcançado pela previsão imediatamente anterior – do inciso I do artigo 195 da Constituição. Também sob esse prisma, procede a irresignação, entendendo-se que comercialização da produção é algo diverso de faturamento e este não se confunde com receita, tanto assim que a Emenda Constitucional nº 20/98 inseriu, ao lado do vocábulo ‘faturamento’, no inciso I do artigo 195, o vocábulo ‘receita’. Então, não há como deixar de assentar que a nova fonte deveria estar estabelecida em lei complementar”. Dessa forma, concluiu o STF que, sendo a “receita bruta decorrente da comercialização da produção” algo inteiramente inconfundível e diverso de “faturamento”, o preceptivo legal, nascido antes da EC nº 20/98[17], seria formalmente inconstitucional, porquanto somente poderia ter sido veiculado mediante a edição de lei complementar. 5 – ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA 5.1) INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM Não há falar em bis in idem referente à grandeza econômica albergada pelo art. 195, I, “b”, da CF[18], uma vez que, muito embora seja o produtor rural pessoa física equiparado à empresa pela legislação de custeio da previdência[19], não é contribuinte da COFINS, em função de não ser equiparado à pessoa jurídica pela legislação do Imposto de Renda, forte no art. 1º da LC nº 70/91 e no art. 150 do Decreto nº 3.000/99 (RIR). Com efeito, importa deixar claro que a contribuição prevista no art. 25 da Lei nº 8212/91, em relação ao produtor rural empregador, é a única contribuição previdenciária incidente sobre a produção agrícola, o que afasta qualquer possibilidade de ocorrência de bis in idem. Ao contrário do que afirmou o Relator do RE 363.852/MG, o empregador rural pessoa física não é contribuinte da COFINS, uma vez que somente as pessoas jurídicas ou a ela equiparadas pela legislação do Imposto de Renda se submetem a esta contribuição. O afastamento entre a regência tributária do empregador rural pessoa jurídica e pessoa física deve-se à distinta forma de apuração do resultado da exploração de suas atividades. Anualmente a Receita Federal edita Instruções Normativas[20] para a aprovação de um programa multiplataforma denominado "Livro Caixa de Atividade Rural”, cujas informações servem de complementação àquelas constantes na declaração anual de imposto de renda de pessoa física. As referidas instruções normativas dispõem que gastos com salários podem ser considerados despesas de custeio para fins de apuração do "Livro Caixa de Atividade Rural". Isso comprova que a legislação de imposto de renda não equipara os produtores rurais pessoas físicas empregadores a pessoas jurídicas. Em suma, os produtores rurais pessoas físicas declaram sua renda anual através da sistemática de pessoas físicas, e, devido à sua peculiaridade, prestam informações adicionais ao fisco por meio do programa "Livro Caixa de Atividade Rural”, no qual podem apontar, dentre outros, gastos com pagamento de salário a seus empregados. Por esta razão, a Lei 9.250/1995, que trata sobre o imposto de renda das pessoas físicas, assim dispõe: “Art. 18. O resultado da exploração da atividade rural apurado pelas pessoas físicas, a partir do ano-calendário de 1996, será apurado mediante escrituração do Livro Caixa, que deverá abranger as receitas, as despesas de custeio, os investimentos e demais valores que integram a atividade”. No mesmo sentido, ao dispor sobre a tributação dos resultados da atividade rural das pessoas físicas, reza a IN SRF n.º 83/2001: “Art. 10. As despesas de custeio e os investimentos são comprovados mediante documentos idôneos, tais como nota fiscal, fatura, recibo, contrato de prestação de serviços, laudo de vistoria de órgão financiador e folha de pagamento de empregados, identificando adequadamente a destinação dos recursos”. Outro não foi o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao se debruçar sobre o tema, veja-se: “CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. EXIGIBILIDADE. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. COFINS. BIS IN IDEM. INEXISTÊNCIA. 1. A Constituição de 1988 e a legislação posterior mantiveram a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural, prevendo tratamento distinto entre o produtor rural que trabalha em regime de economia familiar, o produtor rural pessoa física empregador e o produtor rural pessoa jurídica. 2. Para o produtor rural pessoa física empregador, a contribuição sobre a comercialização da produção rural é indevida apenas de 25 de julho de 1991 (extinção do PRORURAL) até 22 de março de 1993 (prazo nonagesimal da Lei n.º 8.540/92, que recriou a contribuição), quando então era exigível a contribuição sobre a folha de salários. 3. O fato gerador da contribuição debatida é a comercialização da produção rural e ocorre com a venda ou a consignação da produção rural; a base de cálculo é a receita bruta proveniente da comercialização de tal produção, elementos da hipótese de incidência previstos nas Leis n.º 8.212/91 e n.º 8.870/94. 4. A base de cálculo – receita bruta – é equivalente, para efeitos fiscais, a faturamento, segundo precedentes do e. STF, e representada pela venda ou consignação de mercadorias, no caso, produtos rurais. 5. Ausência de bis in idem, pois o produtor rural pessoa física empregador, porque não atende aos requisitos do art. 1.º da LC 70/91 (ser equiparado a pessoa jurídica pela legislação do Imposto de Renda), não é contribuinte da COFINS, inexistindo suposta indevida cumulação de contribuições.” (TRF-4ª Região, AC 2009.71.18.000524-4/RS, Rel. Des. Fed. OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, 2ª TURMA, j. 11/11/2009, DE de 12.11.2009) “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. EXIGIBILIDADE. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO. COFINS. DUPLA TRIBUAÇÃO. INEXISTÊNCIA. 1. A Constituição de 1988 e a legislação posterior mantiveram a contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural, prevendo tratamento distinto entre o produtor rural que trabalha em regime de economia familiar, o produtor rural pessoa física empregador e o produtor rural pessoa jurídica. 2. Para o produtor rural pessoa física empregador e o consórcio simplificado de produtores rurais, a contribuição sobre a comercialização da produção rural é indevida apenas de 25 de julho de 1991 (extinção do PRORURAL) até 22 de março de 1993 (prazo nonagesimal da Lei n.º 8.540/92, que recriou a contribuição). 3. O fato gerador da contribuição debatida é a comercialização da produção rural e ocorre com a venda ou a consignação da produção rural; a base de cálculo é a receita bruta proveniente da comercialização de tal produção, elementos da hipótese de incidência previstos nas Leis n.º 8.212/91 e n.º 8.540/92. 4. O art. 25 da Lei 8.212/91, na redação da Lei 8.540/92, prevê a contribuição do empregador rural pessoa física como incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua produção. Tal base ajusta-se ao conceito de faturamento definido para a COFINS no RE 346084, pois o resultado da comercialização da produção rural é, evidentemente, a venda das mercadorias, a atividade desenvolvida pelo produtor rural. A discussão que se travou quanto ao conceito de faturamento diz respeito à inclusão de "outras receitas", como receitas financeiras, royalties, aluguéis, entre outros. Note-se que, a título de "receita bruta proveniente da comercialização da produção rural" jamais se cogitou de tributar referidas "outras receitas" do produtor rural pessoa física empregador, mas somente a venda das mercadorias agropecuárias. 5. Ausência de dupla tributação sobre o mesmo fato, pois o produtor rural pessoa física empregador, porque não atende aos requisitos do art. 1.º da LC 70/91 (ser equiparado a pessoa jurídica pela legislação do Imposto de Renda), não é contribuinte da COFINS. 6. Limitada a pretensão ressarcitória aos fatos geradores ocorridos desde julho de 1993 e sendo a contribuição devida desde março de 1993, nada há a ser repetido. (TRF4, AC 2003.71.00.039228-0, Segunda Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 18/06/2008)” (grifou-se) 5.2) INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO À ISONOMIA Há que se superar, outrossim, a equivocada premissa de que o produtor rural pessoa física com empregados receberia tratamento mais gravoso do que o dispensado ao produtor rural pessoa física que não dispõe de empregados. Ao afirmar que a tributação do produtor rural com e sem empregados são equivalentes, por incidirem sobre bases similares (resultado da comercialização da produção rural), o STF deixou de ressaltar que a contribuição incidente sobre a folha de salários não mais tem vigência, e que a COFINS não tem incidência sobre a receita proveniente da comercialização da produção do produtor rural pessoa física com empregados, por ausência de sua equiparação à pessoa jurídica, na forma referenciada no item anterior. É de se salientar que a contribuição sobre folha de pagamentos do empregador rural pessoa física foi expressamente afastada, conforme a redação atual do art. 25 da Lei nº 8.212/91, conferida pela lei nº 10.256/01, in verbis: “Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 2001)”. (grifou-se) Houve, como visto, a substituição da contribuição incidente sobre a folha de salários por aquela incidente sobre a comercialização da produção rural, obrigação tributária idêntica àquela exigida do segurado especial (art. 195,8º, CRFB). Ressalta-se que a única diferença existente entre o regime de tributação do produtor rural pessoa física com empregados e aquele aplicado ao segurado especial deve-se ao fato de que o primeiro, além de contribuir para o custeio da previdência de seus empregados, também tem a obrigação de contribuir para a seguridade social na condição de contribuinte individual, ao passo que o segundo, por não possuir empregados, logicamente, contribui somente para o custeio da própria previdência. Em suma, a contribuição sobre a comercialização, instituída em substituição à incidente sobre folha de salários, destina-se ao custeio da previdência dos empregados, enquanto que a contribuição como contribuinte individual destina-se ao custeio da própria previdência do empregador rural pessoa física. Portanto, não há falar em duplicidade de incidência tributária, haja vista destinarem-se as contribuições a fins diversos: custeio da previdência dos empregados e custeio da previdência do próprio empregador rural pessoa física, na condição de contribuinte individual. Por consequência, trazendo-se à baila os argumentos expostos no item anterior, torna-se também insustentável o fundamento suscitado pelo Ministro Marco Aurélio no sentido de que estaríamos diante de tripla incidência tributária (COFINS, comercialização da produção e folha de salários), em função de que a contribuição paga pelo empregador na condição de contribuinte individual, porquanto idêntica àquela estabelecida em face do segurado especial, não acarreta mácula ao princípio da isonomia. Merece integral transcrição, pela sua precisão didática, o voto proferido pela Juíza Vânia Hack de Almeida, relatora da Apelação Cível n.º 2003.71.00.039228-0/RS[21]: “A contribuição sobre a produção rural representa a parte da empresa no financiamento da seguridade social, complementando a contribuição dos trabalhadores empregados e avulsos. O produtor rural pessoa física, equiparado a empresa por dispositivo legal, está, assim, sujeito a tal tributação, e o faz como equiparado a pessoa jurídica, pois, como visto, há na atividade o traço empresarial. Ademais, de um lado, focando o aspecto individual, tal enquadramento assemelha-se à situação do empregador doméstico, que contribui sobre o salários-de-contribuição dos empregados a seu serviço. De outro lado, considerado o aspecto empresarial, também o empresário urbano é contribuinte individual obrigatório. Porém, todos eles, enquanto pessoas individualmente pretendentes aos benefícios previdenciários, devem contribuir, também singularmente, para o custeio do sistema. Não há, neste mecanismo de financiamento, nenhum traço de confisco, dupla tributação ou tratamento não-isonômico; há, isto sim, eqüidade na forma de participação no custeio da seguridade social, conforme princípio constitucional.” 5.3) DESNECESSIDADE DE LEI  COMPLEMENTAR RELATIVAMENTE A FONTE DE CUSTEIO JÁ PREVISTA NO TEXTO DA CF/88. Muito embora as conclusões adotadas pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE 363.852/MG consubstanciem entendimento diverso, é perfeitamente defensável a similitude entre os conceitos de receita bruta proveniente da comercialização da produção rural e de faturamento, base econômica que já se encontrava prevista na redação original do inciso I do artigo 195 da CF/88. Ab initio, cumpre ressaltar que, em primeiro plano, não se objetiva defender a equivalência entre os conceitos de faturamento e receita bruta, pura e simplesmente. Precipuamente, o que se pretende é equiparar o termo faturamento a um tipo específico de receita bruta, qual seja: aquela proveniente da comercialização da produção rural. Não se deve perder de vista que o conceito de receita bruta é mais amplo do que a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. O professor Kiyoshi Harada destrincha essa interessante distinção entre receita bruta e receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, nos seguintes termos:[22] “Interessante notar que, no caso concreto, que a incidência da contribuição social sobre "receita bruta proveniente da comercialização da produção rural" coincide com o conceito de faturamento da produção rural. A receita bruta, sem o qualificativo "proveniente da comercialização da produção rural", é um conceito mais abrangente que o de faturamento, pois abarca as receitas não operacionais. Contudo, com aquele qualificativo constante da decisão sob exame, que reproduz o que está nos incisos I e II, do art. 25 da Lei nº 8.212/91, os conceitos se equivalem. De fato, receita bruta decorrente proveniente de comercialização da produção rural, por implicar exclusão de outros tipos de receitas (juros, alugueres, ágio na venda de ativos financeiros etc.) coincide rigorosamente com o conceito de faturamento da produção rural”. Ainda que não se reconheça essa evidente diferenciação entre a receita bruta em geral daquela proveniente da comercialização da produção rural, é perfeitamente possível defender a constitucionalidade da contribuição previdenciária em questão a partir da jurisprudência dominante nas Cortes Regionais e no próprio Supremo Tribunal Federal, haja vista que tais tribunais firmaram entendimento no sentido que são equiparáveis os conceitos de faturamento e receita bruta, conforme se demonstrará adiante. Para melhor compreender a quaestio, eis o teor do art. 195 da Constituição Federal, em sua redação original: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I- dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro; § 4º – A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I” Por sua vez, o art. 154, I, da Constituição Federal dispõe: “Art. 154. A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;” As normas constitucionais acima transcritas autorizam o legislador federal ordinário a instituir as contribuições sociais previstas na Lei Maior. Ao comentar o §4º do art. 195, Paulsen ensina que a menção a “outras fontes” remete ao futuro, ou seja, à instituição de novas fontes, além das já previstas nos seus incisos I a IV[23]. Observe-se que o art. 1º da Lei nº 8.540/92 não criou nova contribuição, mas apenas alterou a fundamentação constitucional de contribuição já existente de folha de salários para faturamento, sob a denominação de receita bruta proveniente da comercialização da produção rural. Demonstrada a desnecessidade de lei complementar nessas circunstâncias, é preciso ter em mente o significado da terminologia empregada pela Constituição Federal e pela Lei nº 8.540/92: faturamento e receita bruta. Em que pese opiniões em sentido contrário, a interpretação conjugada das definições oferecidas pela legislação, doutrina e jurisprudência dão suporte para as modificações implementadas pela Lei nº 8.540/92, seja pela equiparação entre faturamento e receita bruta proveniente da comercialização da produção rural, seja pela possível equiparação entre faturamento e receita bruta pura e simplesmente, sem o qualificativo “proveniente da comercialização da produção rural”. Em linhas gerais, o termo “receita bruta” pode ser compreendido como o produto das vendas e serviços vinculados à atividade da empresa, segundo as definições conferidas pelos seguintes dispositivos legais: Decreto-Lei nº 1.598/77[24], Lei nº 6.404/76[25], Resolução BACEN nº 482/78[26], Decreto-Lei nº 1.940/82[27], com alterações introduzidas pelo DL nº 2.397/87. Na mesma linha, a doutrina contábil empresta ao termo receita bruta o sentido de resultado exclusivo derivado da industrialização dos produtos, da venda de mercadorias ou da prestação de serviços, atividades estas vinculadas diretamente ao objeto social descrito no Estatuto ou Contrato Social da sociedade mercantil. Tal categoria de receitas é composta unicamente do ingresso econômico-financeiro dessa natureza, não agrupando receitas ou ingressos outros que não tenham vinculação exclusiva ao objeto principal do negócio mercantil desempenhado. De outra banda, merece destaque que “fatura” é o documento relativo à venda de mercadorias, pelo qual o vendedor faz conhecer ao comprador a lista dos produtos vendidos com suas especificações, entre as quais o preço. A emissão de fatura nas vendas é obrigatória, nos termos do art. 1º da Lei nº 5.747/68. Já o faturamento é o somatório das faturas em um determinado lapso de tempo. Todo produtor rural, por exemplo, ao comercializar a sua produção, deve, obrigatoriamente, emitir as respectivas faturas. O faturamento irá corresponder a sua receita bruta proveniente da comercialização da produção, ou o somatório dos valores faturados. À guisa de exemplo, a Lei nº 9.037/96, que instituiu o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições da Microempresa e Empresas de Pequeno Porte – Simples, estabeleceu a contribuição previdenciária patronal incidente sobre o faturamento ou receita bruta. A propósito, em caso análogo – ADI 1.103-1 -, cuja decisão foi evocada no voto condutor do RE 363.852/MG, embora o Supremo Tribunal tenha declarado a inconstitucionalidade do parágrafo 2º do artigo 25 da Lei nº 8.870/94, reconheceu a constitucionalidade dos incisos I e II do mesmo dispositivo legal, ao admitir que os termos receita bruta e faturamento são equivalentes entre si, nos seguintes termos: “Posta assim a questão, vamos ao caso sob exame, o art. 25, I e II, e o § 2º do art. 25 da Lei 8.870, de 1994. Quanto aos incisos I e II do art. 25, não há falar em inconstitucionalidade, dado que o Supremo Tribunal Federal já estabeleceu que a receita bruta identifica-se com o faturamento. Então, a contribuição está incidindo sobre um dos fatos inscritos no inc. I do art. 195 da Constituição. Vejamos, agora, o § 2do art. 25: § 2º O disposto neste artigo se estende às pessoas jurídicas que se dediquem à produção agro-industrial, quanto à folha de salários de sua parte agrícola, mediante o pagamento da contribuição prevista neste artigo, a ser calculada sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado. (grifei)' Institui o § 2º do art. 25, está-se a ver, contribuição a ser paga pelas pessoas jurídicas que se dedicam à agroindústria, quanto à folha de salários de sua parte agrícola. Até aí, tudo bem, dado que é possível a instituição de contribuição sobre a folha de salários (art. 195, I, CF). A inconstitucionalidade vem em seguida. É que a base de cálculo da contribuição não é o quantum da folha de salários, mas 'o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado.' A lei, no ponto, inovou ao estabelecer a base de cálculo ou base imponível da contribuição”. (STF – Ministro Carlos Velloso – ADIn 1103-1) Da mesma forma, assim restou decidido no RE 150.755/PE[28], oportunidade em que o Supremo Tribunal Federal também admitiu a juridicidade da tomada de empréstimo do conceito de faturamento, equiparável ao de receita bruta, revisto na legislação do imposto de renda, para a finalidade de definir-se a base de cálculo da contribuição incidente sobre faturamento, prevista no inciso I do artigo 195 da CR/1988, e assim, dizer da constitucionalidade do artigo 28 da Lei n° 7.738/1989: “III – Contribuição para o Finsocial exigível das empresas prestadoras de serviço, segundo o art. 28, Lei n° 7.738/89: constitucionalidade, porque compreensível no art. 195, I, CF, mediante interpretação conforme a Constituição. (…) 8. A contribuição social questionada se insere entre as previstas no artigo 195, I, CR, e sua instituição, portanto, dispensa lei complementar: no art 28 da Lei n° 7.738/89, a alusão a ‘receita bruta’, como base de cálculo do tributo, para conformar-se ao art. 195, I, da Constituição, há de ser entendida segundo a definição do Decreto-Lei n° 2.397/87, que é equiparável à noção corrente de ‘faturamento’ das empresas de serviço”. (RTJ 149/259, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) Na mesma esteira, as Cortes Regionais também já haviam sedimentado o entendimento na linha de que os termos faturamento e receita bruta eram equivalentes, como se vê, por exemplo, no AMS – 2000.71.10.002687-8, DJU DATA:26/06/2002, Relator Alcides Vettorazzi, do TRF-4 e no AMS 1997.01.00.043974-1/GO, Relator: Juiz Olindo Menezes, Convocado: Juiz Antônio Ezequiel da Silva, Publicação: 10/09/1999 DJ p.200, do TRF-1. Peço vênia para consignar os fundamentos adotados no voto da Desembargadora Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, quando do julgamento Apelação Cível nº 0002422-12.2009.404.7104/RS, que bem sintetizam a quaestio: “A equivalência entre os termos faturamento, inscrito na Constituição, e receita bruta, inserida na legislação ordinária, já foi reconhecida pelo STF no julgamento da ADC 01/95. Também no julgamento da ADIN nº 1.103-1/96 restou tacitamente confirmada a correspondência entre tais termos, pois a inconstitucionalidade atingiu apenas a base de cálculo pretendida pela agroindústria (valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado). Embora não tenha sido conhecida a ação de inconstitucionalidade quanto ao caput do art. 25 da Lei nº 8.870/94, por falta de pertinência temática entre os objetivos da requerente (Confederação Nacional da Indústria) e parte da matéria impugnada (contribuição do produtor rural pessoa jurídica), observa-se não haver divergência quanto ao entendimento de serem equivalentes as expressões faturamento e receita bruta, em especial o voto do eminente Ministro Ilmar Galvão, do qual transcrevo o seguinte trecho; 'Para obviar o problema, urgia uma providência, de ordem legislativa, que foi concretizada por via do art. 25, caput e parágrafos, da lei ora impugnada, mediante a substituição da folha de pagamento dos empregadores rurais pelo valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção, com base de cálculo da contribuição social por eles devida, reduzida a respectiva alíquota de 20% para 2,5%. É fora de dúvida que, ao assim proceder, laborou o legislador ordinário em campo que lhe era franqueado pelo art. 195, I, da Constituição, como já reconhecido por esta Corte nos precedentes invocados pelo eminente Relator, os quais foram categóricos no entendimento de que se compreende no conceito de faturamento, previsto no mencionado texto, a referência a 'receita bruta'. Na verdade, não há falar em inconstitucionalidade do referido art. 25 da Lei nº 8.870/94. inc. I e II, por haverem mandado calcular a contribuição social devida pelo empregador rural sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção. O problema surge, conforme acentuado pelo eminente Relator, no que concerne à produção dos empregadores rurais organizados sob a forma de agroindústria, em relação aos quais a lei impugnada (art. 25, § 2º) mandou calcular a contribuição, não sobre a receita bruta, posto não haver como se falar, no caso, em receita, se não há operação de venda da produção, mas 'sobre o valor estimado da produção agrícola própria, considerado seu preço de mercado'. Este reconhecimento ocorreu no âmbito da EC nº 20/98, portanto somente após esta data afigura-se correta a definição da base de cálculo da exação debatida como sendo a receita proveniente da comercialização da produção rural. Em decorrência, é desnecessária a instituição da exação em comento por lei complementar, porque já tem fonte de custeio constitucionalmente prevista (art. 195, I e § 8º), somente sendo exigida a instituição de contribuição para a seguridade social por meio de tal instrumento normativo para a criação de novas fontes de financiamento, consoante o disposto no artigo 195, § 4º. Assim, não está condicionada à observância da técnica da competência legislativa residual da União (art. 154, I)” (Apelação Cível nº 0002422-12.2009.404.7104/RS, TRF da 4ª Região, 1ª Turma, Relatora: Des. Federal MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, julg. 05.05.2010, DE 12.05.2010). Como visto, é perfeitamente possível a instituição da contribuição previdenciária prevista no artigo 1º da Lei nº 8.540/92 por lei ordinária, já que a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural se amolda perfeitamente ao conceito contábil de faturamento, inserido no inciso I do artigo 195 da CF/88 – em sua redação original – não constituindo, por tal razão, nova fonte de custeio da Seguridade Social, a exigir sua instituição mediante a edição de lei complementar, nos termos do artigo 195, § 4º, combinado com o artigo 154, I, ambos da CF/88. 6 – DOS LIMITES DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO RE Nº 363.852/MG Conforme já relatado acima, o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do RE nº 363.852/MG, debruçou-se sobre a contribuição previdenciária a cargo dos produtores rurais pessoas físicas com empregados (Lei nº 8.212/91, art. 12, V, letra “a”) incidente sobre a “receita bruta proveniente da comercialização de sua produção” (art. 25, inciso I, da Lei nº 8.212/91 – redação dada pelas Leis nº 8.540/92 e 9.528/97) e cujo respectivo recolhimento incumbe, nos termos do art. 30, inciso IV, da Lei 8.212/91, à empresa adquirente, consumidora ou consignatária, a qual deve reter na fonte a aludida contribuição e repassá-la ao Fisco. Salienta-se, no entanto, que o mandado de segurança objeto referido Recurso Extraordinário nº 363.852 trata de contribuições cobradas até o final da década de 90, motivo pelo qual, o alcance e os efeitos projetados pelo julgado do STF merecem algumas ponderações. O RE 363.852 foi interposto nos autos do Mandado de Segurança nº 1998.38.00.033935-3, distribuído em 27/08/1998, ou seja, a impetração ocorreu antes da alteração procedida pela Lei nº 10.256/2001, motivo pelo qual a lide, na instância extraordinária, foi decidida à luz da legislação vigente à época, sem o influxo da referida alteração alhures mencionada. Cabe, neste passo, transcrever “verbo ad verbum” a decisão proferida pelo Pretório Excelso no RE 363.852, que deu provimento ao recurso: “[…] para desobrigar os recorrentes da retenção e do recolhimento da contribuição social ou do seu recolhimento por subrrogação sobre a “receita bruta proveniente da comercialização da produção rural” de empregadores, pessoas naturais, fornecedores de bovinos para abate, declarando a    inconstitucionalidade do artigo 1º da Lei nº 8.540/92, que deu nova redação aos artigos 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/91, com a redação atualizada até a Lei nº 9.528/97, até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instituir a contribuição, tudo na forma do pedido inicial, invertidos os ônus da sucumbência.” (grifo-se) Portanto, apesar de ter afastado a contribuição previdenciária incidente sobre a comercialização da produção do empregador rural pessoa física mediante a declaração de inconstitucionalidade do art. 1ª da Lei nº 8.540/92, que modificara a redação do art. 25 da Lei nº 8.212/91, o STF não se pronunciou sobre a atual redação do art. 25 da Lei nº 8.212/91, dada pela Lei nº 10.256, a qual, hodiernamente, dá suporte para a cobrança da contribuição. Cumpre ressaltar, ademais, que o caso Mataboi (RE 363.852/MG) não foi julgado pela sistemática prevista no art. 543-A do CPC. A repercussão geral da matéria foi reconhecida nos autos do RE 596.177/RS, cujo julgamento iniciou-se em agosto de 2011, mas ainda não transitou em julgado. Apesar do STF ter se mantido a entendimento sobre a inconstitucionalidade da contribuição devida pelo empregador rural pessoa física, ainda não apreciou os embargos declaratórios manejados pela União (Fazenda Nacional), que questionavam a validade da exação após o advento da Lei nº 10.256/2001. 7 – DO ADVENTO DA LEI 10.256/2001 7.1) CONSIDERAÇÕES INICIAIS Posteriormente à base legal enfocada pelo STF no RE nº 363.852/MG (Lei nº 8.540/92 e 9.528/97), e já sob a vigência da EC nº 20/98 (que veio a albergar o “faturamento ou a receita” como base cálculo de contribuição de seguridade social – art. 195, I, “b”, da CF), sobreveio a promulgação da Lei nº 10.256/2001, conferindo nova redação ao art. 25 da Lei nº 8.212/91, in verbis: “Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de: (Redação dada pela Lei nº 10.256, de 2001). I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97). II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho”. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97) Desta forma, a contribuição previdenciária a cargo do produtor rural empregador pessoa física incidente sobre a receita bruta decorrente da comercialização da produção, acaso inquinada estivesse de eventual vício, deixou de estar, adequando-se, pois, à parte dispositiva do acórdão proferido no RE 363.852/MG, porquanto a Lei nº 10.256/2001 expressamente estatuiu que a referida contribuição viria em substituição àquela prevista no art. 22 da Lei nº 8.212/91 (sobre a folha de salários). 7.2) SUJEITOS PASSIVOS – DESTINATÁRIOS Com o advento da Lei nº 10.256/2001, a figura do produtor rural empregador outra vez foi emergida, ao lado do segurado especial, à condição de sujeito passivo da exação. Em outras palavras, a Lei nº 10.256/2001 estendeu novamente  ao produtor rural empregador o regime tributário vigente em relação ao segurado especial. Com efeito, a contribuição previdenciária em comento já possuía sua regulamentação (ampla, constitucional, válida e eficaz) em relação ao segurado especial, tratando a Lei nº 10.256/01 apenas de reinserir o produtor rural empregador como sujeito passivo da exação, tal como haviam feito as Leis nº 8.540/92 e nº 9.528/97, declaradas inconstitucionais pelo STF. O diferencial da Lei nº 10.256/01 é ter sido editada após a EC nº 20/98, o que lhe confere indiscutível compatibilidade com a norma constitucional. Nesse passo, não há que se falar em qualquer deficiência da referida Lei quando regulamentou a contribuição previdenciária ao produtor pessoa física empregador, porquanto apenas se utilizou de um regime jurídico completo, estendendo-o a um novo sujeito passivo. 7.3) CRÍTICAS SOFRIDAS PELA LEI Muito embora seja patente o acerto das modificações promovidas pela Lei 10.256/2001, algumas decisões judiciais têm preconizado que seu advento não foi suficiente para tornar exigível a contribuição previdenciária dos produtores rurais pessoas físicas empregadoras, sob o fundamento de que tal norma, a exemplo das Leis 8.540 e 9.528/97, seria inválida. Os críticos denominam a Lei nº 10.256/2001 de “capenga”, a partir da seguinte tese: o reconhecimento da inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97 pelo STF teria acarretado o afastamento das alterações promovidas por tais normas no art. 25 da Lei nº 8.212/91, voltando este a reger-se por sua redação original, a qual destinava-se apenas aos segurados especiais apontados no inciso VII do art. 12 da Lei de Custeio. Dessa forma, a Lei nº 10.256/2001 teria pecado por não ter definido a base de cálculo, o fato gerador e a alíquota que regeria a contribuição produtores empregadores.   Respaldados nesse equivocado raciocínio, há julgados no sentido de que o único sujeito passivo que permanece regulamentado pelo art. 25 da Lei nº 8.212/91 é o segurado especial, por entenderam que as alterações implementadas pelas Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001, relativamente à contribuição previdenciária dos produtores rurais pessoas físicas empregadoras, são todas inválidas. Vejamos a fundamentação adotada pelo ilustríssimo Desembargador Álvaro Eduardo Junqueira, em decisão monocrática que bem ilustra a indigitada tese: “TRIBUTÁRIO. AGRAVO LEGAL. PRAZO PRESCRICIONAL. LC 118/2005. AUSÊNCIA DE PRONUNCIAMENTO DO STF SOBRE O ART. 4º DA LC 118/2005. ART. 543-C DO CPC. FUNRURAL. EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA. ART. 25 DA LEI Nº 8.212/91. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO STF. EC Nº 20/98. LEI Nº 10.256/2001. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO DO RE 363.852/MG. DESNECESSIDADE. (…) 7. O RE nº 363.852/MG, decidido em 2010, com toda certeza levou em consideração a existência da lei editada após a EC nº 20/98, vez que declarou a inconstitucionalidade do art. 25 da Lei nº 8.212/91, com a última redação, ou seja aquela dada pela Lei nº 10.256/2001. 8. A Lei nº 10.256/2001 não tem arrimo na EC nº 20/98, pois, afastada a redação dada ao art. 25 da Lei nº 8.212/91 pelas Leis nºs 8.540/92 e 9.528/97, declaradas inconstitucionais, não estipulou ela o binômio base de cálculo/fato gerador, nem definiu alíquota. Nasceu capenga, natimorta, pois somente à lei cabe eleger estes elementos dimensionantes do tributo, no caso lei ordinária, conforme art. 9º, I, do CTN, art. 150, I, e 195, caput, ambos da Carta Política”. (TRF4, APELREEX 2007.71.04.003650-8, Primeira Turma, Relator Álvaro Eduardo Junqueira, D.E. 08/09/2010) Com o devido respeito ao entendimento do ilustre julgador, cumpre referir que a declaração de inconstitucionalidade dirigiu-se apenas às Leis nº 8.540/92, 9.528/97. O Supremo Tribunal Federal não se pronunciou a respeito da Lei nº 10.256/2001, tendo em vista que o mandado de segurança objeto do referido Recurso Extraordinário nº 363.852 trata de contribuições cobradas até o final da década de 90. Ao revés, restou expressamente consignado pela Corte que a contribuição em comento seria considerada inconstitucional até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, viesse a instituir a contribuição. 7.4) APTIDÃO NORMATIVA DA LEI 10.256/2001 7.4.1. Sujeito passivo abrangido pela declaração de inconstitucionalidade pelo STF O art. 25 da Lei nº 8.212/91, desde a redação conferida pela Lei nº 8.540/92, previa a exação com relação a duas espécies de contribuintes, quais sejam: a) o produtor rural a que alude o art. 12, V, “a” da Lei nº 8.212/91 (com empregados); b) o segurado especial (produtor sem empregados – art. 12, VII da Lei nº 8.212/91). A seu turno, é certo que a decisão proferida pelo STF só abrange o produtor rural pessoa física empregador. Com relação aos “sem empregados” (segurado especial – art. 12, VII da Lei nº 8.212/91), a contribuição desde sempre foi autorizada pelo texto constitucional (art. 195, § 8º, da CF). E sua ampla regulamentação sempre esteve no art. 25 da Lei nº 8.212/91. 7.4.2. permanência no ordenamento jurídico dos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91 Como já referido alhures, antes do advento da Lei nº 10.256/2001, o art. 25 da Lei nº 8.212/91 já previa duas espécies de contribuintes, quais sejam: a) o produtor rural empregador a que alude o art. 12, V, “a” da Lei nº 8.212/91; b) o segurado especial (produtor sem empregados – art. 12, VII da Lei nº 8.212/91). É de se repetir ainda que, com relação ao segurado especial (art. 12, inciso VII da Lei nº 8.212/91), que o art. 195, § 8º, da Constituição Federal desde sempre autorizou a tributação sobre o resultado da comercialização da produção. Dessa forma, vale reforçar que a inconstitucionalidade projetada pelo STF é parcial, apenas no tocante ao produtor rural com empregados (art. 12, V, “a”, da Lei nº 8.212/91) referido no caput do art. 25, retirando do rol dos sujeitos passivos da exação. No tocante aos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91, que continuaram a projetar efeitos com relação ao segurado especial e, portanto, nunca foram afastados do ordenamento jurídico, tratar-se-ia, quanto muito, de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto – apenas para restringir os efeitos com relação ao produtor rural com empregados –, inconstitucionalidade esta que veio a ser superada pelo revigoramento do caput do art. 25, por meio da Lei nº 10.256/2001. Por tal motivo – a permanente vigência dos incisos no ordenamento – é que a Lei nº 10.256/2001 veio a alterar apenas o caput, para reinserir o produtor rural empregador como sujeito passivo da contribuição, desta feita com fundamento de validade na EC nº 20/98. Ora, tendo os incisos I e II permanecido textualmente no ordenamento (contribuição do segurado especial – art. 195, § 8º, da CF), a renovação do caput do art. 25 tem o condão de novamente incluir, no regime jurídico da contribuição previdenciária (bases de cálculo e alíquotas estatuídas nos incisos), o produtor rural empregador. Não haveria motivo para que a Lei nº 10.256/2001 alterasse os incisos, os quais permaneciam no ordenamento jurídico e nunca foram afastados pela jurisdição constitucional, posto que o vício restringia-se a um dos segurados previstos no caput do art. 25 – produtor rural com empregados -, superado pela Lei nº 10.256/2001, conforme exposto. 7.4.3. Sobre a superveniência da Lei nº 10.256/2001 e a ratificação dos incisos do I e II do art. 25 pelo caput – TÉCNICA LEGISLATIVA Em reforço ao exposto no tópico anterior, vale referir que a manutenção dos incisos I e II do art. 25 a partir da renovação do caput do dispositivo legal pela Lei nº 10.256/2001, obedece, por certo, a técnica legislativa instituída pelo próprio ordenamento pátrio É sabido que a LC nº 95/98, que encontra fundamento de validade no art. 59, parágrafo único, da CF, dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis. Veja-se o contido no art. 12 da lei complementar em tela: “Seção III Da Alteração das Leis Art. 12. A alteração da lei será feita: I – mediante reprodução integral em novo texto, quando se tratar de alteração considerável; II – mediante revogação parcial; III – nos demais casos, por meio de substituição, no próprio texto, do dispositivo alterado, ou acréscimo de dispositivo novo, observadas as seguintes regras: a) revogado; b) é vedada, mesmo quando recomendável, qualquer renumeração de artigos e de unidades superiores ao artigo, referidas no inciso V do art. 10, devendo ser utilizado o mesmo número do artigo ou unidade imediatamente anterior, seguido de letras maiúsculas, em ordem alfabética, tantas quantas forem suficientes para identificar os acréscimos; c) é vedado o aproveitamento do número de dispositivo revogado, vetado, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou de execução suspensa pelo Senado Federal em face de decisão do Supremo Tribunal Federal, devendo a lei alterada manter essa indicação, seguida da expressão ‘revogado’, ‘vetado’, ‘declarado inconstitucional, em controle concentrado, pelo Supremo Tribunal Federal’, ou ‘execução suspensa pelo Senado Federal, na forma do art. 52, X, da Constituição Federal’; d) é admissível a reordenação interna das unidades em que se desdobra o artigo, identificando-se o artigo assim modificado por alteração de redação, supressão ou acréscimo com as letras ‘NR’ maiúsculas, entre parênteses, uma única vez ao seu final, obedecidas, quando for o caso, as prescrições da alínea "c". Parágrafo único. O termo ‘dispositivo’ mencionado nesta Lei refere-se a artigos, parágrafos, incisos, alíneas ou itens”. Como se vê do preceptivo legal em epígrafe, evidentemente, são inaplicáveis à espécie as disposições dos incisos I e II. Deveras, a hipótese a ser aplicada no caso era a do inciso III, isto é, substituição, no próprio texto, do dispositivo alterado. E assim sendo, para a alteração do art. 25 da Lei 8.212/91, haveriam de ser observadas as regras/vedações dispostas nas alíneas do inciso em questão (III), entre as quais, aliás, não consta a de não se aproveitar a redação do dispositivo alterado naquilo em que for pertinente. Antes o contrário: o art. 12, III, dá a ideia de que haverá substituição do que precisa ser alterado e, pelo raciocínio inverso, de que não haverá alteração daquilo que não precisa ser substituído. Por conta disso, ao editar a Lei nº 10.256/01, no ponto referente à substituição do art. 25 da Lei 8.212/91, procedeu o legislador tão-somente à alteração do caput da norma jurídica. Os demais dispositivos do artigo, em especial os incisos I e II, contudo, não foram alterados e isso, justamente, porque a redação de tais dispositivos não necessitava ser substituída, na medida em que atendia plenamente a intenção do legislador. Daí o aproveitamento, a ratificação dos dispositivos em questão de acordo com a redação que lhes foi dada pela lei anterior. Aliás, com a devida vênia, o equívoco da ideia de que o legislador teria editado o caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91 por meio da Lei nº 10.256/01 sem ratificar as disposições dos respectivos incisos revela-se também do fato de que é do rigor da técnica legislativa que os artigos desdobrem-se em parágrafos e incisos, na medida em que estes expressam os aspectos complementares à norma e/ou suas exceções (LC nº 95/98, art. 10, II, e art. 11, III, “c” e “d”). De fato, trata-se de lei editada em conformidade com as disposições constitucionais (CF/88, art. 59, parágrafo único) e legais (LC nº 95/98), que, valendo-se das devidas técnicas legislativas, traz em seu bojo a hipótese de incidência e o sujeito passivo da relação tributária (por alteração do caput do artigo 25 da Lei nº 8.212/91), bem como a base de cálculo e a alíquota (por ratificação, aproveitamento da redação dada pela Lei nº 9.528/97 aos incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91) daquela exação. 8 – POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO FOLHA DE SALÁRIO PELA PRODUÇÃO RURAL ANTES DA EMENDA 42/03 (§12 e 13 do art. 195 da CF/88) Em reforço à defesa da constitucionalidade da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, interessa demonstrar que antes mesmo do advento da EC nº 42/03[29] já havia a possibilidade de substituir a incidência da contribuição previdenciária sobre a folha de salários (art. 195, I, “a”, da CF88) pelo faturamento (receita operacional) (art. 195, I, “b”, da CF88). Isso porque a Constituição Federal em nenhum momento veda a instituição da base de cálculo da contribuição previdenciária sobre o faturamento, em substituição à folha de salários. A viabilidade de tal permuta é evidenciada justamente pelo §13 do art. 195 da CF/88, quando expõe que a lei poderá definir os setores da atividade econômica que terá o regime não-cumulativo da contribuição previdenciária, “na hipótese de substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente na forma do inciso I, a, pela incidente sobre a receita ou o faturamento.” Ou seja, o legislador constituinte partiu da premissa de que é possível a substituição das bases de cálculo e, então, previu o regime da não-cumulatividade. Não visava o Constituinte, portanto, criar essa possibilidade de alteração da base de cálculo, mas admiti-la como possível e, por consequência, previu o sistema não-cumulativo. Dessa forma, o que houve foi uma mera modificação da base de cálculo do tributo, não vedada constitucionalmente. E importa destacar que o TRF4, no julgamento da Argüição de Inconstitucionalidade n.º 2006.70.11.000309-7/PR[30], expressamente refutou o argumento de que a EC nº 42/03 teria criado a possibilidade de substituição da base de cálculo da contribuição previdenciária, nos termos aqui perfilhados. Vejamos: “ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS. SEGURIDADE SOCIAL. AGROINDÚSTRIA. FATO GERADOR. REMUNERAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO. RECEITA BRUTA. NOVA FONTE DE CUSTEIO. BITRIBUTAÇÃO. SUJEIÇÃO PASSIVA. ALARGAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. REJEIÇÃO. 1. Incidente de argüição de inconstitucionalidade suscitado em face do artigo 1º da Lei nº 10.256/2001, o qual introduziu o artigo 22A, caput e incisos I e II, na Lei nº 8.212/91. 2. Dispositivo legal que prevê contribuição para a seguridade social a cargo das agroindústrias com incidência sobre a receita bruta em caráter de substituição à contribuição sobre a remuneração paga, devida ou creditada pela empresa (incisos I e II, artigo 22, Lei nº 8.212/91 e alínea "b", inciso I, artigo 195, CF). 3. Hipótese que representa mera substituição constitucionalmente albergada de uma exigência tributária por outra, sem com isso significar a instituição de nova fonte de custeio da seguridade social, caso que demandaria a edição de lei complementar e a não coincidência com fato gerador ou base de cálculo de contribuição já existente, nesse caso sob pena de vedada bitributação (§ 4º, artigo 195 c/c o inciso I, artigo 154, ambos da CF). 4. Alegação improcedente de indevido alargamento da sujeição passiva tributária contemplada no § 8º do artigo 195 da CF, na medida em que a tratada substituição parte da perspectiva das contribuições devidas pela empresa, no caso específico no ramo da agroindústria. 5. A substituição empreendida não contraria a matriz constitucional tributária, significando salutar medida alcançada ao contribuinte para o efeito de desonerar a folha de pagamentos das pessoas jurídicas que atuam na qualidade de agroindústria, bem como forma de otimizar a fiscalização tributária ante a informalidade das contratações de mão-de-obra no âmbito rural. 6. Caso que não importa em sobreposição de nova espécie tributária voltada ao custeio da seguridade social, representando, de outra parte, faculdade de substituição com escopo parafiscal. O fato de a empresa optante já pagar a COFINS sobre a mesma base de cálculo não evidencia sobrecarga tributária ante o advento da modalidade discutida, uma vez que ocorre no caso efetiva substituição de modalidades tributárias, não o incremento. 7. Acolhimento da tese de que a substituição em liça encontra viabilidade no sistema tributário brasileiro desde o advento da Emenda Constitucional nº 20/1998, que implementou o elenco integrado ao inciso I do artigo 195, o qual por sua vez permite tal hermenêutica, e não apenas a contar da Emenda Constitucional nº 42/2003, a qual inseriu o § 13 ao aludido preceptivo, efetiva disposição remissiva e não permissiva da debatida substituição. 8. Argüição de inconstitucionalidade rejeitada.” (grifou-se) É bem verdade que o TRF4, por meio de sua Corte Especial, apreciou, naquela oportunidade, o regime constitucional vigente a partir da EC nº 20/98, tendo em vista que a lei que estava com a sua constitucionalidade atacada (artigo 1º da Lei nº 10.256/2001) era posterior à referida emenda constitucional. Ocorre que, pelas razões de decidir do referido acórdão, não há motivos substanciais para diferenciar o período anterior da EC nº 20/98, porquanto já havia previsão expressa das contribuições sociais incidirem sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro. Ou seja, as três bases de cálculo possíveis já estavam previstas constitucionalmente, podendo o legislador ordinário instituir contribuições sobre tais bases de cálculo por meio de lei ordinária. Reitere-se, para efeito de se viabilizar a substituição da base de cálculo das contribuições previdenciárias da folha de salários pelo faturamento, a EC nº 20/98 não trouxe qualquer alteração substancial na Ordem Constitucional apta a elevá-la à condição de marco histórico em que se inicia essa possibilidade.  9- O RISCO DO EFEITO REPRISTINATÓRIO Conforme sinalizado em diversas oportunidades ao longo deste estudo, com o advento da Lei n. 8.540/92 a contribuição do produtor rural pessoa física deixou de incidir sobre a folha de salários, que era a regra geral do art. 22 da Lei n. 8212/91, e passou a incidir sobre o valor da comercialização da produção rural, como regra específica do art. 25 da Lei nº 8212/91. Portanto, caso seja mantido o entendimento pela inconstitucionalidade desta contribuição previdenciária – mesmo após o advento da Lei nº 10.256/2001 –, cabe referir que, afastadas do ordenamento as Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001, opera-se o restabelecimento da sistemática prevista na redação originária da Lei nº 8.212/91, qual seja, a oneração do produtor rural com empregados pelo art. 22, inciso I (folha de salários). É que a redação original do art. 25 da Lei nº 8.212/91 se direcionava apenas ao segurado especial, o que veio a ser modificado com o advento da Lei nº 8.540/92, que incluiu o produtor rural com empregados no caput do art. 25 da Lei nº 8.212/91, bem como vedou a incidência da contribuição sobre a folha de salários, a partir da inclusão do § 5º ao art. 22 da Lei nº 8.212/91. A retirada de nosso ordenamento jurídico da regra que alterou o regime de tributação do empregador rural pessoa física acarreta, como consequência direta e inarredável, a repristinação constitucional da exigência no padrão que vigia anteriormente, restaurando, assim, a exigibilidade contribuição previdenciária incidente sobre a folha de pagamento dos empregadores rurais pessoas físicas (redação originária da Lei nº 8.212/91, art. 22, inc. I). A isto se dá o nome de efeito repristinatório[31], admitido pela jurisprudência pátria como sanção ao ato inconstitucional. Trata-se de consequência lógica direta da adoção da ideia da nulidade da lei inconstitucional: se a lei inconstitucional é nula, não poderia gerar quaisquer efeitos no sistema jurídico, inclusive revogar as normas anteriormente vigentes. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso[32] é magistral: “A premissa da não-admissão dos efeitos válidos decorrentes do ato inconstitucional conduz, inevitavelmente, à tese da repristinação da norma revogada. É que, a rigor lógico, sequer se verificou a revogação no plano jurídico. De fato, admitir-se que a norma anterior continue a ser tida por revogada importará na admissão de que a lei inconstitucional inovou na ordem jurídica, submetendo o direito objetivo a uma vontade que era viciada desde a origem. Não há teoria que possa resistir a essa contradição”. Não há que se confundir, no entanto, o efeito repristinatório decorrente da declaração de inconstitucionalidade e a repristinação prevista na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Nos termos do art. 2º, §3º, da LINDB, a repristinação é a restauração expressa de uma lei revogada por intermédio de outra (lei repristinatória), verbis: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”. Tal efeito restaurador da norma anterior é assente no Supremo Tribunal Federal: “[…] A declaração de inconstitucionalidade "in abstracto", considerado o efeito repristinatório que lhe é inerente (RTJ 120/64 – RTJ 194/504-505 – ADI 2.867/ES, v.g.), importa em restauração das normas estatais revogadas pelo diploma objeto do processo de controle normativo abstrato. É que a lei declarada inconstitucional, por incidir em absoluta desvalia jurídica (RTJ 146/461-462), não pode gerar quaisquer efeitos no plano do direito, nem mesmo o de provocar a própria revogação dos diplomas normativos a ela anteriores. Lei inconstitucional, porque inválida (RTJ 102/671), sequer possui eficácia derrogatória. A decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em sede de fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de determinado diploma normativo tem o condão de provocar a repristinação dos atos estatais anteriores que foram revogados pela lei proclamada inconstitucional. Doutrina. Precedentes” (ADI 2.215-MC/PE, Rel. Min. CELSO DE MELLO, "Informativo/STF" nº 224, v.g.) (…)." (trecho da ementa da ADI 3148 / TO, julgada em 13/12/2006) (grifou-se) “A declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados, eis que o reconhecimento desse supremo vício jurídico, que inquina de total nulidade os atos emanados do Poder Público, desampara as situações constituídas sob sua égide e inibe – ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos – a possibilidade de invocação de qualquer direito. – A declaração de inconstitucionalidade em tese encerra um juízo de exclusão, que, fundado numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em remover do ordenamento positivo a manifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta Política, com todas as conseqüências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional” (STF – Pleno, Ac. un. ADIn 652-5-MA – Questão de Ordem – Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 02.04.93, p. 5.615). (grifou-se) 9.1) DO RECÁLCULO EM CASO DE PEDIDO DE RESTITUIÇÃO Firmada a premissa de que o reconhecimento da inexigibilidade da exação impõe o efeito repristinatório das regras que fundamentavam a exação (nos padrões que vigiam anteriormente), faz-se necessário fixar um critério de cálculo para a apuração do valor que passará a ser exigido. É que, conforme aventado anteriormente, com o restabelecimento da contribuição sobre a folha de salários, eventual pedido de restituição deve se limitar ao montante consubstanciado na diferença entre a contribuição incidente sobre o valor da comercialização da sua produção (Lei nº 8.212/91, com redação dada pelas Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001 e tida por inconstitucional) e aquela que seria devida acaso incidente o percentual sobre a folha de salários (Lei nº 8.212/91, art. 22, I – redação original), haja vista que o eventual reconhecimento de inconstitucionalidade se limitará a expungir o excesso correspondente ao atual regime de tributação (em cotejo com a sistemática anterior), não atingindo a integralidade da exação. Ou seja, o quantum a restituir deve se limitar à diferença entre a contribuição tida por indevida e aquela que exsurge (revigora-se) em seu lugar. Para tanto é necessário realizar o seguinte cálculo, subtraindo o valor alcançado na alínea "a" do valor identificado na alínea "b" abaixo: a) Total da comercialização anual x 2,1% = FUNRURAL pago no ano b) Total mensal dos salários pagos aos empregados x 13,33 (12 meses + 13º + férias) x 23% = INSS sobre a folha de pagamentos O resultado alcançado de tal subtração será o montante a ser repetido ao contribuinte. Neste diapasão, sinaliza-se para a importância do produtor rural aferir, previamente ao ajuizamento da demanda, se o provimento jurisdicional buscado, de fato, lhe renderá vantagens. Isso porque, a depender do número de empregados que possuir, o valor da contribuição incidente sobre a folha de salários, conforme redação da regra geral do art. 22 da Lei nº 8212/1991, poderá superar o valor da contribuição ordinariamente calculada sobre a receita bruta da comercialização de sua produção, previsto no art. 25 da Lei nº 8.212/91, sendo capaz de gerar-lhe, dessa forma, um efeito indesejável. 10 – OS PROBLEMAS DECORRENTES DAS LIMINARES DEFERIDAS AUTORIZANDO O DEPÓSITO JUDICIAL PELO EMPREGADOR RURAL PESSOA FÍSICA A proliferação de demandas judiciais sobre o tema, somada ao deferimento desenfreado de liminares autorizando os produtores rurais a depositaram em juízo a quantia controversa têm ameaçado a organização do sistema fiscal arrecadatório. A autorização para que os próprios produtores rurais pessoas físicas com empregados façam o depósito dos valores da contribuição devida subverte totalmente a sistemática de subrrogação prevista no artigo 30[33], incisos III[34] e IV[35] da Lei nº 8.212/91, acarretando inegável prejuízo à retenção, ao recolhimento e ao cumprimento de obrigações acessórias indispensáveis para segurança e higidez do sistema de tributação do produtor rural. É consabido que a substituição tributária é uma técnica que leva à escolha de um terceiro para cumprir a obrigação tributária, levando-se em consideração a quantidade de contribuintes que operam no setor com dificuldade considerável para a fiscalização pela administração fazendária[36] Nesta senda, a única forma de manter o controle das operações de comercialização da produção rural realizada pelos contribuintes do Novo Funrural (empregadores rurais pessoas físicas) é por meio de uma rígida sistemática de substituição tributária, sem o que se torna inviável construir um regime eficiente e seguro de tributação incidente no meio rural. A depender da posição do responsável pelo recolhimento do tributo na cadeia econômica, a substituição tributária pode ser classificada em “para frente” e “para trás”. Tais institutos são definidos por Leandro Paulsen da seguinte forma: “Na substituição para frente há uma antecipação do pagamento relativamente à obrigação que surgiria para o contribuinte à frente, caso em que o legislador tem de presumir a base de cálculo provável e, caso não se realize o fato gerador presumido, assegurar a imediata e preferencial restituição aos contribuintes da quantia que lhe foi retirada do substituto, tal como previsto, aliás, no art. 150, §7º, da CF. Na substituição tributária para trás, há uma postergação do pagamento do tributo, transferindo-se a obrigação de reter e recolher o montante devido, que seria do vendedor, ao adquirente dos produtos ou serviços”. O autor ainda atenta para a distinção entre a substituição para trás e o diferimento: “Deve-se ter cuidado para não confundir a substituição para trás com a figura do diferimento. Na substituição para trás continua havendo a figura do contribuinte, mas é do responsável a obrigação de recolher o tributo. No diferimento, o legislador desloca a própria posição do contribuinte daquele que assim se enquadraria, considerada a regra geral daquele tributo, para eleger como contribuinte outra pessoa que lhe sucede na cadeia produtiva. Note-se que ocorrido uma situação considerada fato gerador de obrigação tributária, o legislador pode colocar como contribuinte qualquer das partes que realize o negócio. Colocando o vendedor como contribuinte, mas obrigando o comprador a recolher como responsável, temos a substituição tributária; colocando o vendedor  como contribuinte para situações normais, mas, para determinada operação específica, excepcionalmente, considerado contribuinte o comprador, temos o diferimento”. Por tais razões, a sistemática de subrrogação prevista nos incisos III e IV do artigo 30 da Lei nº 8.212/91 pode ser entendida substituição tributária para frente. Não é despiciendo salientar que a quebra da sistemática de subrrogação (substituição tributária) tem reflexos diretos na alteração da responsabilidade pela obrigação tributária, ao retirar do adquirente da produção rural a obrigação de promover a retenção, recolhimento e informações relacionadas à obrigação, com repasse de tal ônus ao empregador rural pessoa física, quem de fato realiza o fato gerador, consistente na comercialização da produção rural. Tal quebra da sistemática, resultante da autorização para a efetivação dos depósitos judiciais pelos produtores, tornará inviável a reconstrução das informações que antes ficavam a cargo do subrrogado (adquirente), obrigando a Receita Federal do Brasil a promover a fiscalização e o lançamento direto e in loco de todos os produtores rurais pessoas físicas, medidas totalmente inviáveis diante da falta de recursos pessoais, materiais e da ausência de informações necessárias para tanto. Igualmente, a autorização para que os produtores façam o depósito judicial retira a segurança e efetividade de um ingresso financeiro corrente e com o qual o sistema conta para a manutenção e expansão da Seguridade Social, já que a apuração de valores, cálculos, retenções e efetivação dos depósitos não são garantidos, tornando-se inviável para o ente arrecadatório conferir os dados e apurar a fidedignidade dos valores de milhares produtores. Por fim, conforme sinalizado anteriormente, há outra imperfeição nas decisões que autorizam tais depósitos judiciais: elas invertem a presunção de constitucionalidade que vige em relação à Lei nº 10.256/2001, sobretudo se considerarmos o teor das atuais manifestações proferidas pelas Cortes Regionais no sentido de privilegiar a preponderância da presunção de constitucionalidade que o referido diploma legal ostenta. Diante de tais aspectos, e, mormente em função da flagrante juridicidade que recai sobre a Lei nº 10.256/2001, conclui-se que a manutenção do recolhimento das contribuições incidentes sobre a comercialização da produção dos empregadores rurais pessoas físicas é medida plenamente legítima e consentânea com as diretrizes normativas do nosso ordenamento, pelo menos até o momento em que a jurisprudência dos Tribunais Superiores sinalize em sentido diametralmente oposto, antes do que deve-se evitar que a ausência de recolhimentos do referido tributo ocasione grave prejuízo à manutenção e expansão da Seguridade Social. CONCLUSÃO Diante do estudado e exposto ao longo do presente trabalho, que teve por objetivo defender a constitucionalidade, sem quaisquer restrições, da contribuição prevista na Lei nº 8212/91, art. 25, I, devida pela pessoa física empregadora rural[37], incidente sobre a “receita bruta proveniente da comercialização de sua produção”, sobretudo após o advento da Lei nº 10.256/2001, conclui-se que: Apesar de desafiadora, foi cumprida a tarefa de apresentar ponderações ao entendimento adotado pelo STF no julgamento do RE 363.852, bem como, de levantar as demais questões que, embora sejam de suma relevância para a compreensão da matéria, ainda não foram apreciadas pela Corte Suprema. Inicialmente, foi feita uma abordagem histórica da contribuição previdenciária do empregador rural pessoa física, enaltecendo que a exação já incidia sobre o valor comercial dos produtos rurais desde a edição da Lei Complementar nº 11/71, não sendo esta uma novidade implementada pela Lei nº 8.540/92, cujo art. 1º, I foi declarado inconstitucional pelo STF. Com relação ao RE nº 363.852/MG, destacou-se que a declaração de inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97 abrange somente o produtor rural pessoa física com empregados (art. 12, V, “a”, da Lei nº 8.212/91), mormente em função de que em relação ao segurado especial, a tributação do resultado da produção desde sempre foi admitida pelo texto constitucional (art. 195, §8º, da CF). Foram rebatidos, um a um, todos os argumentos que levaram à declaração de inconstitucionalidade das Leis nº 8.540/92 e 9.528/97, de modo a ressaltar as contradições verificadas no julgado da Suprema Corte. Ao contrário do posicionamento adotado pelo STF, argumentou-se que a modificação implementada pela Lei nº 8.540/92 na contribuição previdenciária dos empregadores rurais pessoas físicas era perfeitamente possível, já que a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural se amolda perfeitamente ao conceito contábil de faturamento, inserido no inciso I do artigo 195 da CF/88 – em sua redação original – não constituindo, por tal razão, nova fonte de custeio da Seguridade Social, a exigir sua instituição mediante a edição de lei complementar, nos termos do artigo 195, § 4º, combinado com o artigo 154, I, ambos da CF/88. Ainda em confronto ao entendimento da Suprema Corte, comprovou-se a inexistência de bis in idem entre a contribuição previdenciária dos empregadores rurais pessoas físicas e outra contribuição cuja grandeza econômica albergada pelo art. 195, I, “b”, da CF, em razão de não serem os produtores rurais pessoas física contribuintes da COFINS. Em suma, comprovou-se que a contribuição prevista no art. 25 da Lei 8.212/91 a única incidente sobre a produção agrícola das pessoas físicas. Por fim, ressaltou-se que a ideia de violação ao princípio da isonomia, sob a alegação de que o produtor rural pessoa física com empregados receberia tratamento mais gravoso do que o dispensado ao produtor rural pessoa física que não dispõe de empregados, não passa de uma premissa equivocada, na medida em que a tributação do produtor rural com e sem empregados são equivalentes por incidirem sobre bases similares (resultado da comercialização da produção rural). A contribuição que incidia sobre a folha de salários do empregador rural pessoa física, segundo a redação original da Lei nº 8.212/91, perdeu a vigência ao ser substituída por aquela incidente sobre a produção. Ainda neste ponto, foi dito que o fato de o empregador rural contribuir para o custeio da previdência própria e a de seus empregados não representa quebra à isonomia, mas sim, uma consequência lógica por ser o mesmo um contribuinte individual. No tocante às decisões liminares que vêm autorizando a efetivação de depósitos judiciais pelos empregadores rurais pessoas físicas, salientou-se que a sua manutenção acarretará a quebra da sistemática de subrrogação, com inegável prejuízo à retenção e recolhimento da exação, bem como às relevantes informações comumente prestadas à Previdência Social, cujo mister compete, por lei, ao adquirente da produção na condição de subrrogado. Salientou-se, ademais, que a presunção de constitucionalidade da Lei nº 10.256/2001 deveria ser sopesada pelo Judiciário, a fim de conter a desenfreada concessão de liminares que vêm desestabilizando todo o sistema previdenciário. Ainda que se admita correta a decisão tomada pela Suprema Corte, necessário ponderar que a Lei nº 10.256/2001, publicada na vigência da EC nº 20/98, instituiu de forma válida a exação sobre “receita ou faturamento”, tornando constitucional – pelo menos a partir daí – a contribuição devida pelo produtor rural empregador pessoa física, conforme expressa observação do voto condutor do RE nº 363.852/MG. Outrossim, através da exposição da técnica legislativa empreendida[38], restaram fustigadas todas as críticas que recaem sobre a presteza da Lei nº 10.256/2001, taxada erroneamente de “capenga” por parcela da jurisprudência. Neste passo, demonstrou-se que a exação devida pelo segurado especial permaneceu hígida no decurso das alterações legislativas, em face da previsão específica do art. 195, §8º, da CF, sendo certo que os incisos I e II do art. 25 da Lei nº 8.212/91 nunca foram expungidos do ordenamento jurídico, permanecendo válidos e eficazes em relação aos segurados especiais. Por tal motivo, a Lei nº 10.256/2001 limitou-se a reinserir o “produtor rural com empregados” no âmbito da tributação prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, não sendo necessário reescrever toda a regulamentação da contribuição que já regia o segurado especial, mas tão-só incluir o novo sujeito passivo em seu caput. Frisou-se, assim, que a renovação do caput do art. 25 teve o condão de reincluir o empregador rural pessoa física na relação jurídico-tributária que já vigia em relação ao Segurado Especial. Foi inserido mais um contribuinte no caput, fazendo com que as alíquotas e bases de cálculo já estatuídas nos incisos I e II (e nunca revogadas) para o segurado especial passassem a ter incidência, também, ao produtor rural com empregados. De outra banda, prevendo a possibilidade de mantença da inconstitucionalidade da contribuição do empregador rural – mesmo após o advento da Lei nº 10.256/2001 –, referiu-se que, caso sejam afastadas do ordenamento as Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001, se operaria o restabelecimento da sistemática prevista na redação originária da Lei nº 8.212/91, em cujo art. 22, I onerava-se a folha de salários do produtor rural pessoa física. Assim, o quantum restituível deve se limitar à diferença resultante entre a contribuição incidente sobre o valor da comercialização da sua produção (art. 25 da Lei nº 8.212/1991, redação dada pelas Leis nº 8.540/92, 9.528/97 e 10.256/2001 e tida por inconstitucional) e aquela que seria devida acaso incidente o percentual sobre a folha de salários (art. 22, I, da Lei nº 8.212/91 – redação original). Em suma, todas as críticas incidentes sobre o “novo Funrural” foram contundentemente rechaçadas com argumentos bem fundamentados em doutrina, legislação e jurisprudência.  A constitucionalidade de todas as leis que modificaram o art. 25 da Lei nº 8.212/91 foi defendida com o objetivo de comprovar a juridicidade da exação desde o seu surgimento, ou em última hipótese, desde a edição da Lei nº 10.256/2001, afastando a ameaça de desestabilização que paira no sistema da seguridade social desde o julgamento do RE 363.852/MG.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-constitucionalidade-da-contribuicao-previdenciaria-patronal-do-empregador-rural-pessoa-fisica/
A extrafiscalidade dos tributos e sua estruturação nas concepções do neoliberalismo
Este estudo evidencia a inegável influência das teorias neoliberais para com o sistema jurídico tributário brasileiro, com maior ênfase na função extrafiscal dos tributos. No discorrer do texto buscou-se traçar uma breve história sobre alguns dos últimos movimentos econômicos mundiais que estruturaram a economia contemporânea, a saber: a ideia de Estado-mínimo, de Estado interventor e, em seguida, o ressurgimento de algumas ideias liberais no contexto atual, denominadas de neoliberais. Consequentemente, o leitor é endereçado a uma maior compreensão da extrafiscalidade tributária, em seus diversos aspectos no ordenamento jurídico pátrio, tendo em vista, seus fundamentos constitucionais e reflexos na legislação infraconstitucional. Por fim, uma comparação entre as ideias neoliberais são confrontadas com a grande evidência hodierna da função extrafiscal dos tributos, função esta de importância inconteste na atual ordem econômica e jurídica brasileira.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Hodiernamente, busca-se um Estado em que sua atuação seja estritamente norteada pela supremacia do interesse público em detrimento do particular, princípio máximo, ao lado da dignidade da pessoa humana, nos Estados, ditos, Democráticos de Direito. Tal princípio, caracterizado pelo insigne Bandeira de Melo (2009, p. 96) como inerente a qualquer sociedade e condição para sua própria existência, permite a intervenção do Estado, nos casos legalmente previstos, na esfera privada. Essa intervenção pode: (i) restringir direitos, (como os institutos da desapropriação e da requisição, expressamente elencados no art. 5º, incisos XXIV e XXV, de nossa Lei Maior); (ii) garantir direitos (nos casos em que o Estado interventor, assim age para possibilitar a efetivação de direitos fundamentais, tais como a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, repleto de normas interventivas na iniciativa privada, para possibilitar uma paridade de armas entre a parte hipossuficiente e os fornecedores do produto ou serviço)[2]; e (iii) ampliar direitos (quando na busca do interesse público o Estado cria novos direitos para suprir determinada insatisfação social ou desordem econômica). Logicamente, nunca podemos dissociar por completo as ideias de restringir, garantir e ampliar direitos através da intervenção do Estado, pois, por incontáveis vezes, este, ao criar, também limita, ao garantir, também cria e ao limitar, também garante. No entanto, para fins didáticos e puramente acadêmicos elaboramos tal compreensão, pois a extrafiscalidade tributária, instituto norteador deste estudo ganha fundamento na supremacia do interesse público, permitindo que o Poder Público atue na ordem econômica, sobretudo ampliando e/ou restringindo direitos – o que será com maior clareza abordado em momento posterior – em prol de um interesse coletivo, a saber: o equilíbrio na ordem econômica. Em vista disso, percebe-se a atuação do Estado regulador de influência neoliberal, que se abstém da atuação direta na economia, em preferência às agências reguladoras. Porém, a invasão do público sobre o privado, em tempos passados, quase nunca se dava pela busca do bem comum, pois, na verdade, o que se pretendia não era o interesse público, mas o interesse do Estado ou do soberano e tal interesse nem sempre condizia com os anseios sociais, como acontecia nas grandes monarquias europeias em momentos anteriores as revoluções do século XVIII.     1. A EXTRAFISCALIDADE E AS DOUTRINAS ECONÔMICAS MODERNAS Os últimos séculos foram marcados por diversas transformações na esfera política e econômica global. Tais mudanças, por serem frutos de uma consciência social, logicamente, estão em constante evolução e fazem parte da história humana desde os seus primórdios. Todavia, a partir dos séculos XVIII e XIX é que vamos nos confrontar com verdadeiros estrondos intelectuais e revolucionários que ganharam proporção tamanha ao ponto de transpassar as barreiras do tempo e espaço, transformando ideias, anteriormente tidas como imutáveis, em concepções inconcebíveis e inaceitáveis. Foi assim, que um grupo de intelectuais, sobretudo na França, impôs limites no poderio da monarquia europeia que se acreditava ser absoluta e divinamente escolhida, iniciava-se a “era das luzes” ou Iluminismo. Movimento surgido pela insatisfação com o modo de vida aparatoso da realeza, dentro dos suntuosos castelos, enquanto a grande massa da população padecia com a fome e a elevada tributação que lhes era imposta pelo governante, com o único objetivo de custear suas despesas com material bélico ou, na esmagadora maioria, em banquetes, festas e roupas luxuosas. Vinda a Revolução Francesa em 1789 e publicada a “Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão”[3] que elencava em seu art. 3º que “o princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhum corpo, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente”. Estava evidente a repulsa da população francesa com a forma extremamente interventiva do governo absolutista e centralizador, reinando agora uma ânsia por um non facere do Estado, eclodindo da França para o mundo a primeira dimensão de direitos, os direitos civis e políticos, também conhecidos como “direitos de liberdade”. Dessa forma consolidam-se as bases para o primeiro grande movimento econômico moderno, o Liberalismo. Movimento que já ganhava forças com a Revolução Americana e a “Declaração de Independência dos Estados Unidos” exposta ao mundo em 1776, mesmo ano da primeira publicação do clássico “A Riqueza das Nações” do ilustre economista escocês Adam Smith, considerado “pai” do Liberalismo Clássico. Doutrina que pregava a ideia do Estado-mínimo, ou seja, a ordem econômica não necessitaria da intervenção do Estado, pois uma força natural que Smith chamava de “mão invisível” regularia toda a atividade econômica desenvolvida e esta, por si só, encontraria o equilíbrio e a ordem. O Estado agora já não é mais concentrado em um único governante político, a tripartição dos poderes de Montesquieu exterioriza a necessidade de imposição de limites a este “monstro”, como assim o compreendia Thomas Hobbes, que se vê encarcerado pela estrita legalidade, pois esta, ao emanar de representantes do povo, único ente dotado de Poder legítimo, tem o condão de assim deliberar. O distanciamento do Estado nas esferas sociais, evidentemente também da econômica, fortaleceu o caráter extremamente fiscal dos tributos, tendo estes, sobretudo, finalidades arrecadatórias. Pouco se via uma atuação direta na órbita econômica, sendo necessário, com isso, e indispensável para manutenção da máquina estatal, a tributação com função explicitamente fiscal. A extrafiscalidade, portanto, não era necessária, tendo em vista que a doutrina predominante à época não abria margem para essa função, pois as “leis naturais” da economia eram autorreguladoras e não cabia ao Estado intervir nesse “equilíbrio natural”, sob pena de desestabilizar o sistema. Com isso, verifica-se um grande avanço na iniciativa privada e cada vez mais a necessidade de arrecadação do Estado, cabendo a este apenas um mero exercício de fiscalização e defesa territorial. Na concepção do ilustre DALLARI (2008, p. 185): “O Estado liberal, com o mínimo de interferência na vida social, trouxe de início, alguns inegáveis benefícios: houve um progresso econômico acentuado, criando-se as condições para a revolução industrial; o indivíduo foi valorizado, despertando-se a consciência para a importância da liberdade humana; desenvolveram-se as técnicas de poder, surgindo e impondo-se a ideia do poder legal em lugar do poder pessoal.” No entanto, a grande valorização do individuo geraria um desequilíbrio extremamente avassalador, do ponto de vista social, pois, ainda nas diretrizes do renomado autor, “a valorização do indivíduo chegou ao ultra-individualismo” o que favoreceu determinadas classes afortunadas em detrimento da grande massa trabalhadora. Fato que culminaria nas barbáries trazidas pela Revolução Industrial. Tais como, crianças enfrentando jornadas de trabalho que chegavam a dezesseis horas diárias, com breves repousos noturnos de quatro horas. Mulheres abandonando seus lares para se submeterem a regimes explicitamente desumanos, que tornavam irrelevantes sua estrutura física, dentre outras desordens sociais que clamaram por uma aproximação do Estado, um facere, exsurgindo os direitos de segunda dimensão, os assim chamados direitos sociais ou “direitos de igualdade”.    A insatisfação com a teoria liberal era evidente, e esta estava fadada ao declínio, sobretudo após a “Grande Depressão” de 1929 e a instalação do programa de governo conhecida como New Deal, instituída em 1932 pelo presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. Na verdade, o New Deal, nada mais era, do que um plano extremamente intervencionista com o objetivo de conter os males que sucederam 1929. A intervenção do Estado era imprescindível, e este tomou para si todos os anseios sociais, passando agora a atuar de forma direta no contexto econômico. Instituía-se assim o Welfare State, segundo modelo econômico moderno, em que já não há a predominância de um Estado distante da economia e dos fenômenos sociais, mas evidentemente comprometido com o bem-estar da população, em consequência dessa nova concepção, tal modelo econômico ficou conhecido como “Estado de bem-estar social”. Dava-se início a um novo momento no que conhecemos por tributação, haja vista a maior liberalidade do ente Político em delimitar ou ampliar sua atuação tributária. Sobre o assunto, Plauto Faraco de Azevedo (2000), em obra singular, destaca a evolução econômica do Liberalismo para o Welfare State de forma bastante esclarecedora, ao evidenciar que: “Neste contexto de crise econômica manifesta com sérios desdobramentos políticos e sociais, o Estado liberal, a fim de conjurar o perigo que lhe ameaçava a mesma existência, vai pouco a pouco se transformando, mediante a progressiva intervenção na economia, até tornar-se Estado Social ou Welfare State, cujos contornos vão ganhando maior nitidez a partir da Segunda Guerra Mundial.” (AZEVEDO, 2000, p. 91) No momento anteriormente vivido, o Liberalismo distanciou o Estado das atividades econômicas, o que implicou em grandes reformas no sistema tributário. O que era arbitrado pelo soberano no Estado absolutista de forma extremamente desequilibrado, já não era mais acolhido no Estado liberal. A função clássica arrecadatória dos tributos permaneceu, no entanto, com menos vigor, sendo realizada com certa timidez e extremamente vigiada pela burguesia detentora do poderio econômico, apoiada pelos pensadores liberais tradicionais. Em contrapartida, com a instalação do “Estado de bem-estar social” a fiscalidade tributária ganha força e a atuação do Estado volta a ter caráter intervencionista, diferenciando-se do Estado Absolutista, por estar evidentemente compromissado com a harmonia e o bem coletivo, o que não se verificava neste. Porém, ainda não podemos chegar à origem de uma real função extrafiscal, pois esta só se efetivará em um momento seguinte na evolução história dos sistemas econômicos mundiais. De certo, é inegável o avanço jurídico na transição do Absolutismo para o Liberalismo, e do Liberalismo para o Estado interventor, ou de “bem-estar social”, prevalecendo neste a preocupação inconteste pela realidade entre o que está exposto na norma e o que realmente está sendo efetivado no contexto social. Mesmo com todas as contribuições trazidas pelo Estado interventor, a extrafiscalidade tributária não tinha qualquer fundamento, uma vez que o mesmo atuava de forma direta nos sistemas econômicos, portanto, não havia que se falar em intervenção com finalidade reguladora na economia, tendo em vista que o próprio Estado avocava para si atividades tipicamente econômicas. Os Estados onde imperava o sistema interventivo demonstraram no decurso do tempo, inúmeros déficits financeiros, o que acarretou insatisfação por parte de alguns pensadores que buscaram retorno a uma atuação estatal de menos proporção, movimento conhecido como Neoliberalismo, atual sistema econômico que fundamenta a extrafiscalidade tributária, tendo em vista ser nesse contexto que tal função ganha maior proporção. Sendo o idealizador dessa corrente teórica Friedrich Hayek, como bem preleciona Perry Anderson (1996): O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi uma reação teórica e política veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de mercado por parte do Estado, denunciadas como ameaça letal à liberdade, não somente econômica, mas também política. (ANDERSON, 1996, p. 12) A gênese da crise, nas concepções de Hayek e bem evidenciadas por Anderson (1996, p. 11), encontrava-se no excesso poder dos sindicatos ligados ao movimento operário que haviam “corroído as bases da acumulação capitalista com suas pressões reivindicatórias sobre os salários e sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais”.   2. O NEOLIBERALISMO COMO MOVIMENTO PROPULSOR NA FUNÇÃO EXTRAFISCAL DOS TRIBUTOS Discorrer sobre extrafiscalidade tributária é relatar a intervenção do Estado no domínio econômico. Tal intervenção sempre esteve presente nas Constituições brasileiras, sobretudo a partir da Constituição de 1934, uma vez que a mesma sofreu grande influência da Constituição alemã de Weimar, promulgada em 1919 e caracterizada, sobretudo, pelo rol de direitos trabalhistas que só foi possível através da atuação direta na seara econômica pelo Estado.  Para demonstrar as evidências interventivas nas Constituições brasileiras utilizaremos das inegáveis contribuições do professor Albino de Souza (2002, p. 416), adiante expostas. Quanto à presença do vocábulo intervenção na Constituição de 1934 encontra-se no art. 116. Na Constituição de 1937 em seu art. 135: “A intervenção do Estado no domínio econômico poderá ser mediata ou imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta”. Na Constituição de 1946 o art. 146 evidenciou que “A União poderá […] intervir no domínio econômico […]”. Vindo a Constituição de 1967, informou esta no art. 157, § 8º: “são facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, […]”. E, por fim, com a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 no seu art. 163 repetindo ipse litteris o teor do art. 157, §8º da Constituição de 1967.   Com isso, fica evidente, que no transcurso das constituições brasileiras a intervenção sempre esteve presente. No entanto, as finalidades de tais intervenções, bem como seus fundamentos, até a Emenda de 1969, sempre foram mais voltadas às ideias de Estado interventor do que Estado neoliberal, o que inicialmente pode parecer contradição ao enfatizarmos que a extrafiscalidade tem fundamento com a intervenção do Estado na ordem econômica, ao passo que buscamos uma influência neoliberal para tanto, haja vista que este nos remete a uma ideia de menor atuação dos entes estatais na economia. Porém, o neoliberalismo, diferentemente do liberalismo clássico não anuncia a total abstenção do Estado quanto aos assuntos econômicos. Ainda nas lições de Albino de Souza (2002, p. 446) sobre “O Discurso Neoliberal na Constituição de 1988”, os fundamentos da “economia de mercado”, a saber: “ofertante”, “procurante”, “objeto” e “concorrência”, na doutrina liberal “prende-se à ideia de um mecanismo autorregulador, sem qualquer interferência estranha”. No entanto, após a experiência do Estado social e atuante na economia e demais áreas que lhe fosse conveniente, buscou-se um novo modelo de liberalismo, onde “o Direito tem importância decisiva para corrigir os efeitos dos mecanismos econômicos indiferentes à condição humana e social, imposta pela própria realidade”. A afirmativa evidenciada acima tem uma razão lógica para se subsistir, uma vez que o neoliberalismo teve seu pontapé inicial em um contexto marcado pelas experiências ocasionadas pelo Estado Social, sobretudo pela preocupação com as desigualdades sociais engendradas pelo modelo abstencionista liberal. Nesse ínterim, o neoliberalismo mesmo pretendendo, inicialmente, um retorno aos princípios liberais, estes, dificilmente seriam reestabelecidos em sua totalidade, pois, as conquistas disponibilizadas pelo Welfare State ganharam contornos políticos e econômicos indissociáveis do atual contexto social. No plano jurídico, com a conquista dos direitos sociais, vindo estes a ocupar o plano de direitos fundamentais, não se poderia admitir o retorno à situação de maior desvantagem social, em razão de outro princípio/característica adotado pelos Estados constitucionais no pós-guerra, da proibição do retrocesso social aplicado aos direitos e garantias fundamentais. Este princípio é veementemente defendido pelos constitucionalistas modernos, tais como J. J. Gomes Canotilho, cuja lição merece destaque: “[…] a idéia aqui expressa também tem sido designada como proibição de contra-revolução social ou da evolução reacionária. Com isto quer dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex: direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjectivo.” (CANOTILHO, 2003, p. 587) Com isso, qualquer mudança patrocinada pelo retorno ao modelo liberal que, inviabilizasse qualquer direito social conquistado em decorrência do Welfare State, seria encarada, como uma afronta aos direitos subjetivos dos cidadãos e a uma garantia institucional, cuja supressão seria, do ponto de vista democrático, uma aberração jurídica. Na ânsia de desenvolver um modelo econômico que se aproximasse dos princípios liberais, ao passo que a adequação ao atual contexto social e jurídico era necessária, o Direito teve de ser um instrumento para que a abstenção do Estado na seara econômica fosse gradativamente estabelecida, mas de uma forma que não mitigasse os direitos fundamentais pretéritos. Sendo assim, em decorrência da tentativa ao retorno da economia liberal, mas sob a pressão imposta pelos valores sociais já conquistados pelo Welfare State, surge o que se entende hoje por neoliberalismo. Sobre os supostos benefícios que tal modelo econômico tem acarretado, as dúvidas ainda são frequentes, havendo quem se porte no sentido de que é impraticável o que se entende por justiça social tomando como parâmetro o retorno ao liberalismo, ainda que em uma nova roupagem e com um discurso pretensamente inovador motivado pela globalização, assim como evidencia Azevedo (2000, p. 115), ao informar que “a globalização, tal como a quer o neoliberalismo, está associada à exclusão social”. O argumento acima evidenciado encontra-se embasado na premissa de que o neoliberalismo acarretou um aumento significativo na desigualdade social, uma vez que “nas faixas melhor aquinhoadas da população, cerca de dez ou vinte por cento de seus componentes, estão crescendo de modo significativo”, em contrapartida, “os rendimentos das pessoas, que integram os vinte ou até quarenta por cento menos favorecidos, estão diminuindo” (DAHRENDORF, 1995, p. 33). Ressalte-se que, grosso modo, a representação da realidade feita pelo neoliberalismo – em que avulta o caráter central e prescritivo do mercado, de que decorrem a escala de valores e as regras segundo as quais os homens devem viver –, constitui uma visão unilateral de determinada categoria de homens, atentos fundamentalmente à realização de seus interesses pessoais, que pretendem fazer passar pelos interesses universais do gênero humano, a qual teria o condão de pôr termo à história. A nossa Constituição de 1988 elenca diversas características que nos fazem chegar à conclusão que o modelo econômico de maior afinidade com as normas por ela insculpidas é o neoliberal. Uma delas é apontada com grande propriedade por Albino de Souza (2002, p. 449), uma vez que “está claramente revelado no texto constitucional de 1988 que a ‘regra’ adotada incorpora a exploração direta da atividade econômica pelo Estado”, porém este só poderá fazê-lo “se desvestido de suas peculiaridades de poder público e sua competência para ‘regulamentação’ e ‘fiscalização’ submete igualmente todos os participantes dos negócios e os integra na política econômica geral”. Pois bem, esta possibilidade de exploração direta da atividade econômica incorporada pelos ideais do Estado Social e a consagração do status positivus dos direitos ali conquistados, mas limitada pela Constituição quando assumi esta forma atuante na “economia de mercado”, na seara tributária, acarretou o afloramento de uma função, até então, pouco conhecida e aplicada dos tributos. Esta nova forma de vislumbrar a tributação decorre da utilização das normas de direito tributário para direcionar a incidência de determinado tributo, com uma finalidade específica de regulação econômica. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diversamente do que muitas vezes se prega, a extrafiscalidade tributária não se limita apenas a estimular ou desestimular determinados comportamentos fiscais. A aplicabilidade deste requer todo aparato jurídico, de atuação, não só do poder Legislativo, quando da elaboração de tal direcionamento, mas do Executivo, ao instituir políticas públicas tributárias, bem como do Judiciário, ao assegurar a eficaz aplicação da norma, quando for provocado, além de, nos casos em que a legislação for obscura, proporcionar uma interpretação à luz dos princípios constitucionais da supremacia do interesse público e da justiça social. Nesse norte, obtempera Marcus de Freitas Gouveia (2006, p. 80) ao disciplinar que a extrafiscalidade tributária: “[…] é o princípio ontológico da tributação e epistemológico do Direito Tributário, que justifica juridicamente a atividade tributante do Estado e a impele, com vistas na realização dos fins estatais e dos valores constitucionais, conforme as políticas públicas constitucionalmente estabelecidas, delimitada (a atividade estatal) pelos princípios que revelam as garantias fundamentais do contribuinte.” Com isso, a noção implementada pelo neoliberalismo, almejando retornar ao ideário liberal, mas limitado pelas conquistas do Estado Social, possibilitou a atuação veemente da tributação com fins que excedem a simples arrecadação e manutenção estatal, pois o Estado, tendo a liberalidade para atuar na ordem econômica, passou a ser um interessado direto na economia de mercado, uma vez que, em decorrência das limitações constitucionais, não podendo agir ao seu bel prazer, em decorrência das premissas liberais de limitação do poder soberano, a forma encontrada por este para direcionar o mercado foi o Direito, sobretudo o tributário, dando uma nova roupagem à tributação. Vale salientar, que o clamor social deve influir na finalidade à qual será destinada a tributação extrafiscal, por ser a justiça social o objetivo precípuo de todo o Direito. Em razão disso, diversas são as especulações relacionadas a tributos com o objetivo de fazer cumprir a função social de determinado imóvel, como o já conhecido IPTU progressivo; a alta carga tributária incidente sobre determinadas drogas líticas; além de outros mais futurísticos decorrentes da hodierna preocupação ecológica, tais como os tributos ambientais, visando à preservação ambiental inibindo determinadas condutas, tendo em vista que: “Os tributos ambientais em sentido próprio ao atuarem sobre os comportamentos, promovendo a sua alteração para moldes mais compatíveis com o ambiente, são determinantes para prevenir futuros danos no continuum naturale. Mas a política ambiental não pode também abdicar do uso de gravames ambientais em sentido impróprio. Uma vez que estes tributos, ao incidirem sobre bens ou comportamentos aos quais está associado um custo externo e uma procura inelástica, não só tornam possível ao Estado financiar-se de um modo menos maléfico para a economia do que lhe permite a tributação do trabalho, e.g., como também sinalizam aos agentes econômicos o sentido da evolução tecnológica desejado pela sociedade”. (SOARES, 2001, p. 16) Diante do exposto, é facilmente perceptível a grande proporção que a extrafiscalidade tributária tomou pela influência ocasionada em decorrência do modelo econômico neoliberal, que proporcionou um campo de atuação fértil para a mesma, tendo em vista que o auxílio da legislação tributária para fins estatais específicos sempre existiram, mas não com tamanha nitidez. No entanto, no modelo hodierno, ainda que criticado pela possível contribuição às desigualdades sociais e a perda, pela grande parte da população, do contato com a esfera da cidadania, os chamados marginalizados sociais (AZEVEDO, 2000, p.116), fez com que o Estado buscasse dentro do Direito, um método que lhe possibilitasse conduzir o contribuinte a uma conduta que, ao menos, tenha um escopo social. O poder de normatização utilizado pelo Estado com fins econômicos pode levar a certos benefícios para a sociedade como um todo. No entanto, o que se teme é que, no Estado Liberal, sempre atuaram discreta, mas decisivamente, as forças econômicas, notadamente as empresas nacionais e transnacionais. Com isso, no quadro do neoliberalismo global, em que se busca certa diminuição do Estado, o que dele restar poderá se transformar em instrumento, não do cidadão, mas das empresas transnacionais, na busca de vantagens em seu proveito, à margem dos mecanismos institucionais, através do Poder Executivo e de pressões que este exerce sobre o Legislativo e o Judiciário.
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Relativização da coisa julgada em matéria de direito tributário
O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo traçar alguns aspectos quanto ao tema “Relativização da coisa Julgada em matéria Tributária com ênfase nos institutos da prescrição e decadência”, desde sua conceituação, formação, passando pela sua legislação, bem como identificando situações possíveis e adequadas no caso concreto em que se possa verificar a necessidade de relativizar a coisa julgada. Serão demostrados, também, os posicionamentos atuais e relevantes da doutrina, assim como a formação dos créditos tributários pelos institutos da prescrição e da decadência e ao final a formação da coisa julgada em matéria tributária. Em seguida será dada ênfase ao embate entre a Segurança Jurídica e a Justiça Tributária, possibilidade de se poder ou não relativizar a coisa julgada decorrentes de prescrição e decadência e ainda se diante de uma decisão equivocada em matéria tributaria viesse a ressuscitar um crédito prescrito ou ainda extinguir um crédito não prescrito.[1]
Direito Tributário
1. INTRODUÇÃO A presente monografia apresenta como tema, a Relativização da Coisa Julgada em Matéria Tributária com ênfase nos institutos da Prescrição e da Decadência. O instituto da coisa julgada, que por muito tempo foi tido como princípio absoluto, hoje tem sua hegemonia ameaçada pela necessidade de relativizar as decisões judiciais já transitadas em julgado, mas que de alguma forma, vem a ferir outros princípios constitucionais como o da legalidade, da moralidade, da eficácia, da publicidade, da impessoalidade e da justiça. O presente trabalho tem como objetivo fomentar a discussão acerca da possibilidade de revisão de decisões judiciais, especialmente no que se refere à parte tributária, pois conforme será demostrado existe divergência por parte da doutrina sobre tema. Inicialmente, será apresentado o posicionamento da doutrina favorável à relativização sob os argumentos de que, quando se trata de direitos fundamentais, o instituto da coisa julgada deve ser revisto, pois cresce, a cada dia, a preocupação dos doutrinadores e dos tribunais em relação à formação da coisa julgada que decorrem de sentenças injustas, violando os princípios da moralidade, legalidade e dos princípios constitucionais, é nesse sentido que surge a necessidade de reavaliar a supremacia da coisa julgada. Cândido Rangel Dinamarco enfatiza que é necessário se: “[…] repensar a garantia constitucional e o instituto técnico-processual da coisa julgada, na consciência de que não é legítimo eternizar injustiças a pretexto de evitar a eternização de incertezas” [2]. Esses mesmo argumentos são usados para defender a relativização da coisa julgada em matéria tributária, tendo em vista que a coisa julgada tem o mesmo significado para todos os ramos do direito. O Superior Tribunal de Justiça tem
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Conceitos, funções e princípios da Administração Pública e suas relações com a Lei de Responsabilidade Fiscal
O objetivo do trabalho é apresentar, com base em revisão bibliográfica, conceitos, funções, objetivos e princípios da Administração Pública e suas relações com a Lei de Responsabilidade Fiscal. O estudo proposto tomou como abordagem e revisão doutrina relativa ao Direito administrativo e ao Direito Financeiro e Tributário, assim como revisão de teorias relativas à ciência da Administração.
Direito Tributário
1. Introdução A exigência do trato responsável da coisa pública, seja no âmbito fiscal, social ou patrimonial, não é uma imposição única do sistema jurídico brasileiro. As manifestações públicas e cívicas registradas no Brasil em meados de 2013 refletem o clamor das ruas e das redes sociais, expõem a indignação dos cidadãos com a corrupção instalada na máquina pública e evidenciam a rejeição popular ao sistema político vigente no país. A presente abordagem apresentará conceitos, funções, objetivos e princípios da Administração Pública e sua relação com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Será possível, a partir deste estudo, aprofundar o debate sobre a responsabilidade na gestão fiscal e o equilíbrio das contas públicas, assim como a relação dessa responsabilidade com dispositivos e fundamentos do ordenamento jurídico brasileiro atinentes a Administração Pública direta e indireta. Para esse fim, far-se-á uso de doutrina relativa ao Direito administrativo e ao Direito Financeiro e Tributário, assim como revisão de teorias relativas à ciência da Administração. 2. Administração Pública e Responsabilidade Fiscal Este capítulo está dividido em três seções, que versão quanto aos conceitos e funções da Administração e da Administração Pública, sobre os princípios da Administração Pública e quanto a Lei de Responsabilidade Fiscal. 2.1 Conceitos e funções da Administração e da Administração Pública  “Administração é o atingimento das metas organizacionais de modo eficiente e eficaz por meio do planejamento, organização, liderança e controle dos recursos organizacionais”. A definição de Daft (2010:06) engloba as quatro funções da Administração – planejar, organizar, dirigir e controlar – e os seus objetivos – a eficiência e a eficácia. Com base nos conceitos de Daft (2010:06-08), pode-se inferir que planejar é a “função gerencial relacionada à definição de metas para o futuro desempenho organizacional e a decisão sobre tarefas e recursos necessários para alcança-las”; organizar é a função “que se refere à atribuição de tarefas, agrupamento de tarefas em departamentos e alocação de recursos para os departamentos”; liderar é a “função administrativa que envolve o uso de influência para motivar os empregados para atingir as metas da organização”; e controlar é a função “relativa ao monitoramento das atividades dos funcionários, mantendo a organização nos trilhos em direção às suas metas, fazendo correções quando necessário”. Robbins (2000:40) empresta significação concisa para o entendimento dos objetivos da Administração ao esclarecer que “eficiência significa fazer as coisas direito, e eficácia significa fazer a coisa certo”. No âmbito público, Di Pietro (2012:50) admite que a expressão Administração Pública pode ser compreendida em sentido subjetivo, formal ou orgânico e em sentido objetivo, material ou funcional: “a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo”. Segundo a doutrinadora citada (2012:50), a Administração Pública também pode ser compreendia em sentido amplo ou em sentido restrito: “a) em sentido amplo, a Administração Pública, subjetivamente considerada, compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais incumbe traçar os planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública, em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais; ainda em sentido amplo, porém objetivamente considerada, a Administração Pública compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa; b) em sentido estrito, a Administração Pública compreende, sob o aspecto subjetivo, apenas os órgãos administrativos e, sob o aspecto objetivo, apenas a função administrativa, excluídos, no primeiro caso, os órgãos governamentais e, no segundo, a função política”. Carvalho Filho (2012:04-05), que admite classificação da função administrativa, na Administração Pública, em três critérios (subjetivo, objetivo material e objetivo formal), defende que tecnicamente essa função “é aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional ou legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica”. Mello (2011:153) argui que a Administração Pública pode ser centralizada e descentralizada. A primeira situação ocorre quando a atividade administrativa “é exercida pelo próprio Estado, ou seja, pelo conjunto orgânico que lhe compõe a intimidade”. Na segunda ocorrência a atividade gerencial é executada “por pessoa ou pessoas distintas do Estado”. Ainda segundo o mesmo autor, descentralização e desconcentração são conceitos diferentes: a descentralização “pressupõe pessoas jurídicas diversas” enquanto que “a desconcentração está sempre referida a uma só pessoa, pois cogita-se da distribuição de competências na intimidade dela, mantendo-se, pois, o liame unificador da hierarquia”. Outra classificação levantada por Mello (2011:156-157) é a da Administração direta e indireta. Citando Decreto-lei 200, de 1967, o jurista anota que a Administração direta é a “que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios” e a Administração indireta “é a que compreende as seguintes categorias de entidades dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista; d) Fundações Públicas”. Sob o prisma da Administração, Nascimento (2010:09-10) diferencia Administração Pública burocrática de Administração Pública gerencial. Para o autor, a Administração Pública burocrática concentra-se no processo; é auto-referente; define os procedimentos para a contratação de pessoal, compra de bens e serviços; satisfaz as demandas dos cidadãos; tem controle de procedimentos. Doutro modo, a Administração Pública gerencial orienta-se para resultados; é voltada para o cidadão; combate o nepotismo e a corrupção; não adota procedimentos rígidos; define os indicadores de desempenho; utiliza contratos de gestão. Nascimento concorda que a Administração Pública gerencial responde a “busca de meios capazes de enfrentar a crise fiscal do Estado”, como “estratégia para reduzir custos e tornar mais eficiente a administração dos serviços que cabem ao Estado” e “como instrumento de proteção ao patrimônio público”. 2.2 Princípios da Administração Pública Conquanto o art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 reze que a Administração Pública, direta e indireta, em quaisquer dos poderes e de quaisquer esferas, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, doutrina e jurisprudência aceitam os nomeados “princípios reconhecidos”, quais sejam: da supremacia do interesse público; da autotutela; da indisponibilidade; da continuidade dos serviços públicos; da segurança jurídica; e da precaução. Carvalho Filho (2012:39-42) acrescenta a este rol, conforme Quadro 1., os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. 2.3 Lei de Responsabilidade Fiscal Crepaldi e Crepaldi (2009:263) sustentam que “um setor público organizado e disciplinado é condição para a estabilidade de preços, para o fomento do crescimento econômico sustentável, com óbvias consequências sobre a geração de emprego e renda e o bem estar social”. A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ‘estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal’ da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo os poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e também o Ministério Público. Ampliando a interpretação do art. 1º da LRF, que em seu caput “estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição”, Crepaldi e Crepaldi (2009:266) identificam como objetivos da norma referida: “- Garantir a gestão pública planejada e transparente; – Propiciar a prevenção de riscos e correção de desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas; – Propiciar o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas; – Estabelecer critérios, condições e limites para a renúncia de receitas, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar; – Combater o déficit limitando as despesas de pessoal, dificultando a geração de novas despesas, impondo ajustes de compensação para a renúncia de receitas e exigindo mais condições para repasses entre governos e destes para instituições privadas; – Reduzir o nível da dívida pública induzindo à obtenção de superávits primários, restringindo o processo de endividamento, nele incluído o dos Restos a Pagar, requerendo limites máximos, de observância contínua, para a dívida consolidada”. A LRF atendeu ao art. 163 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que demandava lei complementar para regular: I – finanças públicas; II – dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público; III – concessão de garantias pelas entidades públicas; IV – emissão e resgate de títulos da dívida pública; V – fiscalização financeira da administração pública direta e indireta; VI – operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VII – compatibilização das funções das instituições oficiais e de crédito da União, resguardadas as características e condições operacionais plenas das voltadas ao desenvolvimento regional. Para tanto, o §1º do art. 1º da Lei 101/2000 esclarece e impõe: “A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.” Motta e Fernandes (2001:36) atribuem à responsabilidade fiscal o dever da Administração Pública de atender às demandas dos usuários de serviços públicos, não sendo, portanto, objeto do encargo gerencial público apenas a responsabilidade patrimonial do Estado. Neste sentido, cabe anotação de Crepaldi e Crepaldi (2009) que arrolam como princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal o planejamento, a transparência, a participação popular, o equilíbrio, a preservação do patrimônio público, a limitação de despesas e o controle do endividamento público, conforme Quadro 2. Em seu art. 59, a LRF determina que “o Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público” são os responsáveis pela fiscalização e pelo cumprimento das suas normas. 3. Considerações finais A análise da temática permitiu a reunião de conceitos e informações relevantes ao debate da Administração Pública planejada e transparente. Conforme apresentado, o gerenciamento dos recursos e dos serviços públicos suplanta os limites dos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, exigindo a observância da supremacia do interesse público, da autotutela, da indisponibilidade, da continuidade desses serviços públicos, da segurança jurídica, da precaução, da razoabilidade e da proporcionalidade. Ferramenta complementar a Constituição de 1988, e ao Direito Administrativo, a Lei de Responsabilidade Fiscal atende a ética na gestão pública e vai ao encontro dos reclames populares (da sociedade) quando responde ao interesse dos usuários dos serviços públicos, assim como de toda a sociedade, com bases no planejamento, na transparência, na participação popular, no equilíbrio, na preservação do patrimônio público, na limitação de despesas e no controle do endividamento público.
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Da não incidência de contribuição previdenciária sobre as férias e terço constitucional de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos
Há algum tempo discute-se no meio jurídico de nosso país, seja na doutrina ou na jurisprudência,  a respeito da não incidência de contribuição previdenciária seja ela patronal ou do empregado, sobre verbas de natureza indenizatória pagas aos trabalhadores pelos empregadores ou pelas entidades equiparadas. O trabalhador portuário avulso regido pela Lei 12.815/13, que revogou a Lei 8.630/93, e Lei 9.719/98, mantém registro/cadastro junto ao Órgão de Gestão de Mão de Obra, o qual através de um sistema rodiziário de escalação, fornece a mão de obra avulsa aos Operadores Portuários. Findo o turno trabalhado, o OGMO arrecada dos tomadores de serviços os valores devidos aos avulsos pelo trabalho prestado, bem como recolhe os impostos e contribuições incidentes sobre a remuneração paga aos trabalhadores portuários avulsos. O objetivo do presente estudo é demonstrar que os valores pagos proporcionalmente aos trabalhadores portuários avulsos a cada trabalho prestado aos tomadores de serviço à título de férias e terço de férias, não se tratam de verbas de natureza remuneratória, mas de verbas de caráter indenizatório. Demonstrada a natureza indenizatória das férias pagas aos portuários avulsos, descabe a incidência da contribuição previdenciária quota patronal, recolhida pelo OGMO, assim como a porcentagem do trabalhador que é retirada e recolhida pelo OGMO aos cofres públicos.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Tradicionalmente, o art. 195, I, “a” da CRFB é bastante claro quando determina que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, além das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho. Apenas pela leitura de tal dispositivo constitucional, já se percebe que as férias indenizadas e o terço de férias indenizadas pagas aos trabalhadores, não podem ser incluídos na base de cálculo da contribuição para o custeio da seguridade social, pelo simples motivo de que tais verbas não possuem natureza jurídica de rendimento ou salarial. Seguindo a orientação constitucional, foi editado o art. 22, I da Lei nº 8.212/91 que determina expressamente qual é à base de cálculo da contribuição que fica a cargo da empresa, apenas se referindo às remunerações pagas. O art. 28 da referida lei, novamente exclui expressamente da base de cálculo da contribuição para custeio da seguridade social, as férias indenizadas e o terço de férias indenizadas adimplidas pelos empregadores aos seus funcionários. O trabalhador portuário avulso não possui vínculo empregatício, quer com o Órgão Gestor de Mão de Obra, quer com as empresas para as quais presta serviços (Operadores Portuários) quando requisitados ao OGMO. A relação de trabalho intermediada pelo OGMO entre o avulso e os tomadores de serviço não constitui vínculo empregatício (art. 34 da Lei 12.815/13).[1] Com isso, o TPA pode realizar os serviços nos dias e horários que escolher ou preferir, desde que seja escalado, dentro do rodízio que é efetuado pelo OGMO. Em caso de falta a escalação ou de recusar a escala oferecida, o trabalhador portuário avulso não sofre nenhuma punição. Deste modo, cumpre observar que a Constituição Federal equiparou os direitos do trabalhador avulso e do trabalhador com vínculo empregatício, no que couber, consoante art. 7º, XXXIV desse diploma legal. Por isso, a Lei n° 5.085/66, recepcionada pela CF/88, entretanto, em que pese à natureza do trabalho do TPA, estabelece a ele o direito de férias anuais remuneradas, conforme se verifica do conteúdo do seu artigo 1º. Já o seu artigo 2º, prevê que não sendo possível o gozo das férias, cabe ao empregador adimplir ao TPA a indenização correspondente. Como visto, a própria lei que estabelece o direito a férias anuais remuneradas aos TPA's (arts. 1º e 2º) determina que os “empregadores”( no caso que será estudado o próprio OGMO), que mantêm o registro e o cadastro de TPA’s, deverá adicionar à remuneração, a importância destinada à indenização destas férias, justamente por reconhecer a inviabilidade do TPA de gozá-las da mesma forma que um trabalhador comum, regido pela CLT, face à natureza diferenciada do trabalho avulso. Contudo, cabe investigar se o entendimento firmado recentemente na jurisprudência pátria, qual seja o de desonerar trabalhadores e empregadores do recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre as férias indenizadas e terço de férias indenizadas, se aplica também ao trabalhador portuário avulso, dadas as peculiaridades do regime de trabalho desta categoria de obreiro. Conforme acima afirmado, o TPA não goza suas férias, posto que somente trabalha quando responde a escala de trabalho, bem como recebe o pagamento das férias de forma proporcional sobre a remuneração devida por cada trabalho prestado, possuindo o respectivo recebimento natureza indenizatória. Para chegar ao referido entendimento, primeiramente será feito um rápido estudo sobre as contribuições previdenciárias, seguido de breve comentário sobre o trabalho portuário avulso e suas peculiaridades. Feitas as referidas considerações, será exposto a respeito da não incidência das contribuições previdenciárias quotas patronal e do trabalhador, sobre as férias e terço de férias pagas ao trabalhador portuário avulso, dada a sua natureza indenizatória. Por fim, cumpre aduzir preambularmente, que o OGMO de Rio de Grande e trabalhadores portuários avulsos registrados ou cadastrados no mesmo, obtiveram provimento judicial no sentido de não recolherem as contribuições previdenciárias sobre as férias e terço de férias pagas aos avulsos, uma vez que conseguiram demonstrar que as referidas rubricas possuem caráter indenizatório. 1 CONTRIBUIÇÕES 1.1 Conceitos Gerais Primeiramente, faz-se necessária uma análise sucinta a respeito de contribuições, a fim de que se tenha uma melhor abordagem do tema em estudo. Segundo o artigo 149 da Constituição Federal de 1988, compete a União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, motivo pelo qual GERALDO ATALIBA ensina que: “Contribuição é um tributo vinculado cuja hipótese de incidência consiste numa atuação estatal indireta e mediatamente referida ao obrigado.”[2] O referido entendimento também se encontra na doutrina de LUCIANO DA SILVA AMARO (2006, p. 84), ao explicar que a característica da contribuição “está na destinação a determinada atividade estatal, exercitável por entidade estatal ou paraestatal, ou por entidade não estatal reconhecida pelo Estado como necessária ou útil à realização de uma função de interesse público”. Diante disso, adotamos no presente estudo monográfico o conceito de contribuições elaborado por HUGO DE BRITO MACHADO (2010, p. 433), qual seja o de que a “contribuição social é espécie de tributo, com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse das categorias profissionais ou econômicas e seguridade social”. É induvidoso que a função das contribuições é a de dar aporte financeiro aos cofres do Tesouro Nacional, considerando suas funções parafiscal e extrafiscal, dependo da classe ou setor em que incidem. A Constituição vigente possui previsão de diversas contribuições sociais, sendo que podemos subdividi-las em: a) contribuições de intervenção no domínio econômico; b) contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas e; c) contribuições de seguridade social. No presente estudo nos interessa analisar apenas as contribuições de seguridade social incidentes sobre as férias e terço constitucional de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos, tanto do empregador quanto do trabalhador. 1.2 Contribuições de Seguridade Social A seguridade social compreende as ações do poder público destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, previdência e assistência social, conforme depreende-se da redação do artigo 194 da CF/88. A matriz constitucional das contribuições destinadas à seguridade social encontra-se nos artigos 149 e 195 da Carta Magna, posteriormente alterados pelas Emendas Constitucionais 20/98 e 42/2003. O artigo 195 estabelece que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e mediante a arrecadação das contribuições sociais que são divididas entre: a) aquelas devidas pelas empresas; b) as devidas pelos trabalhadores; c) as decorrentes das receitas de concursos de prognósticos; e, d) as devidas pelos importadores de bens ou serviços ou de quem a lei a eles equiparar. Ao estudo em liça interessa analisar  as contribuições sociais devidas pelas empresas, assim entendido o empregador ou a quem a lei a ele equiparar, e as devidas pelos trabalhadores, sejam eles vinculados, autônomos ou avulsos. Interessante citar a doutrina de HUGO DE BRITO MACHADO, a respeito do modo através do qual o legislador deve instituir uma contribuição sob pena de incorrer em inconstitucionalidade: “As contribuições, com as quais os empregadores, os trabalhadores e os administradores de concursos de prognósticos financiam diretamente a seguridade social, não podem constituir receita do Tesouro Nacional precisamente porque devem ingressar diretamente no orçamento da seguridade social. Por isto mesmo, lei que institua contribuição social com fundamento no art. 195 da Constituição Federal indicando como sujeito ativo pessoa diversa da que administra a seguridade social viola a Constituição.”[3] Os magistrados LEANDRO PAULSEN e ANDREI PITTEN VELLOSO (2011, p. 118) ressaltam que “até o advento da Lei 11.457/07, tinham elas o INSS como sujeito ativo, forte no artigo 33 da Lei 8.212/91, com a redação da Lei 10.256/01. Com o advento da Lei 11.457/07, contudo, a posição de sujeito ativo passou à própria União, que administra tais contribuições através da Secretaria da Receita Federal do Brasil.” Feitas as breves considerações acima, acerca das contribuições da seguridade social, convém a seguir e antes de adentrarmos na discussão central do presente, analisar as contribuições previdenciárias do empregador e dos trabalhadores. 1.3 Contribuições de seguridade social previdenciárias do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada. As empresas e entidades a elas equiparadas devem contribuir para o financiamento da seguridade social através de contribuições incidentes sobre a folha de salários e os demais pagamentos realizados a pessoas físicas, a receita ou o faturamento e o lucro. O artigo 15 da Lei 8.212/91 não apenas conceitua empresa, como arrola as pessoas que devem ser consideradas equiparadas a empresas para efeito de recolhimento de contribuições de seguridade: “Art. 15 Considera-se: I – empresa – a firma individual ou sociedade que assume o risco da atividade econômica urbana ou rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgão e entidades da administração pública direta, indireta ou fundacional; II – empregador doméstico – a pessoa ou família que admite a seu serviço, sem finalidade lucrativa, empregado doméstico. Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.” Segundo PAULSEN e VELLOSO (2011, p. 110) “atualmente, com a redação atribuída ao art. 195, I, pela EC nº 20/98, é expressa a possibilidade de tributação não apenas dos empregadores, mas de quaisquer empresas e, inclusive, de entidades que venham a ser equiparadas a empregadores”. Já o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, define empregador e equiparados a empregador da seguinte forma: “Art. 2º Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. §1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.” Por sua vez, o artigo 3º da CLT considera empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. A incidência da contribuição previdenciária se dá sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (art. 195, I, a da CF/88). LEANDRO PAUSEN e ANDREI PITTEN VELOSO em uma das suas obras a respeito de contribuições, chamam a atenção para os limites que devem ser observados, decorrentes da amplitude do art. 195, I, a, da CF: “A referência, na norma de competência, a “rendimentos do trabalhador”, afasta a possibilidade de o legislador fazer incidir a contribuição sobre verbas indenizatórias. Assim, os valores pagos à título de auxílio-creche, de auxílio-transporte e as ajudas de custo em geral, desde que compensem despesa real, não podem integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária. Ademais, a base econômica que pode ser objeto de tributação restringe-se à remuneração “paga ou creditada”, conforme se vê da redação do art. 195, I, a, da Constituição. Do mesmo modo, importa considerar que a base econômica abrange a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à “pessoa física” que preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.”[4] Portanto, basta identificar se o pagamento foi recebido por pessoa física ou não, bem como qual a natureza do pagamento feito ao trabalhador, se é verba destinada a compensação e com caráter indenizatório, ou salarial paga com habitualidade e que some para fins previdenciários. De acordo com o artigo 22 da Lei 8.212/91, as alíquotas a cargo do empregador ou a entidade que a ele é equiparado são as seguintes: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:  a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave. III – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas ou creditadas a qualquer título, no decorrer do mês, aos segurados contribuintes individuais que lhe prestem serviços; IV – quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, relativamente a serviços que lhe são prestados por cooperados por intermédio de cooperativas de trabalho.” Desta feita, dependendo do segmento de atuação de mercado da empresa, a mesma é obrigada a recolher mensalmente 20% sobre a folha de salários, acrescida de 1% a 3% do SAT, terceiros, sistema S e a própria contribuição retida dos empregados de 8% a 11%, variando o total de recolhimentos mensais de 28% a 40% sobre a folha, podendo em casos muito específicos, que não convém discutir, extrapolar esse patamar (PAULSEN, 2010. P. 121). O art. 22, §2º da Lei 8.212/97, determina que não integram a remuneração as parcelas de que trata o § 9º do artigo 28 da mesma lei, conforme segue: a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade; b) as ajudas de custo e o adicional mensal recebidos pelo aeronauta nos termos da Lei nº 5.929, de 30 de outubro de 1973; c) a parcela "in natura" recebida de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, nos termos da Lei nº 6.321, de 14 de abril de 1976; d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho-CLT; (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.97).  e) as importâncias: 1. previstas no inciso I do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; 2. relativas à indenização por tempo de serviço, anterior a 5 de outubro de 1988, do empregado não optante pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço-FGTS; 3. recebidas a título da indenização de que trata o art. 479 da CLT; 4. recebidas a título da indenização de que trata o art. 14 da Lei nº 5.889, de 8 de junho de 1973; 5. recebidas a título de incentivo à demissão; 6. recebidas a título de abono de férias na forma dos arts. 143 e 144 da CLT; 7. recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente desvinculados do salário; 8. recebidas a título de licença-prêmio indenizada; 9. recebidas a título da indenização de que trata o art. 9º da Lei nº 7.238, de 29 de outubro de 1984; f) a parcela recebida a título de vale-transporte, na forma da legislação própria; g) a ajuda de custo, em parcela única, recebida exclusivamente em decorrência de mudança de local de trabalho do empregado, na forma do art. 470 da CLT; h) as diárias para viagens, desde que não excedam a 50% (cinqüenta por cento) da remuneração mensal; i) a importância recebida a título de bolsa de complementação educacional de estagiário, quando paga nos termos da Lei nº 6.494, de 7 de dezembro de 1977; j) a participação nos lucros ou resultados da empresa, quando paga ou creditada de acordo com lei específica; l) o abono do Programa de Integração Social-PIS e do Programa de Assistência ao Servidor Público-PASEP; m) os valores correspondentes a transporte, alimentação e habitação fornecidos pela empresa ao empregado contratado para trabalhar em localidade distante da de sua residência, em canteiro de obras ou local que, por força da atividade, exija deslocamento e estada, observadas as normas de proteção estabelecidas pelo Ministério do Trabalho; n) a importância paga ao empregado a título de complementação ao valor do auxílio-doença, desde que este direito seja extensivo à totalidade dos empregados da empresa; o) as parcelas destinadas à assistência ao trabalhador da agroindústria canavieira, de que trata o art. 36 da Lei nº 4.870, de 1º de dezembro de 1965; p) o valor das contribuições efetivamente pago pela pessoa jurídica relativo a programa de previdência complementar, aberto ou fechado, desde que disponível à totalidade de seus empregados e dirigentes, observados, no que couber, os arts. 9º e 468 da CLT; q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa; r) o valor correspondente a vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos ao empregado e utilizados no local do trabalho para prestação dos respectivos serviços; s) o ressarcimento de despesas pelo uso de veículo do empregado e o reembolso creche pago em conformidade com a legislação trabalhista, observado o limite máximo de seis anos de idade, quando devidamente comprovadas as despesas realizadas; t) o valor relativo a plano educacional, ou bolsa de estudo, que vise à educação básica de empregados e seus dependentes e, desde que vinculada às atividades desenvolvidas pela empresa, à educação profissional e tecnológica de empregados, nos termos da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e: 1. não seja utilizado em substituição de parcela salarial; e 2. o valor mensal do plano educacional ou bolsa de estudo, considerado individualmente, não ultrapasse 5% (cinco por cento) da remuneração do segurado a que se destina ou o valor correspondente a uma vez e meia o valor do limite mínimo mensal do salário-de-contribuição, o que for maior; u) a importância recebida a título de bolsa de aprendizagem garantida ao adolescente até quatorze anos de idade, de acordo com o disposto no art. 64 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990; v) os valores recebidos em decorrência da cessão de direitos autorais; x) o valor da multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT. y) o valor correspondente ao vale-cultura. Ainda, por força de entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não incide contribuição previdenciária sobre o montante pago pela empresa ao empregado nos primeiros quinze dias de afastamento por motivo de auxílio doença (REsp. 836.531/SC). A alimentação fornecida in natura no estabelecimento da empresa, ainda que não seja cadastrada no PAT (programa de alimentação do trabalhador) (REsp. 1051294/PR). Já o STF, recentemente decidiu que sobre o vale-transporte pago em dinheiro não incide contribuição previdenciária, ante o seu nítido caráter indenizatório (RE 478/410 SP). Portanto, cabe ao empregador apurar e recolher a contribuição, a seu cargo, sobre as remunerações dos empregados e avulsos até o dia 20 do mês seguinte ao de competência, que nada mais é do que o mês trabalhado, tudo isso forte no artigo 30 da Lei 8.212/97. Por fim, convém observar que se a empresa por força de lei for considerada substituta tributária, terá a obrigação de apurar, reter e recolher as contribuições devidas, como no caso das empresas intermediadoras ou de cessão de mão de obra (art. 31 da Lei 8.212/97), como é o caso do OGMO, que por força das Leis 12.815/13 (arts. 32 e 33)[5] e 9.719/98 (art. 2º, §4º), é responsável pela arrecadação da remuneração e valores dos encargos sociais, fiscais e previdenciários incidentes que devem ser pagos aos trabalhadores portuários avulsos cuja mão de obra foi cedida aos Operadores Portuários. 1.4. Contribuição do segurado empregado e do trabalhador avulso Após analisarmos as contribuições devidas pelo empregador ou pela entidade a ele equiparada, cabe esclarecer que os empregados com vínculo empregatício, os domésticos e os avulsos, também possuem obrigação legal de recolherem mensalmente contribuição previdenciária sobre o seu salário mensal ou sobre a remuneração que auferem. Interessa para o trabalho em estudo, expor sobre a contribuição dos trabalhadores avulsos, que é retida pelo empregador ou entidade intermediadora de mão de obra e recolhida mensalmente aos cofres do erário. De acordo com o inciso VI do artigo 12 da Lei 8.212/91, o trabalhador avulso é segurado obrigatório: “VI – como trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no regulamento.” A contribuição do empregado, inclusive o doméstico, e a do trabalhador avulso é calculada mediante a aplicação da correspondente alíquota sobre o seu salario-de-contribuição mensal, de forma não cumulativa, conforme dispõe o artigo 20 da Lei 8.212/91. A supracitada legislação conceitua salário contribuição para o avulso, em seu artigo 28, inciso I, como sendo a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. A incidência mínima para o salário de contribuição por força dos §§ 3º e 4º do art. 28 da Lei 8.212/91, é sobre o salário mínimo ou o salário base da categoria a qual pertença o trabalhador. O valor máximo por sua vez, encontra-se estabelecido em lei com reajustamento periódico, conforme dispõe o §5º do mesmo artigo de lei. As alíquotas que incidem sobre o salário contribuição dos trabalhadores, sejam eles vinculados, domésticos, avulsos e demais trabalhadores, estão previstas no artigo 20 da Lei 8.212/91. As alíquotas variam entre 8% e 11%, dependendo da faixa de contribuição em que se enquadram os ganhos do trabalhador. Por força do disposto no artigo 30 da Lei 8.212/91, as empresas ou entidades a ela equiparadas possuem a obrigação de reter e recolher a contribuição previdenciária devida pelo trabalhador, sempre até o dia 20 do mês subsequente ao da competência em que o trabalhador recebeu o seu salário ou remuneração: “Art. 30. A arrecadação e o recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à Seguridade Social obedecem às seguintes normas: I – a empresa é obrigada a: a) arrecadar as contribuições dos segurados empregados e trabalhadores avulsos a seu serviço, descontando-as da respectiva remuneração; b) recolher os valores arrecadados na forma da alínea a deste inciso, a contribuição a que se refere o inciso IV do art. 22 desta Lei, assim como as contribuições a seu cargo incidentes sobre as remunerações pagas, devidas ou creditadas, a qualquer título, aos segurados empregados, trabalhadores avulsos e contribuintes individuais a seu serviço até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da competência;” Feitas as referidas considerações sobre a contribuição previdenciária devida pelos trabalhadores vinculados, domésticos, avulso e outros tipos de empregados, passamos a estudar sobre o trabalho portuário avulso, para posteriormente analisarmos a questão proposta no presente, qual seja a não incidência de contribuição previdenciária sobre aquota patronal, e do empregado sobre as férias e terço de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos, uma vez que se trata de verba de natureza indenizatória e não sujeita a tributação. 2 DO TRABALHO PORTUÁRIO AVULSO Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o cenário portuário nacional sofreu diversas mudanças em sua sistemática. Dentre elas, a igualdade de direitos entre os trabalhadores com vínculo empregatício a prazo indeterminado e os trabalhadores avulsos. A referida equiparação de direitos se encontra prevista no artigo 7º, inciso XXXIV da Constituição Federal. Contudo, a amplitude do inciso XXXIV do art. 7º da CF/88 não pode ser relativizada, consubstanciando-se apenas em igualdade jurídica e não em igualdade formal, já que o trabalho avulso não se compara materialmente ao trabalho a prazo indeterminado. O referido dispositivo deve ser aplicado com parcimônia e apenas no que efetivamente couber. Neste sentido, defendendo a aplicação relativa da isonomia ao trabalhador avulso, o saudoso Arnaldo Süssekind ensinava que o artigo 7º, XXXIV, da CF, não tinha o condão de equiparar de maneira absoluta avulsos e vinculados, mas deveria ser interpretada com cautela, naquilo que caiba, observadas as peculiaridades destas relações de trabalho: “A Lei Maior, no inciso XXXIV do art. 7º, preceitua a igualdade de direitos entre o trabalhador avulso e o empregado. Trata-se de mera fantasia, pois a norma jurídica não tem o condão de solucionar o impossível. Essa pretendida isonomia há de ser respeitada – no que couber. Como, por exemplo, assegurar ao trabalhador avulso a indenização por despedida, se não sendo ele empregado, jamais poderia ser despedido. Como garantir-lhes participação nos lucros, nos resultados ou na gestão de empresas tomadoras de serviços, se entre estas e os trabalhadores escalados estabelece-se relação jurídica efêmera?”[6] Para que efetivamente fossem alçados direitos iguais aos trabalhadores portuários avulsos em relação àqueles dos trabalhadores com vínculo empregatício, foi editada a Lei de Modernização dos Portos (Lei 8.6030/93), legislação que acarretou uma grande reestruturação no Sistema Portuário Brasileiro. A referida lei foi recentemente revogada pela Lei 12.815/13, todavia as suas disposições foram mantidas quase que integralmente no que se refere ao trabalho portuário avulso. As alterações referem-se ao sistema de concessão, arrendamento ou até mesmo de privatização dos Portos Públicos brasileiros, visando aumentar a competitividade do Brasil neste segmento internacional. A Lei 8.630/93 incentivou a negociação coletiva na área portuária, por meio de contratos, acordos e convenções coletivas de trabalho, fortalecendo a presença das entidades sindicais, todavia acabou com a intermediação da mão-de-obra avulsa exercida por estas, criando a figura do Órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO), visando estabelecer a igualdade de oportunidades de trabalho os trabalhadores avulsos. Dadas as particularidades e peculiaridades que norteiam o trabalho portuário avulso e as operações portuárias, a referida lei privilegiou a negociação coletiva entre os sindicatos patronal e obreiro, visando a manutenção das oportunidades de trabalho dos avulsos junto aos Operadores Portuários e a melhor competitividade dos Portos brasileiros junto ao cenário internacional. O OGMO passou a realizar o gerenciamento da mão-de-obra portuária avulsa, promovendo a habilitação e o treinamento dos trabalhadores, aplicando penalidades, efetuando a remuneração, recolhendo encargos e zelando pelo cumprimento das normas de saúde e segurança no trabalho. A atuação do OGMO está estritamente atrelada ao conteúdo das normas coletivas de trabalho. Na vacância destas, deve observar o disposto na legislação especial aplicável ao avulso e na lacuna desta, aquilo constante na CLT. Desta feita, o OGMO é responsável por recolher dos tomadores de serviços os valores para pagamento da remuneração devida aos trabalhadores avulsos que prestaram serviços àqueles, assim como deve recolher e adimplir os encargas fiscais, previdenciários e trabalhistas que incidem sobre a referida remuneração, conforme será mais bem explicado adiante. 2.1 Do Trabalho Portuário São considerados trabalhos portuários avulsos as atividades de capatazia, estiva, conferência, conserto, vigilância e bloco. E podem ser realizados tanto a bordo das embarcações quanto em terra nos cais públicos ou em terminais públicos ou privados. Como rezava o art. 57, § 3º da Lei 8.630/93, cujas disposições foram mantidas pela Lei 12.815/13 em seu artigo 40, §1º, as atividades acima referidas são definidas da seguinte forma: “§ 1° Considera-se: I – Capatazia: a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações de uso público, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário; II – Estiva: a atividade de movimentação de mercadorias nos conveses ou nos porões das embarcações principais ou auxiliares, incluindo o transbordo, arrumação, peação e despeação, bem como o carregamento e a descarga das mesmas, quando realizados com equipamentos de bordo; III – Conferência de carga: a contagem de volumes, anotação de suas características, procedência ou destino, verificação do estado das mercadorias, assistência à pesagem, conferência do manifesto, e demais serviços correlatos, nas operações de carregamento e descarga de embarcações; IV – Conserto de carga: o reparo e restauração das embalagens de mercadorias, nas operações de carregamento e descarga de embarcações, reembalagem, marcação, remarcação, carimbagem, etiquetagem, abertura de volumes para vistoria e posterior recomposição; V – Vigilância de embarcações: a atividade de fiscalização da entrada e saída de pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao largo, bem como da movimentação de mercadorias nos portalós, rampas, porões, conveses, plataformas e em outros locais da embarcação; VI – Bloco: a atividade de limpeza e conservação de embarcações mercantes e de seus tanques, incluindo batimento de ferrugem, pintura, reparos de pequena monta e serviços correlatos.” O trabalho portuário pode ser realizado de duas formas distintas: na forma de prestação de serviços por trabalhadores portuários avulsos e de forma permanente, que é realizada por trabalhadores portuários com vínculo empregatício, contratados pelos Operadores Portuários dentre aqueles  mantidos no registro ou cadastro do OGMO. Portanto, após breve análise sobre o trabalho portuário, convém expor a definição e as características do trabalhador portuário. 2.2 Do Trabalhador Portuário Avulso O trabalhador portuário avulso é uma categoria de trabalhador específica, tendo características bem peculiares como, por exemplo, a intermediação do Órgão Gestor de Mão-de-Obra, ausência de subordinação, impessoalidade e liberdade de escolha quanto ao trabalho ofertado. O Regulamento da Previdência Social (RPS), instituído pelo Decreto nº 3.048/99 em seu art. 9º, inc. VI, dispõe: “VI – como trabalhador avulso – aquele que, sindicalizado ou não, presta serviço de natureza urbana ou rural, a diversas empresas, sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do órgão gestor de mão-de-obra, nos termos da Lei nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, ou do sindicato da categoria, assim considerados: a) o trabalhador que exerce atividade portuária de capatazia, estiva, conferência e conserto de carga, vigilância de embarcação e bloco; b) o trabalhador de estiva de mercadorias de qualquer natureza, inclusive carvão e minério; c) o trabalhador em alvarenga (embarcação para carga e descarga de navios); d) o amarrador de embarcação; e) o ensacador de café, cacau, sal e similares; f) o trabalhador na indústria de extração de sal; g) o carregador de bagagem em porto; h) o prático de barra em porto; i) o guindasteiro; e j) o classificador, o movimentador e o empacotador de mercadorias em portos;” Na visão de Arnaldo Bastos Santos Neto e Paulo Sérgio Xavier Ventilari: “As características marcantes do trabalho avulso são a prestação de serviços de forma descontínua a diversos tomadores de serviços e a intermediação através de sindicato, ou, como nos portos, através do OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-obra Portuária. Sendo a descontinuidade uma das suas características, o trabalho avulso é, sem dúvida, um trabalhador de natureza eventual, sem vínculo empregatício.”[7] Entretanto, para Osvaldo Agripimo de Castro Jr. e Cesar Luiz Pasold (2010, p. 139) “não há como confundir trabalhador avulso com o trabalhador eventual, pois o trabalhador eventual presta serviços ao tomador, de forma subordinada e onerosamente e, em regra, com pessoalidade, e o trabalhador avulso é pessoa física, não subordinada, que presta serviço sem vínculo empregatício a diversos tomadores, com intermediação obrigatória do órgão gestor de mão de obra. Desta forma, temos o trabalhador avulso como sendo aquele que presta serviços, sem vínculo empregatício, para diversas empresas (tomadoras de serviço) tendo o OGMO como intermediador desta relação. A Lei de Modernização dos Portos (8.630/93), em seu art. 20, mencionava claramente que o trabalhador avulso não possui vínculo empregatício com o Órgão Gestor de Mão-de-Obra. A referida disposição foi mantida pela nova lei em seu artigo 34, como se pode verificar: “Art. 34. O exercício das atribuições previstas nos arts. 32 e 33 desta lei, pelo órgão de gestão de mão-de-obra do trabalho portuário avulso, não implica vínculo empregatício com trabalhador portuário avulso.” Além disso, a intermediação por parte do OGMO é um dos principais elementos caracterizadores da categoria dos trabalhadores portuários avulsos. Outro fato diferenciador é a prestação de serviços para diversos operadores portuários ou tomadores de serviço. O trabalhador avulso, de acordo com a Lei 12.815/13, deverá ser inscrito no OGMO, podendo ser registrado ou cadastrado, conforme dispõem os seus artigos 41 e 42 (antigos 27 e 28 da Lei 8.630/93). A diferença entre as duas formas de inscrição no OGMO é que o trabalhador registrado tem prioridade na distribuição do serviço (escala rodiziaria), enquanto os cadastrados servem de força supletiva, e são escalados somente quando o número de registrados não é suficiente para atender a demanda. O trabalhador portuário avulso, registrado ou cadastrado, é requisitado pelo operador portuário com a intermediação do OGMO, sendo este responsável pela escalação dos TPA’s. Esta é realizada de acordo com o sistema de rodízio, no qual os registrados têm prioridade sobre os cadastrados. Após a prestação dos serviços pelos avulsos, o operador portuário repassa ao OGMO os valores relativos à operação portuária, para que este proceda ao pagamento da remuneração devida aos trabalhadores portuários avulsos envolvidos nas atividades, além de encargos sociais, previdenciários e fiscais. Feitas as referidas considerações, interessante para o trabalho em estudo, analisar a gestão de mão-de-obra do trabalho portuário avulso, na figura do Órgão Gestor, e as relações que a envolvem. 2.3 Do Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO O Órgão Gestor de Mão-de-Obra (OGMO) é uma das principais inovações trazidas pela Lei nº 8.630/93, que foi revogada pela Lei 12.815/13, devendo ser criado e mantido pelos operadores portuários em cada porto organizado de nosso país, e sendo responsável por gerenciar a mão-de-obra avulsa e intermediar a relação de trabalho entre os operadores portuários e os trabalhadores portuários avulsos. Segundo Cristiano Paixão e Ronaldo Curado Fleury: “É um órgão de finalidade pública, sem fins lucrativos (consoante o art. 25 da Lei 8.630/1993), que tem como objetivo primordial centralizar e administrar a prestação de serviços nos portos organizados do Brasil. O OGMO é um órgão gestor que concentra a administração do trabalho portuário.”[8] Dentre as finalidades do órgão gestor está à fiscalização relativa aos trabalhadores portuários avulsos, como manutenção do cadastro e registro dos trabalhadores, recebimento das requisições de serviço, realização da escalação dos trabalhadores, treinamento e habilitação profissional e fornecimento de identificação individual. Tendo também, poder disciplinar, podendo aplicar penalidades através da instituição de Comissão Paritária, quando necessário, previstas em lei, convenção ou acordo coletivo de trabalho. Suas atribuições e competências estavam previstas nos arts. 18 e 19 da Lei 8.630/93, sendo importante citar o disposto no artigo 32, VII da Lei 12.815/13, que é no mesmo sentido: “arrecadar e repassar, aos respectivos beneficiários, os valores devidos pelos operadores portuários, relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários”. Da mesma forma é o disposto no §4º do artigo 2º da Lei 9.719/98. Com relação à estrutura, o OGMO é composto, obrigatoriamente, por um Conselho de Supervisão e uma Diretoria Executiva. Além disso, deve ser constituída no âmbito de cada órgão gestor uma Comissão Paritária, a qual tem como função solucionar os conflitos decorrentes da relação de trabalho.  O Conselho de Supervisão é formado por três membros titulares e seus respectivos suplentes, dos operadores portuários, dos trabalhadores avulsos e dos usuários de serviços portuários. A Diretoria Executiva pode ter um ou mais diretores, escolhidos e destituídos a qualquer tempo pelo bloco dos operadores portuários, cujo prazo de gestão não pode ser superior a três anos, sendo permitida a redesignação. E a Comissão Paritária, é constituída por representantes dos trabalhadores e dos operadores portuários, conforme se infere do disposto nos artigos 23 e 24 da Lei 8.630/93 (arts. 38 e 39 da Lei 12.815/13). De acordo com a previsão legal, apesar de não fazer parte das negociações coletivas de trabalho, o OGMO possui como dever precípuo observar e aplicar o que for pactuado nos contratos, convenções ou acordos coletivos de trabalho realizados entre os Sindicatos patronais, os operadores portuários e os sindicatos dos avulsos. Ademais, por força do art. 6º da Lei 9.719/98, tem a função de fiscalizar a atividade portuária, verificando junto ao operador portuário se os trabalhadores requisitados, e devidamente escalados para determinada operação, compareceram ao local de serviço, uma vez que, só fará jus a remuneração quem tiver em efetivo serviço. Outro dado importante, é que o OGMO deverá fornecer informações referentes às escalações diárias dos trabalhadores avulsos, sempre que solicitado, para a fiscalização do Ministério do Trabalho e do INSS (art. 7º da Lei 9.719/98). Apesar de fazer a intermediação entre o avulso e o operador portuário, o órgão gestor não é responsabilizado por prejuízos causados pelos trabalhadores. Possui, sim, responsabilidade solidária com relação aos operadores no que diz respeito à remuneração dos TPA’s e os encargos fiscais decorrentes. Desta forma, pode exigir dos operadores uma prévia garantia dos pagamentos devidos aos trabalhadores pelos serviços prestados, assim como dos encargos fiscais, sociais e previdenciários incidentes sobre os valores devidos aos avulsos. Outrossim, o art. 2º da Lei 9.719/98 estipula o prazo de 24 horas, após a realização do serviço, para o operador portuário passar os valores referentes ao serviço para o OGMO, sendo dado a este, o prazo de 48 horas para repassar o pagamento aos trabalhadores. É claro, que estes prazos podem sofrer alterações por força de convenção ou acordo coletivo de trabalho, visando adequar ou facilitar o adimplemento da remuneração devida aos TPA’as. No que se refere à relação entre o OGMO e os trabalhadores, inexiste vínculo trabalhista conforme se observa do artigo 34 da Lei 12.815/13 (art. 20 da Lei 8.630/93), uma vez que, aquele está somente exercendo o exercício de suas atribuições que estão previstas em lei. Interessante citar no trabalho em tela, exemplo de como ocorre o pagamento do trabalhador portuário avulso pelo OGMO, como bem explanado por FRANCISCO EDVAR CARVALHO[9]: Exemplo. Operação portuária relativa à atracação nº 0014/2004 do NM AMER ANNAPURNA atracado no porto de Natal. O estivador José da Silva perceberá do OGMO/Natal a importância de R$ 46,93 (50,82 – 7,65% da contribuição previdenciária). Cálculo da Contribuição Previdenciária e FGTS devidos pelo operador portuário.  MMO bruta………………………………………………………………………………..50,82  Férias 11,11% sobre MMO……………………………………………………………..5,64 Gratificação de Natal 8,33% sobre MMO…………………………………………..4,23  *INSS sobre MMO e férias 28,2%…………………………………………………..15,92  INSS sobre Gratificação de Natal 28,2%……………………………………………1,19  *FGTS 9,5555% sobre MMO.. ………………………………………………………..4,85  *Contribuição Social 0,5%.. ………………………………………………………….0,30  Total do custo do TPA para o operador portuário……………………………….82,95 *28,2% correspondem a: 20% FPAS + 2,5% DPC + 2,5% FNDE + 0,2% INCRA + 3% SAT *9,5555% do FGTS correspondem a: 8% sobre MMO + 8% sobre 11,11% (férias) + 8% sobre 8,33% (gratificação de natal). * Contribuição social instituída pela LC 110/2001. 0,5% sobre MMO + férias + gratificação de natal. E finaliza o exemplo acima  explicando que o operador portuário repassará ao OGMO R$ 82,95 relativos à remuneração do TPA e encargos sociais. Por sua vez, o OGMO pagará ao TPA a importância de R$ 46,93 e depositará em contas bancárias específicas os valores relativos a férias e à Gratificação de Natal. Também, depositará nos prazos legais as contribuições previdenciárias e o FGTS.[10] Portanto, feitas as devidas considerações a respeito do trabalho portuário avulso, sua sistemática de trabalho e forma de pagamento, convém analisar o ponto central do trabalho em liça, qual seja a não incidência de contribuições previdenciárias sobre as férias e terço de férias pagas aos portuários avulsos, dado o seu caráter indenizatório. 3 DA NÃO INCIDÊNCIA DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS SOBRE AS FÉRIAS E TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS PAGAS AOS TRABALHADORES PORTUÁRIOS AVULSOS Conforme já referido na introdução do presente trabalho de conclusão de cursos, importa analisar e demonstrar que as férias e terço de férias adimplidas proporcionalmente aos trabalhadores portuários avulsos, possuem caráter indenizatório, motivo pelo qual defende-se a não incidência da contribuição previdenciária do empregados e do trabalhador sobre a referida verba, conforme será a seguir exposto. 3.1 Da natureza indenizatória das férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos O art. 195, I, “a” da CRFB é bastante claro quando determina que a seguridade social será financiada por toda a sociedade, além das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho. Apenas pela leitura de tal dispositivo constitucional já se percebe que as férias indenizadas e o terço de férias indenizadas não podem ser incluídos na base de cálculo da contribuição para o custeio da seguridade social, pelo simples motivo de que tais verbas não possuem natureza jurídica de rendimento ou salarial. Seguindo a orientação constitucional, foi editado o art. 22, I da Lei nº 8.212/91 que determina expressamente qual é à base de cálculo da contribuição que fica a cargo da empresa, apenas se referindo às remunerações pagas, a saber: “Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).” No mesmo diapasão o art. 28 da referida lei novamente exclui expressamente da base de cálculo da contribuição para custeio da seguridade social as férias indenizadas e o terço de férias indenizadas, a saber: “Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição: I – para o empregado e trabalhador avulso: a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa;” Deste modo, cumpre observar que a Constituição Federal equiparou direitos do trabalhador avulso e empregados com vínculo empregatício, no que couber, consoante art. 7º, in verbis: “XXXIV: igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.” O trabalhador portuário avulso não possui vínculo empregatício, quer com o OGMO quer com as empresas para as quais presta serviços (Operadores Portuários) quando requisitados aos OGMO. Não havendo, portanto, vínculo empregatício e relação de subordinação entre o trabalhador, o OGMO e os tomadores de serviços. Com isso, o TPA pode realizar os serviços nos dias e horários que escolher ou preferir, desde que seja escalado, dentro do rodízio que é efetuado pelo OGMO. Em caso de falta a escalação ou de recusar a escala oferecida, não sofre nenhuma punição. A Lei n° 5.085/66, entretanto, em que pese à natureza do trabalho do TPA, estabelece a ele o direito de férias anuais remuneradas, nos seguintes termos: “Art. 1º É reconhecido aos trabalhadores avulsos, inclusive aos estivadores, conferentes e consertadores de carga e descarga, vigias portuários, arrumadores e ensacadores de café e de cacau, o direito a férias anuais remuneradas, aplicando-se aos mesmos, no que couber, as disposições constantes das Seções I a V, do Capítulo IV, do Título II, artigos 130 a 147, da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 01/05/1943. Art. 2º As férias serão pagas pelos empregadores que adicionarão, ao salário normal do trabalhador avulso, uma importância destinada a esse fim.” Como visto a própria lei que estabelece o direito a férias anuais remuneradas aos TPA's (arts. 1º e 2º) determina que os “empregadores”, no caso em tela o OGMO, já que mantêm o registro e o cadastro de TPA’s, deverão adicionar ao salário a importância destinada à indenização destas férias, justamente por reconhecer a inviabilidade do TPA de gozá-las da mesma forma que um trabalhador comum, regido pela CLT, face à natureza diferenciada do trabalho avulso. A jurisprudência dos Tribunais de nosso país vem afastando o caráter remuneratório das férias indenizadas (não gozadas), raciocínio que não se estende aos valores recebidos quando há efetivo gozo do período de férias, conforme se depreende do seguinte precedente: “TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA. HORAS-EXTRAS. ADICIONAL CONSTITUCIONAL DE 1/3 DE FÉRIAS. COMPENSAÇÃO. 1. (…) 3. Em relação às férias e ao adicional de 1/3, não cabe contribuição previdenciária somente quando tiverem natureza indenizatória. Havendo períodos, não alcançados pela prescrição, em que houve pagamento de adicional sobre férias indenizadas, é indevida a contribuição (apenas nestes períodos).”[11] Destarte, não há mais como se questionar a natureza indenizatória da verba, descabendo a incidência de contribuição previdenciária, seja ela do empregador ou do trabalhador. Contudo, cabe investigar se o mesmo entendimento se aplica ao trabalhador portuário avulso, dadas as peculiaridades do regime de trabalho da categoria. A jurisprudência debruçou-se a analisar o caráter da verba correspondente às férias indenizadas do trabalhador avulso e do terço constitucional, para efeito de incidência do imposto de renda, sendo hoje assente no seguinte sentido: “TRIBUTÁRIO. PESSOA FÍSICA. TRABALHADOR AVULSO. IMPOSTO DE RENDA. FÉRIAS INDENIZADAS. TERÇO DE FÉRIAS. NÃO-INCIDÊNCIA. 1. O trabalhador avulso, não obstante a ausência de vínculo empregatício, tem direito a férias e ao terço constitucional. Não gozadas essas, os valores percebidos são revestidos de natureza indenizatória, não integrando, por isso, a base de cálculo do Imposto de Renda. 2. Demonstrado o indevido recolhimento pelo Fisco, há direito à repetição.”[12] Digno de transcrição, o voto do supracitado acórdão traz ponderação a respeito do tema, podendo ser aplicado ao caso concreto, muito embora diga respeito a tributo diverso. Vejamos: “O cerne da controvérsia é limitado à incidência – ou não – do Imposto de Renda sobre parcelas recebidas pelo trabalhador portuário avulso (TPA) a título de férias indenizadas, e o respectivo terço. Cumpre mencionar que a categoria laboral a qual pertence o autor não é qualificada pela existência de vínculo empregatício e relação de subordinação entre o trabalhador e o empregador. O trabalhador portuário realiza o seu serviço nos dias e horários escolhidos, participando de escala e rodízio, consoante informação prestada pelo Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO. Ao lado disso, acaso falte ao serviço ou recuse cumprir a escala, não recebe punição. Consequentemente, também não será remunerado. Independentemente dessa peculiar realidade, a Lei nº 5.085/66 reconhece a esse trabalhador o direito a férias anuais remuneradas. Essa equiparação do trabalhador avulso e do empregado, em verdade, apenas reflete cumprimento da igualdade de direitos estabelecida no artigo 7º, inciso XXXIV, da Constituição. Acerca do tema, vale reproduzir breve excerto dos fundamentos concernentes ao trabalhador avulso, constantes na sentença que apreciou os aclaratórios opostos pela União: Referido trabalhador, como informou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO, não possui vínculo empregatício, quer com o próprio OGMO, quer com as empresas para as quais presta serviços, no setor portuário. Não há, portanto, vínculo empregatício e relação de subordinação entre o trabalhador e o empregador. Com isso, o trabalhador portuário avulso pode realizar os serviços nos dias e horários que escolher, desde que seja escalado, dentro do rodízio que é efetuado pelo OGMO. Em caso de falta ao serviço ou de recusar a escalação, não sofre nenhuma punição…. Dessa maneira, não merece acolhida o argumento da Fazenda Nacional de que o TPA pode escolher os dias em que não irá trabalhar, podendo, até mesmo gozar de períodos sem trabalho superiores aos trabalhadores comuns. Isto porque, em que pese não receba nenhuma punição por faltar ao serviço ou recusar a escala, a verdade é que o TPA também não recebe remuneração pelos dias parados, ao contrário do trabalhador comum, que nos dias de folga (domingos, feriados e nas próprias férias) tem sua remuneração normal garantida. Assim, o fato de que o TPA não possui vínculo empregatício ou relação de subordinação com o OGMO ou com as empresas para as quais presta serviço não retira a natureza indenizatória das parcelas recebidas a título de férias indenizadas, uma vez que o direito a férias anuais remuneradas advém de lei, assim como a previsão de seu recebimento em pecúnia por impossibilidade de fruição normal. Vale anotar, sobre o tema, ser pacífico na jurisprudência deste Tribunal e do STJ que as férias não gozadas por necessidade de serviço e que são convertidas em pecúnia, não importam em acréscimo patrimonial ao trabalhador. Essa cifra apenas recompõe esse patrimônio pela impossibilidade do exercício de um direito à época própria, de forma que, configurando recomposição de dano emergente, não há falar em acréscimo patrimonial e, consequentemente, em incidência do Imposto de Renda, cuja hipótese de incidência – art. 43 do CTN – não resta concretizada.” Diante do quadro acima exposto e baseado no entendimento jurisprudencial, fica afastada a incidência de contribuição previdenciária sobre as férias indenizadas e sobre o terço constitucional que são recolhidos pelo OGMO, ante a nítida natureza indenizatória das férias e do terço de férias pagos aos trabalhadores portuários avulsos. Desta feita, cumpre colacionar ressente julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pelo qual reconhece a natureza indenizatória das férias e do terço de férias adimplidos aos TPA’s, afastando consequentemente a incidência de contribuição previdenciária patronal: “EMENTA: TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO. FÉRIAS NÃO GOZADAS. NÃO INCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO DO INDÉBITO. 1. Aplicabilidade dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 118/2005, relativamente às ações ajuizadas a partir de 09/06/2005. Extinção do direito de pleitear as parcelas recolhidas anteriormente aos cinco anos que antecedem a propositura da ação. 2. O fato de que o TPA (trabalhador portuário avulso) não possui vínculo empregatício ou relação de subordinação com o OGMO (órgão gestor da mão-de-obra) ou com as empresas para as quais presta serviço não retira a natureza indenizatória das parcelas recebidas a título de férias indenizadas.”[13] Assim sendo, resta reconhecida a natureza indenizatória das férias e do terço constitucional de férias que são pagas aos trabalhadores portuários avulsos mantidos pelo OGMO em seu registro/cadastro, tendo como consequência a não incidência das contribuições previdenciárias patronais (20% – Terceiros – RAT e outros) sobre o pagamento das férias indenizadas e 1/3 de férias indenizadas. Por derradeiro, cumpre salientar que caso algum dos trabalhadores portuários avulsos registrados/cadastrados junto ao OGMO requerer administrativamente ou judicialmente afastamento da escala de trabalho para o gozo das férias sobre os valores pagos ao mesmo, o OGMO possui a obrigação legal de recolher as contribuições previdenciárias devidas, evitando-se, deste modo, qualquer prejuízo ao fisco, bem como o OGMO estará cumprindo sua obrigação prevista na Lei de Modernização dos Portos e na Lei 9.719/98. 3.2 Da Não incidência das contribuições previdenciárias sobre as férias e terço de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos – quota patronal Demonstrado acima, que as férias e o terço de férias pagas aos avulsos possuem natureza indenizatória, cumpre observar que o OGMO possui legitimidade para pleitear a declaração de inexistência de relação jurídica que o obrigue a pagar Contribuições Previdenciárias patronais (20% – Terceiros – RAT) sobre as férias indenizadas e 1/3 das férias que são adimplidas aos Trabalhadores Portuários Avulsos, pois, na qualidade de órgão de gestão de mão-de-obra, o mesmo é sujeito passivo da exação, nos termos do artigo 2º, II e § 4°, da Lei nº 9.719/1998: “Art. 2º Para os fins previstos no art. 1º desta Lei: I – cabe ao operador portuário recolher ao órgão gestor de mão-de-obra os valores devidos pelos serviços executados, referentes à remuneração por navio, acrescidos dos percentuais relativos a décimo terceiro salário, férias, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, encargos fiscais e previdenciários, no prazo de vinte e quatro horas da realização do serviço, para viabilizar o pagamento ao trabalhador portuário avulso; II – cabe ao órgão gestor de mão-de-obra efetuar o pagamento da remuneração pelos serviços executados e das parcelas referentes a décimo terceiro salário e férias, diretamente ao trabalhador portuário avulso.(…) § 4° O operador portuário e o órgão gestor de mão-de-obra são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos encargos trabalhistas, das contribuições previdenciárias e demais obrigações, inclusive acessórias, devidas à Seguridade Social, arrecadadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, vedada a invocação do benefício de ordem.” Outrossim, dispõe o Decreto nº 3.048/99 em seu artigo 223: “Art. 223 . O operador portuário e o órgão gestor de mão-de-obra são solidariamente responsáveis pelo pagamento das contribuições previdenciárias e demais obrigações, inclusive acessórias, devidas à seguridade social, arrecadadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social, relativamente à requisição de mão-de-obra de trabalhador avulso, vedada a invocação do benefício de ordem.” Ademais, como já foi citado anteriormente, por força do artigo 15 da Lei 8.212/91, para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias sobre a remuneração creditada aos avulsos, o OGMO se equipara a figura do empregador, possuindo a obrigação de recolher as contribuições previdenciárias que lhe cabem, assim como reter e repassar ao fisco a quota dos trabalhadores portuários avulsos. Sustentando a tese acima ventilada, o OGMO de Rio Grande, ingressou com mandado de segurança junto a Justiça Federal de Pelotas em face do Delegado da Receita Federal de Pelotas, processo n° 50033825420124047110, buscando a declaração da não incidência da contribuição previdenciária calculada sobre as férias e terço constitucional de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos. Atualmente, o OGMO de Rio Grande administra entre registrados e cadastrados 957 (novecentos e cinquenta e sete) trabalhadores portuários avulsos, que atuam nas atividades de Conferente de Cargas, Estivadores, Arrumadores, Portuários, Vigilantes de Embarcações, Consertadores e Bloco, sendo que estes trabalhadores não mantêm qualquer vínculo empregatício com o OGMO e nem com os Operadores Portuários, já que são trabalhadores da modalidade AVULSOS. Esses trabalhadores, conforme explicado no tópico anterior, respondem a uma escala de trabalho, em sistema rodiziário, pelo qual os Operadores Portuários requisitam ao OGMO o número necessário de trabalhadores para atuar em determinada operação portuária, tendo o avulso a liberdade de aceitar ou não o trabalho oferecido. Nesta condição, o OGMO é responsável por arrecadar dos Operadores Portuários os valores devidos a título de remuneração, férias e décimo terceiro salário proporcional, além do FGTS, das contribuições previdenciárias e das demais obrigações, que são adimplidas aos trabalhadores portuários avulsos e aos Órgãos Públicos competentes, referentes a cada trabalhador que se habilitou na escala e prestou sua força de trabalho ao tomador de serviço. Neste sentido, por se tratar de trabalhadores portuários avulsos, os TPA’s não gozam férias, já que possuem a liberdade de trabalhar quando julgarem necessário, motivo pelo qual com base na Isonomia Constitucional, recebem o pagamento das férias proporcionalmente a cada trabalho prestado, além do terço constitucional. Deste modo, sobre o valor pago referente às férias acrescidas do terço constitucional, são recolhidas pelo OGMO as Contribuições Previdenciárias pertinentes. Contudo, em que pese recolher sobreditos tributos, o OGMO por entender que as férias adimplidas aos trabalhadores portuários avulsos, possuem natureza indenizatória, já que os mesmos não as gozam, ingressou com o referido remédio constitucional. Logo, o OGMO de Rio Grande buscou a concessão da segurança no sentido de não serem devidas Contribuições Previdenciárias patronais (20% – Terceiros – RAT) sobre as férias e sobre o 1/3 de férias que são adimplidas aos trabalhadores portuários avulsos, por se tratar de verba de natureza indenizatória e não remuneratória, não havendo base legal para a exigência da exação por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil. A ação foi julgada procedente, tendo sido concedida a segurança pleiteada, conforme se observa da fundamentação da sentença que segue abaixo colacionada: “Férias do Trabalhador Portuário Avulso (TPA)… O TAP, como sustentou o Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO, não possui vínculo de emprego com o OGMO e, sequer, com as empresas tomadoras de serviço. Nesse sentido, o TAP pode realizar os serviços nos dias e horários que escolher, mediante escala, dentro do rodízio que é efetuado pelo OGMO. Na hipótese de recusa à escalação não sofre qualquer punição…. Portanto, o dispositivo normativo estabelece o direito a férias anuais remuneradas aos TPA's (arts. 1º e 2º) e determina que os empregadores deverão adicionar ao salário a importância destinada à indenização destas férias, restando reconhecida a inviabilidade do TPA gozar suas férias da mesma forma que um trabalhador comum, regido pela CLT, frente à natureza distinta do trabalho portuário. Nessa direção, não merece acolhida o argumento do impetrado no sentido de que o TPA pode escolher os dias em que não irá trabalhar, podendo, inclusive, gozar de períodos sem trabalho superiores aos trabalhadores comuns. Ainda que o TPA não receba qualquer punição por faltar ao serviço ou recusar a escala, a realidade é que, nessas condições, o TPA também não recebe remuneração pelos dias parados, diversamente do que ocorre com o trabalhador comum, que nos dias de folga (domingos, feriados e nas próprias férias) tem sua remuneração normal garantida…. Portanto, o fato de o TPA não possuir vínculo empregatício ou com o OGMO ou com as empresas tomadoras do serviço não retira a natureza indenizatória das parcelas recebidas a título de férias indenizadas (não gozadas pelo TPA), visto que o direito a férias anuais remuneradas advém de lei, bem como a previsão de seu recebimento em pecúnia (adicionado ao salário normal), por impossibilidade real e concreta de fruição comum. Em conclusão, frente à natureza distinta do labor, não há necessidade de comprovação de que se trata de férias não gozadas…. Portanto, no que concerne às verbas que possuem natureza indenizatória – valor adicionado ao salário normal, relativo às férias não gozadas do TPA, e o terço constitucional de férias – não incide a contribuição previdenciária a cargo da empresa (prevista no artigo 22, I da Lei 8.212/91), restando inexigível tal tributação. Nesses termos, deve ser concedida a segurança.”[14] Desta feita, verifica-se da sentença acima colacionada, que o OGMO de Rio Grande conseguiu comprovar que as férias e 1/3 de férias pagas aos avulsos que mantém em seu registro e cadastro possuem natureza indenizatória, não incidindo deste modo as contribuições previdenciárias, motivo pelo qual foi desonerado do seu recolhimento. 3.3 Da não incidência das contribuições previdenciárias sobre as férias e terço de férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos – quota empregado A Lei n° 5.085/66 em seu artigo 1º, acima colacionado, garantiu ao trabalhador portuário avulso o direito de férias anuais remuneradas, motivo pelo qual o fisco exige do trabalhador o recolhimento da sua quatro da contribuição previdenciária, a qual é retira e recolhida pelo órgão gestor da mão de obra avulso, também referido anteriormente. O regime de prestação de serviços nos portos afasta-se da tradicional relação de emprego, não existe a bilaterilidade empregador x empregado na relação de trabalho que é constituída entre o trabalhador portuário avulso com os operadores portuários em curto espaço de tempo. O trabalho portuário, em vista da transitoriedade das atividades, prevê a intermediação por parte do Órgão Gestor de Mão-de-obra (OGMO), a quem incumbe, entre outras funções, manter o registro do trabalhador portuário e administrar o fornecimento da sua mão-de-obra aos operadores portuários em sistema de rodízio conforme determina a legislação aplicável neste tipo de relação de trabalho. Ademais, durante um turno de trabalho e outro, é respeitado um intervalo obrigatório de 11 horas de descanso (art. 8º da Lei 9.719/98). Sendo a escala de trabalho rodiziaria, enquanto os avulsos que trabalharam no turno A descansam, outros trabalham no B e, assim, ocorre sucessivamente nos turnos C e D de trabalho. Veja-se que a verificação da compatibilidade perante a Consolidação das Leis do Trabalho permite concluir que o art. 136 da CLT, que faculta ao empregador determinar a época de concessão das férias dos seus empregados, não se coaduna com as especificidades e particularidades do trabalho avulso portuário, pois cabe ao próprio trabalhador avulso avaliar a oportunidade e conveniência de exercer o benefício, diante da ausência de um tomador de serviços fixo, uma vez que não mantém vínculo empregatício (art. 20 da Lei 8.630/93 – atual 34 da Lei 12.815/13). Por conseguinte, também se mostra inaplicável a penalidade prevista no art. 137 da CLT, qual seja do pagamento em dobro da remuneração das férias não concedidas ao empregado nos 12 meses subsequentes à data de aquisição do direito ao gozo das férias. Deste modo, é incontroverso que as férias pagas proporcionalmente a cada prestação de serviço aos trabalhadores portuários avulsos, reveste-se de caráter indenizatório. Assim sendo, o mesmo entendimento deve ser aplicado ao trabalhador portuário avulso, ou seja, não possuindo o órgão gestor a obrigação de pagar as contribuições previdenciárias patronais incidentes sobre as férias e terço de férias adimplidas aos referidos trabalhadores, por decorrência lógica, a quota do empregado que é retida pelo empregador, também não incide sobre as férias e terço de férias, dado o seu caráter indenizatório. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região já decidiu neste sentido: “TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE FÉRIAS INDENIZADAS. TRABALHADOR AVULSO E PORTUÁRIO. 2. Está consolidado na jurisprudência que as férias indenizadas constituem verbas isentas de contribuição previdenciária. 3. Não há dúvidas de que a profissão está regulamentada, bem como que pela própria natureza especialíssima do trabalho realizado, justamente por não haver empregador contínuo, do qual se possa exigir observância às regras da CLT, não há como se assegurar ao avulso/portuário o direito de gozo e fruição de férias regulares. Também por esse motivo, se estende às férias dessa peculiar categoria profissional a presunção de que estão continuamente sendo indenizadas, ainda que pagas parceladas e antecipadamente. 4. O caráter eventual da prestação laboral do trabalhador avulso não lhe retira direitos próprios conferidos aos demais trabalhadores regidos pela CLT, tanto que a Constituição Federal determinou sua equiparação com os demais trabalhadores figurantes do art. 7º, caput e inciso XVII (STJ, AgRg no REsp 1154951/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 03/05/2010).”[15] Do mesmo modo, já foi reconhecido em diversas decisões do TRF4, colacionando-se uma delas como exemplo, para se evitar demasiada colação de jurisprudência, que dado o caráter indenizatório das férias pagas aos avulsos, não incide também o imposto de renda: “TRIBUTÁRIO. PESSOA FÍSICA. TRABALHADOR AVULSO. IMPOSTO DE RENDA. FÉRIAS INDENIZADAS. TERÇO DE FÉRIAS. NÃO-INCIDÊNCIA. 1. O trabalhador avulso, não obstante a ausência de vínculo empregatício, tem direito a férias e ao terço constitucional. Não gozadas essas, os valores percebidos são revestidos de natureza indenizatória, não integrando, por isso, a base de cálculo do Imposto de Renda. […]”[16] Portanto, por qualquer ângulo que se observe a matéria em discussão, fica claro que as férias pagas aos trabalhadores portuários avulsos, possuem natureza indenizatória sendo indevida, desta forma, a contribuição previdenciária sobre a quota do empregado. Cumpre, por fim, observar que se o trabalhador portuário avulso optar por se afastar da escala de trabalho para gozar o período de férias, com comunicação ao OGMO e ao seu Sindicato representante, os valores adimplidos ao mesmo sob esta rubrica, assumirão caráter remuneratório, motivo pelo qual é coerente que o OGMO pague as contribuições patronais e retenha o valor do trabalhador e proceda aos devidos recolhimentos, evitando-se prejuízos aos cofres públicos. CONCLUSÃO No decorrer do presente estudo verificou-se que por força do artigo 149 e 195, I da CF, assim como com base no previsto na Lei 8.212/91, as empresas ou quem a elas se equiparar, possuem a obrigação legal de recolher aos cofres públicos as contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários pagas aos seus empregados, sejam eles contratados a prazo indeterminado, autônomo, avulso ou até mesmo doméstico. Além disso, registrou-se o conceito de contribuições, quais suas espécies e subespécies, interessando para o presente estudo as contribuições da seguridade social a cargo das empresas e empregados, incidentes sobre a folha salarial paga por aquelas a estes.  Ainda, para facilitar o entendimento da tese defendida pelo OGMO de Rio Grande nos autos do processo nº 50033825420124047110, foi feito um estudo rápido a respeito do trabalho portuário avulso, suas características e particularidades, estudou-se a função do OGMO e suas atribuições, assim como a figura dos Operadores Portuários, que através do OGMO tomam o serviço dos trabalhadores portuários avulsos. Estes trabalhadores portuários por ostentarem a particularidade de serem avulsos, trabalham em sistema de rodízio e possuem a liberdade de aceitarem o trabalho ofertado ou não pelos operadores portuários. Deste modo, por força do Principio da Isonomia constitucional, os avulso recebem férias proporcionais e 1/3 de férias a cada trabalho prestado, todavia não as usufruem como fazem os trabalhadores regidos pelo regime celetista. Deste modo, verificou-se o caráter indenizatório das férias pagas aos avulsos, sendo ilegal a exigência por parte do fisco das contribuições previdenciária ao encargo do OGMO (figura equiparada a do empregador diante da obrigação tributária) e do trabalhador avulso.  Assim, a Justiça Federal acolheu a tese do OGMO em mandado de segurança, desonerando o mesmo do pagamento do INSS sobre as férias pagas aos avulsos e no caso dos avulsos, em diversas demandas reconheceu a não incidência do INSS e do IR. Pelo exposto na presente monografia, procurou-se demonstrar a divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à polêmica posta em questão e ao mesmo tempo apontar uma solução. O tema é recente e ainda muito controvertido nos Tribunais Regionais do Trabalho do país, muito embora a tendência do Tribunal Superior do Trabalho é a de aplicar a prescrição trabalhista, conforme decisões colacionadas no presente estudo. Assim, entende-se que a matéria merece discussão e aprofundamento teórico dos operadores do Direito, em respeito, tanto ao empregado quanto ao empregador, inclusive talvez, de pronunciamento sumular das instâncias superiores a fim de que seja pacificada a questão em debate.
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A responsabilidade tributária de grupo econômico em decorrência de lançamento por arbitramento fundado em omissão de receita constatada por movimentação bancária
O presente estudo analisa a responsabilidade tributária das empresas formadoras do Grupo Econômico por força de lançamento promovido por arbitramento ante a omissão de receita procedida por uma das empresas do Grupo. Em um primeiro momento analisa-se o conceito de Grupo Econômico e traça-se um panorama da Teoria Geral da Empresa, conceituando este como uma atividade economicamente organizada, nos termos do artigo 966 do Código Civil e aquele como Grupo Econômico um conjunto de empresas que atuam, sob controle e direção centralizados, de modo sincronizado e coordenado, para lograr êxito em seus objetos sociais que, em regra, mas não necessariamente, são intimamente relacionados; após caracteriza-se a personalidade jurídica como um vetor de responsabilidade, sendo, portanto, a regra a sua independência patrimonial, tanto frente aos seus sócios, quanto aos demais membros de Grupo Econômico. Após a regra, traça-se dois modelos de exceção existentes no Direito Tributário: o primeiro decorrente de construção doutrinário e jurisprudencial, denominado Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, e o segundo, específico do Direito Tributário, trata-se de hipótese de imputação legal de responsabilidade prevista no Código Tributário Nacional em seu artigo 124. Cada qual traz consigo suas peculiaridade que são analisadas. Por fim, após breve narrativa quanto à Lei Complementar 105/2001 e o Lançamento por Arbitramento, conclui-se que, no caso de omissão de receita, a mera movimentação financeira sem justificativa implica na responsabilidade solidária das empresas formadoras de Grupo Econômico, pois, além de configurar confusão patrimonial, trata-se de fraude à lei, tendo em vista que torna-se impossível ao Fisco determinar de qual das empresas nasceu aquele faturamento, aquele lucro ou aquela renda.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O cenário empresarial pátrio, após experimentar os efeitos de diversas crises internacionais e o acirramento da concorrência globalizada vem abrindo espaço ao fenômeno da formação de conglomerados empresariais. Os chamados Grupos Econômicos são um conjunto de empresas que atua, sob controle e direção centralizado, de modo sincronizado para lograr êxito em seus objetos sociais que, em regra, mas não necessariamente, são intimamente relacionados. Estes Grupos Econômicos, em que pese previstos na Lei 6.404/76, denominada como das Sociedades Anônimas, em seus capítulos XX e XXI, caracterizam-se no caso brasileiro como essencialmente conglomerados de fato, sendo pouquíssimos aqueles formalizados segundo as diretrizes legais, não ultrapassando o número de trinta, os registros perante o Departamento Nacional de Registro do Comércio[1]. Tal fato torna letra morta os citados comandos legais. O crescente número de Grupos Econômicos, especialmente aqueles sem um ato de constituição formalizado, traz consigo diversas implicações no que toca à incidência do direito em suas mais diversas especialidades, chamando atenção dos cientistas do direito das mais diversas áreas. No âmbito do Direito Tributário, tais conglomerados empresariais chamam uma atenção especial pelo fato da utilização de diversas empresas em uma mesma atividade caracterizar prática comum, tanto em estratégias de planejamento tributário, quanto nos casos de blindagem patrimonial, que se diferenciam pelo fato do segundo valer-se da simulação, conluio, fraude ou outros ilícitos com o intuito específico de não pagar tributo, enquanto o planejamento o faz de modo lícito, estruturando a atividade de modo a pagar menos tributo. A linha tênue que separa o lícito do ilícito em relação à legalidade da estruturação dos Grupos Econômicos ganha contornos ainda mais dramáticos quando põe-se em pauta a questão da responsabilidade tributária. A questão da solidariedade apresenta-se como problemática. Ao nos deparamos, por exemplo, com o previsto no artigo 124 do Código Tributário Nacional em seus incisos primeiro e segundo, é possível compreendermos o tratamento legislativo dado ao tema: “Art. 124 – São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal. II – as pessoas expressamente designadas por lei.” A comprovação do interesse comum no fato imponível, portanto, torna-se o ponto crucial na constatação da solidariedade das empresas formadoras do Grupo Econômico, afinal, a regra da independência da personalidade jurídica deve prevalecer. Quanto ao inciso segundo, deve-se considerar que, embora o legislador tenha uma ampla discricionariedade para determinar o sujeito passivo, decorre da Constituição a necessidade de que este tenha uma mínima relação com o fato gerador, especialmente, tratando-se de responsabilidade solidária. No mesmo sentido, mas caminhando por rota diferente, vem possibilidade de responsabilização do Grupo Econômico pela dívida tributária de uma das empresas formadoras pela incidência da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica (Disregard Doctrine), adotada pelo Direito Civil brasileiro em sua modalidade Maior que exige para a sua aplicação a comprovação de fraude à lei ou confusão patrimonial. Esta via, ao nosso entender, este contida em cláusula de jurisdição, não sendo possível à autoridade administrativa, por sua parcialidade, aplicar tal Teoria que, diga-se, traz em sua essência, o iuris dictio. Constatadas as duas veredas que possibilitam a responsabilização do Grupo Econômico, será feito um estudo sobre o arcabouço probatório necessário à concretização de cada uma delas. De tal análise, concluí-se que, enquanto na aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a prova deverá recair sobre a confusão patrimonial entre as empresas do Grupo, na imputação de responsabilidade do artigo 124, I, a questão restringe-se a demonstração de interesse comum no fato imponível, não do ponto de vista econômico, mas do ponto de vista jurídico, ou seja, a prática conjunta do fato gerador. Da construção de tais modelos, parte-se para a análise do caso de lançamento gerado por omissão de receita por parte de contribuinte, membro de Grupo Econômico. A Lei Complementar 105/2001, neste ponto não há fuga quanto à polêmica sobre sua constitucionalidade, possibilitou às autoridades fiscais da União requisitar dados protegidos por sigilo bancário às instituições financeiras, sendo possível também fazê-lo pela via judicial. Tais dados são capazes de demonstrar a existência de movimentação financeira não condizente com os valores declarados pelas empresas, gerando Autos de Infrações Arbitrados e a aplicação de multas qualificadas. Eis a questão que se busca responder com este trabalho: a omissão de receita ou a movimentação financeira de montante não declarado é capaz de satisfazer, por si só, a necessidade probatória do modelo da imputação de Responsabilidade do Artigo 124, I? E da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica? Sem fugir das premissas, busquemos a conclusão. 1. GRUPO ECONÔMICO: CONCEITO, LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA. Uma característica marcante, dentro do cenário econômico mundial e, nas últimas décadas, também do caso brasileiro, é a formação de conglomerados empresariais, também denominados de Grupos Econômicos. Tais agrupamentos empresariais justificam-se pela busca incessante pela maximização dos lucros, decorrente da redução de custos e aumento da produtividade. No caso brasileiro, na própria exposição de motivos da Lei 6.404/76, ficou declarada a intenção de constituição de Grupos Empresariais e de empresas de grande porte. Em que pese o modelo criado por tal lei tenha se tornado obsoleto, a diretriz deixou alguns resultados, com grupos constituídos de fato, à margem do disposto na citada lei. (MUTCHNIK, 2009. p. 6) Neste mesmo sentido, afirma Nabor Batista de Araújo Neto que estes Grupos Econômicos, em que pese previstos na Lei 6.404/76, em seus capítulos XX e XXI, caracterizam-se no caso brasileiro como essencialmente conglomerados de fato, sendo pouquíssimos aqueles formalizados segundo as diretrizes legais, não ultrapassando o número de trinta, os registros perante o Departamento Nacional de Registro do Comércio. (2010, p. 1) Por fim, afirma Calixto Salomão Filho que: “Não é exagerado dizer que o direito grupal brasileiro enfrenta momento de séria crise. Do modelo original praticamente nada resta. As principais regras conformadoras do direito grupal como originalmente idealizado encontram-se hoje sepultadas pela prática ou pelo legislador. Os grupos de direito no Brasil são letra absolutamente morta na realidade empresarial brasileira” (SALOMÃO FILHO, 1998. p. 169 apud PRADO, 2005. p. 006). Desta feita, constata-se que a definição de Grupo Econômico dentro do direito positivo ainda é bastante ineficaz, portanto, em que pese tenhamos referências legislativas, em especial em ramos do direito com forte viés de proteção (trabalhista, consumerista e ambiental), cite-se: o artigo 2º, §2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, artigo 3º da Lei 5.889/73, artigo 28 da Lei 8.0708/90, artigo 17 da Lei 8.884/94 e até mesmo a, já citada, previsão legal na Lei 6.404/76, caberá à Doutrina construir um conceito no qual enquadre-se o conjunto coordenado de empresas e até que ponto tal agrupamento está sujeito à tributação interdependente. (JORGE, 2007. p. 22) Neste sentido, para definir o Grupo Econômico faz-se mister considerar: a existência de diversas pessoas jurídicas, unicidade de controle ou direção do grupo, sendo este o norte aglutinador das empresas e a atuação coordenadas com o fito de maximizar os lucros do grupo. Buscando trazer estes critérios classificatórios à baila, tem-se por Grupo Econômico um conjunto de empresas que atuam, sob controle e direção centralizados, de modo sincronizado e coordenado, para lograr êxito em seus objetos sociais que, em regra, mas não necessariamente, são intimamente relacionados. 1.1. DA AUTONOMIA DA PERSONALIDADE JURÍDICA: A EMPRESA COMO VÉRTICE DE RESPONSABILIDADE. Até pouco tempo atrás, os conceitos do Direito Comercial tinham difícil delimitação que despendiam dos pressupostos teóricos adotados por aquele que se propunha a estudá-los. Neste cenário de conceitos imprecisos, especificamente em 1942, o professor italiano Alberto Asquini elaborou a afamada Teoria Poliédrica da Empresa que defendia que a empresa poderia ser conceituada dependendo do ângulo sob o qual o jurista a apreciava. Com base nesta premissa, quatro foram os perfis da empresa apresentados pelo Jurista Italiano: o subjetivo, como sujeito de direito, o objetivo, como um conjunto de bens, o funcional, como atividade econômica, e o corporativo, como um organismo hierarquizado. Este último aspecto é comumente ligado aos traços fascistas instituídos nas leis italianas daquela época que, insistentemente, remetiam a regulação de diversos assuntos às corporações, tal aspecto não encontra espaço, ao menos significativo, no direito brasileiro. Em que pese o fato de tal teoria estar superada, o raciocínio do citado professor é de grande valia para identificarmos o conceito de empresa no Direito Brasileiro, afinal, como qualquer outro objeto, existem diversos prismas sobre o qual ele poderá ser estudado.  No Brasil, o Código Civil (lei 10.406 de 2002) promoveu uma revolução no direito comercial pátrio, pois, além de promover a unificação do direito privado (ao menos em sua principal lei), delimitou o conceito de empresa a um só dos aspectos apontados pelo jurista italiano. Portanto, no Brasil, a empresa não mais poderá ser considerada como um conjunto de bens, afinal, o artigo 1.142 foi preciso ao definir o aspecto objetivo da empresa como “estabelecimento” e tampouco a empresa pode ser confundida com o sujeito de direito (aspecto subjetivo), pois, o artigo 966 atribui nome específico para tal, a saber: “empresário”. Desta feita, o único aspecto restante aceitável dentro do que estabelece o direito pátrio é o aspecto funcional da empresa, ou seja, no Brasil, tem-se por empresa, nos termos decorrentes do próprio art. 966 do Código Civil, “a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”, sendo o empresário aquele que a exerce. A Professora Maria Rita Ferragut, que travou raciocínio semelhante, salienta que não é o fato de registrar-se como empresária, nos termos do artigo 967 do Código Civil, que a caracteriza como tal, sendo necessário o exercício da atividade empresarial para tanto. (FERRAGUT, 2009, p. 3) Desta forma, tratando-se a empresa como atividade econômica organizada, ela será exercida por uma pessoa ou conjunto de pessoas ao qual a lei atribui responsabilidades pelas obrigações decorrentes da sua própria atividade ou, como preferiu denominar Tarsis Nametala Sarlo Jorge, como “vértice captador da responsabilidade”. (JORGE, 2007. p. 21) Tais entidades, formadas pelos empresários, recebem o nommen juris de “sociedades empresariais” e, por lei, têm a capacidade que lhes permite ser sujeito de direitos e obrigação de “personalidade jurídica”. Dentro do universo das sociedades, as denominadas empresariais dividem espaço com as sociedades simples, funcionando esta última como um conceito negativo que abarca todas as sociedades que não exerçam atividade empresarial. Dentro da classe das sociedades empresariais existem os seguintes tipos societários, cada qual com o seu regramento específico: nome coletivo, comandita simples, limitada, anônima, comandita por ações, sociedades cooperativas e as coligadas. O fato de atrair a responsabilidade é a origem e sempre foi o motor das sociedades empresariais, uma pessoa jurídica responsável pelos débitos decorrentes da sua própria atividade, garantindo, ao empreendedor, a possibilidade de segurar a si e ao capitalista investidor, ou seja, a capacidade de capitalizar um negócio e limitar as perdas. Como decorrência, no direito brasileiro: a regra, salientando que a sociedade limitada é a modalidade que responde pela maioria das sociedades empresariais brasileiras em números absolutos (GAINO, 2009. p. 5), é a de que, uma vez integralizado o capital social, o sócio não tem qualquer responsabilidade pelas obrigações ou dívidas contraídas pela sociedade. Portanto, a sociedade limitada adota a limitação de responsabilidade dos sócios, nos dizeres de Fábio Ulhoa Coelho: “a personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo, a regra é a da irresponsabilidade dos sócios da sociedade pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometem no contrato social. É esse o limite de sua responsabilidade”. (COELHO, 2003. p 4) Esta visão da sociedade empresarial como estrutura celular vem perdendo espaço para a empresa como parte de um sistema que, crescendo, acabam fulminando aquelas que se afastam ou se isolam. Nos termos de Sophia Mutchnik, “a empresa passou de uma estrutura atomista para uma de estrutura molecular” (2009, p. 1) e com isso, no caso do Direito brasileiro exige uma nova construção teórica e jurisprudencial, uma vez constatada o vácuo legislativo. No mesmo sentido, não há como fugir da regra geral da responsabilidade dos Grupos Econômicos, já que, possuidores de personalidade jurídica própria, cada sociedade empresarial será, em regra, responsável tão só pelos seus débitos, sendo a responsabilização do grupo uma exceção à regra que exigirá a criação de um modelo consistente de aplicação. 1.2. DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Conforme visto, o Ordenamento Jurídico confere personalidade própria a cada pessoa jurídica, diferenciando o seu patrimônio dos seus sócios e de outras pessoas jurídicas, mesmo que submetidas ao mesmo controle. Tal separação possibilitou, além do legítimo fim de desenvolver a atividade comercial, a utilização da personalidade jurídica de forma abusiva, embora formalmente perfeita, motivando reação na jurisprudência inglesa e norte-americana e na academia, em especial na Alemanha onde, em 1953, foi desenvolvida pela primeira vez a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica pelo Prof. Rolf Serick da Universidade de Tübingen. (GAINO, 2009. p. 127) A citada Teoria tem por escopo permitir ao Juiz – ou a autoridade legitimada para tanto – coibir a prática de atos abusivos à forma por meio da utilização de pessoa jurídica. Embora tenha tido origem para responsabilizar o patrimônio dos sócios por dívidas da pessoa jurídica, tal Teoria foi se desenvolvendo e ganhando novos contornos, por exemplo, a Teoria da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica, na qual a pessoa física é utilizada para proteger o patrimônio da Jurídica e a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica de Grupo Econômico, na qual desconstitui-se esquemas de abuso de personalidade em casos de blindagem patrimonial, formalmente lícita. André Santa Cruz Ramos ensina que nos casos de aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica não se está diante de nenhum ato ilícito propriamente dito, mas em situações em que a personalidade jurídica é utilizada como instrumento para artimanhas com aparência de legalidade. (2009. p. 329) Por tanto, no caso de atos ilícitos, a própria regra o taxa como tal cumulada com os incisos I e II do artigo 124 do Código Tributário Nacional nos parece suficiente para eventual redirecionamento, neste sentido a jurisprudência pátria, embora, sempre se referindo à Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. No Brasil, adotou-se, no âmbito do direito privado, que a desconsideração da personalidade jurídica exige a comprovação dos requisitos impostos pelo art. 50 do Código Civil, a saber: confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Trata-se da afamada Teoria Maior da Desconsideração, sendo insuficiente a mera inadimplência para a quebra da autonomia da personalidade jurídica. No que toca ao âmbito do Direito Tributário, a citada Teoria é perfeitamente aplicável, devendo prevalecer sempre que a estrutura formal utilizada não reflita a realidade (simulação, abuso de forma, ausência do propósito negocial, etc.) e provoque prejuízo ao Credor Fiscal. Neste ramo do Direito, cientificamente, tendo em vista efeitos práticos semelhantes, a atenção deve estar em não confundir a aplicação da citada Teoria com casos de imputação específica de responsabilidade a outras pessoas que não a devedora originária do Tributo, por exemplo, o caso do artigo 135, III e do 124, I e II do Código Tributário Nacional. A principal diferença estará na produção probatória necessária para respaldar o pedido. 1.3. QUESTÃO PROBATÓRIA Assim, considerando que no Brasil prevalece a Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica, o modelo apresentado pela Disreagard Doctrine exige a comprovação, pelo interessado, da prática de ato praticado com abuso à lei ou o contrato social ou da confusão patrimonial entre os sócios e a pessoa jurídica, entre pessoas jurídicas, etc. Neste caso específico, não vislumbramos a possibilidade da Autoridade Fiscal proceder a desconsideração da personalidade de ofício, como órgão parcial que é, devendo respeitar cláusula jurisdicional, produzindo nova norma específica para aquele caso concreto. Então, comprovadas tais condição, o Magistrado deverá declarar não o fim da personalidade jurídica de tal empresa, mas a ineficácia da personalidade jurídica para determinado efeito, possibilitando adentrar no patrimônio de outra pessoa, no caso do Direito Tributário, com o escopo de satisfazer o crédito fiscal. 2. A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA As linhas anteriores foram dedicadas à Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica como uma exceção à regra geral da autonomia do patrimônio de cada pessoa. Em que pese tais anotações sirvam como linhas gerais ao Direito Tributário, uma vez que inteiramente aplicável, faz-se mister salientar os detalhes relacionados à responsabilidade neste ramo do direito que, por influência do Princípio da Supremacia do Interesse Público, tem um tratamento específico, contando com diversas normas que, por si só, responsabilizam pessoas que não são as autoras propriamente ditas do fato imputável. Responsabilidade é termo que se origina do latim respondere que significa a obrigação de responder por obrigação própria ou dos outros, ou o estado do que é responsável por certos atos e a sofrer-lhes as consequências. (FERRAGUT, 2009. p. 31) Maria Rita Ferragut traz à baila o fato de, dentro do universo jurídico, o termo responsabilidade normalmente vir associado à noção de ato ilícito, conforme é possível perceber na redação dos artigos 186 e 187 do Código Civil, ou de risco, conforme se extrai da redação do artigo 927 daquele mesmo diploma legal. No Direito Tributário, entretanto, tal regra não se aplica integralmente, uma vez que, em diversos casos – inclusive este aqui é a regra geral – a responsabilidade decorrerá também da prática de atos lícitos como, por exemplo, da morte do contribuinte, conforme dita o artigo 131, III do Código Tributário Nacional. (2009. p. 31-33) Uma repercussão desta constatação está no não pagamento de tributos, embora não haja dúvida de que há o descumprimento de um dever ser, este não constituí ilícito capaz de promover a responsabilização do sócio com fulcro no artigo 135, III, anote-se a posição pacificada do Superior Tribunal de Justiça. “AgRg no REsp 1040576 / ES AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0059194-2 Ministro HERMAN BENJAMIN PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CARÁTER PROTELATÓRIO. MULTA. REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO-GERENTE. MERA INADIMPLÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE.1. É cabível a aplicação da multa prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, quando a parte opõe, mais de uma vez, Embargos de Declaração, sempre questionando a primeira decisão, que não incorreu nos vícios de obscuridade, contradição ou omissão.2. É pacífica a orientação desta Corte no sentido de que o redirecionamento da Ação de Execução Fiscal não se justifica pela mera inadimplência do crédito tributário.3. Agravo Regimental não provido.” (Grifo nosso) É fato que não há limite constitucional explícito para que o legislador defina a sujeição passiva de um tributo, embora, por óbvio, constate-se a posição de Roque Carrazza quando a necessidade de respeitar-se sempre a Constituição, inclusive, em limites implícitos, afinal, quando o constituinte traça uma materialidade, esta, por si só, apresenta-se como um limite, afinal como taxar o lucro de quem não o aufere? Assim, respeitando tais limites, tanto poderá ele colocar nesta posição um sujeito participante da materialidade do fato gerador, um contribuinte, como um terceiro que não tenha relação, grife-se, direta alguma com àquele fato, um responsável.  Portanto, dentro do Direito Tributário, a responsabilidade pelo pagamento de um tributo pode ser outorgada pela lei a duas classes de sujeitos: os contribuintes e os responsáveis, estando ambos abarcados pela responsabilidade tributária. Renato Lopes Becho, após trazer à colação a posição de diversos juristas renomados, demonstrando posições completamente divergentes sobre a natureza do responsável tributário, termina por defendê-lo como uma espécie de garantidor fiduciário do crédito tributário e, portanto, sem uma participação direta com a relação jurídico-tributária em si. O nobre jurista acaba identificando a responsabilidade tributária com o sentido amplo definido na Teoria Dualista (Obrigação x Responsabilidade), deixando para a obrigação, especificamente, a esfera mais restrita, inclusive, estando contida na esfera da responsabilidade. Em suma: todos que contém a dívida são responsáveis, mas nem todos os responsáveis são os titulares (obrigados) da dívida. (BECHO, 2000. p. 152)   O artigo 128 do Código Tributário Nacional traça bem a diferença entre contribuintes e responsáveis, sendo aqueles os que têm contato direto com o fato gerador, e esses, todos os outros abarcados pela responsabilidade decorrente da lei. Desta forma, nos parece acertada a teoria exposta por Renato Lopes Becho, pois, enquanto o contribuinte seria aquele ocupante do pólo passivo da relação obrigacional em seu sentido mais estrito, o responsável é aquele que, embora detentor de um dever, não está diretamente relacionado à obrigação. A responsabilidade tributária, aqui já no sentido mais amplo, poderá ser por substituição ou por transferência. No caso de substituição a sujeição passiva recai, desde o nascimento da obrigação, sobre uma pessoa diferente daquela que possui relação direta com o fato gerador. Na responsabilidade por transferência, por sua vez, há a substituição do devedor originário por um terceiro devido a um fato previsto em lei. (ALEXANDRE, 2009. p. 299-301) As responsabilidades previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional são nitidamente da modalidade “por substituição” uma vez que os indicados no citado artigo passam a ser responsáveis ao invés de contribuintes, não havendo transferência da sujeição passiva, mas sua cumulação. Feita as anotações supra, a questão que se apresenta está na amplitude dos termos utilizados pelo legislador para definir os destinatários da norma contida no artigo 124, I do Código Tributário Nacional, a saber: aqueles que tenham interesse comum no fato, afinal, estariam os integrantes de Grupo Econômico sujeitos à solidariedade tributária pela mera comprovação do interesse comum no fato gerador? Ou o interesse econômico bastaria?  2.1. DA RESPONSABILIZAÇÃO DO ARTIGO 124, I DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. Quanto à Responsabilidade Solidária prevista no artigo 124, I do Código Tributário Nacional Kiyoshi Harada aponta que três posicionamentos encontram-se bem sedimentados na Jurisprudência Pátria. (HARADA, 2007.) O primeiro deles refere-se a casos de fraude ou conluio, nestes, comprovada a fraude ou conluio, todas as empresas formadoras do Grupo Econômico passam a ser responsáveis pelo crédito de uma delas. Nestes casos, seria a hipótese de aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, conforme já debatido, afinal, caracteriza-se como atos aparentemente lícitos, entretanto, simulados, abusivos. “REsp 767021 / RJ RECURSO ESPECIAL 2005/0117118-7(…) 4. “Pertencendo a falida a grupo de sociedades sob o mesmo controle e com estrutura meramente formal, o que ocorre quando diversas pessoas jurídicas do grupo exercem suas atividades sob unidade gerencial, laboral e patrimonial, é legítima a desconsideração da personalidade jurídica da falida para que os efeitos do decreto falencial alcancem as demais sociedades do grupo. Impedir a desconsideração da personalidade jurídica nesta hipótese implicaria prestigiar a fraude à lei ou contra credores. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma para tal. Verificados os pressupostos de sua incidência, poderá o Juiz, incidentemente no próprio processo de execução (singular ou coletiva), levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja terceiros envolvidos, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros” (RMS nº 12872/SP, Relª Minª Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ de 16/12/2002). No segundo caso, considerando que uma da empresas tenha mero interesse econômico no fato gerador, mesmo estando sob o mesmo controle e a mesma direção, não há responsabilização das demais formadoras do Grupo Econômico. Anote-se o posicionamento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça quanto a este ponto. “AgRg no REsp 1102894 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0274439-8PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. EMPRESA DE MESMO GRUPO ECONÔMICO. SOLIDARIEDADE PASSIVA.1. No que concerne aos arts. 150, 202 e 203, do CTN e ao art. 2º, § 8º, da Lei nº 6.830/80, a Corte de origem valeu-se de detida análise do acervo fático-probatório dos autos para atingir as conclusões de que não houve a demonstração de fraude, que a CDA continha profundos vícios e que o recorrente não logrou proceder a sua emenda, sendo certo que a alteração desse entendimento esbarraria no óbice inscrito na Súmula 07/STJ.2. A jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que inexiste solidariedade passiva em execução fiscal apenas por pertencerem as empresas ao mesmo grupo econômico, já que tal fato, por si só, não justifica a presença do "interesse comum" previsto no artigo 124 do Código Tributário Nacional. 3. Agravo regimental não provido.” (grifo nosso) “AgRg no Ag 1392703 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2011/0040251-7 PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. ISS. EXECUÇÃO FISCAL. PESSOAS JURÍDICAS QUE PERTENCEM AO MESMO GRUPO ECONÔMICO. CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO ENSEJA SOLIDARIEDADE PASSIVA.1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu recurso especial interposto em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que decidiu pela incidência do ISS no arrendamento mercantil e pela ilegitimidade do Banco Mercantil do Brasil S/A para figurar no pólo passivo da demanda.2. A Primeira Seção/STJ pacificou entendimento no sentido de que o fato de haver pessoas jurídicas que pertençam ao mesmo grupo econômico, por si só, não enseja a responsabilidade solidária, na forma prevista no art. 124 do CTN. Precedentes: EREsp 859616/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/02/2011, DJe 18/02/2011; EREsp 834044/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe 29/09/2010).3. O que a recorrente pretende com a tese de ofensa ao art. 124 do CTN – legitimidade do Banco para integrar a lide -, é, na verdade, rever a premissa fixada pelo Tribunal de origem, soberano na avaliação do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que é vedado ao Superior Tribunal de Justiça por sua Súmula 7/STJ.4. Agravo regimental não provido.” Por fim, no terceiro caso, onde o que existe é o interesse jurídico, ou seja, as pessoas participam entre si, em conjunto, na mesma situação que pode ser subsumida à Hipótese de Incidência. Quando há condomínio em imóvel, por exemplo, neste caso há a solidariedade e todas poderão ocupar o pólo passivo da relação tributária sem qualquer benefício de ordem. Desta feita, pode-se concluir que para a decretação da solidariedade de Grupo Econômico ocorrer é necessário, das duas uma, ou comprovar a fraude ou conluio, ou a participação de cada uma delas no fato gerador em si, não apenas se restringindo ao interesse econômico, mas a real participação da pessoa jurídica naquele fato. 2.2. QUESTÃO PROBATÓRIA Conforme observado, existem dois modelos que poderão ser aplicados para a responsabilização das demais empresas formadoras do Grupo Econômico no Direito Pátrio. O primeiro modelo de responsabilização está fundado ou na prática de atos aparentemente lícitos, porém abusivos à forma, ou na comprovação de confusão patrimonial, casos em que deve ser aplicado o Modelo da Desconsideração da Personalidade Jurídica. O segundo modelo, fundado na prática de atos ilícitos propriamente ditos, deverá seguir o modelo aqui proposto, qual seja, com a comprovação da ilegalidade, pois, com tal arcabouço probatório, o interesse comum restará fundado na própria ilegalidade, no próprio comando legal desobedecido. Quanto à questão probatória, portanto, para que o presente modelo seja aplicado, faz-se mister a comprovação do ilícito propriamente dito, demonstrando especificamente, por óbvio, o comando legal que foi desobedecido. Desta feita, os efeitos práticos tanto da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica quanto da imputação de responsabilidade solidária previstas no artigo 124 do Código Tributário Nacional são idênticos, tendo em vista que nos dois casos as empresas formadoras do Grupo Econômico serão responsáveis pela exação tributária, a diferença estará no esforço probatório que deverá ser efetuado pelo Fisco para que ocorra a citada corresponsabilização. 3. LANÇAMENTO POR ARBITRAMENTO FUNDADO EM OMISSÃO DE RECEITA. Cientes dos modelos existentes na Legislação Brasileira para fins de Responsabilização de Grupos Econômicos e das exigências probatórias de cada um deles, chega a hora de enfrentarmos o caso do lançamento tributário oriundo da omissão de receita. A Lei Complementar 105/2001 trouxe consigo um polêmico comando, questionado judicialmente tanto na forma difusa como na concentrada, esta última ainda pendente de julgamento, que autoriza ao Fisco Federal requisitar dados, outrora protegidos por Sigilo Bancário, sem a intermediação judicial. Os argumentos em prol da constitucionalidade da lei estão na ausência de ameaça à intimidade, pois os dados continuaram protegidos, mas agora pelo sigilo fiscal, os argumentos contrários repousam no fato de que o fato do Fisco ter acesso ao dado, por si só, fere o direito à privacidade e, portanto, só por intermédio do Judiciário. Tal prerrogativa fez surgir uma série de lançamentos, realizados, em regra, pela técnica do arbitramento, em decorrência de movimentação financeira não justificada pelo contribuinte, sendo mais comumente aplicados aos tributos: Imposto sobre a Renda, COFINS, PIS e a CSLL. A polêmica quanto à constitucionalidade de tal lei está sob a apreciação do Supremo Tribunal Federal, tanto em sede de Recurso Extraordinário como em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Pelo controle difuso, há notícias de pelo menos um julgado que definiu pela constitucionalidade e outro posterior que, motivado pela ausência de dois ministros e a troca de posição do Min. Gilmar Mendes, alterou o entendimento da Corte que passou a posicionar-se pela inconstitucionalidade. Quanto ao Arbitramento, consiste em técnica de lançamento utilizada pelo Fisco quando este não possui os elementos necessários à fiel liquidação do Crédito Tributário, não se refere a uma outra espécie de lançamento (homologação, misto ou de ofício), sendo técnica utilizada em Lançamentos de Ofício, como dito, que careçam de elementos. 3.1. MODELO APLICÁVEL Independente do citado julgamento da Lei Complementar 105/2001, uma vez que não alterará a conclusão do presente estudo se o acesso aos dados protegidos pelo sigilo bancário decorreu de decisão judicial ou de decisão administrativa, o interessante nestes casos ocorre quando uma empresa que promoveu a movimentação faz parte de Grupo Econômico, pois, além do tributo em si (o cálculo) ter origem em movimentação financeira injustificada, o responsável pela movimentação financeira é o mesmo controlador das diversas outras pessoas jurídicas do Grupo Econômico, ou seja, formalmente o responsável pela movimentação bancária. Esta responsabilização implica no fato de que a ausência de comprovação da movimentação financeira por parte do contribuinte resultará, por si só, em confusão patrimonial explícita, uma vez que comprovada a existência de montante financeiro nas mãos dos administradores do Grupo, sem encontra-se uma justificativa naquela empresa específica quanto à sua posse, sendo, portanto, motivo capaz de possibilitar a responsabilização das demais empresas sob o controle concentrado do Grupo de forma solidária. Ademais, a movimentação financeira sem lastro em nome de uma das empresas de um Grupo Econômico também constitui prova contundente de abuso de personalidade jurídica, tendo em vista que se naquela empresa não existe lastro do dinheiro movimentado, a ausência de comprovação implicará a responsabilização de todo o Grupo, afinal, os mesmos controladores foram o responsável pela movimentação bancária injustificada. Por fim, no momento em que o lançamento tributário nasce respaldado na movimentação de uma quantia em dinheiro sem que seja comprovada a sua origem, sem que haja justificação, não há mais que se discutir interesse econômico no fato gerador, o interesse passa a ser nítido, tendo em vista que, em verdade, todas as pessoas jurídicas – que se manifestam por meio dos seus representantes – tem interesse em uma movimentação bancária sem justificativa mesmo que em pessoa jurídica distinta. Portanto, o lançamento realizado com fulcro em omissão de receita gera responsabilidade solidária para todas as empresas do Grupo Econômico, independente, do momento do crédito e do modelo de responsabilização utilizado. As diversas empresas poderão ser incluídas no próprio Lançamento pelo Fisco, quando aplicar-se-á o modelo embasado no artigo 124, I do Código Tributário Nacional, bem como pelo Poder Judiciário, atendendo à provocação da Fazenda Pública, com base na Disregard Doctrine. CONCLUSÃO ·  Tem-se por Grupo Econômico um conjunto de empresas que atuam, sob controle e direção centralizados, de modo sincronizado e coordenado, para lograr êxito em seus objetos sociais que, em regra, mas não necessariamente, são intimamente relacionados. · No Brasil, não há uma legislação especifica conceituando ou regulando os Grupos Econômicos, embora constituam uma realidade de fato, cabendo, portanto, à Doutrina e à Jurisprudência a integração do sistema, respectivamente, pela conceituação e criação de modelo e pela positivação do mesmo aos casos específicos. · A principal característica das pessoas jurídicas está no seu papel de vértice de captador de responsabilidade, tendo um patrimônio, em regra, diferenciado dos seus sócios e das demais pessoas jurídicas com quem atua em conjunto. · Em que pese a regra geral posicionar-se pela responsabilidade própria da pessoa jurídica, o abuso desta personalidade pelos seus sócios ou terceiros (ex. administradores) poderá ensejar a sua desconsideração, sendo necessário, para tanto, a comprovação de confusão patrimonial ou abuso à lei. · No caso tributário, além das possibilidades de desconsideração da personalidade jurídica, existem também hipóteses de imputação específica de responsabilidade, sendo neste caso necessária a comprovação do ilícito cometido, comprovando-o serão os envolvidos solidariamente responsáveis pelos débitos tributários nos termos do artigo 124 do Código Tributário Nacional. · A Lei Complementar 4105/2001 autorizou a União a quebra de sigilo bancário sem o intermédio do Poder Judiciário, entretanto, tal lei está sob a análise do Supremo Tribunal Federal quanto à sua constitucionalidade. A possibilidade de quebra por decisão do Judiciário não pode ser questionada. · Da análise dos dados bancários, surge um fenômeno bastante comum o Lançamento por Arbitramento (IR, COFINS, CSLL, PIS, entre outros) com fulcro na ausência de justificativa na movimentação, também denominada omissão de receita. · No cenário de um Grupo Econômico, a omissão de receita, por si só, implica em prova de confusão patrimonial e de fraude à lei, sendo portanto aplicável ao caso, tanto à Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, como a imputação tributária específica. A primeira para todos os débitos do Grupo Econômico, restrita à via Judicial, e a segunda para aquele débito específico, podendo a autoridade administrativa procedê-lo de ofício.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/a-responsabilidade-tributaria-de-grupo-economico-em-decorrencia-de-lancamento-por-arbitramento-fundado-em-omissao-de-receita-constatada-por-movimentacao-bancaria/
A proteção da confiança, a boa-fé objetiva e a irretroatividade como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar
O princípio da segurança jurídica é considerado como uma das vigas mestras da ordem jurídica, um dos subprincípios básico do próprio conceito do Estado de Direito (art. 5º, inciso, II, CF). É o crescimento da importância do princípio da segurança jurídica, entendido como o princípio da boa fé dos administrados ou da proteção da confiança. O Princípio da Boa Fé exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, mas também durante a formação e o cumprimento do contrato, até a completa extinção da obrigação, subdividindo-se em Boa fé objetiva e Boa fé subjetiva. O inciso XXXVI do artigo 5º da Lei Maior dispõe que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Esta é a forma ampla que consagra o princípio da irretroatividade como direito fundamental do indivíduo. A Constituição Federal estabelece no seu artigo 150 e incisos, a vedação para a União, para os Estados, para o Distrito Federal e para os Municípios, cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentados. Dentro do escopo do principio da segurança jurídica, abordaremos no presente Artigo, o Principio da Boa Fé e o Princípio da Irretroatividade da Lei, como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar.
Direito Tributário
1. Introdução. Os princípios são as linhas mestras, os grandes nortes, as diretrizes magnas do sistema. Apontam os rumos a serem seguidos por toda a sociedade e obrigatoriamente perseguidos pelos órgãos do Governo (poderes constituídos). Eles expressam a substância última do querer popular, seus objetivos e desígnios, as linhas mestras da legislação, da Administração e da Jurisdição. Por estas não podem ser contrariados; tem que ser prestigiados até as últimas consequências (ATALIBA, 2004, p. 34). O Princípio da Segurança Jurídica. O princípio da segurança jurídica é considerado como uma das vigas mestras da ordem jurídica, sendo para J.J. Gomes Canotilho, um dos subprincípios básico do próprio conceito do Estado de Direito (art. 5º, inciso, II, CF). Para Almiro do Couto e Silva, um “dos temas mais fascinantes do Direito Público neste Século XX, é o crescimento da importância do princípio da segurança jurídica, entendido como o princípio da boa fé dos administrados ou da proteção da confiança” (MEYRELLES, 2001, p. 90).  Se o administrado tiver reconhecido um direito pela Administração ou se a lei respeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, por respeito ao princípio da segurança jurídica, não é admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de interpretações jurídicas variáveis no tempo. Como exemplo, poderíamos citar a falta de fiscalização de um terreno público, que propicia, na maioria das vezes, a invasão e a instalação de uma favela naquele local.  Assim, em razão do inevitável problema social decorrente, via de regra, a área é regularizada pelo Poder Público, em favor dos invasores como forma a estabilizar as relações sociais entre o Estado e a coletividade. Nesta perspectiva, o mesmo Poder Público, por intermédio de uma nova Administração, não poderá ingressar com a reintegração de posse da área invadida, contra as pessoas ali residentes, pois criará, inexoravelmente, uma insegurança jurídica e uma desestabilização social, com efeitos nefastos para o Poder Público e para a sociedade. O Princípio da Boa-Fé.  O Princípio da Boa-Fé exige que as partes se comportem de forma correta não só durante as tratativas, mas também durante a formação e o cumprimento do contrato, até a completa extinção da obrigação. A Boa- fé subdivide-se em Boa-fé objetiva e Boa-fé subjetiva. A Boa-fé objetiva constitui um modelo jurídico, na medida em que se reveste de variadas formas, tais como, a honestidade, a retidão, a lealdade e a clareza das informações a respeito do negócio jurídico. A Boa-fé subjetiva é o convencimento individual da parte ao agir em conformidade ao Direito, sendo aplicável, em regra, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Baseia-se numa crença ou ignorância da aparência de certo ato. O Princípio da Irretroatividade. O inciso XXXVI do artigo 5º da Lei Maior dispõe que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esta é a forma ampla que consagra o princípio da irretroatividade como direito fundamental do indivíduo. A Constituição Federal estebelece no seu artigo 150 e incisos, a vedação para a União, para os Estados, para o Distrito Federal e para os Municípios, cobrar tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentados. Daí pode-se inferir que o princípio da irretroatividade possui relevância e por ser considerado um dos princípios basilares que respaldam o exercício do poder de tributar, garantindo os direitos dos contribuintes. Dentro do escopo do principio da segurança jurídica, abordaremos no presente Artigo, o Principio da Boa-Fé e o Princípio da Irretroatividade da Lei, como limitações constitucionais ao poder judicial de tributar. Este Artigo estabelecerá uma breve conexão dos pensamentos e textos de Humberto Ávila, Fábio Martins de Andrade, Heleno Taveira Torres e Mizabel Abreu Machado Derzi. Entretanto, neste Artigo, será estabelecida uma conexão mais imediata do pensamento e texto de Mizabel Abreu Machado Derzi, in Modificações da Jurisprudência no Direito Tributário, Editora Noeses, motivo pelo qual realizaremos a reprodução parcial ou adaptação do texto em atendimento ao título e subtítulos do presente Artigo, bem como nos textos e ensinamentos de Niklas Numann, Claus Wilheim Canaris, Pontes de Miranda, e Carneiro da Frada, entre outros. Destacamos que Mizabel Derzi é ex-Procuradora-Geral do Estado de Minas Gerais, 1999-2001 e ex-Procuradora-Geral do Município de Belo Horizonte, 2005-2006.  É Professora Doutora Titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade federal de Minas Gerais – UFMG. É Professora Doutora Titular de Direito Tributário das Faculdades Milton Campos e membro do Grupo de Pesquisa Europeu de Fianças Públicas – GERFIP (Groupement Européen de Recherches en Finances Publiques, com sede em Paris), e Presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT. Mizabel Derzi também possui cadeiras na Academia Mineira de Letras Jurídicas, na Academia Brasileira de Direito Tributário e na Academia Internacional de Direito e Economia (AIDE) e tem mais de trinta obras de sua autoria e coautoria, além de diversas condecorações pela contribuição do seu saber ao Direito Tributário. 2. A Formação da Confiança e o Tempo em Niklas Luhmann. Niklas Luhmann (nasceu Lünerburg em 08/12/1927 e faleceu em Oerlinghausem em 06/11/1998), foi um sociólogo alemão, sendo hoje considerado, juntamente com Jürgen Habermas, um dos mais importantes representantes da Sociologia alemã atual. Adepto de uma teoria particularmente própria do pensamento sistêmico, Luhmann teorizou a sociedade como um sistema autopoitético. Autopoiese ou autopoiesis (do grego auto “próprio”, poiesis “criação”) é um termo cunhado na década de 1970, pelos Biólogos e Filósofos chilenos, Francisco Varela e Humberto Maturana, para designar a capacidade dos seres vivos de produzirem a si próprios. Segundo esta teoria, um ser vivo é um sistema autopoiético, caracterizado como uma rede fechada de produções moleculares (processos), onde as moléculas produzidas geram com suas interações a mesma rede de moléculas que as produziu. A conservação da autopoiese e da adaptação de um ser vivo ao seu meio são condições sistêmicas para a vida. Por tanto um sistema vivo, como sistema autônomo está constantemente se autoproduzindo, autorregulando, e sempre mantendo interações com o meio, onde este apenas desencadeia no ser vivo mudanças determinadas em sua própria estrutura, e não por um agente externo. De origem biológica, o termo passou a ser usado em outras áreas  por Steven Rose na neurologia, por Niklas Luhmann na Sociologia, por por Gilles Deleuze e Antonio Negri, na Fisosofia, e por Patrik Shumacher na Arquitetura. Ao aplicar o conceito dos sistemas autopoiéticos ao direito, Luhmann consegue reduzir a complexidade social. De tal modo, os estudos de Luhmann apregoam que o direito, em seu viés autopoiético, se (re)cria com base nos seus próprios elementos. Sua autorreferência permite que o direito mude a sociedade e se altere ao mesmo tempo movendo-se com base em seu código binário (direito/não-direito). Tal característica permite a construção de um sistema jurídico dinâmico mais adequado à hipercomplexidade da sociedade atual. Luhmann Estudou direito na Universidade de Freinburg entre 1946 e 1949, quando obteve seu doutorado e começou sua carreira na administração pública. Durante um descanso em 1961, foi para Harvard (EUA)  para estudar a sociologia de Talcott Parsons, o teórico mais famoso do mundo à época. Nos últimos anos, Luhmann abandonou o sistema teórico de Parsons, desenvolvendo um rival aproximado próprio. Ao deixar o serviço público em 1962, estudou na renomada Hochschule für Verwaltungswissenschaften (Universidade para Ciências Administrativas) em Spyer, na Renânia-Palatinado até 1965, quando lhe foi oferecido um posto no Departamento de Pesquisa Social da Universidade de Münster, liderado por Helmut Schelsky. Entre 1965 e 1966 estudou um semestre de sociologia em Münster. Dois livros anteriores foram retroativamente aceitos como tese de Pós-Doutorado e a ele foi conferido o título de Professor. Em 1968/1969, ele ocupou o posto de palestrante na cadeira originalmente de Theodor Adorno, na Universidade de Frankfurt sendo indicado como Professor de Sociologia na recém-fundada Universidade de Bielefeld, até a aposentadoria, em 1993. Continuou seu trabalho até finalmente completar sua grande obra, Die Gesellschaft der Gesellschaft (“A Sociedade da Sociedade”), publicado em 1997. O elemento central da teoria de Luhmann é a comunicação. Sistemas sociais são sistemas de comunicação e a sociedade é o sistema social mais abrangente. Um sistema é definido pela fronteira entre ele mesmo e o ambiente, separando-o de um exterior infinitamente complexo. O interior do sistema é uma zona de redução de complexidade: a comunicação no interior do sistema opera selecionando apenas uma quantidade limitada de informação disponível no exterior. O critério pelo qual a informação é selecionada e processada é o sentido (em alemão Sinn). Observado a sintese bibliografica de Lumann,  passa-se a análise do subitem em apreço,  esclarecendo que a confiança é o ato de confiar na analise se um fato é ou não verdadeiro, devido a experiências anteriores, entregando essa análise à fonte de estatísticas e opiniões de onde provém a informação e simplesmente considerando-a, checando-a com outras informações, o chamado cruzamento de informações. Se refere a dar crédito, considerar que uma expectativa sobre algo ou alguém será concretizada no futuro. A confiança é o resultado do conhecimento sobre alguém, da informação e de um sistema de Inteligência. Quanto mais informações sobre quem necessitamos confiar, melhor formamos um conceito positivo da pessoa e é o que Sun Tzu chama de confiança no desenvolvimento da guerra, sendo fundamental, para a sobrevivência do Estado,  o chamado Sistema Nacional de Inteligência. (TZU, 2006, P. 67). A noção no senso comum de tempo é inerente ao ser humano, visto que todos somos, em princípio, capazes de reconhecer e ordenar a ocorrência dos eventos  percebidos pelos nossos sentidos. Contudo a ciência evidenciou várias vezes que nossos sentidos e percepções são mestres em nos enganar. A percepção de tempo inferida a partir de nossos sentidos é estabelecida via processos psicossomáticos, onde variadas variáveis, muitas com origem puramente psicológica, tomam parte, e assim como certamente todas as pessoas presenciaram em algum momento uma ilusão de ótica, da mesma forma de que em algum momento houve a sensação de que, em certos dias, determinados eventos transcorreram de forma muito rápida, e de que em outros os mesmos eventos transcorreram de forma bem lenta, mesmo que o relógio,  aparelho especificamente construído para medida de temp,  diga o contrário. Em outras palavras, o tempo é uma componente do sistema de medições usado para sequenciar eventos, para comparar as durações dos eventos, os seus intervalos, e para quantificar o movimento de objetos. O tempo tem sido um dos maiores temas da religião, filosofia e ciência, mas defini-lo de uma forma não controversa para todos, em uma forma que possa ser aplicada a todos os campos simultaneamente, tem iludido os maiores conhecedores. Na física  e noutras ciências, o tempo é considerado uma das poucas quantidades essenciais. O tempo é usado para definir outras quantidades,  como a velocidade, e definir o tempo nos termos dessas quantidades iria resultar numa definição redundante.  Por influência da teoria da relatividade idealizada pelo Físico Albert Einstein, o tempo vem sendo considerado como uma quarta dimensão do continuun espaço-tempo do Universo do, que possui três dimensões espaciais e uma temporal. Na metereorologia o tempo é o estado físico das condições atmosféricas em um determinado momento e local. Isto é, a influência do estado físico da atmosfera sobre a vida e as atividades do homem. A complexidade das sociedades de risco contemporâneas é tomada como problema central por Niklas Luhmann e abordada por meio de técnicas, usadas para a sua redução, consoante sustenta Mizabel Derzi. ( DERZI, 2009, p.325). A linguagem, que pressupõe a representação e auto-consciência reflexiva, permitindo a formação de generalizações e seletividade, a concepção dos sietmas, como forma de ordenação unitária, que necessariamente se utiliza de abstração e universalidade, sobretudo guiadas pela coerência dogmática, o tempo autêntico e a confiança, que viabiliza a vida e as açoes, são técnicas de redação dependente, todas redutoras da complexidade do mundo, que é difícil de manejar. Todavia,  o tempo está em relação com a confiança e ele, por si, pode ser um instrumento redutor de complexidade. Como esclarece Luhmann, mostrar confiança é antecipar o futuro. É comportar-se como se o futuro fosse certo. Poder-se-ia dizer que, através da confiança, o tempo se invalida ou ao menos se invalidam as diferenças de tempo (LUHMANN, 1996, p. 14). Luhmann, ao analisar a relação entre tempo e confiança, distingue entre o tempo como fluxo unidimensional, para trazer noções de duração por oposição à de variação, ou noção de estado em contratste com a de evento/acontecimento. Sem essas noções, não há possibilidade de se entrar na questão da confiança. É que as impressões cambiantes, que estão em tudo e em toda parte, até em nós mesmos, são possíveis por meio de experiência humana de duração, oposta à variação. Com essa noção, constroi-se o tempo objetivo, como medida do relógio, um contínuo de pontos, entre dois agoras, como diria Heidegger, igual para todos os homens. Assim, o tempo objetivo inclui o constante e o que muda. (HEIDEGGER, 1979, P.34). Para Luhmann, a base de toda confiança é o presente como um continuo intacto de sucessos cambiantes, como a totalidade dos estados com respeito aos quais os eventos podem ocorrer. O problema da confiança é que o futuro contém muito mais possibilidades do que aquelas que poderiam atualualizar-se no presente e do presente transferir-se para o passado. A incerteza é elementar: nem todos os fatores podem converter-se em presente e daqui em passado. O futuro coloca uma carga excessiva na habilidade do homem para representar coisas para si mesmo. Portanto a confiança deve reduzir o futuro de modo que se iguale com o presente, isto é, reduzindo a complexidade. A confiança supõe tres características elementares:  (a)  a permanência  dos estados, de modo que se igualem presentes e futuros; (b) a simplificação por meio de redução da complexidade e das infinitas possibilidades variáveis; (c) a atntecipação do futuro, pela projeção daquilo que se dá no presente, para tempos vindouros. Onde há a supremacia sobre os eventos e os acontecimentos, a confiança não é necessária. A confiança e a proteção da confiança não se colocam do ponto do vista do Estado, como ente soberano. Isso porque nas obrigações ex lege, o Estado tem supremacia sobre os eventos e os acontecimeentos que ele mesmo provoca, vale dizer, as leis, as decisões admnistrativas e as decisões judiciais na modelação e cobrança dos tributos. 2.1. Da Confiança familiar à confiança sistêmica. No ensinamento de Mizabel Derzi, na medida em que as sociedades se tornam mais complexas, a familiaridade por parentesco ou por experiência fática, perde seu caráter prosaico. Assim, a História deixa de ser a memória das coisas experimentadas e se torna uma estrutura predeterminada, que é a base para a confiança. Na fase ainda familiar, a confiança é antes interpessoal e serve, sobretudo, para superar a incerteza em relação ao comportamento das outras pessoas. À medida que cresce à complexidade, a familiaridade se reduz, embora não seja eliminada, nascendo como resultado, a confiança no sistema, que implica renunciar, como risco consciente, a alguma possibilidade de maior informação e ao continuo controle dos resultados. A confiança não significa assim, mera esperança. Ela implica a expectativa confiável, que interfere diretamente na decisão tomada pela pessoa que confia (DERZI, 2009, p. 329). Niklas Luhmann afirma que a confiança é uma necessidade pessoal, interpessoal e sistêmica. Como o sistema é incapaz de captar inteiramente o real, ele interpreta o mundo seletivamente, e rebaixa a informação que possui e, com isso, a complexidade. Como afirma Derzi, a confiança sistêmica é uma ilusão, ou seja, ela supõe a falta de informações. Quem dispõe de informações muito completas e consistentes de um fato não precisa confiar. Contudo, quando não é possível esgotar as informações, o risco é inerente ao processo. Assim, o sistema funciona com confiança. De acordo com Luhmann, a primeira condição para se outorgar a confiança seria familiaridade ou a informação prévia. A deficiência informativa não pode ser radical. Evidentemente, a confiança supõe a informação prévia, que reduz o risco, mas não elimina. Nas sociedades simples, a familiaridades, como experiência fática pessoal, é fator de supressão da necessidade de outras informações institucionais. Mas, à medida que se passa aos modelos mais complexos, do externo para o interno, a reflexão afasta o homem do objeto observado, reduzindo-se a familiaridade fática e assim, a confiança deverá superar a desinformação. Immanuel Kant foi um filósofo prussiano, considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna, sobretudo pela elaboração do denominado idealismo trancendental: todos nós trazemos formas e conceitos a priori (aqueles que não vêm da experiência), para a experiência concreta do mundo, os quais seriam de outra forma, impossíveis de determinar. Sua principal obra foi Critica da Razão Pura,npublicada em 1781. Kant firma que “consistindo a verdade” na concordância de um conhecimento com o seu objeto, esse objeto deve, por isso, distinguir-se de outros. Ora, um conhecimento é falso quando não concorda com o objeto a que é referido, mesmo contendo algo que poderia valer para outros objetos. Portanto, um critério geral da verdade seria aquele que fosse válido para todos os conhecimentos, sem distinção dos seus objetos (KANT, 2005, p.93). A segunda condição para se outorgar a confiança são as estruturas motivadoras, como as leis, que permitem o desenvolvimento da confiança, porque estabilizam as expectativas, tornando-as sancionáveis. Entretanto nos sistemas sociais mais diferenciados e complexos, a lei e a confiança não mais coincidirão inteiramente, pois se poderá falar, da proteção da confiança, mesmo em face dos atos ilícitos. Na confiança no sistema, está se continuamente consciente de que tudo o que se realiza é um produto, que cada ação foi decidida depois de ser comparada com outras possibilidades. A confiança no sistema conta com processos explícitos para a redução da complexidade, quer dizer, com pessoas, não com a natureza. Os grandes processos civilizadores de transição, até a confiança no sistema, dão à humanidade uma atitude estável em direção ao que é contingente em um mundo complexo, faz possível viver com a consciência de que tudo poderia ser de outra maneira. Esses processos fazem com que o homem possa ter consciência da contingência social do mundo. Esse pensamento dá origem ao problema da consciência transcendental na constituição significativa do mundo. Como afirma Derzi, o sistema abriga também o oposto da confiança. A confiança supõe a expansão da confiança, porque, igualmente, latente no sistema, graças à desconfiança. A predominância da confiança sobre a desconfiança supõe testemunhas, ou seja, supõe que outros também confiem. Parece antes que a familiaridade com o dinheiro, o poder e a verdade é apreendida como uma conduta e que, tipicamente, a reflexividade desse mecanismo fique latente, assim como também o seu caráter altamente arriscado. Tal estado latente pode fazer com que a criação da confiança seja mais simples e atuar como salvaguarda contra temores incontroláveis. Assim, o que aconteceria se cada um, de repente, quisesse trocar em moeda todo o seu dinheiro, ou se andasse armado nas ruas, a base da racional da confiança no sistema jaz na confiança depositada na confiança de outras pessoas (DERZI, 2009, P. 333). A reflexividade da confiança sistêmica torna a confiança um valor, de tal modo que a confiança de uns supõe a confiança de outros, mas sob relativo controle, porque a confiança sistêmica é, em grande parte, percebida, razão pela qual, a desconfiança latente pode transparecer como equivalente funcional da confiança, ou seja, como redutor adicional da complexidade. 2.2. A confiança e a desconfiança como redutores de complexidade. Conforme afirma Luhmann, consequentemente a desconfiança também logra simplificação, não raramente uma simplificação drástica. Uma pessoa que desconfia necessita muito mais de informação, mas ao mesmo tempo limita a informação àquilo que ela sente seguramente que pode confiar. Faz-se mais dependente com relação a menos informação. (LUHMANN, 1996, p. 124). Conforme sustenta Mizabel Derzi o sistema jurídico também absorve desconfiança, que permanece latente, e uma série de medidas são adotadas sem o claro reconhecimento da desconfiança. Sem dúvida o jogo dos delitos e das penas tem a função de estabilizar as expectativas, mas também sinalizam desconfiança sistêmica. No Direito Financeiro, as técnicas de controle de Finanças Públicas, como legalidade orçamentária, execução do orçamento e prestação anual de contas absorvem desconfiança, justificada pela experiência histórica do passado. No Direito Tributário, a desconfiança manifesta-se, frequentemente implícita, em regras de controle, por meio de imposição de uma série de deveres acessórios, informações, registros contábeis e declarações impostas aos contribuintes; às vezes, em regras de presunção, simplificação e pautas de valores; mas chega a seu ponto mais elevado em institutos como a substituição tributária progressiva, em que se cria a obrigação de pagar o tributo antes mesmo da ocorrência do fato jurídico, que lha dá origem. Por todo sistema perpassam regras antissonegação ou antifraude. De fato, a simplificação que a desconfiança obtém pode ser mais drástica e a ela corresponder uma renúncia a maiores informações ou a valores, que são sacrificados, pela recusa da confiança. (DERZI, 2009, P. 335). Luhmann, afirma que para limitar a desconfiança, desse modo, reduzem a probabilidade de que um sistema social entre seus membros, o que pode significar um ganho crítico em tempo para a sobrevivência do sistema, na medida em que o sistema possa empregá-lo para aprender a confiança e acumular capital de confiança, com a ajuda da qual logo chegue a ser menos sensível e possa também sobreviver a situações mais sérias. Em síntese, pelo pensamento de Luhmann, e nas lições de Mizabel Derzi, pode- se consolidar que a confiança não significa mera esperança, pois ele implica na expectativa confiável, que interfere diretamente na decisão tomada pela pessoa que confia. (DERZI, 2009, p. 338). O Estado de Direito está consubstanciado no inciso II, do art. 5º, da Constituição Federal, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Assim, como afirma Heleno Taveira Torres, consolidado o Estado de Direito, afirma-se a doutrina do “Estado Constitucional”, especialmente com os avanços da doutrina da Constituição material. Como decorrência da crise do “Estado Liberal”, ou se preferir, com o êxito do “Estado Social”, e o surgimento do “Estado Democrático”, foi marcante a expansão das necessidades de receitas tributárias para a cobertura de inúmeros custos financeiros com direitos sociais e com a função extrafiscal de intervenção estatal na economia. (TORRES, 2011, p. 175-176). O Estado Constitucional de Direito, fundado na livre iniciativa e na propriedade privada obriga-se a sustentar-se mediante impostos. A partir de agora, melhor seria falar de um Estado Constitucional Tributário, como o faz Saldanha Sanches, pois a passagem para a fase do Estado Fiscal vai implicar na constitucionalização do direito fiscal nos seus aspectos fundamentais (SANCHES, 1989, 354). Neste contexto, por “Estado Constitucional Tributário” tem-se que todos aqueles financiados por tributos, instituídos nos limites previstos pela Constituição, como meios financeiros para a cobertura dos custos com a organização do Estado, direitos sociais e todos os fins das suas competências materiais. Dessa forma a confiança supõe certa exposição ao risco, certa relação de dependência daquele que confia. Onde há supremacia sobre os eventos e acontecimentos, a confiança não é necessária, nem a sua proteção.  Começam neste ponto as razões pela quais, nas relações tributárias, o Estado não ocupa a posição daquele que confia, e, que por isso, mereça proteção, mas a ele poderá ser imputada a responsabilidade pela confiança gerada. O Estado é que tem supremacia sobre eventos e acontecimentos, pois elabora as leis, promove as cobranças de tributos e, ao mesmo tempo, julga os conflitos, jamais o contribuinte, pelo menos diretamente. As leis são frutos do processo democrático, em que o interesse de todos deve ou deveria ser considerado, ou pelo menos, posto no espaço público. Na realidade brasileira, no entanto, a supremacia sobre os eventos e acontecimentos se faz de forma aguda: as iniciativas das leis tributárias, altamente técnicas e inacessíveis em sua inteligência ao contribuinte médio, as medidas provisórias, fertilíssimas em matéria tributária e elaboradas no silêncio palaciano dos governos, as maiorias mantidas no Congresso Nacional por meio de trocas de cargos e favores constantemente noticiados pela mídia, tudo isso nos assegura que, efetivamente, essa dependência do contribuinte ás ações do Estado e a supremacia estatal sobre os acontecimentos são fatos irrefutáveis. O princípio da supremacia do interesse público. Esse princípio, também chamado de princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda sua atuação. No que diz respeito á sua influência na elaboração da lei, é oportuno lembrar que uma das distinções que se costuma fazer entre o direito privado e o direito público (e que vem desde o Direito Romano) leva em conta o interesse que se em vista proteger; o direito privado contém normas de interesse individual e, o direito público, normas de interesse público, conforme nos ensina Maria Silvia Zanella  (DI PIETRO, p. 68). O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade, e a título de exemplo podemos citar que haverá interesse Público ou a supremacia do interesse público em matérias sobre meio ambiente, direito tributário, direito processual, segurança pública, poder de polícia, saúde, educação, em favor da coletividade e em detrimento aos interesses individuais. Dentre as precondições para se outorgar confiança, tem-se a deficiência informativa, em que o risco existente ainda, permanece; as estruturas motivadoras e impulsivas do processo de se gerar confiança, como as leis e normas em geral; e os mecanismos de comunicação, a lei será apenas uma delas, por isso mesmo a legalidade não esgota a riqueza e a extensão da confiança, que transborda em seu estado latente. A confiança expande os tempos de um sistema, e permite o resgate do passado e a antecipação do futuro. A reflexividade é fator de aumento da confiança e, pois, da redução do risco e da complexidade, dais resultando a confiança com o valor. Com isso, pode-se falar que o sistema convive com confiança latente e confiança, em grande parte, percebida. Também a desconfiança, sempre latente, como a confiança, é poderosa redutora de complexidade, mas, por sua capacidade destrutiva, tem necessariamente de ser combatida e limitada. 3.  A responsabilidade pela confiança à luz do direito privado, em especial no modelo Canaris. O jurista alemão Claus-Wilhelm Canaris tem destacada atuação na área do direito civil e da filosofia jurídica, tendo sido professor das Universidades de Graz, de Hamburgo e de Ludwig-Maximilian (Alemanha), sendo que também recebeu importantes prêmios e distinções, como a Ordem da Baviera Maximiliano de Ciência e Arte. No escopo de estudar a natureza própria da tensão entre dois princípios constitucionais, é necessário diferenciar a oposição de contradição, no que concerne ao fenômeno do conflito principiológico. Para tanto, destacamos o entendimento do jurista alemão Claus-Wilhelm Canaris, citado pelo brasileiro Juarez Freitas (FREITAS, 1995, p. 53). Mencionando as chamadas quebras no sistema, Canaris diferencia cabalmente meras oposições entre princípios constitucionais de contradições. Para ele, as oposições são naturais dentro de um sistema aberto onde estão plasmados, notadamente diferentes anseios jurídico-sociais. De tal forma que, não devem ser suprimidas tais oposições, haja vista que constituem a própria essência de uma ordem jurídica, ajustando entre si as cargas valorativas de seus princípios, buscando sempre uma via intermediária e harmonizadora das disposições constitucionais. Assim, tal tensão não restaria suprimida, mas superada e mantida no sistema, enquanto baliza. Em contrapartida, visualiza Canaris, as contradições atinentes a princípios constitucionais como vis a um sistema aberto de princípios e regras, como o próprio a uma constituição democrática, devendo estas, acaso existentes, serem suprimidas. Assevera o jurista alemão que “(…) contradições de valores perturbam a adequação interior e a unidade da ordem jurídica e sua harmonia e que, por isso, devem basicamente ser evitadas ou eliminadas” (apud FREITAS, 1995, p.60). No outro sentido, a abertura é entendida como uma incompletude proposital do sistema, necessária para tornar possível a evolução e a mutação da ordem jurídica. Porém, como bem adverte Canaris, a abertura não deve ser confundida com a mobilidade do sistema, ainda que ambas se refiram à mutabilidade do sistema. A concepção da mobilidade, conforme os ensinamentos do estudioso são relevantes porque torna possível a existência de sistemas fechados, porém, móveis, ou, ao menos, com aspectos mutáveis. Caracteriza-se a mobilidade pela falta de escolhas por parte do legislador, pela ausência de valorações, as quais poderão ser determinadas mediante as particularidades do caso concreto (CANARIS, 1996, p. 1-3). Segundo a lição de Canaris, as características de ordenação e unidade se sobressaem dentre as várias definições de sistema jurídico. Sustenta o jurista alemão que o postulado de justiça (tratar o igual de modo igual e o diferente de modo diferente, na medida da diferença) conduz à exigência de ordem e unidade, a primeira vinculando tanto o juiz quanto o legislador a agirem com adequação valorativa (ou seja, estão eles adstritos a retomar e repensar os valores encontrados, procedendo com adequação) e a segunda tendente a garantir a ausência de contradições na ordem jurídica (o que poderia ser admitido, na hipótese de o sistema ser fracionado por diferentes ordens desconexas, cada qual com soluções próprias para o enfrentamento dos mesmos problemas concretos). Karl Larenz ( 1903-1993), foi um jurista e filósofo do Direito alemão. Foi Professor em duas importantes Universidades da Alemanha, a Universidade de Kiel e a Universidade de Munique. Como jurista destacou-se na área do Direito Civil, tendo produzido diversas obras que se fizeram e fazem autoridade na disciplina. Seus ensinamentos muito influenciaram os pensadores pátrios. Dentre os que adotaram sua doutrina, destaca-se o Professor Orlando Gomes. A sua obra mais destacada á Metodologia da Ciência do Direito. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1997. Conforme sustenta Mizabel Derzi, Karl Larenz diferencia os princípios ético-jurídicos, que podem justificar decisões jurídicas, como expressão material da justiça, dos princípios técnico-jurídicos, que se fundam em razões de oportunidade. Reconhece que os primeiros, os ético-jurídicos podem aflorar em uma descoberta jurídica, inrropendo o umbral da consciência, graças a caso pragmático. Invocou como fruto de tais descobertas, a doutrina do abuso do direito; o instituto do Verwirkung, ou supressio, que configura a derrogação ou caducidade de uma norma, graças ao seu desuso; a responsabilidade pela culpa in contrahendo, embasada no § 242, do Código Civil alemão. (DERZI, 2009, p. 338-339). A culpa in contrahendo é compreendida, nos países de sistema romano-germânico, como uma responsabilidade decorrente da culposa ou dolosa inobservância dos deveres de proteção, informação e lealdade. Larenz, afirma que coube a Henrich Stoll, associar a culpa in contrahendo, ao principio da proteção da confiança, tendo concluído que o Tribunal Constitucional alemão derivou, do Estado de Direito, princípios como o da proporcionalidade, no sentido de justa medida e de menor restrição possível, bem como o principio da proteção da confiança na relação entre a legislação e o cidadão, com o que a Corte trabalhou a irretroatividade. Canaris afirma que Balersted e Coing, erigiram a responsabilidade pela confiança em instituto próprio do Direito, pois na época da criação do Código Civil alemão, no final do Século XIX, não havia uma consciência do conceito de confiança, sempre retratada como uma excepcionalidade. Em todas as áreas do Direito, em especial no Direito Comercial, Civil e do Trabalho, deu-se crescimento exagerado das espécies penais de responsabilidade pela confiança, que se solidificaram como Direito Consuetudinário. Em decorrência, disso na obra de Canaris, se reconstrói a proteção e a responsabilidade pela confiança, quer preenchendo lacunas deixadas pelas regras legais quer aditando-lhes o Direito Consuetudinário, tudo de modo sistemático, uniforme e unitário e sem contradições com o Direito vigente. O pressuposto lógico do principio da proteção da confiança reside no fato de que haja confiança a ser protegida, portanto a responsabilidade pela confiança Gerada depende da existência de uma correspondente confiança. Assim, mesmo na responsabilidade pela aparência, campo no qual sempre se invocou a teoria da confiança, serão excluídos do tema de estudo, aqueles casos em que a ordem jurídica prevê a proteção absoluta da relação, independentemente do fato de a parte ter confiado ou não na aparência ou mesmo procedido de boa-fé. Estão também excluídas do amplo leque que o principio da proteção da confiança alcança as hipóteses de responsabilidade por atos ilegais delituosos, em que a observância da confiança for apenas um elemento entre muitos, tratando-se antes de responsabilidade por delito e não de responsabilidade pela confiança gerada. Assim, a simulação delituosa pode estar excluída da responsabilidade da confiança. Assim, na teoria da Canaris, a responsabilidade pela aparência é uma forma positiva de confiança, porque aquele que confia é colocado, muitas vezes como se a situação por ele suposta, e em que confiou, fosse verdadeira, ou seja, como se na realidade existisse. Isso pode ocorrer no caso da procuração por aparência, na sociedade por aparência ou nos casos em que se apresente o comerciante aparente. 3.1. As espécies de proteção da confiança ou responsabilidade. Canaris estabelece a responsabilidade pela confiança positiva e responsabilidade pela confiança negativa. A confiança positiva se caracteriza pela  esfera jurídica por aquele que confia, é delimitada e garantida como se o fato, em que confiou realmente existisse. A confiança negativa não considera existente o fato em que se confiou, sendo ele desconsiderado, porém garante-se aquele que confiou uma indenização por danos.  A primeira tem efeitos mais completos e depende de certa esquematização, enquanto a segunda tem abrangência restrita, alcançando apenas os investimentos feitos por aquele que confia. 3.2. Características gerais da responsabilidade pela confiança e as hipóteses de aplicação. Como pressupostos gerais da responsabilidade pode-se citar: (i) o pressuposto fático da confiança, atribuível àquele que a gera e exige a tipicidade da confiança; (ii) a boa-fé daquele que confia; (iii) a confiança protegida não pode ser interior, fruto da consciência subjetiva da pessoa que confia, devendo ela ser objetiva; (iv) a imputabilidade, ou seja, a responsabilidade pela confiança der ser imputável ao responsável, entre o fato e as disposições ou investimentos por aquele que confiou. Esses pressupostos podem ser ou caracterizar uma proteção positiva ou um ressarcimento dos danos, quando na proteção da confiança negativa. A responsabilidade pela aparência do Direito, muito visível no Direito Empresarial, que se configura na proteção do trafego jurídico e ao livre transito de papeis, tais como, documentos, títulos de crédito, caracteriza-se pela rigidez legal para o responsável, podendo desdobrar-se em: (i) um conjunto de fatos aparente; (ii) o conhecimento do fato aparente por parte daquele que confiou e a sua boa fé; (iii)  as ações e omissões assumidas por parte daquele que confiou em relação causal com a sua confiança; (iv) a imputabilidade necessária ao responsável. A responsabilidade pela confiança gerada, por força de necessidade ético-jurídica, que cumpre função diferente da responsabilidade pela aparência, interliga-se ao pensamente da bona fides. Tem como base o § 242 do Código Civil alemão e se constrói sob os fundamentos da fidelidade, da crença, dos dolus e da proibição do venire contra factun propriun. Afirma Canaris que há necessidade de valiação do caso isolado, pois, os fatos são abertos e o sistema é móvel. Na responsabilidade ético-jurídica, há necessidade de se investigar o tipo e a medida das disposições tomadas por aquele que confia. A responsabilidade por declaração ocorre quando a pessoa se torna responsável pela declaração errônea que ela mesma forneceu, resultando das normas dos §§ 122-129 e 179, II, do Código Civil, bem como da culpa in contraendo e da responsabilidade por informações falsas. A responsabilidade por declaração funda-se na boa-fé, na fidelidade e na crença, e também na proteção ao tráfego jurídico. Canaris quando examina a tipicidade da confiança, a define como qualquer situação de fato que for apropriada para despertar a confiança, destacando dois grupos: (i) em realidades constitutivas externas artificiais, que incluem aquelas criadas pelas leis, como os registros públicos, patrimoniais, comerciais e de pessoas, e o título de herdeiro. Essas espécies de fatos, característicos da responsabilidade pela aparência, são estritamente disciplinadas pelo ordenamento positivo, e para eles somente valem asa disposições legais; (ii) em realidades constitutivas externas naturais, como as declarações orais, os documentos e o comportamento do concludente. A interpretação da confiança, em tais casos, é mais ampla podendo ser tomada com base nos princípios gerais e naturais. Canaris aponta cinco condições essenciais à caracterização por parte daquele que confia: (i) a boa-fé; (ii) o conhecimento da tipicidade da confiança; (iii) o investimento da confiança; (iv) a relação causal entre esse investimento e a confiança; (v) a ocorrência de uma praxe comercial. Afirma Canaris citado por Mizabel Derzi que, confiar não é nada mais do que a ausência de desconfiança. Ninguém confia com mais força do que aquele que não tem consciência de sua confiança. E continua a autora, mas são especialmente fortes as exigências de boa-fé (guter Glaube), em relação àquele que confia, exigências postas pelo jurista, sem estabelecimento claro de limites e diferenciações entre boa-fé subjetiva (guter Glauber) e boa fé objetiva (Treue um Glaube). A simples menção da palavra boa-fé arrasta consigo uma gigantesca biblioteca germânica e suíça, de absorção hodierna quase impossível, alem daquela de outros países, e brasileira. (DERZI, 2009, p. 352-353). 4. Pontes de Miranda versus Canaris. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (Maeió, 23/04/41892- Rio de Janeiro, 22-12-1979) foi um jurista, filósosfo, matemático e escritor brasileiro.  Autor de livros nos campos da Matemática e das Ciência Sociais, como a Sociologia, Psicologia, Política, Poesias, Filosofia, e sobretudo Direito. Aos dezenove anos formou-se bacharel em Direito e Ciências Sociais (1911) pela Faculdade de Direito do Recife, hoje integrante da Universidade Federal do Pernambuco,  mesmo ano em que escreveu seu Ensaio de Psicologia Jurídica, o qual foi alvo de elogios de Ruy Barbosa. Foi professor honoris causa (em português “por causa de honra” usada em títulos honoríficos concedidos por Universidades a pessoas eminentes, que não necessariamente sejam portadoras de um diploma universitário mas que se tenham destacado em determinada área, tais como  artes, ciências, filosofia, letras, promoção da paz, de causas humanitárias, etc) da Universidade de São Paulo, Univseridade do Brasil, Universidade do Recife, Universidade Federal de Alagoas, Pontificia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e, Universidade Federal de Santa Maria (RS). Foi desembargador do antigo Tribunal de Apelação do Distrito Federal e embaixador do Brasil na Colômbia. Em sua produção bibliográfica, 144 volumes dos quais 128 estudos jurídicos, destaca-se seu Tratado do Direito Privado, obra com 60 volumes e mais de 30 mil páginas, concluído em 1970. Suas primeiras obras,  À margem do direito (1912) e A moral do futuro (1913),  foram à época elogiadas pelos juristas Clóvis Beviláqua, Ruy Babosa  e pelo crítico literário José Veríssimo. Por duas vezes foi premiado na década de 1920 pela Academia Brasileira de Letras, da qual tornou-se imortal em 1979. Seus prêmios: Prêmio da Academia Brasileira de Letras (1921) por A Sabedoria dos Instintos e Láurea de Erudição (1925) por Introdução à Sociologia Geral. É considerado o parecerista mais citado na jurisprudencia brasileira. Sua biblioteca pessoal (16.000 volumes e fichário) hoje integra o acervo do Supremo Tribunal Federal. Paulatinamente, desde a década de 1990, suas obras estão sendo atualizadas e retornando ao mercado editorial brasileiro, através de várias editoras. Autor de influência alemã, introduziu novos métodos e concepções no Direito brasileiro, nos ramos da Teoria Geral do Direito, Filosofia do Direito, Direito Constitucional, Direito Internacional Privado, Direito Civil, Direito Comercial e Direito Processual Civil. A teoria da aparência é criticada por Pontes de Miranda, In Direito Cambiário, v. I, publicado em 1937 quando associa os poderes de representação aparentes à confiança, ao analisar o art. 46, da Lei nº 2044, que foi sucedida pela Uniforme, em seu at. 8º, cujo texto é “o que se disse com poderes, quer convencionais, quer legais, sem os ter, ou só os tendo insuficientemente, fica pessoalmente obrigado”, quando leciona: (MIRANDA, 1937, p. 96). “O mandato, propriamente dito, também esse pode resultar da aparência ligada á confiança do público, que a lei tem por intuito político jurídico proteger (…). Não é só. O conferimento de mandato pode resultar da aparência, se o mandante não deu poderes para os atos cambiários, ou para determinados atos cambiários, mas ciente ou devendo estar ciente da prática de atos cambiários em seu nome pelo representante, não toma atitude que resguarde os interesses da generalidade. As circunstâncias podem mesmo criar a obrigação cambiária de quem conhece a atividade cambiária de outrem, em seu nome, ou deve conhecê-la, posto que não haja qualquer mandato. Somente quando não se pode considerar obrigado cambiário qualquer dos mandantes aparentes acima menciona dos é que se aplica o art. 46 da Lei nº 2044 ou o art. 8º da Lei Uniforme.” As críticas de Pontes de Miranda concentram-se na teoria propriamente da criação ou da existência do título, que não é corretamente diferenciada de sua eficiência, campo dentro do qual afastará a teoria da aparência, por considerá-la inútil. Na explicitação a exigência da boa-fé, acolhida na teoria da criação ou na teoria construtiva, oponível aos portadores de títulos, afirma Pontes de Miranda que “Segundo E. Jacobi e Herbert Meyer, devem ser consideradas distintamente as relações jurídicas do subscritor com o primeiro tomador e as do subscritor com os terceiros de boa fé. Esses firmam o seu direito na aparência de haver o subscritor emitido o título em virtude de contrato, aparência que persiste em seus efeitos protetores do terceiro, ainda que o título houvesse entrado em circulação se, ou, mesmos contra a vontade do subscritor. Desvia-se a discussão para o terreno do principio de publicidade. Mas esquecem-se os estudiosos da aparência de direito, desde Otto Ficher até H. Mayer, de que um principio pelo simples fato de se referir a um instituto, não basta para explicá-lo, menos ainda para a sua construção dogmática. Em torno e através de cada instituto, muitos princípios passam. Estudado o princípio, estudado está o aspecto do instituto que ao princípio interessa não o instituto mesmo”. (MIRANDA, 1961, p. 176). Ao reduzir a teoria da aparência à teoria da publicidade, em relação aos títulos de crédito, Pontes de Miranda realça algo relevante que será retomado pela doutrina germânica contemporânea, em sítio diferente daquele que se escreveu, vale dizer, no campo das decisões judiciais, que desencadearam a sua eficácia em relação a terceiros, gerando expectativas normativas genéricas. No Brasil, a boa-fé, se faz sentir mais no Direito Civil e no Direito do Consumidor. Canaris constrói a proteção e a responsabilidade pela confiança constante do Código Civil alemão, e Pontes de Miranda, relativamente à teoria da aparência, associa os poderes de representação aparentes à confiança, quando analisada a Lei cambiária (L. 2004). 5. A boa-fé objetiva no Direito Privado. No pensamento de Pontes de Miranda, à época, ele afirmava que, o Código Civil Brasileiro de 1916, apenas adotava a boa-fé subjetiva e não a objetiva, como cláusula geral, como faz hoje o art. 422, do Código Civil de 2002, a exemplo do Código Civil alemão. O CC de 1916, não continha um artigo correspondente ao § 242 do Código Civil alemão. Ao insistir na visão de que teorias que se fundiam na equidade ou na boa-fé, são casuísticas, levava ao arbítrio do juiz, e refutava uma a uma, as possibilidades de extrair o princípio da boa-fé, das normas positivas, quer fosse do Código Civil ou do Código Comercial. A Lei de introdução às Normas do Direito Brasileiro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 4.657, de 04/09/1942, com a redação pela Lei nº 12.376, de 30/12/2010, no seu art. 4º, estabelece que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. No seu art. 5º, estabelece que na aplicação da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. No art. 126, do CPC, diz que o juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da Lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do direito. No art. 127 CPC, O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei. No art. 422, do Código Civil Brasileiro de 2002, está estabelecido que os contratantes são obrigados a guardar, assim, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. A boa-fé subjetiva. É a intenção, decore de um estado de consciência da parte, de estar agindo conforme os padrões de honestidade, de crença, de lealdade, honra e fidelidade, por isso não configura um a fonte genérica de obrigações, é casuística, e por seu caráter antes negativo do que positivo, não se pode dizer, a priori, da existência ou não de responsabilidade, e tudo dependerá do caso concreto (p.362). A boa-fé objetiva. A boa fé objetiva, não diz respeito ao estado mental subjetivo do agente, mas sim, ao seu comportamento em determinada relação jurídica de cooperação. O seu conteúdo consiste em um padrão de conduta, variando as suas exigências de acordo com o tipo de relação existente entre as partes (p.362). Nelson Nery Junior leciona que a boa-fé objetiva “é, pois, regra de conduta, de conteúdo e eficácia jurígena, vale dizer, é fonte criadora de direitos e de obrigações, tal como a lei sem sentido formal”. (NELSON NERY, 2008, p. 83). As origens da boa-fé germânica provêm do Direito Romano e Canaris, se utiliza para reforçar as garantias deixadas frágeis pelo legislador. A boa-fé objetiva também permeia o Direito Público.  Em decisão do STJ, citada por Miriam Campos, no qual o Banco de Brasil, em Memorando de Entendimento se dispôs a suspender a ação, em face do elevado numero de devedores, caso estes se dispusessem a negociar.  Entretanto assim, não o fez o Banco, daí os deveres recorrerem para obter a suspensão, fundado no princípio da boa-fé (CAMPOS, 2012, p.61). O Voto do Ministro Relator, Ruy Rosado de Aguiar (…) “O compromisso público assumido pelo Ministro da fazenda, através de memorando de Entendimento, para suspensão da execução judicial de dívida bancária de devedor que se apresentasse para acerto de contas, gera no mutuário a justa expectativa de que essa suspensão ocorrerá, preenchida a condição. Daí decorrer o direito particular de obter a suspensão fundado no principio da boa-fé objetiva., que privilegia o respeito à lealdade. Inconcebível que um Estado democrático, que aspire a realizar a Justiça, esteja fundado no principio de que o compromisso público assumido pelos seus governantes não tem valor, não tem significado, não tem eficácia. Especialmente quando a Constituição da república consagra o princípio da moralidade administrativa (CF. RESp- MS n.6183-MG, 4ª Turma, unanime, 14/12/95.” Nesta perspectiva, da boa-fé aplicada ao Direito Público, tem-se que as disposições contidas nos arts. 2º, § único, inciso IV, e 4º, inciso II, da Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e, ainda, no art. 116, II, da Lei nº 8.112, de 1990, se constituem, e devem ser entendidas como autênticas e lídimas as cláusulas gerais de regência no Direito Administrativo brasileiro. Isso em face de seu caráter fluido e vago que remonta a valores do sistema jurídico, conforme se confere do teor dos dispositivos retrocitados, a saber: “Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único: Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (…) IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé. Art. 4º. São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo: (…) II – proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; Art. 116. São deveres do servidor: (…) II – ser leal às instituições a que servir;” É preciso destacar que as cláusulas gerais, assim no Direito Público como no Direito Privado, detêm caráter de norma legal cogente, de eficácia vinculativa, cuja invocação para soluções concretas pode – e deve – ser feita ex-officio pelo juiz ou pela própria Administração, nas respectivas esferas de atribuições. A lição de NÉLSON NERY JÚNIOR, como a de tantos outros, deixa clara a força imperativa da boa-fé objetiva: “Sendo normas de ordem pública, o juiz pode aplicar as cláusulas gerais em qualquer ação, independentemente de pedido da parte ou do interessado, pois deve agir ex officio. Com isso, ainda que, por exemplo, o autor da ação de revisão do contrato não haja pedido na petição inicial algo relativo a determinada cláusula geral, o juiz pode, de ofício, modificar cláusula de percentual de juros, caso entenda que assim deva agir para adequar o contrato. Assim agindo, o juiz poderá ajustar o contrato e dar-lhe a sua própria noção de equilíbrio, sem ser tachado de arbitrário” (NELSON NERY, 2008, p.63). Nesses moldes, integrando a cláusula geral da boa-fé o conceito de legalidade, sob o aspecto da legitimidade e da juridicidade, deve a Administração dar-lhe aplicabilidade quando a realidade fática assim o requerer, sob pena de correção judicial ou do uso de seu poder de autotutela no que toca aos atos que pratica, anulando-os quando implicarem violação à boa-fé objetiva, conforme autorizam as Súmulas nºs 346 e 473 da STF, respectivamente: “A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” Assim, pode-se concluir que a boa-fé objetiva é instituto jurídico que tem cabal aplicação no terreno dos contratos administrativos, seja como princípio de Direito Público, seja como elemento da nova Teoria dos Contratos, nos termos do art. 54 da Lei 8.666, de 21 de junho 1993. 6. Em resumo, a proteção da confiança e a boa fé objetiva no Direito Privado. Em razão da profunda indeterminação do conceito de boa-fé objetiva, Manuel A. de Castro P. Carneiro da Frada, refuta-lhe o caráter subsidiário, como única função, a que se recorreria pelas circunstâncias difíceis e por razões de equidade, definindo a boa-fé objetiva como uma ideia regulativa (genérica), dotada de expressão legal, algo mais do que princípios e valores. (FRADA, 2001, p. 868). Por sua vez, Menezes Cordeiro vê a boa-fé como a tradução de valores fundamentais do sistema jurídico (CORDEIRO, 2003, P. 604). Para Canaris, o principio da boa-fé também se mantém, em muitos aspectos, de forma subsidiária, manifestando-se quando a equidade se faz necessária. Ambos os princípios éticos, o principio da confiança e da boa fé, são forma de compensação corretiva da justiça, guardando fluidez e indeterminação em sua materialidade. A boa-fé subjetiva daquele que confia está entre os pressupostos da proteção da confiança, pois o Direito não pode abrigar o desonesto, o desleal. Constitui verdade também que a responsabilidade pela confiança é como já apontava Canaris, um princípio ético-jurídico que permanece como pano de fundo, sempre aflorando naqueles casos em que a segurança garantia, disponibilizada e regulada pela lei, fracassa. Para Mizabel Derzi, nesse ponto se tocam a responsabilidade pela confiança alimentando-se da boa-fé na solução dos conflitos, atualizados pelos casos concretos. Mas mesmo quando se superpõem, não coincidem, ambos transbordam em funções, extensão e situações, a saber: (a) a proteção da confiança somente se aplica às partes dependentes que não tenha domínio dos eventos/acontecimentos, mas desfrutem de situação mais frágil em face do outro; (b) o principio da boa-fé objetiva, é fonte de deveres e de obrigações, o que não ocorre com a proteção da confiança. Mas esse ponto, da boa-fé objetiva, no Direito Público, ficará reduzido na legalidade, pois os deveres acessórios e laterais dos contribuintes deverão estar previstos em lei, como manda a Constituição.  (DERZI, 2009, p. 373-374). Carneiro da Frada submete-se a fundamentação do principio da proteção da confiança ao principio da boa-fé objetiva, reduzindo o primeiro em sua extensão em aspectos importantes, a saber: (i) Cortou-lhe a dimensão temporal que encontra na própria confiança; (ii) omitiu a proteção da confiança como uma relação no tempo; (iii) na responsabilidade pela confiança, assevera que imputação não advém do dolo; (iv) o caráter compensatório da proteção de confiança, que3 corrige a justiça comutativa; A responsabilidade pela confiança somente se apresenta para Carneiro da Frada, nas hipóteses de justiça comutativa corretiva, lugar onde a proteção da confiança e a boa-fé se encontram, ou seja, em casos concretos em que é necessário ao julgador fazer atuar o princípio da boa fé na função já apontada, de autorização para a decisão por equidade, hipótese em que entram em consideração à casuística e a adaptação do contrato á realidade fática do caso concreto. A posição de Carneiro da Frada, não leva em consideração o tempo, como dimensão relevante, sobretudo a justiça prospectiva, que além do passado, considera também o futuro. Esse conceito de justiça prospectiva depende de tempo, a formação dos fatos jurídicos e a proteção da confiança. Na verdade, os deveres primários, de prestação, podem se desdobrar ainda em principais e acessórios. Os deveres acessórios destinam-se a preparar o cumprimento ou assegurar a sua perfeita realização (conservar a coisa até a tradição ou transportá-la, na compra e venda) ou deveres secundários com prestação autônoma, podendo ser coexistentes com a prestação principal (indenizar pela mora ou substitutivos dessa prestação, tal como ocorre no Direto Tributário, com a obrigação principal e acessória). 7. A proteção da confiança e a boa-fé objetiva no Direito Público. Afirma Mizabel Derzi que o conceito de justiça prospectiva depende da associação entre os seguintes fatores: o tempo, a formação dos fatos jurídicos e a proteção da confiança. Por usa vez a proteção da confiança, sendo materialização direta da justiça prospectiva, está envolvida com a formação dos fatos jurídicos e o tempo.  Do ponto de vista do Direito Tributário, é de alta relevância realçar as relações de proteção da confiança com a segurança jurídica, cerne do Estado de Direito. (DERZI, 2009, p. 377). O Estado de Direito não é apenas Estado das Leis, pois administrar conforme a lei é antes administrar o Direito, razão pela qual a proteção da confiança e a boa-fé são componentes indivisíveis da legalidade, do Estado de Direito e da Justiça. Roland Kreibich menciona que juristas alemães utilizam a expressão boa-fé como sinônima de proteção de confiança. Outros como Krieger, Thiel, consideram a proteção da confiança um resultado ou consequência legal da boa-fé. Roland Kreibich, afirma que no plano abstrato e geral existem aplicações inerentes ao principio da proteção da confiança, que não tem relação com a boa-fé, a saber: (a) a irretroatividade das leis; (b) a obrigatoriedade do cumprimento de promessas e de prestação de informações; (c) a proteção contra a quebra ou modificação de regras administrativas; (d) a proteção contra a modificação retroativa da jurisprudência; (e) a garantia da execução de planos governamentais. Observa Kreibich, que na Alemanha, prevalece o principio da proteção à confiança, como um princípio-mãe, deduzido do Estado de Direito, através da segurança. (KREIBICH, 1992, p. 188). Kreibich aponta como divergência, existente entre o principio da proteção da confiança e o da boa-fé, o fato do primeiro ser mais abrangente, e assim, aplicar-se-á, às situações gerais, abstratas e aquelas concretas; já o segundo, o principio da boa-fé, somente alcança uma situação jurídica individual e concreta, ou seja alcança não as leis e os regulamentos normativos, mas apenas os atos administrativos individuais e as decisões judiciais. Para tanto elaborou o seguinte Quadro: Kreibich define o principio da boa-fé com um principio jurídico em geral (universal), válido para todas as áreas jurídicas, e sem restrições no Direito Tributário, sendo direito não escrito, que exige um comportamento leal, e confiável de todos os envolvidos em uma relação jurídica concreta, e que sendo ainda expressão da ideia da proteção da confiança no Direito Constitucional, através da segurança jurídica, decorre do Estado de Direito e da ideia de justiça (que lhe determina o sentido). Os princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, ao lado da proporcionalidade, que inspiravam a doutrina e a jurisprudências germânicas, passaram a influenciar as decisões das Cortes de Justiça Europeia, no Direito Tributário. Silva Calmes na sua obra de doutoramento, da notícia dessas transformações que na França, notabilizando três aspectos: (a) a necessidade de se estabelecer uma obrigação geral de respeito aos termos fixados aos prazos legais, tanto pelo legislador tanto pelo administrador (pacta sunt servanta); (b) necessidade de se criar obrigação geral de na retroatividade no Direito Tributário, relativamente aos três Poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário. (CALMES, 2001, p. 118). Nas constituições europeias na consagram a irretroatividade para o Direito em geral, salvo o Direito Penal; (c) Mudanças do legislador, quando necessárias, aplicando-se o principio da proporcionalidade. Afirma Mizabel Derzi que os posicionamentos acima, dão a ideia da complexidade do tema e antecipam a miscigenação entre os princípios da proteção da confiança, da boa-fé, e da irretroatividade. Tudo isso decorre da função de garantia subsidiária, atribuída ao principio de proteção de confiança, pois a ordem jurídica é frágil, em direitos fundamentais, quer ligados á segurança jurídica, à igualdade, à propriedade, à dignidade humana, ao pleno desenvolvimento da personalidade, em toda parte manifesta-se a proteção da confiança. Assim, as conclusões de Kreibich, com as quais concorda a Autora, não são simples. (DERZI, 2009, p. 377). 7.1. Uma síntese introdutória à complexidade do tema. Afirma Mizabel Derzi que em suas considerações sobre a proibição de retrocesso no campo dos direitos fundamentais, Ingo Sarlet, elege como foco, os direitos sociais e suas garantias, inerentes ao Estado Social de Direito, para traçar uma síntese, de que nos utilizaremos como introdução à complexidade do tema. Raciocinando sobre o dilema contemporâneo, de um lado demandas cada vez maiores por prestações sociais, de outro um decréscimo da capacidade prestacional do Estado e da sociedade, o jurista considera a proibição de retrocesso, para ponderar sobre o seu conceito extensão e limite. (DERZI, 2009, p. 383). O principio da proteção da confiança, no Direito Administrativo em geral e no Direito Tributário em particular, tem sido extraído, quer pela jurisprudência, quer pela doutrina alemã, daquelas cinco possibilidades enumeradas por Ingo Sarlet, a saber: I– da segurança jurídica e do Estado de Direito ou do conjunto dos direitos e garantias fundamentais, II– do direito de propriedade; III– do principio da dignidade da pessoa humana; IV– principio geral da igualdade; V– ou ainda, dos direitos sociais, principio do Estado Social (SARLET, 2007, p. 1-23). Na síntese dos fundamentos do principio da proibição de retrocesso á luz do Direito alemão, que se aplica em todos os aspectos ao principio da proteção da confiança, como citado por Ingo Sarlet, que aponta diferenças relevantes entre as duas ordens jurídicas, a brasileira e a germânica, a saber: I– alerta para o fato de que a Constituição da Alemanha, embora consagre o Estado Social e Democrático de Direito, não enumera os direitos sociais fundamentais em seu próprio texto, que têm embasamento infraconstitucional; II– no Brasil, ao contrário, os direitos sociais são material e formalmente fundamentais, gozando, dessa maneira (ou devendo gozar), de um grau mais elevado de proteção; III– aponte-se o fato de que o art. 5º, inciso XXXVI, da nossa Constituição, estabelece a proibição de retroação, impondo o respeito ao direito adquirido, à coisa julgada, e ao ato jurídico perfeito. Com exceção do Direito Penal, há uma carência de dispositivo expresso em relação á irretroatividade das Leis no Direito Constitucional, e assim, projeta o tratamento do tema para dentro do campo do principio da proteção da confiança que, em seu caráter de pano de fundo, aflora em toda sua plenitude, na jurisprudência e na Dogmática dos germanos. Não será o caso do Brasil, de se atribuir ao principio da proteção da confiança o papel de substituição dos direitos adquiridos, dos atos jurídicos perfeitos, da coisa julgada, e mais genericamente ainda, dos fatos jurídicos já ocorridos. 7.2. A proteção da confiança como princípio constitucional e suas relações com a irretroatividade e outros direitos fundamentais, na Dogmática alemã e suíça. O principio da proteção da confiança, em textos isolados, já era invocada na Alemanha, na época da Constituição de Weimar, mas foi, após as Grandes Guerras, que demonstrou a sua força, desenvolvendo-se, a partir de então, trabalhos dogmáticos muitos profundos. As teorias germânicas tiveram reflexos em outros países, em especial, na Suíça, onde o principio da boa-fé obscurecia o entendimento relativo á proteção da confiança. Segundo Weber-Dürler a proteção da confiança ganhará também na Suíça, depois de 1970, autonomia, pois passará a contribuir para a solução de casos, que haviam sido excluídos do âmbito de aplicação da boa-fé objetiva. Com o aparecimento do verbete proteção da confiança ocorreu não só uma superação terminológica, mas ficou patenteado o caminho para reconhecer e superar toda a problemática (DÜLLER, 1983, p.7). A confiança aplica-se a todos os ramos do direito e tem se manifestado a sua eficiência no Direito Administrativo, no Direito Ambiental, e de Energia Nuclear, no Direito Social e no Direito Tributário, passando a confiança ser a palavra conceito-chave para a fundamentação de um pedido de compensação. 7.2.1. Delimitação do objeto da proteção da confiança no Direito Público. O fato indutor da confiança é criado pelo Estado ou por órgãos públicos estatais. Essa a peculiaridade mais relevante, da qual resultarão outras, como a obrigatoriedade dos atos administrativos e da vinculatividade resultante dos atos estatais. Ato Administrativo, conforme as lições de Hely Lopes Meireles é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato, adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos ou impor obrigações aos administrados (MEYRELLES, 2001, p. 141). Os Atos administrativos vinculados são aqueles identificados pela ausência de liberdade do administrador que no momento da realização do ato deverá pautar sua conduta em conformidade com a forma e conteúdo consignado na lei, abstendo-se de juízos de conveniência e oportunidade. Diferentemente disso, nos Atos administrativos discricionários sobressai-se certa margem de discricionariedade do executor, franqueando-se a possibilidade de valorar subjetivamente a conveniência e oportunidade da realização do ato. Portanto, nessa espécie, é a própria lei que confere ao agente público uma margem para escolha da solução que melhor atenda os interesses públicos em jogo. A vista da violação da confiança ou da ameaça de fazê-lo, o cidadão volta-se contra o próprio Estado, para exigir a proteção da confiança nele depositada. Assim, no Direito Público, nada obstante, o principio da proteção da confiança configura um direito individual fundamental, extraído da Constituição, que somente defende a confiança das pessoas privadas, em face das ações ou omissões dos órgãos estatais. 7.2.2. Do plano: o principio da proteção da confiança somente protege o cidadão/contribuinte ou o privado, contra Estado. A dogmática e a jurisprudência alemãs e suíças utilizam o principio da proteção da confiança como principio e como direito fundamental individual, que somente o privado reivindica em contraposição à Administração Pública, ao Poder Legislativo e Poder Judiciário quando os Poderes do Estado criam fato gerador da confiança. Afirma Weber-Düller que, “A administração irá gerar confiança em virtude da multiplicidade da atividade administrativa de modos muito distintos, por exemplo, através de informações ou promessas, através de atos administrativos, através de contratos administrativos, através do ato de tolerar uma situação; além disso, regulamentações, a praxe administrativa até então, o trabalho de publicidade da Administração, bem como a existência de determinadas instituições públicas poderão ter como consequência confiança e disposições condicionadas á confiança do cidadão. Na Justiça, a proteção da confiança se torna atual, sobretudo, frente as alterações jurisprudenciais, apesar de também ocorrerem outros fatos constitutivos de uma realidade que fundamentam confiança, como despachos dos tribunais, informações sobre recursos jurídicos ou informações de pessoas no Tribunal. Por fim, inclusive o legislador vai ser fundamento para a confiança do cidadão, pois a tarefa da legislação é justamente garantir previsibilidade e possibilidade avaliação.” (DÜLLER, 1983, p. 10). Fábio Martins de Andrade, professor da de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ, reforça este posicionamento quando assegura que nesse cenário exercem relevante papel os princípios da proteção da confiança legítima, da boa-fé e da segurança jurídica, que giram em torno do respeito aos direitos fundamentais dos contribuintes, e não em favor do Fisco, sobretudo de modo acrítico ou com base primordialmente nos tais argumentos pragmáticos ou consenquencialistas ( ANDRADE, 2011, p. 198-199). A questão de saber se a proteção da confiança das pessoas de direito público, uma contra as outras, se desdobra nas mesmas soluções ou dilemas e com igual intensidade como se dá no Direito Privado, ainda está por se explicar. Segundo Weber-Dürler, isso ainda não ficou claro. 7.2.3. Fundamentação mais recente. A fundamentação mais recente do principio da proteção da confiança não se satisfaz com a invocação difusa da segurança jurídica, da estabilidade das relações e da previsibilidade inerente ao Estado de Direito. São enriquecidas com os seguintes argumentos de O. Bachof: (a) a relação de dependência das pessoas privadas em relação ao Estado é cada vez mais invocada; (b) a liberdade, como possibilidade de a pessoa estruturar a própria vida privada; (c) a aplicação da regra quanto mais, tanto mais. Quanto maior pressão do Estado sobre o individuo, mais dependente ele ficará dependente de uma decisão do Poder Público, e assim o individuo confiará na decisão (BACHOF, 1989, p.291). O principio da proteção da confiança, como principio ético-jurídico, quando em geral está casado com a boa-fé, aplica-se de forma homogenia nas relações de coordenação, nascidas da autonomia das partes, inerentes à justiça comutativa do direito dos contratos, das obrigações em geral e da responsabilidade civil, inclusive no que concerne ao Estado, se envolvido em tais relações. 7.2.4. Funções e limites. A Dogmática alemã destaca que o principio da proteção da confiança tem a função de conciliar diversos princípios. A jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha pondera que a proteção da confiança resulta da dialética entre a continuidade das normas, liberdade e segurança de um lado e, por outro lado, do desenvolvimento social e dinâmico do Estado distribuidor. Este aspecto tem origem no Estado multifuncional, que de certa forma casou o Estado Protetor do Direito, com a ideia do Estado Social com o Estado distribuidor. 7.2.5. Localização do Principio da proteção da confiança na Constituição.  O principio da proteção da confiança encontra-se em todos os lugares. As fontes de dedução alemã ou suíça tem sido: (a) a boa-fé, de acordo com a Corte Administrativa Federal alemã; (b) o principio do Estado de Direito tem sido a grande fundamentação e primeira do Tribunal Constitucional alemão. As fontes de dedução do principio da proteção da confiança, pela dogmática alemã e suíça são: (a) o principio do Estado de Direito, na segurança jurídica defendida por Roland Kreibich; (b) principio da boa-fé objetiva, em conjunto com a segurança jurídicas, defendida por Weber Düller; (c) principio do Estado Social, como justificação da proteção da confiança, conforme defende J. Mainka; (d) direito fundamental da propriedade, que engloba todas as variações da proteção da confiança, defendida por Walter Schimidt; (e) proteção a liberdade, no sentido do livre desenvolvimento da personalidade, defendida por E. Grabitz; (f) como proteção do status e do livre exercício da profissão, ao principio da confiança, defendido por U.K.Preuss; (g), como regra para a igualdade de tratamento, a proteção de confiança se apresenta como um direito fundamental, defendida por N. Achterberg; e, (h) como demonstração da dignidade humana, defendida por M. Sachs e R. Zuck. 7.2.6. O que é digno de proteção. Em relação às especificidades que o Direito Público contém unilateralidade da aplicação do principio da proteção da confiança do cidadão, e não do Estado, e, o sopesamento do interesse público, questiona-se a aplicabilidade dos requisitos gerais do principio de confiança, prevalecendo os institutos jurídicos de Direito Privado, são adequados, no que couber. Com isso devemos especificar o que é digno de proteção, a saber: (a) a continuidade da ordem jurídica; (b) a proteção da continuidade, do ponto de vista material; (c) a fidelidade ao sistema e à justiça; (d) a proteção da disposição concreta ou de investimento; (d1.) prática da confiança como indicador; (d.2) proteção da confiança sem prática da confiança; 7.2.7. Enfim, de como a proteção da confiança (e boa-fé) suprem lacunas de garantia, no Direito positivo alemão e suíço. É impressionante constatar a constância com que o principio da proteção da confiança é invocado para suprir lacunas de garantias no Direito Constitucional, em especial naqueles Países, em que a vedação de retroação do Direito somente alcança a lei penal, de forma expressa. No Brasil, apenas nos espaços restritos e controversos ou de fragilidade do principio da irretroatividade é que surgirá, como garantia ético-jurídica, o princípio da proteção da confiança. Mas a Constituição da República não se refere á irretroatividade das modificações da jurisprudência, limitando-se, pois, às leis. Nesse sítio, exatamente nele cabe à indagação. Poder-se-ia falar de aplicação analógica do principio da irretroatividade às modificações da jurisprudência, como ocorre em relação aos atos normativos do Poder Executivo? Trata-se, efetivamente de irretroatividade em que, mais uma vez, havendo certa fragilidade de garantia, ressurge a questão da proteção da confiança e da boa-fé. O que é irretroatividade? 7.3. A irretroatividade das leis. A Constituição Federal de 1988 ao proibir a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do inicio da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado, nos termos do art. 150, III, “a”, igualmente estabeleceu a promoção dos ideais de confiabilidade e previsibilidade do ordenamento jurídico, não podendo os efeitos das normas jurídicas, hoje válidas, serem objeto de modificação por normas futuras, pois, o contribuinte apresenta maiores condições de confiar tanto na permanência das normas e dos seus efeitos, quanto à vinculatividade do ordenamento jurídico como um todo. Como leciona Umberto Ávila a Constituição, por meio de estabelecimento dos comportamentos a serem adotados, protege a segurança jurídica como segurança do Direito, do cidadão frente ao Estado, a ser realizada pelo Estado por meio da instituição da cobrança de tributos. A proibição de retroatividade não foge a essa regra. Tanto é assim que foi editada pelo Supremo Tribunal Federal a Súmula n. 654, segundo a qual “a garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha a editado”. (ÁVILA, 2012, p. 242). O principio da irretroatividade é decorrência normal, da natureza das leis, advém da lógica das coisas, da razão e da moral e está na base do princípio da separação de Poderes. É antigo e já conhecido do Direito Romano. Como as decisões judiciais são operações internas ao sistema, elas se voltam precipuamente para ao passado, para o imput, como lecionou Niklas Nusmannn. Pode-se dizer que o pensamento jurídico universal, há séculos sempre condenou o efeito retroativo das normas jurídicas. A política legislativa é divergente. Enumeram-se as principais divergências: (a) ordens jurídicas em que a Constituição silencia e o Código Civil não contém regras decisivas de direito intemporal; (b) outras ordens jurídicas, que representam a maioria, adotam o principio da não retroação como regra, consignada em lei ordinária, com sentido de política legislativa; (c) finalmente, há sistemas jurídicos, nos quais o princípio da irretroatividade tem natureza de norma constitucional expressa, válida para todos os ramos do Direito ou, pelo menos, para áreas extensas do Direito. Registre-se a peculiaridade do principio da irretroatividade no Direito Tributário, de abrangência e aplicação restrita ao contribuinte. Ao contrário, a Constituição da República de 1988, autoriza expressamente que a lei tributária retroaja, para reduzir impostos ou extingui-los, por meio de remissões e de anistias, consoante o disposto contido no § 6º, do art. 150, da CF: “Art. 150, § 6º. Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas, ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual, ou municipal, que regule expressamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, §2º, XII, “g”.” A Súmula nº 654 do STF, consagra o entendimento acima tendo o seguinte verbete: A garantia da irretroatividade da lei, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição da República, não é invocável pela entidade estatal que a tenha editado. As teorias que se levantaram em torno da irretroatividade das leis, são muito numerosas, mas as mais importantes podem sem ser concentradas em dois grandes grupos, a saber: (a) as teorias subjetivistas, que preferencialmente focalizam o problema em face dos direito subjetivos individuais; (b) as teorias objetivistas, assentam a regra básica, capital, fundamental de que a lei sempre dispõe para o futuro, não retroage. Portanto, pela Constituição da República, os fatos jurídicos pretéritos e respectivos efeitos estão por ela protegidos contra a retroação de uma lei nova, conforme disciplina o inciso XXXVI, do art. 5º, ao dispor que, a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. 7.3.1. A irretroatividade das leis, em relação a fatos e efeitos. O Direito Tributário e os fatos geradores pendentes. A Constituição Brasileira silenciou em relação aos fatos pendentes, ou seja, fatos que ainda não ocorreram, mas que sendo de formação lenta no tempo, apenas iniciaram. Segundo a regra da aplicação da lei nova, para Pontes de Miranda, a lei se aplica no presente. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, STF, a irretroatividade da lei nova, em relação aos fatos pretéritos à sua vigência, abrange os efeitos dos fatos já ocorridos, ainda que eles perdurem no presente. 7.3.1.1. O fato pretérito tributário e seus efeitos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. O principio da irretroatividade do Direito positivo brasileiro não é pleno de exceções, como em outros países, em que não obteve consagração constitucional. Mesmo antes da Constituição de 1988, na qual, pela primeira vez, o principio da irretroatividade foi especificamente expresso para o Direito Tributário, o Supremo Tribunal Federal, acolheu o entendimento, repelindo empréstimos compulsórios retroativos, embora criados em situações excepcionais de calamidade pública ou urgente absorção temporária de poder aquisitivo (com base de na Constituição dede 1967/1969). A Constituição Federal, por meio da irretroatividade, protege tanto os efeitos irradiados pelo fato como o próprio fato, que está de acordo não apenas com a lógica jurídica, mas, sobretudo, com valores que o principio abriga. O art. 5º, XXXVI, por tradição histórica, refere os efeitos, mas o art. 150, III “a”, destaca o fato jurídico, vedando a retroação da lei. 7.3.1.2. A irretroatividade dos impostos no período. A Dogmática e a Jurisprudência, após a Constituição de 1988. A Súmula 584, do Supremo Tribunal Federal foi editada em dezembro de 1976, com o seguinte teor: “Ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração”. A doutrina e a jurisprudência, que já não vinham aceitando a Súmula 584 do STF, tomaram novo alento com a Constituição de 1988. Ao mencionar o principio da irretroatividade, de forma específica para o Direito Tributário, se aperfeiçoou a redação tradicional, na linha apontada por Pontes de Miranda, referindo-se a fato jurídico pretérito no art. 150, III “a”, embora genericamente já o tivesse consagrado por meio de vedação histórica de ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e á coisa julgada, no art. 5 º, XXXVI, CF. O que é decisivo, para a modificação de uma jurisprudência consolidada que somente se forma em Plenário, são novas decisões (e bastaria uma) do Plenário da Corte Suprema, que dessem resposta diferente à mesma questão geral: que lei se aplica à apuração periódica da renda, para fins de imposto? Vale registrar que somente outra decisão plenária seria apta à superação da revogação da citada Súmula. 7.3.1.3. A irretroatividade como tutela da confiança, no Direito Tributário alemão. Inaplicabilidade da distinção entre retroatividade autêntica e retro atividade imprópria no Direito brasileiro. No sistema jurídico alemão, com ausência de norma constitucional sobre o principio da irretroatividade, ficou o legislador bem mais livre para alcançar certos fatos pretéritos ou para atingir-lhes os efeitos. Constituiu-se então, uma distinção entre retroatividade própria e imprópria. A retroatividade própria ou autentica apresenta-se quando a lei alcança fatos e relações jurídicas e consequências, inteiramente ocorridos no passado, ou seja, anteriormente à sua vigência. Ela está vedada porque a segurança jurídica e a confiança na lei são limitações para o legislador alemão, decorrentes do Estado de Direito. A retroatividade imprópria que se dá quando a lei atua sobre relações jurídicas e situações de fato ainda na concluídas, são admissíveis. Mesmo assim, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão admite-se a retroatividade autêntica nas circunstancias que: (a) o direito, vigente à época da ocorrência do fato, era lacunoso ou tão obscuro que nenhuma situação de confiança se criava com base nele; (b) a confiança não seria digna de proteção, pois de acordo com a situação jurídica existente à época da mudança da lei, o cidadão deveria esperar a nova regra; (d) finalmente, razões de extrema gravidade, decorrentes de bem geral ou coletivo, podem se sobrepor ao mandamento da irretroatividade. A diferenciação entre retroatividade própria e imprópria não tem aplicação no Direito Tributário brasileiro, conforme Mizabel Derzi pelas seguintes razões: (a) o que é relevante em nossa ordem jurídica é o momento da vigência da lei; (b) não admitimos a separação entre fatos jurídicos e seus efeitos, como já visto em jurisprudência do STF; (c) em relação aos impostos de período, como imposto de renda. (DERZI, 2009, p. 448). Devem-se observar outros pontos relevantes, seja para os alemães, suíços, norte americanos, brasileiros, ou outros povos, o principio da proteção da confiança, por necessidade ético-jurídica, a saber: (i)  em relação aos impostos de período, quando o principio da irretroatividade das leis se apresentar isoladamente, sem a qualificação do principio da anterioridade; (ii) em relação aos direitos expectados que, não tendo ainda se tornado “adquiridos”, pela ausência de todos os requisitos exigíveis, são especialmente fortes, em razão do tempo de duração para a sua formação; (iii) em relação à irretroatividade dos atos emanados dos demais Poderes, Executivo e Judiciário, já que a Constituição da República somente se refere ao principio da irretroatividade das leis. 7.4.  O tempo e a irretroatividade dos atos do Poder Executivo e o Poder Judiciário, a proteção da confiança e a boa-fé objetiva. Não se conhece uma Constituição que consagre o principio da irretroatividade em relação aos atos de todos os Poderes: às leis, aos decretos regulamentares e demais atos do Poder Executivo e à modificações de decisões judiciais. Isso tem um sentido e está na raiz do princípio da separação dos Poderes. O tempo das leis, já se o disse, é diferente do tempo da sentença. O principio da irretroatividade das leis é considerado “natural”, ínsito, algo que lhes é próprio. Como destacado com Niklas Lumann, em especial na teoria da constituição, o legislador trabalha na periferia do sistema, onde está mais perto dos sistemas, mais voltado para o futuro. Também os casos são reconstituídos e lei interpretada pela Administração Tributária. Mas tudo de forma provisória, pois somente o Poder Judiciário aplica e interpreta definitivamente a Lei. Art. 5º, XXXV, CF: A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça ao direito. Sendo os atos administrativos do Poder Executivo anuláveis, surgem então, os princípios da proteção da confiança, da irretroatividade e da boa-fé, sempre invocados em favor do administrado, do cidadão-contribuinte, que confiara na aparência da legitimidade dos atos administrativos. A invalidação é o ato administrativo praticado em desconformidade com o ordenamento jurídico, devendo ser extinto ou anulado pela Administração. Quanto aos efeitos da invalidação, destaca-se que Administração Pública poderá invalidar o ato de ofício ou pela provocação do interessado por afrontar o ordenamento jurídico, tendo efeitos “ex tunc”, com a pretensão de retirar os efeitos que foram produzidos pelo ato até o momento da invalidação e impedir que o mesmo continue a produzir os seus efeitos. No Poder Judiciário, nada impede que pela inércia da Administração, o Poder Judiciário, quando provocado, anule os atos administrativos em desconformidade com o direito: Art. 5º, XXXV, CF, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça ao direito”. Neste sentido, A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvadas, em todos os casos a apreciação judicial. (Súmula 473, STF). 7.4.1. A boa-fé objetiva e os deveres laterais da Administração tributária, na pratica dos atos administrativos de cobrança dos tributos. Os deveres laterais dos contribuintes. Valores como democracia, ética, deveres de informação e de colaboração, que transformam as relações jurídicas, na contemporaneidade, não são um movimento isolado. Do lado da Fazenda Pública, levantam-se deveres materiais, como os de colaborar com o contribuinte para o cumprimento fiel e simplificado das leis, procedimentalização dos atos de fiscalização, em que se deve primeiro ouvir o contribuinte, antes das autuações, enfim, dá-se, em toda parte, uma renovação do consentimento de tributo. Além deles, mas também legalmente estabelecidos, outros deveres aproximam-se muito mais daqueles chamados “laterais”, porque não decorrem da prestação principal, mas sim do status genérico de contribuinte ou de na contribuinte (isenções e imunidades). A peculiaridade que aqui se deve lembrar, mais uma vez em relação ao Direito Privado, resulta do fato de que todos esses deveres, acessórios ou laterais, não podem ser presumidos, ou deduzidos implicitamente, são decorrentes de lei. Assim como as sanções, que são consequentes a seu descumprimento. A boa-fé objetiva é o fundamento da lei, mas ela não transparece. Erros e omissões do contribuinte, dolosos ou não, acarretam pesados encargos financeiros, punitivos. A fraude e a sonegação, ademais, configuram crimes. O Professor Heleno Taveira Torres, da Universidade de São Paulo, leciona que o STJ tem admitido à aplicação da boa-fé na análise de conduta do contribuinte, para aferir a responsabilidade nas infrações fundadas no “dolo”, como se encontram nos arts. 136 e 137, II, do CTN. A prova dos elementos objetivos ou materiais que demonstrem o referido estado de inacessibilidade faz-se imprescindível. (TORRES, 2012, p. 257-258). A alegação de ignorância da legislação tributária, como um direito assente na boa-fé objetiva, porém, não se pode converter em uma espécie de direito de resistência individual contra a lei à qual se obriga a observar, por mandamento constitucional. O emprego do principio da boa-fé e não propriamente o de confiança legítima, como causa da justificação da exclusão de culpa em eventual descumprimento da legislação por evidente desconhecimento do seu conteúdo, uma vez comprovado, deve ser admitido para afastara sujeição a qualquer penalidade.  Trata-se de algo que só poderá ser tutelado dentro das condições objetivas de efetiva inacessibilidade. 7.4.2. A irretroatividade dos atos administrativos. A responsabilidade das Fazendas Públicas pela confiança gerada, nos procedimentos desenvolvidos, nos atos administrativos efetuados e nas informações, consultas e declarações. Os atos normativos regulamentares do Poder Executivo jamais retroagem, já que as leis em que se baseiam, não podem retroagir, por expressa proibição da Constituição da República. São situações de aplicação dos princípios da irretroatividade, da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, se presente os seguintes objetivos: (1) As mudanças de normas regulamentares e outras complementares, agravadoras dos deveres dos contribuintes e restritivas do exercício dos seu direitos, sem que tenha ocorrido, para isso, alteração prévia da lei em que se fundam; (2) as mudanças de atos administrativos individuais, de concreção e aplicação das leis, nos lançamentos, autuações e cobranças de tributos, que onerem de forma mais intensa os contribuintes; (3) as respostas á consultas, as informações e declarações da Administração tributária, capazes de guiar-lhes a conduta. A Lei nº 9.784, de 29/01/1999, que disciplina o processo administrativo, além de estabelecer o prazo decadencial de cinco anos, contados da data em que forem praticados, para que a Administração anule os atos administrativos “de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários” (art.54) vedou ainda a aplicação de nova interpretação de norma jurídica a fatos pretéritos (art. 2º, inciso XIII, parágrafo único). A Lei citada, efetivamente, em todos os casos omissos do Código Tributário Nacional, CTN, terá aplicação integral. 7.4.3. Resumo. E como as leis não retroagem, porque isso não é de sua natureza, não podem os Poderes, Executivo, inclusive o judiciário, retroagir. O raciocínio lógico derivado será o de que os atos de tais poderes jamais retroajam, pois jamais determinam validamente, a invasão do passado, já que a  lei, à qual se vinculam, não poderá fazê-lo. Enfim, têm total e ampla aplicação, no Direito Administrativo e Tributário brasileiros, as conclusões a que chegam a Dogmática e a jurisprudência alemãs e suíças. O principio da proteção da confiança e da boa-fé objetiva são princípios e direitos fundamentais individuais, que somente o privado pode reivindicar. Em contraposição à Administração Pública, ao Poder Legislativo e Poder Judiciário, quando os Poderes do Estado criam fato gerador da confiança. 8. Conclusão. Consoante todos os fatos, os posicionamentos doutrinários, os fundamentos constitucionais, legais e jurisprudenciais, pode ser observar que na Constituição Alemã e na maioria das Constituições europeias não está explicito a irretroatividade das leis, exceto no caso da Lei Penal. Assim, eles se utilizam do principio da proteção da confiança. Por outro lado, no Brasil, apenas nos espaços restritos e controversos ou de fragilidade do principio da irretroatividade é que surgirá, como garantia ético-jurídica, o princípio da proteção da confiança, na medida em que o inciso XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal da República, já estabelece a irretroatividade da Lei, ao consagrar, por meio de vedação histórica, de ofensa ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, consoante regra estabelecida no art. 5 º, XXXVI, CF, ficando consubstanciado que o art. 150, III “a”, do CF, destaca o fato jurídico, vedando a retroação da lei. A Constituição da República Federativa do Brasil não se refere à irretroatividade das modificações da jurisprudência, limitando-se às leis, razão pela qual, Mizabel Abreu Machado Derzi, escreveu a obra “Modificações na Jurisprudência no Direito Tributário Brasileiro”. Nesse sentido, exatamente nele cabe à indagação. Pode-se falar de aplicação analógica do principio da irretroatividade às modificações da jurisprudência, como já se falou em relação aos atos normativos do Poder Executivo, retro comentados no presente Artigo? Trata-se, efetivamente de irretroatividade em que, mais uma vez, havendo certa fragilidade de garantia da segurança jurídica, ressurge a questão da aplicação da proteção da confiança e da boa-fé, tal como ocorre na Constituição Alemã e na maioria das Constituições europeias. Finalmente, os posicionamentos acima dão a ideia da complexidade do tema e antecipam a miscigenação entre os princípios da proteção da confiança, da boa-fé, e da irretroatividade. Tudo isso decorre da função de garantia subsidiária, atribuída ao principio de proteção de confiança, pois a ordem jurídica é frágil, em direitos fundamentais, quer ligados à segurança jurídica, à igualdade, à propriedade, à dignidade humana, ao pleno desenvolvimento da personalidade, em toda parte manifesta-se a proteção da confiança.
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Economia tributária na prestação de serviços intelectuais
Uma pessoa física, prestadora de serviços intelectuais, pagaria mensalmente um valor muito superior ao do mesmo serviço prestado por uma pessoa jurídica tributada pelo Lucro Presumido. A constituição de pessoa Jurídica é uma forma de elisão fiscal que permite pagar menos tributos, ou seja, evita a ocorrência do fato gerador que resultaria em uma maior carga tributária para o contribuinte. A escolha da modalidade da empresa e forma de tributação também pesa muito, pois poderá comprometer ou envolver a pessoa física do prestador de serviço que em caso de fracasso responderá ilimitadamente envolvendo seu próprio patrimônio pessoal e familiar. O surgimento de uma nova modalidade de empresa permitida para esse tipo de trabalhador resolve essa questão, é a empresa individual de responsabilidade limitada, modalidade ainda muito nova, mas, une o benefício da menor tributação como empresário e não envolve o patrimônio da pessoa física.  A escolha pelo regime de tributação Simples Nacional não é permitido por lei à grande maioria dos prestadores de serviços intelectuais. Saber escolher o regime de apuração das receitas pode gerar mais economia do que a própria escolha da modalidade de tributação. Além de diminuir a alta carga tributária, o planejamento tributário também analisa a gestão do risco fiscal, evitando desconfortos futuros para o contribuinte. Ademais, o propósito desse estudo foi a de postergar, diminuir e evitar a ocorrência do fato gerador dos tributos, levando em conta todos os riscos fiscais envolvidos na tomada de decisão.
Direito Tributário
1 INTRODUÇÃO O presente trabalho abordará a situação tributária de prestadores de serviços intelectuais e tratará de fazer um planejamento para definir qual a melhor opção e forma de pagamento de seus tributos com a maior transparência e economia possível. O estudo se utilizará da elisão fiscal como forma de postergar ou até evitar a ocorrência do fato gerador do tributo. A melhor opção de enquadramento fiscal e contábil para esses prestadores será tratada nesse trabalho através de um estudo aprofundado do caso.  O planejamento necessita ser válido e seguro, feito por uma pessoa qualificada que venha a gerenciar o risco fiscal e alertar o contribuinte sobre riscos futuros que possam prejudicá-lo. Qual a situação mais econômica de enquadramento fiscal e contábil para os prestadores de serviços intelectuais. Quais são os tributos incidentes na prestação dos serviços e como devem ser apurados. Será analisado dentre duas modalidades tributárias permitidas por lei – Lucro Real x Lucro Presumido em quais nossos prestadores de serviços localizados em Santa Catarina deverão seguir para evitar, postergar ou diminuir a alta carga tributária considerada abusiva paga por eles dentro desse território. Será feito uma análise do trabalho realizado como pessoa física levando em conta a transformação de um autônomo em empresa ou sociedade empresária. O objetivo principal será levar benefícios econômicos para a classe de prestadores de serviços intelectuais que muitas vezes prestam serviços de forma autônoma. O autônomo, sem saber como proceder contabilmente e muitas vezes por querer contratar mão de obra barata acaba não evitando o bombardeio de tributos que acabam caindo sobre ele, restando somente uma alternativa, a de pagar o tributo devido. A definição do regime de competência x regime de caixa ganhará destaque, pois, sabemos que em algumas modalidades de tributação é permitido optar pelo regime de apuração das receitas. A justificativa do trabalho se dá pela necessidade de conhecimento sobre o assunto para os próprios prestadores de serviços intelectuais. Ademais, os contadores e escritórios de contabilidade precisam se interar desse conhecimento para dar subsídio ao contribuinte auxiliando e dando suporte adequado a esses profissionais. Um planejamento tributário para o prestador de serviços intelectuais se faz muito necessário, é tão importante quanto escolha da atividade econômica exercida por ele. Esses dados ainda geram muitas dúvidas e são desconhecidos por grande parte dos contadores e empresários. Na busca por respostas esclarecedoras sobre o assunto vamos nos utilizar dos meios oferecidos pela legislação atual. 2.  PRESTADOR DE SERVIÇOS INTELECTUAIS – PESSOA FÍSICA O conceito de prestadores de serviços intelectuais encontra-se no (Código Civil art.966, parágrafo único). “Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, artística ou literária, ainda com concurso de auxiliares e colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. Também está vedado optar pela modalidade Simples Nacional as empresas que exercem atividades de serviços intelectuais conforme (Lei Complementar nº. 123/2006). “Art. 17.   Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: XI – que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, bem como as que prestam serviços de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios.” Observando as tabelas de IRPF verificou-se que uma pessoa física, prestadora de serviços intelectuais, pagaria mensalmente um valor muito superior ao do mesmo serviço prestado por uma pessoa jurídica tributada pelo Lucro Presumido. Tomando como exemplo um faturamento de 20.000,00 mensais temos a seguintes tabelas representativas conforme Lei nº 11.119, de 25 de maio de 2005: Temos também a questão do INSS no caso de uma pessoa física prestar serviços para uma pessoa jurídica constituída como sociedade empresária. A sociedade deverá recolher 20% de INSS sobre o preço do serviço recebido de uma pessoa física. No caso de um serviço no valor de R$ 200.000,00 será pago pela empresa o valor de R$ 40.000,00 de INSS. O mesmo não é exigido se a prestadora de serviços fosse outra sociedade e não a pessoa física. O prestador de serviços intelectuais pagará ISS no valor fixo anual conforme redação dada pela Lei Complementar nº. 024 de 01 de julho de 2004 em seu artigo 19. Com fundamento no (art. 129 do Código Civil), observa-se que: “Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica […] em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada se sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº. 10.406 de janeiro de 2002 – Código Civil.” Podemos concluir com isso que uma forma de evitar a alta carga de tributos na pessoa física é a constituição de uma empresa. Encontramos aqui uma forma da utilização de Elisão Fiscal, sendo perfeitamente lícita a constituição de pessoa Jurídica como forma de pagar menos tributos pelos prestadores de serviços intelectuais. O caso evita a ocorrência do fato gerador que resultaria em uma maior carga tributária para o contribuinte e também para a empresa tomadora do serviço que nesse caso pagaria menos INSS se estivesse contratando os serviços de outra empresa ou sociedade. Nesse caso também não há uma desconsideração de personalidade jurídica uma vez que o próprio código diz que sem prejuízo observado no art. 50 da Lei nº. 10.406 que trata do assunto de descaracterização de personalidade jurídica em alguns casos em que o contribuinte responderia como pessoa física com o seu próprio patrimônio, ou seja, teria responsabilidade ilimitada e não limitada ao valor de seu capital social, assunto que será tratado a seguir. 3. PRESTADOR DE SERVIÇOS INTELECTUAIS – PESSOA JURÍDICA Na hora de escolher qual o tipo de empresa mais recomendável para os prestadores de serviços intelectuais surge outra dúvida de qual a melhor modalidade. Já sabemos que o trabalhador como autônomo irá pagar mais tributos e não será viável permanecer como pessoa física, vamos agora buscar na legislação a melhor modalidade a ser escolhida e por que. 3.1 EMPRESÁRIO INDIVIDUAL Conforme o (Código Civil, art. 967), “o empresário individual não dá origem a uma pessoa jurídica diferente de sua pessoa física em relação ao patrimônio familiar e pessoal”.  Com a abertura da empresa individual ele responde pessoalmente com seu patrimônio familiar presentes e futuros caso não alcance o sucesso esperado e adquira dívidas que não poderá honrar nos devidos prazos legais estabelecidos. “Os seus bens pessoais ficam desprotegidos, pois, estará os comprometendo com as dívidas contraídas pela pessoa jurídica” (artigo 591 do Código de Processo Civil). Mesmo tendo inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica não existe uma personificação jurídica e sua responsabilidade é ilimitada. O mesmo acontece se o contribuinte contrair dívidas em seu nome, ele também responde com o capital de sua empresa, afetando tanto o patrimônio particular quanto o empresarial. Ademais, a grande vantagem é de que a forma de tributação é a mesma de uma sociedade limitada, livrando-se da alta tributação como autônomo onde o percentual de tributação do IRPF é de 27,5%. O contribuinte que escolher esse regime terá uma redução na carga tributária de 21,29% pagando PIS 0,65% mensal, COFINS 3% mensal, IRPJ 4,8% trimestral e CSSL 2,88% trimestral. Mensalmente o contribuinte iria pagar 6,21% mais o ISS-FIXO dependendo do grau de escolaridade do contribuinte conforme tabela. 3.2 SOCIEDADE EMPRESÁRIA Encontramos base legal para essa modalidade nos artigos 1.052 a 1.087 do Código Civil onde podemos verificar que para a constituição de uma sociedade de responsabilidade limitada é preciso existir no mínimo dois sócios que se juntam através da elaboração de um contrato social para exercer a mesma atividade. Os requisitos de validade do contrato encontram-se no art. 104, do Código Civil. Nas sociedades limitadas, o capital social é representado por quotas e a responsabilidade de cada sócio limita-se tão somente ao valor de sua quota expresso em porcentagem. Cada sócio fica responsável por integralizar as quotas que subscreveu, não estando dispensado da obrigação de integralizar a quota por obrigação solidária dos outros sócios. Achamos aqui a solução para separar a pessoa jurídica da pessoa física, tirando a responsabilidade pessoal dos sócios em caso de fracasso. Contudo, existe o problema da necessidade de pelo menos dois sócios o que muitas vezes não condiz com a realidade dos prestadores de serviços intelectuais que na sua grande maioria trabalham sozinhos, aliás, esse tipo de atividade requer conhecimentos específicos e intelectuais. Essa realidade fez com que profissionais se unissem em sociedades para a realização dos trabalhos em grupos. Essa modalidade gerou e ainda gera grande polêmica devido à contratação de sócios- laranja com o intuito de fraudar a lei em troca de outros benefícios que a sociedade gera. Segundo o site (Solução Jurídica p. 4): “[…] é prática comum à utilização de “sócio laranja”. São pessoas que não têm nenhuma participação na gestão dos negócios e acabam figurando na estrutura societária. Em geral, são utilizados para ocultar a participação de algum dos membros da sociedade. Os riscos envolvidos são imensos, tanto para aquele que se esconde por trás do “sócio laranja”, quanto para aquele que empresta seu nome. Trata-se, em verdade, de uma fraude. Caso o empreendimento seja mal sucedido e se afunde em dívidas, todos os envolvidos acabarão comprometidos. O “sócio laranja” responderá por ser o responsável de direito. Já os administradores ou os “verdadeiros sócios” poderão acabar prejudicados, já que, utilizando-se a teoria da aparência, a fraude poderá ser facilmente comprovada e a personalidade jurídica da empresa desconsiderada. Com isso, todos os envolvidos acabariam respondendo pessoalmente pelas dívidas da sociedade, de maneira a colocar em risco todo o seu patrimônio particular.” 3.3 EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA Com a chegada da Lei nº. 12.441, de 11 de Julho de 2011 alterando a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), temos uma nova modalidade para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. “Art. 980-A A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. § 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.  § 6º “Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couberem, as regras previstas para as sociedades limitadas”. Essa nova modalidade ainda é muito nova e admite apenas um sócio detentor de 100% do capital, podendo o sócio figurar apenas em uma única empresa dessa modalidade. Ademais o nome empresarial deverá vir seguido da expressão EIRELI – (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada). O capital social deve ser composto de no mínimo 100 salários mínimos, isto representa o montante de: R$ 67.800,00 sendo integralizado no ato da constituição. Aqui nos deparamos com uma solução para limitar a responsabilidade do empresário individual que presta serviços de caráter intelectual. Encontramos também um obstáculo quando se trata de tributação municipal. O empresário individual segue a tabela fixa do tributo pago anualmente, porém as prefeituras entendem que o profissional EIRELI é uma sociedade e deve ser tratada como tal e não conforme o (art. 19 da Lei Complementar nº. 024 de 01 de julho de 2004), que dita “Quando o serviço for prestado sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será fixo e anual, estabelecido em função da formação escolar ou profissional exigida para o exercício da atividade, […]”. As prefeituras vêm interpretando de outra forma conforme (TRIBUTÁRIO. Net), não se confunde ISS fixo com responsabilidade ilimitada: “Observe que a Lei nº 12.441 somente alterou os artigos 44 e 980 do CC, com fins de autorizar a constituição de micro e pequenas empresas de maneira individual sem atrelar responsabilidade ilimitada ao patrimônio da pessoa física, como acontecia, até então, com o empresário individual. Não houve ali qualquer menção à normativa que restrinja o uso da estrutura societária às atividades de cunho intelectual e de natureza científica, previstas como beneficiárias do ISS-fixo. Se assim o for, não há de se autorizar que uma interpretação oblíqua viole um direito expresso do prestador de serviço constituído como Eireli. Há, portanto, que se reconhecer o direito das Eirelis de recolherem o ISS pelo regime fixo.” Algumas prefeituras erram na interpretação, pois o trabalho continua sendo de cunho pessoal, a constituição de uma empresa de responsabilidade limitada não tira o direito da contribuição fixa do ISS conforme acontece com as outras sociedades. A verificação dos parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do (Decreto-Lei nº 406, de 1968), os quais prescrevem que o ISS será devido com base num valor fixo, […] “independentemente da importância paga a título de remuneração do próprio trabalho, quando determinados serviços forem prestados sob a forma de trabalho pessoal e de responsabilidade própria do contribuinte”. Encontramos então essa dificuldade de manter o ISS – FIXO por um erro de interpretação das prefeituras que confundem limitação de responsabilidade com o tipo de serviço que nesse caso é de natureza científica. 4. ESCOLHA DO REGIME DE TRIBUTAÇÃO A escolha da modalidade do Regime de Apuração das Receitas para os prestadores de serviços intelectuais será Lucro Presumido ou Lucro Real, pois a maioria das profissões regulamentadas não é permitida o enquadramento no Simples Nacional conforme (Lei Complementar n°. 123, de 14 de dezembro de 2006) Art. 17. Seção II. “Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional a microempresa ou a empresa de pequeno porte: XI – que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, bem como a que preste serviço de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios”; 4.1 TRIBUTAÇÃO – LUCRO PRESUMIDO Como o nome já diz, presume-se que a empresa teve um lucro de 32%. Para as empresas prestadoras de serviços onde não envolve materiais que é o tipo estudado aqui conforme a Instrução Normativa SRF nº. 390/2004, art. 89 a alíquota do IRPJ é de 15% e para contribuição social 9%. Conforme Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998, “As pessoas jurídicas de direito privado, e as que lhe são equiparadas pela legislação do imposto de renda, que apuram o IRPJ com base no lucro presumido ou arbitrado estão sujeitas à incidência cumulativa do PIS e COFINS, os percentuais são: 065% PIS e 3% para o COFINS”. A escolha por essa modalidade implica não ter faturamento superior a 48.000,000, 00 ao ano e que a atividade desenvolvida não esteja obrigada ao Lucro Real. Conforme site Portal de Notícias surge novo limite para enquadramento do Lucro Presumido através Medida Provisória (MP) 582 de 2012 “foi aprovado no Senado, um novo limite de receita bruta anual para o enquadramento das empresas nesse regime. O limite passou dos atuais R$ 48 milhões para R$ 79,2 milhões”. A opção se dá pelo primeiro pagamento da quota referente ao primeiro fechamento ficando esta opção definitiva para todo o ano calendário, (Lei nº 9.718, de 1998, art. 13, § 1º). A apuração é trimestral. A pessoa jurídica que optar pela tributação com base no lucro presumido deverá manter: a) escrituração contábil nos termos da legislação comercial ou livro Caixa, no qual deverá estar escriturada toda a movimentação financeira, inclusive bancária;  b) Livro Registro de Inventário no qual deverão constar registrados os estoques existentes no término do ano-calendário abrangido pelo regime de tributação simplificada; e  c) Livro de Apuração do Lucro Real, quando tiver lucros diferidos de períodos de apuração anteriores, inclusive saldo de lucro inflacionário a tributar. 4.1.1 Critério de Reconhecimento de Receitas – Lucro Presumido Segundo o disposto na (IN SRF nº. 104, de 1998), “As pessoas jurídicas que optarem pelo regime de tributação no lucro presumido, poderá adotar o critério de reconhecimento de suas receitas de venda de bens ou de prestação de serviços pelo regime de caixa ou competência”. […] artigo 1º. “a pessoa jurídica, optante pelo regime de tributação com base no lucro presumido, que adotar o critério de reconhecimento de suas receitas de venda de bens ou direitos ou de prestação de serviços com pagamento a prazo ou em parcelas na medida do recebimento e mantiver escrituração do livro caixa, deverá”: I – emitir a nota fiscal quando da entrega do bem ou direito ou da conclusão do serviço; II – indicar, no livro Caixa, em registro individual, a nota fiscal a que corresponder cada recebimento”. Sabendo que a empresa poderá optar por esses dois critérios vamos ver qual se enquadra melhor em nossa empresa prestadora de serviços intelectuais. Supondo que a empresa optou pelo regime de tributação do Lucro Presumido e prestou um serviço à outra empresa no valor de R$ 222.000,00 á prazo com recebimento em três parcelas, único serviço no 1º trimestre. Surge aqui o Fato Gerador que configura uma obrigação tributária denominada de Obrigação Principal, sendo esta uma prestação designativa do ato de pagar, afetando ao tributo e à multa. Segundo o art. 114 do Código Tributário Nacional (CTN) Fato Gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente a sua ocorrência. Nesse caso o fato gerador foi à prestação do serviço. Nesse caso o tributo será cobrado da pessoa que praticou o Fato Gerador surgindo o sujeito passivo, ou seja, “o contribuinte” conforme art. 121 Parágrafo Único I, do CTN, o contribuinte é aquele que tem uma relação pessoal e direta com o Fato Gerador. 4.1.2 Regime de Competência – Mês Março de 2012. Conforme mostra o quadro, o valor líquido da nota é de 93,85% porque o serviço prestado sofre retenção de 6,15% que somados fechará o 100% da nota que é de R$ 222.000,00. O total de impostos pagos pelo contribuinte é o que foi retido mais o saldo a pagar que totaliza R$ 25.152,60. O recebimento da primeira parcela acontecerá no dia 04/03/2012 sofrendo uma redução de 74.000,00 para 48.847,40 porque os impostos serão apurados e pagos no primeiro fechamento do trimestre, isto é 31/03/2012 será feito o fechamento. O PIS e COFINS serão pagos até o dia 25 de cada mês. O IRPJ e CSSL serão pagos até dia 31/04/2012. Caso a prestadora do serviço nunca receba, ela terá de pagar os impostos na sua totalidade. Nas empresas prestadoras de serviços há a possibilidade de reduzir o percentual de estimativa do lucro de 32% para 16%. Para isso é necessário observar se a atividade exercida é exclusivamente a prestação de serviços e a receita bruta anual não pode superar R$ 120.000,00. 4.1.3 Regime de Caixa – Mês de Março de 2012 A apuração pelo Regime de Caixa mostrou que é uma forma lícita de postergar os impostos, evitando um desfalque no caixa pela alta carga a ser paga quando apurado pelo Regime de Competência. Aqui vamos pagar o total retido que é proporcional ao valor da parcela de 74.000,00 x 6,15% = 4.551,00 somados ao saldo a pagar de 3.833,20 = total pago até o final do mês de abril – 8.384,20. Caso o prestador não venha a receber as outras duas parcelas ele não terá de pagá-las ao governo. Ademais, não haverá acréscimo de adicional no recebimento das duas primeiras parcelas, observe que não ultrapassa o limite de R$ 20.000,00 ao mês, pois, o recebimento das outras duas parcelas irá para o próximo trimestre caso ele receba a parcela no prazo estipulado. Com essa opção traremos uma economia tributária para os prestadores de serviços que tenham um índice alto de inadimplência por parte dos seus clientes. Isso ocorre de forma legal uma vez que a Lei permite optar pelo regime de caixa. Caso a empresa preste serviços somente á vista e não a prazo poderá optar sem maiores prejuízos para o regime de competência. 5. LUCRO – REAL Conforme a Lei nº 10.637, de 2002 do PIS, e o da COFINS a Lei nº 10.833, de 2003. “Pessoas jurídicas de direito privado, e as que lhe são equiparadas pela legislação do imposto de renda, que apuram o IRPJ com base no lucro real estão sujeitas à incidência não cumulativa”. Os percentuais são para o Pis é: 1,65% e para o COFINS 7,6%. Essa incidência permite o aproveitamento de créditos. O regime de apuração das receitas assim como os de escrituração exigidos para a modalidade do Lucro Real é o de competência contábil. A pessoa jurídica que optar por essa modalidade não poderá apurar seus tributos de acordo com o recebimento (regime de caixa) conforme feito com o Lucro Presumido que é perfeitamente permitido por Lei.  A forma de apuração acima foi pela competência, pois esse serviço foi prestado em fevereiro e mesmo que tenha recebido uma única parcela em março terá de apurar conforme o lucro líquido apurado mais as adições e exclusões permitidas pelo RIR/99 em seus artigos 249 e 250. Com esse resultado a pagar de IRPJ e CSSL podemos concluir que não é viável optar por essa modalidade de apuração para os tributos, pois uma empresa que presta serviços intelectuais nunca possui grandes despesas que possam ser excluídas da base de cálculo. Ademais, nem precisaremos calcular o PIS e o COFINS para estarmos convencidos de que para esse negócio e essa situação aqui apresentada teremos uma grande economia se seguirmos a sistemática do lucro presumido no regime de caixa. Lembrando que poderemos a qualquer hora optar pelo lucro real por estimativa mensal caso em algum momento se torne mais viável na economia tributária. Pagaríamos aqui de IRPJ e CSSL o valor de 52.488,83 com vencimento do valor total no mês abril contra 5.683,20 no Lucro Presumido pelo regime de Caixa de forma parcelada conforme o vencimento das parcelas. A economia proporcionada por um planejamento como esse seria em parte de: 46.805,63 para o caixa no primeiro trimestre do ano de 2012. Ainda podemos contar com o benefício da redução de 32% para 16% para as empresas que prestam unicamente serviços não excederem a 120.000,00 no ano calendário. 6. CONCLUSÃO Do exposto no trabalho pode-se afirmar que com certeza um prestador de serviços intelectuais não deverá trabalhar como pessoa física. Na constituição de uma empresa o serviço continua sendo de caráter pessoal, mas prestado por um empresário individual ou sociedade empresária que se sujeitará tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas. O estudo mostrou que uma pessoa jurídica pagaria 21,29% a menos de impostos do que um profissional autônomo que presta o mesmo serviço. A constituição de uma empresa evitaria o fato gerador do imposto pago como autônomo de 27,5% tributado pelo imposto de renda.o mesmo serviço prestado como pessoa jurídica optante pelo lucro presumido cai para um percentual de 6,21% de tributos federais. Na escolha do tipo de empresa observamos que na modalidade Empresário Individual mesmo tendo inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica não existe uma personificação jurídica e a responsabilidade do empresário passa a ser ilimitada. Os bens pessoais ficam desprotegidos e o empresário prestador dos serviços fica com seu patrimônio pessoal e familiar exposto em caso de fracasso. Nesse caso ocorre uma desconsideração ao princípio da entidade, pois os bens do empresário se confundem com os da entidade e vice versa. A abertura de empresa individual de responsabilidade limitada é a melhor solução para evitar esse tipo de perda em casos de insucesso nos negócios.  O prestador de serviços que não tem intenção de se unir com outros profissionais em uma sociedade deve optar por essa nova modalidade que passou a vigorar a partir de janeiro de 2012. Por ter sua responsabilidade limitada não altera o fato de o serviço ser intelectual e prestado pessoalmente, o que não tira o direito a ISS fixo anual. Esse assunto ainda se encontra em discussão por ser mal interpretado por algumas prefeituras em Santa Catarina. A escolha do regime de apuração das receitas foi essencial para a tomada de decisão. Na escolha pelo lucro real só se admite a competência contábil. A empresa recebe em parcelas e se escolhêssemos o regime de competência geraria imediatamente um desfalque no caixa, afinal, os impostos incidentes teriam que ser recolhidos integralmente em única parcela independente do recebimento do serviço. A opção pelo regime de caixa foi vantajosa por postergar o pagamento dos impostos para a data do recebimento das parcelas. Dessa forma a empresa só paga o tributo se receber dos clientes, caso contrário continua esperando o recebimento ou não paga nada em situação de inadimplência. Evitou-se um desfalque no caixa que causaria uma redução do patrimônio, pois a empresa prestou seu primeiro serviço e receberá a prazo. Houve uma economia tributária e postergação dos impostos federais de uma forma legalmente aceita, pois na primeira apuração a empresa não teria condições de tamanho desembolso com a alta carga tributária a ser paga.
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O programa de concessão de créditos para adquirentes de mercadorias ou bens e tomadores de serviços do Distrito Federal (Programa Nota Legal) e o princípio constitucional do direito adquirido e da irretroatividade das normas que prejudiquem os beneficiários do programa
O presente artigo objetiva analisar, tendo como substrato a Ação Direta de Inconstitucionalidade 646.477 – ADI 2013.00.2.000164-6, que tramita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDF, o princípio constitucional do Direito Adquirido e a Irretroatividade das Normas que reduzam as vantagens aos beneficiários do programa de concessão de créditos para adquirentes de mercadorias ou bens e tomadores de serviços do Distrito Federal (Programa Nota Legal).
Direito Tributário
Introdução O presente artigo atende a necessidade de análise mais aprofundada da indeclinável aplicação do Princípio Constitucional do Direito Adquirido e a consequente irretroatividade das normas que prejudiquem as vantagens dos beneficiários do chamado “Programa Nota Legal”, tendo como paradigma concreto a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 646.477 (Processo 2013.00.2.000164-6) – que tramita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDF. Aspectos estruturais do programa “Nota Legal”. O programa de concessão de créditos para adquirentes de mercadorias ou bens e tomadores de serviços do Distrito Federal, popularmente conhecido como Programa Nota Legal, foi criado pela Lei Distrital 4.159/08 e regulamentado pelo Decreto 29.396/08. Estruturalmente o programa tem como substrato o recebimento de créditos do Tesouro do Distrito Federal em benefício da pessoa física ou jurídica adquirente de mercadoria, bem ou serviço de transporte interestadual de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS ou tomadora de serviço dos contribuintes do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS. O adquirente ou tomador dos serviços, portanto beneficiário do programa, tem direito ao valor de até 30% (trinta por cento) do ISS ou do ICMS recolhido pelo estabelecimento prestador ou fornecedor. Tendo a seu favor estes créditos, o beneficiário pode utilizá-los para obtenção de abatimento do débito do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. No ano de 2012, os créditos do Programa foram disponibilizados e convertidos em dinheiro, a quem assim optasse, atendendo a todas as faixas de renda da população, sejam ou não proprietários de imóveis ou veículos automotores. O programa não é novidade, pois outros Estados já estabeleceram anteriormente ao Distrito Federal, sistemas idênticos ou similares, por exemplo, o programa “Nota Fiscal Paulista” criado pelo Estado de São Paulo (Lei Estadual 12.685/2007). O Programa Nota Legal tornou-se popular entre a população do Distrito Federal[1] por devolver, sob a forma de descontos em outros tributos, conforme explanado, até 30% do ICMS e do ISS efetivamente recolhido por estabelecimentos comerciais e prestadores de serviço a seus consumidores. Assim, há um estímulo à exigência do documento fiscal. Para ilustrar a popularidade do programa, vejamos o crescimento do número de pessoas que indicaram ao menos um bem para o uso dos créditos e abatimento do valor do imposto a pagar e a própria evolução dos descontos concedidos[2]: Assim, desde a sua entrada em vigor, aludido programa já deu descontos no pagamento de tributos a 2.875.516 consumidores[3].  Impende notar que o consumidor não está obrigado a pedir a nota fiscal, mas, estimulado pelo Programa Nota Legal, acaba pedindo a sua emissão, ensejando maior arrecadação para os cofres do Distrito Federal. Desde o início, até julho de 2012, o benefício só era aproveitado por quem tinha que pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Neste sentido, Projeto de Lei de iniciativa da Câmara Legislativa estendendo o benefício ao restante da população, ainda que não possuidores ou proprietário de veículo automotor ou imóvel, por meio de créditos em dinheiro depositados em conta bancária, foi vetado pelo Governador do Distrito Federal Agnelo Queiróz, veto que foi posteriormente rejeitado pela Câmara Legislativa Distrital, redundando na aprovação da Lei 4.886, de 13 de julho de 2012. Por outro lado, a relação jurídica existente entre os adquirentes de mercadorias e tomadores de serviços sobre os quais incide ICMS e/ou ISS (beneficiários) e o Distrito Federal é de natureza administrativa, inexistindo qualquer vínculo de Direito Tributário entre eles. Não obstante esta constatação, a conformação dada à aquisição e à consolidação dos créditos do programa nota legal guarda semelhança com institutos típicos de Direito Tributário: a obrigação tributária e o lançamento. Esse fato não causa surpresa, uma vez que o programa foi instituído pela Secretaria da Fazenda, órgão que lida diretamente com aquele ramo do Direito. Sem ter a pretensão de exaurir as características do Programa Nota Legal, estas são as principais características do sistema. 1. O Decreto nº 33.963/12 e a alteração do Programa Nota Legal em prejuízo do beneficiário e seu efeito retroativo. Para esclarecer melhor a matéria objeto da presente análise, mostra-se relevante trazer à colação o teor dos atos normativos impugnados na citada ADI 646.477: “Decreto nº 33.963, de 29 de outubro de 2012  Altera o Decreto nº 29.396, de 13 de agosto de 2008, que regulamenta a Lei nº 4.159, de 13 de junho de 2008, que dispõe sobre a criação do Programa Nota Legal. O GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL, no uso das atribuições que lhe confere o art. 100, inciso VII, da Lei Orgânica do Distrito Federal, e considerando o disposto no art. 7º da Lei nº 4.159, de 13 de junho de 2008, e no art. 2º da Lei nº 4.886, de 13 de julho de 2012, DECRETA: Art. 1º O Decreto nº 29.396, de 13 de agosto de 2008, passa a vigorar com as seguintes alterações: I – fica acrescentado o § 3º ao art. 3º com a seguinte redação: “Art. 3º (…) § 3º Atendidas as demais condições previstas na Lei nº 4.159, de 13 de junho de 2008, Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal definirá o percentual de que trata o caput em razão da atividade econômica preponderante, do regime de apuração do imposto, do porte econômico ou da localização do fornecedor ou prestador.” (AC) II – fica acrescentado o art. 6º-A com a seguinte redação: “Art. 6º-A As pessoas físicas ou jurídicas não contribuintes dos impostos a que se refere o art. 6º poderão receber os créditos por meio de depósito em conta corrente ou poupança, mantida em instituição financeira do Sistema Financeiro Nacional e indicada pelo beneficiário cadastrado no programa, na forma e nas condições estabelecidas pela Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal.” (AC) Art. 2º Os créditos do Programa Nota Legal, de que trata a Lei nº 4.159, de 13 de junho de 2008, lançados para os beneficiários do programa no período de 15 de janeiro de 2011 a 30  de junho de 2011, poderão ser utilizados de 1º a 30 de junho de 2013, na forma do art. 6º-A  do Decreto nº 29.396/2008. Parágrafo único. Encerrado o prazo previsto no caput, os créditos não utilizados serão cancelados e estornados à conta do tesouro do Distrito Federal. Art. 3º A Secretaria de Estado de Fazenda do Distrito Federal poderá efetuar recadastramento para validar dados cadastrais informados pelos adquirentes de mercadorias ou bens e tomadores de serviços no âmbito do Programa Nota Legal. Art. 4º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos, em relação ao art. 1º, I, a partir de 1º de maio de 2012. (g.n.). Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 29 de outubro de 2012. 124º da República e 53º de Brasília AGNELO QUEIROZ PORTARIA Nº 187, DE 22 DE NOVEMBRO DE 2012. Publicada no DODF nº 237, de 23/11/2012 – Pags. 5 a 9. Altera a Portaria nº 323, de 13 de agosto de 2008, e a Portaria nº 4, de 4 de janeiro de 2012, que estabelecem procedimentos relativos ao cronograma de implantação de atividades e à concessão, à consolidação e à utilização de créditos do Programa Nota Legal. O SECRETÁRIO DE ESTADO DE FAZENDA DO DISTRITO FEDERAL, no uso de suas atribuições, tendo em vista o disposto no § 3º do art. 3º do Decreto nº 29.396, de 13 de agosto de 2008, RESOLVE: Art. 1º O Anexo Único da Portaria nº 323, de 13 de agosto de 2008, passa a vigorar com a redação constante no Anexo Único desta Portaria.  Art. 2º Fica instituído o Fator de Multiplicação para o Cálculo do Crédito – FMCC, a ser utilizado na consolidação do cálculo do crédito de documento fiscal a que se refere o programa de concessão de créditos para adquirentes de mercadorias ou bens e tomadores de serviços do Distrito Federal, instituído pela Lei nº 4.159, de 13 de junho de 2008.  Art. 3º O FMCC será utilizado na consolidação do cálculo do crédito de documento fiscal mediante a multiplicação do fator correspondente ao enquadramento por atividade econômica preponderante (CNAE principal), estabelecido na forma do Anexo Único da Portaria nº 323/2008, pelo percentual de 30% (trinta por cento) do recolhimento das receitas tributárias abrangidas pelo Programa Nota Legal, decorrente da operação ou prestação promovida pelo contribuinte do ICMS ou do ISS. § 1º A consolidação do cálculo do crédito, a que se refere o caput, aplica-se a documento fiscal emitido a partir de maio de 2012. (g.n.). § 2º Às operações ou prestações de contribuintes optantes do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições – Simples Nacional, previsto na Lei Complementar Federal nº 123, de 14 de dezembro de 2006, será aplicado o FMCC igual a 1 (um) no cálculo do crédito. Art. 4º Fica acrescido o seguinte § 7º ao art. 14 da Portaria nº 4, de 4 de janeiro de 2012: “Art.14…. § 7º […] Art. 5º Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação. Art. 6º Revogam-se as disposições em contrário. ADONIAS DOS REIS SANTIAGO” A lei instituidora do Programa Nota Legal, estabelecia inicialmente que o crédito utilizado no abatimento do pagamento do IPTU e IPVA (posteriormente também crédito em dinheiro) seria no percentual de até 30% (trinta por cento) do imposto, e o decreto regulamentador – Decreto nº 29.396/2008 – instituía que a outorga do crédito seria de 20% (vinte por cento). Posteriormente, o Decreto nº 30.328/2009 fixou o percentual de 30% (trinta por cento) para o abatimento. Em outubro de 2012, o Decreto nº 33.963/12 autorizou a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal a definir o percentual de 30% (trinta por cento) em razão da atividade econômica preponderante e do regime de apuração do imposto, do porte econômico ou localização do fornecedor ou prestador, produzindo efeitos retroativos a partir de primeiro de maio de 2012, e o que resultou na edição da Portaria 187/12, que criou uma fórmula de cálculo, denominada como Fator de Multiplicação para Cálculo do Crédito – FMCC, a ser utilizado na consolidação do crédito de documento fiscal, mediante a multiplicação do fator correspondente ao enquadramento por atividade econômica preponderante, estabelecido na forma do Anexo Único da referida portaria, e com efeitos a partir de maio de 2012. Portanto, de acordo com esse dispositivo, o crédito passaria a ser obtido mediante a multiplicação desse percentual por um índice que o Distrito Federal elegeria, a seu exclusivo juízo, para determinadas categorias de serviços ou compras de bens. Tais modificações no sistema de apuração e cálculo do Nota Legal produzia redução do valor do desconto obtido pelos beneficiários do Programa, com efeitos retroativos a maio de 2012, aparentemente infringindo a cláusula constitucional que trata do Direito Adquirido.  Nestes termos, vejamos o parecer lançado pela Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Tributária nos autos do processo ADI 646.477[4] em análise: “[…] a relação jurídica existente entre os beneficiários do programa e o Distrito Federal é de natureza estatutária. Dessa forma, não existe qualquer óbice à alteração das normas que regem o programa, não se admitindo alegação de direito adquirido ao regime jurídico existente anteriormente à publicação da Portaria 187. Esta constatação, contudo, não significa que de relações jurídicas estatutárias não possam surgir direitos adquiridos. Para que isso ocorra, basta que os requisitos para a aquisição do direito tenham sido preenchidos de acordo com a legislação vigente. A jurisprudência elenca diversos exemplos de aquisição de direitos em relações estatutárias, como a incorporação de quintos por servidores públicos ou o direito de aposentação. […] No caso do programa Nota Legal, como exaustivamente explanado, a aquisição do direito ocorre com o preenchimento dos requistos legais. A partir deste momento, há ato jurídico perfeito, de forma que o regime jurídico a ele aplicável não poderá mais ser alterado por leis ou atos normativos posteriores, sob pena de violação da garantia do direito adquirido, prevista constitucionalmente. É por esta razão que a forma de calcular os créditos do programa é aquela prevista nas normas vigentes no momento da aquisição dos créditos (ato jurídico perfeito) e não no do seu cálculo (consolidação). O mesmo entendimento foi consagrado no Supremo Tribunal Federal, ao julgar que os proventos de aposentadoria devem ser calculados de acordo com as normas vigentes no momento em que preenchidos os requisitos legais para a aposentação (aquisição do direito), e não pelas normas vigentes no momento em que o direito é efetivamente exercido. Assim, a superveniência de ato normativo que altere a forma de calcular os proventos de aposentadoria não poderá retroagir para prejudicar o direito adquirido. No presente caso, a Portaria 187, publicada em 23 de novembro de 2012, dispôs que o FMCC produzirá efeitos retroativos, uma vez que "A consolidação do cálculo do crédito, a que se refere o caput, aplica-se a documento fiscal emitido a partir de maio de 2012" (art. 3º, § 1º). Ao fazê-lo, o Distrito Federal promoveu substancial redução dos créditos adquiridos nos meses de maio a novembro de 2012, medida que violou a garantia constitucional de respeito ao direito adquirido. Mesmo que se considerasse que após o preenchimento de todos os requisitos previstos na lei, não há ato jurídico perfeito, hipótese cogitada apenas a título argumentativo, a produção retroativa de efeitos pela mencionada portaria continuaria a ser ilícita, haja vista a violação ao princípio da proteção da confiança, decorrente dos princípios da segurança jurídica e da moralidade administrativa. Com efeito, o Distrito Federal criou programa de combate à sonegação fiscal, conclamou a população a participar, mas, no momento em que o apoio popular ganhou força, com ativa participação das pessoas, o GDF voltou atrás e mudou as regras do programa com efeitos retroativos, causando prejuízo substancial aos beneficiários. Ao agir dessa forma, o Distrito Federal frustrou expectativas legítimas da população, ao surpreender os beneficiários do programa que confiavam que os créditos que já tinham adquirido teriam seu valor calculado em conformidade com as normas vigentes. A tutela da boa-fé e da confiança é aplicável à Administração Pública, razão pela qual não pode o administrador ignorar a necessidade de estabilidade nas relações sociais.” Desta forma, nos termos do Parecer da Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Tributária, apesar da possibilidade de alteração do programa a qualquer tempo, modificando o cerne do programa, inclusive no que diz respeito ao percentual de descontos incidentes sobre o IPTU e o IPVA, há que se preservar o princípio do direito adquirido previsto no artigo 5º inciso XXXVI da Constituição da República, lavrado nos seguintes termos: “Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; […]” 2. O Princípio Constitucional do Direito Adquirido e a irretroatividade das leis. Não se pode deslembrar que no ordenamento jurídico pátrio inexiste definição de direito adquirido, apesar da previsão constitucional do artigo 5º inciso XXXVI. Conforme Moraes (2002, p. 298) […] “de difícil conceituação, o direito denomina-se adquirido quando consolidada sua integração ao patrimônio do respectivo titular, em virtude da consubstanciação do fator aquisitivo previsto na legislação”. Como salientado por Limongi França (2002 apud MORAES, p. 298), “a diferença entre a expectativa de direito e direito adquirido está na existência, em relação a este, de fato aquisitivo específico já configurado por completo.” Desta forma, ato jurídico perfeito é aquele que reuniu todos os seus elementos constitutivos exigidos pela lei, aplicando-se a todas as leis e atos normativos. Conforme Maximiliano (1946): “[…] se chama adquirido o direito que se constitui regular e definitivamente e a cujo respeito se completam os requisitos legais e de fato para integrar no patrimônio do respectivo titular, quer tenha sido feito valer, quer não, antes de advir norma posterior em contrário.” Bastos (1994) ressalta que o direito adquirido “[…] constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constante mutação […] a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra”. Assim, o direito adquirido consagra o princípio da segurança jurídica ao preservar as situações devidamente constituídas na vigência de lei pretérita, porque em regra, a lei nova só projeta seus efeitos para o futuro, sendo fator que marca a segurança e a certeza das relações jurídicas na sociedade. É uma garantia da própria convivência social. Qualquer tentativa de mudança desse ato, notadamente in pejus, torna-se impossível, pois, seria uma violação à situação então consolidada. Seria uma agressão à cláusula pétrea constitucional garantidora de tal direito. A Lei de Introdução ao Código Civil, por seu turno, declara que se consideram adquiridos os direitos que o seu titular, ou alguém, por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem (art. 6º, parágrafo 2º). Segundo Silva (2007, p. 434): “(…} é um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada. […] A lei nova não tem o poder de desfazer a situação jurídica consumada.” Como salvaguarda da tutela do direito adquirido surge o princípio da irretroatividade das leis, “impregnado de grande força, podemos sentir com luminosa clareza seu vetor imediato, qual seja a realização do primado da segurança jurídica” (CARVALHO, 1993, p. 93). Conforme salientado pelo já citado Parecer do Ministério Público lançado nos autos da ADI 646.477, a possibilidade de retroação dos efeitos da legislação superveniente, ao alterar substancialmente o cálculo dos descontos no IPTU e IPVA “[…] frustra expectativas legítimas da população, ao surpreender os beneficiários do programa que confiavam que os créditos que já tinham adquirido teriam seu valor calculado em conformidade com as normas vigentes […]”. 3. A ADI 646.477 em trâmite no Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDF. Em julgamento de liminar na ação direta de inconstitucionalidade – ADI – proposta pela OAB-DF, com o objetivo de assegurar a manutenção dos créditos outorgados aos beneficiários do Programa Nota Legal, o Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, por maioria, concedeu medida cautelar. De acordo com o Tribunal de Justiça: “[…] o programa incentiva o adquirente de mercadorias e o tomador de serviços no Distrito Federal a solicitar a emissão de documentos fiscais para se beneficiar da concessão de crédito para abatimento no IPTU e no IPVA, no percentual de trinta por cento do valor recolhido a título de ICMS e ISS, no período de 1º de maio de 2012 a 22 de novembro de 2012, em conformidade com o Decreto 30.328/2009. Em outubro de 2012, o Decreto nº 33.963/12 autorizou a Secretaria de Fazenda do Distrito Federal a definir o percentual do ICMS ou do ISS a ser concedido como crédito no Programa Nota Legal, o que resultou na edição da Portaria 187/2012 que reduz o mencionado percentual, com efeitos retroativos a 1º de maio de 2012. O Conselho Seccional da OAB no Distrito Federal defendeu a imediata suspensão da eficácia do art. 4º do Decreto 33.963/2012 e, por arrastamento, do art. 3º, § 1º da Portaria 187/2012 e, no mérito, a declaração de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio da irretroatividade e ao direito adquirido expressos na Lei Orgânica do DF e da Constituição da República […]”. Nesse contexto, o voto majoritário entendeu que a LODF, ao estabelecer a observância aos princípios constitucionais federais, acabou por incluí-los integralmente em seu texto, erigindo-os à condição de princípios implícitos, o que viabiliza o manejo da ADI contra ato regulamentador que os teria violado. Quanto ao pedido liminar, o voto vencedor observou que o Distrito Federal: “[…] frustrou expectativas legítimas da população, ao surpreender os beneficiários do programa com novas regras para cálculo dos créditos já adquiridos, configurando violação aos princípios da irretroatividade e da segurança jurídica. Dessa forma, diante da plausibilidade do direito e do perigo da demora, o Colegiado, por maioria, assegurou a manutenção dos créditos outorgados no percentual de trinta por cento, nos termos do anterior Decreto 30.328/2009[…].” Com a alteração posterior da legislação que trata do modo de cálculo do desconto dos benefícios ligados ao programa, sem dúvida, o Governo Distrital incidiu em afronta direta e literal ao Princípio do Direito Adquirido, pois reduziu de modo significativo direitos já estabelecidos dos participantes do programa. Tais modificações no sistema de apuração e cálculo do programa Nota Legal produziria diminuição relevante do valor do desconto obtido pelos beneficiários do Programa, com efeitos retroativos a maio de 2012, infringindo, portanto, a cláusula constitucional que trata do Direito Adquirido. Neste sentido, decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – EXCEPCIONAL URGÊNCIA RECONHECIDA – DECRETO Nº 33.963/12 – PORTARIA 187/12 – PROGRAMA NOTA LEGAL – APURAÇÃO DE CRÉDITOS – ALTERAÇÃO – RETROAÇÃO DOS EFEITOS – PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE E SEGURANÇA JURÍDICA – LIMINAR – SUSPENSÃO DOS DIPLOMAS LEGAIS. 1. Reconhecida a excepcional urgência da matéria, o Conselho Especial pode dispensar a manifestação dos órgãos e autoridades responsáveis pela edição dos atos normativos impugnados, e proceder ao imediato exame do pleito liminar. 2. A recente alteração na forma de cômputo dos créditos devidos aos beneficiários inscritos no Programa Nota Legal, com efeitos retroativos ao mês de maio de 2012, e a sua iminente disponibilização em rede de computadores, com a necessária indicação de sua utilização pelos contribuintes, enseja a suspensão da eficácia dos atos normativos, ante a configuração, em sede de cognição sumária, de violação aos princípios da irretroatividade das normas e da segurança jurídica. 3. Medida cautelar concedida.” Ao explicitar as razões da concessão da medida cautelar no bojo dos autos do processo ADI 646.477, o Desembargador Getúlio de Moraes Oliveira, relator da ação, aduziu: “[…] Em outubro de 2012, o Decreto nº 33.963/12, que é o combatido na ADI, autorizou à Secretaria de Fazenda do Distrito Federal a definição do percentual de 30% (trinta por cento) em razão da atividade econômica preponderante, do regime de apuração do imposto, do porte econômico ou da localização do fornecedor ou prestador, produzindo efeitos retroativos a partir de 1º de maio de 2012 (fl. 24), o que resultou na edição da Portaria 187/12, que criou uma fórmula de cálculo, denominada de Fator de Multiplicação para o Cálculo do Crédito – FMCC, a ser utilizado na consolidação do crédito de documento fiscal, mediante a multiplicação do fator correspondente ao enquadramento por atividade econômica preponderante, estabelecido na forma do Anexo Único da referida portaria, e com efeitos a partir de maio de 2012 (fl. 25). Portanto, de acordo com esse dispositivo, o crédito é obtido mediante a multiplicação desse percentual por um índice que o Distrito Federal elege, a seu talante, para determinadas categorias de serviços ou compras de bens. Nada mais correto, a meu ver, do que se permitir ao Distrito Federal escolher as áreas em que pretende implementar o programa, estimulando a arrecadação maior naquelas, como, por exemplo, no setor de vestuário. No entanto, conferiu efeitos retroativos a maio de 2012, uma vez que o Decreto é de outubro de 2012. Sobre essa retroação, e não sobre a prospecção da lei, veio a ADI, que repudia a retroação ao mês de maio de 2012, gerando insegurança aos contribuintes que já haviam, inclusive, sido aquinhoados com o crédito, ou que participaram do programa acreditando que seriam contemplados com um valor “x”. Na realidade, essa retroação implicou redução, em alguns casos, para menos da metade, como é o caso, por exemplo, de compras em supermercados, lojas de departamento, etc. […] Afirma o autor que a incidência do índice FMCC resultou na transferência de menos créditos aos contribuintes por força da referida Portaria, sendo que as mercadorias e serviços adquiridos em empresas e cujas atividades foram atribuídas o cômputo do FMCC resultaram em decréscimo na ordem de 10 a 70% (setenta por cento) dos créditos até então vigentes. Argumenta a ofensa aos princípios da irretroatividade, ao direito adquirido, ao da segurança jurídica e da proteção da confiança. Menciona o disposto na Súmula 544 do Supremo Tribunal Federal, no artigo 178 do CTN, e defende que o beneficiário do Programa Nota Legal tem o direito de usufruir da isenção tributária relativa ao IPTU e IPVA pelo abatimento dos créditos outorgados adquiridos, calculados em 30% do valor recolhido a título de ICMS e ISS no período de 1.05.12 a 22.11.12. […] De início, e sem prejuízo de posterior reexame em sede meritória, vislumbro no Decreto nº 33.963, de 29.10.2012, coeficiente mínimo de generalidade, abstração e impessoalidade, de forma a autorizar o manejo da via do controle abstrato de constitucionalidade, porquanto o ato normativo visa estabelecer normas gerais e abstratas quanto à retroação da modificação no cômputo dos créditos relativos ao Programa Nota Legal, alcançando parcela significativa da população, composta pelos beneficiados pelo referido programa. De igual forma, verifico, em sede de cognição sumária, a adequação da via eleita, uma vez que a alegada inconstitucionalidade reside nos efeitos retroativos conferidos pelo Decreto nº 33.963/12, o que, segundo sustenta o Autor, violaria o disposto nos artigos 1º, caput, e 100, inciso VII, da Lei Orgânica do Distrito Federal, fazendo expressa alusão aos princípios da irretroatividade, ao direito adquirido, ao da segurança jurídica e da proteção da confiança. […] Ocorre que a recente alteração na forma de cômputo dos créditos devidos aos inscritos no referido programa, com efeitos retroativos ao mês de maio de 2012, configura, em sede de cognição sumária, violação ao princípio que veda a retroação das normas, em prejuízo dos administrados; e contraria o princípio da segurança jurídica, ante a abrupta mudança retroativa nos cálculos dos créditos, que, segundo sustenta o Autor, enseja decréscimo em sua apuração. Embora se afigure legal a instituição do Fator de Multiplicação para o Cálculo do Crédito – FMCC, a retroação de seus efeitos ao mês de maio de 2012 frustra a legítima expectativa dos participantes do Programa Nota Legal de auferirem o cômputo de seus créditos nos moldes legais anteriores, quando ocorreram as suas inscrições. Não se pode olvidar que “a lei não prejudicará o direito adquirido” (artigo 5º, inciso XXXVI, da CF). Ademais, sendo a instituição do IPVA e IPTU da esfera de competência do Município (art. 155, inciso III e art. 156, inciso I, da CF), cabe ao Distrito Federal a sua instituição (art. 147, da CF), bem como que “as isenções, anistias, remissões, benefícios e incentivos fiscais que envolvam matéria tributária e previdenciária … só poderão ser concedidos ou revogados por meio de lei específica” (artigo 131, inciso I, da L.O.D.F.), o que, no caso de alteração da forma de cômputo de benefício fiscal, impõe a subsunção aos princípios da irretroatividade das leis e da segurança jurídica, dentre outros.[…] ” Assim, ao conceder a liminar que retirou da ordem jurídica os efeitos retroativos do Decreto 33.963/2012 e da Portaria Distrital 187/2012, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal entendeu que o Princípio Constitucional do Direito Adquirido deve prevalecer em tal hipótese. Conclusão: Abstraindo-se a possibilidade ou não de ingresso da ação direta de inconstitucionalidade na hipótese concretamente considerada, e que não é objeto do presente estudo, verifica-se que a decisão que concedeu a liminar aplicou o princípio Constitucional do Direito Adquirido impedindo a retroação da alteração legislativa posterior que, de algum modo, pudesse suprimir as vantagens estabelecidas aos beneficiários do Programa Nota Legal. Conforme salientado por José Afonso da Silva (2007, p. 434): “[…] a lei nova não tem o poder de desfazer a situação jurídica consumada […]”. Não se trata, portanto, da questão da irretroatividade da lei, mas tão só do limite de sua aplicação. A lei nova não se aplica a situação objetiva constituída sob o império da lei anterior (SILVA, 2007). Desta forma, a lei nova pode surtir efeitos retroativos desde que resguardados os direitos adquiridos e as situações consumadas definitivamente. Assim, os programas de incentivo ao pedido de nota fiscal podem ser alterados, ou mesmo suprimidos, desde que a alteração ou supressão não atinjam direitos já incorporados ao patrimônio do participante do programa.
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Apontamentos histórico-jurídicos da tributação nas microempresas e empresas de pequeno porte
O presente artigo teve como objetivo fazer alguns apontamentos histórico-jurídicos da tributação que incide nas microempresas e empresas de pequeno porte. Nesse sentido, foi feita uma análise histórica do caminho percorrido pelas M.E e E.P.P no Brasil e da evolução cronológica das legislações concernentes ao tema até a presente data. Além disso, as características do principal sistema de arrecadação simplificada de tributos desse segmento foram analisadas, bem como suas recentes alterações trazidas pela Lei Complementar 139/2011. Ao final do artigo, foi ressaltada a importância da realização do planejamento tributário no desenvolvimento e sustentabilidade das micro e pequenas empresas.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Devido a grande importância das micro e pequenas empresas para a criação de empregos diretos e aquecer a economia, fez-se mister analisar quais são os tributos que incidem sobre as mesmas, uma vez que estes influem diretamente no desenvolvimento e sustentabilidade daquelas. Nesse sentido, foram analisadas as legislações anteriores que abarcavam o tema, o sistema de tributação diferenciado de que estas empresas podem fazer parte e os efeitos positivos do planejamento tributário no desenvolvimento das mesmas. É importante levar os dados aqui expostos tanto ao ambiente acadêmico quanto à população como um todo, já que o presente artigo trouxe as legislações relacionadas ao tema de forma a esclarecer quais são os principais pontos a serem observados na tributação das M.E e E.P.P. Devido a sua situação de hipossuficiência as micro e pequenas empresas gozam de proteção diferenciada no que se refere ao regime de tributação. Nesse contexto, a Lei Complementar 123/2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, possui fundamentação nos artigos 170 e 179 da Constituição da República Federativa do Brasil. O favorecimento concedido pela legislação pertinente é plenamente justificável, pois as micro e pequenas empresas não possuem grande capacidade de produzir recursos próprios. Dessa forma, quis o legislador constitucional protegê-las tendo em vista não só sua importância econômica, mas também social. 1. Histórico das Micro e pequenas empresas no Brasil Não é possível precisar ao certo o momento exato em que surgiram as micro e pequenas empresas no Brasil, suas atividades e localidades. Como assevera Caio Prado Jr.(1945), existe a tese de que apenas a grande indústria açucareira seria viável no país no início do século XVI. Não se pode, contudo, depreender que as pequenas empresas eram irrealizáveis. No mesmo livro, afirma o referido historiador que a pequena propriedade estava presente no país e teve sua origem na atividade produtiva colonial. Nos períodos econômicos que se seguiram – plantation, o comércio de especiarias, comércio de mão de obra escrava, criação de gado e a extração de metais preciosos – a presença das micro e pequenas empresas teve um caráter acessório, ou seja, sua existência estava condicionada ao período econômico vigente a época contendo um caráter serviço complementar. Como exemplo disso, pode-se citar o comércio que se formou no entorno das regiões auríferas com finalidade de abastecer de suprimentos os exploradores das minas. Sérgio Buarque de Holanda (2003), salienta a importância da Abertura dos Portos em 1808, da Era Vargas e o período ditatorial (1º de abril de 1964 até 15 de março de 1985) no desenvolvimento, ainda que não de maneira significativa, das empresas e o comércio a nível microeconômico. Olhando o prospecto mais recente dessa modalidade empresarial, o crescimento na criação de novas empresas é um fenômeno recente no Brasil. Tal fato tem ligação direta com a implementação do Plano Real – meta-síntese da estabilização da frágil situação econômica pela qual passava o país. Segundo estudo levantado pelo SEBRAE (Serviço de Apoio as Micro e Pequenas Empresas) há no país aproximadamente 6(seis) milhões de micro e pequenas empresas, num total correspondendo a 98% da atividade empresarial do país, sobrando as demais porcentagens às médias e grandes empresas. Devido à clara situação de hipossuficiência das micro e pequenas empresas, quis o legislador constitucional fomentar a criação de situações favoráveis ao desenvolvimento destas, já que a carência de recursos (materiais, humanos ou financeiros) e outros empecilhos tendem a ter como consequência o fechamento das mesmas. Os dados coletados e divulgados pelo SEBRAE que vieram a ratificar e mostrar que a preocupação do legislador foi perfeitamente justificável, a saber: Cerca de 27% de todas novas empresas acabam fechando as portas no primeiro ano de vida. Daí vem a importância do Estado proteger, inclusive por meios jurídicos, estas companhias. Ainda que a positivação dos meios protetivos criados pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o “boom” de criação de empresas sejam recentes, já havia Leis infraconstitucionais em vigência antes da promulgação da CRFB/88 que regulamentavam a situação das micro e pequenas empresas. Como se pode ver, o Estado já reconhecia a situação de hipossuficiência dos pequenos empresários e tenta protegê-los através de Leis e políticas econômicas mesmo antes da realização de dados pormenorizados e específicos sobre o tema. 1.1 Breve histórico jurídico das micro e pequenas empresas no Brasil A Lei no 7.256/1984, Estatuto da Microempresa, trouxe tratamento diferenciado e simplificado às micro empresas nos campos administrativo, trabalhista, creditício, tributário e alguns dispositivos com intuito de trazer desenvolvimento ao setor empresarial. A referida Lei recebeu tal nomenclatura por ser a primeira a trazer em seu bojo vários assuntos de interesse das microempresas. Já em 1994, entrou em vigor a Lei no 8.864/94, que por sua vez trouxe algumas alterações e revogou alguns dispositivos do Estatuto da Microempresa. Como exemplo de algumas dessas alterações tem-se a criação da empresa de pequeno porte, segundo disposto no art. 170, IX, da Carta Magna. Após a criação de ambos (microempresa e empresa de pequeno porte), fez-se mister uma forma metodológica de diferenciá-los. Para tal ação, Lei Complementar nº 139/2011, consideram-se Microempresas, no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). Já no caso das empresas de pequeno porte o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada que aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). A denominada Lei do Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) foi promulgada no ano de 1996 com a promulgação da Lei no 9.317. Após sua entrada em vigência, notou-se que a Lei do Simples trazia em seu bojo a revogação de alguns preceitos tipificados nas Leis 8.864/94 e 7.256/84. A alteração mais importante que trouxe o até em então novo diploma legal foi a modificação do tratamento fiscal da microempresa, pois o regime da nova Lei tornou-se incompatível com aquele praticado nas Leis anteriores. O novo texto legal, entretanto, não revogou totalmente as Leis anteriores, tendo em vista que o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte disciplinava em sua maioria a concessão de benefícios na área tributária/fiscal, organizando o novo regime tributário das microempresas e empresas de pequeno porte, sendo as demais Leis estabelecendo outros proveitos não regulados pelo Simples. A ab-rogação das Leis 7.256/84 e 8.864/94 ocorreu em 1999 com a entrada em vigor do novo Estatuto das Microempresas e Empresa de Pequeno Porte. Além de dispor sobre matérias de competência destas legislações, recepcionou todos os dispositivos da lei do Simples. Portanto, temos em vigor duas leis sobre o referido assunto empresarial, mas valendo lembrar que nada impede uma mesma sociedade empresária tenha classificações diferentes tendo como base o novo Estatuto ou a Lei do Simples, ou seja, a nomenclatura dar-se-á pela lei utilizada. A Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil Brasileiro) trouxe em seu art. 966 o conceito de empresário, tal fato está diretamente relacionado a tema tratado neste artigo, pois é através do cumprimento de todos os requisitos (atividade profissional, econômica, organizada e com finalidade de produção ou circulação de bens ou serviços) que se pode, também, classificar a micro e pequena empresa. Além disso, para se considerar a sua existência devem estar devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas conforme seu lucro a cada ano-calendário. A Lei Complementar 123(Lei Complementar do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Peque Porte) foi publicada já em 2006 com o intuito de estabelecer algumas vantagens sobre o tratamento diferenciado para as microempresas e empresas de pequeno porte no que se refere à Administração Direta. Ressalta-se que essa lei tem origem nos artigos 170, inciso IX e 179 da Magna Carta do país in verbis: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.[…] “Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.” A matéria em apreço é tão importante que o legislador constitucional preocupou-se em garantir benefícios a essas empresas, justamente por reconhecer a importância delas no cenário nacional. O Decreto 6.204 entrou em vigor em 2007 e teve como objetivo a regulamentação do tratamento simplificado, favorecido e diferenciado destinados às M.E e E.P.P no campo da administração pública nas contratações públicas de bens serviços e obras. No referido decreto há atendimento diferencial às micro e pequenas empresas perfeitamente justificável devido à hipossuficiência das mesmas. É possível citar a título exemplificativo alguns favorecimentos como: ·  Não exigência de apresentação de balanço patrimonial do último exercício social (art. 3°); ·  Critério de desempate preferencial (art. 5°); ·  Exclusividade de realização de processo licitatório cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Por fim, as mais recentes alterações legislativas no que se refere a M.E e E.P.P foram abarcadas na Lei Complementar nº 139/2011, de 10 de novembro de 2011, que possui contrafações de vigência imediata à época de criação da lei e aquelas que passaram a ter efetividade a partir de 01/01/2012. As referidas mudanças trazidas no bojo dessa lei complementar serão abordadas de maneira mais aprofundada num capítulo específico. 2. Desenvolvimento 2.1 O Simples Nacional Na CRFB/88, quis o legislador dar tratamento diferenciado a um segmento do comércio que, devido a sua hipossuficiência, necessitava de uma proteção maior do Estado. Nesse sentido, as micro e pequenas empresas tiveram o preferencial atendimento. Pode-se perceber claramente nos art. 170(fruto da Emenda Constitucional n. 6), IX e no art. 179 da Magna Carta o referido tratamento. Como mencionado no capítulo anterior, um dos principais fomentadores do crescimento dessa fração do setor empresarial é a Lei Complementar 123 (Lei do Simples). O Simples é um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Esses benefícios são relativos à apuração e recolhimento de impostos, mediante regime único de arrecadação, cumprimento de obrigações trabalhistas e ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia e às regras de inclusão. Há instâncias criadas com a finalidade de gerir o tratamento que as referidas empresas têm direito, são elas comitê do simples nacional, fórum permanente das microempresas e empresas de pequeno porte, comitê para gestão da rede nacional para a simplificação do registro e da legalização de empresas e negócios. Podem optar por participar do Simples as pessoas jurídicas definidas em lei como microempresa – empresa que lucrar, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) – e empresa de pequeno porte – empresa que lucra, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). No sentido contrário, estão impedidas de participar desse sistema as empresas de cujo capital participe outra pessoa jurídica; que seja filial, sucursal, agência ou representação, no País, de pessoa jurídica com sede no exterior; de cujo capital participe pessoa física que seja inscrita como empresário, ou seja, sócia de outra empresa que receba tratamento jurídico diferenciado. Conforme determinação expressa do art. 17 da Lei Complementar 123/2006, são exemplos de atividades que são vedadas o ingresso no Simples: administração de imóveis por conta de terceiros; administração de obras; administração de royalties e de franchising e administração pública em geral. Por inteligência do §3º do art. 12 da Resolução do CGSN nº4 de, 30 de maio de 2007, foi permitido a inclusão de várias atividades antes excluídas do SIMPLES, a título exemplificativo destacamos: §3º As vedações relativas ao exercício de atividades previstas no caput não se aplicam às pessoas jurídicas que se dediquem exclusivamente às atividades seguintes ou exerçam em conjunto com outras atividades que não tenham sido objeto de vedação no caput: (Redação dada pela Resolução CGSN nº 50, de 22 de dezembro de 2008) t) academias de dança, de capoeira de ioga e artes marciais; Os autores Marins e Bertoldi (2007), assentam algumas características do referido sistema, a saber: ·  Regime especial · Destinado a pequenas atividades empresariais ·   Unificação arrecadatória · Não obrigatório ·  Diferenciado e favorecido Faz-se mister, no entanto, elencar alguns pontos importantes sobre esse regime de tributação aplicado opcionalmente às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. Entre os favorecimentos do referido texto legal podem ser citados o regime especial de tributação; unificação da fiscalização, lançamento e arrecadação; aplicação opcional e tratamento diferencial e favorecido. No que se refere ao regime especial de tributação, é necessário lembrar que o texto constitucional estabelece a competência tributária de cada ente de direito público e a repartição dos tributos arrecadados entre os mesmos. A capacidade tributária passiva está elencada na CRFB/88, no Código Tributário Nacional e outras leis complementares. Porém, o Simples é um regime especial, pois traz exceções à generalidade e criou um regime jurídico favorecido que não se estende a generalidade das empresas. No Simples, a unificação da fiscalização, lançamento e arrecadação constitui uma espécie de subsistema tributário, já que a instituição de impostos, taxas e contribuições nesse modelo respeita alguns limites de aplicabilidade próprios. Vale lembrar que esse subsistema não opera isolado do sistema geral de tributação. Desde que se enquadrando na definição de microempresa ou empresa de pequeno porte estabelecida na Lei Complementar 139/2011, podem representantes desse segmento optar por participar ou não do regime especial – Simples. O pagamento de tributos é compulsório, ou seja, possui o caráter obrigatório e não cabe ao sujeito passivo da obrigação tributária escolher qual tributo pagar, entretanto podem aqueles escolher um regime diferenciado e privilegiado de tributação. O tratamento diferenciado e favorecido está estabelecido no texto constitucional (art. 170 e 179) e está diretamente relacionado à valorização do trabalho humano e a justiça social. Os referidos dispositivos constitucionais visam a uma diferenciação econômica, tributária, previdenciária e creditícia ou a redução destas por meio de lei. É nesse diapasão que escreveram os autores Marins e Bertoldi (2007) in verbis: “Compreendida em sua sistematicidade, a ideia de favorecimento contém sentido material, relativo às vantagens econômicas e tributárias, enquanto o tratamento diferenciado dirige-se literalmente a incentivos formais, relativos à simplificação ou a eliminação de barreiras burocráticas, administrativas, previdenciárias e creditícias.” (MARINS E BERTOLDI, 2007. p. 77). 2.2 Algumas mudanças trazidas pela Lei Complementar 139/2011. O Simples Nacional é um regime tributário diferenciado, simplificado e favorecido previsto na Lei Complementar nº 123, de 14.12.2006. Desde sua promulgação os benefícios alcançados pelas micro e pequenas empresas foram substanciais, segundo balanço publicado no site da Receita Federal. Entretanto, houve algumas mudanças na sociedade e setor empresarial brasileiro e se fez necessário mudar alguns dispositivos e conceitos da referida lei. Tais alterações foram trazidas na Lei Complementar nº 139/ 2011. Está posto no art. 7° da referida lei dois prazos distintos de vigência da mesma, a saber: a) vigência imediata para as alterações constantes dos artigos 1º, 5º, 6º e 7º; e b) vigência a partir de 01 de janeiro de 2012 para as alterações constantes dos artigos 2º, 3º e 4º. No que se refere às alterações de vigência imediata podem ser elencadas as alterações importantes para o Microempreendedor Individual; aumento das possibilidades de exclusão do Simples; alterações nas competências para a fiscalização de empresas no Simples Nacional e parcelamento de débito do Simples Nacional em até 60(sessenta) parcelas. São exemplos das mudanças a partir de 01/01/2012: o aumento da receita bruta para fins de enquadramento no Simples Nacional; diferencial de limite de receita bruta para empresas, optantes pelo Simples Nacional, que aufiram receitas oriundas de exportação; alteração no momento da exclusão do Simples Nacional no caso de exceder o limite permitido; inseriu novas vedações para opção pelo Simples Nacional; mudança dos cálculos da tabela constante no Anexo V da LC 123/2006; aumento da receita bruta para fins de enquadramento como Microempreendedor Individual – MEI; incentivo para Empresas de Pequeno Porte que excederam o limite em 2011; alterações no cadastro sincronizado; conceito de pequeno empresário e criação de penalidades pela não entrega mensal da declaração eletrônica. Há uma alteração no § 3º do artigo 9° da Lei Complementar 123/2006 feita pela norma em comento deste capítulo dispondo que microempresa e empresa de pequeno porte que esteja 12 (doze) meses sem movimento poderá ser baixada nos registros dos órgãos públicos federais, estaduais e municipais, independentemente do pagamento de débitos tributários, taxas ou multas devidas pelo atraso na entrega das respectivas declarações nesses períodos, observado a responsabilidade solidária dos sócios para os débitos tributários. Foram introduzidas algumas alterações no que tange aos microempreendedores individuais – MEI visando simplificar o processo de registro, alteração, abertura e baixa dos mesmos. Sobre o pedido de baixa desse segmento, ressalta-se que não é necessária a observância de nenhum prazo de carência para que aquele seja requisitado. O recolhimento, compensação e restituição de tributos também foram alvos das modificações legislativas. A ME e EPP que tiverem pagado indevidamente fará jus à restituição ou compensação deste valor, que deverá ser atualizado pela Selic acumulada mensalmente, a datar do próximo mês ao do pagamento indevido ou anterior ao da compensação ou restituição caso o lançamento tenha sido feito a maior e de 1% (um por cento) relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada. Conforme está disposto no Código Tributário Nacional, o prazo para compensação e restituição no sistema do Simples Nacional é de cinco anos contados subsequentemente ao pagamento indevido. Ainda sobre esse sistema diferenciado de tributação é valido lembra que é vedada a cessão de créditos para extinção de débitos. A compensação de débitos do Simples Nacional com créditos não apurados no próprio sistema é vedada, também os que não tenham natureza tributária. Os créditos oriundos do Simples Nacional não podem ser utilizados para extinguir outras dívidas que possam existir nas Fazendas Públicas, salvo na compensação de ofício ou da exclusão da empresa do referido sistema. Só podem ser compensados pelas M.E e EPP créditos em dívidas com o mesmo ente da federação e somente alusivo ao mesmo tributo. Sobre os parcelamentos, há nos incisos § 15º à § 24º do art. 21 da Lei Complementar nº 123/2006 possibilitaram as ME e EPP a possibilidade de parcelar suas dívidas em até 60 parcelas. Outrossim, é admitido o reparcelamento de débitos constantes de parcelamento em curso ou que tenha sido rescindido, podendo ser incluídos novos débitos. Cabe ao Comitê Gestor do Simples Nacional – CGSN- dispor, que teve as suas competências alteradas, entre outras funções, sobre todos os aspectos do parcelamento. A Lei Complementar 139/2011 fez alterações nos incisos XI e XII do artigo 29 da LC 123/2006 acrescentando “descumprimento reiterado” nesse dispositivo legal. Agora, a exclusão do Simples, entre outros erros, ocorrerá quando a micro ou pequena empresa cometer no mínimo duas infrações. Antes de 2011, bastava o mero descumprimento de uma emissão de documento fiscal para ocorrer a exclusão do Simples. A EPP que ultrapassar a receita bruta de R$4.320.000,00 (quatro milhões e trezentos e vinte mil reais) terá sua exclusão do Simples Nacional no mês imediato a este fato. Se a empresa supere os R$3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), mas não ultrapasse R$4.320.000,00 (quatro milhões e trezentos e vinte mil reais), será excluída no ano calendário subsequente. A empresa de pequeno porte que, no início de suas atividades, ultrapassar a receita bruta de R$4.320.000,00 (quatro milhões e trezentos e vinte mil reais), será excluída do Simples Nacional com efeitos ex tunc a data de início de suas atividades. Se a empresa ultrapasse os R$3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), entretanto não ultrapasse R$4.320.000,00 (quatro milhões e trezentos e vinte mil reais), será eliminada a partir do ano calendário imediato. Foi incluída uma nova vedação para ingresso ou exclusão do Simples Nacional. A sociedade empresária que tiver irregularidades no cadastro ou inscrição no âmbito federal, estadual ou municipal não poderá escolher participar do Simples ou, caso já esteja no sistema, poderá ser excluída. Houve, ainda, alterações trazidas pela Lei Complementar nº 139/2011 no que se refere aos valores de receitas brutas auferidas no ano calendário de sua atuação comercial. O Microempresário Individual – MEI passou a ser quem tenha recebido, nos últimos meses, receita bruta de até R$60.000,00 (sessenta mil reais). 2.3. Tributos incidentes nas M.E e E.P.P A importância do regime tributário diferenciado das M.E e E.P.P, que ficou demonstrada nos capítulos anteriores, é justificada devido a sua hipossuficiência e importância para economia e desenvolvimento do país.  Nesse contexto, devem ser analisados quais são os tributos incidentes sobre esse segmento e como essa tributação especial, desde que devidamente escolhida para a sociedade empresarial específica, as favorecem. O art. 3° do Código Tributário Nacional define tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Os tributos são classificados em três tipos: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Suas definições estão no próprio diploma, a saber: ·                                                                                                                                                                                                                      Os impostos são aqueles que têm por fator gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal, surgindo em razão de atividades cotidianas do cidadão, como consumo, aquisição e venda de bens imóveis e realização de operações financeiras, entre outras. ·                                                                                                                                                                                                                      Taxas são tributos que tem por fator gerador o exercício do poder de policia ou o serviço público posto a disposição, por isso, diz-se que as taxas são tributos vinculados.  ·                                                                                                                                                                                                                      As contribuições de melhoria são instituídas para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. Já nos artigos 114 e 115 do diploma tributário está a definição do que seria fato gerador. Nesse sentido, o conceito sintetizado de fato gerador seria fato que irá gerar a incidência do tributo, nada mais é que a materialização da situação que a lei definiu de forma abstrata. Dessa forma, o simples fato de possuir imóvel no perímetro urbano já constitui fato gerador do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Está disposto no art. 121 do CTN o conceito de contribuinte como […]a pessoa física ou jurídica que tenha relação pessoal e direta com o fator gerador […]. As alíquotas dos tributos são os percentuais aplicados sobre a base de cálculo. Todos os conceitos supracitados far-se-ão necessários para melhor entender os aspectos que circundam a tributação das micro e pequenas empresas. Segundo site da Receita Federal, as pequenas e micro empresas que optem pelo Simples devem recolher em uma guia única os seis tributos federais (IRPJ, IPI, CSLL, COFINS, PIS/PASEP e CPP), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). Faz-se imprescindível uma análise mais detalhada de cada um desses impostos. Tributos federais: IRPJ – Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas Imposto federal, recolhido para a Receita Federal, que incide sobre a arrecadação das empresas. A base de cálculo, a periodicidade de apuração e o prazo de recolhimento variam conforme a opção de tributação (lucro real, presumido ou arbitrado), podendo ser trimestral ou mensal. Confira mais detalhes no site do Banco Central. CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Assim como o IRPJ, a contribuição social federal tem apuração e pagamento definidos pela opção de tributação (lucro real, presumido ou arbitrado). Sua administração e fiscalização competem à Receita Federal. O prazo de recolhimento é o mesmo do IRPJ. PIS/PASEP – Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público A contribuição federal, administrada e fiscalizada pela Receita Federal, é apurada mensalmente sobre o valor do faturamento mensal de empresas privadas, públicas e de economia mista ou da folha de pagamento das entidades sem fins lucrativos. A alíquota varia de 0,65% a 1,65%. O prazo de recolhimento é até o último dia útil da quinzena do mês seguinte. Confins – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social Contribuição federal que incide sobre o faturamento mensal das empresas. A periodicidade da apuração é mensal e as alíquotas variam de 3 (três) a 7,6%. O prazo de recolhimento é até o último dia útil da quinzena do mês seguinte. INSS – Previdência Social Todas as empresas que possuem folha de pagamento devem recolher o INSS (Contribuição Previdência Patronal). A alíquota varia de 25,8 a 28,8%, dependendo da atividade da empresa. O cálculo da contribuição é feito em cima da folha salarial. IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados O IPI é um imposto federal que incide sobre produtos industrializados nacionais e estrangeiros. Apurado a cada dez dias, é recolhido até o 3º dia útil do decêndio subsequente – no caso de cigarros e bebidas – ou até o último dia útil do decêndio seguinte – para os demais produtos. Tributos estaduais: ICMS – Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicações Imposto estadual que incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias, de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações, à entrada de mercadoria importada, ao fornecimento de mercadorias com prestação de serviço e ao fornecimento de alimentação e bebidas por qualquer estabelecimento. Por ser um imposto estadual, as alíquotas variam conforme a localidade. De tudo que é arrecadado, 75% ficam para o governo estadual e 25% são repassados aos municípios. Tributos municipais: ISS – Imposto sobre Serviços O prestador de serviço, empresa ou autônomo é obrigado a recolher o ISS. O valor da alíquota varia conforme a legislação de cada município. A base de cálculo é o preço do serviço, obtido pela receita mensal do contribuinte de caráter permanente ou pelo valor cobrado na prestação de serviço eventual. No que se refere à justiça trabalhista, ordenamento jurídico e as decisões judiciais visam à proteção do empregado, caracterizado pela sua falta de se manter com recursos próprios, frente ao empregador. Não é diferente com as M.E e E.P.P, entretanto quis o legislador, devido à hipossuficiência de ambos, dar tratamento diferenciado aos dois segmentos. As microempresas e empresas de pequeno porte são escusadas do cumprimento das obrigações acessórias a que se referem alguns dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho: a) horário da manutenção obrigatória de aprendizes em cursos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial — SENAI; b) manutenção do livro de inspeção do trabalho; c) do quadro de; d) anotação da concessão das férias coletivas no livro ou em fichas de registros dos empregados. Ainda que tenham sido concedidos tais benefícios, não estão dispensadas da obrigação de fazer anotações do contrato de trabalho na Carteira de Trabalho e Previdência Social dos empregados, da apresentação da Relação Anual de Informações Sociais — RAIS e do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED, fazer arquivamento dos documentos comprobatórios de cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias até que prescrevam as correspondentes ações judiciais e da apresentação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social. A dispensa das micro e pequenas empresas dessas requisições formais concedidas pelos diplomas legais em nada prejudicam os direitos garantidos aos empregados pela CLT, uma vez que visam somente a desburocratização das severas exigências trabalhistas impostas aos demais segmentos empresarias. 2.4. Planejamento tributário nas micro e penas empresas Segundo os dados divulgados pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), grande parte das M.E e E.P.P encerram suas atividades com menos de 2 (dois) anos de funcionamento. Figuram entre os motivos que levam a esse precoce encerramento de suas atividades a falta de conhecimento sobre os tributos incidentes sobre esse segmento e a inexistência de planejamento tributário para aperfeiçoar a arrecadação dos mesmos. Tôrres (2002, p.25) traz o conceito de planejamento tributário como “a técnica de organização preventiva de negócios, visando a uma lícita economia de tributos, independentemente de qualquer consequência dos atos projetados”. Dessa forma, para Torres, essa prática tem em vista economizar legitimamente tributos sem que, para tanto, seja praticada alguma fraude contra o fisco. No mercado competitivo e globalizado atual, o desenvolvimento e a sustentabilidade das micro e pequenas empresas depende de planejamentos para que sejam viáveis. Dentre esses planos está o de economizar na arrecadação de tributos. O planejamento tributário, então, é um conjunto de escolhas prévias, nas quais serão escolhidas as mais adequadas para a empresa individualmente, que resultam no menor ônus, no que se refere ao aspecto fiscal. É diferente desse método, porém, a prática de evasão fiscal. A evasão fiscal é prática ilegal que se utiliza da fraude, sonegação ou simulação para afastar a incidência do fato gerador dos tributos que são devidos. São práticas realizadas concomitantemente ou posteriormente a ocorrência do fato gerador. A evasão fiscal está prevista e capitulada na Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo (Lei n° 8.137/90). No que se refere à diferença entre ambos os institutos, observa-se que a elisão fiscal (planejamento tributário) são sempre práticas de atos lícitos ao passo que a evasão fiscal são, em geral, perpetrados concomitantes ou posteriores ao fato gerador e são proibidos por lei. A inobservância dos devidos cuidados, no que se refere à otimização de arrecadação de tributos, por parte dos sócios (muitas vezes também dirigentes de seus próprios negócios) ou administradores por estes indicados gera o curto espaço de tempo de funcionamento e/ou desenvolvimento das micro e pequenas empresas. Dessa forma, o planejamento tributário, desde que corretamente assessorado por profissionais do Direito e da área de econômica, é uma forma criativa de diminuição de custos cada vez mais procurada pelos contribuintes. Para isso, os espaços que a legislação não abarcou são utilizados na elaboração de fórmulas que visam à redução da alta carga tributária que sofrem não somente as M.E e E.P.P, mas todos os seguimentos do societários que se encontrem em hipótese de incidência tributária. CONCLUSÃO As micro e pequenas empresas representam um importante segmento econômico da sociedade brasileira. Entretanto, a sua situação de hipossuficiência foi um fator para classifica-las como sujeitos passivos de políticas públicas que objetivassem a correção dessa situação de dificuldade de gerar recursos próprios. Com a criação do Simples, instaurou-se um regime opcional compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos aplicável às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. A implementação desse sistema trouxe benefícios relativos ao recolhimento de impostos, realização de obrigações trabalhistas, acesso a crédito e ao mercado, aquisições preferenciais de bens e serviços pelos Poderes Públicos. A alta e burocrática carga tributária, incidente tanto nas M.E e E.P.P quanto nos outros segmentos econômicos societários, pode ser atenuada com a utilização do planejamento tributário, conjunto de escolhas prévias, nas quais serão escolhidas as mais adequadas para a empresa individualmente, que resultam no menor ônus, no que se refere ao aspecto fiscal. Pode-se concluir, portanto, que o caminho percorrido pelas micro e pequenas empresas para deixar a sua situação de hipossuficiência ainda é longo, tendo em vista que ainda há vários fatores que dificulta esse processo. A atuação proativa do Estado com políticas públicas para favorecer ao desenvolvimento das mesmas é de suma importância.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/apontamentos-historico-juridicos-da-tributacao-nas-microempresas-e-empresas-de-pequeno-porte/
IPTU e o princípio da progressividade
Busca-se estudar a questão da aparente incompatibilidade entre os princípios da progressividade no IPTU e a isonomia. Por um lado a Constituição veda a discriminação mas por outro comtempla forma de apuração de tributos que penalizam os que detém determinados bens imóveis. A partir dessa aparente contradição faremos uma abordagem prática da solução de colidências entre princípios sob a ótica do pós-positivismo e da forma como podem ser encaradas com os aparentes conflitos sujeitos ao primado da ponderação.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O direito tributário brasileiro encontra seu fundamento e paradigmas na Constituição Federal. Lá são fixadas as regras que compõem o Sistema Tributário Nacional. Assim, encontram-se definidas em âmbito constitucional as modalidades de tributos, as competências dos entes tributantes, limites ao poder de tributar, etc., bem como a repartição dos valores arrecadados entre as pessoas jurídicas de direito público. Porém, acima de todas essas regras, encontram-se os princípios constitucionais, em especial aqueles que versam sobre direitos fundamentais, também chamados de direitos humanos. É crescente o enfoque doutrinário e jurisprudencial acerca dos princípios e seu peso no ordenamento jurídico pátrio. Isso é decorrência de uma mudança de paradigma no pensamento jurídico brasileiro. Outrora dominado pelo positivismo, é sentido a crescente influência do pensamento pós-positivista, também chamado de jushumanista. Tal enfoque cresce na medida em que ganha aceitação a linha filosófica dos direitos humanos. Hoje nota-se maior inclinação do Judiciário em decidir com base, às vezes unicamente, em princípios. Trata-se de algo que seria impensável sob a égide do positivismo, e que nos conduz a novos paradigmas. Dentre estes, a forma de resolução de conflitos entre princípios e regras será objeto de breve análise. Tal mudança de paradigma é especialmente relevante para o direito tributário, uma vez que é ramo do direito que regula a relação entre Estado e cidadão no seu aspecto patrimonial. Como o direito de tributar age como exceção que atinge o direito da propriedade privada, deve ser profundamente regulado, não somente por regras (que podem ser mais facilmente "contornadas"), mas também por princípios que protejam o contribuinte de toda forma de arbítrio estatal. Esse, afinal, é o principal objetivo do direito tributário moderno, que se coloca como fonte de garantias dos direitos fundamentais, viabilizando uma tributação justa, regulada e com manutenção de equilíbrio entre sujeito passivo e ativo da obrigação. Não se deve esquecer que tais institutos do direito tributário são fruto de conquista histórica. Os princípios, porém, não são conceitos estanques. Há pontos de conflito em casos concretos, que devem ser objeto de criteriosa ponderação. No presente trabalho, pretendemos analisar essa questão, com enfoque em algumas questões levantadas pela instituição do IPTU progressivo. Assim, após a devida contextualização, trataremos do aparente conflito entre o citado instituto e alguns princípios e direitos fundamentais, na extensão que nos permite esse breve apanhado. 1. A PROGRESSIVIDADE DO IPTU 1.1. ORIGEM DO IPTU Antes de seguirmos na análise do IPTU em seu formato atual, achamos conveniente passarmos brevemente pelo histórico desse imposto. Desde a proclamação da República até a década de 1930, a principal receita tributária era advinda das operações de importação. Havia outros tributos, certamente, mas sem tamanho impacto nas receitas públicas. Com a Constituição de 1946 começa haver uma definição da forma de divisão de competências tributárias até hoje existentes, consolidada na década de 1960. De sua parte, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana tem sua origem na chamada "décima urbana" incidente sobre os imóveis edificados das cidades à beira mar. Tal tributo foi criado com a chegada da corte de D. João VI ao Rio de Janeiro, em 1808, com o intuito de suprir os gastos da aristocracia que o acompanhava. Porém, há referência a esse imposto já em 1799, em carta da Rainha D. Maria endereçada ao Governador da Bahia, datada em 19 de maio daquele ano.[1] O incipiente imposto demandou a numeração e demarcação dos imóveis urbanos, o que não havia na época, mesmo nas grandes cidades. A fiscalização era exercida por uma Junta, composta de "dois homens bons, um nobre e outro do povo, dois carpinteiros, um pedreiro e um fiscal, que será advogado".[2] Havia um superintendente para solução de dúvidas, sendo que cabia recurso de suas decisões ao Conselho da Fazenda, que se subordinava ao Erário Régio. Já em 1811 foram criadas as primeiras isenções, destinadas aos proprietários que cumprissem as determinações da legislação nas suas edificações. No regime da Constituição de 1891, havia previsão do imposto predial e do territorial urbano como dois impostos distintos. O primeiro incidia sobre edificações e o segundo sobre imóveis não edificados, sendo que eram de competência dos Estados. A partir da Constituição de 1934, a atribuição passa aos Municípios, com quem permaneceu desde então. Foi somente na Constituição de 1946 que ocorreu a unificação dos impostos predial e territorial em um só. 1.2. A PROGRESSIVIDADE 1.2.1. CONCEITO A progressividade é o aumento das alíquotas de um determinado imposto em função de um parâmetro definido. Para o clássico De Plácido e Silva, a progressividade “caracteriza-se pelo aumento crescente da tarifa ou dos elementos, que servem de base à verificação do imposto, em razão do aumento da quota ou da riqueza, em que vai incidir.”[3] Rubens Gomes de Sousa assevera: “Progressivos são os impostos cuja alíquota é fixada na lei em porcentagem variável conforme o valor da matéria tributável. O imposto progressivo é, na realidade, um imposto proporcional, cuja proporção aumenta à medida que aumenta o valor da matéria tributada.”[4] Para a Profa. Regina Helena Costa, "um imposto é progressivo quando a alíquota se eleva à medida que aumenta a quantidade gravada".[5] 1.2.2. HISTÓRICO E CRÍTICA Temos notícia da cobrança de impostos progressivos já na República Florentina dos séculos XV e XVI, bem como outra referência de sua instituição na Basiléia, no ano de 1429. Sua aplicação foi debatida no período da Revolução Francesa, tendo Montesquieu como ardoroso defensor. [6] Pouco após, em 1848, o membro do parlamento e filósofo anarquista Pierre-Joseph Proudhon[7] apresentou projeto de lei na Assembléia Nacional Francesa, visando implantar esse princípio na legislação. O projeto foi amplamente rejeitado, ficando consignado na ordem do dia dos anais do parlamento que “o imposto progressivo era imoral e subversivo da ordem divina e humana.”[8] É sabido que a doutrina pátria e de outros países é maciçamente favorável à progressividade tributária. Ainda sim, esse princípio é alvo de severas e bem fundamentadas críticas. João de Adhemar Barros nota que a progressividade tributária penaliza os mais eficientes e desestimulando o esforço. Afinal de contas, os mais bem sucedidos são mais penalizados, independentemente dos belos argumentos de "solidariedade" ou "justiça social", que geralmente são trazidos ao debate. Em suas palavras: "Todo imposto representa um ato de espoliação. A progressividade do imposto permite a uma maioria de cidadãos espoliar mais particularmente, por intermédio de seus representantes, uma minoria da população, sob o pretexto de Justiça Social.”[9] Roberto Campos, que atuou na Constituinte de 1988, também criticou a progressividade, da forma ácida que lhe é característica: "A progressividade é uma coisa charmosa, principalmente quando ela é aplicada à custa do bolso alheio. No fundo, entretanto, a progressividade é uma iniqüidade. Significa não só obrigar os que ganham mais a pagar mais, mas também punir mais que proporcionalmente os ousados e criadores. O charme da progressividade advém de duas falsas premissas. Uma é que quanto mais bem sucedido o contribuinte mais deve ser punido. Outra é que o governo gasta melhor que o particular. Presume-se que o governo gastaria para prestar serviços; na realidade, gasta para pagar funcionários. Essa é a verdade, não só dos impostos, mas também das tarifas. Acerca da progressividade, concordam os autores, especialmente os que a defendem, que a sua principal função é a redistribuição da riqueza. Não foi à toa que tal ponto foi tão defendido pelos autores marxistas, como já mencionamos anteriormente. Com o tributo progressivo, o que tem mais paga não apenas proporcionalmente mais, porém mais do que isto, paga progressivamente mais. Ives Gandra da Silva Martins parece bem expressar o ponto que queremos demonstrar: que a progressividade tributária tem "caráter mais ideológico do que econômico ou social".[10] Sousa Franco, tratando da origem da progressividade, termina por nos ajudar a esclarecer a questão ainda melhor, ainda que involuntariamente: "Esta forma de tributação apareceu ligada a intenções sociais de maior igualdade é, apesar de se encontrar hoje perfeitamente enquadrada em sistemas econômicos capitalistas, convirá recordar a ênfase que lhe é dada no 'Manifesto do Partido Comunista' de Karl Marx e Friedrich Engels.[11]" Em outras palavras, temos que economia de livre mercado e socialismo são pólos opostos, conceitos extremos, separados por uma escala que contém inúmeros graus. Não são opções distintas, mutuamente excludentes, como se um país adotasse somente uma ou outra. Isso reflete, a nosso ver, "cacoete mental" muito comum, fruto da mentalidade da "Guerra Fria". Nossa Constituição tem a "livre iniciativa" como princípio basilar da ordem econômica (art. 170), verdadeiro direito fundamental, porém também contempla princípios redistributivistas, que terminam por tolhê-la. Isso é um fato e independe das visões políticas de cada um. Pode-se defender ou criticar a progressividade, mas nos parece claro que ela representa um grau da escala a que nos referimos anteriormente. Nesse ponto podemos ver a influência mútua entre princípios e regras, em constante interação. O resultado parece refletir o grau escolhido pelos constituintes na escala que separa o máximo da liberdade econômica e o máximo do redistributivismo. Isso, porém, não impede que se exerça a crítica saudável, como mecanismo que permita a devida ponderação entre os princípios conflitantes que apontamos. 1.2.3. IPTU E PROGRESSIVIDADE A despeito de tudo isso, a questão da progressividade é amplamente aceita hoje, definitivamente integrada em nosso ordenamento por meio da Constituição de 1988. Uma vez prevista, era de aplicação obrigatória para o Imposto sobre as Rendas e Proventos de Qualquer Natureza (art. 156, § 2º), e facultativa para o IPTU (art. 156, § 2º e art. 182, § 4º – II). Ainda sim, durante algum tempo discutiu-se acerca da aplicabilidade da progressividade para impostos reais. Era aceito que o art. 182 § 4º e respectivos incisos tratava de progressividade extrafiscal, com caráter sancionatório. Já quanto à interpretação do § 1º do artigo 156, havia divergência quanto ao seu caráter fiscal ou extrafiscal. Esse debate atingiu seu ápice com o julgamento no STF do Recurso Extraordinário 153.771-0, relatado pelo Min. Moreira Alves. Constou no seu voto vencedor: “Naturalmente, não queremos dizer – nem o podemos – que todos os impostos devem ser indistintamente progressivos, porque sabemos como isso seria impossível ou cientificamente errado: porque bem sabemos que a progressão não condiz com os impostos reais e pode encontrar só inadequada e indireta aplicação nos impostos sobre consumos e nos impostos indiretos em geral.” Assim, com essa decisão, o STF efetivamente proibiu a legislação de municípios de instituir IPTU progressivo em função de valor venal ou do tempo (nesse caso, por falta de lei complementar que regulamentasse o assunto). Após essa decisão, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional n. 29 de 2000, e todo o entendimento foi superado[12]. Nessa Emenda, ficou expresso que a progressividade do IPTU poderia ser tanto extrafiscal como fiscal, e que o § 1º do artigo 156 estava disciplinando a progressividade em seu caráter fiscal.  Feita essa breve contextualização, que será abordada com mais detalhes mais adiante, vamos analisar agora a natureza jurídica do IPTU, em rápida pontuação relacionada à sua regra-matriz. 1.3. REGRA MATRIZ DE INCIDÊNCIA O Imposto Predial e Territorial Urbano ­ IPTU ­ é um imposto direto que incide sobre a propriedade imobiliária. Segundo a Constituição Federal ele é de competência privativa do município e deve observar os princípios constitucionais da legalidade, da capacidade contributiva, da igualdade, da proporcionalidade e o da proibição de confisco. Adentremos agora na análise desse imposto com base nos ensinamentos do Prof. Paulo de Barros Carvalho. Segundo sua doutrina, a regra-matriz de incidência tributária é formada pela hipótese e pelo seu conseqüente. No “enunciado hipotético”, termo utilizado por Paulo de Barros, encontramos os critérios material, espacial e temporal para a identificação do fato jurídico-tributário. No “consequente” encontramos o critério pessoal – sujeitos ativo e passivo, e critério quantitativo – base de cálculo e alíquota, que identifica a relação jurídica a ser formada quando da ocorrência de um evento no mundo real que contenha as características da hipótese de incidência prevista. Assim, quanto à hipótese, temos seu critério material, abstratamente isolado das coordenadas de tempo e espaço, consistente num fato lícito, genérico e abstrato: ser proprietário de um imóvel. O critério temporal, aqui entendido como o momento em que surgirá a obrigação tributária, será estipulado pelo legislador municipal, definindo a data que deverá nascer a relação jurídico-tributária. Para o Professor Paulo de Barros Carvalho: "O critério temporal de hipótese tributária é o grupo de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que amarra devedor e credor, em função de um objeto – o pagamento de certa prestação pecuniária.[13]" O critério espacial indica os possíveis locais de ocorrência do fato jurídico-tributário. Nesse sentido, o artigo 32 do Código Tributário Nacional – CTN, delimita o aspecto espacial da regra-matriz do IPTU: “Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. § 1º. Para efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal, observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos dois dos incisos seguintes: I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; II – abastecimento de água; III – sistema de esgotos sanitários; IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. § 2º. A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior”. Analisemos agora a questão do “consequente”, em seus diversos aspectos. O critério pessoal serve para indicação de sujeitos da relação jurídico tributária. Temos ainda o sujeito ativo, ou credor da obrigação tributária. No caso o Município da situação do imóvel, se a lei municipal nada dispuser em sentido contrário. O sujeito passivo, ou devedor da obrigação tributária, é o realizador do fato imponível. No presente caso, será o proprietário do imóvel no dia primeiro de cada ano. Quanto ao critério quantitativo, “nele reside a chave para a determinação do objeto prestacional, isto é o valor que o sujeito ativo pode exigir e que o sujeito passivo deve pagar”.[14] A base de cálculo tem a função de dimensionar a materialidade da hipótese de incidência tributária, apurar o montante devido, constatar a observância dos princípios da capacidade contributiva e da reserva de competências impositivas e confirmar, afirmar ou infirmar a espécie tributária. No caso do IPTU, conforme dispõe o art. 33 do CTN: "A Base de cálculo do imposto é o valor venal do imóvel." A alíquota tem a função de graduar o montante devido, proporcionalmente à capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária. Para o IPTU, ela representa uma fração do valor venal. 1.4. NATUREZA JURÍDICA Geraldo Ataliba ressaltava a importância da classificação dos tributos. Para o eminente Professor, isso decorre da minucia e extensão do texto constitucional, o que serve para limitar e muito a liberdade legislativa.[15] Antes de mais nada, é imperioso classificar o IPTU como imposto pessoal ou real. Aparentemente, "esta classificação de impostos deve ser a mais antiga conhecida, posto que já vem dos jurisconsultos romanos (Digesto, 50, 4, 1)"[16] Cabe diferenciá-los. Conforme a doutrina, são pessoais os impostos que, no processo de determinação do alcance da hipótese de incidência, tomam como relevantes aspectos relativos à pessoa do contribuinte. Para Villegas “são impostos pessoais os que levem em conta a especial situação do contribuinte, valorando todos os elementos que integram o conceito de sua capacidade contributiva.”[17] Já os impostos reais seriam aqueles "que são decretados sob a consideração única da matéria tributável, com abstração das condições personalíssimas do contribuinte."[18] Assim, irrelevante quem seja a pessoa física ou jurídica de seu proprietário, qual seu patrimônio ou qualquer outro item a ele atinente. Os impostos reais focam no objeto a ser tributado, somente. Interessante, contudo, notar a definição proposta para os impostos reais, que é baseada não mais na prevalência do princípio da capacidade contributiva para fins de sua imposição, mas antes no caráter assumido pelo imposto enquanto uma forma de ônus real. Anote-se, no entanto, que é mensagem positivada em nosso sistema (art. 130 do CTN), a propósito dos impostos "cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis", que os créditos tributários dessas relações advindas "subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes." Assim, parece que, para o legislador, a referida categoria de impostos deveria ser classificada como real, pois se verifica uma relação especial entre a obrigação tributária e o bem. Por fim, o próprio STF[19] já determinou que o IPTU é "inequivocamente" um imposto real. Tal posição não é unânime na doutrina, vale dizer. Há autores que defendem que propriedade é sinal objetivo de riqueza do contribuinte. Logo, IPTU seria imposto pessoal. Nessa linha, diversos autores defendem a aplicabilidade da capacidade contributiva ao IPTU, com argumentos dos mais diversos. Dentre eles, constam nomes de peso, como Roque Antonio Carrazza[20] e Elizabeth Nazar Carrazza[21] e Hugo de Brito Machado. Nesse sentido, leciona esse último: "Primeiro, note-se que o § 1º do art. 145 não veda de modo nenhum a realização do princípio da capacidade contributiva relativamente aos impostos reais. É certo que preconiza, tenham os impostos, sempre que possível, caráter pessoal e sejam graduados em função da capacidade econômica do contribuinte. Isto, porém, não quer dizer que só os impostos de caráter pessoal sejam instrumentos de realização do princípio da capacidade econômica, ou contributiva." [22] Na mesma linha da aplicabilidade do citado princípio ao IPTU, Geraldo Ataliba entende que o fato de se caracterizar um imposto como real denota tão somente uma prevalência na hipótese de incidência do aspecto material sobre o pessoal, não significando que este segundo não exista, porém que “é indiferente à estrutura do aspecto material ou do próprio imposto”.[23] 2. PROGRESSIVIDADE E OS PRINCÍPIOS TRIBUTÁRIOS 2.1 PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E ISONOMIA – RELAÇÕES 2.1.1. A CAPACIDADE CONTRIBUTIVA Cumpre esclarecer o real significado do princípio da capacidade contributiva, até porque, pontifica Alfredo Augusto Becker: “Esta expressão, por si mesma, é recipiente vazio que pode ser preenchido pelos mais diversos conteúdos; trata-se de locução ambígua que se presta às mais variadas interpretações."[24] Orientemo-nos então pelas lições da Profa. Regina Helena Costa: “capacidade contributiva relativa ou subjetiva, por seu turno, opera, inicialmente, como critério de graduação dos impostos."[25] É certo que o conceito não é de fácil apreensão, mas, por contingências práticas, podemos entendê-lo como a aptidão que o contribuinte tem de contribuir para as despesas do Estado, na medida de suas possibilidades. 2.1.2. ISONOMIA A isonomia, como o direito ao tratamento igualitário, reflete direito fundamental, logo, previsto na Constituição. Não pretendemos adentrar na questão em toda sua complexidade, mas apenas determinar se se trata de igualdade material ou formal. Em outras palavras, nossa Constituição busca somente conferir a todos igual tratamento perante a lei, não interferindo na seara econômica, ou justamente o oposto, efetivamente buscando reduzir as desigualdades naturais dos seres humanos, tratando-os desigualmente justamente por conta disso? Sem procurarmos retomar debate anterior, entendemos que se trata da igualdade material. Isso fica claro por conta de a "erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais" serem objetivos fundamentais da República. Se a Constituição buscasse conferir igualdade de todos perante a lei, bastaria afirmá-lo, sem adentrar em aspectos extra-jurídicos, como os acima mencionados, que são conseqüência de aspectos sociais e econômicos, acima de tudo. Críticas à parte (e elas são bem cabíveis), fica claro que esse foi o "desejo" do constituinte. Dessa forma, tomando por base estas características de nosso ordenamento, concluímos que a isonomia, para direito tributário, demanda a utilização do filtro da capacidade contributiva, pois se busca dar tratamento desigual aos desiguais. 2.2. PROGRESSIVIDADE E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA – RELAÇÕES Seguindo a linha de raciocínio, qual a relação entre o princípio da capacidade contributiva e a progressividade? Mizabel Derzi e Sacha Calmon Navarro Coelho entendem que a progressividade não é incompatível com o princípio da igualdade e da proporcionalidade.[26] Américo Lourenço Masset Lacombe[27] entende que a progressividade é decorrência lógica do princípio da capacidade contributiva. Na mesma linha segue Elizabeth Nazar Carrazza. Para Misabel Abreu Machado Derzi: "graduar ‘segundo a capacidade econômica do contribuinte’ é dito que, aliado aos arts. 1º a 3º da Constituição, autoriza a progressividade nos impostos incidentes sobre a sucessão e o patrimônio. O conceito de igualdade não se vincula, na atualidade constitucional, à manutenção do status quo, mas ganha um  conteúdo concreto que obriga o legislador a medidas mais socializantes"[28]. É possível afirmar, com base em nessa linha de raciocínio, que a progressividade é a medida utilizada para se atender ao princípio da capacidade contributiva, de forma a permitir que se atinja a isonomia desejada pela Constituição. 2.3. PONDERAÇÕES ENTRE OS PRINCÍPIOS ENVOLVIDOS – A BUSCA POR CRITÉRIOS Em face dessa última conceituação (certamente simplificada), fica ainda o desejo de se atingir algo mais objetivo. Afinal, na ponderação entre esses princípios, onde reside a Justiça? Uma forma de situar-nos seria mediante a utilização do conceito Aristotélico de que a Justiça se encontra no meio-termo entre duas noções extremas (sofrer e cometer uma injustiça). Ou seja, a virtude está no meio-termo. Nessa linha, se já entendemos que a Constituição privilegia o conceito da igualdade material, não seria a capacidade contributiva o meio-termo entre a propriedade privada absoluta e a coletivização? A isonomia exige tratamento desigual para aqueles que se encontrem em situações desiguais (igualdade material). Daí ser imprescindível a adoção de um critério de comparação entre indivíduos e situações, para que se possa avaliar a equiparação ou não destes. Essa posição é defendida por Misabel Derzi.[29] A questão da igualdade nos remete ao problema comum dos valores jurídicos: Qual o critério a ser levado em conta? Ou, em outras palavras: que diferenças devem ser desprezadas? Que características são relevantes para agrupar os objetos em consideração? O princípio da capacidade contributiva nos parece ser o mais adequado para o reconhecimento jurídico de diferenças entre sujeitos e situações, com a conseqüente diversidade de tratamento. "É que a capacidade contributiva é princípio que serve de critério ou de instrumento à concretização dos direitos fundamentais individuais, quais sejam, a igualdade e o direito de Propriedade ou vedação do confisco." [30] Dessa forma, entendemos que o princípio da capacidade contributiva no Brasil deve ser interpretado à luz da concepção do nosso Estado Democrático de Direito, como prescrito no art. 1º da Constituição Federal, e tendo em conta os objetivos fundamentais da nossa República, expressos no art. 3º. São esses objetivos, o de construir uma sociedade "livre, justa e solidária." Notem o paralelo com tese, síntese e antítese nesses três vocábulos, nessa ordem. Deve-se, ainda, ter em conta os direitos e garantias fundamentais, tal como o direito de propriedade e os direitos sociais. Resolve-se assim uma colidência de princípios pela ponderação, feita à luz da Constituição. 2.4. PROGRESSIVIDADE FISCAL X PROGRESSIVIDADE EXTRAFISCAL Tradicionalmente, os tributaristas dividem a progressividade em fiscal e extrafiscal. A fiscal é fixada em função da base de cálculo do imposto. No caso do IPTU, o valor venal do imóvel. Sua natureza é arrecadatória. A progressividade extrafiscal é determinada em função de um parâmetro externo ao direito tributário, com a finalidade de atingir algum objetivo social ou econômico. É a chamada progressividade no tempo do IPTU e é uma penalização imposta ao proprietário do imóvel urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, quando este se negar a dar um adequado aproveitamento a seu imóvel, de acordo com o estabelecido no plano diretor. Tal penalidade é aplicada por lei, após a imposição da penalidade de parcelamento ou edificação compulsória. Conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, “a essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade[31]” Kiyoshi Harada nos ajuda a diferenciar a progressividade fiscal e a extrafiscal: "A progressividade fiscal, decretada no interesse único da arrecadação tributária tem seu fundamento no preceito programático representado pelo § 1.º do art. 145 da CF, segundo o qual sempre que possível, o imposto será graduado conforme a capacidade econômica do contribuinte". "Já a progressividade extrafiscal tem seu fundamento no poder de polícia…. Assim, a progressividade extrafiscal, tanto aquela prevista no § 1.º do art. 156 da CF ( progressividade genérica) como aquela prevista no § 4.º, II do art. 182 da CF (progressividade específica), tem objetivo ordinatório. O fim visado não é o aumento da arrecadação tributária."[32] Como já dito, antes da Emenda Constitucional nº 29 de 2000, a Constituição somente previa para o IPTU uma progressividade extrafiscal, consistente no aumento, de ano para ano, da alíquota para o imóvel que deixasse de cumprir sua função social (art. 182 da CF). Entendia-se que, para instituir o IPTU progressivo no tempo, o município deveria prever a hipótese no plano diretor e editar lei específica municipal, nos termos de lei federal. Essa lei federal somente foi publicada em 2001 e foi chamada de "Estatuto da Cidade" (Lei nº 10.257, de 2001). Prevê o art. 182, § 4.º da CF: "É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I-     parcelamento ou edificações compulsórios; II-   Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III- Desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.” Todavia, o IPTU progressivo extrafiscal, previsto no art. 182, § 4º, II da Constituição não pode ser exigido sem que antes a municipalidade conclua o parcelamento ou edificações compulsórios, previstos no inciso I, uma vez que este artigo refere-se à sucessibilidade das condições. Assim, somente após o parcelamento ou edificações compulsórios, previstos no inciso I, é que poderá ser instituído o imposto IPTU progressivo no tempo, previsto no inciso II. Os municípios, portanto, não podiam instituir a progressividade extrafiscal, por falta da lei federal, e não havia permissão expressa na Constituição para instituir a progressividade fiscal. Ocorre que, à época, vários municípios instituíram a progressividade fiscal, com fundamento na opinião de vários tributaristas que a admitiam. Como foi mencionado anteriormente, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que, considerando a progressividade fiscal somente admissível para impostos pessoais, declarou a inconstitucionalidade de várias leis municipais que estatuíam alíquotas progressivas para o IPTU. Então o Congresso Nacional, seguindo a orientação de que a progressividade fiscal é medida de justiça, aprovou a acima mencionada Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que, expressamente, não só permitiu a progressividade fiscal (aumento de alíquotas em função do valor venal do imóvel urbano), como também criou a possibilidade de instituição de alíquotas seletivas, em função da localização e do uso do imóvel (art. 156, § 1º, I e II). Com a EC 29/2000, o art. 156, § 1.º da CF passou a ter a seguinte redação: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I-     propriedade predial e territorial urbana; II-   transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III-   serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. § 1.º- Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4.º, inciso II, o imposto previsto no inciso I, poderá: I-  ser progressivo, em razão do valor venal do imóvel e II-  ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e do uso do imóvel. “ Dessa forma passa a ser permitida constitucionalmente a progressividade em razão do valor venal do imóvel, bem como, a diferenciação de alíquotas, em função da localização e do uso do imóvel, consagrando a constitucionalidade em função da base de cálculo. Assim, a progressividade do IPTU estendeu-se também à sua função fiscal, pois a extrafiscal já era prevista pelo art. 182, § 4.º, II. Dessa forma, podemos afirmar que, atualmente, temos quatro hipóteses constitucionais previstas em que a progressividade das alíquotas do IPTU é possível: 1. Progressividade como instrumento de política urbana no tocante ao solo urbano não edificado ou não utilizado; 2. Progressividade de acordo com o valor do imóvel; 3. Progressividade de acordo com a localização do imóvel; 4. Progressividade de acordo com o uso do imóvel. Importante salientar que o Estatuto da Cidade regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição. O art. 182 refere-se à progressividade extrafiscal temporal já analisada. Dessa forma, o Estatuto da Cidade não oferece impedimento algum à instituição do IPTU progressivo em função do valor venal do imóvel, nem ao IPTU de alíquotas seletivas, em função da localização e do uso do imóvel (art. 156). Para Roque Antonio Carrazza: "A Constituição quer que, além de obedecer ao princípio da capacidade contributiva, o IPTU tenha alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade (nos termos do plano diretor). Em outras palavras, além de obedecer a uma progressividade fiscal (exigida pelo § 1.º do art. 145, c.c. o inc. I do § 1.º do art. 156, ambos da CF), o IPTU deverá submeter-se a uma progressividade extrafiscal (determinada no inc. II do § 1.º do art.156 da CF)."[33] Conclui-se, assim, que a instituição de alíquotas progressivas e seletivas, apesar de permitida, deve obedecer aos princípios constitucionais da isonomia e da vedação ao confisco e não pode adotar critérios arbitrários na fixação das alíquotas, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade. O debate deve seguir no campo do quantum, e passará pela ponderação entre os princípios envolvidos, conforme tratamos no decorrer desse estudo. CONCLUSÕES Neste trabalho, buscou-se tratar da progressividade do IPTU com um enfoque principiológico, dentro da linha do chamado pós-positivismo. Assim, não basta a previsão de determinada regra no ordenamento para se confirmar sua legalidade. Não basta que tal regra não seja confrontada por outra hierarquicamente superior para que seja válida. É necessário verificar a adequação da regra em questão aos princípios jurídicos, que são a base do ordenamento jurídico. Desta forma, tratamos do IPTU, sua história, natureza jurídica e regra matriz, mas com objetivo de poder dissertar acerca da questão da progressividade e sua adequação aos princípios do direito tributário. Numa primeira análise, é de se notar que o instituto da progressividade, que atinge a questão da liberdade econômica e propriedade privada mais ferozmente, parece confrontar-se com diversos princípios constitucionais. Afinal, a progressividade leva àquele que já paga mais a também pagar progressivamente mais, ao que negaria o tratamento isonômico a que todos fazem jus. Vimos como tal instituto foi duramente criticado em seus primórdios por suas vinculações políticas, ideológicas, mais do que jurídicas ou econômicas. Ainda sim, em face da realidade de sua aceitação no cenário mundial, vimos como ele pode ser harmonizado com os demais princípios jurídicos. Em grande medida, isso se deu pelo entendimento que se dá à questão da isonomia, efetivado por meio do uso do filtro da capacidade contributiva. Após análises de outras questões correlatas, como o uso extra fiscal do IPTU progressivo, cremos ter conseguido atingir a verdadeira ponderação entre os princípios analisados à luz da progressividade. Com isso, acabamos por analisar o verdadeiro grau de liberdade econômica vislumbrado pelo constituinte, que protegeu a propriedade privada, mas confrontou esse princípio com outros, como o da progressividade.
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A inconstitucionalidade do artigo 26 da Decreto 70.235/72 que regulamenta o processo administrativo tributário
Com a realização deste trabalho buscou-se realizar um estudo que teve, por objetivo, demonstrar a inconstitucionalidade presente no artigo 26, inciso I, do Decreto 70.235/72, que regulamenta o processo administrativo fiscal, que prevê a competência do Ministro da Fazenda, em instância especial, julgar os recursos de decisões dos Conselhos de Contribuintes, interpostos pelos Procuradores Representantes da Fazenda junto aos mesmos Conselhos, em detrimento do contribuinte, a quem o referido decreto não imputa o mesmo direito. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê, em seu artigo 5º, inciso LV que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, mas, em leitura atenta do dispositivo constante do decreto citado, se depreende que o acesso à Instância Especial é exclusivo da Fazenda Federal, o que implica na exclusão dos contribuintes de terem revistas decisões contrárias aos seus interesses, decididas pela Câmara Superior de Recursos Fiscais. Assim sendo, há clara ofensa ao princípio do contraditório e, apesar de o referido dispositivo não ter sido recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, continua sendo aplicado.[1]
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O tema escolhido para ser desenvolvido, a inconstitucionalidade do artigo 26 da Decreto 70.235/72 que regulamenta o processo administrativo tributário, encontra, na atualidade, um universo bastante amplo para discussões, especialmente diante do foco constitucional com que todas as leis brasileiras devem ser elaboradas, analisadas e aplicadas. O contraditório e a ampla defesa, como basilares do devido processo legal, fazem com que legislações que se manifestem de maneira diversa, como é o caso do artigo 26, da Decreto 70.235/72, não sejam recepcionadas pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. A doutrina e a jurisprudência sobre o tema são extremamente escassas, especialmente em âmbito tributário, mas constitucionalistas e processualistas dissertam incansavelmente sobre o tema. A finalidade do processo administrativo tributário é acertar a relação tributária entre o Fisco (sujeito ativo) e o contribuinte (sujeito passivo). Quando a legislação, de alguma forma, “opta” por desequilibrar esta relação, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, vem em seu artigo 5º demonstrar que os direitos fundamentais lá dispostos, neste caso, especialmente o inciso LV, tem a função de direcionar a conduta estatal, bem como de todos os indivíduos que integram o Estado, no sentido de fazê-la cumprir. Francesco Carnelutti, em sua obra “Direito e Processo”, principiologicamente, já se manifestava no sentido de a igualdade ser a base do princípio do contraditório. A inquietação diante da fragilidade da legislação frente à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, motiva a necessidade da busca por uma resposta: o artigo 26 da Decreto 70.235/72, que dá exclusivamente ao Fisco Federal acesso a uma Instância Especial, foi recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988? Para que tal conclusão seja possível, outros apontamentos vêm de encontro aos levantamentos a serem feitos, especialmente no fato de que o processo administrativo possui como finalidade precípua a constatação da verdade material, ou seja, da veracidade dos fatos. Assim sendo, a tentativa de solucionar o problema se baseará na demonstração de que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não recepcionou letra de lei em sentido contrário ao que ela dispõe. No caso específico do presente estudo, será demonstrada a incompatibilidade do acesso unilateral a instância recursal administrativa, ante a ofensa de direito constitucionalmente garantido. 1 – DO PROCESSO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Uma nação para que possa se configurar como tal necessita, prioritariamente, de organização. Temos uma população brasileira constituída de grupos de pessoas com interesses divergentes, classes sociais distintas, grupos com interesses específicos, enfim, todos provenientes de uma herança substancialmente ditatorial, eivada de desigualdades e lutas. Salienta-se que nossa Constituição completa, em 2008, 20 anos desde a sua promulgação. Em regra, nos países ocidentais, essa organização se dá através das chamadas constituições, ou seja, o modo de ser do Estado. Tomemos como exemplo o Brasil, cuja organização referente ao Direito Público Interno, suas questões principiológicas e normas gerais, estão dispostas na Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, também conhecida por “Constituição Cidadã”. A nova ordem constitucional estabelecida após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não recebeu o codinome de “Constituição Cidadã” por mero acaso. A efetividade jurisdicional buscada pela nova constituição trouxe consigo as idéias de liberdade, igualdade, dignidade, soberania como princípio fundamentais ao próprio funcionamento do Estado. Por tratar-se de uma constituição democrática, ela apresenta um complexo de normas que tem, como conteúdo, as condutas humanas e seus valores, observada a necessidade de que os cidadãos convivam em sociedade. Tem, como legitimação, a idéia de que o poder emana do povo, ou seja, oriunda de um órgão constituinte constituído por representantes políticos do povo. Fato é que, objetivando da efetividade às normas constitucionais, o próprio texto constitucional encarregou-se de criar diversos mecanismos de controle, que garantissem a observância, dos princípios e das normas gerais que integram este complexo normativo que se constitui “corpo orgânico”, pelos legisladores, pelos dispositivos infraconstitucionais e aplicadores da lei, a fim de fazer com que o organismo Estatal funcione de forma organizada, garantindo a observância aos princípios da supremacia do texto constitucional, da liberdade, da igualdade, da dignidade da pessoa humana, entre tantos outros que constituem e equilibram as relações sociais. Consideradas as inúmeras formas de se assegurar a observância da Constituição, um dos instrumentos de garantia da efetividade é o processo, através do qual, manifesta-se a proteção da ordem jurídica com foco no ordenamento constitucional. É interessante pontuar que, em sentido infraconstitucional, todo processo (civil, penal, administrativo, tributário, etc.) é constitucional, uma vez que nas regras apontadas pela Constituição, a exemplo dos princípios processuais, tais como devido processo legal, contraditório, ampla defesa, razoável duração do processo, entre tantos outros, os procedimentos atrelados à ordem jurídica daquele Estado devem se pautar na Constituição Federal, tendo-a como norte para que sejam as decisões sejam consideradas legais e justas, pois obedientes à ordem constitucional vigente. No que toca ao processo, em suas cláusulas pétreas, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, inciso LV, assim dispõe: “Art. 5º (…) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (…)” Conforme se vê, os basilares do Estado Democrático de Direito são também os basilares da estrutura processual constitucional, especialmente no que toca á idéia de igualdade, conforme previsto no preâmbulo da Constituição da República, quando a mesma enuncia que todos são iguais perante a lei, sem qualquer distinção. Fato é que o Direito Processual infraconstitucional, após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, tem que se adequar perfeitamente aos limites impostos por esta, sob pena de os dispositivos vigentes em período imediatamente anterior não serem recepcionados e se tornarem eminentemente inconstitucionais. Especialmente no caso do ordenamento jurídico brasileiro, o direito processual civil, normatização base e de aplicação subsidiária a todas as outras esferas processuais infraconstitucionais, tais como direito processual penal, previdenciário, entre outros, e, especialmente aplicável ao presente foco de estudo, ao direito processual tributário tanto administrativo quanto judicial. Desta forma, é impensável falar-se em teoria geral do direito processual civil que não advenha de preceitos constitucionais, a que Constituição da República não esteja intrinsecamente ligada e da qual não se extraiam as diretrizes processuais de natureza constitucional. Ressalte-se que, no que toca ao desenvolvimento processual, o princípio do devido processo legal, garantindo a regularidade do trâmite processual, e tendo por fundamentos o contraditório e a ampla defesa, princípios estes aos quais nos ateremos mais adiante, é elencado como base fundamental para que a igualdade seja materializada, de forma a que se promova  a justiça de maneira mais objetiva. Detenha-se ainda ao fato de que os princípios são a carga orgânica das constituições, assim como da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “(…) os princípios são o oxigênio das Constituições na época dos pós-positivismo. É graças aos princípios que os sistemas constitucionais granjeiam a unidade de sentido e auferem a valoração de sua ordem normativa.” (BONAVIDES, 2000) Pelo exposto vê-se que o direito processual é um sistema de enunciados instrumentais que procedimentalizam o funcionamento regular do processo e do procedimento administrativo e judicial, a fim de que se promova a prestação jurisdicional da tutela aos direitos do cidadão. No caso do presente estudo, a busca pela verificação da aplicação constitucional da igualdade com foco processual, desencadeia uma série de reflexões acerca da impossibilidade da aplicação de dispositivo que afronte o sistema constitucional. 1.1. Do princípio da igualdade Para que seja possível transcorrer acerca dos princípios do contraditório e da ampla defesa, é requisito que se discorra, inicialmente acerca do princípio da igualdade, de onde emana a possibilidade de que se aplique os princípios supra, em observância à tutela dos direitos pela ordem jurisdicional do Estado. Preliminarmente, enuncia-se um interessante conceito de princípio por Ivo Dantas pontuando que: “Os princípios são categoria lógica e, tanto quanto possível, universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica dos Estados, como tal, representativa dos valores consagrados por uma sociedade". Logo após continua o ilustre autor: "por outro lado, se tanto o princípio quanto a norma consagrados nos textos constitucionais refletem um posicionamento ideológico (opção política frente a diversos valores) – repitamos – existe entre eles uma hierarquização.” (DANTAS, 1995, p.59-60) De Plácido e Silva a seguinte preleção: “Princípio. É, amplamente, indicativo do começo ou da origem de qualquer coisa. Princípios. No sentido jurídico, notadamente no plural, quer significar as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa. (…) Princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito.”(PLACIDO E SILVA, 1989) A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu preâmbulo, assim se manifesta: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.” (g.n.) No artigo 5º do mesmo diploma, ratifica a igualdade como um dos direitos fundamentais: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)” (g.n.) Tendo em vista a posição a que foi consagrado o princípio da igualdade, trata-se a mesma de norma, direito e dever à qual todo cidadão está subordinado. Ao sistema processual pós Constituição Federal de 1988, foi dada a incumbência de adequar toda a disciplina processual brasileira à nova realidade apresentada como forma de dar abrigo processual ao princípio da igualdade, resguardando a observância à aplicabilidade do mesmo tornando inconstitucional o caráter da discriminação processual. A incumbência está em tratar os desiguais como desiguais na medida de sua desigualdade, ou seja, está o diploma constitucional se comprometendo, e à legislação infraconstitucional vinculando a obrigatoriedade da redução das desigualdades sociais em todos os aspectos. Roberto Rosas, em sua obra “Direito Processual Constitucional : princípios constitucionais do processo civil”, se manifesta acerca da ligação existente entre a igualdade e contraditório de maneira singular: “A Igualdade é a base do princípio do contraditório (Carnelutti,Diritto e Processo, p.100). É uma garantia político-constitucional do indivíduo. É um meio técnico de que a lei se vale para a condução do processo e garantir os fins da justiça. As partes interessadas é que devem fornecer a matéria de fato válida, a definir a instrução. No contraditório se concretiza uma garantia da parte, da sua igualdade e de seu direito”. (ROSAS, 1983) Do ponto de vista processual, a isonomia vem de encontro aos interesses daqueles que buscam a satisfação de sua pretensão de forma a vê-la atendida de forma justa. É no instante da aplicação das leis que a justiça se perfaz sob a ótica do princípio da isonomia, devendo o magistrado compreender a norma de maneira a agregar a ela determinada interpretação, de forma a não criar distinções que façam com que sua aplicação se perfaça em favor de um e em detrimento de outro. Ou seja, concede-se tratamento diferenciado aos que sem encontram em situações distintas. É com base nesta idéia de igualdade, que os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa encontram guarida. 1.2. Dos princípios do contraditório e a ampla defesa A manifestação constitucional imediata acerca do princípio do contraditório e da ampla defesa está enunciada no dispositivo abaixo transcrito: “Art. 5º (…) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (…)” Os princípios do contraditório e da ampla defesa se manifestam de maneira pura quando da aplicação na figura do demandado, ao que se busca a efetiva garantida de defesa, preceito fundamental do devido processo legal, como forma de uma boa administração da justiça. Procura-se, sobretudo, a oitiva dos sujeitos em relação a todos os atos do processo, especialmente de serem cientificados dos atos que ocorrerem no processo, da apresentação de defesa antes da decisão judicial, como forma de se verificar a viabilidade da motivação apresentada quando da busca ela prestação jurisdicional, o direito à produção e apreciação de provas pelas partes. Por princípio do contraditório, tem-se um princípio que objetiva o equilíbrio entre as partes, impedindo a parcialidade no sistema processual. Vicente Greco Filho, ilustre estudioso, em sua doutrina assim se manifesta acerca do contraditório: “O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavoráve”l. (GRECO FILHO, 1996, p. 90) Cândido Rangel Dinamarco, em sua obra "A Instrumentalidade do Processo", assim se manifesta acerca do contraditório: “A dialética do processo, que é fonte de luz sobre a verdade procurada, expressasse na cooperação mais intensa entre o juiz e os contendores, seja para a descoberta dos fatos que não são do conhecimento do primeiro, seja pra o bom entendimento da causa e dos seus fatos, seja para a correta compreensão das normas de Direito e apropriado enquadramento dos fatos nas categorias jurídicas adequadas. O contraditório, em suas mais recentes formulações, abrange o direito das partes ao diálogo com o Juiz.” (DINAMARCO, 2004) É em decorrência deste princípio que de vislumbra a possibilidade de o indivíduo-parte estar ciente de todos os atos que ocorrem no processo, de forma a se manifestar convenientemente à sua pretensão, fazendo com que a sua atuação venha a legitimar a decisão judicial, ao passo em que o magistrado terá ouvido, igualitariamente o que as partes tem a dizer sobre a questão-lide. Já o princípio da ampla defesa, garante ao litigante o direito de exercer sua defesa sem qualquer restrição. Nada mais é que uma garantia das partes de exercer sua defesa da maneira mais ampla permitida em lei, e consiste em a parte apresentar resistência formal à pretensão da parte adversa. Em relação a este princípio, que é intrinsecamente ligado ao princípio de contraditório como forma de operacionalizar o devido processo legal, alguns doutrinadores assim se manifestam: James Marins afirma que “o conceito de ampla defesa é composto pelo direito à ampla cognição formal e material, que corresponde ao princípio da ampla competência decisória, e no direito à produção de provas, que corresponde ao princípio da ampla produção de provas”. (MARINS, 2010) Em um foco mais processual, Nestor Sampaio Filho: “Por isso a defesa assume o papel multifacetário no processo, ora indicando testemunhas, ora juntando documentos, ofertando quesitos etc. O conteúdo da defesa é a prevalência do principio da igualdade para que ela possa repelir o argumentos de acusação, seja no processo judicial, seja no processo administrativo disciplinar (a par conditio, ou seja, a igualdade de armas no processo).” (SAMPAIO FILHO, 2006) Diante do supra dito, vê-se que o princípio da ampla defesa tem por elemento fundamental garantir às partes a utilização de todos os meios e formas de defesa em direito admitidas, a fim de que se prove tudo o quanto alegam e que, pelo princípio do contraditório, assegura-se o diálogo processual das partes, conferindo a elas o direito de se manifestar cada vez em que a parte contrária traz aos autos novos elementos que pretenda adotar. Desta forma, pode a outra parte manifestar-se positiva ou negativamente, cabendo a decisão o crivo do magistrado, sob pena de se corromper o preceito constitucional garantidor dos princípios, podendo, ainda, incidir em nulidade processual, nos termos da lei aplicável. 2 – DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO A partir deste capítulo iniciar-se-á a discussão acerca do tema com mais especificidade. O processo administrativo tributário tem sido objeto de grandes discussões especialmente em razão do volume de suas alterações legislativas, sendo a última provocada pela Medida Provisória 449/2008, a mais intensa dos últimos tempos. Sabido é que o Direito Tributário, ou seja, direito material necessita de um meio para que se dê efetividade para que exista e se materialize de forma ordenada, formal. Para que os contribuintes possam ver respeitados os seus direitos frente a atuação da Administração pública no que toca à cobrança de tributos, instituiu-se certos procedimentos que, organizados se transformaram no processo administrativo fiscal que, conforme leciona Hugo de Brito Machado, “é destinado a regular os atos da Administração e do contribuinte no que se pode chamar de acertamento da relação tributária” (Machado, 2008, p. 447).  2.1. Conceituação jurídica do processo administrativo tributário Os doutrinadores conceituam o processo administrativo tributário das mais diversas formas. Vejamos os conceitos apresentados por alguns deles: James Marins, brilhantemente, assim se manifesta conceitualmente sobre o processo administrativo tributário: “(…) a etapa contenciosa (processual) caracteriza-se pelo aparecimento formalizado do conflito de interesses, isto é, transmuda-se a atividade administrativa de procedimento para processo no momento em que o contribuinte registra seu inconformismo com o ato praticado pela administração, seja ato de lançamento de tributo ou qualquer outro ato que, no seu entender, lhe cause gravame, como a aplicação de multa por suposto incumprimento de dever instrumental. A mera bilateralidade do procedimento não é suficiente para caracterizá-lo como processo. Pode haver participação do contribuinte na atividade formalizadora do tributo e isso se dá, por exemplo, quando este junta documentos contábeis que lhe foram solicitados ou quando comparece ao procedimento para esclarecer esta ou aquela conduta ou procedimento fiscal que tenha adotado na sua atividade privada. Até esse ponto não se fala em litigiosidade ou em conflito de interesse, até porque o Estado ainda não formalizou sua pretensão tributária. Há mero procedimento que apenas se encaminha para a formalização de determinada obrigação tributária (ato de lançamento). Após essa etapa, que se pode mostrar mais ou menos complexa, praticado o ato de lançamento e portanto, formalizada a pretensão fiscal do Estado, abre-se ao contribuinte a oportunidade de insurgência, momento em que, no prazo legalmente fixado, pode manifestar seu inconformismo com o ato exacional oferecendo sua impugnação, que é o ato formal do contribuinte em que este resiste administrativamente à pretensão tributária do fisco.A partir daí instaura-se verdadeiro processo informado por seus peculiares princípios (que são desdobramentos do due process of law) e delimita-se o instante, o momento em que se dá a alomorfia procedimento processo modificando a natureza jurídica do atuar administrativo.”(MARINS, 2010) e, “(…) o processo administrativo tributário contempla o conjunto de normas que disciplinam o regime jurídico processual aplicável às lides tributárias deduzidas perante a administração pública (pretensões tributárias e punitivas do Estado impugnadas administrativamente pelo contribuinte). Integra, ao lado do Processo Judicial Tributário, o Direito Processual Tributário.” (MARINS, 2010) Aurélio Pitanga Seixa Filho, em sua obra “Princípios Fundamentais do Direito Administrativo Tributário – A Função Fiscal”, também conceitua o processo administrativo tributário: “(…) a ação da autoridade fiscal, impulsionada pelo dever de ofício, tem de apurar o valor do tributo de acordo com os verdadeiros fatos praticados pelo contribuinte, investigando-os sem qualquer interesse no resultado final, já que o princípio da legalidade objetiva exige do Fisco uma atuação oficial e imparcial para a obtenção da verdade dos fatos”. (SEIXAS FILHO,1995) Já Edvaldo de Brito, na obra “Processo administrativo fiscal – Ampla defesa e competência dos órgãos julgadores administrativos para conhecer de argumentos de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade de atos em que se fundamentem autuação”, apresenta a seguinte concepção: “(…)as prerrogativas do sujeito passivo, ao integrar a relação jurídica fiscal, começam por lhe caber, com exclusividade, a iniciativa da fase contenciosa. Decorre dessa circunstância a incidência de dois princípios do Estado de Direito: a ampla defesa e o contraditório.Brito, Edvaldo de , in. Processo administrativo fiscal. – Ampla defesa e competência dos órgãos julgadores administrativos para conhecer de argumentos de inconstitucionalidade e/ou ilegalidade de atos em que se fundamentem autuação.” (BRITO, 1995) No mesmo sentido, Rui Barbosa Nogueira: “(…) é a forma administrativa de exame e apuração das possíveis obrigações e, como elas, igualmente regulado por lei e, por isso mesmo, a própria forma de proceder constitui um direito assegurado às partes. É o ‘devido processo legal’. Para que a solução não venha a ser errônea ou resulte em injustiça, a lei prevê um método, uma carta ordem. O procedimento fiscal é, pois, um ordenamento do modo de proceder para que tanto a imposição, como a arrecadação e a fiscalização sejam feitas na medida e na forma previstas na lei.” (NOGUEIRA, 1993) E também Geraldo Ataliba, em sua ilustre obra, “Hipótese de Incidência Tributária”: “(…) estabelece-se conflito entre o fisco (órgão fazendário do Estado) e o contribuinte, sempre que aquele manifesta uma pretensão resistida por este. Ao exigir o fisco um tributo, uma multa ou um dever acessório, pode o sujeito passivo dessas exigências a elas resistir, por entendê-las infundadas ou excessivas. A divergência – ensejadora do litígio, contenda, dissídio – sempre se fundará em diversa interpretação da norma jurídica aplicável ou na diferente apreciação ou qualificação jurídica dos fatos relevantes para os efeitos de aplicação da norma.” (ATALIBA, 1992) Conforme se vê, muitos são os posicionamentos e interessantes as colocações, no entanto, o processo administrativo fiscal é mais do que um procedimento, mas uma cadeia sucessiva de acontecimentos processuais que  visam ao mesmo tempo legitimar a atividade pública fazendária e, permitir ao contribuinte discorrer sobre um tributo que seria, em um primeiro momento, devido. O processo administrativo tributário é regido pelo Decreto 70.235/1972, que considerando as circunstâncias em que foi editado, tem natureza de lei, e for recepcionado parcialmente pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como lei complementar, ressalvado aquilo que contraria dispositivo da Constituição vigente, como é o caso da presente discussão. Também há a Lei 9.430/1996, aplicada subsidiariamente aos diversos tipos de processos de natureza tributária, e a Lei 9.784/1999, que regulamenta o processo administrativo tributário no que toa à Administração Pública Federal. Decerto que a origem do processo administrativo tributário está no fato de o contribuinte se insurgir contra determinado lançamento, impugnando-o, destarte o fato de que os lançamentos somente podem ser controlados em âmbito administrativo, apesar de poderem ser revistos em âmbito judicial, de maneira que: “[…] procedimento administrativo que a lei prevê para a discussão de assuntos tributários é, em última análise, uma cadeia e termos que se destina, primordialmente, a sucessivos controles de legalidade dos atos praticados pela Administração” (CARVALHO, 2003, p. 421-422). Apesar da possibilidade de pleito judicial, o processo administrativo tributário funciona como um filtro daquilo que vai ser levado ao poder judiciário sendo que, quando da existência de irregularidades, muitas delas são sanadas nesta primeira alternativa, às vezes em sede recursal. Especialmente o tema objeto deste estudo, será abordada a existência de uma instância específica, também chamada de Instância Especial, de que trata o artigo 26, inciso I, do Decreto 70.235/72, questão esta na qual haverá um aprofundamento nas próximas linhas. Esta “ação fiscal”, segundo Hugo de Brito Machado (2008, p. 447-448) possui duas fases: (1) unilateral não contenciosa, e (2) bilateral, contenciosa. A primeira se refere ao lançamento propriamente dito, que se trata de ato administrativo exclusivo da Administração Pública, mas que somente se aperfeiçoa com a notificação do sujeito passivo, contribuinte, acerca da existência do lançamento, obrigação tributária. Já a fase contenciosa, foco do presente estudo, se caracteriza pela bilateralidade, qual seja, a oportunidade do contribuinte se manifestar acerca da referida obrigação tributária. No início desta fase, já houve a lavratura de um auto de infração, uma vez constada alguma infração da legislação tributária. É nesta segunda fase que a participação do contribuinte no processo fiscal se aperfeiçoa pois, pela primeira vez será dada ao contribuinte a oportunidade de se manifestar acerca daquela obrigação que lhe está sendo imputada. Existe todo um trâmite para que este processo administrativo fiscal se aperfeiçoe. E no aperfeiçoamento do processo administrativo tributário que se confere ao contribuinte o direito de se manifestar amplamente acerca do ato administrativo e das alegações da Administração Pública, podendo promover sua defesa por todos os meios de prova legais e cabíveis à espécie processual, regra geral pericial e documental, (ampla defesa), bem como promover a oitiva de ambas as partes envolvidas no processo administrativo, em todas as suas fases, a fim de que se promova a equidade e a isonomia no processo administrativo tributário (contraditório). As fases do processo administrativo tributário, em especial o federal, em linhas bem gerais, se resumem a: a) Impugnação do lançamento; b) Instrução do processo (apresentação, constituição de provas e realização de diligências); c) Decisão de primeira instância; d) Desta decisão cabe recurso a instância superior para reexame, no caso do processo administrativo tributário federal, é a Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF; e) No caso do processo administrativo tributário federal, cabe recurso da decisão do CARF para a Instância superior, cujo poder de decisão compete ao Ministério da Fazenda. Neste último item cabe uma observação, haja vista somente um dos pólos do processo administrativo tributário federal ter acesso á Instância Especial, em detrimento da observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa em uma das fases do processo administrativo tributário federal. 2.2. Dos princípios aplicáveis ao processo administrativo tributário James Marins (2010, p.167-178), elenca os seguintes princípios que incidem especificamente sobre o processo administrativo tributário: a)   Princípio do devido processo legal; b)   Princípio do contraditório; c)    Princípio da ampla defesa; d)    Princípio da ampla instrução probatória; e)   Princípio do duplo grau de cognição; f)     Princípio do julgador competente; g)    Princípio da ampla competência decisória; h)    Princípio da razoável duração do processo. São interessantes à elucidação da tese, especificamente, os princípios elencados e negritados acima. Temos como marco doutrinário do presente estudo o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo, em sua obra Curso de Direito Administrativo, 16ª Edição, Editora Malheiros, São Paulo, 2003, página 105: “Estão aí consagrados, pois, a exigência de um processo formal regular para que sejam atingidas a liberdade e a propriedade de quem quer que seja e a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça-lhe oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito de recorrer das decisões. Ou seja: A Administração Pública não poderá proceder contra alguém passando diretamente à decisão que repute cabível, pois terá, desde logo, o dever jurídico de atender ao contido nos mencionados versículos constitucionais”. (BANDEIRA MELO, 2003)” É partindo deste entendimento que se passará a desenvolver com maior profundidade o objeto do presente estudo. 2.2.1. Do princípio do devido processo legal no processo administrativo tributário Conforme já dantes dito, o devido processo legal é uma garantia constitucional brasileira, que rege todos os processos de quaisquer naturezas, seja administrativa, ou judicial, de forma que se tornou uma garantia elementar do cidadão, tendo em vista, especialmente, o fato de o referido princípio estar elencado no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ou seja, nas cláusulas pétreas, inalteráveis, salvo a superveniência de uma nova constituição. José Afonso da Silva (1993), numa rápida abordagem do tema, destaca: “O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e "quando se fala em "processo", e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídicas. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais, conforme autoriza a lição de Frederico Marques.” É do princípio do devido processo legal que urgem todos os outros princípios e garantias individuais processuais, e no processo administrativo tributário, é requisito essencial para que se confira constitucionalidade e validade jurídica ao mesmo. James Marins (2010, p. 169), de maneira singular, se expressa no sentido de que as garantias processuais constitucionais, especialmente a garantia do devido processo legal, constituem-se como núcleo constitucional do Processo Administrativo e, uma vez não observadas, será o processo passível de nulidade. O devido processo legal, no caso em tela, materializado através do processo administrativo fiscal, resguarda os direitos básicos concernentes às obrigações tributárias promovendo, com o acesso do contribuinte, o controle da legalidade do ato fiscal. O processo administrativo fiscal, sob o foco do devido processo legal,autoriza a busca pela justiça fiscal tendo, como garantia, a segurança jurídica na relação entre o cidadão e o Estado.  2.2.2. Do princípio do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo tributário Tendo em vista o já discorrido acerca dos princípios em sua essência, cabe somente localizá-lo no processo administrativo tributário. O contraditório se perfaz no momento em que o contribuinte apresenta resistência formal ao ato administrativo, por meio de impugnação administrativa, que lhe imputou uma obrigação tributária, o que, segundo James Marins (2010, p.170), caracteriza o conflito de interesses deduzido administrativamente, e instala o litígio administrativo entre o órgão exator e contribuinte, fazendo nascer o Processo Administrativo que recebe a incidência da norma constitucional garantidora da ampla defesa. Já no que toca à ampla defesa, para que se agregue validade, deve-se conceder ao contribuinte as mesmas concessões e prerrogativas conferidas à Fazenda, para que se defenda e produza provas amplamente, incidindo no princípio da ampla instrução probatória, nos termos do artigo 5º, LV, da CR/88, já transcrito. 2.2.3. Do princípio do duplo grau de cognição no processo administrativo tributário Já o princípio do duplo grau de cognição, ou possibilidade de revisão das decisões, incide necessariamente no objeto do estudo. Tal princípio emana do direito a recurso, a insurgir-se contra aquilo que afronta os interesses dos partícipes do litígio administrativo. Chamados administrativamente de recursos “hierárquicos”, a possibilidade de se revisar decisão monocrática ou colegiada, com vistas à reavaliação dos argumentos utilizados pelas partes, e se o caso, novo julgamento acerca da questão apresentada a instância superior. Especificamente no que se refere ao processo administrativo tributário federal, há uma ofensa aos princípios acima discutidos, que deu ensejo para o objeto do presente estudo, qual seja, o artigo 26, inciso I, do Decreto 70.235/72. 3 – O DECRETO 70.235/72 3.1. Da previsão constante do artigo 26, inciso I, do Decreto 70.235/72 Conforme já anteriormente dito, o Decreto 70.235/72, é a legislação vigente que rege o processo administrativo tributário federal brasileiro. Em seu artigo 26, apresenta a seguinte disposição: Art. 26. Compete ao Ministro da Fazenda, em instância especial: I – julgar recursos de decisões dos Conselhos de Contribuintes, interpostos pelos Procuradores Representantes da Fazenda junto aos mesmos Conselhos; II – decidir sobre as propostas de aplicação de equidade apresentadas pelos Conselhos de Contribuintes. Parágrafo único.  A Câmara Superior de Recursos Fiscais poderá rever ou cancelar súmula, de ofício ou mediante proposta apresentada pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou pelo Secretário da Receita Federal do Brasil. (Incluído pela Medida Provisória nº 449, de 2008)”       De acordo com o referido dispositivo, além da instância superior representada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (instituído pela Lei 83.304/79), há uma Instância Especial, na atualidade, responsável por rever decisões proferidas pelo CARF. Ocorre que, em leitura atenta do inciso I do artigo supra descrito, não é dado aos contribuintes o direito de interpor recurso à Instância Especial, pois, segundo o Decreto 70.235/72, ao Ministro da Fazenda incumbe julgar recursos de decisões dos Conselhos de Contribuintes, interpostos pelos Procuradores Representantes da Fazenda junto aos mesmos Conselhos. Conforme se discorrerá adiante, há explícita inconstitucionalidade no referido inciso, sendo a lei mais benevolente para com a Fazenda pública, em detrimento do contribuinte. Jamais se buscaria defender a existência de uma única instância, haja vista o quanto se distanciaria da justiça sobmeter contribuinte e Fazenda a uma instância única. A instância superior administrativa é uma garantia fundamental especialmente para o contribuinte no que toca aos abusos do Fisco. Hugo de Brito Machado (2008, p. 450) diz que, “em termos práticos, é induvidosa a necessidade desse segundo raude jurisdição administrativa, posto que os julgamento de primeiro grau constituem, no mais das vezes, simples homologação do auto de infração, desprovida de qualquer fundamento consistente”. No entanto, não se busca neste estudo discorrer acerca da necessidade ou não de instância superior, até mesmo porque, do ponto de vista constitucional, ela é necessária à propria administração da justiça distributiva, mas demonstrar que o inciso I do artigo supra citado, não foi recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil, haja vista evidente afronta aos dispositivos, princípios e liames constitucionais processuais. 3.2. Da inconstitucionalidade do artigo 26, inciso I, do Decreto 70.235/72 e sua não recepção pela CR/88 O inciso I, do artigo 26, do Decreto 70.235/72, é a legítima manifestação de poder do Estado em relação aos cidadãos, quando o direito de recorrer a Instância Superior somente assiste a um dos pólos do processo administrativo tributário, qual seja, à Fazenda Pública: “Art. 26. Compete ao Ministro da Fazenda, em instância especial: I – julgar recursos de decisões dos Conselhos de Contribuintes, interpostos pelos Procuradores Representantes da Fazenda junto aos mesmos Conselhos;(…)” Por este inciso, tem-se o fato de se reconhecer, ao Ministro da Fazenda, o poder de anular decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais que sejam contrárias ao Fisco, o que é incompatível com a natureza da atividade de julgamento atribuída aos órgãos da Administração Tributária, retirando a utilidade destas, haja vista o fato de que, a decisão, sempre, competirá a uma única pessoa. Apesar de já anteriormente dito, são princípios constitucionais basilares o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. O referido inciso é uma afronta á própria Constituição da República Federativa do Brasil, pelo que não foi recepcionado por esta, apesar de continuar sendo aplicado nos dias atuais. Fato é que uma vez não recepcionada determinada norma pela nova Constituição, tem-se esta norma por inconstitucional, e portanto, inaplicável. No que toca ao devido processo legal, não há como garantir a integridade do mesmo com a permanência “em atividade” de dispositivo que o desconsidera como princípio processual basilar. Como garantir o contraditório, se a continuidade na aplicação de dispositivo inconstitucional agrega legitimidade ao desequilíbrio processual? Como garantir a ampla defesa se não é dado ao contribuinte o direito de se defender em Instância Especial, de recurso contra si, em razão de a lei inconstitucional que ainda é aplicada, o tolher o acesso à referida instância? O contribuinte está absolutamente desprotegido frente a aplicação do dispositivo supra, uma vez que tounou-se, tal qual o consumidor, a parte fraca, “hipossuficiente”, à qual não é conferida prerrogativa de tratamento desigual, na medida de sua desigualdade. O princípio do julgador competente, antes citado mas sobre o qual não houve aprofundamento, vem à tona, haja vista não haver a possibilidade de o cidadão-contribuinte postular perante a Instância Especial sua pretensão fiscal, tornando o Ministro da Fazenda competente aos olhos da Fazenda Pública, e incompetente frente à postulação do contribuinte. Celso Alves Feitosa (1998, p.40), observa que “os órgãos julgadores administrativos (…) formados, em regra, por representantes do órgão lançador e de seus segmentos na sociedade, dão a garantia da impessoalidade e imparcialidade necessária e imprescindível à aplicação da justiça fiscal. Como se agregará valor a revisão hierárquica feita somente por um representante do órgão lançador, e que somente pode julgar recursos interpostos pelo órgão lançador? A revisão hierárqioca manifesta sua importância como forma de disponibilizr ao contribuinte a demosntração da impessoalidade e imparcialiade das decisões proferidas por estes órgão. É absolutamente insconstitucional, do ponto de vista mais objetivo, a sobrevivência de um dispositivo que contraria tudo o que está disposto no diploma que rege a sociedade brasileira. Segundo Neder e Martinez (2004, p.298), acerca da existência da Instância Especial, existem duas correntes acerca do assunto: a)    a primeira corrente apresenta a idéia de que: “a fazenda Nacional ainda tem o pensamento de que ainda caberia recurso ao Ministro do Estado da Fazenda contra decisão do Conselho de Contribuintes (…) figurando então o Ministro da Fazenda como Instância especial nos termos do artigo 26, do Decreto 70.235/72; b)    a segunda corrente, eminentemente doutrinária e contrária à anterior, “argumentam que tal função, originariamente exercida por tal autoridade, foi atribuída pelo Decreto 83.504/79 à Câmara Superior de Recursos Fiscais”, extinguindo, desde 1979, a Instância Especial. A segunda corrente encontrou basilares na jurisprudência da Primeira Seção do Superior Tibunal de Justiça, em 2003, ratificou o entendimento esposado: “MANDADO DE SEGURANÇA Relator (a): Ministro Humberto Gomes de Barros Julgamento: 13/08/2003 Órgão Julgador: Primeira Seção Publicação: DJ 06/10/2003 Ementa: ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONSELHO DE CONTRIBUINTES – DECISÃO IRRECORRIDA – RECURSO HIERÁRQUICO – CONTROLE MINISTERIAL – ERRO DE HERMENÊUTICA I – A competência ministerial para controlar os atos da administração pressupõe a existência de algo descontrolado, não incide nas hipóteses em que o órgão controlado se conteve no âmbito de sua competência e do devido processo legal. II – O controle do Ministro da Fazenda (arts. 19 e 20 do DL 200/67) sobre os acórdãos do Conselho de Contribuintes tem como escopo e limite o reparo de nulidades. Não é lícito ao Ministro cassar tais decisões, sob o argumento de que o colegiado errou na interpretação da Lei. III – As decisões do Conselho de Contribuintes, quando não recorridas, tornam-se definitivas, cumprindo à Administração, de ofício, “exonerar o sujeito passivo dos gravames decorrentes do litígio” (Dec. 70.235/72, art. 45). IV – Ao dar curso a apelo contra decisão definitiva do Conselho de Contribuintes, o Ministro da Fazenda põe em risco direito líquido e certo do beneficiário da decisão recorrida. (g.n.).” (BRASIL, 2003) Diante disso, vê-se que conceder acesso somente à Fazenda Pública a órgão recursal incide em evidente inconstitucionalidade, bem como em ilegitimidade do Ministro da Fazenda em atuar como julgador nestas circuntâncias, hja vista a não recepção, pela Constituição da República Federativa do Brasil. Mais evidente se torna a afronta ao analisarmos especificamente o dispositivo do ponto de vista da isonomia, ocasião em que se detemina, sem maiores análises, o sucateamento do príncípio, haja vista o desrespeito à igualdade processula promovida pelo referido inciso. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, inciso XXXVII, assim dispõe: “Art. 5º. (…) XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;” O dispositivo atacado, qual seja art. 26, I, do Decreto 70.235/72, reputa na forma mais bruta de um juízo de exceção, o que agressivamente contraria o princípio da isonomia, e demonstra, ainda com maior afinco, a incostitucionalidade presente no referido artigo. Fato é que a existência de um juízo de exceção reputa em clara insegurança jurídica para o administrado, que não pode ser punido por legislação inconstitucional, cuja aplicação se dá ilegitimamente. Até o presente momento o Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu acerca da revogação do referido artigo, mas claro está que, para a Administração, seria mais confortável ser julgada, no âmbito federal, pelo Ministro, como prevê o artigo 26, I do Decreto 70.235/72. Apenas por meio da análise constitucional é que se tem a garantia da coerência lógica do sistema jurídico e da supremacia da Constituição da República Federativa do Brasil. Nenhum dos órgãos, administrativos ou judiciais, por mais que sua atuação esteja diretamente vinculada à lei, é obrigado a aplicar lei manifestamente inconstitucional. E se os órgãos julgadores administrativos visam exercer a justiça fiscal no controle de legalidade do lançamento, não há fundamento para que tal órgão despreze o que diz a Constituição da República. 3.3. Da tentativa de alteração por meio da Medida Provisória 449 com a extinção da instância especial em consonância com a CR/88, e a omissão legislatina na edição da Lei 11.941/2009 Em recente tentativa de alteração legislativa, a Medida Provisória 449/2008, depois convertida na Lei 11.941/2009 tentou, sem sucesso, “desaparecer” com a figura da Instância Especial. A preocupação com a constitucionalidade do dispositivo que imputa somente à Fazenda o acesso à Instância Especial, por disposição expressa de lei é pertinente, haja vista que a Medida Provisória 449 (MPV 449), de 2008, em uma tentativa que restou infrutífera, apresentou nova redação ao artigo 26 do Decreto 70.235/72, conforme se lê: “Art. 26.  A Câmara Superior de Recursos Fiscais poderá, nos termos do regimento interno, após reiteradas decisões sobre determinada matéria e com a prévia manifestação da Secretaria da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, editar enunciado de súmula que, mediante aprovação de dois terços dos seus membros e do Ministro de Estado da Fazenda, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos da administração tributária federal, a partir de sua publicação na imprensa oficial. Parágrafo único.  A Câmara Superior de Recursos Fiscais poderá rever ou cancelar súmula, de ofício ou mediante proposta apresentada pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional ou pelo Secretário da Receita Federal do Brasil.” Na redação sugerida pela MPV 449, a figura do julgamento pelo Ministro da Fazenda, em Instância Especial havia sido extirpada do ordenamento jurídico, e tornava o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, a última instância administrativa, preservando o direito ao contraditório e à ampla defesa, bem como a isonomia processual, pois não haveria mais juízo de exceção. O ordenamento jurídico brasileiro assistiu ao progresso, e em momento imediatamente posterior, assistiu ao retrocesso da legislação, passandro-se por , respeitada a coloquialidade terminológica: “cego, surdo e mudo”. Ressalte-se o fato de que o Decreto 70.235/72 se trata de legislação infraconstitucional, imediatamente sujeita ao controle de constitucionalidade, conforme leciona Carlos Roberto Siqueira Castro: “Ante o fato de a lei ser norma hierarquicamente inferior à Constituição e por possuir nesta os fundamentos de validade e sustentação, não será permitida a sua coexistência no ordenamento jurídico se seu conteúdo dispuser de modo a contrariar a Constituição, uma vez que somente com fundamento na Lei Maior é que ela poderia ser validada”. (CASTRO, 2002, p.48) Alguns doutrinadores entendem que a lei inconstitucional, ou seja, não recepcionada pela nova constituição, é nula de pleno direito. A MPV 449/2008 adequaria a legislação de forma a torna-lá recepcionável e coerente com o sistema processual constitucional, mas em sua conversão na Lei 11.941/2009, o legislador quedou-se inerte no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade da redação que vige desde 1972. A nova redação foi simplesmente ignorada, resumindo-se a referida lei não se manifestar sobre o assunto, quedando-se inerte em relação a dispositivo expressamente inconstitucional, e cuja inconstitucionalidade foi expressamente questionada, quando da inserção de dispositivo que alteraria sua redação e suprimiria a Instância Especial. Evidentemente, surge o seguinte questionamento: tendo em vista a existência de lei expressamente inconstitucional, é cabível ao agente administrativo promover o controle da constitucionalidade, deixando de aplicar lei inconstitucional, frente ao princípio da presunção da constitucionalidade das leis, em caso de omissão legislativa expressa, como na questão em estudo? Dever-se-ía entende que sim, é cabível, haja vista a inexistência de dispositivo constitucional que coiba tal prática. Especialmente no caso do Poder Executivo (no presente caso, representado pelo Ministro da Fazenda), bem como o Poder Judiciário, tem obrigação de zelar pela aplicação das leis segundo a Constituição Federal. Assim também o Legislativo, mas todos observando os limites impostos pela lei, de acordo com as suas respectivas competências. Fazê-lo diferente sim, implica em séria afronta ao regime constitucional legitimamente instituído por meio dos representantes dos cidadãos no Estado. Fato é que ninguém além da Administração Pública foi beneficiada com a omissão legislativa que ignorou a alteração da redação do artigo 26, inciso I, do Decreto 70.235/72 pela MPV 449/2008, haja vista o referido tribunal de exceção servir, a qualquer tempo, apenas para analisar os pedidos formulados pela Administração, sem a oitiva do contribuinte, além de, sequer, dar o direito ao acesso à Instância Especial a este, bem como banir do ordenamento jurídico, decisões contrárias ao “interesse público”. CONCLUSÃO Após longo e denso estudo, no qual se objetivava, sinteticamente encontrar justificativas para que a redação retrógrada do art. 26, inciso I do Decreto 70.235/72, seja mantida até os dias atuais, bem como constatar eventual inconstitucionalidade do dispositivo supra, foi possível chegar a algumas conclusões. De fato, o artigo 26, inciso I, do Decreto 70.235/72 é expressamente inconstitucional ante o fato de o mesmo não ter sido recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Outra constatação significativa refere-se ao fato de a omissão legislativa no que toca à redação apresentada pela MPV 449/2008, que culminou na manutenção da redação atual se deu exclusivamente pela conveniência da redação para a Administração Pública, de forma que, com a existência de instância especial, eventuais litígios que desencadeiem decisões contrárias ao Poder Público, possam ser reformadas, restando ao contribuinte, somente, a busca de ver satisfeita sua pretensão em âmbito judicial. Concluiu-se também pela clara ignorância do legislador ao converter a MPV 449/2008 na Lei 11.941/2009 aos princípios da isonomia, contraditório e ampla defesa, vez que tais dispositivos não se aplicam ao contribuinte no que toca à possibilidade de recurso à Instância Especial. Diante de tais levantamentos, concluiu-se, objetivamente, pela inconstitucionalidade do dispositivo em questão, apesar da manutenção do mesmo decorrente da conveniência de sua existência.
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Análise do conceito de saída de mercadoria para fins de tributação de ICMS: contrapontos entre o artigo 12, I da Lei 87/96 e o artigo 155, II da CF/88
O presente trabalho tem por objetivo a análise do tratamento constitucional do Imposto sobre Operações, relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS, e o princípio da legalidade. Analisa-se a constitucionalidade ou não do art. 12, inciso I da Lei Complementar 87/96, bem como a aplicação da Súmula 166 do STJ. A metodologia utilizada foi a dialética, mostrando-se adequada na medida em que se estuda a conflitante legislação aplicável, bem como as diversas decisões acerca do tema. Realiza-se um estudo teórico acerca do princípio da legalidade frente ao conceito de saída introduzido na referida lei, bem como a previsão do imposto inserido na Constituição Federal de 1988. A respeito da incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre diferentes estados da federação verifica-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, bem como a aplicação da Súmula do STJ. Analisando-se o objetivo específico deste estudo, verifica-se a inconstitucionalidade do art. 12, inc. I da lei 87/96: eis que acabou por alargar o conceito de circulação trazido pela Constituição Federal de 1988, violando assim o princípio da legalidade.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO O presente trabalho analisa o tratamento constitucional do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, bem como a constitucionalidade ou não do art. 12, inciso I da Lei Complementar 87/96 frente ao conceito de saída introduzido na Constituição Federal de 1988 e da Súmula 166 do STJ. Analisa-se a constitucionalidade do art. 12, inciso I da referida Lei Complementar na medida em que a lei acabou alargando o conceito de circulação trazido na Constituição Federal, fazendo com que a incidência do imposto se desse na simples saída física de mercadorias.Para isso, o trabalho dividiu-se em duas partes: o tratamento tributário e a segunda parte trata do conceito de saída tratado na Lei Complementar 87/96. Em seguida, analisa-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, e dos Tribunais Superiores brasileiros, como Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, bem como a aplicação da Súmula 166 do STJ, a fim de melhor analisar o tratamento do tema em tela. A justificativa do tema se dá visto que o contribuinte necessita conhecer os seus direitos, sendo que muitas vezes acabam sendo violados pelo legislador, que, com o intuito de obter uma maior arrecadação, acaba infringindo até mesmo a Constituição Federal. O método de abordagem utilizado foi o dialético, uma vez que se analisará o conceito de circulação tratado na legislação aplicável, bem como a constitucionalidade do art. 12, inciso I da Lei 87/96.Os métodos de procedimento utilizados no trabalho foram o histórico e o estudo de caso. 1 ICMS: HISTÓRICO E CONCEITUAÇÃO O imposto sobre circulação de mercadorias foi instituído pela Emenda Constitucional nº 18/65, o qual substituiu o antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC). De acordo com Aliomar Baleeiro (2003), do ponto de vista econômico o ICM é o mesmo IVC, o qual concorria com cerca de ¾ partes da receita tributária dos Estados-Membros. Dizia-se que só diferia do imposto de consumo e do imposto de indústrias e profissões sobre comerciantes e industriais, pelo nomen juris, tendo em conta que os três tratavam da introdução da mercadoria no circuito comercial.  O Imposto sobre Operações, relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS, previsto no artigo 155 da Constituição Federal de 1988, é um imposto de competência Estadual e Distrital. O ICMS de longe é o imposto que mais gera renda aos Estados. No Rio Grande do Sul, de acordo com dados extraídos do site da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, o estado arrecadou R$ 21.378.208.630,36 no ano de 2012 e até o mês de fevereiro de 2013 já ultrapassa o montante de R$ 3.846.136.276,20. A Constituição Federal estabelece inúmeros princípios aplicáveis ao imposto, dentre eles o de ser não-cumulativo, a regra encontra-se insculpida no art. 155, II, § 2º. O referido imposto, não cumulativo, poderá ser seletivo em razão da essencialidade dos produtos, ou seja, quanto maior a essencialidade do produto, menor a tributação, de acordo com a regra inserida no art. 155, § 2, inc. III: “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Da regra exposta, percebe-se que de acordo com a diversidade dos produtos e dos serviços, estes estarão sujeitos a diferentes cargas fiscais. Ao tratar do princípio da seletividade Marco Aurélio Greco e Anna Paola Zonar (1997) apregoam a carga tributária será dimensionada de modo a onerar mais os produtos de menor essencialidade, os compreendidos como supérfluos e desonerar os de primeira necessidade da população. Embora a Constituição Federal não tenha descrito expressamente o sujeito passivo da obrigação tributária, sabe-se que o comerciante, o produtor, o industrial são os contribuintes do ICMS. A hipótese de incidência do ICMS é a ocorrência de operação de circulação de mercadorias envolvendo negócio econômico entre diferentes sujeitos. Ocorre que o imposto em questão ocasiona diversas discussões no âmbito de incidência, o que se passa a tratar. Ao tempo da Constituição Federal de 1967, o imposto estava previsto no art. 24, inc. II na Carta Magna, a qual trazia a seguinte redação: “Art. 24. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas a circulação de mercadorias, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos, na forma do art. 22, § 6º, realizadas por produtores, industriais e comerciantes”. Em 1968 com a redação dada pelo Ato Complementar nº 40 o imposto novamente foi alterado: “Art. 24. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes”. Posteriormente, com a edição da Emenda 23, de 1983 o imposto passou a estar previsto no art. 23, inc. II, alterando a previsão para: “Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1983) Em tal época, o Decreto-Lei Federal 406/68 de 31 de dezembro de 1968 estabelecia as normas gerais aplicáveis ao imposto de circulação de mercadorias (ICM), e sobre serviços de qualquer natureza. O referido Decreto- lei trazia a seguinte redação: “Art. 1º O imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias tem como fato gerador: I-A saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor; § 1º Equipara-se à saída a transmissão da propriedade de mercadoria, quando esta não transitar pelo estabelecimento do transmitente.” O legislador em 1968 já havia alargado a definição do fato gerador prevista na Constituição Federal ao estabelecer que “a saída a qualquer título, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” ensejava fato gerador. Com vista o exposto, importante tratar do princípio da legalidade, vez este se mostra como um importante limitador ao poder de tributar do fisco, se mostrando como verdadeira garantia aos contribuintes. 2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE O artigo 24, inciso I da Constituição Federal de 1988 estabelece a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal, para legislarem concorrentemente sobre Direito Tributário. Destaca-se o conceito de competência tributária de Roque Antônio Carrazza (2002): “Competência tributária é a possibilidade jurídica de criar, “in abstracto” , tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário disto, temos que exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano abstrato, a tributos”. (CARRAZZA, 2002, p. 24) Observa ainda o mesmo autor CARRAZA, (2002) que a criação de tributos é tarefa exclusivamente legislativa, sendo que a arrecadação se relaciona com o exercício da função administrativa. Assim, o exercício da competência tributária é uma das manifestações do exercício da função legislativa, a qual decorre da Constituição. Desta forma, em síntese, criar tributos é legislar, assim como arrecadá-los é administrar. Em razão da vigência do princípio da legalidade, os tributos devem ser criados ‘in abstrato” através de lei. O princípio da legalidade encontra-se consagrado no art. 5º, inc. II da Constituição Federal de 1988, e se mostra como um dos princípios mais importantes do Estado de Direito, o qual dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. No sistema tributário brasileiro, o princípio da legalidade encontra-se previsto expressamente no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal “Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I- exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. De acordo com o princípio da legalidade, o tributo deve nascer somente de lei, não se admitindo a sua instituição através do Poder Executivo. O referido princípio também foi consagrado no artigo 97 do Código Tributário Constitucional, onde nos incisos I e II exige-se que a instituição, extinção, majoração, bem como redução de tributos sejam feitas somente através de lei. Preceitua Marciano Seabra de Godoi (2008): “A lei que estabelece a exigência ou o aumento do tributo não pode ser lacônica nem genérica. O art. 97 do Código Tributário nacional, detalhando ou desdobrando a norma do referido art. 150, I da Constituição, estabelece que a própria lei (e não um ato infralegal que atue por delegação do legislador) deve definir o sujeito passivo e o fato gerador do tributo, bem como fixar sua forma de cálculo (geralmente estabelecendo bases de cálculos e alíquotas)”. (GODOI, 2008, p.72) Na lição de Domingues (2008) a igualdade e a legalidade representam dois grandes princípios do Estado de Direito, sendo que a igualdade (princípio material) exprime a ideia de Justiça, enquanto que a legalidade (princípio formal) traz a exigência do autoconhecimento através da representação política dos cidadãos destinatários das ações estatais, assim, a legalidade se designa a realizar a Igualdade e somente nessa perspectiva encontra justificativa. Ensina Marilene Talarico Martins Rodrigues (2002): “De fato se no exercício da ação de tributar o Estado retira uma parcela do patrimônio de cada um, a inviolabilidade dos direitos individuais concernentes à segurança e à propriedade, e mesmo à liberdade, somente poderá ser garantida se essa ação tributária obedecer aos limites rígidos estabelecidos em lei.” (RODRIGUES, 2002, p.86) Neste sentido, de acordo com o princípio da constitucionalidade das leis, todas as normas devem estar em consonância com a Constituição Federal, respeitando os princípios e as garantias constitucionais previstos na lei material, pois caso contrário não terão condições de aplicabilidade. 3 VISÃO CRÍTICA ACERCA DO CONCEITO DE SAÍDA DE MERCADORIA NA LEI COMPLEMENTAR 87/96 Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o ICMS está previsto no art. 155, inc. II, o qual dispõe: “Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e prestações se iniciem do exterior.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993) Ocorre que, em 16 de dezembro de 1988 em manifesta contradição ao disposto no artigo 155, inc. II da CF/88 foi publicado o Convênio ICM 66/88. Esta norma regulava a matéria, estabelecendo em seu art. 2º, o fato gerador do imposto: Art. 2º Ocorre o fato gerador do imposto: V- na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”. Percebe-se que novamente, após a edição da Constituição Federal de 1988, o legislador ampliou o fato gerador, determinando que a hipótese de incidência se daria na simples saída de mercadorias para estabelecimentos do mesmo contribuinte (saída física). A fim de solucionar a controvérsia, no ano de 1996, o Superior Tribunal de Justiça buscando a uniformidade de decisões editou a Súmula 166 a qual estabelece: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. Neste sentido, importante colacionar os precedentes jurisprudenciais que levaram à elaboração da súmula acima transcrita: Recurso Especial nº 32.203-4, julgado em 06/03/1995, Ministro Presidente Demócrito Reinaldo, Recurso Especial nº 36.060-9, julgado em 10/08/1994, Ministro Relator Humberto Gomes de Barros, Ministro Presidente Demócrito Reinaldo, Recurso Especial nº 9.933-0, julgado em 07 de outubro de 1992, Ministro Presidente e Relator Antônio de Pádua Ribeiro. Da leitura das decisões que levaram à edição da Súmula 166 do STJ, percebe-se que a discussão se dava em razão da leitura do texto inserido no art. 23, inc. II da Constituição Federal de 1967, a qual determinava que a hipótese de incidência se dava no momento da transferência de titularidade, ou seja, do negócio jurídico, e da leitura do Decreto 406/68 que já havia ampliado o fato gerador do imposto. Ocorre que em 1996, após a edição da Súmula 166 do STJ, foi editada a lei 87/96 – Lei Kandir, que revogou o convênio 66/88, a qual também estabeleceu situação diversa da prevista na Constituição Federal para incidência do imposto. A referida lei, em seu art. 12, inc. I estabelece ser fato imponível de ICMS o fato da mercadoria sair do estabelecimento do contribuinte ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular: “Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular.” Neste sentido, percebe-se que novamente o legislador acabou por ampliar o âmbito da incidência do imposto inserido na Constituição Federal. Porém, no ano de 2010, a questão foi novamente suscitada, decidindo a Primeira Seção de Julgamento do STJ através do Recurso Representativo da Controvérsia (Resp 1125133) pela inocorrência de fato gerador na simples transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa, o que será analisado posteriormente. 4 O CONCEITO DE SAÍDA E A NECESSIDADE DE TROCA DE TITULARIDADE PARA FINS DE INCIDÊNCIA DE ICMS Tratando-se da questão da saída da mercadoria, de acordo com a regra matriz do ICMS inserida na Constituição Federal, percebe-se que para que haja incidência do imposto é necessário que estejam presentes os requisitos previstos na legislação maior. Assim, o autor ensina que mercadoria não é qualquer bem móvel, mas tão só aquele que se submete a mercancia. Neste sentido, pode-se afirmar que toda mercadoria é bem móvel, porém, nem todo bem móvel é mercadoria. Assim, só o bem móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadorias. (CARRAZA, ICMS, 2009). Sobre o conceito de circulação que se extrai da Constituição Federal afirma Carraza 2011, p. 39: “A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade de mercadoria Sem mudança da titularidade da mercadoras, não há falar em tributação por meio de ICMS”. Denota-se com isso que o conceito de circulação tratado na Carta Magna deve ser visto em um conjunto, ou seja, analisado em ligação com o termo operações daí se entendendo a troca de titularidade. Isso demonstra que para que um bem seja considerado mercadoria ele deve ser destinado ao comércio. Da regra matriz do ICMS o que se percebe é que para que haja incidência do imposto é necessária a ocorrência de operações com mercadorias, no tocante operações pressupõe-se a troca de titularidade. Nos dizeres de Roque Antonio Carraza (2011) a remessa de mercadoria de um estabelecimento para outro, de uma mesma empresa, configura simples transporte e, por isso mesmo, não incide ICMS. De fato, nela não há transmissão de mercadoria e, por via de consequência, circulação jurídica. Só haverá circulação jurídica, quando uma operação for realizada entre duas pessoas distintas. A respeito disto, Melo (2000), utiliza a doutrina de Arnoldo Wald o qual apregoa que: “somente ocorre a circulação quando a mercadoria é transferida, passando de um patrimônio para outro, qualquer que seja a motivação jurídica. (MELO, 2000, p. 27) Sendo assim, a saída por si só, não está estabelecida na Carta Constitucional como hipótese de incidência de ICMS, razão pela qual não constitui situação exclusiva e fundamental para a compreensão do tributo, visto que é necessário ser antecedida da realização de negócio mercantil. Adverte o mesmo autor (MELLO, 2000) que são inconstitucionais os incisos V e VI do art. 2º do Convênio ICM 66/88 e a parte final do art. 12, I da LC-87/96, que preveem a ocorrência de fatos geradores do imposto nas saídas de mercadorias, de um para outro estabelecimento do mesmo titular (saída física), inclusive quando localizado na mesma área ou em área contígua. Devido ao fato de inexistir mutação patrimonial não materializa o ICMS por não tipificar a realização de “operações jurídicas”, mas simples circulações físicas que não significam relevância para o Direito. (2000, p. 28) Também, conforme apregoa Barreto (1995), ver no ICMS um imposto sobre circulação ou sobre mercadorias é como se estivéssemos ignorando a Constituição Federal, pois da sua leitura percebe-se que o cerne da hipótese de incidência está no termo “operação” assim descrito na Carta Magna. Assim, Soares (2000), utiliza os ensinamentos de Alcides Jorge Costa: “Operação relativa a circulação de mercadorias é, pois, um ato jurídico, no sentido de ato material ou não negocial que consiste na imediata realização de uma vontade, no caso a de promover  a circulação de mercadorias para levá-las da fonte de produção ao consumo e que (…) em conclusão , a operação a que se refere o artigo 23, II da Constituição é qualquer negócio jurídico ou ato material, que seja relativo a circulação de mercadorias”. (COSTA apud SOARES, 2000, p. 15) Neste sentido, percebe-se que para que haja circulação de mercadorias, nos termos da previsão expressa na Constituição Federal, é necessário falar em transferência de domínio, pressupondo mudança de titularidade efetuada por um negócio jurídico entre partes distintas. José Eduardo Soares de Melo (2000) utiliza para tanto a doutrina de Carvalho de Mendonça, ao tratar do tema: “As mercadorias, passando por diversos intermediários no seu percurso entre os produtores e os consumidores, constituem objeto de variados e sucessivos contratos. Na cadeia dessas transações dá-se uma série continuado de transferência da propriedade ou posse das mercadorias. Eis o que se diz circulação de mercadorias”. (MELO, 2000, p.16) Da leitura supra, verifica-se que apesar dos autores terem tratado de transferências realizadas no mesmo estado, o entendimento é embasado no fato de que não havendo mudança de titularidade não ocorre fato gerador do referido imposto. Diante do exposto, percebe-se que o legislador com o intuito de aumentar o valor arrecadado acabou por alterar o âmbito de incidência do imposto trazido pela Constituição Federal infringindo a regra insculpida no art. 110 do Código Tributário Nacional, a qual estabelece: “Art. 110. A lei tributária não pode alterar definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e normas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” Nesta linha de raciocínio tem-se que o legislador ao alargar a hipótese de incidência do ICMS, o fez com o claro intuito de aumentar a incidência do referido imposto, de modo a permitir que ele incida sobre a simples circulação de mercadoria, entendida como mero deslocamento físico. 5 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO STF E A APLICAÇÃO DA SÚMULA 166 DO STJ Após o estudo do tratamento da incidência do imposto, sua hipótese de incidência, de forma específica busca-se analisar a forma como o Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, bem como o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, posiciona-se acerca do tema. Inicia-se pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal demonstrando com isso, que a discussão é bastante antiga, conforme se verifica de uma decisão do Pleno do ano de 1987: “EMENTA: Representação. Inconstitucionalidade do art. 9º do decreto nº 11.222, de 05/02/1986, do Estado da Paraíba. Ao declarar estabelecimento autônomo para autorizar a incidência de ICM estabelecimentos – engenhos, sítios e demais divisões fundiárias – da mesma usina – unidade econômica – contrariou o art. 23, II, da CF, pois taxa o simples deslocamento físico de insumos destinados à composição do produto final da mesma empresa. Representação procedente.” (Representação 1.355-3 presidente Rafael Mayer, julgado em 12 de março de 1987, D. J. 10/04/87, Ementário nº 1456-1) No recurso acima, deram provimento unânime a fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 9 º do decreto 11.222 de 5 de fevereiro de 1986, o qual considerava “estabelecimentos autônomos para fins de incidência do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, os engenhos, sítios e demais divisões fundiárias, mesmo que pertencentes a mesma usina”. Como se pode observar o decreto contrariava o disposto no artigo 22, inc. II da Constituição de 1967, vigente à época, o qual desde aquela época já determinava a incidência do imposto em operações em que ocorriam a troca de titularidade e não em simples circulações físicas. “EMENTA: Imposto de circulação de mercadorias – Cooperativas de consumo. A incidência do ICM tem por pressuposto a circulação que pressupõe, economicamente, a transferência de propriedade ou posse da mercadoria. No caso das cooperativas de consumo, não ocorre circulação, vez que a saída de mercadorias aos seus associados, ou cooperados não incorra transferência de propriedade, eis que essas mercadorias já lhe pertencem. Recurso Extraordinário não conhecido”. (Recurso Extraordinário nº 72.413, julgado em 14/12/1972) O julgado acima transcrito foi julgado com base no argumento de que a circulação pressupõe economicamente a transferência de propriedade, o que inocorria no caso das cooperativas de consumo, vez que as mercadorias saiam da cooperativa aos associados, ou cooperados, e não caracterizavam com isso a transferência de propriedade visto que as mercadorias já lhe pertenciam. “EMENTA: – IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS – DESLOCAMENTO DE COISAS – INCIDÊNCIA – ARTIGO 23, INCISO II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ANTERIOR. O simples deslocamento de coisas de um estabelecimento para outro, sem transferência de propriedade, não gera direito à cobrança de ICM. O emprego da expressão "operações", bem como a designação do imposto, no que consagrado o vocábulo "mercadoria", são conducentes à premissa de que deve haver o envolvimento de ato mercantil e este não ocorre quando o produtor simplesmente movimenta frangos, de um estabelecimento a outro, para simples pesagem.(AI 131941 AgR, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 09/04/1991, DJ 19-04-1991 PP-00932 EMENT VOL-01569-04 PP-00682)” No acórdão acima transcrito foi decidido pela improcedência do inconformismo do Estado de São Paulo, inadmitindo com isso, a configuração de incidência do ICMS, o simples transporte de frangos de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte, sendo que o objetivo foi o de simples pesagem, tendo em conta a capacidade superior de pesagem da balança do segundo estabelecimento. “EMENTA: TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SAÍDA FÍSICA DE BENS DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO DE MESMA TITULARIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS. PRECEDENTES DA CORTE. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência da Corte é no sentido de que o mero deslocamento físico de bens entre estabelecimentos, sem que haja transferência efetiva de titularidade, não caracteriza operação de circulação de mercadorias sujeita à incidência do ICMS. II – Recurso protelatório. Aplicação de multa. III – Agravo regimental improvido.(AI 693714 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 30/06/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-13 PP-02783)” Na decisão acima se deu pelo entendimento de que a saída física, ou seja, o mero deslocamento, não enseja tributação de ICMS. “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. ICMS. SIMPLES DESLOCAMENTO DE MERCADORIAS SEM TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Não incide ICMS sobre o deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma empresa, sem a transferência da titularidade. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 682680 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 20/05/2008, DJe-102 DIVULG 05-06-2008 PUBLIC 06-06-2008 EMENT VOL-02322-08 PP-01557)” A turma por unanimidade negou provimento ao recurso com base no argumento de que não incide ICMS na transferência de mercadorias da mesma empresa. Mister se faz transcrever os precedentes do Superior Tribunal de Justiça: “TRIBUTARIO. ICM. TRANSFERENCIAS DE MERCADORIAS DA FILIAL PARA A MATRIZ E VICE-VERSA. I- O SIMPLES DESLOCAMENTO DA MERCADORIA PELO SEU PROPRIETARIO, SEM IMPLICAR CIRCULAÇÃO ECONOMICA OU JURIDICA, NÃO LEGITIMA A INCIDENCIA DO ICM. II- INOCORRENCIA DE OFENSA AO ART. 6., PAR-2., DO DECRETO-LEI N. 406/68. III- RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 9.933/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/1992, DJ 26/10/1992, p. 19028)” A Fazenda do Estado de São Paulo interpôs recurso o qual por unanimidade foi negado o provimento com base no entendimento de que é indevido a exigência de recolhimento de ICM, em hipótese de mero deslocamento físico de mercadoria, como ocorre na transferência de mercadoria entre matriz e filial. O acórdão acima proferido consolida o entendimento de que não incide ICMS na operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, por não se constituir fato gerador do imposto à ausência de ato de mercância, consoante disposição da súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça. “TRIBUTARIO. ICM. TRANSFERENCIA DE MERCADORIAS. ESTABELECIMENTOS DA MESMA FIRMA. JURISPRUDENCIA ATUAL. 1. CONSOANTE A JURISPRUDENCIA MAIS RECENTE DAS DUAS TURMAS INTEGRANTES DA 1A. SEÇÃO DESTE TRIBUNAL, A TRANSFERENCIA DE MERCADORIAS ENTRE ESTABELECIMENTOS DA MESMA EMPRESA, NA MESMA LOCALIDADE, NÃO TIPIFICA CIRCULAÇÃO ECONOMICA OU JURIDICA CARACTERIZADORA DE FATO GERADOR DO ICM. 2. EMBARGOS DE DIVERGENCIA REJEITADOS PARA MANTER A DECISÃO EMBARGADA. (EREsp 36.060/MG, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/1995, DJ 25/03/1996, p. 8538)” No julgado acima, foi decidido por unanimidade em dar provimento ao recurso, entendendo que o deslocamento de mercadoria para estabelecimento do mesmo contribuinte, não configura circulação econômica, em ordem a ensejar imposição tributária relativa ao ICMS. “TRIBUTARIO – ICM – TRANSFERENCIA DE MERCADORIA DA FABRICA PARA AS LOJAS – DECRETO-LEI 406 / 1968 (ART. 1., I, E 2., PARAGRAFO 6.). 1. O SIMPLES DESLOCAMENTO DA MERCADORIA DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO, DO MESMO CONTRIBUINTE, SEM TIPIFICAR ATO DE MERCANCIA, NÃO LEGITIMA A INCIDENCIA DO ICM. 2. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. 3. RECURSO PROVIDO.” (REsp 32.203/RJ, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/03/1995, DJ 27/03/1995, p. 7138) Na decisão acima transcrita foi arguido ofensa ao disposto no art. 23, inciso II da Constituição Federal de 1967, sendo que a transferência ocorrida no caso em tela era da fábrica até a loja do mesmo proprietário, razão pela qual não foi considerado fato gerador do imposto tendo em conta a ausência de tipificação de ato mercantil. Desse modo, não se constituindo operação econômica tributável a transferência dos produtos acabados às lojas que suportam o respectivo encargo tributário, descabe a exigência fiscal aprisionada á multicitada operação. A incidência estaria legitimada pela legalidade, caso o primeiro estabelecimento agisse autonomamente comercializando os produtos da sua fabricação. Assim, a turma por unanimidade deu provimento ao recurso, entendendo que no caso em tela inocorreu hipótese de incidência de ICM. “TRIBUTÁRIO. ICMS. DESLOCAMENTO DE MERCADORIA DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO DO MESMO CONTRIBUINTE. NÃO INCIDÊNCIA DA EXAÇÃO. SÚMULA 166/STJ. RECURSO REPETITIVO JULGADO. 1. A jurisprudência pacífica deste Sodalício é no sentido de que não incide ICMS na operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, por não constituir fato gerador do imposto, consoante disposto no enunciado da Súmula 166/STJ. 2. Entendimento ratificado pela Primeira Seção desta Corte, ao julgar o REsp 1.125.133/SP, mediante a aplicação da sistemática prevista no art. 543-C do CPC (recursos repetitivos). 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 1142437/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 05/11/2010) O entendimento foi no sentido de que na ausência de circulação jurídica inexiste hipótese de incidência do referido imposto. Neste sentido, mister transcrever a ementa do Recurso Representativo da Controvérsia, o qual foi julgado na data de 25 de agosto de 2010, reconhecendo a inexistência de fato gerador de ICMS a simples remessa de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (circulação física): “PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA ENTRE ESTABELECIMENTOS DE UMA MESMA EMPRESA. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR PELA INEXISTÊNCIA DE ATO DE MERCANCIA. SÚMULA 166/STJ. DESLOCAMENTO DE BENS DO ATIVO FIXO. UBI EADEM RATIO, IBI EADEM LEGIS DISPOSITIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. […] 5. "Este tributo, como vemos, incide sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. A lei que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias. É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio de ICMS. […] 8.  Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.” (REsp 1125133/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 10/09/2010) Trata-se de Recurso Representativo da Controvérsia, sujeito ao procedimento do art. 543 – C do Código de Processo Civil, no qual foi decidido que a circulação de mercadorias versada no texto constitucional refere-se a circulação jurídica, a qual pressupõe ato de mercancia, onde existe a finalidade de obter lucro, bem como troca de titularidade. Recentemente, após a publicação do Recurso Representativo da Controvérsia acima citado, o Superior Tribunal de Justiça novamente necessitou manifestar-se a respeito da matéria em julgamento de Recurso Especial interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul: “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. AMEAÇA CONCRETA. CABIMENTO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA DE MATRIZ PARA FILIAL DA MESMA EMPRESA. SÚMULA 166/STJ. RECURSO REPETITIVO RESP 1.125.133/SP. A natureza da operação é a de transferência de produtos entre “estabelecimentos” da mesma propriedade, ou seja, não há circulação de mercadorias, muito menos transferência de titularidade do bem, requisito este necessário à caracterização do imposto, conforme determina a súmula 166 do STJ. Incidência da súmula 83 do STJ.”(AgRG no Agravo em Recurso Especial Nº 69.931/RS, Rel. Ministro Humberto Martins,  julgado em 07 de fevereiro de 2012). Para tanto, citou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a fim de demonstrar que o entendimento é uníssono no mesmo sentido. Assim confirmou-se a vigência da Súmula 166 do STJ. Com isso, não se espera esgotar o assunto tratado, mas sim contribuir com o presente trabalho, a fim de demonstrar que a discussão tratada não é recente e que ainda merece muita reflexão tendo em vista a importância do tema. CONCLUSÃO O presente trabalho se propôs a realizar um estudo preponderantemente teórico, fazendo uma análise do conceito trazido pela Constituição Federal de 1988 a respeito do Imposto sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, a fim de verificar a constitucionalidade ou não do art. 12, inc. II da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir). Num primeiro momento faz um estudo acerca do histórico do ICMS, de seu conceito, bem como da competência tributária e do princípio da legalidade; já o segundo capítulo, faz uma análise crítica acerca do conceito de saída trazido pela lei complementar 87/96, realiza uma análise da jurisprudência do TJ, STJ e STF, bem como acerca da aplicação da Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça. Importante se faz, em um primeiro momento, refletir acerca da competência tributária, tendo em conta que esta foi estabelecida na Constituição Federal, bem como do princípio da legalidade abarcado no sistema tributário brasileiro. Assim, faz-se necessário um estudo acerca do âmbito de sua incidência com base no princípio da legalidade, buscando a efetiva justiça fiscal. No terceiro item faz-se uma analise crítica acerca do conceito de saída trazido pelo art. 12, inc. II, lei complementar 87/96, sendo que o legislador acabou por alargar o conceito de saída introduzido na Constituição Federal de 1988, visto que esta, ao determinar a incidência do imposto, referiu que a incidência se daria nas operações, e em se tratando de operações tem-se a necessidade de uma relação jurídica entre dois sujeitos, não a mera saída física como restou estabelecido na lei complementar. Diante da ampliação do conceito de circulação trazido no art. 12, inciso II da Lei Complementar 87/96 é que se iniciou uma série de discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do âmbito de incidência do ICMS. Demonstra-se a necessidade da troca de titularidade para ensejar a tributação, não sendo capaz de ensejar fato oponível de tributação a simples saída física, ou seja, a transferência de mercadorias de matriz para filial, sendo necessário o negócio jurídico. Sendo assim, a saída meramente física de um bem não é capaz de ensejar a cobrança do imposto de circulação de mercadorias. Destarte, como consta no próprio texto constitucional, somente a existência de uma operação que faça circular algo entre sujeitos distintos com ato de mercancia é fato ensejador do imposto. No tópico seguinte, analisa-se a jurisprudência do STJ e STF, assim como a aplicação da Súmula 166 do STJ. Ao analisar as decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, constata-se que a discussão é bastante antiga, tendo decisões julgadas da década de 70, as quais já tratavam da mesma discussão, visto que o art. 23 da Constituição anterior já estabelecia a incidência de ICMS em operações e não meramente sobre circulações físicas. Nota-se que a Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça esteve presente em todas as decisões explanadas, mostrando-se que ainda encontra-se em vigência, sobretudo no fato de que foi utilizada como forma de embasar o Recurso Repetitivo que se passa a tratar. Analisa-se o recurso representativo da controvérsia, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual decidiu pela inocorrência de fato gerador de ICMS a simples transferência de mercadorias entre empresas do mesmo contribuinte. A decisão é de suma importância, pois tornou uníssono o posicionamento do STJ, sendo assim, as decisões que restaram suspensas até o julgamento do recurso, após o julgamento deste, foram julgadas com base no entendimento exposto no recurso repetitivo. A decisão, apesar de não vincular o Fisco, poderia fazer com que este deixasse de arrecadar, contribuindo para que não houvesse mais demandas com a mesma discussão, evitando o gasto público com processos judiciais, se, administrativamente, reconhecesse a aplicação da Súmula e regulamentasse a matéria, colaborando com isso para o desafogamento do judiciário. Conclui-se, com o presente trabalho, que o legislador, ao editar a Lei Kandir, não preocupou-se em suprir a inconstitucionalidade que já havia sido instaurada, sendo assim, não poderia ser aplicado o pelo judiciário o art. 12, inc. II da referida lei, por ferir fatalmente a Constituição Federal, devendo esta lei ser objeto de uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade.
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Extrafiscalidade, riscos ambientais do trabalho e sanção premial
Inicialmente, a pesquisa pretende uma análise do Estado Fiscal, contextualizado no âmbito dos direitos fundamentais e sob a ótica da passagem do Estado Liberal para o Estado Social. Por conseguinte, analisam-se as premissas e fundamentos do fenômeno da extrafiscalidade, como opção política de atividade financeira estatal e como exceção do dever fundamental de pagar tributos, no contexto da fiscalidade inerente ao atual Estado moderno. Adiante, perquire-se a existência de políticas públicas de natureza extrafiscal eficazes e capazes de concretizar os mandamentos constitucionais referentes aos direitos sociais e ao meio ambiente laboral sadio, salubre e seguro. Com efeito, destaca-se a instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que possibilita redução da carga tributária, ou seja, alíquotas menores do Seguro contra Acidente de Trabalho (SAT), além de ressaltar a função promocional do Direito, estimulando condutas socialmente desejáveis. Por fim, o que indicaria, a priori, um distanciamento do Direito Tributário, dando espaço a normas de proteção social e previdenciária, revela, na verdade, a essência da tributação enquanto instrumento de concretização dos princípios constitucionais, conjugando-se de forma harmônica frente ao caráter de essencialidade dos tributos em um Estado Fiscal.
Direito Tributário
INTRODUÇÃO Inicialmente, verifica-se a relação do Estado Fiscal com os direitos fundamentais, sob a ótica da passagem do Estado Liberal para o Estado Social, situação em que culminou no aumento de tarefas estatais. Em virtude disto, o Estado necessita de maior receita tributária, e, portanto, eventual gasto tributário deve ocorrer em estrita observância aos mandamentos constitucionais, notadamente aos objetivos da República eleitos pelo constituinte originário. Com efeito, o Estado moderno configura-se essencialmente em Estado Fiscal, na medida em que as necessidades financeiras estatais são primordialmente supridas por intermédio dos tributos, isto é, das transferências compulsórias patrimoniais do particular para o público, do individualizado para o coletivizado. Por conseguinte, aprofunda-se na pesquisa a análise do fenômeno jurídico-tributário da extrafiscalidade, enquanto opção política da atividade financeira estatal, e na qualidade de instrumento estatal de intervenção nas relações econômicas e sociais. Considera-se, ainda, que definir políticas públicas é, sobretudo, entender o processo de produção de bens e serviços que geram bem-estar à população de um país, sendo atividade interdisciplinar primordialmente estatal e de dimensão política onipresente, haja vista que são tomadas decisões negociadas socialmente. Neste diapasão, no âmbito da seguridade social, verificam-se políticas públicas de natureza extrafiscal importantes para fins de concretização dos direitos fundamentais sociais, econômicos e culturais, quais sejam: os direitos previdenciários, o direito à assistência social, o direito à saúde do trabalhador, os direitos trabalhistas, dentre outros. Por conseguinte, além de sofrimento e custos sociais incalculáveis, os acidentes de trabalho geram um prejuízo financeiro significativo para o Brasil. Neste cálculo, verificam-se benefícios pagos pela Previdência Social, os custos despendidos em saúde pública e a perda de produtividade do profissional acidentado. No Brasil, destaca-se política pública de natureza extrafiscal para proteção e promoção do meio ambiente do trabalho, qual seja a instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) pelo Decreto 6.042/2007, que acrescentou o art.202-A ao Regulamento da Previdência Social, regulamentando o art.10 da Lei 10.666/2003, o que poderá implicar no aumento em até 100% ou na diminuição em até 50% da contribuição da empresa para o seguro contra acidentes de trabalho (SAT – art.7.º, inciso XXVIII, CF/88), de acordo com o desempenho das empresas em investimentos de prevenção de acidentes de trabalho, evidenciando-se, portanto, a ideia de sanção positiva ou premial do Estado. Por fim, tais políticas públicas de natureza extrafiscal são exemplos significativos da função promocional do Direito, estimulando condutas socialmente desejáveis, além de instrumentos de defesa e de promoção do meio ambiente do trabalho em consonância com os valores sociais do trabalho e da dignidade da pessoa do trabalhador. 1. ESTADO FISCAL, BENEFÍCIOS FISCAIS E DIREITOS FUNDAMENTAIS Os direitos fundamentais surgem no plano jurídico, interno e externo, como ideia de limitação de poder e de promoção da dignidade da pessoa humana, inicialmente previstos em Declarações Universais e posteriormente positivados nas principais constituições do mundo civilizado. No sistema jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988 previu de forma expressa os direitos fundamentais de liberdade, de igualdade e de solidariedade, caracterizando, portanto, as várias gerações[1] de direitos fundamentais, dotados de força normativa potencializada, de natureza principiológica[2] e de aplicação direta e imediata. Após as crises do liberalismo na década de 1930 e da queda dos regimes totalitaristas do nazismo e do fascismo depois de finda a segunda grande guerra mundial, há uma grande reformulação teórica do Estado e do Direito para além dos paradigmas iluministas da revolução francesa e das conquistas burguesas em busca de justiça social e do reencontro da ética com o Poder. A igualdade do então Estado Liberal era uma igualdade meramente formal, que em sua abstração escondia a realidade das desigualdades de fato, consistindo, ao fim, “numa real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, tão-somente a liberdade de morrer de fome” [3].  Por conseguinte, a transição do Estado Liberal para o Estado Social é marcada pela superação dos conceitos clássicos de liberdade e de igualdade da Revolução Francesa na busca por uma evolução social inclusiva, ideologia esta fortemente presente nas Constituições que surgiram na segunda metade do século XX. Sobre o tema disserta Paulo Bonavides: “A socialização branda, cujo sopro vitaliza e regenere as Constituições modernas, sem, contudo, calcar aos pés a personalidade humana, é a máxima prova de que caminhamos aceleradamente para aquele ideal, onde aos pequenos e desprotegidos não se lhes dê apenas, de coração vazio e alma endurecida, a soturna liberdade que Goethe e Humboldt, duas penas do bom liberalismo – o liberalismo humano e cristão -, tantas vezes escalpelaram na intuição de sua genialidade, ao pratearem a triste condição social do Homem moderno, economicamente oprimido, espiritualmente escravo” [4]. No entanto, de acordo com José Casalta Nabais, “podemos afirmar que o Estado Fiscal tem sido (e é) a característica dominante e permanente do Estado (Moderno), não obstante a sua evolução traduzida na passagem do Estado Liberal para o Estado Social” [5], considerando, ainda, o Estado Fiscal como sendo o Estado cujas necessidades financeiras são essencialmente cobertas por impostos, entendidos estes como transferências (de propriedade) da economia (privada) para o Estado. Desta forma, embora existam outras fontes capazes de fornecer dinheiro ao Estado[6], a principal receita pública na atualidade são os tributos, e, dentre estes, os impostos e as contribuições gerais são as mais relevantes para o Estado Fiscal, quer seja em termos quantitativos, quer seja em termos qualitativos. Na perspectiva do sistema tributário nacional, existem diversos princípios constitucionais tributários[7], explícitos e implícitos, no texto constitucional, inclusive, alguns dotados do caráter jusfundamental, senão vejamos: 1) Princípio da estrita legalidade (art.5.º, II c/c art.150, I); 2) Princípio da Anterioridade (art.150, inciso III, alínea “b”); 3) Princípio da anterioridade Nonagesimal (art.150, inciso III, alínea “c”); 4) Princípio da anterioridade da lei tributária (art.5.º, inciso XXXVI c/c art.150, III); 5) Princípio da proibição de tributo com efeito de confisco (art.150, inciso IV); dentre outros. Nesta esteira, no direito positivo pátrio, conforme art.3.º do Código Tributário Nacional, “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Assim, no cenário jurídico-constitucional, destacam-se: os impostos (art.145, I), as taxas (art.145, II), as contribuições de melhoria (art.145, III), os empréstimos compulsórios (art.148, I e II), as contribuições gerais (art.149; art.195; art.7.º, III; art.212, §5.º; art.239; art.240 e art.62 do ADCT)  [8]. Portanto, a importância dos tributos para o Estado Fiscal implica “na tentativa de conciliar a necessidade de manter um mínimo de justiça social com a não menos importante necessidade de manutenção dos incentivos particulares no conjunto da economia” [9]. Do ponto de vista doutrinário, a definição de benefício fiscal possui diversas conceituações, contudo, sendo elucidativa a ideia de conjugação simultânea de três sintomas, quais sejam: “(1) integram disciplina derrogatória da disciplina ordinária do imposto; (2) mais favorável para o contribuinte do que a consubstanciada no seu tratamento ordinário, e (3) com uma função promocional” [10]. Por conseguinte, a Constituição de 1988 insere-se neste contexto do constitucionalismo social do Século XX, através de seu modelo que busca não o recebimento da ordem econômica e social como esta é, mas pretende alterá-la positivando tarefas e políticas gerais a serem concretizadas. Surge, então, este modelo de Constituição Econômica ou Dirigente, que rejeita o dogma da autorregulamentação do mercado e almeja maneiras de atuação interventiva do Estado na economia que cumpra com objetivos de justiça social e de garantia do mínimo existencial aos indivíduos.[11] A opção constitucional fica clara na simples leitura do caput do artigo 170 da Carta Magna ao dispor que “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social […]”. Assim, o dirigismo social apontado pela Constituição fará o Estado atuar também com formas indiretas de controle social e conceber o Direito como um desses instrumentos de controle na perspectiva de concretização dos objetivos maiores da nação. O direito assume, portanto, uma função não só sancionatória, mas promocional de condutas, despindo-se do estudo meramente estrutural e positivista do fenômeno jurídico para entrar num viés sociológico e funcional. Desta forma, ensina Norberto Bobbio: “Entendo por 'função promocional' a ação que o direito desenvolve pelo instrumento das 'sanções positivas', isto é, por mecanismos genericamente compreendidos pelo nome de 'incentivos', os quais visam não a impedir atos socialmente indesejáveis, fim precípuo das penas, multas, indenizações, reparações, restituições, ressarcimentos, etc., mas, sim, a 'promover' a realização de atos socialmente desejáveis. Essa função não é nova. Mas é nova a extensão que ela teve e continua a ter no Estado contemporâneo: uma extensão em contínua ampliação, e, de qualquer modo, lacunosa, uma teoria do direito que continue a considerar o ordenamento jurídico do ponto de vista de sua função tradicional puramente protetora (dos interesses considerados essenciais por aqueles que fazem as leis) e repressiva (das ações que a eles se opõem)” [12]. Na linha exposta acima, pode-se asseverar que os benefícios fiscais não se encontram na área do Direito Tributário propriamente dito, mas em uma área de direito econômico típica do Estado Fiscal, que não atua propriamente como ramo do direito no sentido clássico, mas fazendo parte de uma superestrutura que irradia por todos os outros ramos procurando o exercício da função promocional dos direitos, mobilizando o ordenamento jurídico à persecução de determinados fins [13]. Outrossim, extrai-se do §1.º, do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal [14] o conceito jurídico-formal de benefícios fiscais, sendo todas as normas que determinem um tratamento tributário benéfico “diferenciado” ou “discriminado”. Ademais, da LC n.º 101/2000, depreende-se que o termo “benefícios fiscais” implica, por óbvio, em “renúncia de receita” por parte do Estado, conforme se segue: “Esse efeito dos benefícios fiscais – o empobrecimento do Estado na exata proporção do enriquecimento do contribuinte – faz com que estes sejam relevantes para as finanças públicas e, consequentemente, para o direito financeiro, uma vez que possuem o mesmo efeito das despesas públicas, mais especificamente as subvenções” [15]. Do efeito acima mencionado quanto aos benefícios fiscais, verifica-se que a abdicação do Fisco em recolher o produto de tributos com o interesse de incentivar ou favorecer determinados setores, atividades, regiões do País ou agentes da economia, no atendimento de determinada política pública social ou econômica, também importará em “gasto tributário”, isto é, produzindo os mesmos resultados econômicos da despesa pública. Tal fenômeno foi bem explicitado por Élcio Fiori Henriques, afirmando que “Por meio desta ficção jurídica, tornou-se possível ligar os conceitos de benefício fiscal e de despesa pública, criando uma figura financeira nova, que é o gasto tributário, a qual é apenas uma forma de se contabilizar e quantificar a receita perdida pela instituição de determinado benefício” [16]. Tem-se a ilação, portanto, da intrínseca relação dos benefícios fiscais com os direitos fundamentais, na medida em que a passagem do Estado Liberal para o Estado Social implicou num aumento de tarefas estatais para com o indivíduo e com a sociedade, cuja situação, por óbvio, necessitará de maior receita tributária, e, portanto, sendo imprescindível a análise criteriosa e proporcional de eventual perda de receita em virtude da instituição de benefícios fiscais, em estrita observância aos mandamentos ético-jurídicos esculpidos na Carta Política. Igualmente, Marcelo Guerra Martins observou a transmudação do tributo no Estado Social, senão vejamos: “O limitado papel desenvolvido pelo Estado Liberal, […], contribuiu para a eclosão das graves crises sociais no final do século XIX e início do XX, desaguando, destarte, na concepção do welfare state, o que também é acompanhado por uma alteração da concepção do papel da tributação na sociedade. Da simples forma de divisão das despesas comuns, passa-se a compreender o sistema exacional como uma ferramenta de intervenção econômica e de financiamento de políticas públicas com inúmeros desideratos. À regra da capacidade contributiva acrescentaram-se os princípios da progressividade e da solidariedade na tributação” [17]. Nesta perspectiva, propõe-se em seguida uma breve pesquisa no fenômeno da extrafiscalidade, notadamente como exceção do dever fundamental de pagar tributos, no contexto do Estado Fiscal brasileiro. 2. DA EXTRAFISCALIDADE SOB A ÓTICA DO ESTADO FISCAL O benefício fiscal reveste-se, sobretudo, como instrumento utilizado pelo Estado para intervir nas relações econômicas e sociais buscando a promoção ou desencorajamento de situações gerais que se elegem interessantes a persecução dos fins constitucionalmente previstos. Neste contexto, quando o mecanismo utilizado pelos Estados para atuação intervencionista na economia é o tributo, costuma-se denominar este fenômeno de extrafiscalidade, visto que nesta ocasião o tributo não exercerá sua função primordial arrecadatória de forma primária. Sobre este conceito de extrafiscalidade, recorre-se novamente a José Casalta Nabais, senão vejamos: “A extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas que, embora formalmente integrem o direito fiscal, tem por finalidade principal ou dominante a consecução de determinados resultados econômicos ou sociais através da utilização do instrumento fiscal e não a obtenção de receitas para fazer face às despesas públicas. Trata-se assim de normas (fiscais) que, ao preverem uma tributação, isto é, uma ablação ou amputação pecuniária (impostos), ou uma não tributação ou tributação menor à requerida pelo critério da capacidade contributiva, isto é, uma renúncia total ou parcial a essa ablação ou amputação (benefícios fiscais), estão dominadas pelo intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos econômicos e sociais dos seus destinatários, desincentivando-os, neutralizando-os nos seus efeitos econômicos e sociais ou os fomentado, ou seja, de normas que contêm medidas de política econômica e social” [18]. Na doutrina nacional, representada por Hugo de Brito Machado, se assente que o emprego dos tributos com finalidade diversa da arrecadação é marca comum do mundo moderno, conforme se segue: “O objetivo do tributo sempre foi o carrear recursos financeiros para o Estado, no mundo moderno, todavia, o tributo é largamente utilizado com o objetivo de interferir na economia privada, estimulando atividades, setores econômicos ou regiões, desestimulando o consumo de certos bens e produzindo, finalmente, os efeitos mais diversos na economia. A esta função moderna do tributo se denomina extrafiscal” [19]. Assim, concebem-se duas formas principais de conformação social pela via fiscal: a uma, dos tributos extrafiscais, como é o caso, p.ex., do IPTU progressivo para imóveis em desacordo com a política urbana local; a duas, os benefícios fiscais de forma a incentivar atividades determinadas socialmente ou economicamente relevantes. Neste raciocínio, poder-se-ia cogitar que os benefícios fiscais malfeririam o princípio da isonomia. Contudo, em matéria tributária, há um relativo consenso acerca de que a isonomia faz-se com base no princípio da capacidade contributiva, em que todos os cidadãos pagam tributos de acordo com fatores de presunção previstos na lei. Portanto, a extrafiscalidade não se constitui atentado ou exceção ao princípio da capacidade contributiva, pelo contrário, muitas vezes apresenta-se como um complemento a sua atuação na busca dos valores finais da colaboração dos indivíduos na construção do Estado Fiscal sob perspectiva da solidariedade, voltada aos fins de concretização dos valores constitucionais. Esta é a lição de Ernani Contipelli, conforme se segue: “Ora, se as metas propugnadas pela função extrafiscal atendem aos interesses de toda a comunidade, manifestando o ideal de bem comum, ao guardar absoluto respeito aos objetivos constitucionais do modelo de Estado Democrático de Direito, a utilização deste mecanismo deve, logicamente, se ajustar ao mínimo vital, às condições econômicas básicas dos membros e dos grupos inseridos nas comunidades, servindo ao princípio da capacidade contributiva, para prevalecer relação de implicação reciprocidade entre valores nucleados pela invariante axiológica da solidariedade social e pelo valor fonte da pessoa humana” [20]. Desta forma, a análise da adequação do benefício fiscal ao princípio da igualdade deve levar em conta os efeitos concretos do referido benefício para fins de persecução dos objetivos estatais relevantes, fato que corrobora a necessidade de um viés de controle democrático dos benefícios fiscais. Neste sentido, este controle da adequação e da igualdade do tributo está a cargo do Poder Judiciário enquanto guardião da moralidade tributária, na perspectiva defendida por Klaus Tipke: “Que el destino del impuesto está ligado a la igualdad. Por consiguiente, la principal tarea del Tribunal Constitucional debería estar em exigir al legislador la igualdad tributaria com arreglo a la capacidad econômica, otorgándole, no obstante, el margen de actuación suficiente para concretar las diversas soluciones admisibles que se deducen del princípio da capacidad económica como concepto jurídico indeterminado” [21]. A legitimidade da utilização do benefício fiscal enquanto fomentador de determinadas finalidades está claramente ligada à legitimidade dessas finalidades eleitas pelo Poder Público no momento da criação do aludido benefício, inadmitindo-se, portanto, a mera eleição discricionária de fins pelo administrador ante sua incompatibilidade com o Estado Democrático de Direito. Nesta perspectiva, os benefícios fiscais devem almejar determinados fins constitucionalmente previstos, a exemplo daqueles elencados no art. 3.º de nossa Constituição Federal como objetivos fundamentais, quais sejam: erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais regionais, construção de uma sociedade livre, justa e solidária, dentre outros. Ademais, o Estado Fiscal tem também o dever de utilização dos recursos disponíveis para fins de concretização dos direitos fundamentais e, portanto, quando utiliza o tributo como um instrumento de persecução de determinados fins de intervenção econômica, consubstancia o princípio da solidariedade segundo a capacidade contributiva, no intuito de promoção de uma sociedade livre, justa e solidária. Nesse sentido expõe Ernani Contipelli: “Entendida a atividade tributária como dever de colaboração, que, no âmbito do Estado Democrático de Direito, por força da orientação axiológica dada pela solidariedade social, se vincula ao dever do Estado de redistribuição adequada das riquezas arrecadadas, a perspectiva de capacidade contributiva apresentada se ajusta perfeitamente à ideia de função extrafiscal do tributo, a qual tem por escopo se valer da imposição deste dever de colaboração para alcançar certas finalidades relacionadas ao bem comum, autorizando elevação ou diminuição da carga fiscal para concretização de objetivos” [22]. Assim, para concretização dos direitos fundamentais e das exaustivas finalidades do Estado, faz-se mister uma estrutura ampla e organizada de recursos materiais e humanos. Outrora, o Estado buscava seus recursos na sua própria produção, na exploração de suas propriedades e na atividade empresarial, como ocorria no Estado Absolutista. Por conseguinte, também ocorreu tal fenômeno nos Estados Socialistas, que detinham os meios de produção e de redistribuição direta das riquezas. Atualmente, contudo, quase que a integralidade dos Estados modernos sobrevive exclusivamente dos tributos, tornando-se uma característica essencial dos Estados Fiscais, consoante já ressaltado nesta pesquisa. Por oportuno, recorre-se novamente a Klaus Tipke, asseverando que “Sin impuestos y contribuentes no puede construirse ningún Estado, ni el Estado de Derecho ni, desde luego, el Estado Social” [23]. Nesta perspectiva do Estado Fiscal, o mesmo pode atuar de duas formas, quais sejam: a) por intermédio de uma tributação mínima, decorrente da necessidade de manutenção da máquina administrativa, como se tem em um Estado Fiscal Liberal; b) por intermédio de uma tributação alargada, no caso do Estado Fiscal Social, movido por preocupações de funcionamento global da sociedade e da economia [24]. No Brasil, o Estado Democrático de Direito, que também se configura como um Estado Fiscal, vem perquirindo a forma de Estado Subsidiário [25], devendo, portanto, revestir a sua atividade financeira da maior clareza e abertura possíveis, tanto na legislação instituidora de tributos como na elaboração e no controle do orçamento público. Adiante, após as considerações acerca do fenômeno jurídico-tributário da extrafiscalidade, a presente pesquisa desdobrar-se-á na espécie tributária referente às contribuições sociais, notadamente no gasto tributário que implique em melhorias do meio ambiente laboral e na proteção irrestrita da vida do trabalhador. 3. DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL ENQUANTO ESPÉCIE TRIBUTÁRIA: O SEGURO CONTRA ACIDENTES DO TRABALHO (SAT) E SUA IMPORTÂNCIA SOCIOAMBIENTAL 3.1. Da natureza jurídica do Seguro contra acidentes do trabalho (SAT) No plano infraconstitucional, o seguro obrigatório de acidentes do trabalho (SAT) foi introduzido na legislação brasileira pela Lei n. 5.316, de 14.09.1967, acobertando os beneficiários da Previdência Social, inclusive os presidiários que exercessem atividade remunerada, cujo custeio seria de responsabilidade dos empregados [26]. Adiante, a própria Constituição Federal de 1988 (art.7.º, inciso XXVIII) previu expressamente o SAT, elencando o seguro entre os direitos fundamentais dos trabalhadores que visem à melhoria de sua condição social, sendo obrigação a cargo do empregador.  Posteriormente, atendendo ao comando constitucional, e com a edição da Lei 8.212/91 (Lei de Custeio da Seguridade Social), previu-se expressamente o aludido seguro dentre as contribuições de responsabilidade da empresa [27]. Portanto, para o custeio das aposentadorias especiais (artigos 57 e 58 da Lei 8.213/91), que são aquelas devidas aos segurados que tiverem trabalhado sujeitos às condições especiais [28] que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e para o financiamento dos demais benefícios previdenciários concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, o empregador contribuirá sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos, conforme alíquotas previstas em lei. Desta forma, constrói-se a definição do SAT, como sendo uma espécie de contribuição patronal, ou seja, constitui-se do gênero “tributo” e da espécie “contribuição social”, previsto constitucionalmente e instituído por Lei [29], determinando uma contribuição adicional a cargo exclusivo da empresa (empregador contribuinte), com destinação assecuratória aos eventos resultantes de acidente de trabalho, além do custeio das aposentadorias especiais, difundindo, ainda, a concretização do direito fundamental ao meio ambiente do trabalho adequado e seguro. 3.2. Risco socioambiental e o seguro contra acidente de trabalho (SAT) Na ocorrência de acidentes no ambiente laboral ou de doenças chamadas ocupacionais (doenças equiparadas a acidente de trabalho), tem o segurado acidentado ou seus dependentes, no caso de sua morte, direito às prestações e aos serviços previstos na legislação previdenciária vigente. Outrossim, de acordo com a definição do artigo 19, da Lei 8.213, de 24.07.1991, o acidente de trabalho típico é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados especiais, “provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou a redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”. Por conseguinte, o artigo 20, da legislação supracitada, equiparou as doenças do trabalho a acidentes do trabalho[30], com as diversas consequências decorrentes, principalmente na seara do direito previdenciário para fins concessórios de benefícios. Conforme destacado no tópico anterior, a natureza jurídico-tributária das contribuições para o SAT advém, sobretudo, de sua finalidade primordial de obtenção de recursos para a Previdência Social custear serviços e benefícios aos trabalhadores vitimados por acidentes de trabalho. Verifica-se, portanto, a importância do SAT para o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social[31], haja vista que se destina ao custeio dos possíveis eventos ou contingências decorrentes dos riscos socioambientais que acometem os trabalhadores brasileiros ou seus dependentes, se for o caso. 4. DO SEGURO CONTRA ACIDENTES DO TRABALHO (SAT) E DO FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO (FAP) 4.1. Do Fator Acidentário de Prevenção (FAP): a flexibilização das alíquotas do SAT A flexibilização das alíquotas do SAT iniciou-se com a edição da Medida Provisória n.º 83, de 12/12/2002, que posteriormente foi convertida na Lei 10.666, de 08/05/2003, possibilitando a redução, em até cinquenta por cento, ou aumento, em até cem por cento, das alíquotas previstas no art.22, II, da Lei 8.212/91 (1, 2 ou 3%). Ou seja, as novas alíquotas do SAT poderão variar de 0,5% a 6%, conforme o caso, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social [32]. Ademais, a Lei n. 9.732, de 11/12/1998, deu nova redação ao art.57 e parágrafos, da Lei 8.213/91 (que trata da aposentadoria especial), elevando as alíquotas do SAT de contribuição das empresas que expõem o trabalhador à situação de risco de acidentes e doenças ocupacionais, prevendo o novo §6.º, do art.57, textualmente, “cujas alíquotas serão acrescidas de doze, nove ou seis pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado a serviço da empresa permita a concessão de aposentadoria especial após quinze, vinte ou vinte e cinco anos de contribuição, respectivamente” [33]. Por conseguinte, apesar de contextualizado legalmente pela edição da Lei 10.666 de 08/05/2003, o efetivo surgimento do FAP – Fator Acidentário de Prevenção – somente ocorreu por regulamentação do Decreto n. 6.042, do ano de 2007, consistindo num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinquenta centésimos (0,50) a dois inteiros (2,00), a ser aplicado à respectiva alíquota do SAT, redundando, portanto, numa variação de alíquotas de 0,5% a 6%, conforme as alíneas do inciso II, do artigo 22, da Lei 8.212/91 [34]. Neste contexto, para correto enquadramento da empresa nas respectivas alíquotas do SAT, na forma das alíneas do inciso II, do art.22, da Lei 8.212/91, faz-se mister o reconhecimento de qual seja a atividade preponderante da empresa [35], além da explicitação dos correspondentes graus de risco (leve, médio e grave) [36], conforme o Anexo V, do Decreto 3.048/99, cuja elaboração ocorreu de acordo com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE. 4.2. A instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e a sanção premial O tema da sanção premial refere-se, umbilicalmente, à função promocional do Direito, que tem como função precípua a promoção, o encorajamento e o estímulo de condutas socialmente desejáveis, mediante a instituição de “prêmios”, recompensas ou sanções positivas [37]. Numa abordagem jurisprudencial, faz-se mister a citação de importante trecho de recente acórdão do ano de 2012 do Tribunal Regional Federal da 3ª Região acerca do tema em questão, consoante se segue: “[…] Não há que se falar, contudo, especificamente na aplicação de um direito sancionador, o que invocaria, se o caso, o artigo 2º da Lei 9.784/99; deve-se enxergar a classificação das empresas face o FAP não como ‘pena’ em sentido estrito, mas como mecanismo de fomento contra a infortunística e amparado na extrafiscalidade que pode permear essa contribuição SAT na medida em que a finalidade extrafiscal da norma tributária passa a ser um arranjo institucional legítimo na formulação e viabilidade de uma política pública que busca salvaguardar a saúde dos trabalhadores e premiar as empresas que conseguem diminuir os riscos da atividade econômica a que se dedicam” [38]. Desta forma, a empresa poderá pagar menos ou mais tributo, qual seja a contribuição para o seguro de acidente de trabalho (SAT), de acordo com os índices de frequência, gravidade e custo, nos aspectos relativos aos acidentes de trabalho ocorridos no meio ambiente laboral e nos investimentos efetuados em prevenção acidentária, na forma da legislação pertinente. Neste contexto, a instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) configura-se como importante política pública de conotação premial [39], incentivando, portanto, a proteção e a promoção de ambientes laborais salubres e adequados, para o presente e para as futuras gerações. 4.3. A cadeia positiva do seguro social sob a ótica da extrafiscalidade e do direito fundamental ao meio ambiente do trabalho No que se refere à instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) na legislação previdenciária brasileira [40], verifica-se, inequivocamente, que empresas que investirem em prevenção dos acidentes de trabalho serão beneficiadas mediante redução de carga tributária, sendo, no caso específico, redução de alíquotas do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), conforme critérios objetivamente estabelecidos pela legislação previdenciária pertinente. Desta feita, forma-se uma cadeia positiva do seguro social: as empresas pagarão menos tributos; por conseguinte, investirão mais recursos em prevenção de acidente de trabalho; consequentemente, menos segurados sofrerão acidentes de trabalho e, portanto, menos beneficiários da Previdência Social irão pleitear benefícios previdenciários junto ao INSS, o que acarretará diminuição dos gastos previdenciários, além da concretização dos direitos fundamentais sociais e trabalhistas. Por conseguinte, esta cadeia positiva do seguro social, além do impacto socioeconômico para o empregador contribuinte e para os segurados da Previdência Social, também repercutirá no direito fundamental ao meio ambiente do trabalhado sadio e equilibrado, sendo exemplo significativo da interdependência, inter-relação e indivisibilidade dos direitos fundamentais, ou seja, a convivência harmônica dos direitos de liberdade (impondo prestações negativas ao Estado), dos direitos culturais, sociais e econômicos (impondo prestações positivas ao Estado – representativos da igualdade) e dos direitos de solidariedade (meio ambiente). Assim, o direito fundamental ao meio ambiente do trabalho contempla esta nova categoria de direitos transindividuais, de natureza indivisível, que transcende a esfera do singular para a esfera do plural, tendo por objeto de preocupação a própria coletividade, quer seja cidadão-contribuinte, quer seja cidadão-destinatário, em equivalência de dignidade. 5. POLÍTICAS PÚBLICAS EXTRAFISCAIS E RISCOS AMBIENTAIS DO TRABALHO 5.1. Definição de políticas públicas extrafiscais Na seara das políticas públicas, importante mencionar seu conceito evolutivo, senão vejamos: “Política pública é o programa de ação governamental que resulta de um processo ou conjunto de processos juridicamente regulados – processo eleitoral, processo de planejamento, processo de governo, processo orçamentário, processo legislativo, processo administrativo, processo judicial – visando coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados. Como tipo ideal, a política pública deve visar à realização de objetivos definidos, expressando a seleção de prioridades, a reserva de meios necessários à sua consecução e o intervalo de tempo em que se espera o atingimento dos resultados” [41]. Por conseguinte, ainda sob o prisma dos direitos fundamentais, a necessidade de compreensão das políticas públicas como categoria jurídica apresenta-se à medida que se buscam formas de concretização dos direitos humanos, inclusive dos direitos sociais e dos direitos de terceira dimensão ou direitos de solidariedade. Ademais, entender a política pública como categoria normativa, seria tarefa das mais difíceis, haja vista que a lei, como categoria jurídica, caracteriza-se pela generalidade e pela abstração, não obstante tenha uma dimensão teleológica, isso não lhe confere, necessariamente, um “endereço determinado”. Já as políticas públicas, diferentemente das leis, não são, em regra, genéricas e abstratas, pelo contrário, são normalmente firmadas para a realização de objetivos determinados [42]. Neste contexto, poder-se-ia asseverar que as políticas públicas possuem caráter de complementaridade, na media em que preenchem os espaços normativos, concretizando os princípios e regras, visando a objetivos determinados. De acordo com o exposto acima, constrói-se a definição de políticas públicas de natureza extrafiscal como sendo programas de ação governamental, juridicamente regulados, resultantes de um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, não tendo como finalidade imediata a função arrecadatória, contudo, diante do uso de ferramentas que envolvam receitas e despesas públicas, a fim de alcançar determinado interesse público previamente determinado. 5.2. A defesa e a promoção do meio ambiente do trabalho sob a ótica das políticas públicas extrafiscais A elaboração de políticas públicas extrafiscais a serem executadas pelo Estado deve ter como finalidade precípua a proteção e a promoção dos direitos humanos, primordialmente aqueles correlacionados ao seguro social, como os direitos fundamentais à saúde do trabalhador e ao meio ambiente do trabalho. Nada obstante, o que indicaria, a priori, um distanciamento do Direito do Tributário, dando espaço a normas de proteção social (trabalhista e previdenciária), revela a essência da tributação enquanto instrumento de concretização dos princípios constitucionais. Neste contexto, no momento em que o Estado abdica parcela da arrecadação em favor das empresas que obtiverem desempenho satisfatório na prevenção de acidentes de trabalho, dirige-se à alocação de recursos privados para a obtenção de resultados que desoneram a Previdência Social e, sobretudo, preservam a vida e a integridade dos trabalhadores. Por conseguinte, ao impor ônus adicional às empresas que concretamente contribuíram para o aumento do risco acidentário, o Estado estimula os esforços individuais em prol da segurança ambiental e, simultaneamente, obtém mais recursos para financiar o Seguro contra Acidentes de Trabalho (SAT). Desta feita, tem-se a ilação, inequivocamente, da importância das políticas públicas de natureza extrafiscal como políticas norteadoras do seguro social, para fins de concretização dos direitos humanos, sobretudo o direito fundamental de a pessoa humana ter assegurada sua vida (art.5.º, caput, da CF/88) e saúde (art.6.º, da CF/88) com dignidade, no meio em que desenvolve suas atividades laborais. CONSIDERAÇÕES FINAIS O modelo atual de Constituição econômica ou dirigente rejeita o dogma da autorregulamentação do mercado, necessitando de medidas interventivas do Estado na economia que cumpra com os objetivos de justiça social, de solidariedade e de garantia do mínimo existencial aos indivíduos. Nesta perspectiva, a principal receita pública do Estado Fiscal na atualidade são os tributos, que, também, são utilizados com natureza intervencionista no domínio econômico. Com efeito, se afigura o fenômeno da extrafiscalidade como exceção do dever fundamental de pagar tributos, haja vista que, nesta ocasião, o tributo não exercerá sua função primordial primária, ou seja, de natureza arrecadatória. Por conseguinte, evidenciam-se a existência e a rearticulação de políticas públicas de natureza extrafiscal eficazes na proteção e na promoção do meio ambiente do trabalho, sobretudo a instituição do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que possibilita a redução de carga tributária, qual seja, a contribuição do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT). Assim, ressalta-se a função promocional do Direito, que estimula o incremento de condutas socialmente desejáveis, além da noção de sanção premial, contribuindo para a formação da cadeia positiva do Seguro Social. Por fim, longe de se exaurir o tema, esta pesquisa tentou investigar alguns aspectos do fenômeno jurídico-tributário da extrafiscalidade, notadamente na espécie tributária referente às contribuições sociais, contextualizada na dimensão do gasto tributário que implique em melhorias do meio ambiente laboral e na proteção irrestrita da vida e da saúde do trabalhador.
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O princípio da segurança jurídica e a irretroatividade das leis interpretativas tributárias
O desenvolvimento deste trabalho buscou realizar uma análise acerca do sentido das  leis expressamente interpretativas no sistema tributário nacional, analisadas sob uma perspectiva condizente com a atual conjectura normativa e com os preceitos constitucionais, bem como, buscou realizar uma reflexão acerca da compatibilização da interpretação na produção de normas  no direito tributário com o a Segurança Jurídica a qual se apresenta como um verdadeiro valor buscado pelo sistema normativo. Não há  sentido em se cogitar na existência de um Estado Social Democrático de Direito sem a verificação de uma segurança jurídica e de uma proteção as relações jurídicas constituídas a qual é assegurada por outros princípios os quais atuam como verdadeiro limites objetivos a exemplos dos princípios da legalidade e da irretroatividade
Direito Tributário
INTRODUÇÃO A relação direito- linguagem- realidade é um tema que enseja um amplo campo de discussões e reflexões especialmente ao que se refere ao papel do direito na sociedade, bem como, a sua forma de aplicação. A existência de um sistema jurídico fundamenta-se na necessidade de regulação das condutas intersubjetivas através de normas as quais se apresentam por meio de três modais deônticos: (o) obrigatório (p) permitido e (v) proibido, observa-se que o sistema reflete um deve ser, criando a sua própria realidade, não se submetendo a outras regras ou princípios se não as suas próprias. Nesse contexto, o ordenamento jurídico existe para incidir na realidade e não para coincidir com ela.    O direito atua de forma a regular as condutas intersubjetivas de uma sociedade por meio de enunciados prescritivos os quais são dotados de uma certa carga valorativa, seja na sua produção, ou principalmente na sua aplicação, dessa forma, verifica-se que no âmbito jurídico encontramos de maneira freqüente a busca a um determinado valor seja na elaboração de uma norma legal ou de forma mais acentuada na sua aplicação. Entre os valores buscados no âmbito do direito a segurança jurídica é certamente um dos mais perquiridos, haja vista, que o respeito as relações jurídicas constituídas e a previsibilidade das normas incidentes para determinadas condutas são traços indeléveis do Estado Social Democrático de Direito. A adequada compreensão dos dispositivos normativos, bem como, a correta noção do alcance da produção de seus efeitos são requisitos essenciais para uma aplicação normativa coerente e condizente com os ditames constitucionais e infraconstitucionais. Nesse aspecto as normas de incidência tributária devem primar por uma compreensão sistemática e atualizada do sistema normativo, tendo sempre em vista a limitação da intervenção estatal. Visualizando o tema de maneira geral e considerando a possibilidade de se estudar o direito a partir de diferentes cortes metodológicos – ramos jurídicos, poder-se-ia salientar que o referido tema encontra suas raízes na Teoria Geral do Direito uma vez que esta estuda conceitos que se repetem em cada um dos segmentos específicos das ciências do Direito, a ciência do direito devido a sua complexidade comporta diversos segmentos, ou seja, ramos da ciência do direito como por exemplo: Direito Constitucional, Direito Civil, Direito Tributário, entre outros, cada um desses ramos representa um corte metodológico sobre a linguagem jurídica, com o intuito de minimizar sua complexidade.  No entanto, a proposta deste trabalho foi a de analisar de maneira específica o sentido das leis interpretativas no sistema tributário nacional fazendo um contraponto com o Princípio da Segurança Jurídica. Partindo de uma análise da Teoria Geral do Direito em conjunto com uma visão dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relacionados ao tema o trabalho procurará identificar o sentido das leis interpretativas no âmbito do direito tributário, bem como, o seu alcance e efeitos jurídicos decorrentes da aplicação retroativa das leis consideradas expressamente interpretativas, nesse contexto, será analisada a função e as características da atividade interpretativa e em específico a positivação de interpretação pelo poder legislativo. Nesse ponto, o Princípio da Segurança Jurídica, focado sob um viés tributário, seria invocado como um requisito cuja observação é necessária para uma adequada aplicação dessa norma jurídica. Além disso, ao verificarmos a temática proposta realizando um contraponto com esse princípio estaremos buscando o respeito ao ato jurídico perfeito, a separação dos poderes e a limitação da intervenção estatal. O referido assunto já foi em alguns aspectos tratado pela doutrina e jurisprudência, não obstante, o tratamento que se dará ao referido tema será embasado na corrente do pensamento do giro lingüístico e do constructivismo lógico-semântico, buscando o desenvolvimento de um raciocínio coerente e plausível sob o ponto de vista jurídico, semântico, sintático e pragmático. Verifica-se, portanto a relevância do assunto a ser tratado, sobretudo ao que refere-se aos efeitos jurídicos tributários decorrentes da aplicação indiscriminada da norma.   1. A Interpretação Jurídica A atividade de interpretação – aplicação de normas é por muitos considerada como um ato o qual busca refletir o verdadeiro sentido embutido naqueles mandamentos, nessa concepção chegaríamos a  conclusão que cada dispositivo legal comporta um e apenas um só sentido, sendo função do intérprete a descoberta do conteúdo da norma. Não obstante, na atual conjectura do sistema normativo torna-se de fundamental importância uma reflexão a respeito da atividade de interpretação, para que daí tenhamos elementos suficientes para a compreensão acerca das leis interpretativas. Para tratarmos de uma definição acerca do que seja a interpretação tornasse necessário  inicialmente definirmos o ângulo sobre o qual iremos fazer essa abordagem, isto porque, é possível tratarmos do tema a partir do enfoque da doutrina tradicional ( da hermenêutica – interpretação), bem como, a partir de uma corrente relacionada com o constructivismo lógico semântico, adotando nessa via os fundamentos do giro lingüístico. Dessa forma, feita a devida ponderação podemos falar de interpretação na visão da doutrina hermenêutica tradicional e de interpretação conforme a linha de pensamento do constructivismo lógico semântico decorrente da concepção do giro lingüístico. Em suma, podemos trabalhar com o sentido de interpretação em dois ângulos: i) “Interpretação na visão tradicional:  para a visão tradicional interpretar resume-se a extrair da norma tudo que a mesma contém de forma a determinar o seu sentido e alcance. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entra a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama de interpretar.” ii) “Interpretação no constructivismo lógico semântico – giro lingüístico: pode ser entendida sobre dois ângulos: o primeiro a de interpretação como processo nesse sentido ato permanente e inesgotável, haja vista, a possibilidade de sempre poder se atribuir novos valores aos símbolos componentes do corpo lingüístico do direito; e no segundo aspecto como interpretação-produto como resultado do processo realizado.  Dessa forma, ao tratarmos de forma genérica os meios, critérios e esquemas interpretativos, estaremos lidando em campo da hermenêutica ao passo que ao tratarmos de um determinado dispositivo legal e aplicação dos princípios, instrumentos e fórmulas preconizados pela hermenêutica estaremos desenvolvendo atividade interpretativa.” Adotando a primeira linha de pensamento Carlos Maximiliano faz a seguinte consideração: “As leis positivadas são formuladas em termos gerais; fixam regras, consolidam princípios, estabelecem normas, em linguagem clara e precisa, porém ampla, sem descer a minúcias. É tarefa primordial do executor a pesquisa da relação entre o texto abstrato e o caso concreto, entra a norma jurídica e o fato social, isto é, aplicar o Direito. Para o conseguir, se faz mister um trabalho preliminar: descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o respectivo alcance, a sua extensão. Em resumo, o executor extrai da norma tudo o que na mesma se contém: é o que se chama de interpretar, isto é, determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito[1]” Já em via oposta o Professor Paulo de Barros faz a seguinte assertiva: "É no átimo da aplicação que aparece o homem, atuando por meio dos órgãos singulares ou coletivos, na sua integridade psicofísica, com seus valores éticos, com seus ideais políticos, sociais, religiosos, fazendo a seleção entre as interpretações possíveis, estimando-as axiologicamente, para eleger uma entre outras, expedindo então a nova regra jurídica[2]" Na mesma linha anterior a Professora Aurora Tomazini faz o seguinte esclarecimento: "Interpretar não é extrair da frase ou sentença tudo o que ela contém, mesmo porque ela nada contêm. A significação não está atrelada ao signo (suporte físico) como algo inerente a sua natureza, ela é atribuída pelo intérprete e condicionada às suas tradições culturais. Uma prova disto está na divergência de sentidos interpretados do mesmo texto. Se cada palavra (enquanto marca de tinta presente num papel, ou onda sonora) contivesse uma significação própria e o trabalho do intérprete se restringisse em encontrar tal significação, todos os sentidos seriam unívocos, ou pelo menos tenderiam à unicidade[3]." Pelo exposto o entendimento acerca da atividade interpretativa nos enunciados prescritivos pode adotar duas diferentes premissas, uma na linha da visão tradicional e outra com base no giro lingüístico, o desenvolvimento deste artigo adotará o entendimento de interpretação conforme a visão do constructivismo lógico semântico. A partir do giro-linguístico o conhecer a linguagem passou a ser condição primeira para a apreensão do objeto, não há uma correspondência entre a linguagem e o objeto, haja vista, este ser produto dela, a linguagem nessa concepção passa a ser pressuposto primordial para o conhecimento. Nessa perspectiva, a interpretação possui íntima relação com a realidade à medida que a realidade corresponde a uma interpretação a um sentido atribuído aos dados brutos que nos são sensorialmente perceptíveis, nesse âmbito, não é possível se falar em sentido sem interpretação, haja vista, o sentido não se encontrar no texto – signos, mas sim, no próprio intérprete. Afirmar que o intérprete constrói o sentido do texto implica em salientar que o sentido do texto encontra-se de forma inexorável relacionada e condicionada ao sentido que for atribuído pelo intérprete em conformidade com seus limites e vivências culturais, o texto em si nada diz, é vazio, é desprovido de conteúdo, só passará a dizer e representar algo quando interpretado pelo intérprete ( quando convencionado seu aspecto semântico pelos utentes da linguagem) o texto não possui significado em si próprio é necessário a figura do homem para atribuir significação. No desenvolvimento dessa atividade interpretativa o intérprete passa por um percurso gerador de sentido, estudando o assunto o professor Paulo de Barros Carvalho aponta quatro planos responsáveis pela construção de sentido, a partir desses planos o referido autor explica como se dá o processo da atividade de atribuição de sentido aos textos jurídicos, desde o primeiro contato do intérprete com o texto, até a relação da norma jurídica construída com as demais normas do ordenamento jurídico. De forma sucinta podemos expor esse percurso da seguinte forma:  “(S1) à representa o plano da expressão, onde estão localizados os suportes físicos dos enunciados prescritivos. Marca o início do percurso de interpretação é o espaço, por excelência, das modificações introduzidas no sistema total.  (S2) à representa o início da trajetória pelo conteúdo, lidando com os enunciados de forma isolada, buscando encontrar significações atribuindo valores unitários aos signos encontrados compondo segmentos portadores de sentidos.  (S3) à representa o início da contextualização dos conteúdos obtidos com finalidade de produzir unidades completas de sentido, é nesse momento que aparece a norma jurídica em sua pujança significativa. (S4) à representa a organização-integração das normas numa estrutura escalonada havendo a coordenação e subordinação entre as unidades construídas.”   2. A segurança jurídica no sistema normativo O Princípio da Segurança Jurídica é certamente um dos mais mencionados e perquiridos no âmbito jurídico, seja na doutrina, na jurisprudência ou até mesmo na legislação normativa, dessa forma a sua observação e principalmente a sua compreensão tornam-se elementos fundamentais para a efetiva existência de um Estado Social Democrático de Direito. Nesse sentido, é importante determinar qual o sentido conferido ao termo "princípio", haja vista, a expressão “princípios” ensejar diversos entendimentos, normalmente quando a utilizamos é no sentido de fontes basilares do sistema jurídico, todavia, a compreensão acerca desse termo abrange acepções diferenciadas. O tema em questão ganha contornos ainda mais acentuados de relevância ao considerarmos que ao falarmos em segurança jurídica estamos necessariamente considerando todo o processo de interpretação do direito positivado. Como exposto em linhas anteriores interpretar é atribuir sentido aos signos e essa atribuição de sentidos é desenvolvida por cada intérprete de acordo com os horizontes culturais de cada indivíduo, bem como, com o sistema de referências – relações associativas condicionadas pelo horizonte cultural e contexto sócio cultural do indivíduo – conforme o sistema de referência verificado ter-se-á a construção de determinada realidade e verdade, o que não implica em salientarmos que existe uma construção certa ou errada, apenas se verifica diferentes sistemas de referências adotados na formulação do fato. No âmbito do direito positivo as proposições prescritivas submetem-se a valores de validade e não validade ( portanto não se submetem a valores de verdadeiro e falso), correspondente da lógica deôntica, a linguagem do legislador é válida ou não válida. Sendo assim, os resultados interpretativos que cada intérprete chega não serão marcados pela homogeneidade, mas certamente, pela heterogeneidade-diferença, diante deste panorama jurídico a busca pela segurança jurídica muito mais que um fim buscado pelo intérprete-participante torna-se uma verdadeira necessidade do sistema normativo. 3. Vaguidade do termo princípio Ponto de grande relevância para compreensão do tema proposto trata-se da concepção adotada para o termo princípio, como já salientado, embora seja de uso frequente no âmbito jurídico, nota-se que sua utilização nem sempre recebe o devido cuidado, sendo o seu uso marcado, na maioria das vezes, por um caráter retórico. Dessa forma, o aprofundamento no tema é algo necessário para o desenvolvimento deste trabalho. A palavra princípio comporta um vasto campo semântico, havendo, dessa forma, uma vaguidade e ambiguidade no uso deste termo. Vaguidade é a falta de precisão no significado de uma palavra, vício assinalado pela incapacidade de se determinar, exatamente, quais objetos são abrangidos por seu conceito, o que torna duvidosa sua utilização, a forma para afastar este vício está na definição, é uma questão de delimitar o conceito das palavras, evitando dessa forma, a zona de penumbra decorrente da designação precisa inerente a todos os vocábulos. Neste sentido, é importante salientar que a vaguidade, de certa forma, sempre estará presente no discurso, isto porque, ao utilizarmos a definição fazemos uso de outras palavras as quais por sua vez também podem apresentar vaguidade. Já a ambiguidade é característica das palavras as quais comportam mais de um significado, isto é, que podem ser utilizados em dois ou mais sentidos. Este problema ocorre porque o vínculo existente entre a palavra (suporte físico) e seu significado é artificialmente construído por uma comunidade de discurso, sendo comum verificar que a um mesmo suporte físico seja relacionado mais de um significado. Na busca de afastar a ambiguidade há o processo de elucidação o que consiste em apontar o sentido dado ao termo conforme a utilização. Contudo é importante salientar que para o desiderato de afastar de forma plena a ambiguidade é necessário apontar o sentido dado ao termo toda vez que a palavra é utilizada em sentido diferente. Extinguir de forma plena esses dois vícios de linguagem é um objetivo praticamente inalcançável, haja vista, como dito em linhas anteriores, a cada nova definição insere-se uma nova palavra a qual possuirá sua carga de vaguidade, da mesma forma, ainda que se busque uma postura de neutralidade o homem é um ser impregnado de valores trazendo consigo sempre uma certa carga valorativa – emotiva, não obstante, embora a plena erradicação desses vícios de linguagem não seja possível, a sua diminuição é algo plenamente alcançável e necessária, principalmente quando tem-se o conhecimento da existência dos mesmos. Feita essas devidas considerações a utilização do termo princípio no desenvolvimento deste trabalho irá procurar evitar ao máximo a ocorrência desses vícios de linguagem, primando, portanto, por uma utilização precisa do termo. 4. Entre princípios – regras e segurança jurídica Questão que merece ser tratada com o devido cuidado para compreensão da relação princípio-segurança jurídica, é a distinção entre princípios e regras. Sobre o assunto é possível se trazer à analise diferentes concepções doutrinárias, toda via, no intuito de conferir um discurso mais objetivo e conciso em relação ao tema, serão abordados os pontos que julgo de maior relevância para esclarecimento da temática proposta. Uma primeira forma de se tratar o tema é considerar que os princípios são normas as quais possuem um elevado grau de abstração e generalidade: abstração porque destinam-se a um número indeterminado de situações, e generalidade por se direcionarem a um número indeterminado de pessoas. Já as regras de forma diametralmente opostas possuem um grau de abstração praticamente nulo, ao passo, que destinam-se a um número praticamente determinado de situações, bem como, um baixo grau de generalidade, uma vez que, destinam-se a um número praticamente determinados de pessoas, havendo portanto, menor espaço para subjetividade.  Essa é a concepção clássica do direito público a qual sofre críticas ao passo que não estabelece de fato uma distinção entre princípios e regras, conferindo-lhes a mesma propriedade, nessa linha de raciocínio princípios e regras possuem as mesmas propriedades, havendo diferenciação de graus apenas. Uma segunda forma de se analisar essa distinção é considerando que os princípios são normas as quais se caracterizam por serem aplicadas por meio da ponderação com outras normas, estabelecem deveres provisórios os quais podem ser superados a depender da ponderação. Já as regras instituem deveres definitivos por meio de três modais deônticos (O) obrigatório, (V) proibido e (P) permitido, sendo aplicada por meio de subsunção, ou seja, adequação do fato á norma. Essa linha de pensamento está associada a teoria moderna do direito público. Essa concepção também não está isenta de críticas, uma vez que, os mandamentos impostos pelas regras também são superáveis, sendo por isso, também provisórios, além de que, a forma de aplicação das regras por meio da subsunção não ocorre de forma plena, haja vista, ser possível se ponderar regras ou utilizar a razoabilidade. Como pode-se observar tanto na teoria clássica do direito público quanto na teoria moderna do direito público encontramos pontos frágeis, ao se distinguir princípios e regras pelo grau de abstração e generalidade comete-se uma falha de ordem semântica, como dito em linhas anteriores, direito é texto-linguagem, dessa forma, a norma seja ela princípio ou regra é veiculada por meio de linguagem, havendo sempre, uma atividade de atribuição de sentido aos signos, o que implica salientar que o elemento axiológico sempre está presente na norma, seja ela princípio ou regra. Já em relação teoria moderna do direito público a fragilidade reside na forma de aplicação das regras por meio da subsunção, mesmo nas regras é preciso a construção do conteúdo semântico, sendo descabida a consideração de aplicação automática e infalível da norma-regra, é preciso a presença humana, para aplicação e construção do conteúdo semântico. Estudando o Assunto o professor Humberto Ávila faz as seguintes observações: "Com efeito, os princípios descrevem um estado de coisas que deve ser buscado, sem, no entanto, definir previamente o meio cuja adoção produzirá efeitos que contribuirão para promovê-lo, deixando, por isso, de vincular o aplicador a uma operação de correspondência entre o conceito da hipótese normativa e o conceito dos fatos concretos. Os princípios normatizam uma parte da controvérsia, cuja solução somente é encontrada por meio de uma regra, concreta e móvel, de primazia instituída mediante uma ponderação quantitativa entre os princípios complementares e concretamente colidentes, que seja capaz de descobrir os meios adequados, necessários e proporcionais à consecução do fim cuja realização é determinada pela positivação dos princípios. O mesmo não ocorre com a instituição de regras. É que elas descrevem a conduta a ser adotada ou a parcela de poder a ser exercida pelo seu destinatário e, em vez de deixar aberta a escolha de qualquer meio de atuação, define de antemão o dever de usar um meio específico, cabendo ao intérprete aplicar a regra cujo conceito seja finalmente correspondente ao conceito dos fatos. As regras, ponderando previamente os aspectos relevantes para o conflito entre determinados princípios, resultam de ponderações legislativas que têm a função de gerar uma solução específica, evitando que a controvérsia entre os valores morais que elas afastam ressurja por meio de uma ponderação horizontal no momento de aplicação.[4] " Abordando o assunto com outro olhar e com a precisão linguística que lhe é inerente, o professor Paulo de Barros, faz a seguinte afirmação: "Princípio é uma regra portadora de núcleos significativos de grande magnitude influenciando visivelmente a orientação de cadeias normativas, às quais outorga caráter de unidade relativa, servindo de fator de agregação para outras regras do ordenamento(…). Os princípios são normas, com todas as implicações que esta proposição apodítica venha a suscitar, mas são também valores, na medida em que lhes adjudicamos um vector semântico axiologicamente determinado"[5]. Na visão do referido autor a segurança jurídica se caracteriza como um sobreprincípio estando abaixo apenas do ideal de justiça no direito, dessa forma, a realização da segurança jurídica está atrelada à realização de outros princípios como o da legalidade, irretroatividade, entre outros os quais atuam como limites objetivos realizadores do valor da segurança jurídica, atuam como mecanismos que dão força de eficácia aos primados axiológicos do direito. De forma sucinta pode-se destacar as seguintes concepções: ( i ) princípio como norma jurídica de posição privilegiada e portador de valor expressivo; ( ii ) princípio como norma jurídica de posição privilegiada que estipula limites; ( iii ) princípio como valores insertos em regras jurídicas de posição privilegiada, mas considerados independentemente das estruturas normativas; e ( iv ) princípio como limite objetivo estipulado em regra de forte hierarquia, tomado, porém, sem levar em conta a estrutura da norma. Nas duas primeiras acepções temos princípios como norma, enquanto que nas duas últimas, princípios como valor[6]. Essa concisa abordagem acerca da relação princípio – regra – segurança jurídica permite concluir de maneira coerente, porém não definitiva, haja vista os axiomas da interpretação, que o princípio é uma proposição jurídica a qual pertence ao direito posto, dessa forma, independente da distinção entre regras e princípios, há de se observar que sempre o que é aplicado é uma norma, para alguns em forma de princípio ou regras, ou ainda, uma norma de maior cunho valorativo ou um limite objetivo voltado para a realização de um valor. O elemento axiológico é inerente ao sistema jurídico independente da forma que esse se expresse. Nas palavras da professora Aurora Tomazini: " Não se afasta a aplicação de uma regra para se aplicar o princípio, apenas aplica uma norma em detrimento de outra, segundo sua valoração, se sobrepõe em razão do princípio (valor). E querer discutir a sobreposição de regras é ingressar no campo da ideologia do intérprete. Cada sujeito constrói o seu sistema jurídico ( S4), estruturando e sobrepondo normas de acordo com seus referenciais. E, é assim, segundo a valoração d cada um, que as normas jurídicas são aplicadas[7]." Uma segunda conclusão que pode-se chegar nesse momento é que a segurança jurídica, antes de ser princípio é um valor, e como tal apresenta as características inerentes aos valores: bipolaridade, incomensurabilidade, atributividade, objetividade, entre outros possíveis de se vislumbrar. Tecendo sucinto comentário em relação a esses valores é possível salientar: ( i ) bipolaridade – todo valor se contrapõe a um desvalor, ( ii ) incomensurabilidade – os valores não podem ser mensurados, ( iii ) atributividade – o valor pressupõe necessariamente a presença humana e um ato de atribuição que lhe vincule a um objeto, ( iv ) objetividade – Os valores configuram-se como qualidades aderentes, que os seres humanos predicam a objetos ( reais ou ideais). A segurança jurídica embora tenha essa relevância irrefutável para o sistema jurídico, não vem expressa em nosso ordenamento constitucional, fato este que  implica na sua aceitação de forma implícita no sistema, sendo também, uma necessidade do próprio ordenamento jurídico. Não obstante, como valor que é possui suas características entre elas a bipolaridade supramencionada no parágrafo acima, dessa forma, compreendo que embora não se tenha expresso no texto constitucional esse  sobreprincípio – ( valor ) a nossa carta magna de maneira oblíqua veio a reiterar e deixar clara expressamente a protuberância da segurança jurídica ao trazer um enunciado prescritivo o qual busca impedir a insegurança jurídica, ou seja, o desvalor do valor tutelado.  Veja no artigo infracitado. “Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)” “§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica." Como é possível observar embora o texto constitucional não tenha trazido um enunciado prescritivo expresso da segurança jurídica o fez de forma oblíqua ao tutelar o seu desvalor de maneira a ser evitado.  5. Leis Interpretativas e irretroatividade das leis O nosso ordenamento constitucional traz expresso em seu artigo 5º, inciso XXXVI, o seguinte enunciado prescritivo: “XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” Percebe-se, nesse ponto, a tutela constitucional às relações jurídicas já constituídas, obstando o legislador de criar novos enunciados prescritivos que tenham aptidão para reger fatos constituídos cronologicamente antes da edição legal. Este enunciado por se só, já permite ao intérprete a construção de significação no sentido de impossibilidade de retroatividade das leis. Não obstante, reiterando essa impossibilidade a Constituição da República fixou na sessão referente a limitação ao poder de tributar o seguinte enunciado: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: “III – cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;” Com fulcro nesses enunciados constitucionais pode-se chegar a seguinte conclusão: a estabilidade das relações jurídicas é uma prerrogativa inafastável do nosso sistema constitucional, sendo uma das condição para a existência de um Estado Social Democrático de Direito, configurando-se como um direito e garantia individual do sujeito de direito. Neste âmbito, o respeito à coisa julgada, ao direito adquirido, ao ato jurídico respeito e por fim a irretroatividade das leis são condições sine qua non para a coerência e hierarquia do ordenamento. Abrindo uma exceção ao mandamento da Constituição o Código Tributário Nacional prevê alguns casos em que a nova lei pode ser aplicada a fatos cronologicamente anteriores a sua publicação, como dispõe o artigo 106 infracitado. “Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II – tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.” Neste momento o objeto de análise será a lei interpretativa, cabe de agora em diante, analisar o tema com a devida acuidade sob a ótica do constructivismo lógico semântico, referencial teórico adotado neste artigo. Para posteriormente verificar a plausibilidade e eficácia dessas leis em nosso ordenamento. 6. Leis Interpretativas A primeira questão a ser enfrentada para adequada compreensão do tema, trata-se de saber o que significa Lei Interpretativa. De maneira geral pode-se salientar:  tratar-se de lei a qual tem por objetivo fixar a significação de norma jurídica que suscite dúvidas no seu sentido e alcance ou que possa vir suscitá-la. Apresenta-se como pressuposto da lei interpretativa, portanto, a existência de incerteza sobre o significado normativo do preceito interpretado, incerteza esta que decorre da possibilidade de interpretações variadas, as quais se pretende uniformizar por meio do preceito interpretativo. Procura-se, pois, com essa espécie de procedimento legislativo, resolver problema de certeza e de igualdade na aplicação da lei[8]. Verifica-se, dessa forma, que as leis interpretativas apresentam uma característica peculiar qual seja a de não produzirem inovação no âmbito jurídico, não visam a criação de novas regras de conduta para a sociedade, tendo como objetivo único esclarecer possíveis obscuridades do texto normativo anterior. Sobre o assunto tivemos recente exemplo no âmbito tributário em relação a  Lei Complementar 118 de 09 de fevereiro de 2005 a qual trouxe em seus artigos 3º e 4º as seguintes disposições: “ Art. 3o Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1o do art. 150 da referida Lei. Art. 4o Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.” Esta nova disposição, sob o pretexto de esclarecer o verdadeiro sentido da regra exposta no art. 168 do CTN, fixou um entendimento acerca da contagem do prazo prescricional para o exercício do direito do contribuinte à repetição do indébito, ao arrepio de entendimento já consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, prevendo-se, ademais, a aplicação imediata de tal disposição, haja vista o que dispõe o art. 4º da referida Lei Complementar. Dessa forma, devido ao caráter interpretativo conferido ao referido artigo 3º da  lei complementar cotejou-se a aplicação retroativa desse dispositivo ao que diz respeito ao entendimento da  extinção do crédito tributário no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação. Não obstante, como é do conhecimento de todos que lidam com a temática o referido entendimento não foi acatado pela jurisprudência tendo em vista a nítida inovação jurídica por ele trazida, não se inserindo dessa maneira na classificação de leis interpretativas. Mesmo diante da inaplicabilidade dos efeitos retroativos no caso do artigo 3º da Lei Complementar 118 de 09 de fevereiro de 2005, uma questão ainda persiste. O nosso sistema tributário prevê em seu artigo 106, I a possibilidade de retroatividade dos efeitos da lei quando forem expressamente interpretativas, nesse sentido cabe uma primeira indagação: é possível se produzir norma que nada altere no ordenamento jurídico?. Abordando o tema esclarece Luciano Amaro: "Com efeito, a dita “lei interpretativa” não consegue escapar do dilema: ou ela inova o direito anterior (e, por isso, é retroativa, com as conseqüências daí decorrentes), ou ela se limita a repetir o que já dizer a lei anterior (e, nesse caso, nenhum fundamento lógico haveria, nem para a retroação da lei, nem, em rigor, para sua edição). Não se use o sofisma de que a lei interpretativa estaria “apenas” dizendo como deve ser aplicada (inclusive pelo juiz) a lei anterior, nem se argumente que o legislador estaria “somente” elucidando o que ele teria pretendido dizer com a lei anterior[9]." Por sua vez Roque Antonio Carrazza assevera: "Há quem queira – seguindo na traça do art. 106, I, do CTN – que a lei tributária interpretativa retroage até a data da entrada em vigor da lei tributária interpretada. Discordamos, até porque, no rigor dos princípios, não há leis interpretativas. A uma lei não é dado interpretar outra lei. A lei é o direito objetivo e inova inauguralmente a ordem jurídica. A função de interpretar leis é concedida a seus aplicadores, basicamente ao Poder Judiciário, que as aplica aos casos concretos submetidos a sua apreciação, definitivamente e com força institucional[10]." Em via de entendimento diametralmente oposto José Jayme de Macedo Oliveira, entende a plausibilidade da referida lei, tecendo o seguinte comentário: "A característica básica das leis interpretativas repousa em sua eficácia retroativa, ou seja, já que não criam novas normas de conduta e restringem-se a esclarecer dúvidas existentes na lei interpretada, retroagem ao início da vigência desta, respeitado, por óbvio, o comando constitucional atinente à coisa julgada (CF/88, art. 5º, XXXVI). E essa retroatividade é facilmente explicável: se o legislador entendeu que o sentido da norma por ele anteriormente edita é aquele que vem expresso em uma norma posterior, não se pode aceitar que a lei interpretada, até certa data, tenha um significado e, a partir da data da lei interpretativa, tenha outro. Uma lei não pode, por definição, admitir dois entendimentos, dois significados diferentes. E é esta retroatividade que o presente inciso do art. 106 disciplina, acentuando que a lei só é interpretativa no caso de textualmente consignar este caráter, e decretando a não-inflição de penalidade quanto às infrações da lei anterior, configuradas face a entendimento do sujeito passivo diverso do expresso na nova lei de interpretação; em outros termos: o ato praticado seguiu inteligência da norma anterior, inferida antes da lei interpretativa e com esta conflitante. Sujeita-se, nesse caso, o contribuinte ao recolhimento do imposto acaso devido, aos acréscimos moratórios e correcionais, jamais aos de natureza punitiva[11]" Pelo exposto, pode-se observar que o assunto em tela gera discussões no âmbito doutrinário, havendo pontos de vistas diferenciados sobre o mesmo. 7. Análise Semiótica das Leis Interpretativas Como já salientado em capítulo anterior o direito atua como formador de um processo comunicacional. É nesse ponto que a semiótica possui relevante papel para a compreensão do corpo de linguagem jurídico, haja vista, ser ela a disciplina que estuda os elementos pertinentes à comunicação, a semiótica é a Teoria Geral dos signos, é a ciência que se presta ao estudo das unidades representativas do discurso, ela aparece como uma das técnicas mediante a qual o direito positivo pode ser investigado. A semiótica pode ser utilizada na interpretação do direito por meio do estudo dos signos que compõe o corpo de linguagem jurídico, de forma mais precisa os recursos semióticos permitem a análise das três dimensões que a linguagem apresenta na investigação dos sistemas sígnicos: i) “Sintático – os signos lingüísticos são examinados nas suas relações mútuas, ou seja, signos com signos. ii) Semântico – refere-se a relação do signo com o objeto que ele representa iii) Pragmático – os signos são vistos na relação em que mantêm com os utentes da linguagem”.      Dessa forma, cabe analisar as leis interpretativas sob o prisma sintático, semântico e pragmático.” 7.1- Do plano sintático No plano sintático os signos linguísticos são examinados nas suas relações mútuas, ou seja, signos com signos, dessa forma, pode-se analisar as relações das leis interpretativas (tomadas neste momento como signos) com outros signos do ordenamento jurídico. Nesse aspecto, julgo importante observar a relação dessas leis com os mandamentos constitucionais, como ficou demonstrado anteriormente a Constituição da República traz alguns limites objetivos os quais vedam a possibilidade de retroatividade da lei nova para fatos cronologicamente anteriores a sua publicação, não trazendo a Lei interpretativa como uma exceção à esse enunciado. Sendo assim, penso ser cabível as seguintes reflexões: é plausível o Código Tributário Nacional trazer exceção ao limite objetivo da irretroatividade da leis, por meio das leis interpretativas, uma vez que, a própria constituição não a faz? Não estaria o Código Tributário Nacional afetando um direito e garantia individual previsto constitucionalmente? Por fim, essas relações mútuas entre os signos linguísticos encontram-se de forma harmoniosa sob o ponto de vista do sistema normativo?  7.2- Do plano semântico No plano semântico verifica-se a relação do signo com o objeto que ele representa. Neste momento, cabe a análise do sentido das leis interpretativas em nosso sistema jurídico, ou seja, a relação da lei interpretativa com o sentido que ela Expressa -representa. Como já salientado a lei pra ser considerada interpretativa não pode trazer inovações para o âmbito jurídico, ela deve servir apenas de instrumento o qual vise sanar alguma obscuridade de enunciando anterior. Nesse ponto, julgo necessária algumas considerações: ( i ) O Direito se manifesta através da linguagem, de forma mais precisa podemos afirmar que direito é texto, como texto é formado por signos-palavras as quais por sua natureza apresentam vaguidade, a forma para afastar este vício está na definição, é uma questão de delimitar o conceito das palavras, evitando dessa forma, a zona de penumbra decorrente da designação precisa inerente a todos os vocábulos. Não obstante, é importante salientar que a vaguidade, de certa forma, sempre estará presente no discurso, isto porque, ao utilizarmos a definição fazemos uso de outras palavras as quais por sua vez também podem apresentar vaguidade. Nesse sentido, percebe-se que as leis interpretativas possuem um objetivo utópico, ao passo que, sempre que se utilizar da palavra para esclarecer obscuridades lingüísticas estar-se-á sujeito a novos pontos de obscuridades pelo uso das novas palavras. ( ii ) A determinação dos sentidos é realizada pelo intérprete e não pelo suporte físico, dessa forma, a existência das leis interpretativas passam a falsa percepção que a interpretação é resultado da próprio enunciado-suporte físico e não do intérprete, fato esse que vai de encontro com todas argumentações expostas neste trabalho.  7.3 – Do plano pragmático Nesse ponto, os signos são vistos na relação em que mantêm com os utentes da linguagem. O aspecto pragmático é o que apresenta maiores consequências para o mundo fenomênico, haja vista, refletir a forma como os utentes da linguagem relacionam-se com os signos, em outras palavras, é a análise de como as leis interpretativas são utilizadas-aplicadas pelos participantes do sistema jurídico. Chega-se ao ponto de maior preocupação para o âmbito jurídico, como já salientado o Código Tributário Nacional abre uma exceção ao limite objetivo da irretroatividade da lei previsto no artigo 150, inciso III, alínea A, da C.F, dessa forma, uma nova lei a pretexto de ser interpretativa, pode ser aplicada para fatos cronologicamente anteriores a sua publicação, essa possibilidade de aplicação retroativa é uma afronta ao ato jurídico perfeito, a coisa julgada, direito adquirido, em suma, a segurança jurídica. O risco maior reside na razão da inviabilidade de se verificar uma lei que nada introduza no ordenamento jurídico, é um novo corpo lingüístico, com novos signos, por conseguinte, como novos campos semânticos. Dessa forma, como sustentar que não há inovação, se estamos diante de um novo ato de fala ?. O resultado da não observação desses pontos implica no uso inadequado dessas leis, uma lei não pode ser considerada interpretativa por denominar-se como tal, vou além, penso ser viável do ponto de vista semântico, aceitar a existência de leis meramente interpretativas que nadam trazem de novo para o ordenamento jurídico. É por essa razão, que a aplicação das denominadas leis interpretativas coloca em risco a segurança jurídica do ordenamento. Diante das considerações feitas pode-se salientar que as referidas leis não possuem a necessária eficácia técnica semântica para produção de efeitos, sobre o assunto é importante salientar que a eficácia técnica é a qualidade que a norma ostenta, no sentido de descrever fatos que, uma vez ocorridos, tenham aptidão de irradiar efeitos, já removidos os obstáculos materiais ou as impossibilidades sintáticas[12]. Dessa forma, a norma jurídica é tecnicamente eficaz quando presentes, no ordenamento, todas condições operacionais que garantem sua aplicação ou exigibilidade. Aplicando uma análise semiótica podemos falar em três tipos de ineficácias técnicas: (i) ineficácia técnica sintática: ocorre quando a norma não pode produzir seus efeitos por dois motivos ( a ) – pela existência no ordenamento de outra norma inibidora de sua incidência ou ( b ) – pela falta de outras regras regulamentadoras de igual ou inferior hierarquia.  (ii) ineficácia técnica semântica: está relacionada ao conteúdo da norma, a norma deixa de produzir efeitos que lhe são pertinentes por impedimentos referentes ao objeto ao qual  a linguagem jurídica alude, por falta de sentido jurídico. (iii) ineficácia pragmática: ocorre quando se verifica regras válidas, vigentes, mas que caem no desuso dos órgãos aplicadores – tribunais.  Em suma, a aludida lei interpretativa não possui aptidão para produção de efeitos no mundo fenomênico por falta de sentido jurídico, por uma inconsistência em seu conteúdo. Ainda em relação ao aspecto pragmático o tema em questão vem gerando sérias controvérsias no Supremo Tribunal Federal, a título de demonstração coleciono abaixo algumas jurisprudências do Excelso Tribunal. “DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI INTERPRETATIVA – APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO À SEGURANÇA JURÍDICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS – APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE INDÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. Quando do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a aplicação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. A LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova. Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressamente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publicação da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não apenas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos. Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo lacuna na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário. Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de 2005. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido. (RE 566621, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/08/2011, DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011 EMENT VOL-02605-02 PP-00273)” EMENTA: RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONHECIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. APLICABILIDADE DO REGIME ESTABELECIDO NO ART. 543-B DO CPC. TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE PROPOR AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RETROATIVIDADE DE LEI AUTO-PROCLAMADA INTERPRETATIVA. LC 118/2005. CTN. 1. As datas de recolhimento do indébito tributário ou de propositura da ação de repetição de indébito são irrelevantes para submissão do caso à sistemática da repercussão geral, pois a discussão de fundo que será realizada no julgamento do RE 585.702 e do RE 561.908 (rel. min. Marco Aurélio) definirá se a nova norma de prescrição pode retroagir indefinidamente ou não. 2. Não se aplica ao caso a orientação que rejeita o cabimento de recurso extraordinário na hipótese de não haver prequestionamento ou de haver preclusão, na medida em que a superveniência da LC 118/2005 e sua retroatividade ampla é o cerne da matéria controvertida. 3. Quanto ao pretenso prejuízo da alegada violação da regra de reserva de Plenário para declaração de inconstitucionalidade (art. 97), a confirmação da inconstitucionalidade ampla da norma retroativa, apontada pela parte-agravante, não ocorreu nestes autos, de modo que é plenamente aplicável a solução adotada por esta Corte no RE 482.090 (rel. min. Joaquim Barbosa, Pleno, RTJ 209/1374), isto é, não há perda de interesse processual. Agravo regimental ao qual se nega provimento.(RE 588793 ED, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 07/06/2011, DJe-119 DIVULG 21-06-2011 PUBLIC 22-06-2011 EMENT VOL-02549-02 PP-00155) Brasília, 1º a 5 de agosto de 2011 Nº 634 Data (páginas internas): 10 de agosto de 2011 Este Informativo, elaborado a partir de notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos não-oficiais de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça. Repercussão Geral Prazo para repetição ou compensação de indébito tributário e art. 4º da LC 118/2005 – 5 É inconstitucional o art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005 [“Art. 3º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei. Art. 4º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”; CTN: “Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”]. Esse o consenso do Plenário que, em conclusão de julgamento, desproveu, por maioria, recurso extraordinário interposto de decisão que reputara inconstitucional o citado preceito — v. Informativo 585. Prevaleceu o voto proferido pela Min. Ellen Gracie, relatora, que, em suma, assentara a ofensa ao princípio da segurança jurídica — nos seus conteúdos de proteção da confiança e de acesso à Justiça, com suporte implícito e expresso nos artigos 1º e 5º, XXXV, da CF — e considerara válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9.6.2005. Os Ministros Celso de Mello e Luiz Fux, por sua vez, dissentiram apenas no tocante ao art. 3º da LC 118/2005 e afirmaram que ele seria aplicável aos próprios fatos (pagamento indevido) ocorridos após o término do período de vacatio legis. Vencidos os Ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, que davam provimento ao recurso. RE 566621/RS, rel. Min. Ellen Gracie, 4.8.2011. (RE-566621)”“ As jurisprudências supramencionadas reiteram a relevância do assunto para o âmbito jurídico, verifica-se que o tema em questão suscita reflexões mais apuradas sendo reconhecido como de Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal. É importante mencionar que não se trata de assunto com entendimento já consolidado sem mais o que a se acrescentar, são julgados recentes. É importante salientar – reiterar que os referidos julgados não esgotam toda problemática do tema em questão.  8. CONCLUSÃO A simples verificação de validade da referida norma já é elemento suficiente para justificar o estudo do tema proposto, a partir do momento que se verifica relação de pertenciabilidade de uma norma com o sistema jurídico, tem-se a possibilidade de aplicação da mesma, e, por conseguinte, a prolação  de seus efeitos, nessa medida é plausível e necessário que tenhamos uma construção adequada acerca do sentido da norma, o sistema tributário nacional prevê a existência de leis expressamente interpretativas, e mais, na verificação das mencionadas leis autoriza a retroatividade de efeitos jurídicos.  A não observação cuidadosa da temática em questão pode levar a situações de clara afronta constitucional, como ocorrera com o artigo 3º e 4º da Lei Complementar 118 de 09 de fevereiro de 2005, quando na ocasião foi fixado um novo entendimento acerca da contagem do prazo prescricional para o exercício do direito do contribuinte à repetição do indébito, se aplicando a relações jurídicas já constituídas sobre pretexto da norma ser interpretativa (a qual não pode implicar em inovação). Embora tal entendimento tenha sido afastado, uma vez que, a jurisprudência fixou posicionamento que a referida norma não tinha caráter interpretativo, a possibilidade de retroatividade dos efeitos jurídicos nas relações jurídicas tributárias já constituídas persiste como uma possibilidade jurídica plausível – possível no âmbito do direito, posto que, o artigo 106, I do Código Tributário Nacional prevê tal possibilidade tendo relação de pertinencialidade com o sistema jurídico, sendo portanto,  uma norma válida e apta à produção de efeitos. As considerações feitas ao decorrer deste trabalho nos leva a algumas reflexões sobre o assunto: ( i ) qual o sentido das leis expressamente interpretativas ?, ( ii ) é plausível se falar de leis puramente interpretativas no âmbito tributário? ( iii ) qual o entendimento conferido a atividade – processo de interpretação nesse aspecto? ( iv ) a existência das mencionadas leis se coadunam  com os dispositivos constitucionais ? ( v ) cabe ao poder legislativo a positivação de interpretação de normas ?. ( vi ) Além dessas questões um outro ponto de extrema importância se coloca: sendo a lei considerada interpretativa pode a norma retroagir indefinitivamente ou não ? Com base na linha de raciocínio desenvolvida neste trabalho pode-se responder as indagações supracitadas da seguinte forma: ( i ) as leis interpretativas possuem inconsistência semântica, o intuito buscado por essa espécie normativa é utópico, uma vez que, ao querer esclarecer possíveis obscuridades lingüísticas de uma norma por meio de um novo enunciando lingüístico, estar-se-á diante de novos signos, novo corpo lingüístico, novo campo semântico, os quais são por sua própria natureza sujeitos a novas vaguidade, dessa forma, o objetivo de esclarecer de maneira segura o sentido de um signo-palavra dificilmente será alcançado, haja vista, se utilizar de outra palavra para tal desiderato. ( ii ) Diante dessa inconsistência semântica não é cabível se falar em leis expressamente interpretativas em nenhum âmbito do sistema jurídico, principalmente no âmbito tributário onde se tem estreita relação com o direito de propriedade tutelado constitucionalmente, para se ingressar nessa esfera, é necessário uma aplicação normativa harmônica do sistema constitucional e tributário. ( iii ) A determinação dos sentidos é realizada pelo intérprete e não pelo suporte físico, dessa forma, a existência das leis interpretativas passam a falsa percepção que a interpretação é resultado da próprio enunciado-suporte físico e não do intérprete. ( iv ) Por toda a motivação exposta não há como sustentar que as leis interpretativas são harmônicas com os dispositivos constitucionais, elas representam clara afronta ao limite objetivo da irretroatividade das leis, haja vista, a impossibilidade de se criar um enunciado que nada introduza no sistema – que não traga inovação. ( v ) Por fim, ainda há de se considerar que o acatamento a essa espécie de lei implica na anuência de positivação de interpretação pelo legislativo o que ao meu ver é inaceitável em nosso ordenamento, ao legislativo cabe a atribuição típica de produção de enunciados prescritivos a atribuição de interpretar e aplicar a lei é função jurisdicional. É certo que todos os poderes possuem atribuições típicas e atípicas, mas nesse caso, aceitar a positivação de interpretação por parte do legislativo é  abrir um sério precedente o qual vai de encontro com a segurança jurídica e a separação de poderes, uma vez que, mesmo aceitando essa positivação pelo legislativo há de se considerar que o produto desse trabalho  será um novo enunciado prescritivo o qual necessariamente terá que passar um percurso gerador de sentido para ter algum significado, em suma, é necessário a presença de um interprete para atribuir sentido aos signos ( interpretar). (  vi ) Por todas argumentações trazidas e pela linha de raciocínio desenvolvida neste trabalho não há como aceitar a retroatividade, principalmente a  indefinitiva da norma. Há por fim, de se considerar que uma lei não pode ser considerada interpretativa simplesmente porque assim é denominada, o conceito tem que possuir uma relação com as características do objeto a que se refere, fato esse que não ocorre no caso das leis interpretativas. O desenvolvimento deste trabalho buscou se pautar pelo método  Hermenêutico – Analítico, hermenêutico porque através desse método foi construído o sentido dos textos positivados entrando em contato com os referenciais culturais que os informam, e analítico porque através dele foi realizado um corte na linguagem, uma decomposição do discurso jurídico, para estudá-lo ainda que concisamente em seus âmbitos sintático ( estrutural), semântico ( significativo) e pragmático ( prático – de aplicação ) visando a construção e a unicidade do objeto por meio de seu detalhamento. As considerações supramencionadas mais do que reiterar a natureza não interpretativa da lei complementar 118/05, bem como, expor o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca de alguns pontos da referida lei, buscou realizar uma reflexão acerca do sentido das denominadas Leis Interpretativas em nosso ordenamento tributário. O cerne da temática concentrou-se na busca de uma adequada compreensão acerca da natureza das leis interpretativas, em suma, da função das mesmas para o sistema tributário nacional, posto que, uma vez verificada a relação de pertenciabilidade com o sistema jurídico, há de se perquirir a construção de sentido da norma para sua apropriada aplicação. Nesse sentido, sustento a inviabilidade da existência da referida espécie normativa por todas questões de natureza sintática, semântica e pragmática levantadas.
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